A Economia Local em Urok

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Estudo sobre a economia local em Urok, Arquipélago dos Bijagós, Guiné-Bissau. Uma iniciativa do IMVF e Tiniguena. Projecto Urok Osheni (Urok é lindo)

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A ECONOMIA LOCALDA ÁREA MARINHA PROTEGIDACOMUNITÁRIA DE UROK:DINÂMICAS, CONSTRANGIMENTOS E POTENCIALIDADES

Abilio Rachid Said e Alexandre Abreu

Setembro 2011

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FICHA TÉCNICAAutoria do Estudo:

Abilio Rachid Said e Alexandre Abreu

Revisão:

IMVF e Tiniguena

Composição e Edição:

IMVF e Tiniguena

Concepção Gráfica:

Matrioska Design

Impressão e Acabamento:

Co-Financimento:

Comissão Europeia

Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento

Depósito Legal:

ISBN: 978-989-97279-2-2

Tiragem:

Page 4: A Economia Local em Urok

ÍNDICESumário executivo ……………...................................………………………………………………………………………..............................................………… 5

Prefácio ......................……………...................................………………………………………………………………………..............................................………… 11

1. Introdução …………………………….……...............................................................………………………………………………………..…………………………… 13

1.1. Contexto geral do estudo - breve introdução sobre a Guiné-Bissau …..………..........................................….... 13

1.2. Objectivos do estudo ….....................................……………….................................………………………………………………………..… 19

1.3. Metodologia …………..……………….........................................................................………………………………………………………….… 20

2. A AMPC Urok ……………………………..….……....................................………………………………........................………………………………………… 23

2.1. Enquadramento: a AMPC Urok e o Projecto “Urok Osheni!”.….…..........................................……………………..… 23

2.2. Caracterização geral ………...................................………………………………………….............................…………………….…..……. 24

3. Dinâmicas socioeconómicas: realidades e constrangimentos ……..........................…………………...............……….…..………. 31

3.1. Actividades produtivas e estratégias de subsistência …………..………..…………........................................……….. 32

3.2. Propriedade e relações sociais de produção …………………….......….…..……....................................………………….… 37

3.3. Património e pobreza/afluência relativas …….……………..........……………….....................................………….…………… 40

3.4. Dinâmicas comerciais .................…………………………………………………………………......................................………………....... 47

3.5. Principais constrangimentos à actividade económica .….…………….…….........................................…….……....... 51

4. Estratégias de intervenção …………….....................……………………………………………………................................…………………………….. 57

4.1. Príncipios orientadores das estratégias de intervenção ……………..….........................................……………...………. 57

4.2. Apoio a fileiras produtivas estratégicas .........……………………………….....................................………………………...…….. 59

4.2.1. Apoio geral ao desenvolvimento da produção agrícola …............................................……………....…… 59

4.2.2. Apoio ao desenvolvimento de fileiras estratégicas do sector agrícola e das pescas ……..... 60

4.2.3. Produtos-emblema de Urok ……...............................………………..............................…...……………………………… 67

4.2.4. Outros produtos .……………….................................…............…………...................................……………………..………… 70

4.3. Formação técnico-profissional …..….............…………………………………………………….....................................……….…….. 70

4.3.1. Formação de base para a produção agrária …………....................………………..............................…………….. 73

4.3.2. Formação especializada em articulação com as necessidades do projecto “Urok Osheni!” 73

4.3.3. Formação para satisfação de procuras mais amplas ………......................…………...........................……. 74

4.4. Infra-estruturas e serviços de interesse comunitário……………………………...........................................…………...… 75

4.4.1. Expansão e reforço da rede de transportes …………......……..........................................………………....………. 76

4.4.2. Melhoria da cobertura sanitária e de serviços de saúde ……....……..........................................………… 78

4.4.3. Melhoria do fornecimento de agua potável ……..........……......…………....................................…………………. 79

5. Conclusões …………………………........................……………………………………………………………………………..................................………………... 81

Referências bibliográficas ………....................…………………………………………………………………………………….................................………… 83

Anexo I: Guiné-Bissau - indicadores económicos e socio-demográficos ……….………...………..................................……… 85

Anexo II: Índices de bens e dotação animal ……………………………………………………………..............…….................................……….. 87

Anexo III: Guião de apoio às entrevistas semi-estruturadas ………………………………..….........……................................…………. 91

Anexo IV: Questionário utilizado no inquérito aos agregados familiares .....………….....………................................……… 93

Anexo V: Fotografias ……………………..........................……………………………....................…………................................................…………….. 99

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Uma iniciativa do Projecto “Urok Osheni! - Conservação,Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas Urok”

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SUMÁRIOEXECUTIVO1. A Guiné-Bissau é um país costeiro afri-

cano, situado na zona de transição entre o

Sahel e as zonas costeiras guineenses mais

húmidas, cuja população residente é cons-

tituída por cerca de 1,5 milhões de indivídu-

os. Trata-se de um país fundamentalmente

agrário, muito dependente da exploração

dos recursos naturais e caracterizado por

níveis elevados de pobreza e pobreza ex-

trema. O sector agrícola, em particular a

produção e exportação de castanha de caju,

tem um papel central nas estratégias de

subsistência da população, na estrutura das

exportações e enquanto determinante do

crescimento económico.

2. Uma das oito regiões administrativas em

que se divide a Guiné-Bissau é a Região

Bolama-Bijagós, que possui uma população

residente de cerca de 34 mil habitantes.

Trata-se de uma região insular, que desde

1996 possui o estatuto de Reserva da Bios-

fera da UNESCO. A Área Marinha Protegida

Comunitária (AMPC) de Urok, sobre a qual

incide o presente estudo, encontra-se intei-

ramente contida na região administrativa de

Bolama-Bijagós. É constituída por três ilhas

principais - Formosa (designada por Urok na

língua Bijagó), Ponta (ou Nago) e Maio (ou

Chediã) – e por diversos ilhéus mais peque-

nos.

3. O presente estudo enquadra-se no pro-

jecto “Urok Osheni! - Conservação, Desen-

volvimento e Soberania nas Ilhas Urok”, que

tem vindo a ser implementado em parceria

pelas organizações não governamentais Ti-

niguena (Guiné-Bissau) e Instituto Marquês

de Valle Flôr (Portugal) e visa contribuir

para o reforço do processo de governação

participativa e para a melhoria das condi-

ções de vida da população residente no

AMPC Urok. Os objectivos específicos do

estudo consistem na identificação e com-

preensão das lógicas e dinâmicas socioeco-

nómicas locais, bem como na identificação

de constrangimentos e potencialidades de

modo a apoiar intervenções susceptíveis

de promover a melhoria do bem-estar das

comunidades residentes sem perturbar os

actuais equilíbrios socio-ecológicos.

4. O trabalho de campo no qual assentou

a elaboração deste estudo decorreu entre

26/11 e 04/12 de 2010 e envolveu a aplicação

e triangulação de métodos tanto quantita-

tivos como qualitativos em nove tabancas1

das três ilhas que constituem a AMPC Urok.

Em particular, foram realizadas 75 entrevis-

tas de inquérito a representantes de agrega-

dos familiares, 11 entrevistas semi-estrutura-

das e 4 focus-groups.

1 Do crioulo tabanka (id.): povoação ou aglomerado populacional

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A AMPC Urok: Aspectos Gerais

5. O processo de criação da AMPC Urok

remonta a contactos estabelecidos entre

a Tiniguena e a população local a partir

de 1993, sendo indissociável do processo

de criação e consolidação da Reserva da

Biosfera do Arquipélago Bolama-Bijagós.

O facto do complexo insular de Urok ser

uma das áreas centrais definidas aquando

do zonamento da Reserva da Biosfera levou

à sua progressiva transformação em área

protegida, com a particularidade do pro-

cesso de criação ter sido conduzido pela

Tiniguena na base de uma dinâmica

de desenvolvimento local, assente num

modelo de gestão marcadamente comunitá-

rio e participativo. O Projecto “Urok Osheni!”

surge na sequência deste processo, visando

consolidar e aprofundar esta dinâmica.

6. As três ilhas principais que constituem

a AMPC Urok caracterizam-se pelo predomí-

nio dos palmares naturais densos, mangais

e lalas. Porém, o coberto vegetal é tam-

bém muito marcado pelo aumento da área

afecta às plantações de caju e à agricultura

itinerante. O mangal, em conjugação com

os bancos vasosos, arenosos e rochosos,

desempenha um papel ecológico de extre-

ma importância na manutenção da produ-

tividade biológica da zona, particularmente

rica em espécies aquáticas. A diversidade

faunística da AMPC Urok é muito significati-

va, destacando-se a presença de numerosas

espécies de aves, a grande diversidade de

répteis ou espécies notáveis como o mana-

tim ou o macaco verde. Entre as espécies

vegetais, subsistem importantes relíquias

de espécimes de grande porte.

7. De acordo com os dados do recensea-

mento nacional realizado em 2009, a Região

de Bolama-Bijagós tem uma população total

estimada em cerca de 34.000 habitantes.

Destes, 2.928 indivíduos residem no terri-

tório correspondente à AMPC Urok, encon-

trando-se repartidos da seguinte forma:

1873 em Formosa; 436 em Chediã;

e 619 em Nago. A população não residente

é considerável, sendo em grande parte

constituída por indivíduos de etnia Papel

oriundos do continente, que temporaria-

mente imigram para o complexo de Urok

no quadro da exploração de recursos

naturais (peixe, moluscos, óleo de palma,

etc.), bem como por pescadores Nhomincas

originários do Senegal.

8. A população Bijagó da AMPC Urok vive

agrupada em aldeias (tabancas), geridas

de forma bastante autónoma pelos anciões

e dirigidas por régulos cuja autoridade pode

estender-se a uma ou mais tabancas.

A sociedade Bijagó encontra-se estruturada

de acordo com classes etárias (para cada

um dos sexos), às quais corresponde um

conjunto bem definido de direitos e obriga-

ções. A passagem de uma classe etária para

a seguinte é marcada por cerimónias

e ritos sócio-religiosos que ocupam um

lugar central na vida das comunidades.

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Dinâmicas socioeconómicas:realidades e constrangimentos

9. A AMPC Urok é um espaço onde o meio

biofísico, as estruturas socioculturais e as

actividades económicas se encontram em

articulação próxima e inseparável. A acti-

vidade produtiva é enquadrada de forma

bastante estrita por um conjunto de normas

tradicionais que se revestem de significação

sagrado-religiosa e que têm permitido asse-

gurar a manutenção de equilíbrios ecológi-

cos e sociais dinâmicos.

10. Em virtude das características do meio,

da forma de organização da produção e do

isolamento, uma parte muito substancial da

população vive numa situação próxima do

limiar de subsistência. A isso estão asso-

ciadas consequências adversas ao nível do

desenvolvimento humano (saúde, educação,

rendimento), mas também um conjunto de

estratégias específicas por parte da popu-

lação local, nomeadamente em termos de

redistribuição e solidariedade comunitárias

e ao nível da diversificação produtiva como

estratégia de subsistência.

11. A população de Urok é constituída,

no fundamental, por pequenos produtores

independentes, no sentido em que a produ-

ção, quer se destine ao auto-consumo quer

ao mercado, é na vasta maioria dos casos

levada a cabo mediante o recurso a factores

produtivos (trabalho, instrumentos, terra)

pertencentes ao próprio agregado. O pa-

gamento de rendas fundiárias como con-

trapartida pela utilização de terras é uma

prática praticamente inexistente. O trabalho

assalariado tem uma importância claramen-

te secundária.

12. A agricultura (e não a pesca) constitui

a base fundamental da economia da AMPC

Urok. Isso é verdade tanto no que se refere

ao auto-consumo como no que diz respeito

às mais importantes fontes de rendimento

monetário (entre as quais se destacam

o óleo de palma e a castanha de caju).

O cultivo do arroz de sequeiro (n’pampam),

a apanha de caju, a apanha de chabéu2,

a extracção de óleo de palma e a apanha

de combé3 são praticados por mais de 90%

dos agregados familiares. A aposta na diver-

sificação da produção por parte dos agre-

gados constitui uma estratégia fundamental

para aumentar a resiliência face à adversi-

dade, mas também constitui um obstáculo

à especialização e ao desenvolvimento do

mercado interno.

2 Do crioulo cabéu ou cebén, (id.): o chabéu é o fruto da palmeira de chabéu ou dendém, de bagaslaranjo-avermelhadas, que são a base de uma grande parte das especialidades culinárias guineenses;

3 Ou Kombé: o molusco de concha mais frequente no arquipélago, a mais acessível fonte proteína durantegrande parte do ano;

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13. Se a diversificação é a norma, isso não

significa que todas as actividades assumam

o mesmo papel ou importância: algumas

destas actividades destinam-se principal-

mente ao consumo do próprio agregado

(combé, n’pampam, feijão, vegetais hortíco-

las, mancarra, mandioca, arroz de bolanha),

enquanto outras se destinam fundamental-

mente ao mercado interno ou externo

(caju, óleo de palma).

14. As dinâmicas de acumulação e mobilida-

de social ascendente que são detectáveis

no contexto de Urok não assentam,

na maior parte dos casos, na actividade

directamente produtiva, mas sim na

actividade comercial. Os agregados

familiares que se dedicam ao comércio

em pequenos estabelecimentos e/ou ao

transporte e comercialização de produtos

de e para Bissau são aqueles que têm vindo

a conseguir capturar uma proporção re-

lativamente maior do valor acrescentado

associado às diversas fileiras e que exibem

maior dotação patrimonial em termos tanto

de bens duradouros de consumo doméstico

como de animais.

15. A reserva de valor sob a forma de di-

nheiro, no caso de montantes relativamente

consideráveis, é uma prática pouco comum.

Pelo contrário, a mais importante forma de

reserva de valor consiste nos animais, que

são convertíveis em dinheiro em caso de

necessidade. Em termos agregados, não

parecem existir diferenças muito significa-

tivas entre as três ilhas em termos da dota-

ção tanto de bens de consumo duradouros

como de animais. Porém, essas diferenças

são claras quando comparamos agregados

com diferentes fontes principais de rendi-

mento: o comércio e o caju estão associa-

dos a um nível de afluência relativamente

mais elevado, a pesca e o óleo de palma

a um nível mais reduzido.

16. A população de Urok encontra-se forte-

mente constrangida do ponto de vista do

acesso local a bens e serviços. São escas-

sas as necessidades adicionais que cada

agregado tem a possibilidade de satisfazer

através da troca directa ou indirecta da

produção própria com a das outras unida-

des familiares. O acesso local aos produtos

oriundos do exterior encontra-se constran-

gido pela debilidade dos canais de distribui-

ção. Há uma relação próxima entre ‘importa-

ções’ e ‘exportações’, pois, tipicamente,

as primeiras são levadas a cabo pelos mes-

mos actores que procedem às segundas.

O principal mercado de destino é Bissau,

com uma importância muito superior

a Bubaque ou Biombo.

17. É possível identificar cinco problemas

principais que constrangem a actividade

económica em Urok, com efeitos sobre os

níveis de rendimento e pobreza da popu-

lação: a questão da organização e divisão

sociais da produção; o problema das pragas

e doenças; a utilização de técnicas de me-

nor rendimento e o problema do acesso a

ferramentas e insumos; a questão dos trans-

portes e acessibilidades internas e externas;

bem como os problemas de coordenação ao

nível da comercialização. Com excepção do

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9

primeiro, consideramos possível e desejável

que uma estratégia de apoio aos produtores

locais actue sobre todos estes factores. São

formuladas propostas concretas de inter-

venção em relação a cada um deles.

Estratégias de intervenção

18. A intervenção deve assumir um carácter

estratégico, direccionar-se para o sector

primário (nomeadamente para a agricultura,

pecuária, exploração florestal e pesca)

e visar o aumento da produção e o reforço

da segurança alimentar. Nomeadamente,

uma tal estratégia deverá envolver:

(i) o estímulo ao consumo local; (ii) a cria-

ção de reservas com base na produção

local; e (iii) a coordenação do escoamento

dos produtos locais com maior potencial

comercial.

19. A actividade agrícola é susceptível de

introdução de novas culturas (milho, batata,

fruta-pão), inovações agro-técnicas e fac-

tores de intensificação (irrigação, material

vegetal mais produtivo, adubação orgânica,

formas de tratamento fitossanitários adap-

tadas e pequena mecanização) que poderão

trazer ganhos relativamente importantes em

termos de produção e rendimento.

20. Algumas fileiras, como a produção ani-

mal, o caju, o óleo de palma e a pesca, têm

uma importância especial ao nível da gera-

ção de rendimento e das dinâmicas comer-

ciais com o exterior. Outras são susceptíveis

de transformação em “produtos-emblema”,

ou “produtos-marca”, de Urok, como o sal,

a malagueta e o artesanato. São sugeridas

estratégias de intervenção e apoio à produ-

ção em relação a cada uma delas e assinala-

das algumas iniciativas já em curso.

21. A formação técnico-profissional constitui

outra importante linha estratégica de inter-

venção. Sugere-se que as futuras iniciativas

de formação técnico-profissional no âmbito

do Projecto “Urok Osheni!” sejam organiza-

das de acordo com três lógicas complemen-

tares: (i) formação de base para a produção

agrária, nomeadamente em articulação

com o sistema de ensino; (ii) formação em

articulação com as necessidades do próprio

Projecto “Urok Osheni!”, nomeadamente ao

nível da hotelaria, restauração e electrome-

cânica; e (iii) formação para a satisfação de

procuras mais amplas, designadamente ao

nível das técnicas de construção (alvenaria,

carpintaria, pintura) e da construção e repa-

ração de embarcações.

22. Têm-se registado progressos considerá-

veis ao nível das infra-estruturas de ensino,

comunicações, transportes e abastecimento

de água. Porém, subsistem importantes

carências em numerosos domínios, nome-

adamente e com especial acuidade nos

domínios da saúde, transportes e acesso

ao crédito. A intervenção nestas áreas

deverá ter em conta que a capacidade

de gestão das estruturas locais apresenta

bastantes debilidades, exigindo, pelo menos

inicialmente, um acompanhamento bastante

próximo.

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PREFÁCIO As comunidades do Arquipélago dos Bija-

gós em geral e do grupo das ilhas de “Urok”

(Formosa, Nago e Chediã), em particular,

têm conquistado durante séculos uma

convivência harmoniosa com o seu meio

ambiente natural circundante. Esta coabita-

ção só foi possível graças a uma engenhosa

estratégia do uso e utilização de diferentes

ecossistemas, na base duma combinação

de diferentes sistemas de produção.

Os Bijagós vivem essencialmente da agri-

cultura itinerante, da colecta de moluscos,

crustáceos e de produtos florestais não-

-lenhosos. A pesca, contudo, representa um

sector em plena expansão. Na maioria das

comunidades autóctones bijagós ela con-

tinua a ser de subsistência, orientada para

o consumo familiar e da aldeia (“tabanca”).

Estas comunidades sobrevivem explorando

uma multiplicidade de habitats, de ecossis-

temas e de recursos naturais. Esta estratégia

de combinação de práticas e uso dos recur-

sos naturais visa, por um lado, reduzir os ris-

cos da dependência dum só recurso, que se

poderia esgotar, ameaçando a sobrevivência

do grupo que dela depende, e, por outro,

pelo facto de não haver concentração de

esforços de exploração de um único recurso,

o que permite a regeneração e renovação

dos stocks e a sustentabilidade dos proces-

sos ecológicos fundamentais.

O sector agrícola, importante fonte de ocu-

pação para a grande maioria das populações

de Urok, continua a ser dominado por baixa

produtividade dos meios de produção e fra-

ca acumulação do capital. Daí que este estu-

do chame a atenção para os riscos de rápida

monetarização, que constitui uma grande

preocupação na medida que pode gerar al-

guns constrangimentos na manutenção das

tradições locais que até agora têm garantido

a coesão social e ancorado um sistema de

solidariedade baseado na interdependência

de classe de idades com funções sociais

específicas.

Nesta óptica, intervenções com vista

à promoção da melhoria do bem-estar

das comunidades locais residentes devem,

por um lado, contribuir para a elevação

do nível de vida das populações e, por outro

lado, para a manutenção do equilíbrio secu-

lar estabelecido entre o homem

e a natureza. Assim, no contexto de crise

económica e financeira originada e agudi-

zada pela especulação dos mercados e dos

hábitos de consumo desmedidos, torna-se

pertinente o surgimento de uma obra como

esta,capaz de apresentar ensinamentos

endógenos de gestão de espaços e recursos

vitais para a sobrevivência das populações,

que dependem particularmente do seu tra-

balho e do compromisso com a durabilidade

dos recursos.

Page 13: A Economia Local em Urok

12

Contudo, ao analisar processos de dinamiza-

ção ao nível da economia local em contextos

de insularidade, insolamento e vulnerabilida-

de do meio, este estudo coloca-nos peran-

te dilemas difíceis de pronunciação entre

o desenvolvimento versus conservação,

tradição versus modernidade, Estado versus

mercado…

Nesta base, o carácter comunitário da

gestão da Área Marinha Protegida de Urok,

alicerçado na articulação e diálogo inter-ac-

tores (comunidades locais, estado, organiza-

ções da sociedade civil e para-estatais, orga-

nizações internacionais), a diferentes escalas

(local, nacional, regional e internacional)

pode, assim, constituir uma interessante

estratégia de potenciação de uma economia

integradora da qual a Guiné-Bissau constitui

um laboratório de aprendizagem de excelên-

cia.

O trinómio Conservação, Desenvolvimentoe Soberania do projecto “Urok Osheni”

é prioritário para enfrentar estes desafios.

Justino Biai

PhD em Agroeconomia e

Encarregado de Programas IBAP

Bubaque, Setembro de 2011

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Contexto geral do estudo - breve introdução sobre a Guiné-Bissau

A Guiné-Bissau é um país costeiro africano

situado entre o Senegal, a Norte e a Repu-

blica da Guiné, a Sul. Localiza-se na zona

de transição entre a região saheliana, mais

seca e as zonas guineenses costeiras, que

se caracterizam por níveis mais elevados

de humidade. O seu território inclui um

conjunto de ilhas tropicais continentais

que formam o Arquipélago Bolama-Bijagós,

cuja parte Norte é constituída pelo comple-

xo insular de Urok (Formosa).

O complexo das ilhas de Urok é constituído

por três ilhas principais – Urok (ou Formo-

sa), Nago (ou Ponta) e Chediã (ou Maio) –

e por numerosos ilhéus mais pequenos,

fazendo parte da Região Bolama-Bijagós –

uma das oito Regiões Administrativas em

que se divide a Guiné-Bissau. Esta região,

à qual foi atribuído, em 1996, o estatuto

de Reserva da Biosfera da UNESCO, inclui

a Península de São João e a totalidade do

Arquipélago Bolama-Bijagós, sendo este

último constituído por cerca de 88 ilhas

e ilhéus que emergem na plataforma

marinha continental da Guiné-Bissau.

A costa da Guiné-Bissau é muito recortada

por rios e rias, os quais estiveram na origem

da sua designação, em tempos, como “Rias

do Sul”. A porção costeira e marinha do

território encontra-se na parte meridional

da eco-região da África Ocidental, sofrendo

a influência de numerosas correntes desta

região. Porém, devido à extensa platafor-

ma continental, a influência dos estuários

revela-se predominante, sobretudo nas

áreas costeiras e insulares. Com efeito,

a Guiné-Bissau possui uma das mais exten-

sas plataformas continentais marinhas entre

os países costeiros da África Ocidental.

As dinâmicas características das áreas de

estuários encontram-se presentes e activas

em quase toda a extensão desta plataforma,

influenciando a dinâmica hidro-sedimentar,

o transporte de nutrientes orgânicos e inor-

gânicos e as características físico-químicas

do meio marinho.

A população total da Guiné-Bissau é cons-

tituída por pouco mais de 1,5 milhões de

indivíduos (756 mil do sexo masculino

e 792 mil do sexo feminino) e a sua taxa

de crescimento efectivo é de cerca de 2,7%.

A Região Bolama-Bijagós é a menos povo-

ada de todas as regiões administrativas da

Guiné-Bissau: a sua população total é de

cerca de 33.900 habitantes (Figura 1).

Page 15: A Economia Local em Urok

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O país tem ocupado, de forma quase per-

manente, os últimos dez lugares a nível

mundial em termos de Índice de Desenvolvi-

mento Humano4, o que, por sua vez, traduz

e reflecte carências a múltiplos níveis:

- O rendimento per capita é de apenas

230 US$ (ou 138.200 Francos CFA) e tem-

-se caracterizado por uma significativa vo-

latilidade associada à instabilidade politico-

-governativa, sendo ainda assim de registar

uma taxa de crescimento de cerca de 3,1%

entre 2007 e 2009;

- A esperança média de vida à nascença

é de 46 anos (2006);

- A taxa de alfabetização de adultos

(15 - 49 anos) é 28.6% (MICS3 - 2006);

- A taxa bruta de natalidade é de 40,9/1000

(MICS3 - 2006);

- A taxa bruta de mortalidade é de 17,3/1000

(MICS3 - 2006);

- A taxa de mortalidade infantil

é de 138/1000 (MICS3 - 2006);

- A taxa de mortalidade com menos

de 5 anos é de 223/1000 (MICS3 - 2006);

- A taxa de mortalidade materna

é de 405/100.000 (MICS3 - 2006);

- A dimensão média dos agregados familia-

res é de 7,9 individuos (MICS3 - 2006);

- Apenas cerca de 36% e 12% das tabancas/

localidades têm acesso, respectivamente,

a água potável e a instalações de saúde

(INEC, 2010).

Figura 1: Distribuição da População pelas Regiões da Guiné-Bissau segundo os resultados provisórios do Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH) de 2009 (INEC, 2010).

População Total: 1.548.159 indivíduos

Tombali102,482; 7% Quinara

65,946; 4%

Biombo94,869; 6%

B. Bijagós33,929; 2%

Bafatá225,516; 14%

Gabú214,520; 14%

SAB384,960; 25%

Cacheu199,674; 13%

Oio226,263; 15%

4 Por exemplo, em 2009 o Índice de desenvolvimento Humano da Guiné-Bissau encontrava-se na 164º posição entre os 169 países constantes da tabela do PNUD. (http://hdrstats.unpd.org/en/countries/profiles/GNB.html).

Page 16: A Economia Local em Urok

15

O Anexo I deste estudo apresenta um con-

junto de indicadores socio-demográficos

adicionais. É de assinalar que, segundo

os resultados preliminares do mais recente

Inquérito por Amostragem aos Indicadores

Múltiplos (MICS) e dos Inquéritos Demográ-

ficos de Saúde Reprodutiva (IDSR), alguns

indicadores têm registado progressos

consideráveis: a taxa de escolarização

no ensino primário, por exemplo, aumentou

de 46,3 % para 69,8 % entre 1991 e 2010.

Ainda assim, estes progressos continuam

a revelar-se insuficientes para permitir que

o país abandone as últimas posições do

ranking mundial no que se refere à genera-

lidade dos indicadores de desenvolvimento

humano e socio-económico.

O Inquérito Ligeiro de Avaliação da Pobre-

za realizado em 2002 revelou que cerca de

65% da população vivia então em situação

de pobreza, dispondo de um rendimento

inferior a 2 US$ por dia (cerca de 1070

Francos CFA) - e que cerca de 21 % da

população vivia em situação de pobreza

extrema, com menos de 1 US$ por dia (534

Francos CFA). O ILAP 2002 revelou também

que a pobreza é um fenómeno com especial

incidência nas áreas rurais da Guiné-Bissau,

pois estas correspondiam então a cerca de

70% da população total, mas concentravam

cerca de 85% da população em situação

de pobreza. Entretanto, apesar do produto

e rendimento nacionais terem apresentado

uma tendência de crescimento nos últimos

anos, o problema da pobreza parece ter-se

acentuado, tornando cada vez mais remota

a possibilidade de alcançar os objectivos

estabelecidos no quadro dos Objectivos

de Desenvolvimento do Milénio. Com efeito,

os resultados provisórios do ILAP realizado

em 2010 indicam que cerca de 69%

da população encontra-se actualmente

em situação de pobreza – e cerca de 33%

em situação de pobreza extrema. Os resul-

tados do mais recente ILAP revelam tam-

bém a existência de uma forte associação

entre a dimensão dos agregados familiares

e o risco de pobreza, bem como entre este

último e os reduzidos níveis de escolaridade.

Finalmente, ilustram as implicações

da pobreza ao nível da segurança alimentar

da população: entre os indivíduos mais

pobres, a maior parte do rendimento dos

agregados familiares (mais de 65%) é afecto

à aquisição de alimentos.

A Guiné-Bissau é um país essencialmen-

te agrário. Cerca de 2 milhões de hectares

(55% do território nacional) encontram-

-se cobertos por uma grande diversidade

de formações florestais (PNIA, 2010), nas

quais são objecto de exploração a madei-

ra comercial, a lenha e diversos produtos

não lenhosos utilizados na economia local.

Estas formações têm sofrido uma tendência

geral de degradação ao longo do tempo

em consequência das alterações climáticas,

dos efeitos do fogo e conversão de terrenos

para a actividade agrícola (plantações de

caju, cultura itinerante, etc.) e dos efeitos da

actividade pastoril.

Page 17: A Economia Local em Urok

16

Existe um grande potencial para o desenvol-

vimento da agricultura e, em especial, das

culturas alimentares, para as quais, apesar

de tudo, continuam a existir condições

climáticas bastante favoráveis. Por exemplo,

a área potencial para a produção de arroz –

base da dieta guineense – é de 106.000 ha

e 150.000 ha para o arroz de bolanha e de

bas fonds, respectivamente. Destes, porém,

apenas cerca de 50% e 10% são actualmente

aproveitados (PNIA, 2010).

Os cajueiros ocupam uma área total de

plantação de cerca de 200.000 ha e estão

na origem do principal produto de exporta-

ção do país: a castanha de caju, cuja pro-

dução anual excede as 100.000 toneladas5,

apresentando uma tendência significativa

de crescimento. A exportação de caju de-

sempenha também um papel importante ao

nível da estrutura das receitas orçamentais:

em 2009, por exemplo, o imposto extraor-

dinário sobre a exportação de caju permitiu

ao Estado guineense arrecadar uma receita

de cerca de 1,9 mil milhões de FCFA. Para

além disso, a importância desta cultura é

bem ilustrada pelo facto de ser praticada

pela maioria das unidades de produção

familiares da Guiné-Bissau: a dimensão mé-

dia das plantações oscila em torno de uns

meros 1,6 ha.

Apesar do seu papel central, o sector agrí-

cola e, de uma forma mais geral, o mundo

rural, têm sido objecto de atenção insufi-

ciente. Por exemplo, a afectação de recursos

a este sector ao nível do Orçamento Geral

do Estado nunca ultrapassou os 5%. Ainda

assim, em 2010-2012 prevê-se a afectação

de 12% do orçamento no âmbito do “Quadro

de Despesas a Médio Prazo” (QDM), o qual

deverá dar prioridade aos sectores da agri-

cultura, saúde e educação.

O potencial para a produção pesqueira

é também muito significativo6, ainda que

escasseiem dados actualizados relativamen-

te ao potencial neste domínio. A produção

actual encontra-se estimada em cerca de

60.000 toneladas. A pesca é praticada em

todas as regiões e em especial nas zonas

costeiras, onde constitui a principal fonte de

proteínas da população7. Toda a zona costei-

ra é muito rica em biodiversidade e caracte-

riza-se pela elevada produção de biomassa,

salientando-se a presença de diversas espé-

cies de peixes de grande valor comercial.

A exploração dos recursos mineiros e petro-

líferos apresenta também um potencial mui-

to relevante. No entanto, parece faltar ainda

uma visão estratégica para a utilização dos

rendimentos futuros deste sector ao serviço

do desenvolvimento socioeconómico e da

5 Dados não confirmados apontam para uma exportação de cerca de 121.000 toneladas em 2010, bem como para uma produção total de 150 mil toneladas em 2010 e de cerca de 140 mil toneladas em 2009 (MEPIR, 2010).

6 Dados do PNIA apontam para um potencial de 275.000 toneladas, sendo o nível actual de exploração de 60.000 toneladas.

7 O consumo anual per capita de peixe está estimado em cerca de 26 kg.

Page 18: A Economia Local em Urok

17

melhoria das condições de vida das gera-

ções presentes e futuras. Em particular,

foi já confirmada a existência de reservas

significativas de fosfatos e bauxite. O poten-

cial de extracção petrolífera tem também

vindo a ser objecto de prospecção explo-

ratória, mas até ao momento não foi ainda

confirmada a existência de reservas com

viabilidade comercial.

Em suma, a economia guineense depende

muito fortemente da exploração dos recur-

sos naturais, especialmente do seu solo e

subsolo e de certos recursos específicos da

biodiversidade. A agricultura é responsável

por cerca de 45% do PIB nacional (INEC -

Contas Nacionais 2008), tendo apresentado

taxas de crescimento de 4% em 2004-2008

e de 6,3 % em 2009 – bastante superiores

às do PIB total, que oscilaram em redor dos

3%. Podemos por isso concluir que o sector

agrícola, especialmente a produção e expor-

tação de castanha de caju, têm constituído

o principal motor do crescimento económi-

co, apesar da volatilidade do preço desta

última mercadoria no mercado mundial.

A importância da agricultura é demonstrada

igualmente pelo facto de cada ponto

percentual de crescimento do PIB agrícola

estar associado a uma redução da incidên-

cia de pobreza em 2,0 % e 2,1% a nível nacio-

nal e nas áreas rurais, respectivamente.

Para a redução da pobreza, contribuiria

de forma especialmente eficaz uma estra-

tégia de desenvolvimento agrário centrada

nas culturas alimentares ou que procurasse

integrar os diversos sub-sectores agrários.

Porém, esta última exigiria níveis de investi-

mento bastante avultados, que permitissem

a criação de estruturas públicas sectoriais

e infra-estruturas direccionadas para

o desenvolvimento da produção agrícola

e do mundo rural. No contexto do Arqui-

pélago Bolama-Bijagós, incluindo na Área

Marinha Protegida Comunitária (AMPC)

Urok, este tipo de estruturas é virtualmente

inexistente. Aliás, mesmo a actividade das

Figura 2: Evolução das exportações da castanha do caju (2000-2010) (Mepir, 2010).

Evolução da exportação da castanha (2000-2010) em mil toneladas

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

72,7 78,0 72,8 75,0 93,2 96,1 92,3 87,9 116,6 136,7 121,0

Page 19: A Economia Local em Urok

18

organizações socioprofissionais voltadas

para o desenvolvimento da agricultura é

ainda muito incipiente em toda esta região

– ainda que, no caso específico da AMPC

Urok, se registe uma certa dinâmica de

desenvolvimento impulsionada por ONGs

como a Tiniguena e os seus parceiros.

O mesmo sucede com o sector empresarial,

cuja trajectória é exemplificada pelo desen-

volvimento do sector comercial – o qual

passou, ao longo do tempo, por diversas

fases conturbadas que comprometeram

o seu desenvolvimento. O período pós-

-independência trouxe consigo o desman-

telamento do sector privado e a criação de

um sector estatal alargado no contexto de

um modelo económico desenvolvimentista

de inspiração socialista. No sector comercial,

por exemplo, o Estado assumiu o conjunto

das actividades de importação e expor-

tação, bem como o comércio de retalho

formal, o que teve como consequência

a desestruturação e desmantelamento

do comércio privado. Este experimentou

depois um ressurgimento no contexto

da liberalização económica de meados

da década de 1980, mas foi posteriormente

muito prejudicado pela persistente instabili-

dade política e militar. Actualmente, o sector

comercial privado encontra-se novamente

em fase de expansão, estimulada pela pro-

gressiva inserção da economia guineense

no mercado sub-regional, pelo desenvolvi-

mento dos mercados locais e pela procura

mundial de produtos nacionais como a cas-

tanha do caju.

As pressões no sentido da intensificação

do crescimento económico fazem-se quase

sempre acompanhar por dilemas, não sendo

sempre fácil assegurar a exploração racional,

durável e sustentável dos recursos naturais.

Porém, de uma forma geral, as comunidades

locais da Guiné-Bissau têm assegurado tra-

dicionalmente este objectivo através do de-

senvolvimento de mecanismos sofisticados

de gestão dos recursos dos quais depende

a sua subsistência. É na penetração das

lógicas de mercado que podemos encontrar

a origem dos desequilíbrios que têm surgido

ao nível da relação com a natureza – e que

podem ter consequências tanto materiais

como imateriais muito negativas para as

populações locais e para o conjunto da

sociedade guineense. A degradação dos

recursos naturais daí decorrente tende

a exacerbar a pobreza tanto nos meios

urbanos como rurais e a comprometer

o desenvolvimento socioeconómico

e o futuro das gerações vindouras.

Em resultado do predomínio da racionali-

dade de mercado sobre o planeamento de

longo prazo, alguns dos mais importantes

recursos naturais da Guiné-Bissau encon-

tram-se já esgotados ou em fase de degra-

dação acelerada. Nalgumas zonas, os solos

têm sofrido acentuada degradação, tornan-

do-se marginais e improdutivos; noutras,

a extensão das florestas tem vindo a redu-

zir-se – e, com elas, a fauna e flora locais.

Tudo isto ameaça o património natural da

Guiné-Bissau e a subsistência e condições

de vida da população.

Page 20: A Economia Local em Urok

19

1.2 Objectivos do estudo

O presente estudo foi elaborado no contex-

to do projecto “Urok Osheni! - Conserva-

ção, Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas

Urok”, que reflecte e consubstancia uma

parceria de vários anos entre a ONG guine-

ense TINIGUENA8 e o Instituto Marquês de

Valle Flôr9 (IMVF), organização não gover-

namental de desenvolvimento portuguesa.

Tal como indicado nos Termos de Referência

(TdR) do presente estudo, pretende-se que

este contribua para os objectivos gerais de

“reforço do processo de governação parti-

cipativa” e para a “melhoria das condições

de vida” da população residente da AMPC

Urok.

Estes objectivos gerais relacionam-se com

o processo, actualmente em curso, de imple-

mentação de um modelo sustentado e inte-

grado de desenvolvimento para a Reserva

da Biosfera e, em especial, para as Unidades

de Conservação estabelecidas no seu inte-

rior. No caso da AMPC Urok, a prossecução

desses objectivos passa pelo reforço das

iniciativas de desenvolvimento socioeconó-

mico que têm vindo a ser implementadas

pela população com o apoio da Tiniguena,

nomeadamente em parceria com o Institu-

to Marquês de Valle Flôr e no contexto do

projecto “Urok Osheni! Conservação, Desen-

volvimento e Soberania nas Ilhas Urok”.

As intervenções previstas no âmbito deste

projecto articulam-se em torno dos seguin-

tes eixos principais:

• Valorização da cultura e reforço das

dinâmicas comunitárias;

• Aumento do acesso à educação e forma-

ção profissional e de base;

• Valorização, de forma durável, dos produ-

tos agrícolas e florestais, sem comprometer

os objectivos de conservação da AMPC

e a realidade sociocultural da população

residente – assegurando em particular

o respeito pelos mecanismos de solidarieda-

de e redistribuição de riqueza da sociedade

Bijagó;

• Promoção de actividades produtivas

e de transformação;

• Eliminação e/ou atenuação de constrangi-

mentos ligados à gestão dos factores

de produção; à transformação e armazena-

mento; aos transportes, comunicações

e infra-estruturas de apoio - e à colocação

dos produtos no mercado;

• Apoio à dinamização e criação de circuitos

de comercialização;

• Promoção de fileiras com potencial

para a criação de actividades de negócio

sustentáveis;

8 A Tiniguena é uma ONG guineense, criada em 1991, cuja intervenção incide particularmente nas áreas doambiente, pesca artesanal sustentável, segurança alimentar, apoio à economia local e desenvolvimento sustentável.

9 O Instituto Marquês de Valle Flôr foi fundado em 1951 e tem por missão a promoção do desenvolvimentosocioeconómico e cultural nos países de língua portuguesa. Desde 2001, marca presença em todos eles, actuando nas áreas da Cooperação para o Desenvolvimento, Educação para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária e de Emergência. O IMVF iniciou as suas actividades na Guiné-Bissau em 1999, concentrando a sua intervenção nos domínios do desenvolvimento rural e segurança alimentar, assistência técnica e reforço institucional, promoção de actividades geradoras de rendimento, educação, saúde e promoção da cidadania, numa logica de desenvolvimento integrado.

Page 21: A Economia Local em Urok

20

• Aproveitamento do potencial económico

de Biombo e Bissau enquanto mercados

e dinamização dos circuitos comerciais

já existentes;

• Promoção da viabilidade comercial

de alguns produtos locais.

Tendo os objectivos do projecto como

pano de fundo, o presente estudo tem

por objecto as dinâmicas socioeconómicas

locais da AMPC Urok e visa contribuir para

a compreensão das lógicas que caracteri-

zam a reprodução material da sua popula-

ção, designadamente no contexto das acti-

vidades produtivas locais e das dinâmicas

comerciais entre a AMPC Urok e o exterior.

Visa também a identificação de potencia-

lidades e oportunidades económicas que

sejam susceptíveis de promover, a curto

e médio prazo, a melhoria das condições

de vida da população - de uma forma que

não perturbe os equilíbrios ecológicos

existentes nem comprometa as lógicas

e estratégias de gestão e desenvolvimento

em curso na AMPC Urok. Tal como espe-

cificado nos TdR, o estudo procura ainda

identificar um conjunto de áreas para imple-

mentação de iniciativas de promoção

do empreendorismo e de apoio à criação

de pequenos negócios, bem como para

desenvolvimento de actividades de forma-

ção. Pretende-se com todas estas activida-

des contribuir de forma durável para

o desenvolvimento socioeconómico

da AMPC Urok e para a sua conservação,

nomeadamente através da criação de

condições propícias à fixação da população.

Adicionalmente, os resultados do estudo

poderão vir a servir de base para o desen-

volvimento de planos de negócios mais

detalhados que incidam sobre cada uma

das áreas e fileiras identificadas como

especialmente propícias e virtuosas.

No contexto do modelo de desenvolvimento

da AMPC Urok, assumem especial relevância

as características participativas do processo

de conservação e desenvolvimento, os níveis

de insularidade e isolamento do território

e a importância do património cultural da

população. É por isso fundamental pensar

e promover o desenvolvimento da AMPC

Urok de uma forma integrada e sustentável

– e é esse mesmo o objectivo assumido pelo

projecto “Urok Osheni! - Conservação,

Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas

Urok”. Pretende-se que este estudo

constitua uma contribuição nesse sentido.

1.3 Metodologia

A metodologia adoptada no contexto do

presente estudo resultou de um conjunto

de reuniões prévias entre os autores deste

estudo e diversos responsáveis da Tiniguena

e Instituto Marquês de Valle Flôr, nas quais

se procurou concretizar os objectivos

estabelecidos nos TdR tendo em conta

as propostas metodológicas da equipa

de consultores e o conhecimento prévio

do terreno por parte destas duas ONGs.

Para além da consulta de bibliografia

relevante, privilegiou-se a aplicação

e triangulação de três instrumentos

Page 22: A Economia Local em Urok

21

principais de obtenção de informação:

um inquérito aos agregados familiares,

de carácter estruturado e mais fechado;

entrevistas semi-estruturadas a actores

locais e focus-groups com residentes

de diversas tabancas.

A aplicação dos métodos directos de

recolha de informação primária teve lugar

aquando de um período de trabalho de

campo na AMPC Urok entre 26/11 e 04/12

de 201010. Considerou-se que a adopção

do método misto (triangulação de dados

qualitativos e quantitativos) permitiria

alcançar os melhores resultados possíveis,

tendo em conta os objectivos do estudo

e as restrições logísticas e temporais asso-

ciadas à realização do trabalho de campo.

Assim, no período de trabalho de campo

referido, foram efectuadas visitas a nove

tabancas das três ilhas principais que consti-

tuem o complexo de Urok (Abu, Ancadaque,

Acôco e Catem, em Formosa; Nago

e Cadjyirba, em Nago e Botai, Chediã

e Porto Nhominca, na iha de Chediã),

nas quais foi realizado um total de 75

entrevistas de inquérito, 11 entrevistas

semi-estruturadas e 4 focus-groups.

Assim, para além da observação presencial,

foram levadas a cabo as seguintes activida-

des em cada uma das tabancas:

• Abu (Formosa): 13 entrevistas de inquérito,

4 entrevistas semi-estruturadas (2 comer-

ciantes locais, 1 professor do ensino básico

e 1 marinheiro) e 1 focus-group (3 residentes

do sexo masculino);

• Ancadaque (Formosa): 14 entrevistas de

inquérito e 2 entrevistas semi-estruturadas

(comerciantes locais);

• Acôco (Formosa): 7 entrevistas de inqué-

rito e 1 entrevista semi-estruturada (comer-

ciante local);

• Catem (Formosa): 9 entrevistas de inqué-

rito e 1 entrevista semi-estruturada (comer-

ciante local);

• Nago (Nago): 6 entrevistas de inquérito,

1 focus-group (5 residentes locais do sexo

feminino)

• Cadjyirba (Nago): 13 entrevistas de inqué-

rito e 1 entrevista semi-estruturada (comer-

ciante local);

• Botai (Chediã): 1 focus-group (6 residentes

do sexo masculino)

• Chediã (Chediã): 11 entrevistas de inquérito

e 1 entrevista semi-estruturada (comerciante

local);

• Porto Nhominca (Chediã): 1 entrevista

de inquérito, 1 focus-group (6 pescadores

Nhominca do sexo masculino) e 1 entrevista

semi-estruturada (técnico de reparação

de embarcações).

As entrevistas de inquérito assentaram na

aplicação do questionário constante do

Anexo IV – o qual beneficiou, por sua vez,

de alterações introduzidas na sequência de

inquéritos de pré-teste. Visaram fundamen-

talmente a recolha sistemática de dados

representativos e susceptíveis de tratamen-

to quantitativo relativamente a seis domí-

10 A missão de terreno foi organizada em articulação com a Tiniguena e IMVF e beneficiou de apoio logísticode diversos elementos destas duas organizações. O trabalho de recolha de informação propriamente dito foirealizado pelos dois autores deste estudo e por Miguel de Barros e Ocante Sá, membros da direcção da Tiniguena.

Page 23: A Economia Local em Urok

22

nios: (i) características gerais dos agregados

familiares; (ii) actividades produtivas

e estratégias de subsistência; (iii) dotação

de competências e meios de produção;

(iv) rendimento e pobreza; (v) práticas

comerciais; e (vi) avaliação subjectiva de

constrangimentos e necessidades.

Tratou-se de um inquérito aos agregados

familiares, em que se adoptou o fogão

(ou fogon, que neste contexto constitui

a mais autónoma unidade de produção

e consumo) como critério para a identifica-

ção e demarcação dos agregados. Em cada

um dos casos, admitiu-se como responden-

te a pessoa indicada como sendo responsá-

vel pelo fogão, ou qualquer outra nomeada

por esta última como estando em condições

de proporcionar informação fiável acerca

das questões abordadas no questionário.

Não foi possível realizar o inquérito junto

de uma amostra aleatória dos agregados

familiares da AMPC Urok, uma vez que isso

exigiria o levantamento prévio do universo

de agregados – algo que não foi possível

realizar em virtude das restrições associadas

ao trabalho de campo. Assim, optou-se

antes pela identificação prévia de um con-

junto de tabancas que, por um lado, asse-

gurasse a representatividade das diferentes

modalidades assumidas por um conjunto de

variáveis consideradas fundamentais (ilha,

nível de centralidade/isolamento, compo-

sição étnica, importância relativa da pesca

e das actividades agrícolas) e, por outro

lado, reunisse um quantitativo populacional

significativo.

Em cada uma das tabancas, os agregados

foram seleccionados para inclusão na

amostra mediante um critério de conveniên-

cia (presença no local e disponibilidade para

a realização da entrevista), o que constitui,

naturalmente, um elemento adicional de

afastamento face às condições ideais de

aleatoriedade e representatividade. Porém,

estamos convictos de que estas opções

metodológicas não terão comprometido

a fiabilidade dos resultados, por dois moti-

vos principais: (i) por um lado, a dimensão

da amostra face ao universo pode ser consi-

derada bastante elevada: o número total

de elementos dos agregados incluídos

na amostra, segundo as informações

proporcionadas pelos respondentes,

foi de 645, o que corresponde a cerca de 1/5

da população total da AMPC Urok segundo

os dados do Recenseamento Interno reali-

zado pela Tiniguena e do Recenseamento

Geral da População realizado pelo INEC

(ver Capítulo 2); (ii) em segundo lugar,

procurou-se validar os dados quantitativos

recolhidos no contexto do inquérito aos

agregados familiares através da recolha

de uma quantidade substancial de informa-

ção qualitativa (tanto aquando das entrevis-

tas semi-estruturadas e focus-groups como,

por vezes, durante as próprias entrevistas

de inquérito). São ainda de assinalar os fac-

tos de não se ter verificado qualquer recusa

de participação no inquérito e de o nível

de não-respostas a questões específicas ter

sido negligenciável. Estamos, pois, convictos

de que a probabilidade de erro estocástico

ao nível da maior parte dos indicadores esti-

mados no contexto deste inquérito pode ser

considerada relativamente baixa.

Page 24: A Economia Local em Urok

23

Por sua vez, as entrevistas semi-estrutura-

das tiveram por base o guião constante do

Anexo III e visaram sobretudo a obtenção

de informação qualitativa relativamente às

dinâmicas e constrangimentos que caracte-

rizam as actividades produtivas e comerciais

dos residentes de cada tabanca e da AMPC

Urok como um todo. Em cada um dos ca-

sos, porém, procurou-se explorar também

um conjunto de temáticas mais específicas

associadas à actividade profissional desen-

volvida pelos entrevistados (p.e., professo-

res, comerciantes, marinheiros) ou por estes

espontaneamente introduzidas no contexto

das entrevistas.

Finalmente, a opção pela realização de um

conjunto de focus-groups (o terceiro méto-

do sistemático de obtenção de informação

adoptado no contexto deste estudo) teve

como objectivo principal explorar duas das

virtudes principais deste método: a possibi-

lidade de recolher informação junto de um

número relativamente elevado de informan-

tes num período de tempo relativamente

curto, o que constitui uma vantagem impor-

tante no contexto de um trabalho de campo

caracterizado por restrições temporais;

e a possibilidade de estimular e tirar partido

da interacção entre os intervenientes

no focus-group, particularmente no que

respeita a apreciações subjectivas relativa-

mente a diferentes matérias.

2. A AMPC Urok2.1 Enquadramento: a AMPC Uroke o Projecto “Urok Osheni!”

Os primeiros contactos entre a Tiniguena

e os “homis garandis”, ou anciões, de Urok

tiveram lugar em 1993, na casa do Ambiente

e Cultura Bolama-Bijagós, “sede” da Reserva

da Biosfera. A este encontro seguiram-se

muitos outros, que progressivamente

permitiram o desenvolvimento de relações

de parceria e o lançamento das bases para

o processo de criação da AMPC Urok.

A criação desta última é indissociável do

processo de consolidação da Reserva da

Biosfera do Arquipélago Bolama-Bijagós:

aquando do processo de zonagem da

Reserva da Biosfera, as áreas consideradas

mais frágeis foram incluídas na chamada

zona central, que impõe restrições mais

apertadas em matéria de conservação,

tendo sido anunciado o objectivo de trans-

formar progressivamente essas zonas cen-

trais em unidades de conservação (parques

ou áreas protegidas). O processo de criação

da Área Marinha Protegida Comunitária

teve por isso como antecedente o facto

de toda a área de Urok ter sido previamente

classificada como uma das zonas centrais

da Reserva da Biosfera.

Page 25: A Economia Local em Urok

24

Todo o processo de criação da unidade de

conservação foi conduzido pela Tiniguena

na base de uma dinâmica de desenvolvi-

mento local, caracterizando-se pelas medi-

das adoptadas ao nível da gestão dos re-

cursos naturais locais e pela implementação

de um modelo de gestão marcadamente

comunitário. Para este processo, contribui-

ram também os processos de reflexão

a nível da sub-região da África Ocidental

que estiveram na origem da criação do

Programa Regional Costeiro e Marinho,

bem como a dinâmica dos movimentos

ambientalistas internacionais no sentido

da criação de unidades de conservação

em benefício das comunidades locais.

Aliás, o próprio processo de criação da

AMPC Urok permitiu avanços significativos

ao nível do dispositivo jurídico-institucional

da lei-quadro das áreas protegidas, que na

sua tipologia de áreas protegidas não previa

inicialmente este tipo de gestão assente em

bases comunitárias.

2.2 Caracterização geral

LocalizaçãoA AMPC Urok localiza-se no estuário do Rio

Geba, na parte setentrional do Arquipélago

Bolama-Bijagós. A extremidade nordeste

do território da AMPC Urok é constituída

pelas Coroas de Papagaio e de Formosa, as

quais são recortadas por diversos canais de

profundidade considerável, como sejam os

Canais de Formosa, Pelicano, Flamingos e

Papagaio. A extremidade sudeste é cons-

tituída pelo prolongamento do canal de

Formosa em direcção aos baixios da Ilha

de Soga. A Sul, a AMPC Urok encontra-se

separada das ilhas de Edana e Enu por um

canal sem nome, enquanto que, a Oeste

e Noroeste, se encontra a ilha de Carache,

separada de Urok pelas coroas de São Fran-

cisco e por um outro canal de profundidade

considerável.

O complexo insular central de Urok é consti-

tuído por três ilhas principais – Formosa

(ou Urok, na língua Bijagó), Maio (Chediã)

e Ponta (Nago) –, bem como por numerosos

ilhéus mais pequenos, dos quais os maiores

são os ilhéus de Manassa (Acôco) e Meio

(Quai). Em virtude da sua proximidade,

estas ilhas e ilhéus formam um conjunto

único, apenas separado pelo canal do Meio

e pelas suas diversas ramificações. Aliás,

durante o período da baixa-mar, alguns

destes ilhéus e ilhas ficam ligados entre si.

Em redor deste complexo insular central,

a maior distância, existem diversos outros

ilhéus mais pequenos, como os ilhéus de

São Francisco, Papagaios, Torre, Canais,

Pedras, Flamingos, Rumai e Ancadongue.

A definição dos limites externos teve por

critério, de uma forma geral, a isobata dos

10 metros de profundidade. No interior

deste espaço, recortados por alguns canais

profundos, destacam-se extensos baixios,

formados através da acumulação de sedi-

mentos fluvio-marinhos, que emergem

à superfície aquando da baixa-mar. A par-

te marinho-aquática da AMPC encontra-se

inteiramente contida nas águas interiores

da Guiné-Bissau.

Page 26: A Economia Local em Urok

25

A Figura 3 representa a distribuição de

superfície terrestre da AMPC Urok segundo

o tipo de cobertura vegetal e a forma de

utilização. Destaca-se o predomínio dos

palmares naturais densos, mangais e lalas,

especialmente nas ilhas principais do com-

plexo insular: Formosa, Nago e Chediã.

Porém, a distribuição do coberto vegetal

reflecte também o aumento da área afecta

à plantação de caju e ao ciclo de cultura

itinerante. Embora isso não seja visível na

Figura, é de referir que em Nago e Chediã

se verifica, por outro lado, uma pressão

adicional sobre a terra em resultado da imi-

gração de indivíduos de etnia Papel, prove-

nientes da região de Biombo, no território

continental da Guiné-Bissau.

O mangal, que ocupa uma superfície consi-

derável (7.120 ha), desempenha, juntamente

com os bancos vasosos, arenosos e rocho-

sos, um papel ecológico de extrema impor-

tância na manutenção da produtividade

biológica desta zona particularmente rica

em espécies marinhas e aquáticas – entre

as quais se destacam o manatim, os golfi-

nhos e diversas espécies de peixe de grande

valor comercial. Os bancos e mangais são

também utilizados como zonas de alimen-

tação e repouso por numerosas espécies

de aves aquáticas migradoras, algumas das

quais utilizam alguns dos ilhéus da AMPC

como zonas de nidificação.

Figura 3: Superfície e cobertura vegetal da AMPC Urok (Total 20,755 ha) (Fonte: Suco-Crad)

Aglomerados Populacionais;

272,3; 1%

RiziculturaItinerante sobre

Queimadas;509,2; 2%

Palmares Densos;8487,9; 41%Mangal;

7120,9; 34%

Savanas comVestigios de Cultura;

100,5; 1%

Lalas;1563,5; 8%

Savana Herbáceasobre Solos Arenosos;

1065,3; 5%Savana Arborea;

390,6; 2%

Fourre (Cerrados);329; 2%

Palmares poucoDensos;

815,6; 4%

Page 27: A Economia Local em Urok

26

Em terra, destaca-se a grande diversidade

de répteis e a presença do macaco verde,

ou macado de tarrafe (Cercopithecus ae-

thiops sabaeus). A diversidade florística

é também muito significativa – especial-

mente nas zonas sagradas, onde subsistem

algumas relíquias de espécimes de grande

porte – e é objecto de utilização no contex-

to da farmacopeia tradicional.

Demografia11

A população total da Região Bolama

-Bijagós é de cerca de 34 mil habitantes:

16.700 do sexo masculino e 17.200 de sexo

feminino. A faixa etária compreendida entre

os 15 e os 44 anos constitui cerca de 50%

da população total (18.329); os menores

de 15 correspondem a 37% (13.464); e os

maiores de 44 constituem cerca de 13%

da população (4.872). As partes urbaniza-

das desta região, principalmente a cidade

de Bolama e a vila de Bubaque, concentram

9.118 habitantes. A população economica-

mente activa da Região Bolama-Bijagós

é composta por 10.27812 indivíduos – embora

este número subestime os níveis reais

de participação nas diversas actividades,

uma vez que os menores, tanto do sexo

masculino como feminino, participam

igualmente nas actividades de produção

e reprodução das unidades familiares.

Dentro do universo dos activos, 401 são

funcionários públicos, 3.810 são trabalhado-

res do sector privado e os restantes desen-

volvem diferentes actividades no mundo

rural, com predominância para a agricultura,

enquanto produtores independentes.

A população total da região Bolama-Bijagós

encontra-se agrupada em cerca de 4.839

agregados familiares. Destes, apenas 262

residem em alojamentos de construção

definitiva – a vasta maioria (4.577) reside

em construções de carácter precário.

Apenas 172 agregados têm acesso a água

potável canalizada e o número dos que

dispõem de uma fonte de energia eléctica

é ainda menor (155). A esmagadora maioria

dos agregados (4.649) utiliza a lenha como

principal fonte de energia. Os níveis de

acesso à maior parte dos bens duradouros

domésticos é reduzido, como foi aliás con-

firmado directamente no quadro do inqué-

rito desenvolvido no contexto do presente

estudo (ver Capítulo 3).

Entre os diversos sectores administrativos

em que se divide a Região Bolama-Bijagós,

o de Formosa-Caravela é o que contém

o menor número de habitantes: 4.263.

Destes, 2.928 residem no complexo insular

de Urok - 1.471 do sexo masculino e 1.457

do sexo feminino. A Ilha de Formosa

é a mais povoada, com 1.873 habitantes;

Chediã conta com 436 habitantes e Nago

com 619. A população não residente é consi-

derável (embora não tenha sido claramente

identificada pelo Recenseamento) e é em

11 Elaborado com base em dados ainda não publicados do Recenseamento da População e Habitação de 2009 (INEC).

12 Definidos no contaxto do Recenseamento como correspondendo aos individuos com 15 anos ou mais que prati-cam alguma actividade produtiva.

Page 28: A Economia Local em Urok

27

grande parte constituída por indivíduos

de etnia Papel originários do continente,

que imigram temporariamente para

o complexo de Urok a fim de explorarem

diversos recursos naturais (peixe, moluscos,

óleo de palma, etc.). Existe também uma

considerável comunidade Nhominca, oriun-

da do Senegal. Os ilhéus mais pequenos

não são habitados, mas são objecto de

utilização temporária no quadro de activida-

des de colecta de moluscos, culturas itine-

rantes e cerimónias religiosas tradicionais.

Aspectos socioeconómicosA população Bijagó vive agrupada em

aldeias (tabancas) sujeitas à autoridade

tradicional dos anciões, os quais são dirigi-

dos por um régulo que é coadjuvado nas

suas funções pelo “dono da tabanca”.

A autoridade do régulo pode estender-se

a uma ou mais tabancas. Em cada tabanca,

a comunidade encontra-se dividida e orga-

nizada segundo classes etárias (de ambos

os sexos), a cada uma das quais corres-

ponde um estatuto, direitos e obrigações

bem definidos. A passagem de uma classe

etária para a seguinte é marcada por um

conjunto de ritos e actividades complexos

que, nalguns casos, se prolongam por mui-

tos meses. Os indivíduos pertencentes às

classes etárias mais jovens prestam serviços

e devem obrigações às mais velhas como

“contrapartida” pela iniciação, educação

e socialização.

Apesar de, para numerosos efeitos, a gestão

da vida quotidiana de cada tabanca ter

lugar de forma colectiva e comunitária,

os agregados familiares são essencialmente

autónomos ao nível da produção, possuindo

os seus próprios terrenos de cultivo, plan-

tações e bolanhas. Em certos casos, porém,

os terrenos são detidos colectivamente pela

djorson ou clã – unidade mais ampla que

reune um conjunto de agregados unidos

por laços de parentesco.

Os recursos naturais são extremamente im-

portantes para a subsistência desta popula-

ção essencialmente agrícola, cuja actividade

mais básica consiste na cultura itinerante do

arroz (n’pam-pam) em terrenos previamente

sujeitos a queimadas. Nalgumas áreas da

AMPC Urok, como é o caso da tabanca de

Abu, pratica-se também o cultivo de arroz

de bolanha. O arroz constitui, aliás, a base

da alimentação da população de Urok,

sendo complementado por culturas secun-

dárias como o feijão, a mandioca, a batata

ou a mancarra. O caju, originalmente intro-

duzido na era colonial, tem vindo a ocupar

um lugar cada vez mais central nas estraté-

gias de subsistência da população de Urok

(aliás à imagem do que tem sucedido um

pouco por todo o país), que encontra nos

diversos produtos associados ao caju

(castanha, vinho de caju, “n’sum-sum”)

a possibilidade de aumentar os seus níveis

de rendimento.

Page 29: A Economia Local em Urok

28

A produção agrícola é complementada pela

criação de gado, pela exploração florestal

(sobretudo extracção de chabéu e produção

de óleo de palma), pela pesca tradicional

e pela apanha de moluscos e crustáceos.

A criação de galinhas, cabras, porcos

e vacas é praticada pela quase totalidade

das famílias (ver Capítulo 3), que encaram

esta actividade como uma forma de manter

uma reserva de valor susceptível de repro-

dução. Porém, tanto a agricultura como

a criação de gado são afectadas com regu-

laridade por pragas e doenças que compro-

metem as colheitas e dizimam o gado.

A pesca artesanal local, que em tempos ti-

nha um peso muito inferior à actividade dos

pescadores oriundos do exterior, floresceu

ao longo dos últimos dez anos em conse-

quência das restrições impostas pelas regras

da AMPC, que estabelecem um conjunto

de zonas de pesca de utilização exclusiva

por parte da população local. É de assinalar,

por outro lado, a ocorrência de conflitos

entre a população autóctone e alguma

população provinda do exterior, de etnia

Papel, em resultado das modalidades de

exploração dos recursos naturais mais

intensivas e direccionadas para o mercado

exterior (Biombo e Bissau) adoptadas por

esta última. Tal tem sido veriificado, nomea-

damente, no contexto da actividade pisca-

tória e da exploração de produtos florestais

(óleo de palma, palha, cibe13, etc.).

As estruturas públicas de apoio ao desen-

volvimento da actividade produtiva são pra-

ticamente inexistentes – e as estruturas que

existem limitam-se aos domínios da admi-

nistração, segurança, ensino básico e saúde.

Por sua vez, o sector empresarial privado

é basicamente constituído pelos operado-

res comerciais, incluindo um número relati-

vamente elevado de comerciantes de caju

que operam exclusivamente no período da

campanha deste produto. Tudo isto ilustra

de que modo o isolamento e a insularida-

de introduzem dificuldades adicionais que

acrescem às que são sentidas de uma forma

geral pela população da Guiné-Bissau.

Os sectores da educação, transportes,

comunicações e água são alguns daqueles

em que é mais visível o impacto da acção

da Tiniguena e seus parceiros, tendo sido

registados progressos muito significativos

ao longo da última década. Porém, dado

o grau das carências que se fazem sentir,

é certo que os níveis de provisão estão

ainda longe de garantir a plena satisfação

das necessidades básicas da população

de Urok.

13 Madeira de palmeira.

Page 30: A Economia Local em Urok

29

A Figura 4, elaborada com base nos resulta-

dos do Recenseamento de 2009, representa

os níveis de acesso a um conjunto de servi-

ços básicos nos diversos sectores adminis-

trativos da Região Bolama-Bijagós.

Percebe-se claramente que, de uma forma

geral, se trata de uma região desfavorecida

e caracterizada por carências significativas –

e que o sector de Formosa-Caravela

é atingido por essas carências de forma

especialmente aguda. Tudo isto reflecte

a dificuldade demonstrada pelo Estado

guineense em assumir plenamente

a responsabilidade pelo desenvolvimento

do Arquipélago, apesar dos diversos planos

que têm sido elaborados com esse objectivo

– designadamente, no quadro do Projecto

de Desenvolvimento Integrado das Ilhas

Bijagós e das Propostas de Desenvolvimen-

to Integrado da Reserva da Biosfera

Bolama-Bijagós.

Figura 4: Número de tabancas e disponibilidade de escolas, serviços de saúde e furos de água nos sectoresadministrativos da Região Bolama-Bijagós (INE, 2010).

Bolama-

Bijagós Bolama Bubaque Uno Caravela

Nº total de tabancas 243 80 58 59 46

Com escola 49 15 15 10 9

Serviço de saúde 32 11 4 14 3

Furo de água 51 22 11 14 4

275

250

225

200

175

150

125

100

75

50

25

-

Page 31: A Economia Local em Urok

30

Potencial económicoda região Bolama-BijagósO potencial económico da região assenta

principalmente nos seus recursos naturais

e, em especial, nos recursos vivos renováveis

- existe um potencial pesqueiro, agrícola

e florestal muito significativo. A maioria

da população pratica a agricultura, a explo-

ração florestal artesanal e a pesca tradicio-

nal. Em geral, os solos tropicais são pouco

férteis e muito sensíveis aos fenómenos

erosivos, mas aqui, apesar da descontinui-

dade territorial, podem ainda ser considera-

dos abundantes em relação à dimensão da

população. Por outro lado, a disponibilidade

de água, restrição fundamental da produção

agrícola tradicional, é em geral suficiente-

mente garantida pelas chuvas, apesar de

alguma irregularidade. A exploração florestal

é muito adaptada, assentando sobretudo na

extracção de óleo, lenha e madeira de cons-

trução e na colecta de produtos não lenho-

sos destinados à alimentação, farmacopeia

e usos religiosos e culturais.

As águas do arquipélago são ricas em

espécies de peixe de grande valor comercial,

embora se desconheça a capacidade de

produção de forma precisa. Em todo o caso,

trata-se de uma das zonas de pesca mais

procuradas pelos pescadores nacionais

e da sub-região. A população cobre grande

parte das suas necessidades proteicas

através do consumo de peixe e moluscos.

No interior da AMPC Urok, o potencial

pesqueiro é também muito considerável

e, se gerido de forma durável, poderá

proporcionar benéficos consideráveis

à população local residente, que dela

beneficia de forma quase exclusiva.

Finalmente, há a registar o potencial turísti-

co considerável da AMPC Urok, que advém

não só das características paisagísticas

desta área insular como também da pre-

sença de recursos faunísticos e florísticos

importantes e atractivos, que podem vir a

viabilizar a implementação de iniciativas de

turismo sustentável – embora, naturalmen-

te, seja fundamental que qualquer processo

desse tipo atenda às especificidades e res-

trições da AMPC Urok e ao objectivo último

de melhorar de forma sustentável as condi-

ções de vida da população.

Page 32: A Economia Local em Urok

31

3. DINÂMICAS SOCIOECONÓ-MICAS:REALIDADESE CONSTRAN-GIMENTOSA Área Marinha Protegida Comunitária

de Urok, tal como o Arquipélago dos Bijagós

de uma forma mais geral, é um espaço onde

o meio biofísico, as estruturas socioculturais

e as actividades económicas (entendidas

como o conjunto de actividades que asse-

guram a reprodução material das comunida-

des) se encontram em articulação próxima

e inseparável. Para além do quadro legisla-

tivo formal (e quase sempre com tanta ou

mais importância do que este), as activida-

des produtivas são enquadradas e reguladas

de uma forma bastante estrita por um dis-

positivo normativo de carácter tradicional,

que se reveste frequentemente de significa-

ção sagrado-religiosa e que é o resultado

de uma lenta evolução das instituições,

de um modo que tem permitido assegurar

a manutenção dos equilíbrios ecológicos

e sociais. É importante sublinhar que se

trata de um sistema dinâmico, pontuado

por equilíbrios quase sempre precários,

no contexto do qual as estruturas, práticas

e representações se vão modificando em

resultado da introdução de novos elementos

(tecnologias, procuras, ofertas e até

novos grupos humanos) provindos

do exterior, das alterações bioclimáticas

e da própria autonomia relativa da esfera

sociocultural.

Urok é também um espaço onde uma parte

substancial da população se encontra pró-

xima do limiar de subsistência, o que está

associado a um conjunto complexo de fac-

tores – entre os quais se incluem as caracte-

rísticas do meio, a forma de organização da

produção, a dificuldade de aproveitamento

de economias de escala e o impacto do

isolamento e da insularidade sobre o aces-

so a insumos e sobre a estrutura de custos.

Esta articulação de factores tem obviamen-

te repercussões adversas ao nível do de-

senvolvimento humano (saúde, educação,

rendimento/pobreza), mas está também na

origem da adopção de um conjunto notável

de estratégias de resposta, nomeadamente

ao nível dos mecanismos de redistribuição

e solidariedade comunitária ou em termos

de diversificação da produção. Esta última

é, aliás, uma das características mais salien-

tes da economia local da AMPC Urok:

o reduzido grau de especialização e a conju-

gação, por parte dos diversos agregados

familiares, de um conjunto alargado de

actividades produtivas como forma de au-

mentar a resiliência em face da adversidade.

Se é verdade que, de uma forma geral,

é possível apontar diferenças entre as

diversas tabancas e comunidades em

termos da preponderância relativa das

actividades agrícola, piscatória e outras

(bem como, dentro da actividade agrícola,

no que se refere à importância relativa das

Page 33: A Economia Local em Urok

32

diferentes culturas), não é menos verda-

de que, por exemplo, todos os agregados

familiares que se dedicam à pesca praticam

também a agricultura e que, de uma forma

mais geral, são virtualmente inexistentes os

agregados que se dedicam exclusivamente

a um único tipo de actividade.

Naturalmente, a diversificação não é apenas

uma fonte de resiliência face ao risco e à

adversidade; é também uma barreira à espe-

cialização, ao desenvolvimento do mercado

interno (i.e. intra-ilhas) e à adopção de téc-

nicas e práticas que permitam rendimentos

mais elevados. Está, por isso, associado

a consequências tanto positivas como

negativas. Ainda assim, é especialmente

importante ter em conta que intervenções

profundas que provoquem a perturbação

dos equilíbrios ao nível das estratégias de

subsistência, mesmo que em princípio con-

ducentes a ganhos de produtividade glo-

bais, podem ter consequências muito

nefastas (aumento da incidência de pobre-

za, desigualdade, despovoamento, perturba-

ção dos equilíbrios socioculturais

e ecológicos). Para lá dos dilemas ao nível

da divisão social do trabalho, porém, encon-

tramos outros factores – da organização dos

canais de distribuição à dotação de meios

de produção, passando pelas pragas agríco-

las – que contribuem para a vulnerabilidade

da economia de Urok e, por essa via, para

o agravamento dos níveis de pobreza da

população. Havendo margem para progres-

so e melhoria a esses níveis, é neles que em

princípio deverá incidir a primeira linha das

intervenções de fomento da economia local.

As próximas secções deste capítulo

desenvolvem cada um destes argumentos

e apresentam dados quantitativos e qualita-

tivos relativamente a cada um deles,

de modo a proporcionar uma perspectiva

analítica sobre cinco aspectos da economia

local de Urok: actividades produtivas

e estratégias de subsistência; propriedade

e relações sociais de produção; rendimento

e pobreza; dinâmicas comerciais; e, final-

mente, uma súmula dos principais constran-

gimentos à actividade produtiva.

3.1 Actividades produtivase estratégias de subsistência

Urok, tal como o Arquipélago dos Bijagós

e a Guiné-Bissau de uma forma mais geral,

é fundamentalmente uma sociedade de

pequenos produtores independentes,

no sentido em que a produção, quer se

destine ao auto-consumo quer ao mercado,

é na vasta maioria dos casos levada a cabo

mediante o recurso a factores produtivos

(trabalho, ferramentas, terra) pertencentes

ao próprio agregado (ou, no caso da terra

destinada a certas culturas agrícolas, ao

djorson)14. Com efeito, entre os 75 respon-

dentes abrangidos pelo inquérito, apenas

28 indicaram que algum dos elementos

do agregado recebeu dinheiro em troca

de trabalho nalgum momento dos doze

meses anteriores, o que revela desde já que

o recurso ao trabalho assalariado assume

um papel muito secundário e complementar.

14 O termo crioulo djorson reporta à palavra portuguesa geração, mas tem o significado mais lacto de linhagemou série de gerações de uma família; conjunto de ascendentes e de descendentes de uma pessoa; clã.

Page 34: A Economia Local em Urok

33

15

13

10

8

5

Figura 5: Número de actividades produtivas (de entre as quinze explicitamente indicadas no questionário)praticadas nos doze meses anteriores pelos agregados incluídos na amostra (diagrama de extremos e quartis16) (fonte: inquérito aos agregados familiares).

15 Pesca, cultivo de arroz de bolanha, cultivo de n’pampam, cultivo de feijão, cultivo de macarra, apanha de caju, cultivo de mandioca, apanha de combé, apanha de chabéu, extracção de óleo de palma, produção de sal, fabrico de cestaria, comércio, horticultura e produção de esteiras. O inquérito previa ainda a possibilidade de indicação de “outras” actividades (não antecipadas), tendo-se verificado, entre estas últimas, frequências relativamente elevadas de respostas referentes ao fabrico de artesanato (“canapés”), produção de bebidas alcoólicas e fabrico de sabão.

16 Nota: o diagrama de extremos e quartis é uma forma conveniente de representar uma distribuição, na qual o traço horizontal mais em baixo representa o mínimo da distribuição, o traço horizontal que constitui a ‘parte de baixo da caixa’ representa o primeiro quartil (25% da distribuição) e assim por diante (mediana, terceiro quartil e máximo). Eventuais ‘outliers’ (valores anornalmente reduzidos ou elevados), que não existem no caso desta Figura, são representados através de pontos ou estrelas.

As actividades levadas a cabo de forma

independente são, porém, numerosas

e diversas, no que constitui uma indicação

clara do quanto a diversificação constitui,

ela própria, uma estratégia de subsistência.

Por exemplo, entre as quinze actividades

produtivas em relação às quais se colocou

explicitamente a questão no inquérito15,

verificamos que metade dos agregados

praticou onze ou mais, 3/4 dos agregados

praticaram pelo menos nove e nenhum

dos 75 agregados praticou menos do que

cinco (Figura 6).

Outro indicador directo do grau de diver-

sificação da produção é a percentagem do

total de agregados que pratica cada uma

das actividades (Figura 7): verificamos que

todas as actividades antecipadas no ques-

tionário são praticadas por mais de metade

dos agregados familiares, com excepção

apenas do comércio, fabrico de cestaria

(que estão associados um certo grau de

especialização) e do cultivo de arroz de bo-

lanha (apenas praticado nas tabancas onde

esta prática é uma realidade). Por outro

lado, a Figura revela também que a apanha

mer

o d

e ac

tivi

dad

es

Page 35: A Economia Local em Urok

34

de combé, o cultivo do arroz de sequeiro

(n’pampam), a apanha de caju, a apanha

de chabéu e a extracção de óleo de palma

são praticados por mais de 90% dos agre-

gados familiares, o que constitui uma

evidência clara das duas características

fundamentais da economia local de Urok

que temos vindo a referir: a elevada homo-

geneidade dentro do universo dos agrega-

dos familiares e a elevada diversificação de

actividades ao nível de cada agregado.

Porém, se, como ilustra a Figura anterior,

a diversificação é a norma, isso não significa

que todas as actividades desempenhem

o mesmo papel ou tenham a mesma impor-

tância. Com efeito, a produção resultante

de algumas destas actividades destina-se

principalmente ao consumo do próprio

agregado, enquanto outras se destinam

fundamentalmente ao mercado interno

ou externo. Entre as primeiras, contam-se

o combé, o n’pampam, o feijão, os vegetais

hortícolas, a mancarra17, a mandioca

e o arroz de bolanha. Entre as segundas,

assumem especial relevância o caju, o óleo

de palma e a pesca (ainda que esta última

se destine também de forma muito signifi-

cativa ao consumo do próprio agregado).

Assim, se o n’pampam desempenha um

papel fundamental enquanto principal fonte

de calorias na dieta da população de Urok,

é nos três produtos acima indicados (caju,

óleo de palma e pescado) que encontramos

as três principais fontes de rendimento mo-

netário desta população (Figura 8).

Figura 6: Percentagem de agregados familiares que nos doze meses anteriores praticou cada uma das actividades produtivas indicadas (de entre as quinze antecipadas no questionário) (fonte: inquérito aos agregados familiares).

17 Amendoim da Costa Ocidental Africana. Já a mancarra bijagó é uma espécie de leguminosa existenteno arquipélago.

100

90

80

70

60

50

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10

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Page 36: A Economia Local em Urok

35

Figura 7: Percentagem de agregados familiares que indicou cada uma das actividades produtivas como tendo constituído a principal fonte de rendimento monetário nos doze meses anteriores (fonte: inquérito aos agregados familiares).

A Figura anterior permite-nos ainda enun-

ciar um conjunto adicional de conclusões

importantes. Em primeiro lugar, torna-se

perceptível que o comércio (entendido

enquanto compra e venda de mercadorias

com vista à obtenção de um lucro), que

regista uma prevalência surpreendente

na Figura 6 (página anterior), inclui na

verdade práticas de significado muito distin-

to: no caso dos cerca de 5% dos agregados

que indicam esta actividade como “principal

fonte de rendimento”, estaremos perante

comerciantes propriamente ditos (proprietá-

rios de boutiques ou indivíduos/agregados

familiares que se dedicam à exportação

ou importação de mercadorias de e para

o espaço insular a uma escala relativamente

considerável); já os quase 40% que referem

ter praticado esta actividade nos doze me-

ses anteriores, sem que esta tenha assumido

o papel de principal fonte de rendimento,

consistem maioritariamente em agregados

que se dedicam principalmente à agricultura

e/ou à pesca (seguindo o padrão maioritário

em Urok), aproveitando as idas e vindas

a Bissau para praticar o comércio de peque-

nas mercadorias como fonte complementar

de rendimento.

Outra conclusão importante que ressalta

das Figuras 6 e 7 consiste no facto de que

é a agricultura e não a pesca, que constitui

a base fundamental da economia da AMPC

Urok, o que poderá constituir uma surpresa

para quem tenha um conhecimento mais

superficial desta realidade insular. Isso

é verdade tanto no que se refere à produção

para auto-consumo (na qual o arroz, base

da dieta local, tem o papel primordial)

como no que diz respeito à produção

destinada ao mercado, particularmente

a que está associada à obtenção de um

rendimento monetário (no contexto da qual,

como é visível na Figura, tanto o caju como

o óleo de palma têm uma importância clara-

mente superior à pesca)18.

35

30

25

20

15

10

5

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Caj

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Page 37: A Economia Local em Urok

36

Dito isto, este é um dos aspectos em que

se verificam algumas diferenças entre as

diversas áreas geográficas das três ilhas –

diferenças essas que são indicativas de

um certo grau, ainda que muito limitado,

de especialização local. Assim, como é

visível na Figura 10, as principais fontes

de rendimento monetário mais frequente-

mente indicadas registam algumas diferen-

ças assinaláveis de tabanca para tabanca:

a extracção e venda de óleo de palma tem

uma preponderância visível em todas as

tabancas, mas esta é especialmente acentu-

ada nos casos de Ancadaque, Catem, Nago,

Cadjyirba e Chediã; em Acôco, é a pesca

que assume maior relevo, complementa-

da pelo fabrico e venda de canapés; Abu,

centro administrativo e comercial do com-

plexo de Urok, caracteriza-se por uma maior

diversificação de actividades produtivas e

fontes de rendimento; finalmente, a apanha

do caju (seguida da venda da castanha e,

em certos casos, da comercialização de vi-

nho de caju) revela-se também como impor-

tante em quase todos estes contextos, mas

especialmente em Abu, Catem, Cadjyirba

e Chediã.

Figura 8: Principais fontes de rendimento monetário para os agregados familiares inquiridos em cada tabanca(frequências relativas) (fonte: inquérito aos agregados familiares).

18 Note-se que a categoria “pesca” no contexto deste inquérito abrange actividades que, na verdade, são bastante distintas: da pesca de alto mar, em canoas a motor, à pesca ribeirinha com uma pequena rede individual. Entreos 63 agregados familiares (em 75) que afirmaram ter praticado pesca nos doze meses anteriores, apenas 21possuem canoa e apenas quatro possuem canoa com motor. Note-se, porém, que não foi possível abrangerno inquérito (apenas num focus-group) os pescadores Nhominca, que utilizam grandes canoas a motore pescam em àreas mais distantes.

19 Não foi possível realizar qualquer entrevista de inquérito na tabanca de Botai e apenas uma em Porto Nhominca, pelo que não é possível levar a cabo inferências quantitativas de nível local relativamente a estas tabancas.Porém, a informação qualitativa recolhida deixou claro que os residentes de Porto Nhominca (comunidade pisca-tória originária do Senegal que tem vindo a instalar-se em vagas sucessivas no Norte da ilha de Chediã) são talvez o único caso de especialização quase total na actividade piscatória em todo o complexo insular, não praticando a agricultura. Já em Botai, a agricultura assume o seu habitual papel preponderante, tendo inclusivamente sido feitareferência à fruticultura como actividade importante (sendo que esta actividade assume uma importância relativa-mente secundária nas restantes tabancas onde foi realizado trabalho de campo).

Ilha Tabanca19 Principais fontes de rendimento monetário mais

frequentemente indicadas (frequência relativa das respostas)

Formosa Abu Caju (3/13); Pesca (3/13); Óleo de palma (2/13);

Venda de animais (2/13)

Ancadaque Óleo de palma (7/14); Pesca (2/14); Esteiras (2/14)

Acôco Pesca (3/7); Artesanato (canapés) (2/7)

Catem Óleo de palma (5/9); Caju (3/9)

Nago Nago Óleo de palma (5/7)

Cadjyirba Óleo de palma (5/13); Caju (5/13)

Chediã Chediã Óleo de palma (5/11); Caju (3/11)

Page 38: A Economia Local em Urok

37

Figura 9: Propriedade dos terrenos onde são cultivadas algumas das principais culturas(modalidades não exclusivas) (fonte: inquérito aos agregados familiares).

3.2 Propriedade e relações sociaisde produção

A secção anterior abordou principalmente a

questão de quais as actividades produtivas

mais comuns no complexo de Urok, bem

como a sua importância relativa e o seu

papel no contexto de uma sociedade em

que a generalidade das unidades familiares

produz tanto para o seu próprio consumo

como para o mercado. No entanto, é tam-

bém importante abordar a questão de como

são levadas a cabo essas actividades produ-

tivas – não tanto em termos técnicos como

sobretudo em termos das relações sociais

subjacentes.

Esta questão assume especial importância

na medida em que permite retirar algumas

conclusões relevantes no que diz respeito,

por um lado, à vulnerabilidade das unidades

familiares face ao risco de pobreza e, por

outro lado, à possibilidade de emergência

de dinâmicas de acumulação de carácter

capitalista (i.e. assentes na produção mer-

cantil com base no trabalho assalariado).

A questão está aqui em indagar até que

ponto é que as diversas unidades familiares

recorrem sobretudo a factores produtivos

pertencentes ao próprio agregado ou a ter-

ceiros: claramente, a necessidade de paga-

mento de uma renda fundiária como contra-

partida pela utilização da terra, no caso de

unidades familiares totalmente desprovidas

de terrenos próprios, sugere a existência de

situações potencialmente mais vulneráveis;

ao mesmo tempo que, em contrapartida,

a forte prevalência do recurso ao trabalho

assalariado de terceiros permite vislumbrar

a possibilidade de emergência de dinâmicas

de acumulação ao nível da produção (atra-

vés do aumento da escala e incorporação

de maior valor acrescentado).

Porém, podemos afirmar que, de uma forma

genérica, ambas as situações estão pratica-

mente ausentes entre a população da AMPC

Urok. No que toca ao acesso à terra, verifi-

ca-se que a actividade agrícola é, na maioria

dos casos, praticada em terrenos pertencen-

tes ou ao próprio agregado familiar

ou à respectiva djorson (Figura 11).

Agregado Outro Djorson Outros NS/NR

familiar familiar como

(fogon) um todo

Bolanha 9 0 3 5 0

N’pampam 28 3 27 29 0

Feijão/mancarra 35 3 21 15 1

Horticultura 28 4 6 21 0

Page 39: A Economia Local em Urok

38

Porém, para lá da questão da propriedade

fundiária20 enquanto tal (i.e. a quem perten-

ce a terra), verificamos também que mesmo

os agregados que utilizaram terrenos de ter-

ceiros quase nunca pagaram qualquer tipo

de renda como contrapartida – seja ela sob

a forma de dinheiro, tempo de trabalho ou

parte da produção. Entre os oito agregados

familiares que cultivaram arroz de bolanha

em terras não pertencentes ao próprio

agregado, apenas um pagou algum tipo de

‘renda’ (sob a forma de tempo de trabalho);

no caso do n’pampam, a proporção foi de

2/59 (renda paga em dinheiro); no caso dos

terrenos utilizados para o cultivo de feijão e/

ou mancarra, 1/39 (em dinheiro); e, no caso

dos terrenos utilizados para horticultura,

nenhum pagou qualquer tipo de renda.

Estes números são de tal forma reduzidos

que permitem inferir, com bastante certeza,

que o que aqui está em causa não é a emer-

gência de um mercado vernacular de arren-

damento fundiário, mas sim a prestação de

uma contrapartida enquanto manifestação

de reconhecimento pelo empréstimo da

terra – contrapartida essa que é determina-

da mais por uma lógica de reciprocidade do

que por uma lógica mercantil. A conclusão

última é, pois, que o acesso à terra está de

uma forma geral assegurado para toda e

qualquer unidade familiar de Urok, não exis-

tindo indícios de qualquer tipo de risco de

diferenciação social ‘por baixo’ (i.e., emer-

gência de agregados familiares ‘sem terra’).

Pela mesma razão, não é surpreendente que

as dinâmicas de acumulação assentes no

recurso à contratação de terceiros estejam

também elas, em geral, ausentes: quando a

pressão para a prestação de trabalho assala-

riado é reduzida ou nula (uma vez que todas

as unidades familiares têm possibilidade de

desenvolver a sua própria actividade pro-

dutiva independente), o ‘salário de reserva’

é mais elevado, as vantagens de contratar

terceiros são menores e a emergência de

processos de acumulação e diferenciação

‘por cima’ torna-se também mais difícil.

O inquérito aos agregados familiares não

incluiu questões relativas ao recurso à

contratação de trabalhadores por parte dos

agregados, mas fê-lo em relação à presta-

ção de trabalho assalariado. Em relação a

esta última, os resultados são esclarecedo-

res: (i) em primeiro lugar, apenas 28 dos 75

agregados inquiridos referiram ter procedi-

do à prestação de algum tipo de trabalho

assalariado nalgum momento dos doze

meses anteriores no interior da AMPC Urok;

(ii) por outro lado, ainda mais importante,

apenas oito agregados referiram a presta-

ção de trabalho assalariado no contexto da

agricultura e outros oito na pesca. Decorre

daqui que o trabalho assalariado constitui

fundamentalmente uma fonte comple-

mentar de rendimento, na maior parte dos

casos associada a actividades e dinâmicas

financiadas a partir do exterior21 e não um

modo central de mobilização de trabalho no

contexto das actividades que constituem a

base da economia local.

20 Referimo-nos aqui à propriedade consuetudinária, naturalmente, uma vez que a propriedade formalde toda a terra é do Estado guineense.

Page 40: A Economia Local em Urok

39

Uma vez que o trabalho assalariado tem

aqui um papel claramente secundário e

complementar, o mercado de trabalho é,

também ele, uma realidade apenas incipien-

te. Pelo contrário, a mobilização e afectação

do factor trabalho no contexto da produção

é feita principalmente através de mecanis-

mos extra-mercantis: por um lado, a mobili-

zação no seio do próprio agregado familiar,

tipicamente sujeita à autoridade patriarcal

(em que a divisão do trabalho assenta

sobretudo em critérios de género e idade);

por outro lado, a prestação de trabalho no

contexto de instituições socioculturais de

escala mais ampla do que a da unidade

familiar – nomeadamente, a paga garandesa

(desempenho de trabalhos diversos durante

períodos de tempo variáveis por parte dos

jovens pertencentes a determinadas classes

etárias, em benefício dos mais velhos22).

Tendo em conta todas estas características,

típicas de uma economia que poderemos

caracterizar como ‘tradicional’, ‘de sub-

sistência’ ou ‘não-capitalista’, poder-se-á

colocar a questão de até que ponto é que

será possível a emergência de dinâmicas de

acumulação e mobilidade social ascenden-

te. Como vimos, a acumulação na esfera da

produção é dificultada pela existência de

obstáculos à diferenciação tanto ‘por baixo’

como ‘por cima’. Porém, tais dinâmicas são

possíveis e detectáveis no contexto de Urok

– estão é associadas à actividade comercial,

não à actividade directamente produtiva.

Com efeito, os agregados familiares que,

segundo os dados qualitativos e quantita-

tivos recolhidos, mais mostram sinais de

mobilidade social ascendente no contexto

de Urok são tipicamente aqueles que,

através da exploração de boutiques e/ou

do transporte e comercialização de produ-

tos agrícolas de e para Bissau, têm vindo

a conseguir capturar uma proporção relati-

vamente maior do valor acrescentado asso-

ciado às diversas fileiras, o que se reflecte

nos seus níveis relativos de afluência. É este

o grupo mais dinâmico no contexto da eco-

nomia de Urok, sendo aliás de esperar que

venha a estar associado aos mais significati-

vos processos futuros de reorganização da

actividade directamente produtiva que pos-

sam vir a ter lugar no futuro, por via tanto

do empreendedorismo de que dão mostras

como da maior capacidade de mobilização

de capital (tal como é referido na secção

seguinte).

21 Os trabalhos mais comummente referidos como tendo sido efectuados “mediante a contrapartida de um salário”nos últimos doze meses, incluem, por um lado, aqueles que na verdade correspondem à execução de trabalhospor conta própria em troca de um pagamento em dinheiro (carpintaria, alvenaria); por outro, àqueles que estãoassociados a dinâmicas financiadas pelo exterior (fiscalização, ensino, alfabetização, cobrança de bilhetes na canoa).

22 As classes etárias segundo a qual se encontra organizada a sociedade bijagó são as seguintes:Masculinas: Crianças: cadene; Adolescentes: canhocan; Rapaz: cabaro; Jovem adulto: camabi; Adulto: adôdo; Homem grande: cabongha; Femininas: Crianças: Nunpune; Adolescentes: Campuni; Mulheres casadas: Ocanto; Mulheres gran-des: Oconto.

Page 41: A Economia Local em Urok

40

3.3 Património e pobreza/afluência relativas

A actividade produtiva no contexto

da AMPC Urok encontra-se constrangida

por diversos factores, que serão alvo de

um tratamento mais detalhado mais adiante

neste texto. Naturalmente, esses mesmos

constrangimentos co-determinam os níveis

de rendimento e pobreza monetária

e patrimonial: trata-se de uma população

em que, se é verdade que os mecanismos

de solidariedade familiar e comunitária

permitem em geral evitar as situações mais

graves de pobreza humana, igualmente uma

parte substancial da população passa por

dificuldades muito consideráveis - encon-

trando-se a um nível próximo do limiar de

subsistência e sendo por vezes assolada

por problemas de malnutrição e acesso

insuficiente a outros bens essenciais.

No contexto do presente estudo (e, par-

ticularmente, do inquérito aos agregados

familiares), optou-se por uma abordagem

indirecta às questões do rendimento e da

pobreza. É sabido que as respostas a ques-

tões directas sobre o nível de rendimento

monetário se caracterizam habitualmente

por problemas específicos – principalmente

em termos do enviesamento voluntário e

involuntário das respostas. Por esse motivo,

optou-se por proceder a uma caracteriza-

ção do nível de pobreza através de questões

indirectas, que versaram principalmente

sobre a propriedade de bens de consumo

duradouro e de animais, por um lado,

e sobre as estratégias adoptadas para

obtenção de dinheiro em caso de dificulda-

de inesperada, por outro.

A distribuição das respostas a esta última

questão proporcionou resultados bastante

interessantes e significativos (Figura 10):

entre os agregados familiares inquiridos,

a estratégia mais comummente indicada

para mobilizar dinheiro em caso de necessi-

dade consistiu na venda de animais, seguida

pelo recurso a empréstimos e, só depois,

pelo recurso a poupanças próprias. Daqui

se infere que a reserva de valor sob a forma

de dinheiro, sobretudo no caso de mon-

tantes relativamente consideráveis, é uma

prática pouco comum – pelo contrário,

a mais importante forma de reserva de

valor consiste nos animais, que além

de serem convertíveis em dinheiro

em caso de necessidade, podem ainda

reproduzir-se23. Nas palavras de um dos

inquiridos, “kada mistida tene su limaria”,

isto é, “para cada tipo de necessidade,

o seu tipo de animal” – ou seja,

se a necessidade exigir uma soma pequena,

vende-se uma galinha; se a necessidade

for maior, vende-se uma cabra, um porco

ou uma vaca.

23 Já a utilização da tracção animal na agricultura não é praticada em Urok ou, de uma forma geral, entre os Bijagós.

Page 42: A Economia Local em Urok

41

Ora, em vista do importante papel que aqui

desempenham os animais enquanto reserva

de riqueza, é interessante averiguar acerca

da dotação dos diferentes tipos de animais

entre as unidades familiares pertencentes à

nossa amostra, na medida em que isso cons-

titui um indicador da capacidade dos agre-

gados familiares fazerem face a situações

de maior adversidade e, de uma forma mais

geral, do seu nível patrimonial. Os resultados

das questões relativas a este aspecto encon-

tram-se representados na Figura 13.

A análise dos dados relativos à dotação de

animais permite retirar algumas conclusões.

Em termos medianos, as unidades familiares

possuem uma vaca, um porco, três cabras e

nove galinhas23. Por outro lado, assumindo

que a distribuição da dotação de animais

no universo é idêntica à da amostra e tendo

em conta que esta corresponde a cerca de

1/5 daquele, podemos estimar o universo

de animais de criação de Urok como cor-

respondendo a cerca de 940 vacas, 755

porcos, 1425 cabras e 4420 galinhas. Em

terceiro lugar, é de assinalar o facto de

quase todos os agregados familiares pos-

suírem animais: sendo certo que 1/4 dos

respondentes afirmou não possuir qualquer

vaca (o animal ao qual está associado maior

valor monetário), este facto é quase sempre

compensado pela posse de porcos, cabras

ou, pelo menos, galinhas24. Por outro lado,

é possível observar a existência de um

reduzido número de agregados familiares

que apresentam uma dotação animal bas-

tante superior à média: um dos responden-

tes, por exemplo, afirmou que o seu agrega-

do possui catorze vacas, sete porcos,

três cabras e 35 galinhas. Este facto pode

24 Adicionalmente, nenhum dos respondentes abrangidos pela amostra possui qualquer carneiro.

Figura 10: Estratégias adoptadas em caso de necessidade que requeira a mobilização de dinheiro(frequências absolutas na amostra de 75 agregados familiares; modalidades de resposta não exclusivas)(fonte: inquérito aos agregados familiares)

50

40

30

20

10

0Poupançasacumuladas

Ajuda ouempréstimode familiares

Empréstimode terceiros

Vendade animais

Outrasolução

Page 43: A Economia Local em Urok

42

ser relacionado com a discussão anterior

acerca das dinâmicas locais de acumulação,

na medida em que sugere que o valor adi-

cional criado através da aplicação de uma

maior quantidade de trabalho (ou do aces-

so a outros factores produtivos em maior

quantidade e/ou qualidade) permite efecti-

vamente a emergência de situações

de relativa diferenciação em termos de sto-

ck de riqueza (e com certeza de consumo),

mas isso não se traduz necessariamente

numa dinâmica de acumulação. Afinal de

contas, particularmente na medida em que

a tracção animal não é utilizada na pro-

dução, a riqueza mantida sob a forma

de animais obedece a uma racionalidade

irrepreensível, mas não tem qualquer efeito

em termos de ganho de produtividade ou

criação de valor25.

Figura 11: Dotação dos agregados familiares inquiridos em vacas, porcos, cabras e galinhas(diagramas de extremos e quartis) (fonte: inquérito aos agregados familiares)

25 Foi no passado implementado um projecto-piloto no Arquipélago dos Bijagós com o objectivo de introduzira utilização da tracção animal na agricultura neste contexto insular. Essa experiência (nas ilhas de Bolama e de Orango) não foi bem sucedida, o que se deveu ao facto de se ter optado pela introdução de animais provindosdo leste do país, que não se adaptaram às condições naturais do arquipélago. Trata-se de um domínio quepoderá eventualmente ser objecto de estudos de viabilidade adicionais no contexto do Projecto “Urok Osheni!”ou de outros projectos de desenvolvimento a implementar na AMPC Urok.

13

10

8

5

3

0

Vac

asC

abra

s

Gal

inh

as

4131 58

21

1

45

11265

60

16

72

1

56 8

4910

45

65

2372

4521

13

10

8

5

3

0

13

10

8

5

3

0

Po

rco

s

13

10

8

5

3

0

Page 44: A Economia Local em Urok

43

Nesse sentido, a dotação em animais apre-

senta características similares às de outro

indicador do nível de riqueza dos agrega-

dos familiares: a posse de bens de consumo

duradouro (rádios, telemóveis, bicicletas,

telhados de zinco, entre outros), em relação

aos quais foi também obtida informação

sistemática. É certo que alguns destes bens

são susceptíveis de utilização na produção –

e ainda mais que melhoram de formas

muito concretas as condições de vida

das unidades familiares. Porém, traduzem

principalmente um diferencial de património,

não de capital.

Observemos então as características da

distribuição de cada um destes indicadores

de pobreza/afluência relativa (Figura 12).

Um primeiro aspecto a assinalar é que mais

de 80% dos agregados familiares constan-

tes da amostra possuem rádio e cerca de

metade possui telemóvel, o que não deixa

de constituir uma indicação bastante po-

sitiva (particularmente do ponto de vista

do acesso à informação e possibilidade

de comunicação). Já os telhados de zinco,

mesas, pavimentos de cimento e bicicletas

estão apenas ao alcance de uma minoria

dos agregados familiares.

A fim de analisar com um pouco mais de

detalhe as características da distribuição da

dotação deste tipo de bens, levámos a cabo

um exercício de análise de componentes

principais (ACP) de modo a ‘condensar’ a

informação relativa a todos esses bens num

único índice (IB) (ver Anexo II). Como é

visível através do coeficiente com que cada

um dos bens contribui para a construção

do IB (Figura 12, em cima), este Índice está

principalmente associado à posse dos bens

de consumo duradouro mais dispendiosos,

o que reflecte o facto do rádio e telemóvel

serem bens de consumo tão essenciais para

Bens26 n (num % Coeficiente no índice de bens (IB)

total de 75)

Rádio 63 84.0 0,080

Telemóvel 40 53.3 0,194

Bicicleta 17 22.7 0,294

Telhado de zinco 4 5.3 0,216

Chão cimentado 10 13.3 0,251

Cama 32 42.7 0,243

Mesa 18 24.0 0,242

Figura 12: Posse de bens de consumo duradouro entre os agregados familiares abrangidos pelo inquérito

26 O questionário incluía ainda uma questão acerca de casa própria, mas os resultados revelaram que esse não é um indicador relevante: apenas nove agregados afirmam residir numa casa pertencente a elementos exteriores ao agregado (familiares ou não), mas nenhum desses referiu pagar qualquer tipo de renda, o que revela que o acesso a residência própria não é um elemento diferenciador.

Page 45: A Economia Local em Urok

44

alguns agregados que a sua posse está

mais dependente de outros factores do que

do nível de pobreza/riqueza enquanto tal.

Tendo levado a cabo um exercício análogo

de modo a construir um índice semelhante

para a dotação animal (IDA: ver Anexo II),

verificamos, em primeiro lugar, que os dois

índices apresentam um coeficiente de corre-

lação positivo e significativo (0.422,

α = 0.01), o que confirma que existe

efectivamente um grau de diferenciação

assinalável e consistente entre os agregados

da amostra: à posse de um maior número

de animais está também associado um

maior nível de posse dos bens de consumo

duradouro doméstico atrás assinalados.

Com base nestes dois índices, podemos

tambem retirar algumas conclusões em

relação à forma como o nível de pobreza/

riqueza, em termos tanto da posse de bens

de consumo duradouros como do número

de animais, varia i) de ilha para ilha;

e ii) em função da principal fonte de rendi-

mento indicada. Em relação à primeira das

questões, verificamos que Formosa e Nago

apresentam distribuições semelhantes entre

si em termos da dotação de bens duradou-

ros, as quais são porém menos ‘compactas’

e ligeiramente inferiores em termos media-

nos à exibida por Chediã (Figura 15).

Já ao nível da dotação de animais,

pese embora o facto das diferenças serem

pequenas, Nago aparenta alguma vantagem

(Figura 16). No fundo, porém, tendo em

conta a similitude das distribuições e o facto

destes dois tipos de riqueza serem de certa

forma ‘sucedâneos’ um do outro, a principal

conclusão (talvez surpreendente) a retirar

é que não parecem existir diferenças muito

significativas entre estas três ilhas no que

se refere ao nível de pobreza/riqueza das

respectivas populações, tal como represen-

tado por estes indicadores.

Figura 13: Distribuição dos valores assumidos pelo Índice de Bens entre os agregados familiares das três ilhas(fonte: inquérito aos agregados familiares).

4,00000

3,00000

2,00000

1,00000

,00000

-1,00000

-2,00000

IDA

sco

res

Formosa NagoIlha

Chediã

45

48

49

Page 46: A Economia Local em Urok

45Onde essas diferenças são claramente

detectáveis é ao nível da dotação patrimo-

nial das diferentes unidades familiares em

função da respectiva fonte de rendimento

principal. As Figuras 15 e 16 ilustram os valo-

res médios do IB e IDA entre os agregados

que afirmam retirar o seu rendimento mo-

netário principal de cada uma das activida-

des indicadas, permitindo retirar algumas

conclusões interessantes. A primeira é a

confirmação de que estes índices parecem

constituir indicadores robustos do nível

patrimonial dos agregados, uma vez que,

apesar de algumas discrepâncias pontuais27,

apresentam valores relativamente consisten-

tes para cada uma das fontes principais de

rendimento.

A segunda conclusão relevante é que as

unidades familiares para as quais o comércio

constitui a principal fonte de rendimento

monetário são também aquelas que apre-

sentam um património mais avultado, em

termos tanto do número de animais como

dos bens de consumo duradouro. A diferen-

ça é, aliás, bastante significativa no caso de

ambos os índices e confirma o que foi dito

na secção anterior acerca do facto das dinâ-

micas de acumulação mais assinaláveis no

contexto de Urok assentarem na actividade

comercial/mercantil e não na actividade

directamente produtiva.

Figura 14: Distribuição dos valores assumidos pelo Índice de Dotação Animal entre os agregados familiaresdas três ilhas (fonte: inquérito aos agregados familiares).

27 Por exemplo, os agregados cuja principal fonte de rendimento é o artesanato apresentam uma dotação superior à média em termos de bens e inferior à média em termos de animais (ver Figuras 17 e 18).

4,00000

3,00000

2,00000

1,00000

,00000

-1,00000

-2,00000

IDA

sco

res

Formosa NagoIlha

Chediã

65

7245

21

23

Page 47: A Economia Local em Urok

46

Figura 15: Valor médio do Índice de Bens por fonte principal de rendimento monetário(número de agregados familiares em cada categoria indicado à frente da fonte de rendimento)(fonte: inquérito aos agregados familiares)28.

Figura 16: Valor médio do Índice de Dotação Animal por fonte principal de rendimento monetário(número de agregados familiares em cada categoria indicado à frente da fonte de rendimento)(fonte: inquérito aos agregados familiares).

28 Note-se que, por construção, o IB tem média “O” e desvio-padrão “1” na amostra; logo, o significado de IB=0para um determinado agregado familiar não é que esse agregado não possui qualquer bem, mas sim que possui uma dotação exactamente igual à média dos 75 agregados incluídos na amostra.

35

30

25

20

15

10

5

0

Caj

u

Óle

o d

e p

alm

a

Pes

ca

Art

esan

ato

Co

mér

cio

Ou

tra

Est

eira

s

Van

da

de

anim

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N’p

amp

am35

30

25

20

15

10

5

0

Caj

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ato

Co

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cio

Ou

tra

Est

eira

s

Van

da

de

anim

ais

N’p

amp

am

Page 48: A Economia Local em Urok

47

Em terceiro lugar, no que se refere às duas

categorias mais numerosas (caju e óleo de

palma como principal fonte de rendimento

monetário), verifica-se que os agregados

para os quais a venda da castanha de caju

constitui a principal fonte de rendimento

tendem a possuir um maior património,

em termos tanto de animais de criação

como de bens de consumo duradouro,

do que as unidades familiares cuja principal

fonte de rendimento monetário é a venda

de óleo de palma. Já os agregados familia-

res que se dedicam principalmente à acti-

vidade piscatória apresentam um padrão

patrimonial característico: um nível de posse

de bens de consumo duradouro bastante

abaixo da média, mas uma dotação em

animais de criação ligieramente superior

à média.

3.4 Dinâmicas comerciais

Como vimos, a economia de Urok é funda-

mentalmente constituída por um universo

de pequenos produtores independentes,

caracterizados por um grau de especializa-

ção reduzido, que combinam a produção

para consumo da própria unidade familiar

com a produção direccionada para o merca-

do (no caso desta última, principalmente de

castanha de caju, óleo de palma, pescado,

esteiras e canapés e, acessoriamente, alguns

outros produtos agrícolas e hortofrutícolas

com menor preponderância). Este tipo de

estrutura socioeconómica está, naturalmen-

te, associada a um mercado interno bastan-

te diminuto: na medida em que existe pouca

especialização – devido à dimensão relati-

vamente reduzida do complexo insular, ao

acesso generalizado aos meios de produção

e à diversificação como estratégia face à

adversidade – a ‘margem’ para a realização

de trocas, monetarizadas ou não, no seio da

população local é também ela reduzida.

Como consequência, a população de Urok

– especialmente nas áreas mais remotas

da AMPC – encontra-se fortemente cons-

trangida do ponto de vista do acesso local

a bens e serviços: por um lado, a produção

local é pouco diversificada e são poucas as

necessidades adicionais que cada agregado

tem a possibilidade de satisfazer através

da troca directa ou indirecta da produção

própria com a das outras unidades fami-

liares; por outro lado, o acesso local aos

produtos oriundos do exterior encontra-se

constrangido pela debilidade dos canais de

distribuição. Isto mesmo foi indicado por

numerosos entrevistados e participantes

em focus-groups (particularmente no caso

das tabancas das ilhas de Nago e Chediã

que não contam com boutiques), os quais

referiram que, muitas vezes, a oferta local de

bens de consumo (nalguns casos, produtos

tão simples quanto pilhas ou caldos de cozi-

nha) é limitada e irregular durante boa parte

do ano, excepção feita à época da campa-

nha do caju (quando os comerciantes do

exterior que se deslocam às tabancas para

comprar o caju procedem também à venda

de produtos).

Page 49: A Economia Local em Urok

48

Há, assim, uma relação próxima entre

‘importações’ e ‘exportações’ (no sentido

de trocas comerciais entre o espaço insular

e o exterior) que advém do facto de, tipica-

mente, as primeiras serem levadas

a cabo pelos mesmos actores que proce-

dem às segundas, aproveitando as desloca-

ções para os dois efeitos. Isto aplica-se

a três escalas/níveis distintos: o dos com-

pradores grossistas de castanha de caju que

possuem canoas próprias e visitam as ta-

bancas na altura da campanha, procedendo

tanto à compra da castanha de caju como

à venda de arroz e outros produtos

(ou troca directa da primeira pelos segun-

dos); o dos residentes de Urok que são

proprietários de boutiques e procedem

à ‘importação’ dos bens de consumo que

vendem nessas boutiques (produtos ali-

mentares, vestuário e calçado, pequenos

acessórios e utensílios) a par da ‘exportação’

da produção agrícola de outros produtores

locais (tipicamente, óleo de palma);

e o dos pequenos produtores individuais

que se deslocam ocasionalmente a Bissau

para venderem a sua produção própria

(animais, óleo de palma, etc.) e que aprovei-

tam para, no regresso, trazerem para Urok

um pequeno volume de produtos essenciais

a fim de procederem à respectiva venda

na tabanca e assim realizarem uma pequena

margem de lucro29.

Quando falamos das dinâmicas comerciais

que caracterizam a economia local de Urok,

estamos, pois, a falar de três categorias dis-

tintas mas em relação próxima: (i) a expor-

tação dos bens que constituem a base da

economia local (isto é, aqueles que contam

com uma procura no exterior e que são

‘exportados’ em condições de garantir a sua

viabilidade económica); (ii) a importação

de produtos (bens de consumo e insumos

produtivos) a partir do exterior; e (iii) as tro-

cas, monetarizadas ou não, no contexto do

mercado interno. Olhemos para cada uma

destas categorias em maior detalhe.

No que se refere à exportação dos produ-

tos que constituem a base da economia de

Urok, é de assinalar, primeiro que tudo, que

o principal mercado de destino é, de longe,

Bissau. De acordo com a informação quali-

tativa recolhida, a capital nacional polariza

toda a actividade comercial e tem uma im-

portância incomparável à de qualquer outro

espaço (Bubaque, por exemplo). Há evidên-

cia de laços próximos e intensos entre a ilha

de Nago e a Ponta de Biombo, no continen-

te, nomeadamente por parte dos indivíduos

de etnia Papel, mas mesmo estes afirmam

que o destino prioritário dos produtos

no que concerne à comercialização é,

de longe, Bissau.

29 É esta prática que explica os cerca de 40% dos respondentes que referem ter praticado “comércio”nos doze meses anteriores sem que esta actividade tenha constituído a sua principal fonte de rendimento(ver secção 4.1, supra).

Page 50: A Economia Local em Urok

49

Ora, o transporte de produtos até à capital

com vista à respectiva venda está associado

a um conjunto diverso de custos significati-

vos que penalizam fortemente os produto-

res locais: o transporte do produto até

ao local de embarque; o preço cobrado

pelo transporte marítimo da mercadoria

e da pessoa; as taxas portuárias à chegada

ao porto de Bissau e, no caso do produto

não ser vendido logo à chegada ao porto

de Bissau, o transporte até ao mercado

(táxi ou candonga) e ainda a taxa devida

pelo direito à ocupação do espaço de ven-

da. Alguns destes custos são independentes

da quantidade vendida (por exemplo,

o bilhete de canoa por cabeça), o que impli-

ca que a não-centralização da exportação

(isto é, o facto de cada indivíduo levar

o seu próprio bidão de óleo de palma

para vender em Bissau, por exemplo,

acarreta uma penalização adicional,

em termos de punção de valor acrescenta-

do, para os produtores locais (Caixa 1).

Caixa 1: Um exemplo: estrutura de custos típica associada ao transporte e venda

em Bissau de um recipiente (“banheira”) com 40kg de sal, por parte de um produtor

da tabanca de Nago.

- Transporte terrestre até ao local de embarque (recipiente 40kg): 500 xof

- Transporte da mercadoria na canoa Nago-Bissau (recipiente 40kg): 500 xof

- Transporte individual Nago-Bissau (por pessoa): 2000 xof

- Taxa das autoridades fiscais no Porto de Pindjiguiti (recipiente 40kg): 1000 xof

- Taxa de ocupação do espaço de venda (por dia x 2 dias): 100 xof x 2

- Total custos directamente associados ao transporte e venda: 4200 xof

- Preço de venda de um recipiente de 40kg de sal no mercado em Bissau:

10000 xof (variável)

- Lucro bruto (havendo ainda que deduzir os custos associados

à produção): 5800 xof

Page 51: A Economia Local em Urok

50

O tipo de estrutura de custos atrás referida

aplica-se no caso do óleo de palma, sal,

animais e outras mercadorias ‘exportáveis’

que não sejam compradas ‘na origem’ por

comerciantes grossistas. Já no caso da

castanha de caju, pelo contrário, a escala

e concentração temporal da produção justi-

ficam a deslocação até ao complexo insular

por parte de comerciantes grossistas que

organizam o respectivo escoamento de for-

ma menos fragmentada, embora pratiquem

um preço de compra menos elevado do que

na generalidade do território continental de

modo a compensar o custo do transporte

marítimo30.

No que se refere à importação de produtos

a partir do exterior – a que aliás já nos referi-

mos atrás – são principalmente de sublinhar

os seguintes aspectos: (i) o facto do isola-

mento e insularidade penalizarem fortemen-

te os residentes locais ao nível não só do

preço como do próprio acesso tout court

a muitos produtos oriundos do exterior;

(ii) o facto de existirem fortes disparidades

dentro do próprio espaço insular a este

nível, uma vez que as localidades que têm

boutiques e/ou que são servidas por liga-

ções frequentes ao continente (como Abu

ou Porto Nhominca) se encontram em fran-

ca vantagem face às tabancas mais isoladas

em relação a esta matéria; e (iii) como tam-

bém já referimos, o facto do próprio acesso

aos produtos do exterior ser fortemente

condicionado por um efeito sazonal associa-

do à deslocação até às tabancas dos com-

pradores de caju (frequentemente de etnia

Fula ou nacionalidade libanesa ou maurita-

niana, como sucede no caso da maior parte

da actividade comercial na Guiné-Bissau).

Finalmente, no que diz respeito às trocas

comerciais levadas a cabo ao nível de cada

tabanca ou dentro do complexo de Urok,

é interessante assinalar que o fraco desen-

volvimento do mercado interno (pelos mo-

tivos já referidos) se reflecte na inexistência

de espaços e tempos específicos reservados

à actividade comercial numa escala consi-

derável – mais concretamente, lumos. Pelo

contrário, as actividades de troca que nos

foram reportadas pelos entrevistados têm

tipicamente um carácter meramente inter-

pessoal (por oposição a comunitário)

e não-monetarizado, correspondendo

à troca de um produto do qual o agregado

tem um pequeno excedente momentâneo

ou anual por um outro do qual tem escas-

sez: arroz por peixe; óleo de palma por

arroz; ou peixe por castanha de caju.

É de assinalar que é comum envolver

nestas trocas directas um ou mais produ-

tos que não se destinam necessariamente

ao consumo por parte de quem os adquire,

mas sim à sua posterior revenda (castanha

de caju, óleo de palma, sal, etc.). Em todo

o caso, como já vimos, a prática da troca

directa encontra-se fortemente limitada

30 Note-se que nem todo o óleo de palma é ‘exportado’ de forma independente por pequenos produtores.Alguns comerciantes de Urok compram óleo de palma a diversos produtores a fim de o transportarem para Bissau e aí o venderem em maior quantidade. Porém, ao contrário do que sucede com a castanha do caju, a evidência qualitativa recolhida sugere que a maior parte da produção de óleo de palma que se dirige para o mercadoexterior não é escoada de forma ‘centralizada’.

Page 52: A Economia Local em Urok

51

pelo facto de quase todos os agregados

familiares disporem dos mesmos produtos

nas mesmas épocas, pelo que se destina

normalmente a cobrir necessidades momen-

tâneas e imediatas, particularmente ao nível

da obtenção de produtos alimentares que

permitam de alguma forma complementar

e diversificar a dieta. Esta situação resulta

do facto de, dadas as condições do com-

plexo de Urok, os produtores viverem numa

situação de insegurança estrutural, o que

os leva a tomarem as precauções necessá-

rias para que a sua subsistência não depen-

da de terceiros, muito menos do circuito

comercial – procurando produzir tudo aquilo

de que as respectivas unidades familiares

necessitam e apenas trocando ou adquirin-

do esses produtos em casos pontuais.

3.5 Principais constrangimentosà actividade económica

A partir das informações que nos foram

transmitidas no contexto das entrevistas

de inquérito, entrevistas semi-estruturadas

e focus-groups, foi possível proceder

à identificação de cinco problemas princi-

pais que constrangem a actividade econó-

mica em Urok, com efeitos sobre os níveis

de rendimento e pobreza da população.

Alguns dos problemas apontados são

candidatos naturais à implementação

de tentativas de solução no contexto

do Projecto “Urok Osheni!” ou de outros

projectos de desenvolvimento a implemen-

tar na AMPC Urok. Outros, porém, exigiriam

recursos demasiado avultados ou implica-

riam potenciais consequências negativas

que serão de evitar. Em todo o caso, os pro-

blemas a que nos referimos são: a questão

da organização e divisão sociais da produ-

ção; o problema das pragas e doenças;

a utilização de técnicas de menor rendimen-

to e o problema do acesso a ferramentas

e insumos; a questão dos transportes

e acessibilidades internas e externas;

os problemas de coordenação ao nível

do escoamento. Examinemos cada um

destes constrangimentos em maior detalhe.

Organização e divisão sociais da produçãoEm relação a esta matéria, o primeiro

problema reside no facto da pequena

produção independente, quer destinada

ao auto-consumo quer ao mercado,

ser tipicamente pouco conducente

à emergência de dinâmicas de acumulação

(pois há uma disjunção de incentivos em

termos da determinação da quantidade

de trabalho incorporada que não se verifica

quando a acumulação assenta no trabalho

assalariado de terceiros). Por outro lado,

o facto dos níveis de especialização

e de divisão social do trabalho serem muito

reduzidos constitui também uma barreira

substancial à especialização e ao aumento

da produtividade e rendimento. Finalmente,

pode colocar-se a questão de até que ponto

é que instituições socioculturais como

a paga garandesa, que nalguns casos chega

a ser bastante exigente em termos do tribu-

to exigido, constituem um aspecto dissuasor

do empreendedorismo individual.

Page 53: A Economia Local em Urok

52

Ora, sendo verdade que, em maior ou menor

grau, todos estes factores constituem de

certa forma constrangimentos ao aumento

da produtividade, ao empreendedorismo

individual e à emergência de dinâmicas de

acumulação (motivo pelo qual são aqui re-

feridos), não é menos certo que constituem

instituições socioeconómicas e aspectos

socioculturais absolutamente centrais entre

os Bijagós, tendo em geral surgido e evolu-

ído precisamente de modo a responder às

características do meio eco-social. A paga

garandesa, por exemplo, pode e deve ser

encarada como um mecanismo de protec-

ção social dos mais velhos – para além de

ser, de acordo com os testemunhos que

recolhemos, uma instituição surpreenden-

temente dinâmica e flexível31. Por tudo isso,

estamos convictos de que os constrangi-

mentos referidos neste ponto devem ser

considerados os ‘parâmetros’ (as regras do

jogo, de certa forma) dentro dos quais de-

verão ser pensadas e implementadas quais-

quer intervenções e não como aspectos

negativos a influenciar ou alterar.

Pragas e doençasEntre os 75 entrevistados incluídos

no inquérito aos agregados familiares,

46 (i.e. mais de 60%) referiram que entre os

“principais problemas enfrentados pela uni-

dade familiar para garantir a sua subsistên-

cia” se encontram as pragas e as doenças

animais. Inclui-se nesta categoria um con-

junto alargado de problemas: invasão dos

campos agrícolas por macacos, vacas

e outros animais; destruição das colheitas

por pombos, gafanhotos, moscas brancas,

etc.; invasão e destruição de galinheiros

por formigas e epizootias características

de vacas, porcos e galinhas.

Trata-se de um conjunto de problemas

que, além de afectarem a larga maioria

da população da AMPC Urok, têm um

impacto negativo directo ao nível das

principais fontes nutricionais e de rendi-

mento (culturas agrícolas) e dos stocks de

riqueza (animais) da população. Contudo,

estamos em crer que existem soluções

técnicas para a maioria destes problemas –

da vacinação dos animais à construção

de vedações mais eficazes, passando pela

utilização de pesticidas biológicos. Esta área

é, por isso, candidata prioritária a ser objec-

to de estudos adicionais e intervenções-pilo-

to, tanto no contexto da formação técnico-

-profissional (ver Capítulo 4, infra) como

no de iniciativas de apoio aos produtores

locais, eventualmente no contexto de uma

estratégia de extensão agrícola mais ampla

que inclua, por exemplo, serviços de apoio

e actividades de formação.

31 Assim, por exemplo, é comum que a um jovem adulto que desempenhe trabalho assalariado para terceiros(exteriores à comunidade Bijagó) seja permitido prestar uma maior parte do tributo associado à paga garandesa sob a forma de bens materiais em vez do desempenho de tarefas, de modo a não comprometer a possibilidadede beneficiar desse emprego. Trata-se apenas de um exemplo, mas na nossa opinião é representativo e sintomático do facto da paga garandesa ser análoga a um imposto comunitário - bastante exigente em certos momentos para certas classes estárias, mas que por si só não elimina completamente a margem de manobra para o empreendedo-rismo individual ou para a emergência de dinâmicas de acumulação.

Page 54: A Economia Local em Urok

53

Técnicas, ferramentas e insumosA questão da adopção de novas técnicas

conducentes ao aumento da produtividade

ou à diversificação da produção tem já vin-

do a ser objecto de intervenções no passa-

do no contexto da presença da Tiniguena/

IMVF no território da AMPC Urok, nomea-

damente através do incentivo à constituição

de hortas comunitárias, utilização de varie-

dade de sementes melhoradas, formação ao

nível da produção de sal, etc. Esta aposta

deverá ser mantida e, em nosso ver, poderá

no futuro ter em conta dois aspectos adicio-

nais importantes: em primeiro lugar, o facto

da eventual introdução do recurso à tracção

animal na produção agrícola poder, nalguns

casos, permitir aumentos consideráveis de

produtividade (embora, naturalmente, não

seja isenta de dificuldades); em segundo

lugar, o facto de 24 em 75 respondentes

referir explicitamente a falta de acesso

a ferramentas e insumos específicos como

um dos “principais problemas” com que se

depara a respectiva unidade familiar para

garantir a sua subsistência.

Entre as ferramentas e insumos explicita-

mente nomeados pelos entrevistados como

sendo caracterizados pela impossibilidade

ou dificuldade de acesso, os mais comuns

são os materiais de pesca, as prensas de

óleo (no caso das tabancas onde estas não

existem), as ferramentas agrícolas (como

enxadas e catanas), as fitas para fabrico

de canapés e os recipientes (principalmente

para fabrico e conserva de vinho de caju).

Não foi possível esclarecer até que ponto

é que, em cada um dos casos, estamos

perante situações de total impossibilidade

de aquisição ou acesso local a estas fer-

ramentas/insumos ou, em contrapartida,

situações em que o preço local é demasiado

elevado para se tornar praticável para os

respondentes em questão. Em todo o caso,

não há dúvida de que se trata de necessi-

dades manifestadas como prementes por

uma proporção muito significativa dos

respondentes, havendo certamente espaço

para intervenções a este nível (nomeada-

mente, subsidiando ou garantindo directa-

mente a oferta local nos casos em que esta

seja inexistente). A disponibilização destes

insumos pode ser eventualmente associada

a iniciativas de micro-crédito e direcciona-

da para iniciativas de benefício comunitário

(embora se reconheça que se trata de uma

área de intervenção sem um grande historial

de sucesso no contexto do Arquipélago dos

Bijagós).

Transportes e acessibilidades internase externasNum contexto insular como o da AMPC

Urok, os transportes – especialmente os

transportes marítimos – desempenham

um papel muito importante ao nível da

mitigação dos efeitos da descontinuidade

territorial. Trata-se, porém, de meios extre-

mamente custosos, pouco rentáveis e difí-

ceis de gerir por operadores privados e/ou

associativos, tal como tem sido evidenciado

por diversas experiências implementadas

ao longo dos últimos 30 anos.

Page 55: A Economia Local em Urok

54

Ao longo deste período, o sector dos

transportes registou uma série de avanços

e recuos: em tempos, um sistema de trans-

portes públicos nodais serviu Bolama

e Bubaque, sendo a ligação entre estas

duas ilhas e algumas outras ilhas do arqui-

pélago (como a Ilha das Galinhas, Canhaba-

que, Uracane, Uno, Orango Grande e Cara-

vela) assegurada por uma entidade de cariz

associativo. O complexo insular de Urok

encontrava-se excluído deste circuito,

beneficiando apenas das ligações irregula-

res garantidas pelas canoas de pescadores

baseados em Porto Nhominca ou daqueles

que se deslocavam para as zonas de pesca

mais a Sul ou delas regressava.

Nos últimos dez anos, entretanto, regista-

ram-se progressos muito assinaláveis nesta

matéria, nomeadamente em resultado do

trabalho desenvolvido pela Tiniguena/IMVF

ao nível da garantia da viabilização

da ligação Abu-Bissau com maior frequên-

cia do que sucedia anteriormente; igualmen-

te pela possibilidade de ligação e manuten-

ção de um serviço regular de transportes

entre as zonas nodais centrais da APC Urok

e as áreas mais remotas e isoladas. Ainda

assim, o grau de isolamento – e o acréscimo

de custos que lhe está associado – continua

hoje em dia a ser muito considerável, parti-

cularmente no caso das tabancas situadas

a maior distância de Abu e Porto Nhominca.

O problema dos transportes e acessibilida-

des é, assim, um dos que são sentidos de

forma mais aguda pela população da AMPC

Urok, na medida em que além de constituir

um forte constrangimento à actividade eco-

nómica (inflacionando a estrutura de custos

e com isso deprimindo a base económica

local32), exerce também um impacto negati-

vo ainda mais directo sobre as condições de

vida na medida em que limita substancial-

mente o acesso a cuidados de saúde, edu-

cação e outros bens e serviços essenciais.

Até certo ponto, trata-se de um problema

inevitável: as ilhas são, pela sua própria

natureza, espaços caracterizados por algum

isolamento, dificuldade de acesso e, por

essa via, estruturas de custos menos favorá-

veis à partida. No caso da AMPC Urok, aos

custos e dificuldades de ligação ao conti-

nente (Bissau) acrescem as dificuldades de

transporte entre tabancas, particularmente

no que concerne ao escoamento de volu-

mes consideráveis de produtos locais das

tabancas interiores até aos pontos de em-

barque. Para além de serem praticamente

inexistentes os meios de transporte mo-

torizados, a ausência de recurso à tracção

animal implica que toda a mercadoria tenha

de ser transportada recorrendo unicamente

à força humana. Naturalmente, isto, em si

mesmo, é um factor criador de emprego,

através do qual se procede à redistribuição

de parte do valor acrescentado associado

a cada uma das fileiras dos produtores

directos para os carregadores (jovens

residentes). Porém, não se trata de um

simples jogo de soma nula: nalguns casos,

o acréscimo de custos em causa pode ser

suficiente para tornar economicamente

32 Nesse sentido, o problema dos transportes é referido explicitamente por 17 dos 75 inquiridos como sendo um dos principais obstáculos à subsistência.

Page 56: A Economia Local em Urok

55

inviável a ‘exportação’ de determinada

produção, caso em que os custos associa-

dos à falta de acessibilidade acabam por

ser determinantes na contracção da base

económica local.

A nosso ver, as opções de intervenção nesta

matéria poderão, eventualmente, passar (i)

pelo estudo da possibilidade de recurso à

tracção animal no transporte de mercado-

rias das tabancas interiores para os pontos

de embarque, possivelmente a par de inicia-

tivas de alargamento e limpeza dos cami-

nhos de modo a que se tornem adequados

para esse fim; (ii) pelo subsídio ou garantia

directa de ligações marítimas inter-ilhas

mais frequentes e regulares, como estímulo

ao desenvolvimento do mercado interno;

e (iii) pelo estudo de eventuais formas

adicionais sustentáveis de expandir ainda

mais a frequência das ligações entre

a AMPC Urok e Bissau.

Problemas de coordenação ao níveldo escoamentoO escoamento da produção da AMPC Urok

para Bissau caracteriza-se por problemas

de coordenação significativos. Não é o caso

no que toca à castanha de caju, cujo es-

coamento é organizado e garantido pelos

compradores grossistas que se deslocam

propositadamente até ao complexo insular

aquando da época da campanha em

Março-Maio. Nalguns casos pontuais,

alguns outros produtos constituem também

excepções parciais, na medida em que cer-

tos comerciantes e proprietários de bouti-

ques procedem à compra local de produ-

tos nas tabancas e posterior transporte e

revenda em Bissau. No decurso do trabalho

de campo, pudemos detectar esse tipo de

arranjos em relação ao óleo de palma (em

Abu e Ancadaque), bem como em relação

às esteiras e canapés (em Acôco).

Na maior parte dos casos, porém, trate-se

de óleo de palma, animais, sal ou outro pro-

duto qualquer (mais uma vez, exceptuando

a castanha de caju), o transporte e revenda

em Bissau é levado a cabo pelo próprio pro-

dutor directo ou algum seu familiar, o que

tem como consequência um enorme acrés-

cimo de custo e um considerável desperdí-

cio de tempo face ao que aconteceria caso

a produção local fosse adquirida ‘na origem’

- ou caso fosse objecto de revenda em mol-

des organizados e cooperativos, de modo

a permitir explorar economias de escala.

Tal como é ilustrado pelo exemplo da Caixa 1

na secção 4.4 (supra), o transporte e venda

de mercadorias em Bissau é caracterizado

pela existência de custos que não depen-

dem da quantidade transportada: ao ser

organizado de forma tão fragmentada,

o escoamento da produção local implica

uma punção substancial de valor acrescen-

tado, podendo com isso tornar essa

mesma produção inviável e desencorajá-la

de todo33.

33 O mesmo problema pode ser identificado em relação aos pequenos comerciantes instalados nas ilhas:a inexistência de “grossistas locais” leva cada comerciante a organizar separadamente todo o seu abastecimento,o que encarece os produtos e, em última instância, limita a capacidade de poupança dos residentes locais que são os consumidores finais dos produtos.

Page 57: A Economia Local em Urok

56

Esta questão é, no fundo, um problema de

coordenação. Muitos residentes locais estão

conscientes disso mesmo; porém, não tem

sido possível a emergência de mecanismos

espontâneos que permitam solucioná-lo. Em

nossa opinião, justificar-se-á aqui que a Tini-

guena/IMVF estude a possibilidade de criar

incentivos à emergência de mecanismos

desse tipo – por exemplo, a constituição de

cooperativas de comercialização –, uma vez

que isso permitiria poupanças muito con-

sideráveis ao nível da estrutura de custos

de uma parte considerável dos produtores

locais e, com isso, uma expansão assinalável

da base económica local.

O impacto de eventuais iniciativas deste

tipo poderá, por outro lado, ser potenciado

se estas forem complementadas por um

sistema adaptado de transporte, que articu-

le o interior das ilhas com as áreas portuá-

rias de forma nodal – isto é, de forma a ligar

as tabancas sem canoa ou portos ao porto

principal, onde igualmente deverão conver-

gir as canoas mais pequenas das tabancas

e/ou ilhas que delas dispõem.

Page 58: A Economia Local em Urok

57

4. ESTRATÉ-GIAS DE IN-TERVENÇÃO 4.1 Princípios orientadoresdas estratégias de intervenção

As estratégias de intervenção propostas

neste estudo resultam das conclusões da

análise apresentada até aqui. Dentre essas

conclusões, ressaltam particularmente os

factos da agricultura constituir a base princi-

pal da dieta e economia locais e de existir

um défice, ainda que não estimado de forma

rigorosa, ao nível da produção agrícola

alimentar. Por sua vez, isso produz impactos

consideráveis ao nível da segurança alimen-

tar das populações, que se fazem sentir

de forma especialmente aguda no caso

das zonas mais remotas e isoladas, carac-

terizadas por um elevado grau de ‘autar-

cia’ condicionada em relação ao mercado

nacional.

Nesta perspectiva, a intervenção deve

orientar-se de forma estratégica para

o sector primário, nomeadamente para

a agricultura, pecuária, florestas e pesca

(actividades às quais se dedica a vasta

maioria das unidades familiares de produ-

ção), devendo traduzir-se num estímulo

à produção alimentar e na promoção da

segurança alimentar. Uma tal estratégia

é ainda justificada pela forma determinante

como o sector primário contribui para

o crescimento económico.

A prossecução de tais objectivos deverá

assentar numa estratégia múltipla e integra-

da, procurando:

1º. Aumentar e diversificar a produção

alimentar;

2º. Alargar a base de rendimento das famí-

lias locais, de modo a que possam comprar,

em caso de necessidade, não só os exce-

dentes produzidos localmente como produ-

tos importados, garantindo assim o acesso

generalizado aos alimentos em quantidade

e qualidade satisfatórias;

3º. Estimular o consumo local;

4º. Organizar determinadas fileiras específi-

cas com mais potencial de comercialização

e a exportação;

5º. Promover acções de formação e outras

iniciativas de benefício comunitário.

A implementação deste tipo de estratégia

assentaria (1º) no estímulo ao consumo local,

criando condições para a absorção de ex-

cedentes locais; (2º) na criação de reservas

com base na produção local, susceptíveis

de utilização nos períodos mais críticos;

(3º) numa maior coordenação do escoa-

mento dos produtos locais com maior po-

tencial comercial, a par de incentivos à pro-

moção do comércio - embora reconhecendo

que a produção excedentária é ainda muito

fraca e sazonal e que as exportações são

muito irregulares e dependem fortemente

do ritmo das campanhas, nomeadamente

do caju e óleo de palma; (4º) no reforço

progressivo do sistema de transportes

– no interior de cada ilha, entre as diversas

ilhas da AMPC Urok e entre Urok e Bissau,

Biombo e Bubaque.

Page 59: A Economia Local em Urok

58

O estímulo ao consumo local, de modo

a criar condições para a absorção de

alguns excedentes locais, pressuporia

não só uma campanha de promoção

dos produtos locais, nomeadamente

através da promoção de formas diversas

de utilização e preparação desses produtos,

como também o desenvolvimento de pólos

de consumo específicos. Entre estes últimos,

poder-se-ão incluir as escolas (através da

substituição de produtos importados por

produtos locais), os professores (como for-

ma de pagamento34), a casa de passagem

da Tiniguena e eventualmente os centros

de saúde.

Um outro objectivo consistiria na criação

de estruturas comunitárias para recolha

e concentração dos excedentes comercia-

lizáveis, a fim de constituir reservas para os

períodos mais críticos. Estas reservas pode-

riam ser geridas sob a forma de bancos de

cereais, embora pudessem realizar também

outro tipo de funções mais abrangentes, tais

como proceder à organização da comercia-

lização e escoamento, ou mesmo à conces-

são de crédito sob a forma de produto.

Igualmente promissora, nesta perspectiva,

poderia ser o estímulo à realização de “lu-

mos” rotativos entre as ilhas ou a organiza-

ção de eventos socio-culturais em Formosa

e em redor da “Casa de Ambiente e Cultu-

ra”, nos quais os produtos de origem local

poderiam ser objecto de promoção e venda.

Estes eventos de carácter comunitário não

visariam substituir as estruturas já existen-

tes de comércio privado, mas promoveriam

uma dinâmica interna adicional susceptível

de estimular a produção e, até certo ponto,

especialização, de modo a alargar o mer-

cado e proporcionar maior segurança aos

produtores locais.

A adopção de uma tal estratégia mais

abrangente não excluiria a possibilidade

de implementação de iniciativas específicas

direccionadas para fileiras específicas,

em função da respectiva importância,

potencial económico ou, ainda, da possibili-

dade de comercialização enquanto “produ-

tos-emblema” da AMPC Urok. Tal como

veremos mais adiante, dentre os produtos

com maior importância e potencial eco-

nómicos são de salientar os produtos do

palmar (especialmente o óleo de palma),

os produtos do caju e os produtos da pesca.

Entre os produtos susceptíveis de se cons-

tituírem como “produtos-emblema”, desta-

cam-se o artesanato, a malagueta brava

e o sal.

34 Nalgumas situações, as contribuições das famílias dos alunos para o funcionamento das respectivas escolassão já feitas sob a forma de produto.

Page 60: A Economia Local em Urok

59

4.2 Apoio a fileiras produtivasestratégicas

4.2.1 Apoio geral ao desenvolvimentoe diversificação da produção agrícolaO incentivo e promoção da produção

agrícola alimentar deve constituir a base

da estratégia de intervenção. Tal é justifi-

cado pelos factos da população ser na sua

maioria constituída por produtores agríco-

las, cuja primeira preocupação consiste em

satisfazer de forma adequada as necessi-

dades alimentares dos respectivos agrega-

dos familiares; igualmente uma parte muito

substancial dos rendimentos das famílias

se destinar à aquisição de alimentos e ainda

dos investimentos nas fileiras de produção

agrícola alimentar possuírem, no contexto

guineense, especial potencial de promoção

do crescimento económico.

A introdução de novas culturas (milho, bata-

ta, fruta-pão, etc.), de inovações agro-técni-

cas e/ou de certos factores de intensificação

(irrigação, material vegetal mais produtivo,

adubação orgânica, formas de tratamento

fitossanitários adaptados e pequena me-

canização) poderiam proporcionar ganhos

importantes em termos de rendimento35.

Tal processo pressuporia a criação de uma

estrutura específica de apoio, vocacionada

para o desenvolvimento do mundo rural,

cuja missão consistiria em promover

o desenvolvimento da actividade agrícola

e apoiar as estruturas comunitárias nas

diversas tabancas e ilhas.

Uma tal estrutura permitiria um envolvimen-

to mais sistemático e consequente ao nível

da produção e da dinâmica das tabancas,

visando melhorar a qualidade e quantidade

dos recursos afectos ao desenvolvimento

da agricultura e do mundo rural em geral

e traduzindo, por outro lado, o alargamento

de competências das actuais estruturas

de gestão da AMPC Urok. Um processo

alternativo, mas de menor envergadura,

poderia assentar em moldes semelhantes

aos que foram já adoptados no domínio

da educação – a implementação de uma

parceria mediante a qual o ministério da

tutela disponibiliza a estrutura técnica

necessária, que é depois enquadrada

e acompanhada pelas estruturas

de gestão da AMPC Urok.

35 Previamente à implementação de quaisquer iniciativas e projectos concretos com estes objectivos, é fundamental que a equipa do Projecto proceda a um exercício de identificação dos respectivos impactos diferenciais em temosde género. No contexto de Urok como em muitos outros, a generalidade das actividades de reprodução social dos agregados familiares, bem como uma parte substancial das actividades de carácter produtivo, recaem já sobreas mulheres – e são muitos os exemplos de iniciativas locais de promoção do desenvolvimento implementadasnoutros contextos que, inadvertidamente, tiveram como consequência um acréscimo da quantidade de trabalhoque recai sobre a população feminina. A realização, pela própria equipa do Projecto “Urok Osheni!”, destes exercícios de identificação destes impactos deverá ter como objectivo garantir a repartição equitativa, entre as populaçõesmasculina e feminina, do esforço e benefícios associados aos projectos e iniciativas. Aliás, a realização desse tipode exercício de reflexão e identificação de impactos diferenciais, preferencialmente de forma estruturada, é umaprática que poderá ser adoptada com vantagem no contexto da generalidade das estratégias de intervenção(de carácter agrário ou não).

Page 61: A Economia Local em Urok

60

4.2.2 Apoio ao desenvolvimentode fileiras estratégicas do sectoragrícola e das pescas As conclusões resultantes da análise dos

dados qualitativos e quantitativos recolhidos

permitiram identificar um conjunto de filei-

ras com especial importância e/ou potencial

no que se refere à produção e comerciali-

zação no exterior: criação de animais, caju,

óleo de palma, pesca, artesanato e comér-

cio. Rodrigues e Pulga (2006) apresentam

uma análise da viabilidade económica

de alguns destes produtos, a qual comple-

menta a discussão dos constrangimentos

à economia local contida no ponto 3.5

do presente estudo.

Os próximos parágrafos apresentam alguns

elementos adicionais relevantes para a dis-

cussão do interesse de iniciativas específicas

de apoio à produção e comercialização em

cada uma das fileiras. Note-se, porém, que

a eventual implementação de iniciativas

desse tipo deverá ser antecedida pela rea-

lização de estudos mais específicos adicio-

nais, que incidam, nomeadamente, sobre

as características e preços de produtos

análogos em diversos mercados, de modo

a permitir direccionar melhor a oferta

e assim aumentar o rendimento associado

a cada um destes produtos.

Produção animalO desenvolvimento da produção animal

tem uma importância estratégica, porquanto

representa para a maioria das famílias

a principal forma de conservar os rendimen-

tos provenientes de outras actividades sob

a forma de um património convertível em

dinheiro em caso de necessidade. Trata-se

de uma forma de património que tem ainda

a possibilidade de se reproduzir, embora,

em contrapartida, seja vulnerável a doenças

e epizootias. A extrapolação dos dados do

inquérito aos agregados familiares realizado

no âmbito deste estudo revela que o univer-

so de animais de criação é bastante nume-

roso, estando esta prática disseminada por

praticamente todas as famílias. Ainda assim,

seria importante levar a cabo um inventário

mais detalhado de modo a determinar os

efectivos existentes e a respectiva distribui-

ção geográfica.

Eventuais acções pertinentes neste domínio

poderão incluir o fomento das fileiras de

animais de ciclo curto (avícolas, caprinos

e porcinos), a introdução de raças melhora-

das (mais adaptadas às condições das ilhas)

e a melhoria das técnicas de criação

e da sanidade animal, nomeadamente atra-

vés da realização de campanhas contra as

principais doenças e epizootias que afectam

a população animal local. Por outro lado,

a torta do caju, do palmiste36 e os restos

da transformação dos demais produtos

agrícolas poderão ser utilizados para a me-

lhoria das rações, sobretudo na época seca.

Para os herbívoros em particular, a introdu-

ção de variedades forrageiras poderá me-

lhorar a qualidade das pastagens.

36 Restos vegetais do caju depois da extracção do sumo/vinho, bem como restos vegetais das bagas das palmeiras de chabéu depois da extracção do óleo.

Page 62: A Economia Local em Urok

61

Na ausência de dados estatísticos, é difícil

estimar o número de animais que é exporta-

do a partir de Urok. Porém, os dados reco-

lhidos através das entrevistas mostram que

estes são regularmente objecto de compra

e venda, tanto a nível local como noutros

mercados no exterior de Urok. Poderá ser

interessante incentivar a comercialização

regular de gado a nível local, bem como a

sua exportação para os principais centros

de consumo, sobretudo nas alturas festivas

em que a procura é maior (Carnaval, Na-

tal, Páscoa, etc.). Localmente, a sua venda

poderá ser organizada em articulação com

o funcionamento das cantinas escolares e,

eventualmente, de alguns estabelecimentos

turísticos da região. Porém, tal como referi-

do anteriormente em relação aos produtos

comercializáveis de Formosa, é pertinente

que se organize o seu escoamento e trans-

porte de forma a ter impactos positivos

na estrutura de custos, sobretudo quando

a exportação é direccionada para Bissau,

onde a concorrência é muito maior, com

produtos idênticos vindos de outras regiões

do país e do Senegal. Uma outra alternativa

seriam os “lumos” da zona de Biombo, Caió

e Canchungo, onde a procura é significativa

e os preços praticados são um pouco mais

elevados do que em a Bissau.

Numa perspectiva de comercialização,

poderá ser interessante seleccionar, numa

primeira fase, um grupo de produtores

locais em cada ilha, que seriam apoiados de

modo a promover a melhoria desta fileira de

forma experimental - procedendo à compra

local de animais, ao seu transporte organi-

zado e em escala para Bissau e à sua venda

na capital. No inicio e caso se opte por esta

modalidade de intervenção, estes grupos

carecerão de apoios significativos de modo

a colmatar as suas limitações financeiras e

as insuficiências ao nível da gestão e conta-

bilidade.

Apoio à transformação dos produtosdo cajuO Cajueiro (Anacardium sp., planta originá-

ria do Brasil) foi introduzido pelos portu-

gueses no território da Guiné-Bissau através

das Granjas de Estado - com o objectivo de

substituir a cultura da mancarra em solos

degradados por esta e como cultura de

exportação. Algumas ilhas do complexo

dispunham destas Granjas de Estado, mas

desconhece-se a área actual ocupada pelas

plantações de caju, apesar de se verificar

actualmente uma expansão progressiva em

virtude desta ser uma das principais culturas

de exportação da Guiné-Bissau.

No interior da AMPC, tal como a nível na-

cional, o caju desempenha um papel muito

importante para a grande maioria das uni-

dades familiares de produção, registando-se

uma tendência para o aumento da superfície

ocupada pelos cajueiros, em detrimento das

zonas de pousio e das florestas naturais.

Estima-se que, a nível nacional, a dimensão

média das parcelas ocupadas por cajueiros

é de 1,8 e 15 ha, respectivamente, para as

pequenas unidades de familiares de pro-

dução e para os ponteiros37 (PNIA, 2011).

37 De “ponta”, grande propriedade agrícola.

Page 63: A Economia Local em Urok

62

Consequentemente, esta cultura exerce um

impacto muito disseminado ao nível das es-

tratégias de sobrevivência das famílias, que

vêem nos produtos produzidos não tanto

um alimento como sobretudo uma fonte

de rendimento e uma forma de adquirir,

por troca directa ou indirecta, arroz.

Os cajueiros produzem principalmente

dois produtos: a maçã do caju (que é um

falso fruto e resulta do engrossamento

do pedúnculo que prende a semente

aos ramos da árvore) e o fruto propriamente

dito, a “castanha do caju38”, que no mercado

tem, actualmente, maior importância como

produto de exportação. Quando seca, é de

fácil conservação e transporte. A importân-

cia da castanha deriva da amêndoa (que é

a semente) que se extrai do seu interior:

quando transformada, pode ser consumida

e tem elevado valor nutricional (proteínas,

óleos e hidratos de carbono).

A quase totalidade da castanha de caju

é exportada através da acção dos produ-

tores que a transportam para os principais

centros onde a vendem não só aos comer-

ciantes locais, mas também aos comercian-

tes em campanha na região ou até mesmo

em Bissau. O nível dos preços varia ao longo

da campanha em função da oferta e procura

e da evolução dos preços no mercado inter-

nacional. Em Urok, tal como nas outras ilhas

do Arquipélago, o preço de compra

é geralmente 50 a 100 francos mais baixo

do que os preços praticados nos centros

do continente.

O caju é um produto que tem mercado

garantido, quer seja natural quer transfor-

mado. Porém, o produto transformado

poderá ter vantagens em termos de trans-

porte e rendimento, o que poderá trazer

benefícios adicionais aos produtores de

Urok. É difícil estimar o volume de negócios

que essa actividade poderá gerar, mas

a eventual opção pela implementação

de actividades de apoio à transformação

do caju deverá organizar-se em torno

de três eixos:

1º. Diminuição da pressão do caju sobre

as florestas naturais;

2º. Aumento do rendimento das famílias;

3º. Criação progressiva de capacidade

autónoma de transformação.

Uma tal eventual iniciativa poderá benefi-

ciar (1) da existência de uma dinâmica de

transformação socio-produtiva iniciada pela

Tiniguena no seio de diversos grupos de

produtores locais, que poderá ser direccio-

nada para o desenvolvimento desta fileira;

(2) da forte procura existente nos diferentes

segmentos de mercado para este produto;

(3) do facto de proporcionar uma alterna-

tiva face aos baixos preços praticados nas

ilhas no caso da castanha não transformada;

(4) do facto da matéria-prima ser facilmente

acessível, podendo estar disponível durante

todo o ano uma vez bem armazenada,

e da sua transformação poder mobilizar

a mão-de-obra excedentária ao longo

de todo o ano.

38 Um aquênio reniforme.

Page 64: A Economia Local em Urok

63

Porém, uma iniciativa deste tipo teria como

obstáculo o facto do processo de transfor-

mação ser bastante exigente em termos

de tempo e qualidade da mão-de-obra,

uma vez que o valor comercial da castanha

é muito superior se esta estiver inteira

- o que exige igualmente algum investimen-

to em equipamento. Dada a concorrência

vigente no mercado de Bissau, onde

a oferta destes produtos é já muito elevada,

a sua venda poderá ser efectuada na base

de parcerias com alguns hotéis da região

e através da oferta de uma gama mais varia-

da e diferenciada de produtos (caju salgado,

com um pouco de pimenta, misturado com

amendoim, etc.), o que poderá aumentar

a sua capacidade de escoamento junto

dos centros turísticos da região.

Por sua vez, a maçã do caju é consumida

fresca, enquanto o seu sumo é consumido

tanto ao natural como fermentado em

“vinho de caju”, por ser rico em açúcares,

vitaminas e sais minerais. Tradicionalmente,

o vinho é também transformado em aguar-

dentes, comummente designadas por

“n’sum-sum”.

Óleo de palma O palmar natural denso e pouco denso

cobre respectivamente 41% e 4% da su-

perfície terrestre do complexo das Ilhas de

Urok (cobrindo um total de cerca de 9.000

ha). Estas formações são dominadas pela

palmeira-de-óleo (Elaeis guineensis), planta

a partir do qual se fazem produtos como

o chabéu, óleo de palma, óleo de palmis-

te (coconote)39, vinho de palma, cibes de

palmeira, corda de palmeira, vassouras, etc.

A palmiste foi no passado um importante

produto de exportação da Guiné-Bissau.

Na primeira metade do século XX, o po-

tencial de produção de óleo de palma nos

Bijagós levou à instalação de uma fábrica,

primeiro na Ilha de Soga e depois em Bu-

baque. As superfícies acima mencionadas

apontam para um grande potencial de

produção de óleo de palma, mas este

potencial pode ser negativamente afectado

pelo ritmo das queimadas no quadro

do ciclo do “n’pam-pam”.

O chabéu e ambos os óleos são utilizados

na alimentação, para confecção de alguns

pratos tradicionais. Ambos os óleos são

também utilizados na indústria, servindo

de base à produção de sabão, sabonetes,

detergentes cosméticos, graxas e lubrifican-

tes. Devido à sua consistência o óleo

de palma pode ser ainda utilizado na fabri-

cação de margarina, manteiga vegetal

e confeitaria. As fibras resultantes da extrac-

ção do óleo de palma podem ser utilizadas

como combustível e a “torta” resultante da

extracção do óleo de palmiste por métodos

modernos pode ser ainda utilizada como

ingrediente em rações animais. Nalguns

países, o óleo de palma é ainda utilizado

como agrocombustível.

39 A amêndoa ou caroço das bagas da palmeira.

Page 65: A Economia Local em Urok

64

O óleo de palma é um dos principais pro-

dutos de exportação do complexo de Urok.

Devido à disponibilidade de fruta madura e

de mão-de-obra, a produção concentra-se

na estação seca. O processo de transforma-

ção é feito manualmente, utilizando méto-

dos tradicionais que se encontram descritos

em Leitão (2006). Salienta-se que, neste

processo de transformação, há dois elemen-

tos que comprometem a qualidade do pro-

duto: o facto do chabéu não ser esterilizado

e de, em geral, ser enterrado e/ou colocado

em tambores após a debulha, o que provoca

a sua fermentação, levando inclusive à for-

mação de fungos e ácidos gordos livres que

afectam a cor, o sabor, a acidez e a consis-

tência do óleo produzido.

O óleo de palmiste, tendo em conta a quan-

tidade e a qualidade da produção, poderá

ser direccionado principalmente para

o consumo local, como substituto dos

óleos vegetais importados. Porém, deve ser

procurada uma alternativa de valorização

do palmiste, pois em geral o caroço da pal-

meira é rejeitado após a primeira extração

do chabéu, originando perdas consideráveis

de recursos.

Em termos de impacto sobre o rendimento

monetário das unidades familiares, o óleo

de palma é, logo a seguir ao caju, o produ-

to que tem maior importância no contexto

da produção local. Tendo isso em conta,

consideramos pertinente apoiar o desenvol-

vimento desta fileira de duas formas distin-

tas: por um lado, com base em melhorias

pontuais da produção em massa, por exem-

plo através da introdução de métodos de

produção semelhantes aos adoptados em

Cantanhez, de modo a diferenciar o produto

da concorrência; por outro lado, com base

na selecção de dois ou três pequenos agru-

pamentos de produtores aos quais seriam

proporcionados equipamentos melhorados

(caldeiras, digestores, prensas, melhor con-

dicionamento, etc.), a fim de produzir um

produto de melhor qualidade destinado

a um segmento mais exigente em termos de

qualidade – como o “mercado da saudade”

dos emigrantes guineenses.

Esta última alternativa poderá permitir,

a prazo, o desenvolvimento do óleo

de palma como produto-marca ou

produto-emblema, dada a associação

entre o arquipélago e a população Bijagós

a este produto específico. Isso exigiria

naturalmente maiores investimentos

financeiros, em formação, enquadramento

e seguimento. Como parceiros potenciais,

poder-se-ia apostar nas lojas do aeroporto

e nalguns alguns restaurantes especializa-

dos na gastronomia tradicional. Apesar de

existir já alguma concorrência a este nível,

um eventual aspecto diferenciador adicional

poderia passar pela comercialização deste

produto em embalagens maleáveis e fáceis

de transportar, particularmente para

o “mercado da saudade”.

Um outro produto susceptível de aceitação

no mercado é o chabéu semi-transformado

(que foi cozido e ao qual foram retiradas

as fibras ou bagaço e as sementes), pronto

para a confecção do caldo de chabéu.

Page 66: A Economia Local em Urok

65

Para além dos aspectos já citados, este

produto exigiria o desenvolvimento de uma

cadeia para a sua conservação a frio até à

compra pelo consumidor final – neste caso

poderia ser empacotado em embalagens de

plástico, o que, não sendo ideal, é apesar de

tudo menos oneroso do que a opção por

embalagens de lata.

Por outro lado, julgamos que a melhoria

e desenvolvimento desta fileira poderia

começar por assentar na melhoria do orde-

namento agro-técnico das zonas de produ-

ção - preservando estas zonas do ciclo das

queimadas de modo a evitar o envelheci-

mento rápido e a diminuição da produção,

o que poderia até ser incentivado através

da introdução de técnicas agro-florestais

específicas.

Por sua vez, a introdução de técnicas de

transformação em pólos produtivos e cen-

tralizados poderia assentar: i) na introdução

de fogões melhorados e caldeiras de pres-

são (para facilitar a cozedura de grandes

quantidades de produtos), para segmentos

de mercado mais exigentes; ii) na introdu-

ção de melhorias pontuais ao nível da pro-

dução em massa por parte dos produtores

de Urok, com base nos métodos adoptados

em Cantanhez (com recurso a prensas) e

com o objectivo de reforçar a capacidade

concorrencial do produto no mercado na-

cional e sub-regional.

A primeira variante poderá envolver

a introdução de uma unidade experimental

por ilha. Já no contexto da segunda

variante, parte do processo de extracção

das fibras (bagaço do chabéu), bem como

a separação do caroço, poderiam ser efectu-

adas à mão através do pilão, enquanto que

a extracção do óleo poderia ser efectuada

com o auxílio de prensas, aumentando assim

consideravelmente o nível de produção em

relação à transformação exclusivamente ma-

nual. Idealmente, toda a produção deveria

ser cozida, contrariamente ao que até aqui

é prática comum. Para qualquer uma destas

duas variantes de melhoria e exportação de

produtos do palmar, a intervenção deverá

incidir ao nível da produção propriamente

dita, dos canais de distribuição e da comer-

cialização, reforçando a capacidade organi-

zacional dos produtores e, em especial, dos

agrupamentos já existentes.

Produtos do marA pesca pode ter igualmente um papel im-

portante na expansão da base de rendimen-

to das famílias de Urok. Em todas as famílias

há quem saiba pescar com a rede de lance,

mas apenas um número muito reduzido

de pescadores dispõe de equipamento

de pesca40, enquanto outros trabalham,

em diferentes modalidades41, para proprietá-

rios de canoas e/ou para pescadores Nho-

minca. O problema do acesso a materiais

e equipamentos de pesca, meios financeiros

e enquadramento foi referido com bastante

frequência pelos residentes locais aquando

das entrevistas no terreno.

40 À excepção da rede de lance, que encontra-se muito bem expandida em Urok.

41 Alguns ficam com uma parte da produção e outros trabalham como assalariados.

Page 67: A Economia Local em Urok

66

São diversas as questões que se colocam

no contexto do desenvolvimento da activi-

dade piscatória, a saber: (1) que técnicas

e artes devem ser permitidas, até que nível

deve ser incrementado o esforço de pesca

e como de que forma deve esta ser articula-

da com os objectivos de conservação

da AMPC; (2) como fomentar o desenvolvi-

mento da actividade piscatória de forma

a encorajar e promover os pescadores

locais sem incentivar a vinda de pescadores

não residentes e estrangeiros.

A eventual criação de centros de pesca

(tal como os existentes em Uracane e Buba-

que), por exemplo, pode implicar algumas

consequências socioeconómicas negativas,

além de implicar responsabilidades de ges-

tão acrescidas para a AMPC. Tratando-se

de um sector com grande potencial para

o crescimento da economia local, o seu

desenvolvimento deve ser articulado com

os objectivos de conservação da AMPC,

sendo eventualmente necessário proceder

a uma reestruturação do sector.

Um outro aspecto saliente deste sector

é a existência de excedentes irregulares,

que não encontram mercado ao nível local

e que poderiam ser alvo de transformação

em produtos como o peixe seco ou fumado,

a escalada ou eventualmente o bacalhau.

Alguns produtores locais dominam já estes

processos de transformação e alguns destes

produtos contam com uma procura con-

siderável tanto a nível local como fora de

Urok. O desenvolvimento desta actividade

de transformação poderia, por um lado,

proporcionar uma alternativa para pescado-

res locais desprovidos de grandes meios

de pesca e, por outro lado, alargar a base

de rendimento das famílias.

O desenvolvimento desta fileira deverá

requerer enquadramento adequado, apoios

financeiros iniciais, garantias de acesso

à matéria-prima e disponibilização de algum

equipamento. Deverá deparar-se, ao nível do

mercado, com o mesmo tipo de problemas

com que se deparam as outras fileiras atrás

referidas, mas o reforço organizacional dos

produtores que se dedicam à transformação

de pescado poderia facilitar consideravel-

mente a organização do escoamento dos

produtos para o mercado exterior, onde

a concorrência é considerável. Por outro

lado, o estabelecimento de parcerias com

intermediários grossistas poderia trazer van-

tagens consideráveis. Há que salientar que

o bacalhau tem um mercado bem estabe-

lecido - uma vez que a produção não con-

segue cobrir a procura nacional - e, consi-

derando o nível actual dos preços, poderá

ser muito rentável para os produtores locais.

Todos estes produtos não constituiriam pro-

priamente produtos-emblema de Urok,

mas poderiam ser promovidos por forma

a alargar a base de rendimento das unida-

des familiares.

A ostricultura é outra das fileiras que têm

vindo a adquirir uma certa dinâmica entre

a população da AMPC Urok, sendo a técnica

de produção muito bem dominada pelos

produtores locais (embora se desconheça

o volume da produção actual). A eventual

Page 68: A Economia Local em Urok

67

disseminação adicional desta técnica, por

exemplo entre a comunidade Papel, poderia

permitir aliviar em certa medida a pressão

sobre as áreas de produção natural.

A procura local é menos expressiva entre

a população Bijagó, muito mais voltada

para a exploração do combé, do que entre

a população Papel. Coloca-se, por outro

lado, a questão da finalidade da produção:

se o fim for estritamente comercial, isso

poderá ter impactos sobre a comercializa-

ção de outros moluscos como o referido

combé, até aqui tradicionalmente interdita-

do de comercialização. Uma alternativa de

comercialização local poderia passar pela

articulação das vendas com a “casa

de passagem”.

É de assinalar que a ostra, tanto fresca

como transformada, conta com uma grande

procura ao nível regional e nacional.

Na região, a procura de ostras frescas está

principalmente relacionada com a dinâmica

dos centros turísticos, em especial na Ilha

de Bubaque. Porém, devido aos problemas

de transporte, o mercado de Bubaque

é pouco acessível aos produtos de Urok.

Os transportes estão mais virados para

Bissau e Biombo - mercados onde as ostras

podem ser colocadas a fresco ou transfor-

madas, embora a concorrência seja

aí considerável. Cozida e seca - ou cozida,

fumada e empacotada -, pode igualmente

constituir um produto para o mercado da

saudade, caso a oferta possa ser efectuada

ao nível do aeroporto de Bissau. De uma

forma geral, caso se considere promover

o desenvolvimento com objectivo comercial,

poderá ser necessário estruturar melhor

a fileira, sobretudo em termos da organiza-

ção da produção, da comercialização e da

salvaguarda dos impactos ambientais, disse-

minando os métodos tradicionais de recolha

que preservam o tarrafe (mangal).

4.2.3 Produtos-emblema de UrokPor produtos-emblema ou produtos-marca

de Urok, referimo-nos aos produtos suscep-

tíveis de representar uma identidade espe-

cífica associada a Urok. Assumem especial

relevância e potencial o sal, a malagueta e

o artesanato. Nalguns destes casos, têm já

vindo a ser implementadas iniciativas no

sentido do fomento da respectiva produção

e comercialização, nomeadamente por parte

da Tiniguena/IMVF, com o objectivo de que

estes possam assumir-se como produtos

de qualidade, fortemente associados a um

conjunto de conotações positivas relaciona-

das com Urok, entre as quais se destacam

a preservação e diversidade ecológicas

e o património cultural.

SalDado o elevado preço praticado para este

produto em Urok, justifica-se uma interven-

ção no sentido de aumentar a produção

com destino ao mercado local - não só a fim

de expandir a base de rendimento dos pro-

dutores, como também de modo a estimular

a redução do preço para níveis mais facil-

mente comportáveis pelos consumidores

locais. Nesta perspectiva, o método de pro-

dução do “sal solar”, mais ecológico e com

melhor qualidade do produto, poderá ser

objecto de vulgarização em todas as ilhas

Page 69: A Economia Local em Urok

68

da AMPC Urok de modo a substituir a pro-

dução por fervura - que além de consumir

lenha42 produz um sal sem iodo. Este méto-

do encontra-se descrito em Leitão (2006).

A intenção de uma intervenção nesta área

poderá passar pela estruturação da fileira de

modo a satisfazer a procura local, mas tam-

bém de modo a transformá-lo num produto-

-emblema de Urok. A primeira finalidade

poderá ser promovida em articulação com

as unidades de transformação do pescado

e as cantinas escolares, ao nível local, o que

poderá absorver uma parte da produção.

Uma tal iniciativa requereria a realização de

actividades de enquadramento e seguimen-

to, mas também algum investimento em

instalações e equipamentos, sobretudo ao

nível da pesagem, embalagem e rotulagem

do sal, bem como um trabalho de promoção

do produto em Bissau e Bubaque, sobretu-

do em estabelecimentos comerciais, hotéis

e restaurantes. O estudo de viabilidade

realizado por Rodrigues e Pulga (2006)

revela que este produto, caso adquira

melhor qualidade através desta forma de

produção alternativa, poderá competir no

mercado de Bissau com os produtos simila-

res importados da sub-região e da Europa,

seus potenciais concorrentes. O facto de ser

comercializado em associação à “marca”

de Urok poderá constituir uma atracção

suplementar. Note-se, entretanto que

o facto da produção só poder ser efectuada

na estação seca constitui um factor cons-

trangedor da produção, embora o resto do

processo de produção (embalagem, rotula-

gem e comercialização) possa estender-se

também à época das chuvas.

MalaguetaA malagueta de Urok é conhecida como

uma das mais picantes da Guiné-Bissau,

embora não tenham ainda sido realizados

estudos com vista a averiguar isso mesmo.

Trata-se de uma malagueta que, não sendo

muito consumida localmente, o é a nível

nacional, onde é fortemente associada aos

Bijagós e apreciada como condimento na

confeção de diferentes pratos tradicionais.

Actualmente, este produto é recolhido junto

de diferentes produtoras de Urok, sendo

debulhado, limpo, embalado e vendido,

nomeadamente no Espaço da Terra43,

acondicionado em sacos de plástico.

É um produto com bastante procura

e aceitação no mercado, que poderia

ser alargado aos supermercados e aos

restaurantes de Bissau - a sua produção

poderia ser igualmente alargada a um

maior número de produtores. O uso local

poderia ser estimulado através da produção

de escalada a moda antiga (com malagueta)

e eventualmente da produção de conservas

com base na horticultura local. Os volumes

actualmente exportados para o mercado de

Bissau não são consideráveis, uma vez que

se trata de um produto direccionado para

segmentos de consumidores específicos,

caracterizados por uma certa fidelidade

42 Estima-se que para produzir 1 kg de sal sejam necessários cerca de 3 kg de lenha.

43 Loja de comércio eco e solidário onde são vendidos produtos guineenses produzidos por várias iniciativas locais da ONG Tiniguena e de organizações parceiras. Situa-se no Bairro de Belém, em Bissau.

Page 70: A Economia Local em Urok

69

aos produtos originais e típicos do país.

Porém, a sua produção poderia ser mas-

sificada, uma vez que existe uma procura

nacional e sub-regional muito grande que

é manifestada em diferentes mercados.

Produção artística e artesanatoO artesanato local é muito diversificado

e indissociável das manifestações culturais

e religiosas da população Bijagó (cerimó-

nias, danças, ritos, etc.), bem como

de certos usos tradicionais. São especial-

mente de salientar:

- Os trajes femininos, constituídos essencial-

mente por diferentes tipos de saias produzi-

das a partir da casca de troncos e ramos

de inúmeras espécies de árvores;

- Máscaras e adornos talhados em madeira,

pintados com cores vivas e utilizados nas

danças dos diferentes grupos de idade

e noutros ritos sagrados;

- Estatuetas representando não só as dife-

rentes figuras da sociedade Bijagó, como

igualmente os diferentes irãs e cópias

de objectos diversos (barco, avião, canoa

Bijagó antiga, etc.), que atestam a capacida-

de criativa dos artistas Bijagós;

- Artesanato muito diversificado com base

em madeiras (balaio, pratos, colheres, pen-

tes, etc.), fibras vegetais (cassinque, esteiras,

canapé, “sangra”, “corda de sibi”) e couro

(tambores, couro utilizado nas cerimonias,

etc.);

- Pinturas (originalmente, murais) muito

ricas em representações do imaginário

Bijagó, do ambiente natural e especialmen-

te de animais, na qual são utilizadas tintas

produzidas localmente.

Alguns produtos artísticos e do artesana-

to, como máscaras, estatuetas, canapés

de diferentes tamanhos e cassinque, já são

recolhidos junto de alguns produtores de

Urok e comercializados com o apoio da

Tiniguena. Porém, alguns destes produtos

têm problemas de acabamento e a recolha

dos mesmos não é automática, pois depen-

de fortemente da procura que, em certos

casos, é ainda reduzida em relação à oferta.

O apoio ao aperfeiçoamento artístico,

sobretudo ao nível dos acabamentos, atra-

vés da aquisição e capacitação no uso de

equipamentos modernos e mais aperfei-

çoados, poderia melhorar a qualidade da

produção. A pintura, por exemplo, poderia

ser comercializada caso pudesse ser feita

em suportes móveis, isto é em telas ou em

quadros de madeira, suportes que não são

normalmente utilizados pelos artistas pin-

tores Bijagós. Da mesma forma, a promo-

ção através de exposições articuladas com

eventos culturais (teatro, danças, eventos

musicais, etc.) direccionados para a promo-

ção da cultura Bijagó, poderá contribuir para

alargar a capacidade de absorção da arte

e do artesanato Bijagó por parte de certos

segmentos de mercado. Uma outra alter-

nativa de alargamento do mercado destes

produtos poderia assentar em acordos de

fornecimento com algumas unidades turísti-

cas que procedam à venda de souvenirs.

Um outro factor não menos importante

é a reprodução desta capacidade de

criação, pois nalgumas fileiras artesanais

o conhecimento sobre a técnica de produ-

ção tem vindo a perder-se. Por exemplo,

Page 71: A Economia Local em Urok

70

já quase não existem ferreiros nas tabancas

Bijagós. Pode ser de considerar a possibili-

dade de promover o ensino de algumas das

técnicas que estão na base destas activida-

des de produção artística no contexto das

escolas, de modo a assegurar a preservação

e continuidade deste legado cultural ao nivel

das gerações mais jovens.

4.2.4 Outros produtosPara além dos produtos já referidos, foram

identificados alguns outros que parecem

apresentar um potencial considerável para

se assumirem como produtos-emblema

de Urok, mas que carecem de análise mais

aprofundada. É o caso do mel, do “site

malgós”, do sabão e da mancarra-Bijagó,

que são produzidos localmente mas ainda

em pouca quantidade e através de técnicas

rudimentares, que carecem de melhorias

consideráveis. Estes produtos são utilizados

de forma quase exclusiva pelas famílias que

as produzem, não tendo grande expressão

no mercado local.

A mancarra-Bijagó – em virtude da sua

designação e da sua área de produção,

que consiste essencialmente no Arquipélago

dos Bijagós – poderia a tornar-se um pro-

duto-marca especialmente interessante para

a região Bolama-Bijagós. Porém, este produ-

to encontra-se num processo de desapareci-

mento progressivo, correndo-se o risco

de que, a concretizar-se, esse desapareci-

mento implique uma perda significativa

não só do ponto de vista genético, como

também no que se refere ao conjunto de

elementos e aspectos socioculturais que

estão ligados a este produto, que é muito

utilizado em cerimónias.

4.3 Formação técnico-profissional

Enquanto estratégia de intervenção no

contexto de iniciativas de desenvolvimento,

a formação técnico-profissional visa, tipica-

mente, dois tipos de objectivos: (i) capacitar

os indivíduos de modo a que a sua activida-

de produtiva independente possa ser mais

diversificada e/ou alcançar um rendimento

mais elevado; e/ou (ii) dotar os indivídu-

os de competências que os tornem mais

empregáveis ou susceptíveis de prestarem

serviços para os quais exista, ou venha a ser

criada, uma procura.

Como é facilmente depreensível, o objectivo

(ii) depende, em grande medida, do grau de

desenvolvimento dos mercados locais de

trabalho e de serviços. Ora, num contexto

como o da AMPC Urok, onde esses mer-

cados apresentam um grau de desenvolvi-

mento apenas incipiente, é especialmente

importante que as apostas na formação téc-

nico-profissional incidam sobre áreas temá-

ticas em relação às quais haja um elevado

grau de certeza: (i) que permitirão introduzir

novas práticas ou técnicas que melhorem

directamente a produção independente;

(ii) que permitirão satisfazer procuras efec-

tivamente existentes (e que se fazem acom-

panhar por capacidade e disponibilidade

para pagar); ou (iii) que o próprio projecto

que implementa as acções de formação terá

possibilidade de viabilizar a procura, seja di-

rectamente, na medida em que recorra aos

bens e serviços prestados pelos formandos,

seja indirectamente, subsidiando a provisão

desses bens e serviços por se entender que

se revestem de utilidade e interesse comuni-

tários.

Page 72: A Economia Local em Urok

71

O inquérito aos agregados familiares

incluiu uma questão acerca das iniciativas

de formação de que os respondentes e os

membros dos respectivos agregados benefi-

ciaram no passado. Verificamos que mais de

metade dos entrevistados (38 em 75)

indicou que eles, ou algum membro do

agregado, receberam já algum tipo de

formação técnico-profissional (Figura 17).

Algumas das respostas mais frequentes

(“horticultura”, “produção de sal”, “fuma-

gem/conservação de peixe”) tiveram ligar

no âmbito de iniciativas anteriores da Tini-

guena/IMVF e incidiram sobre o apoio

à diversificação e produtividade da produ-

ção directa independente. Outros (“alfabe-

tizador de adultos”, “agente de saúde de

base”, “gestão participativa”) visaram funda-

mentalmente a satisfação de necessidades

comunitárias, mais do que o reforço

da empregabilidade dos beneficiários.

Outra questão constante do inquérito

aos agregados familiares - que proporcio-

nou informação relevante no que diz

respeito à avaliação das áreas temáticas

potencialmente mais interessantes para

a implementação de acções de formação

- foi aquela em que se perguntou aos res-

pondentes “De que serviços carece a sua

família?”. O objectivo desta questão passava

pela tentativa de identificação de eventuais

procuras por satisfazer a nível comunitário

que pudessem vir a constituir nichos de

mercado viáveis para os beneficiários de

futuras acções de formação. Os resultados,

porém, não foram especialmente encoraja-

dores ou esclarecedores – principalmente

porque a maior parte dos respondentes

indicou serviços ou formas de apoio de que

carece do ponto de vista do apoio à produ-

ção (p.e. acesso a crédito) ou do ponto

de vista das infra-estruturas comunitárias

(p.e. poços) mas não enquanto potenciais

consumidores.

Área/tema da formação Número de agregados (em 75) que referiram

ter beneficiado de formação nessa área

Horticultura 9

Produção de sal 8

Alfabetizador de adultos 5

Fumagem/conservação de peixe 4

Agente de saúde de base 4

Tecelão/bordadeira 3

Gestão participativa 3

Ostricultura 3

Marinharia 2

Figura 17: Áreas/temas em que os entrevistados ou outros membros do agregado beneficiaram de formaçãotécnica ou profissional no passado (indicadas apenas as áreas indicadas por pelo menos dois respondentes)(fonte: inquérito aos agregados familiares).

Page 73: A Economia Local em Urok

72

Por outro lado, impõe-se cuidado na inter-

pretação destas respostas na medida em

que o facto de um determinado serviço

ser indicado como estando “em falta” não

significa necessariamente que ele não es-

teja localmente disponível – simplesmente,

pode ser demasiado caro para viabilizar a

sua contratação por parte dos agregados

familiares que o referiram (como quase

certamente sucede no caso dos que res-

ponderam “mão-de-obra agrícola”, por

exemplo). Dito isto, as respostas à questão

sugerem que a alvenaria e a carpintaria são

áreas para as quais existe procura conside-

rável (embora, certamente, também oferta)

e que entre as áreas eventualmente mais

promissoras para formação especializada se

inclui certamente a mecânica (de bicicletas

e motores de canoa).

Em vista de todos os elementos anteriores,

os autores deste estudo recomendam que

as futuras iniciativas de formação técnico-

-profissional no âmbito do Projecto “Urok

Osheni!” se organizem de acordo com três

lógicas distintas mas complementares: (i)

formação de base para a produção agrária;

(ii) formação em articulação com as neces-

sidades do próprio Projecto “Urok Osheni!”;

e (iii) formação para a satisfação de procu-

ras mais amplas. Os próximos parágrafos

desenvolvem cada um destes pontos.

Número de agregados entrevistados (em 75)

Serviços em falta que referiram esse serviço como fazendo falta

ao seu agregado familiar

Pedreiro 23

Mão-de-obra agrícola 12

Carpinteiro 12

Lojas comunitárias com insumos 10

agrícolas e/ou para a pesca

Agente de saúde de base/enfermeiro 8

Mecânico 6

Crédito 5

Alfaiate/costureiro 4

Poços 3

Electricista 3

Figura 18: Serviços considerados em falta pelos agregados abrangidos pelo inquérito aos agregados familiares (respostas mais comuns)

Page 74: A Economia Local em Urok

73

4.3.1 Formação de basepara a produção agráriaA formação de base para a produção

agrária assenta na constatação de que

a agropecuária no seio de pequenas

unidades independentes de cariz familiar

constitui a base fundamental da economia

local de Urok, sendo previsível que isso

não se venha a alterar no futuro próximo.

Faz por isso todo o sentido procurar dotar

as unidades familiares de algumas compe-

tências que elas ainda não possuam e que

permitam aumentar a resiliência e rendibili-

dade da sua produção. Referimo-nos aqui

à adopção de novas culturas, à aprendiza-

gem de técnicas biológicas de combate

a pragas, técnicas de enxertia, vedações,

etc. Na nossa opinião, faria todo o sentido

que muita desta formação fosse ministrada

em articulação com a escolaridade oficial -

por exemplo, através da criação de um

módulo, com quatro a seis horas semanais,

de consciencialização agro-ecológica duran-

te as quatro primeiras classes, seguido

de um módulo idêntico versando sobre

técnicas agrárias durante a quinta e sexta

classes. O objectivo seria dotar progressi-

vamente todos os jovens de Urok de um

conhecimento básico acerca de técnicas

que, nalguns casos, não estão ainda dissemi-

nadas e que permitiriam não só diversificar

a produção de cada agregado familiar

como também aumentar o seu rendimento

por unidade de superfície e/ou tempo

de trabalho.

4.3.2 Formação especializadaem articulação com as necessidadesdo projecto “Urok Osheni!”O Projecto “Urok Osheni!” tem vindo

a introduzir um conjunto de novas dinâmi-

cas socioeconómicas no contexto da AMPC

Urok – com especial intensidade no caso

da tabanca da Abu –, as quais devem ser

consideradas como oportunidades para

o reforço da densidade do mercado de

trabalho local. Um dos contextos em que

isso pode e deve acontecer consiste na

futura criação de casas de passagem - uma

vez que, previsivelmente, a futura utilização

destas exigirá a existência de um contingen-

te, adequadamente formado, de residentes

locais capazes de assegurar um conjunto

de serviços mínimos ao nível da hospeda-

gem e alimentação.

Porém, esta mesma lógica aplica-se também

no caso de actividades mais especializadas:

em vez de recorrer ciclicamente a serviços

especializados de terceiros provenientes

do exterior da AMPC Urok para satisfazer

necessidades que se verificam com alguma

frequência (p.e. electricistas, mecânicos,

soldadores, técnicos de painéis solares),

faz todo o sentido que o Projecto assuma

o custo da formação de alguns indivíduos

nestas áreas de modo a que a satisfação

de cada uma dessas necessidades do Pro-

jecto se torne também uma oportunidade

de rendimento para um residente local.

Na verdade, dado o efeito multiplicador

potencial que aqui está em causa, conside-

ramos que esta opção deve ser considerada

Page 75: A Economia Local em Urok

74

preferível mesmo que seja relativamente

mais cara para o Projecto (desde que

a diferença não seja incomportável).

Assim, em jeito de resumo das recomenda-

ções relativas a esta segunda linha orienta-

dora das acções de formação, consideramos

que a equipa do Projecto “Urok Osheni!”

poderá ter interesse em estudar a futura

implementação de acções de formação

com alguns meses de duração em duas

áreas principais: (i) hotelaria e restauração;

e (ii) electromecânica. Idealmente, estas

acções de formação deverão ser desenvol-

vidas localmente e não em Bissau, de modo

a potenciar tanto quanto possível os efeitos

de disseminação local do conhecimento tá-

cito. Porém, reconhecemos que isso poderá

ser difícil no caso da electromecânica,

dados os requisitos em termos de material.

4.3.3 Formação para a satisfaçãode procuras mais amplasComo vimos atrás, a dimensão e o grau

de desenvolvimento do mercado local

permitem vislumbrar poucas áreas em

que a procura local (independente do

Projecto) oferece grandes garantias

de viabilizar, por si mesma, algum serviço

ou actividade profissional. Aparentemente,

as excepções poderão passar por duas

áreas que são, tradicionalmente, objecto

de procura consistente no contexto de

todas as tabancas: alvenaria e carpintaria.

No entanto, estas são também áreas em

que, em maior ou menor grau, quase todas

as tabancas contam já com indivíduos

capazes de desempenhar as tarefas em

causa. Por esse motivo, seria importante

recolher informação adicional a fim de es-

clarecer se o elevado número de responden-

tes ao inquérito aos agregados familiares

que refere esses serviços como “estando

em falta” é motivado por aquilo que eles

próprios consideram ser um preço demasia-

do elevado face ao que têm possibilidade

de pagar ou se, efectivamente, há falta de

carpinteiros e pedreiros no sentido de

que existem famílias dispostas a pagar

pelo serviço, mas ninguém em condições

de o prestar, não por uma questão de preço

mas por uma questão de inexistência

ou insuficiência da oferta. É natural que

a resposta a esta questão varie de tabanca

para tabanca, mas, a verificar-se a segunda

hipótese, o Projecto “Urok Osheni!” poderá

ter também interesse em considerar, a par

das acções de formação referidas no ponto

6.2, uma outra acção de formação em “téc-

nicas de construção”, que incluiria módulos

de alvenaria, carpintaria e pavimentação.

Finalmente, a última área em relação à qual

consideramos ser de recomendar que o Pro-

jecto “Urok Osheni!” estude a possibilidade

de implementação de uma acção de forma-

ção, uma vez que existe comprovadamente

uma forte procura, consiste na “construção

e reparação de embarcações”. A AMPC

Urok, pela sua ligação ao mar, situação

geográfica e tradição piscatória, encontra-se

em condições privilegiadas para o desenvol-

vimento de um micro-cluster de construção

e reparação naval – área para a qual existe

uma forte procura que permitiria um fluxo

Page 76: A Economia Local em Urok

75

de rendimento bastante substancial para um

número razoável de indivíduos e agregados

familiares. Subjacente à afirmação anterior

está a ideia de que esta actividade contaria

não só com a procura local dos próprios

residentes na AMPC Urok, como também

com a de um mercado potencial muito

mais amplo, no Arquipélago dos Bijagós e

na Guiné-Bissau continental. Em nosso ver,

faria especialmente sentido que esta forma-

ção/estímulo à criação de um micro-cluster

tivesse lugar entre a comunidade Nhominca

– tanto pela sua mais forte ligação ao mar

e à navegação, como pelo facto de esta ser,

claramente, a comunidade mais descontente

com as alterações ao modo de vida introdu-

zidas pelas regras de AMPC e a que menos

se encontra em condições de beneficiar de

acções e medidas futuras ao nível da produ-

ção agropecuária.

4.4 Infra-estruturas e serviçosde interesse comunitário

Tal como foi já referido neste estudo, o

sector administrativo de Caravela, na qual

o complexo das ilhas de Urok está inserido,

é um dos que conta com mais fraca oferta

de serviços sociais, registando-se carências

significativas que decorrem, em grande

medida, das dificuldades dos organismos e

estruturas públicas em lidar com os desafios

específicos das zonas insulares.

Através da informação qualitativa recolhida

aquando dos focus-groups e entrevistas

semi-estruturadas, verificamos que pelo

menos uma parte substancial da população

considera que se têm registado melhorias

consideráveis ao nível das infra-estruturas

escolares, das comunicações, dos transpor-

tes e do abastecimento de água, as quais se

devem em grande parte ao trabalho reali-

zado pela Tiniguena/IMVF. É desejável que

esta estratégia de intervenção seja prosse-

guida e que os processos de gestão que lhe

estão associados sejam consolidados, tendo

em conta que a oferta actual nestes domí-

nios ainda não cobre as três ilhas principais

de uma forma tão abrangente quanto seria

desejável.

É importante que o processo de criação e

expansão deste tipo de infra-estruturas e

serviços seja articulado com o envolvimento,

capacitação e responsabilização das estru-

turas locais tradicionais e associativas - pois

no contexto actual das ilhas a capacidade

destas estruturas, em especial a organização

e gestão, é muito fraca. O envolvimento em

iniciativas comunitárias, associativas e socio-

culturais - mesmo socio-religiosas - poderá

estimular estas estruturas a trabalharem

com maior sinergia, o que ´tenderá a re-

forçar a coesão comunitária e a estimular a

entreajuda, a colaboração e a auto-estima.

Page 77: A Economia Local em Urok

76

Para além do reforço das infra-estuturas e

serviços nas áreas-chave já referidas, ficou

ainda patente o interesse manifestado por

alguns entrevistados num conjunto adicional

de serviços de interesse comunitário, con-

siderados potencialmente mais relevantes.

Entre estes, incluem-se:

– Expansão e reforço da rede de transportes

inter-ilhas e para Bissau e Biombo;

- Melhoria da cobertura dos serviços

de saúde e expansão da cobertura sanitária;

- Expansão da rede de poços;

- Criação de um fundo de desenvolvimento

comunitário por ilhas;

- Criação de casas de ambiente e cultura

em Nago e Maio.

A eventual opção pela criação de um fundo

de desenvolvimento comunitário justificar-

-se-ia pela necessidade de dar resposta

a uma ou outra solicitação mais específica

em cada ilha ou tabanca, podendo com isso

estimular-se a emergência e reforço

de processos participativos de planificação

e execução de iniciativas comunitárias autó-

nomas. Por sua vez, a criação de duas novas

Casas de Ambiente e Cultura teria como

objectivo estimular a dinâmica das iniciati-

vas socioculturais em Nago e Chediã. Em

todo o caso, a opção pela implementação

de iniciativas em qualquer um destes

domínios adicionais, terão que ser integra-

das num processo mais amplo de reforço do

Processo de Governação Participativa e na

Melhoria das Condições de vida das popu-

lações residentes no interior da AMPC de

Urok.”

4.4.1 Expansão e reforço da redede transportesA falta de um sistema de transporte

plenamente satisfatório e adequado

às especificidades de Urok constitui um

forte estrangulamento ao desenvolvimento

deste território. Porém, são de reconhecer

alguns avanços significativos efectuados

neste domínio, sobretudo o estabelecimen-

to de uma ligação regular por canoa entre

Formosa e Bissau via Chediã. Duas outras

canoas mais pequenas, que servem algumas

tabancas mais afastadas de Chediã

e Nago, funcionam em coordenação

com esta ligação. Porém, algumas tabancas

da AMPC Urok são ainda bastante desfavo-

recidas.

A Figura 19 apresenta o custo do transporte

por canoa entre Formosa e Bissau para

um conjunto de produtos. Constata-se que

a canoa actual é mais rentável na época

seca, isto é, de Novembro a Junho, por isso

realiza neste período viagens semanais.

É neste período que as pessoas mais viajam

e ao mesmo tempo levam alguns produtos

para venda no mercado de Bissau. Na época

das chuvas é reduzido o número de viagens,

sobretudo a partir de Agosto até Novembro,

passando as viagens a quinzenais.

Page 78: A Economia Local em Urok

77

Os problemas de transporte foram já objec-

to de discussão neste estudo, tendo sido su-

gerida como solução a adopção de um sis-

tema de transporte nodal, à imagem do que

já está a ser praticado entre as canoas mais

pequenas e a grande - e poderia ser articu-

lado com um sistema de transporte terrestre

para servir as ilhas nos dias de carreira. Há

que pensar no desenvolvimento de outras

duas linhas, com base em duas canoas gran-

des: uma que poderia servir Biombo, dada

a relação da população Papel com as suas

zonas de origem. E uma outra que poderia

servir Bubaque e constituir uma alternativa

para a ligação a Bissau, caso fosse articula-

da com a saída do Barco de Bubaque, mas

ao mesmo poderia ser um factor de estímu-

lo de transacções comerciais entre Formosa

e Bubaque. O período morto de Agosto a

Novembro poderia ser aproveitado para os

trabalhos de manutenção, reparação, forma-

ção e preparação da campanha seguinte.

Várias alternativas poderiam ser propostas

para solucionar o problema dos transpor-

tes entre as tabancas de cada ilha e en-

tre estas e o porto mais próximo: tractor,

carro, bicicletas com carroçaria, etc.. Para

além destas propostas “mecanizadas”, é

de considerar igualmente a possibilidade

de estudar e avaliar, a título experimental, a

introdução a médio prazo da tracção animal

com recurso a raças locais. Esta alternativa

poderá beneficiar do facto de poder contar

com a presença de uma população islami-

zada com experiência acrescida de rela-

cionamento com o gado. Para além da sua

eventual utilização como força motriz para

transporte de mercadorias no contexto do

sistema nodal acima referido, a introdução

experimental da tracção animal beneficiaria

também a produção agrícola, nomeadamen-

te no contexto da lavoura de culturas como

a mancarra e o feijão.

Produto Quantidade Custo

Oleo de Palma Cada bidão de 25 l 750

Esteiras cada 200

Arroz Saco 50 Kg 750

Cimento Saco 50 kg 1.000

Cibes cada 1.000

Pessoas cada 2.00

Figura 19: Custo de transportes Formosa-Bissau de alguns produtos na canoa Umba Maraka.

Page 79: A Economia Local em Urok

78

O desenvolvimento dos transportes ma-

rítimos é muito exigente em termos tanto

de investimento como de gestão e manu-

tenção. Requer uma disciplina rigorosa e

capacidades específicas, o que, por sua

vez, coloca exigências específicas ao nível

da supervisão, apoio à gestão e formação

contínua dos profissionais envolvidos no

processo (marinheiros, mecânicos, cobrado-

res, gestores).

4.4.2 Melhoria da cobertura sanitáriae de serviços de saúdeAs normas de distribuição das estruturas

dos serviços de saúde são pouco adapta-

das às particularidades das ilhas, sobretudo

considerando a descontinuidade territorial

e o tamanho das suas populações. Por este

motivo, são preferíveis soluções tão autó-

nomas quanto possível, uma vez que as

possibilidades de evacuação de doentes são

muito limitadas e condicionadas pela dispo-

nibilidade de transportes.

Poderão ser consideradas várias formas de

intervenção neste domínio, mas, de uma for-

ma geral, o sucesso destas intervenções de-

penderá sempre, em maior ou menor grau,

da vontade política do ministério da tutela

e das perspectivas futuras para o sector.

Uma das opções que julgamos mais perti-

nente e em relação à qual existe já alguma

experiência adquirida, poderá consistir na

replicação do modelo actualmente adopta-

do no domínio do ensino – ou seja, a cons-

trução de postos de saúde em Nago

e Chediã, cada um contando com um ou

dois enfermeiros, inseridos numa estrutura

gerida de forma análoga à das escolas. Por

sua vez, esta primeira linha de cuidados bá-

sicos de saúde poderia ser complementado

com a colocação de um médico em Formo-

sa e/ou visitas médicas regulares e rotativas

para atender os casos mais graves na AMPC

Urok, eventualmente a par da criação de

uma farmácia fixa em Formosa para fazer

face ao problema da falta de medicamentos.

A actuação de uma estrutura deste tipo

poderia ser optimizada mediante o envolvi-

mento de programas de saúde pública tais

como o de fornecimento de medicamentos,

medidas de combate à malária e à cólera,

de prevenção do VIH-SIDA, etc., que pos-

suem recursos significativos mas que nem

sempre cobrem adequadamente zonas tão

isoladas quanto Urok. Por outro lado, a sua

eficácia poderia ser reforçada através da

articulação com as escolas e o sistema de

transportes. Ao nível da escola, com vista

a divulgar as práticas de higiene e de sanea-

mento mais adequadas. Ao nível dos trans-

portes, de modo a responder às necessida-

des de evacuação de doentes graves, sendo

eventualmente abordado o ministério da

tutela a fim de solicitar que este constribua

para suportar os respectivos custos.

Deverá ser dada especial atenção ao pes-

soal de saúde – tal como ao da educação –,

no sentido da melhoria das suas condições

habitacionais e de trabalho, pois estes facto-

res são fundamentais para a capacidade de

atração e retenção destes profissionais,

a fim de reduzir a incidência de abandono

de postos de trabalho, que constitui

um problema grave e comum em todo

o arquipélago.

Page 80: A Economia Local em Urok

79

4.4.3. Melhoria do fornecimentode água potávelApesar de se terem registado melhorias

consideráveis nos últimos tempos, a rede

de poços melhorados não cobre todas as

tabancas e a falta de água potável tem leva-

do a população a utilizar águas impróprias

para consumo, por vezes contaminadas por

vectores de doenças intestinais e diarreicas.

O fornecimento de água deve ser enquadra-

do numa estratégia mais ampla de melhoria

da qualidade de vida das populações locais.

A necessidade do reforço da rede de poços

melhorados a fim de garantir o acesso

à água potável por parte de toda a popu-

lação foi recorrentemente referida como

premente pelos entrevistados em todas

as ilhas, mas especialmente nas ilhas de

Nago e Chediã. Estas ilhas parecem apre-

sentar carências maiores pelo que, numa

primeira fase, a estratégia deve ser direccio-

nada para a supressão das assimetrias exis-

tentes entre as três ilhas para depois, numa

segunda fase, proceder à ampliação da rede

de forma a garantir o acesso adequado

a este tipo de serviços e/ou facilidades

para toda a população – princípio aliás

válido para a generalidade das intervenções,

a bem da equidade e coesão territoriais.

Uma possibilidade interessante consistiria

na concepção e implementação de um

programa de construção de médio prazo,

levado a cabo por uma empresa que garan-

ta um trabalho de qualidade e envolvendo

a possibilidade de formação de jovens locais

em construção e manutenção de poços.

O recurso a alguns programas já existentes

neste domínio (UNICEF, Direcção de Águas,

Direcção da Integração Regional44, etc.)

poderia permitir a mobilização de meios

financeiros adicionais para este fim.

44 Esta Direcção administra recursos financeiros provindos de organizações sub-regionais da África Ocidental que se destinam à construção de infra-estruturas sociais. Ultimamente, tem dado prioridade aos domínios da educação e abastecimento de água, havendo também sensibilidade acrescida para os problemas das zonas mais isoladas.

Page 81: A Economia Local em Urok

80

Page 82: A Economia Local em Urok

81

O presente estudo procurou corresponder

aos objectivos estabelecidos nos TdR atra-

vés da recolha sistemática de informação

aquando de um período intensivo de tra-

baho de campo, a qual serviu de base ao

trabalho de análise do qual decorrem os re-

sultados que aqui foram apresentados. Esta

análise deixa claro que neste grupo de ilhas,

apesar dos inúmeros estrangulamentos, está

em curso uma dinâmica de transformação

associada à acção de forças tanto internas

como externas. Entre estas últimas, é so-

bretudo de salientar a pressão exercida pela

racionalidade comercial decorrente da pro-

gressiva integração desta zona relativamen-

te marginal num mercado mais amplo, bem

como as influências socioculturais, técnicas

e outras, introduzidas sobretudo pela popu-

lação Papel e Nhominca, que, embora não

sendo etnias originárias de Urok, constituem

actualmente parte da população residente,

embora mantenham laços muito fortes

e activos com as suas regiões de origem.

Por outro lado, está também em curso

uma dinâmica de desenvolvimento durável,

assente num processo participativo

e comunitário com base na valorização

do património natural e cultural, que tem

vindo a ser conduzido pela Tiniguena,

IMVF e seus parceiros e que se enquadra

nos objectivos subjacentes à criação

da Reserva da Biosfera e da AMPC Urok.

A análise da informação recolhida permitiu,

por outro lado, identificar um conjunto de

constrangimentos principais ao nível da acti-

vidade produtiva, cuja solução ou mitigação

poderá permitir melhorar as condições de

produção e comercialização – bem como,

de uma forma mais geral, o nível de vida

e a resiliência económica e alimentar da po-

pulação, de uma forma durável e adaptada

à realidade ambiental e socio-cultural local.

O estudo sugere um conjunto alargado e ar-

ticulado de estratégias de intervenção, que

visam principalmente reforçar o processo

de desenvolvimento integrado actualmente

em curso e consolidar o processo de gestão

comunitária. Esse conjunto de estratégias

articula-se em torno de três eixos principais:

• Apoio ao desenvolvimento de fileiras

de produção

• Formação técnico-profissional

• Desenvolvimento de infra-estruturas

e serviços de interesse comunitário

5. CONCLUSÕES

Page 83: A Economia Local em Urok

82

Através do apoio ao desenvolvimento de

certas fileiras de produção, pretende-se

aumentar a segurança alimentar, estimular

o consumo local e alargar a base de rendi-

mento das famílias produtoras, nomeada-

mente através da organização de algumas

fileiras para comercialização e exportação.

Neste eixo privilegia-se de forma geral

o desenvolvimento e a diversificação da

produção agrícola, o apoio ao desenvolvi-

mento de fileiras estratégicas (produção

de animais de ciclo curto, transformação

do caju, óleo de palma e produtos do mar)

e o desenvolvimento de produtos-marca

de Urok (sal, malagueta e artesanato).

O segundo eixo de intervenção consiste

num programa de formação escolar e técni-

co-profissional, organizado de acordo com

três lógicas complementares: (i) formação

de base para a produção agrária; (ii) forma-

ção em articulação com as necessidades do

próprio Projecto “Urok Osheni!”; e (iii) for-

mação para a satisfação de procuras mais

amplas. As estratégias sugeridas no contex-

to deste eixo visam dotar a generalidade da

população escolar de Urok de um conjunto

de competências de base susceptíveis de

melhorar e reforçar a actividade agropecuá-

ria, bem como proporcionar formação mais

avançada de carácter técnico, em áreas de

comprovada procura ou utilidade, a um con-

junto alargado de formandos.

O terceiro eixo consiste no reforço das infra-

-estruturas e serviços de interesse comuni-

tário, especialmente nos domínios da saúde,

fornecimento de água e transportes. Even-

tuais iniciativas nestes domínios, embora

bastante exigentes em termos organizacio-

nais e financeiros, poderão beneficiar direc-

tamente e indirectamente as populações

a diversos níveis - nomeadamente consti-

tuindo oportunidades para o reforço das

capacidades técnicas e organizacionais

locais e para o aprofundamento dos me-

canismos participativos de deliberação e

gestão comunitárias.

Page 84: A Economia Local em Urok

83

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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do sector de São Domingos. Programa de Desenvolvimento Comunitário de São Domingos – Kasumai

(ONG-PVD/2003/020-858/GW) IMVF, AD, ACEP. Julho 2007.

2. Brenier A., Ramos, E., Henriques A. (2009) Palavras de Urok! Ensinamentos e impactos da Área

Marinha Protegida Comunitaria das Ilhas de Urok. Dezembro 2009

3. Brito, B. R. (2006) Estudo Socioeconómico e Diagnóstico para Acompanhamento

das Condições de Bem-Estar das Famílias da Região de Cacheu. Projecto Integrado

de Segurança Alimentar de Cacheu (PISAC), CE: FOOD/2003/057-028/109. IMVF & AD. Novembro de

2006.

4. Casimiro A. R. S. et al (2000) Avaliação de leveduras industriais na Fermentação

de suco de caju. Embrapa Agroindústria Tropical, Circular Técnica No 4. Setembro, 2000

5. Coelho, S. T. et al. (2005) Uso de óleo de palma “in natura” como combustível

em comunidades isoladas da Amazónia. Trabalho publicado e apresentado em: III Workshop Brasil-

-Japão em Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável-23 a 25

de Novembro de 2005- Campinas, SP.

6. Cruz n. J. T., Silva, M. V, Filho, R. A. M. (2007) Consumo dos principais produtos

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de Pernambuco, Recife, pe, BRASIL. Apresentação oral Comercialização, mercados e preços agrícolas.

Londrina, 22 a 25 de julho de 2007.

7. Filho et al. Aspectos da colheita, pós-colheita e transformação industrial do pedunculo do caju

(Anacardium occidentale L.). AspectoColheita_Caju_000g7d94xb102wx5ok0wtedt3xxfvd00.

8. GARRUTTI, D.S. (2001) Composição de Voláteis e Qualidade de Aroma do Vinho de Caju.

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9. Histórias Tradicionais das Ilhas de Urok- Guiné Bissau (“Estórias do Chão de Urok. Pasadas di con

di Urok”). Urok, IMVF, Tiniguena, Cooperação Portuguesa. Dezembro 2009.

10. HOLANDA, J.; OLIVEIRA, A.; FERREIRA,A (1998) Enriquecimento proteico de pedúnculo de caju

com emprego de leveduras, para alimentação animal. Pesquisa Agropecuária rasileira, 33 (5),

p. 787-792, 1998.

Page 85: A Economia Local em Urok

84

11. INE-MEPIR, UNICEF Guiné-Bssau-2010 4º inquérito por amostragem aos indicadores múltiplos

(MICS) & 1º inquérito demográfico de saúde reproductiva (IDSR) – Resultados Preliminares.

INE-MEPIR, UNICEF, Dezembro, 2010.

12. Leitão, A. E. B. (2006) Manual de técnicas de transformação de produtos locais nas ilhas de UROK:

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de Ilhas de Formosa, Guiné-Bissau”, CE:ONG-PVD/2003/062-200. Novembro de 2006.

13. Leonardo CARDOSO, L & BIAI, J. (2004) Estudo do impacto sócio-economico da criação da área

marinha protegida de gestão comunitária das ilhas “Urok” (FORMOSA, NAGO E CHEDIÃ). Reserva

da Biosfera do Arquipélago Bolama-Bijagós Guiné-Bissau. Bissau, Agosto de 2004

14. MEPIR (2010) Relatório sobre a campanha de caju 2010. Dezembro 2010.

15. Modesto, C. (2005) Refino de óleo de palma e palmiste. Agropalma. Maio 2005.

16. Neto A. B. T et al. (2006) Cinética e caracterização físico-química do fermentado do pseudofruto

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17. Neto A. B. T et al. :Análise sensorial e físico-química do vinho de caju (anacardium occidentali l.).

VIII Encontro Latino Americano de Iniciação Cientifica e IV Encontro Latino Americano

de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba. Pag 269-272.

18. Neto, T. A.B., et al. (2002) Estudo da Cinética de Produção de Vinho de Caju. VI INIC,

UNIVAP, 2002.

19. Neto, T. A.B., et al (2003) Estudo do Aproveitamento do Pedúnculo do Caju para Produção

de Vinho. VII INIC, UNIVAP, 2003.

20. Pinheiro, A. P. (2008) Desenvolvimento de néctares mistos a base de caju (Anarcadium

accidentale) e açai (Euterpe oleracea mart.). Fortaleza-CE, 2008.

21. Princípios e Critérios da RSPO para Produção Sustentável de Óleo de Palma Guia de Orientações

Formato com ênfase nas Orientações para Interpretação Nacional. Março de 2006.

22. Rodrigues D. & Pulga J. (2006) Estudo de Viabilidade Económica e Comercial de Produtos

Agro-Alimentares das Ilhas Urok. Projecto “Tebanke Urok: Desenvolvimento Comunitário no Grupo

de Ilhas de Formosa – Guiné-Bissau”, CE: ONG-PVD/2003/062-200. Novembro de 2006.

Page 86: A Economia Local em Urok

85

ANEXO IGuiné-Bissau - indicadores económicos e socio-demográficos

Resultados provisórios RGPH 2009 (INEC, 2010)

Regiões Masculino % Feminino % Total Tombali 49.598 48,4 52.884 51,6 102.482 Quinara 32.443 49,2 33.503 50,8 65.946 Oio 109.497 48,4 116.766 51,6 226.263 Biombo 45.103 47,5 49.766 52,5 94.869 B. Bijagós 16.725 49,3 17.204 50,7 33.929 Bafatá 109.489 48,6 11.027 51,4 225.516 Gabú 104.777 48,8 109.743 51,2 214.520 Cacheu 95.271 47,7 104.403 52,3 199.674 SAB 192.956 50,1 192.004 49,9 384.960 País 755.859 48.82 792.300 51.18 1.548.159

Comparação do PIB per capita na zona UEMOA em 2005, em FCFA (INEC, 2010)

Benin (1) 315.000 Burquina Faso (1) 230.000 Costa do Marfim 475.000 Guiné-Bissau 230.000 Mali 280.000 Níger (1) 150.000 Senegal 420.000 Togo (1) 215.000

Contudo, a contribuição ao PIB dos diferentes sectores económicos não alterou muito (INEC, 2010)

Contribuição ao PIB Nova Série Antiga Série Sector Primário 45% 50% Sector Secundário 15% 15% Sector Terciário 40% 35%

Page 87: A Economia Local em Urok

86

Decomposição do consumo final das famílias em 2008, em bilhões de FCFA corrente

Valor % Produtos alimentares 295,4 82,7 Têxteis e vestuários 2,6 0,7 Outros produtos manufacturados 23,1 6,5 Transporte e comunicação 5,2 1,4 Educação e saúde 11,7 3,3 Outros serviços 19,4 5,4

PIB e seus empregos em 2008, em bilhões de FCFA corrente (INEC, 2010)

Produto Interno Bruto 377 Consumo Final 403 Consumo Final das Famílias 357 Consumo Final 46 das Administrações Públicas Investimento 33 Exportação Líquida -59 Exportação 59 Importação 118

Fonte: INEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos)

Nota: Dados Recentes do Recenseamento e Inquéritos MICS 2000, 2006 RGPH 1991

Tab.2 INDICADORES DEMOGRÁFICOS 1991 2000 2006Esperança de Vida à Nascença Total Anos 47,1 44,5 46Homens Anos 45,4 42,7 43,4Mulheres 48,6 44,07 46,2Taxa Bruta de Natalidade Por 1000 44,1 42,3 40,9Taxa Bruta de Mortalidade Por 1000 17,7 17,5 17,3Taxa de Mortalidade Infantil -Total Por 1000 145 124 138Taxa de Mortalidade Materna Por 100.000 914 349 405Índice Sintético de Fecundação Crianças 6,8 6,8 6,8 Fonte: INEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos) Nota: Dados Recentes

do Recenseamento e Inquéritos MICS, 2000 e 2006; RGPH 1991.

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87

ANEXO IIÍndices de bens e dotação animal

A análise de componentes principais é uma técnica estatística utilizada para descrever

a variação de um conjunto de variáveis observadas em função de um número mais

reduzido de variáveis subjacentes ou implícitas, designadas por “componentes”.

No contexto do presente estudo, recorremos à análise de componentes principais

a fim de criar dois índices – de bens (IB) e de dotação animal (IDA) – ou seja, de modo

a podermos caracterizar cada agregado em relação à dotação nestes dois tipos de activos,

utilizando apenas uma variável para a dotação animal (em vez de quatro: nº de vacas,

porcos, cabras e galinhas) e apenas uma variável para os bens de consumo duradouros

(em vez de sete: existência ou não de rádio, telemóvel, bicicleta, telhado de zinco, chão

cimentado, cama e mesa).

Assim, executando em SPSS a análise de componentes principais da matriz de dados em

que os 75 agregados familiares constituem as linhas e a dotação de cada um dos animais

corresponde às colunas, obtemos o seguinte resultado:

Total Variance Explained

Component Initial Eigenvalues Extraction Sums of Squared Loadings

Total % of Variance Cumulative % Total % of Variance Cumulative %

1 1,934 48,346 48,346 1,934 48,346 48,346

2 ,921 23,020 71,367

3 ,609 15,224 86,591

4 ,536 13,409 100,000

Extraction Method: Principal Component Analysis.

Component Matrixa

Component

1

Vacas ,773

Porcos ,401

Cabras ,738

Galinhas ,794

Extraction Method: Principal Component Analysis.

a. 1 components extracted.

Page 89: A Economia Local em Urok

88

A primeira das tabelas em cima revela, entre outras coisas, que as relações de associação

entre as quatro variáveis originais são tais que é possível explicar 48,346% da variância total

das variáveis através de uma única variável: a primeira componente, que constitui o nosso

“índice de dotação animal”. O valor (ou “score”) assumido por cada um dos agregados em

termos desse índice é calculado automaticamente pelo SPSS e gravado como uma nova

variável, sendo obtido através da soma algébrica do número de animais de cada espécie

que esse agregado possui (standardizado através da subtracção da média e divisão pelo

desvio-padrão), ponderado pelos coeficientes contidos na segunda das tabelas apresentada

em cima44.

O índice assim calculado permite obter uma única variável que se encontra fortemente

associada (sem demasiada perda de informação) com o conjunto de variáveis originais,

mas que permite uma manipulação muito mais prática do que se tivéssemos de trabalhar

com quatro variáveis em vez de uma.

Procedendo ao mesmo exercício em relação aos bens de consumo duradouros, obtemos:

Total Variance Explained

Component Initial Eigenvalues Extraction Sums of Squared Loadings

Total % of Variance Cumulative % Total % of Variance Cumulative %

1 2,792 39,891 39,891 2,792 39,891 39,891

2 1,300 18,574 58,465 1,300 18,574 58,465

3 ,860 12,288 70,753

4 ,628 8,972 79,726

5 ,558 7,969 87,695

6 ,457 6,523 94,218

7 ,405 5,782 100,000

Extraction Method: Principal Component Analysis.

Component Matrixaa

Component

1 2

Rádio ,224 ,823

Telemóvel ,541 ,626

Bicicleta ,822 -,019

Telhado de zinco ,604 -,418

Chão cimentado ,700 -,200

Cama ,680 -,070

Mesa ,676 -,101

Extraction Method: Principal Component Analysis.

a. 2 components extracted.

Page 90: A Economia Local em Urok

89

Em virtude das características dos dados, neste caso o software sugere que substituamos

as sete variáveis originais por duas (e não uma) componentes, a cada uma dos quais cor-

responderão os coeficientes constantes das colunas 1 e 2 na tabela imediatamente acima.

Porém, uma vez que o nosso objectivo é obter uma única variável que reflicta a “riqueza”

dos agregados familiares (para maior comodidade de análise) e que, convenientemente,

observamos (através das duas colunas de coeficientes) que a componente 1 traduz a posse

de bens relativamente dispendiosos, enquanto que a componente 2 reflecte apenas a posse

de rádio e telemóvel (pelo que, mais do que a riqueza do agregado, parece estar associa-

do à maior ou menos necessidade deste se manter em contacto com o exterior), podemos

neste caso considerar que a componente 2 é um bom indicador da capacidade económicae

patrimonial das unidades familiares e utilizá-lo como o nosso Índice de Bens, utilizando para

isso os scores calculados pelo SPSS.

Curiosamente, a própria análise da correlação entre o nosso IB e IDA corrobora a hipótese

de que estes dois índices constituem indicadores robustos de uma variável subjacente, que

podemos legitimamente considerar ser a “riqueza” ou “dotação patrimonial”. Como é visí-

vel pelo quadro em baixo, o IDA e o IB apresentam um coeficiente de correlação positivo

(0,422) e significativo para um nível de significância de 99,9% (ou α=0,001). Já o IDA

e um hipotético Índice de Bens alternativo (IB-2), construído através da utilização dos coe-

ficientes constantes da coluna correspondente à componente 2, não se encontram signifi-

cativamente correlacionados, o que mostra que essa segunda componente (que podemos

especular estar ligado ao “grau de necessidade de contacto a longa distância”) não traduz

o nível de dotação patrimonial.

Correlations

IDA scores IB1 scores IB2 scores

IDA scores Pearson Correlation 1 ,422** ,112

Sig. (2-tailed) ,000 ,340

N 75 75 75

IB1 scores Pearson Correlation ,422** 1 ,000

Sig. (2-tailed) ,000 1,000

N 75 75 75

IB2 scores Pearson Correlation ,112 ,000 1

Sig. (2-tailed) ,340 1,000

N 75 75 75

**. Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).

Page 91: A Economia Local em Urok

90

Page 92: A Economia Local em Urok

91

ANEXO IIIGuião de apoio às entrevistas semi-estruturadas

Questões:

1. Quais são as actividades produtivas mais importantes para a subsistência dos habitantes

da AMP Urok/desta tabanca?

2. Quais são as actividades produtivas mais importantes para o rendimento monetário dos

habitantes da AMP Urok/desta tabanca?

3. De que forma se processa o processo de distribuição/comercialização desses produtos?

A quem são vendidos, onde, quando?

4. Quais são os principais problemas com que se deparam as pessoas no contexto das acti-

vidades acima indicadas em termos de produção/transformação/comercialização?

5. Quem são os principais compradores dos produtos locais? Que problemas constata ao

nível dessa relação comercial (exº preços baixos, controlo da procura por parte de um redu-

zido número de compradores, empréstimos usurários,…)?

6. Quais consideram ser os principais problemas dos próprios produtos em termos de quali-

dade? De que forma(s) poderiam ser melhorados?

7. Na sua opinião, de que forma(s) seria possível aumentar a receita/valor acrescentado as-

sociado à produção desses produtos?

8. Quais os possíveis problemas que poderiam estar associados a um tal aumento de produ-

ção/receita/valor acrescentado?

9. Quais os conhecimentos e competências dos habitantes da AMP Urok / desta tabanca

(profissões e/ou potencial de produção de determinados produtos) que poderiam ser apro-

veitados melhor do que o são actualmente?

10. Quais os principais conhecimentos e competências que estão em falta entre os habitan-

tes da AMP Urok/desta tabanca e que seria importante reforçar para aumentar a qualidade

de vida local e o dinamismo da economia local?

11. Que outros produtos locais poderiam ser objecto de comercialização, caso se verificas-

sem condições mais favoráveis?

12. Que outras actividades geradoras de rendimento poderiam e/ou deveriam ser promo-

vidas? Que condições seriam necessário preencher para que esses produtos e actividades

pudessem ser promovidos?

13. Que outras actividades de interesse comunitário poderiam/deveriam ser promovidas?

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92

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93

ANEXO IVQuestionário utilizado no inquérito aos agregados familiares

Nº de Série do Questionário: __________

Nome do/a respondente: _______________________________________________________________

Tabanca: ____________________ Ilha: ____________________________________________________

Data: ______ /______ / 2010

Secção 1. Caracterização Geral do Agregado Familiar

1.1. Número total de membros do fogão ____________

1.2. Número de indivíduos do sexo feminino (15 anos ou mais)? ____; destes, quantos sabem ler?____

1.3. Número de indivíduos do sexo masculino (15 anos ou mais)? ____: destes, quantos sabem ler?____

Secção 2. Actividades Produtivas e Estratégias de Subsistência

2.1 Quais das seguintes actividades produtivas são praticadas pelas pessoas deste fogão?

Pesca ____; Cultivo de arroz de bolanha ____; Cultivo de arroz n’pam-pam ____;

Plantação de caju ____; Mandioca: ____; Feijão ____; Mancarra ____; Apanha de combé ____;

Corte de chabéu ____; Transformação de óleo de palma ____; Produção de sal ____;

Fabrico de cestaria ____; Comércio ____; Esteiras ____; Horticultura ____;

Outras. Quais? ______________________________________________________________________

2.2 Das actividades acima, indique por favor as três de onde provém maior rendimento monetário

(por ordem):

1ª _________________________ 2ª ___________________________ 3ª ________________________

2.3 Quantos dos seguintes animais é que as pessoas desta unidade familiar possuem actualmente?

Vacas ______ Porcos ______ Cabras ______ Carneiros ______ Galinhas ______

2.4 Relativamente à produção agrícola e pesqueira, quais as principais mudanças verificadas ao longo

dos últimos dez anos (após a criação da AMPC)?

____________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________

Page 95: A Economia Local em Urok

94

2.5 Entre os produtos produzidos para auto-consumo, quais são aqueles em que têm sem-

pre um excedente anual?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

2.6 A quem pertence a terra em que é feita a produção desta unidade familiar? (assinalar

todas as opções aplicáveis)

Bolanha: propriedade do fogão _______; de um parente _______; do Clã a que pertence

(“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) ___________________________________________;

N’pam-pam: propriedade do fogão _____; de um parente ______; do Clã a que pertence

(“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) __________________________________________;

Feijão/mancarra: propriedade do fogão_____; de um parente ______; do Clã a que pertence

(“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) ___________________________________________;

Horticultura: propriedade do fogão _____; de um parente ______; do Clã a que pertence

(“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) ___________________________________________;

2.7 Se a terra não pertence a unidade familiar, pagam algum tipo de renda?

Bolanha: Não__ N.A. __Sim, dinheiro__ Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__

N’pam-pam: Não__ N.A. __ Sim, dinheiro__ Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__

Feijão/mancarra: Não__ N.A. __ Sim, dinheiro__ Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__

Horticultura: Não__ N.A. __Sim, dinheiro__Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__

Secção 3. Dotação de Competências e Meios de Produção

3.1 Para além da escolaridade, algum dos indivíduos deste fogão beneficiou de algum tipo

de formação nalguma área? Qual(is)?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

3.2 As pessoas deste fogão possuem uma canoa? ______ Se sim, tem motor? ______

3.3 As pessoas deste fogão possuem redes de pesca? ______

Page 96: A Economia Local em Urok

95

Secção 4: Mobilidade/Rendimento e Pobreza/Afluência4.1 Indicar os trabalhos efectuados por indivíduos desta família em troca de alguma remune-

ração.

Tipo de Na tabanca Interior Fora do Biombo Bissau Outras Forma de trabalho do parque parque mas zonas pagamento fora da no interior tabanca da reserva

da biosfera

4.2 Caso existisse procura, que tipo de trabalhos é que os membros deste fogão estariam

interessados em desenvolver? __________________________________________________

__________________________________________________________________________

4.3 Quais dos seguintes bens é que as pessoas deste fogão possuem?

Rádio _____; Telemóvel ____; Bicicleta ____; Telhado de zinco ___; Chão cimentado ____;

Cama _____; Mesa ____

4.4a A quem pertence a(s) residência(s) onde habitam as pessoas desta unidade familiar?

Própria____ Familiares____ Outros___

4.4b Pagam algum tipo de renda? N.A.__ Não__ Sim___ Quanto ______ Francos CFA’s

4.5 Em situações de dificuldade extrema ou inesperada, qual a forma principal de mobilizar

dinheiro?

Poupanças acumuladas___ Ajuda de familiares___ Empréstimo de familiares___

Empréstimo de terceiros___ Venda de bens_______ Que bens? _______________________

_____________________ Outra solução (qual?) ___________________________________

Em dinheiro Em produto

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96

Secção 5: Relação com o mercado e práticas comerciais

5.1 No último ano, quais foram os produtos que as pessoas deste fogão trocaram por outros

produtos?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

5.2 No último ano, quais foram os produtos que as pessoas deste fogão venderam no merca-

do local e a quem?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

5.3 No último ano, quais foram os produtos que as pessoas deste fogão venderam no mer-

cado exterior (fora da ilha) e a quem?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Secção 6: Avaliação Subjectiva de Constrangimentos e Necessidades

6.1 Quais os principais problemas mais específicos que enfrentam as pessoas desta unidade

familiar para garantirem a sua subsistência? (indique os três problemas principais, por ordem

de importância)

6.2. Em relação à situação antes da criação da AMPC, considera que a situação actual desta

unidade familiar é…

Muito pior____ Pior____ Igual____ Melhor____ Muito melhor____

6.3 Indique o que poderia ajudar a sua família a melhorar as actividades enumeradas na

pergunta 2.2).

Actividade 1

Actividade 2

Actividade 3

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97

6.4 De que serviços carecem os membros deste fogão? _____________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Page 99: A Economia Local em Urok

98

Page 100: A Economia Local em Urok

99Fotografia 1: Perspectiva da tabanca de Ancadaque, na ilha de Formosa

Fotografia 2: Chegada de canoa a Porto Nhominca - Ilha de Chediã

ANEXO V Fotografias

Page 101: A Economia Local em Urok

100

Fotografia 3 e 4: Transporte nas ilhas

Page 102: A Economia Local em Urok

101Fotografia 5: Ilha de Chediã

Fotografia 6: Focus-group com residentes da tabanca de Botai

Page 103: A Economia Local em Urok

102Fotografia 7: Fabrico artesanal de canapés em Acôco (Formosa)

Fotografia 8: Fabrico artesanal de esteiras

Page 104: A Economia Local em Urok

103Fotografia 9: Fabrico artesanal de esteiras

Fotografia 10: Processo de fabrico de óleo de palma

Page 105: A Economia Local em Urok

104Fotografia 11: Processo de fabrico de óleo de palma

Fotografia 12: Pesca artesanal

Page 106: A Economia Local em Urok

105Fotografia 13: Pesca artesanal

Fotografia 14: Pesca artesanal

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106Fotografia 15: Colheita de arroz

Fotografia 16: Colheita de arroz

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