A Economia Local em Urok
description
Transcript of A Economia Local em Urok
A ECONOMIA LOCALDA ÁREA MARINHA PROTEGIDACOMUNITÁRIA DE UROK:DINÂMICAS, CONSTRANGIMENTOS E POTENCIALIDADES
Abilio Rachid Said e Alexandre Abreu
Setembro 2011
FICHA TÉCNICAAutoria do Estudo:
Abilio Rachid Said e Alexandre Abreu
Revisão:
IMVF e Tiniguena
Composição e Edição:
IMVF e Tiniguena
Concepção Gráfica:
Matrioska Design
Impressão e Acabamento:
Co-Financimento:
Comissão Europeia
Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento
Depósito Legal:
ISBN: 978-989-97279-2-2
Tiragem:
ÍNDICESumário executivo ……………...................................………………………………………………………………………..............................................………… 5
Prefácio ......................……………...................................………………………………………………………………………..............................................………… 11
1. Introdução …………………………….……...............................................................………………………………………………………..…………………………… 13
1.1. Contexto geral do estudo - breve introdução sobre a Guiné-Bissau …..………..........................................….... 13
1.2. Objectivos do estudo ….....................................……………….................................………………………………………………………..… 19
1.3. Metodologia …………..……………….........................................................................………………………………………………………….… 20
2. A AMPC Urok ……………………………..….……....................................………………………………........................………………………………………… 23
2.1. Enquadramento: a AMPC Urok e o Projecto “Urok Osheni!”.….…..........................................……………………..… 23
2.2. Caracterização geral ………...................................………………………………………….............................…………………….…..……. 24
3. Dinâmicas socioeconómicas: realidades e constrangimentos ……..........................…………………...............……….…..………. 31
3.1. Actividades produtivas e estratégias de subsistência …………..………..…………........................................……….. 32
3.2. Propriedade e relações sociais de produção …………………….......….…..……....................................………………….… 37
3.3. Património e pobreza/afluência relativas …….……………..........……………….....................................………….…………… 40
3.4. Dinâmicas comerciais .................…………………………………………………………………......................................………………....... 47
3.5. Principais constrangimentos à actividade económica .….…………….…….........................................…….……....... 51
4. Estratégias de intervenção …………….....................……………………………………………………................................…………………………….. 57
4.1. Príncipios orientadores das estratégias de intervenção ……………..….........................................……………...………. 57
4.2. Apoio a fileiras produtivas estratégicas .........……………………………….....................................………………………...…….. 59
4.2.1. Apoio geral ao desenvolvimento da produção agrícola …............................................……………....…… 59
4.2.2. Apoio ao desenvolvimento de fileiras estratégicas do sector agrícola e das pescas ……..... 60
4.2.3. Produtos-emblema de Urok ……...............................………………..............................…...……………………………… 67
4.2.4. Outros produtos .……………….................................…............…………...................................……………………..………… 70
4.3. Formação técnico-profissional …..….............…………………………………………………….....................................……….…….. 70
4.3.1. Formação de base para a produção agrária …………....................………………..............................…………….. 73
4.3.2. Formação especializada em articulação com as necessidades do projecto “Urok Osheni!” 73
4.3.3. Formação para satisfação de procuras mais amplas ………......................…………...........................……. 74
4.4. Infra-estruturas e serviços de interesse comunitário……………………………...........................................…………...… 75
4.4.1. Expansão e reforço da rede de transportes …………......……..........................................………………....………. 76
4.4.2. Melhoria da cobertura sanitária e de serviços de saúde ……....……..........................................………… 78
4.4.3. Melhoria do fornecimento de agua potável ……..........……......…………....................................…………………. 79
5. Conclusões …………………………........................……………………………………………………………………………..................................………………... 81
Referências bibliográficas ………....................…………………………………………………………………………………….................................………… 83
Anexo I: Guiné-Bissau - indicadores económicos e socio-demográficos ……….………...………..................................……… 85
Anexo II: Índices de bens e dotação animal ……………………………………………………………..............…….................................……….. 87
Anexo III: Guião de apoio às entrevistas semi-estruturadas ………………………………..….........……................................…………. 91
Anexo IV: Questionário utilizado no inquérito aos agregados familiares .....………….....………................................……… 93
Anexo V: Fotografias ……………………..........................……………………………....................…………................................................…………….. 99
Uma iniciativa do Projecto “Urok Osheni! - Conservação,Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas Urok”
5
SUMÁRIOEXECUTIVO1. A Guiné-Bissau é um país costeiro afri-
cano, situado na zona de transição entre o
Sahel e as zonas costeiras guineenses mais
húmidas, cuja população residente é cons-
tituída por cerca de 1,5 milhões de indivídu-
os. Trata-se de um país fundamentalmente
agrário, muito dependente da exploração
dos recursos naturais e caracterizado por
níveis elevados de pobreza e pobreza ex-
trema. O sector agrícola, em particular a
produção e exportação de castanha de caju,
tem um papel central nas estratégias de
subsistência da população, na estrutura das
exportações e enquanto determinante do
crescimento económico.
2. Uma das oito regiões administrativas em
que se divide a Guiné-Bissau é a Região
Bolama-Bijagós, que possui uma população
residente de cerca de 34 mil habitantes.
Trata-se de uma região insular, que desde
1996 possui o estatuto de Reserva da Bios-
fera da UNESCO. A Área Marinha Protegida
Comunitária (AMPC) de Urok, sobre a qual
incide o presente estudo, encontra-se intei-
ramente contida na região administrativa de
Bolama-Bijagós. É constituída por três ilhas
principais - Formosa (designada por Urok na
língua Bijagó), Ponta (ou Nago) e Maio (ou
Chediã) – e por diversos ilhéus mais peque-
nos.
3. O presente estudo enquadra-se no pro-
jecto “Urok Osheni! - Conservação, Desen-
volvimento e Soberania nas Ilhas Urok”, que
tem vindo a ser implementado em parceria
pelas organizações não governamentais Ti-
niguena (Guiné-Bissau) e Instituto Marquês
de Valle Flôr (Portugal) e visa contribuir
para o reforço do processo de governação
participativa e para a melhoria das condi-
ções de vida da população residente no
AMPC Urok. Os objectivos específicos do
estudo consistem na identificação e com-
preensão das lógicas e dinâmicas socioeco-
nómicas locais, bem como na identificação
de constrangimentos e potencialidades de
modo a apoiar intervenções susceptíveis
de promover a melhoria do bem-estar das
comunidades residentes sem perturbar os
actuais equilíbrios socio-ecológicos.
4. O trabalho de campo no qual assentou
a elaboração deste estudo decorreu entre
26/11 e 04/12 de 2010 e envolveu a aplicação
e triangulação de métodos tanto quantita-
tivos como qualitativos em nove tabancas1
das três ilhas que constituem a AMPC Urok.
Em particular, foram realizadas 75 entrevis-
tas de inquérito a representantes de agrega-
dos familiares, 11 entrevistas semi-estrutura-
das e 4 focus-groups.
1 Do crioulo tabanka (id.): povoação ou aglomerado populacional
6
A AMPC Urok: Aspectos Gerais
5. O processo de criação da AMPC Urok
remonta a contactos estabelecidos entre
a Tiniguena e a população local a partir
de 1993, sendo indissociável do processo
de criação e consolidação da Reserva da
Biosfera do Arquipélago Bolama-Bijagós.
O facto do complexo insular de Urok ser
uma das áreas centrais definidas aquando
do zonamento da Reserva da Biosfera levou
à sua progressiva transformação em área
protegida, com a particularidade do pro-
cesso de criação ter sido conduzido pela
Tiniguena na base de uma dinâmica
de desenvolvimento local, assente num
modelo de gestão marcadamente comunitá-
rio e participativo. O Projecto “Urok Osheni!”
surge na sequência deste processo, visando
consolidar e aprofundar esta dinâmica.
6. As três ilhas principais que constituem
a AMPC Urok caracterizam-se pelo predomí-
nio dos palmares naturais densos, mangais
e lalas. Porém, o coberto vegetal é tam-
bém muito marcado pelo aumento da área
afecta às plantações de caju e à agricultura
itinerante. O mangal, em conjugação com
os bancos vasosos, arenosos e rochosos,
desempenha um papel ecológico de extre-
ma importância na manutenção da produ-
tividade biológica da zona, particularmente
rica em espécies aquáticas. A diversidade
faunística da AMPC Urok é muito significati-
va, destacando-se a presença de numerosas
espécies de aves, a grande diversidade de
répteis ou espécies notáveis como o mana-
tim ou o macaco verde. Entre as espécies
vegetais, subsistem importantes relíquias
de espécimes de grande porte.
7. De acordo com os dados do recensea-
mento nacional realizado em 2009, a Região
de Bolama-Bijagós tem uma população total
estimada em cerca de 34.000 habitantes.
Destes, 2.928 indivíduos residem no terri-
tório correspondente à AMPC Urok, encon-
trando-se repartidos da seguinte forma:
1873 em Formosa; 436 em Chediã;
e 619 em Nago. A população não residente
é considerável, sendo em grande parte
constituída por indivíduos de etnia Papel
oriundos do continente, que temporaria-
mente imigram para o complexo de Urok
no quadro da exploração de recursos
naturais (peixe, moluscos, óleo de palma,
etc.), bem como por pescadores Nhomincas
originários do Senegal.
8. A população Bijagó da AMPC Urok vive
agrupada em aldeias (tabancas), geridas
de forma bastante autónoma pelos anciões
e dirigidas por régulos cuja autoridade pode
estender-se a uma ou mais tabancas.
A sociedade Bijagó encontra-se estruturada
de acordo com classes etárias (para cada
um dos sexos), às quais corresponde um
conjunto bem definido de direitos e obriga-
ções. A passagem de uma classe etária para
a seguinte é marcada por cerimónias
e ritos sócio-religiosos que ocupam um
lugar central na vida das comunidades.
7
Dinâmicas socioeconómicas:realidades e constrangimentos
9. A AMPC Urok é um espaço onde o meio
biofísico, as estruturas socioculturais e as
actividades económicas se encontram em
articulação próxima e inseparável. A acti-
vidade produtiva é enquadrada de forma
bastante estrita por um conjunto de normas
tradicionais que se revestem de significação
sagrado-religiosa e que têm permitido asse-
gurar a manutenção de equilíbrios ecológi-
cos e sociais dinâmicos.
10. Em virtude das características do meio,
da forma de organização da produção e do
isolamento, uma parte muito substancial da
população vive numa situação próxima do
limiar de subsistência. A isso estão asso-
ciadas consequências adversas ao nível do
desenvolvimento humano (saúde, educação,
rendimento), mas também um conjunto de
estratégias específicas por parte da popu-
lação local, nomeadamente em termos de
redistribuição e solidariedade comunitárias
e ao nível da diversificação produtiva como
estratégia de subsistência.
11. A população de Urok é constituída,
no fundamental, por pequenos produtores
independentes, no sentido em que a produ-
ção, quer se destine ao auto-consumo quer
ao mercado, é na vasta maioria dos casos
levada a cabo mediante o recurso a factores
produtivos (trabalho, instrumentos, terra)
pertencentes ao próprio agregado. O pa-
gamento de rendas fundiárias como con-
trapartida pela utilização de terras é uma
prática praticamente inexistente. O trabalho
assalariado tem uma importância claramen-
te secundária.
12. A agricultura (e não a pesca) constitui
a base fundamental da economia da AMPC
Urok. Isso é verdade tanto no que se refere
ao auto-consumo como no que diz respeito
às mais importantes fontes de rendimento
monetário (entre as quais se destacam
o óleo de palma e a castanha de caju).
O cultivo do arroz de sequeiro (n’pampam),
a apanha de caju, a apanha de chabéu2,
a extracção de óleo de palma e a apanha
de combé3 são praticados por mais de 90%
dos agregados familiares. A aposta na diver-
sificação da produção por parte dos agre-
gados constitui uma estratégia fundamental
para aumentar a resiliência face à adversi-
dade, mas também constitui um obstáculo
à especialização e ao desenvolvimento do
mercado interno.
2 Do crioulo cabéu ou cebén, (id.): o chabéu é o fruto da palmeira de chabéu ou dendém, de bagaslaranjo-avermelhadas, que são a base de uma grande parte das especialidades culinárias guineenses;
3 Ou Kombé: o molusco de concha mais frequente no arquipélago, a mais acessível fonte proteína durantegrande parte do ano;
8
13. Se a diversificação é a norma, isso não
significa que todas as actividades assumam
o mesmo papel ou importância: algumas
destas actividades destinam-se principal-
mente ao consumo do próprio agregado
(combé, n’pampam, feijão, vegetais hortíco-
las, mancarra, mandioca, arroz de bolanha),
enquanto outras se destinam fundamental-
mente ao mercado interno ou externo
(caju, óleo de palma).
14. As dinâmicas de acumulação e mobilida-
de social ascendente que são detectáveis
no contexto de Urok não assentam,
na maior parte dos casos, na actividade
directamente produtiva, mas sim na
actividade comercial. Os agregados
familiares que se dedicam ao comércio
em pequenos estabelecimentos e/ou ao
transporte e comercialização de produtos
de e para Bissau são aqueles que têm vindo
a conseguir capturar uma proporção re-
lativamente maior do valor acrescentado
associado às diversas fileiras e que exibem
maior dotação patrimonial em termos tanto
de bens duradouros de consumo doméstico
como de animais.
15. A reserva de valor sob a forma de di-
nheiro, no caso de montantes relativamente
consideráveis, é uma prática pouco comum.
Pelo contrário, a mais importante forma de
reserva de valor consiste nos animais, que
são convertíveis em dinheiro em caso de
necessidade. Em termos agregados, não
parecem existir diferenças muito significa-
tivas entre as três ilhas em termos da dota-
ção tanto de bens de consumo duradouros
como de animais. Porém, essas diferenças
são claras quando comparamos agregados
com diferentes fontes principais de rendi-
mento: o comércio e o caju estão associa-
dos a um nível de afluência relativamente
mais elevado, a pesca e o óleo de palma
a um nível mais reduzido.
16. A população de Urok encontra-se forte-
mente constrangida do ponto de vista do
acesso local a bens e serviços. São escas-
sas as necessidades adicionais que cada
agregado tem a possibilidade de satisfazer
através da troca directa ou indirecta da
produção própria com a das outras unida-
des familiares. O acesso local aos produtos
oriundos do exterior encontra-se constran-
gido pela debilidade dos canais de distribui-
ção. Há uma relação próxima entre ‘importa-
ções’ e ‘exportações’, pois, tipicamente,
as primeiras são levadas a cabo pelos mes-
mos actores que procedem às segundas.
O principal mercado de destino é Bissau,
com uma importância muito superior
a Bubaque ou Biombo.
17. É possível identificar cinco problemas
principais que constrangem a actividade
económica em Urok, com efeitos sobre os
níveis de rendimento e pobreza da popu-
lação: a questão da organização e divisão
sociais da produção; o problema das pragas
e doenças; a utilização de técnicas de me-
nor rendimento e o problema do acesso a
ferramentas e insumos; a questão dos trans-
portes e acessibilidades internas e externas;
bem como os problemas de coordenação ao
nível da comercialização. Com excepção do
9
primeiro, consideramos possível e desejável
que uma estratégia de apoio aos produtores
locais actue sobre todos estes factores. São
formuladas propostas concretas de inter-
venção em relação a cada um deles.
Estratégias de intervenção
18. A intervenção deve assumir um carácter
estratégico, direccionar-se para o sector
primário (nomeadamente para a agricultura,
pecuária, exploração florestal e pesca)
e visar o aumento da produção e o reforço
da segurança alimentar. Nomeadamente,
uma tal estratégia deverá envolver:
(i) o estímulo ao consumo local; (ii) a cria-
ção de reservas com base na produção
local; e (iii) a coordenação do escoamento
dos produtos locais com maior potencial
comercial.
19. A actividade agrícola é susceptível de
introdução de novas culturas (milho, batata,
fruta-pão), inovações agro-técnicas e fac-
tores de intensificação (irrigação, material
vegetal mais produtivo, adubação orgânica,
formas de tratamento fitossanitários adap-
tadas e pequena mecanização) que poderão
trazer ganhos relativamente importantes em
termos de produção e rendimento.
20. Algumas fileiras, como a produção ani-
mal, o caju, o óleo de palma e a pesca, têm
uma importância especial ao nível da gera-
ção de rendimento e das dinâmicas comer-
ciais com o exterior. Outras são susceptíveis
de transformação em “produtos-emblema”,
ou “produtos-marca”, de Urok, como o sal,
a malagueta e o artesanato. São sugeridas
estratégias de intervenção e apoio à produ-
ção em relação a cada uma delas e assinala-
das algumas iniciativas já em curso.
21. A formação técnico-profissional constitui
outra importante linha estratégica de inter-
venção. Sugere-se que as futuras iniciativas
de formação técnico-profissional no âmbito
do Projecto “Urok Osheni!” sejam organiza-
das de acordo com três lógicas complemen-
tares: (i) formação de base para a produção
agrária, nomeadamente em articulação
com o sistema de ensino; (ii) formação em
articulação com as necessidades do próprio
Projecto “Urok Osheni!”, nomeadamente ao
nível da hotelaria, restauração e electrome-
cânica; e (iii) formação para a satisfação de
procuras mais amplas, designadamente ao
nível das técnicas de construção (alvenaria,
carpintaria, pintura) e da construção e repa-
ração de embarcações.
22. Têm-se registado progressos considerá-
veis ao nível das infra-estruturas de ensino,
comunicações, transportes e abastecimento
de água. Porém, subsistem importantes
carências em numerosos domínios, nome-
adamente e com especial acuidade nos
domínios da saúde, transportes e acesso
ao crédito. A intervenção nestas áreas
deverá ter em conta que a capacidade
de gestão das estruturas locais apresenta
bastantes debilidades, exigindo, pelo menos
inicialmente, um acompanhamento bastante
próximo.
10
11
PREFÁCIO As comunidades do Arquipélago dos Bija-
gós em geral e do grupo das ilhas de “Urok”
(Formosa, Nago e Chediã), em particular,
têm conquistado durante séculos uma
convivência harmoniosa com o seu meio
ambiente natural circundante. Esta coabita-
ção só foi possível graças a uma engenhosa
estratégia do uso e utilização de diferentes
ecossistemas, na base duma combinação
de diferentes sistemas de produção.
Os Bijagós vivem essencialmente da agri-
cultura itinerante, da colecta de moluscos,
crustáceos e de produtos florestais não-
-lenhosos. A pesca, contudo, representa um
sector em plena expansão. Na maioria das
comunidades autóctones bijagós ela con-
tinua a ser de subsistência, orientada para
o consumo familiar e da aldeia (“tabanca”).
Estas comunidades sobrevivem explorando
uma multiplicidade de habitats, de ecossis-
temas e de recursos naturais. Esta estratégia
de combinação de práticas e uso dos recur-
sos naturais visa, por um lado, reduzir os ris-
cos da dependência dum só recurso, que se
poderia esgotar, ameaçando a sobrevivência
do grupo que dela depende, e, por outro,
pelo facto de não haver concentração de
esforços de exploração de um único recurso,
o que permite a regeneração e renovação
dos stocks e a sustentabilidade dos proces-
sos ecológicos fundamentais.
O sector agrícola, importante fonte de ocu-
pação para a grande maioria das populações
de Urok, continua a ser dominado por baixa
produtividade dos meios de produção e fra-
ca acumulação do capital. Daí que este estu-
do chame a atenção para os riscos de rápida
monetarização, que constitui uma grande
preocupação na medida que pode gerar al-
guns constrangimentos na manutenção das
tradições locais que até agora têm garantido
a coesão social e ancorado um sistema de
solidariedade baseado na interdependência
de classe de idades com funções sociais
específicas.
Nesta óptica, intervenções com vista
à promoção da melhoria do bem-estar
das comunidades locais residentes devem,
por um lado, contribuir para a elevação
do nível de vida das populações e, por outro
lado, para a manutenção do equilíbrio secu-
lar estabelecido entre o homem
e a natureza. Assim, no contexto de crise
económica e financeira originada e agudi-
zada pela especulação dos mercados e dos
hábitos de consumo desmedidos, torna-se
pertinente o surgimento de uma obra como
esta,capaz de apresentar ensinamentos
endógenos de gestão de espaços e recursos
vitais para a sobrevivência das populações,
que dependem particularmente do seu tra-
balho e do compromisso com a durabilidade
dos recursos.
12
Contudo, ao analisar processos de dinamiza-
ção ao nível da economia local em contextos
de insularidade, insolamento e vulnerabilida-
de do meio, este estudo coloca-nos peran-
te dilemas difíceis de pronunciação entre
o desenvolvimento versus conservação,
tradição versus modernidade, Estado versus
mercado…
Nesta base, o carácter comunitário da
gestão da Área Marinha Protegida de Urok,
alicerçado na articulação e diálogo inter-ac-
tores (comunidades locais, estado, organiza-
ções da sociedade civil e para-estatais, orga-
nizações internacionais), a diferentes escalas
(local, nacional, regional e internacional)
pode, assim, constituir uma interessante
estratégia de potenciação de uma economia
integradora da qual a Guiné-Bissau constitui
um laboratório de aprendizagem de excelên-
cia.
O trinómio Conservação, Desenvolvimentoe Soberania do projecto “Urok Osheni”
é prioritário para enfrentar estes desafios.
Justino Biai
PhD em Agroeconomia e
Encarregado de Programas IBAP
Bubaque, Setembro de 2011
13
1. INTRODUÇÃO
1.1 Contexto geral do estudo - breve introdução sobre a Guiné-Bissau
A Guiné-Bissau é um país costeiro africano
situado entre o Senegal, a Norte e a Repu-
blica da Guiné, a Sul. Localiza-se na zona
de transição entre a região saheliana, mais
seca e as zonas guineenses costeiras, que
se caracterizam por níveis mais elevados
de humidade. O seu território inclui um
conjunto de ilhas tropicais continentais
que formam o Arquipélago Bolama-Bijagós,
cuja parte Norte é constituída pelo comple-
xo insular de Urok (Formosa).
O complexo das ilhas de Urok é constituído
por três ilhas principais – Urok (ou Formo-
sa), Nago (ou Ponta) e Chediã (ou Maio) –
e por numerosos ilhéus mais pequenos,
fazendo parte da Região Bolama-Bijagós –
uma das oito Regiões Administrativas em
que se divide a Guiné-Bissau. Esta região,
à qual foi atribuído, em 1996, o estatuto
de Reserva da Biosfera da UNESCO, inclui
a Península de São João e a totalidade do
Arquipélago Bolama-Bijagós, sendo este
último constituído por cerca de 88 ilhas
e ilhéus que emergem na plataforma
marinha continental da Guiné-Bissau.
A costa da Guiné-Bissau é muito recortada
por rios e rias, os quais estiveram na origem
da sua designação, em tempos, como “Rias
do Sul”. A porção costeira e marinha do
território encontra-se na parte meridional
da eco-região da África Ocidental, sofrendo
a influência de numerosas correntes desta
região. Porém, devido à extensa platafor-
ma continental, a influência dos estuários
revela-se predominante, sobretudo nas
áreas costeiras e insulares. Com efeito,
a Guiné-Bissau possui uma das mais exten-
sas plataformas continentais marinhas entre
os países costeiros da África Ocidental.
As dinâmicas características das áreas de
estuários encontram-se presentes e activas
em quase toda a extensão desta plataforma,
influenciando a dinâmica hidro-sedimentar,
o transporte de nutrientes orgânicos e inor-
gânicos e as características físico-químicas
do meio marinho.
A população total da Guiné-Bissau é cons-
tituída por pouco mais de 1,5 milhões de
indivíduos (756 mil do sexo masculino
e 792 mil do sexo feminino) e a sua taxa
de crescimento efectivo é de cerca de 2,7%.
A Região Bolama-Bijagós é a menos povo-
ada de todas as regiões administrativas da
Guiné-Bissau: a sua população total é de
cerca de 33.900 habitantes (Figura 1).
14
O país tem ocupado, de forma quase per-
manente, os últimos dez lugares a nível
mundial em termos de Índice de Desenvolvi-
mento Humano4, o que, por sua vez, traduz
e reflecte carências a múltiplos níveis:
- O rendimento per capita é de apenas
230 US$ (ou 138.200 Francos CFA) e tem-
-se caracterizado por uma significativa vo-
latilidade associada à instabilidade politico-
-governativa, sendo ainda assim de registar
uma taxa de crescimento de cerca de 3,1%
entre 2007 e 2009;
- A esperança média de vida à nascença
é de 46 anos (2006);
- A taxa de alfabetização de adultos
(15 - 49 anos) é 28.6% (MICS3 - 2006);
- A taxa bruta de natalidade é de 40,9/1000
(MICS3 - 2006);
- A taxa bruta de mortalidade é de 17,3/1000
(MICS3 - 2006);
- A taxa de mortalidade infantil
é de 138/1000 (MICS3 - 2006);
- A taxa de mortalidade com menos
de 5 anos é de 223/1000 (MICS3 - 2006);
- A taxa de mortalidade materna
é de 405/100.000 (MICS3 - 2006);
- A dimensão média dos agregados familia-
res é de 7,9 individuos (MICS3 - 2006);
- Apenas cerca de 36% e 12% das tabancas/
localidades têm acesso, respectivamente,
a água potável e a instalações de saúde
(INEC, 2010).
Figura 1: Distribuição da População pelas Regiões da Guiné-Bissau segundo os resultados provisórios do Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH) de 2009 (INEC, 2010).
População Total: 1.548.159 indivíduos
Tombali102,482; 7% Quinara
65,946; 4%
Biombo94,869; 6%
B. Bijagós33,929; 2%
Bafatá225,516; 14%
Gabú214,520; 14%
SAB384,960; 25%
Cacheu199,674; 13%
Oio226,263; 15%
4 Por exemplo, em 2009 o Índice de desenvolvimento Humano da Guiné-Bissau encontrava-se na 164º posição entre os 169 países constantes da tabela do PNUD. (http://hdrstats.unpd.org/en/countries/profiles/GNB.html).
15
O Anexo I deste estudo apresenta um con-
junto de indicadores socio-demográficos
adicionais. É de assinalar que, segundo
os resultados preliminares do mais recente
Inquérito por Amostragem aos Indicadores
Múltiplos (MICS) e dos Inquéritos Demográ-
ficos de Saúde Reprodutiva (IDSR), alguns
indicadores têm registado progressos
consideráveis: a taxa de escolarização
no ensino primário, por exemplo, aumentou
de 46,3 % para 69,8 % entre 1991 e 2010.
Ainda assim, estes progressos continuam
a revelar-se insuficientes para permitir que
o país abandone as últimas posições do
ranking mundial no que se refere à genera-
lidade dos indicadores de desenvolvimento
humano e socio-económico.
O Inquérito Ligeiro de Avaliação da Pobre-
za realizado em 2002 revelou que cerca de
65% da população vivia então em situação
de pobreza, dispondo de um rendimento
inferior a 2 US$ por dia (cerca de 1070
Francos CFA) - e que cerca de 21 % da
população vivia em situação de pobreza
extrema, com menos de 1 US$ por dia (534
Francos CFA). O ILAP 2002 revelou também
que a pobreza é um fenómeno com especial
incidência nas áreas rurais da Guiné-Bissau,
pois estas correspondiam então a cerca de
70% da população total, mas concentravam
cerca de 85% da população em situação
de pobreza. Entretanto, apesar do produto
e rendimento nacionais terem apresentado
uma tendência de crescimento nos últimos
anos, o problema da pobreza parece ter-se
acentuado, tornando cada vez mais remota
a possibilidade de alcançar os objectivos
estabelecidos no quadro dos Objectivos
de Desenvolvimento do Milénio. Com efeito,
os resultados provisórios do ILAP realizado
em 2010 indicam que cerca de 69%
da população encontra-se actualmente
em situação de pobreza – e cerca de 33%
em situação de pobreza extrema. Os resul-
tados do mais recente ILAP revelam tam-
bém a existência de uma forte associação
entre a dimensão dos agregados familiares
e o risco de pobreza, bem como entre este
último e os reduzidos níveis de escolaridade.
Finalmente, ilustram as implicações
da pobreza ao nível da segurança alimentar
da população: entre os indivíduos mais
pobres, a maior parte do rendimento dos
agregados familiares (mais de 65%) é afecto
à aquisição de alimentos.
A Guiné-Bissau é um país essencialmen-
te agrário. Cerca de 2 milhões de hectares
(55% do território nacional) encontram-
-se cobertos por uma grande diversidade
de formações florestais (PNIA, 2010), nas
quais são objecto de exploração a madei-
ra comercial, a lenha e diversos produtos
não lenhosos utilizados na economia local.
Estas formações têm sofrido uma tendência
geral de degradação ao longo do tempo
em consequência das alterações climáticas,
dos efeitos do fogo e conversão de terrenos
para a actividade agrícola (plantações de
caju, cultura itinerante, etc.) e dos efeitos da
actividade pastoril.
16
Existe um grande potencial para o desenvol-
vimento da agricultura e, em especial, das
culturas alimentares, para as quais, apesar
de tudo, continuam a existir condições
climáticas bastante favoráveis. Por exemplo,
a área potencial para a produção de arroz –
base da dieta guineense – é de 106.000 ha
e 150.000 ha para o arroz de bolanha e de
bas fonds, respectivamente. Destes, porém,
apenas cerca de 50% e 10% são actualmente
aproveitados (PNIA, 2010).
Os cajueiros ocupam uma área total de
plantação de cerca de 200.000 ha e estão
na origem do principal produto de exporta-
ção do país: a castanha de caju, cuja pro-
dução anual excede as 100.000 toneladas5,
apresentando uma tendência significativa
de crescimento. A exportação de caju de-
sempenha também um papel importante ao
nível da estrutura das receitas orçamentais:
em 2009, por exemplo, o imposto extraor-
dinário sobre a exportação de caju permitiu
ao Estado guineense arrecadar uma receita
de cerca de 1,9 mil milhões de FCFA. Para
além disso, a importância desta cultura é
bem ilustrada pelo facto de ser praticada
pela maioria das unidades de produção
familiares da Guiné-Bissau: a dimensão mé-
dia das plantações oscila em torno de uns
meros 1,6 ha.
Apesar do seu papel central, o sector agrí-
cola e, de uma forma mais geral, o mundo
rural, têm sido objecto de atenção insufi-
ciente. Por exemplo, a afectação de recursos
a este sector ao nível do Orçamento Geral
do Estado nunca ultrapassou os 5%. Ainda
assim, em 2010-2012 prevê-se a afectação
de 12% do orçamento no âmbito do “Quadro
de Despesas a Médio Prazo” (QDM), o qual
deverá dar prioridade aos sectores da agri-
cultura, saúde e educação.
O potencial para a produção pesqueira
é também muito significativo6, ainda que
escasseiem dados actualizados relativamen-
te ao potencial neste domínio. A produção
actual encontra-se estimada em cerca de
60.000 toneladas. A pesca é praticada em
todas as regiões e em especial nas zonas
costeiras, onde constitui a principal fonte de
proteínas da população7. Toda a zona costei-
ra é muito rica em biodiversidade e caracte-
riza-se pela elevada produção de biomassa,
salientando-se a presença de diversas espé-
cies de peixes de grande valor comercial.
A exploração dos recursos mineiros e petro-
líferos apresenta também um potencial mui-
to relevante. No entanto, parece faltar ainda
uma visão estratégica para a utilização dos
rendimentos futuros deste sector ao serviço
do desenvolvimento socioeconómico e da
5 Dados não confirmados apontam para uma exportação de cerca de 121.000 toneladas em 2010, bem como para uma produção total de 150 mil toneladas em 2010 e de cerca de 140 mil toneladas em 2009 (MEPIR, 2010).
6 Dados do PNIA apontam para um potencial de 275.000 toneladas, sendo o nível actual de exploração de 60.000 toneladas.
7 O consumo anual per capita de peixe está estimado em cerca de 26 kg.
17
melhoria das condições de vida das gera-
ções presentes e futuras. Em particular,
foi já confirmada a existência de reservas
significativas de fosfatos e bauxite. O poten-
cial de extracção petrolífera tem também
vindo a ser objecto de prospecção explo-
ratória, mas até ao momento não foi ainda
confirmada a existência de reservas com
viabilidade comercial.
Em suma, a economia guineense depende
muito fortemente da exploração dos recur-
sos naturais, especialmente do seu solo e
subsolo e de certos recursos específicos da
biodiversidade. A agricultura é responsável
por cerca de 45% do PIB nacional (INEC -
Contas Nacionais 2008), tendo apresentado
taxas de crescimento de 4% em 2004-2008
e de 6,3 % em 2009 – bastante superiores
às do PIB total, que oscilaram em redor dos
3%. Podemos por isso concluir que o sector
agrícola, especialmente a produção e expor-
tação de castanha de caju, têm constituído
o principal motor do crescimento económi-
co, apesar da volatilidade do preço desta
última mercadoria no mercado mundial.
A importância da agricultura é demonstrada
igualmente pelo facto de cada ponto
percentual de crescimento do PIB agrícola
estar associado a uma redução da incidên-
cia de pobreza em 2,0 % e 2,1% a nível nacio-
nal e nas áreas rurais, respectivamente.
Para a redução da pobreza, contribuiria
de forma especialmente eficaz uma estra-
tégia de desenvolvimento agrário centrada
nas culturas alimentares ou que procurasse
integrar os diversos sub-sectores agrários.
Porém, esta última exigiria níveis de investi-
mento bastante avultados, que permitissem
a criação de estruturas públicas sectoriais
e infra-estruturas direccionadas para
o desenvolvimento da produção agrícola
e do mundo rural. No contexto do Arqui-
pélago Bolama-Bijagós, incluindo na Área
Marinha Protegida Comunitária (AMPC)
Urok, este tipo de estruturas é virtualmente
inexistente. Aliás, mesmo a actividade das
Figura 2: Evolução das exportações da castanha do caju (2000-2010) (Mepir, 2010).
Evolução da exportação da castanha (2000-2010) em mil toneladas
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
72,7 78,0 72,8 75,0 93,2 96,1 92,3 87,9 116,6 136,7 121,0
18
organizações socioprofissionais voltadas
para o desenvolvimento da agricultura é
ainda muito incipiente em toda esta região
– ainda que, no caso específico da AMPC
Urok, se registe uma certa dinâmica de
desenvolvimento impulsionada por ONGs
como a Tiniguena e os seus parceiros.
O mesmo sucede com o sector empresarial,
cuja trajectória é exemplificada pelo desen-
volvimento do sector comercial – o qual
passou, ao longo do tempo, por diversas
fases conturbadas que comprometeram
o seu desenvolvimento. O período pós-
-independência trouxe consigo o desman-
telamento do sector privado e a criação de
um sector estatal alargado no contexto de
um modelo económico desenvolvimentista
de inspiração socialista. No sector comercial,
por exemplo, o Estado assumiu o conjunto
das actividades de importação e expor-
tação, bem como o comércio de retalho
formal, o que teve como consequência
a desestruturação e desmantelamento
do comércio privado. Este experimentou
depois um ressurgimento no contexto
da liberalização económica de meados
da década de 1980, mas foi posteriormente
muito prejudicado pela persistente instabili-
dade política e militar. Actualmente, o sector
comercial privado encontra-se novamente
em fase de expansão, estimulada pela pro-
gressiva inserção da economia guineense
no mercado sub-regional, pelo desenvolvi-
mento dos mercados locais e pela procura
mundial de produtos nacionais como a cas-
tanha do caju.
As pressões no sentido da intensificação
do crescimento económico fazem-se quase
sempre acompanhar por dilemas, não sendo
sempre fácil assegurar a exploração racional,
durável e sustentável dos recursos naturais.
Porém, de uma forma geral, as comunidades
locais da Guiné-Bissau têm assegurado tra-
dicionalmente este objectivo através do de-
senvolvimento de mecanismos sofisticados
de gestão dos recursos dos quais depende
a sua subsistência. É na penetração das
lógicas de mercado que podemos encontrar
a origem dos desequilíbrios que têm surgido
ao nível da relação com a natureza – e que
podem ter consequências tanto materiais
como imateriais muito negativas para as
populações locais e para o conjunto da
sociedade guineense. A degradação dos
recursos naturais daí decorrente tende
a exacerbar a pobreza tanto nos meios
urbanos como rurais e a comprometer
o desenvolvimento socioeconómico
e o futuro das gerações vindouras.
Em resultado do predomínio da racionali-
dade de mercado sobre o planeamento de
longo prazo, alguns dos mais importantes
recursos naturais da Guiné-Bissau encon-
tram-se já esgotados ou em fase de degra-
dação acelerada. Nalgumas zonas, os solos
têm sofrido acentuada degradação, tornan-
do-se marginais e improdutivos; noutras,
a extensão das florestas tem vindo a redu-
zir-se – e, com elas, a fauna e flora locais.
Tudo isto ameaça o património natural da
Guiné-Bissau e a subsistência e condições
de vida da população.
19
1.2 Objectivos do estudo
O presente estudo foi elaborado no contex-
to do projecto “Urok Osheni! - Conserva-
ção, Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas
Urok”, que reflecte e consubstancia uma
parceria de vários anos entre a ONG guine-
ense TINIGUENA8 e o Instituto Marquês de
Valle Flôr9 (IMVF), organização não gover-
namental de desenvolvimento portuguesa.
Tal como indicado nos Termos de Referência
(TdR) do presente estudo, pretende-se que
este contribua para os objectivos gerais de
“reforço do processo de governação parti-
cipativa” e para a “melhoria das condições
de vida” da população residente da AMPC
Urok.
Estes objectivos gerais relacionam-se com
o processo, actualmente em curso, de imple-
mentação de um modelo sustentado e inte-
grado de desenvolvimento para a Reserva
da Biosfera e, em especial, para as Unidades
de Conservação estabelecidas no seu inte-
rior. No caso da AMPC Urok, a prossecução
desses objectivos passa pelo reforço das
iniciativas de desenvolvimento socioeconó-
mico que têm vindo a ser implementadas
pela população com o apoio da Tiniguena,
nomeadamente em parceria com o Institu-
to Marquês de Valle Flôr e no contexto do
projecto “Urok Osheni! Conservação, Desen-
volvimento e Soberania nas Ilhas Urok”.
As intervenções previstas no âmbito deste
projecto articulam-se em torno dos seguin-
tes eixos principais:
• Valorização da cultura e reforço das
dinâmicas comunitárias;
• Aumento do acesso à educação e forma-
ção profissional e de base;
• Valorização, de forma durável, dos produ-
tos agrícolas e florestais, sem comprometer
os objectivos de conservação da AMPC
e a realidade sociocultural da população
residente – assegurando em particular
o respeito pelos mecanismos de solidarieda-
de e redistribuição de riqueza da sociedade
Bijagó;
• Promoção de actividades produtivas
e de transformação;
• Eliminação e/ou atenuação de constrangi-
mentos ligados à gestão dos factores
de produção; à transformação e armazena-
mento; aos transportes, comunicações
e infra-estruturas de apoio - e à colocação
dos produtos no mercado;
• Apoio à dinamização e criação de circuitos
de comercialização;
• Promoção de fileiras com potencial
para a criação de actividades de negócio
sustentáveis;
8 A Tiniguena é uma ONG guineense, criada em 1991, cuja intervenção incide particularmente nas áreas doambiente, pesca artesanal sustentável, segurança alimentar, apoio à economia local e desenvolvimento sustentável.
9 O Instituto Marquês de Valle Flôr foi fundado em 1951 e tem por missão a promoção do desenvolvimentosocioeconómico e cultural nos países de língua portuguesa. Desde 2001, marca presença em todos eles, actuando nas áreas da Cooperação para o Desenvolvimento, Educação para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária e de Emergência. O IMVF iniciou as suas actividades na Guiné-Bissau em 1999, concentrando a sua intervenção nos domínios do desenvolvimento rural e segurança alimentar, assistência técnica e reforço institucional, promoção de actividades geradoras de rendimento, educação, saúde e promoção da cidadania, numa logica de desenvolvimento integrado.
20
• Aproveitamento do potencial económico
de Biombo e Bissau enquanto mercados
e dinamização dos circuitos comerciais
já existentes;
• Promoção da viabilidade comercial
de alguns produtos locais.
Tendo os objectivos do projecto como
pano de fundo, o presente estudo tem
por objecto as dinâmicas socioeconómicas
locais da AMPC Urok e visa contribuir para
a compreensão das lógicas que caracteri-
zam a reprodução material da sua popula-
ção, designadamente no contexto das acti-
vidades produtivas locais e das dinâmicas
comerciais entre a AMPC Urok e o exterior.
Visa também a identificação de potencia-
lidades e oportunidades económicas que
sejam susceptíveis de promover, a curto
e médio prazo, a melhoria das condições
de vida da população - de uma forma que
não perturbe os equilíbrios ecológicos
existentes nem comprometa as lógicas
e estratégias de gestão e desenvolvimento
em curso na AMPC Urok. Tal como espe-
cificado nos TdR, o estudo procura ainda
identificar um conjunto de áreas para imple-
mentação de iniciativas de promoção
do empreendorismo e de apoio à criação
de pequenos negócios, bem como para
desenvolvimento de actividades de forma-
ção. Pretende-se com todas estas activida-
des contribuir de forma durável para
o desenvolvimento socioeconómico
da AMPC Urok e para a sua conservação,
nomeadamente através da criação de
condições propícias à fixação da população.
Adicionalmente, os resultados do estudo
poderão vir a servir de base para o desen-
volvimento de planos de negócios mais
detalhados que incidam sobre cada uma
das áreas e fileiras identificadas como
especialmente propícias e virtuosas.
No contexto do modelo de desenvolvimento
da AMPC Urok, assumem especial relevância
as características participativas do processo
de conservação e desenvolvimento, os níveis
de insularidade e isolamento do território
e a importância do património cultural da
população. É por isso fundamental pensar
e promover o desenvolvimento da AMPC
Urok de uma forma integrada e sustentável
– e é esse mesmo o objectivo assumido pelo
projecto “Urok Osheni! - Conservação,
Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas
Urok”. Pretende-se que este estudo
constitua uma contribuição nesse sentido.
1.3 Metodologia
A metodologia adoptada no contexto do
presente estudo resultou de um conjunto
de reuniões prévias entre os autores deste
estudo e diversos responsáveis da Tiniguena
e Instituto Marquês de Valle Flôr, nas quais
se procurou concretizar os objectivos
estabelecidos nos TdR tendo em conta
as propostas metodológicas da equipa
de consultores e o conhecimento prévio
do terreno por parte destas duas ONGs.
Para além da consulta de bibliografia
relevante, privilegiou-se a aplicação
e triangulação de três instrumentos
21
principais de obtenção de informação:
um inquérito aos agregados familiares,
de carácter estruturado e mais fechado;
entrevistas semi-estruturadas a actores
locais e focus-groups com residentes
de diversas tabancas.
A aplicação dos métodos directos de
recolha de informação primária teve lugar
aquando de um período de trabalho de
campo na AMPC Urok entre 26/11 e 04/12
de 201010. Considerou-se que a adopção
do método misto (triangulação de dados
qualitativos e quantitativos) permitiria
alcançar os melhores resultados possíveis,
tendo em conta os objectivos do estudo
e as restrições logísticas e temporais asso-
ciadas à realização do trabalho de campo.
Assim, no período de trabalho de campo
referido, foram efectuadas visitas a nove
tabancas das três ilhas principais que consti-
tuem o complexo de Urok (Abu, Ancadaque,
Acôco e Catem, em Formosa; Nago
e Cadjyirba, em Nago e Botai, Chediã
e Porto Nhominca, na iha de Chediã),
nas quais foi realizado um total de 75
entrevistas de inquérito, 11 entrevistas
semi-estruturadas e 4 focus-groups.
Assim, para além da observação presencial,
foram levadas a cabo as seguintes activida-
des em cada uma das tabancas:
• Abu (Formosa): 13 entrevistas de inquérito,
4 entrevistas semi-estruturadas (2 comer-
ciantes locais, 1 professor do ensino básico
e 1 marinheiro) e 1 focus-group (3 residentes
do sexo masculino);
• Ancadaque (Formosa): 14 entrevistas de
inquérito e 2 entrevistas semi-estruturadas
(comerciantes locais);
• Acôco (Formosa): 7 entrevistas de inqué-
rito e 1 entrevista semi-estruturada (comer-
ciante local);
• Catem (Formosa): 9 entrevistas de inqué-
rito e 1 entrevista semi-estruturada (comer-
ciante local);
• Nago (Nago): 6 entrevistas de inquérito,
1 focus-group (5 residentes locais do sexo
feminino)
• Cadjyirba (Nago): 13 entrevistas de inqué-
rito e 1 entrevista semi-estruturada (comer-
ciante local);
• Botai (Chediã): 1 focus-group (6 residentes
do sexo masculino)
• Chediã (Chediã): 11 entrevistas de inquérito
e 1 entrevista semi-estruturada (comerciante
local);
• Porto Nhominca (Chediã): 1 entrevista
de inquérito, 1 focus-group (6 pescadores
Nhominca do sexo masculino) e 1 entrevista
semi-estruturada (técnico de reparação
de embarcações).
As entrevistas de inquérito assentaram na
aplicação do questionário constante do
Anexo IV – o qual beneficiou, por sua vez,
de alterações introduzidas na sequência de
inquéritos de pré-teste. Visaram fundamen-
talmente a recolha sistemática de dados
representativos e susceptíveis de tratamen-
to quantitativo relativamente a seis domí-
10 A missão de terreno foi organizada em articulação com a Tiniguena e IMVF e beneficiou de apoio logísticode diversos elementos destas duas organizações. O trabalho de recolha de informação propriamente dito foirealizado pelos dois autores deste estudo e por Miguel de Barros e Ocante Sá, membros da direcção da Tiniguena.
22
nios: (i) características gerais dos agregados
familiares; (ii) actividades produtivas
e estratégias de subsistência; (iii) dotação
de competências e meios de produção;
(iv) rendimento e pobreza; (v) práticas
comerciais; e (vi) avaliação subjectiva de
constrangimentos e necessidades.
Tratou-se de um inquérito aos agregados
familiares, em que se adoptou o fogão
(ou fogon, que neste contexto constitui
a mais autónoma unidade de produção
e consumo) como critério para a identifica-
ção e demarcação dos agregados. Em cada
um dos casos, admitiu-se como responden-
te a pessoa indicada como sendo responsá-
vel pelo fogão, ou qualquer outra nomeada
por esta última como estando em condições
de proporcionar informação fiável acerca
das questões abordadas no questionário.
Não foi possível realizar o inquérito junto
de uma amostra aleatória dos agregados
familiares da AMPC Urok, uma vez que isso
exigiria o levantamento prévio do universo
de agregados – algo que não foi possível
realizar em virtude das restrições associadas
ao trabalho de campo. Assim, optou-se
antes pela identificação prévia de um con-
junto de tabancas que, por um lado, asse-
gurasse a representatividade das diferentes
modalidades assumidas por um conjunto de
variáveis consideradas fundamentais (ilha,
nível de centralidade/isolamento, compo-
sição étnica, importância relativa da pesca
e das actividades agrícolas) e, por outro
lado, reunisse um quantitativo populacional
significativo.
Em cada uma das tabancas, os agregados
foram seleccionados para inclusão na
amostra mediante um critério de conveniên-
cia (presença no local e disponibilidade para
a realização da entrevista), o que constitui,
naturalmente, um elemento adicional de
afastamento face às condições ideais de
aleatoriedade e representatividade. Porém,
estamos convictos de que estas opções
metodológicas não terão comprometido
a fiabilidade dos resultados, por dois moti-
vos principais: (i) por um lado, a dimensão
da amostra face ao universo pode ser consi-
derada bastante elevada: o número total
de elementos dos agregados incluídos
na amostra, segundo as informações
proporcionadas pelos respondentes,
foi de 645, o que corresponde a cerca de 1/5
da população total da AMPC Urok segundo
os dados do Recenseamento Interno reali-
zado pela Tiniguena e do Recenseamento
Geral da População realizado pelo INEC
(ver Capítulo 2); (ii) em segundo lugar,
procurou-se validar os dados quantitativos
recolhidos no contexto do inquérito aos
agregados familiares através da recolha
de uma quantidade substancial de informa-
ção qualitativa (tanto aquando das entrevis-
tas semi-estruturadas e focus-groups como,
por vezes, durante as próprias entrevistas
de inquérito). São ainda de assinalar os fac-
tos de não se ter verificado qualquer recusa
de participação no inquérito e de o nível
de não-respostas a questões específicas ter
sido negligenciável. Estamos, pois, convictos
de que a probabilidade de erro estocástico
ao nível da maior parte dos indicadores esti-
mados no contexto deste inquérito pode ser
considerada relativamente baixa.
23
Por sua vez, as entrevistas semi-estrutura-
das tiveram por base o guião constante do
Anexo III e visaram sobretudo a obtenção
de informação qualitativa relativamente às
dinâmicas e constrangimentos que caracte-
rizam as actividades produtivas e comerciais
dos residentes de cada tabanca e da AMPC
Urok como um todo. Em cada um dos ca-
sos, porém, procurou-se explorar também
um conjunto de temáticas mais específicas
associadas à actividade profissional desen-
volvida pelos entrevistados (p.e., professo-
res, comerciantes, marinheiros) ou por estes
espontaneamente introduzidas no contexto
das entrevistas.
Finalmente, a opção pela realização de um
conjunto de focus-groups (o terceiro méto-
do sistemático de obtenção de informação
adoptado no contexto deste estudo) teve
como objectivo principal explorar duas das
virtudes principais deste método: a possibi-
lidade de recolher informação junto de um
número relativamente elevado de informan-
tes num período de tempo relativamente
curto, o que constitui uma vantagem impor-
tante no contexto de um trabalho de campo
caracterizado por restrições temporais;
e a possibilidade de estimular e tirar partido
da interacção entre os intervenientes
no focus-group, particularmente no que
respeita a apreciações subjectivas relativa-
mente a diferentes matérias.
2. A AMPC Urok2.1 Enquadramento: a AMPC Uroke o Projecto “Urok Osheni!”
Os primeiros contactos entre a Tiniguena
e os “homis garandis”, ou anciões, de Urok
tiveram lugar em 1993, na casa do Ambiente
e Cultura Bolama-Bijagós, “sede” da Reserva
da Biosfera. A este encontro seguiram-se
muitos outros, que progressivamente
permitiram o desenvolvimento de relações
de parceria e o lançamento das bases para
o processo de criação da AMPC Urok.
A criação desta última é indissociável do
processo de consolidação da Reserva da
Biosfera do Arquipélago Bolama-Bijagós:
aquando do processo de zonagem da
Reserva da Biosfera, as áreas consideradas
mais frágeis foram incluídas na chamada
zona central, que impõe restrições mais
apertadas em matéria de conservação,
tendo sido anunciado o objectivo de trans-
formar progressivamente essas zonas cen-
trais em unidades de conservação (parques
ou áreas protegidas). O processo de criação
da Área Marinha Protegida Comunitária
teve por isso como antecedente o facto
de toda a área de Urok ter sido previamente
classificada como uma das zonas centrais
da Reserva da Biosfera.
24
Todo o processo de criação da unidade de
conservação foi conduzido pela Tiniguena
na base de uma dinâmica de desenvolvi-
mento local, caracterizando-se pelas medi-
das adoptadas ao nível da gestão dos re-
cursos naturais locais e pela implementação
de um modelo de gestão marcadamente
comunitário. Para este processo, contribui-
ram também os processos de reflexão
a nível da sub-região da África Ocidental
que estiveram na origem da criação do
Programa Regional Costeiro e Marinho,
bem como a dinâmica dos movimentos
ambientalistas internacionais no sentido
da criação de unidades de conservação
em benefício das comunidades locais.
Aliás, o próprio processo de criação da
AMPC Urok permitiu avanços significativos
ao nível do dispositivo jurídico-institucional
da lei-quadro das áreas protegidas, que na
sua tipologia de áreas protegidas não previa
inicialmente este tipo de gestão assente em
bases comunitárias.
2.2 Caracterização geral
LocalizaçãoA AMPC Urok localiza-se no estuário do Rio
Geba, na parte setentrional do Arquipélago
Bolama-Bijagós. A extremidade nordeste
do território da AMPC Urok é constituída
pelas Coroas de Papagaio e de Formosa, as
quais são recortadas por diversos canais de
profundidade considerável, como sejam os
Canais de Formosa, Pelicano, Flamingos e
Papagaio. A extremidade sudeste é cons-
tituída pelo prolongamento do canal de
Formosa em direcção aos baixios da Ilha
de Soga. A Sul, a AMPC Urok encontra-se
separada das ilhas de Edana e Enu por um
canal sem nome, enquanto que, a Oeste
e Noroeste, se encontra a ilha de Carache,
separada de Urok pelas coroas de São Fran-
cisco e por um outro canal de profundidade
considerável.
O complexo insular central de Urok é consti-
tuído por três ilhas principais – Formosa
(ou Urok, na língua Bijagó), Maio (Chediã)
e Ponta (Nago) –, bem como por numerosos
ilhéus mais pequenos, dos quais os maiores
são os ilhéus de Manassa (Acôco) e Meio
(Quai). Em virtude da sua proximidade,
estas ilhas e ilhéus formam um conjunto
único, apenas separado pelo canal do Meio
e pelas suas diversas ramificações. Aliás,
durante o período da baixa-mar, alguns
destes ilhéus e ilhas ficam ligados entre si.
Em redor deste complexo insular central,
a maior distância, existem diversos outros
ilhéus mais pequenos, como os ilhéus de
São Francisco, Papagaios, Torre, Canais,
Pedras, Flamingos, Rumai e Ancadongue.
A definição dos limites externos teve por
critério, de uma forma geral, a isobata dos
10 metros de profundidade. No interior
deste espaço, recortados por alguns canais
profundos, destacam-se extensos baixios,
formados através da acumulação de sedi-
mentos fluvio-marinhos, que emergem
à superfície aquando da baixa-mar. A par-
te marinho-aquática da AMPC encontra-se
inteiramente contida nas águas interiores
da Guiné-Bissau.
25
A Figura 3 representa a distribuição de
superfície terrestre da AMPC Urok segundo
o tipo de cobertura vegetal e a forma de
utilização. Destaca-se o predomínio dos
palmares naturais densos, mangais e lalas,
especialmente nas ilhas principais do com-
plexo insular: Formosa, Nago e Chediã.
Porém, a distribuição do coberto vegetal
reflecte também o aumento da área afecta
à plantação de caju e ao ciclo de cultura
itinerante. Embora isso não seja visível na
Figura, é de referir que em Nago e Chediã
se verifica, por outro lado, uma pressão
adicional sobre a terra em resultado da imi-
gração de indivíduos de etnia Papel, prove-
nientes da região de Biombo, no território
continental da Guiné-Bissau.
O mangal, que ocupa uma superfície consi-
derável (7.120 ha), desempenha, juntamente
com os bancos vasosos, arenosos e rocho-
sos, um papel ecológico de extrema impor-
tância na manutenção da produtividade
biológica desta zona particularmente rica
em espécies marinhas e aquáticas – entre
as quais se destacam o manatim, os golfi-
nhos e diversas espécies de peixe de grande
valor comercial. Os bancos e mangais são
também utilizados como zonas de alimen-
tação e repouso por numerosas espécies
de aves aquáticas migradoras, algumas das
quais utilizam alguns dos ilhéus da AMPC
como zonas de nidificação.
Figura 3: Superfície e cobertura vegetal da AMPC Urok (Total 20,755 ha) (Fonte: Suco-Crad)
Aglomerados Populacionais;
272,3; 1%
RiziculturaItinerante sobre
Queimadas;509,2; 2%
Palmares Densos;8487,9; 41%Mangal;
7120,9; 34%
Savanas comVestigios de Cultura;
100,5; 1%
Lalas;1563,5; 8%
Savana Herbáceasobre Solos Arenosos;
1065,3; 5%Savana Arborea;
390,6; 2%
Fourre (Cerrados);329; 2%
Palmares poucoDensos;
815,6; 4%
26
Em terra, destaca-se a grande diversidade
de répteis e a presença do macaco verde,
ou macado de tarrafe (Cercopithecus ae-
thiops sabaeus). A diversidade florística
é também muito significativa – especial-
mente nas zonas sagradas, onde subsistem
algumas relíquias de espécimes de grande
porte – e é objecto de utilização no contex-
to da farmacopeia tradicional.
Demografia11
A população total da Região Bolama
-Bijagós é de cerca de 34 mil habitantes:
16.700 do sexo masculino e 17.200 de sexo
feminino. A faixa etária compreendida entre
os 15 e os 44 anos constitui cerca de 50%
da população total (18.329); os menores
de 15 correspondem a 37% (13.464); e os
maiores de 44 constituem cerca de 13%
da população (4.872). As partes urbaniza-
das desta região, principalmente a cidade
de Bolama e a vila de Bubaque, concentram
9.118 habitantes. A população economica-
mente activa da Região Bolama-Bijagós
é composta por 10.27812 indivíduos – embora
este número subestime os níveis reais
de participação nas diversas actividades,
uma vez que os menores, tanto do sexo
masculino como feminino, participam
igualmente nas actividades de produção
e reprodução das unidades familiares.
Dentro do universo dos activos, 401 são
funcionários públicos, 3.810 são trabalhado-
res do sector privado e os restantes desen-
volvem diferentes actividades no mundo
rural, com predominância para a agricultura,
enquanto produtores independentes.
A população total da região Bolama-Bijagós
encontra-se agrupada em cerca de 4.839
agregados familiares. Destes, apenas 262
residem em alojamentos de construção
definitiva – a vasta maioria (4.577) reside
em construções de carácter precário.
Apenas 172 agregados têm acesso a água
potável canalizada e o número dos que
dispõem de uma fonte de energia eléctica
é ainda menor (155). A esmagadora maioria
dos agregados (4.649) utiliza a lenha como
principal fonte de energia. Os níveis de
acesso à maior parte dos bens duradouros
domésticos é reduzido, como foi aliás con-
firmado directamente no quadro do inqué-
rito desenvolvido no contexto do presente
estudo (ver Capítulo 3).
Entre os diversos sectores administrativos
em que se divide a Região Bolama-Bijagós,
o de Formosa-Caravela é o que contém
o menor número de habitantes: 4.263.
Destes, 2.928 residem no complexo insular
de Urok - 1.471 do sexo masculino e 1.457
do sexo feminino. A Ilha de Formosa
é a mais povoada, com 1.873 habitantes;
Chediã conta com 436 habitantes e Nago
com 619. A população não residente é consi-
derável (embora não tenha sido claramente
identificada pelo Recenseamento) e é em
11 Elaborado com base em dados ainda não publicados do Recenseamento da População e Habitação de 2009 (INEC).
12 Definidos no contaxto do Recenseamento como correspondendo aos individuos com 15 anos ou mais que prati-cam alguma actividade produtiva.
27
grande parte constituída por indivíduos
de etnia Papel originários do continente,
que imigram temporariamente para
o complexo de Urok a fim de explorarem
diversos recursos naturais (peixe, moluscos,
óleo de palma, etc.). Existe também uma
considerável comunidade Nhominca, oriun-
da do Senegal. Os ilhéus mais pequenos
não são habitados, mas são objecto de
utilização temporária no quadro de activida-
des de colecta de moluscos, culturas itine-
rantes e cerimónias religiosas tradicionais.
Aspectos socioeconómicosA população Bijagó vive agrupada em
aldeias (tabancas) sujeitas à autoridade
tradicional dos anciões, os quais são dirigi-
dos por um régulo que é coadjuvado nas
suas funções pelo “dono da tabanca”.
A autoridade do régulo pode estender-se
a uma ou mais tabancas. Em cada tabanca,
a comunidade encontra-se dividida e orga-
nizada segundo classes etárias (de ambos
os sexos), a cada uma das quais corres-
ponde um estatuto, direitos e obrigações
bem definidos. A passagem de uma classe
etária para a seguinte é marcada por um
conjunto de ritos e actividades complexos
que, nalguns casos, se prolongam por mui-
tos meses. Os indivíduos pertencentes às
classes etárias mais jovens prestam serviços
e devem obrigações às mais velhas como
“contrapartida” pela iniciação, educação
e socialização.
Apesar de, para numerosos efeitos, a gestão
da vida quotidiana de cada tabanca ter
lugar de forma colectiva e comunitária,
os agregados familiares são essencialmente
autónomos ao nível da produção, possuindo
os seus próprios terrenos de cultivo, plan-
tações e bolanhas. Em certos casos, porém,
os terrenos são detidos colectivamente pela
djorson ou clã – unidade mais ampla que
reune um conjunto de agregados unidos
por laços de parentesco.
Os recursos naturais são extremamente im-
portantes para a subsistência desta popula-
ção essencialmente agrícola, cuja actividade
mais básica consiste na cultura itinerante do
arroz (n’pam-pam) em terrenos previamente
sujeitos a queimadas. Nalgumas áreas da
AMPC Urok, como é o caso da tabanca de
Abu, pratica-se também o cultivo de arroz
de bolanha. O arroz constitui, aliás, a base
da alimentação da população de Urok,
sendo complementado por culturas secun-
dárias como o feijão, a mandioca, a batata
ou a mancarra. O caju, originalmente intro-
duzido na era colonial, tem vindo a ocupar
um lugar cada vez mais central nas estraté-
gias de subsistência da população de Urok
(aliás à imagem do que tem sucedido um
pouco por todo o país), que encontra nos
diversos produtos associados ao caju
(castanha, vinho de caju, “n’sum-sum”)
a possibilidade de aumentar os seus níveis
de rendimento.
28
A produção agrícola é complementada pela
criação de gado, pela exploração florestal
(sobretudo extracção de chabéu e produção
de óleo de palma), pela pesca tradicional
e pela apanha de moluscos e crustáceos.
A criação de galinhas, cabras, porcos
e vacas é praticada pela quase totalidade
das famílias (ver Capítulo 3), que encaram
esta actividade como uma forma de manter
uma reserva de valor susceptível de repro-
dução. Porém, tanto a agricultura como
a criação de gado são afectadas com regu-
laridade por pragas e doenças que compro-
metem as colheitas e dizimam o gado.
A pesca artesanal local, que em tempos ti-
nha um peso muito inferior à actividade dos
pescadores oriundos do exterior, floresceu
ao longo dos últimos dez anos em conse-
quência das restrições impostas pelas regras
da AMPC, que estabelecem um conjunto
de zonas de pesca de utilização exclusiva
por parte da população local. É de assinalar,
por outro lado, a ocorrência de conflitos
entre a população autóctone e alguma
população provinda do exterior, de etnia
Papel, em resultado das modalidades de
exploração dos recursos naturais mais
intensivas e direccionadas para o mercado
exterior (Biombo e Bissau) adoptadas por
esta última. Tal tem sido veriificado, nomea-
damente, no contexto da actividade pisca-
tória e da exploração de produtos florestais
(óleo de palma, palha, cibe13, etc.).
As estruturas públicas de apoio ao desen-
volvimento da actividade produtiva são pra-
ticamente inexistentes – e as estruturas que
existem limitam-se aos domínios da admi-
nistração, segurança, ensino básico e saúde.
Por sua vez, o sector empresarial privado
é basicamente constituído pelos operado-
res comerciais, incluindo um número relati-
vamente elevado de comerciantes de caju
que operam exclusivamente no período da
campanha deste produto. Tudo isto ilustra
de que modo o isolamento e a insularida-
de introduzem dificuldades adicionais que
acrescem às que são sentidas de uma forma
geral pela população da Guiné-Bissau.
Os sectores da educação, transportes,
comunicações e água são alguns daqueles
em que é mais visível o impacto da acção
da Tiniguena e seus parceiros, tendo sido
registados progressos muito significativos
ao longo da última década. Porém, dado
o grau das carências que se fazem sentir,
é certo que os níveis de provisão estão
ainda longe de garantir a plena satisfação
das necessidades básicas da população
de Urok.
13 Madeira de palmeira.
29
A Figura 4, elaborada com base nos resulta-
dos do Recenseamento de 2009, representa
os níveis de acesso a um conjunto de servi-
ços básicos nos diversos sectores adminis-
trativos da Região Bolama-Bijagós.
Percebe-se claramente que, de uma forma
geral, se trata de uma região desfavorecida
e caracterizada por carências significativas –
e que o sector de Formosa-Caravela
é atingido por essas carências de forma
especialmente aguda. Tudo isto reflecte
a dificuldade demonstrada pelo Estado
guineense em assumir plenamente
a responsabilidade pelo desenvolvimento
do Arquipélago, apesar dos diversos planos
que têm sido elaborados com esse objectivo
– designadamente, no quadro do Projecto
de Desenvolvimento Integrado das Ilhas
Bijagós e das Propostas de Desenvolvimen-
to Integrado da Reserva da Biosfera
Bolama-Bijagós.
Figura 4: Número de tabancas e disponibilidade de escolas, serviços de saúde e furos de água nos sectoresadministrativos da Região Bolama-Bijagós (INE, 2010).
Bolama-
Bijagós Bolama Bubaque Uno Caravela
Nº total de tabancas 243 80 58 59 46
Com escola 49 15 15 10 9
Serviço de saúde 32 11 4 14 3
Furo de água 51 22 11 14 4
275
250
225
200
175
150
125
100
75
50
25
-
30
Potencial económicoda região Bolama-BijagósO potencial económico da região assenta
principalmente nos seus recursos naturais
e, em especial, nos recursos vivos renováveis
- existe um potencial pesqueiro, agrícola
e florestal muito significativo. A maioria
da população pratica a agricultura, a explo-
ração florestal artesanal e a pesca tradicio-
nal. Em geral, os solos tropicais são pouco
férteis e muito sensíveis aos fenómenos
erosivos, mas aqui, apesar da descontinui-
dade territorial, podem ainda ser considera-
dos abundantes em relação à dimensão da
população. Por outro lado, a disponibilidade
de água, restrição fundamental da produção
agrícola tradicional, é em geral suficiente-
mente garantida pelas chuvas, apesar de
alguma irregularidade. A exploração florestal
é muito adaptada, assentando sobretudo na
extracção de óleo, lenha e madeira de cons-
trução e na colecta de produtos não lenho-
sos destinados à alimentação, farmacopeia
e usos religiosos e culturais.
As águas do arquipélago são ricas em
espécies de peixe de grande valor comercial,
embora se desconheça a capacidade de
produção de forma precisa. Em todo o caso,
trata-se de uma das zonas de pesca mais
procuradas pelos pescadores nacionais
e da sub-região. A população cobre grande
parte das suas necessidades proteicas
através do consumo de peixe e moluscos.
No interior da AMPC Urok, o potencial
pesqueiro é também muito considerável
e, se gerido de forma durável, poderá
proporcionar benéficos consideráveis
à população local residente, que dela
beneficia de forma quase exclusiva.
Finalmente, há a registar o potencial turísti-
co considerável da AMPC Urok, que advém
não só das características paisagísticas
desta área insular como também da pre-
sença de recursos faunísticos e florísticos
importantes e atractivos, que podem vir a
viabilizar a implementação de iniciativas de
turismo sustentável – embora, naturalmen-
te, seja fundamental que qualquer processo
desse tipo atenda às especificidades e res-
trições da AMPC Urok e ao objectivo último
de melhorar de forma sustentável as condi-
ções de vida da população.
31
3. DINÂMICAS SOCIOECONÓ-MICAS:REALIDADESE CONSTRAN-GIMENTOSA Área Marinha Protegida Comunitária
de Urok, tal como o Arquipélago dos Bijagós
de uma forma mais geral, é um espaço onde
o meio biofísico, as estruturas socioculturais
e as actividades económicas (entendidas
como o conjunto de actividades que asse-
guram a reprodução material das comunida-
des) se encontram em articulação próxima
e inseparável. Para além do quadro legisla-
tivo formal (e quase sempre com tanta ou
mais importância do que este), as activida-
des produtivas são enquadradas e reguladas
de uma forma bastante estrita por um dis-
positivo normativo de carácter tradicional,
que se reveste frequentemente de significa-
ção sagrado-religiosa e que é o resultado
de uma lenta evolução das instituições,
de um modo que tem permitido assegurar
a manutenção dos equilíbrios ecológicos
e sociais. É importante sublinhar que se
trata de um sistema dinâmico, pontuado
por equilíbrios quase sempre precários,
no contexto do qual as estruturas, práticas
e representações se vão modificando em
resultado da introdução de novos elementos
(tecnologias, procuras, ofertas e até
novos grupos humanos) provindos
do exterior, das alterações bioclimáticas
e da própria autonomia relativa da esfera
sociocultural.
Urok é também um espaço onde uma parte
substancial da população se encontra pró-
xima do limiar de subsistência, o que está
associado a um conjunto complexo de fac-
tores – entre os quais se incluem as caracte-
rísticas do meio, a forma de organização da
produção, a dificuldade de aproveitamento
de economias de escala e o impacto do
isolamento e da insularidade sobre o aces-
so a insumos e sobre a estrutura de custos.
Esta articulação de factores tem obviamen-
te repercussões adversas ao nível do de-
senvolvimento humano (saúde, educação,
rendimento/pobreza), mas está também na
origem da adopção de um conjunto notável
de estratégias de resposta, nomeadamente
ao nível dos mecanismos de redistribuição
e solidariedade comunitária ou em termos
de diversificação da produção. Esta última
é, aliás, uma das características mais salien-
tes da economia local da AMPC Urok:
o reduzido grau de especialização e a conju-
gação, por parte dos diversos agregados
familiares, de um conjunto alargado de
actividades produtivas como forma de au-
mentar a resiliência em face da adversidade.
Se é verdade que, de uma forma geral,
é possível apontar diferenças entre as
diversas tabancas e comunidades em
termos da preponderância relativa das
actividades agrícola, piscatória e outras
(bem como, dentro da actividade agrícola,
no que se refere à importância relativa das
32
diferentes culturas), não é menos verda-
de que, por exemplo, todos os agregados
familiares que se dedicam à pesca praticam
também a agricultura e que, de uma forma
mais geral, são virtualmente inexistentes os
agregados que se dedicam exclusivamente
a um único tipo de actividade.
Naturalmente, a diversificação não é apenas
uma fonte de resiliência face ao risco e à
adversidade; é também uma barreira à espe-
cialização, ao desenvolvimento do mercado
interno (i.e. intra-ilhas) e à adopção de téc-
nicas e práticas que permitam rendimentos
mais elevados. Está, por isso, associado
a consequências tanto positivas como
negativas. Ainda assim, é especialmente
importante ter em conta que intervenções
profundas que provoquem a perturbação
dos equilíbrios ao nível das estratégias de
subsistência, mesmo que em princípio con-
ducentes a ganhos de produtividade glo-
bais, podem ter consequências muito
nefastas (aumento da incidência de pobre-
za, desigualdade, despovoamento, perturba-
ção dos equilíbrios socioculturais
e ecológicos). Para lá dos dilemas ao nível
da divisão social do trabalho, porém, encon-
tramos outros factores – da organização dos
canais de distribuição à dotação de meios
de produção, passando pelas pragas agríco-
las – que contribuem para a vulnerabilidade
da economia de Urok e, por essa via, para
o agravamento dos níveis de pobreza da
população. Havendo margem para progres-
so e melhoria a esses níveis, é neles que em
princípio deverá incidir a primeira linha das
intervenções de fomento da economia local.
As próximas secções deste capítulo
desenvolvem cada um destes argumentos
e apresentam dados quantitativos e qualita-
tivos relativamente a cada um deles,
de modo a proporcionar uma perspectiva
analítica sobre cinco aspectos da economia
local de Urok: actividades produtivas
e estratégias de subsistência; propriedade
e relações sociais de produção; rendimento
e pobreza; dinâmicas comerciais; e, final-
mente, uma súmula dos principais constran-
gimentos à actividade produtiva.
3.1 Actividades produtivase estratégias de subsistência
Urok, tal como o Arquipélago dos Bijagós
e a Guiné-Bissau de uma forma mais geral,
é fundamentalmente uma sociedade de
pequenos produtores independentes,
no sentido em que a produção, quer se
destine ao auto-consumo quer ao mercado,
é na vasta maioria dos casos levada a cabo
mediante o recurso a factores produtivos
(trabalho, ferramentas, terra) pertencentes
ao próprio agregado (ou, no caso da terra
destinada a certas culturas agrícolas, ao
djorson)14. Com efeito, entre os 75 respon-
dentes abrangidos pelo inquérito, apenas
28 indicaram que algum dos elementos
do agregado recebeu dinheiro em troca
de trabalho nalgum momento dos doze
meses anteriores, o que revela desde já que
o recurso ao trabalho assalariado assume
um papel muito secundário e complementar.
14 O termo crioulo djorson reporta à palavra portuguesa geração, mas tem o significado mais lacto de linhagemou série de gerações de uma família; conjunto de ascendentes e de descendentes de uma pessoa; clã.
33
15
13
10
8
5
Figura 5: Número de actividades produtivas (de entre as quinze explicitamente indicadas no questionário)praticadas nos doze meses anteriores pelos agregados incluídos na amostra (diagrama de extremos e quartis16) (fonte: inquérito aos agregados familiares).
15 Pesca, cultivo de arroz de bolanha, cultivo de n’pampam, cultivo de feijão, cultivo de macarra, apanha de caju, cultivo de mandioca, apanha de combé, apanha de chabéu, extracção de óleo de palma, produção de sal, fabrico de cestaria, comércio, horticultura e produção de esteiras. O inquérito previa ainda a possibilidade de indicação de “outras” actividades (não antecipadas), tendo-se verificado, entre estas últimas, frequências relativamente elevadas de respostas referentes ao fabrico de artesanato (“canapés”), produção de bebidas alcoólicas e fabrico de sabão.
16 Nota: o diagrama de extremos e quartis é uma forma conveniente de representar uma distribuição, na qual o traço horizontal mais em baixo representa o mínimo da distribuição, o traço horizontal que constitui a ‘parte de baixo da caixa’ representa o primeiro quartil (25% da distribuição) e assim por diante (mediana, terceiro quartil e máximo). Eventuais ‘outliers’ (valores anornalmente reduzidos ou elevados), que não existem no caso desta Figura, são representados através de pontos ou estrelas.
As actividades levadas a cabo de forma
independente são, porém, numerosas
e diversas, no que constitui uma indicação
clara do quanto a diversificação constitui,
ela própria, uma estratégia de subsistência.
Por exemplo, entre as quinze actividades
produtivas em relação às quais se colocou
explicitamente a questão no inquérito15,
verificamos que metade dos agregados
praticou onze ou mais, 3/4 dos agregados
praticaram pelo menos nove e nenhum
dos 75 agregados praticou menos do que
cinco (Figura 6).
Outro indicador directo do grau de diver-
sificação da produção é a percentagem do
total de agregados que pratica cada uma
das actividades (Figura 7): verificamos que
todas as actividades antecipadas no ques-
tionário são praticadas por mais de metade
dos agregados familiares, com excepção
apenas do comércio, fabrico de cestaria
(que estão associados um certo grau de
especialização) e do cultivo de arroz de bo-
lanha (apenas praticado nas tabancas onde
esta prática é uma realidade). Por outro
lado, a Figura revela também que a apanha
Nú
mer
o d
e ac
tivi
dad
es
34
de combé, o cultivo do arroz de sequeiro
(n’pampam), a apanha de caju, a apanha
de chabéu e a extracção de óleo de palma
são praticados por mais de 90% dos agre-
gados familiares, o que constitui uma
evidência clara das duas características
fundamentais da economia local de Urok
que temos vindo a referir: a elevada homo-
geneidade dentro do universo dos agrega-
dos familiares e a elevada diversificação de
actividades ao nível de cada agregado.
Porém, se, como ilustra a Figura anterior,
a diversificação é a norma, isso não significa
que todas as actividades desempenhem
o mesmo papel ou tenham a mesma impor-
tância. Com efeito, a produção resultante
de algumas destas actividades destina-se
principalmente ao consumo do próprio
agregado, enquanto outras se destinam
fundamentalmente ao mercado interno
ou externo. Entre as primeiras, contam-se
o combé, o n’pampam, o feijão, os vegetais
hortícolas, a mancarra17, a mandioca
e o arroz de bolanha. Entre as segundas,
assumem especial relevância o caju, o óleo
de palma e a pesca (ainda que esta última
se destine também de forma muito signifi-
cativa ao consumo do próprio agregado).
Assim, se o n’pampam desempenha um
papel fundamental enquanto principal fonte
de calorias na dieta da população de Urok,
é nos três produtos acima indicados (caju,
óleo de palma e pescado) que encontramos
as três principais fontes de rendimento mo-
netário desta população (Figura 8).
Figura 6: Percentagem de agregados familiares que nos doze meses anteriores praticou cada uma das actividades produtivas indicadas (de entre as quinze antecipadas no questionário) (fonte: inquérito aos agregados familiares).
17 Amendoim da Costa Ocidental Africana. Já a mancarra bijagó é uma espécie de leguminosa existenteno arquipélago.
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Ap
anh
a d
e co
mb
é
Caj
u
N’P
amp
am
Óle
o d
e p
alm
a
Ap
anh
a d
e ch
abéu
Pes
ca
Fei
jão
Ho
rtic
ult
ura Sal
Man
carr
a
Est
eira
s
Man
dio
ca
Co
mér
cio
Ces
tari
a
Arr
oz
de
bo
lan
ha
35
Figura 7: Percentagem de agregados familiares que indicou cada uma das actividades produtivas como tendo constituído a principal fonte de rendimento monetário nos doze meses anteriores (fonte: inquérito aos agregados familiares).
A Figura anterior permite-nos ainda enun-
ciar um conjunto adicional de conclusões
importantes. Em primeiro lugar, torna-se
perceptível que o comércio (entendido
enquanto compra e venda de mercadorias
com vista à obtenção de um lucro), que
regista uma prevalência surpreendente
na Figura 6 (página anterior), inclui na
verdade práticas de significado muito distin-
to: no caso dos cerca de 5% dos agregados
que indicam esta actividade como “principal
fonte de rendimento”, estaremos perante
comerciantes propriamente ditos (proprietá-
rios de boutiques ou indivíduos/agregados
familiares que se dedicam à exportação
ou importação de mercadorias de e para
o espaço insular a uma escala relativamente
considerável); já os quase 40% que referem
ter praticado esta actividade nos doze me-
ses anteriores, sem que esta tenha assumido
o papel de principal fonte de rendimento,
consistem maioritariamente em agregados
que se dedicam principalmente à agricultura
e/ou à pesca (seguindo o padrão maioritário
em Urok), aproveitando as idas e vindas
a Bissau para praticar o comércio de peque-
nas mercadorias como fonte complementar
de rendimento.
Outra conclusão importante que ressalta
das Figuras 6 e 7 consiste no facto de que
é a agricultura e não a pesca, que constitui
a base fundamental da economia da AMPC
Urok, o que poderá constituir uma surpresa
para quem tenha um conhecimento mais
superficial desta realidade insular. Isso
é verdade tanto no que se refere à produção
para auto-consumo (na qual o arroz, base
da dieta local, tem o papel primordial)
como no que diz respeito à produção
destinada ao mercado, particularmente
a que está associada à obtenção de um
rendimento monetário (no contexto da qual,
como é visível na Figura, tanto o caju como
o óleo de palma têm uma importância clara-
mente superior à pesca)18.
35
30
25
20
15
10
5
0
Caj
u
Óle
o d
e p
alm
a
Pes
ca
Art
esan
ato
Co
mér
cio
Ou
tra
Est
eira
s
Van
da
de
anim
ais
N’p
amp
am
36
Dito isto, este é um dos aspectos em que
se verificam algumas diferenças entre as
diversas áreas geográficas das três ilhas –
diferenças essas que são indicativas de
um certo grau, ainda que muito limitado,
de especialização local. Assim, como é
visível na Figura 10, as principais fontes
de rendimento monetário mais frequente-
mente indicadas registam algumas diferen-
ças assinaláveis de tabanca para tabanca:
a extracção e venda de óleo de palma tem
uma preponderância visível em todas as
tabancas, mas esta é especialmente acentu-
ada nos casos de Ancadaque, Catem, Nago,
Cadjyirba e Chediã; em Acôco, é a pesca
que assume maior relevo, complementa-
da pelo fabrico e venda de canapés; Abu,
centro administrativo e comercial do com-
plexo de Urok, caracteriza-se por uma maior
diversificação de actividades produtivas e
fontes de rendimento; finalmente, a apanha
do caju (seguida da venda da castanha e,
em certos casos, da comercialização de vi-
nho de caju) revela-se também como impor-
tante em quase todos estes contextos, mas
especialmente em Abu, Catem, Cadjyirba
e Chediã.
Figura 8: Principais fontes de rendimento monetário para os agregados familiares inquiridos em cada tabanca(frequências relativas) (fonte: inquérito aos agregados familiares).
18 Note-se que a categoria “pesca” no contexto deste inquérito abrange actividades que, na verdade, são bastante distintas: da pesca de alto mar, em canoas a motor, à pesca ribeirinha com uma pequena rede individual. Entreos 63 agregados familiares (em 75) que afirmaram ter praticado pesca nos doze meses anteriores, apenas 21possuem canoa e apenas quatro possuem canoa com motor. Note-se, porém, que não foi possível abrangerno inquérito (apenas num focus-group) os pescadores Nhominca, que utilizam grandes canoas a motore pescam em àreas mais distantes.
19 Não foi possível realizar qualquer entrevista de inquérito na tabanca de Botai e apenas uma em Porto Nhominca, pelo que não é possível levar a cabo inferências quantitativas de nível local relativamente a estas tabancas.Porém, a informação qualitativa recolhida deixou claro que os residentes de Porto Nhominca (comunidade pisca-tória originária do Senegal que tem vindo a instalar-se em vagas sucessivas no Norte da ilha de Chediã) são talvez o único caso de especialização quase total na actividade piscatória em todo o complexo insular, não praticando a agricultura. Já em Botai, a agricultura assume o seu habitual papel preponderante, tendo inclusivamente sido feitareferência à fruticultura como actividade importante (sendo que esta actividade assume uma importância relativa-mente secundária nas restantes tabancas onde foi realizado trabalho de campo).
Ilha Tabanca19 Principais fontes de rendimento monetário mais
frequentemente indicadas (frequência relativa das respostas)
Formosa Abu Caju (3/13); Pesca (3/13); Óleo de palma (2/13);
Venda de animais (2/13)
Ancadaque Óleo de palma (7/14); Pesca (2/14); Esteiras (2/14)
Acôco Pesca (3/7); Artesanato (canapés) (2/7)
Catem Óleo de palma (5/9); Caju (3/9)
Nago Nago Óleo de palma (5/7)
Cadjyirba Óleo de palma (5/13); Caju (5/13)
Chediã Chediã Óleo de palma (5/11); Caju (3/11)
37
Figura 9: Propriedade dos terrenos onde são cultivadas algumas das principais culturas(modalidades não exclusivas) (fonte: inquérito aos agregados familiares).
3.2 Propriedade e relações sociaisde produção
A secção anterior abordou principalmente a
questão de quais as actividades produtivas
mais comuns no complexo de Urok, bem
como a sua importância relativa e o seu
papel no contexto de uma sociedade em
que a generalidade das unidades familiares
produz tanto para o seu próprio consumo
como para o mercado. No entanto, é tam-
bém importante abordar a questão de como
são levadas a cabo essas actividades produ-
tivas – não tanto em termos técnicos como
sobretudo em termos das relações sociais
subjacentes.
Esta questão assume especial importância
na medida em que permite retirar algumas
conclusões relevantes no que diz respeito,
por um lado, à vulnerabilidade das unidades
familiares face ao risco de pobreza e, por
outro lado, à possibilidade de emergência
de dinâmicas de acumulação de carácter
capitalista (i.e. assentes na produção mer-
cantil com base no trabalho assalariado).
A questão está aqui em indagar até que
ponto é que as diversas unidades familiares
recorrem sobretudo a factores produtivos
pertencentes ao próprio agregado ou a ter-
ceiros: claramente, a necessidade de paga-
mento de uma renda fundiária como contra-
partida pela utilização da terra, no caso de
unidades familiares totalmente desprovidas
de terrenos próprios, sugere a existência de
situações potencialmente mais vulneráveis;
ao mesmo tempo que, em contrapartida,
a forte prevalência do recurso ao trabalho
assalariado de terceiros permite vislumbrar
a possibilidade de emergência de dinâmicas
de acumulação ao nível da produção (atra-
vés do aumento da escala e incorporação
de maior valor acrescentado).
Porém, podemos afirmar que, de uma forma
genérica, ambas as situações estão pratica-
mente ausentes entre a população da AMPC
Urok. No que toca ao acesso à terra, verifi-
ca-se que a actividade agrícola é, na maioria
dos casos, praticada em terrenos pertencen-
tes ou ao próprio agregado familiar
ou à respectiva djorson (Figura 11).
Agregado Outro Djorson Outros NS/NR
familiar familiar como
(fogon) um todo
Bolanha 9 0 3 5 0
N’pampam 28 3 27 29 0
Feijão/mancarra 35 3 21 15 1
Horticultura 28 4 6 21 0
38
Porém, para lá da questão da propriedade
fundiária20 enquanto tal (i.e. a quem perten-
ce a terra), verificamos também que mesmo
os agregados que utilizaram terrenos de ter-
ceiros quase nunca pagaram qualquer tipo
de renda como contrapartida – seja ela sob
a forma de dinheiro, tempo de trabalho ou
parte da produção. Entre os oito agregados
familiares que cultivaram arroz de bolanha
em terras não pertencentes ao próprio
agregado, apenas um pagou algum tipo de
‘renda’ (sob a forma de tempo de trabalho);
no caso do n’pampam, a proporção foi de
2/59 (renda paga em dinheiro); no caso dos
terrenos utilizados para o cultivo de feijão e/
ou mancarra, 1/39 (em dinheiro); e, no caso
dos terrenos utilizados para horticultura,
nenhum pagou qualquer tipo de renda.
Estes números são de tal forma reduzidos
que permitem inferir, com bastante certeza,
que o que aqui está em causa não é a emer-
gência de um mercado vernacular de arren-
damento fundiário, mas sim a prestação de
uma contrapartida enquanto manifestação
de reconhecimento pelo empréstimo da
terra – contrapartida essa que é determina-
da mais por uma lógica de reciprocidade do
que por uma lógica mercantil. A conclusão
última é, pois, que o acesso à terra está de
uma forma geral assegurado para toda e
qualquer unidade familiar de Urok, não exis-
tindo indícios de qualquer tipo de risco de
diferenciação social ‘por baixo’ (i.e., emer-
gência de agregados familiares ‘sem terra’).
Pela mesma razão, não é surpreendente que
as dinâmicas de acumulação assentes no
recurso à contratação de terceiros estejam
também elas, em geral, ausentes: quando a
pressão para a prestação de trabalho assala-
riado é reduzida ou nula (uma vez que todas
as unidades familiares têm possibilidade de
desenvolver a sua própria actividade pro-
dutiva independente), o ‘salário de reserva’
é mais elevado, as vantagens de contratar
terceiros são menores e a emergência de
processos de acumulação e diferenciação
‘por cima’ torna-se também mais difícil.
O inquérito aos agregados familiares não
incluiu questões relativas ao recurso à
contratação de trabalhadores por parte dos
agregados, mas fê-lo em relação à presta-
ção de trabalho assalariado. Em relação a
esta última, os resultados são esclarecedo-
res: (i) em primeiro lugar, apenas 28 dos 75
agregados inquiridos referiram ter procedi-
do à prestação de algum tipo de trabalho
assalariado nalgum momento dos doze
meses anteriores no interior da AMPC Urok;
(ii) por outro lado, ainda mais importante,
apenas oito agregados referiram a presta-
ção de trabalho assalariado no contexto da
agricultura e outros oito na pesca. Decorre
daqui que o trabalho assalariado constitui
fundamentalmente uma fonte comple-
mentar de rendimento, na maior parte dos
casos associada a actividades e dinâmicas
financiadas a partir do exterior21 e não um
modo central de mobilização de trabalho no
contexto das actividades que constituem a
base da economia local.
20 Referimo-nos aqui à propriedade consuetudinária, naturalmente, uma vez que a propriedade formalde toda a terra é do Estado guineense.
39
Uma vez que o trabalho assalariado tem
aqui um papel claramente secundário e
complementar, o mercado de trabalho é,
também ele, uma realidade apenas incipien-
te. Pelo contrário, a mobilização e afectação
do factor trabalho no contexto da produção
é feita principalmente através de mecanis-
mos extra-mercantis: por um lado, a mobili-
zação no seio do próprio agregado familiar,
tipicamente sujeita à autoridade patriarcal
(em que a divisão do trabalho assenta
sobretudo em critérios de género e idade);
por outro lado, a prestação de trabalho no
contexto de instituições socioculturais de
escala mais ampla do que a da unidade
familiar – nomeadamente, a paga garandesa
(desempenho de trabalhos diversos durante
períodos de tempo variáveis por parte dos
jovens pertencentes a determinadas classes
etárias, em benefício dos mais velhos22).
Tendo em conta todas estas características,
típicas de uma economia que poderemos
caracterizar como ‘tradicional’, ‘de sub-
sistência’ ou ‘não-capitalista’, poder-se-á
colocar a questão de até que ponto é que
será possível a emergência de dinâmicas de
acumulação e mobilidade social ascenden-
te. Como vimos, a acumulação na esfera da
produção é dificultada pela existência de
obstáculos à diferenciação tanto ‘por baixo’
como ‘por cima’. Porém, tais dinâmicas são
possíveis e detectáveis no contexto de Urok
– estão é associadas à actividade comercial,
não à actividade directamente produtiva.
Com efeito, os agregados familiares que,
segundo os dados qualitativos e quantita-
tivos recolhidos, mais mostram sinais de
mobilidade social ascendente no contexto
de Urok são tipicamente aqueles que,
através da exploração de boutiques e/ou
do transporte e comercialização de produ-
tos agrícolas de e para Bissau, têm vindo
a conseguir capturar uma proporção relati-
vamente maior do valor acrescentado asso-
ciado às diversas fileiras, o que se reflecte
nos seus níveis relativos de afluência. É este
o grupo mais dinâmico no contexto da eco-
nomia de Urok, sendo aliás de esperar que
venha a estar associado aos mais significati-
vos processos futuros de reorganização da
actividade directamente produtiva que pos-
sam vir a ter lugar no futuro, por via tanto
do empreendedorismo de que dão mostras
como da maior capacidade de mobilização
de capital (tal como é referido na secção
seguinte).
21 Os trabalhos mais comummente referidos como tendo sido efectuados “mediante a contrapartida de um salário”nos últimos doze meses, incluem, por um lado, aqueles que na verdade correspondem à execução de trabalhospor conta própria em troca de um pagamento em dinheiro (carpintaria, alvenaria); por outro, àqueles que estãoassociados a dinâmicas financiadas pelo exterior (fiscalização, ensino, alfabetização, cobrança de bilhetes na canoa).
22 As classes etárias segundo a qual se encontra organizada a sociedade bijagó são as seguintes:Masculinas: Crianças: cadene; Adolescentes: canhocan; Rapaz: cabaro; Jovem adulto: camabi; Adulto: adôdo; Homem grande: cabongha; Femininas: Crianças: Nunpune; Adolescentes: Campuni; Mulheres casadas: Ocanto; Mulheres gran-des: Oconto.
40
3.3 Património e pobreza/afluência relativas
A actividade produtiva no contexto
da AMPC Urok encontra-se constrangida
por diversos factores, que serão alvo de
um tratamento mais detalhado mais adiante
neste texto. Naturalmente, esses mesmos
constrangimentos co-determinam os níveis
de rendimento e pobreza monetária
e patrimonial: trata-se de uma população
em que, se é verdade que os mecanismos
de solidariedade familiar e comunitária
permitem em geral evitar as situações mais
graves de pobreza humana, igualmente uma
parte substancial da população passa por
dificuldades muito consideráveis - encon-
trando-se a um nível próximo do limiar de
subsistência e sendo por vezes assolada
por problemas de malnutrição e acesso
insuficiente a outros bens essenciais.
No contexto do presente estudo (e, par-
ticularmente, do inquérito aos agregados
familiares), optou-se por uma abordagem
indirecta às questões do rendimento e da
pobreza. É sabido que as respostas a ques-
tões directas sobre o nível de rendimento
monetário se caracterizam habitualmente
por problemas específicos – principalmente
em termos do enviesamento voluntário e
involuntário das respostas. Por esse motivo,
optou-se por proceder a uma caracteriza-
ção do nível de pobreza através de questões
indirectas, que versaram principalmente
sobre a propriedade de bens de consumo
duradouro e de animais, por um lado,
e sobre as estratégias adoptadas para
obtenção de dinheiro em caso de dificulda-
de inesperada, por outro.
A distribuição das respostas a esta última
questão proporcionou resultados bastante
interessantes e significativos (Figura 10):
entre os agregados familiares inquiridos,
a estratégia mais comummente indicada
para mobilizar dinheiro em caso de necessi-
dade consistiu na venda de animais, seguida
pelo recurso a empréstimos e, só depois,
pelo recurso a poupanças próprias. Daqui
se infere que a reserva de valor sob a forma
de dinheiro, sobretudo no caso de mon-
tantes relativamente consideráveis, é uma
prática pouco comum – pelo contrário,
a mais importante forma de reserva de
valor consiste nos animais, que além
de serem convertíveis em dinheiro
em caso de necessidade, podem ainda
reproduzir-se23. Nas palavras de um dos
inquiridos, “kada mistida tene su limaria”,
isto é, “para cada tipo de necessidade,
o seu tipo de animal” – ou seja,
se a necessidade exigir uma soma pequena,
vende-se uma galinha; se a necessidade
for maior, vende-se uma cabra, um porco
ou uma vaca.
23 Já a utilização da tracção animal na agricultura não é praticada em Urok ou, de uma forma geral, entre os Bijagós.
41
Ora, em vista do importante papel que aqui
desempenham os animais enquanto reserva
de riqueza, é interessante averiguar acerca
da dotação dos diferentes tipos de animais
entre as unidades familiares pertencentes à
nossa amostra, na medida em que isso cons-
titui um indicador da capacidade dos agre-
gados familiares fazerem face a situações
de maior adversidade e, de uma forma mais
geral, do seu nível patrimonial. Os resultados
das questões relativas a este aspecto encon-
tram-se representados na Figura 13.
A análise dos dados relativos à dotação de
animais permite retirar algumas conclusões.
Em termos medianos, as unidades familiares
possuem uma vaca, um porco, três cabras e
nove galinhas23. Por outro lado, assumindo
que a distribuição da dotação de animais
no universo é idêntica à da amostra e tendo
em conta que esta corresponde a cerca de
1/5 daquele, podemos estimar o universo
de animais de criação de Urok como cor-
respondendo a cerca de 940 vacas, 755
porcos, 1425 cabras e 4420 galinhas. Em
terceiro lugar, é de assinalar o facto de
quase todos os agregados familiares pos-
suírem animais: sendo certo que 1/4 dos
respondentes afirmou não possuir qualquer
vaca (o animal ao qual está associado maior
valor monetário), este facto é quase sempre
compensado pela posse de porcos, cabras
ou, pelo menos, galinhas24. Por outro lado,
é possível observar a existência de um
reduzido número de agregados familiares
que apresentam uma dotação animal bas-
tante superior à média: um dos responden-
tes, por exemplo, afirmou que o seu agrega-
do possui catorze vacas, sete porcos,
três cabras e 35 galinhas. Este facto pode
24 Adicionalmente, nenhum dos respondentes abrangidos pela amostra possui qualquer carneiro.
Figura 10: Estratégias adoptadas em caso de necessidade que requeira a mobilização de dinheiro(frequências absolutas na amostra de 75 agregados familiares; modalidades de resposta não exclusivas)(fonte: inquérito aos agregados familiares)
50
40
30
20
10
0Poupançasacumuladas
Ajuda ouempréstimode familiares
Empréstimode terceiros
Vendade animais
Outrasolução
42
ser relacionado com a discussão anterior
acerca das dinâmicas locais de acumulação,
na medida em que sugere que o valor adi-
cional criado através da aplicação de uma
maior quantidade de trabalho (ou do aces-
so a outros factores produtivos em maior
quantidade e/ou qualidade) permite efecti-
vamente a emergência de situações
de relativa diferenciação em termos de sto-
ck de riqueza (e com certeza de consumo),
mas isso não se traduz necessariamente
numa dinâmica de acumulação. Afinal de
contas, particularmente na medida em que
a tracção animal não é utilizada na pro-
dução, a riqueza mantida sob a forma
de animais obedece a uma racionalidade
irrepreensível, mas não tem qualquer efeito
em termos de ganho de produtividade ou
criação de valor25.
Figura 11: Dotação dos agregados familiares inquiridos em vacas, porcos, cabras e galinhas(diagramas de extremos e quartis) (fonte: inquérito aos agregados familiares)
25 Foi no passado implementado um projecto-piloto no Arquipélago dos Bijagós com o objectivo de introduzira utilização da tracção animal na agricultura neste contexto insular. Essa experiência (nas ilhas de Bolama e de Orango) não foi bem sucedida, o que se deveu ao facto de se ter optado pela introdução de animais provindosdo leste do país, que não se adaptaram às condições naturais do arquipélago. Trata-se de um domínio quepoderá eventualmente ser objecto de estudos de viabilidade adicionais no contexto do Projecto “Urok Osheni!”ou de outros projectos de desenvolvimento a implementar na AMPC Urok.
13
10
8
5
3
0
Vac
asC
abra
s
Gal
inh
as
4131 58
21
1
45
11265
60
16
72
1
56 8
4910
45
65
2372
4521
13
10
8
5
3
0
13
10
8
5
3
0
Po
rco
s
13
10
8
5
3
0
43
Nesse sentido, a dotação em animais apre-
senta características similares às de outro
indicador do nível de riqueza dos agrega-
dos familiares: a posse de bens de consumo
duradouro (rádios, telemóveis, bicicletas,
telhados de zinco, entre outros), em relação
aos quais foi também obtida informação
sistemática. É certo que alguns destes bens
são susceptíveis de utilização na produção –
e ainda mais que melhoram de formas
muito concretas as condições de vida
das unidades familiares. Porém, traduzem
principalmente um diferencial de património,
não de capital.
Observemos então as características da
distribuição de cada um destes indicadores
de pobreza/afluência relativa (Figura 12).
Um primeiro aspecto a assinalar é que mais
de 80% dos agregados familiares constan-
tes da amostra possuem rádio e cerca de
metade possui telemóvel, o que não deixa
de constituir uma indicação bastante po-
sitiva (particularmente do ponto de vista
do acesso à informação e possibilidade
de comunicação). Já os telhados de zinco,
mesas, pavimentos de cimento e bicicletas
estão apenas ao alcance de uma minoria
dos agregados familiares.
A fim de analisar com um pouco mais de
detalhe as características da distribuição da
dotação deste tipo de bens, levámos a cabo
um exercício de análise de componentes
principais (ACP) de modo a ‘condensar’ a
informação relativa a todos esses bens num
único índice (IB) (ver Anexo II). Como é
visível através do coeficiente com que cada
um dos bens contribui para a construção
do IB (Figura 12, em cima), este Índice está
principalmente associado à posse dos bens
de consumo duradouro mais dispendiosos,
o que reflecte o facto do rádio e telemóvel
serem bens de consumo tão essenciais para
Bens26 n (num % Coeficiente no índice de bens (IB)
total de 75)
Rádio 63 84.0 0,080
Telemóvel 40 53.3 0,194
Bicicleta 17 22.7 0,294
Telhado de zinco 4 5.3 0,216
Chão cimentado 10 13.3 0,251
Cama 32 42.7 0,243
Mesa 18 24.0 0,242
Figura 12: Posse de bens de consumo duradouro entre os agregados familiares abrangidos pelo inquérito
26 O questionário incluía ainda uma questão acerca de casa própria, mas os resultados revelaram que esse não é um indicador relevante: apenas nove agregados afirmam residir numa casa pertencente a elementos exteriores ao agregado (familiares ou não), mas nenhum desses referiu pagar qualquer tipo de renda, o que revela que o acesso a residência própria não é um elemento diferenciador.
44
alguns agregados que a sua posse está
mais dependente de outros factores do que
do nível de pobreza/riqueza enquanto tal.
Tendo levado a cabo um exercício análogo
de modo a construir um índice semelhante
para a dotação animal (IDA: ver Anexo II),
verificamos, em primeiro lugar, que os dois
índices apresentam um coeficiente de corre-
lação positivo e significativo (0.422,
α = 0.01), o que confirma que existe
efectivamente um grau de diferenciação
assinalável e consistente entre os agregados
da amostra: à posse de um maior número
de animais está também associado um
maior nível de posse dos bens de consumo
duradouro doméstico atrás assinalados.
Com base nestes dois índices, podemos
tambem retirar algumas conclusões em
relação à forma como o nível de pobreza/
riqueza, em termos tanto da posse de bens
de consumo duradouros como do número
de animais, varia i) de ilha para ilha;
e ii) em função da principal fonte de rendi-
mento indicada. Em relação à primeira das
questões, verificamos que Formosa e Nago
apresentam distribuições semelhantes entre
si em termos da dotação de bens duradou-
ros, as quais são porém menos ‘compactas’
e ligeiramente inferiores em termos media-
nos à exibida por Chediã (Figura 15).
Já ao nível da dotação de animais,
pese embora o facto das diferenças serem
pequenas, Nago aparenta alguma vantagem
(Figura 16). No fundo, porém, tendo em
conta a similitude das distribuições e o facto
destes dois tipos de riqueza serem de certa
forma ‘sucedâneos’ um do outro, a principal
conclusão (talvez surpreendente) a retirar
é que não parecem existir diferenças muito
significativas entre estas três ilhas no que
se refere ao nível de pobreza/riqueza das
respectivas populações, tal como represen-
tado por estes indicadores.
Figura 13: Distribuição dos valores assumidos pelo Índice de Bens entre os agregados familiares das três ilhas(fonte: inquérito aos agregados familiares).
4,00000
3,00000
2,00000
1,00000
,00000
-1,00000
-2,00000
IDA
sco
res
Formosa NagoIlha
Chediã
45
48
49
45Onde essas diferenças são claramente
detectáveis é ao nível da dotação patrimo-
nial das diferentes unidades familiares em
função da respectiva fonte de rendimento
principal. As Figuras 15 e 16 ilustram os valo-
res médios do IB e IDA entre os agregados
que afirmam retirar o seu rendimento mo-
netário principal de cada uma das activida-
des indicadas, permitindo retirar algumas
conclusões interessantes. A primeira é a
confirmação de que estes índices parecem
constituir indicadores robustos do nível
patrimonial dos agregados, uma vez que,
apesar de algumas discrepâncias pontuais27,
apresentam valores relativamente consisten-
tes para cada uma das fontes principais de
rendimento.
A segunda conclusão relevante é que as
unidades familiares para as quais o comércio
constitui a principal fonte de rendimento
monetário são também aquelas que apre-
sentam um património mais avultado, em
termos tanto do número de animais como
dos bens de consumo duradouro. A diferen-
ça é, aliás, bastante significativa no caso de
ambos os índices e confirma o que foi dito
na secção anterior acerca do facto das dinâ-
micas de acumulação mais assinaláveis no
contexto de Urok assentarem na actividade
comercial/mercantil e não na actividade
directamente produtiva.
Figura 14: Distribuição dos valores assumidos pelo Índice de Dotação Animal entre os agregados familiaresdas três ilhas (fonte: inquérito aos agregados familiares).
27 Por exemplo, os agregados cuja principal fonte de rendimento é o artesanato apresentam uma dotação superior à média em termos de bens e inferior à média em termos de animais (ver Figuras 17 e 18).
4,00000
3,00000
2,00000
1,00000
,00000
-1,00000
-2,00000
IDA
sco
res
Formosa NagoIlha
Chediã
65
7245
21
23
46
Figura 15: Valor médio do Índice de Bens por fonte principal de rendimento monetário(número de agregados familiares em cada categoria indicado à frente da fonte de rendimento)(fonte: inquérito aos agregados familiares)28.
Figura 16: Valor médio do Índice de Dotação Animal por fonte principal de rendimento monetário(número de agregados familiares em cada categoria indicado à frente da fonte de rendimento)(fonte: inquérito aos agregados familiares).
28 Note-se que, por construção, o IB tem média “O” e desvio-padrão “1” na amostra; logo, o significado de IB=0para um determinado agregado familiar não é que esse agregado não possui qualquer bem, mas sim que possui uma dotação exactamente igual à média dos 75 agregados incluídos na amostra.
35
30
25
20
15
10
5
0
Caj
u
Óle
o d
e p
alm
a
Pes
ca
Art
esan
ato
Co
mér
cio
Ou
tra
Est
eira
s
Van
da
de
anim
ais
N’p
amp
am35
30
25
20
15
10
5
0
Caj
u
Óle
o d
e p
alm
a
Pes
ca
Art
esan
ato
Co
mér
cio
Ou
tra
Est
eira
s
Van
da
de
anim
ais
N’p
amp
am
47
Em terceiro lugar, no que se refere às duas
categorias mais numerosas (caju e óleo de
palma como principal fonte de rendimento
monetário), verifica-se que os agregados
para os quais a venda da castanha de caju
constitui a principal fonte de rendimento
tendem a possuir um maior património,
em termos tanto de animais de criação
como de bens de consumo duradouro,
do que as unidades familiares cuja principal
fonte de rendimento monetário é a venda
de óleo de palma. Já os agregados familia-
res que se dedicam principalmente à acti-
vidade piscatória apresentam um padrão
patrimonial característico: um nível de posse
de bens de consumo duradouro bastante
abaixo da média, mas uma dotação em
animais de criação ligieramente superior
à média.
3.4 Dinâmicas comerciais
Como vimos, a economia de Urok é funda-
mentalmente constituída por um universo
de pequenos produtores independentes,
caracterizados por um grau de especializa-
ção reduzido, que combinam a produção
para consumo da própria unidade familiar
com a produção direccionada para o merca-
do (no caso desta última, principalmente de
castanha de caju, óleo de palma, pescado,
esteiras e canapés e, acessoriamente, alguns
outros produtos agrícolas e hortofrutícolas
com menor preponderância). Este tipo de
estrutura socioeconómica está, naturalmen-
te, associada a um mercado interno bastan-
te diminuto: na medida em que existe pouca
especialização – devido à dimensão relati-
vamente reduzida do complexo insular, ao
acesso generalizado aos meios de produção
e à diversificação como estratégia face à
adversidade – a ‘margem’ para a realização
de trocas, monetarizadas ou não, no seio da
população local é também ela reduzida.
Como consequência, a população de Urok
– especialmente nas áreas mais remotas
da AMPC – encontra-se fortemente cons-
trangida do ponto de vista do acesso local
a bens e serviços: por um lado, a produção
local é pouco diversificada e são poucas as
necessidades adicionais que cada agregado
tem a possibilidade de satisfazer através
da troca directa ou indirecta da produção
própria com a das outras unidades fami-
liares; por outro lado, o acesso local aos
produtos oriundos do exterior encontra-se
constrangido pela debilidade dos canais de
distribuição. Isto mesmo foi indicado por
numerosos entrevistados e participantes
em focus-groups (particularmente no caso
das tabancas das ilhas de Nago e Chediã
que não contam com boutiques), os quais
referiram que, muitas vezes, a oferta local de
bens de consumo (nalguns casos, produtos
tão simples quanto pilhas ou caldos de cozi-
nha) é limitada e irregular durante boa parte
do ano, excepção feita à época da campa-
nha do caju (quando os comerciantes do
exterior que se deslocam às tabancas para
comprar o caju procedem também à venda
de produtos).
48
Há, assim, uma relação próxima entre
‘importações’ e ‘exportações’ (no sentido
de trocas comerciais entre o espaço insular
e o exterior) que advém do facto de, tipica-
mente, as primeiras serem levadas
a cabo pelos mesmos actores que proce-
dem às segundas, aproveitando as desloca-
ções para os dois efeitos. Isto aplica-se
a três escalas/níveis distintos: o dos com-
pradores grossistas de castanha de caju que
possuem canoas próprias e visitam as ta-
bancas na altura da campanha, procedendo
tanto à compra da castanha de caju como
à venda de arroz e outros produtos
(ou troca directa da primeira pelos segun-
dos); o dos residentes de Urok que são
proprietários de boutiques e procedem
à ‘importação’ dos bens de consumo que
vendem nessas boutiques (produtos ali-
mentares, vestuário e calçado, pequenos
acessórios e utensílios) a par da ‘exportação’
da produção agrícola de outros produtores
locais (tipicamente, óleo de palma);
e o dos pequenos produtores individuais
que se deslocam ocasionalmente a Bissau
para venderem a sua produção própria
(animais, óleo de palma, etc.) e que aprovei-
tam para, no regresso, trazerem para Urok
um pequeno volume de produtos essenciais
a fim de procederem à respectiva venda
na tabanca e assim realizarem uma pequena
margem de lucro29.
Quando falamos das dinâmicas comerciais
que caracterizam a economia local de Urok,
estamos, pois, a falar de três categorias dis-
tintas mas em relação próxima: (i) a expor-
tação dos bens que constituem a base da
economia local (isto é, aqueles que contam
com uma procura no exterior e que são
‘exportados’ em condições de garantir a sua
viabilidade económica); (ii) a importação
de produtos (bens de consumo e insumos
produtivos) a partir do exterior; e (iii) as tro-
cas, monetarizadas ou não, no contexto do
mercado interno. Olhemos para cada uma
destas categorias em maior detalhe.
No que se refere à exportação dos produ-
tos que constituem a base da economia de
Urok, é de assinalar, primeiro que tudo, que
o principal mercado de destino é, de longe,
Bissau. De acordo com a informação quali-
tativa recolhida, a capital nacional polariza
toda a actividade comercial e tem uma im-
portância incomparável à de qualquer outro
espaço (Bubaque, por exemplo). Há evidên-
cia de laços próximos e intensos entre a ilha
de Nago e a Ponta de Biombo, no continen-
te, nomeadamente por parte dos indivíduos
de etnia Papel, mas mesmo estes afirmam
que o destino prioritário dos produtos
no que concerne à comercialização é,
de longe, Bissau.
29 É esta prática que explica os cerca de 40% dos respondentes que referem ter praticado “comércio”nos doze meses anteriores sem que esta actividade tenha constituído a sua principal fonte de rendimento(ver secção 4.1, supra).
49
Ora, o transporte de produtos até à capital
com vista à respectiva venda está associado
a um conjunto diverso de custos significati-
vos que penalizam fortemente os produto-
res locais: o transporte do produto até
ao local de embarque; o preço cobrado
pelo transporte marítimo da mercadoria
e da pessoa; as taxas portuárias à chegada
ao porto de Bissau e, no caso do produto
não ser vendido logo à chegada ao porto
de Bissau, o transporte até ao mercado
(táxi ou candonga) e ainda a taxa devida
pelo direito à ocupação do espaço de ven-
da. Alguns destes custos são independentes
da quantidade vendida (por exemplo,
o bilhete de canoa por cabeça), o que impli-
ca que a não-centralização da exportação
(isto é, o facto de cada indivíduo levar
o seu próprio bidão de óleo de palma
para vender em Bissau, por exemplo,
acarreta uma penalização adicional,
em termos de punção de valor acrescenta-
do, para os produtores locais (Caixa 1).
Caixa 1: Um exemplo: estrutura de custos típica associada ao transporte e venda
em Bissau de um recipiente (“banheira”) com 40kg de sal, por parte de um produtor
da tabanca de Nago.
- Transporte terrestre até ao local de embarque (recipiente 40kg): 500 xof
- Transporte da mercadoria na canoa Nago-Bissau (recipiente 40kg): 500 xof
- Transporte individual Nago-Bissau (por pessoa): 2000 xof
- Taxa das autoridades fiscais no Porto de Pindjiguiti (recipiente 40kg): 1000 xof
- Taxa de ocupação do espaço de venda (por dia x 2 dias): 100 xof x 2
- Total custos directamente associados ao transporte e venda: 4200 xof
- Preço de venda de um recipiente de 40kg de sal no mercado em Bissau:
10000 xof (variável)
- Lucro bruto (havendo ainda que deduzir os custos associados
à produção): 5800 xof
50
O tipo de estrutura de custos atrás referida
aplica-se no caso do óleo de palma, sal,
animais e outras mercadorias ‘exportáveis’
que não sejam compradas ‘na origem’ por
comerciantes grossistas. Já no caso da
castanha de caju, pelo contrário, a escala
e concentração temporal da produção justi-
ficam a deslocação até ao complexo insular
por parte de comerciantes grossistas que
organizam o respectivo escoamento de for-
ma menos fragmentada, embora pratiquem
um preço de compra menos elevado do que
na generalidade do território continental de
modo a compensar o custo do transporte
marítimo30.
No que se refere à importação de produtos
a partir do exterior – a que aliás já nos referi-
mos atrás – são principalmente de sublinhar
os seguintes aspectos: (i) o facto do isola-
mento e insularidade penalizarem fortemen-
te os residentes locais ao nível não só do
preço como do próprio acesso tout court
a muitos produtos oriundos do exterior;
(ii) o facto de existirem fortes disparidades
dentro do próprio espaço insular a este
nível, uma vez que as localidades que têm
boutiques e/ou que são servidas por liga-
ções frequentes ao continente (como Abu
ou Porto Nhominca) se encontram em fran-
ca vantagem face às tabancas mais isoladas
em relação a esta matéria; e (iii) como tam-
bém já referimos, o facto do próprio acesso
aos produtos do exterior ser fortemente
condicionado por um efeito sazonal associa-
do à deslocação até às tabancas dos com-
pradores de caju (frequentemente de etnia
Fula ou nacionalidade libanesa ou maurita-
niana, como sucede no caso da maior parte
da actividade comercial na Guiné-Bissau).
Finalmente, no que diz respeito às trocas
comerciais levadas a cabo ao nível de cada
tabanca ou dentro do complexo de Urok,
é interessante assinalar que o fraco desen-
volvimento do mercado interno (pelos mo-
tivos já referidos) se reflecte na inexistência
de espaços e tempos específicos reservados
à actividade comercial numa escala consi-
derável – mais concretamente, lumos. Pelo
contrário, as actividades de troca que nos
foram reportadas pelos entrevistados têm
tipicamente um carácter meramente inter-
pessoal (por oposição a comunitário)
e não-monetarizado, correspondendo
à troca de um produto do qual o agregado
tem um pequeno excedente momentâneo
ou anual por um outro do qual tem escas-
sez: arroz por peixe; óleo de palma por
arroz; ou peixe por castanha de caju.
É de assinalar que é comum envolver
nestas trocas directas um ou mais produ-
tos que não se destinam necessariamente
ao consumo por parte de quem os adquire,
mas sim à sua posterior revenda (castanha
de caju, óleo de palma, sal, etc.). Em todo
o caso, como já vimos, a prática da troca
directa encontra-se fortemente limitada
30 Note-se que nem todo o óleo de palma é ‘exportado’ de forma independente por pequenos produtores.Alguns comerciantes de Urok compram óleo de palma a diversos produtores a fim de o transportarem para Bissau e aí o venderem em maior quantidade. Porém, ao contrário do que sucede com a castanha do caju, a evidência qualitativa recolhida sugere que a maior parte da produção de óleo de palma que se dirige para o mercadoexterior não é escoada de forma ‘centralizada’.
51
pelo facto de quase todos os agregados
familiares disporem dos mesmos produtos
nas mesmas épocas, pelo que se destina
normalmente a cobrir necessidades momen-
tâneas e imediatas, particularmente ao nível
da obtenção de produtos alimentares que
permitam de alguma forma complementar
e diversificar a dieta. Esta situação resulta
do facto de, dadas as condições do com-
plexo de Urok, os produtores viverem numa
situação de insegurança estrutural, o que
os leva a tomarem as precauções necessá-
rias para que a sua subsistência não depen-
da de terceiros, muito menos do circuito
comercial – procurando produzir tudo aquilo
de que as respectivas unidades familiares
necessitam e apenas trocando ou adquirin-
do esses produtos em casos pontuais.
3.5 Principais constrangimentosà actividade económica
A partir das informações que nos foram
transmitidas no contexto das entrevistas
de inquérito, entrevistas semi-estruturadas
e focus-groups, foi possível proceder
à identificação de cinco problemas princi-
pais que constrangem a actividade econó-
mica em Urok, com efeitos sobre os níveis
de rendimento e pobreza da população.
Alguns dos problemas apontados são
candidatos naturais à implementação
de tentativas de solução no contexto
do Projecto “Urok Osheni!” ou de outros
projectos de desenvolvimento a implemen-
tar na AMPC Urok. Outros, porém, exigiriam
recursos demasiado avultados ou implica-
riam potenciais consequências negativas
que serão de evitar. Em todo o caso, os pro-
blemas a que nos referimos são: a questão
da organização e divisão sociais da produ-
ção; o problema das pragas e doenças;
a utilização de técnicas de menor rendimen-
to e o problema do acesso a ferramentas
e insumos; a questão dos transportes
e acessibilidades internas e externas;
os problemas de coordenação ao nível
do escoamento. Examinemos cada um
destes constrangimentos em maior detalhe.
Organização e divisão sociais da produçãoEm relação a esta matéria, o primeiro
problema reside no facto da pequena
produção independente, quer destinada
ao auto-consumo quer ao mercado,
ser tipicamente pouco conducente
à emergência de dinâmicas de acumulação
(pois há uma disjunção de incentivos em
termos da determinação da quantidade
de trabalho incorporada que não se verifica
quando a acumulação assenta no trabalho
assalariado de terceiros). Por outro lado,
o facto dos níveis de especialização
e de divisão social do trabalho serem muito
reduzidos constitui também uma barreira
substancial à especialização e ao aumento
da produtividade e rendimento. Finalmente,
pode colocar-se a questão de até que ponto
é que instituições socioculturais como
a paga garandesa, que nalguns casos chega
a ser bastante exigente em termos do tribu-
to exigido, constituem um aspecto dissuasor
do empreendedorismo individual.
52
Ora, sendo verdade que, em maior ou menor
grau, todos estes factores constituem de
certa forma constrangimentos ao aumento
da produtividade, ao empreendedorismo
individual e à emergência de dinâmicas de
acumulação (motivo pelo qual são aqui re-
feridos), não é menos certo que constituem
instituições socioeconómicas e aspectos
socioculturais absolutamente centrais entre
os Bijagós, tendo em geral surgido e evolu-
ído precisamente de modo a responder às
características do meio eco-social. A paga
garandesa, por exemplo, pode e deve ser
encarada como um mecanismo de protec-
ção social dos mais velhos – para além de
ser, de acordo com os testemunhos que
recolhemos, uma instituição surpreenden-
temente dinâmica e flexível31. Por tudo isso,
estamos convictos de que os constrangi-
mentos referidos neste ponto devem ser
considerados os ‘parâmetros’ (as regras do
jogo, de certa forma) dentro dos quais de-
verão ser pensadas e implementadas quais-
quer intervenções e não como aspectos
negativos a influenciar ou alterar.
Pragas e doençasEntre os 75 entrevistados incluídos
no inquérito aos agregados familiares,
46 (i.e. mais de 60%) referiram que entre os
“principais problemas enfrentados pela uni-
dade familiar para garantir a sua subsistên-
cia” se encontram as pragas e as doenças
animais. Inclui-se nesta categoria um con-
junto alargado de problemas: invasão dos
campos agrícolas por macacos, vacas
e outros animais; destruição das colheitas
por pombos, gafanhotos, moscas brancas,
etc.; invasão e destruição de galinheiros
por formigas e epizootias características
de vacas, porcos e galinhas.
Trata-se de um conjunto de problemas
que, além de afectarem a larga maioria
da população da AMPC Urok, têm um
impacto negativo directo ao nível das
principais fontes nutricionais e de rendi-
mento (culturas agrícolas) e dos stocks de
riqueza (animais) da população. Contudo,
estamos em crer que existem soluções
técnicas para a maioria destes problemas –
da vacinação dos animais à construção
de vedações mais eficazes, passando pela
utilização de pesticidas biológicos. Esta área
é, por isso, candidata prioritária a ser objec-
to de estudos adicionais e intervenções-pilo-
to, tanto no contexto da formação técnico-
-profissional (ver Capítulo 4, infra) como
no de iniciativas de apoio aos produtores
locais, eventualmente no contexto de uma
estratégia de extensão agrícola mais ampla
que inclua, por exemplo, serviços de apoio
e actividades de formação.
31 Assim, por exemplo, é comum que a um jovem adulto que desempenhe trabalho assalariado para terceiros(exteriores à comunidade Bijagó) seja permitido prestar uma maior parte do tributo associado à paga garandesa sob a forma de bens materiais em vez do desempenho de tarefas, de modo a não comprometer a possibilidadede beneficiar desse emprego. Trata-se apenas de um exemplo, mas na nossa opinião é representativo e sintomático do facto da paga garandesa ser análoga a um imposto comunitário - bastante exigente em certos momentos para certas classes estárias, mas que por si só não elimina completamente a margem de manobra para o empreendedo-rismo individual ou para a emergência de dinâmicas de acumulação.
53
Técnicas, ferramentas e insumosA questão da adopção de novas técnicas
conducentes ao aumento da produtividade
ou à diversificação da produção tem já vin-
do a ser objecto de intervenções no passa-
do no contexto da presença da Tiniguena/
IMVF no território da AMPC Urok, nomea-
damente através do incentivo à constituição
de hortas comunitárias, utilização de varie-
dade de sementes melhoradas, formação ao
nível da produção de sal, etc. Esta aposta
deverá ser mantida e, em nosso ver, poderá
no futuro ter em conta dois aspectos adicio-
nais importantes: em primeiro lugar, o facto
da eventual introdução do recurso à tracção
animal na produção agrícola poder, nalguns
casos, permitir aumentos consideráveis de
produtividade (embora, naturalmente, não
seja isenta de dificuldades); em segundo
lugar, o facto de 24 em 75 respondentes
referir explicitamente a falta de acesso
a ferramentas e insumos específicos como
um dos “principais problemas” com que se
depara a respectiva unidade familiar para
garantir a sua subsistência.
Entre as ferramentas e insumos explicita-
mente nomeados pelos entrevistados como
sendo caracterizados pela impossibilidade
ou dificuldade de acesso, os mais comuns
são os materiais de pesca, as prensas de
óleo (no caso das tabancas onde estas não
existem), as ferramentas agrícolas (como
enxadas e catanas), as fitas para fabrico
de canapés e os recipientes (principalmente
para fabrico e conserva de vinho de caju).
Não foi possível esclarecer até que ponto
é que, em cada um dos casos, estamos
perante situações de total impossibilidade
de aquisição ou acesso local a estas fer-
ramentas/insumos ou, em contrapartida,
situações em que o preço local é demasiado
elevado para se tornar praticável para os
respondentes em questão. Em todo o caso,
não há dúvida de que se trata de necessi-
dades manifestadas como prementes por
uma proporção muito significativa dos
respondentes, havendo certamente espaço
para intervenções a este nível (nomeada-
mente, subsidiando ou garantindo directa-
mente a oferta local nos casos em que esta
seja inexistente). A disponibilização destes
insumos pode ser eventualmente associada
a iniciativas de micro-crédito e direcciona-
da para iniciativas de benefício comunitário
(embora se reconheça que se trata de uma
área de intervenção sem um grande historial
de sucesso no contexto do Arquipélago dos
Bijagós).
Transportes e acessibilidades internase externasNum contexto insular como o da AMPC
Urok, os transportes – especialmente os
transportes marítimos – desempenham
um papel muito importante ao nível da
mitigação dos efeitos da descontinuidade
territorial. Trata-se, porém, de meios extre-
mamente custosos, pouco rentáveis e difí-
ceis de gerir por operadores privados e/ou
associativos, tal como tem sido evidenciado
por diversas experiências implementadas
ao longo dos últimos 30 anos.
54
Ao longo deste período, o sector dos
transportes registou uma série de avanços
e recuos: em tempos, um sistema de trans-
portes públicos nodais serviu Bolama
e Bubaque, sendo a ligação entre estas
duas ilhas e algumas outras ilhas do arqui-
pélago (como a Ilha das Galinhas, Canhaba-
que, Uracane, Uno, Orango Grande e Cara-
vela) assegurada por uma entidade de cariz
associativo. O complexo insular de Urok
encontrava-se excluído deste circuito,
beneficiando apenas das ligações irregula-
res garantidas pelas canoas de pescadores
baseados em Porto Nhominca ou daqueles
que se deslocavam para as zonas de pesca
mais a Sul ou delas regressava.
Nos últimos dez anos, entretanto, regista-
ram-se progressos muito assinaláveis nesta
matéria, nomeadamente em resultado do
trabalho desenvolvido pela Tiniguena/IMVF
ao nível da garantia da viabilização
da ligação Abu-Bissau com maior frequên-
cia do que sucedia anteriormente; igualmen-
te pela possibilidade de ligação e manuten-
ção de um serviço regular de transportes
entre as zonas nodais centrais da APC Urok
e as áreas mais remotas e isoladas. Ainda
assim, o grau de isolamento – e o acréscimo
de custos que lhe está associado – continua
hoje em dia a ser muito considerável, parti-
cularmente no caso das tabancas situadas
a maior distância de Abu e Porto Nhominca.
O problema dos transportes e acessibilida-
des é, assim, um dos que são sentidos de
forma mais aguda pela população da AMPC
Urok, na medida em que além de constituir
um forte constrangimento à actividade eco-
nómica (inflacionando a estrutura de custos
e com isso deprimindo a base económica
local32), exerce também um impacto negati-
vo ainda mais directo sobre as condições de
vida na medida em que limita substancial-
mente o acesso a cuidados de saúde, edu-
cação e outros bens e serviços essenciais.
Até certo ponto, trata-se de um problema
inevitável: as ilhas são, pela sua própria
natureza, espaços caracterizados por algum
isolamento, dificuldade de acesso e, por
essa via, estruturas de custos menos favorá-
veis à partida. No caso da AMPC Urok, aos
custos e dificuldades de ligação ao conti-
nente (Bissau) acrescem as dificuldades de
transporte entre tabancas, particularmente
no que concerne ao escoamento de volu-
mes consideráveis de produtos locais das
tabancas interiores até aos pontos de em-
barque. Para além de serem praticamente
inexistentes os meios de transporte mo-
torizados, a ausência de recurso à tracção
animal implica que toda a mercadoria tenha
de ser transportada recorrendo unicamente
à força humana. Naturalmente, isto, em si
mesmo, é um factor criador de emprego,
através do qual se procede à redistribuição
de parte do valor acrescentado associado
a cada uma das fileiras dos produtores
directos para os carregadores (jovens
residentes). Porém, não se trata de um
simples jogo de soma nula: nalguns casos,
o acréscimo de custos em causa pode ser
suficiente para tornar economicamente
32 Nesse sentido, o problema dos transportes é referido explicitamente por 17 dos 75 inquiridos como sendo um dos principais obstáculos à subsistência.
55
inviável a ‘exportação’ de determinada
produção, caso em que os custos associa-
dos à falta de acessibilidade acabam por
ser determinantes na contracção da base
económica local.
A nosso ver, as opções de intervenção nesta
matéria poderão, eventualmente, passar (i)
pelo estudo da possibilidade de recurso à
tracção animal no transporte de mercado-
rias das tabancas interiores para os pontos
de embarque, possivelmente a par de inicia-
tivas de alargamento e limpeza dos cami-
nhos de modo a que se tornem adequados
para esse fim; (ii) pelo subsídio ou garantia
directa de ligações marítimas inter-ilhas
mais frequentes e regulares, como estímulo
ao desenvolvimento do mercado interno;
e (iii) pelo estudo de eventuais formas
adicionais sustentáveis de expandir ainda
mais a frequência das ligações entre
a AMPC Urok e Bissau.
Problemas de coordenação ao níveldo escoamentoO escoamento da produção da AMPC Urok
para Bissau caracteriza-se por problemas
de coordenação significativos. Não é o caso
no que toca à castanha de caju, cujo es-
coamento é organizado e garantido pelos
compradores grossistas que se deslocam
propositadamente até ao complexo insular
aquando da época da campanha em
Março-Maio. Nalguns casos pontuais,
alguns outros produtos constituem também
excepções parciais, na medida em que cer-
tos comerciantes e proprietários de bouti-
ques procedem à compra local de produ-
tos nas tabancas e posterior transporte e
revenda em Bissau. No decurso do trabalho
de campo, pudemos detectar esse tipo de
arranjos em relação ao óleo de palma (em
Abu e Ancadaque), bem como em relação
às esteiras e canapés (em Acôco).
Na maior parte dos casos, porém, trate-se
de óleo de palma, animais, sal ou outro pro-
duto qualquer (mais uma vez, exceptuando
a castanha de caju), o transporte e revenda
em Bissau é levado a cabo pelo próprio pro-
dutor directo ou algum seu familiar, o que
tem como consequência um enorme acrés-
cimo de custo e um considerável desperdí-
cio de tempo face ao que aconteceria caso
a produção local fosse adquirida ‘na origem’
- ou caso fosse objecto de revenda em mol-
des organizados e cooperativos, de modo
a permitir explorar economias de escala.
Tal como é ilustrado pelo exemplo da Caixa 1
na secção 4.4 (supra), o transporte e venda
de mercadorias em Bissau é caracterizado
pela existência de custos que não depen-
dem da quantidade transportada: ao ser
organizado de forma tão fragmentada,
o escoamento da produção local implica
uma punção substancial de valor acrescen-
tado, podendo com isso tornar essa
mesma produção inviável e desencorajá-la
de todo33.
33 O mesmo problema pode ser identificado em relação aos pequenos comerciantes instalados nas ilhas:a inexistência de “grossistas locais” leva cada comerciante a organizar separadamente todo o seu abastecimento,o que encarece os produtos e, em última instância, limita a capacidade de poupança dos residentes locais que são os consumidores finais dos produtos.
56
Esta questão é, no fundo, um problema de
coordenação. Muitos residentes locais estão
conscientes disso mesmo; porém, não tem
sido possível a emergência de mecanismos
espontâneos que permitam solucioná-lo. Em
nossa opinião, justificar-se-á aqui que a Tini-
guena/IMVF estude a possibilidade de criar
incentivos à emergência de mecanismos
desse tipo – por exemplo, a constituição de
cooperativas de comercialização –, uma vez
que isso permitiria poupanças muito con-
sideráveis ao nível da estrutura de custos
de uma parte considerável dos produtores
locais e, com isso, uma expansão assinalável
da base económica local.
O impacto de eventuais iniciativas deste
tipo poderá, por outro lado, ser potenciado
se estas forem complementadas por um
sistema adaptado de transporte, que articu-
le o interior das ilhas com as áreas portuá-
rias de forma nodal – isto é, de forma a ligar
as tabancas sem canoa ou portos ao porto
principal, onde igualmente deverão conver-
gir as canoas mais pequenas das tabancas
e/ou ilhas que delas dispõem.
57
4. ESTRATÉ-GIAS DE IN-TERVENÇÃO 4.1 Princípios orientadoresdas estratégias de intervenção
As estratégias de intervenção propostas
neste estudo resultam das conclusões da
análise apresentada até aqui. Dentre essas
conclusões, ressaltam particularmente os
factos da agricultura constituir a base princi-
pal da dieta e economia locais e de existir
um défice, ainda que não estimado de forma
rigorosa, ao nível da produção agrícola
alimentar. Por sua vez, isso produz impactos
consideráveis ao nível da segurança alimen-
tar das populações, que se fazem sentir
de forma especialmente aguda no caso
das zonas mais remotas e isoladas, carac-
terizadas por um elevado grau de ‘autar-
cia’ condicionada em relação ao mercado
nacional.
Nesta perspectiva, a intervenção deve
orientar-se de forma estratégica para
o sector primário, nomeadamente para
a agricultura, pecuária, florestas e pesca
(actividades às quais se dedica a vasta
maioria das unidades familiares de produ-
ção), devendo traduzir-se num estímulo
à produção alimentar e na promoção da
segurança alimentar. Uma tal estratégia
é ainda justificada pela forma determinante
como o sector primário contribui para
o crescimento económico.
A prossecução de tais objectivos deverá
assentar numa estratégia múltipla e integra-
da, procurando:
1º. Aumentar e diversificar a produção
alimentar;
2º. Alargar a base de rendimento das famí-
lias locais, de modo a que possam comprar,
em caso de necessidade, não só os exce-
dentes produzidos localmente como produ-
tos importados, garantindo assim o acesso
generalizado aos alimentos em quantidade
e qualidade satisfatórias;
3º. Estimular o consumo local;
4º. Organizar determinadas fileiras específi-
cas com mais potencial de comercialização
e a exportação;
5º. Promover acções de formação e outras
iniciativas de benefício comunitário.
A implementação deste tipo de estratégia
assentaria (1º) no estímulo ao consumo local,
criando condições para a absorção de ex-
cedentes locais; (2º) na criação de reservas
com base na produção local, susceptíveis
de utilização nos períodos mais críticos;
(3º) numa maior coordenação do escoa-
mento dos produtos locais com maior po-
tencial comercial, a par de incentivos à pro-
moção do comércio - embora reconhecendo
que a produção excedentária é ainda muito
fraca e sazonal e que as exportações são
muito irregulares e dependem fortemente
do ritmo das campanhas, nomeadamente
do caju e óleo de palma; (4º) no reforço
progressivo do sistema de transportes
– no interior de cada ilha, entre as diversas
ilhas da AMPC Urok e entre Urok e Bissau,
Biombo e Bubaque.
58
O estímulo ao consumo local, de modo
a criar condições para a absorção de
alguns excedentes locais, pressuporia
não só uma campanha de promoção
dos produtos locais, nomeadamente
através da promoção de formas diversas
de utilização e preparação desses produtos,
como também o desenvolvimento de pólos
de consumo específicos. Entre estes últimos,
poder-se-ão incluir as escolas (através da
substituição de produtos importados por
produtos locais), os professores (como for-
ma de pagamento34), a casa de passagem
da Tiniguena e eventualmente os centros
de saúde.
Um outro objectivo consistiria na criação
de estruturas comunitárias para recolha
e concentração dos excedentes comercia-
lizáveis, a fim de constituir reservas para os
períodos mais críticos. Estas reservas pode-
riam ser geridas sob a forma de bancos de
cereais, embora pudessem realizar também
outro tipo de funções mais abrangentes, tais
como proceder à organização da comercia-
lização e escoamento, ou mesmo à conces-
são de crédito sob a forma de produto.
Igualmente promissora, nesta perspectiva,
poderia ser o estímulo à realização de “lu-
mos” rotativos entre as ilhas ou a organiza-
ção de eventos socio-culturais em Formosa
e em redor da “Casa de Ambiente e Cultu-
ra”, nos quais os produtos de origem local
poderiam ser objecto de promoção e venda.
Estes eventos de carácter comunitário não
visariam substituir as estruturas já existen-
tes de comércio privado, mas promoveriam
uma dinâmica interna adicional susceptível
de estimular a produção e, até certo ponto,
especialização, de modo a alargar o mer-
cado e proporcionar maior segurança aos
produtores locais.
A adopção de uma tal estratégia mais
abrangente não excluiria a possibilidade
de implementação de iniciativas específicas
direccionadas para fileiras específicas,
em função da respectiva importância,
potencial económico ou, ainda, da possibili-
dade de comercialização enquanto “produ-
tos-emblema” da AMPC Urok. Tal como
veremos mais adiante, dentre os produtos
com maior importância e potencial eco-
nómicos são de salientar os produtos do
palmar (especialmente o óleo de palma),
os produtos do caju e os produtos da pesca.
Entre os produtos susceptíveis de se cons-
tituírem como “produtos-emblema”, desta-
cam-se o artesanato, a malagueta brava
e o sal.
34 Nalgumas situações, as contribuições das famílias dos alunos para o funcionamento das respectivas escolassão já feitas sob a forma de produto.
59
4.2 Apoio a fileiras produtivasestratégicas
4.2.1 Apoio geral ao desenvolvimentoe diversificação da produção agrícolaO incentivo e promoção da produção
agrícola alimentar deve constituir a base
da estratégia de intervenção. Tal é justifi-
cado pelos factos da população ser na sua
maioria constituída por produtores agríco-
las, cuja primeira preocupação consiste em
satisfazer de forma adequada as necessi-
dades alimentares dos respectivos agrega-
dos familiares; igualmente uma parte muito
substancial dos rendimentos das famílias
se destinar à aquisição de alimentos e ainda
dos investimentos nas fileiras de produção
agrícola alimentar possuírem, no contexto
guineense, especial potencial de promoção
do crescimento económico.
A introdução de novas culturas (milho, bata-
ta, fruta-pão, etc.), de inovações agro-técni-
cas e/ou de certos factores de intensificação
(irrigação, material vegetal mais produtivo,
adubação orgânica, formas de tratamento
fitossanitários adaptados e pequena me-
canização) poderiam proporcionar ganhos
importantes em termos de rendimento35.
Tal processo pressuporia a criação de uma
estrutura específica de apoio, vocacionada
para o desenvolvimento do mundo rural,
cuja missão consistiria em promover
o desenvolvimento da actividade agrícola
e apoiar as estruturas comunitárias nas
diversas tabancas e ilhas.
Uma tal estrutura permitiria um envolvimen-
to mais sistemático e consequente ao nível
da produção e da dinâmica das tabancas,
visando melhorar a qualidade e quantidade
dos recursos afectos ao desenvolvimento
da agricultura e do mundo rural em geral
e traduzindo, por outro lado, o alargamento
de competências das actuais estruturas
de gestão da AMPC Urok. Um processo
alternativo, mas de menor envergadura,
poderia assentar em moldes semelhantes
aos que foram já adoptados no domínio
da educação – a implementação de uma
parceria mediante a qual o ministério da
tutela disponibiliza a estrutura técnica
necessária, que é depois enquadrada
e acompanhada pelas estruturas
de gestão da AMPC Urok.
35 Previamente à implementação de quaisquer iniciativas e projectos concretos com estes objectivos, é fundamental que a equipa do Projecto proceda a um exercício de identificação dos respectivos impactos diferenciais em temosde género. No contexto de Urok como em muitos outros, a generalidade das actividades de reprodução social dos agregados familiares, bem como uma parte substancial das actividades de carácter produtivo, recaem já sobreas mulheres – e são muitos os exemplos de iniciativas locais de promoção do desenvolvimento implementadasnoutros contextos que, inadvertidamente, tiveram como consequência um acréscimo da quantidade de trabalhoque recai sobre a população feminina. A realização, pela própria equipa do Projecto “Urok Osheni!”, destes exercícios de identificação destes impactos deverá ter como objectivo garantir a repartição equitativa, entre as populaçõesmasculina e feminina, do esforço e benefícios associados aos projectos e iniciativas. Aliás, a realização desse tipode exercício de reflexão e identificação de impactos diferenciais, preferencialmente de forma estruturada, é umaprática que poderá ser adoptada com vantagem no contexto da generalidade das estratégias de intervenção(de carácter agrário ou não).
60
4.2.2 Apoio ao desenvolvimentode fileiras estratégicas do sectoragrícola e das pescas As conclusões resultantes da análise dos
dados qualitativos e quantitativos recolhidos
permitiram identificar um conjunto de filei-
ras com especial importância e/ou potencial
no que se refere à produção e comerciali-
zação no exterior: criação de animais, caju,
óleo de palma, pesca, artesanato e comér-
cio. Rodrigues e Pulga (2006) apresentam
uma análise da viabilidade económica
de alguns destes produtos, a qual comple-
menta a discussão dos constrangimentos
à economia local contida no ponto 3.5
do presente estudo.
Os próximos parágrafos apresentam alguns
elementos adicionais relevantes para a dis-
cussão do interesse de iniciativas específicas
de apoio à produção e comercialização em
cada uma das fileiras. Note-se, porém, que
a eventual implementação de iniciativas
desse tipo deverá ser antecedida pela rea-
lização de estudos mais específicos adicio-
nais, que incidam, nomeadamente, sobre
as características e preços de produtos
análogos em diversos mercados, de modo
a permitir direccionar melhor a oferta
e assim aumentar o rendimento associado
a cada um destes produtos.
Produção animalO desenvolvimento da produção animal
tem uma importância estratégica, porquanto
representa para a maioria das famílias
a principal forma de conservar os rendimen-
tos provenientes de outras actividades sob
a forma de um património convertível em
dinheiro em caso de necessidade. Trata-se
de uma forma de património que tem ainda
a possibilidade de se reproduzir, embora,
em contrapartida, seja vulnerável a doenças
e epizootias. A extrapolação dos dados do
inquérito aos agregados familiares realizado
no âmbito deste estudo revela que o univer-
so de animais de criação é bastante nume-
roso, estando esta prática disseminada por
praticamente todas as famílias. Ainda assim,
seria importante levar a cabo um inventário
mais detalhado de modo a determinar os
efectivos existentes e a respectiva distribui-
ção geográfica.
Eventuais acções pertinentes neste domínio
poderão incluir o fomento das fileiras de
animais de ciclo curto (avícolas, caprinos
e porcinos), a introdução de raças melhora-
das (mais adaptadas às condições das ilhas)
e a melhoria das técnicas de criação
e da sanidade animal, nomeadamente atra-
vés da realização de campanhas contra as
principais doenças e epizootias que afectam
a população animal local. Por outro lado,
a torta do caju, do palmiste36 e os restos
da transformação dos demais produtos
agrícolas poderão ser utilizados para a me-
lhoria das rações, sobretudo na época seca.
Para os herbívoros em particular, a introdu-
ção de variedades forrageiras poderá me-
lhorar a qualidade das pastagens.
36 Restos vegetais do caju depois da extracção do sumo/vinho, bem como restos vegetais das bagas das palmeiras de chabéu depois da extracção do óleo.
61
Na ausência de dados estatísticos, é difícil
estimar o número de animais que é exporta-
do a partir de Urok. Porém, os dados reco-
lhidos através das entrevistas mostram que
estes são regularmente objecto de compra
e venda, tanto a nível local como noutros
mercados no exterior de Urok. Poderá ser
interessante incentivar a comercialização
regular de gado a nível local, bem como a
sua exportação para os principais centros
de consumo, sobretudo nas alturas festivas
em que a procura é maior (Carnaval, Na-
tal, Páscoa, etc.). Localmente, a sua venda
poderá ser organizada em articulação com
o funcionamento das cantinas escolares e,
eventualmente, de alguns estabelecimentos
turísticos da região. Porém, tal como referi-
do anteriormente em relação aos produtos
comercializáveis de Formosa, é pertinente
que se organize o seu escoamento e trans-
porte de forma a ter impactos positivos
na estrutura de custos, sobretudo quando
a exportação é direccionada para Bissau,
onde a concorrência é muito maior, com
produtos idênticos vindos de outras regiões
do país e do Senegal. Uma outra alternativa
seriam os “lumos” da zona de Biombo, Caió
e Canchungo, onde a procura é significativa
e os preços praticados são um pouco mais
elevados do que em a Bissau.
Numa perspectiva de comercialização,
poderá ser interessante seleccionar, numa
primeira fase, um grupo de produtores
locais em cada ilha, que seriam apoiados de
modo a promover a melhoria desta fileira de
forma experimental - procedendo à compra
local de animais, ao seu transporte organi-
zado e em escala para Bissau e à sua venda
na capital. No inicio e caso se opte por esta
modalidade de intervenção, estes grupos
carecerão de apoios significativos de modo
a colmatar as suas limitações financeiras e
as insuficiências ao nível da gestão e conta-
bilidade.
Apoio à transformação dos produtosdo cajuO Cajueiro (Anacardium sp., planta originá-
ria do Brasil) foi introduzido pelos portu-
gueses no território da Guiné-Bissau através
das Granjas de Estado - com o objectivo de
substituir a cultura da mancarra em solos
degradados por esta e como cultura de
exportação. Algumas ilhas do complexo
dispunham destas Granjas de Estado, mas
desconhece-se a área actual ocupada pelas
plantações de caju, apesar de se verificar
actualmente uma expansão progressiva em
virtude desta ser uma das principais culturas
de exportação da Guiné-Bissau.
No interior da AMPC, tal como a nível na-
cional, o caju desempenha um papel muito
importante para a grande maioria das uni-
dades familiares de produção, registando-se
uma tendência para o aumento da superfície
ocupada pelos cajueiros, em detrimento das
zonas de pousio e das florestas naturais.
Estima-se que, a nível nacional, a dimensão
média das parcelas ocupadas por cajueiros
é de 1,8 e 15 ha, respectivamente, para as
pequenas unidades de familiares de pro-
dução e para os ponteiros37 (PNIA, 2011).
37 De “ponta”, grande propriedade agrícola.
62
Consequentemente, esta cultura exerce um
impacto muito disseminado ao nível das es-
tratégias de sobrevivência das famílias, que
vêem nos produtos produzidos não tanto
um alimento como sobretudo uma fonte
de rendimento e uma forma de adquirir,
por troca directa ou indirecta, arroz.
Os cajueiros produzem principalmente
dois produtos: a maçã do caju (que é um
falso fruto e resulta do engrossamento
do pedúnculo que prende a semente
aos ramos da árvore) e o fruto propriamente
dito, a “castanha do caju38”, que no mercado
tem, actualmente, maior importância como
produto de exportação. Quando seca, é de
fácil conservação e transporte. A importân-
cia da castanha deriva da amêndoa (que é
a semente) que se extrai do seu interior:
quando transformada, pode ser consumida
e tem elevado valor nutricional (proteínas,
óleos e hidratos de carbono).
A quase totalidade da castanha de caju
é exportada através da acção dos produ-
tores que a transportam para os principais
centros onde a vendem não só aos comer-
ciantes locais, mas também aos comercian-
tes em campanha na região ou até mesmo
em Bissau. O nível dos preços varia ao longo
da campanha em função da oferta e procura
e da evolução dos preços no mercado inter-
nacional. Em Urok, tal como nas outras ilhas
do Arquipélago, o preço de compra
é geralmente 50 a 100 francos mais baixo
do que os preços praticados nos centros
do continente.
O caju é um produto que tem mercado
garantido, quer seja natural quer transfor-
mado. Porém, o produto transformado
poderá ter vantagens em termos de trans-
porte e rendimento, o que poderá trazer
benefícios adicionais aos produtores de
Urok. É difícil estimar o volume de negócios
que essa actividade poderá gerar, mas
a eventual opção pela implementação
de actividades de apoio à transformação
do caju deverá organizar-se em torno
de três eixos:
1º. Diminuição da pressão do caju sobre
as florestas naturais;
2º. Aumento do rendimento das famílias;
3º. Criação progressiva de capacidade
autónoma de transformação.
Uma tal eventual iniciativa poderá benefi-
ciar (1) da existência de uma dinâmica de
transformação socio-produtiva iniciada pela
Tiniguena no seio de diversos grupos de
produtores locais, que poderá ser direccio-
nada para o desenvolvimento desta fileira;
(2) da forte procura existente nos diferentes
segmentos de mercado para este produto;
(3) do facto de proporcionar uma alterna-
tiva face aos baixos preços praticados nas
ilhas no caso da castanha não transformada;
(4) do facto da matéria-prima ser facilmente
acessível, podendo estar disponível durante
todo o ano uma vez bem armazenada,
e da sua transformação poder mobilizar
a mão-de-obra excedentária ao longo
de todo o ano.
38 Um aquênio reniforme.
63
Porém, uma iniciativa deste tipo teria como
obstáculo o facto do processo de transfor-
mação ser bastante exigente em termos
de tempo e qualidade da mão-de-obra,
uma vez que o valor comercial da castanha
é muito superior se esta estiver inteira
- o que exige igualmente algum investimen-
to em equipamento. Dada a concorrência
vigente no mercado de Bissau, onde
a oferta destes produtos é já muito elevada,
a sua venda poderá ser efectuada na base
de parcerias com alguns hotéis da região
e através da oferta de uma gama mais varia-
da e diferenciada de produtos (caju salgado,
com um pouco de pimenta, misturado com
amendoim, etc.), o que poderá aumentar
a sua capacidade de escoamento junto
dos centros turísticos da região.
Por sua vez, a maçã do caju é consumida
fresca, enquanto o seu sumo é consumido
tanto ao natural como fermentado em
“vinho de caju”, por ser rico em açúcares,
vitaminas e sais minerais. Tradicionalmente,
o vinho é também transformado em aguar-
dentes, comummente designadas por
“n’sum-sum”.
Óleo de palma O palmar natural denso e pouco denso
cobre respectivamente 41% e 4% da su-
perfície terrestre do complexo das Ilhas de
Urok (cobrindo um total de cerca de 9.000
ha). Estas formações são dominadas pela
palmeira-de-óleo (Elaeis guineensis), planta
a partir do qual se fazem produtos como
o chabéu, óleo de palma, óleo de palmis-
te (coconote)39, vinho de palma, cibes de
palmeira, corda de palmeira, vassouras, etc.
A palmiste foi no passado um importante
produto de exportação da Guiné-Bissau.
Na primeira metade do século XX, o po-
tencial de produção de óleo de palma nos
Bijagós levou à instalação de uma fábrica,
primeiro na Ilha de Soga e depois em Bu-
baque. As superfícies acima mencionadas
apontam para um grande potencial de
produção de óleo de palma, mas este
potencial pode ser negativamente afectado
pelo ritmo das queimadas no quadro
do ciclo do “n’pam-pam”.
O chabéu e ambos os óleos são utilizados
na alimentação, para confecção de alguns
pratos tradicionais. Ambos os óleos são
também utilizados na indústria, servindo
de base à produção de sabão, sabonetes,
detergentes cosméticos, graxas e lubrifican-
tes. Devido à sua consistência o óleo
de palma pode ser ainda utilizado na fabri-
cação de margarina, manteiga vegetal
e confeitaria. As fibras resultantes da extrac-
ção do óleo de palma podem ser utilizadas
como combustível e a “torta” resultante da
extracção do óleo de palmiste por métodos
modernos pode ser ainda utilizada como
ingrediente em rações animais. Nalguns
países, o óleo de palma é ainda utilizado
como agrocombustível.
39 A amêndoa ou caroço das bagas da palmeira.
64
O óleo de palma é um dos principais pro-
dutos de exportação do complexo de Urok.
Devido à disponibilidade de fruta madura e
de mão-de-obra, a produção concentra-se
na estação seca. O processo de transforma-
ção é feito manualmente, utilizando méto-
dos tradicionais que se encontram descritos
em Leitão (2006). Salienta-se que, neste
processo de transformação, há dois elemen-
tos que comprometem a qualidade do pro-
duto: o facto do chabéu não ser esterilizado
e de, em geral, ser enterrado e/ou colocado
em tambores após a debulha, o que provoca
a sua fermentação, levando inclusive à for-
mação de fungos e ácidos gordos livres que
afectam a cor, o sabor, a acidez e a consis-
tência do óleo produzido.
O óleo de palmiste, tendo em conta a quan-
tidade e a qualidade da produção, poderá
ser direccionado principalmente para
o consumo local, como substituto dos
óleos vegetais importados. Porém, deve ser
procurada uma alternativa de valorização
do palmiste, pois em geral o caroço da pal-
meira é rejeitado após a primeira extração
do chabéu, originando perdas consideráveis
de recursos.
Em termos de impacto sobre o rendimento
monetário das unidades familiares, o óleo
de palma é, logo a seguir ao caju, o produ-
to que tem maior importância no contexto
da produção local. Tendo isso em conta,
consideramos pertinente apoiar o desenvol-
vimento desta fileira de duas formas distin-
tas: por um lado, com base em melhorias
pontuais da produção em massa, por exem-
plo através da introdução de métodos de
produção semelhantes aos adoptados em
Cantanhez, de modo a diferenciar o produto
da concorrência; por outro lado, com base
na selecção de dois ou três pequenos agru-
pamentos de produtores aos quais seriam
proporcionados equipamentos melhorados
(caldeiras, digestores, prensas, melhor con-
dicionamento, etc.), a fim de produzir um
produto de melhor qualidade destinado
a um segmento mais exigente em termos de
qualidade – como o “mercado da saudade”
dos emigrantes guineenses.
Esta última alternativa poderá permitir,
a prazo, o desenvolvimento do óleo
de palma como produto-marca ou
produto-emblema, dada a associação
entre o arquipélago e a população Bijagós
a este produto específico. Isso exigiria
naturalmente maiores investimentos
financeiros, em formação, enquadramento
e seguimento. Como parceiros potenciais,
poder-se-ia apostar nas lojas do aeroporto
e nalguns alguns restaurantes especializa-
dos na gastronomia tradicional. Apesar de
existir já alguma concorrência a este nível,
um eventual aspecto diferenciador adicional
poderia passar pela comercialização deste
produto em embalagens maleáveis e fáceis
de transportar, particularmente para
o “mercado da saudade”.
Um outro produto susceptível de aceitação
no mercado é o chabéu semi-transformado
(que foi cozido e ao qual foram retiradas
as fibras ou bagaço e as sementes), pronto
para a confecção do caldo de chabéu.
65
Para além dos aspectos já citados, este
produto exigiria o desenvolvimento de uma
cadeia para a sua conservação a frio até à
compra pelo consumidor final – neste caso
poderia ser empacotado em embalagens de
plástico, o que, não sendo ideal, é apesar de
tudo menos oneroso do que a opção por
embalagens de lata.
Por outro lado, julgamos que a melhoria
e desenvolvimento desta fileira poderia
começar por assentar na melhoria do orde-
namento agro-técnico das zonas de produ-
ção - preservando estas zonas do ciclo das
queimadas de modo a evitar o envelheci-
mento rápido e a diminuição da produção,
o que poderia até ser incentivado através
da introdução de técnicas agro-florestais
específicas.
Por sua vez, a introdução de técnicas de
transformação em pólos produtivos e cen-
tralizados poderia assentar: i) na introdução
de fogões melhorados e caldeiras de pres-
são (para facilitar a cozedura de grandes
quantidades de produtos), para segmentos
de mercado mais exigentes; ii) na introdu-
ção de melhorias pontuais ao nível da pro-
dução em massa por parte dos produtores
de Urok, com base nos métodos adoptados
em Cantanhez (com recurso a prensas) e
com o objectivo de reforçar a capacidade
concorrencial do produto no mercado na-
cional e sub-regional.
A primeira variante poderá envolver
a introdução de uma unidade experimental
por ilha. Já no contexto da segunda
variante, parte do processo de extracção
das fibras (bagaço do chabéu), bem como
a separação do caroço, poderiam ser efectu-
adas à mão através do pilão, enquanto que
a extracção do óleo poderia ser efectuada
com o auxílio de prensas, aumentando assim
consideravelmente o nível de produção em
relação à transformação exclusivamente ma-
nual. Idealmente, toda a produção deveria
ser cozida, contrariamente ao que até aqui
é prática comum. Para qualquer uma destas
duas variantes de melhoria e exportação de
produtos do palmar, a intervenção deverá
incidir ao nível da produção propriamente
dita, dos canais de distribuição e da comer-
cialização, reforçando a capacidade organi-
zacional dos produtores e, em especial, dos
agrupamentos já existentes.
Produtos do marA pesca pode ter igualmente um papel im-
portante na expansão da base de rendimen-
to das famílias de Urok. Em todas as famílias
há quem saiba pescar com a rede de lance,
mas apenas um número muito reduzido
de pescadores dispõe de equipamento
de pesca40, enquanto outros trabalham,
em diferentes modalidades41, para proprietá-
rios de canoas e/ou para pescadores Nho-
minca. O problema do acesso a materiais
e equipamentos de pesca, meios financeiros
e enquadramento foi referido com bastante
frequência pelos residentes locais aquando
das entrevistas no terreno.
40 À excepção da rede de lance, que encontra-se muito bem expandida em Urok.
41 Alguns ficam com uma parte da produção e outros trabalham como assalariados.
66
São diversas as questões que se colocam
no contexto do desenvolvimento da activi-
dade piscatória, a saber: (1) que técnicas
e artes devem ser permitidas, até que nível
deve ser incrementado o esforço de pesca
e como de que forma deve esta ser articula-
da com os objectivos de conservação
da AMPC; (2) como fomentar o desenvolvi-
mento da actividade piscatória de forma
a encorajar e promover os pescadores
locais sem incentivar a vinda de pescadores
não residentes e estrangeiros.
A eventual criação de centros de pesca
(tal como os existentes em Uracane e Buba-
que), por exemplo, pode implicar algumas
consequências socioeconómicas negativas,
além de implicar responsabilidades de ges-
tão acrescidas para a AMPC. Tratando-se
de um sector com grande potencial para
o crescimento da economia local, o seu
desenvolvimento deve ser articulado com
os objectivos de conservação da AMPC,
sendo eventualmente necessário proceder
a uma reestruturação do sector.
Um outro aspecto saliente deste sector
é a existência de excedentes irregulares,
que não encontram mercado ao nível local
e que poderiam ser alvo de transformação
em produtos como o peixe seco ou fumado,
a escalada ou eventualmente o bacalhau.
Alguns produtores locais dominam já estes
processos de transformação e alguns destes
produtos contam com uma procura con-
siderável tanto a nível local como fora de
Urok. O desenvolvimento desta actividade
de transformação poderia, por um lado,
proporcionar uma alternativa para pescado-
res locais desprovidos de grandes meios
de pesca e, por outro lado, alargar a base
de rendimento das famílias.
O desenvolvimento desta fileira deverá
requerer enquadramento adequado, apoios
financeiros iniciais, garantias de acesso
à matéria-prima e disponibilização de algum
equipamento. Deverá deparar-se, ao nível do
mercado, com o mesmo tipo de problemas
com que se deparam as outras fileiras atrás
referidas, mas o reforço organizacional dos
produtores que se dedicam à transformação
de pescado poderia facilitar consideravel-
mente a organização do escoamento dos
produtos para o mercado exterior, onde
a concorrência é considerável. Por outro
lado, o estabelecimento de parcerias com
intermediários grossistas poderia trazer van-
tagens consideráveis. Há que salientar que
o bacalhau tem um mercado bem estabe-
lecido - uma vez que a produção não con-
segue cobrir a procura nacional - e, consi-
derando o nível actual dos preços, poderá
ser muito rentável para os produtores locais.
Todos estes produtos não constituiriam pro-
priamente produtos-emblema de Urok,
mas poderiam ser promovidos por forma
a alargar a base de rendimento das unida-
des familiares.
A ostricultura é outra das fileiras que têm
vindo a adquirir uma certa dinâmica entre
a população da AMPC Urok, sendo a técnica
de produção muito bem dominada pelos
produtores locais (embora se desconheça
o volume da produção actual). A eventual
67
disseminação adicional desta técnica, por
exemplo entre a comunidade Papel, poderia
permitir aliviar em certa medida a pressão
sobre as áreas de produção natural.
A procura local é menos expressiva entre
a população Bijagó, muito mais voltada
para a exploração do combé, do que entre
a população Papel. Coloca-se, por outro
lado, a questão da finalidade da produção:
se o fim for estritamente comercial, isso
poderá ter impactos sobre a comercializa-
ção de outros moluscos como o referido
combé, até aqui tradicionalmente interdita-
do de comercialização. Uma alternativa de
comercialização local poderia passar pela
articulação das vendas com a “casa
de passagem”.
É de assinalar que a ostra, tanto fresca
como transformada, conta com uma grande
procura ao nível regional e nacional.
Na região, a procura de ostras frescas está
principalmente relacionada com a dinâmica
dos centros turísticos, em especial na Ilha
de Bubaque. Porém, devido aos problemas
de transporte, o mercado de Bubaque
é pouco acessível aos produtos de Urok.
Os transportes estão mais virados para
Bissau e Biombo - mercados onde as ostras
podem ser colocadas a fresco ou transfor-
madas, embora a concorrência seja
aí considerável. Cozida e seca - ou cozida,
fumada e empacotada -, pode igualmente
constituir um produto para o mercado da
saudade, caso a oferta possa ser efectuada
ao nível do aeroporto de Bissau. De uma
forma geral, caso se considere promover
o desenvolvimento com objectivo comercial,
poderá ser necessário estruturar melhor
a fileira, sobretudo em termos da organiza-
ção da produção, da comercialização e da
salvaguarda dos impactos ambientais, disse-
minando os métodos tradicionais de recolha
que preservam o tarrafe (mangal).
4.2.3 Produtos-emblema de UrokPor produtos-emblema ou produtos-marca
de Urok, referimo-nos aos produtos suscep-
tíveis de representar uma identidade espe-
cífica associada a Urok. Assumem especial
relevância e potencial o sal, a malagueta e
o artesanato. Nalguns destes casos, têm já
vindo a ser implementadas iniciativas no
sentido do fomento da respectiva produção
e comercialização, nomeadamente por parte
da Tiniguena/IMVF, com o objectivo de que
estes possam assumir-se como produtos
de qualidade, fortemente associados a um
conjunto de conotações positivas relaciona-
das com Urok, entre as quais se destacam
a preservação e diversidade ecológicas
e o património cultural.
SalDado o elevado preço praticado para este
produto em Urok, justifica-se uma interven-
ção no sentido de aumentar a produção
com destino ao mercado local - não só a fim
de expandir a base de rendimento dos pro-
dutores, como também de modo a estimular
a redução do preço para níveis mais facil-
mente comportáveis pelos consumidores
locais. Nesta perspectiva, o método de pro-
dução do “sal solar”, mais ecológico e com
melhor qualidade do produto, poderá ser
objecto de vulgarização em todas as ilhas
68
da AMPC Urok de modo a substituir a pro-
dução por fervura - que além de consumir
lenha42 produz um sal sem iodo. Este méto-
do encontra-se descrito em Leitão (2006).
A intenção de uma intervenção nesta área
poderá passar pela estruturação da fileira de
modo a satisfazer a procura local, mas tam-
bém de modo a transformá-lo num produto-
-emblema de Urok. A primeira finalidade
poderá ser promovida em articulação com
as unidades de transformação do pescado
e as cantinas escolares, ao nível local, o que
poderá absorver uma parte da produção.
Uma tal iniciativa requereria a realização de
actividades de enquadramento e seguimen-
to, mas também algum investimento em
instalações e equipamentos, sobretudo ao
nível da pesagem, embalagem e rotulagem
do sal, bem como um trabalho de promoção
do produto em Bissau e Bubaque, sobretu-
do em estabelecimentos comerciais, hotéis
e restaurantes. O estudo de viabilidade
realizado por Rodrigues e Pulga (2006)
revela que este produto, caso adquira
melhor qualidade através desta forma de
produção alternativa, poderá competir no
mercado de Bissau com os produtos simila-
res importados da sub-região e da Europa,
seus potenciais concorrentes. O facto de ser
comercializado em associação à “marca”
de Urok poderá constituir uma atracção
suplementar. Note-se, entretanto que
o facto da produção só poder ser efectuada
na estação seca constitui um factor cons-
trangedor da produção, embora o resto do
processo de produção (embalagem, rotula-
gem e comercialização) possa estender-se
também à época das chuvas.
MalaguetaA malagueta de Urok é conhecida como
uma das mais picantes da Guiné-Bissau,
embora não tenham ainda sido realizados
estudos com vista a averiguar isso mesmo.
Trata-se de uma malagueta que, não sendo
muito consumida localmente, o é a nível
nacional, onde é fortemente associada aos
Bijagós e apreciada como condimento na
confeção de diferentes pratos tradicionais.
Actualmente, este produto é recolhido junto
de diferentes produtoras de Urok, sendo
debulhado, limpo, embalado e vendido,
nomeadamente no Espaço da Terra43,
acondicionado em sacos de plástico.
É um produto com bastante procura
e aceitação no mercado, que poderia
ser alargado aos supermercados e aos
restaurantes de Bissau - a sua produção
poderia ser igualmente alargada a um
maior número de produtores. O uso local
poderia ser estimulado através da produção
de escalada a moda antiga (com malagueta)
e eventualmente da produção de conservas
com base na horticultura local. Os volumes
actualmente exportados para o mercado de
Bissau não são consideráveis, uma vez que
se trata de um produto direccionado para
segmentos de consumidores específicos,
caracterizados por uma certa fidelidade
42 Estima-se que para produzir 1 kg de sal sejam necessários cerca de 3 kg de lenha.
43 Loja de comércio eco e solidário onde são vendidos produtos guineenses produzidos por várias iniciativas locais da ONG Tiniguena e de organizações parceiras. Situa-se no Bairro de Belém, em Bissau.
69
aos produtos originais e típicos do país.
Porém, a sua produção poderia ser mas-
sificada, uma vez que existe uma procura
nacional e sub-regional muito grande que
é manifestada em diferentes mercados.
Produção artística e artesanatoO artesanato local é muito diversificado
e indissociável das manifestações culturais
e religiosas da população Bijagó (cerimó-
nias, danças, ritos, etc.), bem como
de certos usos tradicionais. São especial-
mente de salientar:
- Os trajes femininos, constituídos essencial-
mente por diferentes tipos de saias produzi-
das a partir da casca de troncos e ramos
de inúmeras espécies de árvores;
- Máscaras e adornos talhados em madeira,
pintados com cores vivas e utilizados nas
danças dos diferentes grupos de idade
e noutros ritos sagrados;
- Estatuetas representando não só as dife-
rentes figuras da sociedade Bijagó, como
igualmente os diferentes irãs e cópias
de objectos diversos (barco, avião, canoa
Bijagó antiga, etc.), que atestam a capacida-
de criativa dos artistas Bijagós;
- Artesanato muito diversificado com base
em madeiras (balaio, pratos, colheres, pen-
tes, etc.), fibras vegetais (cassinque, esteiras,
canapé, “sangra”, “corda de sibi”) e couro
(tambores, couro utilizado nas cerimonias,
etc.);
- Pinturas (originalmente, murais) muito
ricas em representações do imaginário
Bijagó, do ambiente natural e especialmen-
te de animais, na qual são utilizadas tintas
produzidas localmente.
Alguns produtos artísticos e do artesana-
to, como máscaras, estatuetas, canapés
de diferentes tamanhos e cassinque, já são
recolhidos junto de alguns produtores de
Urok e comercializados com o apoio da
Tiniguena. Porém, alguns destes produtos
têm problemas de acabamento e a recolha
dos mesmos não é automática, pois depen-
de fortemente da procura que, em certos
casos, é ainda reduzida em relação à oferta.
O apoio ao aperfeiçoamento artístico,
sobretudo ao nível dos acabamentos, atra-
vés da aquisição e capacitação no uso de
equipamentos modernos e mais aperfei-
çoados, poderia melhorar a qualidade da
produção. A pintura, por exemplo, poderia
ser comercializada caso pudesse ser feita
em suportes móveis, isto é em telas ou em
quadros de madeira, suportes que não são
normalmente utilizados pelos artistas pin-
tores Bijagós. Da mesma forma, a promo-
ção através de exposições articuladas com
eventos culturais (teatro, danças, eventos
musicais, etc.) direccionados para a promo-
ção da cultura Bijagó, poderá contribuir para
alargar a capacidade de absorção da arte
e do artesanato Bijagó por parte de certos
segmentos de mercado. Uma outra alter-
nativa de alargamento do mercado destes
produtos poderia assentar em acordos de
fornecimento com algumas unidades turísti-
cas que procedam à venda de souvenirs.
Um outro factor não menos importante
é a reprodução desta capacidade de
criação, pois nalgumas fileiras artesanais
o conhecimento sobre a técnica de produ-
ção tem vindo a perder-se. Por exemplo,
70
já quase não existem ferreiros nas tabancas
Bijagós. Pode ser de considerar a possibili-
dade de promover o ensino de algumas das
técnicas que estão na base destas activida-
des de produção artística no contexto das
escolas, de modo a assegurar a preservação
e continuidade deste legado cultural ao nivel
das gerações mais jovens.
4.2.4 Outros produtosPara além dos produtos já referidos, foram
identificados alguns outros que parecem
apresentar um potencial considerável para
se assumirem como produtos-emblema
de Urok, mas que carecem de análise mais
aprofundada. É o caso do mel, do “site
malgós”, do sabão e da mancarra-Bijagó,
que são produzidos localmente mas ainda
em pouca quantidade e através de técnicas
rudimentares, que carecem de melhorias
consideráveis. Estes produtos são utilizados
de forma quase exclusiva pelas famílias que
as produzem, não tendo grande expressão
no mercado local.
A mancarra-Bijagó – em virtude da sua
designação e da sua área de produção,
que consiste essencialmente no Arquipélago
dos Bijagós – poderia a tornar-se um pro-
duto-marca especialmente interessante para
a região Bolama-Bijagós. Porém, este produ-
to encontra-se num processo de desapareci-
mento progressivo, correndo-se o risco
de que, a concretizar-se, esse desapareci-
mento implique uma perda significativa
não só do ponto de vista genético, como
também no que se refere ao conjunto de
elementos e aspectos socioculturais que
estão ligados a este produto, que é muito
utilizado em cerimónias.
4.3 Formação técnico-profissional
Enquanto estratégia de intervenção no
contexto de iniciativas de desenvolvimento,
a formação técnico-profissional visa, tipica-
mente, dois tipos de objectivos: (i) capacitar
os indivíduos de modo a que a sua activida-
de produtiva independente possa ser mais
diversificada e/ou alcançar um rendimento
mais elevado; e/ou (ii) dotar os indivídu-
os de competências que os tornem mais
empregáveis ou susceptíveis de prestarem
serviços para os quais exista, ou venha a ser
criada, uma procura.
Como é facilmente depreensível, o objectivo
(ii) depende, em grande medida, do grau de
desenvolvimento dos mercados locais de
trabalho e de serviços. Ora, num contexto
como o da AMPC Urok, onde esses mer-
cados apresentam um grau de desenvolvi-
mento apenas incipiente, é especialmente
importante que as apostas na formação téc-
nico-profissional incidam sobre áreas temá-
ticas em relação às quais haja um elevado
grau de certeza: (i) que permitirão introduzir
novas práticas ou técnicas que melhorem
directamente a produção independente;
(ii) que permitirão satisfazer procuras efec-
tivamente existentes (e que se fazem acom-
panhar por capacidade e disponibilidade
para pagar); ou (iii) que o próprio projecto
que implementa as acções de formação terá
possibilidade de viabilizar a procura, seja di-
rectamente, na medida em que recorra aos
bens e serviços prestados pelos formandos,
seja indirectamente, subsidiando a provisão
desses bens e serviços por se entender que
se revestem de utilidade e interesse comuni-
tários.
71
O inquérito aos agregados familiares
incluiu uma questão acerca das iniciativas
de formação de que os respondentes e os
membros dos respectivos agregados benefi-
ciaram no passado. Verificamos que mais de
metade dos entrevistados (38 em 75)
indicou que eles, ou algum membro do
agregado, receberam já algum tipo de
formação técnico-profissional (Figura 17).
Algumas das respostas mais frequentes
(“horticultura”, “produção de sal”, “fuma-
gem/conservação de peixe”) tiveram ligar
no âmbito de iniciativas anteriores da Tini-
guena/IMVF e incidiram sobre o apoio
à diversificação e produtividade da produ-
ção directa independente. Outros (“alfabe-
tizador de adultos”, “agente de saúde de
base”, “gestão participativa”) visaram funda-
mentalmente a satisfação de necessidades
comunitárias, mais do que o reforço
da empregabilidade dos beneficiários.
Outra questão constante do inquérito
aos agregados familiares - que proporcio-
nou informação relevante no que diz
respeito à avaliação das áreas temáticas
potencialmente mais interessantes para
a implementação de acções de formação
- foi aquela em que se perguntou aos res-
pondentes “De que serviços carece a sua
família?”. O objectivo desta questão passava
pela tentativa de identificação de eventuais
procuras por satisfazer a nível comunitário
que pudessem vir a constituir nichos de
mercado viáveis para os beneficiários de
futuras acções de formação. Os resultados,
porém, não foram especialmente encoraja-
dores ou esclarecedores – principalmente
porque a maior parte dos respondentes
indicou serviços ou formas de apoio de que
carece do ponto de vista do apoio à produ-
ção (p.e. acesso a crédito) ou do ponto
de vista das infra-estruturas comunitárias
(p.e. poços) mas não enquanto potenciais
consumidores.
Área/tema da formação Número de agregados (em 75) que referiram
ter beneficiado de formação nessa área
Horticultura 9
Produção de sal 8
Alfabetizador de adultos 5
Fumagem/conservação de peixe 4
Agente de saúde de base 4
Tecelão/bordadeira 3
Gestão participativa 3
Ostricultura 3
Marinharia 2
Figura 17: Áreas/temas em que os entrevistados ou outros membros do agregado beneficiaram de formaçãotécnica ou profissional no passado (indicadas apenas as áreas indicadas por pelo menos dois respondentes)(fonte: inquérito aos agregados familiares).
72
Por outro lado, impõe-se cuidado na inter-
pretação destas respostas na medida em
que o facto de um determinado serviço
ser indicado como estando “em falta” não
significa necessariamente que ele não es-
teja localmente disponível – simplesmente,
pode ser demasiado caro para viabilizar a
sua contratação por parte dos agregados
familiares que o referiram (como quase
certamente sucede no caso dos que res-
ponderam “mão-de-obra agrícola”, por
exemplo). Dito isto, as respostas à questão
sugerem que a alvenaria e a carpintaria são
áreas para as quais existe procura conside-
rável (embora, certamente, também oferta)
e que entre as áreas eventualmente mais
promissoras para formação especializada se
inclui certamente a mecânica (de bicicletas
e motores de canoa).
Em vista de todos os elementos anteriores,
os autores deste estudo recomendam que
as futuras iniciativas de formação técnico-
-profissional no âmbito do Projecto “Urok
Osheni!” se organizem de acordo com três
lógicas distintas mas complementares: (i)
formação de base para a produção agrária;
(ii) formação em articulação com as neces-
sidades do próprio Projecto “Urok Osheni!”;
e (iii) formação para a satisfação de procu-
ras mais amplas. Os próximos parágrafos
desenvolvem cada um destes pontos.
Número de agregados entrevistados (em 75)
Serviços em falta que referiram esse serviço como fazendo falta
ao seu agregado familiar
Pedreiro 23
Mão-de-obra agrícola 12
Carpinteiro 12
Lojas comunitárias com insumos 10
agrícolas e/ou para a pesca
Agente de saúde de base/enfermeiro 8
Mecânico 6
Crédito 5
Alfaiate/costureiro 4
Poços 3
Electricista 3
Figura 18: Serviços considerados em falta pelos agregados abrangidos pelo inquérito aos agregados familiares (respostas mais comuns)
73
4.3.1 Formação de basepara a produção agráriaA formação de base para a produção
agrária assenta na constatação de que
a agropecuária no seio de pequenas
unidades independentes de cariz familiar
constitui a base fundamental da economia
local de Urok, sendo previsível que isso
não se venha a alterar no futuro próximo.
Faz por isso todo o sentido procurar dotar
as unidades familiares de algumas compe-
tências que elas ainda não possuam e que
permitam aumentar a resiliência e rendibili-
dade da sua produção. Referimo-nos aqui
à adopção de novas culturas, à aprendiza-
gem de técnicas biológicas de combate
a pragas, técnicas de enxertia, vedações,
etc. Na nossa opinião, faria todo o sentido
que muita desta formação fosse ministrada
em articulação com a escolaridade oficial -
por exemplo, através da criação de um
módulo, com quatro a seis horas semanais,
de consciencialização agro-ecológica duran-
te as quatro primeiras classes, seguido
de um módulo idêntico versando sobre
técnicas agrárias durante a quinta e sexta
classes. O objectivo seria dotar progressi-
vamente todos os jovens de Urok de um
conhecimento básico acerca de técnicas
que, nalguns casos, não estão ainda dissemi-
nadas e que permitiriam não só diversificar
a produção de cada agregado familiar
como também aumentar o seu rendimento
por unidade de superfície e/ou tempo
de trabalho.
4.3.2 Formação especializadaem articulação com as necessidadesdo projecto “Urok Osheni!”O Projecto “Urok Osheni!” tem vindo
a introduzir um conjunto de novas dinâmi-
cas socioeconómicas no contexto da AMPC
Urok – com especial intensidade no caso
da tabanca da Abu –, as quais devem ser
consideradas como oportunidades para
o reforço da densidade do mercado de
trabalho local. Um dos contextos em que
isso pode e deve acontecer consiste na
futura criação de casas de passagem - uma
vez que, previsivelmente, a futura utilização
destas exigirá a existência de um contingen-
te, adequadamente formado, de residentes
locais capazes de assegurar um conjunto
de serviços mínimos ao nível da hospeda-
gem e alimentação.
Porém, esta mesma lógica aplica-se também
no caso de actividades mais especializadas:
em vez de recorrer ciclicamente a serviços
especializados de terceiros provenientes
do exterior da AMPC Urok para satisfazer
necessidades que se verificam com alguma
frequência (p.e. electricistas, mecânicos,
soldadores, técnicos de painéis solares),
faz todo o sentido que o Projecto assuma
o custo da formação de alguns indivíduos
nestas áreas de modo a que a satisfação
de cada uma dessas necessidades do Pro-
jecto se torne também uma oportunidade
de rendimento para um residente local.
Na verdade, dado o efeito multiplicador
potencial que aqui está em causa, conside-
ramos que esta opção deve ser considerada
74
preferível mesmo que seja relativamente
mais cara para o Projecto (desde que
a diferença não seja incomportável).
Assim, em jeito de resumo das recomenda-
ções relativas a esta segunda linha orienta-
dora das acções de formação, consideramos
que a equipa do Projecto “Urok Osheni!”
poderá ter interesse em estudar a futura
implementação de acções de formação
com alguns meses de duração em duas
áreas principais: (i) hotelaria e restauração;
e (ii) electromecânica. Idealmente, estas
acções de formação deverão ser desenvol-
vidas localmente e não em Bissau, de modo
a potenciar tanto quanto possível os efeitos
de disseminação local do conhecimento tá-
cito. Porém, reconhecemos que isso poderá
ser difícil no caso da electromecânica,
dados os requisitos em termos de material.
4.3.3 Formação para a satisfaçãode procuras mais amplasComo vimos atrás, a dimensão e o grau
de desenvolvimento do mercado local
permitem vislumbrar poucas áreas em
que a procura local (independente do
Projecto) oferece grandes garantias
de viabilizar, por si mesma, algum serviço
ou actividade profissional. Aparentemente,
as excepções poderão passar por duas
áreas que são, tradicionalmente, objecto
de procura consistente no contexto de
todas as tabancas: alvenaria e carpintaria.
No entanto, estas são também áreas em
que, em maior ou menor grau, quase todas
as tabancas contam já com indivíduos
capazes de desempenhar as tarefas em
causa. Por esse motivo, seria importante
recolher informação adicional a fim de es-
clarecer se o elevado número de responden-
tes ao inquérito aos agregados familiares
que refere esses serviços como “estando
em falta” é motivado por aquilo que eles
próprios consideram ser um preço demasia-
do elevado face ao que têm possibilidade
de pagar ou se, efectivamente, há falta de
carpinteiros e pedreiros no sentido de
que existem famílias dispostas a pagar
pelo serviço, mas ninguém em condições
de o prestar, não por uma questão de preço
mas por uma questão de inexistência
ou insuficiência da oferta. É natural que
a resposta a esta questão varie de tabanca
para tabanca, mas, a verificar-se a segunda
hipótese, o Projecto “Urok Osheni!” poderá
ter também interesse em considerar, a par
das acções de formação referidas no ponto
6.2, uma outra acção de formação em “téc-
nicas de construção”, que incluiria módulos
de alvenaria, carpintaria e pavimentação.
Finalmente, a última área em relação à qual
consideramos ser de recomendar que o Pro-
jecto “Urok Osheni!” estude a possibilidade
de implementação de uma acção de forma-
ção, uma vez que existe comprovadamente
uma forte procura, consiste na “construção
e reparação de embarcações”. A AMPC
Urok, pela sua ligação ao mar, situação
geográfica e tradição piscatória, encontra-se
em condições privilegiadas para o desenvol-
vimento de um micro-cluster de construção
e reparação naval – área para a qual existe
uma forte procura que permitiria um fluxo
75
de rendimento bastante substancial para um
número razoável de indivíduos e agregados
familiares. Subjacente à afirmação anterior
está a ideia de que esta actividade contaria
não só com a procura local dos próprios
residentes na AMPC Urok, como também
com a de um mercado potencial muito
mais amplo, no Arquipélago dos Bijagós e
na Guiné-Bissau continental. Em nosso ver,
faria especialmente sentido que esta forma-
ção/estímulo à criação de um micro-cluster
tivesse lugar entre a comunidade Nhominca
– tanto pela sua mais forte ligação ao mar
e à navegação, como pelo facto de esta ser,
claramente, a comunidade mais descontente
com as alterações ao modo de vida introdu-
zidas pelas regras de AMPC e a que menos
se encontra em condições de beneficiar de
acções e medidas futuras ao nível da produ-
ção agropecuária.
4.4 Infra-estruturas e serviçosde interesse comunitário
Tal como foi já referido neste estudo, o
sector administrativo de Caravela, na qual
o complexo das ilhas de Urok está inserido,
é um dos que conta com mais fraca oferta
de serviços sociais, registando-se carências
significativas que decorrem, em grande
medida, das dificuldades dos organismos e
estruturas públicas em lidar com os desafios
específicos das zonas insulares.
Através da informação qualitativa recolhida
aquando dos focus-groups e entrevistas
semi-estruturadas, verificamos que pelo
menos uma parte substancial da população
considera que se têm registado melhorias
consideráveis ao nível das infra-estruturas
escolares, das comunicações, dos transpor-
tes e do abastecimento de água, as quais se
devem em grande parte ao trabalho reali-
zado pela Tiniguena/IMVF. É desejável que
esta estratégia de intervenção seja prosse-
guida e que os processos de gestão que lhe
estão associados sejam consolidados, tendo
em conta que a oferta actual nestes domí-
nios ainda não cobre as três ilhas principais
de uma forma tão abrangente quanto seria
desejável.
É importante que o processo de criação e
expansão deste tipo de infra-estruturas e
serviços seja articulado com o envolvimento,
capacitação e responsabilização das estru-
turas locais tradicionais e associativas - pois
no contexto actual das ilhas a capacidade
destas estruturas, em especial a organização
e gestão, é muito fraca. O envolvimento em
iniciativas comunitárias, associativas e socio-
culturais - mesmo socio-religiosas - poderá
estimular estas estruturas a trabalharem
com maior sinergia, o que ´tenderá a re-
forçar a coesão comunitária e a estimular a
entreajuda, a colaboração e a auto-estima.
76
Para além do reforço das infra-estuturas e
serviços nas áreas-chave já referidas, ficou
ainda patente o interesse manifestado por
alguns entrevistados num conjunto adicional
de serviços de interesse comunitário, con-
siderados potencialmente mais relevantes.
Entre estes, incluem-se:
– Expansão e reforço da rede de transportes
inter-ilhas e para Bissau e Biombo;
- Melhoria da cobertura dos serviços
de saúde e expansão da cobertura sanitária;
- Expansão da rede de poços;
- Criação de um fundo de desenvolvimento
comunitário por ilhas;
- Criação de casas de ambiente e cultura
em Nago e Maio.
A eventual opção pela criação de um fundo
de desenvolvimento comunitário justificar-
-se-ia pela necessidade de dar resposta
a uma ou outra solicitação mais específica
em cada ilha ou tabanca, podendo com isso
estimular-se a emergência e reforço
de processos participativos de planificação
e execução de iniciativas comunitárias autó-
nomas. Por sua vez, a criação de duas novas
Casas de Ambiente e Cultura teria como
objectivo estimular a dinâmica das iniciati-
vas socioculturais em Nago e Chediã. Em
todo o caso, a opção pela implementação
de iniciativas em qualquer um destes
domínios adicionais, terão que ser integra-
das num processo mais amplo de reforço do
Processo de Governação Participativa e na
Melhoria das Condições de vida das popu-
lações residentes no interior da AMPC de
Urok.”
4.4.1 Expansão e reforço da redede transportesA falta de um sistema de transporte
plenamente satisfatório e adequado
às especificidades de Urok constitui um
forte estrangulamento ao desenvolvimento
deste território. Porém, são de reconhecer
alguns avanços significativos efectuados
neste domínio, sobretudo o estabelecimen-
to de uma ligação regular por canoa entre
Formosa e Bissau via Chediã. Duas outras
canoas mais pequenas, que servem algumas
tabancas mais afastadas de Chediã
e Nago, funcionam em coordenação
com esta ligação. Porém, algumas tabancas
da AMPC Urok são ainda bastante desfavo-
recidas.
A Figura 19 apresenta o custo do transporte
por canoa entre Formosa e Bissau para
um conjunto de produtos. Constata-se que
a canoa actual é mais rentável na época
seca, isto é, de Novembro a Junho, por isso
realiza neste período viagens semanais.
É neste período que as pessoas mais viajam
e ao mesmo tempo levam alguns produtos
para venda no mercado de Bissau. Na época
das chuvas é reduzido o número de viagens,
sobretudo a partir de Agosto até Novembro,
passando as viagens a quinzenais.
77
Os problemas de transporte foram já objec-
to de discussão neste estudo, tendo sido su-
gerida como solução a adopção de um sis-
tema de transporte nodal, à imagem do que
já está a ser praticado entre as canoas mais
pequenas e a grande - e poderia ser articu-
lado com um sistema de transporte terrestre
para servir as ilhas nos dias de carreira. Há
que pensar no desenvolvimento de outras
duas linhas, com base em duas canoas gran-
des: uma que poderia servir Biombo, dada
a relação da população Papel com as suas
zonas de origem. E uma outra que poderia
servir Bubaque e constituir uma alternativa
para a ligação a Bissau, caso fosse articula-
da com a saída do Barco de Bubaque, mas
ao mesmo poderia ser um factor de estímu-
lo de transacções comerciais entre Formosa
e Bubaque. O período morto de Agosto a
Novembro poderia ser aproveitado para os
trabalhos de manutenção, reparação, forma-
ção e preparação da campanha seguinte.
Várias alternativas poderiam ser propostas
para solucionar o problema dos transpor-
tes entre as tabancas de cada ilha e en-
tre estas e o porto mais próximo: tractor,
carro, bicicletas com carroçaria, etc.. Para
além destas propostas “mecanizadas”, é
de considerar igualmente a possibilidade
de estudar e avaliar, a título experimental, a
introdução a médio prazo da tracção animal
com recurso a raças locais. Esta alternativa
poderá beneficiar do facto de poder contar
com a presença de uma população islami-
zada com experiência acrescida de rela-
cionamento com o gado. Para além da sua
eventual utilização como força motriz para
transporte de mercadorias no contexto do
sistema nodal acima referido, a introdução
experimental da tracção animal beneficiaria
também a produção agrícola, nomeadamen-
te no contexto da lavoura de culturas como
a mancarra e o feijão.
Produto Quantidade Custo
Oleo de Palma Cada bidão de 25 l 750
Esteiras cada 200
Arroz Saco 50 Kg 750
Cimento Saco 50 kg 1.000
Cibes cada 1.000
Pessoas cada 2.00
Figura 19: Custo de transportes Formosa-Bissau de alguns produtos na canoa Umba Maraka.
78
O desenvolvimento dos transportes ma-
rítimos é muito exigente em termos tanto
de investimento como de gestão e manu-
tenção. Requer uma disciplina rigorosa e
capacidades específicas, o que, por sua
vez, coloca exigências específicas ao nível
da supervisão, apoio à gestão e formação
contínua dos profissionais envolvidos no
processo (marinheiros, mecânicos, cobrado-
res, gestores).
4.4.2 Melhoria da cobertura sanitáriae de serviços de saúdeAs normas de distribuição das estruturas
dos serviços de saúde são pouco adapta-
das às particularidades das ilhas, sobretudo
considerando a descontinuidade territorial
e o tamanho das suas populações. Por este
motivo, são preferíveis soluções tão autó-
nomas quanto possível, uma vez que as
possibilidades de evacuação de doentes são
muito limitadas e condicionadas pela dispo-
nibilidade de transportes.
Poderão ser consideradas várias formas de
intervenção neste domínio, mas, de uma for-
ma geral, o sucesso destas intervenções de-
penderá sempre, em maior ou menor grau,
da vontade política do ministério da tutela
e das perspectivas futuras para o sector.
Uma das opções que julgamos mais perti-
nente e em relação à qual existe já alguma
experiência adquirida, poderá consistir na
replicação do modelo actualmente adopta-
do no domínio do ensino – ou seja, a cons-
trução de postos de saúde em Nago
e Chediã, cada um contando com um ou
dois enfermeiros, inseridos numa estrutura
gerida de forma análoga à das escolas. Por
sua vez, esta primeira linha de cuidados bá-
sicos de saúde poderia ser complementado
com a colocação de um médico em Formo-
sa e/ou visitas médicas regulares e rotativas
para atender os casos mais graves na AMPC
Urok, eventualmente a par da criação de
uma farmácia fixa em Formosa para fazer
face ao problema da falta de medicamentos.
A actuação de uma estrutura deste tipo
poderia ser optimizada mediante o envolvi-
mento de programas de saúde pública tais
como o de fornecimento de medicamentos,
medidas de combate à malária e à cólera,
de prevenção do VIH-SIDA, etc., que pos-
suem recursos significativos mas que nem
sempre cobrem adequadamente zonas tão
isoladas quanto Urok. Por outro lado, a sua
eficácia poderia ser reforçada através da
articulação com as escolas e o sistema de
transportes. Ao nível da escola, com vista
a divulgar as práticas de higiene e de sanea-
mento mais adequadas. Ao nível dos trans-
portes, de modo a responder às necessida-
des de evacuação de doentes graves, sendo
eventualmente abordado o ministério da
tutela a fim de solicitar que este constribua
para suportar os respectivos custos.
Deverá ser dada especial atenção ao pes-
soal de saúde – tal como ao da educação –,
no sentido da melhoria das suas condições
habitacionais e de trabalho, pois estes facto-
res são fundamentais para a capacidade de
atração e retenção destes profissionais,
a fim de reduzir a incidência de abandono
de postos de trabalho, que constitui
um problema grave e comum em todo
o arquipélago.
79
4.4.3. Melhoria do fornecimentode água potávelApesar de se terem registado melhorias
consideráveis nos últimos tempos, a rede
de poços melhorados não cobre todas as
tabancas e a falta de água potável tem leva-
do a população a utilizar águas impróprias
para consumo, por vezes contaminadas por
vectores de doenças intestinais e diarreicas.
O fornecimento de água deve ser enquadra-
do numa estratégia mais ampla de melhoria
da qualidade de vida das populações locais.
A necessidade do reforço da rede de poços
melhorados a fim de garantir o acesso
à água potável por parte de toda a popu-
lação foi recorrentemente referida como
premente pelos entrevistados em todas
as ilhas, mas especialmente nas ilhas de
Nago e Chediã. Estas ilhas parecem apre-
sentar carências maiores pelo que, numa
primeira fase, a estratégia deve ser direccio-
nada para a supressão das assimetrias exis-
tentes entre as três ilhas para depois, numa
segunda fase, proceder à ampliação da rede
de forma a garantir o acesso adequado
a este tipo de serviços e/ou facilidades
para toda a população – princípio aliás
válido para a generalidade das intervenções,
a bem da equidade e coesão territoriais.
Uma possibilidade interessante consistiria
na concepção e implementação de um
programa de construção de médio prazo,
levado a cabo por uma empresa que garan-
ta um trabalho de qualidade e envolvendo
a possibilidade de formação de jovens locais
em construção e manutenção de poços.
O recurso a alguns programas já existentes
neste domínio (UNICEF, Direcção de Águas,
Direcção da Integração Regional44, etc.)
poderia permitir a mobilização de meios
financeiros adicionais para este fim.
44 Esta Direcção administra recursos financeiros provindos de organizações sub-regionais da África Ocidental que se destinam à construção de infra-estruturas sociais. Ultimamente, tem dado prioridade aos domínios da educação e abastecimento de água, havendo também sensibilidade acrescida para os problemas das zonas mais isoladas.
80
81
O presente estudo procurou corresponder
aos objectivos estabelecidos nos TdR atra-
vés da recolha sistemática de informação
aquando de um período intensivo de tra-
baho de campo, a qual serviu de base ao
trabalho de análise do qual decorrem os re-
sultados que aqui foram apresentados. Esta
análise deixa claro que neste grupo de ilhas,
apesar dos inúmeros estrangulamentos, está
em curso uma dinâmica de transformação
associada à acção de forças tanto internas
como externas. Entre estas últimas, é so-
bretudo de salientar a pressão exercida pela
racionalidade comercial decorrente da pro-
gressiva integração desta zona relativamen-
te marginal num mercado mais amplo, bem
como as influências socioculturais, técnicas
e outras, introduzidas sobretudo pela popu-
lação Papel e Nhominca, que, embora não
sendo etnias originárias de Urok, constituem
actualmente parte da população residente,
embora mantenham laços muito fortes
e activos com as suas regiões de origem.
Por outro lado, está também em curso
uma dinâmica de desenvolvimento durável,
assente num processo participativo
e comunitário com base na valorização
do património natural e cultural, que tem
vindo a ser conduzido pela Tiniguena,
IMVF e seus parceiros e que se enquadra
nos objectivos subjacentes à criação
da Reserva da Biosfera e da AMPC Urok.
A análise da informação recolhida permitiu,
por outro lado, identificar um conjunto de
constrangimentos principais ao nível da acti-
vidade produtiva, cuja solução ou mitigação
poderá permitir melhorar as condições de
produção e comercialização – bem como,
de uma forma mais geral, o nível de vida
e a resiliência económica e alimentar da po-
pulação, de uma forma durável e adaptada
à realidade ambiental e socio-cultural local.
O estudo sugere um conjunto alargado e ar-
ticulado de estratégias de intervenção, que
visam principalmente reforçar o processo
de desenvolvimento integrado actualmente
em curso e consolidar o processo de gestão
comunitária. Esse conjunto de estratégias
articula-se em torno de três eixos principais:
• Apoio ao desenvolvimento de fileiras
de produção
• Formação técnico-profissional
• Desenvolvimento de infra-estruturas
e serviços de interesse comunitário
5. CONCLUSÕES
82
Através do apoio ao desenvolvimento de
certas fileiras de produção, pretende-se
aumentar a segurança alimentar, estimular
o consumo local e alargar a base de rendi-
mento das famílias produtoras, nomeada-
mente através da organização de algumas
fileiras para comercialização e exportação.
Neste eixo privilegia-se de forma geral
o desenvolvimento e a diversificação da
produção agrícola, o apoio ao desenvolvi-
mento de fileiras estratégicas (produção
de animais de ciclo curto, transformação
do caju, óleo de palma e produtos do mar)
e o desenvolvimento de produtos-marca
de Urok (sal, malagueta e artesanato).
O segundo eixo de intervenção consiste
num programa de formação escolar e técni-
co-profissional, organizado de acordo com
três lógicas complementares: (i) formação
de base para a produção agrária; (ii) forma-
ção em articulação com as necessidades do
próprio Projecto “Urok Osheni!”; e (iii) for-
mação para a satisfação de procuras mais
amplas. As estratégias sugeridas no contex-
to deste eixo visam dotar a generalidade da
população escolar de Urok de um conjunto
de competências de base susceptíveis de
melhorar e reforçar a actividade agropecuá-
ria, bem como proporcionar formação mais
avançada de carácter técnico, em áreas de
comprovada procura ou utilidade, a um con-
junto alargado de formandos.
O terceiro eixo consiste no reforço das infra-
-estruturas e serviços de interesse comuni-
tário, especialmente nos domínios da saúde,
fornecimento de água e transportes. Even-
tuais iniciativas nestes domínios, embora
bastante exigentes em termos organizacio-
nais e financeiros, poderão beneficiar direc-
tamente e indirectamente as populações
a diversos níveis - nomeadamente consti-
tuindo oportunidades para o reforço das
capacidades técnicas e organizacionais
locais e para o aprofundamento dos me-
canismos participativos de deliberação e
gestão comunitárias.
83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Ba, M. M. D. (2007) Estudos de mercado sobre a comercialização de produtos locais
do sector de São Domingos. Programa de Desenvolvimento Comunitário de São Domingos – Kasumai
(ONG-PVD/2003/020-858/GW) IMVF, AD, ACEP. Julho 2007.
2. Brenier A., Ramos, E., Henriques A. (2009) Palavras de Urok! Ensinamentos e impactos da Área
Marinha Protegida Comunitaria das Ilhas de Urok. Dezembro 2009
3. Brito, B. R. (2006) Estudo Socioeconómico e Diagnóstico para Acompanhamento
das Condições de Bem-Estar das Famílias da Região de Cacheu. Projecto Integrado
de Segurança Alimentar de Cacheu (PISAC), CE: FOOD/2003/057-028/109. IMVF & AD. Novembro de
2006.
4. Casimiro A. R. S. et al (2000) Avaliação de leveduras industriais na Fermentação
de suco de caju. Embrapa Agroindústria Tropical, Circular Técnica No 4. Setembro, 2000
5. Coelho, S. T. et al. (2005) Uso de óleo de palma “in natura” como combustível
em comunidades isoladas da Amazónia. Trabalho publicado e apresentado em: III Workshop Brasil-
-Japão em Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável-23 a 25
de Novembro de 2005- Campinas, SP.
6. Cruz n. J. T., Silva, M. V, Filho, R. A. M. (2007) Consumo dos principais produtos
derivados do caju e potencialidade dos produtos alternativos do caju na cidade de Maceió-Alagoas.
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Universidade Federal Rural
de Pernambuco, Recife, pe, BRASIL. Apresentação oral Comercialização, mercados e preços agrícolas.
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007.
7. Filho et al. Aspectos da colheita, pós-colheita e transformação industrial do pedunculo do caju
(Anacardium occidentale L.). AspectoColheita_Caju_000g7d94xb102wx5ok0wtedt3xxfvd00.
8. GARRUTTI, D.S. (2001) Composição de Voláteis e Qualidade de Aroma do Vinho de Caju.
Tese de Doutorado. Campinas: FEA – UNICAMP, p. 220, 2001.
9. Histórias Tradicionais das Ilhas de Urok- Guiné Bissau (“Estórias do Chão de Urok. Pasadas di con
di Urok”). Urok, IMVF, Tiniguena, Cooperação Portuguesa. Dezembro 2009.
10. HOLANDA, J.; OLIVEIRA, A.; FERREIRA,A (1998) Enriquecimento proteico de pedúnculo de caju
com emprego de leveduras, para alimentação animal. Pesquisa Agropecuária rasileira, 33 (5),
p. 787-792, 1998.
84
11. INE-MEPIR, UNICEF Guiné-Bssau-2010 4º inquérito por amostragem aos indicadores múltiplos
(MICS) & 1º inquérito demográfico de saúde reproductiva (IDSR) – Resultados Preliminares.
INE-MEPIR, UNICEF, Dezembro, 2010.
12. Leitão, A. E. B. (2006) Manual de técnicas de transformação de produtos locais nas ilhas de UROK:
Sal, pescado e óleo de palma. Projecto “Tebanke Urok: Desenvolvimento comunitário no Grupo
de Ilhas de Formosa, Guiné-Bissau”, CE:ONG-PVD/2003/062-200. Novembro de 2006.
13. Leonardo CARDOSO, L & BIAI, J. (2004) Estudo do impacto sócio-economico da criação da área
marinha protegida de gestão comunitária das ilhas “Urok” (FORMOSA, NAGO E CHEDIÃ). Reserva
da Biosfera do Arquipélago Bolama-Bijagós Guiné-Bissau. Bissau, Agosto de 2004
14. MEPIR (2010) Relatório sobre a campanha de caju 2010. Dezembro 2010.
15. Modesto, C. (2005) Refino de óleo de palma e palmiste. Agropalma. Maio 2005.
16. Neto A. B. T et al. (2006) Cinética e caracterização físico-química do fermentado do pseudofruto
do caju (Anacardium occidentale L.). Quim. Nova, Vol. 29, No. 3, 489-492, 2006.
17. Neto A. B. T et al. :Análise sensorial e físico-química do vinho de caju (anacardium occidentali l.).
VIII Encontro Latino Americano de Iniciação Cientifica e IV Encontro Latino Americano
de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba. Pag 269-272.
18. Neto, T. A.B., et al. (2002) Estudo da Cinética de Produção de Vinho de Caju. VI INIC,
UNIVAP, 2002.
19. Neto, T. A.B., et al (2003) Estudo do Aproveitamento do Pedúnculo do Caju para Produção
de Vinho. VII INIC, UNIVAP, 2003.
20. Pinheiro, A. P. (2008) Desenvolvimento de néctares mistos a base de caju (Anarcadium
accidentale) e açai (Euterpe oleracea mart.). Fortaleza-CE, 2008.
21. Princípios e Critérios da RSPO para Produção Sustentável de Óleo de Palma Guia de Orientações
Formato com ênfase nas Orientações para Interpretação Nacional. Março de 2006.
22. Rodrigues D. & Pulga J. (2006) Estudo de Viabilidade Económica e Comercial de Produtos
Agro-Alimentares das Ilhas Urok. Projecto “Tebanke Urok: Desenvolvimento Comunitário no Grupo
de Ilhas de Formosa – Guiné-Bissau”, CE: ONG-PVD/2003/062-200. Novembro de 2006.
85
ANEXO IGuiné-Bissau - indicadores económicos e socio-demográficos
Resultados provisórios RGPH 2009 (INEC, 2010)
Regiões Masculino % Feminino % Total Tombali 49.598 48,4 52.884 51,6 102.482 Quinara 32.443 49,2 33.503 50,8 65.946 Oio 109.497 48,4 116.766 51,6 226.263 Biombo 45.103 47,5 49.766 52,5 94.869 B. Bijagós 16.725 49,3 17.204 50,7 33.929 Bafatá 109.489 48,6 11.027 51,4 225.516 Gabú 104.777 48,8 109.743 51,2 214.520 Cacheu 95.271 47,7 104.403 52,3 199.674 SAB 192.956 50,1 192.004 49,9 384.960 País 755.859 48.82 792.300 51.18 1.548.159
Comparação do PIB per capita na zona UEMOA em 2005, em FCFA (INEC, 2010)
Benin (1) 315.000 Burquina Faso (1) 230.000 Costa do Marfim 475.000 Guiné-Bissau 230.000 Mali 280.000 Níger (1) 150.000 Senegal 420.000 Togo (1) 215.000
Contudo, a contribuição ao PIB dos diferentes sectores económicos não alterou muito (INEC, 2010)
Contribuição ao PIB Nova Série Antiga Série Sector Primário 45% 50% Sector Secundário 15% 15% Sector Terciário 40% 35%
86
Decomposição do consumo final das famílias em 2008, em bilhões de FCFA corrente
Valor % Produtos alimentares 295,4 82,7 Têxteis e vestuários 2,6 0,7 Outros produtos manufacturados 23,1 6,5 Transporte e comunicação 5,2 1,4 Educação e saúde 11,7 3,3 Outros serviços 19,4 5,4
PIB e seus empregos em 2008, em bilhões de FCFA corrente (INEC, 2010)
Produto Interno Bruto 377 Consumo Final 403 Consumo Final das Famílias 357 Consumo Final 46 das Administrações Públicas Investimento 33 Exportação Líquida -59 Exportação 59 Importação 118
Fonte: INEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos)
Nota: Dados Recentes do Recenseamento e Inquéritos MICS 2000, 2006 RGPH 1991
Tab.2 INDICADORES DEMOGRÁFICOS 1991 2000 2006Esperança de Vida à Nascença Total Anos 47,1 44,5 46Homens Anos 45,4 42,7 43,4Mulheres 48,6 44,07 46,2Taxa Bruta de Natalidade Por 1000 44,1 42,3 40,9Taxa Bruta de Mortalidade Por 1000 17,7 17,5 17,3Taxa de Mortalidade Infantil -Total Por 1000 145 124 138Taxa de Mortalidade Materna Por 100.000 914 349 405Índice Sintético de Fecundação Crianças 6,8 6,8 6,8 Fonte: INEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos) Nota: Dados Recentes
do Recenseamento e Inquéritos MICS, 2000 e 2006; RGPH 1991.
87
ANEXO IIÍndices de bens e dotação animal
A análise de componentes principais é uma técnica estatística utilizada para descrever
a variação de um conjunto de variáveis observadas em função de um número mais
reduzido de variáveis subjacentes ou implícitas, designadas por “componentes”.
No contexto do presente estudo, recorremos à análise de componentes principais
a fim de criar dois índices – de bens (IB) e de dotação animal (IDA) – ou seja, de modo
a podermos caracterizar cada agregado em relação à dotação nestes dois tipos de activos,
utilizando apenas uma variável para a dotação animal (em vez de quatro: nº de vacas,
porcos, cabras e galinhas) e apenas uma variável para os bens de consumo duradouros
(em vez de sete: existência ou não de rádio, telemóvel, bicicleta, telhado de zinco, chão
cimentado, cama e mesa).
Assim, executando em SPSS a análise de componentes principais da matriz de dados em
que os 75 agregados familiares constituem as linhas e a dotação de cada um dos animais
corresponde às colunas, obtemos o seguinte resultado:
Total Variance Explained
Component Initial Eigenvalues Extraction Sums of Squared Loadings
Total % of Variance Cumulative % Total % of Variance Cumulative %
1 1,934 48,346 48,346 1,934 48,346 48,346
2 ,921 23,020 71,367
3 ,609 15,224 86,591
4 ,536 13,409 100,000
Extraction Method: Principal Component Analysis.
Component Matrixa
Component
1
Vacas ,773
Porcos ,401
Cabras ,738
Galinhas ,794
Extraction Method: Principal Component Analysis.
a. 1 components extracted.
88
A primeira das tabelas em cima revela, entre outras coisas, que as relações de associação
entre as quatro variáveis originais são tais que é possível explicar 48,346% da variância total
das variáveis através de uma única variável: a primeira componente, que constitui o nosso
“índice de dotação animal”. O valor (ou “score”) assumido por cada um dos agregados em
termos desse índice é calculado automaticamente pelo SPSS e gravado como uma nova
variável, sendo obtido através da soma algébrica do número de animais de cada espécie
que esse agregado possui (standardizado através da subtracção da média e divisão pelo
desvio-padrão), ponderado pelos coeficientes contidos na segunda das tabelas apresentada
em cima44.
O índice assim calculado permite obter uma única variável que se encontra fortemente
associada (sem demasiada perda de informação) com o conjunto de variáveis originais,
mas que permite uma manipulação muito mais prática do que se tivéssemos de trabalhar
com quatro variáveis em vez de uma.
Procedendo ao mesmo exercício em relação aos bens de consumo duradouros, obtemos:
Total Variance Explained
Component Initial Eigenvalues Extraction Sums of Squared Loadings
Total % of Variance Cumulative % Total % of Variance Cumulative %
1 2,792 39,891 39,891 2,792 39,891 39,891
2 1,300 18,574 58,465 1,300 18,574 58,465
3 ,860 12,288 70,753
4 ,628 8,972 79,726
5 ,558 7,969 87,695
6 ,457 6,523 94,218
7 ,405 5,782 100,000
Extraction Method: Principal Component Analysis.
Component Matrixaa
Component
1 2
Rádio ,224 ,823
Telemóvel ,541 ,626
Bicicleta ,822 -,019
Telhado de zinco ,604 -,418
Chão cimentado ,700 -,200
Cama ,680 -,070
Mesa ,676 -,101
Extraction Method: Principal Component Analysis.
a. 2 components extracted.
89
Em virtude das características dos dados, neste caso o software sugere que substituamos
as sete variáveis originais por duas (e não uma) componentes, a cada uma dos quais cor-
responderão os coeficientes constantes das colunas 1 e 2 na tabela imediatamente acima.
Porém, uma vez que o nosso objectivo é obter uma única variável que reflicta a “riqueza”
dos agregados familiares (para maior comodidade de análise) e que, convenientemente,
observamos (através das duas colunas de coeficientes) que a componente 1 traduz a posse
de bens relativamente dispendiosos, enquanto que a componente 2 reflecte apenas a posse
de rádio e telemóvel (pelo que, mais do que a riqueza do agregado, parece estar associa-
do à maior ou menos necessidade deste se manter em contacto com o exterior), podemos
neste caso considerar que a componente 2 é um bom indicador da capacidade económicae
patrimonial das unidades familiares e utilizá-lo como o nosso Índice de Bens, utilizando para
isso os scores calculados pelo SPSS.
Curiosamente, a própria análise da correlação entre o nosso IB e IDA corrobora a hipótese
de que estes dois índices constituem indicadores robustos de uma variável subjacente, que
podemos legitimamente considerar ser a “riqueza” ou “dotação patrimonial”. Como é visí-
vel pelo quadro em baixo, o IDA e o IB apresentam um coeficiente de correlação positivo
(0,422) e significativo para um nível de significância de 99,9% (ou α=0,001). Já o IDA
e um hipotético Índice de Bens alternativo (IB-2), construído através da utilização dos coe-
ficientes constantes da coluna correspondente à componente 2, não se encontram signifi-
cativamente correlacionados, o que mostra que essa segunda componente (que podemos
especular estar ligado ao “grau de necessidade de contacto a longa distância”) não traduz
o nível de dotação patrimonial.
Correlations
IDA scores IB1 scores IB2 scores
IDA scores Pearson Correlation 1 ,422** ,112
Sig. (2-tailed) ,000 ,340
N 75 75 75
IB1 scores Pearson Correlation ,422** 1 ,000
Sig. (2-tailed) ,000 1,000
N 75 75 75
IB2 scores Pearson Correlation ,112 ,000 1
Sig. (2-tailed) ,340 1,000
N 75 75 75
**. Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).
90
91
ANEXO IIIGuião de apoio às entrevistas semi-estruturadas
Questões:
1. Quais são as actividades produtivas mais importantes para a subsistência dos habitantes
da AMP Urok/desta tabanca?
2. Quais são as actividades produtivas mais importantes para o rendimento monetário dos
habitantes da AMP Urok/desta tabanca?
3. De que forma se processa o processo de distribuição/comercialização desses produtos?
A quem são vendidos, onde, quando?
4. Quais são os principais problemas com que se deparam as pessoas no contexto das acti-
vidades acima indicadas em termos de produção/transformação/comercialização?
5. Quem são os principais compradores dos produtos locais? Que problemas constata ao
nível dessa relação comercial (exº preços baixos, controlo da procura por parte de um redu-
zido número de compradores, empréstimos usurários,…)?
6. Quais consideram ser os principais problemas dos próprios produtos em termos de quali-
dade? De que forma(s) poderiam ser melhorados?
7. Na sua opinião, de que forma(s) seria possível aumentar a receita/valor acrescentado as-
sociado à produção desses produtos?
8. Quais os possíveis problemas que poderiam estar associados a um tal aumento de produ-
ção/receita/valor acrescentado?
9. Quais os conhecimentos e competências dos habitantes da AMP Urok / desta tabanca
(profissões e/ou potencial de produção de determinados produtos) que poderiam ser apro-
veitados melhor do que o são actualmente?
10. Quais os principais conhecimentos e competências que estão em falta entre os habitan-
tes da AMP Urok/desta tabanca e que seria importante reforçar para aumentar a qualidade
de vida local e o dinamismo da economia local?
11. Que outros produtos locais poderiam ser objecto de comercialização, caso se verificas-
sem condições mais favoráveis?
12. Que outras actividades geradoras de rendimento poderiam e/ou deveriam ser promo-
vidas? Que condições seriam necessário preencher para que esses produtos e actividades
pudessem ser promovidos?
13. Que outras actividades de interesse comunitário poderiam/deveriam ser promovidas?
92
93
ANEXO IVQuestionário utilizado no inquérito aos agregados familiares
Nº de Série do Questionário: __________
Nome do/a respondente: _______________________________________________________________
Tabanca: ____________________ Ilha: ____________________________________________________
Data: ______ /______ / 2010
Secção 1. Caracterização Geral do Agregado Familiar
1.1. Número total de membros do fogão ____________
1.2. Número de indivíduos do sexo feminino (15 anos ou mais)? ____; destes, quantos sabem ler?____
1.3. Número de indivíduos do sexo masculino (15 anos ou mais)? ____: destes, quantos sabem ler?____
Secção 2. Actividades Produtivas e Estratégias de Subsistência
2.1 Quais das seguintes actividades produtivas são praticadas pelas pessoas deste fogão?
Pesca ____; Cultivo de arroz de bolanha ____; Cultivo de arroz n’pam-pam ____;
Plantação de caju ____; Mandioca: ____; Feijão ____; Mancarra ____; Apanha de combé ____;
Corte de chabéu ____; Transformação de óleo de palma ____; Produção de sal ____;
Fabrico de cestaria ____; Comércio ____; Esteiras ____; Horticultura ____;
Outras. Quais? ______________________________________________________________________
2.2 Das actividades acima, indique por favor as três de onde provém maior rendimento monetário
(por ordem):
1ª _________________________ 2ª ___________________________ 3ª ________________________
2.3 Quantos dos seguintes animais é que as pessoas desta unidade familiar possuem actualmente?
Vacas ______ Porcos ______ Cabras ______ Carneiros ______ Galinhas ______
2.4 Relativamente à produção agrícola e pesqueira, quais as principais mudanças verificadas ao longo
dos últimos dez anos (após a criação da AMPC)?
____________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________
94
2.5 Entre os produtos produzidos para auto-consumo, quais são aqueles em que têm sem-
pre um excedente anual?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.6 A quem pertence a terra em que é feita a produção desta unidade familiar? (assinalar
todas as opções aplicáveis)
Bolanha: propriedade do fogão _______; de um parente _______; do Clã a que pertence
(“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) ___________________________________________;
N’pam-pam: propriedade do fogão _____; de um parente ______; do Clã a que pertence
(“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) __________________________________________;
Feijão/mancarra: propriedade do fogão_____; de um parente ______; do Clã a que pertence
(“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) ___________________________________________;
Horticultura: propriedade do fogão _____; de um parente ______; do Clã a que pertence
(“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) ___________________________________________;
2.7 Se a terra não pertence a unidade familiar, pagam algum tipo de renda?
Bolanha: Não__ N.A. __Sim, dinheiro__ Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__
N’pam-pam: Não__ N.A. __ Sim, dinheiro__ Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__
Feijão/mancarra: Não__ N.A. __ Sim, dinheiro__ Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__
Horticultura: Não__ N.A. __Sim, dinheiro__Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__
Secção 3. Dotação de Competências e Meios de Produção
3.1 Para além da escolaridade, algum dos indivíduos deste fogão beneficiou de algum tipo
de formação nalguma área? Qual(is)?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3.2 As pessoas deste fogão possuem uma canoa? ______ Se sim, tem motor? ______
3.3 As pessoas deste fogão possuem redes de pesca? ______
95
Secção 4: Mobilidade/Rendimento e Pobreza/Afluência4.1 Indicar os trabalhos efectuados por indivíduos desta família em troca de alguma remune-
ração.
Tipo de Na tabanca Interior Fora do Biombo Bissau Outras Forma de trabalho do parque parque mas zonas pagamento fora da no interior tabanca da reserva
da biosfera
4.2 Caso existisse procura, que tipo de trabalhos é que os membros deste fogão estariam
interessados em desenvolver? __________________________________________________
__________________________________________________________________________
4.3 Quais dos seguintes bens é que as pessoas deste fogão possuem?
Rádio _____; Telemóvel ____; Bicicleta ____; Telhado de zinco ___; Chão cimentado ____;
Cama _____; Mesa ____
4.4a A quem pertence a(s) residência(s) onde habitam as pessoas desta unidade familiar?
Própria____ Familiares____ Outros___
4.4b Pagam algum tipo de renda? N.A.__ Não__ Sim___ Quanto ______ Francos CFA’s
4.5 Em situações de dificuldade extrema ou inesperada, qual a forma principal de mobilizar
dinheiro?
Poupanças acumuladas___ Ajuda de familiares___ Empréstimo de familiares___
Empréstimo de terceiros___ Venda de bens_______ Que bens? _______________________
_____________________ Outra solução (qual?) ___________________________________
Em dinheiro Em produto
96
Secção 5: Relação com o mercado e práticas comerciais
5.1 No último ano, quais foram os produtos que as pessoas deste fogão trocaram por outros
produtos?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
5.2 No último ano, quais foram os produtos que as pessoas deste fogão venderam no merca-
do local e a quem?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5.3 No último ano, quais foram os produtos que as pessoas deste fogão venderam no mer-
cado exterior (fora da ilha) e a quem?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Secção 6: Avaliação Subjectiva de Constrangimentos e Necessidades
6.1 Quais os principais problemas mais específicos que enfrentam as pessoas desta unidade
familiar para garantirem a sua subsistência? (indique os três problemas principais, por ordem
de importância)
6.2. Em relação à situação antes da criação da AMPC, considera que a situação actual desta
unidade familiar é…
Muito pior____ Pior____ Igual____ Melhor____ Muito melhor____
6.3 Indique o que poderia ajudar a sua família a melhorar as actividades enumeradas na
pergunta 2.2).
Actividade 1
Actividade 2
Actividade 3
97
6.4 De que serviços carecem os membros deste fogão? _____________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
98
99Fotografia 1: Perspectiva da tabanca de Ancadaque, na ilha de Formosa
Fotografia 2: Chegada de canoa a Porto Nhominca - Ilha de Chediã
ANEXO V Fotografias
100
Fotografia 3 e 4: Transporte nas ilhas
101Fotografia 5: Ilha de Chediã
Fotografia 6: Focus-group com residentes da tabanca de Botai
102Fotografia 7: Fabrico artesanal de canapés em Acôco (Formosa)
Fotografia 8: Fabrico artesanal de esteiras
103Fotografia 9: Fabrico artesanal de esteiras
Fotografia 10: Processo de fabrico de óleo de palma
104Fotografia 11: Processo de fabrico de óleo de palma
Fotografia 12: Pesca artesanal
105Fotografia 13: Pesca artesanal
Fotografia 14: Pesca artesanal
106Fotografia 15: Colheita de arroz
Fotografia 16: Colheita de arroz
107
108