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  • A DENUNCIAO DA LIDE E O ART. 456 DO NOVO CDIGO CIVIL1

    Cassio Scarpinella Bueno Mestre, Doutor e Livre-Docente pela PUCSP; Professor de Direito Processual Civil (graduao, especializao, mestrado e doutorado) na PUCSP; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e do Instituto Iberoamericano de Direito Processual. Advogado.

    SUMRIO: 1) Direito (material) e direito (processual); 2) Uma breve viso da denunciao da lide; 3) A denunciao da lide sucessiva e o art. 73 do CPC; 4) Limite processual da denunciao da lide sucessiva; 5) Denunciao sucessiva e o art. 456 do Novo Cdigo Civil; 6) Especificamente a denunciao da lide e o art. 456, pargrafo nico, do Novo Cdigo Civil; 7) O denunciado e os efeitos da sentena; 8) Ainda o denunciado e os efeitos da sentena: a condenao direta do denunciado face ao adversrio do denunciante; 9) Uma vez mais o pargrafo nico do art. 456 do Novo Cdigo Civil; 10) Consideraes finais; Bibliografia.

    1) Direito (material) e direito (processual)

    Uma premissa que me parece inafastvel para qualquer reflexo que se pretenda fazer

    sobre o processo civil a de que o direito processual civil, no obstante tenha identidade,

    funo, finalidade, natureza prprios, serve, atende e volta-se para a aplicao concreta do

    direito material. O direito processual civil realiza o direito material e nesta condio se deixa

    influenciar, de forma mais ou menos intensa por ele. O processo instrumento do direito

    material.

    Jos Roberto dos Santos Bedaque bem equacionou esta questo e a necessidade do

    estudo do processo deste prisma de anlise. Nas suas lies, est muito clara a

    imprescindibilidade de se estreitar ao mnimo indispensvel os campos do direito e do

    processo.

    O prestigiado autor no deixou de perceber a importncia de suas preocupaes tambm

    para o tema das partes e da interveno de terceiros. sua a palavra: A relao substancial

    posta em juzo e a pretenso formulada pelo autor tambm so fundamentais para a

    determinao da possibilidade de terceiros intervirem no processo, nas diversas hipteses

    1. Publicado originalmente em: ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda; NERY JR., Nelson; MAZZEI, Rodrigo; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; ALVIM, Thereza (coord.). Direito civil e processo: estudos em homenagem ao Professor Arruda Alvim. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pginas 742-755.

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    admitidas pelo estatuto processual. Conforme se verifica, torna-se bem mais simples o exame

    da pluralidade de partes a partir da situao material e da tutela pleiteada. 2

    Mais do que constatar uma tal premissa,3 no entanto, fundamental criar condies para

    bem aplic-la, realiz-la, torn-la eficaz. O tema destacado para a reflexo presente bem

    propcio para isto, justamente em funo das diversas novidades trazidas pelo Novo Cdigo

    Civil, incorporado ao direito positivo brasileiro pela Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002, ao

    processo civil.4

    Na exata medida em que o direito material acaba por passar por uma severa

    modificao talvez a mais radical experimentada pelo ordenamento jurdico nacional

    fundamental que questes, dvidas e indagaes que j se poderiam reputar clssicas e

    resolvidas na doutrina do direito processual civil sejam retomadas.

    Como procurei demonstrar em diversas passagens de outro trabalho, so diversos os

    dispositivos do Novo Cdigo Civil que definitivamente afetam ou, quando menos, tem relao

    inegvel com temas do direito processual civil. Sistematizar estas novidades com os avanos

    da doutrina processual tarefa que no pode ser desprezada ou deixada para depois. At

    porque, se no se sistematizar tais temas, pode acontecer de o direito material ficar carente de

    realizao concreta, j que, para isto, ele depende do processo civil, quando no se verificam

    outros meios de resoluo de conflitos.

    Um destes temas, de sistematizao inadivel, diz respeito s influncias que o art. 456 e

    respectivo pargrafo nico, do Cdigo Civil, inserido no Captulo que regula a evico,

    exercem sobre o tema da denunciao da lide, tema de carter processual.

    2) Uma breve viso da denunciao da lide

    De acordo com o magistrio de Arruda Alvim, o instituto da denunciao da lide a

    forma reconhecida pela lei como idnea para trazer terceiro ao processo (litisdenunciado), a

    2. Jos Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo Influncia do direito material sobre o processo, p. 90 e p. p. 92, respectivamente.

    3. A necessidade do estudo do processo civil com a ateno voltada ao direito material j no havia escapado da observao de Piero Calamandrei. Para ele (Lineas fundamentales del proceso civil inquisitorio, em Estudios sobre el proceso civil, Buenos Aires, Editorial Bibliografica Argentina,1945, p. 235): Resulta de tudo quanto se disse at agora que a estrutura especial deste tipo de processo civil que estamos denominando de inquisitrio no mais do que uma conseqncia da natureza especial da relao substancial submetida ao juiz: tambm aqui se confirma a regra de que o processo, dado ser instrumento construdo para a atuao do direito substancial, conforma-se de diferente maneira segundo as diversas exigncias de seu objeto: o esprito adotando a enrgica frase de Wach que se adapta ao corpo..

    4. Uma tal iniciativa foi expressamente adotada por Fredie Didier Jr., Regras processuais no novo Cdigo Civil, p. XVII, quando nos deu a honra de citar o trabalho a que fao referncia na nota 1.

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    pedido da parte, autor e/ou ru, visando a eliminar eventuais ulteriores aes regressivas, nas

    quais o terceiro figuraria ento, como ru.5

    Se este o contorno fundamental do instituto, no pode haver dvidas de que a

    denunciao da lide, tal como regulada no Cdigo de Processo Civil vigente, verdadeira ao

    regressiva, in simultaneus processus, proponvel tanto pelo autor como pelo ru, sendo citada

    como denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante ter uma pretenso indenizatria,

    pretenso de reembolso, caso ele, denunciante, venha a sucumbir na ao principal.6-7

    O fundamento do instituto da denunciao da lide a economia processual ou, com os

    olhos voltados ao art. 5, LXXVIII, da Constituio Federal, ao princpio da eficincia

    processual,8 com a reunio de duas ou mais lides (aes ou demandas) em um mesmo processo

    para que elas sejam resolvidas em conjunto a partir de uma mesma base procedimental ou aps

    uma s instruo.9 Ocorrendo a denunciao, o processo se amplia objetiva e

    subjetivamente. Subjetivamente porque ingressa o denunciado, o qual passar a demandar

    juntamente com o autor se o denunciante for o autor, e juntamente com o ru se o denunciante

    for o ru. Objetivamente porque se insere uma demanda implcita do denunciante contra o

    denunciado de indenizao por perdas e danos.10

    Alm da economia processual que, de resto, relaciona-se intrinsecamente a todos os

    tipos de interveno de terceiro,11 no h como deixar de reconhecer que a litisdenunciao, no

    regime do atual Cdigo de Processo Civil, uma verdadeira ao de regresso antecipada para a

    5. Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, vol. 2, p. 163.

    6. Athos Gusmo Carneiro, Interveno de terceiros, p. 85.

    7. Decorre da natureza jurdica de ao da denunciao da lide a possibilidade de o denunciante requerer antecipao da tutela desde que comprove os pressupostos dos arts. 273 ou 461, 3, do CPC. Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, Cdigo de processo civil comentado, p. 731, nota 8; Antnio Cludio da Costa Machado, Tutela antecipada, p. 518 e Athos Gusmo Carneiro, Interveno de terceiros, pp. 125/126, forte na doutrina de Donaldo Armelin. certo que a admissibilidade da antecipao da tutela em favor do denunciante nestes casos deve ser bem entendida luz dos pressupostos especficos da denunciao da lide, eis que ela ao de carter eventual, isto , o interesse de agir do denunciante (e, pois, a necessidade de antecipao dos efeitos da sentena) depende do julgamento da ao principal e, bem assim, de eventual necessidade que dela decorra. Sobre o assunto, mais amplamente, v. o meu Tutela antecipada, pp. 49/51.

    8. Para esta referncia, v. o meu Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, esp. pp. 141/146.

    9. Athos Gusmo Carneiro, Interveno de terceiros, p. 85. No mesmo sentido, Celso Agrcola Barbi, Comentrios ao cdigo de processo civil, vol. 1, p. 201, item 401, e Jos Raimundo Gomes da Cruz, Pluralidade de partes e interveno de terceiros, p. 199.

    10. Vicente Greco Filho, Da interveno de terceiros, p. 83. No mesmo sentido quanto ampliao objetiva e subjetiva da demanda, v. Cndido Rangel Dinamarco, Interveno de terceiros, p. 29 e pp. 146/147 e Maria Berenice Dias, O terceiro no processo, p. 119.

    11. V. meu Partes e terceiros no processo civil brasileiro, pp. 19/22.

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    eventualidade de sucumbncia do denunciante,12 cuja finalidade precpua a de promover

    eventual indenizao motivada pelas perdas e danos do que vier a ser decidido na ao

    principal, aproveitando-se da mesma base procedimental.

    A denunciao da lide, portanto, verdadeira ao de regresso eventual ajuizada pelo

    autor (quando prope a ao) ou pelo ru (no prazo de defesa) contra terceiro que, por

    disposio de lei ou de contrato, tem responsabilidade de lhe assegurar determinado proveito

    econmico. Trata-se de modalidade interventiva provocada e por ao 13 em que h cmulo

    objetivo e subjetivo.14

    3) A denunciao da lide sucessiva e o art. 73 do CPC

    Uma das diversas questes que atormenta a doutrina e a jurisprudncia brasileiras diz

    respeito possibilidade de haver denunciaes da lide sucessivas.

    A questo pertinente porque o art. 73 do Cdigo de Processo Civil determina que,

    para os fins do disposto no art. 70, o denunciado, por sua vez, intimar do litgio o alienante, o

    proprietrio, o possuidor indireto ou o responsvel pela indenizao e, assim, sucessivamente,

    observando-se, quanto aos prazos, o disposto no artigo antecedente (o itlico meu).

    Do mesmo modo que, para o autor ou para o ru da ao principal, existe a

    possibilidade (ou, em certos casos, a obrigatoriedade) de haver a denunciao da lide a quem

    deve responder regressivamente, o denunciado pode, por sua vez, ter ligao legal ou contratual

    com outro indivduo que tenha a obrigao de indenizar seus eventuais prejuzos na lide

    secundria que lhe props o denunciante. Da mesma forma, como permite o art. 73 em exame,

    pode acontecer com os futuros denunciados e assim sucessivamente.

    No incio da vigncia do atual Cdigo de Processo Civil, Arruda Alvim chegou a

    considerar que o termo intimao que o legislador se valeu neste artigo 73 justificava-se to

    somente para efeito de resguardo de direito de ao regressiva, ou, digamos, resguardo dos

    direitos materiais, que sequer sero apreciados no processo. Os intimados do litgio no so

    12. Barbosa Moreira citado por Athos Gusmo Carneiro, Interveno de terceiros, p. 86, nota 53. Jos Roberto dos Santos Bedaque (Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumrias e de urgncia tentativa de sistematizao, p. 19) manifestou-se sobre este ponto com as seguintes palavras: O denunciante est autorizado, pelo legislador processual, a deduzir incidentalmente no processo seu direito de regresso. Pede a condenao do denunciado que assumiu a obrigao de garantia, antes de seu direito tornar-se exigvel, o que ocorrer somente quando vier a perder a demanda. Nesses casos, pois, o titular de eventual direito de regresso pleiteia tutela condenatria contra o obrigado, que ainda no praticou qualquer ato lesivo a esse direito.

    13. Cf. Athos Gusmo Carneiro, Interveno de terceiros, pp. 67/68.

    14. Cf. Cndido Rangel Dinamarco, Interveno de terceiros, pp. 28/30.

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    partes como o so denunciante e denunciado.15

    O precitado professor defendia o entendimento

    de que o termo utilizado no art. 73 era proposital no sentido de ser suficiente que se desse

    cincia a futuros e sucessivos denunciados da ao proposta para que eles, desde que assim

    entendessem conveniente, pudessem integrar a lide na qualidade de assistentes do denunciante.

    Da, no entendimento ento sustentado por Alvim, o emprego de intimar pelo legislador que,

    para os fins do art. 234 do Cdigo de Processo Civil, tem sentido de ser dada a algum cincia

    de um ato processual, convocando-o para fazer ou deixar de fazer algo.16

    A partir do pensamento de Arruda Alvim, ademais, porque estes terceiros seriam

    intimados e no citados da ao no passariam a ser partes (litisconsortes) do denunciante, o

    que equivale a dizer que, com sua litisdenunciao, no seriam inauguradas novas aes

    regressivas. Sua intimao justificava-se somente para o resguardo do direito de vir a ser

    necessria a propositura de ao contra ele, no futuro, consoante o resultado da ao anterior:

    O termo intimao utilizado no art. 73 significa que os litisdenunciados sucessivos no sero

    litisconsortes dos litisdenunciantes; so intimados no para serem espectadores mas para fins de

    constituio de efeitos civis.17

    Mais recentemente, aquele autor reviu seu posicionamento quando passou a admitir que

    o termo intimao do precitado artigo no guarda relao com a sistemtica do estatuto vigente

    (CPC, art. 234), sendo prefervel que o legislador tivesse se valido do termo citao: No

    entanto, modificamos nosso ponto de vista, aderindo corrente absolutamente majoritria, e,

    passamos a admitir a denunciao sucessiva, no convencimento de que esta distino [refere-se

    o autor dualidade de termos citao e intimao] no pode conduzir distino por ns

    precedentemente feita; sem embargo dever-se- atentar a que a denunciao no poder levar a

    delonga a dano do autor, principalmente.18

    Neste sentido, destarte, a diferena entre uma interpretao literal do verbo intimar e

    sua compreenso como citar reside na possibilidade, ou no, de haver a propositura de tantas

    aes de regresso, por intermdio das sucessivas denunciaes da lide, quantas sejam as

    pretenses de regresso dos sucessivos denunciados.

    Esta interpretao mais ampla do art. 73 do Cdigo de Processo Civil de resto a

    predominante ,19

    encontra fundamento no princpio da economia processual, buscando

    15. Cdigo de processo civil comentado, vol. III, pp. 297/298.

    16. Cf. Jos Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, pp. 26/27.

    17. Arruda Alvim, Cdigo de processo civil comentado, vol. III, p. 300.

    18. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol. 2, p. 168, sem os esclarecimentos entre colchetes.

    19. V. Athos Gusmo Carneiro, Interveno de terceiros, pp. 116/117, que sustenta, com base em Moniz de Arago e em precedente do Superior Tribunal de Justia, a possibilidade de denunciaes coletivas, isto , a denunciao da lide no s ao alienante mas a todos os antecessores na cadeia dominial na mesma oportunidade,

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    solucionar, ao mesmo tempo e com a maior concentrao possvel de atos processuais e

    esforos instrutrios, as diversas lides que envolvam uma mesma situao ftica e as que lhe

    so conexas.20

    Tanto assim que Arruda Alvim j escrevia que do ponto de vista da poltica

    legislativa, certamente, poderia o legislador admitir a sucessividade de integrao de todos os

    garantes no mesmo processo, resolvendo-se todos os problemas no mesmo processo.21

    4) Limite processual da denunciao da lide sucessiva

    A sucessividade da denunciao da lide afina-se com o princpio da economia

    processual. Assim sendo, a proibio de novas denunciaes deve encontrar limite na prpria

    razo de ser da autorizao do art. 73 do Cdigo de Processo Civil.22

    Toda a vez que novas denunciaes tiverem aptido para empecer o encerramento do

    litgio, a uniformidade da instruo e a tramitao processual, tornando indefinida, incerta ou

    distante no tempo a soluo final da ao principal, devem as mesmas ser vedadas, reservada,

    sempre e em qualquer caso a viabilidade da propositura de futuras aes regressivas por

    aqueles que assumiriam a condio de denunciantes.

    Da o acerto da doutrina de Sydney Sanches para quem as sucessivas denunciaes da

    lide devem ser vedadas quando houver demasiada demora no andamento do feito, com

    evidente prejuzo parte adversa ao denunciante originrio.23

    Admitida a denunciao sucessiva da lide o nico bice, o princpio da economia

    processual a citao de novos denunciados ensejar novas aes regressivas, todas eventuais

    como forma de obviar dificuldades prticas e delongas temporais derivadas da aplicao do art. 73 do CPC. Contra, v. Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. I, p. 120.

    20. V., a respeito, as consideraes de Aroldo Plnio Gonalves, Da denunciao da lide, pp. 294/299 e, de forma genrica, o meu Partes e terceiros no processo civil brasileiro, pp. 19/22.

    21. Cdigo de processo civil comentado, vol. III, p. 304.

    22. O direito positivo, por vezes, veda ou limita expressamente o cabimento da denunciao da lide em nome de uma maior celeridade processual para a parte contrria. Assim, v.g., o art. 88 do Cdigo do Consumidor, Lei n 8.078/90, e o art. 10 da Lei n 9.099/95, que regula os Juizados Especiais Cveis, que veda qualquer forma de interveno de terceiros. A vedao da denunciao da lide no procedimento sumrio foi minimizada pela Lei n. 10.444/02, que deu nova redao ao art. 280 do CPC para admitir a interveno fundada em contrato de seguro, atendendo, no particular, crtica dirigida ao sistema da Lei n. 9.245/95, que a precedeu. Para as crticas ao sistema pretrito, consultar: Cndido Rangel Dinamarco, A reforma do cdigo de processo civil, p. 254 e Clito Fornaciari Jr., A reforma processual civil (artigo por artigo), pp. 56/58. Para a crtica atual redao do art. 280, que s autoriza interveno de terceiro no procedimento sumrio fundada em contrato de seguro, v. Joel Dias Figueira Jr., Comentrios novssima reforma do CPC, pp. 150/151 e o meu Partes e terceiros no processo civil brasileiro, pp. 317/319.

    23. Citado por Athos Gusmo Carneiro, Interveno de terceiros, p. 118. O autor da obra tambm compartilha do mesmo entendimento, colacionando precedentes, inclusive do Superior Tribunal de Justia publicado na RSTJ 24/466 (Interveno de terceiros, p. 102, notas 75 e 76).

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    em relao anterior, dizer: s se deve conhecer e analisar estas aes de regresso quando o

    denunciante tiver necessidade de exercitar o direito nelas veiculado e que fundamenta esta

    modalidade de interveno de terceiros.24

    5) Denunciao sucessiva e o art. 456 do Novo Cdigo Civil

    O Novo Cdigo Civil prope interessante desdobramento ao que acabei de escrever. De

    acordo com seu art. 456, caput, para poder exercitar o direito que da evico lhe resulta, o

    adquirente notificar do litgio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e

    como lhe determinarem as leis do processo.

    O texto em itlico novo, se comparado com a redao do art. 1.116 do Cdigo de 1916

    que, no particular, limitava-se a mencionar alienante, sem precisar qual de uma eventual

    cadeia dominial, se o imediato ou qualquer dos anteriores.25

    Para dar rendimento ao novo texto da lei material parece que ser possvel, a partir, da

    vigncia da Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que a denunciao da lide no se d,

    necessariamente e em qualquer caso, ao alienante imediato, de quem o denunciante adquiriu

    o bem ou direito questionado em juzo mas a qualquer outro dos anteriores, independentemente

    da ordem das alienaes no plano do direito material.

    Ilustro a hiptese. A adquiriu veculo de B que o comprara de C. A citado para ao

    reivindicatria ajuizada por D. A, de acordo com a lei civil, poder exercitar o direito que da

    evico lhe resulta notificando do litgio o alienante imediato ou qualquer dos anteriores,

    quando e como lhe determinarem as leis do processo, dizer, A pode denunciar a lide no seu

    prazo para defesa para B ou para C consoante vislumbre melhor possibilidade de exercer seu

    direito de regresso. Por exemplo, o patrimnio de C de mais fcil excusso que o de B, que

    reside no interior do Estado.

    Passa-se a ser admitida, pois, uma verdadeira denunciao da lide per saltum, criando,

    a lei material, a possibilidade de o adquirente litigar em juzo diretamente com pessoas com

    quem no teve ou no tem qualquer relao jurdica mas que sejam, de uma forma ou de outra,

    responsveis pela indenizao (ou, mais rigorosamente, pela evico), nos termos do art. 73

    do Cdigo de Processo Civil. dizer por outras palavras: o novo art. 456 do Cdigo Civil

    admite que se litigue com algum em juzo independentemente de relao jurdica de direito

    material. Rigorosamente falando e abstraindo os problemas da execuo deste julgado (v. item

    24. V. meu Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 250, nota 27.

    25. A redao do art. 1.116 do Cdigo Civil de 1916 era a seguinte: Para poder exercitar o direito, que da evico lhe resulta, o adquirente notificar do litgio o alienante, quando e como lho determinarem as leis do processo..

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    7, infra), a hiptese, embora adstrita aos casos de evico, afina-se idia de legitimao

    extraordinria. Em juzo estar algum (o alienante) litigando, em nome prprio, por direito

    alheio (do adquirente ou, mais amplamente, dos diversos componentes, seno de todos, da

    cadeia dominial).26

    De certa forma, pois, o novo dispositivo parece acolher a orientao defendida por

    parcela da doutrina e aplaudida pelo Superior Tribunal de Justia, de que a denunciao da lide

    poderia, j sob a gide do art. 73 do Cdigo de Processo Civil, ser realizada para qualquer um

    da cadeia dominial.

    Alexandre Freitas Cmara, escrevendo j sob a gide do Novo Cdigo Civil, discorda

    deste entendimento. Para o processualista carioca, s uma interpretao isolada ou

    apressada do art. 456, caput, conduziria ao entendimento de que o dispositivo passa a

    agasalhar a denunciao per saltum. Segundo ele, o dispositivo da lei civil admite a

    denunciao quando e como lhe determinarem as leis do processo. Na sua leitura, as leis do

    processo vedam a denunciao para quem no tenha, com o denunciante, relao jurdica de

    direito material direta.27

    Ao contrrio do autor, vejo, na lei civil, a viabilidade de se denunciar a lide a quem no

    tem relao jurdica de direito material direta com o denunciante. este o entendimento de se

    notificar do litgio o alienante imediato ou qualquer dos anteriores. De outro lado, o art. 73,

    do CPC, no exige que a denunciao se dirija ao alienante imediato (a lei fala s em alienante,

    a exemplo do revogado art. 1.116 do Cdigo Civil de 1916). E no s ao alienante que a lei

    processual admite a denunciao. Tambm ao proprietrio, ao possuidor indireto e, de forma

    ampla, ao responsvel pela indenizao. No por outro motivo que j se ouvia na doutrina

    mesmo antes do Novo Cdigo Civil ecos da denunciao per saltum. No se trata, aqui,

    26. Sem prejuzo do quanto desenvolvi no meu Partes e terceiros no processo civil brasileiro, pp. 50/55, e como superiormente expe Arruda Alvim (Tratado de direito processual civil, vol. 1, pp. 518/521) no posso deixar de imaginar que a razo pela qual o legislador civil teria criado situao de legitimao extraordinria (ou substituio processual) reside no inegvel interesse que o denunciado tem na vitria do denunciante. Justamente porque, para usar o exemplo anterior, C ser responsabilizado pelo que B tiver que indenizar a A, que ele e C podem litigar frente a frente desde logo. inegvel o interesse que C tem de demonstrar que tinha ttulo para alienar o bem que, aps as sucessivas alienaes, gerou a evico reclamada por D. Evidentemente que se C demonstrar que se evico houve ela decorre de ato B ou de A, ele no poder ser condenado a qualquer ttulo. Consoante o caso, ademais, nada impede que B resolva intervir no feito, o que far na qualidade de assistente litisconsorcial (e no simples), j que, em ltima anlise, sua a relao jurdica deduzida em juzo. Gabriel de Rezende Filho (Curso de direito processual civil, vol. I, p. 284) j enfrentara hiptese semelhante, cuidando do chamamento autoria, instituto do Cdigo de Processo Civil de 1939, do qual descende a atual denunciao da lide. Para ele, o fundamento da denunciao (estou me valendo da nomenclatura atual) a ... de presumir-se que o transmitente da coisa ou direito real litigioso [no meu exemplo, C ou B] conhea melhor o negcio da causa e possa, assim, defender com facilidade e vantagem o direito do transmitido [A], repelindo a pretenso de seu adversrio [D]. O transmitente deve dar ao adquirente [A] a certeza de que poder exercer pacificamente sobre a coisa transmitida os respectivos direitos. Uma vez demandado a respeito dela, justo que o adquirente possa provocar a vinda a juzo daquele de quem a houve a fim de auxili-lo na defesa. (os esclarecimentos entre colchetes so meus).

    27. Lies de direito processual civil, vol. I, pp. 203/204.

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    evidentemente, de hipertrofiar o processo em detrimento do direito material. O art. 73 do CPC

    no vale mais que o art. 456, caput, do Novo Cdigo Civil. Trata-se de entender que o art. 73

    no disciplina a hiptese de denunciao per saltum (ele se refere apenas denunciao

    sucessiva), que o novo dispositivo veio a regular expressamente. At porque, a no se entender

    assim, a novidade da lei civil no tem significao jurdica nenhuma. O art. 73 do CPC, em

    ltima anlise, alimentado pela nova regra de direito civil.

    6) Especificamente a denunciao da lide e o art. 456, pargrafo nico, do Novo Cdigo

    Civil

    As possibilidade de aplicao do precitado art. 456 do Novo Cdigo Civil, no entanto,

    no se encerram nas consideraes que acabei de desenvolver.

    Seu pargrafo nico prato cheio de dvidas e inquietaes interpretativas.

    a seguinte a redao do pargrafo nico do art. 456 do Novo Cdigo Civil: No

    atendendo o alienante denunciao da lide, e sendo manifesta a procedncia da evico, pode

    o adquirente deixar de oferece contestao, ou usar de recursos..

    O caput do dispositivo, j salientei no item 5, supra, modifica o entendimento

    predominante na doutrina e na jurisprudncia de que no cabe denunciao da lide per saltum,

    dizer, sem que exista, entre denunciante e denunciado, sempre e em qualquer caso, relao

    jurdica de direito material subjacente, que os une. A expresso ou qualquer dos anteriores

    no pode ter outra interpretao, jogando novas luzes, destarte, ao art. 73 do Cdigo de

    Processo Civil.28

    O pargrafo nico, instigante, no tem correspondncia no Cdigo Civil de 1916. Alis,

    sua redao revela as diversas influncias que o Novo Cdigo Civil recebeu durante sua longa

    tramitao legislativa at promulgao em 2002. Enquanto o caput do art. 456 repete as

    palavras e os termos do Cdigo Civil anterior, deixando de se referir at denunciao da lide

    (instituto que, com este nome e com as caractersticas atuais, s foi criado pelo Cdigo de

    Processo Civil de 1973, substituindo o chamamento autoria do Cdigo de 1939 e os que lhe

    28. O art. 74 Cdigo de Processo Civil e Comercial do Estado de So Paulo, de 14 de janeiro de 1930, admitia, expressamente, a hiptese: O chamado autoria poder, na forma das disposies precedentes, requerer a citao de algum ou de todos os seus antecessores. Sobre o assunto, v. Antonio Carlos de Arajo Cintra, Do chamamento autoria, p. 144, nota 13, salientando ter a regra paulista rompido com a tradio do direito luso-brasileiro, com a colao das lies de Cmara Leal. Para a crtica deste pensamento, v. Mario de Assis Moura, Da interveno de terceiros (lei civil e processo), pp. 77/78.

  • 10

    precederam nos Cdigos Estaduais e a legislao a eles anterior29), o pargrafo nico procura

    identificar e descrever este fenmeno, propondo (por que no?), uma maior aproximao do

    direito processual ao material. Maior aproximao, evidentemente, no sentido de dar maior

    realizao concreta do direito material pelo direito processual.

    Para bem interpretar o dispositivo, reputo indispensvel entender quem o alienante, o

    adquirente e o que uma evico manifestamente procedente em termos de processo j que

    estas as trs figuras so de direito material. Permito-me, assim, traduzir o pargrafo nico para

    o processuals e o fao valendo-me do exemplo que apresentei no item 5, supra.

    No exemplo que formulei, o adquirente D, o ltimo da cadeia dominial, que prope a

    ao em face de A dizendo que o carro seu. A, que comprou o carro de B, adquirente

    tambm. E, por fim, B, que o adquiriu de C, adquirente. De trs para frente, so alienantes, C,

    B e o prprio A. A que adquirente e a que alienante refere-se a lei?

    Tenho para mim que, no exemplo dado, o adquirente a que a lei se refere s pode ser

    A e o alienante a que a lei se refere s pode ser B ou C, dependendo de quem venha ser

    denunciado por A. At porque, estas posies processuais, de alguma forma, j eram

    reconhecidas pela doutrina que se manifestou sobre o art. 70, I, do Cdigo de Processo Civil

    que tambm se vale do termo alienante e terceiro para se referir ao denunciado (pelo ru) e

    autor da ao, respectivamente, o que demonstrei anteriormente.30 Justa e precisamente o

    dispositivo da lei processual que cuida da denunciao da lide nos casos de evico. Situao

    diversa, de denunciao da lide pelo autor, ser analisada abaixo.

    Com estas consideraes e sempre a partir do exemplo que formulei, B e/ou C,

    denunciados (alienantes), que podero deixar de atender denunciao da lide e A, ru-

    denunciante (adquirente), que poder deixar de oferecer contestao ou usar de recursos.

    possvel que A denuncie a lide sem contestar, embora precise cuidar para que o

    processo seja suspenso antes do trmino do prazo para defesa, nos termos do art. 72.31 O oposto

    que, de acordo com o sistema processual civil, no tem cabimento.

    Mesmo que a denunciao possa ser realizada antes da contestao, no entanto, a

    suspenso do processo (CPC, art. 72, caput) dura at a citao do(s) denunciado(s) o que se

    verifica bem antes da consumao do prazo que ele(s) ter(o) para apresentar defesa. Aqui, o

    legislador civil, descuidou-se do procedimento da denunciao da lide regido pelo Cdigo de

    29. Para um histrico do instituto no direito brasileiro, v. Arajo Cintra, Do chamamento autoria, esp. pp. 47/61. Uma anlise comparativa entre o chamamento autoria do CPC/39 e a denunciao da lide do CPC/73 o autor a faz s pp. 171/178.

    30. V. meu Partes e terceiros no processo civil brasileiro, pp. 246/249.

    31. Sobre esta possibilidade, v. o meu Partes e terceiros no processo civil brasileiro, pp. 266/269.

  • 11

    Processo Civil. Desta forma, no obstante a lei civil parea pressupor que o ru-denunciante

    possa deixar de contestar se o alienante (denunciado) no atender denunciao da lide, isto

    no pode ser entendido no sentido de o ru-denunciante dever aguardar o transcurso in albis do

    prazo para o(s) denunciado(s) contestar(em) ou negar(em), expressamente, a qualidade que

    lhe(s) foi atribuda, para usar a frmula empregada pelo art. 75, II, do Cdigo de Processo

    Civil.

    O que ocorre que A ter que contestar partindo da premissa de que o processo foi

    suspenso antes da consumao do prazo to logo o(s) denunciado(s) seja(m) citado(s). Por

    isto, no haver tempo para, objetivamente, constatar-se o no atendimento da denunciao da

    lide nas diversas formas que ela pode assumir. A nica interpretao possvel para esta

    expresso da lei civil que A, o adquirente (ru-denunciante), poder deixar de contestar

    independentemente do comportamento a ser adotado pelo(s) denunciado(s) ou, desde que j o

    tenha feito, reconhecer juridicamente o pedido. Adotar este comportamento, continua a lei

    civil, quando manifesta a procedncia da evico, dizer, quando ela, analisando a

    documentao e a argumentao do autor (D, no exemplo) verificar que realmente no tem

    direito. Comprou o carro, no quer perd-lo, mas verifica, ele prprio, que foi enganado: que

    a hiptese mesmo de evico e que ele perder a propriedade do bem. Resistir aproveitar-se

    do processo para ganhar tempo, abusar do direito de defesa (que poderia at render ensejo

    antecipao de tutela com base no art. 273, II, do Cdigo de Processo Civil);32 litigar de m-f

    (e motivar sua apenao porque incursa nos incisos I, II, IV ou V, do art. 17 do mesmo

    Cdigo).

    Talvez a lei civil tenha querido, como no exemplo, que o denunciado assumisse a

    procedncia das alegaes do autor; que tambm ele reconhecesse juridicamente o pedido. Se

    isto verdade, no atender denunciao da lide expresso que deve ser interpretada ao

    lado da hiptese regulada pelo art. 75, III, do Cdigo de Processo Civil, de o denunciado

    confessar os fatos alegados pelo autor; quando menos, que o denunciado negue, desde logo, a

    qualidade que lhe atribuda pelo ru-denunciante (CPC, art. 75, II). A diferena e este

    parece ser o objetivo da nova lei civil que, ao contrrio do que regula a parte final de

    ambos os dispositivos da lei processual, aqui tambm o ru-denunciante pode confessar os

    fatos, reconhecendo juridicamente o pedido, vale dizer, assumir que a evico se d na

    espcie, que ela manifestamente procedente. A frmula da lei civil deixar de oferecer

    contestao, ou usar de recursos. pouco tcnica mas deve ser entendida como oposta ao

    comportamento que a lei processual reserva ao ru-denunciante. O ru-adquirente-denunciante

    no prosseguir na defesa at final (CPC, art. 75, II e III).

    32. Sobre este ponto, v. o meu Tutela antecipada, pp. 45/47.

  • 12

    Estou convencido de que o sentido do pargrafo nico do art. 456 do Novo Cdigo Civil

    decorre deste comportamento. No se trata de A, ru-denunciante (adquirente), render-se

    pretenso do autor, D, no entanto. Consoante desenvolvi no item 5, supra, e sistematizo no item

    9, infra, o resultado da nova regra da lei civil, que a ao seja julgada procedente diretamente

    contra quem, em ltima anlise, ensejou a evico, B ou C (denunciados).33 Eventual discusso

    entre eles pode ser reservada para outro processo (o que a lei parece presumir, j que fala em

    no atender denunciao) ou, se for o caso, ser resolvida desde logo mediante nova

    denunciao da lide, o que pressupe que um comparea e requeira a denunciao do outro nos

    termos do art. 73 do Cdigo de Processo Civil.

    No descarto que, luz do caput do art. 456, o que no foi denunciado resolva ingressar

    no feito na qualidade de assistente simples ou litisconsorcial consoante o caso, buscando

    resultado favorvel ao que est presente na relao processual. A assistncia ser simples ou

    litisconsorcial porque, consoante a hiptese, haver, ou no, relao jurdica material direta

    entre o que intervm e o adversrio do assistido, no caso, A. No exemplo que formulei, se a

    denunciao for feita para B, C poder intervir como assistente simples. Ele no tem relao

    jurdica direta com A e, com a denunciao feita ao alienante direto, no se opera a regra de

    substituio processual que destaquei. Se o denunciado C, no entanto, B intervir na

    qualidade de assistente litisconsorcial porque a relao jurdica de direito material a ser

    defendida, em juzo, tambm sua. O seu no comparecimento a juzo deve-se, nica e

    exclusivamente, substituio processual criado pela lei civil.

    Da forma mais direta possvel: o pargrafo nico do art. 456 do Novo Cdigo Civil

    empresta um novo significado ao comportamento j regulado pelo art. 75, II e III, do Cdigo de

    Processo Civil, de o denunciado negar a qualidade que lhe atribuda pelo ru ou confessar

    os fatos alegados pelo autor. Agora, ao invs de o denunciante prosseguir na defesa pode

    ele, desde logo, reconhecer juridicamente o pedido do autor. como se a lei civil tivesse

    acrescentado um novo inciso ao referido art. 75.34 A conseqncia que, neste caso, a

    condenao poder ser direta, unindo o autor da ao e o(s) denunciado(s) pelo ru, no

    obstante a inexistncia de relao jurdica material entre eles. A hiptese, definitivamente,

    aproxima-se da legitimao extraordinria (substituio processual), porque admite que o

    33. No parece ser diverso o entendimento de Silvio de Salvo Venosa (Direito civil, p. 569). Para o civilista, a nova regra, que coloca, face a face, pessoas que no tm relao jurdica no plano material geralmente, a causa da evico estranha ao denunciante , significa que no pode o adquirente que deixa de contestar (ou recorrer) sofrer os consectrios da revelia ou contumcia se sua manifestao nos autos de limitar exclusivamente a denunciar a lide. Deve, no entanto, esclarecer ao juzo os motives pelos quais no resiste pretenso proposta.

    34. Fredie Didier Jr. Regras processuais no novo Cdigo Civil, pp. 84/88 sustenta o entendimento de que o art. 456 do Cdigo Civil revogou, por completo, o inciso II do art. 75 do Cdigo de Processo Civil. Isto, fundamentalmente, porque a nova regra, ao tratar do mesmo assunto (op. cit., p. 90), esclarece que o denunciante no precisa agir no processo em que acionado para exercer o direito relativo evico em face do alienante, o denunciado.

  • 13

    denunciado defenda, em nome prprio, toda a cadeia dominial, substituindo os envolvidos em

    cada um dos contratos de alienao.35

    Pode ocorrer, todavia, que seja o autor da ao que denuncie a lide. Nesta hiptese,

    como se d a interpretao do pargrafo nico do art. 456 do Novo Cdigo Civil? Formulo um

    exemplo para facilitar a exposio.

    X adquiriu bem imvel de Y. Tem dificuldades, contudo, de imitir-se na posse do bem,

    considerando que Z afirma-se seu proprietrio. X prope ao de imisso na posse em face de

    Z, denunciando a lide a Y, o que faz com fundamento no art. 70, I, do Cdigo de Processo

    Civil. No melhor processuals: X o adquirente e Y o alienante a que se referem o

    pargrafo nico do art. 456 do Novo Cdigo Civil. Y o alienante a que se refere tambm o

    inciso I do art. 70 do Cdigo de Processo Civil.36

    Nestas condies, Y que deixar de atender denunciao da lide. Com a citao de

    Z, a ao acaba sendo julgada procedente porque manifesta a procedncia da evico. X,

    vendo seu temor tornar-se realidade, pode, desde logo, conformar-se com a situao, deixando

    de usar recursos, vale dizer, deixando de apelar. Na hiptese de Z, alm da proteo

    possessria, pedir a condenao de Y nos prejuzos de que trata o art. 922 do Cdigo de

    Processo Civil, pode X deixar de oferecer contestao o que acarretar, muito provavelmente,

    sua condenao tambm nestes danos. Qual a vantagem da inrcia de X? Desde logo indenizar-

    se diante de Y, que ru na ao de denunciao ou, caso aceitas as premissas que lancei acima

    e que sistematizo no item 9, infra, admitir-se execuo de Z diretamente contra Y, seja para a

    tutela possessria, seja para reparao de eventuais danos. Tambm neste caso, nada h de

    errado em se admitir, diante da nova regra civil, que Y possa ser substituto processual para

    35. A hiptese de legitimao extraordinria no desconhecida do direito brasileiro. Muito pelo contrrio. O chamamento autoria do Cdigo de Processo Civil de 1939 (instituto do qual descende, embora no se confunda, a denunciao da lide) admitia-a expressamente em seu art. 97. Sobre o tema, v. Gabriel de Rezende Filho, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 287 e Antnio Carlos de Arajo Cintra, Do chamamento autoria, pp. 160/164. certo, este ltimo autor nega a possibilidade de que a sentena proferida no processo conduzido pelo chamado produzisse efeitos seno para o denunciante e que fosse executvel contra o chamado (pp. 168/169). No obstante esta concluso, o certo para o sistema vigente, pela prpria caracterizao da denunciao da lide (que, inegavelmente, cumula duas pretenses diversas, ao contrrio do que se dava com o chamamento autoria), no h como no admitir que a execuo seja, neste caso especfico, dirigida diretamente ao denunciado. O que deve prevalecer para dar rendimento ao novo dispositivo que, embora o denunciado venha a sofrer a execuo diretamente, ele atua tambm na defesa do direito alheio no plano do processo de conhecimento, defendendo, em ltima anlise, toda a cadeia dominial. o que basta para a configurao da legitimao extraordinria. Tanto assim que Gabriel de Rezende Filho (Curso de direito processual civil, vol. I, p. 291) admitia que o denunciado (para usar os termos do CPC/73) fosse responsabilizado pelo pagamento das verbas de sucumbncia (efeito condenatrio), embora os efeitos possessrios da procedncia da ao (efeitos executivos lato sensu) dirigem-se diretamente ao denunciante: ... como o objetivo principal da execuo a entrega da coisa demandada, que continua em poder do ru primitivo, contra este executar-se- a sentena. Menciona, ademais, regra do Cdigo de Processo Civil do Rio de Janeiro (anterior ao CPC/39), que era mais claro quanto esta possibilidade, afinando-se, no particular, ao sistema que adotou o atual art. 76 do Cdigo de Processo Civil.

    36. Tomei como base para formulao do exemplo as lies de Gabriel de Rezende Filho, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 286.

  • 14

    fins do processo de conhecimento e de execuo o que, repito, j tinha algum eco no sistema

    processual anterior ao Cdigo de Processo Civil de 1973 (v. nota 35, supra).

    Talvez no houvesse necessidade de uma nova lei para visualizar esta situao. Alguns

    podero entender que ela j decorria do sistema processual civil: X poderia, desde logo, acionar

    Y por danos que entende decorrerem da aquisio do imvel. De qualquer sorte, o pargrafo

    nico do art. 456 do Novo Cdigo Civil para os casos de denunciao da lide pelo autor

    indicativo claro do princpio da economia processual porque adianta-se, por assim dizer, a

    resoluo do conflito de interesses perante o verdadeiro titular do bem, representado, no

    exemplo, por Z. uma forma, no tenho dvida, de antecipar-se a declarao, com fora de

    coisa julgada, da evico e, desde logo, declarar-se as responsabilidades de cada um dos

    integrantes da cadeia dominial.

    Ademais, o art. 74 do Cdigo de Processo Civil, diferentemente do que o art. 75 faz com

    relao denunciao pelo ru, no prev outro comportamento para o denunciado pelo autor

    que no litisconsorciar-se e aditar a petio inicial. Neste sentido, a novidade da regra

    civil a de regular mais detidamente a inrcia do denunciado pelo autor (Y, no exemplo),

    deixando claro, qui, a possibilidade de eventuais efeitos decorrentes da ao principal

    serem executados tambm contra ele.

    O leitor perceber que estas propostas de interpretao do dispositivo so razoavelmente

    sinuosas. Sobretudo quando o caso de denunciao pelo ru, considerando que o no

    oferecer contestao e o no atender denunciao da lide so providncias que no

    coincidem temporalmente na dinmica do procedimento desta modalidade de interveno de

    terceiros.

    De qualquer sorte, elas do ao novo dispositivo da lei civil alguma utilidade prtica, ao

    mesmo tempo em que maximizam o sistema processual civil, realizando, da forma mais ampla

    o direito material o que se afina primeira das premissas metodolgicas a partir das quais

    desenvolvo todo este trabalho.

    7) O denunciado e os efeitos da sentena

    O que importa para que o denunciado esteja sujeito denunciao da lide, verdadeira

    ao de regresso, que, dentro do prazo legal, tenha o denunciante providenciado sua citao.37

    Cumprido o que determina o art. 72, 1, do Cdigo de Processo Civil, o denunciado

    comparecer no processo ao lado do denunciante com relao ao principal, seja na

    qualidade de seu litisconsorte ou de assistente simples. No h dvidas, no entanto, de que o

    37. V. o meu Partes e terceiros no processo civil brasileiro, pp. 262/264.

  • 15

    denunciado ru na ao secundria de garantia (a ao regressiva) que, com a efetivao da

    denunciao da lide, prope-lhe o denunciante, seja ele o autor ou o ru.38

    Com relao ao regressiva, cabe ao denunciado no s, eventualmente, negar a

    qualidade que lhe atribuda, mas, tambm, defender-se amplamente. Como ru que nesta

    ao, o denunciado tem o nus de contestar sob pena de serem aceitos como verdadeiros os

    fatos narrados pelo autor (CPC, arts. 285, 302 e 319) que, nesta ao, o denunciante.

    Como j teve oportunidade de escrever Arruda Alvim: O denunciado tem o nus de se

    defender da denunciao da lide, isto , da ao de garantia que lhe move o denunciante, sob

    pena de revelia nesta ao, a qual, todavia, no pode levar o julgamento antecipado da lide da

    denunciao, dado que o julgamento da denunciao depende do resultado da ao entre o

    denunciante e a outra parte.39

    J no que tange ao principal, o comportamento do denunciado relaciona-se

    intimamente com o entendimento que se tenha em relao natureza jurdica de sua atuao: se

    litisconsorte do denunciante ou se mero assistente (simples) deste.

    Em se entendendo que a hiptese de formao de litisconsrcio entre denunciante e

    denunciado, o comparecimento deste, parte que , apenas para negar a qualidade de garante no

    afasta a incidncia do quanto vier a ser decidido na sentena que encerrar a ao que, nos

    termos do art. 76 do mesmo estatuto, resolver tambm a denunciao e decidir sobre o direito

    do evicto e a responsabilidade por perdas e danos.

    Assim, tendo em vista o que dispe o art. 75, II, do Cdigo de Processo Civil, se o

    denunciado comparecer apenas para negar a qualidade que lhe foi atribuda, estar, na verdade,

    contestando o pedido de indenizao que contra ele faz o denunciante. Logo, a expresso legal

    comparecer deve ser interpretada como contestar. E sendo contestao, est sujeita ao prazo

    legal e s prescries do art. 301 e 303. De qualquer modo, comparecendo ele, ou no, a ao

    indenizatria prosseguir nos seus trmites at julgamento final.40

    No mesmo sentido o entendimento de Arruda Alvim quando destaca a possibilidade de

    o denunciado comparecer em juzo somente para negar sua qualidade de garante: Cremos que

    tal atitude no gera para ele, litisdenunciado, o direito de aditar a petio inicial; no o

    eximindo, ainda, da abrangncia do art. 76, se assim entender o juiz, pois litisconsorte

    podendo, a qualquer momento, entrar no processo como tal.41 Tanto assim que o mesmo autor 38. Arruda Alvim, Cdigo de processo civil comentado, vol. III, pp. 324/325.

    39. Arruda Alvim, Cdigo de processo civil comentado, vol. III, p. 315. No mesmo sentido, Cleanto Guimares Siqueira, A defesa no processo civil, pp. 260/261.

    40. Celso Agrcola Barbi, Cdigo de processo civil comentado, vol. 1, p. 211.

    41. Arruda Alvim, Cdigo de processo civil comentado, vol. III, p. 310.

  • 16

    complementa seu pensamento assinalando que ... tem o denunciado seja pelo autor, seja

    pelo ru o nus de se enfileirar ao lado do denunciante, pois, ajudando-o, ajuda a si mesmo.

    O denunciado, pois, tem posio dplice: a) ru de uma ao (a denunciao); b) autor ou

    ru de outra.42

    No existe bice, assim, para que o denunciado comparea em juzo apenas para negar a

    qualidade de garante que lhe atribuda pelo denunciante. Estar sujeito, no entanto, ao quanto

    vier a ser decidido na sentena nos moldes do art. 76 do Cdigo de Processo Civil.

    Evidentemente que esta sentena no ser sempre e em qualquer caso de imediata

    responsabilizao do denunciado pelo simples fato de ter se limitado a negar sua qualidade de

    garante. O que ocorre a possibilidade de se concretizar sua responsabilizao na sentena na

    medida em que se entenda que o denunciado deve efetivamente responder perante o

    denunciante, na qualidade de litisconsorte na ao de regresso que lhe movida. Afinal, se

    este no aceitar a denunciao e se lhe assistir razo nessa recusa, ser excludo da abrangncia

    da sentena.43

    Para aqueles que entendem que o denunciado mero assistente simples do denunciante a

    negao de sua qualidade de garante totalmente indiferente para os fins da ao principal, em

    que se verifica a denunciao da lide. Como assistente, poderia ele apresentar argumentos e

    atuar em prol da vitria do assistido, beneficiando-se, indiretamente, desta situao. Se nada faz

    a este respeito, limitando-se a negar sua posio de garante, nem por isto estar imediatamente

    sujeito ao que vier a ser decidido na ao principal.

    A atitude do denunciado, destarte, ganha maior relevncia no que diz respeito ao

    regressiva que lhe proposta pelo denunciante e que decidir (consoante o caso) sobre eventual

    direito de regresso. A sim, a depender de seu comportamento e das vicissitudes do

    procedimento, que o denunciado estar sujeito a nus processuais, dentre eles o de ficar ou

    no sujeito justia da deciso do art. 55 do Cdigo de Processo Civil.44

    8) Ainda o denunciado e os efeitos da sentena: a condenao direta do denunciado face

    ao adversrio do denunciante

    42. Arruda Alvim, Cdigo de processo civil comentado, vol. III, p. 315.

    43. Arruda Alvim, Cdigo de processo civil comentado, vol. III, p. 311.

    44. Quanto a ser o denunciado assistente do denunciante, v. nota seguinte, e, mais detidamente, Cndido Rangel Dinamarco, Interveno de terceiros, pp. 28/30 e pp. 145/147.

  • 17

    dividida a doutrina a respeito da natureza jurdica da atuao do denunciado em face

    do denunciante.45 Se se trata de litisconsrcio ou de mera assistncia simples. O que est por

    trs de cada um destes institutos, importante o destaque, no um detalhe de cunho tcnico sem

    importncia. Pelo contrrio, as distines da atuao processual de um litisconsorte e de um

    assistente simples so enormes, de acordo com o sistema. Como salientei, o que me parece mais

    importante para identificar se est diante de uma ou de outra figura a anlise da relao

    jurdica de direito material subjacente ao litgio; e mais, em se tratando de denunciao da lide:

    se existe algum vnculo de direito material entre denunciado e o adversrio do denunciante.

    Uma vez mais, a aplicao concreta da premissa metodolgica que expus no item 1, supra.

    O fato que inexiste qualquer relao jurdica de direito material entre o denunciado e a

    parte contrria ao denunciante. Se assim , no h como prevalecer o entendimento quanto

    viabilidade de haver execuo da sentena diretamente contra o denunciado, como seno

    existisse o denunciante. O art. 76 do Cdigo de Processo Civil no autoriza esta interpretao.

    Neste sentido manifestou-se Cndido Rangel Dinamarco, quando analisou o problema a

    partir do precitado art. 76: A condenao do litisdenunciado no interfere na relao jurdico-

    substancial entre o denunciante e a parte contrria, nem na sua eventual condenao a favor

    desta (quando o denunciante for ru). No primeiro dos captulos da sentena que proferir, o juiz

    far o julgamento que normalmente faria entre as partes originrias do processo. No segundo

    desses captulos, se for o caso, julgar o mrito da litisdenunciao (art. 76). Assim, se o

    denunciante vier a satisfazer a parte contrria (voluntariamente, ou atravs de execuo

    forada), ter depois a seu favor a sentena condenatria do terceiro que lhe valer de ttulo

    numa execuo contra este; mas a sentena que acolher a denunciao da lide no transferir ao

    litisdenunciado qualquer obrigao do denunciante em face da outra parte, nem condenar

    aquele em relao a esta justamente porque a litisdenunciao s tem cabimento em casos

    nos quais o terceiro tenha alguma obrigao de regresso perante o denunciado, sem estar ligado

    por qualquer vnculo jurdico ao denunciado.46

    No obstante, muito difundido o entendimento segundo o qual, com a denunciao da

    lide, o denunciado responder diretamente ao adversrio do denunciante, inclusive com

    respaldo da jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia, mormente em casos em que o

    denunciante apresentar-se com dificuldades de cumprir o julgado proferido em seu desfavor.

    Por coerncia, esta corrente tende ao entendimento de que a lei processual autoriza esta

    45. Sobre o assunto, v. o meu Partes e terceiros no processo civil brasileiro, pp. 271/276. pesquisa que l realizei, acrescento o trabalho de Rodrigo Salazar, Denunciao da lide Rumo e efetivao processual. Limites exegticos, esp. pp. 97/98, que defende o entendimento de que o denunciado s pode assumir o papel de assistente (simples) falta de relao jurdica com o adversrio do denunciante.

    46. Interveno de terceiros, pp. 149/150.

  • 18

    execuo direta considerando que o denunciado assume a qualidade de litisconsorte do

    denunciante.47

    Afastando terminantemente este entendimento, de ser colacionada a lio de Jos

    Roberto dos Santos Bedaque para quem: Denunciao da lide o exerccio do direito de

    regresso no mesmo processo, ou seja, uma das partes denuncia a lide a algum, que passar a

    ocupar, simultaneamente, a posio de assistente na demanda originria e ru na denunciao.

    Se ambas forem acolhidas, o juiz deve condenar o denunciado perante o denunciante, pois a

    relao substancial de garantia existe apenas entre eles. Por falta de viso adequada do

    fenmeno, no plano material, sustenta-se a possibilidade de, em denunciao feita pelo ru, o

    juiz condenar o denunciado em face do autor originrio. Tal no se mostra possvel ante a total

    inexistncia de vnculo jurdico que justifique a o reconhecimento da obrigao de um favor do

    outro.48

    Destarte, o que deve ser posto em evidncia para solucionar o impasse diz respeito mais

    ao direito material do que ao plano processual.49 Deste prisma de anlise, mais confortvel

    sustentar que denunciante e denunciado no podem ser litisconsortes porque o denunciado no

    tem qualquer vnculo jurdico de direito material em face do adversrio do denunciante e,

    ademais, nada pede para si e nada contra ele pedido nesta ao, a ao principal. Por

    implicao sistemtica, o denunciado s pode ser assistente simples do denunciante. Se no

    existe vnculo de direito material, disto resulta a inviabilidade do binmio

    condenao/execuo direta.50 Em suma, deve ser afastado o entendimento de que o autor da

    47. A respeito, v. Athos Gusmo Carneiro, Interveno de terceiros, pp. 123/125 e o acrdo da 4 Turma do Superior Tribunal de Justia transcrito s pp. 286/290 da mesma obra. quele, acrescento o seguinte julgado: Responsabilidade civil. Acidente de trnsito. Seguro. Ao proposta contra o causador do dano. Denunciao da lide feita sua seguradora. Condenao desta ltima. Admissibilidade. - Reconhecido o dever de a seguradora denunciada honrar a cobertura do sinistro, permitido ao Julgador proferir deciso condenatria diretamente contra ela. Precedentes do STJ. Recurso especial no conhecido (STJ, 4 Turma, REsp n 290.608/PR, rel. Min. Barros Monteiro, j.un. 3.10.02, DJU 16.12.02, p. 341). Mais recentemente. v. as seguintes decises, no mesmo sentido: STJ, 3 Turma, REsp 713.115/MG, rel. Min. Castro Filho, j.un. 21.11.2006, DJ 4.12.2006, p. 300; STJ, 4 Turma, REsp 699.680/DF, rel. Min. Fernando Gonalves, j.un. 29.6.2006, DJ 27.11.2006, p. 288; STJ, 2 Turma, REsp 211.119/ES, rel. Min. Joo Otvio de Noronha, j.un. 17.5.2005, DJ 20.6.2005, p. 171; STJ, 3 Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, REsp n. 275.453/RS, j. un. 22.2.2005, DJ 11.4.2005, p. 288; e STJ, 4 Turma, rel. Min. Fernando Gonalves, REsp n. 188.158/RS, j.un. 15.6.04, DJU 01.07.04, p. 197.

    48. Jos Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo Influncia do direito material sobre o processo, p. 91.

    49. A respeito, v. as oportunas observaes de Ovdio Baptista da Silva, Comentrios ao cdigo de processo civil, vol. 1, pp. 352/357.

    50. A condenao disciplinada no art. 76 do Cdigo de Processo Civil imposta ao denunciado e concedida exclusivamente em favor do denunciante. No se admite a condenao do denunciado em favor do autor da demanda principal, porque nenhuma demanda moveu este quele e sequer existia qualquer relao jurdica material que os interligasse (o terceiro era parte ilegtima para a demanda proposta pelo autor). Ainda que a condenao direta apresentasse vantagens, s por disposio expressa de lei ela poderia ser admitida (Cndido Rangel Dinamarco, Instituies de direito processual civil, vol. II, p. 408). O autor acentua, a propsito, que o denunciante s poder executar o denunciado quando j tiver efetivamente cumprido a condenao em favor de seu adversrio, tornando, pois, exigvel o ttulo executivo que, em seu favor, se forma (op. cit., pp. 399 e 408). Alm da nota 3, supra, v. Alexandre Freitas Cmara, Lies de direito processual civil, vol. 1, p. 207, acentuando tratar-se,

  • 19

    ao promova execuo em face do denunciado pelo ru, ainda que a ao e a denunciao da

    lide tenham sido julgadas procedentes ou, inversamente, que o ru possa querer fazer valer

    alguma pretenso em face do denunciado pelo autor. O tema relativo aos nus da sucumbncia

    merece tratamento parte, que no ser enfrentado nesta sede.51

    Frise-se: a nica forma para entender correta a execuo direta entre adversrio do

    denunciante e denunciado enfatizar a tese defendida por Moacyr Amaral Santos de que o

    termo litisconsorte utilizado pelo legislador deve ser entendido como substituto

    processual.52 Substituto processual, justamente porque no h relao jurdica entre estes dois

    sujeitos no plano do direito material. Neste sentido e somente partindo desta premissa,

    minoritria em doutrina que se torna possvel entender legtima a execuo direta.

    De qualquer sorte, mesmo se entendendo que a hiptese seja de substituio processual,

    seria fundamental, para admitir a execuo direta que a condenao proferida para os fins do

    art. 76 do Cdigo de Processo Civil estabelecesse, desde logo, o vnculo entre denunciado e

    adversrio do denunciante. Isto porque, no h como conceber qualquer atividade executiva

    sem ttulo que a autorize (CPC, art. 568, I).

    Mesmo nestes casos, portanto, mister que o autor tivesse formulado pedido de

    condenao em face daquele que viria a ser denunciado pelo ru o que se afasta, por completo,

    da dinmica da denunciao da lide. At porque, se existir tal relao de direito material entre

    autor e o que poderia vir a ser denunciado pelo ru, a hiptese de litisconsrcio (quando

    menos facultativo) e, como tal deve ser tratada.53 Nada impede, alis, que, nestas condies, um

    a sentena que condena o denunciado pelo ru em face do autor, extra petita e nula. No mesmo sentido v., mais recentemente, Rodrigo Salazar, Denunciao da lide Rumo e efetivao processual. Limites exegticos, pp. 98/101.

    51. Para o tema, v. o meu Partes e terceiros no processo civil brasileiro, pp. 312/314.

    52. Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil,vol. 1, pp. 341 e 345.

    53. Esta posio bem diversa da que tratei anteriormente tem sido acolhida pelo Superior Tribunal de Justia, forte na projeo processual da estipulao em favor de terceiro (Novo Cdigo Civil, art. 436, pargrafo nico; antigo art. 1.098, pargrafo nico). Bem ilustram este posicionamento os seguintes julgados: Responsabilidade civil. Acidente de trnsito. Atropelamento. Seguro. Ao direta contra seguradora. A ao do lesado pode ser intentada diretamente contra a seguradora que contratou com o proprietrio do veculo causador do dano. Recurso conhecido e provido (STJ, 4 Turma, REsp n 294.057/DF, rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j.un. 28.6.01, DJU 12.11.01, p. 155) e Recurso especial. Ao de indenizao diretamente proposta contra a seguradora. Legitimidade. 1. Pode a vtima em acidente de veculos propor ao de indenizao diretamente, tambm, contra a seguradora, sendo irrelevante que o contrato envolva, apenas, o segurado, causador do acidente, que se nega a usar a cobertura do seguro. 2. Recurso especial no conhecido (STJ, 3 Turma, REsp n 228.840/RS, rel. p./acrdo Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j.m.v. 26.6.00, DJU 4.9.00, p. 150). Ainda, no mesmo sentido, v. os seguintes julgados: STJ, 4 Turma, rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, REsp n 401.718/PR, j.m.v. 3.9.02, DJ 24.3.03, p. 228, e STJ, 3 Turma, REsp n 444.716/BA, rel. Min. Nancy Andrighy, j.un. 11.5.04, DJU 31.5.2004, p. 300, este ltimo, forte na incidncia do art. 421 do Novo Cdigo Civil, na espcie.

  • 20

    litisconsorte denuncie a lide para o outro entendendo que existe entre eles algum direito de

    regresso.54

    O que ocorre nestes casos, pois, que a hiptese j no ser mais de denunciao da lide

    entre o autor da ao e o denunciado. Mesmo para eles, a hiptese ser de litisconsrcio,

    justamente em face do pedido que formulado desde a petio inicial.

    9) Uma vez mais o pargrafo nico do art. 456 do Novo Cdigo Civil

    O tema da condenao direta do denunciado em face do adversrio do denunciante ou

    vice-versa ganha bastante interesse com o novo pargrafo nico do art. 456 do Cdigo Civil,

    sem prejuzo das consideraes de que se ocupam os itens 5 e 6, supra. Vale transcrev-lo uma

    vez mais: No atendendo o alienante denunciao da lide, e sendo manifesta a procedncia

    da evico, pode o adquirente deixar de oferecer contestao, ou usar de recursos.

    Lida a regra em conjunto com a nova regra do caput, no h como no querer entender

    que a lei civil acabou por criar um caso de legitimao extraordinria para fins de denunciao

    da lide nos casos de evico. Legitimao extraordinria no sentido de que a condenao pela

    procedncia da ao de denunciao e, oportunamente, sua execuo, se dem

    independentemente das relaes jurdicas materiais entre denunciante e denunciado. No h

    como negar que o caso de litigar em nome prprio tambm por um direito que no lhe

    pertence. A legitimidade da transmisso de propriedade esta a defesa primordial a ser

    discutida no processo de conhecimento dado que atravessa a cadeia dominial. O que a lei

    civil parece ter criado que o primeiro alienante defenda toda esta cadeia, objeto de

    demonstrao que me ocupou no item 5, supra).

    Para c, o que importa mais de perto a conseqncia da atuao do denunciado no

    processo de conhecimento. Se agiu para defender toda a cadeia de alienao, a execuo de

    eventual sentena condenatria dirigir-se- contra o seu patrimnio.55

    Explico: desde que se entenda que o caput do dispositivo realmente passou a admitir a

    denunciao da lide per saltum, vale dizer, que a denunciao pode pular determinadas 54. Cf. Ovdio Baptista da Silva, Comentrios ao cdigo de processo civil, vol. 1, p. 348, e Cndido Rangel Dinamarco, Instituies de direito processual civil, vol. II, pp. 402/403.

    55. Fredie Didier Jr., Regras processuais no novo Cdigo Civil, pp. 91/92, faz ressalva de que as aes relativas evico tm carter real e que, por isto no que diz respeito reivindicao da coisa , no teria sentido falar-se em condenao entrega da coisa, porque o bem j no estaria em poder do alienante e de nenhum outro da cadeia dominial pretrita. A hiptese que desenvolvo no texto, contudo, pressupe o exerccio dos direitos indenizatrios decorrentes da perda da propriedade (ou da posse) por sentena judicial ou por qualquer outro ato a ela equiparado (sobre este assunto, v. Slvio de Salvo Venosa, op. cit., pp. 566/567), forte no disposto nos arts. 449 a 454 do Novo Cdigo Civil. A denunciao da lide , justamente, o veculo processual adequado para esta finalidade (v. item 2, supra).

  • 21

    cadeias de aquisio do bem sobre o qual recai a evico (v. item 5, supra), no h como negar

    que eventual procedncia desta ao formar ttulo jurdico entre duas pessoas que no tm, no

    plano material, qualquer relao jurdica direta. Processualmente falando, este fenmeno s

    compreensvel do prisma da legitimao extraordinria porque, em ltima anlise, estaro, para

    recuperar os exemplos do item 5, supra, C atuando em nome de B, para quem alienou o bem

    depois alienado a A. Os dois contratos de transmisso da propriedade o de A e B e o de B e

    C so amalgamados para os fins do dispositivo; C defender, em ltima anlise, a

    regularidade dos ttulos de transmisso de propriedade em nome de toda a cadeia. No caso do

    bem imvel, Y substituto processual de X; Z, ru da ao ajuizada por X, tem execuo direta

    contra Y.

    Partindo desta premissa, parece-me possvel interpretar o pargrafo nico do art. 456 do

    Novo Cdigo Civil sem que ele seja incuo, disciplinando o que o Cdigo de Processo Civil

    sempre disciplinou: a possibilidade de o ru da ao principal (denunciante) no contestar (e

    tornar-se revel) e, sendo ru ou autor, no apresentar recurso, conformando-se com as decises

    jurisdicionais proferidas em seu desfavor. Se fosse este o objetivo da lei, o que teria se admitido

    seria a possibilidade de o denunciante render-se pretenso de seu adversrio, ensejando,

    nada mais do que uma hiptese de julgamento antecipado da lide, j conhecida pelo sistema

    processual civil (CPC, art. 330, II). Mesmo este julgamento, no entanto, no teria o condo de

    criar ttulo jurdico direto entre o adquirente que pertence a uma cadeia dominial e o alienante a

    que pertence a uma outra, a no ser que houvesse lei que admitisse que algum pudesse estar

    em juzo para tutelar relao jurdica alheia.

    Da que, para extrair do dispositivo seu mximo rendimento, proponho que ele seja

    interpretado no sentido de que, silente o denunciado (nos exemplos, C e Y) e manifesta a

    evico, a ao dever ser julgada em seu desfavor desde logo (procedente e improcedente nos

    dois exemplos que figurei, respectivamente), impondo-se ao denunciado, per saltum, as

    conseqncias da declarao judicial da evico. contra o seu patrimnio que vai se dirigir a

    execuo porque, no processo de conhecimento, compareceu para tutelar direito seu e de

    outrem. Em ltima anlise, representa ele toda a cadeia dominial. E isto aqui est a

    novidade mesmo sem relao de direito material subjacente. No porque o processo

    sobreponha-se ao direito material. Evidentemente que no. Mas porque o direito material

    passou a admitir, nesta situao, uma hiptese de legitimao extraordinria, dizer, que

    algum comparea em juzo para tutelar afirmao de direito alheio, vale frisar, sem

    necessidade de estar inserida em uma determinada situao material.56

    56. Um tal entendimento, com a ressalva da nota anterior, mereceu o apoio de Fredie Didier Jr., Regras processuais no novo Cdigo Civil, p. 92.

  • 22

    10) Consideraes finais

    As idias que desenvolvi neste muito breve trabalho devem ser recebidas muito mais

    como uma provocao intelectual para que todos pensemos sobre o assunto aqui retratado do

    que, propriamente, como concluses inafastves e inarredveis. Foi neste sentido que as

    desenvolvi originalmente e que agora, com as modificaes e atualizaes que me pareceram

    importantes, renovo-as para uma mais ampla divulgao.

    Servem, neste sentido, para homenagear um Professor que merece este ttulo, com p

    maisculo. O estmulo intelectual e seu conseqente desafio so as molas propulsoras daquele

    que se predispe a ensinar e daquele que sabe que ainda tem muito a aprender. Mesmo que para

    ensinar.

    Obrigado, Professor Arruda Alvim, por ter me ajudado de forma to incisiva a descobrir

    e a aprimorar esta minha vocao.

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