A Cooperação Sul-sul e a Atual Dinâmica Da Ajuda

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Este trabalho tem como objetivo discutir o conceito de Cooperação Sul-Sul (CSS) e seus princípios em relação a sua diferenciação da Ajuda Oficial para o Desenvolvimento (AOD)

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  • 1 Seminrio Nacional de Ps-Graduao em Relaes Internacionais Braslia, de 12 e 13 de julho de 2012

    Painel: O Campo da Cooperao Internacional para o Desenvolvimento: da Consolidao aos Desafios Atuais

    rea temtica: Governana e Instituies Internacionais

    A COOPERAO SUL-SUL E A ATUAL DINMICA DA AJUDA INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO

    Aline Fernandes Vasconcelos de Abreu PUC-Rio

  • Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir o conceito de Cooperao Sul-Sul (CSS) e seus princpios em relao a sua diferenciao da Ajuda Oficial para o Desenvolvimento (AOD) conceito estabelecido pela OCDE para definir a ajuda provida por pases do Norte aos pases do Sul e aqui utilizada como sinnimo de Cooperao Norte-Sul. O objetivo apontar os principais aspectos histricos do discurso diplomtico que caracteriza a CSS e identificar semelhanas e diferenas existentes entre os preceitos desses dois tipos de ajuda internacional para o desenvolvimento. Por vezes, a CSS se difere da AOD com base principalmente no princpio de horizontalidade, no interferncia e na ausncia de condicionalidades polticas. Mas percebe-se que a linha que diferencia esses dois conceitos no muito clara, sendo difcil a identificao do que a CSS e qual sua especificidade com relao AOD. Observa-se que a CSS uma prtica mais ampla que a AOD, e que integra diversos tipos de investimentos financeiros. Ao final, so levantados questionamentos sobre a especificidade da CSS, para alm dos diferentes atores de cooperao para o desenvolvimento, neste caso representados pelos pases ainda em desenvolvimento. Palavras-chave: Desenvolvimento; Cooperao Internacional; Cooperao Sul-Sul.

  • I. Introduo:

    A Cooperao Sul-Sul (CSS) um conceito bastante difcil de definir.

    A variedade de pases que integram o Sul e conseqentemente a diversidade

    de atividades desempenhadas por eles no mbito da CSS dificulta a

    identificao daquilo que faz parte dessa prtica. A anlise histrica desse

    conceito e dos debates em torno dele permite, de alguma forma, a

    compreenso do que quer dizer CSS. Dessa forma possvel ter

    conhecimento das diversas questes que em algum momento se

    relacionaram CSS e outras que ainda tm forte ligao com essa prtica.

    Por meio da anlise histrica desenvolvida a seguir, a CSS como um

    discurso diplomtico multilateral, possvel destacar aspectos centrais para o

    entendimento dessa prtica. Destes se destacam a origem ideolgica desse

    conceito, fortemente vinculado ao Movimento dos Pases no-Alinhados e o

    fortalecimento de aspectos econmicos a partir da dcada de 1990.

    A maioria da bibliografia e do debate em torno da CSS gira em torno

    dessa narrativa diplomtica, mas isso no implica na confluncia de vises

    sobre o conceito de CSS. Uma dos meios para se entender a CSS

    compar-la Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) i termo cunhado pela

    OCDE para definir a ajuda cedida pelos pases desenvolvidos para o

    desenvolvimento dos pases mais pobres. Se a CSS a ajuda cedida pelos

    pases do Sul e a AOD a ajuda cedida pelos pases do Norte, a

    comparao entre essas modalidades seria til para a identificao dos

    aspectos que as diferenciam para alm dos diferentes provedores de ajuda.

    Contudo, a linha que diferencia esses dois tipos de ajuda internacional para o

    desenvolvimento muito tnue. perceptvel semelhanas e diferenas

    entre essas prticas, mas isso se d de tal forma fluida, que impede a

    diferenciao completa da CSS em relao AOD.

    Esses so apenas alguns aspectos que tornam a questo da CSS

    bastante complexa. Alm da dificuldade para a definio conceitual da CSS,

    abordada brevemente neste trabalho com mbito em sua relao com a

    AOD, aspectos de ordem material, como a coleta de informaes sobre os

    projetos desenvolvidos pelos pases do Sul no mbito da CSS, tambm

  • complexificam esse debate. Logo, o intuito no apresentar um conceito

    nico ou defender algum tipo de comparao entre a CSS e a AOD, mas de

    alguma forma apontar para as principais questes relacionadas CSS, a fim

    de enriquecer o debate.

    II. O Conceito de Cooperao Sul-Sul em perspectiva histrica:

    Apesar de serem vrios os marcos histricos internacionais que

    permitem o estudo da construo do conceito de CSS at os dias de hoje,

    alguns se destacam. A partir de sua anlise possvel perceber que

    inicialmente, a CSS surgiu como fruto do no-alinhamento dos pases do

    Terceiro Mundo durante a Guerra Fria, com forte carter ideolgico e poltico.

    Em seguida, suas duas principais modalidades, cooperao tcnica e

    cooperao econmica, passaram por um processo de integrao. A

    cooperao econmica ganhou maior relevncia nas polticas de CSS,

    juntamente com o declnio do carter ideolgico. Por fim, ao mesmo tempo

    em que muitos dos princpios da CSS foram mantidos, ela se aproximou da

    poltica externa dos pases do sul e passou a ser vista como medida

    estratgica para o crescimento econmico das prprias potncias

    emergentes provedoras de CSS.

    Um dos principais fatos originrios foi a inaugurao do Movimento

    dos Pases No Alinhados na Conferncia de Bandung, em 1955, sob o

    contexto de descolonizao e da Guerra Fria. Essa conferncia tem grande

    influncia sobre as aes, princpios e objetivos da CSS at hoje. Em seu

    escopo, foi estabelecida a cooperao entre os pases da sia e da frica de

    acordo com a busca das ex-colnias pela Nova Ordem Econmica

    Internacional (NIEO, sigla em ingls) ii.

    Os pases do Terceiro Mundo, nas circunstncias internacionais

    daquele momento, visavam participao mais igualitria na poltica

    internacional. Era forte o carter ideolgico e de coligao poltica nesse

    movimento, principalmente pela mobilizao do Sul em oposio aos pases

    dos dois plos, EUA e URSS. Dois foram os objetivos centrais dessa

    conferncia: garantir a manuteno e a promoo da paz e da segurana

  • regional (sia e frica) pelo estabelecimento dos 10 princpios gerais de

    cooperao amigvel e buscar a prosperidade comum e o bem estar de

    todos a partir da cooperao econmica, social e cultural. Determinou-se que

    a cooperao econmica teria como princpios o interesse mtuo das partes

    envolvidas e o respeito soberania internacional. Sob seu escopo foram

    determinadas medidas no mbito da cooperao tcnica por meio do envio

    de especialistas, projetos piloto, envio de equipamentos, troca de

    conhecimento e a criao de institutos de pesquisa nacionais e regionais iii.

    Os dez princpios de cooperao amigvel previstos em Bandung so:

    1) respeito aos Direitos Humanos fundamentais e aos princpios da Carta as

    Naes Unidas; (2) respeito pela soberania territorial e pela integridade das

    naes; (3) reconhecimento da igualdade das raas e entre todas as naes,

    grandes ou pequenas; (4) absteno de interveno ou interferncia nas

    questes domsticas de outro pas; (5) respeito ao direito de defesa, de

    acordo com a Carta da ONU; (6) a) absteno do uso de arranjos de defesa

    coletiva com fins de interesse exclusive s grandes potncias, b) absteno

    de todos os pases de exercer presso sobre outros pases; (7) absteno de

    atos de ameaa ou de agresso ou do uso da fora contra a integridade

    territorial e poltica de qualquer pas; (8) resoluo de conflitos por vias

    pacficas, como negociao, conciliao e arbitragem ou acordo jurdico de

    acordo com a Carta da ONU; (9) promoo de interesses mtuos e

    cooperao (10) e respeito justia e a obrigaes internacionais [traduo

    nossa] iv.

    Posteriormente, na dcada de 1960, foi formada a Conferncia das

    Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimentov (UNCTAD, em ingls) e

    em seu mbito criado o Grupo dos 77vi. Ambos permitiram a

    institucionalizao da solidariedade dos pases do Sulvii e impulsionaram a

    Cooperao Tcnica e a Cooperao Econmica entre Pases em

    Desenvolvimento (CTPD e CEPD, respectivamente) viii.

    Segundo o PNUD, a CEPD se refere cooperao entre os pases do

    Sul exclusivamente nos mbitos do comrcio e de finanas. Os objetivos da

    CEPD seriam racionalizar, diversificar e dinamizar os fluxos econmicos

  • entre os pases em desenvolvimento, com o intuito de alcanar o crescimento

    econmicoix. Desta forma, a CEPD tende a combinar o uso de assistncia

    tcnica com instrumentos de natureza distinta como a coordenao de

    polticas econmicas.

    Com relao CTPD, seus objetivos bsicos so a promoo da auto-

    suficincia nacional e coletiva dos pases em desenvolvimento e a

    intensificao da capacidade criativa na resoluo de problemas relacionados

    ao desenvolvimento econmicox. Em 1978, foi adotado o Plano de Buenos

    Aires (PABA), marco internacional para o estabelecimento de diretrizes e da

    CTPD, o qual reforou princpios da Conferncia de Bandung e estabeleceu

    os objetivos da CTPDxi. Alm disso, esse documento cunhou o termo

    cooperao horizontal como sinnimo da cooperao entre os pases em

    desenvolvimentoxii.

    No PABA, foi reforado o vnculo da CTPD com a busca pela NIEO e

    por maior igualdade de representao no sistema internacional. Apesar disso,

    a CTPD no foi definida nesse documento como uma prtica oposta s aes

    do norte. Afirmou-se que a relevncia da CTPD para a economia

    internacional justificada por sua complementaridade cooperao tcnica

    tradicionalmente exercida pelos pases desenvolvidos: A CTPD pode servir

    ao propsito de aumentar a capacidade dos pases em desenvolvimento em

    adaptar e absorver apropriadamente os recursos fornecidos pelos pases

    desenvolvidos xiii [traduo nossa].

    O PABA inovou ao propor recomendaes nos nveis nacionais,

    regionais e globais para a prtica da CTPD. De maneira geral sugeriu-se

    medidas para o incentivo da CTPD nos mbitos nacional, regional e global. O

    papel das instituies polticas desses vrios nveis ressaltado, tendo peso

    essencial para a troca de informaes e coleta de dados e para a

    coordenao da cooperao entre os pases em desenvolvimento. A

    necessidade de adaptao por parte dos governos nacionais tambm foi

    tratada por esse documento. Alm disso, globalmente, foi reafirmada a

    necessidade de reforma dos sistemas de negociao econmica

    internacional de forma a favorecer os pases menos desenvolvidos.

  • Nos anos 1980, a CSS sofreu com os impactos da crise econmica,

    diminuindo sua intensidade nesse perodoxiv. A partir da metade dos anos

    1990, a CSS recuperou seu impulso e iniciou um novo perodo de expanso.

    O crescimento econmico experimentado por alguns pases em

    desenvolvimento, nessa poca, contribui para fortalecer suas economias e

    suas capacidades internas, o que permitiu a consolidao da ajuda ao

    desenvolvimento cedida pelos pases do Sul como um tipo de ajuda

    internacional para o desenvolvimentoxv. Alm disso, essa dcada tambm foi

    relevante para a maior integrao entre a CTPD e a CEPD; prevista em 1995,

    dentre os novos alinhamentos estabelecidos para a CTPD.

    A CSS ganhou um novo impulso nos anos 2000, paralelamente s

    discusses sobre efetividade da ajuda internacionalxvi. Em abril 2000, o G-77

    realizou a primeira Cpula do Sul em Havana, cuja declarao final salientou

    a importncia da CSS no novo milnio e destacou a manuteno dos

    princpios de soberania e igualdade soberana dos Estados, integridade

    territorial e no interveno nos assuntos internos de qualquer Estado

    [Traduo nossa] xvii costumeiramente tomados como alguns dos mais

    importantes princpios resguardados por aqueles que promovem a CSS.

    Guiando-se pelas provises do Programa para a Ao de Havana, o

    G-77 realizou, em dezembro de 2003, a Conferncia de Alto Nvel sobre

    Cooperao Sul-Sul. Como resultado foram elaborados a Declarao de

    Marrakeshxviii e o Arcabouo de Marrakesh para a Implantao da

    Cooperao Sul-Sulxix. A declarao parte do princpio de que os pases em

    desenvolvimento dificilmente conseguiro se desenvolver sozinhos, sendo

    necessria ento a conjuno deles, buscando de forma coletiva o

    desenvolvimento econmico. Nesse momento expressa-se um fenmeno

    corrente desde o fim da Guerra Fria: a conotao idealista e de coligao

    poltica da cooperao entre os pases em desenvolvimento passou a perder

    fora e, dessa forma, a busca pela NIEO se manteve, mas passou a conviver

    com demandas sociais mnimas institucionalizadas, principalmente, na forma

    dos Objetivos do Milnioxx.

    Em 2005, realizou-se a Segunda Cpula do Sul, em Doha, na qual foi

    notria a relevncia da cooperao econmica para a CSS. Como produto

  • desse encontro foi publicado o Plano de Ao de Dohaxxi, no qual se

    enunciaram diversas medidas para o estmulo da CSS, ressaltando o seu

    papel na superao do desafio do desenvolvimento em uma economia

    mundial em processo de globalizao [Traduo nossa] xxii. Alm disso,

    foram previstas aes assegurando os fluxos de investimento direto externo

    para pases em desenvolvimento, para apoiar suas atividades de

    desenvolvimento e para aumentar os benefcios possveis com estes

    investimentos; como seu direcionamento a reas como infraestrutura e

    parcerias pblico-privadas. Por essa iniciativa visou-se tambm ao

    fortalecimento da cooperao nas reas de cincia, tecnologia, capacity

    building, frmacos e medicina.

    Em 2009, ocorreu a Conferncia de Alto Nvel das Naes Unidas

    sobre CSS, alando temporariamente esse tema a uma posio elevada na

    agenda da ONU. E por fim, em dezembro de 2011, foi realizado o Quarto

    Frum de Alto Nvel sobre Efetividade da Ajuda em Busan, Coreia do Sul.

    Seu documento final reconheceu a CSS como uma modalidade de

    cooperao internacional para o desenvolvimento. A AOD deixou de ser vista

    como um modelo cujos princpios deveriam ser observados por todos os

    atores da cooperao e outras modalidades foram includas.

    De forma geral, alguns aspectos podem ser identificados como

    constantes no processo evolutivo da CSS. So eles: a busca por maior

    igualdade comercial e financeira; a defesa de maior igualdade no plano

    poltico internacional; a luta contra a pobreza e contra a fome; a defesa do

    princpio da no interveno e o respeito soberania estatal; a busca por

    uma cooperao para o desenvolvimento de carter horizontal e que permita

    o benefcio mtuo e a participao de outros setores alm do estatal.

    III. A Cooperao Sul-Sul em relao Ajuda Oficial ao Desenvolvimento:

    A partir da anlise histrica da CSS acima, observa-se que

    inicialmente o discurso diplomtico multilateral do Sul era opositivo aos

    pases do Norte. Mas isto se deu no contexto bastante especfico da Guerra

  • Fria, sob a lgica bipolar. A partir da dcada de 1970, a CSS passou a ser

    considerada tambm como complementar AOD, como demonstra

    documentos como o PABA. Manteve-se o incentivo pela ajuda internacional

    ao desenvolvimento promovida pelo Norte, a qual deveria ser

    complementada pela CSS. A principal justificativa dessa capacidade de

    complementaridade a semelhana dos desafios enfrentados pelos pases

    do Sul, gerando um tipo de conhecimento especfico e mais efetivo que o

    conhecimento dos pases do Norte. A partir da dcada de 1990, com a

    abertura econmica nota-se o enfraquecimento da questo ideolgica e, a

    oposio existente na Guerra Fria deixa de ser central para as prticas da

    CSS.

    Dessa forma, a CSS seria diferente da AOD, principalmente pelos

    princpios de horizontalidade, pela ausncia de condicionalidades polticas e

    pelo compartilhamento de desafios do desenvolvimento econmico. Mas no

    haveria nenhum tipo de competio ou de concorrncia com relao a qual

    tipo de ajuda seria melhor, mais justo ou mais eficiente.

    De acordo com essa narrativa, no mbito acadmico, autores como

    Lengyel e Malacalza, tambm consideram as diferenas da CSS em relao

    AOD, mas descartam a competio ou a oposio entre elas, identificando

    uma relao complexa entre os dois conceitos. Para ns, ambas, CSS e

    Cooperao Norte-Sul, no so exatamente a mesma coisa, mas no so

    completamente diferentes xxiii [traduo nossa]. Apesar de apresentarem

    diferenas entre si, essas seriam simplesmente variaes de uma mesma

    prtica: a ajuda internacional para o desenvolvimento. Ou seja, ambas so

    formas genunas de transferncia de recursos e de capacidades de um pas

    que oferece programas de cooperao a outro pas parceiro que os recebe

    xxiv [traduo nossa].

    Um aspecto salientado por Lengyel e Malacalza a constituio da

    CSS por duas categorias de prticas, as quais se desenvolveram ao longo do

    debate sobre CSS: a CTPD e a CEPD. A CTPD, em 1978, virou o pilar da

    linguagem da CSS com o PABA. Mas so os aspectos econmicos e

    financeiros que fazem da CSS um conceito mais amplo e profundo do que a

    AOD. A CSS integra alm da cooperao tcnica, fluxos financeiros como

  • emprstimos concessionais, subsdios, linhas de crdito e investimentos para

    o desenvolvimento da infra-estrutura rea geralmente negligenciada pela

    AODxxv. A definio da AOD prev formas concessionais de investimento e

    emprstimos, mas exclui outras formas de financiamento para o

    desenvolvimento, as quais so cobertas pela CSSxxvi. Como exemplo tem-se

    o aspecto da AOD que estabelece um mnimo de 25% concessional para as

    operaes de investimento financeiro. Ou seja, o mnimo de 25% dos

    investimentos feitos pelos pases do Norte no so requerem reembolso. No

    entendo, a CSS integra volumes significantes de investimento internacional

    sem esse mnimo concessional de 25% previsto pela AOD.

    Conjuntamente, Aylln define a CSS simplesmente como um tipo de

    cooperao diferente. O primeiro elemento notrio de diferenciao seria o

    vnculo originrio da CSS ao surgimento de uma conscincia do Sul. Esta

    diretamente relacionada concepo da solidariedade entre os pases em

    desenvolvimento como ferramenta para reduo das assimetrias no sistema

    internacional e para transformao das relaes econmicas

    internacionaisxxvii. As consideraes estruturais do sistema internacional, ou

    seja, a fraqueza poltica e econmica desses pases em relao aos pases

    desenvolvidos seria o incentivo coligao desses Estados. Por meio da

    ao conjunta seria almejada a correo das assimetrias nas relaes

    internacionaisxxviii. Mas, como j visto, esse aspecto se enfraqueceu bastante

    com o fim da Guerra Fria.

    Alguns princpios que atualmente permitem diferenciar a CSS da AOD,

    para Aylln, soxxix:

    (a) No interferncia em assuntos internos,

    (b) Maior sensibilidade a contextos especficos;

    (c) Igualdade entre os pases parceiros;

    (d) Respeito a independncia a soberania nacional;

    (e) Promoo da auto-suficincia;

    (f) Diversificao de idias, abordagens e mtodos de cooperao;

    (g) Preferncia pelo emprego de recursos locais e maior gerao de

    apropriao;

    (h) Maior flexibilidade, simplicidade e rapidez;

  • (i) Incondicionalidade Poltica

    (j) Adaptao das prioridades nacionais;

    (k) Preservao da diversidade e da identidade cultural;

    (l) Custo menor e maior efetividade.

    Alm desses, outras diferenas tambm podem ser observadas, como

    o fato da primeira ter nascido sob a lgica do terceiro mundismo e a segunda

    pela competio leste-oeste, apesar de terem surgidas ambas no perodo da

    Guerra Fria. Outra diferena so os pases provedores de cooperao

    internacional para o desenvolvimento, que na AOD so os pases

    desenvolvidos e na CSS so os pases em desenvolvimento do Sul.

    Percebe-se ento, que so sutis as diferenas ente a CSS e a AOD, e

    que a maioria delas gira em torno dos princpios desses conceitos. A defesa

    de princpios da CSS a partir dos dez princpios de Bandung demonstra ainda

    um carter de distino entre as aes do Norte e as aes do Sul no mbito

    da ajuda internacional para o desenvolvimento. Contudo, vale o

    questionamento se tal distino se d tambm no plano de ao e de

    execuo dos projetos. Como j dito, grande a dificuldade em torno da

    coleta de dados e de informaes sobre as aes dos pases do Sul com

    relao CSS, contudo, algumas pesquisas demonstram que os aspectos

    econmicos, destacados na CSS a partir da dcada de 1990, geram pontos

    de tenso com relao aos princpios da CSS.

    Segundo Aylln, previsto pelos princpios da CSS a inexistncia de

    condicionalidades polticas em seus programas e projetos, ou seja, no

    exigida do receptor da ajuda qualquer mudana da poltica pblica interna

    para execuo do projeto de cooperao como de praxe da AOD. Mas,

    apesar da CSS defender a no interveno e o respeito soberania, ela

    muitas vezes junta a cooperao tcnica e a cooperao econmica em um

    mesmo projeto. Essa juno muitas vezes acarreta na criao de

    condicionalidades de procedimento, que de certa forma podem ser encaradas

    como desrespeito horizontalidade suposta nessa relao e at

    principalmente no aspecto de mtuo benefcioxxx.

  • Identificadas como condies financeiras e previses legais nos

    acordos de cooperao, estas condicionalidades de procedimento estariam

    relacionadas particularmente compra de material e s formas de

    implantao dos projetos. Muitas vezes firmado o compromisso pelo pas

    receptor de comprar de insumos e contratar mo de obra para execuo do

    projeto de cooperao exclusivamente do pas provedor de ajuda. Alm

    disso, comum a liberao de linhas de crditos e de investimento

    vinculadas execuo de projetos de CSS, como um tipo de condio para o

    auxlio financeiroxxxi. Isto garante no somente o aumento do fluxo comercial

    e de pessoal ao pas parceiro, mas tambm pode significar o domnio do

    mercado consumidor daquele pas.

    IV. Concluso:

    Por fim, observa-se que a ausncia de uma definio oficial de CSS e

    a dificuldade de identificar um conceito nico dificulta em muito o estudo e o

    debate sobre CSS. Nem mesmo recursos analticos, como sua comparao

    com a AOD, permite maior clareza sobre essa prtica. Observa-se a

    existncia de diferenas entre esses dois tipos de cooperao para o

    desenvolvimento, mas estas basicamente se resumem aos princpios e a

    aspectos do discurso histrico diplomtico da CSS, como os dez princpios

    de Bandung.

    Porm, uma breve anlise sobre a prtica da CSS demonstra a

    infrao de alguns desses princpios e a quase reproduo de uma lgica

    bastante condenada pelos pases do Sul. Uma das maiores crtica dos pases

    em desenvolvimento com relao AOD a existncia de condicionalidades

    polticas, que exigem a adaptao poltica e governamental ao modelo liberal

    ocidental de Estado-nao. Entretanto, a manuteno de condicionalidades

    econmicas e de procedimento aos projetos de CSS demonstra que apesar

    das diferenas, ela compartilha da lgica ocidental de ajuda internacional

    para o desenvolvimento com auto-interesses econmicos.

    Dessa forma, entender a dinmica entre as modalidades cooperao

    tcnica a cooperao econmica no mbito da CSS se faz essencial para a

  • melhor compreenso desta. At que ponto as diferenas possveis ente a

    CSS e a AOD no so superadas pelas semelhanas, principalmente de

    interesses econmicos? At que ponto o desrespeito aos princpios da CSS,

    principais fatores de diferenciao da CSS com a AOD, no prejudica essa

    diferenciao? O quanto muda no mbito da cooperao internacional para o

    desenvolvimento o fato dos pases que provem ajuda internacional para o

    desenvolvimento serem pases tambm em desenvolvimento e do Sul? Com

    a ascenso do papel desses pases, principalmente aps o Frum de Busan

    de 2011, no campo da cooperao internacional, ser importante no

    somente um avano no estudo sobre essa questo, como tambm um

    posicionamento mais concreto dos pases do Sul, no que concerne sua

    diferenciao ou no em relao AOD.

    VI. Bibliografia:

    ASIAN-AFRICAN CONFERENCE BANDUNG. Final Communique, 1955.

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    Assemblia Geral, 1977. Disponvel em:

    . Acesso em: 16

    fev. 2012.

  • i A AOD aqui tratada como sinnimo de Cooperao Norte-Sul. ii Tambm identificada pela sigla NOEI, essa nova ordem deriva da Declarao para o

    Estabelecimento de uma Nova Ordem Econmica Internacional - adotada pela Assemblia Geral da ONU, em 1974 -, e se refere a questes de comrcio, finanas, commodities e endividamento. Vrias discusses em torno deste tema foram feitas entre pases industrializados e em desenvolvimento, com o intuito de reestabelecer a econmica mundial, a fim de permitir a maior participao e benefcio dos pases em desenvolvimento (tambm conhecido como Dilogo Norte-Sul). iii ASIAN-AFRICAN CONFERENCE BANDUNG, 2012.

    iv Idem nota iii.

    v Com o anseio de integrar os pases em desenvolvimento de forma cooperativa e amigvel

    ao sistema econmico mundial, a UNCTAD se envolve em aes tanto de cooperao econmica, quanto de cooperao tcnica entre pases em desenvolvimento (UNCTAD. Disponvel em: Acesso em: 19 de mar de 2012). vi O G77, fruto da juno de pases da Amrica Latina com pases da frica e sia a maior

    organizao intergovernamental entre pases em desenvolvimento na Organizao das Naes Unidas (ONU). Dentre seus objetivos, ele busca providenciar meios para que os pases do Sul se articulem e promovam seus interesses econmicos coletivos. Da mesma forma, busca-se auxiliar o aumento da capacidade desses pases em conjunto na negociao em grandes questes de economia internacional no sistema ONU, alm disso, prev-se tambm a promoo da CSS para o desenvolvimento, o que resultou na realizao de uma srie de encontros internacionais (Grupo dos 77. Disponvel em: . Acesso em: 28 de mar. de 2012). vii

    SOARES LEITE, 2011. viii

    SEGIB, 2008. ix Declarao de Colombo, 1976 apud SEGIB, 2008.

    x ONU, 32 Perodo de Sesses da Assemblia Geral, 1977.

    xi SEGIB, 2011.

    xii Idem nota vii.

    xiii PABA, 1978.

    xiv ABARCA apud SEGIB, 2008.

    xv SEGIB, 2011.

    xvi ESTEVES et al., 2012.

    xvii DECLARAO DA CPULA DO SUL, 2000.

    xviii Disponvel em: . Acesso em:

    23 de fev. de 2012. xix

    Idem nota xviii. xx

    Ibidem nota vii. xxi

    Ibidem nota xviii. xxii

    PLANO DE AO DE DOHA. xxiii

    LENGYEL, M e MALACALZA, B., 2011. xxiv

    Idem nota xxiii. xxv

    Idem nota xxiii. xxvi

    Ibidem nota xxiii. xxvii

    AYLLN PINO, 2009. xxviii

    Ibidem nota vii. xxix

    Idem nota xxv. xxx

    Idem xxiv. xxxi

    Idem nota xxiii.