A CRÍTICA JORNALÍSTICA E A TUTELA PENAL DA HONRA. · RESUMO A liberdade de imprensa e o direito...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito Alexandre Ricardo Damasceno Rocha A CRÍTICA JORNALÍSTICA E A TUTELA PENAL DA HONRA. Belo Horizonte 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

Alexandre Ricardo Damasceno Rocha

A CRÍTICA JORNALÍSTICA E A TUTELA PENAL DA HONRA.

Belo Horizonte

2011

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Alexandre Ricardo Damasceno Rocha

A CRÍTICA JORNALÍSTICA E A TUTELA PENAL DA HONRA.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Direito da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais,

como requisito parcial para obtenção do

título de Mestre em Direito.

Orientador: Dr. José Adércio Leite

Sampaio

Belo Horizonte

2011

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Alexandre Ricardo Damasceno Rocha

A Crítica Jornalística e a Tutela Penal da Honra.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Direito Público da

Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais.

_________________________________________________

Dr. José Adércio Leite Sampaio (orientador) – PUC Minas

_________________________________________________

Dr. Giovani Clark – PUC Minas

_________________________________________________

Dr. Edimur Ferreira de Faria – PUC Minas

Belo Horizonte, 30 de setembro de 2011.

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Aos meus pais e a Keila, meus grandes amores.

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Rocha, Alexandre Ricardo Damasceno R672c A crítica jornalística e a tutela penal da honra. / Alexandre Ricardo Damasceno Rocha. Belo Horizonte, 2011. 165f. Orientador: José Adércio Leite Sampaio Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Liberdade de imprensa. 2. Crime contra honra. I. Sampaio, José Adércio Leite. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós- Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 343.2

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, Dr. José Adércio Leite Sampaio, pelas

preciosas sugestões e, sobretudo, por ter corrigido, a tempo, o meu percurso.

Ao Prof. Dr. Eduardo Tupinambá, que nesta caminhada foi a nossa luz.

Aos Profos. Dr. Edimur Ferreira de Farias e Dra. Marinella Machado Araújo,

pela mão amiga sempre estendida.

Aos meus irmãos Gésio, Ranieri e Hermanne e aos colegas de mestrado,

Ewerton Maurício, Rodrigo Dantas, Reinaldo Xavier, Paulo César, Sebastião Vieira,

Luiz Alberto, Érick, Marcus Antônio, Laílson Baeta, Graciett Nunes, Fernanda

Veloso, Denise Lima e Ana Flávia, que bons amigos vocês são!

Agradeço também a Rodrigo de Cássio Ramalho Oliveira, estimado velho

amigo, que gentilmente me acolheu nas inúmeras vezes que fui a Belo Horizonte

cursar as aulas do mestrado.

Por fim, aos colegas de trabalho da Unimontes, Banco do Nordeste do Brasil

e da Rocha Machado Sociedade de Advogados, pela torcida e incentivos.

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"A censura, seja qual for, parece-me uma monstruosidade, algo pior que o homicídio: o atentado contra o pensamento é um crime de lesa-alma."

Flaubert

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RESUMO

A liberdade de imprensa e o direito penal foram os temas da presente dissertação.

Para permitir maior aprofundamento da matéria, fez-se necessário estabelecer um

recorte específico. Desse modo, buscou-se investigar a relação aparentemente

conflituosa entre o específico direito de crítica jornalística e a tutela penal da honra

daquelas pessoas referidas na notícia, analisando os fundamentos teóricos desses

direitos. Para consecução do objetivo, o direito de crítica jornalística e o direito de

inviolabilidade da honra foram submetidos ao crivo constitucional para apurar se

possuem o caráter da fundamentalidade. Os resultados dos testes apontaram que

ambos os direitos possuem natureza de direito constitucional fundamental.

Indicaram, também, que a relação conflituosa ocorre apenas no plano da

concretude, já que, na seara abstrata, tais direitos convivem harmoniosamente no

ordenamento jurídico. Sob as luzes das teorias de Ronald Dworkin, Robert Alexy e

Humberto Ávila investigaram-se os procedimentos de resolução de conflitos entre

direitos fundamentais. Notou-se, ademais, que a crítica jornalística, tal como os

demais direitos fundamentais, não possui caráter absoluto, mas, nem por isso pode-

se cercear a liberdade de opinião dos profissionais da imprensa. As limitações

estatais, sobretudo as impostas pelo direito penal, devem ocorrer em casos

excepcionais. Outra interessante questão que se verificou diz respeito à condição

social da pessoa supostamente ofendida pela crítica jornalística. No magistério

jurisprudencial do STF, certos indivíduos, por serem pessoas públicas e notórias,

possuem as esferas dos direitos da personalidade um pouco mais reduzidas, se

comparadas com a do homem comum. A pesquisa concluiu que a divulgação de

fatos pela imprensa, seguida da correspondente manifestação da análise crítica feita

pelos profissionais da comunicação, não configura abuso da liberdade de

informação desde que a crítica esteja inspirada no interesse público, sem existir,

portanto, o deliberado ânimo de caluniar, difamar ou injuriar.

Palavras-chave: Liberdade de imprensa. Crítica jornalística. Crime contra a honra.

Imunidade penal.

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ABSTRACT

The freedom of the press and the criminal law were the theme of this thesis. In order

to study this subject in depth, it was necessary to establish a specific clipping.

Thereby, it was sought to investigate the apparently conflicting relation between the

specific right to journalistic freedom of speech and the penal protection of the honor

of people mentioned on the report, analyzing the theoretical foundations of those

rights. In order to achieve the purpose, the right to journalistic freedom of speech and

the right to the inviolability of honor have been submitted to the constitutional

scrutiny, to ascertain whether they have the character of fundamentalism. The test

results indicate that both rights have the nature of primordial constitutional rights.

They also point out that a conflicting relation only happens by the level of

concreteness, since in the abstracted level those rights coexist harmoniously on the

juridical order. The procedures of solving conflicts between civil rights have been

investigated according to the theories from Ronald Dworkin, Robert Alexy and

Humberto Ávila. Besides, it was also perceptible that the journalistic critique, as such

as most civil rights, does not own an unmitigated character, but that’s not reason to

censor the freedom of speech of the press professionals. The state limitations,

especially the ones enforced by the criminal law, must be applied in exceptional

cases. Another interesting question verified was about the social conditions of the

person who would be supposedly offended by the journalistic critique. According to

the jurisprudential doctrine of the Supreme Federal Court, certain people, for being

public characters, have their personal rights reduced, compared to the ordinary

person. The research has concluded that the publication of facts by the press,

followed by the corresponding manifestation of the critic analysis made by the press

professionals, do not represent abuse of the freedom of information, once the critic

be inspired in public interest, so there will be no deliberated practice of any of the

crimes against the personal honor.

Key-words: Freedom of the press. Journalism criticism. Crime against honor. Criminal immunity.

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LISTA DE SIGLAS

AGNU - Assembléia Geral das Nações Unidas

CF - Constituição Federal

TJMG - Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

STJ - Superior Tribunal de Justiça

STF - Supremo Tribunal Federal

EUA - Estados Unidos da América

ONU - Organização das Nações Unidas

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................22 2 ALGUNS DIREITOS CONEXOS COM A LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO: DEFINIÇÃO DE CONTEÚDO E EMBASAMENTO TEÓRICO .......26 2.1 Liberdade de pensamento...................................................................................26 2.2 Contribuição da democracia grega para o desenvolvimento da liberdade de expressão..................................................................................................................27 2.3 Liberdade de imprimir..........................................................................................30 2.4 Liberdade de consciência: subsídio da Reforma Protestante..............................32 2.5 Liberdade de expressão......................................................................................34 2.5.1 Contribuições norte-americana e francesa ao reconhecimento da liberdade de expressão..................................................................................................................37 2.5.1.1 A Revolução americana, a declaração de direitos de 1776 e o Bill of Rights39 2.5.1.2 A Revolução Francesa e a Declaração de Direitos de 1789 .........................42 2.5.2 A liberdade de expressão no cenário constitucional brasileiro .........................45 2.6 Direito de comunicação e a evolução tecnológica...............................................46 2.6.1 A centralização do controle privado dos meios de comunicação de massa.....49 2.7 A liberdade de imprensa, o direito de informação e as suas dimensões.............51 2.7.1 A liberdade de imprensa no cenário constitucional brasileiro...........................53 2.7.2 O direito de informação ....................................................................................60 2.7.2.1 A informação jornalística ...............................................................................63 2.7.2.2 A crítica jornalística .......................................................................................66 2.7.2.2.1 A crítica jornalística e o direito constitucional brasileiro..............................67 3 LIMITES DA LIBERDADE DE IMPRENSA ............................................................69 3.1 Restrições de direitos fundamentais....................................................................72 3.1.1 Ronald Dworkin e o modelo de princípios e regras ..........................................73 3.1.2 Robert Alexy e a teoria dos direitos fundamentais ...........................................75 3.1.3 Humberto Ávila e a teoria dos princípios ..........................................................82 3.2 Critérios argumentativos: a proporcionalidade ....................................................88 3.3 Os limites da liberdade de imprensa ...................................................................94 3.3.1 A verdade e o interesse público .......................................................................96 3.3.2 A intimidade e a vida privada .........................................................................100 3.3.3 A imagem .......................................................................................................104 3.3.4 A honra...........................................................................................................107 4 A CRÍTICA JORNALÍSTICA E OS CRIMES CONTRA A HONRA .......................111 4.1 Dos crimes contra a honra praticados por meio dos veículos de comunicação social: implicações penais decorrentes da declaração de não recepção da Lei nº 5.250, de 09 de fevereiro de 1967, pela Constituiçã Federal de 1988 ....................114 4.2 Crimes contra a honra: principais aspectos.......................................................121 4.3 Crítica jornalística ofensiva: imunidade penal e abusos puníveis......................127 4.4 Soluções jurisprudenciais para o conflito entre o direito de crítica jornalística e os crimes contra a honra: análises de alguns casos....................................................135 4.4.1 A Posição do Tribunal de Justiça de Minas Gerais ........................................136 4.4.2 A posição do Superior Tribunal de Justiça .....................................................139

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4.4.3 A posição do Supremo Tribunal Federal ........................................................142 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................146 REFERÊNCIAS.......................................................................................................158

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1 INTRODUÇÃO

Independentemente do conteúdo e dos desdobramentos que a liberdade de

manifestação do pensamento possa apresentar, a essência desta dissertação

repousa na análise do conflito entre o direito de crítica jornalística e a proteção penal

da inviolabilidade da honra.

Pelos estudos que aqui serão apresentados ficará demonstrado que o direito

de informação é, além de uma necessidade humana, a base para a democracia,

porquanto não envolver apenas o simples exercício da liberdade de externar o

pensamento, mas também o direito fundamental de participação da sociedade, já

que do seu feixe, conforme será visto, emana o direito de informar (veicular

informações), de ser informado (receber informações) e no de se informar (liberdade

de buscar as informações).

Diante do reconhecimento do status de direito fundamental à informação

jornalística surgiram os seguintes questionamentos: existem limites para a proteção

da vida privada dos indivíduos? Até que ponto o direito de informação jornalística

pode invadir essa individualidade? E, ainda, a crítica jornalística ácida encontra

legitimidade no ordenamento jurídico brasileiro ou deve sempre ser punida pelo

direito penal?

Fica assim esclarecido que no presente trabalho o que está em pauta é a

análise sobre a proteção de condutas expressivas, principalmente o direito à crítica

jornalística, independentemente da qualidade, realidade ou efeito produzido, ou seja,

o objetivo da investigação será identificar se a crítica jornalística, ainda que áspera e

ofensiva, corresponde ao exercício regular de um direito fundamental

constitucionalmente reconhecido, capaz, portanto, de excluir o dolo nos crimes

contra a honra.

De toda forma, antes de iniciar a investigação do direito à crítica jornalística e

a tutela penal da honra, serão ressaltadas as características próprias dos principais

direitos que se alinham com a liberdade de manifestação do pensamento.

Portanto, no CAPÍTULO 2 – erigido sob o título: Alguns direitos conexos com

a liberdade de manifestação do pensamento: definição de conteúdo e embasamento

teórico – perquirir-se-á acerca da contribuição da democracia grega e da reforma

protestante para o desenvolvimento da liberdade de expressão.

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Será também ressaltada, nesse capítulo inicial, a importância das

declarações de direitos americana de 1776 e francesa de 1789, consagradoras do

direito fundamental da liberdade de expressão, as quais serviram de inspiração para

os documentos democráticos posteriores que adotaram o ideal de liberdade e de

luta pela limitação do poder estatal. Enfatizar-se-á, ainda, as liberdades de

expressão, de imprensa e de informação no cenário democrático brasileiro.

Analisar-se-á, por outro lado, o direito de informação e suas dimensões, bem

como o impacto da revolução tecnológica na liberdade de imprensa e o fenômeno da

centralização do controle privado dos meios de comunicação de massa.

Para fechar o primeiro capítulo, estudar-se-á o específico direito à crítica

jornalística no contexto constitucional brasileiro, destacando que a crítica jornalística

não corresponderá, necessariamente, a um sentimento negativo ou depreciativo,

porquanto ter significado de juízo dirigido sobre um objeto, de forma que pode ser

favorável ou desfavorável ao fato objeto da notícia.

O CAPÍTULO 3 foi reservado ao exame dos limites da liberdade de imprensa.

Nesse tópico, serão abordadas as restrições ou limites constitucionais aplicados à

imprensa no desempenho do mister social de informar, mais especificamente, ao

direito de criticar os fatos relacionados com a notícia.

Passado o período da última ditadura militar brasileira (1964-1985), não existe

mais censura pública no nosso País. A redemocratização do País e a promulgação

da Constituição Federal de 1988 elevaram a liberdade de expressão e imprensa ao

patamar de direito fundamental. Contudo, o problema de hoje não é mais a censura,

mas a amplitude da liberdade garantida à imprensa, sobretudo a partir do momento

em que a exploração capitalista dos meios de comunicação colocou em dúvida o

papel da mídia como depositária da liberdade individual dos leitores.

No tocante às limitações que se operam diretamente por meio de prescrições

constitucionais expressas, será sublinhado o §1º, do artigo 220, da Constituição

Republicana de 1988, o qual expressa a necessidade de respeito aos direitos

fundamentais à intimidade, vida privada, honra e imagem (tutelados pelo artigo 5º,

inciso X) quando do exercício da liberdade de informação.

Nos subitens que compõem o segundo capítulo, analisar-se-ão, sob as luzes

da teoria geral das restrições aos direitos fundamentais, os possíveis limites da

liberdade de imprensa/informação, dando ênfase à crítica jornalística e à tutela penal

da honra. Para tanto, buscar-se-á suporte na doutrina de Ronald Dworkin, Robert

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Alexy e Humberto Ávila, os quais enfocam os direitos fundamentais e suas relações

de colisão, limites e restrições.

Verificar-se-á, ademais, o critério argumentativo da proporcionalidade na

relação de restrição ao direito à crítica jornalística.

Não se olvidará, dada a relevância, de avaliar os direitos à intimidade, à vida

privada, à imagem e à honra no confronto com o direito à crítica jornalística,

enfatizando, ainda, nesse capítulo, que toda atuação jornalística para ser legítima

deve primar pela busca da verdade e pelo atendimento do interesse público no fato

noticioso. Ressaltar-se-á, portanto, que o direito à crítica jornalística não pode ser

dissociado dos demais direitos fundamentais, em especial da função social que

constitui amparo fático ao direito, igualmente fundamental, de liberdade de

imprensa/comunicação.

No CAPÍTULO 4, A crítica jornalística e a tutela penal da honra, a

conflituosidade entre os direitos fundamentais em análise ficará bem evidenciada,

principalmente a partir do estudo de alguns casos concretos submetidos à decisão

do Judiciário.

Nesse último capítulo, serão averiguadas as implicações penais provocadas

pela revogação da lei de imprensa (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967) aos

crimes praticados contra a honra por meio dos veículos de comunicação social. No

particular, verificar-se-á que, em abril de 2009, ao analisar a ADPF nº 130, o STF

declarou a lei de imprensa incompatível com a atual ordem constitucional, ocorrendo

o que a doutrina chama de revogação hierárquica. A partir de então, os crimes

contra a honra, ainda que praticados por intermédio dos meios de comunicação

social, serão regulamentados, exclusivamente, pelo Código Penal, até que outra lei

especial seja promulgada.

Serão também objeto de notas os artigos 138, 139 e 140, do Código Penal,

que preveem pena privativa de liberdade a quem, mediante calúnia, difamação e

injúria, ofender a honra alheia. Apresentará, ainda, após a distinção de cada espécie

delitiva, a análise dos elementos subjetivos dos crimes contra a honra.

Para se poder identificar a crítica jornalística como ofensiva ou não à honra

serão adotados, no trabalho aqui exposto, os critérios apresentados por Vidal

Serrano Nunes Júnior (1997), o marco teórico. Na concepção do citado autor, para

que a crítica jornalística não seja considerada ilegal, ela não deve vir vazada em

termos formalmente injuriosos, que, de per si, em qualquer contexto, seriam

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ofensivos à honra do cidadão; também, deve ter como suporte notícia verdadeira e,

ainda que sua veiculação atenda a critérios objetivamente jornalísticos, que tenham

relevância para a participação individual na vida coletiva.

Por outro lado, serão investigados os casos de imunidade penal e os abusos

puníveis, para, enfim, analisar as soluções jurisprudenciais ao conflito entre o direito

de crítica jornalística e os crimes contra a honra. Para isso, serão considerados

alguns casos submetidos a decisões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, do

Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Conforme poderá ser verificado, os tribunais brasileiros têm entendido que a

crítica jornalística, tal como os demais direitos fundamentais, não possui caráter

absoluto, mas, mesmo assim, a liberdade de opinião dos profissionais da imprensa

somente poderá sofrer limitações estatais, sobretudo do direito penal, em casos

excepcionais.

No magistério jurisprudencial do STJ e do STF, certos indivíduos, por serem

pessoas públicas e notórias, a exemplo dos agentes políticos, possuem as esferas

dos direitos da personalidade um pouco mais reduzidas, se comparadas com a do

homem que não se encontra imbuído em atividades de destaque público.

Na última parte do trabalho – reservado às considerações finais - será

lançada a proposta de compatibilização entre o direito de crítica jornalística e a tutela

penal da honra, baseada nas concepções de Vidal Serrano Nunes Júnior (1997).

Por fim, esclarece que foi utilizado como método de pesquisa o dedutivo para

que, a partir da análise ampla de dispositivos legais e princípios de direito, se

chegasse a uma conclusão específica acerca do tema em questão. O método de

procedimento foi o dissertativo-argumentativo, tendo como técnica de pesquisa a

bibliográfica, com pesquisas em livros, revistas, textos jurídicos, artigos e consultas

as decisões prolatadas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Superior Tribunal

Justiça e Supremo Tribunal Federal.

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2 ALGUNS DIREITOS CONEXOS COM A LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO

PENSAMENTO: DEFINIÇÃO DE CONTEÚDO E EMBASAMENTO TEÓRICO

No ordenamento jurídico, o direito à crítica jornalística encontra-se

intimamente ligado às liberdades de manifestação do pensamento e de imprensa,

conforme ficará evidenciado durante o desenvolver deste trabalho.

A liberdade de imprensa, por sua vez, possui estreitos laços jurídicos com

outros direitos que também tem como pauta a forma de externar o pensamento.

Assim, antes de iniciar a investigação do direito à crítica jornalística e a tutela

penal da honra, mostra-se oportuno destacar as características próprias de alguns

dos direitos que se alinham com a liberdade de manifestação do pensamento.

Registre-se, por relevante, que as abordagens não serão profundas, pois cada

um dos direitos, dada à magnitude jurídica que os envolvem, exige trabalho

específico.

Portanto, neste primeiro capítulo, deseja-se apenas elucidar determinados

pontos relevantes aos direitos que se correlacionam com a liberdade de manifestar

os pensamentos/externar opiniões, sem, contudo, frisa-se outra vez, esgotar o

estudo da dimensão de cada um.

2.1 Liberdade de pensamento

A consciência, ambiente onde se reúnem os pensamentos e as ideais, é o

espaço mais desconhecido e reservado do homem. Recinto por excelência

inviolável, a consciência não necessita de proteção jurídica, porque dificilmente

permitirá devassa.

O homem, no entanto, não se satisfaz com o mero fato de poder ter os

pensamentos que lhe aprouver. Exige mais. Necessita, antes de tudo, ter a garantia

de que não será punido em virtude de suas crenças e opiniões. Espera, enfim,

expressar livremente as suas ideias.

A partir do instante em que o pensamento transpõe o plano da consciência e

o homem passar a interagir com outras pessoas é que necessitará de proteção para

livremente exteriorizar suas convicções. Nesse contexto que o direito ganha

relevância.

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Em virtude disso, pode-se dizer que a liberdade de pensamento, em sentido

interno, ou seja, enquanto crença, não passará de pura consciência, podendo ser

exercida livremente. Caso não comunique o pensamento, este se encontrará fora do

controle social, por ser domínio somente do próprio homem.

A respeito do tema, assim pontua Celso Ribeiro Bastos:

A consciência é, pois, o recinto mais recôndito do homem. Consequentemente ela é em princípio indevassável, salvo processos de caráter cirúrgico ou químico, como a lavagem cerebral. (...) Para que possa exercitar a liberdade de expressão do seu pensamento, o homem, como visto, depende do direito. É preciso, pois, que a ordem jurídica lhe assegure esta prerrogativa e, mais ainda, que regule os meios para que se viabilize esta transmissão. (BASTOS, 2001, p. 195).

Palminhado no mesmo sentido, pondera Nunes Júnior (2011, p. 36) que “o

pensamento em si, situado numa zona que a norma jurídica não alcança, não pode

ser objeto de regulamentação social; porém, convertido em opinião e exteriorizado,

ingressa no campo próprio das relações sociais e de sua conseqüente (sic)

normatização”.

Vê-se, portanto, que a liberdade de pensamento advém da natureza humana,

do próprio ser que pensa. E, enquanto processo íntimo de formação das ideias,

encontra-se fora do campo da normatização jurídica.

2.2 Contribuição da democracia grega para o desenvolvimento da liberdade de expressão

A liberdade de pensamento somente possuirá valor jurídico significativo se ao

indivíduo for dada a possibilidade de transmitir livremente os próprios pensamentos.

Do contrário, a dita liberdade, conforme bem sinaliza Tadeu Antônio Dix Silva (2000)

terá apenas valor relativo.

Não se contentando o homem com a dimensão espiritual (íntima) da liberdade

de pensamento ele vai procurar necessariamente expressar suas opiniões.

Partindo da liberdade de pensamento vai então reivindicar o direito de

comunicar livremente aquilo que pensa, buscando, com isso, o reconhecimento pelo

interesse público na livre circulação de ideias.

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A liberdade de expressão, como direito político, nasce na Grécia antiga.

Desde os tempos do imperador Péricles já se justificava a igualdade entre os

cidadãos de Atenas no direito de expressar suas opiniões.

É interessante notar que, entre 460 e 430 antes de Cristo, Atenas, sob o

governo de Péricles, alcançou o ápice de sua vida política e cultural, transformando-

se na cidade-estado de maior propulsão.

Pela primeira vez na história, como observa Platão (2005, p. 7), “o governo

passara a ser exercido pelo povo, que, diretamente, na assembleia (Ekklesia),

decidia os destinos da pólis”.

De efeito, resta evidente que na antiga Grécia a liberdade era a base de toda

a sociedade política, já que para os gregos a democracia era a forma de governo

que assegurava a todos os cidadãos a isonomia, a isotimia e a isagoria (NITTI,

1933).

Enquanto a isonomia apregoava a igualdade de todos perante a lei, sem

qualquer distinção, a isotimia estabelecia, na Grécia, a abolição dos títulos ou

funções hereditárias, possibilitando a todos “os cidadãos o livre acesso ao exercício

das funções públicas, sem mais distinção ou requisito que o merecimento, a

honradez e a confiança depositada no administrador pelos cidadãos.” (BONAVIDES,

2011, p. 291).

No tocante à isagoria – atributo da democracia grega que mais interessa ao

presente estudo – esta se referia ao direito de palavra. Por ela, todos os cidadãos

gregos tinham o igual direito de manifestar sua opinião política para todos os outros.

A ágora, na cidade grega, funcionava como o parlamento dos dias atuais

(BONAVIDES, 2011).

Acerca da questão, assegura Nitti (1933, p. 45) que “a palavra de dois

homens tem igual valor perante a sociedade. Quando as opiniões divergem, é

preciso que se discuta a questão. Através do discurso, da fala, os cidadãos têm o

direito de convencer os outros sobre seu ponto de vista”.

Segue em conclusão o citado autor ponderando que a isagoria corresponde

àquilo que convencionamos chamar de liberdade de imprensa. 1 E assevera: “Um

povo sem Ágora era um povo escravo, como hoje é um povo sem liberdade de

opinião e sem direito ao sufrágio”. (NITTI, 1933, p. 45).

1 Frisa-se que para Francesco Nitti a liberdade de imprensa equivale à liberdade de expressão.

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Depreende-se, assim, que a democracia regente na sociedade grega era

inspirada na soberania do governo de opinião.

Contudo, no que se relaciona à participação popular dos atenienses na

assembleia, cumpre acentuar que nem todos os indivíduos podiam participar das

discussões, mas apenas aqueles que possuíam direitos de cidadania. Essa

exigência excluía da assembleia a maior parte dos habitantes da pólis como as

mulheres, os estrangeiros, os escravos.

Nas questões políticas, havia ainda mais restrição. Poucos eram os cidadãos

que dispunham de recursos para atuação na assembleia. O arauto, responsável

pelas proclamações solenes, ao terminar de ler a pauta da reunião pronunciava a

fórmula tradicional: “Quem pede a palavra?”. Pelo princípio da isagoria, qualquer

cidadão podia se expressar. Porém, de fato, poucos utilizavam esse direito. Aqueles

que possuíam o dom da palavra e da oratória associados ao conhecimento dos

negócios públicos polarizavam o debate utilizando-se da habilidade de raciocinar, da

entonação da voz e da gesticulação adequada obtinham o domínio sobre o auditório.

Conseguiam, assim, por meio da persuasão retórica, impor seus posicionamentos

(PLATÃO, 2005).

A despeito dessa diretriz, sintetiza Dalmo de Abreu Dallari (2011) que no

antigo Estado grego o indivíduo ocupava posição peculiar, porquanto ter existido ali

uma elite, que formava a classe política, com intensiva participação nas decisões da

pólis.

Dessa forma, o que se revela essencial reconhecer em termos de democracia

grega é que, ainda que o governo se afirmasse democrático, significava apenas

dizer que um seleto grupo da população – os cidadãos – participava das decisões

políticas.

É oportuno ainda relembrar, dada à importância histórica do episódio, que no

ano de 399 antes de Cristo Sócrates de Atenas foi acusado, julgado e condenado à

morte por ateísmo e corrupção da juventude (PLATÃO, 2005). Mataram Sócrates

por que manifestara pensamentos que não se conformavam com os caminhos da

tradição grega.

O que mais intriga no julgamento de Sócrates é o fato paradoxal de Atenas,

sendo uma cidade democrática, ter levado à morte o filho mais ilustre porque exercia

justamente aquilo que a democracia da época mais defendia: a liberdade de

opinião/expressão.

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Tendo em consideração o exame do aqui exposto, pode-se afirmar que os

debates públicos estabelecidos no âmbito das ágoras entre os cidadãos gregos

formavam a base do regime democrático da Grécia do tempo de Péricles. Porém, a

liberdade de expressão era garantida a apenas um especial grupo de indivíduos: os

cidadãos, encontrando-se as demais pessoas – mulheres, estrangeiros, escravos –

excluídas desse direito.

Assim, muito embora se reconheça o valor da assembleia ateniense para o

desenvolvimento do debate político e encontro de opiniões sobre as diretrizes da

pólis, a liberdade de expressão/opinião na Grécia antiga era muito restrita.

Contudo, a partir do momento em que o status de cidadão é conferido a um

número maior de pessoas, os direitos decorrentes da cidadania, entre os quais o de

isagoria – que correspondia à liberdade de expressão – vão se incorporando ao rol

dos direitos naturais. 2.3 Liberdade de imprimir

Durante a transição da Baixa Idade Média para a Modernidade, duas foram as

vertentes identificadas: por um lado, existia uma forte intervenção na esfera

individual pelo rei absolutista – que passou a concentrar os poderes que antes eram

divididos com a nobreza e o clero – contra a livre circulação de ideias. Por outro, no

vetor inverso, a época foi de difusão maciça do conhecimento – época do

Renascimento. (NETO, 2002).

No mundo ocidental moderno, a origem da liberdade de expressão surge a

partir de dois fatos complementares, como explica Carreras, citado por Tadeu

Antônio Dix Silva (2000, p. 77): a) a invenção da máquina de impressão por Johann

Gutenberg, por volta do ano de 1450, e b) a introdução “progressiva do espírito da

tolerância na relação dos poderes públicos com os indivíduos”.

Gutenberg, tipógrafo alemão, nascido na cidade de Mainz, inicia seu trabalho

na prensa de impressão em torno do ano de 1436. No intuito de aperfeiçoar o

exercício de suas tarefas acaba por reformular a ideia dos tipos móveis chineses,

que consistiam na combinação de centenas de letras individuais em diversas

maneiras, formando assim palavras, frases e períodos em uma única página. Criava

então uma máquina que tornava o processo de impressão muito mais rápido e

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barato. 2 Em 1456, na sua cidade natal, Gutenberg publicou a primeira edição da

Bíblia, traduzida para o latim e produzida pelo novo sistema – a chamada Bíblia de

42 linhas, com 42 linhas por coluna. Em poucas décadas, havia prensas em

operação por toda a Europa (YENNE, 2010).

Nesse período, já caracterizado pela superação dos dogmas do Estado

medieval, cuja concepção eminentemente religiosa da realidade determinava as

ações dos indivíduos, a defesa da liberdade de expressão e da liberdade de

imprensa encontrava-se incluída na pauta geral de reivindicação de liberdade do

indivíduo em relação aos poderes tradicionais do Estado e da Igreja.

A partir desses acontecimentos é que começa a mobilização pelo

reconhecimento da liberdade de expressão, principalmente no século XVI, até

desaguar nas primeiras declarações liberais de direitos humanos (SILVA, 2000).

Vale pontuar, contudo, que no início, quando do invento da máquina de

impressão por Gutenberg, no século XV, a liberdade de expressão se confundia com

a liberdade de imprimir, liberdade esta que se transformou, a partir da Revolução

Industrial do século XIX, com o surgimento de instrumentos não escritos/impressos

de divulgação do pensamento, na liberdade de imprensa conhecida nos dias atuais.

Divergindo dessa ideia, defende Venício A. de Lima (2010, p. 27) “que existe

uma preliminar básica que diferencia as liberdades de expressão e de imprensa que,

todavia, muitas das vezes não é lembrada”.

Para o mencionado autor, a liberdade de expressão nasce com o indivíduo,

enquanto a liberdade de impressa, para existir, não necessita tão somente do

material impresso – “tecnologia/máquina e papel – mas, também, da capacidade dos

indivíduos lerem, vale dizer, implica a existência de um público leitor.” (LIMA, 2010,

p. 27).

Seja como for, não se pode negar que o surgimento da máquina de

impressão, por volta de 1450, e com ela a possibilidade de reprodução em série

para divulgação em massa de informações, deixou em alerta tanto o poder clerical

quanto o governo real da época. A ampla e indiscriminada divulgação de opiniões

2 É interesse ressaltar que, segundo Machado (2002), a imprensa surgiu no século IX, na China, época em que o primeiro livro foi impresso. Salienta, ainda, que o mérito de Gutenberg reside na invenção de tipos móveis suficientemente resistentes para uma impressão sistemática. Ademais, relata Miranda citado por Stroppa (2010) que os egípcios já dispunha, no ano de 1750 a.C., de um jornal oficial. Os chineses, desde os tempos remotos, mantinham um jornal chamado de King-Pao que circulou por mais de 1.300 anos; e os romanos já mantinham jornais ou atas que circulavam de maneira regular, por meio de um serviço postal, por todo o império.

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representava, por certo, ameaça à unidade da Igreja Católica e também ao domínio

real.

Em Portugal, para ficar em apenas um exemplo, as Ordenações Filipinas

vedavam a impressão de toda e qualquer obra sem que primeiro fosse vista e

examinada pelos desembargadores do Paço, depois de vista e aprovada pelos

oficiais do Santo Ofício da Inquisição. 3

Partindo das premissas ora expostas, chega-se à conclusão de que a

invenção da máquina de imprimir por Gutenberg representou um salto gigantesco no

progresso de publicações feitas pela imprensa da época. Por outro lado, as

liberdades de expressão e de imprensa ainda não haviam sido conquistadas na

plenitude. Tanto a Igreja quanto o rei exerciam poder de censura sobre o material

impresso.

Nessa linha de pensamento, impende por derradeiro assinalar que o

absolutismo teve olhar negativo sobre o progresso da imprensa. Por intermédio da

censura, pretendeu a manutenção da ordem e do status quo. Essa concepção

perdurou até o século XVIII, quando é formulada uma nova compreensão da

liberdade de expressão.

A partir de então a “imprensa passa a ser visualizada como essencial para a

democracia liberal, em consonância com a ideia geral de liberdade: a função

primordial do Governo era de estabelecer e manter um marco de atuação do

indivíduo na persecução de seus próprios interesses.” (SILVA, 2000, p. 81).

2.4 Liberdade de consciência: subsídio da Reforma Protestante

Antes de tudo, cumpre esclarecer que liberalismo religioso não é o mesmo

que tolerância (KAMEM, 1967). Porém, é pacífico o entendimento que

historicamente o liberalismo religioso foi um requisito prévio de considerável

importância para se chegar a uma ideia geral do conceito de tolerância.

Nesse sentido, a tolerância pode ser considerada como parte integrante do

processo histórico que conduziu o desenvolvimento gradual do princípio da liberdade

humana. Entanto, muito embora a evolução da liberdade repouse no coração da 3 Sobre o assunto, relata Erasmo de Freitas Nuzzi (2007, p.17), que na “época da Inquisição, qualquer publicação passava, obrigatoriamente, por três censuras: a do pároco local, a dos desembargadores do Paço (Casa Real) e a episcopal, dos bispos, os quais, ao aprovarem, apunham na abertura da publicação o despacho: nihil obstat, imprimatur.”

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história, a tolerância não seguiu um desenvolvimento linear, pois sofreu retrocessos

periódicos e prolongados.

A propósito, lembra José Adércio Leite Sampaio (2010) que embora fosse

dever do Estado respeitar e proteger a tolerância religiosa, até se chegar a essa

conclusão foi preciso presenciar muito derramamento de sangue. Como exemplo,

cita a França, onde “foram necessários mais de quarenta anos de guerras religiosas

e civis, para que, em 1598, fosse assinado pelo rei Henrique IV, o Édito de Nantes,

tolerando oficialmente o culto protestante.” (SAMPAIO, 2010, p. 135).

A Reforma Protestante, promovida pelo frade agostiniano Martinho Lutero, na

Alemanha do século XVI, foi decisiva para o reconhecimento do liberalismo religioso

e, por conseguinte, pela tolerância entre as diversidades de crença e para o

reconhecimento da liberdade de expressão.

Apoiando-se na popularização da Bíblia, somente possível graças à revolução

promovida na imprensa por Gutenberg, a Reforma luterana volta-se contra a

definição da verdade por autoridade centralizada – apenas o papa podia interpretar

a Bíblia.

Dentre os pontos defendidos pela Reforma, reivindicava-se a liberdade cristã.

Para Martinho Lutero (2010), deveria ser garantida a todos os crentes sinceros a

possibilidade de lerem e interpretarem as Sagradas Escrituras. Negava-se, pois, a

exclusividade do papa na interpretação do texto bíblico.

Basicamente, a doutrina da liberdade promovida por Martinho Lutero consistia

na defesa pelo reconhecimento de dois pontos centrais: a) liberdade de consciência

e b) separação entre Estado e religião.

A propósito disso, é oportuna a seguinte transcrição de Henry Kamem:

El gran tratado de Lutero sobre el poder del Estado em asuntos religiosos es Vom Weltltincher Obrigkeit (De la autoridad secular) (1523). Al atacar al poder secular corto en su raíz la alianza medieval entre la Iglesia y el Estado e intentó desarmar a los prícipes católicos que pudieran intervenir en contra de sus propias doctrinas.[...] Entre los otros socinianos defensores de la libertad estaba Juan Krell (1590-1633) cuya Vindiciae pro religionis libertate se editó muchas veces em varios idiomas europeos. A Krell lê interesaba convencer a los miembros de otras confesiones de que sus propios principios defendían a menudo la causa de la tolerancia y de que no debía usarse la violencia contra los herejes. (KAMEM, 1967, p. 31)

Apoiando-se nos ideários da Reforma – de que todos desejavam viver em

liberdade – sedimentou-se então o discurso pelo término das guerras religiosas.

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Como corolário, defendeu-se a ideia de liberdade e tolerância; entre outras, as

liberdades de consciência, de opinião e de livre exteriorização do pensamento.

Sobre a matéria, afiança Tadeu Antônio Dix Silva que a Reforma Protestante

determinou a separação da “unidade ideológica e política do Ocidente cristão, e

propiciou o surgimento de interpretações plurais da lei eterna. O novo jusnaturalismo

que se sedimenta, então, traz consigo um novo objeto: a tolerância e a convivência

dos diversos.” (SILVA, 2000, p.77).

Nesse contexto, surge a doutrina do direito individual. Para esta corrente

argumentativa, o homem, ao nascer, e pela própria virtude de sua natureza humana,

já goza de certos direitos subjetivos, que compõem os direitos individuais naturais.

No ponto, recorda Léon Duguit, que “o homem nasce livre, isto é, desfruta do direito

de desenvolver plenamente a sua atividade física, intelectual e moral, e, nesse

sentido, pertence-lhe o direito de desfrutar o produto dessas atividades.” (DUGUIT,

2009, p. 23).

Passado então o tempo em que a liberdade representava apenas proteção

contra a tirania dos governantes, antepondo limites ao poder que eles dispunham

sobre a comunidade, inicia-se a formação da concepção intitulada de visão liberal da

liberdade de expressão e da liberdade de imprensa. (MIL, 2010).

2.5 Liberdade de expressão

Salienta-se, de início, que a liberdade de expressão, conforme verificado, não

foi conquistada a partir de um único e isolado fato, senão da composição de

múltiplos acontecimentos dentre eles, a analisada necessidade natural de o homem

expressar os seus pensamentos, tanto nas relações pessoais quanto nas questões

políticas; do surgimento da máquina de impressão no século XV; da liberdade

religiosa e da tolerância entre as diversidades iniciada após a Reforma Protestante

ocorrida no século XVI.

Por outra seara, identifica Tatiana Stroppa que a gênese da liberdade de

pensar e manifestar o pensamento pode ser encontrada nas histórias do Velho

Testamento, sobretudo nas passagens que relatam “perseguições aos profetas

considerados politicamente inconvenientes, bem como das condenações à morte e

ao exílio de filósofos como Sócrates, acusados e punidos essencialmente por

exprimirem um pensamento crítico e dissidente.” (STROPPA, 2010, p. 59).

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Salienta-se, ademais, que não existe conformidade conceitual entre os

variados termos ligados à liberdade de expressão, comunicação e imprensa. Esses

termos, consoante se verá, também se confundem nas declarações de direitos

humanos.

Afigura-se interessante, nesse momento da exposição, citar a inafastável

constatação que chegou Edílson Farias:

A difusão de pensamentos, ideias, opiniões, crenças, juízos de valor, fatos ou notícias na sociedade tem tido e ainda mantém várias denominações na doutrina, na jurisprudência e na legislação: liberdade de pensamento, liberdade de palavra, liberdade de opinião, liberdade de consciência, liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de expressão e informação, direito à informação, liberdade de informação jornalística, direito de comunicação, liberdade de manifestação do pensamento e da informação, dentre outras. Tal profusão de nomes só faz majorar as imprecisões e a insegurança jurídica sobre o assunto, já em si tendencialmente polêmico. (FARIAS, 2004, p. 52)

Visando por fim à celeuma conceitual, propõe o citado autor que se opte pelos

termos liberdade de expressão e comunicação, pois, segundo suas reflexões, o

termo liberdade de expressão – entendido como gênero – substitui os conceitos

liberdade de manifestação do pensamento, de manifestação de opinião e de

manifestação da consciência – que são espécies daquele gênero –, “podendo-se,

pois, empregar a frase liberdade de expressão para abranger as expressões de

pensamento, de opinião, de consciência, de idéia, de crença ou de juízo de valor”.

(FARIAS, 2004, p. 53).

A utilização do termo liberdade de expressão e comunicação ainda se

justifica, segundo o mesmo Edilsom Farias (2004), em razão da fórmula liberdade de

comunicação representar melhor do que os termos liberdade de imprensa e

liberdade de informação o atual e complexo processo de comunicação de fatos ou

notícias existente na vida social.

A unificação de conceitos, tão almejada por Pontes de Miranda, parece está

ainda distante de ser alcançada. Para se ter uma ideia do quão complexo é o

assunto, autores como Uadi Lammêgo Bulos (2002), Luiz Roberto Barroso (2004),

Tadeu Antônio Dix Silva, Tatiana Stroppa (2010) José Joaquim Gomes Canotilho

(2003) e Fernando M. Toller (2010) entendem que a liberdade de expressão possui

dois sentidos: um amplo e outro restrito. Em sentido lato, ensinam que a liberdade

de expressão é o gênero no qual se inserem outros direitos correlatos e seus

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inúmeros desdobramentos, que, dentre outros, são exemplos liberdade de opinião,

de informação, de imprensa, religiosa, de cátedra, de radiodifusão e televisão, do

teatro, do cinema, etc.

Já no entendimento de Maria Cristina Fix Fierro (2006), a liberdade de

pensamento contém as liberdades de opinião e expressão e estas, por sua vez, são

fundamentos da liberdade de informação. Mas, segundo a citada autora, todos

esses direitos contam com três faculdades inter-relacionadas, que são as de buscar,

receber e difundir informação, ideias ou opiniões.

Luiz Roberto Barroso ressalta, ainda, a distinção feita pela doutrina brasileira

entre as liberdades de informação e de expressão, registrando que a primeira refere-

se ao direito individual de comunicar livremente os fatos e ao direito difuso de ser

deles informado. Já a “liberdade de expressão, por seu turno, destina-se a tutelar o

direito de externar idéias (sic), opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer

manifestação do pensamento humano.” (BARROSO, 2004, p.123).

Vidal Serrano Nunes Júnior (2011, p. 37), por sua vez, defende a existência

de separação conceitual entre a liberdade de expressão e a liberdade de opinião. Na

definição apresentada pelo citado autor, a liberdade de opinião consiste no “direito

de formular juízos, conceitos e convicções e exteriorizá-los livremente”, enquanto a

liberdade de expressão se relaciona com as mais variadas formas da expressão

humana, despidas de qualquer juízo valorativo. Por meio da liberdade de expressão

se assegura ao indivíduo a possibilidade de externar suas sensações, seus

sentimentos ou sua criatividade, independentemente da formulação de convicções

ou conceitos.

Seguindo por essa linha, o direito à liberdade de expressão, concebido de

forma ampla, engloba a possibilidade de se difundir livremente qualquer

exteriorização própria da vida humana: “crenças, convicções, idéias (sic), ideologias,

opiniões, sentimentos, emoções, actos de vontade.” (MIRANDA, 2000, p. 453). Para

tanto, pode-se utilizar a “palavra, oral ou escrita, da imagem, do gesto e do silêncio.”

(STROPPA, 2010, p. 60).

Nessa trilha, é então possível deduzir que a liberdade de expressão não tem

como único objetivo a proteção individual do homem, mas também as relações

sociais, relacionadas ao ato de divulgar o pensamento e demais exteriorizações da

vida humana. Em outras palavras, o exercício da liberdade de expressão se assenta

tanto no aspecto da autonomia do indivíduo, como também – e sobretudo – na

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autonomia pública, caracterizada na livre inserção do cidadão no debate político. Daí

não se ter dúvida, especialmente em relação ao aspecto público da liberdade de

expressão, que tal liberdade exerce fundamental papel no processo democrático.

Ratificando tal ideia, escreve Fierro (2006, p.128) que o exercício da liberdade

de expressão possibilita a transição dos indivíduos da condição de “súbditos a

ciudadanos”.

Sendo assim, considerada em sentido amplo, a liberdade de expressão pode

ser entendida, tal como sugere Jónatas Eduardo Mendes Machado (2002, p. 371),

um “direito mãe”, porquanto se referir ao “conjunto de direitos fundamentais que a

doutrina reconduz à categoria genérica de liberdades comunicativas ou liberdades

da comunicação.” (MACHADO, 2002, p. 371).

Em sentido restrito, propõe Tatiana Stroppa (2010, p. 58), que a busca desse

conceito de liberdade de expressão requer “a exclusão do âmbito protegido pelas

demais liberdades comunicativas, ficando, então, com o campo residual por estas

não albergado.”

Compreende-se, igualmente, como atributo do direito à liberdade de

expressão, a possibilidade de não expressar qualquer posicionamento. Pois o direito

de expressão protege, além das mais diversas formas de exprimir o pensamento e

as sensações humanas, a opção de se abster de qualquer forma de expressão.

A partir dessas considerações é que surge a proposta de interpretação aberta

do direito de expressão do pensamento, sem análise qualitativa do conteúdo

manifestado, hipótese em que se defende, simplesmente, o direito de expressar,

independentemente da posição pessoal de cada um.

Esse posicionamento evita, inclusive, que, utilizando-se de posições

previamente determinadas e de restrições às expressões classificadas genérica e

arbitrariamente de censuráveis, os representantes estatais possam estabelecer

balizas à manifestação do pensamento, desnaturando com isso o mais importante

predicado que qualifica o direito ora em estudo: a liberdade.

2.5.1 Contribuições norte-americana e francesa ao reconhecimento da

liberdade de expressão

As justificativas para a proteção constitucional da liberdade de expressão são

muitas. Ainda que não se possa falar em predomínio de um único fator para o

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reconhecimento da liberdade de expressão, é incontestável a relevância das

declarações de direitos humanos 4 norte-americana e francesa para a solidificação

das liberdades públicas e, no rol destas liberdades, a de expressão.

Partindo desse esclarecimento, escreve Fábio konder Comparato (2010, p.

38) que os direitos humanos foram elevados à classe dos bens indispensáveis à

convivência humana, aqueles sem os quais “as sociedades acabam perecendo,

faltamente, por um processo irreversível de desagregação.”

Além das declarações de direitos humanos, a independência das treze

colônias norte-americanas e a promulgação das dez emendas à Constituição de

1787 – Bill of Rights – contribuíram com relevância para a composição do rol de

liberdades públicas e garantias constitucionais.

Conforme se verá ao longo desse trabalho, o primeiro país a elevar a

liberdade de imprensa ao plano da constituição foi a França, em 1789, seguindo

pelos Estados Unidos da América, em 1791, período em que as informações eram

difundidas na sociedade pela palavra impressa.

A propósito do assunto, ao asseverar a importância da Declaração de

Independência dos Estados Unidos, assegura Adriana Zawana Melo (2007) ser, na

história moderna, o primeiro documento a afirmar os princípios democráticos.

Adianta-se, por oportuno, que, conforme se verá, as declarações de direito

norte-americana e francesa defendiam o absenteísmo estatal, caracterizado pela

não ingerência do Estado na esfera pessoal/individual.

Cumpre registrar, ademais, que por visarem à proteção da esfera individual da

intervenção do Estado, as liberdades públicas defendidas pelos revolucionários

americanos e franceses receberam de Canotilho (2010) as denominações de direitos

de liberdade, liberdade-autonomia e direitos negativos.

No que concerne ao atributo de direito negativo que comumente se predica à

liberdade de expressão, Cass R. Sunstein (2009) faz interessante observação,

digna, portanto, de nota:

Casos desse tipo nos revelam que a Primeira Emenda, mesmo da maneira que é atualmente concebida, não é um mero direito negativo. Possui dimensões positivas também. Aquelas dimensões positivas consistem em

4 É importante notar que, segundo Mauro Lúcio Quintão Soares (2000, p.25), a expressão direitos humanos apresenta diversidades de conceitos. “Apresenta, geralmente, relacionada com outras denominações que, em princípio, parecem designar realidades muito próximas: direitos naturais, direitos fundamentais, direitos subjetivos, direitos públicos subjetivos, liberdades públicas, etc.”.

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uma ordem dada ao governo para tomar providências para garantir que o sistema de liberdade de expressão não seja violado por regras jurídicas [...] (SUNSTEIN, 2009, p. 274).

Feitas essas considerações prévias, cumpre agora analisar, nos dois tópicos

seguintes, a influência das declarações de direitos humanos norte-americana e

francesa, da independência das treze colônias e da promulgação das dez emendas

à Constituição americana para o fortalecimento da liberdade de expressão.

2.5.1.1 A Revolução americana, a declaração de direitos de 1776 e o Bill of Rights

As treze colônias inglesas da América do Norte, após a declaração de

independência, passaram a ser organizadas sob a forma de confederação. A

autonomia conquistada pelos ex-territórios britânicos, recém-emancipados, propiciou

o surgimento de várias declarações de direitos, de traço nitidamente liberal. Porém,

a que mais se destacou foi a Declaração da Virgínia, de 1776.

Dita declaração, que “o bom povo da Virgínia” tornou pública em 16 de junho

de 1776, formalizou “o registro de nascimento dos direitos humanos na História.”

(COMPARATO, 2010).

Logo no artigo 1º proclamava-se que “todos os seres humanos são, pela sua

própria natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos

inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo

de pacto, privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da

liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de

procurar e obter a felicidade e a segurança”.

A importância da Declaração de Direitos da Virgínia, sobretudo do artigo 1º, o

qual declara que todos os seres humanos são igualmente livres e independentes

pela sua própria natureza, influenciou, no entender de Comparato (2010), o tom de

todas as declarações de direitos aprovadas posteriormente, como a Declaração

francesa de 1789 e a Declaração Universal de 1948, aprovada pela Assembleia

Geral das Nações Unidas.

Porém, na vertente oposta desse entendimento, assevera Melo (2007) que a

Declaração de Direitos da Virgínia, de junho de 1776, e a Declaração de

independência das colônias inglesas da América do Norte, de julho de 1776, não

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atingiram a repercussão alcançada pela declaração francesa, publicada no ano de

1789, isso porque, além de os documentos americanos serem substancialmente

pragmáticos, estavam inclinados a assegurar os direitos considerados tradicionais

do cidadão inglês que vivia em território norte-americano.

Reforçando o aspecto individualista da Declaração de Direitos do “bom povo”

de Virgínia, escreveu José Ricardo Cunha:

[...] nascia, em 1776, a sociedade mais individualista que o mundo já conheceu e, seguramente, as declarações norte-americanas eram o paraíso dos direitos individuais, o que, por si só, pode explicar o fato de até hoje não haver muita aproximação — em alguns casos conceitual e em outros casos prática — com os direitos sociais e, menos ainda, com o direito internacional dos direitos humanos (CUNHA, 2009, p. 14).

De qualquer forma, princípios de natureza fundamental encontram-se,

indiscutivelmente, inseridos na Declaração de Direitos da Virgínia de 1776, tais

como: igualdade e liberdade do homem (artigo 1º); soberania popular (artigo 2º);

governo instituído como instrumento para realização do bem comum e promoção da

felicidade humana (artigo 3º); proibição de concessão de privilégios individuais em

detrimento da comunidade (artigo 4º); descentralização do exercício do poder com a

separação e distinção dos poderes legislativo, executivo e judiciário (artigo 5º);

investidura popular mediante eleições livres de seus representantes (artigo 6º);

legalidade e legitimidade (artigo 7º); devido processo legal (artigo 8º e 10);

proporcionalidade na fixação de multas e penas (artigo 9º); julgamento por júri,

considerando-o como entidade sagrada (artigo 11); liberdade de imprensa como

baluarte da sociedade (artigo 12); o direito de portar armas (artigo 13); e liberdade

religiosa (artigo 16) (VIRGÍNIA, 1776).

Por conta da pertinência com o presente estudo, merece destaque o artigo 12

da referida declaração, o qual consagra a imprensa livre como um dos grandes

baluartes da liberdade, não podendo nunca ser restringida, senão por governos

despóticos.

Assim, foi sobre o pórtico da igualdade de todos perante a lei que a

confederação dos Estados Unidos da América do Norte se estabeleceu, tendo como

bandeira as liberdades individuais, sobretudo a liberdade de opinião e religião.

Seguindo com a história, mas sem adentrar nos pormenores, as mesmas

treze colônias que haviam se rebelado contra a dominação inglesa resolveram se

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unir numa só e mesma nação. Surge daí, e com a promulgação da Constituição de

1787, o Estado Federal Norte-Americano, unificando as colônias em torno de um

governo central.

Não sem razão, afirma Comparato (2010) que o modelo de federação norte-

americano representou o ato inaugural da democracia moderna, combinando, em

um só momento, e sob o regime constitucional, a representação popular com a

limitação de poderes governamentais e o respeito aos direitos humanos, estes já

garantidos pelas declarações que antecederam a unificação das colônias.

Apesar disso, a Constituição americana de 1787 não continha um elenco de

direitos, o qual somente foi formulado em 1789 e aprovado em 25 de setembro de

1791, pelas duas Casas Legislativas, de dez das doze emendas constitucionais

apresentadas por James Madison. Proclamou-se, dessa forma, o rol de liberdades

públicas e garantias constitucionais em prol do cidadão americano, denominado Bill

of Rights.

Logo na primeira emenda encontra-se a base da doutrina da liberdade de

expressão, assim estabelecida: “O Congresso não legislará no sentido de

estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a

liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir

pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos”.

(AMERICANA, 1791).

Não obstante a primeira emenda à Constituição americana proibir

expressamente o cerceamento da liberdade de palavra e de imprensa, assegura

Thomas M. Cooley (2002) que nas colônias não existia censura, tampouco havia, na

época da Revolução, razão para temer que posteriormente fosse ela estabelecida.

Mas a história, conclui o citado autor, “demonstra que o povo julgava ter o direito de

publicar livremente as suas produções escritas, e receava que este direito pudesse

ser restringido por meio de processos opressivos [...]” (COOLEY, 2002, p. 266).

De todo forma, a declaração de liberdade de palavra, de imprensa e de

religião, constante da 1ª emenda, tem se situado numa posição de ascendência em

relação aos demais direitos humanos. Nesse soar, merece nota, mais uma vez, a

reflexão de Fábio Konder Comparato:

A declaração de que “a imprensa livre é um dos grandes baluartes da liberdade” deve ser ressaltada pela sua absoluta prioridade histórica. Ela se torna, logo depois, um dos pilares da cidadania democrática norte-

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americana (Primeira Emenda à Constituição) (COMPARATO, 2010, p. 129).

Mudando de enfoque, Silva (2000), Nowak e Rotunda (1991), dentre outros,

relatam, ainda, a contribuição que os escritos de John Milton e a teoria utilitarista de

John Stuart Mill proporcionaram ao pensamento norte americano, por apresentarem

justificativas à consagração da liberdade de expressão na Primeira Emenda à

Constituição dos Estados Unidos da América. A propósito dos fundamentos de

defesa da liberdade de expressão, assim doutrinou Stuart Mill:

[...] o prejuízo característico de silenciar a expressão de uma opinião reside no fato de que isto é roubar a raça humana, tanto a posteridade quanto a geração atual, tanto aqueles que discordam da opinião quanto aqueles que as sustentam, e esses ainda mais que os primeiros (MILL, 2010, p. 60).

Mais adiante, no ano de 1919, coube ao Juiz Oliver Wendell Holmes 5, da

Suprema Corte dos EUA, no voto dissidente proferido no famoso caso Abrams v.

United States, afirmar que o melhor teste de veracidade é o poder de um

pensamento obter aceitação no competido mercado de ideias. Não cabendo ao

Estado, mas à livre circulação ou ao livre mercado de ideias, estabelecer qual

opinião deveria prevalecer. (MORO, 2001, p. 345).

Por tudo quanto já analisado, pode-se concluir que a liberdade de expressão

encontra-se inserida no rol das liberdades públicas, onde possui status de direito

fundamental, assegurando ao indivíduo tanto a promoção de suas habilidades

naturais de comunicação quanto a participação política nos assuntos de interesse

coletivo.

2.5.1.2 A Revolução Francesa e a Declaração de Direitos de 1789

Na América do Norte, como analisado, o art.14 da Declaração de Direitos de

Virgínia, de 12 de junho de 1776, afirmou a liberdade de imprensa como um dos

mais importantes baluartes da liberdade individual frente ao Estado, somente

podendo ser restringida pelos governos arbitrários.

5 Oliver Wendell Holmes, que serviu na Suprema Corte americana no período de 1902 -1932, é reconhecido por ter sido um de seus juízes mais influentes.

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Na França, porém, a liberdade não transigia. Acerca da opressão vivida pelo

povo francês, observa Karl Marx (2009, p. 28), que “não foi a liberdade de imprensa,

mas a censura, que causou a revolução.”

Na agitação da Revolução Francesa, lutavam os revolucionários contra a

intensa desigualdade provocada pelo individualismo, responsável por reduzir a

“massa indefesa à condição semelhante aos servos da gleba da Idade Média”,

conforme frisou Jayme de Altavila (2004, p. 173).

Avaliando também a questão, assegura Comparato (2010) que a francesa

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão simboliza o atestado de óbito da

monarquia absolutista e o sepultamento do esquema de privilégios estamentais

herdados do feudalismo.

Explica Bonavides (2002, p. 516) que a bandeira erguida pelos revolucionários

franceses do século XVIII “exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo

possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a seqüência (sic)

histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade”.

Idealizada sobre as luzes da trilogia liberdade, igualdade e fraternidade, a

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, publicada na França, no ano de

1789, foi também a responsável pela construção das balizas estruturais da nova

ordem social que emergia. Afinal, enquanto os americanos redigiam declarações

para os seus compatriotas, os franceses declaravam direitos não apenas para os

franceses, mas, sobretudo, para o homem, independentemente de fronteira e

nacionalidade.

Diferentemente da declaração norte-americana, a francesa de 1789,

elaborada em dupla dimensão – nacional e universal – previu duas categorias de

direito: as liberdades negativas – faculdade de agir sem a interferência do

absolutismo estatal – e os direitos do cidadão – direitos políticos: soberania popular

e participação do povo na formação da vontade geral.

No que se refere à liberdade de expressão, anunciou a declaração francesa,

em seu artigo 10, que “ninguém deve ser inquietado por suas opiniões incluindo as

religiosas, desce que a manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida em

lei”. O artigo seguinte (artigo 11) qualifica a livre comunicação das ideias e das

opiniões como um dos mais preciosos direitos do homem, de forma que todo

cidadão poderia falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos

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abusos nos termos previstos em lei. (DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO,

1789).

Todavia, vale ponderar que nem mesmo essa paradigmática declaração ficou

imune à falta de eficácia de seus enunciados, o que somente foi resolvido com a

evolução do constitucionalismo – movimento que defendeu a positivação dos direitos

fundamentais nas constituições, a fim de lhes assegurar supremacia frente ao

legislador ordinário.

Já no cenário internacional moderno, a liberdade de expressão foi

consagrada, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de

1948, que dispõe em seu artigo 19 que “todo homem tem direito de opinião e

expressão”. (DIREITOS DO HOMEM, 1948).

Pode ser também encontrada no Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos, de 1966, que determina em seu artigo18-1 que “toda pessoa terá direito à

liberdade de pensamento, de consciência e de religião”, e no artigo 19-2 “toda

pessoa terá direito à liberdade de expressão”; esse direito incluirá a liberdade de

procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza,

independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, de

forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio a sua escolha. (DIREITOS

CIVIS E POLÍTICOS, 1966).

Teve ainda assento na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto

de San José da Costa Rica), de 1969, a qual estabelece, no artigo 13, que “toda

pessoa tem direito à liberdade de pensamento e expressão” (COSTA RICA, 1969).

Ainda no campo internacional, mas agora na quadra contemporânea, merece

ênfase a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão aprovada pela

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu 108º período ordinário de

sessões, celebrado de 16 a 27 de outubro de 2000. Nessa assentada, reafirmaram a

liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, como um direito

fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. Declaram-na, ainda, como

sendo um requisito indispensável para a própria existência de uma sociedade

democrática. Seguindo na análise da citada declaração de princípios, merece nota o

artigo 10, dada à pertinência com o tema desenvolvido neste trabalho. Portanto, eis

o que se afirma no artigo 10 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de

Expressão aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos:

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As leis de privacidade não devem inibir nem restringir a investigação e a difusão de informações de interesse público. A proteção à reputação deve estar garantida somente através de sanções civis, nos casos em que a pessoa ofendida seja um funcionário público ou uma pessoa pública ou particular que se tenha envolvido voluntariamente em assuntos de interesse público. Ademais, nesses casos, deve-se provar que, na divulgação de notícias, o comunicador teve intenção de infligir dano ou que estava plenamente consciente de estar divulgando notícias falsas, ou se comportou com manifesta negligência na busca da verdade ou falsidade das mesmas (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2011).

Pelo que se vê, existe uma tendência à descriminalização das condutas

lastreadas no exercício da liberdade de expressão que resultem em ofensa à honra

de outrem. Mas essa agitada questão será mais bem analisada no capítulo 3 deste

estudo, onde lhe foi dedicado um tópico específico.

2.5.2 A liberdade de expressão no cenário constitucional brasileiro

No panorama jurídico brasileiro, a liberdade de expressão foi garantida desde

a primeira Constituição, de 1824 (artigo 179, inciso IV), passando pela Constituição

Republicana de 1891 (artigo 72, §12), pelas de 1934 (artigo 113, §8º), 1946 (artigo

141, §5º), 1967 (artigo 150, §8º) e pela Emenda Constitucional 01/69 (artigo 153,

§8º), até chegar à Constituição Federal de 1988. Nesta, o direito de expressão

encontra fundamento no inciso IX do artigo 5º, mas vem também anunciado no

inciso IV do mesmo artigo 5º e no artigo 220, caput e §2º, os quais garantem a livre

expressão e vedam, respectivamente, o anonimato e a censura. (BRASIL, 2010).

Embora houvesse previsão formal garantindo a liberdade de expressão em

todas as constituições brasileiras, incluindo a Emenda Constitucional de 1969, não

se pode esquecer que, durante a ditadura militar (1964-1985), as manifestações

expressivas chanceladas pelo governo como perigosas ou ofensivas aos interesses

nacionais (leia-se aos próprios interesses daquele regime ditatorial) eram

veementemente censuradas, chegando ao desterro e mesmo à morte os que se

atrevessem a criticar o regime.

A censura recaía desde a notícia jornalística denunciando abusos até aos

poemas de Dias Gomes e letras de músicas de protesto de Chico Buarque de

Holanda, Caetano Veloso, dentre outros que ousavam desafiar o governo dos

militares.

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Contudo, nos dias atuais, com o retorno da democracia e o fortalecimento do

Estado de direito, problemas desse tipo já não encontram mais campo para

desenvolvimento no contexto republicano nacional, pois, quando surgem, são

imediatamente equacionados pelos juízos e tribunais brasileiros, que funcionam

como vigilantes independentes dos direitos fundamentais.

Em outras palavras, resume Daniel Sarmento (2010, p. 208), que hoje

“respira-se, enfim, um ar mais livre”.

Mas é justamente nessa atmosfera de liberdade que nascem as novas

controvérsias relacionadas com o direito à livre expressão, envolvendo,

especialmente, a necessidade de imposição de limites, com a finalidade de

preservar outros direitos de natureza também constitucional, como o direito à honra,

à intimidade, à privacidade, etc.

Evidenciando a problemática que ora envolve a liberdade de expressão, o

atual quadro “é menos o de um Governo autoritário, tentando calar os críticos e

dissidentes, e mais o de juízes e legisladores buscando fórmulas de equilíbrio entre

princípios constitucionais colidentes.” (SARMENTO, 2010, p. 208).

Cabe esclarecer, por oportuno, que o estudo sobre a busca pelo equilíbrio

entre as normas constitucionais aparentemente em conflito – especificamente, o

direito à liberdade de expressão X o direito à honra – será desenvolvido no

CAPÍTULO 3 deste trabalho, onde se analisarão os limites da liberdade de

expressão/imprensa e a doutrina da ponderação de princípios.

2.6 Direito de comunicação e a evolução tecnológica

Partindo da origem etimológica, a análise do vocábulo “comunicação” traz a

noção de participação, interação, troca de opiniões, intercâmbio de mensagens,

emissão, recebimento de informações (BARBOSA; RABAÇA, 2001). Percebe-se,

portanto, que a comunicação sugere a transferência de conhecimento entre as

pessoas, ou seja, o ato de compartilhar com outrem algo de que se dispõe.

Há quem distinga, no entanto, o direito de informação do direito de

comunicação. Vidal Serrano Nunes Júnior, por exemplo, anuncia que o direito de

comunicação apresenta duas faces. De um lado, relaciona-se com a “preservação

da opinião, da expressão e da informação, quando exteriorizadas através de um

meio de comunicação de massa, e, de outro lado, se refere à integração jurídica da

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existência e do funcionamento desses meios de comunicação.” (NUNES JÚNIOR,

1997, p. 30).

No entanto, para o magistério de Edilsom Farias (2004), a liberdade de

comunicação também se diferencia da liberdade de expressão. Nas palavras do

autor, a “liberdade de expressão tem como objeto a manifestação de pensamentos,

ideias, opiniões e juízos de valor” enquanto a liberdade de comunicação “tem como

objeto a difusão de fatos ou notícias.” (FARIAS, 2004, p. 55).

A relevância da diferenciação sugerida por Edilsom Farias influenciará,

conforme pondera o próprio autor, na definição das responsabilidades decorrentes

do exercício da liberdade de expressão e comunicação.6

A título de exemplo: a liberdade de expressão, por ter conteúdo subjetivo e abstrato, não se encontra submetido ao limite interno da verdade; a liberdade de comunicação, constituída por conteúdo objetivo, encontra-se suscetível de comprovação da verdade. (FARIAS, 2004, p. 55).

Contribuindo para o debate da diferenciação entre os direitos de expressão e

de comunicação social, assim ajuíza Tatiana Stroppa:

[...] quando os direitos de expressão, opinião, informação forem exercidos por intermédio dos meios de comunicação de massa, as questões que daí surgirem serão reguladas pelas normas que conformam o direito de comunicação social, o qual abrange, também, as disposições que visam a disciplinar a existência e o funcionamento dos próprios meios [...]. (STROPPA, 2010, p. 68).

Ao concluir a análise do ponto, registra a citada autora:

De fato, a liberdade de comunicação social representa apenas uma qualificação específica da liberdade de expressão e informação de que goza qualquer cidadão, mas que, em virtude da complexidade e abrangência social que galgou, recebeu um tratamento jurídico autônomo, que congrega um conjunto de direitos e deveres, quer relativos ao trabalho dos jornalistas, quer à organização e modo de funcionamento das empresas jornalísticas e de radiodifusão, no seu relacionamento com a sociedade e os poderes públicos. (STROPPA, 2010, p. 68).

A distinção parece ganhar sentido quando se analisa a conexão do Capítulo V

do Título VIII da Constituição Republicana de 1988, o qual dispõe sobre a

comunicação social, com o Capítulo I do Título II da mesma Carta Republicana, que

6 Esclarece-se, por relevante, que o ponto 4.3 deste trabalho foi dedicado ao estudo da responsabilidade penal da crítica jornalística, tópico para o qual se remete o leitor.

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proclama os direitos e deveres individuais e coletivos, especificamente com os

incisos IV e XIV do artigo 5° que consagram os direitos de expressão, de opinião e

de informação.

A leitura dos dispositivos constitucionais relacionados no Capítulo V do Título

VIII, da Constituição Republicana de 1988, comprova a existência de dois diferentes

grupos de normas que formam o direito de comunicação social. Para Tatiana

Stroppa (2010), o artigo 220, §§1º, 2º, 3º, inciso 4º e artigo 221, tratam da dimensão

jurídico-subjetiva, enquanto a dimensão jurídico-orgânica vem nos artigos 220, §§ 3º,

inciso I, 5º e 6º; 222 e 224, os quais regulamentam os aspectos concernentes à

própria existência e ao funcionamento dos veículos de comunicação de massa.

Direcionando para outro enfoque, vale realçar que o desenvolvimento

tecnológico favoreceu, substancialmente, diversas modalidades de comunicação,

sobre a questão exemplifica Domenico de Masi (1999) que, na imprensa, a

tecnologia permitiu o desenvolvimento da linguagem gráfica em ambos os aspectos

da palavra escrita e do desenho; já o telefone, o fonógrafo e o rádio privilegiaram a

linguagem falada e a música; a fotografia, o cinema e a televisão facilitaram a

informação visual.

Não custa lembrar, ademais, que com a evolução da tecnologia, ocorrida

notadamente no século XX, o intercâmbio de informações passou a ser exercido

numa rapidez sem precedentes na história da comunicação.

Para se ter noção do gigantismo desse fenômeno, informa Clóvis de Barros

Filho (2008) que a cada cinco anos dobra o número de informações disponíveis nos

mais variados veículos de comunicação. Em ilustração da proporção do anunciado

crescimento, destaca o citado autor que “um exemplar ordinário do New York Times,

contém mais informações do que qualquer inglês do século XVII adquiriria em toda a

sua vida.”(BARROS FILHO, 2008, p. 49).

Nesse ambiente de pós-modernidade, a comunicação pessoal (entre os

próprios indivíduos, sem intermediários), responsável, como já se analisou, pelo

desenvolvimento da humanidade, perde espaço, a cada dia, para a comunicação de

massa, que já ocupa o lugar central no processo de difusão de mensagens.

(STROPPA, 2010).

É então possível deduzir, a partir dessas considerações, que a avalanche

informativa à qual o indivíduo encontra-se exposto é exercida pela mediação dos

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aparatos de comunicação de massa, tendo a imprensa como um dos mais

significativos meios de propagação de informações.

Ratificando tal ideia, asseguram Gomes Canotilho e Jónatas Machado (2003)

que os meios de comunicação audiovisual encontram-se a serviço da

autodeterminação publicística dos indivíduos e dos grupos, dos seus direitos de

informação e de expressão acerca do mundo que os rodeia.

Os referidos autores argumentam ainda que tanto o rádio como a televisão

constituem instrumentos essenciais na dinamização dos subsistemas de ação social

e espaços de mediação comunicativa da diversidade e da confrontação de valores,

concepções, opiniões e interesses, individuais e coletivos, que neles se digladiam.

Elas são, além do mais, instrumentos da sociedade civil ao serviço da liberdade de

expressão em sentido amplo. (CANOTILHO e MACHADO, 2003).

Por outro lado, a denúncia que se tem feito ao progresso da informação

refere-se ao poder de convencimento exercido pelos veículos de comunicação de

massa. A influência exercida no agir humano modifica a própria forma de

comunicação pessoal, direciona os comportamentos individuais, determinando

conteúdos e até mesmo a maneira como os assuntos devem ser tratados na

sociedade.

2.6.1 A centralização do controle privado dos meios de comunicação de massa

Outra importante questão que agita o tema em análise diz respeito à

concentração das empresas de comunicação nas mãos de grupos empresariais

restritos.

Denuncia Clóvis de Barros Filho (2008) que esse movimento de centralização

se acentuou após 1964, quando a censura imposta pelo regime militar inviabilizou o

funcionamento dos pequenos jornais políticos.

Na mesma trilha, pontua Daniel Sarmento (2010, p. 264) que “os meios de

comunicação de massa, [...] permanecem fortemente oligopolizados, em que pese a

expressa vedação constitucional (art. 220, §5º, CF), o que gera evidentes distorções

no funcionamento da nossa democracia.”

Noutras palavras, acrescenta Tatiana Stroppa (2010) que os veículos de

comunicação de massa são formados, geralmente, por organizações complexas que

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demandam vultosos aportes de recursos econômicos e maciço investimento

tecnológico para conseguir atingir milhares de pessoas em curto período de tempo.

Em virtude disso, a liberdade de informação jornalística, que em princípio é

assegurada a todos os indivíduos, fica praticamente concentrada naqueles que

administram os referidos meios de comunicação e nos profissionais que atuam nas

estruturas organizacionais dessas empresas, uma vez que a referida liberdade não

garante ao individuo o direito de livremente utilizar o meio de sua escolha para

comunicar uma informação.

Sobre o mesmo problema, pondera Fábio Konder Comparato (2010) que no

final do século passado iniciou-se uma enorme concentração do controle privado

das empresas de comunicação de massa.

Nos Estados Unidos havia, em 1983, cinquenta empresas dominantes no mercado de imprensa, rádio e televisão; hoje, há apenas cinco. Atualmente, no Brasil, apenas quatro megaempresas dominam o setor de televisão: a Globo controla 342 veículos; a SBT (sic), 195; a Bandeirantes, 166; a Record, 142; e cada uma dessas “redes” representam um segmento de um grupo, que explora também o rádio, jornais e revistas. Com esse quadro reduzido de atores, as peças encenadas são sempre as mesmas. [...] Hoje, quem lê um dos nossos grandes matutinos leu todos os outros. (COMPARATO, 2010, p. 12).

Perante essa realidade, e considerando que a grande imprensa é a

responsável pela ponte entre a informação e o receptor da mensagem, é imperiosa a

conclusão de que são os grandes grupos de empresas jornalísticas os verdadeiros

doutrinadores da opinião pública, que, atuando livres de qualquer censura, adestram

o público conforme a conveniência dos responsáveis pela elaboração da pauta das

programações e seleção das matérias jornalísticas exibidas pelos veículos de

comunicação social.

Essa constatação acaba esvaziando a democracia, a qual tem, conforme

estudado, a liberdade de expressão/opinião como um dos seus pressupostos. Afinal

de contas, mais do que ser o governo das maiorias, a democracia move-se pelo

ideário do autogoverno popular, no qual os cidadãos podem participar com

igualdade e liberdade da formação da vontade do Estado, como ensina Noberto

Bobbio (2000).

Persistindo o cenário de concentração dos meios de difusão social das

informações, os despojados de recursos e excluídos em geral continuarão sem voz

na esfera pública, ceifados dos debates políticos, seguirão aceitando passivamente

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a opinião disseminada pelos dirigentes dos conglomerados que exploram

economicamente a comunicação.

Além disso, tal panorama também favorece a ocorrência de abusos, que, não

raro, são cometidos sob o pretexto da liberdade de imprensa e do direito à

informação.

No CAPÍTULO 3 deste trabalho, os limites da liberdade de imprensa serão

avaliados com mais profundidade.

2.7 A liberdade de imprensa, o direito de informação e as suas dimensões

Conforme avaliado no tópico 2.3, no século XV, com a chegada da máquina

de impressão reinventada por Gutenberg, a liberdade de expressão se confundia

com a liberdade individual de imprimir, que, por sua vez, não diferenciava da

liberdade de imprensa. 7

Naquela época, a imprensa representava nada mais que uma impressora, o

equipamento da expressão impressa. Daí a explicação para a origem do vocábulo

“imprensa”, referência às antigas máquinas de prensar, de onde os trabalhadores,

denominados impressores, reproduziam documentos.

Todavia, não é isso que a imprensa hoje representa, pois vários meios de

comunicação foram desenvolvidos paralelamente à imprensa escrita.

Somente a partir da Revolução Industrial do século XIX foi que o conceito de

imprensa distanciou da noção de liberdade individual de imprimir, porém, sem nunca

divorciar da ideia de liberdade de expressão. Pois, consoante acentua Venício A.

Lima (2010, p. 24) a liberdade de imprensa surge, na Declaração de Virgínia, com o

objetivo de viabilizar a liberdade individual de expressão ou como “uma liberdade da

“sociedade” equacionada com a imprensa e/ou os meios de comunicação

(Declaração de Chapultepec)”.

Essas particularidades, dentre outras, revelam que o conceito de imprensa

também possui dois sentidos. No lato sensu, abrange os produtos impressos, tais

7 Nos Estados Unidos, o julgamento, por calúnia, de um imigrante alemão impressor, John Peter Zenger, em 1735, é considerado a referência inicial para o estabelecimento da liberdade de imprensa. Ele foi absolvido por um júri popular de acusações de calúnia feitas pelo governador da então província de New York. Quarenta anos depois, a liberdade de imprensa já aparece na Declaração de Virgínia (1776) como um dos grandes baluartes da liberdade. (LIMA, 2010).

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como, jornais, revistas, livros, panfletos, cartazes e prospectos. Já em sentido stricto,

refere aos jornais e periódicos de grande circulação. (STROPPA, 2010).

Há quem defenda, no entanto, que a liberdade de imprensa não se confunde

com a liberdade de informação, porquanto ligar-se a primeira a uma atividade

comercial enquanto a outra se vincula a um direito individual. (LIMA, 2010).

De todo modo, parece evidente que a imprensa 8 – escrita, falada,

televisionada e via internet – constituiu-se num veículo de comunicação de massa

que tanto serve ao direito de informação quanto ao entretenimento do público.

Nos países democráticos, a imprensa é um instrumento de comodidade

pública que registra os acontecimentos sociais do dia-a-dia para apresentá-los aos

leitores/ouvintes/telespectadores/internautas. Dentre outras utilidades, cita Thomas

M. Cooley (2004, p. 266) que a imprensa “faz conhecer sucessos futuros, adverte

contra possíveis desastres e contribui de vários modos para o bem-estar, o conforto,

a segurança e defesa do povo”.

Registre-se, ademais, que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento

da ADPF nº 130 que declarou a não recepcionalidade da Lei de Imprensa (Lei nº

5.250 de 1967) pela Constituição Republicana de 1988, evidenciou, pelo voto do

ministro relator, Carlos Ayres Britto, a relação da imprensa com o regime

democrático:

A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art.220 apresenta-se como norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democráticas; [...] A imprensa livre é, ela mesma, plural, devido a que são constitucionalmente proibidas a oligopolização e a monopolização do setor (§5º do art. 220 da CF). (STF, 2009)

Como é possível perceber do trecho do acórdão transcrito acima, no

entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) a liberdade de imprensa

corresponde a um direito de magnitude maior que as liberdades individuais de

8 Esclarece que a expressão “imprensa” foi aqui utilizada no sentido comum, sem a precisão técnica, abrangendo, portanto, todos os meios de comunicação social.

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pensamento, informação e expressão. A liberdade de imprensa é uma das muitas

faces da democracia.

Karl Marx (2009) considera a imprensa a essência da liberdade. Para ele, a

existência de uma lei de imprensa é benéfica por representar o reconhecimento legal

– positivado – da liberdade. Porém, alerta que a censura, bem como a escravidão,

mesmo que tenha existido durante muito tempo como lei, nunca poderá ser

legalizada.

Prosseguindo com o debate, ressalta-se, por relevante, que a liberdade de

imprensa no contexto das declarações de direitos e das convenções internacionais

já foi analisada neste trabalho, no tópico 2.5.1, para onde se remete o leitor.

Feitas as ponderações acima, destaca-se que o propósito dos itens seguintes

será analisar os contornos da liberdade de imprensa no cenário constitucional

brasileiro, bem como o direito de informação e seus desdobramentos.

2.7.1 A liberdade de imprensa no cenário constitucional brasileiro

Antes de desenvolver o assunto proposto no título deste tópico é preciso

lembrar que a liberdade de imprensa não esteve sempre presente no Brasil. Ao

contrário de outros países da América Latina, o Brasil colônia não possuía

universidade nem produzia, por expressa proibição do reino de Portugal, qualquer

escrito impresso. Até o ano de 1808, data da chegada de D. João VI, as letras

impressas eram proibidas no Brasil. (LUSTOSA, 2003).

Enquanto na Europa, nos Estados Unidos e em alguns países da América

Latina a imprensa já desenvolvia a todo vapor, no Brasil a primeira máquina de

prensar veio na bagagem da família imperial que aqui aportava fugindo das tropas

napoleônicas.

Não aprofundaremos, todavia, no estudo do desenvolvimento da imprensa no

Brasil, pois não é esse o propósito do trabalho, daremos realce apenas à evolução

jurídica das normas que regulamentaram a liberdade de expressão e o direito de

imprensa no curso das constituições brasileiras.

Conforme já verificado no tópico 2.5.2, quando analisada a liberdade de

expressão no cenário constitucional brasileiro, todas as constituições pátrias

proclamaram a liberdade de expressão nos seus textos. Agora, neste item, caberá

examinar a liberdade de imprensa nas constituições nacionais.

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Em razão do critério seletivo dos textos constitucionais relacionados com a

liberdade de imprensa são citados por vezes dispositivos extensos, o que é

perfeitamente justificável pela opção que se fez em preservar a integridade do

dispositivo analisado.

Ressalta-se, ainda de início, que paralelamente ao direito de livre expressão

do pensamento, a liberdade de imprensa foi também apregoada nas constituições

brasileiras, desde a do Império de 1824.

Esclarece-se, todavia, que a liberdade de imprensa quase não ocupou espaço

nas primeiras constituições brasileiras, isto é, na imperial de 1824 e na republicana

de 1891. Efetivamente, a ampla garantia da liberdade de imprensa e a supressão

das práticas de censura apenas ocorreram a partir do advento da Constituição

Republicana de 1988, consoante se verificará.

No período monárquico, Sua Alteza Real, o Imperador D. Pedro I, “impaciente

e impetuoso”, conforme relata Erasmo de Freitas Nuzzi (2007, p. 18), dissolveu a

Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Brasil e outorgou, aos 25 de março

de 1824, a Constituição Política do Império do Brasil, que, no artigo 179 inciso IV,

dispunha sobre a liberdade de comunicação do pensamento por palavras e escritos,

podendo publicá-los pela imprensa, independentemente de censura:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos (sic) dos Cidadãos Brazileiros (sic), que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio (sic), pela maneira seguinte. [...] IV. Todos podem communicar (sic) os seus pensamentos, por palavras, escriptos (sic), e publical-os (sic) pela Imprensa, sem dependencia (sic) de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem (sic) no exercicio (sic) deste Direito, nos casos, e pela fórma (sic), que a Lei determinar. (BRASIL, 1824)

Em relação à censura, muito embora a Constituição a tenha afastado

expressamente, a garantia da liberdade de imprimir não foi mérito da Constituição

Imperial de 1824, pois o Imperador D. Pedro I, quando ainda Príncipe Regente,

mandou publicar “Aviso”, aos 28 de agosto de 1821, extirpando a censura no Brasil.

A publicação do referido “Aviso” possibilitou, inclusive, o surgimento de jornais nas

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capitais e nas cidades mais importantes das províncias do Império, como ocorreu em

Recife e Rio de Janeiro. 9 (NUZZI, 2007).

Em 15 de novembro de1889, cessou, com a proclamação da república, a

vigência da Constituição Política do Império do Brasil. No entanto, antes da

promulgação da nova constituição, que somente viria a ocorrer em 24 de fevereiro

de 1891, o governo republicano provisório publicou vários decretos.

Num desses decretos, o de nº 510, de 22 de junho de 1890, a liberdade de

imprensa foi assim tratada:

Artigo 72 – A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, os termos seguintes: [...] § 13 – É livre a manifestação das opiniões, em qualquer assunto, pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometa, nos casos e pela forma que a lei fixar. (BRASIL, 1890)

Promulgada a primeira Constituição da República dos Estados Unidos do

Brasil, em 24 de fevereiro de 1891, a Seção II, denomina “Declaração de Direitos”,

reproduziu, praticamente, em tema de liberdade de imprensa, o mesmo teor do

Decreto nº 510 transcrito acima. A grande inovação ficou, porém, na proibição ao

anonimato, confira:

Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 12 - Em qualquer assunto é livre a manifestação de pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato. (BRASIL, 1891).

Pelo que se viu, pode-se assegurar que as Constituições do Império e da

República de 1891 trataram das liberdades de opinião e imprensa apenas

superficialmente.

Erasmo de Freitas Nuzzi (2007) pontua que esse tratamento é até

compreensível na Constituição do Império, pois a imprensa brasileira estava

nascendo, os jornais eram pequenos, com poucas páginas e circulação restrita.

9 Alguns dos jornais cresceram e ainda continuam em atuação, dentre outros, cita-se: Diário de Pernambuco (Recife – 07/11/1825), Jornal do Commercio (Rio de Janeiro – 01/10/1827), O Mossoroense (Mossoró/RN – 17/10/1872).

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Entretanto, o cenário era bem diferente na época da proclamação da república, eis

que os jornais diários e algumas revistas já tinham influência na sociedade, tendo

contribuído, inclusive, para a abolição da escravatura e acessão do regime

republicano, fatos que deixam sem explicação a parcimônia da Constituição da

República de 1891 no tocante à disciplina da liberdade de imprensa.

Posteriormente, com a Revolução de 1930, iniciou no Brasil uma nova fase

republicana. Por meio do decreto nº 19.398, de novembro de 1930, regulamentou-se

o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, que, dentre outras

providências, dissolveu todos os órgãos legislativos ou deliberativos existentes no

país, como o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras

Municipais.

Passados mais de três anos sem constituição, o ditador Getúlio Vargas, em

consequencia da Revolução Paulista de 1932 – que exigia a elaboração de uma

constituição para o país – e também pressionado pela opinião pública, convocou

eleições gerais para o Congresso e, no dia 16 de novembro de 1933, enviou à

Assembleia Nacional Constituinte um projeto de constituição para a República dos

Estados Unidos do Brasil. (NUZZI, 2007, p. 23).

A Constituição de 1934, não obstante a significativa proteção que conferiu aos

direitos sociais, permitiu a consolidação de um sistema de censura e perseguição

aos opositores do regime liderado por Getúlio Vargas. A propósito, analise o teor do

artigo 113, inciso 9, da Constituição de 1934:

Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 9) Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido anonimato. É segurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social. (BRASIL, 1934).

Consoante se pode perceber, a parte final do citado dispositivo dava margem

à “perseguição política justificada pela proibição da propaganda de guerra, da

violência e da subversão da ordem política e social, que, no mais das vezes, foi

interpretada com bastante amplitude”. (STROPPA, 2010, p. 145).

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O artigo 131, por sua vez, tratava da propriedade das empresas jornalísticas,

sendo também a primeira referência sobre direitos e deveres do pessoal das

empresas jornalísticas em um texto constitucional:

Art 131 - É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, políticas ou noticiosas a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros. Estes e as pessoas jurídicas não podem ser acionistas das sociedades anônimas proprietárias de tais empresas. A responsabilidade principal e de orientação intelectual ou administrativa da imprensa política ou noticiosa só por brasileiros natos pode ser exercida. A lei orgânica de imprensa estabelecerá regras relativas ao trabalho dos redatores, operários e demais empregados, assegurando-lhes estabilidade, férias e aposentadoria. (BRASIL, 1934).

É também conveniente registrar que dois dias antes da promulgação da

Constituição, Getúlio Vargas baixou o Decreto nº 24.776/34, considerado a segunda

Lei de Imprensa da República. No artigo primeiro do referido Decreto, assegurava-se

a livre manifestação do pensamento pela imprensa, sem dependência de censura.

Porém, ressalvava o parágrafo único, que a censura seria permitida na vigência do

estado de sítio, nos limites e pela forma que o Governo determinasse.

Regulamentando o estado de sitio, o artigo 175 da Constituição Republicana

de 1934 previu como medida excepcional à censura de correspondência e das

publicações em geral. No §5º do mesmo artigo, apregoava que os livros, jornais e

outras publicações não teriam obstadas as circulações desde que submetidos à

censura. 10

A Constituição Republicana de 1934 durou pouco tempo, eis que no dia 10 de

novembro de 1937 o Presidente Getúlio Vargas outorgou ao país a chamada

Constituição Polaca – referência à Constituição da Polônia, que havia influenciado o

advogado mineiro Francisco Campos na elaboração da Constituição Republicana de

1937.

O artigo 122, inciso 15, da Constituição de 1937 correspondeu as aspirações

ditatoriais do Estado Novo ao permitir que a lei determinasse “com o fim de garantir

a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do

cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a

circulação, a difusão ou a representação.” (BRASIL, 1937).

10 Art 175 - [...] §5º - Não será obstada a circulação de livros, jornais ou de quaisquer publicações, desde que os seus autores, diretores ou editores os submetam à censura. (BRASIL, 1934).

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Essas particularidades, dentre outras, revelam que desde o dia 10 novembro

de 1937 até a saída do Presidente Getúlio Vargas no segundo semestre de 1945, o

Brasil viveu sob um regime ditatorial.

Nesse período, denominado de Estado Novo, o DIP – Departamento Oficial de

Imprensa e Propaganda controlava todos os jornais, revistas e a radiofonia, além de

deliberar sobre a importação ou não de papel, maquinário e equipamentos gráficos

necessários a atividade da imprensa.

Nas palavras de Tatiana Stroppa (2010, p. 145), o referido Departamento de

Imprensa e Propaganda se encarregava de emitir “diariamente ordens para as

diretorias de todos os jornais proibindo quaisquer notícias contra o regime ou assim

consideradas pelo DIP.”

Sobre o mesmo fato, consigna Erasmo de Freitas Nuzzi (2007, p. 27) que “era

comum ver (naquela época) grandes jornais saírem com meia ou um quarto de

página em branco, pela ação tenebrosa dos censores com seu lápis vermelho e, às

vezes, com o carimbo de “censurado”, utilizado na alta madrugada, pouco antes do

fechamento das edições.”

Esse famigerado regime de censura durou até 1945, quando se findou o

Estado Novo.

Com a Constituição de 1946 a liberdade de imprensa foi restabelecida no

Brasil, prevendo o artigo 141, §4ª, que a liberdade de manifestação do pensamento

e a publicação de livros e periódicos independem de censura ou licença do poder

público. Proibiu, porém, o anonimato e garantiu o direito de resposta. 11

No entanto, essa liberdade durou até o golpe das Forças Armadas, em 31 de

março de 1964, responsável pela instauração do regime militar no país.

O regime imposto pelos militares – “para a decepção geral dos jornais que o

apoiaram, isto é, a quase totalidade da imprensa – logo se revelou autoritário;

suprimindo os direitos constitucionais e restabelecendo a odiosa censura aos meios

de comunicação [...]”. (NUZZI, 2007, p. 33).

Embora a Constituição de 1967 dispusesse em seu artigo 150, § 8º, sobre a

liberdade de expressão e imprensa, garantindo a publicação de livros, jornais e

periódicos independentemente de licença de autoridade, a ditadura militar, por meio

11 No entanto, ressalta-se que o artigo 141, §5º, permitia a censura quando se tratasse de espetáculo e diversões públicas. Não era também permitida a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe. (BRASIL, 1946)

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dos malfadados atos institucionais, utilizou abusivamente da censura, da

perseguição e da intimidação das pessoas no pretexto de combater a subversão da

ordem nacional. Tanto foi assim que a Emenda Constitucional nº 01, de 17/10/1969,

alterou a redação do citado artigo 150, §8º, da Constituição de 1967 e,

posteriormente, em 26 de janeiro de 1979, a edição do Decreto-Lei nº 1.077

restabeleceu a censura. (STROPPA, 2010).

É também conveniente registrar que o Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro

de 1969 – conhecido como Lei de Segurança Nacional – previa, no artigo 16, a

prisão de jornalistas que divulgassem notícias falsas ou tendenciosas ou fatos

verdadeiros truncados ou desfigurados. 12

O exemplo mais trágico e doloroso da repressão foi a morte do jornalista Wladimir Herzorg, chefe do telejornalismo da TV Cultura, canal 2, de São Paulo. Herzorg compareceu ao DOI-CODI no quartel general do II Exército para prestar declarações. Dois dias depois, apareceu morto numa cela, como se tivesse se enforcado. Na realidade, essa versão do enforcamento foi uma farsa armada para disfarçar que ele fora martirizado e morto pelos seus torturadores. Wladimir Herzog, vítima maior da opressão, passou a ser o símbolo jornalístico na luta contra o autoritarismo militar. (NUZZI, 2007, p. 39).

Restabelecida a democracia, seguiu-se para o tratamento da liberdade de

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, consoante previsão categórica

da Constituição da República de 1988, que proclamou, na cabeça do artigo 220, a

liberdade de pensamento, criação, expressão e o livre fluxo de informações.

No §1º do citado artigo, o Constituinte originário estabeleceu proibição ao

poder de legislar, a fim de proteger “à plena liberdade de informação jornalística em

qualquer veículo de comunicação social”. (BRASIL, 1988).

Hoje, como se nota, o cenário constitucional introduzido pela Constituição de

1988 garante a plena liberdade de informação. Porém, adverte-se mais uma vez que

a liberdade de informação jornalística – liberdade de imprensa e dos demais meios

12 O artigo 16 da Lei de Segurança Nacional estabeleceu como crime “divulgar, por qualquer meio de comunicação social, notícia falsa, tendenciosa ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as autoridades constituídas: Pena: detenção, de 6 meses a 2 anos. § 2º Se a responsabilidade pela divulgação couber a diretor ou responsável pelo jornal, periódico, estação de rádio ou de televisão será, também, imposta a multa de 50 a 100 vezes o valor do salário-mínimo vigente na localidade, à época do fato, elevada ao dobro (sic), na hipótese do parágrafo anterior: § 3º As penas serão aplicadas em dobro (sic), em caso de reincidência”. (BRASIL, 1969)

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de comunicação social – não é absoluta, pois encontra balizas em outros direitos

fundamentais, conforme se verificará no CAPÍTULO 3 deste trabalho.

2.7.2 O direito de informação

Nos estados democráticos e, portanto, de legitimidade popular, o direito à

informação ganha maior importância na medida em que a participação nas questões

públicas passa a depender do conhecimento da realidade na qual o cidadão se

encontra inserido. O acesso à informação torna-se, nesse contexto, imprescindível

para que o indivíduo possa formar e expressar, conscientemente, suas ideias.

Afiançando esse entendimento, assegura Tatiana Stroppa (2010) que não é

mais suficiente garantir apenas a liberdade de expressão do pensamento, ainda que

de forma variada e com os mais diversos conteúdos. Faz-se também imprescindível

que a pessoa tenha acesso à matéria-prima necessária a um livre pensar e decidir

para que, consequentemente, possa haver participação popular na condução do

Estado.

Assim também pensa Sérgio Ricardo de Souza, para quem:

Realmente, a informação como forma de obtenção de conhecimento, como meio de poder controlar os fatos que ocorrem no meio ambiente em que o indivíduo atua é hoje mais que um direito: é uma necessidade irrenunciável, sem a qual não há participação, não há liberdade, desmorona-se a igualdade, obstaculiza-se a existência da democracia e afasta-se a possibilidade de alcançar-se uma sociedade justa e participativa, por propiciar uma indesejável e mesmo inaceitável exclusão – consistente em excluir a possibilidade de o indivíduo interagir socialmente, de forma tal que lhe seja permitido entender a própria sistemática de funcionamento social e de agir criticamente [...]. (SOUZA, 2008, p. 103).

Porém, o reconhecimento da autonomia do direito de informação frente à

liberdade de expressão foi considerada pela doutrina clássica um verdadeiro

avanço, eis que para esta doutrina era suficiente garantir o direito de expressão livre

de interferências.

A propósito, e conforme já sublinhado no tópico 2.5, mais uma vez merece

destaque o fato de não existir uniformidade conceitual entre os autores sobre os

termos liberdade de manifestação do pensamento, expressão, comunicação,

opinião, informação e imprensa. Para a maioria da doutrina consultada esses

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direitos são entendidos como as várias faces do gênero liberdade de expressão.

Nesse sentido, pertinente é a seguinte citação:

O catálogo dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrado protege toda a comunicação publicística através do direito à liberdade de expressão em sentido amplo, o qual inclui a liberdade de expressão em sentido estrito, a liberdade de informação (direito de informar, de se informar e de ser informado), a liberdade de imprensa, os direitos dos jornalistas e a liberdade de radiodifusão em sentido amplo (radiodifusão sonora, televisão hertziana, cabo, satélite, digital, on-line, etc), devendo todos estes direitos ser concebidos por referência a uma teia de valores e princípios que se reforçam mutuamente. (CANOTILHO; MACHADO. 2003, p.7-8).

Por essas razões, e antes de tecer mais comentários ao direito de informação,

é importante advertir que a busca por uma uniformidade conceitual dos termos

ligados à liberdade de expressão não é, por óbvio, objeto deste trabalho. No

presente estudo, limitou-se a apontar as divergências conceituais encontradas nas

obras consultadas, sem expor, contudo, qualquer juízo valorativo, uma vez que uma

abordagem exaustiva e rigorosa ultrapassaria as pretensões desta dissertação.

De qualquer forma, é oportuno dizer que ao saírem na defesa da autonomia

do direito de informação, José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira (1993)

asseguram que o direito de informação para ser completo deve integrar três níveis: o

direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado.

Sob esse prisma, releva Sérgio Ricardo de Souza (2008, p. 102) que o direito

à informação não é mais entendido como a simples liberdade de externar o

pensamento (de expressar-se), senão como direito fundamental de participação da

sociedade, no qual se enfeixa “o direito de informar (de veicular informações), no

direito de ser informado (de receber informações) e, ainda, por parte da sociedade,

até mesmo no de se informar (de recolher informações), sendo, pois, base para a

democracia [...]”.

Com o mesmo olhar avalia Tatiana Stroppa (2010, p. 71) que “o direito ou

liberdade de informação agrega não apenas a liberdade de ser informado. Por isso,

o direito ou liberdade de informação não encerra apenas um direito, antes,

compreende o direito de informar, de se informar e de ser informado.”

Tal compreensão põe em evidência que o primeiro deles – o direito de

informar – assume, segundo Vidal Serrano Nunes Júnior (1997, p. 34) “duas feições,

uma positiva e outra negativa”. O aspecto positivo indica a possibilidade de acesso

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aos meios de veiculação de informações, que só é admitido em nosso ordenamento

jurídico para a transmissão do direito de resposta13.

Já a feição negativa do direito de informar exige nova divisão, visto que nele

se encontram dois direitos distintos: de um lado, o direito de transmitir ideias,

conceitos ou opiniões 14; de outro lado, o de veicular notícias e os respectivos

comentários ou críticas. (NUNES JÚNIOR, 1997).

O direito de se informar, por sua vez, consiste na possibilidade de a pessoa

buscar as informações desejadas sem qualquer forma de obstrução ou censura. Por

fim, o direito de ser informado relaciona-se à faculdade do indivíduo ser

satisfatoriamente e corretamente informado dos acontecimentos.

Analisando as três variáveis decorrentes do direito de informação, escreve

Vital Serrano Nunes Júnior:

Nesse sentido, fala-se em interdependência desses três níveis porque só se poderá extrair de um hipotético ordenamento jurídico, por exemplo, o direito de ser informado, se o mesmo ordenamento atribuir a alguém o dever de prestar tais informações; o mesmo se diga em relação ao direito de informar, que, revestido de uma forma positiva, só poderá ter lugar se o ordenamento determinar a obrigação a alguém do fornecimento de meios para que as informações sejam veiculadas, como, por exemplo, costuma ocorrer com o assim chamado direito de resposta. (NUNES JÚNIOR, 2011, p. 45)

Ainda na conjuntura das variáveis da liberdade de informação, assim

estabelecem o artigo 19 da Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, de

1948, e o artigo 13.1 do Pacto de San José da Costa Rica, de 1969,

respectivamente:

Artigo 19. Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão. (DIREITOS DO HOMEM, 1948). Artigo 13.1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Este direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. (COSTA RICA, 1969).

13 Vidal Serrano Nunes Júnior (2011) cita, ainda, o direito de antena assegurado aos partidos políticos – a um horário no rádio e na televisão – como exemplo do direito de acesso aos meios de veiculação de informações. 14 É o que ocorre, por exemplo, quando se distribui um livro de História, de Política ou de Direito. (nota presente no texto original).

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Por outro lado, embora a nossa Constituição Republicana de 1988 não tenha

expressamente proclamado o direito de informação em sua tríplice manifestação,

mesmo assim não se pode negar a tutela desse direito pelo ordenamento pátrio.

Seguindo por esse raciocínio, adverte Tatiana Stroppa (2010) que o

fundamento jurígeno do direito de informação pode ser extraído de outros

dispositivos constitucionais, como, por exemplo, do artigo 220, caput e § 1º, e do

inciso XIV do artigo 5º, bem como pela cláusula de abertura15 prevista no § 2º do

artigo 5º da Constituição Republicana de 1988.

Na observação de José Adércio Leite Sampaio (1988), o direito de ser

informado, considerado no seu aspecto mais alargado, assegura o direito de acesso

às informações, conforme previsto no inciso XIV do artigo 5º da Constituição

Republicana de 1988, o direito de obtenção de informações de interesse particular,

coletivo ou geral junto a órgãos públicos (artigo 5º, XXXIII, da mesma constituição

citada) e, ainda, o direito a certidões, nos termos do artigo 5º, XXXIV, b, da

Constituição Republicana de 1988.

Diante desse cenário, já é possível afirmar que o direito de informação não é

mero direito individual, mas, sim, um pressuposto para o exercício de outros direitos

fundamentais.

Noutra análise, pode-se também concluir que o direito ou liberdade de

informação é, num horizonte democrático, pressuposto necessário à formação de

uma opinião pública consistente e capaz de possibilitar a participação popular nas

questões estatais.

2.7.2.1 A informação jornalística

O direito de informação, consoante estudado, se constitui a partir do arranjo

de três outros direitos: do direito de informar, de se informar e de ser informado.

No entanto, é preciso não perder a perspectiva de que a nossa Constituição

Republicana de 1988 não recepcionou, expressamente, os três citados graus do

direito de informação, porquanto ter disciplinado, no artigo 220, § 1º, apenas a

liberdade de informação jornalística. 15 Fala-se em cláusula de abertura porque o preceito constitucional em estudo possibilitou a integração entre as normas constitucionais e os direitos previstos nos tratados internacionais de que o Brasil faz parte, assegurando a abertura de espaço para a existência de um direito comunitário. (BULOS, 2002)

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A propósito, assim proclama o artigo em evidência:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art.5º, IV, V, X, XIII e XIV. (BRASIL, 1988).

Ao comentar o artigo acima transcrito, assevera Uadi Lammêgo Bulos (2002)

que o capítulo V da Constituição Republicana de 1988, inaugurado pelo artigo 220

ora em destaque, funciona como uma espécie de declaração de direitos, que atua

em sentido complementar as liberdades públicas estampadas nos incisos IV, V, IX e

XIV do artigo 5º.

De maneira parecida, escreve Vidal Serrano Nunes Júnior (2011) que o

propósito do artigo em glosa foi, justamente, o de instituir um direito de defesa

perante o Estado, assegurando ao indivíduo a faculdade de se informar ou não

acerca dos fatos noticiados e, mais especificamente, de escolher o que informa. Tal

característica é a que qualifica esse direito de informação jornalística com os

atributos próprios de um direito fundamental de primeira geração – de um direito de

liberdade perante o Estado.

Conforme examinado no item anterior, especialmente na última subdivisão

citada – que corresponde ao direito de ser informado – o direito ou liberdade de

informação assume feições ainda mais peculiares, principalmente quando a

informação se relaciona com o termo “notícias”, pois, nesses típicos casos, a

informação – ou seja, a divulgação da notícia – se reveste de interesse público, de

natureza difusa.

Em reforço ao aspecto jornalístico do direito à informação, merece nota a

seguinte consideração de Tatiana Stroppa:

[...] o avanço tecnológico criou novos processos de produção e transmissão de informações (televisão, rádio, internet), ocasionando a substituição do termo liberdade de imprensa por liberdade de informação jornalística, para englobar a transmissão de informações e ideias por todos os meios de comunicação de massa e independentemente de fronteiras. 16 (STROPPA,

16 Embora a expressão informação jornalística demonstre melhor precisão técnica pelos motivos expostos, é corrente a utilização da palavra imprensa agregada aos termos escrita, falada e televisionada. (nota nº 310, p.149, da própria autora citada) (destaques em itálico na nota original).

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2010, p.149) (os destaques em itálico estão também presentes no texto original).

Essas particularidades, dentre outras, revelam que o direito de informar

também envolve uma forma específica de informação, que consiste na “veiculação

de fato notável, em si, ou relacionado à pessoa notável, carregando ainda um forte

sentido de atualidade”. (NUNES JÚNIOR, 1997, p. 35)

Os fatos de destaque social, que na maior parte das vezes são também de

interesse público, normalmente são alvos de comentários nos quais se fazem

críticas ou se emitem opiniões. Referidos comentários podem ocorrer no mesmo

momento em que a notícia é divulgada e a ela se associam para juntos formarem

um bloco informativo que se denomina, tendo em conta também sua difusão pelos

meios de comunicação de massa, informação jornalística. (NUNES JÚNIOR, 1997).

A informação jornalística se bifurca, portanto, na notícia e na crítica. Esta,

porém, encontra-se umbilicalmente ligada à notícia, o que equivale dizer que a

crítica jornalística tem como objeto o fato noticiado.

A partir de tais compreensões, pode-se assegurar, com toda plausibilidade,

que é no direito ou liberdade de informação, de natureza pública subjetiva, que o

direito à informação jornalística encontra o suporte jurídico necessário ao seu

enquadramento na categoria dos direitos fundamentais. Em consequência desse

reconhecimento é então assegurado a todos os indivíduos, não importando se

possuem ou não o grau universitário de bacharel em jornalismo, nem, tampouco, se

ocupam a posição de sócios de empresa jornalística, o direito individual de

comunicar livremente os fatos, bem como o direito difuso de ser deles corretamente

informados.

Aliás, é importante destacar, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal -

STF decidiu, por maioria de votos, no julgamento do Recurso Extraordinário nº

511961, ser inconstitucional a exigência do diploma de jornalismo e registro

profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício da profissão

de jornalista. O entendimento foi de que o artigo 4º, inciso V, do Decreto-Lei

972/1969, baixado durante o regime militar, não foi recepcionado pela Constituição

Republicana de 1988 e que as exigências nele contidas ferem a liberdade de

imprensa e contrariam o direito à livre manifestação do pensamento inscrita no artigo

13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto

de San Jose da Costa Rica.

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2.7.2.2 A crítica jornalística

No ponto 2.7.2 desta dissertação já se adiantou que o direito de informar

apresenta duas feições: uma positiva e outra negativa. O aspecto positivo, conforme

visto, indica a possibilidade de acesso aos meios de veiculação de informações, que

só é admitido em nosso ordenamento jurídico para a transmissão do direito de

resposta e, de certo modo, para o exercício do direito de antena pelos partidos

políticos.

Falou-se, também, que a feição negativa do direito de informar exige uma

nova divisão, porquanto nele se encontram dois direitos distintos: (a) o direito de

transmitir ideias, conceitos ou opiniões; e (b) o de veicular notícias e os respectivos

comentários ou críticas.

Ainda acerca das divisões propostas ao direito de informação/comunicação,

incumbe observar que o Supremo Tribunal Federal – STF também as admitiu na

decisão tomada no dia 22/8/2005, quando prevaleceu o voto do min. Celso de Melo,

determinando o arquivamento do pedido (petição 3486-4) do advogado Celso

Marques Araújo para que fosse instaurado procedimento penal contra os jornalistas

Marcelo Carneiro e Diego Mainardi, da revista Veja. Naquela oportunidade, e no

tocante aos desdobramentos da liberdade de informação/comunicação, assim

registrou o acórdão:

Não se pode ignorar que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar. (STF, PT 3486. Rel. min. Celso de Melo, 2005).

A crítica, como se mostra evidente, encontra inserida, tal como a notícia, no

contexto jurídico do direito de informação jornalística – lembrando sempre que este

último direito encontra fundamento no gênero liberdade de informação, que, por sua

vez, também pode ser compreendido – conforme o fez o Ministro Celso de Melo – de

liberdade de manifestação de pensamento ou de comunicação, consoante

precedentemente analisado.

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Firmadas as premissas expostas acima, passa-se doravante à análise do

direito específico à crítica jornalística.

A crítica, segundo os ensinamentos de René Ariel Dotti (1980), corresponde

aos juízos valorativos feitos pelo homem a partir da análise acerca do conteúdo e da

realidade dos fatos e demais acontecimentos que lhe são apresentados.

É preciso deixar claro que a crítica não apontará, necessariamente, um

sentimento negativo ou depreciativo. Ao contrário do que se possa pensar, a crítica

tem significado de juízo dirigido sobre um objeto, de forma que pode ser favorável ou

desfavorável ao fato objeto da notícia.

Interessante observação fez Serrano Neves (1977, p. 368) ao sustentar que a

“crítica sensata, oportuna, construtiva, deveria ser reclamada por todos os

governantes, homens públicos, cientistas, artistas, etc. Sem ela, a cultura seria, em

suma, um remanso, jamais uma corrente”.

Na visão do citado autor, criticar é apreciação construtiva, reparadora,

analítica, corregedora. É, portanto, nos meios civilizados, material indispensável à

cultura. Ao concluir o raciocínio, arremata com chave de ouro: “quem teme a crítica,

desconfia de si próprio”. (NEVES, 1977, p. 368).

A partir dessas ponderações é então possível deduzir que a crítica jornalística

corresponde ao juízo de valor que, associado com a notícia ou recaindo

separadamente sobre ela, representa um conceito, positivo ou negativo, acerca de

um fato ou opinião. Nota-se, pois, que a crítica é inteiramente subjetiva, porquanto

refletir as posições pessoais do crítico. (NUNES JÚNIOR, 2011).

Logo, na hipótese de se restringir a discorrer sobre a forma de ver de outrem,

sem emitir qualquer juízo de valor, não se estará diante de uma crítica, mas de uma

notícia, ou seja, de uma informação, sem ingerência subjetiva do informante, que se

prende apenas na divulgação daquilo que aquele terceiro pensa.

2.7.2.2.1 A crítica jornalística e o direito constitucional brasileiro

A nossa Constituição Republicana de 1988 não traz em seu texto garantia

expressa do direito à crítica jornalística, mas tal fato parece não representar, de

forma alguma, impedimento ao reconhecimento do status constitucional ao direito

em referência.

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Em reforço ao que ora se afirma, certificam Luiz Manoel Gomes Junior e

Miriam Fecchio Chueiri (2011, p. 99) que “o direito à livre expressão, que inclui o de

criticar, é assegurado constitucionalmente (art. 5º, IV, da CF/88), não havendo direito

de resposta se houver exercício de tal faculdade (criticar)”.

No mesmo sentido aponta Cláudio Luiz Bueno de Godoy (2008, p. 89), o qual

ensina que a crítica, “de maneira geral, representa forma de manifestação do

pensamento que, como visto, deve ser livre, mercê de garantia constitucional.”

De forma parecida, também entende Vidal Serrano Nunes Júnior (2011, p.

71), o qual admite que as cartas constitucionais brasileiras jamais dedicaram

tratamento explícito à crítica jornalística. “Seu regime jurídico constitucional sempre

foi tacitamente extraído dos institutos jurídicos pertinentes à informação, em nível

genérico, e à informação jornalística, mais especificamente.”

Conforme avaliado nos tópicos precedentes, o direito de crítica advém do

desdobramento da constitucional liberdade de informação jornalística, que, por sua

vez, também retira fundamento na liberdade de manifestação do pensamento ou de

expressão em sentido lato. Por tudo isso, apresenta-se então possível a defesa da

linhagem constitucional, ainda que indireta, do direito à crítica jornalística.

Dessa maneira, considerando que a natureza jurídica constitucional do direito

à crítica jornalística é extraída de forma indireta, tendo que necessariamente passar

pelas liberdades constitucionais de manifestação do pensamento, expressão e

informação, pode-se então concluir que desde a Constituição Imperial de 1824 o

direito de crítica jornalística é, implicitamente, garantido no Brasil. Afinal de contas,

consoante estudado no item 2.5.2, no panorama jurídico brasileiro as liberdades de

expressão e de imprensa foram garantidas desde a primeira Constituição, de 1824

(artigo 179, inciso IV), repetidas na Constituição Republicana de 1891 (artigo 72,

§12), na de 1934 (artigo 113, §8º), 1946 (artigo 141, §5º), 1967 (artigo 150, §8º) e

pela Emenda Constitucional 01/69 (artigo 153, §8º), até chegar à Constituição

Federal de 1988.

No entanto, sério problema envolve o exercício do direito de crítica quando

cotejado com o direito à intimidade, a vida privada, à imagem e à honra das

pessoas, todos de origem também constitucional (art.5º, X, da CF/88), tema que

será analisado de forma mais ampla em capítulo específico, onde se abordarão os

limites da liberdade de imprensa/informação jornalística, sede do direito à crítica

jornalística.

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3 LIMITES DA LIBERDADE DE IMPRENSA 17

Esboçados, na primeira parte do trabalho, os relevantes traços da

configuração teórico-constitucional da liberdade de imprensa e de outros direitos

cujas origens também indicam para o tronco das liberdades de manifestação do

pensamento, reservou-se este terceiro CAPÍTULO para tratar das restrições ou

limites constitucionais aplicados à imprensa no desempenho do mister social de

informar, mais especificamente, ao direito de criticar os fatos relacionados com a

notícia.

Antes, porém, cumpre observar que, por tudo quanto já se analisou, segue

evidente a relevância social da atuação dos meios de comunicação enquanto

instrumento destinado a suprir a necessidade humana à livre informação,

principalmente quando se tem em vista a perspectiva do direito democrático de

fornecer à população informações claras e verdadeiras, que permitam a cada

indivíduo controlar o que está ocorrendo nas diversas esferas do poder estatal.

No Brasil, por exemplo, passado o período de “chumbo” da ditadura militar

(1964-1985), não existe mais censura pública. A redemocratização do país e a

promulgação da Constituição Federal de 1988 elevaram a liberdade de expressão e

imprensa ao patamar de direito fundamental. Atualmente, os artistas produzem as

suas obras com liberdade e os veículos de comunicação exercem sem maiores

receios o papel fiscalizador das ações governamentais.

Entretanto, o problema mudou de foco com o passar dos anos; o que agora

se debate com mais fervor não é a garantia da liberdade de imprensa, porquanto já

conquistada, mas se existe a necessidade de imposição de limites a essa liberdade,

porquanto a exploração capitalista dos meios de comunicação ter colocado em

dúvida o papel da imprensa como depositária da liberdade individual dos leitores.

Esclarece-se, porém, que no presente trabalho o que está em causa é a

análise acerca da proteção de condutas expressivas, principalmente no direito à

crítica jornalística, independentemente da qualidade, realidade, objetivo ou efeito

produzido, ou seja, investigar se a crítica jornalística, ainda que áspera e ofensiva,

17 Esclarece-se, por relevante, que o termo “liberdade de imprensa” foi aqui considerado no sentido de liberdade de informação jornalística ou dos meios de comunicação social que atuam na difusão de informações e críticas.

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corresponde ao exercício regular de um direito fundamental constitucionalmente

reconhecido, capaz, portanto, de excluir o dolo nos crimes contra a honra.

E o referido problema se agiganta quando o exercício da liberdade de

informação jornalística, na especialidade direito à crítica, disputa espaço com outros

direitos de natureza também fundamental, ligados à dignidade da pessoa humana,

dentre os quais se destacam a intimidade, a vida privacidade e a honra.

No entanto, já se adianta que, na doutrina, são comumente abordados três

tipos de limitações ou restrições aos direitos fundamentais: (a) as expressamente

estabelecidas pela Constituição; (b) as estabelecidas mediante leis por autorização

expressa da Constituição; e (c) as estabelecidas tacitamente pela Constituição,

derivadas de interpretação, para solução de casos concretos.

No tocante às limitações que se operam diretamente por meio de prescrições

constitucionais expressas, podem-se citar os exemplos dos incisos IV (que assegura

a liberdade de pensamento, sendo vedado o anonimato) e XVI (que proclama ser

plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar) do

artigo 5° da Constituição brasileira de 1988. Como exemplo para a restrição que

ocorre indiretamente, por meio de lei infraconstitucional autorizada pela Constituição,

tem-se o inciso XII do art. 5° da Constituição Federal ao dispor que: “é inviolável o

sigilo das correspondências e comunicações telegráficas, de dados e das

comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e

na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal”.

Especialmente em relação aos meios de comunicação social, a própria

Constituição Republicana de 1988, no texto do §1º, de seu artigo 220, expressa a

necessidade de respeito aos direitos fundamentais a intimidade, vida privada, honra

e imagem (tutelados pelo artigo 5º, inciso X) quando do exercício da liberdade de

informação.

Aliás, confira a literalidade do citado texto constitucional:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. (BRASIL, 2010).

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Nesse sentido, ensina Alexandre de Moraes (2006, p. 2181) que “apesar da

vedação constitucional da censura prévia, há necessidade de compatibilizar a

comunicação social com os demais preceitos constitucionais”.

Das três espécies de restrições citadas, a primeira e a segunda não

encontram maiores problemas. As dificuldades aumentam, conforme se verá,

quando da utilização do terceiro modelo, ou seja, de concretização mediante

interpretação de um direito fundamental quando em conflito com outro direito

fundamental ou bem constitucional.

Segundo José Adércio Leite Sampaio (1998), nesses casos de maior desafio,

pode-se adotar as seguintes alternativas de solução de conflito entre direitos

fundamentais:

1. através do conceito de limites imanentes, excluir-se-iam a priori, certos modos de exercício de proteção normativa; 2. através da justificação da restrição, em que resulta, no fundo, a teoria relativa do núcleo essencial; 3. mediante uma interpretação sistemática e unitária (Ignácio de Otto y Pardo); ou 4. usando-se um juízo de ponderação dos princípios/bens/valores constitucionais, conduzindo a uma “concordância prática” (praktische Konkordanz) com outro direito ou bens colidentes (SAMPAIO, 1998, p. 381).

Por outro lado, é oportuno registrar que existe uma outra ordem de limites, os

limites circunstanciais, os quais dizem respeito a circunstâncias que, uma vez

ocorridas, impedem, excepcionalmente, o exercício do direito de informação

jornalística. O único dispositivo constitucional que estabelece tal espécie de

limitação à informação jornalística é o artigo 139 da Constituição Republicana de

1988, ao estabelecer que durante a vigência do estado de sítio poderão ser

adotadas medidas restritivas à prestação de informações e à liberdade de imprensa.

Enfatiza-se, mais uma vez, que se trata de limites circunstanciais, que deverão ter

termo juntamente com o encerramento do excepcional estado de sítio. (NUNES

JÚNIOR, 2011).

Nos tópicos que se seguem, analisar-se-á, enfim, à luz da teoria geral das

restrições aos direitos fundamentais, os possíveis limites e restrições da liberdade

de imprensa/informação, dando ênfase à crítica jornalística e à tutela penal da

honra, expressão que, inclusive, intitula a presente dissertação.

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3.1 Restrições de direitos fundamentais

Logo de início, mostra-se conveniente esclarecer que o presente estudo não

focalizará a discussão acerca do que são normas de direito fundamental, por

entender que essa investigação perde o sentido quando estão em análise as

liberdades de manifestação de pensamento e comunicação, remansosamente

reconhecidas como proposições de direito fundamental. A defesa desse

posicionamento fica ainda mais cômoda quando se analisa o direito positivo

brasileiro, uma vez que os enunciados das referidas liberdades são normas

expressamente relacionadas no Título II da Constituição Republicana de 1988,

reservado, justamente, aos Direitos e Garantias Fundamentais.

Senão fosse bastante à literalidade do texto constitucional acima destacado, o

exame histórico das liberdades de expressão e imprensa poderia também ser

invocado como suporte de revelação do caráter fundamental desses direitos, os

quais, vale mencionar, tiveram suas positivações concretizadas a partir da

Revolução Francesa de 1789, que defendeu a proclamação da liberdade, da

igualdade, da propriedade e das garantias individuais liberais. De forma parecida e

quase simultânea aconteceram as declarações formuladas pelos Estados

americanos no século XVIII, iniciadas pela declaração do Estado de Virgínia, de 12

de junho de 1776. Todas essas declarações, conforme visto no segundo CAPÍTULO

desta dissertação, buscavam, sobretudo, o reconhecimento político das liberdades

individuais e de emancipação do homem.

Desta forma, em virtude do contexto histórico/constitucional que as liberdades

em destaque encontram-se inseridas, cabe apenas enfatizar que os direitos

fundamentais são aqueles preceitos imprescindíveis à dignidade da pessoa humana

– a base de qualquer projeto de emancipação do homem – e que em nossa carta

constitucional de 1988 se apresentam como gênero, abrangendo vários outras

espécies de direitos, tais como os individuais, coletivos, sociais, nacionais e

políticos. Consideram-se, pois, direitos fundamentais aqueles que servem de

alicerce para a construção de uma existência digna, livre e igual da pessoa humana.

(GOMES, 2006).

Nessa categoria de direito fundamental também pode ser classificado o direito

à inviolabilidade da honra (art.5º, inciso X, da CF/88), dispositivo que, conforme se

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analisará no próximo capítulo, encontra-se em rota de colisão com o direito

fundamental de informação, sede da crítica jornalística.

Uma das principais questões que ora envolvem os direitos fundamentais diz

respeito à necessidade de se construir uma teoria capaz de lhes conferir

racionalidade. A edificação de uma teoria que transfira racionalidade aos direitos

fundamentais é, dentre outros aspectos, de suma importância para a garantia da

segurança jurídica, pois reduzirá as arbitrariedades quanto às decisões referentes a

estes direitos, além de fornecer um conjunto de argumentos aos operadores

jurídicos e fortalecer a luta política para a emancipação do homem. (BOHN, 2000).

Não custa enfatizar mais uma vez que o profundo e completo estudo do tema

direito fundamental nos levaria, sem dúvida alguma, à pesquisa de sua dimensão

histórica e à investigação do âmbito de suas gerações. No entanto, o escopo do

presente tópico foi tão somente situar o leitor quanto ao conceito e algumas

características dos direitos fundamentais, para que se possa compreender a

condição de conflito que não raro é estabelecida entre tais direitos e como a

proporcionalidade pode ser utilizada na resolução desses conflitos.

Feitos os esclarecimentos que acabaram de ser esboçados, passa-se ao

estudo das principais teorias que enfocam os direitos fundamentais e suas relações

de colisão, limites e restrições.

3.1.1 Ronald Dworkin e o modelo de princípios e regras

A tradição anglo-saxônica contribuiu decisivamente para a definição dos

princípios jurídicos. (ÁVILA, 2001). Uma dessas contribuições seguramente partiu da

obra Levando os direitos a sério, do americano Ronald Dworkin (2007).

Dirigindo ataques ao positivismo, Ronald Dworkin (2007) considera que os

princípios integram o direito tanto quanto as regras, concepção que julga ser

indispensável para a efetivação dos direitos fundamentais. De forma bem direta,

chega a ser enfático ao apregoar que, para levarmos os direitos a sério, precisamos

nos despojar de toda a mitografia positivista.

Partindo de casos concretos decididos pela corte norte-americana, explica

que a diferença entre regras e princípios é de natureza lógica, tendo como distinção

a natureza da orientação que é oferecida para a tomada das decisões acerca de

obrigações jurídicas em casos particulares.

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74

Para o citado autor americano, as regras são aplicadas na lógica do tudo ou

nada, pois, se realizada a hipótese que preconizam, então, elas são válidas; mas, se

não servem para a decisão, então, são as regras consideradas inválidas. Os

princípios, no entanto, não pretendem estabelecer condições que tornem sua

aplicação necessária, apenas enunciam as razões que servem de condução do

argumento que justifica certa decisão, sempre aferível no caso concreto. Além disso,

os princípios possuem uma dimensão ausente nas regras: peso e importância.

Enquanto as regras não podem ser sopesadas – pois, se duas delas entram em

conflito, uma será necessariamente declarada inválida, nos exatos termos do

modelo do tudo ou nada – os princípios podem ser confrontados com outros

princípios e regras, atribuindo-se-lhes o peso conforme sua importância. Daí a

afirmação de que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de

peso, demonstrável na hipótese de colisão, caso em que o princípio com peso

relativamente maior suplantará o outro princípio naquele caso particular, mas sem

que o princípio preterido perca sua validade no ordenamento jurídico. (DWORKIN,

2007).

Portanto, a distinção elaborada por Ronald Dworkin não consiste numa

distinção de grau, mas numa diferenciação quanto à estrutura lógica, baseada em

critérios classificatórios em vez de comparativos.

De agora em diante, serão analisadas as doutrinas do alemão Robert Alexy –

apresentada na obra Teoria dos direitos fundamentais – e do brasileiro Humberto

Ávila – discutida no livro Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos

princípios jurídicos.

Robert Alexy, na obra citada, desenvolve uma teoria geral dos direitos

fundamentais que reconhece o caráter relativo desses direitos, atribuindo-lhes,

ainda, certa racionalidade.

Humberto Ávila, por seu turno, contesta, com fundamentos válidos e

consistentes, as ideias de juristas consagrados, como Dworkin e Alexy, no que se

refere à temática principiológica.

Na doutrina pátria, Humberto Ávila é o responsável por introduzir um novo

paradigma de estudo dos princípios – o da classificação dos princípios segundo sua

estrutura, visando a encontrar um procedimento racional de fundamentação que

permita tanto especificar as condutas necessárias à realização dos valores por eles

prestigiados quanto justificar e controlar sua aplicação.

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3.1.2 Robert Alexy e a teoria dos direitos fundamentais

Consoante sabido, o valor absoluto é um atributo raro entre os direitos do

homem, pois deve se referir a um direito válido em todas as situações e para todos

os homens, sem distinção. Teria fundamento absoluto, por exemplo, o direito

humano inafastável, qualquer que fosse a situação e as pessoas envolvidas –

situação privilegiada praticamente inexistente, em que tais direitos fundamentais

absolutos não estariam concorrendo com outros direitos, também fundamentais.

Entre os pouquíssimos exemplos, poderiam ser citados os direitos de não ser

escravizado e o de não ser torturado. (BOBBIO apud PEREZ-LUÑO,1984).

Destarte, parece não haver dissenso quando se defende que a nenhum

direito foi atribuído o caráter de ser absoluto18. Talvez seja por isso que o conceito

de restrição a um direito fundamental é aceito pela comunidade jurídica sem maiores

questionamentos, pois, numa lógica de estruturação social baseada em direitos e

deveres – ou seja, na tentativa de conciliar os direitos e interesses de diversos

indivíduos – sobressai de forma natural a ideia de restrições, que pode ser

encontrada nas constituições das grandes nações democráticas.

Contudo, não é sempre que a restrição decorre diretamente de limitações

estabelecidas pelo próprio texto constitucional – nem mesmo por lei inferior

autorizada expressamente pela constituição – para alguns casos, a constituição não

estabeleceu, direta ou indiretamente, qualquer parâmetro para restrição de direitos

fundamentais. Nestes casos – cujos limites são chamados imanentes – é que o

problema se agiganta, eis que a solução dos conflitos entre direitos fundamentais

sem restrição constitucional expressa exige interpretação das variáveis presentes no

caso concreto em análise.

O problema, portanto, não reside no conceito de restrição a um direito

fundamental, “mas exclusivamente na definição dos possíveis conteúdos e extensão

dessas restrições e na distinção entre restrições e outras coisas como

regulamentação, configurações e concretizações”. (ALEXY, 2011, p. 276).

18 O valor relativo dos direitos fundamentais nem sempre foi aceito com parcimônia. Ao longo da história foram estabelecidas teorias de caráter material, lastreadas no jusnaturalismo, que geralmente se baseava em argumentos transcendentais, compostos por um conjunto de direitos fundamentais a priori, ou seja, válidos ao longo do espaço e tempo, com caráter absoluto (hierarquicamente superior), universal e geral, com prevalência sobre todos os direitos. Em contraposição às teorias materiais, surgiram as teorias formais, que refutavam a existência de direitos/valores absolutos, mas, para isso, partiram da premissa de que os direitos/valores possuíam valor relativo (BOHN, 2000).

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Para Robert Alexy (2011, p. 285), “as restrições de direitos fundamentais são

normas que restringem a realização de princípios fundamentais”. A restrição de

direito fundamental resulta da determinação do conteúdo e do alcance das

restrições, bem como da diferença entre restrições de uma parte e de

regulamentações, configurações e concreções, de outra.

Restringíveis são os bens protegidos por direitos fundamentais (liberdades/situações/posições de direito ordinário) e as posições prima facie garantidas por princípios de direitos fundamentais. Entre esses dois objetos de restrições há relações estritas. Princípios de direitos fundamentais exigem a proteção mais abrangente possível dos bens protegidos [...] Por isso, uma restrição a um bem protegido é sempre também uma restrição a uma posição prima facie garantida por um princípio de direito fundamental. (ALEXY, 2011, p. 281).

Ainda no que se refere ao conceito de restrição a um direito, deve-se ter

sempre presente a existência de dois necessários fatos – o direito e sua restrição –

entre os quais há uma relação de tipo especial, que corresponde a uma relação de

restrição.

Edilsom Farias (2004) traz ilustrativa hipótese dessa relação especial citada

por Robert Alexy ao destacar que art. 5º, inciso IV, da Constituição Republicana de

1988, é prova bastante da relação entre o direito e sua restrição. No referido artigo,

proclama-se que é “livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o

anonimato”. Como se vê, enquanto a primeira parte da transcrita proposição

abrange todas as possíveis práticas de manifestar o pensamento, a segunda parte –

“proibição do anonimato” – constitui uma restrição na referida disposição de direito

fundamental porque limita a proteção constitucional da manifestação do pensamento

àqueles casos em que o titular do direito não omite a sua identidade.

Consoante se depreende, pode-se assim defender, como o faz a denominada

teoria externa, que existem tanto o direito como as suas restrições, isto é, o direito

em si, sem restrições, e o direito restrito. Na concepção da mencionada teoria, os

direitos se apresentam nos ordenamentos jurídicos principal ou exclusivamente

como direitos restritos, mas admite-se também a existência dos direitos sem

restrições.

Ainda sob as luzes dessa teoria (a externa), não existe relação necessária

entre o conceito do direito e o da sua restrição. A relação advém da necessidade

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externa ao direito, de compatibilizar os direitos de diferentes indivíduos, bem como

dos direitos individuais e dos bens coletivos. (ALEXY, 2011).

Na trincheira argumentativa oposta, encontra-se a designada teoria interna.

Para essa teoria, existe apenas o direito com um determinado conteúdo e não o

direito em si, de um lado, e sua restrição, de outro lado, como advoga a teoria

externa. Além disso, na teoria interna o conceito de restrição é substituído pelo de

limite, que são restrições imanentes e não externas.

A prevalência de uma teoria em relação à outra dependerá de como os

direitos fundamentais são encarados: se como regras ou princípios, ou seja, da

concepção de direitos fundamentais como posições definitivas ou prima facie.

Partindo-se de posições definitivas, refuta-se a teoria externa, ao passo que a

compreensão prima facie nega a teoria interna.

Porém, nem sempre a limitação de um direito aparece de maneira expressa

no dispositivo que introduz a norma. Esclarecedora, aliás, é a classificação

estabelecida por Edilsom Farias (2004), o qual, após analisar o cenário da

Constituição Republicana de 1988, especialmente a sistematização das restrições

aos direitos fundamentais, chegou à seguinte classificação: a) restrições diretamente

constitucionais; b) restrições indiretamente constitucionais (na qual se delega à lei a

papel de impor a restrição); c) restrições tácitas constitucionais.

Robert Alexy (2011), no intuito de ilustrar a defesa da posição prima facie dos

direitos fundamentais, e, por conseguinte, da teoria externa, toma como exemplo

uma reclamação constitucional ajuizada perante o Tribunal Constitucional Federal

alemão contra a imposição de multa em razão de desrespeito à obrigação de uso de

capacete para motociclistas.

Na hipótese acima referida, a obrigação de usar capacete restringe a

liberdade jurídica geral. Dessa forma, em sendo possível proibir uma ação, não se

pode falar, consequentemente, na existência de direito submetido exclusivamente ao

livre arbítrio do indivíduo.

No caso da obrigação do uso de capacete, a posição abstrata definitiva objeto

da reclamação constitucional consistia no direito individual do motociclista a não ter

a sua liberdade de ação restringida por normas que não façam parte, formal ou

materialmente, da ordem constitucional alemã. Porém, segundo decisão daquele

Tribunal Constitucional Federal, a norma que impôs aos motociclistas a

obrigatoriedade do uso de capacetes é formal e materialmente constitucional.

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Ao interpretar o acórdão da corte constitucional alemã, concluiu Robert Alexy

(2011, p. 279) que “o direito abstrato definitivo do art.2º, § 1º, não pode ser

concretizado em um direito em face do Estado a que este não produza aquelas

normas”. E então questiona:

Se se parte do pressuposto de que existe apenas o direito abstrato definitivo, então, não existe um tal direito concreto. Mas se um tal direito concreto não existe, então, as normas em questão não podem restringir um direito do art.2º, § 1º. Além disso, ainda que essas normas fossem formal e materialmente incompatíveis com a Constituição, mesmo assim não poderia ocorrer uma restrição. Neste caso, elas violariam o mencionado direito abstrato e seriam, por isso, inconstitucionais. Mas a violação de um direito fundamental é algo muito diferente de sua restrição. (ALEXY, 2011, p. 279)

Assim, da análise dos questionamentos apresentados por Robert Alexy

(2011), pode-se concluir que normas que privam de algo sobre o qual não existe

direito algum não podem restringir nenhum direito.

Por outro lado, se há direito que se encontra ao livre arbítrio do indivíduo,

podendo assim exercê-lo ou não, as normas que o obrigam ou o proíbem não

restringem tal direito, mas o violam. Além disso, se só existem posições definitivas,

os direitos fundamentais não poderiam ser restringidos, mas somente as liberdades

fundamentais – as quais existem quando uma escolha de ação é dada ao indivíduo

por uma norma de direito fundamental.

Na hipótese de ser possível partir da existência somente de posições

definitivas, também não é correto admitir restrição de liberdades fundamentais – pois

não se poderia consentir com as restrições de posições de direitos fundamentais,

mas somente bens fundamentais protegidos.

Por outro lado, adotando-se a teoria dos princípios, na qual o que se restringe

não são posições definitivas, mas prima facie, chega-se a resultado oposto. Não se

restringe não só um bem protegido por normas de direitos fundamentais, mas sim

um direito prima facie garantido por normas de direito fundamentais. Pelo modelo

dos princípios, as restrições de direitos fundamentais são admissíveis, estando

correta a teoria externa, e incorreta a interna, na conclusão de Robert Alexy.

Dessa forma, partindo do pressuposto de que os direitos fundamentais

correspondem ao conjunto de direitos positivamente válidos, porquanto previstos na

constituição (na lei fundamental), sustenta Robert Alexy (2011) que as normas de

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direito fundamental se dividem em regras e princípios19. Apesar das semelhanças,

pois tanto as regras quanto os princípios pertencem ao grupo das normas, a

diferença entre tais espécies normativas reside no caráter qualitativo e não numa

distinção de grau.

É nesse contexto que define os princípios:

[...] princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas [...] princípios são sempre razões prima facie. (ALEXY, 2011, p. 90).

E assim as regras: Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível [...] regras são, se não houver o estabelecimento de alguma exceção, razões definitivas (ALEXY, 2011, p. 91)

Outra diferença identificada pelo autor entre as duas espécies de normas de

direito fundamental está na forma de solucionar os conflitos estabelecidos entre

regras e o conflito entre princípios.

O conflito em regras é solucionado ou por uma cláusula de exceção (que

dirime o conflito) ou pela declaração de invalidade de uma das regras (revogação de

uma das normas colidentes). Desse modo, o conflito entre regras é tratado no plano

da validade. Na ilustração desse método de resolução de conflito, o autor apresente

a seguinte hipótese:

Um exemplo para um conflito entre regras que pode ser resolvido por meio da introdução de uma cláusula de exceção é aquela entre a proibição de sair da sala antes que o sinal toque e o dever de deixar a sala se soar o alarme

19 É preciso frisar, de antemão, que a divisão binária das normas em princípios e regras sofre fortes críticas. A mais contundente é disparada por Humberto Ávila (2009, p. 26), o qual enfatiza “que a distinção entre princípios e regras virou moda. Os trabalhos de direito público tratam da distinção, com raras exceções, como se ela, de tão óbvia, dispensasse maiores aprofundamentos. [...] Será mesmo que todas as espécies normativas comportam-se como princípios ou regras?”. Não obstante a veemência do posicionamento defendido por Humberto Ávila no livro “Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos”, é importante enfatizar que essa dissertação, como outrora já se alertou, não adentrará aos pormenores desse debate, porquanto entender que esta discussão foge dos objetivos propostos no plano de estudo. Para maiores informações, ver Ávila (2009).

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de incêndio. Se o sinal ainda não tiver sido tocado, mas o alarme de incêndio tiver soado, essas regras conduzem a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si. Esse conflito deve ser solucionado por meio da inclusão, na primeira regra, de uma cláusula de exceção para o caso do alarme de incêndio. (ALEXY, 2011, p. 93).

Depreende-se, portanto, que se esse tipo de solução não for possível, pelo

menos uma das regras tem que ser declarada inválida e, com isso, retirada do

ordenamento jurídico. Ou uma regra é válida ou não é. E, se for válida a regra, deve

então ser aplicável a um caso concreto, produzindo consequência jurídica válida.

Já a colisão de princípios deve ser solucionada, segundo o autor, de forma

completamente diversa do conflito entre regras, pois, diferente deste, aquele conflito

acontece no plano do peso e não da validade. No entendimento da doutrina em foco,

quando dois princípios colidem, um deles terá que ceder, sem que para isso seja

preciso declarar inválido o princípio cedente nem introduzir uma cláusula de

exceção.

Os princípios, em nível abstrato, possuem mesma validade e hierarquia.

Dessa maneira, a colisão somente ocorre no caso concreto – não no plano abstrato.

Acontece, portanto, quando um princípio limita a possibilidade jurídica de outro.

Nesses casos, para dirimir a colisão, utiliza-se o critério da ponderação, que é

composta por três máximas parciais, a saber: a adequação, a necessidade e a

proporcionalidade em sentido estrito. (ALEXY, 2011).

Em resumo, pode-se dizer que as máximas da adequação e da necessidade

consideram as possibilidades fáticas do caso concreto, enquanto a máxima da

proporcionalidade em sentido estrito avalia as possibilidades jurídicas. As três

citadas máximas são sempre aplicadas na ponderação, pois elas são como regras

que atribuirão peso a cada princípio.

É importante enfatizar, dada a relevância para a teoria da ponderação, que,

na ideia de Robert Alexy (2011), é sempre possível atribuir peso aos princípios, pois

estes são exigências de otimização, realizáveis na máxima medida do possível,

diferentes das regras, que têm caráter definitivo, pois com estas é no tudo ou nada,

quando não há o estabelecimento de alguma exceção.

Nesse compasso, um princípio pode ter diferentes graus de concretização,

que vai depender das circunstâncias particulares do específico caso a ser resolvido

– possibilidades fáticas – e dos demais princípios que estão em confronto com ele –

possibilidades jurídicas. Nunca olvidando que o grau de realização de um princípio,

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num determinado caso, dependerá do peso que lhe será conferido em relação aos

demais pesos atribuídos aos outros princípios, eis que “nenhum desses deveres

goza, por si só, de prioridade. O conflito deve, ao contrário, ser resolvido por meio de

um sopesamento entre os interesses conflitantes” (ALEXY, 2011, p. 95).

Princípios representam razões que podem ser afastadas por razões

antagônicas. Nessa lógica, o princípio de maior peso – aferido ante as

circunstâncias fático-jurídicas – é o que preponderará no caso específico, instituindo

assim uma relação de preferência capaz de afastar a colisão sem extirpar o princípio

do ordenamento jurídico.

Consoante se infere, a solução da colisão implica o estabelecimento de uma

relação de precedência condicionada entre os princípios, aferível diante das

especificidades do caso concreto.

Aplicadas as técnicas de ponderação, o resultado que dali se extrai é o que

Robert Alexy (2001) chama de lei de colisão. A lei de colisão nada mais é que uma

regra que expressa a consequência jurídica do procedimento de ponderação que

resultou na preferência de um dos princípios colidentes.

Diante disso, pode-se afirmar: como resultado de todo sopesamento que seja correto do ponto de vista dos direitos fundamentais pode ser formulada uma norma de direito fundamental atribuída, que tem estrutura de uma regra e à qual o caso pode ser subsumido. (ALEXY, 2011, p. 102).

Vê-se, portanto, que toda ponderação jusfundamentalmente correta resulta na

formulação de uma lei de colisão que é a norma de direito fundamental adscrita, com

caráter de regra, ou seja, a lei de colisão possui a natureza de uma regra, porquanto

definitiva perante determinado caso concreto.

É por tudo isso que Robert Alexy (2011) defende que os princípios são

realizáveis na maior medida possível, sempre considerando as possibilidades

jurídicas e fáticas, daí o termo exigência de otimização. Os princípios, ao contrário

das regras, não contêm mandatos definitivos, mas somente prima facie. Em virtude

disso é que geram problemas de preferência (peso) e harmonização.

Assim, tanto as regras como os princípios são considerados razões, pois possuem uma carga de argumentos relacionadas com as condições do caso concreto, estabelecendo a precedência de uma perante as demais. As regras são razões definitivas, menos quando estabelecida uma exceção, através de uma cláusula. Os princípios são razões prima facie, que somente mediante a

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relação de preferência, formam uma regra (a lei de colisão), e portanto, um direito definitivo. (BOHN, 2000, p. 142).

Gustavo Fontana Pedrollo (2000, p.177), ao comentar a técnica de solução de

conflito entre princípios defendida por Robert Alexy, lembra que a “ponderação não

permite um controle racional das decisões, na media em que não são os princípios

que, por si só, determinam sua aplicação, havendo arbítrio de quem os utiliza”.

Quanto a essa hipótese, reconhece o próprio Robert Alexy que a ponderação não

leva a um único resultado concreto, mas essa constatação não pode levar à

conclusão de que a ponderação é um procedimento irracional, pois, pelo método

proposto, o processo psíquico de decisão – o enunciado de preferência – deve ser

fundamentado racionalmente.

Ademais, observa José Adércio Leite Sampaio (1998) que, não obstante os

perigos que envolvem o juízo de ponderação – fazendo referência à redução da

proteção constitucional ao atribuir maiores faculdades ao legislador e também por

privilegiar posições decisionistas – mesmo assim é ainda o que melhor atende como

modelo de dissolução de conflitos entre direitos fundamentais.

Neste tópico, consoante se pode constatar, foi apresentada a teoria dos

direitos fundamentais de Robert Alexy – porém sem esgotar ou mesmo dispensar a

análise do trabalho original do autor.

Em suma, e no ponto que nos interessa, a doutrina de Alexy encontra-se

fundamentada na teoria dos princípios, a qual, dentre outros enfoques, busca

compreender a estrutura das normas de direito fundamental e como estas são

aplicadas ao caso concreto. Para tanto, propõe o autor uma racionalidade de ordem

procedimental baseada na ponderação, que consiste na resolução das colisões

entre princípios segundo o sopesamento de valores, considerando as possibilidades

jurídicas e fáticas do caso concreto.

3.1.3 Humberto Ávila e a teoria dos princípios

Conforme alhures já se adiantou, Humberto Ávila discorda em alguns pontos

da doutrina defendida por Robert Alexy acerca da teoria dos princípios. Seja

divergindo numas questões e concordando noutras, o certo é que o autor brasileiro

aborda critérios adicionais e inovadores, que acabaram por render uma proposta

própria e diferenciada para a distinção entre regras e princípios.

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Dentre as importantes proposições defendidas por Humberto Ávila (2009),

destaca-se o posicionamento adotado em relação às regras e aos princípios, ambos

compreendidos em igual medida como normas. Essa teoria, diferentemente da teoria

de Alexy, iguala as regras e os princípios numa mesma categoria (normas de

primeiro grau), onde não vislumbra sentido de exclusividade, pois, para ele, uma e a

mesma norma jurídica pode funcionar tanto como regra quanto como princípio.

Sobre as regras, Humberto Ávila apresenta o seguinte conceito:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacente, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. (ÁVILA, 2009, p. 78).

E assim, acerca dos princípios:

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta necessária à sua promoção. (ÁVILA, 2009, p. 78/79).

Consoante se nota, segundo Humberto Ávila os princípios são normas

imediatamente finalísticas que, por conseguinte, estabelecem um fim a ser atingido.

Afirma, ainda, que os comportamentos necessários à realização do fim buscado pelo

princípio passam, dentro desse contexto, a constituir necessidades práticas sem

cujos efeitos a progressiva promoção do fim não se realiza. O que conduz à

conclusão de que “a positivação de princípios implica a obrigatoriedade da adoção

dos comportamentos necessários à sua realização, salvo se o ordenamento jurídico

predeterminar o meio por regras de competência”. (ÁVILA, 2009, p. 80).

Na obra de Humberto Ávila (2009), a distinção entre regras e princípios é

procurado em outra direção, encontrando-a em primeiro lugar no fato de as regras

terem diretamente a descrição de um comportamento ou a atribuição de uma

competência como objeto, visando apenas indiretamente à obtenção de um fim, ao

passo que os princípios visam, inversamente, diretamente à consecução de um fim e

influem apenas indiretamente nos modos comportamentais ou nas atribuições de

competências necessárias para tal.

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Embora extensa, a citação seguinte foi necessária, pois retrata com fidelidade

os traços distintivos propostos por Humberto Ávila sobre os candentes debates que

se travam entre regras e princípios, confira:

[...] as normas descrevem objetos (sujeitos, condutas, matérias, fontes, efeitos jurídicos, conteúdos) e exigem do destinatário a adoção de um comportamento mais ou menos determinado, e do aplicador o exame de correspondência entre a conduta adotada e a descrição normativa daquele objeto. [...] o caráter descritivo do objeto – e a conduta a que ele faz referência – e a exigência de correspondência não estão presentes no caso dos princípios. Isso porque os princípios não descrevem um objeto em sentido amplo (sujeitos, condutas, matérias, fontes, efeitos jurídicos, conteúdos), mas, em vez disso, estabelecem um estado ideal de coisas que deve ser promovido; e, por isso, não exige do aplicador um exame de correspondência, mas, em vez disso, um exame de correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. (ÁVILA, 2009, p. 83).

A investigação das exposições apresentadas acima demonstra o oposto do

que Robert Alexy pensa sobre princípios, pois, para Humberto Ávila, os princípios

não são meros valores cuja realização fica ao inteiro critério das preferências

pessoais. Eles são, a um só tempo, mais do que isso e algo diferente disso.

Porquanto, instituírem o dever de adotar comportamentos indispensáveis à

realização de um estado de coisas ou, por outro lado e inversamente, os princípios

instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de

comportamentos a ele necessários. (ÁVILA, 2009).

Além disso, o autor não reconhece a característica especial de apenas os

princípios poderem ser ponderados e possuírem uma dimensão de peso,

propriedades que valem também para as regras.

No entanto, o auge de sua teoria advém com a proposta de um plano

adicional, distinto do das regras e dos princípios, o qual denomina plano das

metanormas, reservado aos postulados. Ao proceder assim, tem em mente critérios

como a proporcionalidade e a razoabilidade que, não obstante comumente

denominados princípios, com estes não se confundem, pois não visam, à diferença

dos princípios no sentido mais estrito, à consecução direta de um fim, mas cumprem,

muito pelo contrário, a função distinta de prescrever e orientar determinados modos

de pensamento e argumentação, estruturando, destarte, o modo de aplicação das

regras e dos princípios. É por isso que os postulados não se localizam no plano das

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regras e dos princípios, mas num metaplano, o que leva o autor a qualificá-los como

normas de segundo grau ou normas de aplicação.

Cumpre assim enfatizar que, na proposta de Humberto Ávila, os postulados

são instrumentos necessários à própria compreensão do ordenamento jurídico

(postulados normativos explicativos), bem como úteis para a aplicação do direito ao

caso concreto (postulados normativos aplicativos). Talvez seja por isso que

Humberto Ávila nomeia os postulados de metanorma ou norma de segundo grau, eis

que por trás dos postulados há sempre outras normas que dependem deles para

serem compreendidas e/ou aplicadas.

Ainda para o estudioso brasileiro, os postulados não se confundem com os

sobreprincípios, os quais, embora também influenciem outras normas, atuam no

mesmo nível das normas objetos da aplicação, porém, no âmbito semântico e

axiológico e não no metódico, como sói ocorrer com os postulados. Isso esclarece a

diferença entre sobrenormas (normas semântica e axiologicamente sobrejacentes,

situadas no nível do objeto de aplicação) e metanormas (normas metodicamente

sobrejacentes, situadas no metanível aplicativo).

[...] os postulados não são princípios; eles não estabelecem um dever-ser ideal, não são cumpridos de maneira gradual e, muito menos, possuem peso móvel e circunstancial. Em vez disso, estabelecem diretrizes metódicas, com aplicação estruturante e constante relativamente a outras normas. (ÁVILA, 2009, p. 123).

Dentre os postulados apresentados por Humberto Ávila (2009), elencam-se20:

a) postulado hermenêutico ou explicativo, o qual abarca, dentre outros postulados: o

da unidade do ordenamento jurídico e o da hierarquia; e b) postulado normativo

aplicativo, que, por sua vez, subdivide-se em 1) postulados inespecíficos:

ponderação, concordância prática e proibição de excesso; e 2) postulados

específicos: igualdade, razoabilidade e proporcionalidade.

Por tudo quanto exposto, firmadas as premissas do pensamento de Humberto

Ávila, pode-se então concluir que o traço distintivo entre as duas espécies de

normas – princípios e regras – continua sendo o maior grau de abstração dos

princípios. Já que, também para o citado autor, os princípios não se vinculam

abstratamente a uma situação específica, enquanto que nas regras as

consequências são de pronto identificáveis, mesmo que precisem ser confirmadas 20 Para melhor compreensão das espécies de postulados, vide Humberto Ávila (2009).

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por meio de um ato de aplicação. Os princípios, frise-se mais uma vez, propõem fins

a serem alcançados, porquanto estabelecem o dever de promover a realização de

um estado de coisas.

Pois bem, compreendido o conceito e a característica distintiva dos princípios

em relação às regras – maior grau de abstração – a discussão passa agora para o

campo da concretude, seara onde ocorrem os conflitos entre os princípios, mesmo

porque, no outro cenário – do abstrato – todos os princípios convivem

harmoniosamente no ordenamento jurídico.

No caso em espécie, o combate se dará entre o princípio da dignidade da

pessoa humana, foro da inviolabilidade do direito à honra, e o princípio da liberdade

de informação/expressão, sede do direito à crítica jornalística.

A partir daqui, surge grande questão: como promover a dignidade da pessoa

humana e a liberdade de informação jornalística se o exercício do direito à crítica

jornalística pode atingir a honra e a dignidade da pessoa envolvida com o fato objeto

da notícia?

Diante desse cenário, a proposta de Robet Alexy (2011), estudada no tópico

anterior, sugere a utilização da racionalidade de ordem procedimental baseada no

critério da ponderação, que consiste na resolução das colisões entre princípios

segundo o sopesamento de valores, considerando as possibilidades jurídicas e

fáticas do caso concreto. O referido critério da ponderação é composto por três

máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Para Humberto Ávila (2009), no entanto, quando se depara com uma questão

tal como a descrita acima – em que se identifica a existência de colisão entre os

princípios que apontam, com finalidades diversas, para o mesmo caso particular – o

embate pode ser resolvido à luz dos postulados normativos aplicativos, entre os

quais se destacam os postulados da razoabilidade, da proibição de excesso e da

proporcionalidade, que são utilizados para solucionar antinomias contingentes,

concretas e externas, que surgem diretamente de um problema concreto.

Ao discorrer sobre alguns aspectos da moderna interpretação constitucional,

identifica Luiz Roberto Barroso (2004) que a tradicional interpretação jurídica –

baseada no método subsuntivo de aplicação das regras, na qual o intérprete e o

aplicador não desempenham papel de criação do direito, mas apenas função técnica

de conhecimento, de mera revelação do conteúdo preexistente na norma – cede

espaço para uma nova interpretação constitucional que, embora não negue por

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completo o método subsuntivo, transfere parte da competência decisória do

legislador para o intérprete. Essa nova técnica de hermenêutica constitucional surgiu

em decorrência da técnica legislativa adotada ao longo do século XX, que utiliza

cláusulas abertas ou conceitos indeterminados, passando então a lei a fornecer

parâmetros, os quais somente à luz do caso concreto, da análise dos elementos

objetivos e subjetivos a ele relacionado, será possível extrair a vontade legal.

A moderna interpretação constitucional diferencia-se da tradicional em razão de alguns fatores: a norma, como relato puramente abstrato, já não desfruta de primazia; o problema, a questão tópica a ser resolvida, passa a fornecer elementos para sua solução; o papel do intérprete deixa de ser de pura aplicação da norma preexistente e passa a incluir uma parcela de criação do direito do caso concreto; e, como técnica de raciocínio e de decisão, a ponderação passa a conviver com a subsunção. Para que se legitimem suas escolhas, o intérprete terá de servir-se dos elementos da teoria da argumentação, para convencer os destinatários do seu trabalho de que produziu a solução constitucionalmente adequada para a questão que lhe foi submetida. (BARROSO, 2004, p. 109).

É no clima da moderna interpretação constitucional, e, especialmente, na

seara dos conflitos entre os princípios de direito fundamental, que a ideia de

proporcionalidade ganha substancial importância, na medida em que propõe

viabilizar a dinâmica de acomodação dos princípios que se encontram, no caso

concreto, em linha de colisão.

Além disso, assegura Willis Santiago Guerra Filho (1989) que a

proporcionalidade não é só um importante princípio jurídico fundamental, mas

também um verdadeiro topos argumentativo, ao expressar um pensamento aceito,

de um modo geral, como justo e razoável, de comprovada utilidade no

equacionamento de questões práticas, não só do direito em seus diversos ramos

como também em outras disciplinas, sempre que se tratar da descoberta do meio

mais adequado para atingir determinado objetivo.

Importa ainda referir que os critérios tradicionais de solução de conflitos

normativos – tais como o hierárquico, o temporal e a especialização – não se

mostram geralmente aptos para a solução de colisões entre normas constitucionais,

especialmente as que veiculam direitos fundamentais. (BARROSO, 2004).

Nesses casos, deve-se analisar com ponderação os direitos fundamentais

tutelados pelo ordenamento jurídico, reduzindo proporcionalmente a eficácia de um

dos direitos aparentemente em colisão, de forma a se adotar a solução mais

razoável no caso concreto.

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Sendo assim, analisar-se-á, no próximo tópico, o critério da

proporcionalidade, frequentemente utilizado como argumento racionalmente

adequado à dissolução dos citados conflitos entre princípios constitucionais

fundamentais.

3.2 Critérios argumentativos: a proporcionalidade

Definir um termo jurídico é, muita das vezes, mais difícil do que compreendê-

lo. E a proporcionalidade se enquadra perfeitamente nessa categoria.

Até chegar aos tempos atuais, o princípio da proporcionalidade acompanhou

a história de defesa dos direitos humanos, principalmente na passagem do Estado

de polícia para o Estado de direito, quando o invocaram com o objetivo de controlar

o então ilimitado poder que os monarcas detinham de buscar os fins e utilizar

injustificadamente os meios da forma que lhes aprouvessem. (GORDILLO, 1977).

Ao menos sobre duas noções a proporcionalidade não demonstra

dificuldades, porquanto ter tido boa recepção acadêmica a divisão apresentada à

comunidade jurídica por Pierre Muller, durante a assembleia da União Suíça de

Juristas, realizada em 1978, quando foi defendido, pela primeira vez, que a

proporcionalidade possui uma acepção lata e outra estrita. (BONAVIDES, 2002).

Em sentido amplo, entende Pierre Muller, citado por Paulo Bonavides (2002,

p.357), “que o princípio da proporcionalidade é a regra fundamental a que devem

obedecer tanto os que exercem quanto os que padecem o poder”.

Na dimensão estrita, “o princípio se caracteriza pelo fato de presumir a

existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios

com que são levados a cabo”. (MULLER apud BONAVIDES, 2002, p.357).

O termo proporcionalidade, na acepção menos larga, traz consigo a noção de

relação de meios e fins, cujas raízes jurídicas estão no século passado,

principalmente em dois trabalhos de Von Ihering: O fim do direito e A luta pelo

direito. (BONAVIDES, 2002).

Willis Santiago Guerra Filho (1989), no entanto, liga fontes mais remotas ao

princípio da proporcionalidade. Para ele, na Grécia antiga, e também em Roma, a

ideia de direito já trazia consigo a relação de utilidade voltada para a realização do

bem-comum, da utilidade pública, que, inclusive, justificava as intervenções estatais

no patrimônio dos particulares.

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De todo modo, assegura Suzana de Toledo Barros (2003) que a origem do

princípio da proporcionalidade encontra-se na ideia de se garantir a liberdade

individual em face dos interesses da administração. Para a citada autora, após a

conscientização de que existem direitos oponíveis ao próprio Estado, o princípio da

proporcionalidade surge como instrumento de controle do excesso de poder. A partir

dessa premissa, o poder de polícia passa a ser concebido apenas para limitar

direitos individuais quando um interesse coletivo superior estiver em pauta, ou seja,

sempre vinculado a uma finalidade, contrapondo-se assim ao poder arbitrário.

Dessa forma, pode-se dizer que a proporcionalidade dirigia-se, inicialmente, a

regular a ingerência do Estado na vida privada dos cidadãos. Foi seguindo por esse

entendimento que tanto Suzana de Toledo Barros (2003) quanto Paulo Bonavides

(2002) defendem que o princípio da proporcionalidade tem seus primeiro campo de

atuação no direito administrativo21, especialmente no que se refere aos limites do

poder de polícia ao necessário e exigível para concretização da finalidade visada

pela norma jurídica.

A vinculação do princípio da proporcionalidade ao direito constitucional

ocorreu por via dos direitos fundamentais. Sobre esse particular, revela Paulo

Bonavides (2002, p. 359) que “é aí que ele ganha extrema importância e aufere um

prestígio e difusão tão larga quanto outros princípios cardeais e afins,

nomeadamente o princípio da igualdade”, acrescentando em sequência que:

O princípio da proporcionalidade, enquanto princípio constitucional, somente se compreende em seu conteúdo e alcance se considerarmos o advento histórico de duas concepções de Estado de Direito: uma, em declínio, ou de todo ultrapassada, que se vincula doutrinariamente ao princípio da legalidade, com apogeu no direito positivo da Constituição de Weimar; outra, em ascensão, atada ao princípio da constitucionalidade, que deslocou para o respeito dos direitos fundamentais o centro da gravidade da ordem jurídica. (BONAVIDES, 2002, p. 359).

Por outro lado, ainda no tocante à origem do instituto em análise, registra-se

que o princípio da proporcionalidade surge como obra da doutrina e da

jurisprudência, sobretudo na Alemanha e na Suíça.

21 Deve-se consignar, no entanto, que há posições que afirmam que é no direito penal onde se encontra um primeiro uso do princípio da proporcionalidade, quando se impôs limites à aplicação da pena segundo o grau de culpabilidade do autor do delito, bem como na proporcionalidade na fixação da pena segundo a importância social do fato delituoso.

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Não obstante tenha sido a Suíça o primeiro Estado a alocar o princípio da

proporcionalidade no cenário constitucional, a Alemanha é o país onde tal princípio

lançou raízes mais profundas, tanto na doutrina como na jurisprudência. Aliás, em

reforço a essa afirmação, observa Paulo Bonavides (2002) que muito embora a

Alemanha não tenha sido o primeiro Estado a formalmente constitucionalizar o

princípio da proporcionalidade, é o primeiro a guardar consciência da importância de

sua natureza de princípio constitucional na segunda metade do século XX.

Nesse prisma, pode-se concluir que foi a partir dos juristas alemães e dos

inúmeros enfoques difundidos nos julgados do Tribunal Constitucional daquele

Estado germânico que o princípio da proporcionalidade adquiriu notoriedade no

cenário constitucional mundial.

No direito brasileiro, também influenciado pelo direito alemão, é cada vez

mais crescente a aplicação do princípio da proporcionalidade. Contudo, por aqui,

alerta Humberto Ávila (2001), em que pese às análises dos julgados do Supremo

Tribunal Federal – STF – demonstrar que a exigência de proporcionalidade é um

dever jurídico-positivo, a utilização do citado princípio nem sempre é empregado

com o mesmo significado, pois, para o citado autor, e considerando as decisões do

STF, não raras vezes o intitulado princípio da proporcionalidade é utilizado como

sinônimo de razoabilidade e sem serem estabelecidos os critérios de delimitação da

relação meio-fim, mas não é só isso:

[...] ora significa a exigência de racionalidade na decisão judicial, ora a limitação à violação de um direito fundamental, ora a limitação da pena à circunstância agravante ou necessidade de observância das prescrições legais, ora proibição de excesso da lei relativamente ao seu fim e ora é sinônimo de equivalência entre custo do serviço e a relativa taxa. (ÁVILA, 2001, p. 3).

Conforme advertido anteriormente, a doutrina brasileira de Humberto Ávila

diverge, em alguns pontos, da teoria principiológica engendrada pelo alemão Robert

Alexy. Dentre as divergências, entende o autor brasileiro que o chamado princípio da

proporcionalidade não consiste num princípio, mas num postulado normativo

aplicativo.

Nesse sentido, pondera que o dever de proporcionalidade não reclama

apenas a distinção frente aos princípios e às regras, como também necessita ser

diferenciado de outras categorias com as quais não se identifica, tais como:

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razoabilidade, equivalência e a proibição material de excesso. Propõe, sobre

candentes debates, a construção de significado normativo próprio ao instituto da

proporcionalidade. (ÁVILA, 2001).

Antes de analisarmos as distinções propostas por Humberto Ávila, mostra-se

oportuno relembrar a classificação das normas jurídicas em Robert Alexy, eis que a

análise comparativa entre as linhas argumentativas facilitará a compreensão do

problema.

Como visto no tópico 3.1.2 desta dissertação, para Robert Alexy (2011) os

princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida

possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes; são, por

conseguinte, mandamentos de otimização, caracterizados pela possibilidade de

poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de

sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das

possibilidades jurídicas.

A proposta de Robet Alexy (2011) para a solução de conflitos havidos entre

os direitos fundamentais sugere, conforme estudado, a utilização da racionalidade

de ordem procedimental baseada no critério da ponderação e da fundamentação

válida, que consiste na resolução das colisões entre princípios segundo o

sopesamento de valores, considerando as possibilidades jurídicas e fáticas do caso

concreto. A referida técnica de ponderação é composta por três máximas parciais:

adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Relacionadas

máximas são satisfeitas, segundo o autor germânico, pelo mesmo critério das

regras, isto é, pelo tudo ou nada, ou são atendidas ou não são.

A máxima da adequação, como mandamento parcial da máxima da

proporcionalidade em sentido amplo, impõe correlação idônea entre meio e fim: os

meios devem ser adequados à realização da finalidade orientada pelo interesse

público. (ALEXY, 2011).

A máxima da necessidade, também enquanto mandamento parcial da

máxima da proporcionalidade em sentido amplo, decorre da exigência de que a

realização de um princípio deve ser operada de forma menos gravosa possível a

outros princípios, igualmente válidos e com iguais pretensões de realização. Noutros

termos, equivale dizer que, havendo mais de um meio/caminho para a realização

concreta de um princípio, deve-se sempre optar por aquele meio que assegurar a

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maior otimização do princípio preterido, ou seja, do princípio afetado pela escolha.

(ALEXY, 2011).

Por fim, a máxima da proporcionalidade em sentido estrito, também como

máxima parcial da proporcionalidade em sentido amplo, é, na verdade, a própria

ponderação, pois, em sendo a medida restritiva de direito fundamental adequada e

necessária, caberá por fim sopesar os bens de acordo com as circunstâncias e

particularidades do caso concreto, com vista a minimizar o sacrifício dos

bens/valores em conflito. Desse modo, se existem dois ou mais princípios em

relação de tensão, o meio escolhido deve ser o que melhor realizar ambos os

princípios.

Observa-se, ademais, que Robert Alexy não faz referência ao termo princípio

da proporcionalidade, como costumar acontecer na doutrina e jurisprudência atuais,

mas, sim, à máxima de proporcionalidade, pois, para o citado autor, a

proporcionalidade não constitui um princípio no sentido que ele mesmo atribuiu ao

termo. Para ele, a máxima de proporcionalidade é um dever resultante de uma

implicação lógica do caráter das normas, sendo esta uma das razões de não ser

possível determinar um fundamento positivo da proporcionalidade no texto

constitucional.

Humberto Ávila (2009), por seu turno, ao criticar as concepções dominantes,

afirma que os princípios jurídicos não são valores, nem meros fins, axiomas, critérios

ou postulados. Segundo o autor pátrio, os princípios consistem em normas

finalísticas ou de tarefas. Esclarecendo que normas finalísticas estabelecem a

realização (não os fins propriamente) de estados desejados como devidos, fechando

assim o assunto sobre princípios:

Diante do exposto, podem-se definir os princípios como normas que estabelecem diretamente fins, para cuja concretização estabelecem com menor exatidão qual o comportamento devido (menor grau de determinação da ordem e maior generalidade dos destinatários), e por isso dependem mais intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para a determinação da conduta devida. (ÁVILA, 2001, p. 21).

Seguindo com a aspiração redefinidora, Humberto Ávila (2009) propõe uma

readequação do chamado princípio/dever da proporcionalidade ao sustentar que a

proporcionalidade não é um princípio ou norma princípio, sim, um postulado

normativo aplicativo. Não constitui uma condição sem a qual o direito não seria

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possível, mas “numa condição normativa, isto é, instituída pelo próprio Direito para a

sua devida aplicação. Sem obediência ao dever de proporcionalidade não há a

devida realização integral dos bens juridicamente resguardados.” (ÁVILA, 2001, p.

25).

Ainda nas lições de Humberto Ávila (2009), o postulado aplicativo da

proporcionalidade – que se localiza nas dobras do próprio ordenamento jurídico – é

uma norma de segundo grau, ou melhor, uma metanorma estruturante da aplicação

de princípios e regras. Sua necessidade justifica-se em razão do simultâneo

reconhecimento estatal de direitos e garantias individuais, de finalidades públicas e

normas de competência, cujas aplicações necessitam, pela diversidade e

contrariedade que possam apresentar, de ponderação, medida que só é obtida

mediante a obediência à proporcionalidade.

Pelas palavras do citado autor:

O exame de proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma medida concreta destinada a realizar uma finalidade. Nesse caso devem ser analisadas as possibilidades de a medida levar à realização da finalidade (exame da adequação), de a medida ser a menos restritiva aos direitos envolvidos dentre aquelas que poderiam ter sido utilizadas para atingir a finalidade (exame da necessidade) e de a finalidade pública ser tão valorosa que justifique tamanha restrição (exame da proporcionalidade em sentido estrito). (ÁVILA, 2009, p.162/163).

Em síntese, o postulado da proporcionalidade exige que medidas e decisões

a serem tomadas pelos órgãos públicos sejam adequadas, necessárias e

proporcionais em sentido estrito. A aplicação da proporcionalidade exige relação de

causalidade entre meio e fim, de tal forma que, adotando-se o meio, promove-se o

fim.

Do exposto, depreende-se que tanto Humberto Ávila quanto Robert Alexy

valem-se da proporcionalidade – claro que cada um de acordo com a teoria que

defende – como instrumento útil à realização do balizamento dos princípios em

conflito.

Pois bem, analisadas as teorias dos princípios a luz dos ensinamentos de

Dworkin, Alexy e Ávila, bem como as propostas de resolução dos conflitos havidos

entre tais espécies normativas, segue-se, nos próximos itens, avaliando os limites da

liberdade de imprensa sob o ângulo da verdade, da inviolabilidade da intimidade e

da vida privada, da imagem e da honra dos indivíduos.

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3.3 Os limites da liberdade de imprensa

A liberdade de expressão e de informação pressupõe a ampla possibilidade

de manifestação do pensamento, com a revelação de qualquer opinião, discussão

de qualquer tema, debate de qualquer assunto. Por mais ridícula e absurda que

pareça uma opinião, por mais que a maioria repudie um determinado pensamento

ou uma determinada forma de ver qualquer aspecto da vida, por mais espantosa ou

detestável que seja uma ideia, o indivíduo tem o direito de expressar tais opiniões,

ideias, pensamentos, pontos de vista ou convicções. (KARAM, 2009).

Todavia, a liberdade de imprensa clássica, concebida como extensão da

liberdade de expressão individual, não guarda, para o autor Venício A. de Lima

(2010), qualquer relação com a liberdade de imprensa do mundo contemporâneo,

palco dos grandes blocos globais de comunicação e entretenimento, muitos deles

com orçamentos superiores àqueles da maioria dos países membros das Nações

Unidas.

Analisando a liberdade de imprensa com o mesmo enfoque do citado autor, é

possível, sim, concluir que a liberdade de expressão, pós-revolução tecnológica, é

comumente exercida por meio dos veículos de comunicação de massa, que, muito

embora atuem, nos casos dos meios audiovisuais, mediante concessão estatal,

constituem propriedade empresarial voltada ao interesse privado e ao lucro, em

posição flagrantemente contrária à concepção originária da liberdade de expressão,

na qual o caráter de direito fundamental não lhe permite ser objeto de propriedade

de ninguém.

No entanto, observam J. J. Gomes Canotilho e Jónatas E. M. Machado (2003)

que não é o fato de o mercado das ideias se apresentar estruturado com base no

mercado de bens e serviços e se assentar na procura de lucro que isso justifica a

subtração da atividade dos meios de comunicação audiovisual do âmbito normativo

da liberdade de expressão.

De qualquer forma, e deixando de lado, ao menos por enquanto, o acalorado

debate que envolve esse problema, não há dúvidas de que os meios de

comunicação audiovisual, bem como os demais mecanismos de imprensa, se

encontram também a serviço da autodeterminação publicística dos indivíduos e dos

grupos sociais, dos seus direitos de informação, expressão e de crítica sobre o

mundo que os cerca. Tanto assim que recebeu do ministro Carlos Ayres Britto, do

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STF – Supremo Tribunal Federal, relator da ADPF – arguição de descumprimento de

preceito fundamental nº 130 a seguinte manifestação:

Daqui já se vai depreendendo a intelecção do quanto a imprensa livre contribui para a concretização dos mais excelsos princípios constitucionais. A começar pelos mencionados princípios da “soberania” (inciso I do art.1º) e da “cidadania (inciso II do mesmo artigo), entendida a soberania como exclusiva qualidade do eleitor-soberano, e a cidadania como apanágio do cidadão, claro, mas do cidadão do velho e sempre atual sentido grego: aquele habitante da cidade que se interessa por tudo que é de todos; isto é, cidadania como o direito de conhecer e acompanhar de perto as coisas do Poder, os assuntos da pólis. Organicamente. Militantemente. Saltando aos olhos que tais direitos serão tanto melhor exercidos quanto mais denso e atualizado for o acervo de informações que se possa obter por conduto da imprensa. (STF, 2009).

A ampliação do alcance dos meios de comunicação social, principalmente da

televisão e da internet, é uma expressão clara da capacidade crescente da interação

comunicativa. Porém, na outra face desse desenvolvimento, também cresce a

utilização dos meios de comunicação social para agredir direitos fundamentais,

provocando danos morais e patrimoniais aos indivíduos.

É certo que o direito à crítica jornalística, como costuma ocorrer com qualquer

direito, seja ou não de status fundamental, não é ilimitado, porquanto não ser o seu

exercício absoluto. Assim, considerando as circunstâncias do caso concreto,

poderão ser impostos limites ao exercício daquele direito fundamental de informação

jornalística, principalmente para preservar a honra e demais direitos da

personalidade, consoante o disposto no §1º do artigo 220 da Constituição

Republicana de 1988.

É nesse contexto que pontuam J. J. Gomes Canotilho e Jónatas E. M.

Machado (2003) que o valor da dignidade da pessoa humana funciona tanto como

fundamento da liberdade de expressão quanto limitador do seu indiscriminado

exercício, uma vez que a dita liberdade deve ser realizada, na medida do possível,

no respeito pelos direitos de personalidade do indivíduo.

Pela mesma trilha seguiu Uadi Lammêgo Bulos ao comentar a amplitude da

comunicação social na constituição brasileira, assim advertindo:

[...] a comunicação social na Constituição alcança uma dimensão lato sensu. Essa amplitude faz da imprensa um veículo que interfere, de maneira intensa, na opinião pública, sendo, na prática, pouquíssimos os condicionamentos a que está sujeita. Mas isso não significa a outorga de uma liberdade irresponsável, absoluta, destituída de qualquer parâmetro

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legal. [...] Há valores constitucionais óbvios, dentre os quais a dignidade humana, o respeito ao meio ambiente, os direitos da criança e dos adolescentes, da família, dos idosos, dentre inúmeros que devem ser preservados e respeitados pelos meios de comunicação. (BULOS, 2002, p. 1.261).

Para a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF22 –, a liberdade de

expressão é compreendida como um dos mais importantes direitos fundamentais do

sistema constitucional brasileiro. Na visão interpretativa desse excelso colegiado

brasileiro a liberdade de expressão é um verdadeiro pressuposto para o

funcionamento da democracia, registrando o decano da corte, ministro Celso de

Mello, na seção de julgamento da ADPF 187, que tal liberdade constitui “uma das

mais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas

democracias políticas”. (STF, 2011).

No mesmo caminho interpretativo tem trilhado o Superior Tribunal de Justiça

– STJ – ao reconhecer que o “direito à informação é de natureza coletiva, titularizado

pela sociedade, que o exerce primacialmente por intermédio da informação

jornalística, que há de ser livre, essencial que é aos direitos fundamentais e à

democracia”. (STJ, 2011).

Diante de todas essas afirmações surgem, inevitavelmente, os seguintes

questionamentos: existem limites para a proteção da vida privada dos indivíduos?

Até que ponto o direito de informação jornalística pode invadir essa individualidade?

E, ainda, a crítica jornalística ácida encontra legitimidade no ordenamento jurídico

brasileiro ou deve sempre ser punida pelo Direito Penal?

Pois bem, apresentados os questionamentos supra, empenhar-se-á, ao longo

do desenvolvimento das análises dos assuntos que seguem, nas buscas pelas

respostas para todas as indagações que por ora ficam em aberto.

3.3.1 A verdade e o interesse público

Pelos estudos até aqui realizados ficou demonstrado que o direito de

informação é, além de uma necessidade humana, a base para a democracia,

porquanto não envolver apenas o simples exercício da liberdade de externar o

pensamento, mas também o direito fundamental de participação da sociedade, já

22 As decisões do Supremo Tribunal Federal serão analisadas com mais profundidade no terceiro capítulo deste trabalho, onde se reservou tópico específico para o tema tratado.

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que do seu feixe, como visto, emana o direito de informar (veicular informações), de

ser informado (receber informações) e no de se informar (liberdade de buscar as

informações).

Portanto, parece certo, eis que longe de qualquer dúvida, que a informação

sobre os fatos de interesse público é indispensável para a vida social por contribuir

para formação de uma visão crítica dos acontecimentos que cercam os indivíduos,

principalmente quando o foco é a participação política dos cidadãos nos processos

democráticos, seja no exercício do sufrágio – de escolha direta dos delegatórios do

poder popular – ou no papel de fiscal das ações dos agentes políticos.

De uma forma ou de outra, o direito de informação – considerado em seus

múltiplos desdobramentos – desponta com preponderância no processo de

participação popular, visto que é esse fundamental direito o responsável pela

garantia da liberdade de conhecimento sobre as mais variadas questões que cercam

o meio ambiente em que o indivíduo opera, atuando assim na formação de uma

opinião pública consciente.

Nessa conjuntura, destacam-se os meios de comunicação social como

espécie de poder, ainda que informal, mas de inegável e extraordinária capacidade

de convencer os indivíduos.

As considerações anteriormente apontadas comprovam que a mídia atua a

serviço do direito fundamental de informação, que, por sua vez, juntamente com o

direito de liberdade e igualdade, formam a base da democracia. No entanto, para

que o direito de informação possa atender aos legítimos objetivos sociais é preciso

que os profissionais da imprensa, além de livres, atuem com retidão tanto na busca

quanto na divulgação da notícia, eis que do outro lado da relação da mídia com a

notícia encontra-se o direito do indivíduo de receber informações verdadeiras,

honestas, capazes de cumprir a finalidade de informar o público.

É por tudo isso que Sérgio Ricardo de Souza (2008, p. 104) adverte que a

“verdade é o grande caminho de alcance da credibilidade por parte da mídia, e esta

é essencial para que seja cumprido o relevante papel social reservado aos meios de

comunicação, em especial aquele consistente em bem informar à sociedade [...].”

No mesmo caminho é o magistério de Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de

Carvalho (2003, p. 91), o qual assegura que “uma vez optando o órgão de imprensa

pela publicação de matéria jornalística, surge para o leitor um direito: o direito à

informação verdadeira [...]”, uma vez que o direito constitucional de livre imprensa

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não pode deixar de ser autêntico, verdadeiro, completo. Ainda segundo o magistério

do referido escritor, o direito à notícia verdadeira constitui-se num típico direito

difuso, tutelado, inclusive, via ação civil pública.

Ao analisar o trabalho do jornalista na apuração da notícia, Luiz Costa Pereira

Júnior (2010) aduz que o leitor ao comprar o periódico de sua preferência confia,

ainda que tacitamente, que o repórter seja sua testemunha dos fatos, que os olhos

do jornalista vejam a realidade objeto da notícia em seu lugar e a descreva

traduzindo tudo com fidelidade, respeitando o que viu. Porém, ressalta o citado autor

que o profissional da imprensa não pode se satisfazer com apenas uma (ou poucas)

das diversas versões e dos possíveis aspectos da história. “É preciso validar a

informação com pelo menos duas outras fontes. [...] Na linha de produção da notícia,

o levantamento e o rigor na checagem estabelecem a qualidade da informação”.

(PEREIRA JÚNIOR, 2010, p. 87).

Contudo, muito embora a atividade jornalística esteja pautada na exigência de

ética profissional e de transparência na apuração e divulgação dos fatos, não são

raros os episódios que violam os baluartes do bom jornalismo. A seguir,

transcrevem-se, a título exemplificativo, algumas dentre outras tantas matérias

jornalísticas que foram publicadas em total desalinho com a realidade, todas

selecionadas por Luiz Costa Pereira Júnior (2010).

O Estado de S. Paulo publicou, em 18 de junho de 2003, uma abertura de

página intitulada “Vereadores aprovam projeto para água e esgoto.” Na matéria,

informava-se que aquela Câmara Municipal aprovou no dia anterior um projeto de

lei, de iniciativa do prefeito municipal de São Paulo, que municipalizaria o serviço de

saneamento básico local. Quanto à votação, informava o matutino que o projeto

recebeu 34 votos favoráveis e 7 contrários. Ocorre que o repórter se viu obrigado a ir

embora antes do término da sessão e não se importou em informar que naquela

reunião a questão não chegou sequer a ser votada pelos vereadores, os quais

aprovaram, apenas, e sob o placar noticiado pelo jornal, um projeto que autorizava

um empréstimo do BNDES para o setor de transporte. O reporte havia trocado as

notícias.

No jornalismo, a má-fé pode completar o trabalho negligente, conforme se

verifica no seguinte episódio: a revista Veja, na edição de novembro de 1993,

garantiu que a CPI do Orçamento, que naquela oportunidade investigava

parlamentares acusados de corrupção, descobrira a suspeita movimentação de US$

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1 milhão nas contas do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro. A

denúncia seria pretexto para uma crise que levaria à cassação e à humilhação

pública do então deputado federal. A revista já havia imprimido 1,2 milhão de

exemplares quando o chefe da equipe de checagem da Veja atinou para a

dolarização errada. A soma não dava US$ 1 milhão, mas US$ 1 mil. Porém, o editor

executivo da revista manteve a informação mesmo sabendo tratar-se de fraude, para

não amargar o prejuízo com nova tiragem. Em consequência, Ibsen Pinheiro purgou

a ruína pessoal e política.

Outro exemplo de jornalismo manipulado é denunciado por Günter Wallraff

(1990). O citado autor, que é também repórter, inusitadamente, utilizando nome falso

e disfarce, conseguiu infiltrar-se com habilidade no grande jornal alemão, o Bild.

Após ter conseguido se instalar na redação do Bild, o citado autor desvendou para o

público o que ele próprio intitulou de uma oficina de mentiras.

O Bild manipula. Mas não para aí. Muitos dos que fornecem informações ao Bild levam em consideração o fato de o jornal manipular, torcer, desfigurar e falsificar a realidade. A coisa funciona como os degraus de uma escada: o repórter torce os fatos à sua maneira, o chefe de redação explora o que já foi deturpado e, finalmente, a redação central coloca sua pitada de tempero. No início da escada temos que colocar mais um degrau: o informante que quer aparecer no jornal e também adapta seu fato às exigências do Bild. (WALLRAFF, 1990, p. 122).

Esses citados fatos são exemplos de lamentáveis situações que, embora

flagrantemente contrárias aos valores da nossa Constituição Republicana de 1988,

não serão corrigidas pelo livre mercado das ideias. O seu combate, pelo contrário,

reclama atuações estatais positivas que, obviamente, enfrentarão resistências da

parte daqueles que se beneficiam da exploração dos fatos em prol de caprichos

privados, divorciados, portanto, da verdade e do interesse público balizador da

atuação dos veículos de comunicação social.

Assim, pelas luzes da análise acima apresentada, se ao direito de liberdade de

informação jornalística se contrapõe o direito difuso de receber informações

verdadeiras, torna-se evidente que aquela liberdade não é absoluta, porquanto

encontrar limites na exigência pública de fidelidade entre os fatos diligentemente

apurados e os efetivamente noticiados pela mídia.

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3.3.2 A intimidade e a vida privada

Ao prosseguir com a investigação dos limites da liberdade de imprensa

depara-se, inevitavelmente, com o direito fundamental que assegura a

inviolabilidade da intimidade, vida privada, imagem e honra, todos eles de status

constitucional23.

Assim, caberá neste tópico analisar o direito à intimidade e à vida privada no

relacionamento com a liberdade de informação jornalística, mas não sem antes frisar

que a intimidade e a vida privada, ainda que não possuam valor absoluto, estão a

salvos de intromissões ilícitas externas.

Esclarece-se, por relevante, que a abordagem que aqui será apresentada não

enfrentará todo complexo estudo que envolve o direito fundamental à intimidade e à

vida privada, porquanto não constituir o foco do presente estudo, o qual apenas se

ocupará do panorama geral desses direitos fundamentais, sem se aprofundar na

pesquisa de suas dimensões históricas, nem nos seus embasamentos teóricos24.

Outro grande desafio consiste em estabelecer com precisão o conceito do

direito à intimidade e à vida privada, com todos os seus contornos, limites e

conteúdos, uma vez que são os valores culturais – mutáveis em cada época e lugar

– que determinam o que temos ou não vontade de preservar do conhecimento

alheio. (SILVA, 2003). Mesmo assim, pondera José Adércio Leite Sampaio (1998, p.

262) que não se pode “sucumbir à gravidade de um conceito assaz volátil e

dinâmico [...] mas antes procurar definir premissas metodológicas, a partir das quais

se seguirão regras hermenêuticas de clarificação de sua dimensão conceitual e de

seu conteúdo normativo”.

Entre as doutrinas consultadas, praticamente todas se lembraram do juiz

americano Cooly, que em 1873 identificou a privacidade como o direito de ser

deixado tranquilo, em paz, de estar só (right to be alone). No direito americano,

decidiu a Suprema Corte que o right of privacy (direito de privacidade) compreende o

direito de toda pessoa tomar sozinha as decisões na esfera da sua vida privada.

(SAMPAIO, 1998). 23 Constituição Republicana de 1988, artigo 5º, inciso X: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” 24 Para o profundo estudo desses direitos fundamentais sugere-se a obra de José Adércio Leite Sampaio, intitulada: Direito à intimidade e à vida privada: uma visão jurídica da sexualidade, da família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da morte. São Paulo: Del Rey, 1998.

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Como já é possível perceber, foi o direito anglo-americano que influenciou

grande parte da doutrina a considerar o direito à intimidade e o direito à privacidade

como sendo expressões sinônimas.

Em relação à privacidade, entende Uadi Lammêgo Bulos (2002, p. 105) que

tal termo remete a uma concepção ampla, que abarca as “manifestações da esfera

íntima da pessoa física, tais como o modus vivendi, as relações familiares e afetivas,

seus hábitos, sua particularidade, seus pensamentos, seus segredos, seus planos

futuros”.

José Afonso da Silva (2001, p. 209), reclama que a terminologia utilizada pela

nossa Constituição Republicana de 1988 não foi precisa. Por isso é que prefere

utilizar a “expressão direito à privacidade, num sentido genérico e amplo, de modo a

abarcar todas essas manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade,

que o texto constitucional em exame consagrou”.

Também por essas razões, os conceitos de intimidade e vida privada

apresentam grande proximidade, podendo, contudo, ser diferenciados por meio do

menor grau de amplitude do primeiro, que encontra no âmbito de incidência do

segundo. (MORAES, 2004).

Reforçando tal aspecto, observa René Ariel Dotti (1980, p. 67) que “a

construção de um direito à intimidade como círculo mais restrito do direito à vida

privada, é tipicamente francesa e provém da necessidade em se precisar um núcleo

mais profundo ao qual foi dada pela Lei 17.7.1970, em França”, que cuidou da tutela

da intimidade da vida privada. Advertindo ainda que entre os doutrinadores italianos,

ingleses e americanos a expressão “intimidade” é utilizada na acepção ampla, para

designar a vida privada.

Já nos países de língua espanhola, prevalece o entendimento de que

intimidade e vida privada, embora no plano abstrato possam ter conceitos distintos,

operacionalmente não revelam diferença significativa. (SAMPAIO, 1998).

No Brasil, a exemplo dos seus vizinhos de língua espanhola, também se nota

certa disposição pelo uso indistinto dos termos intimidade e vida privada, embora

haja ressalvas, como a registrada acima, defendendo que a intimidade encontra-se

condita no extrato da vida privada.

Desse entendimento, porém, não compartilha José Adércio Leite Sampaio

(1998, p. 273), o qual reclama a necessidade de se fazer distinção radical entre os

termos, considerando tanto os ensinamentos do direito alienígena quanto a raiz

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etimológica das duas expressões, “sem olvidar ainda o discrímen feito pela

disposição constitucional consagradora de um direito à vida privada e à intimidade:

‘são invioláveis a intimidade, a vida privada...’ (art.5º, X, CRFB).”

Uadi Lammêgo Bulos (2002), claramente influenciado pelo direito norte-

americano (right of privacy), ensina que, mesmo tendo o constituinte separado as

expressões intimidade e vida privada, não há como dissociar um direito do outro, já

que intimidade e privacidade são expressões sinônimas que encartam valores

humanos supremos, conexos ao direito de ficar tranquilo, em paz, de estar só.

Edson Ferreira da Silva (2003, p. 51), após reconhecer a extrema dificuldade

em conceituar o direito à intimidade, mesmo assim propõe que este direito deve

“compreender o poder jurídico de subtrair do conhecimento alheio e de impedir

qualquer forma de divulgação de aspectos da nossa vida privada, que segundo o

senso comum, detectável em cada época e lugar, interessa manter sob reserva.”

A princípio, parece mesmo difícil diferenciar direito à intimidade de direito à

vida privada, pois, quando se fala intimidade e vida privada refere-se à expressão

privacidade em sentido lato, designando a arena reservada do indivíduo, “o

repositório de suas particularidades de foro moral e interior, o direito de viver sua

própria vida, sem interferências alheias. Logo, vida privada é a mesma coisa que

vida íntima ou vida interior, sendo inviolável nos termos da Constituição.” (BULOS,

2002, p. 105).

Em todo caso, é valiosa a distinção apresentada por Tércio Sampaio Ferraz

Júnior (1992), segundo o qual a intimidade é esfera do exclusivo que o indivíduo

reserva somente para si, sem nenhuma repercussão social, que exclui até mesmo o

alcance da vida privada, uma vez que esta, por mais reservada que seja, é sempre

um viver entre os outros, ou seja, o conviver na família, no trabalho, no lazer.

Portanto, enquanto a intimidade possui característica de recôncavo todo particular, a

vida privada envolve a proteção de formas exclusivas de convivência. Na vida

privada a comunicação é inevitável (em termos de relação de alguém com alguém),

mas, em princípio, são excluídos os terceiros que não fazem parte daquela relação

de convivência.

Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa Júnior (1995), sem

diferenciar vida privada de intimidade, atestam que o campo da vida particular ou

privada pode ainda ser subdividida em outras esferas, de raios progressivamente

menores, na medida em que se pretende restringir a intimidade. O raio de maior

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âmbito é o abrangido pela esfera privada stricto sensu (Privatsphüre), em que estão

compreendidos todos os comportamentos e acontecimentos que o indivíduo não

quer que se tornem de conhecimento do público.

Ainda no bojo da esfera privada, porém de âmbito menor, está contida a

esfera da intimidade (Vertraulichkeitsphüre), também chamada, segundo os citados

autores, de esfera confidencial (Vertraulichkeistsphäre). Nesta, participam somente

aquelas pessoas nas quais o indivíduo confia e com as quais mantém certa

intimidade. Vê-se, pois, que da esfera confidencial da intimidade não somente o

público está excluído, mas também determinadas pessoas, as quais compartilham

com o indivíduo apenas o âmbito mais amplo da sua intimidade.

No centro dos círculos concêntricos, ou seja, no interior da esfera privada,

encontra-se aquela que deve ser objeto de especial proteção contra a bisbilhotice: a

esfera do segredo (Geheimsphäre), que envolve a parcela da vida particular da qual

compartilham pouquíssimas pessoas, apenas aquelas mais chegadas, mais

próximas, enfim, que gozam do mais alto grau de intimidade.

Contudo, ainda que empolgante o debate que circunda a distinção entre os

direitos à intimidade e à vida privada, o presente trabalho não se ocupará dessa

diferenciação, já que, para nós, no desenvolvimento da proposta de dissertação,

basta compreender que tais direitos fundamentais, de natureza constitucional e

proteção inviolável, possuem potencial normativo suficiente para limitar o direito de

informação jornalística, principalmente quando a notícia vier acompanhada de crítica

ofensiva aos direitos da personalidade.

E por falar em notícia jornalística, é importante relembrar a análise feita no

ponto 2.7.2 deste trabalho, onde ficou demonstrado que o direito de informação se

desdobra em três outros: o de direito de informar, se informar e ser informado.

Dessa maneira, é perfeitamente possível concluir que existe tanto um direito-dever

de informar, como o correlato direito coletivo de conhecer, de se inteirar dos fatos e

acontecimentos sociais.

Muito embora a repercussão atribuída ao direito de informação possa até

transparecer que a intimidade e a vida privada restarão desprotegidas quando se

confrontarem, no caso concreto, com aquele direito de expressão, o certo é que nem

sempre o resultado da ponderação de princípios indicará a prevalência do direito de

informação. Por várias vezes foi destacado neste trabalho que não há direito

fundamental ilimitado nem absoluto, de modo que o âmbito do direito coletivo de

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informar e ser informado refere-se apenas a fatos, acontecimentos ou situações que

demonstram transcendência pública, os quais, além da exigência de serem

coletados com transparência e veracidade, deverão ser também capazes de

promover um real efeito na vida comunitária, em virtude da relevância ou

significância social que devem apresentar. (SAMPAIO, 1998).

Assim, se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de

comunicação social contrapõe-se o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida

privada, segue-se como consequência lógica que este último condiciona o exercício

do primeiro, atuando como limite estabelecido pela própria Constituição Republicana

de 1988 para impedir excessos e abusos.

A grande questão, no entanto, é conseguir separar quais são aquelas

informações relevantes para a vida em sociedade e quais aquelas que não

interessam ao corpo social e não justificam uma interferência na esfera privada de

seus integrantes individuais. (SOUZA, 2008).

Muitos são os casos em que a veiculação da notícia, da opinião ou da crítica

se contrapõe à previsão constitucional de inviolabilidade da intimidade ou da vida

privada da pessoa que se encontra relacionada à matéria jornalística. Nessas

hipóteses é que surge o conflito entre os princípios constitucionais postos em

evidência e a necessidade de resolver a grande questão: os direitos da

personalidade cedem espaço quando em confronto com os direitos de informar e de

ser informado?

Antes de apresentar as alternativas viáveis à solução da questão destacada

acima analisaremos outras duas espécies de direito fundamental – imagem e honra

– que também não raro são violadas pelos veículos de comunicação social no

exercício da atividade jornalística.

3.3.3 A imagem

Imagem, na definição de Aurélio Buarque de Holanda (2001, p. 373),

corresponde a “representação gráfica, plástica ou fotográfica da pessoa ou objeto ou

a representação dinâmica, cinematográfica ou televisionada de pessoa, animal,

objeto.”

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Trata-se, portanto, de qualquer visualização gerada da figura humana, seja

em forma de objeto, obra de arte, registro fotográfico, pintura, desenho, gravura,

escultura, configuração caricata ou decorativa. (BULOS, 2002).

Acrescente-se, por relevante, que, segundo José Adércio Leite Sampaio

(1998), a imagem de uma pessoa forma-se a partir de seus traços fenótipos, físicos,

de sua aparência natural ou mesmo retratada por registros fotomecânicos.

Além dessa concepção de imagem ligada ao retrato da pessoa (chamada

simplesmente de imagem-retrato), a doutrina também faz referência à imagem-

atributo, no sentido de visão do público sobre o indivíduo, que estaria ligada à honra,

mas com esta não se confundindo. (NUNES JÚNIOR, 1997).

Na defesa da autonomia do direito à imagem, encontra-se José Afonso da

Silva (2001), para quem a preservação desse direito, bem como da honra e do

nome, não representa propriamente um direito à privacidade, muito menos à

intimidade. Na lição do citado autor, a imagem é objeto de um direito independente

da personalidade, autônomo, portanto.

Porém, lembra Tadeu Antônio Dix Silva (2000) que entre os italianos, ingleses

e americanos a expressão “intimidade” é utilizada na acepção ampla, designando

todos os direitos relacionados com a vida privada, de ser deixado em paz (right of

privacy). Dessa forma, o direito à imagem, até certo ponto, pode ser considerado um

desdobramento do direito à intimidade/privacidade, tal como concebido pelos

ingleses25.

Por outro lado, observa José Adércio Leite Sampaio (1998) que a ciência do

direito tem associado componentes jurídicos ao direito de imagem que, embora

relacionados com o conceito inicial do termo, buscam definir a relação de poderes

atribuídos a seus titulares e que podem ser identificados de dois tipos: um poder

negativo, referente à oposição do titular à realização da sua imagem, produção,

reprodução, enfim, à divulgação; e outro positivo, atinente com o consentimento do

titular com as possíveis utilizações e desdobramentos da imagem.

25 Neste sentido, refere René Ariel Dotti (1980, p, 79) que a “Rainha da Inglaterra dirigiu-se ao Conselho de Imprensa, que funciona como juiz moral nos casos de violação do right of privacy, queixando-se que os semanários londrinos Sunday Express e The People haviam publicado diversas fotografias da família real em trajes de banho quando faziam esqui aquático em um lago situado em terras da Coroa”.

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Para Vidal Serrano Nunes Júnior (2011), quem melhor definiu o direito à

imagem foi Luiz Alberto David de Araújo, que a concebeu sob dúplice enfoque:

imagem-retrato e imagem-atributo, conforme se observa da citação transcrita abaixo:

Com efeito, o artigo 5º, inciso X da Carta Magna assegura a inviolabilidade do direito à imagem. O texto constitucional é claro no sentido de tratar a imagem como a reprodução gráfica (retrato, desenho, fotografia, filmagem, etc) da figura humana. Nesse aspecto, o direito à imagem não apresenta qualquer correlação com o direito de crítica, pois que, quando muito, pode ser erigido em limite ao direito de informar, no sentido de que o indivíduo possa se opor à divulgação de seu retrato associado a uma informação. Segundo o referido professor, a proteção da imagem apresenta outra variação, especificamente aquela ditada pelo inciso V do mesmo artigo 5º, que trata da imagem como o conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos pelo conjunto social. (NUNES JÚNIIOR, 2011, p.131-132).

Uadi Lammêgos Bulos (2002) também compartilha do entendimento que em

relação ao inciso X, do artigo 5º, da Constituição Republicana de 1988, o titular da

imagem é apenas a pessoa natural, em qualquer estágio da vida (bebê, criança,

jovem ou adulto), reafirmando, ademais, que a imagem social das pessoas jurídicas

vem assegurada no inciso V do mesmo artigo constitucional.

De qualquer maneira, o certo é que todo indivíduo tem direito sobre sua

imagem, que é parte de sua pessoa, principalmente para coibir utilizações indevidas

e buscar ressarcimento pelo uso não autorizado de sua figura ou ofensa da sua

imagem social (retrato moral).

Como exemplo de utilização indevida da imagem, René Ariel Dotti (1980) cita

um episódio ocorrido em França, relacionado com um morador de Morbihan que

havia se deixado fotografar com a família pelo operador de uma agência de notícias

que o convencera dizendo que fazia uma matéria abordando as famílias francesas.

Todavia, foi surpreendido com a fotografia da sua família estampando os cartazes

do Partido Comunista nas eleições legislativas de 1972, o que lhe trouxe grande

revolta.

A propósito, ratificando tal ideia, acrescenta-se:

A imagem, por sua particularidade de individualizar diretamente o ser humano perante os seus semelhantes, agrega-se diretamente à personalidade de cada um e, se utilizada de forma perniciosa, possui o condão de nodoar a percepção externa sobre a pessoa humana retratada, desenhada, filmada ou reproduzida por qualquer meio, sendo que em se tratando de meios como a televisão, a internet, as revistas e os jornais, os malefícios a serem experimentados podem ser ainda maiores. (SOUZA, 2008, p.48)

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De tudo analisado até aqui, uma constatação sobressai de maneira

inafastável: tanto os direitos da personalidade (intimidade, vida privada, imagem,

honra) quanto os direitos de informação (noticiar, criticar) são todos direitos

fundamentais e, portanto, garantia da formação de um Estado Democrático de

Direito.

Contudo, a grande questão que ainda permanece em aberto refere-se ao

processo de acomodação desses direitos aparentemente divergentes,

principalmente no tocante à tutela penal da honra frente à crítica jornalística, tema

que somente será analisado no desenvolvimento do terceiro e último capítulo desta

dissertação, oportunidade em que se estudará a crítica jornalística ofensiva no

relacionamento com os crimes contra a honra.

3.3.4 A honra

A Constituição brasileira de 1988, influenciada pela Declaração Universal dos

Direitos Humanos de 194526, consagrou, logo no seu artigo 1º, a dignidade da

pessoal humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, o

que, consequentemente, implicou no reconhecimento da dignidade humana como

fonte ética dos direitos fundamentais na nossa atual Constituição.

A esse panorama, acresce-se Rodrigo Meyer Bornholdt (2010), para o qual

honra e dignidade são conceitos muito próximos, podendo mesmo dizer que a

dignidade humana constitui, em boa medida, uma parte do valor honra, havendo, até

mesmo, a subsunção da dignidade humana na honra.

Todavia, adverte o citado autor que essa visão é recente, fruto da influência

judaico-cristão e do iluminismo francês, responsáveis pela dissociação da honra da

noção econômica e de poder, para então ligá-la diretamente ao ser humano,

valorizado por ser concebido à imagem de Deus. (BORNHOLDT, 2010)

Na antiguidade grega, por exemplo, conta a história que frequentemente se

aceitava a escravidão daquele vencido que não cometeu autoextermínio e cuja vida

havia sido poupada pelo vencedor da guerra.

26 “Art.1º. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. (DIREITOS HUMANOS, 1945)

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Noutro giro, consigna-se, por oportuno, que na sociedade romana antiga a

perda da honra equiparava-se à perda da própria vida. O que explica, em parte, a

razão de se castigar com penas tão severas – chegando à morte – aquele

condenado por destruir, caluniosamente, a reputação (fama) de outro homem, assim

como o poder sobre a vida que o senhorio possuía em relação ao seu escravo.

(WINGARTNER NETO, 2002).

A preservação da dignidade da pessoa humana, dentro de um contexto

constitucional fundamental, reclama proteção a todos os direitos conectados à

personalidade, os quais têm como objeto, dentre outros atributos, valores como a

vida, a integridade física e psíquica, a liberdade, a intimidade, a vida privada, a

imagem, a honra. Inclusive, afigura interessante sublinhar que, na Constituição

Republicana de 1988, todos esses direitos fundamentais encontram proteção.

Assim, conforme se verá a partir deste ponto do trabalho, a honra das

pessoas, tal como a intimidade, a vida privada e a imagem, também possui a

capacidade de balizar o exercício da liberdade de informação jornalística (noticiar e

criticar), uma vez que o artigo 5º, inciso X, da Constituição Republicana de 1988,

cobriu o direito à honra com o manto da inviolabilidade.

Antes de tecer mais comentários acerca do direito à honra, cumpre esclarecer

que, embora a doutrina e a jurisprudência27 entendam que as pessoas jurídicas

podem vir a sofrer danos morais, relativamente à moral externa ou objetiva (boa

fama); observa Sérgio Ricardo de Souza (2008, p. 40), que “a nossa Constituição

Federal ao se referir a dignidade, fê-lo (sic) em relação à pessoa humana [...]”. Seja

como for, o certo é que não adentraremos nessa temática, a qual constitui pano para

trabalho específico. Analisaremos, frise-se, a honra enquanto atributo da pessoa

natural, isto é, o direito à integridade moral, sempre ligada à reputação da pessoa

humana, e somente a esta.

Aqui já se disse – até mais de uma vez – que conceituar um termo é tarefa

difícil, pois todo conceito traz consigo uma pitada de arbitrariedade daquele que se

arriscar na empreitada de conceituar. Parece, contudo, que quando se refere à

honra, a dificuldade eleva-se mais do que o normal, em virtude da carga subjetiva e

dos inúmeros desdobramentos que esse bem jurídico pode figurar. Certo disso,

escreve Tadeu Antônio Dix Silva (2000, p. 157) que a “honra exibe-se como matéria

27 Súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça – STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

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minada de numerosas controvérsias e desencontros que mesmo as investigações

ultimamente efetivadas não lograram debelar [...]”.

A Constituição Republicana de 1988 não trouxe o conceito de honra – o que é

compreensivo e louvável, pois tal missão melhor se amolda ao escopo da doutrina –

tendo o artigo 5º, inciso X, apenas blindado o direito à honra com o escudo da

inviolabilidade.

Na doutrina, José Afonso da Silva (2001, p. 212) conceitua a honra como “o

conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos

concidadãos, o bom nome, a reputação”, enquanto Luiz Vicente Cernicchiaro e

Paulo José da Costa Júnior (1995, p. 237) a entendem como “o contingente mínimo

de prestígio que um cidadão pode obter para merecer o respeito da coletividade. É a

síntese das virtudes sem as quais o indivíduo será marginalizado, desprezado por

seus semelhantes”.

A esses conceitos, adere Uadi Lammêgo Bulos (2002), para quem a honra é

irmã da dignidade, do respeito e da boa reputação. E, em linhas seguintes,

arremata:

Como valor integrante dos direitos humanos fundamentais da Constituição de 1988, a honra é o bem imaterial, entendida como o sentimento de dignidade própria do homem (honra interna ou subjetiva), o apreço que goza na sociedade, o respeito perante os seus concidadãos, a reputação, a boa fama (honra exterior ou objetiva). [...] Os homens de bem somente se acercam daqueles que gozam de boa fama. Se alguém adquire má fama, dele se afastam os conhecidos e amigos, e não mais é tolerado nas boas rodas. Estará ele privado da confiança e prestígio com que a sociedade resguarda os homens de bem. (BULOS, 2002, p.105-106).

A honra, como é possível depreender, situa-se entre a moral e o direito. Ela (a

honra), não se forma somente a partir de sentimentos internos (subjetivos), mas

também em termos de reconhecimento social, “ainda que em grau mínimo, não

obstante as observações de Schopenhauer, de que o homem não se deveria

importar tanto com as opiniões dos demais”. (BORNHOLDT, 2010, p. 231).

De tudo isso, pode-se afirmar com segurança, que o direito à honra tutela

tanto o sentimento valorativo interno que cada qual nutre de si mesmo como o

respeito, a consideração, a boa fama e a estima que a pessoa desfruta nas relações

sociais.

Aliás, toda pessoa, por mais que se conduza de maneira não ética, goza do

direito à tutela da honra, variando, no entanto, de grau – maior ou menor – conforme

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o seu comportamento moral e os valores imateriais da comunidade em vive e atua.

(SOUZA, 2008).

Por ora, julgam-se suficientes os apontamentos feitos acima, relativos ao

direito à honra, pois, no próximo capítulo, a temática que envolve a honra e a crítica

jornalística será retomada.

Por fim, considerando o projeto proposto para este estudo, o direito à honra

será abordado, especificamente, naquilo que se referir à tutela jurídica penal que o

ordenamento jurídico brasileiro lhe assegura. Objetiva-se, com isso, compreender as

limitações de proteção que a Constituição de 1988 e o Código Penal28 lhe dispensa,

mas com uma restrição: a investigação será em relação às críticas jornalísticas

veiculadas pelos meios de comunicação social e atreladas à reputação da pessoa

vinculada ao fato noticioso.

28 No dia 30 de abril de 2009, o Supremo Tribunal Federal – STF julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 130 –, declarando que a Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67) foi integralmente revogada pela atual Constituição. A partir de então, os crimes contra a honra, praticados por meio dos veículos de comunicação, passaram, por determinação expressa do STF, a serem regulamentados pela norma geral do Código Penal Brasileiro (artigos 138, 139 e 140).

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4 A CRÍTICA JORNALÍSTICA E OS CRIMES CONTRA A HONRA

A atual sociedade de informação encontra-se estruturada sobre bases

tecnológicas cada vez mais sofisticadas e de acordo com uma lógica de produção

que se apoia, especialmente, nas tiragens e nas audiências.

É nessa conjuntura, em que a exploração econômica dos fatos noticiosos

suplanta o dever social de informar, que o aumento da conflitualidade entre direitos

fundamentais se torna mais provável, notadamente entre a inviolabilidade da honra

das pessoas e o direito à crítica jornalística.

Nessa altura do debate, é oportuno repisar que, conforme consignado no

ponto 2.7.2.2, a crítica jornalística não corresponderá, necessariamente, a um

sentimento negativo ou depreciativo, porquanto ter significado de juízo dirigido sobre

um objeto, de forma que pode ser favorável ou desfavorável ao fato objeto da

notícia.

Seguindo por essa mesma linha de raciocínio, é importante deixar bem claro

que o conceito de crítica leva em consideração a valoração de fatos ou opiniões

direcionadas aos conhecimentos noticiados e não a divulgação destes, de forma que

as inverdades por ventura existentes na informação dirão respeito somente à notícia

e não à crítica, que é, frisa-se, a exteriorização de mero juízo subjetivo do crítico.

(NUNES JÚNIOR, 2011).

A importância dessa ênfase, afirma Vidal Serrano Nunes Júnior (1997, p. 95)

“reside no fato de que, no mais das vezes, a honra, enquanto direito subjetivo do

agente, se vê acutilada não pela exteriorização de uma crítica, mas sim pela

veiculação de um fato não verdadeiro”, daí se extraindo a noção de que, embora a

verdade da notícia esteja intimamente relacionada à ofensa à honra, a veiculação de

fato verdadeiro, em regra, não ofende a honra da pessoa envolvida pela notícia.

Diz-se “em regra” porque certas hipóteses encontram clara e ostensiva

contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF,

art.1º, III), com o direito à honra, à intimidade e à vida privada (CF, art. 5º, X), como,

por exemplo, converter em instrumento de crítica assuntos de natureza tão íntima

quanto falecimentos, padecimentos ou quaisquer desgraças alheias, que não

demonstrem nenhuma finalidade pública e caráter jornalístico em sua divulgação,

ainda que verdadeiros. (MORAES, 2004). Esses fatos demonstram com maior

clareza aquilo que foi analisado no item 3.3.1 deste trabalho: que a exteriorização de

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críticas, por meio dos veículos de comunicação social, deve também atender ao

requisito do interesse público, o qual constitui critério específico de legitimação do

direito à informação jornalística.

Para Cláudio Luiz Bueno de Godoy (2008), a ilicitude não está relacionada

com a veemência da crítica, dos termos, por vezes fortes, em que é vazada. Não se

investiga a qualidade da crítica, que pode ser boa, inteligente, apresentada por

alguém preparado, mas, também, pode ser uma crítica ruim, fraca, ignorante e mal

fundamentada, mas que nem por isso constitui, necessariamente, ofensa à honra. A

chave para solução da questão, afirma o citado autor, é a identificação da

pertinência da crítica com o fato criticado, pois o inadmissível é que, a pretexto do

exercício do direito de crítica jornalística, se queira, na verdade, atingir de modo

ofensivo à pessoa a quem diga respeito o fato criticado.

Em resumo, apresenta Vidal Serrano Nunes Júnior (1997, p. 96) os seguintes

requisitos para se identificar a crítica jornalística como ofensiva ou não à honra,

vejamos:

1. Que a crítica não venha vazada em termos formalmente injuriosos, que, de per si, em qualquer contexto, seriam ofensivos à honra do cidadão; 2. Que tenha como suporte notícia verdadeira; 3. Que sua veiculação atenda a critérios objetivamente jornalísticos, é dizer, que tenham relevância para a participação individual na vida coletiva.

De maneira parecida, expõem Luiz Manoel Gomes Júnior e Miriam Fecchio

Chueiri (2011, p.101) que para a crítica ser considerada lícita é indispensável a

presença de três requisitos: “a) a verdade; b) utilidade e c) boa-fé, ou seja, ausência

de abuso”.

Adiante, no item 4.3, reservado à análise da crítica jornalística ofensiva,

esmiuçaremos, com mais vagar, os critérios acima transcritos.

Antes, porém, sublinha-se que a Constituição Republicana de 1988 não

previu repressão penal para os casos de ofensas contra a honra, limitando-se

apenas a dizer, no artigo 5º, inciso X, que a honra é inviolável.

Não obstante o silêncio constitucional, a legislação infraconstitucional

prescreveu responsabilidade penal para o caso de violação do direito à honra. O

Código Penal, nos artigos 138 a 140, prevê, respectivamente, os crimes de calúnia,

difamação e injúria. Tais crimes também mereceram a atenção da legislação

especial, a exemplo do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), da Lei de Segurança

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Nacional29 (Lei nº7.170/83 ), da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) e do Código

Militar.

No tocante aos ilícitos penais contra a honra cometidos por meio dos veículos

de comunicação social, a lei especial nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967,

estabelecia os tipos penais e alguns procedimentos relacionados ao abuso do

exercício do direito de informação. No entanto, conforme já assinalado na nota

anterior, na seção de julgamento do dia 30 de abril de 2009 o Supremo Tribunal

Federal – STF – apreciou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

– ADPF nº 130. Naquela assentada, entenderam os ministros daquela corte que a

Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, havia sido revogada hierarquicamente pela

Constituição Republicana de 1988, ou seja, não recepcionada pela nova ordem

constitucional vigente.

A citada Lei 5.250/69, promulgada durante o governo dos militares e

popularmente conhecida como lei de imprensa, relacionava, nos seus artigos 20 a

22, as mesmas figuras dos artigos 138 a 140 do Código Penal, porém, o diferencial

da Lei 5250/69 era que as condutas perpetradas contra a honra eram praticadas por

intermédio dos órgãos de comunicação social e, por tal razão, recebiam a alcunha

de crime de abuso do exercício da liberdade de informação.

Dessa forma, considerando que o Supremo Tribunal Federal julgou

procedente a ADPF nº 130, declarando, em consequência, que todo o conjunto de

dispositivos da Lei Federal nº 5250/67 não foi recepcionado pela Constituição

Republicana de 1988, as disposições penais e processuais penais da antiga lei de

imprensa restaram revogadas.

Para suprir o vazio legislativo advindo da revogação hierárquica da lei de

imprensa, assentou aquele excelso tribunal, no ponto reservado ao tratamento dos

“efeitos da decisão”, que “aplicam as normas da legislação comum, notadamente o

Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo

Penal às causas decorrentes das relações de imprensa” (SUPREMO, 2009).

O caminho interpretativo palmilhado pelo Supremo Tribunal Federal reflete, no ponto, o princípio da especialidade incorporado no art.12 do Código

29 Art. 26 - Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos. Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.

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Penal, segundo o qual a lei especial afasta a incidência da lei geral. Não existindo aquela – no caso por sua não recepção pela atual constituição – subsiste a norma geral, vale dizer, o Código Penal com suas disposições sobre o tema. (NUNES JÚNIOR, 2011, p. 153).

Disso tudo, já vai se depreendendo que, enquanto não for publicada outra

legislação especial regulamentando as condutas praticadas pela imprensa, os

referidos abusos da liberdade de informação que atentem contra a honra das

pessoas somente poderão receber a pecha de conduta criminosa caso seja possível

a subsunção a uma das disposições do capítulo V, do título I, da parte especial do

Código Penal (respectivamente aos crimes contra a honra).

No próximo ponto, serão analisados alguns aspectos relevantes dos crimes

contra a honra após o julgamento da ADPF nº 130. Ressalta-se, no entanto, que as

abordagens que seguem não são exaustivas, mas apenas o necessário para a

compreensão do instituto da tutela penal da honra frente ao direito de crítica

jornalística, que, aliás, é o objetivo principal deste trabalho. 4.1 Dos crimes contra a honra praticados por meio dos veículos de comunicação social: implicações penais decorrentes da declaração de não recepção da Lei nº 5.250, de 09 de fevereiro de 1967, pela Constituição Federal de 1988

Conforme anteriormente referido, em abril de 2009, ao analisar a ADPF nº

130, o STF declarou a lei de imprensa incompatível com a atual ordem

constitucional, ocorrendo o que a doutrina chama de revogação hierárquica.

Depois do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, os juízos e tribunais

brasileiros passaram a decidir de maneira diversa quando a questão é a liberdade

de imprensa.

Para ficar em apenas um exemplo, a 3ª turma do Superior Tribunal de Justiça

– STJ – ao julgar o recurso especial nº 885248-MG (2006/0184797-8), relatado pela

ministra Nancy Andrighi, enfrentou o problema da publicação integral da sentença

após ADPF nº 130. No seu voto, a ministra, inicialmente, ressaltou que, nos termos

do que foi decidido na ADPF nº 130, a declaração de não recepção da lei de

imprensa não implicou o desaparecimento do direito constitucional de resposta, que

permanece passível de ser exercido mediante utilização de outros diplomas legais

que o preveem, em interpretação extensiva.

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No entanto, ressaltou a ministra que o direito de resposta não se confunde

com o direito à publicação da sentença. Assim, destacou que, com a não recepção

da lei de imprensa, tal direito só prevaleceria se pudesse ser extraído das

disposições do Código Civil de 1916 ou de 2002, conforme o caso. Porém, nenhum

deles prevê a possibilidade de se condenar o veículo de imprensa a publicar

integralmente a sentença, consoante destacado pela ministra Nancy Andrighi:

Até que seja aprovada a nova lei de imprensa, atualmente em discussão no Congresso Nacional, resta assegurado aos cidadãos apenas o exercício do direito de resposta, não a faculdade de requerer a publicação, na íntegra, das sentenças cíveis ou criminais que julgarem processos relacionados a ofensa perpetrada por veículos de comunicação. (STJ, 2011).

Após a decisão do STF, é possível perceber que os juízos e tribunais passaram a

basear seus entendimentos no Código Civil, no Código Penal, na Constituição

Republicana de 1988 e também no Código de Ética dos Jornalistas.

Conforme se infere, no desiderato de suprir a lacuna decorrente da revogação

hierárquica da legislação especial que regulamentava os crimes de imprensa –

dentre estes os praticados contra a honra das pessoas utilizando os veículos de

comunicação social para a ofensa – determinou o STF que nessas hipóteses aplicar-

se-ão o Código Penal e o Código de Processo Penal, ou seja, a legislação geral

penal e processual penal às causas criminais decorrentes das relações de imprensa.

Quanto às questões processuais aplicáveis aos crimes contra a honra, é valioso

observar que a partir da entrada em vigor da Lei nº 10.259/2001, que instituiu os

juizados especiais federais, os crimes a que a lei comine pena máxima igual ou

inferior a 2 anos de reclusão ou detenção estão submetidos aos procedimentos dos

juizados especiais criminais (da justiça estadual ou da federal). Dessa maneira,

apenas o crime de calúnia majorada (artigo 138 c/c o artigo 141 do Código Penal),

por exceder o limite de pena, não se enquadra no conceito de crime de menor

potencial ofensivo da citada Lei 10.259/2001. (CAPEZ, 2003).

Ainda no que se refere à decisão do STF na ADPF nº 130, é importante observar

que a suprema corte brasileira não modulou30 os efeitos da referida decisão, o que

30 No direito brasileiro, a nulidade – com eficácia ex tunc – continua a ser a regra. No entanto, por questões de segurança jurídica ou outro princípio constitucional, verificado a partir de severo juízo de ponderação e proporcionalidade, o STF pode, com lastro no art.27 da Lei nº 9.868/99, limitar os efeitos de suas decisões (modulação de efeitos pro futuro – eficácia ex nunc – por exemplo), pelo voto de, no mínimo, 2/3 dos ministros da corte. (MENDES; MARTINS, 2009).

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força a concluir que o comando decisório em foco encontra-se dotado de eficácia

retroativa, ex tunc.

Ao enfrentar tal questão, entende Vidal Serrano Nunes Júnior (2011, p. 154) que

toda e qualquer condenação que tenha sido proferida com base não recepcionada

lei de imprensa (Lei nº 5.250/67) está contaminada por “uma irresgatável nulidade se

não material, processual”.

No entanto, há que se atentar para o fato de a antiga lei de imprensa não ter

estabelecido apenas crimes próprios, mas, também, crimes impróprios. Entendidos

como próprios os que encontravam previsão somente na específica lei de imprensa

(a exemplo do art.16 da Lei nº 5.250/6731) e como crimes impróprios os de dupla

previsão, uma na legislação especial e outra no Código Penal, como sói ocorrer, por

exemplo, em relação aos crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria.

Relativamente aos crimes próprios, acredita Vidal Serrano Nunes Júnior (2011)

ter ocorrido o fenômeno da abolitio criminis, prevista no artigo 2º do Código Penal, o

qual anuncia que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de

considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da

sentença condenatória”. (CÓDIGO PENAL, 2010).

Pelo que se percebe da própria clareza do texto do artigo transcrito acima, as

condutas criminalizadas pela lei de imprensa deixaram de ser assim consideradas

desde 5 de outubro de 1988, quando da promulgação da nova ordem constitucional

republicana, embora a declaração do Supremo Tribunal Federal – com efeito ex

tunc, frisa-se – somente tenha ocorrido em 2009.

Nesse interstício, lembra Vidal Serrano Nunes Júnior (2011) que pessoas foram

processadas e condenadas sob a égide da Lei nº 5.250/67, em flagrante violação ao

dispositivo penal acima trasladado. Pondera ainda o citado autor que tais

condenações são nulas, podendo, inclusive, serem cassadas pela via da revisão

criminal, do habeas corpus, ou de outro meio processual adequado. Por fim, adverte

que o Estado pode vir a ser demandado em razão dos prejuízos materiais e morais

decorrentes de uma condenação possivelmente nula.

31 “Art . 16 da Lei 5.250/9/67. Publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem: I - perturbação da ordem pública ou alarma social; II - desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica; III - prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município; IV - sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro”.

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Concernente aos crimes próprios, pode-se notar que a decisão do STF na ADPF

nº 130 trouxe consequências significativas: abolitio criminis e possibilidade de

ressarcimento moral e material dos prejudicados pela incidência da Lei nº 5.250/67.

Porém, já no tocante aos crimes impróprios – especificamente aqueles ilícitos

praticados contra a honra, que são justamente os que mais interessam a essa

pesquisa – o problema é diferente, porquanto encontrar tais crimes correspondentes

na legislação penal ordinária, ou seja, no âmbito do Código Penal, mais

precisamente nos artigos 138 a 140, que descrevem, respectivamente, os crimes de

calúnia, difamação e injúria.

Neste momento da exposição, afigura-se interessante analisar, ainda que de

forma rápida e panorâmica, os tipos penais contra a honra previstos na antiga Lei

5.250/67 e os seus correspondentes no Código Penal.

Pois bem, quanto ao crime de calúnia, assim previa a revogada lei de imprensa:

Art. 20. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena: Detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários mínimos da região. § 1º Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, reproduz a publicação ou transmissão caluniosa. § 2º Admite-se a prova da verdade, salvo se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. § 3º Não se admite a prova da verdade contra o Presidente da República, o Presidente do Senado Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, Chefes de Estado ou de Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos. (BRASIL, 1967).

No Código Penal, esta é a redação:

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. § 2º - É punível a calúnia contra os mortos. § 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo: I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141; III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. (CÓDIGO PENAL, 2010).

Difamação segundo a revogada lei de imprensa:

Art . 21. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

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Pena: Detenção, de 3 (três) a 18 (dezoito) meses, e multa de 2 (dois) a 10 (dez) salários mínimos da região. § 1º A exceção da verdade somente se admite: a) se o crime é cometido contra funcionário público, em razão das funções, ou contra órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública; b) se o ofendido permite a prova. § 2º Constitui crime de difamação a publicação ou transmissão, salvo se motivada por interesse público, de fato delituoso, se o ofendido já tiver cumprido pena a que tenha sido condenado em virtude dele. (BRASIL, 1967).

Agora no Código Penal:

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. (CÓDIGO PENAL, 2010).

Injúria nos termos da antiga lei de imprensa:

Art . 22. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro: Pena: Detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos da região. Parágrafo único. O juiz pode deixar de aplicar a pena: a) quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; b) no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. (BRASIL, 1967).

Por fim, injúria conforme a letra do Código Penal:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. § 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa. (CÓDIGO PENAL, 2010).

A lei de imprensa era norma especial e os crimes de abuso do direito de

informar estavam lastreados no princípio da especialização, uma vez que a figura

típica prevista na lei especial reproduz a mesma figura típica da lei geral (Código

Penal).

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A fórmula para caracterizar o crime da lei de imprensa era dada pelo artigo 12

e parágrafo único da Lei nº 5.250/67, que assim dispunham:

Art. 12. Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta lei e responderão pelos prejuízos que causarem. Parágrafo único. São meios de informação e divulgação, para os efeitos deste artigo, os jornais e outras publicações periódicas, os serviços de radiodifusão e os serviços noticiosos.

Pelo que se nota, o que caracterizava um crime de informação era ele ser

praticado através de um meio de informação, pouco importando quem seja o sujeito

ativo, se profissional da imprensa ou não.

Do paralelo acima apresentado, depreende-se que as descrições normativas

dos tipos penais dos crimes contra a honra no Código Penal são equivalentes aos

da revogada lei de imprensa (Lei nº 5.250/67). Dessa forma, é possível dizer que as

condutas violadoras da honra continuam sendo tachadas de antijurídicas, embora

sob o paradigma geral do Código Penal. Outras legislações especiais (Lei de

Segurança Nacional, Código Eleitoral e Código Militar) também fazem referência aos

crimes contra a honra, porém, em virtude da delimitação do tema objeto desse

estudo, não ocuparemos com a análise dessas normas.

Para os processos ainda em curso, abalizados na antiga lei de imprensa,

recomenda Vidal Serrano Nunes Júnior (2011) a aplicação do artigo 383 do Código

de Processo Penal, ou seja, o instituto da emandatio libeli.

Todavia, não foi esse o caminho seguido pela 5ª turma do Superior Tribunal

de Justiça – STJ –, quando do julgamento do recurso em habeas corpus nº 25899-

SP (2009/0063228-8). No caso, um jornalista havia sido condenado pela publicação

de artigo de conteúdo ofensivo a um juiz trabalhista. O entendimento do STJ foi que

a condenação estava baseada em artigos da lei de imprensa (Lei nº 5.250/67),

tornada sem efeito pelo STF, em abril do ano passado. A relatora, ministra Laurita

Vaz, destacou que a queixa-crime apresentada pelo juiz foi fundamentada nos

artigos 22 e 23 da lei de imprensa, relativos à injúria contra servidor público no

exercício da função. Mas, como o STF tornou sem efeito a lei de imprensa, os juízes

de todo o país ficaram impossibilitados de tomarem decisões fundamentadas nela.

Imperando esse entendimento, os ministros entenderam por bem deferir, de ofício, a

ordem de habeas corpus para trancar a ação criminal n.º 2007.61.81.002863-0, em

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trâmite na 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo. (STJ, HC nº 25899-SP. Rel. min.

Laurita Vaz, 2010).

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por sua vez, vem adotando a mesma

postura do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, que os fatos lastreados na antiga

lei de imprensa não mais constituem crime, conforme se observa da seguinte

transcrição:

[...] IMPOSSIBILIDADE DE SE CONDENAR ALGUÉM PELO COMETIMENTO DE UM OU ALGUNS DELITOS PREVISTO EM LEI NÃO RECEPCIONADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - ABSOLVIÇÃO DA QUERELADA NESTAS CONDIÇÕES É MEDIDA QUE SE IMPÕE - ART.386,III DO CPP. - O Supremo Tribunal Federal, através da ADPF nº 130, reconheceu e declarou, com efeito 'erga omnes' que a Lei 5.250/67, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, tornando pois, sem efeitos a totalidade de referida lei, pelo que, nestas condições, ajuizada uma queixa-crime com base em dispositivos de referida lei, a absolvição do querelado é medida de rigor, art. 386, III do CPP. (MINAS GERAIS, TJ. Ap. 1.0026.05.020202-2/001, Rel. Des. Delmival de Almeida Campos, 2010).

Já quanto às penas cominadas aos crimes contra a honra, pode-se observar

que as prescrições da legislação especial eram mais severas, em comparação com

as do Código Penal. Desse modo, ainda que transitado em julgado as condenações

lastreadas na revogada lei de imprensa, é também possível a reabertura da matéria

processada, objetivando a modificação na fixação das penas, adequando-as à

sistemática do Código Penal.

Assim, feitas as análises de algumas das importantes implicações penais e

processuais decorrentes da não recepção constitucional da Lei nº 5.250, de 9 de

fevereiro de1967, é importante voltar a insistir, dada a relevância com o presente

estudo, que, na ausência de lei especial que regulamente as relações penais

envolvendo a imprensa, a tutela penal da honra, quando violada por meio dos

veículos de comunicação social, seguirá também sob os cuidados do Código Penal.

Portanto, será conforme a lógica do Código Penal que os principais aspectos

dos crimes contra a honra serão abordados no próximo item.

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4.2 Crimes contra a honra: principais aspectos

Não são todos os bens que merecem a proteção do direito penal, mas

somente aqueles cujos valores são imprescindíveis à vida social. A pertinência

dessa afirmação é constatada pelo fato de o direito penal moderno ter travado uma

incessante batalha, a partir das últimas décadas do século passado, na incansável

tentativa de criar, desenvolver e aperfeiçoar alternativas penais plausíveis que

possam reduzir a aplicação das penas privativas de liberdade somente a casos

extremos. Assim é que na atualidade a pena de prisão é conhecida como extrema

ratio (medida extrema, última alternativa). (SILVA, 2000).

Perante essa realidade, acrescenta Rogério Greco (2007) que a proteção

penal deve ser exclusiva aos bens socialmente relevantes32, pois o poder punitivo do

Estado somente deverá agir naqueles casos em que tenham ocorrido ataques

graves aos bens jurídicos selecionados pela política criminal. As perturbações mais

leves do ordenamento jurídico, não reclamam, nem tampouco legitimam, a

intervenção do direito penal, eis que são eficazmente protegidas pela normatividade

advinda de outros campos do direito, especialmente do direito privado.

Tal consideração se fortalece, ainda mais, se atentarmos para o fato de a

liberdade de expressão, informação e crítica jornalística, como também a garantia de

inviolabilidade da honra, privacidade, intimidade, imagem, serem bens jurídicos de

valor constitucional não hierarquizado, para os quais não há previsão de tutela penal

na maioria das constituições contemporâneas, incluído a brasileira.

Não obstante o silêncio constitucional, prevê o Código Penal brasileiro, nos

artigos 138, 139 e 140, pena privativa de liberdade a quem, mediante calúnia,

difamação e injúria, ofender a honra alheia.

A parte especial do Código Penal brasileiro inicia-se com os crimes contra a

pessoa, estabelecendo, em primeiro lugar, a proteção à vida ao punir quem matar

alguém. Em seguida, atribui pena a quem ofender a integridade corporal ou a saúde

de outrem, sendo que a omissão de socorro também constitui fato punível pelo

código. Incluiu, ainda, entre os atributos da pessoa, o direito à liberdade individual,

ao sossego do lar, à inviolabilidade da correspondência e aos segredos das relações 32 A propósito doutrina Magalhães Noronha (1969) que a defesa da honra não se faz apenas no interesse do indivíduo, senão também no da vida comunitária, pois existe interesse público na preservação da incolumidade moral das pessoas, que, ao lado de outros bens jurídicos, é indispensável à vida em sociedade.

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humanas de amizade e confiança. E falando em pessoa, haveria que se referir à

honra, o que não passou esquecido pelo legislador penal, porquanto ter dedicando o

capítulo V do Código Penal a certas condutas ofensivas aos valores que compõem a

dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto que são tipificadas, nos artigos 138, 139 e 140 do Código

Penal, as três modalidades criminosas de ofensa à honra de alguém, a saber:

calúnia, difamação e injúria.

O conceito de honra já foi enfrentado no tópico 3.3.4 deste trabalho, onde foi

também ressaltado que a doutrina subdivide a honra em dois aspectos: um subjetivo

e outro objetivo. O primeiro, também chamado de honra interna, traduz o sentimento

individual segundo valores íntimos de auto-estima, de cada um sobre si próprio. No

outro vértice, a honra objetiva ou externa relaciona com os valores externos, mais

afinados com a consideração social, com a estima e o apreço comunitário, refletindo

a honestidade e o correto desempenho profissional.

Essa distinção é importante, pois torna mais compreensível o exame de cada

uma das figuras delitivas que compõem o capítulo dos crimes contra a honra. O

crime de injúria, por exemplo, afeta a honra subjetiva, enquanto os crimes de calúnia

e difamação violam a honra objetiva, ou seja, a reputação da vítima. Logo, para a

configuração dessas duas últimas figuras penais depende-se sempre da imputação

de algum fato e de seu conhecimento por terceiros. (FRANCO; STOCO, 2007).

Além dessa clássica divisão, Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha (2005)

cita ainda a divisão com estabelecimento de grau entre os ataques à honra objetiva

e à honra subjetiva, advertindo que os autores que adotam essa distinção entendem

que a violação à honra objetiva revela maior gravidade e periculosidade, por

ocasionar um mal bem maior à vítima.

Refere-se, ainda, a uma terceira e quarta divisão da honra. A terceira é

estabelecida entre honra dignidade e honra decoro, na qual aquela corresponde aos

sentimentos da pessoa sobre os atributos morais (de honestidade), enquanto a

honra decoro liga-se aos sentimentos pessoais em relação aos dotes (físicos,

intelectuais e sociais) do indivíduo. (ARANHA, 2005).

A última distinção mencionada pelo citado autor diz respeito à diferença entre

honra comum e honra especial, que apresentam a seguinte distinção:

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A honra comum é aquela que diz respeito a todas as pessoas, entendida como um valor social atribuído a todos. [...] Não constitui uma particularidade, porém uma generalidade. A honra especial está ligada a particularidades de certas pessoas, em razão de sua participação em agrupamentos sociais ou categorias profissionais. Em razão de uma particularidade toda especial, como o agrupamento social (comunidade religiosa, conterraneidade etc.) ou a profissão exercida (militar, médico, magistrado etc.), surge a chamada honra especial ou profissional. (ARANHA, 2005, p. 4-5).

Vale destacar, no entanto, que Heleno Fragoso (1976) e Cezar Roberto

Bitencourt (2006) entendem que as divisões esquemáticas para nada servem ao

Direito Penal, na medida em que não atingem a essência do bem juridicamente

protegido, pois, para os citados autores, o que interessa é o objeto da tutela penal

que, nos crimes contra a honra, é exclusivamente a pretensão de respeito da própria

personalidade, não importando se é de dimensão objetiva ou subjetiva, porquanto

ter a honra, na seara penal, conceito normativo. Opõem-se, portanto, à clássica

opinião majoritária que defende a divisão esquemática acima aludida (honra objetiva

e honra subjetiva).

De qualquer forma, interessante advertência fazem Alberto Silva Franco e Rui

Stoco (2007, p. 719) ao ponderarem que a invocação da tutela legal da honra deve

estar sujeita à análise dos “termos da ofensa proferida e das condições da pessoa

atingida. É necessário proceder a uma valoração cultural e social da ofensa,

conjugada a um exame do conjunto de circunstâncias pessoais e sociais dos

envolvidos no fato”.

Essa observação mostra-se muito pertinente, pois um determinado termo

pode apresentar variação substancial de sentido dependendo do contexto dos

acontecimentos e também do local em que os fatos se desenrolaram, afinal, como

se sabe, a expressão “rapariga”, tanto no Brasil quanto em Portugal,

etimologicamente corresponde ao feminino de “rapaz”, o mesmo que dizer mulher

nova. Porém, elucida Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2001) que nos estados

brasileiros da região Norte e Nordeste do país, assim como os estados de Minas

Gerais e Goiás, a cultura local lhe atribuiu um sentido difamatório. Enquanto nestas

regiões brasileiras o termo pode ofender a dignidade de uma mulher, por encarnar a

conotação de prostituta, em outras regiões e também no país lusitano o termo pode

corresponder a um elogio, porquanto “rapariga” designar apenas uma mulher jovem.

É preciso, portanto, examinar concreta e cuidadosamente a palavra, o gesto

ou o escrito para poder retirar com tranquila margem de certeza o sentido ofensivo

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do ato, uma vez que a proteção legal não pode servir às sensibilidades exageradas,

à autoestima que extrapola o razoável.

É também importante o exame sobre a condição social da pessoal contra

quem os ataques são direcionados, já que certos indivíduos, por serem pessoas

públicas e notórias, a exemplo dos políticos, possuem as esferas dos direitos da

personalidade, incluindo a honra, a imagem e, especialmente, a privacidade, não de

todo ausente, mas decerto reduzidas. (GODOY, 2008).

Na verdade, o que se tem entendido é que a divulgação, a discussão e a

crítica de atos ou decisões dos órgãos estatais, ou de seus agentes, não configuram

abuso da liberdade de imprensa desde que não se trate de matéria sigilosa e a

crítica esteja inspirada no interesse público, sem haver, portanto, o deliberado ânimo

de caluniar, difamar ou injuriar. Porém, merece sublinhar que, embora diminuída a

esfera de “privacidade dessas pessoas públicas e notórias não significa seu

completo aniquilamento. Deve-se preservar uma área nuclear inviolável,

representada, antes de tudo, pela indevassabilidade de sua vida privada em seu

ambiente familiar”. (GODOY, 2008, p. 71).

No dia a dia, somos testemunhas de vários crimes contra a honra. No trânsito,

então, são inúmeros os casos de ofensas depreciativas: os xingos, os gestos, os

palavrões ofensivos à dignidade e ao decoro.

O Estado brasileiro, no entanto – nem precisava dizer, dada a obviedade –

não está suficientemente estruturado para investigar cada um desses crimes e

processar seus autores. Além do quê, considerando as circunstâncias do momento,

haverá infrações penais de maior relevância aguardando a intervenção do aparato

policial, o que torna praticamente impossível se prender a questões relativamente

menores.

Desperto para esses fatores, o próprio legislador penal incluiu o artigo 145 no

capítulo dos crimes contra a honra. Em virtude da disposição que o citado artigo

anuncia, os crimes de calúnia, difamação e injúria, em regra geral33, só processam

mediante queixa, ou seja, somente o ofendido pode acionar o Poder Judiciário em

busca da punição do indigitado ofensor. Trata-se, portanto, de crime de ação

privada, que se contrapõe aos crimes de ação pública, nos quais o órgão do 33 As exceções ficam por conta do artigo 140, §2º, que se processa mediante ação pública quando da violência empregada resultar lesão corporal. Processa-se mediante requisição do ministro da Justiça, no caso do inciso I do artigo 141, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo.

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Ministério Público possui legitimidade para agir em nome da sociedade – incluindo-

se nesta o ofendido – e assim apresentar denúncia, provocando a perquirição penal

do acusado.

Embora a honra não seja um bem disponível, a sua defesa em juízo acaba

sendo um direito disponível, conforme se infere da nota que se segue.

A honra é bem jurídico cuja proteção legal é disponível, porque a lei deixa ao arbítrio do sujeito passivo a oportunidade de avaliação da decisão a respeito da instauração, tramitação e finalização da persecução penal privada. Por isso, é relevante penalmente a apuração do chamado consentimento do ofendido. Ou seja, se a pessoa atingida pela ofensa não quiser dar início à ação penal privada, ou se, instaurada, ele renunciar ao direito de queixa ou perdoar o ofensor, o Estado não poderá intervir. A lei confere ao ofendido o direito de examinar se o estrépito causado pelo processo penal não vai somente agravar as consequências da ofensa que lhe foi dirigida. (FRANCO; STOCO, 2007).

Mudando de foco, vale comentar que o tipo é, geralmente, eminentemente

objetivo, porquanto descrever particularidades e modalidades de conduta. Todavia,

em determinadas hipóteses o legislador inseriu no tipo elementos referentes ao

estado anímico do agente, chamados de elemento subjetivo do tipo ou do injusto, o

qual indica o fim desejado, a intenção, o motivo etc. (ARANHA, 2005).

Alberto Silva Franco e Rui Stoco (2007, p. 721) dizem que nos três delitos

contra a honra é suficiente a demonstração do dolo genérico de dano, direto e

eventual. Como exemplo, destacam que na calúnia a “vontade e a consciência

devem estar dirigidos ao propósito de imputar falsamente a alguém um fato definido

como crime. Desnecessária a investigação de qualquer outra intenção particular do

agente, não requisitada nos tipos legais de crime”.

De outro lado, há aqueles que se filiam – com o fez Cezar Roberto Bitencourt

(2006) – ao entendimento segundo o qual os crimes contra a honra possuem dois

elementos subjetivos: a) o dolo próprio do crime, dolo este de dano, que tanto pode

ser direto ou eventual; e b) o elemento especial do tipo, também chamado de

elemento subjetivo do injusto. Na concepção dessa doutrina, não basta que as

palavras ou escrito sejam idôneos para a ofensa, há também a necessidade de que

sejam proferidos para o fim específico de ofender a honra.

Já para Damásio Evangelista de Jesus (2009), não há que se falar na

necessidade do dolo específico, mas tão-somente no elemento subjetivo do injusto:

o animus injuriandi vel diffamandi, que é necessário para configuração do crime,

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mas não como dolo específico, porém, como elemento integrante da conduta,

porquanto implícitos na figura típica a vontade e o intuito de atingir a honra alheia.

Em face disso, destaca o citado autor que é indispensável que o sujeito tenha

vontade de atribuir a outrem a prática de um fato definido como crime (calúnia), ou

de imputar a terceiro a realização de uma conduta ofensiva à sua reputação

(difamação) ou de ofender a dignidade ou decoro do sujeito passivo (injúria).

O tema é polêmico, mas, de uma forma ou de outra, a conclusão é um só: há

necessidade de atingir a honra alheia.

Na calúnia, o fato imputado é definido como crime, enquanto que na injúria

não há atribuição de fato, mas de qualidade depreciativa do decoro de alguém. Na

difamação, dá-se a imputação de fato determinado. A calúnia e a difamação, por

outra análise, atingem a honra objetiva, ao passo que a injúria afeta a honra

subjetiva. Pode-se ainda dizer, relativamente ao momento da consumação, que a

calúnia e a difamação consumam-se quando terceiros tomam conhecimento da

imputação; já a injúria consuma-se quando o próprio ofendido toma conhecimento

da ofensa.

Em apertada síntese, pode-se finalmente consignar que o crime de calúnia

consiste em imputar falsamente a alguém o cometimento de um crime. Assim,

constitui elemento subjetivo componente da figura típica a consciência da falsidade,

ou, ao menos, a dúvida sobre a veracidade do fato imputado (hipótese esta de dolo

eventual).

Difamação, por sua vez, consiste na intenção de atingir a honra alheia,

imputando determinado fato, não criminoso, não importando que seja verdadeiro ou

falso, porém, sempre desabonador ou ofensivo a reputação de alguém.

Por fim, tem-se o crime de injúria, o qual versa sobre a vontade livre e

consciente de manifestar, por qualquer meio, com a intenção de depreciar o decoro

e a dignidade da pessoa, conceitos que importem ultraje, vilipêndio a honra de

alguém. Exprime a injúria uma opinião do agente, um juízo que se traduz em

desprezo, menoscabo.

Dos crimes contra a honra, a injúria é apenada menos severamente que os

demais. Pelo que parece, o legislador penal entendeu que a lesão à dignidade e ao

decoro é menos significativa, já que não há imputação falsa de fato definido como

crime, como na calúnia, nem atribuição de fato ofensivo à reputação da pessoa,

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como na difamação, mas opinião depreciativa, vilipêndio e menosprezo à vítima.

(FRANCO; STOCO, 2007).

Esclarece-se, antes de passar para o próximo bloco, que o homem, na sua

admirável capacidade intelectual, criou várias formas e diversificados modos de

exteriorização e realização das ofensas morais. Todavia, não estudaremos, neste

trabalho, todas as formas e modos de exteriorização e execução das ofensas contra

a honra, pois, conforme exaustivamente já destacado em todo o enredo desta

dissertação, o nosso propósito é investigar a crítica jornalística e a tutela penal da

honra. De modo que, para a dimensão da presente análise, bastava enfatizar

algumas características gerais dos crimes contra a honra.

4.3 Crítica jornalística ofensiva: imunidade penal e abusos puníveis

As causas gerais que excluem o crime são aquelas hipóteses previstas no

artigo 23 do Código Penal (quando o fato é praticado em estado de necessidade,

legítima defesa, cumprimento do estrito dever legal ou no exercício regular de

direito), que também se aplicam aos crimes contra a honra.

De toda forma, o artigo 142 do Código Penal, sob o título “exclusão do crime”,

trouxe as seguintes hipóteses especiais de imunidade penal em relação aos delitos

contra a honra:

Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível: I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador; II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício. Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade. (CÓDIGO PENAL, 2010).

Nota-se da disposição transcrita acima que os casos de imunidade envolvem

apenas os delitos de difamação e injúria, não abrangendo a calúnia. Portanto, para o

Código, não se reconhece a imunidade quando se trata de falsa imputação a alguém

de fato descrito como crime.

Avaliando a implicação dessa particularidade, questiona Adalberto José Q. T.

de Camargo Aranha (2005) que a exclusão da calúnia do artigo 142 do Código

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Penal torna polêmica a relação dos advogados e dos parlamentares, que são

invioláveis por suas manifestações no exercício da profissão.

A primeira hipótese de imunidade é chamada de imunidade judiciária e diz

respeito aos atos praticados no curso do processo e perante o Judiciário. Tanto as

partes quanto os seus procuradores estão imunes da repercussão penal de suas

manifestações relacionadas à causa debatida em juízo, desde que não haja intenção

deliberada em agredir a honra de alguém.

Além das partes e dos procuradores, incluem-se também na imunidade

judiciária os advogados, os quais passaram, a partir da promulgação da Constituição

Republicana de 1988, a ter inviolabilidade profissional, porquanto indispensáveis à

administração da justiça, sendo invioláveis, nos limites da lei, pelos atos e

manifestações no exercício da profissão.

O princípio é o de que não se pode cercear direitos importantes na defesa de uma causa em juízo, pelo temor do agente (advogado e parte) de praticar crimes contra a honra. Assim, se a ofensa injuriosa ou difamatória irrogada em juízo estiver diretamente relacionada com a matéria que se discute no processo, não há ilicitude. Ofensa fora desse perímetro legal configura difamação ou injúria, porque conforme descreve a Constituição Federal, a inviolabilidade profissional é restrita: “nos limites da lei”. (FRANCO; STOCO, 2007, p. 735).

Quanto ao inciso II do artigo em destaque, o legislador introduziu expressa

limitação à ação dos críticos literários, artísticos ou científicos, os quais também não

podem praticar excessos que configurem inequívoca intenção de injuriar ou difamar.

Expor a opinião desfavorável é oportuno nas atividades literárias, artísticas e

científicas, pois pode conduzir ao aperfeiçoamento. O crítico pode até se exceder na

exposição da crítica, mas não pode direcioná-la aos fatos que estão fora do contexto

da obra, deixando evidente a intenção de ofender pessoa do autor, caso em que

configurará crime, nos exatos termos descritos nos artigos 139 e 140 do Código

Penal. (ARANHA, 2005).

O último caso previsto no artigo 142 traz a hipótese de indenidade penal do

funcionário público em relação aos conceitos desfavoráveis emitidos em razão do

seu ofício. Embora tal hipótese já estivesse acobertada pela excludente geral do

artigo 23, inciso III, do Código Penal (cumprimento do dever legal), mesmo assim o

legislador entendeu por bem relacioná-la entre os casos de imunidade especial dos

crimes contra a honra.

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Aos servidores públicos (ao exemplo daqueles que atuam em sindicâncias

administrativas, inquéritos e processos judiciais) muitas das vezes se exige a

absoluta necessidade de narrar fatos ou lançar conclusões que são objetivamente

ofensivas.

Todavia, é sempre bom lembrar que a “imunidade fica estritamente limitada

ao que é objeto do processo, relatório, informação ou parecer, pois, se houver

transbordamento quanto ao limite do permitido, não há que se aplicar tal princípio de

isenção”. (ARANHA, 2005, p. 120).

Pois bem, direcionando o foco da análise para a crítica jornalística, importa

ressaltar, de início, que o Código Penal não trouxe, de maneira expressa, qualquer

causa de imunidade penal específica aos profissionais de imprensa que exercem

atividade de informação. No entanto, isso não impede, absolutamente, a incidência

das hipóteses gerais e/ou especiais de imunidade previstas, respectivamente, nos

artigos 23 e 142 do Código Penal.

Assim, quando for possível aplicar as causas de imunidade previstas nos

artigos 23 e 142 do Código Penal à conduta dos profissionais da comunicação, não

haverá crime, eis que não serão punidas as ofensas perpetradas contra a honra das

pessoas relacionadas com a notícia. Sob essa ótica, a questão parece simples, já

que, na medida em que são preenchidas as condições de imunidade relacionadas

no Código Penal, tem-se a exclusão da ilicitude (ou da punibilidade, como prefere

Damásio Evangelista de Jesus (2009)); mas, se não atendidas as condições, tem-se

o crime, com imposição de pena.

Contudo, a resolução do problema da tutela penal da honra ofendida pela

crítica jornalística não é singela como aparenta ser, porquanto ser necessário o

estabelecimento de critérios coerentes, afinados com a ordem constitucional vigente,

a fim de buscar a preservação, ao máximo possível, tanto do direito à inviolabilidade

da honra das pessoas quanto do exercício do direito à crítica jornalística, ambos de

natureza jurídica fundamental, de idêntica hierarquia, consoante visto alhures.

Nessa altura do trabalho, ninguém mais duvida que o indivíduo há de ter sua

honra garantida, que tem o direito subjetivo de não ser menosprezado,

estigmatizado, ridicularizado, diminuído publicamente perante os demais indivíduos.

Como já assinalado, a proteção da honra é um limite à liberdade de

expressão e informação, embora, nem de longe, possa significar uma restrição a

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críticas, opiniões negativas, questionamentos ou notícias de fatos verdadeiros e de

interesse público.

Conforme também analisado, a tutela penal da honra somente deve

prevalecer na medida em que a ofensa for efetivamente significativa, representando

uma ameaça clara à ordem social, capaz de realmente resultar na negação da

dignidade do indivíduo atingido. (KARAM, 2009).

Para identificar se a crítica jornalística é ofensiva ou não à honra da pessoa,

Vidal Serrano Nunes Júnior (1997, p. 96) sugere a análise dos seguintes requisitos:

1. Que a crítica não venha vazada em termos formalmente injuriosos, que, de per si, em qualquer contexto, seriam ofensivos à honra do cidadão; 2. Que tenha como suporte notícia verdadeira; 3. Que sua veiculação atenda a critérios objetivamente jornalísticos, é dizer, que tenham relevância para a participação individual na vida coletiva.

Esses mesmos requisitos são os propostos, porém em termos mais

resumidos, por Luiz Manoel Gomes Júnior e Miriam Fecchio Chueiri (2011, p.101),

os quais asseveram que para a crítica ser considerada lícita é indispensável a

presença de três requisitos: “a) a verdade; b) utilidade e c) boa-fé, ou seja, ausência

de abuso”.

Doravante, submeteremos à prova os destacados requisitos recomendados

por Vidal Serrano Nunes Júnior, no intuito de averiguar se estão coerentes com tudo

quanto aqui se analisou sobre os direitos fundamentais de manifestação do

pensamento, informação jornalística (noticiar e criticar) e inviolabilidade da honra.

Antes, porém, é importante salientar que a defesa da honra não se faz

apenas no interesse da pessoa, individualmente considerada, mas também no da

vida comunitária. Assim, pelo que foi exposto nos tópicos precedentes, é

perfeitamente possível defender a existência de interesse público na preservação da

honra das pessoas, ou seja, concluir que a incolumidade moral do indivíduo é, ao

lado de outros bens jurídicos, indispensável à vida em sociedade.

Dessa forma, ao se reconhecer a relevância da inviolabilidade da honra e a

sua imprescindibilidade à vida social, reconhecemos, por conseguinte, como sendo

necessária a intervenção do direito penal nos casos de ofensas contra a honra, que,

independentemente da tutela cível, também funcionará como limitador da liberdade

de informação jornalística.

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Estabelecidas as diretrizes do nosso pensamento, iniciaremos, finalmente, a

análise anunciada.

O primeiro critério a se averiguar diz respeito ao fato de a crítica jornalística

não vir vazada em termos formalmente injuriosos, que, por si só, em qualquer

circunstância, já seriam ofensivos à honra do cidadão.

Esse pressuposto liga-se, diretamente, ao elemento subjetivo dos crimes

contra a honra.

Conforme afiança Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha (2005, 90) uma

das peculiaridades essenciais do “direito penal é a necessidade da busca pelo

elemento subjetivo, para, através de sua análise, concluir-se ou não pela existência

de um crime. Cada figura típica tem o seu elemento subjetivo correspondente, que,

necessariamente, deve ser examinado”.

No estudo realizado no tópico anterior, destacou-se que os doutrinadores

divergem na identificação do elemento subjetivo dos crimes contra a honra.

Alberto Silva Franco e Rui Stoco (2007) dizem que nos três delitos contra a

honra é suficiente a demonstração do dolo genérico de dano – direto ou eventual –

consistente na vontade e na consciência dirigidos ao propósito de ofender a honra

alheia, sendo desnecessária, por conseguinte, a investigação de qualquer outra

intenção particular do agente, não requisitada nos tipos legais de crime.

Noutro ponto da doutrina, perfilham aqueles que, tal como Cezar Roberto

Bitencourt (2006), entendem que os crimes contra a honra possuem dois elementos

subjetivos: a) o dolo próprio do crime, dolo este de dano, que tanto pode ser direto

ou eventual; e b) o elemento especial do tipo, também chamado de elemento

subjetivo do injusto. Corrente seguida, conforme se verá no tópico 3.4, pelos

tribunais brasileiros.

Na esteira dessa corrente doutrinária, não basta que as palavras ou escrito

sejam idôneos para a ofensa, há também a necessidade de que sejam proferidos

para o fim específico de ofender a honra.

Assim, conforme já se percebe, a primeira condição averiguada mostra-se

coerente com o estudo dos elementos subjetivos dos crimes contra a honra, pois,

uma vez apresentada à crítica jornalística em termos que, por si só, demonstram o

caráter eminentemente injurioso, a crítica se desvincula da notícia, do direito de

informação, para desaguar no campo da criminalidade. É o que eventualmente pode

acontecer quando um profissional da imprensa, ao comentar o fato objeto da notícia,

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ao expressar sua opinião sobre determinado acontecimento, acabar por dizer que

fulano é um quadrúpede, filho de uma égua.

Outro exemplo que bem ilustra a questão é chamar alguém, em artigo de

jornal, de vagabundo, repetidas vezes, de despreparado, irresponsável, em estado

de degeneração mental. Nessa hipótese, não se está apenas emitindo uma opinião,

um juízo de valor acerca de determinado acontecimento, mas, sim, agredindo e

ofendendo dolosamente a honra do outro, já que, tendo ciência do caráter injurioso

dessas expressões, só se dará publicidade a elas com o fim de ofender a dignidade

e o decoro pessoal de alguém. (MENEZES, 1996).

Nesses casos, a liberdade de crítica – de emissão de juízo de valor sobre o

fato noticiado – cai na via da ilicitude, eis que, além da idoneidade da ofensa, o

ânimo de atacar a honra alheia é patente.

Portanto, para que a crítica seja válida e possa então receber o respaldo

constitucional e legal, deve-se traduzir em uma contraposição de ideias e não vir

baseada em ataques de natureza pessoal ou profissional. (GOMES JÚNIOR;

FECCHIO CHUEIRI, 2011).

Outro requisito apresentado por Vidal Serrano Nunes Júnior (1997) que seria

capaz de classificar a crítica jornalística como ofensiva ou não à honra refere-se à

veracidade da notícia na qual se apoia a crítica jornalística. Ao que parece, entende

o citado autor que a legitimidade da crítica estaria ligada à veracidade da notícia, de

maneira que a falsidade da notícia acarretaria a ilegalidade da crítica.

Embora já se tenha discorrido sobre a verdade e o interesse público enquanto

limitadores da liberdade de imprensa no item 3.3.1 deste estudo, é oportuno lembrar

que aos profissionais da comunicação se impõe o dever de atuar com retidão tanto

na busca quanto na divulgação da notícia, pois, conforme visto, do outro lado da

relação da mídia com a notícia encontra-se o direito do indivíduo de receber

informações verdadeiras, honestas, capazes de cumprir a finalidade de informar o

público.

Nesse ponto, é também importante relembrar o conceito de crítica jornalística

apresentado no item 2.7.2.2 desta dissertação, no qual ficou consignado que a

crítica jornalística diz respeito à valoração de fatos e expressão de opiniões sobre os

acontecimentos focados pela notícia.

Assim, ponderando que a veracidade ou a falsidade é uma qualidade que

recai sobre a notícia e não sobre a crítica, a ofensa à honra, no mais das vezes, não

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se dá pela exteriorização de uma crítica, mas, sim, pela veiculação de um fato não

verdadeiro, tal como ocorre no crime de calúnia, que a conduta ilícita consiste na

imputação falsa de fato definido como crime.

É oportuno também frisar que não se exige do profissional de imprensa o

absoluto conhecimento sobre a verdade do fato noticioso. O que dele se espera é

diligência na colheita das informações, que sua atuação sempre esteja lastreada no

primado da qualidade e confiabilidade das declarações recebidas. O jornalista

diligente é aquele que escuta os dois lados envolvidos na notícia, valida a

informação com pelo menos duas outras fontes, que sabe que na linha de produção

da noticia o levantamento e o rigor na checagem estabelecem a qualidade da

informação. (PEREIRA JÚNIOR, 2010).

Dessa forma, ainda que o fato objeto da notícia venha a ser, posteriormente,

desmentido, mesmo assim a crítica vazada sobre esse fato pode não configurar um

crime contra a honra, pois o crítico, eventualmente, não teve o prévio conhecimento

acerca da falsidade do fato no qual apoia a sua crítica, o que, por exemplo, não

conformaria o crime de calúnia, o qual, como visto, exige conhecimento acerca da

falsidade do fato definido como crime.

Pode-se então afirmar que a veracidade do fato noticioso é importante, mas

não é requisito decisivo para a determinação dos crimes contra a honra. Na injúria,

por exemplo, a verdade da imputação é irrelevante para a caracterização do ilícito,

que exige apenas a intenção de atingir a dignidade da vítima.

Por fim, entende Vidal Serrano Nunes Júnior (1997) que a crítica que atende

a critérios objetivamente jornalísticos, afinada com o interesse público em virtude da

relevância para a participação individual na vida coletiva, não pode ser considerada

ofensiva à honra.

Linhas atrás, diz-se que o direito de informação (o qual abrange o direito de

noticiar e criticar) é, além de uma necessidade humana, a base para a democracia,

porquanto não envolver apenas o simples exercício da liberdade de externar o

pensamento, mas também o direito fundamental de participação da sociedade, já

que do seu feixe, como visto, emana o direito de informar (veicular informações e

opiniões), de ser informado (receber informações) e de se informar (liberdade de

buscar as informações).

A crítica sobre fatos de interesse público é indispensável para a vida social

por contribuir para formação de uma opinião pública consistente, principalmente

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quando o foco é a participação política dos cidadãos nos processos democráticos,

seja no exercício do sufrágio – de escolha direta dos delegatórios do poder popular –

ou no papel de fiscal das ações dos agentes políticos.

Nesse contexto – de utilidade pública da notícia – o direito de crítica

jornalística desponta com preponderância no processo de participação popular, visto

que é esse fundamental direito, decorrente do direito de informação, o responsável

pela ponderação de valores, pelo julgamento crítico das mais variadas questões que

cercam o meio ambiente em que o indivíduo opera, atuando na formação de uma

opinião pública consciente.

Sendo assim, a crítica direcionada às qualidade negativas de um determinado

candidato a cargo público, feita com ânimo de narrar, informar ou opinar, e não com

o simples intuito de ofender, não configura crime, porquanto encontrar-se a conduta,

ainda que injuriosa, legitimada no interesse público.

Ademais, como visto no segundo capítulo deste trabalho, do ponto de vista da

teoria dos direitos fundamentais, tem-se, nesses casos, o fenômeno da concorrência

de direitos, ou seja, hipótese em que um titular de direito fundamental, numa ação

de comunicar fatos, emite também juízos de valor, opiniões ou críticas ofensivas à

honra das pessoas – aparente colisão entre os direitos fundamentais de crítica

jornalística e de inviolabilidade da honra.

Todavia, conforme se verá no próximo tópico, a experiência jurídica tem

demonstrado que quando fatos, opiniões e críticas apresentam-se unidos é

perfeitamente possível determinar, em um caso concreto, qual dos aspectos

preponderará: se a subjetividade das ideias e opiniões tornadas públicas ou a

objetividade dos relevantes acontecimentos de interesse público.

A importância do procedimento que atenta para a natureza do conteúdo do

que é difundido amplamente na sociedade pelos veículos de comunicação é, sem

sombra de dúvida, a conversão daquele procedimento de ponderação em uma

técnica jurídica que, se por um lado facilita o controle judicial dos desvios malévolos

da expressão e comunicação na vida social, por outro garante o livre fluxo das

opiniões e notícias divulgadas com diligência, honestidade e continência.

Verificada a pertinência dos requisitos apresentados por Vidal Serrano Nunes

Júnior, parece-me, no entanto, que a chave para todas as questões que envolvem a

crítica jornalística ofensiva e os crimes contra a honra está, sempre, na análise

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individualizada do caso concreto, eis que onde houver apenas crítica, ainda que

vestida de expressões ofensivas, não haverá ofensa penalmente relevante.

Portanto, não existirá crime contra a honra se o contexto dos acontecimentos

indicar a preponderância dos relevantes acontecimentos de interesse público sobre

as ideias e opiniões tornadas públicas pela mídia. Em outras palavras, não havendo

a vontade livre e consciente diretamente voltada para a intenção de atingir a

personalidade, dignidade ou decorro da pessoa envolvida na matéria jornalística, a

objetividade da notícia suplanta a subjetividade da crítica tornada pública, excluindo

assim a ilicitude da conduta.

No próximo ponto, analisaremos, finalmente, as decisões dos tribunais

brasileiros sobre o tema crítica jornalística e crimes contra a honra.

4.4 Soluções jurisprudenciais para o conflito entre o direito de crítica

jornalística e os crimes contra a honra: análises de alguns casos

Nos tópicos anteriores, vimos que a liberdade de pensamento, como a

liberdade de imprensa, de informação e crítica jornalística, somente sofre restrições

quanto aos seus excessos.

As nossas constituições, influenciadas pelas declarações de direitos

humanos, sempre garantiram ao homem a liberdade de comunicação do

pensamento e da opinião, ressaltados, claro, os abusos.

A atual Constituição Republicana de 1988 manteve os mesmos lineamentos

das constituições anteriores, com o grande diferencial de ter alçado a dignidade da

pessoa humana ao patamar de fundamento do Estado Democrático de Direito que a

nova ordem jurídica inaugurava, bem assim, por ter garantido a liberdade de

manifestação do pensamento e expressão da atividade intelectual e de

comunicação, independente de censura ou licença.

A intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas também não

passaram despercebidas pelo constituinte originário, pois lhes asseguraram a

inviolabilidade no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Republicana de 1988.

Dessa diversidade de direitos garantidos pela nova ordem constitucional de

1988 surge a noção de aparente incompatibilidade entre as categorias de direitos

fundamentais, em particular entre os direitos da personalidade e a liberdade de

crítica jornalística.

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Nesses casos, em que há conflito entre os referidos direitos fundamentais, é

preciso respeitar outro princípio constitucional: o que assegura o direito de acesso

ao Judiciário (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Republicana de 1988) sempre que

alguém se sentir lesado nos seus direitos de personalidade tendo do outro lado o

exercício da liberdade de expressão e informação. Nesse momento é que entra em

cena o Poder Judiciário, com a missão de decidir como essa relação voltará ao

equilíbrio no caso concreto, pois, consoante vimos, nenhum desses direitos é

absoluto, tampouco se encontram constitucionalmente hierarquizados.

Pois bem, analisaremos, neste tópico, algumas decisões proferidas pelos

tribunais brasileiros sobre o tema objeto do estudo, a fim de confrontá-las com os

embasamentos teóricos analisados ao longo deste trabalho dissertativo.

Cumpre esclarecer, por relevante, que alguns dos julgados que serão

analisados a seguir foram prolatados sob a ótica da antiga lei de imprensa (Lei n°

5.250/67). No entanto, considerando a abordagem aqui dedicada, tal fato não

prejudica a análise das decisões, pois, consoante evidenciado no tópico 3.1, os tipos

penais dos artigos 20, 21 e 22 da lei de imprensa encontram correspondentes nos

artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, que estabelecem, respectivamente, os

crimes de calúnia, difamação e injúria.

4.4.1 A Posição do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

A segunda turma do extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais,

ao se debruçar sob a apelação criminal nº 142.166-5, originária da Comarca de

Itaúna, analisou um interessante caso envolvendo um jornalista e um vereador.

Em síntese, o jornalista Célio Silva havia sido condenado na primeira

instância à pena de 8 meses de detenção, em regime aberto, por ter ofendido a

honra subjetiva do vereador Delmo Gonçalves Barbosa, por meio de matéria

publicada sob o título “Recado ao Delmo” no jornal Brexó. (MENEZES, 1996).

A defesa do jornalista pugnava pelo reconhecimento da inconstitucionalidade

das sanções previstas em lei pela prática dos crimes de imprensa, face às garantias

estabelecidas pela Constituição Federal de 1988, que assegurava, no artigo 220, §

1º, manifestação do pensamento e a plena liberdade de informação jornalística, bem

como por ter a Constituição Republicana de 1988 disposto sobre as sanções

cabíveis para os abusos praticados no exercício dessa atividade, que seriam tão

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somente o direito de resposta (artigo 5º, inciso V) e o direito à indenização por dano

material, moral ou à imagem (artigo 5º, inciso X).

Naquela oportunidade, decidiu o Tribunal de Alçada de Minas Gerais, por

meio do voto conduzido pelo juiz relator Luiz Mercêdo Moreira, que a Constituição

Republicana de 1988 garantiu o regular exercício da atividade jornalística e não a

prática de ações abusivas. Além do mais, em momento algum proibiu a incriminação

dessas ações, com a consequente sanção penal prevista em lei.

No mérito, mantiveram a condenação, porquanto terem entendido que quem

chama alguém, em artigo de jornal, de vagabundo, de despreparado, irresponsável,

em estado de degeneração mental, age com visível excesso, pois o fim de ofender a

dignidade pessoal da vítima se evidencia das próprias expressões ofensivas

empregadas.

Essa decisão é interessante porque nela se vislumbram duas questões

tratadas nesse estudo: a primeira, referente à constitucionalidade da intervenção

penal estatal na tutela da honra; e a segunda, concernente à ilicitude da crítica

quando se utilizam termos que, por si só, em qualquer contexto, demonstram a

intenção de atingir a honra alheia.

Em recente acórdão, publicado no dia 15/3/2011, o Tribunal de Justiça de

Minas Gerais teve oportunidade de analisar outra interessante questão envolvendo o

direito de crítica jornalística e o crime de calúnia.

Desta vez, trata-se da apelação nº 0316617-11.2008.8.13.0400, em que o

jornalista Rodrigo Luiz Gomes de Almeida, denunciado pelo Ministério Público como

incurso nas sanções do art. 138, c/c art. 141, II e III e art. 145, todos do Código

Penal, foi condenado, em primeiro grau, à pena de 8 meses de detenção, em regime

aberto, e a 13 dias multa.

Em resumo, a denúncia atribuiu ao apelante a prática de crime de calúnia,

consistente em ter imputado, falsamente, ao então juiz de direito da comarca de

Mariana, dr. Paulo Roberto da Silva, fatos definidos como os crimes de homicídio

por omissão e prevaricação, por meio de matéria jornalística intitulada "Quem matou

João Ramos Filho", publicada na internet e em periódico local da cidade de Mariana,

cujo conteúdo ofensivo foi extraído do seguinte trecho: “Quem matou João Ramos

Filho foi um juiz de Direito da comarca de Mariana que foi conivente durante anos

aos desmandos emanados pelo executivo municipal, sob a esdrúxula alegação da

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independência dos poderes”. (TJ/MG. Ap. nº 0316617-11.2008.8.13.0400. Rel. des.

Agostinho Gomes de Azevedo, 2011).

Irresignado com a condenação, apelou à defesa, arguindo, dentre outras

preliminares, a extinção da ação penal, por atipicidade da conduta, em razão da

revogação da lei de imprensa.

Analisados os autos, asseverou o relator, des. Agostinho Gomes de Azevedo,

cujo voto foi integralmente seguido pelos demais desembargadores da 7ª Câmara

Criminal, que não se vislumbrava na matéria tida como caluniosa o indispensável

dolo do agente na prática do crime, consistente na vontade de atingir a honra do

sujeito passivo. Na sequência, pondera o citado relator que o trecho acima

reproduzido, quando inserido no contexto da matéria veiculada, não visa a atribuir,

efetivamente, ao ofendido o cometimento dos delitos narrados na inicial. Isso

porque, segundo afirma o desembargador, da leitura integral do texto debatido

percebe-se, claramente, que o seu subscritor – de maneira irresponsável, é verdade

– quis, na realidade, promover duras críticas aos poderes instituídos e a alguns

setores da sociedade local, fazendo, para tanto, de forma metafórica, alusão ao

assassinato do ex-prefeito da cidade de Mariana, João Ramos Filho.

Para fundamentar sua decisão, transcreveu os seguintes excertos da matéria

jornalística:

O Jornal Diário de Mariana não matou meu amigo João Ramos Filho como anda espalhando o folclórico e desocupado Geraldo Zuzu, que um dia eu também chamei de amigo. [...] Quem matou João Ramos Filho foi a câmara municipal de Mariana que em nenhum momento nos últimos sete anos exerceu seu papel de fiscalizar o poder executivo municipal. Quem matou João Ramos Filho foi a incompetência, covardia e morosidade de um promotor de justiça da comarca de Mariana, que ao invés de investigar as dezenas de denúncias encaminhadas ao Ministério Público se preocupava em achar brechas para processar este subscritor, além de supostamente incentivar empreiteiros a fazer o mesmo. [...] Quem matou João Ramos Filho foram os empreiteiros e empresários que se beneficiaram durante sete anos do celsismo. Portanto quem matou João Ramos Filho não foi quem puxou o gatilho, muito menos o imbecil que foi o mandante. Quem na verdade matou João Ramos Filho foram os mesmos que mataram a democracia em Mariana, ou seja, todos aqueles que deveriam proteger o estado democrático de direito. Quem matou João Ramos Filho foram aqueles que tentaram matar a alma de toda uma geração de marianenses, inclusive a alma deste subscritor. (TJ/MG. Ap. nº 0316617-11.2008.8.13.0400. Rel. des. Agostinho Gomes de Azevedo, 2011).

Ao arrematar a questão, ressalta que para a configuração do crime de calúnia

faz-se necessária a presença do animus caluniandi, que nada mais é do que a

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especial intenção do agente de ofender a honra de outrem, imputando-lhe,

falsamente, a prática de determinado fato criminoso.

Consoante se observa desse último caso, o entendimento do Tribunal de

Justiça de Minas Gerais encontra-se alinhado com a doutrina referida neste trabalho,

pois, como visto anteriormente, a análise da suposta ofensa deve ser feita dentro do

contexto dos acontecimentos. Além disso, quando se verificar que a crítica

jornalística é pertinente, ainda que as expressões do crítico sejam ácidas, deve

prevalecer a objetividade da matéria jornalística, demonstrada, na espécie, pelo

caráter de protesto em relação à alegada ineficiência dos agentes públicos.

4.4.2 A posição do Superior Tribunal de Justiça

Na seção de julgamento do dia 20/9/2001, o Superior Tribunal de Justiça, por

meio da sua quinta turma, apreciou o habeas corpus n° 16982-RJ, impetrado em

favor da paciente Hildegard Beatriz Angel.

Em síntese, a queixa crime apresentada por Renovato da Silva Curvelo Neto,

mais conhecido por Rony Curvelo, acusa a paciente da prática de injúria e

difamação, por ter divulgado em sua coluna a seguinte notícia na edição de O

Globo, de 4/2/1999, matéria intitulada “Cem anos de perdão para a empregada!”:

Na reportagem, a paciente afirma que:

Fernando e Rosane Collor tinham uma empregada porto-riquenha na mansão de Miami. Depois de dois dias trabalhando com o casal, partiu de madrugada com todas as joias de madame, quilos e quilos, tiara de diamantes, anéis, pulseiras, relógios femininos Breitling, Bulgari e Rolex cravejados de brilhantes. Só não levou o Miró da sala porque não sabe o que significa aquele imenso quadro. Rosane queria a policia mas o maridão não deixou... Isso não é de hoje, é de meses atrás, mas só está vindo a público agora, justo no momento em que - vejam só que coincidência! - Rony Curvelo se demite, indignado, da 'Gazeta de Alagoas', porque o diretor Euclides de Mello, dizem que a mando do primo, Collor, cortou pela metade seu salário de assessor. Rony, a propósito, estaria pensando em escrever um livro, 'Minha vida com Collor' - igual ao mordomo da Lady Di... (STJ. HC nº 16.982-RJ. Rel. min. Félix Fischer, 2001).

Ao avaliar as questões postas para o julgamento, o relator do processo, o

ministro Félix Fischer, ponderou, primeiramente, que a notícia publicada na

imprensa e que deu ensejo à ação penal diz sobre um pedido de demissão do

querelante do cargo de assessor junto ao jornal Gazeta de Alagoas, bem como

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sobre o fato de que aquele estaria pensando em escrever um livro sobre sua

convivência com o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello. Em

seguida, destacou que é inegável o interesse do público em geral sobre notícias

envolvendo de alguma maneira um ex-presidente da República, notadamente, como

no caso, sobre seu relacionamento com seu staff.

Assim, concluiu o relator, seguido pelos seus pares, que se mostra natural a

repercussão dada à informação sobre a demissão de um assessor do ex-presidente.

Por outro lado, as informações veiculadas no citado jornal se referem a uma

situação objetiva, de maneira que algum eventual lapso na valoração, se não

intencional ou de má-fé, se encontra acobertado sob o manto da liberdade de

imprensa.

Além disso, pontuou que a narrativa publicada na coluna jornalística da

paciente se mantém numa linha crítica própria da imprensa, não se podendo afirmar

que restou ultrapassada a linha limítrofe entre a mera divulgação noticiosa de fatos

sobre o querelante. Fechou a questão, consignando que as críticas levadas a efeito

pela paciente, apesar de rudes, forem inspiradas no interesse público, o que é o

bastante para afastar a má-fé da articulista, necessária para configurar o crime de

difamação.

Noutro episódio envolvendo o direito de crítica jornalística e a tutela penal da

honra, o Superior Tribunal de Justiça conheceu do recurso em habeas corpus nº

7484-AC, impetrado em favor do jornalista Leonildo Rosas Rodrigues.

Afirmava a queixa crime, ajuizada pela desembargadora Eva Evangelista de

Araújo Souza, em apertada síntese, que a imprensa noticiou fortes críticas em

relação a um concurso do Ministério Público do Estado do Acre, que foi anulado por

suspeita de irregularidades. No referido certame, o marido da querelante estava

entre os que seriam aprovados. Na investigação administrativa, levantou-se a

questão de um disquete que seria da própria e pretensa ofendida, contendo as

perguntas do concurso. No relatório do parquet local enviado ao presidente do

Tribunal de Justiça do Acre encaminhavam-se cópias para as providências que se

entendessem necessárias, em vista de indícios de envolvimento da desembargadora

Eva Evangelista de Araújo Souza com as irregularidades apontadas no concurso. Na

opinião do jornalista que assinou a matéria, a corrupção não era mais privilégio do

Executivo e do Legislativo, pois havia também assentado no Poder Judiciário. A

matéria também havia sido publicada com uma caricatura, na qual aparecia uma

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mulher sentada à frente de um computador e, acima da figura, os seguintes dizeres:

“Benhê, tua prova já tá saindo quentinha”. Acerca da matéria jornalística, dizia a

querelante ter sido atingida em sua dignidade e decorro em razão das fortes críticas

feitas pela imprensa. (STJ. RHC nº 7484-AC. Rel. min. Félix Fischer, 1998).

O relator do processo, o ministro Félix Fischer, entendeu que as citadas

narrativas e as criticas se referiam, naquele específico caso, a uma situação

objetiva. Eventuais lapsos de valoração, quando não intencionais ou de má-fé,

correm, também, sob o manto da liberdade de imprensa.

Aduziu o citado ministro que os dizeres havidos como injuriosos e/ou

difamantes, de per si embora possam ter — o que é comum — irritado a querelante,

não chegam a ser criminalmente ofensivos, porque têm-se, no caso, apenas

narrativas críticas, próprias da imprensa.

Ainda segundo o ministro Félix Fischer, a liberdade de informação jornalística,

tratada no artigo 220 e § 1º da Constituição Republicana de 1988, envolve um direito

de informar (e até de forma crítica). Para ele, a informação é indispensável no

Estado de Direito Democrático, sendo a omissão e a ocultação, tal como os

excessos ou desvios da imprensa, socialmente danosas.

Consignou, noutra vertente, que ninguém está isento ou imune a qualquer

narrativa crítica, nem mesmo os denominados agentes políticos (chefes do

executivo, auxiliares imediatos, membros das corporações legislativas, membros do

Ministério Público, membros do Poder Judiciário, dos Tribunais de Contas, etc.)

podem pretender uma posição, frente aos meios de comunicação, privilegiada,

própria de regimes de opressão, autoritários. Disse, ademais, que há interesse

social e administrativo do mais alto valor que a imprensa possa acompanhar o

desempenho funcional dos servidores públicos em geral, realçando erros e virtudes.

Sem imprensa os direitos e garantias individuais seriam meramente sombras sem

consistência para a concretização.

Por tudo isso, concluiu, com a aquiescência dos demais membros da quinta

turma, que os dados que serviram de fulcro para a propositura da ação penal, em

verdade, não se ajustam a qualquer modelo de conduta proibida no plano criminal,

pois não se pode confundir a observação crítica com a ofensa delitiva, sob pena de

cercear-se fundamente a atividade jornalística.

De tudo analisado, torna-se evidente a coerência da posição adotada pelo

Superior Tribunal de Justiça, nas decisões acima relatadas, com os fundamentos

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teóricos da liberdade de informação e de crítica jornalística, cuja atividade se soma

ao exercício da democracia ao noticiar e comentar fatos que interessam ao povo,

principalmente aqueles referentes às autoridades públicas.

4.4.3 A posição do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal – STF –, por intermédio da sua segunda turma,

analisou a petição nº 3.486/DF, em que Celso Marques Araújo, na qualidade de

requerente, postulava a instauração de procedimento penal contra Roberto Civita,

Marcelo Carneiro e Diogo Mainardi, jornalistas da revista Veja, por supostas críticas

ofensivas direcionadas a alguns chefes dos poderes da União. (JURISPRUDÊNCIA,

2007).

O relator da causa, ministro Celso de Mello, observou, inicialmente, que o

STF não era o órgão competente para conhecer daquele pedido, uma vez que as

pessoas indicadas na petição não estavam sujeitas à jurisdição imediata do

Supremo Tribunal Federal, razão pela qual nada justificava a tramitação originária,

perante aquela Suprema Corte, do procedimento em causa.

Porém, não obstante as considerações feitas no sentido da plena

incognoscibilidade do pleito formulado pelo requerente, houve por bem observar que

o teor da petição em referência nem de longe evidenciava as supostas práticas

delituosas alegadamente cometidas pelos jornalistas mencionados. Para o citado

relator, o caso traduzia, na realidade, o exercício concreto, por aqueles profissionais

da imprensa, da liberdade de expressão e de crítica, cujo fundamento reside no

próprio texto da Constituição Republica de 1988, que assegura, ao jornalista, o

direito de expender crítica, ainda que desfavorável e exposta em tom contundente e

sarcástico, contra quaisquer pessoas ou autoridades.

Ressaltou ainda o ministro que, no contexto de uma sociedade fundada em

bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão penal ao pensamento, ainda

mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse

público e decorra da prática legítima, como sucedia na espécie, de uma liberdade

pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220).

Reafirmando o entendimento de que os agentes políticos estão sujeitos de

forma especial às críticas públicas, e é fundamental que se garanta não só ao povo

em geral larga margem de fiscalização e censura de suas atividades, mas,

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sobretudo à imprensa, ante a relevante utilidade pública que esta representa, frisou

em seu voto que a crítica jornalística, naquele caso, traduzia direito impregnado de

qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer parcela

de autoridade no âmbito do Estado, pois o interesse social, fundado na necessidade

de preservação dos limites ético-jurídicos que devem pautar a prática da função

pública, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar os detentores

do poder.

Por outro lado, afirmou ser certo que o direito de crítica não assume caráter

absoluto, eis que inexistem, em nosso sistema constitucional, como reiteradamente

proclamado pelo STF, direitos e garantias revestidos de natureza absoluta. Contudo,

não seria menos exato afirmar que o direito de crítica encontra suporte legitimador

no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apoia,

constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, V).

Por fim, fazendo alusão a precedentes do Tribunal Constitucional Espanhol e

do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, concluiu que a pretensão deduzida pela

parte requerente não se mostrava compatível com o modelo consagrado pela

Constituição Republicana de 1988, considerando-se, para esse efeito, as opiniões

jornalísticas então questionadas (Veja, edição de 3/8/2005), cujo conteúdo traduzia –

como precedentemente assinalado – legítima expressão de uma liberdade pública

fundada no direito constitucional de crítica.

Em outra assentada, desta vez referente ao agravo regimental no agravo de

instrumento nº 705.603/SC, também da relatoria do ministro Celso de Melo, a

segunda turma, na seção de julgamento do dia 22/3/2011, voltou a enfrentar o tema

relativo à crítica jornalística proferida em tom supostamente ofensivo à honra de

pessoas públicas.

Nessa recente decisão, o Supremo Tribunal Federal manteve a mesma linha

argumentativa esposada no julgamento da PET 3.486/DF analisada linhas acima,

reafirmou-se, outra vez, que a crítica jornalística, quando inspirada pelo interesse

público, não importando a acrimônia e a contundência da opinião manifestada, ainda

mais quando dirigida a figuras públicas, com alto grau de responsabilidade tanto no

meio social quanto no desempenho de funções estatais, não traduz nem se reduz,

em sua expressão concreta, à dimensão do abuso da liberdade de imprensa, não se

revelando suscetível, por isso mesmo, em situações de caráter ordinário, de sofrer

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qualquer repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento

positivo. (STF, AGR nº 705.630-SC. Rel. min. Celso de Melo, 2011).

Às luzes do aqui exposto revelam, com eloquência, que na acepção do

Supremo Tribunal Federal – STF – a liberdade de informação, opinião e de crítica

jornalística é de suma importância para o fortalecimento da democracia brasileira.

É também possível afirmar, a partir dos acórdãos investigados, que o STF

compartilha do entendimento dos autores Cláudio Luiz Bueno de Godoy (2008) e

Vidal Serrano Nunes Júnior (1997), para quem a ilicitude não está relacionada com a

veemência da crítica, dos termos, por vezes fortes, porquanto não se investigar a

qualidade da crítica, que pode ser boa, inteligente, apresentada por alguém

preparado, mas, também, pode ser uma crítica ruim, fraca, ignorante e mal-

fundamentada, mas que nem por isso constitui, necessariamente, ofensa à honra. A

chave para a solução da questão, tanto para o STF como para os citados autores, é

a identificação da pertinência da crítica com o interesse público na notícia

comentada.

Ainda na visão do STF, a crítica jornalística, tal como os demais direitos

fundamentais, não possui caráter absoluto, mas, isso não quer dizer que se possa

cecear a liberdade de opinião dos profissionais da imprensa, que somente poderão

sofrer limitações estatais, sobretudo do direito penal, em casos excepcionais,

apenas quando ficar configurado o dolo específico de ofender a dignidade ou o

decorro do criticado.

Outra interessante questão que avulta das decisões compulsadas relaciona-

se com a condição social da pessoa supostamente ofendida pela crítica jornalística.

No magistério jurisprudencial do STF, certos indivíduos, por serem pessoas públicas

e notórias, a exemplo dos agentes políticos, possuem as esferas dos direitos da

personalidade um pouco mais reduzida, se comparada com a do homem anônimo,

considerando assim aquele que não se encontra imbuído em atividades de destaque

público.

Na verdade, o que se tem entendido é que a divulgação, a discussão e a

crítica de atos ou decisões dos órgãos estatais, ou de seus agentes, não configuram

abuso da liberdade de imprensa desde que a crítica esteja inspirada no interesse

público, sem haver, portanto, o deliberado ânimo de caluniar, difamar ou injuriar.

É preciso, portanto, examinar concreta e cuidadosamente a matéria

jornalística para então poder retirar com tranquila margem de certeza o sentido

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ofensivo do ato, uma vez que a proteção legal do direito à honra não pode servir às

sensibilidades exageradas, à autoestima que extrapola o razoável.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consoante apurado no presente trabalho, liberdade de expressão advém da

natureza humana, do próprio ser que pensa.

Viu-se que, no início, quando do invento da máquina de impressão por

Gutenberg, no século XV, a liberdade de expressão se confundia com a liberdade de

imprimir, liberdade esta que se transformou, a partir da Revolução Industrial do

século XIX, com o surgimento de instrumentos não escritos/impressos de divulgação

do pensamento, na liberdade de imprensa conhecida nos dias atuais.

Naquela época, o vocábulo “imprensa” não representava os veículos de

comunicação social, designava, no entanto, nada mais que uma impressora, o

equipamento da expressão impressa.

Somente a partir da Revolução Industrial do século XIX foi que o conceito de

imprensa distanciou-se da noção de liberdade individual de imprimir, porém, sem

nunca se divorciar da ideia de liberdade de expressão. Pois, como demonstrado, a

liberdade de imprensa surge na Declaração de Virgínia com o objetivo de viabilizar a

liberdade individual de expressão.

Todavia, não é isso que a imprensa hoje representa, pois vários meios de

comunicação foram desenvolvidos paralelamente à imprensa escrita.

Essas particularidades, dentre outras, permitiram revelar que o conceito de

imprensa também possui dois sentidos. No lato sensu, viu-se que abrange os

produtos impressos, tais como jornais, revistas, livros, panfletos, cartazes e

prospectos. Já em sentido stricto, refere-se aos jornais e periódicos de grande

circulação.

A Reforma Protestante, promovida pelo frade agostiniano Martinho Lutero, na

Alemanha do século XVI, foi decisiva para o reconhecimento do liberalismo religioso

e, por conseguinte, pela tolerância entre as diversidades de crença e para o

reconhecimento da liberdade de expressão, mas, consoante restou demonstrado, a

popularização da Bíblia somente foi possível graças à revolução promovida na

imprensa por Gutenberg. Como corolário da Reforma, defendeu-se a ideia de

liberdade e tolerância; entre outras, as liberdades de consciência, de opinião e de

livre exteriorização do pensamento.

Salienta-se, no entanto, que a liberdade de expressão, tal como averiguado,

não foi conquistada a partir de um único e isolado fato, senão da composição de

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múltiplos acontecimentos, dentre eles, a analisada necessidade natural de o homem

expressar os seus pensamentos, tanto nas relações pessoais quanto nas questões

políticas; do surgimento da máquina de impressão no século XV; da liberdade

religiosa e da tolerância entre as diversidades iniciada após a Reforma Protestante

ocorrida no século XVI.

Restou também evidenciado que não existe conformidade conceitual entre os

variados termos ligados à liberdade de expressão, comunicação e imprensa.

Por outro lado, ficou provado que a liberdade de expressão não tem como

único objetivo a proteção individual do homem, mas também as relações sociais,

relacionadas ao ato de divulgar o pensamento e demais exteriorizações da vida

humana. Em outras palavras, o exercício da liberdade de expressão se assenta

tanto no aspecto da autonomia do indivíduo, como também – e sobretudo – na

autonomia pública, caracterizada na livre inserção do cidadão no debate político. Daí

não ter sobrado dúvida, especialmente em relação ao aspecto público da liberdade

de expressão, que tal liberdade exerce fundamental papel no processo democrático.

Compreendeu-se, a partir da análise do estudo desenvolvido, que a liberdade

de expressão e de informação pressupõe a ampla possibilidade de manifestação do

pensamento, com a revelação de qualquer opinião, discussão de qualquer tema,

debate de qualquer assunto; por mais ridículo e absurdo que possa parecer o

indivíduo tem o direito de expressar suas opiniões, ideias, pensamentos, pontos de

vista ou convicções.

As justificativas para a proteção constitucional da liberdade de expressão

foram muitas. Ainda que não se possa falar em predomínio de um único fator para o

reconhecimento da liberdade de expressão, é todo incontestável a relevância das

declarações de direitos humanos norte-americana e francesa para a solidificação

das liberdades públicas e, no rol destas liberdades, a de expressão.

Além das declarações de direitos humanos, notou-se que a independência

das treze colônias norte-americanas e a promulgação das dez emendas à

Constituição de 1787 – Bill of Rights – contribuíram com relevância para a

composição do rol de liberdades públicas e garantias constitucionais.

Avaliando o panorama jurídico brasileiro, foi então possível aduzir que a

liberdade de expressão era garantida desde a primeira Constituição, de 1824 (artigo

179, inciso IV), passando pela Constituição Republicana de 1891 (artigo 72, §12),

pelas de 1934 (artigo 113, §8º), 1946 (artigo 141, §5º), 1967 (artigo 150, §8º) e pela

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Emenda Constitucional 01/69 (artigo 153, §8º), até chegar à Constituição Federal de

1988. Nesta, o direito de expressão encontra fundamento no inciso IX do artigo 5º,

mas vem também anunciado no inciso IV do mesmo artigo 5º e no artigo 220, caput

e §2º, os quais garantem a livre expressão e vedam, respectivamente, o anonimato

e a censura. (BRASIL, 2010).

Ponderou-se, no entanto, ante a análise realizada, que embora houvesse

previsão formal garantindo a liberdade de expressão em todas as constituições

brasileiras, incluindo a Emenda Constitucional de 1969, não se podia esquecer que

durante a ditadura militar (1964-1985) as manifestações expressivas chanceladas

pelo governo como perigosas ou ofensivas aos interesses nacionais eram

veementemente censuradas, chegando ao desterro e mesmo à morte os que se

atrevessem a criticar o regime.

A censura recaía desde a notícia jornalística denunciando abusos até aos

poemas de Dias Gomes e letras de músicas de protesto de Chico Buarque de

Holanda, Caetano Veloso, dentre outros que ousavam desafiar o governo dos

militares.

Restabelecida a democracia, seguiu-se para o tratamento da liberdade de

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, consoante previsão categórica

da Constituição da República de 1988, que proclamou, na cabeça do artigo 220, a

liberdade de pensamento, criação, expressão e o livre fluxo de informações.

No §1º do citado artigo, o Constituinte Originário estabeleceu proibição ao

poder de legislar, a fim de proteger a plena liberdade de informação jornalística em

qualquer veículo de comunicação social.

Voltando para o ciclo internacional, mereceu ênfase a Declaração de

Princípios sobre Liberdade de Expressão aprovada pela Comissão Interamericana

de Direitos Humanos, em seu 108º período ordinário de sessões, celebrado de 16 a

27 de outubro de 2000. Nessa assentada, reafirmaram a liberdade de expressão, em

todas as suas formas e manifestações, como um direito fundamental e inalienável,

inerente a todas as pessoas. Declaram-na, ainda, como sendo um requisito

indispensável para a própria existência de uma sociedade democrática.

Ao seguir com a análise da citada declaração de princípios, verificou-se que o

artigo 10, da citada declaração de princípios, conclama que as leis de privacidade

não devem inibir nem restringir a investigação e a difusão de informações de

interesse público. A proteção à reputação deve estar garantida somente por meio de

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sanções civis, nos casos em que a pessoa ofendida seja um funcionário público ou

uma pessoa pública ou particular que se tenha envolvido voluntariamente em

assuntos de interesse público. Ademais, nesses casos, deve-se provar que, na

divulgação de notícias, o comunicador teve intenção de infligir dano ou que estava

plenamente consciente de estar divulgando notícias falsas, ou se comportou com

manifesta negligência na busca da verdade ou falsidade das mesmas.

Pelo que foi visto, existe uma tendência à descriminalização das condutas

lastreadas no exercício da liberdade de expressão que resultem em ofensa à honra

de outrem.

Todavia, o que se observou foi que a liberdade de imprensa clássica,

concebida como extensão da liberdade de expressão individual, não guarda muita

relação com a liberdade de imprensa do mundo contemporâneo, palco dos grandes

blocos globais de comunicação e entretenimento, muitos deles com orçamentos

superiores àqueles da maioria dos países membros das Nações Unidas.

Notou-se, então, que a liberdade de expressão, pós-revolução tecnológica, é

comumente exercida por meio dos veículos de comunicação de massa, que, muito

embora atuem, nos casos dos meios audiovisuais, mediante concessão estatal,

constituem propriedade empresarial voltada ao interesse privado e ao lucro, em

posição flagrantemente contrária à concepção originária da liberdade de expressão,

na qual o caráter de direito fundamental não lhe permite ser objeto de propriedade

de ninguém.

Abordando essa problemática, explicitou-se que é justamente nessa

atmosfera de liberdade que nascem as novas controvérsias relacionadas com o

direito à livre expressão, envolvendo, especialmente, a necessidade de imposição

de limites, com a finalidade de preservar outros direitos de natureza também

constitucional, como o direito à honra, à intimidade, à privacidade, etc.

Nesse ambiente de pós-modernidade, a comunicação pessoal (entre os

próprios indivíduos, sem intermediários), responsável, como já se analisou, pelo

desenvolvimento da humanidade, perde espaço, a cada dia, para a comunicação de

massa, que já ocupa o lugar central no processo de difusão de mensagens. Foi

então possível deduzir, a partir dessas considerações, que a avalanche informativa à

qual o indivíduo encontra-se exposto é exercida pela mediação dos aparatos de

comunicação de massa, tendo a imprensa como um dos mais significativos meios de

propagação de informações.

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Além disso, constatou-se que tal panorama também favorece a ocorrência de

abusos, que, não raro, são cometidos sob o pretexto da liberdade de imprensa e do

direito à informação.

Observou-se que a atual sociedade de informação encontra-se estruturada

sobre bases tecnológicas cada vez mais sofisticadas e de acordo com uma lógica de

produção que se apoia, especialmente, nas tiragens e nas audiências.

É nessa conjuntura, em que a exploração econômica dos fatos noticiosos

suplanta o dever social de informar, que o aumento da conflitualidade entre direitos

fundamentais se torna mais provável, notadamente entre a inviolabilidade da honra

das pessoas e o direito à crítica jornalística.

Ao investigar o específico direito de informação verificou-se que, segundo a

doutrina majoritária, o direito de informação, consoante estudado, se constitui a

partir do arranjo de três outros direitos: do direito de informar, de se informar e de

ser informado. Viu-se, ainda, que o direito de informar assume duas outras feições:

uma positiva e outra negativa. No aspecto positivo indica a possibilidade de acesso

aos meios de veiculação de informações, que só é admitido em nosso ordenamento

jurídico para a transmissão do direito de resposta. Já a feição negativa do direito de

informar exige nova divisão, visto que nele se encontram dois direitos distintos: de

um lado, o direito de transmitir ideias, conceitos ou opiniões; de outro lado, o de

veicular notícias e os respectivos comentários ou críticas.

Diante desse cenário, foi então possível afirmar que o direito de informação

não é mero direito individual, mas, sim, um pressuposto para o exercício de outros

direitos fundamentais.

Noutra análise, pode-se também concluir que o direito ou liberdade de

informação é, num horizonte democrático, pressuposto necessário à formação de

uma opinião pública consistente e capaz de possibilitar a participação popular nas

questões estatais.

No entanto, foi preciso não perder a perspectiva de que a nossa Constituição

Republicana de 1988 não recepcionou, expressamente, os três citados graus do

direito de informação, porquanto ter disciplinado, no artigo 220, § 1º, apenas a

liberdade de informação jornalística. Porém, não obstante o silêncio da Constituição,

pode-se conferir que a maciça doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal são unânimes em defender que os três níveis do direito de informação

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(direito de informar, de se informar e de ser informado) são compatíveis com a nova

ordem constitucional de 1988.

A informação jornalística se bifurca, portanto, na notícia e na crítica. Esta,

porém, encontra-se umbilicalmente ligada à notícia, o que equivale dizer que a

crítica jornalística tem como objeto o fato noticiado.

A partir de tais compreensões, pode-se assegurar, com toda plausibilidade,

que é no direito ou liberdade de informação, de natureza pública subjetiva, que o

direito à informação jornalística encontra o suporte jurídico necessário ao seu

enquadramento na categoria dos direitos fundamentais. Em consequência desse

reconhecimento é então assegurado a todos os indivíduos, não importando se

possuem ou não o grau universitário de bacharel em jornalismo, nem, tampouco, se

ocupam a posição de sócios de empresa jornalística, o direito individual de

comunicar livremente os fatos, bem como o direito difuso de serem deles

corretamente informados.

A crítica, como se mostra evidente, encontra-se inserida, tal como a notícia,

no contexto jurídico do direito de informação jornalística – lembrando sempre que

este último direito encontra fundamento no gênero liberdade de informação, que, por

sua vez, também pode ser compreendido como liberdade de manifestação de

pensamento ou de comunicação, consoante precedentemente consignado.

Ficou claro que a crítica não apontará, necessariamente, um sentimento

negativo ou depreciativo, pois, ao contrário do que se possa pensar, a crítica tem

significado de juízo dirigido sobre um objeto, de forma que pode ser favorável ou

desfavorável ao fato objeto da notícia.

A partir dessas ponderações é que foi então possível deduzir que a crítica

jornalística corresponde ao juízo de valor que, associado com a notícia ou recaindo

separadamente sobre ela, representa um conceito, positivo ou negativo, acerca de

um fato ou opinião. Notou-se, portanto, que a crítica é inteiramente subjetiva,

porquanto refletir as posições pessoais do crítico. Logo, na hipótese de se restringir

a discorrer sobre a forma de ver de outrem, sem emitir qualquer juízo de valor, não

se estará diante de uma crítica, mas de uma notícia, ou seja, de uma informação,

sem ingerência subjetiva do informante, que se prende apenas na divulgação

daquilo que aquele terceiro pensa.

A nossa Constituição Republicana de 1988 não traz em seu texto garantia

expressa do direito à crítica jornalística, mas tal fato não pareceu representar, de

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forma alguma, impedimento ao reconhecimento do status constitucional ao direito

em referência, pois tanto os tribunais pátrios quanto a doutrina assim a entendem.

No desenvolver das pesquisas ficou por demais asseverado que o valor

absoluto é um atributo raro entre os direitos do homem. Por outro lado, destacou-se

que o conceito de restrição a um direito fundamental é aceito pela comunidade

jurídica sem maiores questionamentos, pois, numa lógica de estruturação social

baseada em direitos e deveres sobressai de forma quase natural a ideia de

restrições, que pode ser encontrada nas constituições das grandes nações

democráticas.

Na doutrina, consoante sublinhado, são comumente abordados três tipos de

limitações ou restrições aos direitos fundamentais: (a) as expressamente

estabelecidas pela Constituição; (b) as estabelecidas mediante leis por autorização

expressa da Constituição; e (c) as estabelecidas tacitamente pela Constituição,

derivadas de interpretação, para solução de casos concretos.

Especialmente em relação aos meios de comunicação social, a própria

Constituição Republicana de 1988, no texto do §1º, de seu artigo 220, expressa a

necessidade de respeito aos direitos fundamentais a intimidade, vida privada, honra

e imagem (tutelados pelo artigo 5º, inciso X) quando do exercício da liberdade de

informação.

Das três espécies de restrições citadas, observou-se que a primeira e a

segunda não encontram maiores problemas. As dificuldades aumentam, conforme

se viu, quando da utilização do terceiro modelo, ou seja, de concretização mediante

interpretação de um direito fundamental quando em conflito com outro direito

fundamental ou bem constitucional.

Por outro prisma, ficou registrado nesse estudo que existe uma outra ordem

de limites, os limites circunstanciais, os quais dizem respeito a circunstâncias que,

uma vez ocorridas, impedem, excepcionalmente, o exercício do direito de

informação jornalística. O único dispositivo constitucional que estabelece tal espécie

de limitação à informação jornalística é o artigo 139 da Constituição Republicana de

1988, ao estabelecer que durante a vigência do estado de sítio poderão ser

adotadas medidas restritivas à prestação de informações e à liberdade de imprensa.

Sustentou-se que, no caso em espécie, o combate era entre o princípio da

dignidade da pessoa humana, foro da inviolabilidade do direito à honra, e o princípio

da liberdade de informação/expressão, sede do direito à crítica jornalística. A partir

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daí, surgiu a grande questão: como promover a dignidade da pessoa humana e a

liberdade de informação jornalística se o exercício do direito à crítica jornalística

pode atingir a honra e a dignidade da pessoa envolvida com o fato objeto da notícia?

Diante desse cenário, estudamos a proposta de Robet Alexy, o qual sugere a

utilização da racionalidade de ordem procedimental baseada no critério da

ponderação, que consiste na resolução das colisões entre princípios segundo o

sopesamento de valores, considerando as possibilidades jurídicas e fáticas do caso

concreto. O referido critério da ponderação é composto por três máximas parciais:

adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Averiguamos, também, a doutrina de Humberto Ávila, o qual afirma que

quando se depara com uma questão tal como a descrita acima – em que se

identifica a existência de colisão entre os princípios que apontam, com finalidades

diversas, para o mesmo caso particular – o embate pode ser resolvido à luz dos

postulados normativos aplicativos, entre os quais se destacam os postulados da

razoabilidade, da proibição de excesso e da proporcionalidade, que são utilizados

para solucionar antinomias contingentes, concretas e externas, que surgem

diretamente de um problema concreto.

Pelos estudos realizados ficou demonstrado que o direito de informação é,

além de uma necessidade humana, a base para a democracia, porquanto não

envolver apenas o simples exercício da liberdade de externar o pensamento, mas

também o direito fundamental de participação da sociedade, já que do seu feixe,

como visto, emana o direito de informar (veicular informações), de ser informado

(receber informações) e no de se informar (liberdade de buscar as informações).

Portanto, parece certo, eis que longe de qualquer dúvida, que a informação

sobre os fatos de interesse público é indispensável para a vida social por contribuir

para a formação de uma visão crítica dos acontecimentos que cercam os indivíduos,

principalmente quando o foco é a participação política dos cidadãos nos processos

democráticos, seja no exercício do sufrágio – de escolha direta dos delegatórios do

poder popular – ou no papel de fiscal das ações dos agentes políticos.

As considerações anteriormente apontadas comprovam que a mídia atua a

serviço do direito fundamental de informação, que, por sua vez, juntamente com o

direito de liberdade e igualdade, forma a base da democracia. No entanto, para que

o direito de informação possa atender aos legítimos objetivos sociais é preciso que

os profissionais da imprensa, além de livres, atuem com retidão tanto na busca

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quanto na divulgação da notícia, eis que do outro lado da relação da mídia com a

notícia encontra-se o direito do indivíduo de receber informações verdadeiras,

honestas, capazes de cumprir a finalidade de informar o público.

Postas as questões nesses termos, conclui-se que a verdade é o grande

caminho de alcance da credibilidade por parte da mídia, e esta é essencial para que

seja cumprido o relevante papel social reservado aos meios de comunicação, em

especial aquele consistente em bem informar a sociedade.

Muito embora a repercussão atribuída ao direito de informação possa ter

deixado transparecer que a intimidade e a vida privada restarão desprotegidas

quando se confrontarem, no caso concreto, com aquele direito de expressão, o certo

é que nem sempre o resultado da ponderação de princípios indicará a prevalência

do direito de informação. Por várias vezes foi destacado neste trabalho que não há

direito fundamental ilimitado nem absoluto, de modo que o âmbito do direito coletivo

de informar e ser informado refere-se apenas a fatos, acontecimentos ou situações

que demonstram transcendência pública, os quais, além da exigência de serem

coletados com transparência e veracidade, deverão ser também capazes de

promover um real efeito na vida comunitária, em virtude da relevância ou

significância social que devem apresentar.

Assim, se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de

comunicação social contrapõe-se o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida

privada, segue-se como consequência lógica que este último condiciona o exercício

do primeiro, atuando como limite estabelecido pela própria Constituição Republicana

de 1988 para impedir excessos e abusos.

A grande questão, no entanto, é conseguir separar quais são aquelas

informações relevantes para a vida em sociedade e quais aquelas que não

interessam ao corpo social e não justificam uma interferência na esfera privada de

seus integrantes individuais, já que, conforme analisado, a Constituição Federal

brasileira de 1988, influenciada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de

1945, consagrou, logo no seu artigo 1º, a dignidade da pessoa humana como um

dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, o que, consequentemente,

implicou no reconhecimento da dignidade humana como fonte ética dos direitos

fundamentais na nossa atual Constituição.

A preservação da dignidade da pessoa humana, dentro de um contexto

constitucional fundamental, reclama proteção a todos os direitos conectados à

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personalidade, os quais têm como objeto, dentre outros atributos, valores como a

vida, a integridade física e psíquica, a liberdade, a intimidade, a vida privada, a

imagem, a honra.

Assim, conforme se evidenciou, a honra das pessoas, tal como a intimidade,

a vida privada e a imagem, também possui a capacidade de balizar o exercício da

liberdade de informação jornalística (noticiar e criticar), uma vez que o artigo 5º,

inciso X, da Constituição Republicana de 1988, cobriu o direito à honra com o manto

da inviolabilidade.

A ilicitude, no entanto, não está relacionada com a veemência da crítica, dos

termos, por vezes fortes, em que é externada. Não se investiga a qualidade da

crítica, que pode ser boa, inteligente, mas, também, pode ser uma crítica ruim, fraca,

ignorante e mal fundamentada, e nem por isso constitui, necessariamente, ofensa à

honra.

A solução da questão, conforme se examinou, é a identificação da pertinência

da crítica com o fato criticado, pois o inadmissível é que, a pretexto do exercício do

direito de crítica jornalística, se queira, na verdade, atingir de modo ofensivo a

pessoa a quem diz respeito o fato criticado.

Portanto, diante de toda a análise apresentada, nos parece que a chave para

todas as questões que envolvem a crítica jornalística ofensiva e os crimes contra a

honra está na análise individualizada do caso concreto, eis que, onde houver apenas

crítica, ainda que vestida de expressões ofensivas, não haverá ofensa penalmente

relevante.

Sendo assim, não existirá crime contra a honra se o contexto dos

acontecimentos indicar a preponderância dos relevantes acontecimentos de

interesse público sobre as ideias e opiniões tornadas públicas pela mídia. Em outras

palavras, não havendo a vontade livre e consciente diretamente voltada para a

intenção de atingir a personalidade, dignidade ou decorro da pessoa envolvida na

matéria jornalística, a objetividade da notícia suplanta a subjetividade da crítica

tornada pública, excluindo assim a ilicitude da conduta.

A respeito da intervenção repressiva estatal ocorrida sobre a liberdade de

informação (crítica jornalística), é importante destacar que, conforme enfatizado no

trabalho, o tipo penal que estabelece punição aos crimes contra a honra, incluídos

os praticados por meio dos veículos de comunicação, exige a propagação ou

divulgação do fato supostamente ofensivo.

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Assim, consoante se constatou, a criminalização ocorre sobre o próprio ato de

comunicação humana. À primeira vista, tal verificação pode até parecer um

contrassenso, pois a mesma comunicação que é punida pela norma penal é também

o veículo indispensável à concretização da conduta típica, ou seja, pune-se um ato

da própria natureza humana, consistente na exteriorização do pensamento.

Porém, avaliada a questão com mais profundidade verificar-se-á que, na

realidade, a punição recai sobre o teor da comunicação, que apenas será acoimada

se a divulgação disser respeito a um fato inverídico tipificado como crime ou a outro

fato ou conduta que atinge a dignidade ou o decoro do indivíduo.

Embora eu faça quórum junto àqueles que defendem a implantação de

alternativas penais capazes de restringir a aplicação das penas privativas de

liberdade somente a casos extremos e, ainda, reconheça a nobre intenção da

Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão aprovada pela Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, em seu 108º período ordinário de sessões,

celebrado de 16 a 27 de outubro de 2000, a qual, no seu artigo 10, conclama que as

leis de privacidade não devem inibir nem restringir a investigação e a difusão de

informações de interesse público e que a proteção à reputação deve estar garantida

somente por meio de sanções civis, nos casos em que a pessoa ofendida for um

funcionário público ou uma pessoa pública ou particular que se tenha envolvido

voluntariamente em assuntos de interesse público, comprovando que na divulgação

de notícias o comunicador teve intenção de infligir dano ou que estava plenamente

consciente de estar divulgando notícias falsas, ou se comportou com manifesta

negligência na busca da verdade ou falsidade delas, ainda assim entendo que a

defesa da honra não se faz apenas no interesse da pessoa, individualmente

considerada, mas também no da vida comunitária.

Por isso, considerando o que foi exposto neste trabalho, advogo ser

perfeitamente possível defender a existência de interesse público na preservação da

honra das pessoas, ou seja, concluir que a incolumidade moral do indivíduo é, ao

lado de outros bens jurídicos, indispensável ao convívio em sociedade, eis que não

se trata de defender a honra como um bem separado da vida social, mas, sim, como

um atributo que se mistura à essência do convívio coletivo, em que o respeito

traduz-se, em certa medida, na garantia da paz social almejada por todos nós.

Dessa forma, ao reconhecer a relevância da inviolabilidade da honra e a sua

imprescindibilidade à vida social, defendo, por conseguinte, como sendo necessária

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a intervenção do direito penal nos casos de ofensas contra a honra, que,

independentemente da tutela cível, também funcionará como limitador dos abusos

da liberdade de informação jornalística.

Anoto, ainda, que a retificação da informação não verdadeira não é suficiente

para reparar o estrago ocasionado com a divulgação do fato, eis que dificilmente a

retratação alcançará os mesmos destinatários que tiveram contato como a crítica

ofensiva à honra do indivíduo.

Além disso, pondero acerca da desproporcional força estabelecida entre o

solitário indivíduo e o atual império econômico das comunicações, que, dada a clara

disparidade de armas, justifica a intervenção penal estatal como forma de

compensar essa desigualdade, coibindo com a chancela de crime as condutas que

atentam contra a honra das pessoas, quando decorrentes do mau uso dos veículos

de comunicação social.

Por tudo quanto avaliei, creio que a divulgação de críticas desprovidas de

relevância social constitui abuso da liberdade de pensamento que, como tal, é

vedada pelo direito e deve ser punida pela repressão penal. Não entendo que com

isso a democracia esteja ameaçada, pois o exercício abusivo dos meios de

imprensa não é menos drástica à democracia que a proibição dos seus abusos, que

não raro acontece.

Por fim, observei que as decisões dos órgãos do Poder Judiciário consultados

espelham a tentativa de compatibilizar a liberdade de crítica jornalística com a tutela

da honra, sem negar a intervenção penal, mas a reservando apenas aos casos em

que a intenção de caluniar, difamar e injuriar esteja bem evidente, ou seja,

divorciada da responsabilidade social da imprensa em informar os cidadãos acerca

dos acontecimentos de interesse coletivo, ainda que para isso se tenha que

sacrificar uma parcela da intimidade e da honra dos indivíduos envolvidos na notícia,

principalmente se forem pessoas públicas e notórias.

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