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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA ADRIANO WELLER RIBEIRO A EFETIVIDADE DAS DECISÕES DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE) MARÍLIA 2014

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

ADRIANO WELLER RIBEIRO

A EFETIVIDADE DAS DECISÕES DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE

DEFESA ECONÔMICA (CADE)

MARÍLIA

2014

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ADRIANO WELLER RIBEIRO

A EFETIVIDADE DAS DECISÕES DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE

DEFESA ECONÔMICA (CADE)

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza.

MARÍLIA

2014

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Ribeiro, Adriano Weller

A efetividade das decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). / Adriano Weller Ribeiro – Marília: Unimar, 2014.

129p.

Dissertação (Mestrado em direito) -- Curso de Direito da Universidade de Marília, Marília, 2014.

1. CADE 2. Decisões 3. Efetividade I. Ribeiro, Adriano Weller CDD – 341.378

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ADRIANO WELLER RIBEIRO

A EFETIVIDADE DAS DECISÕES DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA

ECONÔMICA (CADE)

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília

como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr.

Paulo Roberto Pereira de Souza.

Aprovado em: __/__/____

___________________________________________________

Coordenação do Programa de Mestrado em Direito

Considerações_______________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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Dedico este trabalho à minha esposa Bruna Elise Tramarin, por todo o tipo de privações que tivemos de passar no decorrer de mais essa etapa na constante busca pelo aprimoramento profissional.

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Prefacialmente, agradeço a Deus, pois sem a permissão do soberano criador do universo nada disso seria possível. Ao Professor José Gonzaga da Silva Neto por essa oportunidade ímpar de desenvolver os meus conhecimentos e capacidades pessoais; e aos Professores Mestres Sérgio Cardoso e Heloísa Helena de Almeida Portugal pela confiança em mim depositada. Ao Professor Doutor Ruy de Jesus Marçal Carneiro pela contribuição e orientação no início da pesquisa; ao Professor Doutor Paulo Roberto Pereira de Souza, meu orientador, pela colaboração e paciência; à Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira pelas valiosas ponderações e sugestões na elaboração deste trabalho; e aos professores do Programa de Mestrado pelos ensinamentos transmitidos e pelo enriquecimento intelectual que me proporcionaram. Aos meus pais; aos meus irmãos; aos demais familiares e amigos; aos colegas de mestrado; aos meus alunos; e a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a realização desta dissertação.

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[...] Até aqui nos ajudou o Senhor. (1 Samuel 7:12)

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A EFETIVIDADE DAS DECISÕES DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA

ECONÔMICA (CADE)

Resumo: O presente trabalho voltou-se para a efetividade das decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Para tanto, fez-se importante abordagem dos fundamentos e princípios da Ordem Econômica e financeira, previstos no Art. 170 da Constituição Federal, e dos limites impostos à livre iniciativa. Fez-se necessária uma análise da origem da legislação antitruste, ligada ao desenvolvimento da economia norte-americana, cumprindo trazer ao trabalho os objetivos das leis antitruste e a evolução da lei antitruste no Brasil para, somente assim, perceber-se quão intimamente estão relacionados o direito e a economia, bem como a necessidade de o Estado intervir sobre o domínio econômico, a fim de prevenir e coibir o abuso do poder econômico, caracterizado pela dominação dos mercados, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros. O Estado é responsável por normatizar e regulamentar a atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento; o caráter fiscalizador do Estado consiste em verificar se os agentes ou sujeitos econômicos estão atuando conforme os preceitos normativos estabelecidos, o que é realizado, no âmbito administrativo, por intermédio do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Na sequência, o trabalho destacou a evolução histórica do SBDC e as inovações trazidas pela Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011 (nova Lei Antitruste). Realizou-se, ainda, uma análise do juízo de decidibilidade do CADE, abordando-se o controle de estruturas e de condutas, a natureza jurídica deste e as características das suas decisões, com a pertinente discussão acerca dos atos administrativos vinculados e discricionários. Abordou-se, ao final, a juridicização das decisões do CADE, complementando-se o estudo com informações estatísticas e levantamento de casos. Portanto, o estudo em questão discutiu a efetividade das decisões do CADE em virtude de estarem sujeitas à reapreciação, e revisão, por órgão do Poder Judiciário. Palavras-chave: CADE. Decisões. Efetividade.

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THE EFFECTIVENESS OF THE DECISIONS OF THE ADMINISTRATIVE COUNCIL

OF ECONOMICAL DEFENSE (ACED)

Abstract: The present work focused on the effectiveness of the decisions of the Administrative Council of Economical Defense (ACED). Therefore, it was deemed important an approach of the foundations and principles of the Economical and Financial Order, set forth in Art. 170 of the Federal Constitution, and of the limits imposed to the free initiative. It was deemed necessary an analysis of the origin of the legislation antitrust, linked to the development of the North American economy, accomplishing to bring to the work the objectives of the antitrust laws and the evolution of the antitrust law in Brazil for, only like this, to notice how intimately the right and the economy are related, as well as the need of the State to intervene on the economical domain, in order to prevent and to restraint the abuse of the economical power, characterized by the dominance of the markets, elimination of the competition and arbitrary increase of the profits. The State is responsible for normatizing and regulating the economical activity, exercising the fiscalization functions, incentive and planning; the character fiscalizator of the State consists of verifying if the agents or economical subjects are acting according to the established normative precepts, what is accomplished, in the administrative ambit, through the Brazilian System of Defense of the Competition (BSDC). In the sequence, the work detached the historical evolution of BSDC and the innovations brought by the Law n. 12.529, of November 30th, 2011 (new Antitrust Law). An analysis of the judgement of decidability of the ACED, was also made approaching the control of structures and of conducts, the juridical nature of it and the characteristics of its decisions, with the pertinent discussion concerning the linked administrative acts and discretionary. It was approached, at the end, the judicialization of the decisions of the ACED, complementing the study with statistical information and rising of cases. Therefore, the study in question discussed the effectiveness of the decisions of the ACED in order to be subject to the reappreciation, and revision, for organ of the Judiciary Power. Keywords: ACED. Decisions. Effectiveness.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9

1 OS LIMITES DA LIVRE INICIATIVA E OS PRINCÍPIOS DA ORDEM

ECONÔMICA E FINANCEIRA ......................................................................................... 10

1.1 A REGULAÇÃO DA ECONOMIA PELO TEXTO CONSTITUCIONAL .................... 10

1.2 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ATIVIDADE ECONÔMICA ............................ 14

1.3 FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA ...... 17

2 A POLÍTICA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA ..................................................... 28

2.1 O SURGIMENTO DAS LEIS ANTITRUSTES .............................................................. 28

2.2 OS OBJETIVOS DAS LEIS ANTITRUSTES ................................................................. 32

2.3 A POLÍTICA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL ................................. 36

3 DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE) ......... 43

3.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA

CONCORRÊNCIA (SBDC) ................................................................................................... 43

3.2 AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA N. 12.529, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2011.... 49

4 ANÁLISE DO JUÍZO DE DECIDIBILIDADE DO CADE ........................................... 54

4.1 ESTRUTURAS E CONDUTAS ....................................................................................... 54

4.2 A NATUREZA JURÍDICA DO CADE ........................................................................... 59

4.3 AS CARACTERÍSTICAS DAS DECISÕES DO CADE ................................................ 63

4.4 ATOS ADMINISTRATIVOS VINCULADOS E DISCRICIONÁRIOS ........................ 66

5 A JURIDICIZAÇÃO DAS DECISÕES DO CADE ........................................................ 71

5.1 DO CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO ...................................... 71

5.2 O CADE NOS TRIBUNAIS ............................................................................................. 75

5.3 ESTUDO DE CASOS ....................................................................................................... 76

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 84

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 89

ANEXO .................................................................................................................................. 95

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve como objetivo analisar a efetividade das decisões do

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). O tema em estudo insere-se no

campo do Direito Antitruste, voltando-se a pesquisa para a atual sistemática de defesa da

concorrência brasileira.

Conforme a legislação, o CADE é entidade judicante com jurisdição em todo território

nacional, constituindo em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça. Logo,

cabendo à autarquia decidir, em última instância, sobre matéria concorrencial, analisando os

comportamentos adotados pelos agentes econômicos em defesa da livre concorrência e

reprimindo práticas infrativas à ordem econômica, seria cabível o reexame de suas decisões

pelo Poder Judiciário? Qual o fudamento?

Para contextualizar o estudo, fez-se importante abordagem dos fundamentos e

princípios da Ordem Econômica e financeira, previstos no Art. 170 da Constituição Federal, e

dos limites impostos à livre iniciativa.

Posteriormente, fez-se necessária uma análise da origem da legislação antitruste,

ligada ao desenvolvimento da economia norte-americana, cumprindo trazer ao trabalho os

objetivos das leis antitruste e a evolução da lei antitruste no Brasil para, somente assim,

perceber-se quão intimamente estão relacionados o direito e a economia, bem como a

necessidade de o Estado intervir sobre o domínio econômico, a fim de prevenir e coibir o

abuso do poder econômico, caracterizado pela dominação dos mercados, eliminação da

concorrência e aumento arbitrário dos lucros.

Na sequência, o trabalho destacou a evolução histórica do SBDC e as inovações

trazidas pela Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011 (nova Lei Antitruste), que substituiu a

Lei n. 8.884, em 11 de junho de 1994.

Realizou-se, ainda, uma análise do juízo de decidibilidade do CADE, abordando-se o

controle de estruturas e de condutas, a natureza jurídica deste e as características das suas

decisões, com a pertinente discussão acerca dos atos administrativos vinculados e

discricionários.

Abordou-se, ao final, a juridicização das decisões do CADE, complementando-se o

estudo com informações estatísticas e levantamento de casos.

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1 OS LIMITES DA LIVRE INICIATIVA E OS PRINCÍPIOS DA ORDEM

ECONÔMICA E FINANCEIRA

O presente trabalho tem como objetivo analisar a efetividade das decisões do Conselho

Administrativo de Defesa Econômica (CADE). O tema em estudo insere-se no campo do

Direito Antitruste, voltando-se a pesquisa para a atual sistemática de defesa da concorrência

brasileira.

Contudo, antes de adentrar propriamente ao tema, para sua melhor compreensão,

imperioso analisar os limites impostos à livre iniciativa – fundamento não só da Ordem

Econômica e Financeira, mas da própria República Federativa do Brasil – pela Constituição

Federal de 1988.

Para tanto, considera-se o contexto em que está inserida a liberdade de iniciativa;

abordando-se a regulação da economia pelo Texto Constitucional, a intervenção do Estado na

atividade econômica, e os demais fundamentos e princípios da Ordem Econômica brasileira.

1.1 A REGULAÇÃO DA ECONOMIA PELO TEXTO CONSTITUCIONAL

A regulação constitucional da atividade econômica é um acontecimento histórico

relativamente recente, porquanto aliado à passagem do Estado Liberal ao Estado Social.

As constituições da primeira geração do constitucionalismo (verbi gratia, a

Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, e as Constituições Francesas de 1791

e 1793), não continham disposições destinadas a reger o fato econômico. De fato, o “[...]

núcleo essencial das primeiras constituições escritas é composto por normas de repartição e

limitação do poder, aí abrangida a proteção dos direitos individuais em face do Estado” 1.

As Constituições positivadas sob a égide do Liberalismo preocuparam-se,

principalmente, em declarar direitos fundamentais do indivíduo perante o Estado (conhecidos

como direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão) bem como em instituir

mecanismos que assegurassem a limitação do poder do Estado (separação funcional dos

poderes e formas de controle recíproco entre os poderes – sistemas de freios e contrapesos);

os princípios básicos a serem respeitados eram a autonomia da vontade do indivíduo e a

liberdade negocial, incluída, aqui, a liberdade de empresa (laissez faire, laissez passer, le

monde va de lui-même – deixem fazer, deixem passar, o mundo vai por si mesmo). Assim,

1 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 62-63.

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sendo as Constituições instrumentos político-jurídicos da classe burguesa hegemônica, não

fazia qualquer sentido se cogitar algo como uma constituição econômica.

Nota-se, no entanto, que o ideário liberal – em síntese, caracterizado pela abstenção

estatal em matéria econômica – resultou em gravíssimos conflitos de classes sociais ao longo

do Século XIX, que culminaram na crise do próprio sistema e na superação do citado modelo

de Estado.

As leis naturais do mercado e da Economia foram incapazes de, por si só, distribuir a

riqueza produzida entre as três classes principais: os capitalistas, os proprietários de terras e os

operários “livres” – que, para sobreviver, teriam de vender sua força de trabalho em troca de

um salário, este, incapaz de assegurar-lhes uma existência minimamente digna, visto que:

Fruto desse aparente “desinteresse” jurídico pelo fato econômico, de que se nutriu o Estado Liberal, foram a exacerbação do capitalismo [sic] e a sua conseqüente [sic] confrontação com o operariado, dando origem à Questão Social, a exigir uma constituição econômica ou um direito especial da economia, em que o Estado, embora não se substituísse ao mercado, interviesse minimamente nas suas disputas através de normas e/ou institutos que, embora assegurassem o direito de propriedade, a liberdade de empresa e a liberdade de trabalho – como direitos fundamentais econômicos –, não permitissem abusos em seu exercício.2

No plano mundial, foi somente ao final da Primeira Grande Guerra (1914-1918),

concomitante ao surgimento do Estado Social Democrático, que passou a existir nas

constituições positivadas um conjunto de normas destinado a tutelar a atividade econômica,

ou seja, uma constituição econômica no corpo da própria Constituição; nesta senda, as

Constituições do México (1917) e de Weimar, na Alemanha (1919).

Na mesma esteira, a Revolução Russa de 1917 transformou em realidade um modelo

radicalmente oposto ao Liberalismo – o Socialismo – que aboliu a propriedade privada dos

meios de produção e adotou a total planificação da atividade econômica pelo Estado;

abolindo, desta feita, também a livre iniciativa.

No cenário brasileiro, com o escopo de “organizar um regime democrático, que

assegurasse à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico”3, foi

promulgada a Constituição de 1934; a qual, pioneiramente, albergou em seu bojo matéria

econômico-social, uma vez que:

2 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1289. 3 BRASIL. Constituição (1934). Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, DF, Poder Legislativo, 16 jul. 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm. Acesso em: 10 jan. 2014.

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[...] foi inserido um título autônomo – “Da Ordem Econômica e Social” –, que veiculava um discurso intervencionista e inovador em todos os sentidos – tanto na estrutura como na própria essência –, que começava por introduzir os princípios da justiça social e das necessidades da vida nacional, de modo a possibilitar a todos uma existência digna, além de garantir a liberdade econômica dentro de tais limites, como elementos fundamentais para a organização da ordem econômica [...].4

Forçoso inferir-se, portanto, que a constitucionalização da Ordem Econômica e Social,

em 1934, nada mais foi que um esforço do legislador constituinte em fortalecer a ideologia de

um welfare state brasileiro, em busca da convergência entre liberdade e igualdade, e da

conciliação da democracia liberal com um ideário de vertente mais social. E este tem sido o

modelo de constituição econômica adotado desde então.

Observa-se que o constituinte de 1988, também agrupou normas constitucionais de

caráter econômico em um título específico – que denominou “Da Ordem Econômica e

Financeira” –, o qual, não por acaso, antecede o título destinado à disciplina da Ordem Social,

fazendo-o certamente no afã de conformar a realidade econômica sob a ótica do bem-estar e

da justiça social, pois, o ordenamento jurídico somente considerará legítima a atividade

econômica que tenha como fundamento e objetivo garantir a todos condições materiais

assecuratórias de uma existência digna (mínimo vital).

Insta consignar que, a Ordem Econômica e Financeira não é outra coisa senão o plexo

de princípios e regras presentes no corpo da Constituição, destinado a reger o fato econômico,

e, portanto, as relações monetárias entre as pessoas e destas com o ente estatal. Seu escopo é

traçar diretrizes para a distribuição efetiva de bens, serviços, circulação de riquezas e uso da

propriedade, estabelecendo as vigas mestras do sistema econômico do País, pois, esse:

[...] é o sentido proposto no Título VII, arts. [sic] 170 a 192, da Carta [sic] de 1988, que, sem sombra de dúvida, instaurou, entre nós, aquilo que os especialistas convencionaram chamar de constituição econômica. Constituição econômica é a parte da constituição total, encarregada de estatuir preceitos reguladores dos direitos e deveres dos agentes econômicos, delimitando, assim, o regime financeiro do Estado. [...] Na realidade, trata-se de um microssistema normativo, integrado à própria carta constitucional positiva, em cujo esteio erigem-se normas e diretrizes constitucionais que disciplinam, juridicamente, a macroeconomia. Tem como meta dar o arcabouço jurídico-constitucional à ordem econômica, assegurando seus elementos de natureza monetária, tributária e financeira, os quais irão conformá-la.5

4 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1289. 5 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1236.

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Desse modo, o título destinado à Ordem Econômica e Financeira na Constituição

Federal trata da atividade econômica em sentido amplo – serviços públicos e atividades

econômicas do setor privado, como o comércio, a indústria e a prestação de serviços –, razão

pela qual abarcou em seu conteúdo não só os fundamentos e princípios gerais informadores da

atividade econômica, mas as políticas de desenvolvimento urbano, agrícola, fundiária e de

reforma agrária, bem como disposições relativas ao sistema financeiro nacional.

A Constituição vigente é tipicamente dirigente, pois cuidou da estruturação e do

exercício do poder do Estado, estabelecendo os fins que devem ser perseguidos em toda a sua

atuação. O Estado instituído foi o Social Democrático, onde prevalece o caráter socialista de

igualdade material ou substancial, no sentido de se assegurar a todos, o mínimo necessário a

uma existência digna, pois: O Estado social no Brasil aí está para produzir as condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais. Não há para tanto outro caminho senão reconhecer o estado atual de dependência do indivíduo em relação às prestações do Estado e fazer com que este último cumpra a tarefa igualitária e distributivista, sem a qual não haverá democracia nem liberdade. A importância funcional dos direitos sociais básicos [...] consiste pois em realizar a igualdade na Sociedade, “igualdade niveladora”, volvida para situações humanas concretas, operada na esfera fática propriamente dita e não em regiões abstratas ou formais de Direito.6

Contudo, também originou, claramente, um Estado capitalista: é fundamento da

República o valor social da livre iniciativa (Art. 1º, IV); são fundamentos da ordem

econômica, dentre outros, a livre iniciativa, a propriedade privada e a livre concorrência (Art.

170, caput, e incisos II e IV). Ocorre que, no Capitalismo, as forças econômicas, deixadas a

seu alvedrio, resultam em concentração de riqueza, anulação da livre concorrência e,

sobretudo, em condições materiais de vida miseráveis para a quase totalidade da população.

Assim, é evidente que o Estado brasileiro tem como uma de suas funções inclináveis intervir

no setor econômico, de sorte a assegurar que a riqueza produzida seja efetivamente um meio

de prover a todos uma existência digna.

Portanto, a Constituição Federal expressou um ordenamento econômico composto dual, ou dualmente composto, posto que a Lex Mater por vezes pontua o Capitalismo Liberal, e, noutras tantas, traz a possibilidade de um dirigismo estatal.

6 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 378-379.

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Tal posicionamento é o adotado por Bulos7, ao afirmar que a Ordem Econômica na Constituição de 1988 possui uma postura híbrida, que ora torna saliente a hegemonia de um Capitalismo Neoliberal, ora permite o intervencionismo sistemático, aliado ao dirigismo planificador, enfatizando até elementos socializantes.

Entendimento um pouco diferente, mas não divergente, é manifestado por Grau8, quando sustenta que a Ordem Econômica Constitucional é o resultado do confronto de posturas e texturas ideológicas aninhadas no Texto Constitucional:

– a ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de mercado organizado, entendido como tal aquele afetado pelos preceitos da ordem pública clássica (Geraldo Vidigal); opta pelo tipo liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar a formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando o aumento arbitrário dos lucros – mas sua posição corresponde a do neoliberalismo ou social-liberalismo, com a defesa da livre iniciativa (Miguel Reale); (note-se que a ausência do vocábulo “controle” no texto do art. 174 da Constituição assume relevância na sustentação dessa posição); – a ordem econômica na Constituição de 1988 contempla a economia de mercado, distanciada porém do modelo liberal puro e ajustada à ideologia neoliberal (Washington Peluso Albino de Souza); a Constituição repudia o dirigismo, porém acolhe o intervencionismo econômico, que não se faz contra o mercado, mas a seu favor (Tércio Sampaio Ferraz Júnior); a Constituição é capitalista, mas a liberdade apenas é admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado (José Afonso da Silva).9

Em suma, embora a Constituição Federal não tenha fundado um Estado Socialista, também não instituiu um Estado Liberal clássico – diga-se, abstencionista, como pregado pela doutrina de Adam Smith –, pois na ordem jurídico-política organizada e estabelecida pelo Texto Constitucional, está prevista a intervenção estatal em determinados casos.

1.2 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ATIVIDADE ECONÔMICA

A atuação ou intervenção estatal na atividade econômica pode ocorrer sob três formas

distintas, a saber: intervenção por absorção ou participação (a), intervenção por direção (b) e

intervenção por indução (c). Por seu turno, as três formas antes transcritas podem ser

7 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1237. 8 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 193. 9 Ibidem, p. 190.

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sistematizadas sob dois aspectos de atuação, quais sejam, a intervenção no domínio

econômico e a intervenção sobre o domínio econômico.

Na primeira modalidade (intervenção no domínio econômico), o Estado age como

sujeito econômico, atuando diretamente na atividade econômica, por meio de empresas

públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias, quando necessário aos imperativos de

segurança nacional ou a relevante interesse coletivo; intervindo por absorção, quando age em

regime de monopólio, ou por participação, quando atua em concorrência com os demais

agentes do setor privado.

Na segunda modalidade, o Estado, enquanto interventor sobre o domínio econômico, é

responsável por regular e normatizar as atividades econômicas. A atuação indireta do Estado

na economia ocorre de diversas formas, visando, em linhas gerais, a corrigir as distorções que

se verificam quando os agentes econômicos podem atuar de modo totalmente livre

(merecendo destaque a coibição à formação de oligopólios, de cartéis, à pratica de dumping –

venda de produtos por preços inferiores aos custos –, enfim a vedação a qualquer prática

contrária à livre concorrência), pois: [...] o Estado intervirá sobre o domínio econômico, isto, sobre o campo da atividade econômica em sentido estrito. Desenvolve ação, então, como regulador dessa atividade. Intervirá, no caso, por direção ou por indução. Quando o faz por direção, o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito. Quando o faz, por indução, o Estado manipula os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.10

O Art. 174 da Constituição Federal de 1988 é cristalino ao tratar da intervenção estatal

indireta ou sobre o domínio econômico, ao preconizar que o Estado é responsável por

normatizar e regulamentar a atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização,

incentivo e planejamento.

Em vista de seu papel normativo e regulador, deve o ente estatal criar disposições

normativas que propiciem o desenvolvimento satisfatório das atividades econômicas,

atendendo aos preceitos estampados no Art. 170 da Constituição Federal e promovendo a

justiça social.

10 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 148-149.

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Assim, podemos balizar como principais formas de intervenção estatal indireta:

indução (a), fiscalização (b) e planejamento (c).

Na indução, o Poder Público direciona a atuação dos agentes econômicos privados,

incentivando determinadas atividades e desestimulando outras. Esta, portanto, pode ser

positiva (fomento), operando-se por meio de benefícios fiscais, subsídios, construção de

infraestrutura, financiamento de projetos etc., ou pode ser negativa, consubstanciando-se, por

exemplo, na imposição de elevadas alíquotas de tributos sobre a importação de determinados

produtos, na tributação exacerbada de produtos industriais lesivos à saúde ou perigosos para a

população (cigarros, bebidas, armas de fogo etc.), na cobrança de taxas progressivas em

função do nível da poluição provocada por indústrias etc.

A fiscalização é exercida primordialmente pela Administração Pública, manifestando-

se pelo exercício do poder de polícia. O Estado condiciona determinados comportamentos dos

particulares, proíbe outros, aplica sanções pelo descumprimento de suas determinações, enfim

atua visando a impedir que a prática de atividades privadas possa acarretar prejuízos à

população, aos consumidores, ao meio ambiente, à ordem pública ou à própria economia do

país.

Por derradeiro, o planejamento impede que o Estado atue de forma aleatória ou

caprichosa. É por meio do planejamento que o Estado pode identificar as necessidades

presentes e futuras dos diversos grupos sociais e orientar (inclusive mediante indução positiva

ou negativa) a atuação dos agentes econômicos visando ao atingimento de determinados fins.

Pode, ainda, o Estado produzir efeitos gerais sobre atividade econômica por meio de

políticas monetária e fiscal.

Ao adotar uma política monetária expansiva, o ente estatal aumenta a oferta de moeda

e reduz a taxa de juros básica, o que estimula majoritariamente os investimentos no setor

privado; haverá um aquecimento da economia, porém, a inflação e o superendividamento

também aumentam. Contrariamente, em uma política monetária restritiva, a oferta de moeda é

reduzida e a taxa de juros elevada, reduzindo os investimentos no setor privado; haverá

desaceleração da economia e diminuição da inflação.

A política fiscal irá atuar frente aos gastos e as receitas públicas. Se a atividade

econômica esta em queda, o Estado pode estimulá-la, aumentando os gastos públicos e

diminuindo a carga tributária, o que implica em crescimento no curto prazo, mas pode levar

ao endividamento público. Pode ocorrer o inverso, caso o objetivo seja diminuir o nível de

atividade econômica, os gastos públicos são reduzidos e a carga tributária aumentada, o que

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garante a estabilidade econômica, mas pode inibir o crescimento através da redução da

participação do setor público.

Há que se destacar, no presente capítulo, a função fiscalizatória do Estado no exercício

de sua atividade normativa e regulatória da economia. Em síntese, o caráter fiscalizador do

Estado consiste em verificar se os agentes ou sujeitos econômicos estão atuando conforme os

preceitos normativos estabelecidos. Para a efetivação da fiscalização no setor econômico

torna-se imprescindível a existência de normas e regulamentos que disciplinem as atividades

econômicas e a intervenção do Estado na iniciativa privada, uma vez que:

A fiscalização, como toda fiscalização, pressupõe o poder de regulamentação, pois ela visa precisamente controlar o cumprimento das determinações daquele e, em sendo o caso, apurar responsabilidades e aplicar penalidades cabíveis. Não fora assim o poder de fiscalização não teria objeto.11

Assim, o Estado dispõe de condições e mecanismos para atuar em defesa da

sociedade, encontrando e corrigindo as distorções do sistema econômico. Nesse passo, pode-

se afirmar que o poder interventivo estatal esta ancorado na contraposição de dois primados, a

liberdade de iniciativa e a liberdade de concorrência.

1.3 OS FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA

A Constituição Federal enumera, em seu Art. 170, os fundamentos e os princípios

gerais e informadores da atividade econômica:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

11 SILVA, Jose Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 808.

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Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.12

Como consignado alhures, nota-se que o constituinte originário prestigiou uma

economia de mercado de cunho capitalista, pois o caput do Art. 170 estabelece que a ordem

econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa.

No entanto, o referido dispositivo legal institui como finalidade dessa mesma ordem

assegurar a todos existência digna (mínimo vital), segundo os ditames da justiça social, pois:

[...] trata-se do pressuposto necessário ao exercício da autonomia, tanto pública quanto privada. Para poder ser livre, igual e capaz de exercer plenamente a sua cidadania, todo indivíduo precisa ter satisfeitas as necessidades indispensáveis à sua existência física e psíquica. O mínimo existencial corresponde ao núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais e seu conteúdo equivale às pré-condições para o exercício dos direitos individuais e políticos, da autonomia privada e pública.13

Com efeito, em vez de assumir como um dado inelutável a consagrada cisão entre

“capital e trabalho”, o histórico antagonismo entre “empresário e trabalhador”, o texto

constitucional procura transmitir uma ideia de integração, de harmonia, de sorte que assegura

a livre iniciativa (e, assim, a apropriação privada dos meios de produção, a liberdade da

empresa), mas determina que o resultado dos empreendimentos privados deve ser a

concretização da justiça social, o que exige, entre outras coisas, a valorização do trabalho

humano.

De todos os fatores de produção, portanto, o trabalho humano deve ser colocado em

primeiro lugar. O empreendedorismo é um valor consagrado, desde que valorize o trabalho

humano e contribua par assegurar a existência digna.

O Art. 1° da Lei Maior eleva à condição de princípio fundamental os valores sociais

do trabalho, lado a lado com a livre iniciativa, e, logo após a dignidade da pessoa humana: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana;

12 BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 05 out. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 13 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 276.

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IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.14

A dignidade humana é um valor fundamental. Valores, sejam políticos ou morais,

ingressam no mundo do Direito, assumindo, frequentemente, a forma de princípios. Portanto,

é a dignidade da pessoa humana, um princípio jurídico de status constitucional.

Para Barroso15, a dignidade, como valor e como princípio, funciona tanto como

justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos fundamentais. E, além

de fonte direta de direitos e deveres no ordenamento jurídico; no seu papel interpretativo, o

princípio da dignidade humana vai informar o sentido e o alcance dos direitos constitucionais,

pois nos casos envolvendo lacunas no ordenamento jurídico, ambiguidades no direito,

colisões entre direitos fundamentais e tensões entre direitos e metas coletivas, a dignidade

humana pode ser uma boa bússola na busca da melhor solução.

Nesse sentido, importante salientar que, os fundamentos da República Federativa do

Brasil são princípios estruturantes, pilares que sustentam a constituição – no sentido literal da

palavra – do Estado brasileiro.

E, embora a Constituição seja de conteúdo Capitalista16, percebe-se aqui a influência

Social-democrata, porquanto o Texto Constitucional não se descuidou do trato da questão

social, sobretudo valorizando o trabalho humano livre, isso porque o labor dignifica a pessoa

e a insere no conceito de cidadão, atuante no crescimento do Estado e da sociedade: [...] o trabalho, certamente, dignifica a existência terrena, e, quando livre e criativo, liga o homem a Deus. Daí a Constituição enfatizar o respeito e a dignidade ao trabalho em diversos lugares (arts. [sic] 5°, XIII, 6°, 7° etc.), para dizer que a garantia ao trabalho engloba empregados e empregadores, autônomos e assalariados. Aliás, para alcançar o seu desígnio constitucional, o labor deve ser livre. Daí o constituinte tê-lo encampado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, banindo o trabalho escravo. E, ao prescrever os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a Constituição aduziu que a ordem econômica se funda nesse primado, valorizando o trabalho do homem em relação à economia de mercado, nitidamente capitalista. Priorizou, pois, a intervenção do Estado na

14 BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 05 out. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 15 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 273. 16 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 191.

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economia, para dar significação aos valores sociais do trabalho. Estes, ao lado da iniciativa privada, constituem um dos pilares do Estado brasileiro.17

Como assinala Bulos18, o trabalho humano foi priorizado como valor constitucional

supremo em detrimento dos demais valores integrantes da economia de mercado.

A seu turno, a consagração da livre iniciativa, como uma das bases da Ordem

Econômica e Financeira, significa que é através da atividade socialmente útil a que se

dedicam livremente os indivíduos, segundo suas inclinações, que se procurará a realização da

justiça social e, portanto, do bem-estar social.

No sentido empregado pela Constituição, deve a livre iniciativa ser entendida em seu

sentido lato, ou seja, a liberdade de iniciativa constituída pela liberdade de trabalho e de

empreender, conjugada com a liberdade de associação, tendo como pressupostos o direito de

propriedade, a liberdade de contratar e de comerciar, pois:

[...] a liberdade de iniciativa econômica no mercado possui conteúdo ambíguo. Ela designa tanto liberdade de empresa, como liberdade de acesso ao exercício de profissões (liberdade de trabalho). Subentende igualmente liberdade contratual, que permite ao agente econômico produzir, comprar, vender, fixar preço, quantidades em função de sua vontade, limitada pela reciprocidade contratual.19

Contudo, a livre iniciativa não deve ser admitida em termos absolutos, completamente

isenta de condicionamentos, pois estes surgem ao mesmo tempo em que se verifica a

necessidade de garantir a realização do bem-estar coletivo e da justiça social.

Não é demais lembrar que, a Lei Suprema possui como cerne a dignidade da pessoa

humana. E, embora esse fundamento seja anunciado juntamente com outros no Art. 1º da

Constituição, uma análise dinâmica e sistêmica do Texto Constitucional permite entrever que

todos os preceitos constitucionais devem ser interpretados à luz do referencial da dignidade

humana.

Compartilhando desse entendimento, Bulos20 sustenta que o primado da dignidade da

pessoa humana agrega ao redor de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do

homem, pois quando a Constituição proclama tal vetor, está consagrando um imperativo de

justiça social; seu conteúdo é vasto e altivo, envolve valores espirituais (liberdade de ser,

pensar, criar etc.) e materiais (renda mínima, saúde, alimentação, lazer, moradia, educação

17 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 391. 18 Ibidem, p. 1238. 19 DERANI, 2000, p. 174 apud TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 236. 20 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit., p. 389.

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etc.). Tanto que este pontua acerca da importância da dignidade humana na exegese

constitucional:

[...] a dignidade da pessoa humana, enquanto vetor determinante da atividade exegética da Constituição de 1988, consigna um sobreprincípio, ombreando os demais pórticos constitucionais, como o da legalidade (art. [sic] 5°, II), o da liberdade de profissão (art. [sic] 5°, XIII), o da moralidade administrativa (art. [sic] 37) etc. Sua observância é, pois, obrigatória para a exegese de qualquer norma constitucional, devido à força centrípeta que possui. Assim, a dignidade da pessoa humana é o carro chefe dos direitos fundamentais na Constituição de 1988. Esse princípio conferiu ao texto uma tônica especial, porque impregnou-lhe com a intensidade de sua força. Nesse passo, condicionou a atividade do intérprete.21

Logo, tendo como norte a valorização do trabalho humano, a livre iniciativa, a

dignidade da pessoa humana e a justiça social, a Lei Fundamental aponta como princípios

gerais da atividade econômica: a soberania nacional, a propriedade privada e a sua função

social, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução

das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido

para as empresas de pequeno porte.

Segundo Bulos22 tais princípios consubstanciam-se em normas-síntese ou normas-

matriz, equivalentes aos fundamentos sobre os quais dever-se-á interpretar o sistema

econômico brasileiro; pois, na dicção do Art. 170, estes preceitos sistematizam a esfera de

atividades criadoras e lucrativas, com vistas à redução das desigualdades sociais.

A soberania nacional econômica (Art. 170, I, CF) diz respeito à formação de um

capitalismo nacional autônomo, sem ingerências externas.

O fato de o constituinte originário ter enunciado a soberania nacional – que, como

visto acima, também é um dos fundamentos da República (Art. 1º, I) – como princípio básico

da Ordem Econômica e Financeira, não implica, como aparenta, em redundância. Apenas quis

o legislador consolidar a noção de não-ingerência de outros Estados com maior poderio

econômico no Brasil. Sendo a política econômica assunto brasileiro, voltada para os interesses

brasileiros, deve ser elaborada sem interferência de pressões e interesses econômicos

alienígenas.

Destaque-se que, o conceito de Soberania apresenta duas facetas, uma externa, ligada à

independência da República Federativa do Brasil perante aos Estados estrangeiros e

21 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 390. 22 Ibidem, p. 1238.

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organismos internacionais, e outra interna, ligada à relação do poder soberano com os demais

poderes que possam existir dentro do território brasileiro. No segundo aspecto:

[...] o vetor em estudo confere ao Estado brasileiro autoridade máxima – summa potestas – dentro do seu território, não se submetendo a qualquer outro poder. Nessa seara, pessoas físicas ou jurídicas, agrupamentos públicos ou privados, todos, sem exceção, devem-lhe obediência. A soberania interna, por assim dizer, engloba as capacidades de auto-organização (poder do Estado de editar suas próprias normas, a começar pela Carta [sic] Magna), autogerenciamento financeiro (poder do Estado de gerir negócios próprios no âmbito das relações, econômicas – CF, art. [sic] 170, I) e autogoverno (poder do Estado de se auto-administrar).23

A propriedade privada também é estatuída como princípio da Ordem Econômica e

Financeira (Art. 170, II, CF), fato que denota a índole do sistema econômico, que se funda na

iniciativa privada.

Repise-se, que se a Constituição Federal em vigor originou um Estado Capitalista, em

decorrência lógica, será permitida a apropriação privada dos meios de produção; contudo, a

propriedade deverá atender a sua função social – outro preceito geral da mencionada ordem

(Art. 170, III, CF) –, e isto significa ter seu uso condicionado ao bem-estar social e ao

interesse coletivo (conforme o disposto no Art. 5º, XXII e XXIII, CF).

A livre concorrência, igualmente, ocupa o posto de princípio informador da atividade

econômica (Art. 170, IV, CF). Tal preceito tem por objetivo assegurar o regime de livre

mercado, sendo, portanto, incompatível com o abuso do poder econômico, pois:

[...] relaciona-se à exigência de que a ordem econômica assegure a todos uma existência digna. Isso porque, em um ambiente no qual impere a dominação dos mercados pelo abuso de poder econômico, teremos lucros arbitrários e concentração de renda. Além disso, a economia tende a ser menos eficiente, reduzindo de forma global a própria produção absoluta de riqueza. Todas essas distorções são incompatíveis com o objetivo de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (art. [sic] 170, caput). O “abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” será reprimido na forma da lei (CF, art. [sic] 173, § 4.°). Como reforço, estabelece o texto constitucional que a lei disporá acerca da responsabilidade das pessoas jurídicas, sujeitando-as às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra ordem econômica e financeira e contra a economia popular, sem prejuízo da responsabilidade individual de seus dirigentes (art. [sic] 173, § 5.°).24

23 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 387-388. 24 PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado / Vicente Paulo, Marcelo Alexandrino. – 7. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 1023.

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Deve, portanto, o ente estatal atuar em defesa da livre concorrência, coibindo o uso

desmesurado e anti-social do poder econômico, e impondo medidas sancionatórias às

condutas tidas como violadoras da Ordem Econômica e Financeira, como, por exemplo, a

formação de cartéis, a venda casada, o preço predatório, os acordos de exclusividade e

quaisquer outras formas prejudiciais ao equilíbrio do mercado.

Da mesma forma, a defesa do consumidor é tratada como princípio da ordem

econômica (Art. 170, V, CF).

O preceito enunciado pelo inciso V do Art. 170 incorpora-se à diretriz estabelecida

pelo caput deste mesmo dispositivo, no sentido de que o fim da Ordem Econômica e

Financeira é assegurar a todos uma existência digna, pois é mediante relações de consumo que

as pessoas adquirem os bens materiais necessários à obtenção, pelo menos, de seu mínimo

existencial.

Na realidade social, constata-se uma enorme disparidade de poder econômico entre o

consumidor e as empresas vendedoras dos bens ou prestadoras dos serviços que ele necessite

adquirir, sendo essa discrepância mais acentuada no caso justamente daqueles que mal têm

possibilidade de obter o seu mínimo vital.

Em outras palavras, o consumidor, como regra, é hipossuficiente quando comparado

economicamente com seus fornecedores de bens e serviços. Em casos que tais, o Direito

“compensa” essa desigualdade material ou fática instituindo uma desigualdade jurídica em

favor dos hipossuficientes, mediante regras protetivas imperativas, isto é, não passíveis de

derrogação por meio de um pretenso “acordo de vontades”.

Assim, “praticar livremente o exercício da atividade empresarial não significa anular

direitos das pessoas físicas ou jurídicas, que adquirem ou utilizam produtos ou serviços como

destinatários finais”25; razão bastante para que o ente estatal promova a defesa do

consumidor, amparando a parte mais fraca das relações de consumo e tutelando seus

interesses (Art. 5º, XXXII, CF).

Ainda, quanto aos limites impostos à liberdade de iniciativa, deve-se considerar que:

No tocante à efetivação dos preceitos de nossa constituição do consumidor, não é demais insistir que estando configurados, em sua grande maioria, como direitos sociais e mediante normas-princípios, padecem eles das mesmas limitações inerentes aos direitos a prestações, em geral; em razão disso, também, estão “obrigados” a participar do jogo – concertado – de restrições e complementações recíprocas em que consiste o processo de concretização dos princípios e valores constitucionais. A propósito, lembremos que a defesa do consumidor figura no art. [sic] 170 da nossa

25 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1239.

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Constituição no mesmo patamar da propriedade privada e da livre concorrência, o que significa dizer que se entrar em disputa com qualquer delas, a sua “otimização” estará sujeita às mesma condições, de fato e de direito, que presidem a concretização dos princípios jurídicos em geral.26

Posto isso, tanto a defesa do consumidor, quanto a propriedade privada e a livre

concorrência – ou qualquer outro princípio – estão igualmente vocacionados à conformação

da interpretação da Ordem Econômica e Financeira.

A defesa do meio ambiente também está inserida entre os princípios cardeais da ordem

econômica (Art. 170, VI, CF).

Ao inscrevê-la como preceito, o constituinte originário ponderou que a atividade

econômica não se torna legítima pelo simples fato de produzir riquezas; pois ainda que tais

riquezas fossem distribuídas de forma equânime – o que viria de encontro à exigência de

assegurar a todos existência digna –, a atividade que impactasse o meio ambiente seria

rechaçada pelo ente estatal, uma vez que, não basta produzir riquezas, hoje, a qualquer custo

ambiental. A atividade econômica de que resulte produção de riqueza, mesmo que esta seja

bem distribuída, só se legitima se for compatível com a proteção do meio ambiente,

consubstanciando o denominado “desenvolvimento sustentável”. Com efeito, ainda que a

produção ambientalmente irresponsável de riqueza pudesse gerar algum desenvolvimento

hoje, resultaria, inexoravelmente, na ruína das gerações futuras.

Sob esta perspectiva, “não se pode olvidar que o meio ambiente está protegido com

uma única finalidade: propiciar o bem-estar do ser humano, bem como o das futuras

gerações”27; pois, como já anotado, o eixo central da Constituição Federal – e de todo o

ordenamento jurídico pátrio – é o ser humano.

Sendo assim, destaca Bulos28, a defesa do meio ambiente corrobora um limite ao

exercício da livre iniciativa e da livre concorrência. Por isso, veio inscrita como um dos

princípios constitucionais regentes da ordem econômica. Sendo facultado ao Poder Público

interferir, de modo drástico, nos atos atentatórios à ecologia, mesmo porque a Constituição

proíbe atividades produtivas agressoras ao ecossistema.

26 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1297. 27 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 187. 28 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1239.

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Noutra ótica, como bem assinala Tavares29, o desenvolvimento não há de ser tolhido

pela proteção ao meio ambiente, tampouco a questão ambiental poderá ser desconsiderada

pelo desenvolvimento econômico; sua conciliação há de ser alcançada pela utilização do

critério da ponderação e da proporcionalidade, procurando preservar, na maior intensidade, os

valores contrapostos.

Não obstante a redução das desigualdades regionais e sociais constar no Texto

Constitucional como um dos objetivos fundamentais da República Federal (Art. 3º, III),

constitui-se também em princípio informador da atividade econômica (Art. 170, VII). E,

acerca do conteúdo do preceito em comento, tem-se que:

[...] o mesmo impõe que o desenvolvimento econômico e as estruturas normativas (liberais) criadas para fundamentar o crescimento econômico devam estar voltados também à redução das desigualdades em todas as regiões do país, bem como ao desenvolvimento social. Para tanto, poder-se-á utilizar, especialmente, da implementação de políticas públicas, como incentivos, buscando reduzir as diferenças entre essas regiões e alcançar melhorias de ordem social. É por isso que a análise da constitucionalidade de incentivos estatais e preferências fiscais não pode ficar restrita à livre-iniciativa e livre concorrência [...].30

Paulo31 advoga a tese de que, tanto a redução das desigualdades regionais e sociais,

como a busca do pleno emprego, não são exatamente princípios e sim objetivos. Pois,

segundo ele, basta lembrar “que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil

‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’ (CF,

Art. 3.°, III)”.

Com efeito, a busca do pleno emprego – também princípio da Ordem Econômica e

Financeira (Art. 170, VIII, CF) – coaduna-se com a valorização do trabalho humano

(estampada no caput da mesma prescrição constitucional), uma vez que: Na criação e aplicação de medidas de política econômica deverá o Estado preocupar-se em proporcionar o pleno emprego, situação em que seja, na medida do possível, aproveitada pelo mercado a força de trabalho existente na sociedade. É princípio que se harmoniza e caminha no sentido de concretizar um dos fundamentos da ordem econômica, anteriormente mencionado, dirigido à valorização do trabalho humano, também com a justiça social e com a implementação de uma sociedade livre e igual.32

29 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 186. 30 Ibidem, p. 200. 31 PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado / Vicente Paulo, Marcelo Alexandrino. – 7. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 1027. 32 TAVARES, André Ramos. Op. Cit., p. 205.

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Bulos33 classifica a busca do pleno emprego como matéria controvertida e

contraditória, asseverando ser o pleno emprego algo inexistente no País, e, portanto, apenas

mais uma ilusão constitucional.

Parecer semelhante é dado por Silva34, ao explicar que o emprego pleno

consubstancia-se na inexistência de desempregados, tratando-se, portanto, de uma situação

ficta; pois por mais próspera que seja, uma sociedade sempre terá algum desemprego, por

menor que seja.

Ambos, de certo modo, não deixam de ter razão. A teoria de Marx, já contemplava a

existência de um exército industrial de reserva – excesso de trabalhadores que não consegue

emprego –, pois “o sistema produtivo é incapaz de absorver toda a população que chega ao

mercado”35. Pode-se depreender, desta feita, que o desemprego é inerente ao próprio sistema

capitalista.

Por derradeiro, o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte também é

estatuído como princípio da Ordem Econômica e Financeira (Art. 170, IX, CF).

Inicialmente, tal preceito pode parecer contrário ao da livre concorrência, que propõe

condições isonômicas na competição econômica; todavia:

O tratamento favorecido para esse conjunto de empresas revela, contudo, a necessidade de se proteger os organismos que possuem menores condições de competitividade em relação às grandes empresas e conglomerados, para que dessa forma efetivamente ocorra a liberdade de concorrência (e de iniciativa). É uma medida tendente a assegurar a concorrência em condições justas entre micro e pequenos empresários, de uma parte, e de outra, os grandes empresários.36

Há de se reconhecer, portanto, o esforço do legislador constituinte em promover o

desenvolvimento social por meio do tratamento diferenciado às empresas de menor porte

mercantil, visto que tais empresas são as que possuem maiores dificuldades para a

manutenção de suas atividades e consecução de seus objetivos.

Assim, o princípio em tela guarda relação não só com os princípios da livre iniciativa e

livre concorrência, mas também com o princípio do desenvolvimento nacional (Art. 3º, II,

CF), gerando empregos e riqueza para a Nação.

33 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1239. 34 SILVA, 1996, p. 78 apud TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 205. 35 ARAÚJO, Carlos Roberto Vieira. História do pensamento econômico: uma abordagem introdutória. 1. ed. (1986), 14. tir. São Paulo: Atlas, 1988, p. 69. 36 TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 211.

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À vista do exposto, a Constituição Federal dispõe de um conjunto de normas –

princípios e regras – que dão status jurídico à Ordem Econômica e Financeira.

O Art. 170 estatui, de um lado, os fundamentos e a finalidade dessa ordem, e de outro,

os seus princípios gerais.

Os fundamentos descritos no Texto Constitucional são a valorização do trabalho

humano e a livre iniciativa. A finalidade é assegurar a todos existência digna conforme os

ditames da justiça social. Os princípios gerais são a soberania nacional, a propriedade privada,

a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do

meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o

tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

Em que pese nomenclatura ora atribuída – fundamentos, finalidade e princípios gerais

–, não há dúvida quanto a natureza principiológica de todos estes comandos, na medida em

que se constituem em preceitos informadores da atividade econômica e financeira.

Por isso, todos estão vocacionados à conformação da interpretação da ordem

econômica e financeira, como valores equivalentes, estando sujeitos a condicionamentos e

complementações recíprocas.

Ademais, a exegese da Ordem Econômica e Financeira deverá ser realizada de

maneira dinâmica e sistêmica, sendo que os princípios atinentes à tal ordem só poderão ser

compreendidos à luz dos demais princípios constantes da Lei Maior.

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2 A POLÍTICA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

A política de defesa da concorrência, ou política antitruste, é parte integrante do

arsenal de instrumentos utilizados pelo ente estatal para fazer frente às distorções do sistema,

causadas pelo abuso do poder econômico.

A origem da legislação antitruste está intimamente ligada ao desenvolvimento da

economia dos Estados Unidos da América (EUA), onde surgiu com o escopo de corrigir as

falhas causadas pelo poder de mercado, entendido como a capacidade de restringir a produção

e elevar os preços. Em outras palavras, a finalidade precípua do antitruste era preservar o

sistema de mercado e a liberdade de atuação dos agentes econômicos, incentivando a

competitividade que fora abalada pela excessiva acumulação de capital.

Com efeito, o mais importante diploma legal a reagir contra a concentração de

mercado foi o americano Sherman Act, de 1890.

2.1 O SURGIMENTO DAS LEIS ANTITRUSTES

Com o fim da Guerra Civil, em 1865, a economia norte-americana voltou a crescer.

Vastas pradarias do Oeste, ocupadas por levas de imigrantes vindos da Europa, começaram a

serem incorporadas ao progresso geral dos EUA.

Quatro setores econômicos – ferrovias, finanças, siderurgia e petróleo – conheceram

notável proeminência, acompanhada de crescente concentração de capitais e recursos nas

mãos de poucos. Em um curto espaço de tempo, os barões sulistas do tabaco e do algodão –

que dominaram o cenário desde a fundação da República, em 1776 – deram lugar aos barões

da indústria e da finança.

Em 1870, a integração proporcionada pelo avanço das estradas de ferro expandiu o

mercado, ensejando significativas mudanças na forma de concorrência.

Empresas ligadas às ferrovias iniciaram um processo de competição predatória;

descontos expressivos eram concedidos, com o sacrifício cada vez maior do lucro. A fim de

solucionar o problema, algumas empresas se associaram, entabulando acordos para disciplinar

as suas formas de atuação no mercado e neutralizar a competição direta em preços; nasciam

os trustes.

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O termo truste trata-se de uma adaptação da expressão em inglês trust, que significa

“confiança” ou “confiar em”37. Os trustes podem ser entendidos como a associação de duas

ou mais empresas que já detém um determinado nível de controle mercadológico e são, de

certa forma, concorrentes; mas que se unem formando um grupo homogêneo que irá garantir

um domínio maior do mercado eliminando a concorrência.

Ocorre que, esta fantástica fórmula de amealhar capital ofendia o espírito igualitário e

democrático que embalava grande parte dos cidadãos norte-americanos, os quais não

compactuavam com as táticas utilizadas por essas empresas para alijar seus concorrentes,

eliminando-os com truques sujos de competição (dumping, sabotagens, coação, etc.).

Desse modo, o processo de mudança na forma de concorrência culminou em uma forte

concentração de mercado, com a diminuição do número de empresas e convergência do poder

de econômico, exigindo a criação de uma política de defesa da concorrência, pois:

Política de concorrência é o termo utilizado na Europa para o que surgiu nos Estados Unidos como política antitruste. As origens da política coincidem com o processo de concentração e centralização de capital que teve lugar nos países industrializados no último quarto do século XIX. Tal processo foi acompanhado com grande apreensão por parte dos cidadãos norte-americanos, que viam ameaçado um dos pilares da organização da sua sociedade: a livre iniciativa, tolhida pela concentração do poder econômico [...]. Em 1882 formou-se o Standard Oil Trust, a primeira consolidação, que estimulou o surgimento de outras nas indústrias de açúcar, uísque, couro, algodão, óleos comestíveis etc. [Lampreaux (1985)] Foi um momento de mudança radical no ambiente industrial norte-americano, mais de 1.800 firmas desapareceram em consolidações, muitas adquiriram parcela substancial dos mercados em que operavam. Das 93 consolidações relatadas por Lampreaux, antes mencionado, 72 controlavam pelo menos 40% das indústrias respectivas [...].38

De fato, a concentração de poder econômico resultou em demandas judiciais efetivas,

as quais contestavam a forma de atuação das consolidações. E, no âmbito do Congresso

Nacional, houve mobilização social suficiente para a criação urgente de uma legislação

específica: o Sherman Act, de 1890.

37 SUMMERS, Della (Dir.). Longman: dicionário escolar Fisk para estudantes brasileiros. Harlow: Pearson Education Limited, 2002, p. 386. 38 SALGADO, Lucia Helena. Política de Concorrência: Tendências Recentes e o Estado da Arte no Brasil. Texto para Discussão nº 385 - IPEA. Rio de Janeiro, out. 1995. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0385.pdf. Acesso em: 10 jan. 2014, p. 1.

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Segundo Forgioni39, em que pese posicionamento contrário de parte da doutrina norte-

americana (Escola de Chicago), o referido diploma legal tratou, prima facie, de tutelar o

mercado contra seus efeitos autodestrutíveis; sendo ponto pacífico, hodiernamente, que as leis

antitrustes foram promulgadas com o propósito primordial de encorajar a concorrência, pois:

Essa norma é considerada como o mais significativo diploma legal antitruste, no qual se reagiu à concentração de poder em mãos de alguns agentes econômicos e onde também se procurou discipliná-la. Contudo, não se considera correto dizer que o Sherman Act é uma reação ao liberalismo econômico, mas sim instrumento de sua calibração, uma vez que visava, justamente, a corrigir as distorções trazidas pelo excesso de acumulação do capital criadas pelo próprio sistema liberal. Neste panorama, a concorrência passou a ser vista como primordial para o sistema econômico e exigiu uma atuação do Estado para eliminar as distorções que podem ser causadas ao sistema. Desse modo, o Sherman Act tornou-se o núcleo de toda a atividade antitruste nos EUA e serviu como base para a legislação de outros países, como a do próprio Brasil.40

Portanto, à época da promulgação do Sherman Act, a concorrência já era vista como

essencial para o sistema econômico, exigindo-se a atuação do ente estatal no sentido de

manter o livre mercado e a liberdade de atuação dos business players.

Contudo, apenas o Act mostrou-se insuficiente para proporcionar aos agentes

econômicos a segurança e previsibilidade desejadas, e a aversão da sociedade civil às

consolidações acentuou-se ainda mais. Impunha-se a regulamentação da concentração

indiscriminada, uma vez que:

[...] Ressentia-se, no texto do Sherman Act, da vagueza de suas previsões. Não se pode olvidar que o Sherman Act não continha regras que disciplinassem o processo de concentração de empresas, deixando à margem da regulamentação prática geralmente condenada pela opinião pública.41

Nesse contexto, as Cortes começaram a ajustar os termos vagos da lei. Criaram, os

magistrados, um modelo de análise, desenvolvendo “princípios capazes de distinguir uma

colaboração eliminadora da rivalidade e uma cooperação com o intuito de promover o

crescimento”42, enfim: Percebeu-se [...] que proibir todos os acordos que restrinjam a liberdade comercial poderia comprometer formas benéficas de cooperação, como as

39 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 66. 40 GABAN, Eduardo Molan. Direito antitruste / Eduardo Molan Gaban, Juliana Oliveira Domingues. – 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 65. 41 FORGIONI, Paula A. Op. cit., p. 73. 42 GABAN, Eduardo Molan. Op. cit., p. 66.

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associações e sociedades. Vários casos julgados naquela época ajudam a entender a formação das teorias da concorrência na atualidade, especialmente no que concerne ao combate aos cartéis, como por exemplo: 1. United States v. Addyston Pipe & Stell Co. 2. Standard Oil Co. v. United States (1911) 3. United States v. Terminal Railroad Association of St. Louis (1912)43

Em 1914, em complemento ao Sherman Act, são promulgados o Clayton Act e o

Federal Trade Commission Act.

De acordo com Forgioni44, o primeiro exemplificou e condenou algumas práticas

restritivas da concorrência, como, por exemplo, as vendas casadas e a aquisição de controle de

outras companhias; adotando uma sistemática bastante interessante, que acabou inspirando

várias legislações antitruste: [...] ao lado da tipificação de algumas condutas potencialmente anticompetitivas, há uma qualifying clause, segundo a qual as práticas elencadas somente serão consideradas ilícitas se, e somente se, restringirem a concorrência de forma não razoável ou tenderem a criação de um monopólio (“lessened competition or tended to create a monopoly”).45

Nesse mesmo sentido, Gaban46 salienta que o Clayton Act reduziu a discricionariedade

judicial vedando algumas uniões arranjadas, como os acordos de exclusividade, a fixação de

preços e outras variáveis concorrenciais.

O segundo, por seu turno, criou a Federal Trade Commission (FTC), uma agência

independente, cuja missão principal é a promoção da defesa do consumidor, além da

eliminação e prevenção de práticas anticompetitivas, uma vez que exerce funções gerais de

vigilância e aplicação das leis antitruste.

Indubitavelmente, a legislação norte-americana influenciou sobremaneira o modo de

organização da atividade econômica e a legislação antitruste que se estabeleceu pelo mundo

no decorrer do século XX, consolidando o entendimento de que cabe ao ente estatal

contrapor-se ao abuso de poder econômico e à concorrência desleal.

Por conseguinte, a legislação de regulação tem o potencial de intervir decisivamente

no equilíbrio ou manutenção do sistema, pois, ao limitar a liberdade de ação ou de escolha

43 GABAN, Eduardo Molan. Direito antitruste / Eduardo Molan Gaban, Juliana Oliveira Domingues. – 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 66. 44 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 73. 45 Idem. 46 GABAN, Eduardo Molan. Op. cit., p. 66-67.

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(livre iniciativa) de alguns agentes econômicos, garante a liberdade de concorrer de outros

(livre concorrência).

2.2 OS OBJETIVOS DAS LEIS ANTITRUSTES

A concorrência é o principal mecanismo de que uma economia de mercado dispõe

para garantir o seu bom funcionamento. Como assinala Pinheiro47, a competição é o mais

notável recurso de que a sociedade se utiliza para maximizar a eficiência e o bem-estar social.

Com efeito, em mercados competitivos, os agentes econômicos precisam manter

baixos custos e menores margens de lucro, oferecendo produtos de qualidade, além de estar

sempre inovando e colocando novos produtos à disposição dos consumidores, pois: [...] Caso contrário, correm o risco de serem expulsas do mercado por concorrentes mais hábeis. No longo prazo, a disputa entre empresas em um mercado competitivo leva à maximização das eficiências alocativa, técnica e “dinâmica” (entendida esta como a resultante do progresso técnico), garantindo uma alocação ótima de recursos e o máximo de bem-estar social. Para que haja concorrência, é necessário que o mercado tenha um número suficientemente grande de produtores e consumidores de tamanhos não muito diferentes, agindo de forma independente. Isso faz com que nem vendedores nem compradores tenham poder de mercado, não sendo capazes de determinar, de forma unilateral ou coordenada, as condições com que bens e serviços são comercializados no mercado – em termos de preço, qualidade dos produtos e condições de venda, por exemplo.48

A competição pode ser entendida como a disputa entre produtores pela possibilidade

de vender seus produtos ao maior número possível de consumidores. Para estimulá-la, o

caminho natural é ter mercados poucos concentrados e produtores que trabalhem

independentemente uns dos outros; o que, obviamente, torna a vida destes mais difícil, e sua

sobrevivência dependente de um esforço constante para se manterem eficientes. Nesse

contexto, o papel da lei antitruste é garantir que isso aconteça, impedindo os produtores de

ganhar poder de mercado ou, em já o tendo, aumentá-lo ainda mais, uma vez que: [...] As empresas, naturalmente, prefeririam não ter competição, já que é esta quem impede o empresário de extrair lucros anormais, fixando preços acima do custo, ou de relaxar na busca permanente da eficiência. Por isso, é natural, buscará a neutralização da concorrência por meio do domínio do mercado ou mesmo da realização de acordos com o objetivo de regular ou atenuar mutuamente as forças concorrenciais. Se possível, todas as empresas

47 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito, economia e mercados / Armando Castelar Pinheiro, Jairo Saddi. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 357. 48 Ibidem, p. 355.

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sempre seriam monopolistas ou trabalhariam de forma concertada para reduzir a rivalidade entre elas.49

Assim, a partir da concepção de que o ente estatal deve contrapor-se a um movimento

de concentração nos mercados, estabelece-se uma linha de discussão dos objetivos ao se

constituir uma legislação antitruste.

De fato, o objetivo final da política antitruste é promover a eficiência econômica e o

bem-estar social, isto é, regular as atividades econômicas privadas, de modo a compatibilizar,

por um lado, o incentivo a concorrência entre os agentes econômicos, e, por outro, o bem-

estar do cidadão/consumidor. Posto que, a política de defesa da concorrência não é outra coisa

senão aquela política de Estado “[...] voltada à preservação de ambientes competitivos e à

coibição de condutas anti-competitivas [sic] derivadas do exercício de poder de mercado,

tendo em vista de preservar e/ou gerar maior eficiência econômica no funcionamento dos

mercados” 50; operando por meio de dois tipos de instrumento: [...] O primeiro é o estabelecimento de estruturas competitivas de mercado, impedindo o surgimento de empresas grandes o suficiente para deter poder de mercado. Tipicamente, as agências de defesa da concorrência fazem isso controlando os atos de concentração entre empresas, impedindo o surgimento de monopólios ou empresas dominantes. Complementarmente, as autoridades também proíbem certas condutas empresariais, tanto para impedir que um grupo de empresas aja de forma concertada para manipular as condições de oferta, como ainda para impedir que uma empresa dominante abuse de sua posição para prejudicar concorrentes menores. Trata-se da repressão ao abuso de poder econômico ou do controle de condutas anticoncorrenciais.51

Assim, o Estado, por intermédio das autoridades antitrustes, atuará de duas formas:

controle de estrutura (a) e controle de conduta (b).

O controle de estrutura tem função preventiva, seu objetivo é impedir a formação de

estruturas de mercado excessivamente concentradas, pressupondo que quanto menor o

número de concorrentes, maior a possibilidade de abuso posterior e de práticas

anticompetitivas.

As operações empresariais que podem alterar a concorrência no mercado, ou que

efetivamente a alteram, são denominadas pela legislação antitruste como atos de

concentração. E, na perspectiva jurídica:

49 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito, economia e mercados / Armando Castelar Pinheiro, Jairo Saddi. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 355-356. 50 FARINA, 1996 apud FALCONE, Pedro Correa. Origem e evolução histórica das joint ventures. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=12068. Acesso em: 10 jan. 2014. 51 PINHEIRO, Armando Castelar. Op. cit., p. 356.

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[...] essas operações podem se revestir das mais variadas formas e modalidades societárias, como fusões, incorporações, joint ventures, cisões, aquisições de participação acionária (minoritária e/ou majoritária), consórcios, acordos de cooperação (para compra conjunta, venda conjunta, desenvolvimento de tecnologia, autorregulação etc.), industrialização por encomenda, alienação ou cessão de bens intangíveis como know-how, direitos de propriedade intelectual (como marca, desenho industrial e modelo de utilidade), lista de clientes, swap agreements etc. Podem, ainda, não possuir forma, mas realizar-se apenas no plano dos fatos, sendo igualmente suficientes a atrair a incidência da Lei Antitruste. A Lei Antitruste, portanto, não atribui muita importância à forma, ou modalidade, da operação empresarial para caracterizá-la como ato de concentração, mas, sim, ao fato do negócio ter possibilidade de alterar as relações de concorrência no mercado em que é realizado.52

Para Gaban53, existem basicamente três modalidades de atos de concentração:

horizontais (a), verticais (b) e colaboração ou cooperação (c). Os horizontais são os realizados

entre agentes econômicos situados no mesmo nível de uma cadeia produtiva e que estão,

portanto, em direta relação de concorrência. Já os verticais, são os realizados por agentes

econômicos que atuam em diferentes níveis de uma cadeia produtiva dentro de um mesmo

seguimento. E, por derradeiro, os do tipo colaboração ou cooperação são os realizados entre

agentes econômicos situados em mercados distintos, que não guardam relações horizontais

e/ou verticais entre si, isto é, cujos produtos não possuem qualquer relação de concorrência ou

complementaridade.

Sobre o assunto, bastante elucidativo é o exemplo trazido por Forgioni54, ao discorrer

acerca da produção e distribuição de cerveja em um dado país. A empresa que produz o malte

está no primeiro nível da cadeia produtiva. No segundo nível, a cervejaria; seguida pelos

distribuidores de cerveja no atacado, no terceiro nível. Por fim, no quarto nível, os bares e

restaurantes que vendem a bebida aos consumidores finais. As operações realizadas entre

esses agentes econômicos são do tipo verticais; já, aquelas realizadas entre duas ou mais

cervejarias, são horizontais.

Há de se destacar, por conseguinte, que essa distinção entre os tipos de atos de

concentração não se opera meramente para fins didáticos, uma vez que evidencia os diversos

efeitos produzidos para a concorrência:

52 GABAN, Eduardo Molan. Direito antitruste / Eduardo Molan Gaban, Juliana Oliveira Domingues. – 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 119. 53 Idem. 54 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 334.

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[...] Enquanto os acordos horizontais neutralizam a competição principalmente entre os agentes econômicos que atuam no mesmo mercado relevante (encontrando-se, portanto, em relação de competição), os acordos verticais podem produzir efeitos anticoncorrenciais em três mercados relevantes (mercado do fornecimento de matéria-prima, mercado da produção e da distribuição), [...].55

Assim, operações que implicam aumento considerável no grau de concentração em

mercados, caracterizados por elevado nível de barreiras à entrada de novos concorrentes e

baixo dinamismo tecnológico, tendem a não ser autorizadas pelas autoridades antitrustes.

O controle de conduta subsume-se em repressão, tem o escopo de fiscalizar e reprimir

condutas empresariais consideradas anticompetitivas. De acordo com a doutrina e

jurisprudência, nacional e internacional, o abuso de poder de mercado ou abuso de posição

dominante é caracterizado por condutas unilaterais que visam, ou que tem por resultado, a

eliminação da concorrência.

Segundo Forgioni56, a maioria das condutas mencionadas na lei antitruste brasileira,

refere-se a práticas de abuso de posição dominante e não a acordos entre agentes econômicos.

Nesse passo, salienta que, desde a promulgação das primeiras leis de tutela da concorrência

no Brasil, já havia acirrado empenho em se controlar o abuso de poder de mercado, não se

tratando, pois, de inovação do atual diploma antitruste; posto que: Essa opção explica-se pelo fato de que na estrutura industrial brasileira encontram-se, de há muito, agentes econômicos detentores de grande poder de mercado, ou seja, concentração de poder não é, para nós, fenômeno novo. A principal preocupação sempre disse respeito à regulamentação do abuso de posições fortes de mercado, procurando-se dar ao governo federal meios de controlar a atividade dos agentes com significativo poder econômico.57

Conforme Gaban58, o abuso de poder de mercado pode ser subdividido em dois

grandes grupos: condutas unilaterais horizontais (a) e condutas unilaterais verticais (b). As

primeiras são realizadas no mesmo nível de uma cadeia de produção, e pressupõem a

existência de uma relação de concorrência entre o agente que pratica a infração e os agentes

afetados pela prática. Já, as segundas, são realizadas entre diferentes níveis de uma cadeia de

produção, e pressupõe a existência de uma relação de insumo (fornecedor/cliente) entre o

agente infrator e os agentes afetados pela prática.

55 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 333. 56 Ibidem, p. 285-286. 57 Ibidem, p. 286. 58 GABAN, Eduardo Molan. Direito antitruste / Eduardo Molan Gaban, Juliana Oliveira Domingues. – 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 139.

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Dentre as principais modalidades de condutas de abuso de posição dominante

destacam-se: aumento abusivo de preços (preço abusivo ou excessivo); discriminação de

rivais; preços predatórios (underselling); políticas promocionais; venda casada (tying),

acordos de exclusividade; políticas de bônus, descontos e programas de fidelidade; price-

squeeze (aumento de custos dos rivais); recusa de venda (ou recusa de contratar); fixação de

preço de revenda (ou imposição de preço de revenda).

Ressalte-se, que o rol trazido pela lei antitruste brasileira não é exaustivo, e há casos

em que é comum a ocorrência de duas ou mais modalidades conjuntamente. O fundamental

para caracterização da conduta anticompetitiva é a existência de poder de mercado por parte

do agente econômico; entretanto, o poder de mercado, por si só, não é alvo da legislação,

apenas o seu uso abusivo.

2.3 A POLÍTICA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL

Como consignado alhures, pioneiro no tema, o direito americano tem como marco o

Sherman Act, de 1890; que buscava, com a regulamentação da concorrência, manter o livre

mercado e a liberdade de atuação dos agentes econômicos, incentivando a competição.

No Brasil, a política de defesa da concorrência, deve ser analisada de forma particular,

pois a gênese dessa matéria diverge da norte-americana, visto que nasce miscigenada com a

promoção do bem-estar social e a salvaguarda dos interesses nacionais, nos idos de 1930.

Discordando parcialmente do entendimento acima esboçado, Forgioni59 sustenta que

não se deve iniciar a análise da disciplina da concorrência no País partindo já do início do

século XX, com o texto do Art. 115, e seguintes, da Constituição de 1934. Necessário, pois,

de proêmio, delinear a história da implementação de políticas públicas no Brasil para divisar a

atuação do ente estatal sobre a economia; posto que, sem “a identificação dessa tradição,

restam por demais etéreas as inúmeras diferenças entre o atual sistema antitruste brasileiro e

alguns ordenamentos alienígenas”60.

Nessa linha de entendimento, a implementação de políticas públicas no País remete

aos primórdios do colonialismo nacional. A Coroa impunha opressora política fiscalista sobre

a colônia; porquanto não havia interesse pelo progresso econômico desta, mas sim a

viabilização de sua exploração, da maneira mais lucrativa e vantajosa possível. Nesse sentido:

59 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 84. 60 Idem.

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Os primeiros tempos do colonialismo brasileiro, anteriores à transferência da corte portuguesa para o Brasil, foram marcados pela atuação, por parte da metrópole, de política fiscalista, ou seja, a Coroa buscava a utilização de sua soberania para efeitos fiscais, impondo à colônia o pagamento de impostos que garantissem o abastecimento de seus cofres. Foi assim com os chamados ciclos coloniais: pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro e pedras preciosas.61

O sucesso da referida política exigia que fossem reprimidas quaisquer tentativas de

desenvolvimento industrial no País. Nesse mister, a Carta Régia de 30 de julho de 1766,

proibiu o ofício de ourives, declarando fora da lei a profissão, a fim de facilitar a arrecadação

ao erário real, impedindo os desvios de ouro, cujo quinto deveria ser pago à metrópole

portuguesa; outrossim, vedou a fabricação de mel de vinho, ou ainda a cultura de uvas, com o

propósito de eliminar a concorrência com o similar português.

Na mesma senda, o Alvará de 5 de janeiro de 1785, proibiu o funcionamento de

atividades manufatureiras no território colonial, exceto a fabricação de tecidos grosseiros,

usados principalmente no vestuário dos escravos ou para embalar mercadorias.

E assim o foi durante anos a fio, tudo era feito sob a égide do ente estatal, e o

comércio desenvolvia-se em meio aos monopólios reais ou concedidos pela Coroa. Desse

modo, nos primeiros tempos do Brasil, qualquer resquício de liberalismo deve ser visto sob a

ótica da atuação do Estado sobre e na economia; pois, como mencionado anteriormente, a

linha de atuação da metrópole visava a exploração máxima dos recursos da colônia.

Neste contexto, para Forgioni62, seria até ilógico falar em defesa da livre

concorrência, uma vez que sequer havia concorrência significativa estabelecida entre os

agentes econômicos. Ademais, a nível interno, “o mercado consumidor não assumia maiores

proporções em virtude mesmo da acentuada dispersão demográfica”63.

Com a vinda de D. João VI para o Brasil, em virtude da invasão napoleônica à

Península Ibérica, operam-se mudanças significativas no que se refere à orientação econômica

e social com a implementação de política que acabou por fomentar o desenvolvimento

econômico do país.

Em 28 de janeiro de 1808, o Príncipe Regente do Brasil determina, através de Carta

Régia, “interina e provisoriamente”64, a abertura dos portos brasileiros às nações amigas. Em

61 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 84. 62 Ibidem, 2012, p. 86. 63 Idem. 64 BRASIL. Leis etc. Colecção das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. p. 1-2. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_17/CartaRegia.htm. Acesso em: 10 jan. 2014.

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1º de abril de 1808, com o Alvará de Liberdade Industrial, institui a liberdade de manufatura

e revoga o Alvará de Proibição baixado por sua mãe, D. Maria I, em 1785. E,

derradeiramente, com o Alvará de 12 de outubro de 1808, cria um Banco Nacional a fim de

que “promova a industria nacional pelo gyro e combinação dos capitaes isolados, e facilite

juntamente os meios e os recursos, de que as minhas rendas reaes e as publicas necessitarem

para occorrer ás despezas do Estado”65.

Com efeito, a política fiscalista foi parcialmente desativada, dando lugar a um pretenso

incentivo ao desenvolvimento econômico brasileiro. Isso porque simultaneamente a liberdade

de manufatura e indústria, os portos abriram-se às nações amigas, submetendo a novel

indústria nacional à concorrência estrangeira; “que veio a perseguir os empresários e

industriais durante todo o período do Império e da República”66.

Mesmo após a independência, em 1822, não foram implantadas políticas

protecionistas que possibilitassem o desenvolvimento da indústria nacional. Pouco havendo,

em termos de tutela concorrência, que possa ser assinalado no referido período, salvo:

[...] quanto à legislação do Brasil independente, Teixeira de Freitas, no Esboço do Código Civil, publicado entre 1860 e 1865 (antes, portanto, do Sherman Act norte-americano), previa em seu artigo 3046 que seriam proibidas as sociedades “destinadas a embaraçar a liberdade do comércio, ou da indústria”, compreendendo-se nessa vedação “[a]s sociedades ou convênios entre comerciantes para venderem suas mercadorias ou entre fabricantes para venderem seus produtos, por um preço taxado” e “[a]s sociedades ou conluios para impedir a concorrência de compradores nas vendas públicas”.67

As Constituições de 1824 e 1891 inserem-se dentro do contexto ideológico do

liberalismo político e econômico. O direito de propriedade tinha caráter absoluto, de modo a

não justificar qualquer intervenção estatal com o propósito de normatizar a atuação dos

participantes do mercado.

O Art. 179 da Carta Imperial de 1824 denota o conteúdo dessa tendência ideológica:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

65 BRASIL. Leis etc. Colecção das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. p. 148 e 153. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_44/ALVARA1808.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 66 TOPIK, 1987, p. 151 apud FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 89. 67 FORGIONI, Paula A. Op. cit., p. 94.

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39

I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei. II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica. [...].68

Nesse mesmo sentido, o Art. 72 da Constituição Republicana de 1891 assegurava “a

brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à

liberdade, à segurança individual e à propriedade”69.

Por sua vez, a Constituição de 1934, conforme salientado alhures, erigiu, pela primeira

vez, a nível constitucional, a liberdade econômica; delimitando, todavia, seu exercício, nos

termos do Art. 115:

Art 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica. Parágrafo único - Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões da [sic] País.70

Nota-se que o legislador constituinte utilizou-se da expressão limites, no sentido de

poder restringir-se a liberdade econômica para garantir a Justiça e as necessidades da vida

nacional, visto que: [...] A liberdade econômica aparece em nosso ordenamento, intrinsecamente ligada à ideia de que ao Estado é facultado intervir na (v.g., art. [sic] 116) e sobre (v.g., art. [sic] 117) a economia, no resguardo de interesses maiores que aquele dos agentes econômicos individualmente considerados.71

Realmente, no início da década de 30, o ente estatal intensificara sua atuação no

domínio econômico e sobre este, não apenas para corrigir as distorções trazidas pela crise

econômica de 1929, mas principalmente para conduzir o próprio sistema, regulamentando a

atividade dos agentes econômicos e evitando o advento de novas crises.

68 BRASIL. Constituição (1824). Coleção das Leis do Império do Brasil de 1824, p. 7. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 69 BRASIL. Constituição (1891). Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, DF, Poder Legislativo, 24 fev. 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 70 BRASIL. Constituição (1934). Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, DF, Poder Legislativo, 16 jul. 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 71 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 95.

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Entretanto, assinala Forgioni72, sob a égide dessa Constituição, não houve a

promulgação de qualquer lei que regulamentasse o processo competitivo, sob uma ótica

antitruste. Isso porque a liberdade de iniciativa não era vista em seu sentido tradicional, não

devendo a concorrência ser encarada como direito ilimitado dos agentes econômicos.

Nesse cenário, em que o ente estatal empenhava-se em prover a atividade econômica

privada, para o sustento do próprio sistema, é outorgada a Constituição de 1937.

Na Carta Política de 1937, imposta por Getúlio Vargas, com o fechamento do

Congresso para a instituição do Estado Novo, a livre iniciativa é apresentada nos moldes

seguintes: Art 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta.73

Assim, nos termos do mencionado dispositivo constitucional, a intervenção do Estado

no domínio econômico poder-se-ia dar mediante seu controle, estímulo ou gestão direta,

apenas para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar aos fatores de

produção, a fim de garantir a continuidade do próprio sistema.

Concomitantemente, a proteção à economia popular era consagrada como princípio no

Art. 141:

Art 141 - A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe garantias especiais. Os crimes contra a economia popular são equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e prescrever-lhes processos e julgamentos adequados à sua pronta e segura punição.74

E, regulamentando o dispositivo supracitado, nasce a primeira lei antitruste brasileira,

o Decreto-lei n. 869, de 18 de novembro de 1938:

72 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 97. 73 BRASIL. Constituição (1937). Diário Oficial dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, DF, Poder Legislativo, 10 nov. 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 74 Idem.

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[...] O primeiro diploma brasileiro antitruste surge com função constitucional bastante definida, buscando a tutela da economia popular e portanto, precipuamente, do consumidor. Dentro da nossa linha de evolução histórica, essa constatação não deve causar qualquer surpresa, mas sim fazer sobressair o fato de que a evolução da disciplina, no Brasil, não se deu como nos países com certa tradição antitruste: o antitruste não nasce, no Brasil, como fator de ligação entre o liberalismo econômico e (manutenção da) liberdade de concorrência. Nasce como repressão ao abuso de poder econômico e tendo como interesse constitucionalmente protegido interesse da população, do consumidor.75

Para Forgioni76, a Constituição de 1937 tem inspiração nitidamente fascista,

semelhante ao regime de Mussolini na Itália, ao passo que protegia a iniciativa privada em

grau máximo, atribuindo-se ao governo a função de agente externo, que deveria intervir

apenas para garantir a reprodução das condições necessárias ao processo de acúmulo de

capital.

Coeso com tal ideologia, o Decreto-lei n. 869, de 18 de novembro de 1938, permitia a

atuação do ente estatal somente a fim de neutralizar os efeitos autodestrutíveis originários da

própria estrutura de mercado, uma vez que “ao menos na ideologia constitucional, como se vê

no referido diploma, não teria maiores funções de condução do sistema, apenas de correção

das disfunções que se verificam”77.

Há de se frisar, que além de regular as atividades dos agentes econômicos, o antitruste

brasileiro surge envolto por uma aura nacionalista, insurgindo-se contra o poder econômico

que derivava do capital estrangeiro, apto a colocar em xeque a soberania e estabilidade

nacionais.

Vislumbra-se, nesse aspecto, o caráter protecionista que permeava o ideário da época.

Pois, nas palavras de Agamemnon Magalhães, ministro de Getúlio Vargas: O capitalismo industrial, que atingiu seu apogeu no Velho Mundo e na América do Norte, só nos meados do século XX se volta para o Brasil e atravessa as nossas fronteiras, com a sua técnica, as suas formas de concentração, a sua cobiça de lucros e de mercados [...] O Brasil, que, na Colônia e no Império, não soube defender-se contra o mercantilismo capitalista, que levou o ouro do açúcar, das minas e do café para Portugal, Holanda e Inglaterra, deve ter outra atitude em face da Revolução Industrial. Se as Companhias de Comércio dos séculos XVI, XVII e XVIII dominaram os mares e as trocas no mundo, os trustes e os cartéis controlam hoje a produção industrial e a sua e a sua distribuição em todos os mercados [...]

75 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 99. 76 Ibidem, p. 98-99. 77 Ibidem, p. 101.

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A verdade é que devemos ser senhores das nossas matérias-primas e das nossas riquezas minerais, mas senhores industrialmente, formando no Brasil um grande mercado de trabalho e de consumo [...]78

Em 1945, o projeto de lei de Agamemnon Magalhães, transforma-se no Decreto-lei n.

7.666, que ficou conhecido como Lei Malaia – em referência aos traços orientais da feição de

seu criador. O referido diploma passou a disciplinar a repressão ao abuso de poder econômico

de forma específica e sistemática, voltando-se de forma firme e direta contra este.

Forgioni79 ressalta que a Lei Malaia tinha caráter nitidamente administrativo e não

penal, porque não se referia a crimes contra a economia popular mas a atos contrários aos

interesses da economia nacional.

Com efeito, à Administração Pública “era dado averiguar práticas contrárias aos

interesses da economia nacional, determinar a aplicação de sanções e autorizar atos

restritivos”80, tendo sido criada, com esse objetivo, a Comissão Administrativa de Defesa

Econômica (CADE).

78 MARANHÃO, Jarbas. O Estadista Agamemnon Magalhães: A Lei Antitruste e a Conferência do Clube Militar. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 34, n. 133, p. 253-258, jan./mar. 1997. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/212/r133-24.PDF?sequence=4. Acesso em: 10 jan. 2014, p. 257. 79 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 104. 80 Idem.

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3 DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE)

A evolução da política de defesa da concorrência no País é marcada por dois períodos

distintos.

Como visto anteriormente, a regulação do poder econômico remonta aos idos de 1930,

tornando-se mais intensa com o avanço do processo de industrialização no Brasil, e

motivando a criação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Tal período

estende-se até o final da década de 80, sendo caracterizado por uma robusta intervenção

estatal em diversos setores da economia, o que evidencia os traços do sistema brasileiro de

defesa da concorrência, que se funda na intervenção do ente estatal e no resguardo da

economia popular.

Nota-se, nessa primeira fase, uma atuação discreta por parte da autoridade antitruste,

devido às circunstâncias políticas da época e uma economia marcada pela forte presença do

Estado, elevado nível de proteção à indústria nacional, altos índices de inflação e recurso a

controle de preços.

Entretanto, na década de 90, a matéria antitruste passa por uma inflexão, e a defesa da

concorrência assume caráter prioritário no contexto das políticas públicas. Tem início um

processo de abertura econômica, desregulação e privativação, e por conseguinte, há um

fortalecimento do CADE com a implementação do controle de estruturas. O CADE passa a ter

atuação mais expressiva no cenário nacional, assumindo o papel de defesa da concorrência.

3.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA

CONCORRÊNCIA (SBDC)

Com a edição do Decreto-lei n. 7.666, de 22 de junho de 1945, primeira norma

brasileira de orientação antitruste, foi criada a Comissão Administrativa de Defesa

Econômica, embrião do CADE moderno.

Referida comissão era subordinada diretamente ao Presidente Getúlio Vargas, e tinha

competência para averiguar práticas contrárias aos interesses da economia nacional,

determinar a aplicação de sanções e até mesmo autorizar práticas restritivas. Porém, suas

atividades tiveram curta duração, perduraram por menos de um ano, tendo em vista o fim do

Estado Novo, em 29 de outubro de 1945.

Com efeito, a Lei Malaia colocou nas mãos do Poder Executivo Federal um

instrumento poderoso, apto a controlar a atividade do poder econômico em todo o Território

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Nacional. Contudo, segundo Bandeira81, o referido diploma foi interpretado por muitos como

um ato de nacionalismo exacerbado, desencorajador da entrada de capital estrangeiro; ou,

ainda, como um instrumento nazifascista – na visão dos oposicionistas – que ameaçava a

economia brasileira.

Por sua vez, a Constituição Federal de 1946, trouxe notável avanço no tocante à

repressão do abuso de poder econômico, ao estabelecer:

Art 148 - A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.82

O Texto Constitucional de 1946 conferiu ao Estado o poder de intervir na liberdade

dos agentes econômicos apenas para corrigir anomalias; e, na perspectiva antitruste, seu

principal mérito foi ter ampliado a abrangência da repressão ao abuso de poder econômico,

não mais limitado aos ditames da economia popular, como noutrora. Inicia-se uma nova fase

no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, agora compromissado com a ordem

econômica.

Sob a égide da Carta Política de 1946, foram editadas as Leis n. 1.521 e 1.522, ambas

de 26 de dezembro de 1951. A primeira disciplinava a intervenção do Estado na economia e

relacionava os crimes contra a economia popular. A segunda tornava crime contra economia

popular o descumprimento de tabelas oficiais de preços de bens e serviços essenciais.

Responsável pelo controle do abastecimento e dos preços dos produtos de primeira

necessidade, foi criada a Comissão Federal de Abastecimento de Preços (COFAP); que estava

autorizada a tabelar os preços máximos e estabelecer condições de vendas de mercadoria, de

prestação de serviços e de diversões públicas, a fim de impedir lucros excessivos.

Regulamentando o Art. 148 da Constituição de 1946, em 10 de setembro de 1962, fora

editada lei objetivando a efetiva repressão do abuso de poder econômico, a Lei n. 4.137, que

vigorou até o ano de 1994, quando foi revogada pela Lei n. 8.884.

81 BANDEIRA, Moniz. Cartéis e desnacionalização: a experiência brasileira: 1964-1974. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. 82 BRASIL. Constituição (1946). Diário Oficial dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, DF, Poder Legislativo, 19 set. 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm. Acesso em: 10 jan. 2014.

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A Lei n. 4.13783, nos termos de seu Art. 2º, considerava formas de abuso de poder

econômico: “dominar os mercados nacionais ou eliminar total ou parcialmente a

concorrência”; “elevar sem justa causa os preços, nos casos de monopólio natural ou de fato,

com o objetivo de aumentar arbitrariamente os lucros sem aumentar a produção”; “provocar

condições monopolísticas ou exercer especulação abusiva com o fim de promover a elevação

temporária de preços”; “formar grupo econômico por agregação de empresas, em detrimento

da livre deliberação dos compradores ou dos vendedores; exercer concorrência desleal”.

O referido diploma legal, em seu Art. 8º, também criou o Conselho Administrativo de

Defesa Econômica (CADE), vinculado diretamente à Presidência do Conselho de Ministros, o

órgão tinha como incumbência apurar e reprimir os abusos do poder econômico:

O CADE, no modelo da Lei nº 4.137, tinha função semi-jurisdicional, e, apesar do nome “conselho”, nunca teve função opinativa. Era um tribunal administrativo e suas competências envolviam poderes de investigação sobre práticas restritivas do comércio, podendo exigir que as empresas lhe apresentassem livros e documentos contábeis e que seus dirigentes lhe prestassem esclarecimentos. Além disso, detinha prerrogativas de impor sanções àqueles que descumprissem os preceitos legais.84

Nota-se que a referida lei, além de prever a repressão do abuso de poder a posteriori,

também estabelecia a possibilidade de um controle a priori, por parte da autoridade

administrativa, dos atos dos agentes econômicos que pudessem produzir quaisquer dos efeitos

tipificados, em seu Art. 74: Art. 74. Não terão validade, senão depois de aprovados e registrados pelo CADE os atos, ajustes, acordos ou convenções entre as emprêsas, de qualquer natureza, ou entre pessoas ou grupo de pessoas vinculadas a tais emprêsas ou interessadas no objeto de seus negócios que tenham por efeito: a) equilibrar a produção com o consumo; b) regular o mercado; c) padronizar a produção; d) estabilizar os preços; e) especializar a produção ou distribuição; f) estabelecer uma restrição de distribuição em detrimento de outras mercadorias do mesmo gênero ou destinadas à satisfação de necessidades conexas. § 1º Os atos de categoria referidos neste artigo já vigentes na data da publicação desta lei, deverão ser submetidos à aprovação do CADE dentro do prazo de 120 (cento e vinte) dias;

83 BRASIL. Lei n. 4.137, de 10 de setembro de 1962. Diário Oficial dos Estados Unidos do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 27 nov. 1962. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4137.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 84 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econômico: do direito nacional ao direito supranacional. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 157.

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§ 2º Os atos a que se refere a parágrafo anterior que não forem apresentados ao CADE, no prazo regulamentar, tornarão os seus responsáveis passíveis de multa que variará entre 5 (cinco) a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo, sem prejuízo do cumprimento dessa exigência legal, sob pena, de intervenção. § 3º Em qualquer caso será de 60 (sessenta) dias o prazo para o pronunciamento do CADE. Findo êste prazo, entende-se o ato como válido até que o CADE sôbre êle se pronuncie.85

Posto isso, há de se reconhecer, de certo modo, que a Lei n. 4.137, de 10 de setembro

de 1962, possibilitava a legitimação de acordos cuja função é restringir a concorrência,

aplicando-se a regra da razão – segundo a qual, somente as práticas que restrinjam a

concorrência de forma não razoável são consideradas ilegais.

Para Forgioni86, o número de averiguações preliminares que se fez proceder durante a

vigência da lei supracitada é significativo. Contudo, um dos principais problemas enfrentados

pelo CADE na concretização das disposições do referido diploma legal procedeu da atuação

do Poder Judiciário; posto que, a “grande maioria das decisões do Conselho acabou por ter

seus efeitos suspensos em decorrência de mandados de segurança impetrados pelas empresas

condenadas na esfera administrativa”87. Em vista disso, o CADE passa a ser visto pela

opinião pública como órgão inoperante, e a legislação antitruste como ineficaz.

Em idos de 1988, a Constituição Cidadã, trouxe nova disposição quanto ao aspecto

concorrencial, substituindo a expressão “reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder

econômico” (constante no Art. 148, CF/4688), por “reprimirá o abuso econômico que vise a

dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”

(expressa no Art. 173, § 4º, CF/8889). Além de indicar, de forma precisa, as funções que o

Estado desenvolveria a fim de disciplinar a atividade econômica com vistas à tutela da

concorrência (regulamentação, normatização, fiscalização, incentivo e planejamento).

Seguindo a orientação da Constituição Federal de 1988, em substituição à antiga Lei

Antitruste (Lei n. 4.137/62), foi editada a Lei n. 8.884, em 11 de junho de 1994, que

85 BRASIL. Lei n. 4.137, de 10 de setembro de 1962. Diário Oficial dos Estados Unidos do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 27 nov. 1962. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4137.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 86 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 116. 87 Idem. 88 BRASIL. Constituição (1946). Diário Oficial dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, DF, Poder Legislativo, 19 set. 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 89 BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 05 out. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 10 jan. 2014.

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transformou o CADE em Autarquia Federal, possibilitando-lhe maior autonomia na função

precípua de prevenir e reprimir práticas anticoncorrenciais.

Concomitante à norma retromencionada fora também editada a Lei n. 8.880, de 27 de

maio de 1994, a qual instituiu o Plano de Estabilização Econômica (Plano Real). Não se pode

olvidar, que ambos os diplomas fazem parte de uma série de reformas econômicas

implantadas no país, na década de 90, que possibilitaram a abertura da economia, a abolição

do controle de preços generalizado, a restauração do padrão monetário, a privatização de

empresas estatais, bem como a criação de agências reguladoras em setores de infra-estrutura e

de utilidade pública, pois: De fato, o direito concorrencial no Brasil somente veio a se fortalecer com a mudança do perfil regulatório, na década de 1990, que passou a privilegiar a competição como instrumento de controle de preços e de qualidade de bens e serviços. Assim, embora se critique com razão a associação indevida entre a política de combate à inflação e a idéia de repressão ao abuso do poder econômico, no Brasil foi a mudança de conceitos sobre como combater o descontrole dos preços que marcou o incremento da aplicabilidade da legislação antitruste.90

Há de se inferir, portanto, que em um contexto de união de esforços de combate à

inflação, um conjunto de fatores, tais como a estabilização da moeda, o incremento da política

de privatizações, da abertura da economia e o mercado globalizado, oportunizou a

implantação de uma nova política de defesa da concorrência.

De fato, o diploma de 1994 sistematizou a matéria antitruste aperfeiçoando seu

tratamento legislativo e implementando o que se convencionou chamar de Sistema Brasileiro

de Defesa da Concorrência (SBDC). Cabendo ao ente estatal, dessa forma, a proteção da

ordem econômica, e, por conseguinte, a defesa da concorrência, o que é realizado, no âmbito

administrativo, por intermédio dos órgão que integram o aludido sistema.

O SBDC, na dicção da Lei n. 8.884, era composto pelo Conselho Administrativo de

Defesa Econômica (CADE), pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) e pela Secretaria de

Acompanhamento Econômico (SEAE). Sendo a tais órgãos divididas as atribuições de julgar,

aplicar, fiscalizar e supervisionar as políticas públicas de proteção a ordem econômica, na

esfera da defesa da concorrência.

90 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econômico: do direito nacional ao direito supranacional. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 259.

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Dentre os órgãos componentes do SBDC, ocupava posição de destaque o órgão

judicante CADE; sua atuação alcançava todo o Território Nacional, do maior estado ao menor

município, posto que: Sua finalidade, de acordo com a nova lei, é prevenir e reprimir as infrações contra a ordem econômica, aplicando para tanto, primordialmente, os princípios constitucionais (conforme o art. 1.º da Lei). “A Lei 8.884/94, visando conferir maior estrutura e celeridade ao órgão, revestiu-o de natureza autárquica, motivo pelo qual não mais subsistem dúvidas concernentes ao órgão administrativo (...)” (Proença, 1999: 61). A Secretaria de Direito Econômico – SDE, ligada ao Ministério da Justiça, e a Secretaria de Acompanhamento Econômico – Seae são órgãos que atuam conjuntamente com o CADE. Os dois primeiros são órgãos investigativos, que proporcionam elementos para a atuação do CADE.91

Desse modo, dentre outras atribuições conferidas pela nova legislação antitruste,

competia ao CADE a função de decidir sobre existência de infração a ordem econômica e

aplicar a penalidade prevista; decidir os processos instaurados pela SDE; decidir os recursos

de ofício do Secretário da SDE; ordenar providências que conduzam à cessação de infração à

ordem econômica; aprovar os termos de compromisso de cessação de prática e do

compromisso de desempenho; apreciar em grau de recurso as medidas preventivas adotadas

pela SDE e requerer a execução de suas decisões ao Poder Judiciário.

A Secretaria de Direito Econômico (SDE), assim como o CADE, era vinculada ao

Ministério da Justiça. Competia SDE, por meio de seu Departamento de Proteção e Defesa

Econômica (DPDE), instruir processos administrativos relativos a condutas anticompetitivas e

atos de concentração, enviando seus pareceres, não vinculativos, ao CADE. Além de suas

competências na área de defesa da concorrência, a SDE, por meio de seu Departamento de

Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), era responsável por coordenar a Política Nacional

de Defesa do Consumidor.

Por seu turno, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), ligada ao

Ministério da Fazenda, emitia pareceres não vinculativos sobre atos de concentração

econômica, e, em processos administrativos relativos a condutas anticompetitivas. Referida

secretaria também possuía importante papel na promoção da concorrência junto a outros

órgãos do Governo, principalmente no que se refere a setores regulados.

91 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 334-335.

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Enfim, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) passa a ser

responsável pela promoção de uma economia competitiva, por meio da prevenção e da

repressão de ações capazes de limitar ou prejudicar a livre concorrência no Brasil.

Forgioni92 pontua que algumas decisões proferidas pelo CADE, autorizando acentuado

acréscimo do nível de concentração em determinados mercados, no final dos anos 90, fez vir à

tona uma imagem de tribunal político, o que acabou afetando a credibilidade do órgão junto à

sociedade. Sem prejuízo, sua atuação na área antitruste, ainda que com altos e baixos,

fomentou o interesse acadêmico pela matéria, aumentando, consequentemente, o número de

estudos jurídicos publicados sobre o tema.

Por fim, é promulgado novo diploma antitruste, a Lei n. 12.529, de 30 de novembro de

2011, em vigor desde 02 de junho de 2012.

3.2 AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA N. 12.529, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2011

Sob a ótica do direito material, a entrada em vigor da Lei n. 12.529, de 30 de

novembro de 2011, introduziu poucas novidades, com a manutenção dos critérios de

determinação da ilicitude das práticas empresariais; podendo-se destacar, todavia, as seguintes

inovações: reestruturação do SBDC, imposição de dever de apresentação prévia dos atos de

concentração, aumento do poder da Administração Pública, modificação da forma de cálculo

das multas por infração à ordem econômica e aumento dos recursos materiais à disposição do

SBDC.

Efetivamente, no que tange à reestruturação do SBDC, a Secretaria de

Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, teve suas funções

diminuídas. Restando-lhe a competência não exclusiva de promover a concorrência junto à

própria Administração (Art. 19), competindo, tal mister, também à Superintendência-Geral:

[...] XIII - orientar os órgãos e entidades da administração pública quanto à adoção de medidas necessárias ao cumprimento desta Lei;93

92 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 121-122. 93 BRASIL. Lei n. 12.529, de 20 de novembro de 2011. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 01 dez. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm. Acesso em: 10 jan. 2014.

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Por sua vez, Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, no que

concerne às alterações trazidas pelo novo diploma legal, foi incorporada ao Conselho

Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que passou a ser composto por três órgãos: Art. 5º O Cade é constituído pelos seguintes órgãos: I - Tribunal Administrativo de Defesa Econômica; II - Superintendência-Geral; e III - Departamento de Estudos Econômicos.94

Ao Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, compete primordialmente apreciar

as acusações de infração à ordem econômica e as operações de concentração (Art. 9º, I a

XIX). À Superintendência-Geral, cabe investigar e instruir os atos a serem julgados pelo

Tribunal (Art. 13, I a XVIII). E, ao Departamento de Estudos Econômicos toca elaborar

análises e pareceres para embasar a atuação do CADE (Art. 17).

Segundo Taufick95, essa nova estrutura do CADE assemelha-se ao desenho da Federal

Trade Commission (FTC) norte-americana, cujo tripé – escritório de economia (Bureau of

Economics, BE), escritório concorrencial (Bureau of Competition, BC) e Tribunal

(Commission) – é reproduzido na criação do Departamento de Estudos Econômicos, da

Superintendência-Geral e do Tribunal Administrativo.

Sem dúvida, houve uma mudança significativa na estrutura organizacional do SBDC,

uma vez que o CADE passou a ter três órgãos internos formalmente constituídos e com

competências legalmente definidas, o que não ocorria na vigência da Lei n. 8.884, em 11 de

junho de 1994. Como cediço, a Superintendência-Geral passou a concentrar todo o trabalho

de investigação de condutas anticompetitivas e de instrução dos atos de concentração

econômica; papel que, anteriormente, era desempenhado pela SDE. Nesse sentido: A incorporação, pelo CADE, das atribuições de defesa da concorrência exercidas pela SDE foi um passo importante na racionalização da tramitação dos processos administrativos previstos na legislação antitruste. Concentrando-se o CADE e a SDE em um único órgão, pode-se dar maior autonomia às investigações promovidas pelo CADE, uma vez que toda a estrutura investigatória é levada para dentro da autarquia – o que não ocorria no sistema anterior, em que os órgãos instrutórios permaneciam vinculados à Administração Pública direta, funcionando junto e de acordo com os

94 BRASIL. Lei n. 12.529, de 20 de novembro de 2011. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 01 dez. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 95 TAUFICK, Roberto Domingos. Nova Lei Antitruste Brasileira: A Lei 12.529/2011 Comentada e a Análise Prévia no Direito da Concorrência / Roberto Domingos Taufick. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 29.

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interesses dos Ministérios da Justiça e da Fazenda e do Governo Federal em geral.96

Assim, o CADE, nessa nova estrutura organizacional, integrado pelo Tribunal

Administrativo de Defesa Econômica (TADE), pela Superintendência-Geral (SG) e pelo

Departamento de Estudos Econômicos (DEE), faz a instrução e julgamento de casos de

prevenção e repressão à ordem econômica.

Registre-se, por oportuno, que também atuam junto ao CADE o Ministério Público

Federal (MPF), com a finalidade de opinar em processos administrativos de condutas

anticoncorrenciais (Art. 20), e a Procuradoria do CADE (ProCADE), com o propósito de

manifestar-se quanto aos casos em trâmite no CADE e defender as decisões administrativas

na esfera judicial (Art. 15, I a IX).

À SEAE está reservada a atuação de advocacia da concorrência, isto é, atuar junto à

administração direta e indireta para o desenvolvimento e adoção de políticas de defesa da

concorrência; estando facultado também à esta, manifestar-se acerca dos processos em trâmite

no CADE.

No tocante à imposição de dever de apresentação prévia dos atos de concentração,

conforme a nova lei antitruste, as empresas estão obrigadas a apresentar os atos de

concentração dos quais participam antes da sua concretização (Art. 88).

Frise-se que, sem a aprovação administrativa do CADE, as operações não podem ser

consumadas (Art. 88, § 3º).

Contudo, inconteste que, enquanto a operação estiver sendo analisada, os requerentes

atenuarão a concorrência entre si e evitarão transgredir padrões de não concorrência; mas o

objetivo da lei é garantir, ainda que alguns efeitos concorrenciais se façam sentir, que eles

sejam breves e não impeçam a reversibilidade da operação. Nesse diapasão, o referido

diploma fornece elementos para que ambos os requisitos sejam preenchidos: as partes são

obrigadas a manter física e comercialmente separadas as sociedades envolvidas na operação

até que seja dado o aval pelo CADE (Art. 88, § 4º) e há garantias de que a avaliação pela

autarquia será breve (Art. 88, § 2º).

Quanto ao aumento do poder da Administração Pública, verifica-se que a capacidade

investigatória atribuída à Administração aumentou substancialmente em comparação ao

estabelecido na lei anterior.

96 ANDERS, Eduardo Caminati; BAGNOLI, Vicente; PAGOTTO, Leopoldo (Coord.). Comentários à nova lei de defesa da concorrência: Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 / coordenadores Eduardo Caminati Anders, Vicente Bagnoli, Leopoldo Pagotto ; [autores Adriana Franco Gianini ... et al.]. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 18.

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Ademais, a imposição do dever de apresentação prévia dos atos de concentração,

acima consignado, confia ao SBDC o poder de obstar a concretização de negócios por

eventual inércia, criando dificuldade à atividade empresarial. Em consequência, o “controle

da legalidade de excessivos atrasos deverá ser efetuado pelo Ministério Público e pelo Poder

Judiciário, sob pena de sujeitar as empresas ao arbítrio ou aos efeitos nocivos da eventual

ineficiência dos órgãos antitrustes”97.

No que se refere à forma de cálculo das multas por infração à ordem econômica,

houve sensível modificação dos critérios em relação à legislação anterior.

Previa o Art. 23 da Lei n. 8.884, em 11 de junho de 1994: Art. 23. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas: I - no caso de empresa, multa de um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável; II - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida por empresa, multa de dez a cinqüenta por cento do valor daquela aplicável à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador. III - No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente. Parágrafo único. Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.98

E, hodiernamente, conforme o Art. 37 da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011:

Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas: I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem

97 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. – 5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 123. 98 BRASIL. Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 13 jun. 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8884.htm. Acesso em: 10 jan. 2014.

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personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais); III - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo. § 1o Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. § 2o No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o Cade poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo Cade, ou quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea.99

De fato, é patente a modificação trazida pela nova lei antitruste em comparação com a

antiga, pois altera não só o percentual, mas a base para o cálculo da multa do faturamento

total para apenas o faturamento obtido no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a

infração; mantendo-se, entretanto, o pressuposto de que a multa não pode ser inferior à

vantagem auferida, sob pena de se anular o efeito repressivo que deve ter a aplicação da lei de

defesa da concorrência em matéria de controle de condutas.

Por fim, há de se destacar, ainda, o aumento dos recursos materiais à disposição do

SBDC, mediante a criação de duzentos cargos de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão

Governamental para exercício na SEAE e, prioritariamente, no CADE (Art. 121). Com efeito,

em um país de dimensões continentais, com mercado em franca expansão, faz-se necessário

dotar o SBDC de recursos materiais suficientes para enfrentar a demanda gerada.

99 BRASIL. Lei n. 12.529, de 20 de novembro de 2011. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 01 dez. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm. Acesso em: 10 jan. 2014.

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4 ANÁLISE DO JUÍZO DE DECIDIBILIDADE DO CADE

A atividade do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) pode ser

fracionada em duas linhas de atuação distintas: o controle de estruturas de mercado e o

controle de condutas ou práticas anticoncorrenciais.

Em síntese, o controle estrutural subsume-se em prevenção. O SBDC monitora a

configuração dos mercados por meio da análise de atos de concentração, como operações de

fusão, incorporação, aquisição, join venture (ou empreendimento conjunto), dentre outros.

Assim, os atos e contratos, que resultem em concentração econômica passam pelo crivo do

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), podendo ser aprovados com ou sem

restrições, ou até vetados, como, por exemplo, o Caso “Colgate/Kolynos”, “Gerdau/Cia.

Siderúrgica Pains”, “AmBev” e “Nestlé/Garoto”.

Já o controle de conduta tem função repressiva, consiste na definição de regras de

procedimento adequado aos agentes ou sujeitos econômicos. O objeto desse controle é o

comportamento abusivo e anticoncorrencial, vez que o SBDC atua inibindo, proibindo e

sancionando certos tipos indesejáveis de condutas dos participantes do mercado, verbi gratia,

a formação de cartéis, a venda casada, o preço predatório etc.

4.1 ESTRUTURAS E CONDUTAS

O controle de estrutura é disciplinado pelo Art. 88 da Lei n. 12.529, de 30 de

novembro de 2011. O SBDC, por meio do CADE, realiza a análise prévia de um ato de

concentração entre empresas, verificando se este provoca efeitos nocivos à livre concorrência.

Sob a égide da Lei n. 8.884, em 11 de junho de 1994, os atos, sob qualquer forma

manifestados, que pudessem limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou

resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deveriam ser submetidos a

apreciação do CADE (Art. 54, caput).

E, nos termos da lei anterior (Art. 54, § 3º), incluíam-se nesses atos aqueles que

visassem a qualquer forma de concentração econômica, fosse por meio de fusão ou

incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou

qualquer forma de agrupamento societário, que implicasse participação de empresa ou grupo

de empresas resultante em vinte e cinco por cento de um mercado relevante, ou em que

qualquer dos participantes tivesse registrado faturamento bruto anual, no último balanço,

equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais). Nesse aspecto:

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Por conta dos termos bastante amplos da Lei º 8.884/1994, houve, principalmente na primeira década de sua vigência, grandes discussões e dúvidas a respeito de quais operações deveriam ser submetidas às autoridades de defesa da concorrência. Muitos argumentavam, embasados na redação do caput do artigo 54 da referida lei, que, se determinado ato não tinha o potencial de “limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços”, sua submissão às autoridades não se fazia necessária.100

Contudo, à época, o CADE consolidou entendimento no sentido de que, uma vez

atingido um dos critérios estabelecidos pela lei (no Art. 54, § 3º), o ato deveria ser submetido

à apreciação das autoridades concorrenciais, a quem caberia a avaliação de seu potencial

lesivo à concorrência.

Por sua vez, a nova lei, revoluciona no caput do Art. 88, ao prever de forma simples e

objetiva, que os atos de concentração econômica deverão ser submetidos ao CADE. E, no que

tange à definição de que tipos de negócios jurídicos são considerados atos de concentração,

para fins de avaliação dos critérios de submissão estabelecidos no referido dispositivo legal,

estabelece: Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando: I - 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; II - 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas; III - 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture. Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.101

Assim, no tocante aos critérios de submissão de atos de concentração à apreciação do

CADE, a nova lei antitruste elimina o critério da participação do mercado.

100 ANDERS, Eduardo Caminati; BAGNOLI, Vicente; PAGOTTO, Leopoldo (Coord.). Comentários à nova lei de defesa da concorrência: Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 / coordenadores Eduardo Caminati Anders, Vicente Bagnoli, Leopoldo Pagotto ; [autores Adriana Franco Gianini ... et al.]. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 275. 101 BRASIL. Lei n. 12.529, de 20 de novembro de 2011. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 01 dez. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm. Acesso em: 10 jan. 2014.

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Segundo Anders102, a supressão do referido critério atende às recomendações de

estudos elaborados pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos

(OCDE), os quais concluíram que “critérios de submissão atrelados à análise de participação

de mercado de empresas envolviam elementos subjetivos relacionados à definição do mercado

relevante e geravam, assim, incertezas e insegurança jurídica ao sistema concorrencial”103.

Com efeito, o conceito de concentração econômica está relacionado à estrutura e não

ao comportamento do mercado, razão pela qual, apenas atos que gerem modificação na

estrutura de um determinado mercado relevante, seja horizontal ou vertical, devem ser

considerados concentracionistas.

Portanto, serão vetados os atos que impliquem na eliminação da concorrência em parte

substancial de mercado relevante, na criação ou reforço de posição dominante ou na

dominação de mercado relevante de bens ou serviços (Art. 88, § 5º). Sendo, todavia,

autorizados aqueles atos que: cumulada ou alternativamente, aumentarem a produtividade ou

a competitividade, melhorarem a qualidade de bens ou serviços, ou propiciarem a eficiência e

o desenvolvimento tecnológico ou econômico (Art. 88, § 6º, I, “a”, “b” e “c”); devendo ser

repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes (Art. 88, § 6º, II).

Ocorre que, a apenas a análise das estruturas não é suficiente para evitar a ocorrência

de efeitos nocivos à livre concorrência. E, como consignado alhures, a atuação do SBDC

subdivide-se em duas frentes: o controle de estruturas de mercado – via apreciação de fusões,

aquisições e incorporações – e o controle de condutas ou práticas anticoncorrenciais – que

busca verificar a existência de infrações à ordem econômica.

Na sistemática adotada pela Lei n. 8.884, em 11 de junho de 1994, os ilícitos eram

tratados através de fórmulas gerais constantes do Art. 20, deixando-se para outro dispositivo,

Art. 21, concretizar as fórmulas gerais antes descritas, a título exemplificativo.

Nessa mesma trilha, o Art. 36 da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011,

representa a intenção do legislador em elencar as condutas que são consideradas infrações à

ordem econômica.

Tais infrações se revelam em função do resultado potencial ou efetivo prejuízo a livre

concorrência, ou na dicção do dispositivo constitucional que prevê a repressão ao abuso do

102 ANDERS, Eduardo Caminati; BAGNOLI, Vicente; PAGOTTO, Leopoldo (Coord.). Comentários à nova lei de defesa da concorrência: Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 / coordenadores Eduardo Caminati Anders, Vicente Bagnoli, Leopoldo Pagotto ; [autores Adriana Franco Gianini ... et al.]. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 276. 103 Idem.

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poder econômico (Art. 173, § 4º, CF), importam na dominação de mercados, eliminação da

concorrência e aumento arbitrário dos lucros.

Por conseguinte, conforme o Art. 36, as tipificações das possíveis condutas que

constituem infração à ordem econômica são as seguintes: limitar, falsear ou de qualquer

forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; dominar mercado relevante de bens

ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; e exercer de forma abusiva posição

dominante.

Em adição, o § 1° do mesmo dispositivo legal, é cristalino ao explicar que a conquista

de mercado resultante de processo natural fundado na eficiência do player em relação a seus

competidores não caracteriza ilícito. Em outras palavras, a dominação de mercado relevante

não constitui ilícito se é resultante de processo natural, justificado pela eficiência do agente

econômico.

Por sua vez o § 2°, trata da definição de posição dominante, isso porque, o abuso de

posição dominante também é prática restritiva da concorrência, decorrente da utilização

indevida por uma empresa do seu poder de mercado.

Para Taufick104, a nova lei apresenta dois critérios para aferição do poder mercado, um

concreto e outro abstrato. O critério abstrato está no controle de vinte por cento ou mais do

mercado relevante; trata-se, no entanto, de um critério ajustável, podendo o CADE alterar

esse percentual em determinados setores da economia – em geral, em mercados pouco

concentrados, atomizados ou pulverizados. Já o critério concreto representa a verificação

empírica de que um player é capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de

mercado. Trata-se, portanto, da efetiva aplicação da definição de poder de mercado, isto é, da

capacidade de influenciar o comportamento do mercado. Assim, o trabalho do CADE cinge-

se na aferição do poder de mercado e na verificação do abuso da comprovada posição

dominante.

Por fim, o § 3° estabelece que as condutas elencadas em seus incisos, além de outras

condutas que não estejam ali listadas, serão consideradas práticas ilegais sob a ótica da

legislação antitruste se efetivamente causarem ou se forem capazes de causar os efeitos

previstos pelo caput. Assim:

[...] conforme se depreende da leitura combinada do caput do artigo com o seu § 3º, o ilícito concorrencial é caracterizado com base no seu objeto e no seu efeito, de modo que serão consideradas contrárias à ordem econômica as

104 TAUFICK, Roberto Domingos. Nova Lei Antitruste Brasileira: A Lei 12.529/2011 Comentada e a Análise Prévia no Direito da Concorrência / Roberto Domingos Taufick. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 183.

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condutas que tenham por objeto ou efeito, ainda que potenciais, (i) limitação ou prejuízo à livre concorrência ou à livre iniciativa, (ii) dominação de mercado relevante, (iii) aumento arbitrário dos lucros, e (iv) e exercício abusivo de posição dominante.105

Dessa forma, deve haver relação entre a conduta prevista nos incisos do § 3º e o

objetivo ou potencialidade de produção de efeitos do caput; nesse aspecto, trata-se a lei

antitruste de um sistema, uma vez que os dois dispositivos legais que prescrevem as infrações

da ordem econômica – caput e § 3º do Art. 36 – são complementares e, sem dúvida, devem

ser analisadas conjuntamente.

Em suma, tais condutas podem ser divididas, basicamente, em dois grupos: exclusão e

colusão ou conluio com concorrentes. Pois, para Salomão Filho106, pode-se dominar o

mercado sozinho, expulsado o concorrente, ou dominá-lo conjuntamente com este.

Nesse passo, pode-se afirmar que as principais condutas prejudiciais à livre

concorrência, favorecem a formação de monopólios e oligopólios.

Cumpre salientar, de proêmio, que os monopólios não são configurados somente

quando um agente econômico detém cem por cento do mercado relevante, mas também nas

situações em que detém parcela substancial do mercado e seus concorrentes são atomizados

ou pulverizados, de forma a não conseguirem exercer qualquer influência sobre o preço de

mercado.

Quanto aos efeitos nocivos do monopólio, pode-se inferir que: com o poder de

mercado concentrado, os preços resultam de decisões unilaterais, movidas exclusivamente por

interesses privados (a maximização dos lucros); havendo restrição de oferta pelo monopólio,

as dimensões do mercado são tão-somente aquelas que a empresa decidir, reduzindo, ao seu

arbítrio, o mercado; há desatenção ou despreocupação do produtor para a redução dos custos,

sendo que as ineficiências do processo produtivo são repassadas aos consumidores; d) a

pesquisa e o desenvolvimento de processos de melhoria do produto são desestimulados pela

inexistência de concorrentes.

Os oligopólios são basicamente configurados por um pequeno número de empresas

dominantes em um certo mercado, pois: [...] a característica central dos oligopólios é o pequeno número de empresas, geralmente de grande porte, que domina parcelas substantivas do mercado.

105 ANDERS, Eduardo Caminati; BAGNOLI, Vicente; PAGOTTO, Leopoldo (Coord.). Comentários à nova lei de defesa da concorrência: Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 / coordenadores Eduardo Caminati Anders, Vicente Bagnoli, Leopoldo Pagotto ; [autores Adriana Franco Gianini ... et al.]. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 126. 106 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 125.

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Trata-se de uma estrutura de mercado definida pelos altos coeficientes de concentração: são raros os setores tipicamente oligopolizados em que as cinco maiores empresas não detenham pelo menos 70% das receitas operacionais totais. As vendas concentram-se em poucas empresas que dominam o mercado – uma dominação que pode conduzir à formação de cartel, um tipo de coalizão cujas práticas e efeitos se aproximam bastante das que se observam em situações de monopólio [...].107

Os efeitos nocivos do oligopólio são os seguintes: essa estrutura de mercado dominada

por pequeno número de produtores pode favorecer os acordos de coalizão entre empresas;

essas coalizões, principalmente no caso de produtos não diferenciados, podem conduzir ao

loteamento do mercado e à formação de cartel; possibilitam a concorrência predatória, com

“guerra de preços” e dumping, que podem desaguar em dominação do mercado, sendo que a

eliminação de rivais contraria o interesse público.

Portanto, a colusão disciplinada pelo controle de conduta é essencialmente aquela

relativa a acordos entre os concorrentes ou competidores, sobre variáveis concorrenciais –

preço, oferta, controle de vendas etc. – que possam afetar a concorrência entre eles; sendo que

as quatro formas básicas de oligopólio são o cartel, o truste, a holding (controle de sociedades

menores por uma supersociedade) e o conglomerado.

Posto isso, delineado o arcabouço que envolve a atuação do CADE, faz-se necessário

abordar a sua natureza jurídica e as características de suas decisões.

4.2 A NATUREZA JURÍDICA DO CADE

Estabelece o Art. 4º da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, que o Conselho

Administrativo de Defesa Econômica (CADE) “é entidade judicante com jurisdição em todo o

território nacional, que se constitui em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça,

com sede e foro no Distrito Federal”108.

Como consignado alhures, a partir da promulgação da Lei n. 8.884, em 11 de junho de

1994, o CADE fora transformado em uma autarquia federal vinculada ao Ministério da

Justiça, com sede e foro no Distrito Federal e jurisdição em todo território nacional; não

trazendo, portanto, a redação do supracitado dispositivo, nenhuma inovação em relação à

legislação anterior.

107 ROSSETI, José Paschoal. Introdução à economia. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 517. 108 BRASIL. Lei n. 12.529, de 20 de novembro de 2011. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 01 dez. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm. Acesso em: 10 jan. 2014.

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O Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, ao dispor sobre a organização da

Administração Federal, prescreve que autarquia é a entidade dotada de personalidade jurídica

própria, pertencente à Administração Indireta: Art. 4º A Administração Federal compreende: I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Emprêsas [sic] Públicas; c) Sociedades de Economia Mista. d) fundações públicas. Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade.109

Por conseguinte, o referido diploma legal, em seu Art. 5º, caracteriza-as como “o

serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios,

para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor

funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”110.

Segundo Mello111, a definição trazida pelo aludido dispositivo legal pouco ou em nada

contribui para identificação da natureza autárquica, por deixar de mencionar o seu traço

determinante: a personalidade de direito público. Posto isso, conforme o jurista, as autarquias

podem ser definidas como as pessoas jurídicas de direito público, de capacidade

exclusivamente administrativa, que gozam de liberdade administrativa nos limites da lei que

as criou, não sendo subordinadas a órgão algum do Estado, mas apenas controladas por este.

Nesse sentido, Medauar112 esclarece que, literalmente, o termo autarquia significa

poder próprio, sendo utilizado pela primeira vez em 1897, pelo publicista italiano Santi

Romano, para identificar a situação dos entes territoriais e institucionais do Estado unitário

italiano. Destarte, para Romano, autarquia significava administração indireta do Estado

exercida por pessoa jurídica, no interesse próprio e do Estado, isto é, uma forma específica de

capacidade de direito público, a capacidade de administrar por si seus próprios interesses,

embora estes se refiram também ao Estado.

109 BRASIL. Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Poder Legislativo, 27 fev. 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm. Acesso em: 10 jan. 2014. 110 Idem. 111 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 160-161. 112 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. – 12. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 70.

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Assim, as autarquias federais consistem em pessoas jurídicas de direito público, de

natureza meramente administrativa, criadas por lei específica (Art. 37, XIX, CF), para a

realização de atividades obras ou serviços da entidade estatal que as criou.

Entendimento um pouco diferente, mas não divergente, é manifestado por Meirelles113

quando sustenta que as autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei

específica, com personalidade jurídica de direito público interno, patrimônio próprio e

atribuições estatais específicas; ressaltando que estas, são entes autônomos, mas não são

autonomias:

[...] Inconfundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para si; esta administra-se a si própria, segundo leis editadas pela entidade que a criou. O conceito de autarquia é meramente administrativo; o de autonomia é precipuamente político. Daí estarem as autarquias sujeitas ao controle da entidade estatal a que pertencem, enquanto as autonomias permanecem livres desse controle e só adstritas à atuação política das entidades maiores a que se vinculam, como ocorre com os Municípios brasileiros (autonomias), em relação aos Estados-membros e à União. A autarquia é forma de descentralização administrativa, através da personificação de um serviço retirado da Administração centralizada. Por essa razão, à autarquia só deve ser outorgado serviço público típico, e não atividades industriais ou econômicas, ainda que de interesse coletivo.114

Esboçando posicionamento convergente, Di Pietro115 pontua cinco características

inerentes às autarquias: criação por lei (a); personalidade jurídica pública (b); capacidade de

auto-administração (c); especialização dos fins ou atividades (d) e sujeição a controle ou

tutela (e). Por fim, definindo autarquia como “a pessoa jurídica de direito público, criada por

lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço público

descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei”116.

Por derradeiro, oportuno, ainda, registrar a definição de Figueiredo117, para quem as

autarquias são pessoas jurídicas de direito público, de capacidade administrativa, criadas pelo

Estado para persecução de finalidades públicas, submetendo, consequentemente, ao regime

jurídico de direito público.

Sendo assim, o CADE, enquanto autarquia, dispõe de um maior poder de ação,

decorrente da liberdade administrativa, não estando subordinado a nenhum órgão, embora

controlado pela entidade estatal. Dotado de tais características, o CADE pode desenvolver

113 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 324-325. 114 Idem. 115 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 21. ed. – São Paulo: Atlas, 2008, p. 408. 116 Ibidem, p. 409. 117 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 133.

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suas atividades com maior presteza, tendo em vista o âmbito de atuação especializado, que

permite um alto nível técnico de operação.

Repise-se, que o Art. 4º da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, confere

ao CADE o status de órgão judicante, postura severamente criticada por parte da doutrina.

Acerca da controvérsia, Souza118 pondera que as decisões do CADE não fazem coisa

julgada, e por isso, não podem ser confundidas com as decisões judiciais. Todavia, salienta

que a autonomia do CADE é essencial para a área do direito da concorrência, posto que, nesta

seara, as decisões devem ser mais ágeis:

Sempre considerado como um ‘órgão judicante’, embora, como vimos, suas ‘decisões’ não constituam ‘sentenças’ no sentido de fazerem ‘coisa julgada’, tem sido tomado como um ‘quase-tribunal’, uma espécie de prenúncio do Tribunal Administrativo, ou equiparado ao Tribunal Marítimo, segundo o voto de um dos seus conselheiros, ‘pela singularidade dentro da ordem pública, por ter um caráter, uma missão, um fim jurídico-administrativo de executor e fiscal de uma lei de repressão e punição a abusos e crimes que possam ocorrer na ordem econômica’. Analisado pelos mais diversos prismas, especialmente com relação à justiça comum, por essa autonomia agora conquistada, a sua situação não se modifica a esse respeito. No entanto, na medida em que a economia nacional se desenvolve, e tanto o crescimento das empresas nacionais quanto a presença de empresas alienígenas se fazem sentir no mercado brasileiro, a presença do CADE vem sendo solicitada com crescente insistência. A própria natureza das atividades negociais leva a essa situação, seja pela vigilância contra atos considerados legalmente abusivos, porém que constituem sua rotinas de ação na busca do lucro, como na maior conveniência de encontrar soluções administrativas ou negociadas, na área da competência judicante do CADE, evitando as delongas e os inconvenientes das lides judiciais. [...] A autonomia decorrente da natureza da autarquia confere ao CADE maior poder de ação, que embora não chegando à equiparação com o Poder Judiciário, liberou-o de um dos passos burocráticos de dependência da administração central para certos tipos de atuação que requerem maior presteza na objetivação.119

Para Coelho120, a natureza das decisões do CADE é a mesma dos atos emanados pelos

demais órgãos administrativos, pois o fato de a lei ter-lhe conferido a qualidade de judicante

não o distingue dos demais. Com efeito, os órgãos apelidados de quase-judiciais apenas

conferem maior formalidade à preparação de seus atos, o que não lhes modifica a natureza

jurídica:

118 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 6. ed. São Paulo: Ltr, 2005, p. 263-265. 119 Idem. 120 COELHO, Fábio Ulhoa. Direito antitruste brasileiro: Comentários à Lei n. 8.884/94. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 12.

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A lei se refere, por outro lado, ao Conselho como ‘órgão judicante com jurisdição em todo o território nacional’. Bem entendida, trata-se da chamada jurisdição administrativa e não judicial, visto que o CADE não integra o Poder Judiciário, mas o Executivo, vinculado ao Ministério da Justiça. É, segundo parte da doutrina, uma entidade com o caráter de órgão administrativo de função quase-judicial, categoria de que seriam exemplos, além do próprio CADE, também o Tribunal Marítimo, os Conselhos de Contribuintes e outros. Os chamados órgãos administrativos quase-judiciais correspondem, contudo, apenas maior formalidades [sic] na preparação e edição dos respectivos atos. Tais formalidades são muito semelhantes às praticadas no Judiciário. Mas a solenidade com que procura revestir seus processos administrativos não são fatores suficientes para alterar a qualidade jurídica dos atos emanados do CADE. A sua natureza é igual às dos atos emanados dos demais órgãos administrativos. Abstraídas as formalidades, estas sim parajudiciais, as sanções do CADE têm rigorosamente a mesma natureza administrativa das aplicadas por qualquer fiscal de normas edilícias de uma Prefeitura, ou pela Polícia de Trânsito, em estradas estaduais. Seus pronunciamentos não fazem coisa julgada e estão sempre sujeitos à revisão judicial, como todos os demais atos administrativos (CF, art. [sic] 5º, XXXV).121

De fato, faz sentido perquirir a característica atribuída ao CADE pela Lei n. 8.884, em 11 de junho de 1994 (e, posteriormente, pela Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011), posto caber à Constituição Federal outorgar a função judicante e enumerar os órgãos pertencentes ao Poder Judiciário (Art. 92, CF), dentre os quais o CADE não se inclui.

Por seu turno, Franceschini122, pondera que a natureza jurídica do CADE seria de órgão auxiliar do Poder Judiciário, considerando que as decisões da autarquia consubstanciar-se-iam em verdadeiros laudos técnicos especializados, a serem submetidos ao crivo da autoridade judiciária.

Tal alegação também é discutível, embora as decisões do CADE contenham matéria extremamente especializada, podendo mesmo ser comparadas a laudo técnico, cumpre seguir-se um processo administrativo até que a decisão seja proferida. Muitas vezes, questiona-se no Judiciário não o conteúdo da decisão em si, mas se as formalidades do processo administrativo foram seguidas, o que pode ocasionar cerceamento de defesa ou ensejar nulidades insanáveis.

4.3 AS CARACTERÍSTICAS DAS DECISÕES DO CADE

As decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) criam

realidades, impõem comportamentos novos, disciplinam, controlam e fiscalizam o mercado.

121 COELHO, Fábio Ulhoa. Direito antitruste brasileiro: Comentários à Lei n. 8.884/94. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 12. 122 FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Introdução ao direito da concorrência. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 25.

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Segundo Fonseca123, suas decisões constituem-se em forte limitação à liberdade de

contratar, vez que os atos que lhe são apresentados incluem-se na categoria dos contratos

empresariais, que, amparados em legislações próprias, têm como elemento constitutivo básico

a liberdade de contratar com quem quiserem, estabelecendo as cláusulas que entendam

necessárias para a efetivação do negócio jurídico; entretanto, o CADE, com base na

competência que lhe é atribuída legalmente, pode limitar aquela liberdade, quando vislumbrar

dano potencial ao mercado, à coletividade.

As decisões do CADE, tanto na função preventiva como repressiva, são,

indiscutivelmente, atos administrativos, posto que emanados de uma autarquia federal

pertencente à Administração Pública Federal Indireta.

Mello124 salienta que não há definição legal de ato administrativo; ressalta, todavia,

que não se devem confundir atos da Administração com atos administrativo, porque: (a) a

Administração pratica inúmeros atos que não são considerados atos administrativos, tais

como os atos regidos pelo Direito Privado (verbi gratia, a simples locação de uma casa para

nela instalar-se uma repartição pública), atos materiais (como o ministério de uma aula, uma

operação cirúrgica realizada por médico no exercício de sua atividade como funcionário, ou a

pavimentação de uma rua), e atos políticos ou de governo (como, por exemplo, a iniciativa de

lei pelo Poder Executivo); (b) há atos que não são praticados pela Administração, mas que

devem ser incluídos entre os atos administrativos, tais como o atos relativos à vida funcional

dos servidores do Legislativo e do Judiciário, praticados pelas autoridades destes Poderes.

Assim, seria possível conceituar o ato administrativo como:

[...] declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas manifestadas mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional125.

Posicionamento semelhante é esboçado por Medauar126, ao pontuar que o ato

administrativo constitui um dos modos de expressão das decisões tomadas por órgãos e

autoridades da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos, em especial no sentido de

123 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 78. 124 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 369, 376-378. 125 Ibidem, p. 378. 126 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. – 12. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 134.

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reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações, com observância

da legalidade.

Nesse sentido, poder-se-ia definir o ato administrativo como toda manifestação

unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim

imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor

obrigações aos administrados ou a si própria, passível de controle judicial, pois:

Ato administrativo em sentido estrito é a norma concreta, emanada pelo Estado, ou por quem esteja no exercício da função administrativa, que tem por finalidade criar, modificar, extinguir ou declarar relações jurídicas entre este (o Estado) e o administrado, suscetível de ser contrastada pelo Poder Judiciário.127

Di Pietro128, de forma relativamente sucinta, define ato administrativo como a

declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com

observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder

Judiciário:

Para definir o ato administrativo, é necessário considerar os seguintes dados: 1. ele constitui declaração do Estado ou de quem lhe faça as vezes; é preferível falar em declaração do que em manifestação, porque aquela compreende sempre uma exteriorização do pensamento, enquanto a manifestação pode não ser exteriorizada; o próprio silêncio pode significar manifestação de vontade e produzir efeito jurídico, sem que corresponda a um ato administrativo; falando-se em Estado, abrangem-se tanto os órgãos do Poder Executivo como os demais Poderes, que também podem editar atos administrativos; 2. sujeita-se a regime jurídico administrativo, pois a Administração aparece com todas as prerrogativas e restrições próprias do poder público; com isto, afastam-se os atos de direito privado praticados pelo Estado; 3. produz efeitos jurídicos imediatos; com isso, distingue-se o ato administrativo da lei e afasta-se de seu conceito o regulamento que, quanto ao conteúdo, é ato normativo, mais semelhante à lei; e afastam-se também os atos não produtores de efeitos jurídicos diretos, como os atos materiais e os atos enunciativos; 4. é sempre passível de controle judicial. 5. sujeita-se à lei. As duas últimas características colocam o ato administrativo como uma das modalidades de ato praticado pelo Estado, pois o diferenciam do ato normativo e do ato judicial.129

127 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 162-163. 128 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 21. ed. – São Paulo: Atlas, 2008, p. 185. 129 Ibidem, p. 184-185.

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Por fim, Grau e Forgioni130 destacam as suas características, salientando tratar-se de

declaração jurídica (a); proveniente do Estado ou de quem esteja investido em prerrogativas

estatais (b); estando sujeito ao regime de direito público (c); constituindo ato infralegal, ou

seja, baseado na lei (d), e finalmente, sujeitando-se a exame de legitimidade por órgão

jurisdicional (e).

Portanto, as decisões do CADE, ao julgar um ato de concentração, permitindo a fusão

de duas empresas, por exemplo, ou penalizando empresas pela prática de cartel, são atos

administrativos, posto expressarem a vontade do Estado aplicando o Direito, nas suas mais

diversas formas, quais sejam, criando, modificando ou extinguindo as relações entre o Estado

e o administrado. Estando, pois, sujeitas ao controle do Poder Judiciário.

4.4 ATOS ADMINISTRATIVOS VINCULADOS E DISCRICIONÁRIOS

O cerne da questão, no tocante à natureza jurídica das decisões proferidas pelo CADE,

reside em considerá-las atos administrativos vinculados ou discricionários.

Com efeito, a diferenciação entre atos administrativos vinculados ou discricionários é

relevante, porquanto a posição adotada afetaria sobremodo a definição dos limites do controle

judicial das decisões – se formal ou material, visto que os primeiros podem sofrer revisão

plena do Poder Judiciário e os segundos não.

De forma bastante simplista, utilizando-se os critérios classificatórios de Gasparini131,

quanto ao grau de liberdade da Administração Pública para decidir, os atos administrativos

podem ser vinculados ou discricionários: São vinculados os praticados pela Administração Pública sem a menor margem de liberdade. A Administração pública edita-os sem qualquer avaliação subjetiva. A lei, nesses casos, encarrega-se, em tese, de prescrever, com detalhes, se, quando e como a Administração Pública deve agir. São atos vinculados: os que outorgam licença para construir, os que concedem aposentadoria e os que admitem o administrado em escolas e hospitais públicos. Em todos eles a lei prescreve o procedimento a ser tomado pela Administração Pública, ou seja, deferir ou indeferir o pedido, conforme seu autor tenha ou não satisfeito as exigências da lei, não lhe cabendo decidir de outro modo. São discricionários os atos praticados pela Administração Pública com certa margem de liberdade. A administração edita-os depois de uma avaliação subjetiva. São atos discricionários: os que outorgam permissão de uso de bem público. Nesses casos, a edição do ato ocorre depois de uma avaliação

130 GRAU, Eros Roberto; FORGIONI, Paula A. O Estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 214-215. 131 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2001, p. 72-77.

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subjetiva da Administração Pública, no que respeita ao mérito, dado que a lei não prescreve para o agente público um só comportamento. Assim, segundo o interesse público do momento a autoridade competente defere ou indefere a solicitação do particular.132

Nessa linha de entendimento, são vinculados os atos administrativos praticados sem

qualquer margem de liberdade para uma adequação subjetiva, sendo encargo da

Administração Pública apenas seguir as prescrições da lei sobre se e quando agir.

Em tais casos, a lei determina um único procedimento a ser adotado pela

Administração; verbi gratia, a questão das aposentadorias compulsória e voluntária (Art. 40,

§ 1º, I e II). Uma vez implementadas as condições, a Administração Pública não tem outra

escolha a não ser conceder o benefício ao administrado.

Por outro lado, os atos administrativos podem ser discricionários, isto é, praticados

com certa margem de liberdade pela Administração Pública, sendo editados após uma

avaliação subjetiva; cabendo à Administração escolher um comportamento dentre os

prescritos pela lei, a partir de um juízo de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito.

Em vista disso, ante a competência discricionária, a Administração Pública poderá

deferir ou não o pleito do administrado, posto ser-lhe permitido avaliar a solicitação

formulada de acordo com os critérios adotados de conveniência e oportunidade.

Para Mello133, uma das grandes distinções que se faz entre os atos administrativos, e à

qual se atribui maior relevo, é a que os separa em atos vinculados e discricionários, todavia:

[...] estes últimos só se nominariam adequadamente como “atos praticados no exercício de competência discricionária”. Com efeito, a dicção “ato discricionário”, só pode ser tolerada como uma forma elíptica de dizer “ato praticado no exercício de competência ensejadora de certa discrição” e, mesmo assim, cumpre advertir que a impropriedade da nomenclatura corrente (que leva à oposição ato discricionário/ato vinculado) é causa de inúmeros e graves equívocos jurídicos.134

Ainda, conforme Melo135, os atos vinculados seriam aqueles em que – existindo prévia

e objetiva tipificação legal do único comportamento possível da Administração Pública em

face de uma situação igualmente prevista – a autoridade competente, ao expedi-los, não

interferiria com apreciação subjetiva alguma. Os atos praticados no exercício de competência

discricionária, de maneira oposta, seriam aqueles que a Administração Pública pratica com

132 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2001, p. 74-75. 133 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 421. 134 Ibidem, p. 421-422. 135 Ibidem, p. 421.

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certa margem de liberdade de avaliação ou decisão, segundo critérios de conveniência e

oportunidade formulados por ela mesma, ainda que limitada pela lei reguladora à expedição

deles.

A diferença nuclear entre ambos residiria em que nos primeiros a Administração não

dispõe de liberdade alguma, posto que a lei já regulou antecipadamente em todos os aspectos

o comportamento a ser adotado, enquanto nos segundos a disciplina legal deixa ao

administrador certa liberdade para decidir-se em face das circunstâncias concretas do caso,

impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a utilização de critérios próprios para avaliar

ou decidir quanto ao que lhe pareça ser o melhor meio de satisfazer o interesse público que a

norma legal visa realizar.

Posicionamento semelhante é adotado por Di Pietro136, ao considerar que a atuação da

Administração Pública no exercício da função administrativa é vinculada quando a lei

estabelece a única solução possível diante de determinada situação de fato, fixando todos os

requisitos, cuja existência a Administração deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem

de apreciação subjetiva. Sendo discricionária, quando a Administração, diante do caso

concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência

e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito.

Assim, o ato administrativo vinculado é proveniente do poder vinculado, e embora a

Administração tenha concedido ao administrador poder de decisão, já predetermina as

situações e condições, orientando-o em uma só direção. O poder discricionário, que emana

dos respectivos atos discricionários, faculta a liberdade de escolha entre as várias possíveis e

válidas estabelecidas pelo ordenamento, todavia, tal liberdade não é ilimitada, posto que o

poder discricionário está restrito às normas legais e aos princípios norteadores da

Administração.

Sob esse prisma, há que se distinguir poder discricionário de poder arbitrário, este

trata-se de uma ação contrária ou excedente da lei, sempre ilegítima e inválida; enquanto

aquele consubstancia-se em liberdade de ação administrativa, autorizada pelo Direito, sendo,

portanto, legal e válida, pois: Poder vinculado ou regrado é aquele que o Direito Positivo – a lei – confere à Administração Pública para a prática de ato de sua competência, determinando os elementos e requisitos necessários à sua formalização. Nesses atos, a norma legal condiciona sua expedição aos dados constantes de seu texto. Daí se dizer que tais atos são vinculados ou regrados, significando que, na sua prática, o agente público fica inteiramente preso ao enunciado da

136 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 21. ed. – São Paulo: Atlas, 2008, p. 201.

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lei, em todas as suas especificações. Nessa categoria de atos administrativos, a liberdade de ação do administrador é mínima, pois terá que se ater à enumeração minuciosa do Direito Positivo para realizá-los eficazmente. Deixando de atender a qualquer dado expresso na lei, o ato é nulo, por desvinculado de seu tipo-padrão137

O princípio da legalidade impõe que o administrador observe, rigorosamente, todos os

requisitos expressos na lei como da essência do ato vinculado. O seu poder administrativo

restringe-se, em tais casos, ao de praticar o ato com todos os pormenores especificados em lei.

Omitindo-os ou diversificando-os na sua substância, nos motivos, na finalidade, no tempo, na

forma ou no modo indicados, o ato é inválido, e assim pode ser reconhecido pela própria

Administração ou pelo Judiciário, se requerer o administrado.

As decisões do CADE são, assim, atos administrativos vinculados, porquanto ao

analisar um ato de concentração, este não tem liberdade de escolha, uma vez que a lei já

definiu quais atos de concentração devem-lhe ser submetidos, bem como os tipos de decisão a

tomar em caso de concentração no mercado, as penalidades por submissão intempestiva, etc.;

do mesmo modo, nos processos administrativos por infração à ordem econômica, a legislação

já definiu os atos considerados infrações, bem como as penalidades aplicáveis, etc.

Reforçando os argumentos acima expendidos, Grau138 assinala que a simples

necessidade de interpretar conceitos legais indeterminados não representa atividade

discricionária, visto que a discricionariedade decorre de uma expressa atribuição legal, e

jamais como consequência implícita da lei; consequentemente, a circunstância de os termos

da lei serem ambíguos não conduz à discricionariedade.

Entendimento um pouco diferente, mas não divergente, é manifestado por Queiró139,

para quem há um limite para a determinação dos conceitos utilizados pela norma, sob pena de

se passar da abstração à individualização, abandonando o objetivo do próprio Estado de

Direito; com efeito, há de se deixar à Administração uma certa margem de discricionariedade

na norma, sem contudo perder, o ato, seu caráter vinculado.

Nessa vertente, os conceitos indeterminados da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de

2011, carecem de interpretação técnica, e esta, como qualquer outro processo de

interpretação, situa-se no campo da legalidade, sendo um mecanismo de aplicação de direito a

137 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 109. 138 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 141 e 146. 139 QUEIRÓ, RDA 11/57 e 11/59 apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 950.

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situações concretas. E, embora seja um processo de interpretação sofisticado, não passaria a

ser, por isso, discricionário.

Posto isso, as decisões do CADE são atos administrativos vinculados, estando

vinculadas não somente à lei, mas às garantias e liberdades individuais. E, para Grau140, a

consequência mais relevante que se extrai dessa distinção entre atos discricionários e

vinculados, diz respeito, precisamente, ao papel a ser desempenhado pelo Poder Judiciário.

Tendo em vista a sua natureza vinculada, as decisões do CADE poderão ser revistas

pelo Poder Judiciário de forma plena, uma vez que somente os atos administrativos que digam

exclusivamente respeito ao exercício da função política da Administração Pública (id est

política de governo) estão excluídos da apreciação do Poder Judiciário, por tratarem-se uma

opção do Executivo (preservação da autonomia e independência dos Poderes).

Em outras palavras, sendo atos administrativos vinculados, seus efeitos estão sujeitos

ao controle judicial, especialmente, para que se verifique a observância dos princípios

basilares da Administração Pública, quais sejam, a legalidade e a primazia do interesse

público.

140 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 150.

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5 A JURIDICIZAÇÃO DAS DECISÕES DO CADE

De nada adiantaria, sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não

pudessem ser controlados por um órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitam

apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados.

O controle jurisdicional da Administração constitui, juntamente com o princípio da

legalidade, um dos fundamentos em que repousa o Estado de Direito; trata-se da regra básica

do nosso ordenamento jurídico, plasmada no Art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que

proíbe a lei de excluir da à apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.

Assim, qualquer que seja o autor da lesão, mesmo o poder público, poderá o

prejudicado socorrer-se das vias judicias.

5.1 DO CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO

A expressão controle jurisdicional da Administração abrange a apreciação, efetuada

pelo Poder Judiciário, sobre atos, processos e contratos administrativos, atividades ou

operações materiais e mesmo a omissão ou inércia da Administração.

Conforme Medauar141, tal controle, nos vários ordenamentos, se organiza em dois

sistemas, o sistema de jurisdição dupla (dualidade de jurisdição, contencioso administrativo

ou sistema de jurisdição administrativa) e o sistema de jurisdição una (unidade de jurisdição

ou sistema de jurisdição ordinária):

O sistema de jurisdição dupla, de origem francesa, caracteriza-se pela existência paralela de duas ordens de jurisdição: a jurisdição ordinária ou comum e a jurisdição administrativa, destinada a julgar litígios que envolvem a Administração Pública. A jurisdição administrativa ou contencioso administrativo forma um conjunto escalonado de juízes ou tribunais administrativos, encabeçados por um órgão supremo, de regra denominado Conselho de Estado, independente do tribunal supremo de jurisdição ordinária e cujas decisões representam a última instância. [...] No sistema de jurisdição una, o julgamento dos litígios em que a Administração é parte compete aos juízes e tribunais comuns. Admitem-se varas especializadas (que não significam justiça especial), mas inseridas entre os órgão de uma única ordem de jurisdição.142

141 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. – 12. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 392. 142 Idem.

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O direito brasileiro adotou o sistema de jurisdição una, pelo qual o Poder Judiciário

tem o monopólio da função jurisdicional, isto é, do poder de apreciar, com força de coisa

julgada, a lesão ou ameaça de lesão a direitos individuais e coletivos. Afastou, assim, o

sistema de jurisdição dupla, em que, paralelamente ao Poder Judiciário, existem órgãos do

Contencioso Administrativo, que exercem, como aquele, função jurisdicional sobre lides de

que a Administração Pública seja parte interessada.

Trata-se do princípio da inafastabilidade jurisdicional ou princípio da

inafastabilidade do controle judicial (Art. 5º, XXXV, CF), posto que todo o pronunciamento

do Poder Judiciário sobre um ato da Administração Pública, em qualquer ação judicial, será

controle do tipo judicial.

Com efeito, o controle judicial é aquele exercido pelos órgãos do Poder Judiciário

sobre os atos administrativos praticados pelo Poder Executivo, pelo Poder Legislativo ou pelo

próprio Poder Judiciário, quando realiza atividades administrativas.

Segundo Di Pietro143, o Poder Judiciário pode examinar os atos da administração

pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais,

vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e moralidade (Art. 5º,

LXXIII, e 37, CF).

É, geralmente, exercido a posteriori e refere-se à cognição parcial exauriente; sendo,

sobretudo, um instrumento de preservação dos direitos individuais dos administrados. Como

cediço, o Poder Judiciário, no exercício de sua atividade jurisdicional, age mediante

provocação do interessado ou legitimado.

Mediante o exercício do controle judicial dos atos administrativos pode-se decretar a

sua anulação, posto que a sua revogação decorre do controle de mérito. A anulação ocorre nos

casos em que há ilegalidade no ato administrativo, podendo ser feita pelo Poder Judiciário,

mas também pela própria administração, no exercício do controle interno.

Não se admite a aferição do mérito administrativo pelo Poder Judiciário, estando a

análise judicial dos atos administrativos adstrita aos aspectos vinculados – elementos:

competência, finalidade e forma. Realmente, não faria sentido o juiz, órgão voltado à

atividade jurisdicional, muitas vezes distante da realidade e necessidade administrativas,

substituir, pela sua, a ótica do administrador. Em outras palavras, se fosse dado ao juiz decidir

sobre a legitimidade e da valoração de oportunidade e conveniência – elemento motivo –

realizada pelo administrador na prática dos atos discricionários de sua competência, estaria

143 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 21. ed. – São Paulo: Atlas, 2008, p. 709.

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esse mesmo juiz substituindo o administrador no exercício dessa atividade valorativa, ou seja,

substituindo o juízo de valor do administrador, mais afeto às coisas da Administração, pelo

seu próprio juízo valorativo, notadamente distanciado deste cotidiano.

Para Alexandrino144, no entanto, não se deve confundir a vedação de que o Poder

Judiciário aprecie o mérito administrativo com a possibilidade de aferição, por este, da

legalidade dos atos discricionários, pois:

O que o Judiciário não pode é invalidar [...] a escolha pelo administrador (resultado de sua valoração de oportunidade e conveniência administrativas) dos elementos motivo e objeto desses atos, que formam o chamado mérito administrativo, desde que feita, essa escolha, dentro dos limites da lei. Ora, no ato administrativo discricionário, além desses dois, temos outros três elementos que são vinculados (competência, finalidade e forma) e, por conseguinte, podem, e devem, ser aferidos pelo poder Judiciário quanto à sua legalidade. Vale repisar: o ato discricionário, como qualquer outro ato administrativo, está sujeito à apreciação judicial; apenas em relação a dois de seus elementos – motivo e objeto – não há em princípio, essa possibilidade.145

Em suma, o Poder Judiciário pode, desde que provocado, anular atos administrativos,

vinculados ou discricionários, que apresentem vícios de ilegalidade ou ilegitimidade. O que

não se admite é que o Poder Judiciário revogue um ato editado pelo Poder Executivo ou

Legislativo. Não é demais lembrar que, o exercício do controle de mérito consubstancia-se na

faculdade de revogar atos discricionários válidos que se tenham tornado inoportunos ou

inconvenientes ao interesse público.

Contudo, pondera Alves146 que o exercício do Judiciário, outrora mero conferente dos

aspectos formais do ato administrativo, no presente, dilata o princípio da legalidade para

também açambarcar o exame dos motivos do administrador, vistos e sopesados dentro dos

critérios de razoabilidade, moralidade, eficiência e dignidade da pessoa humana. Assim, a

atuação que se resumia na resolução através de um simples silogismo – dado A, deve ser B –,

avança para julgar as razões do administrador à luz da Constituição Federal.

Sob essa nova perspectiva, com exceção às condições de conveniência e oportunidade,

que pertencem exclusivamente ao arbítrio do administrador, o ato administrativo pode ser

revisto pelo juiz, quer quanto à forma, quer quanto ao fundo, se dele resultou qualquer

144 ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. – 15. ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 607. 145 Idem. 146 ALVES, Eliana Calmon. A revisão judicial dos atos administrativos de órgãos reguladores e de defesa da concorrência. Brasília, DF, 2003. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/87. Acesso em: 10 jan. 2014.

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prejuízo ao jurisdicionado, uma vez que o exame da legalidade não é apreciação de superfície.

Nesse sentido, a legalidade alcança o mérito, e de acordo com o que já decidiu o Egrégio

Tribunal Federal de Recursos (TFR): “O Poder Judiciário não transborda de suas funções

específicas quando confere a veracidade e a qualificação legal dos motivos do ato

administrativo. Apurado que os motivos não existem ou não se ajustam à lei, o ato não pode

subsistir” (Revista do Tribunal Federal de Recursos, nº 46, p.147/148)147.

Com relação ao decidido pelo extinto TFR, é oportuno observar que o referido

Tribunal, implicitamente, reconheceu que as decisões do CADE caracterizavam atos de

competência vinculada.

Ainda no que diz respeito à temática trazida, caso paradigmático no Brasil data de

1986. Tal discussão está delineada em acórdão da lavra do Ministro Ilmar Galvão, proferido

também pelo TFR, em ação judicial movida pela Pirelli S.A. contra o CADE, conforme

descreve a ementa: ABUSO DO PODER ECONÔMICO – SANÇÃO – CONTROLE JUDICIAL - As decisões do CADE, embora tenham caráter parajudicial, não passam de ato administrativo, encontrando-se sujeitas, portanto, a controle judicial. - O Poder Judiciário não transborda de suas funções quando confere a veracidade e a qualificação legal dos motivos do ato administrativo. - Caso em que não se pode ter por configuradas as infrações enumeradas no aludido ato. (Apelação Cível n. 56.276. Acórdão publicado na Revista de Direito Administrativo, vol. 167, p. 193)148

Sobre o referido julgado, Cardozo149 afirma que essa passagem traduz com acuidade o

método de revisão adotado pelo Poder Judiciário no caso ora descrito, que envolveu o

reexame integral, não só dos fatos e das provas colhidas no processo administrativo, como

também da interpretação conferida pelo CADE às normas e aos princípios então estabelecidos

pelo direito vigente – Lei n. 4.137, de 10 de setembro de 1962 e “Constituição de 1969”

(Constituição de 1967 - Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969). Tanto é

assim, que houve manifesta divergência do TFR quanto à qualificação jurídica que o então

Órgão Auxiliar – transformado posteriormente em Autarquia Federal pela Lei n. 8.884, em 11

de junho de 1994 – emprestou ao conjunto de práticas atribuídas à Pirelli.

147 CARDOZO, Maria Izabel Andrade Lima. Discricionariedade e Controle Jurisdicional no Direito da Concorrência Pós-Constituição de 1988. 2005. 92 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005, p. 68. 148 Ibidem, p. 66. 149 Idem.

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Assim, no caso em comento, que constitui o leading case em matéria de controle

jurisdicional das decisões do CADE, houve ampla revisão dos fatos e das provas obtidas

durante o processo administrativo. O Judiciário sentiu-se livre, ainda, para rever a

interpretação jurídica que o CADE deu aos fatos, tendo discordado da forma pela qual aquele

Conselho aplicou à espécie o direito então vigente. E, diante do mesmo conjunto de fatos e

provas, concluiu que as práticas comerciais da Pirelli eram incapazes de produzir os efeitos

antijurídicos invocados na decisão administrativa impugnada.

5.2 O CADE NOS TRIBUNAIS

Estudos estatísticos do CADE (Balanços de 2008 e 2013150) revelam que, de 1994 a

2009 o número de processos julgados anualmente pela referida autarquia aumentou de 17

(dezessete) para 537 (quinhentos e trinta e sete), refletindo uma variação de 3.058,82% (três

mil e cinquenta e oito inteiros e oitenta e dois centésimos por cento) no período. Neste

interregno, chegou-se ao máximo de 809 (oitocentos e nove) processos julgados em 2008, o

que representaria, em relação aos números de 2009, um acréscimo de 50,65% (cinquenta

inteiros e sessenta e cinco centésimos por cento).

De 2009 a 2013 o número de processos aumentou de 537 (quinhentos e trinta e sete)

para 643 (seiscentos e quarenta e três) refletindo uma variação de 19,73% (dezenove inteiros e

setenta e três centésimos por cento) no período. Neste interregno, chegou-se ao máximo de

955 (novecentos e cinquenta e cinco) processos julgados em 2012, o que representaria, em

relação aos números de 2013, um acréscimo de 48,52% (quarenta e oito inteiros e cinquenta e

dois centésimos por cento).

Por consequência lógica, esse fenômeno repercutiu diretamente no volume de

processos judiciais envolvendo o CADE.

Em 1997 existiam 70 (setenta) ações judiciais nos quais o Conselho figurava como

parte, sendo que tal número saltou para 728 (setecentos e vinte e oito) em 2004, o que

significou um aumento percentual de 940% (novecentos e quarenta por cento) no volume do

contencioso judicial envolvendo a citada autarquia.

No ano de 2009, esse número era de 101 (cento e um), o que representa, em relação ao

ano de 2004, uma diminuição de 620,79% (seiscentos e vinte inteiros e setenta e nove

centésimos por cento).

150 CADE. Conselho Administrativo de Defesa Econômica: Balanços e apresentações. Disponível em: http://www.cade.gov.br/Default.aspx?52d255db20fe0159f75b. Acesso em: 10 jan. 2014.

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Em 2013, esse número era de 179 (cento e setenta e nove), o que representa, em

relação ao ano de 2009, um aumento de 77,22% (setenta e sete inteiros e vinte e dois

centésimos por cento).

Por fim, buscando encontrar indicativos do posicionamento adotado pelo Poder

Judiciário no tocante à revisão das decisões do CADE, há de se destacar que em 2008, 108

(cento e oito) decisões foram proferidas em processos nos quais o CADE figurou como parte,

dessas foram acolhidos 53,8% (cinquenta e três inteiros e oito décimos por cento) dos pedidos

iniciais, 32,8% (trinta e dois inteiros e oito décimos por cento) foram acolhidos parcialmente,

e não foram acolhidos 42,38% (quarenta e dois inteiros e trinta e oito centésimos por cento).

Em 2012, foram proferidas 194 (cento e noventa e quatro) decisões, sendo 70,62%

(setenta inteiros e sessenta e dois centésimos por cento) delas favoráveis ao CADE – ou seja,

137 (cento e trinta e sete) decisões – e somente 29,38% (vinte e nove inteiros e trinta e oito

centésimos por cento) desfavoráveis – isto é, 57 (cinquenta e sete) decisões.

5.3 ESTUDO DE CASOS

Cabe aos juízes federais processar e julgar as causas em que autarquias federais forem

autoras, rés, assistentes ou oponentes (Art. 109, I, CF). Portanto, tendo em vista a natureza

autárquica do CADE, a competência para julgar e processar casos que contestem as suas

decisões é da Justiça Federal.

Assim, a fim de se estabelecer um corte metodológico para discussão da efetividade

das decisões do CADE, utiliza-se na presente pesquisa a análise efetuada por Vieira151 a

quatro decisões do Poder Judiciário Federal, que tratam diretamente da revisão de decisões

emanadas da referida autarquia. Seguem, pois, os casos examinados:

(1) As empresas Unimed de Bragança Paulista, Unimed Regional da Baixa Mogiana,

Unimed Leste Paulista, Unimed de Mococa, Unimed de Capivari, Unimed de São José do Rio

Pardo, Unimed de Amparo, Unimed de Araras e Unimed Campinas foram condenadas pelo

CADE, em 30 de março de 2005 (processo administrativo n. 08012.005071/2002-41), pela

prática anticompetitiva de imposição de exclusividade na prestação de serviços médicos aos

cooperados.

151 VIEIRA, Caroline Sanselme. CADE X Judiciário – Estudo sobre a revisão das decisões do CADE no contexto da globalização. 2008. 208 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 122-160.

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O CADE decidiu pela extinção do processo administrativo em relação à Representada

Unimed Campinas porque a empresa fora anteriormente condenada pela mesma conduta. Em

relação às demais empresas, o CADE aplicou as seguintes penas: (i) multa no valor de R$

63.846,00 (sessenta e três mil, oitocentos e quarenta e seis reais), correspondente a 60.000

(sessenta mil) UFIRs, às Representadas Unimed de Amparo/SP, Unimed de Araras/SP,

Unimed de Bragança Paulista/SP, Unimed Regional da Baixa Mogiana/SP, Unimed de

Mococa/SP, Unimed de Jundiaí/SP, Unimed de Capivari/SP e Unimed de São José do Rio

Pardo/SP; (ii) quanto à Unimed Leste Paulista, tendo em vista a reincidência, com

fundamento no Art. 23, parágrafo único, da Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, aplicou-se

multa no valor de R$ 127.692,00 (cento e vinte e sete mil, seiscentos e noventa e dois reais),

correspondente a 120.000 (cento e vinte mil) UFIRs; (iii) determinação de remessa de cópia

dos autos ao Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de São Paulo e à

Agência Nacional de Saúde Suplementar, para as providências que acharem necessárias; (iv)

determinação de alteração do Estatuto das Representadas a fim de que fosse excluída a

cláusula de exclusividade, devendo abster-se de impor qualquer sanção a médicos cooperados

que não observem a unimilitância; (v) imputação, sem prejuízo de multa cominada e em

conformidade com o Art. 24, I, da Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, de obrigação às

Representadas de realizar, às suas expensas, publicação em meia página, no jornal de maior

circulação no mercado relevante geográfico, do extrato do voto do Relator, por dois dias

seguidos e em duas semanas consecutivas; (vi) determinação às Representadas que

comunicassem o teor da decisão aos seus associados, por qualquer meio interno de

divulgação.

A Unimed Mogiana, condenada ao pagamento de R$ 63.846,00 (sessenta e três mil,

oitocentos e quarenta e seis reais), requereu ao Poder Judiciário que a multa fosse suspensa

(ação de rito ordinário n. 2005.34.00.018111-0 que tramitou perante a 20ª Vara da Justiça

Federal de Brasília), porém, o juiz Paulo Ricardo de Souza Cruz, julgou improcedente o

pedido, em agosto de 2006.

A decisão reconheceu que a cláusula de exclusividade aos cooperados poderia

configurar manobra para dominação de mercado relevante e violação da livre concorrência:

Cumpre ter claro que, efetivamente, a imposição de cláusula de exclusividade para os médicos ‘cooperados’, isto é, filiados a um determinado plano de saúde, pode configurar manobra objetivando a dominação de mercado relevante e violação da livre concorrência. É que na hipótese de um plano de saúde que ocupe uma posição de relevo no mercado relevante, impedir seus médicos de atenderem a pacientes

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vinculados a outros planos acabará por relegar esses outros planos a uma posição periférica, quase marginal no mercado, dado que não poderão oferecer a seus clientes potenciais a possibilidade de serem atendidos por uma grande quantidade de médicos, que certamente já serão filiados ao plano que ocupe a posição dominante no mercado. A permitir-se tal estado de coisas, cedo ou tarde, o plano dominante acabaria por controlar praticamente sozinho o mercado, posto que os demais planos estariam fadados à extinção. Ora, no presente caso, apurou-se que a Autora detém 42% do mercado relevante, tornando óbvio que será ela o plano de saúde preferido pelos médicos da região. Se, esses médicos, por aderirem à UNIMED local, não puderem prestar serviços também para outros planos, esses outros planos acabarão por, aos poucos, abandonar o mercado ou ficar relegados a posições de pequena expressão, fazendo com que a participação do plano da Autora aumente ainda mais. E à medida que a importância do plano da UNIMED local fosse crescendo, mais e mais médicos passariam a atender somente por ele, praticamente forçando os consumidores a optarem por aderir a esse plano, permitindo, obviamente, que o mesmo imponha preços maiores. Tenho, pois, que efetivamente resta configurada a infração apontada pelo CADE como fundamento à aplicação da multa e demais penalidades.

O magistrado entendeu que a multa imposta não foi em montante razoável diante da

extensão do dano:

Assim, não há qualquer ilegalidade na aplicação da multa imposta à Autora, uma vez que, configurada a infração à ordem econômica, deve obrigatoriamente o CADE estipular uma penalidade pecuniária para o infrator, penalidade essa que não se mostra com um valor absurdo, posto que tal condenação podia variar entre 6.000 e 6.000.000 de UFIRs, mostrando-se razoável a sua fixação em 60.000 UFIRs, diante da extensão do dano à livre concorrência e à coletividade reconhecidos pelo CADE na decisão do processo administrativo.

Por fim, o juiz concluiu que a penalidade aplicada pelo CADE para a alteração do

estatuto social não configurava violação ao princípio que proíbe a interferência estatal no

funcionamento das cooperativas: No que toca à alegação da Autora de que a exigência de alteração do seu estatuto social pelo CADE afronta o princípio que veda a interferência estatal no funcionamento das cooperativas, previsto no artigo 5º, XVIII, da Constituição Federal, tenho que também não assiste razão à Autora. Não se pode entender que o dispositivo constitucional tornou as cooperativas ‘terra de ninguém’, permitindo que elas façam o que bem entenderem, completamente à margem da lei. Assim, da mesma maneira que o dispositivo constitucional invocado não desobriga as cooperativas de, por exemplo, cumprirem as leis trabalhistas ou as normas de defesa da saúde pública ou as leis de posturas relativas a edificações, também não impede a atuação sobre

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as cooperativas da lei de defesa da concorrência, que tem múltiplos fundamentos constitucionais, como já estatuí de início.

(2) As empresas TAM, VARIG e VASP foram condenadas pelo CADE ao pagamento

de multa de 1% do seu faturamento bruto pela prática de cartel na ponte aérea Rio-São Paulo

em 1999 (processo administrativo n. 08012.00067/1999-70), em 15 de setembro de 2004.

Em ação anulatória n. 2005.34.00.018791-3, proposta em 24 de junho de 2005, perante

a 3ª Vara Federal do Distrito Federal, as empresas alegaram que o julgamento continha

irregularidades formais e processuais (cerceamento de defesa, subversão dos princípios

processuais – adoção acrítica e distorcida de prova e discrepância entre o acórdão e as

degravações dos votos), e equívoco no mérito, prova para tanto seria ter o Conselheiro relator

e a Presidente do CADE proferidos votos vencidos.

A juíza Mônica Sifuentes, suspendeu os efeitos do acórdão prolatado pelo CADE em

27 de junho de 2005.

O desembargador federal Leomar Barros Amorim, do TRF da 1ª Região, em 12 de

janeiro de 2006, julgou agravo de instrumento n. 2005.01.00.054116-1/DF interposto pelo

CADE, deferindo o pedido de efeito suspensivo contra a decisão proferida pela juíza

Sifuentes. O desembargador, utilizando os mesmos fundamentos da decisão proferida no

âmbito do agravo de instrumento n. 2005.01.00.054073-5/DF, entendeu que faltava a

verossimilhança para que o agravo fosse deferido e que os requisitos formais para a

constituição do ato administrativo estavam presentes no caso:

Segundo o ensinamento de Hely Lopes Meireles (Direito administrativo brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 148-149), o exame do ato administrativo revela a existência de cinco requisitos necessários à sua formação: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Além desses, têm relevância também o mérito administrativo e o procedimento administrativo. Em um juízo de cognição sumária, observo que os requisitos legais foram cumpridos.

Mas, no tocante ao mérito, o desembargador entendeu que “somente após o regular

processamento da ação, com a produção de provas, se poderá formar um juízo de valor

definitivo”.

(3) A operação pela qual a Escelsa adquiriu o controle acionário da Empresa

Energética de Mato Grosso do Sul S.A. – ENERSUL, através de sua subsidiária Magistra, foi

submetida aos órgãos de defesa da concorrência – ato de concentração n. 08012.010598/1999-

21. A operação foi aprovada sem restrições, mas as requerentes foram multadas pela

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apresentação intempestiva da operação em 180.000 (cento e oitenta mil) UFIRs, equivalentes

a R$ 191.538,00 (cento e noventa e um mil e quinhentos e trinta e oito reais). O julgamento

ocorreu em 15 de março de 2000.

A Enersul propôs a ação de rito ordinário n. 2001.34.00.020719-2, perante a 4ª Vara

Federal do Distrito Federal, objetivando o cancelamento da multa imposta pelo CADE. A

Enersul alegou que nenhuma das empresas envolvidas na operação alcançava faturamento

igual ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) em 1996, ano anterior

à operação, e que a submissão da operação não seria, portanto, obrigatória aos órgãos

brasileiros de defesa da concorrência.

O CADE, por sua vez, contra-argumentou que os faturamentos a considerar são os das

empresas ou de seus grupos. Embora a Magistra não tivesse faturamento acima de R$

400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais), fazia parte do grupo Escelsa, o qual possuía

faturamento acima desse valor.

Em sentença proferida em 28 de março de 2007, o juiz da 4ª Vara da Justiça Federal,

em Brasília, Itagiba Catta Preta Neto, deu ganho de causa ao CADE: [...] é evidente que não se pode levar em conta apenas o faturamento da empresa adquirente em si, sob pena de ser burlada a intenção da lei e a própria razão de existência do CADE. A vingar a tese da autora, jamais seria necessário submeter uma operação de tal quilate ao crivo do CADE, pois bastaria a criação de uma nova empresa (algumas, até, ‘fantasmas’) que se destinasse, exclusivamente, à aquisição do controle de outra.

A decisão é relevante ao sistema de defesa da concorrência, pois acolhe e mantém

entendimento do CADE no sentido de que o faturamento relevante para que a operação seja

apresentada é o do grupo econômico a que pertencem as empresas participantes da operação.

(4) A Nestlé apresentou ao CADE para apreciação o ato de concentração n.

08012.001697/2002-89, cujo objeto foi a aquisição dos Chocolates Garoto. O Conselho

decidiu, em 04 de fevereiro de 2004, pela desconstituição da operação.

O juiz Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal de Brasília, decidiu, em 16 de

março de 2007 (ação de rito ordinário n. 2005.34.00.015042-8), revogar a decisão do CADE

que vetava a compra da Garoto pela Nestlé.

Em sua sentença, o juiz afirmou inicialmente que as decisões administrativas,

inclusive seu mérito, podem ser revistas se houver ameaça ou lesão ao direito:

Deve-se assinalar, ainda em preliminar, que a sindicabilidade dos atos administrativos, inclusive em seu mérito, é plenamente viável e

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juridicamente aceita quando ameacem ou lesem direitos individuais. Tal decorre do Art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Depois afirmou que ocorreram várias nulidades no processo, tais como o uso de dados

“secretos”, não previstos de maneira explícita e detalhada na Lei n. 8.884, de 11 de junho de

1994, fato que violaria os princípios da ampla defesa e do contraditório:

Ora, muito embora se admita a existência de dados sigilosos em um procedimento como o que aqui se impugna, tal não deve ser a regra nem muito menos o fundamento ou um dos fundamentos basilares da decisão. Além disso, como se trata de exceção aos princípios gerais (com raízes constitucionais) da publicidade dos procedimentos administrativos e da ampla defesa, tais procedimentos deveriam ter previsão explícita e detalhada em lei, em sentido estrito, o que não ocorre no caso. A Lei nº 8.884/94, embora mencione dados e procedimentos sigilosos, não detalha nem regula o uso de tais dados e tais procedimentos, a ponto de permitir sua utilização da forma exageradamente discricionária empregada pelo CADE. Além de ofender os princípios gerais – constitucionais – da ampla defesa e publicidade, tal procedimento enseja indevidas e inoportunas manipulações.

Outra nulidade apontada pelo juiz foi a juntada de uma série de documentos após a

decisão do pedido de reapreciação pelo CADE. Tais documentos teriam embasado o plano de

desinvestimento proposto pelo CADE, a que as partes não tiveram acesso: Outra mácula do procedimento, que importou em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, merecendo, assim, repulsa judicial, ocorreu com a juntada dos documentos que compõem o 2º e 3º volumes e mais um apartado confidencial dos autos do pedido de reapreciação, efetivada somente depois do seu julgamento (doc. 21).

O fundamento da sentença do juiz foi a aprovação do ato de concentração por decurso

de prazo. O magistrado entendeu que as diligências do CADE ao longo do processo não

foram justificadas nem motivadas, o que violaria o princípio do devido processo legal. A isso

acrescentou que as justificativas apresentadas pelo CADE ter-se-iam baseado em premissas

falsas: Veja-se que toda a tônica da defesa do CADE, em relação à imprescindibilidade das diligências que teriam suspendido o curso do processo, estriba-se em premissas falsas (fls. 3.365/3.366). [...] Pode até ser que as diligências tivessem sua razão de ser. Ao CADE competia, a cada diligência, contudo, especialmente atento à grave conseqüência [sic] do decurso do prazo, motivar e fundamentar a diligência.

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Se o CADE se pretende (como diz a lei nº 8.884/94 com técnica duvidosa) um “órgão judicante”, deve observar a boa técnica jurídica e processual que norteia a atividade judicante. Ao julgador não é dado, sob a desculpa de que os termos são subjetivos, decidir ao seu talante o que é ou não imprescindível, necessário, útil ou seja o que for, sem indicar, claramente, os motivos e fundamentos do que decide. Poder de livre valoração e convicção, discricionariedade, não são palavras mágicas que servem a abrir as portas do arbítrio. [...] Ao contrário do que afirma, ‘a formação da convicção dos Conselheiros’ NÃO é livre. A decisão que determina a realização de diligência – esclarecimentos e juntada de documentos – deve necessariamente ser fundamentada e motivada de forma tal que se possa perquirir se foi baseada neste ou naquele argumento e, especialmente, se é ou não imprescindível. Do contrário, será nula. Não suspenderá o curso do processo. [...] A imprescindibilidade da diligência, assim, de qualquer diligência, para induzir à suspensão do § 8º, teria de ser demonstrada em motivação lógica e racional. Trata-se de manipulação da prova. Formação embrionária do que virá a ser a decisão final. E isto – demonstração lógica e racional da imprescindibilidade da prova – é perfeitamente possível, apesar da aparente subjetividade do termo. Advogados e juízes lidam com isso todos os dias, de forma científica, aos milhares, pelo Brasil afora, quando decidem e agravam para pedir a reforma ou manutenção de decisões que deferem ou indeferem provas. E os Tribunais analisam e julgam tais pedidos, com base em critérios técnicos. Científicos. Isto é a ciência do direito. Note-se que não se está falando de despachos de mero expediente, mas de decisão que tem uma grave conseqüência [sic]: suspender o curso de prazo fatal. [...] A única conclusão compatível com o princípio da eficiência é que a regra seja o cumprimento do prazo, sua suspensão é a exceção. E o excepcional deve ser justificado, motivado. Tal não ocorreu com as diligências determinadas pelo CADE. Expediram-se ofícios solicitando as mais diversas e variadas informações, algumas prescindíveis, outras não; foram determinadas inúmeras diligências que levaram um procedimento destinado a durar 60 dias aos 411 dias (mais de um ano). E nunca se pensou em justificar, motivar, arrazoar a imprescindibilidade de tantas e tantas diligências. É ociosa, assim, a esta altura, a discussão sobre qual diligência teria sido ou não imprescindível. Todas elas são nulas. Sua determinação imotivada afrontou o devido processo legal tipificado no artigo 50, inciso I, da Lei nº 9.784/99. Aquelas diligências não geraram, portanto, a conseqüência [sic] do § 8° do art. 54, da Lei 8.884/94. Não se suspendeu, por um só dia, o curso do prazo do § 7º. Por força do artigo 54, § 7º, o ato de concentração está aprovado.

Os julgados acima podem ser divididos em dois campos distintos de análise. De um

lado, tem-se os julgados (1, 2 e 3) que vislumbram as decisões do CADE como revestidas de

legalidade e que exigem maiores provas e argumentos para que os seus atos sejam revisados,

o que contribui para a consolidação institucional da autarquia e dá maior credibilidade à esta.

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De outro lado, a única decisão do CADE alterada pelo Poder Judiciário (julgado 4) não

analisou o mérito da decisão, mas entendeu que houve decurso de prazo do CADE para julgar.

O Tribunal Regional Federal da 1ª. Região já firmou posicionamento no sentido de

que a decisão do CADE não deve ser alterada por liminar, em atenção à segurança jurídica.

Assim, a instância administrativa traz o benefício da especialidade técnica e celeridade

na apreciação de seus processos ou procedimentos. Mas, se a maioria das decisões do CADE

fossem revertidas pelo Poder Judiciário, todo o direito concorrencial estaria em jogo.

As decisões do CADE são eficazes, mas precisam ser implementadas com rapidez,

caso contrário, perderão a sua eficácia diante da dinâmica da economia.

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CONCLUSÃO

A Constituição Federal expressou um ordenamento econômico composto dual, uma

postura híbrida, que ora torna saliente a hegemonia de um Capitalismo Neoliberal, ora permite

o intervencionismo sistemático, aliado ao dirigismo planificador, enfatizando até elementos

socializantes.

A atuação ou intervenção estatal na atividade econômica dá-se no domínio ou sobre o

domínio econômico. Na primeira modalidade, o Estado age como sujeito econômico, atuando

diretamente na atividade econômica, por meio de empresas públicas, sociedades de economia

mista e subsidiárias, quando necessário aos imperativos de segurança nacional ou a relevante

interesse coletivo; intervindo por absorção, quando age em regime de monopólio, ou por

participação, quando atua em concorrência com os demais agentes do setor privado. Na

segunda, atua indiretamente, sendo responsável por regular e normatizar as atividades

econômicas; visando corrigir as distorções que se verificam quando os agentes econômicos

podem atuar de modo totalmente livre.

O Art. 174 da Constituição Federal de 1988 é cristalino ao tratar da intervenção estatal

indireta ou sobre o domínio econômico, ao preconizar que o Estado é responsável por

normatizar e regulamentar a atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização,

incentivo e planejamento.

Em vista de seu papel normativo e regulador, deve o ente estatal criar disposições

normativas que propiciem o desenvolvimento satisfatório das atividades econômicas,

atendendo aos preceitos estampados no Art. 170 da Constituição Federal e promovendo a

justiça social.

O caráter fiscalizador consiste em verificar se os agentes ou sujeitos econômicos estão

atuando conforme os preceitos normativos estabelecidos, competindo ao Estado reprimir o

abuso do poder econômico, caracterizado pela dominação dos mercados, eliminação da

concorrência e aumento arbitrário dos lucros, o que é realizado, no âmbito administrativo, por

intermédio do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).

No que tange aos preceitos informadores da atividade econômica e financeira, em que

pese nomenclatura atribuída (fundamentos, finalidade e princípios gerais), não há dúvida

quanto a sua natureza principiológica; e, por isso, todos estão vocacionados à conformação da

interpretação da ordem econômica e financeira, como valores equivalentes, estando sujeitos a

condicionamentos e complementações recíprocas.

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O princípio da liberdade de concorrência é o contraponto do princípio da liberdade de

iniciativa e não seu sinônimo, como alguma doutrina acaba sustentando. O agente econômico

é livre para empreender o que bem entenda, desde que não prejudique a liberdade de outros

agentes econômicos, de concorrer. Em sentido inverso, para que haja liberdade de concorrer é

preciso que não se utilize em termos absolutos a liberdade de empreender, o que somente

pode ser obtido mediante restrições a esta última. Em síntese, o princípio da liberdade de

iniciativa é um direito do agente econômico em face do Estado, demandando uma abstenção

deste, enquanto o princípio da livre concorrência é um direito do agente econômico em face

de outro agente econômico, demandando não mais a omissão, mas a efetiva interferência

estatal na economia. Assim, o que aparentemente parece contraditório, é na verdade

contemporâneo à própria origem de todo o sistema econômico nacional, pois para que haja

liberdade é necessário restringi-la, exigindo-se do Estado uma postura repressiva frente aos

abusos cometidos pelos agentes econômicos.

Historicamente, a legislação antitruste teve como divisor de águas o Sherman Act, de

1890. A exposição dos fatores político-econômicos para a sua aprovação deixa evidente que a

maior preocupação relativamente aos monopólios naquela época eram os efeitos econômicos

negativos sobre o consumidor.

Referida legislação representa o ponto de partida para o estudo dos problemas

jurídicos relacionados à disciplina do poder econômico; devendo ser entendida como o mais

significativo diploma legal que corporificou a reação contra a concentração de poder em mãos

de alguns agentes econômicos, procurando discipliná-la.

Não se deve dizer, contudo, que o Sherman Act constitui uma reação ao liberalismo

econômico, pois visava, justamente, a corrigir distorções que eram trazidas pela excessiva

acumulação de capital, ou seja, corrigir as distorções criadas pelo próprio sistema liberal.

Tratou o Sherman Act , em um primeiro momento, de tutelar o mercado (ou o sistema

de produção) contra seus efeitos autodestrutíveis; influenciando sobremaneira o modo de

organização da atividade econômica e a legislação antitruste que se estabeleceu pelo mundo

no decorrer do século XX, e consolidando o entendimento de que cabe ao ente estatal

contrapor-se ao abuso de poder econômico e à concorrência desleal.

A partir da concepção de que o ente estatal deve contrapor-se a um movimento de

concentração nos mercados, estabelece-se uma linha de discussão dos objetivos ao se

constituir uma legislação antitruste.

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A concorrência é o principal mecanismo de que uma economia de mercado dispõe

para garantir o seu bom funcionamento; em outras palavras, a competição é o mais notável

recurso de que a sociedade se utiliza para maximizar a eficiência e o bem-estar social.

A legislação de regulação tem o potencial de intervir decisivamente no equilíbrio ou

manutenção do sistema, pois, ao limitar a liberdade de ação ou de escolha (livre iniciativa) de

alguns agentes econômicos, garante a liberdade de concorrer de outros (livre concorrência).

O objetivo final da política antitruste é promover a eficiência econômica e o bem-estar

social, isto é, regular as atividades econômicas privadas, de modo a compatibilizar, por um

lado, o incentivo a concorrência entre os agentes econômicos, e, por outro, o bem-estar do

cidadão/consumidor.

O Estado, por intermédio das autoridades antitrustes, atuará através do controle de

estrutura e do controle de conduta. O controle de estrutura tem função preventiva, seu

objetivo é impedir a formação de estruturas de mercado excessivamente concentradas,

pressupondo que quanto menor o número de concorrentes, maior a possibilidade de abuso

posterior e de práticas anticompetitivas O controle de conduta subsume-se em repressão, tem

o escopo de fiscalizar e reprimir condutas empresariais consideradas anticompetitivas.

As operações que implicam aumento considerável no grau de concentração em

mercados, caracterizados por elevado nível de barreiras à entrada de novos concorrentes e

baixo dinamismo tecnológico, tendem a não ser autorizadas pelas autoridades antitrustes;

outrossim, será coibido o abuso de poder de mercado ou abuso de posição dominante é

caracterizado por condutas unilaterais que visam, ou que tem por resultado, a eliminação da

concorrência.

No Brasil, a idéia de limitação ao poder econômico por parte do Estado está na

historicidade do direito, assumindo, hodiernamente, uma postura interventiva, o que supõe a

implementação de políticas públicas. Pode-se dizer que o Brasil é um país de política

intervencionista, pois se encontram estabelecidos uma série de mecanismos para tal, contudo

ainda com traços de uma economia ideologicamente liberal, abstencionista, pois os casos de

intervenção são considerados como exceção.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão auxiliar criado pela

Lei n. 4.137, de 10 de setembro de 1962, com a função de fiscalizar o aumento abusivo de

preços no mercado brasileiro, foi transformado em autarquia federal pela Lei n. 8.884, de 11

de junho de 1994.

Atualmente regido pela Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, o CADE,

juntamente com a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da

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Fazenda, compõe o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC); competindo-lhe,

dentro outras atribuições fixadas pela lei supramencionada, decidir acerca da existência de

infrações à ordem econômica, aplicando as penalidades cabíveis, e julgar os processos

administrativos de atos de concentração econômica.

Apesar de generalizada na legislação e na doutrina antitruste, a denominação órgão

judicante é tecnicamente imprecisa, posto que judicante refere-se à atividade de juiz. E,

somente o Art. 92 da Constituição Federal pode estabelecer quais são os órgãos judicantes,

fazendo-o de modo taxativo. Por essa perspectiva, evidente que o CADE não é órgão do

Poder Judiciário, de modo que a denominação é tecnicamente equivocada.

As decisões do CADE, tanto na função preventiva (controle de estruturas de mercado)

como repressiva (controle de condutas ou práticas anticoncorrenciais), são, indiscutivelmente,

atos administrativos, posto que emanados de uma autarquia federal pertencente à

Administração Pública Federal Indireta. Estando, pois, sujeitas ao controle do Poder

Judiciário.

Tais decisões classificam-se como atos administrativos vinculados, porquanto ao

analisar um ato de concentração, o CADE não tem liberdade de escolha, uma vez que a lei já

definiu quais atos de concentração devem-lhe ser submetidos, bem como os tipos de decisão a

tomar em caso de concentração no mercado, as penalidades por submissão intempestiva, etc.;

do mesmo modo, nos processos administrativos por infração à ordem econômica, a legislação

já definiu os atos considerados infrações, bem como as penalidades aplicáveis, etc. E,

tratando-se de atos administrativos vinculados, as decisões do CADE comportam revisão

plena do Poder Judiciário (reexame material).

Diante do princípio constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça ao direito pode

ser furtada da apreciação do Judiciário (inafastabilidade jurisdicional), e considerando-se que

não há possibilidade de interposição de recurso hierárquico contra as decisões do CADE (Art.

61, § 3º, Lei n. 12.529), o que as torna definitivas no âmbito administrativo, plausível a sua

juridicização.

O aumento de decisões judiciais analisando e revendo as decisões proferidas pelo

CADE é fato notório e pode ser justificado pela abertura da economia, relativa estabilização

da moeda e extinção do controle de preços, dentre outros fatores.

O aumento do número de ações requerendo do Poder Judiciário a revisão das decisões

do CADE não representa perda de credibilidade do Conselho ou à sua ineficácia; visto que,

hodiernamente, a grande maioria das decisões tem sido ratificadas em juízo.

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Embora o Judiciário possa rever as decisões do CADE em sua totalidade, tanto nos

aspectos formais quanto no mérito, o objeto da revisão tem sido a decisão em si e não

propriamente o ato de concentração ou conduta infrativa, verificando-se, especialmente, a

observância dos princípios basilares da Administração Pública, quais sejam, a legalidade e a

primazia do interesse público.

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TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. VEDOVELLO, Ana Paula Scudeler. O Constitucionalismo Econômico: a Constituição Econômica brasileira, no documento promulgado em 05 de outubro de 1988. Jus Humanum: Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Cruzeiro do Sul. São Paulo, v. 1, n. 2, p. 97-106, jan./jun. 2012. Disponível em: http://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/index.php/jus_humanum/article/viewFile/74/52. Acesso em: 10 jan. 2014. VIEIRA, Caroline Sanselme. CADE X Judiciário – Estudo sobre a revisão das decisões do CADE no contexto da globalização. 2008. 208 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

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ANEXO

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 12.529, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2011.

Mensagem de veto

Vigência

Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

CAPÍTULO I

DA FINALIDADE

Art. 1o Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei.

CAPÍTULO II

DA TERRITORIALIDADE

Art. 2o Aplica-se esta Lei, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos.

§ 1o Reputa-se domiciliada no território nacional a empresa estrangeira que opere ou tenha no Brasil filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante.

§ 2o A empresa estrangeira será notificada e intimada de todos os atos processuais previstos nesta Lei, independentemente de procuração ou de disposição contratual ou estatutária, na pessoa do agente ou representante ou pessoa responsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil.

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TÍTULO II

DO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

CAPÍTULO I

DA COMPOSIÇÃO

Art. 3o O SBDC é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, com as atribuições previstas nesta Lei.

CAPÍTULO II

DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE

Art. 4o O Cade é entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional, que se constitui em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, e competências previstas nesta Lei.

Seção I

Da Estrutura Organizacional do Cade

Art. 5o O Cade é constituído pelos seguintes órgãos:

I - Tribunal Administrativo de Defesa Econômica;

II - Superintendência-Geral; e

III - Departamento de Estudos Econômicos.

Seção II

Do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica

Art. 6o O Tribunal Administrativo, órgão judicante, tem como membros um Presidente e seis Conselheiros escolhidos dentre cidadãos com mais de 30 (trinta) anos de idade, de notório saber jurídico ou econômico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal.

§ 1o O mandato do Presidente e dos Conselheiros é de 4 (quatro) anos, não coincidentes, vedada a recondução.

§ 2o Os cargos de Presidente e de Conselheiro são de dedicação exclusiva, não se admitindo qualquer acumulação, salvo as constitucionalmente permitidas.

§ 3o No caso de renúncia, morte, impedimento, falta ou perda de mandato do Presidente do Tribunal, assumirá o Conselheiro mais antigo no cargo ou o mais idoso, nessa ordem, até nova nomeação, sem prejuízo de suas atribuições.

§ 4o No caso de renúncia, morte ou perda de mandato de Conselheiro, proceder-se-á a nova nomeação, para completar o mandato do substituído.

§ 5o Se, nas hipóteses previstas no § 4o deste artigo, ou no caso de encerramento de mandato dos Conselheiros, a composição do Tribunal ficar reduzida a número inferior ao estabelecido no §

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1o do art. 9odesta Lei, considerar-se-ão automaticamente suspensos os prazos previstos nesta Lei, e suspensa a tramitação de processos, continuando-se a contagem imediatamente após a recomposição do quorum.

Art. 7o A perda de mandato do Presidente ou dos Conselheiros do Cade só poderá ocorrer em virtude de decisão do Senado Federal, por provocação do Presidente da República, ou em razão de condenação penal irrecorrível por crime doloso, ou de processo disciplinar de conformidade com o que prevê a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, e por infringência de quaisquer das vedações previstas no art. 8o desta Lei.

Parágrafo único. Também perderá o mandato, automaticamente, o membro do Tribunal que faltar a 3 (três) reuniões ordinárias consecutivas, ou 20 (vinte) intercaladas, ressalvados os afastamentos temporários autorizados pelo Plenário.

Art. 8o Ao Presidente e aos Conselheiros é vedado:

I - receber, a qualquer título, e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas;

II - exercer profissão liberal;

III - participar, na forma de controlador, diretor, administrador, gerente, preposto ou mandatário, de sociedade civil, comercial ou empresas de qualquer espécie;

IV - emitir parecer sobre matéria de sua especialização, ainda que em tese, ou funcionar como consultor de qualquer tipo de empresa;

V - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, em obras técnicas ou no exercício do magistério; e

VI - exercer atividade político-partidária.

§ 1o É vedado ao Presidente e aos Conselheiros, por um período de 120 (cento e vinte) dias, contado da data em que deixar o cargo, representar qualquer pessoa, física ou jurídica, ou interesse perante o SBDC, ressalvada a defesa de direito próprio.

§ 2o Durante o período mencionado no § 1o deste artigo, o Presidente e os Conselheiros receberão a mesma remuneração do cargo que ocupavam.

§ 3o Incorre na prática de advocacia administrativa, sujeitando-se à pena prevista no art. 321 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, o ex-presidente ou ex-conselheiro que violar o impedimento previsto no § 1o deste artigo.

§ 4o É vedado, a qualquer tempo, ao Presidente e aos Conselheiros utilizar informações privilegiadas obtidas em decorrência do cargo exercido.

Subseção I

Da Competência do Plenário do Tribunal

Art. 9o Compete ao Plenário do Tribunal, dentre outras atribuições previstas nesta Lei:

I - zelar pela observância desta Lei e seu regulamento e do regimento interno;

II - decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei;

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III - decidir os processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica instaurados pela Superintendência-Geral;

IV - ordenar providências que conduzam à cessação de infração à ordem econômica, dentro do prazo que determinar;

V - aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do acordo em controle de concentrações, bem como determinar à Superintendência-Geral que fiscalize seu cumprimento;

VI - apreciar, em grau de recurso, as medidas preventivas adotadas pelo Conselheiro-Relator ou pela Superintendência-Geral;

VII - intimar os interessados de suas decisões;

VIII - requisitar dos órgãos e entidades da administração pública federal e requerer às autoridades dos Estados, Municípios, do Distrito Federal e dos Territórios as medidas necessárias ao cumprimento desta Lei;

IX - contratar a realização de exames, vistorias e estudos, aprovando, em cada caso, os respectivos honorários profissionais e demais despesas de processo, que deverão ser pagas pela empresa, se vier a ser punida nos termos desta Lei;

X - apreciar processos administrativos de atos de concentração econômica, na forma desta Lei, fixando, quando entender conveniente e oportuno, acordos em controle de atos de concentração;

XI - determinar à Superintendência-Geral que adote as medidas administrativas necessárias à execução e fiel cumprimento de suas decisões;

XII - requisitar serviços e pessoal de quaisquer órgãos e entidades do Poder Público Federal;

XIII - requerer à Procuradoria Federal junto ao Cade a adoção de providências administrativas e judiciais;

XIV - instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica;

XV - elaborar e aprovar regimento interno do Cade, dispondo sobre seu funcionamento, forma das deliberações, normas de procedimento e organização de seus serviços internos;

XVI - propor a estrutura do quadro de pessoal do Cade, observado o disposto no inciso II do caput do art. 37 da Constituição Federal;

XVII - elaborar proposta orçamentária nos termos desta Lei;

XVIII - requisitar informações de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades públicas ou privadas, respeitando e mantendo o sigilo legal quando for o caso, bem como determinar as diligências que se fizerem necessárias ao exercício das suas funções; e

XIX - decidir pelo cumprimento das decisões, compromissos e acordos.

§ 1o As decisões do Tribunal serão tomadas por maioria, com a presença mínima de 4 (quatro) membros, sendo o quorum de deliberação mínimo de 3 (três) membros.

§ 2o As decisões do Tribunal não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo, promovendo-se, de imediato, sua execução e comunicando-se, em seguida, ao Ministério Público, para as demais medidas legais cabíveis no âmbito de suas atribuições.

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§ 3o As autoridades federais, os diretores de autarquia, fundação, empresa pública e sociedade de economia mista federais e agências reguladoras são obrigados a prestar, sob pena de responsabilidade, toda a assistência e colaboração que lhes for solicitada pelo Cade, inclusive elaborando pareceres técnicos sobre as matérias de sua competência.

§ 4o O Tribunal poderá responder consultas sobre condutas em andamento, mediante pagamento de taxa e acompanhadas dos respectivos documentos.

§ 5o O Cade definirá, em resolução, normas complementares sobre o procedimento de consultas previsto no § 4o deste artigo.

Subseção II

Da Competência do Presidente do Tribunal

Art. 10. Compete ao Presidente do Tribunal:

I - representar legalmente o Cade no Brasil ou no exterior, em juízo ou fora dele;

II - presidir, com direito a voto, inclusive o de qualidade, as reuniões do Plenário;

III - distribuir, por sorteio, os processos aos Conselheiros;

IV - convocar as sessões e determinar a organização da respectiva pauta;

V - solicitar, a seu critério, que a Superintendência-Geral auxilie o Tribunal na tomada de providências extrajudiciais para o cumprimento das decisões do Tribunal;

VI - fiscalizar a Superintendência-Geral na tomada de providências para execução das decisões e julgados do Tribunal;

VII - assinar os compromissos e acordos aprovados pelo Plenário;

VIII - submeter à aprovação do Plenário a proposta orçamentária e a lotação ideal do pessoal que prestará serviço ao Cade;

IX - orientar, coordenar e supervisionar as atividades administrativas do Cade;

X - ordenar as despesas atinentes ao Cade, ressalvadas as despesas da unidade gestora da Superintendência-Geral;

XI - firmar contratos e convênios com órgãos ou entidades nacionais e submeter, previamente, ao Ministro de Estado da Justiça os que devam ser celebrados com organismos estrangeiros ou internacionais; e

XII - determinar à Procuradoria Federal junto ao Cade as providências judiciais determinadas pelo Tribunal.

Subseção III

Da Competência dos Conselheiros do Tribunal

Art. 11. Compete aos Conselheiros do Tribunal:

I - emitir voto nos processos e questões submetidas ao Tribunal;

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II - proferir despachos e lavrar as decisões nos processos em que forem relatores;

III - requisitar informações e documentos de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades públicas ou privadas, a serem mantidos sob sigilo legal, quando for o caso, bem como determinar as diligências que se fizerem necessárias;

IV - adotar medidas preventivas, fixando o valor da multa diária pelo seu descumprimento;

V - solicitar, a seu critério, que a Superintendência-Geral realize as diligências e a produção das provas que entenderem pertinentes nos autos do processo administrativo, na forma desta Lei;

VI - requerer à Procuradoria Federal junto ao Cade emissão de parecer jurídico nos processos em que forem relatores, quando entenderem necessário e em despacho fundamentado, na forma prevista no inciso VII do art. 15 desta Lei;

VII - determinar ao Economista-Chefe, quando necessário, a elaboração de pareceres nos processos em que forem relatores, sem prejuízo da tramitação normal do processo e sem que tal determinação implique a suspensão do prazo de análise ou prejuízo à tramitação normal do processo;

VIII - desincumbir-se das demais tarefas que lhes forem cometidas pelo regimento;

IX - propor termo de compromisso de cessação e acordos para aprovação do Tribunal;

X - prestar ao Poder Judiciário, sempre que solicitado, todas as informações sobre andamento dos processos, podendo, inclusive, fornecer cópias dos autos para instruir ações judiciais.

Seção III

Da Superintendência-Geral

Art. 12. O Cade terá em sua estrutura uma Superintendência-Geral, com 1 (um) Superintendente-Geral e 2 (dois) Superintendentes-Adjuntos, cujas atribuições específicas serão definidas em Resolução.

§ 1o O Superintendente-Geral será escolhido dentre cidadãos com mais de 30 (trinta) anos de idade, notório saber jurídico ou econômico e reputação ilibada, nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovado pelo Senado Federal.

§ 2o O Superintendente-Geral terá mandato de 2 (dois) anos, permitida a recondução para um único período subsequente.

§ 3o Aplicam-se ao Superintendente-Geral as mesmas normas de impedimentos, perda de mandato, substituição e as vedações do art. 8o desta Lei, incluindo o disposto no § 2o do art. 8o desta Lei, aplicáveis ao Presidente e aos Conselheiros do Tribunal.

§ 4o Os cargos de Superintendente-Geral e de Superintendentes-Adjuntos são de dedicação exclusiva, não se admitindo qualquer acumulação, salvo as constitucionalmente permitidas.

§ 5o Durante o período de vacância que anteceder à nomeação de novo Superintendente-Geral, assumirá interinamente o cargo um dos superintendentes adjuntos, indicado pelo Presidente do Tribunal, o qual permanecerá no cargo até a posse do novo Superintendente-Geral, escolhido na forma do § 1o deste artigo.

§ 6o Se, no caso da vacância prevista no § 5o deste artigo, não houver nenhum Superintendente Adjunto nomeado na Superintendência do Cade, o Presidente do Tribunal indicará servidor em exercício no Cade, com conhecimento jurídico ou econômico na área de defesa da

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concorrência e reputação ilibada, para assumir interinamente o cargo, permanecendo neste até a posse do novo Superintendente-Geral, escolhido na forma do § 1o deste artigo.

§ 7o Os Superintendentes-Adjuntos serão indicados pelo Superintendente-Geral.

Art. 13. Compete à Superintendência-Geral:

I - zelar pelo cumprimento desta Lei, monitorando e acompanhando as práticas de mercado;

II - acompanhar, permanentemente, as atividades e práticas comerciais de pessoas físicas ou jurídicas que detiverem posição dominante em mercado relevante de bens ou serviços, para prevenir infrações da ordem econômica, podendo, para tanto, requisitar as informações e documentos necessários, mantendo o sigilo legal, quando for o caso;

III - promover, em face de indícios de infração da ordem econômica, procedimento preparatório de inquérito administrativo e inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica;

IV - decidir pela insubsistência dos indícios, arquivando os autos do inquérito administrativo ou de seu procedimento preparatório;

V - instaurar e instruir processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, procedimento para apuração de ato de concentração, processo administrativo para análise de ato de concentração econômica e processo administrativo para imposição de sanções processuais incidentais instaurados para prevenção, apuração ou repressão de infrações à ordem econômica;

VI - no interesse da instrução dos tipos processuais referidos nesta Lei:

a) requisitar informações e documentos de quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, órgãos, autoridades e entidades, públicas ou privadas, mantendo o sigilo legal, quando for o caso, bem como determinar as diligências que se fizerem necessárias ao exercício de suas funções;

b) requisitar esclarecimentos orais de quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, órgãos, autoridades e entidades, públicas ou privadas, na forma desta Lei;

c) realizar inspeção na sede social, estabelecimento, escritório, filial ou sucursal de empresa investigada, de estoques, objetos, papéis de qualquer natureza, assim como livros comerciais, computadores e arquivos eletrônicos, podendo-se extrair ou requisitar cópias de quaisquer documentos ou dados eletrônicos;

d) requerer ao Poder Judiciário, por meio da Procuradoria Federal junto ao Cade, mandado de busca e apreensão de objetos, papéis de qualquer natureza, assim como de livros comerciais, computadores e arquivos magnéticos de empresa ou pessoa física, no interesse de inquérito administrativo ou de processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 839 e seguintes da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, sendo inexigível a propositura de ação principal;

e) requisitar vista e cópia de documentos e objetos constantes de inquéritos e processos administrativos instaurados por órgãos ou entidades da administração pública federal;

f) requerer vista e cópia de inquéritos policiais, ações judiciais de quaisquer natureza, bem como de inquéritos e processos administrativos instaurados por outros entes da federação, devendo o Conselho observar as mesmas restrições de sigilo eventualmente estabelecidas nos procedimentos de origem;

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VII - recorrer de ofício ao Tribunal quando decidir pelo arquivamento de processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica;

VIII - remeter ao Tribunal, para julgamento, os processos administrativos que instaurar, quando entender configurada infração da ordem econômica;

IX - propor termo de compromisso de cessação de prática por infração à ordem econômica, submetendo-o à aprovação do Tribunal, e fiscalizar o seu cumprimento;

X - sugerir ao Tribunal condições para a celebração de acordo em controle de concentrações e fiscalizar o seu cumprimento;

XI - adotar medidas preventivas que conduzam à cessação de prática que constitua infração da ordem econômica, fixando prazo para seu cumprimento e o valor da multa diária a ser aplicada, no caso de descumprimento;

XII - receber, instruir e aprovar ou impugnar perante o Tribunal os processos administrativos para análise de ato de concentração econômica;

XIII - orientar os órgãos e entidades da administração pública quanto à adoção de medidas necessárias ao cumprimento desta Lei;

XIV - desenvolver estudos e pesquisas objetivando orientar a política de prevenção de infrações da ordem econômica;

XV - instruir o público sobre as diversas formas de infração da ordem econômica e os modos de sua prevenção e repressão;

XVI - exercer outras atribuições previstas em lei;

XVII - prestar ao Poder Judiciário, sempre que solicitado, todas as informações sobre andamento das investigações, podendo, inclusive, fornecer cópias dos autos para instruir ações judiciais; e

XVIII - adotar as medidas administrativas necessárias à execução e ao cumprimento das decisões do Plenário.

Art. 14. São atribuições do Superintendente-Geral:

I - participar, quando entender necessário, sem direito a voto, das reuniões do Tribunal e proferir sustentação oral, na forma do regimento interno;

II - cumprir e fazer cumprir as decisões do Tribunal na forma determinada pelo seu Presidente;

III - requerer à Procuradoria Federal junto ao Cade as providências judiciais relativas ao exercício das competências da Superintendência-Geral;

IV - determinar ao Economista-Chefe a elaboração de estudos e pareceres;

V - ordenar despesas referentes à unidade gestora da Superintendência-Geral; e

VI - exercer outras atribuições previstas em lei.

Seção IV

Da Procuradoria Federal junto ao Cade

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Art. 15. Funcionará junto ao Cade Procuradoria Federal Especializada, competindo-lhe:

I - prestar consultoria e assessoramento jurídico ao Cade;

II - representar o Cade judicial e extrajudicialmente;

III - promover a execução judicial das decisões e julgados do Cade;

IV - proceder à apuração da liquidez dos créditos do Cade, inscrevendo-os em dívida ativa para fins de cobrança administrativa ou judicial;

V - tomar as medidas judiciais solicitadas pelo Tribunal ou pela Superintendência-Geral, necessárias à cessação de infrações da ordem econômica ou à obtenção de documentos para a instrução de processos administrativos de qualquer natureza;

VI - promover acordos judiciais nos processos relativos a infrações contra a ordem econômica, mediante autorização do Tribunal;

VII - emitir, sempre que solicitado expressamente por Conselheiro ou pelo Superintendente-Geral, parecer nos processos de competência do Cade, sem que tal determinação implique a suspensão do prazo de análise ou prejuízo à tramitação normal do processo;

VIII - zelar pelo cumprimento desta Lei; e

IX - desincumbir-se das demais tarefas que lhe sejam atribuídas pelo regimento interno.

Parágrafo único. Compete à Procuradoria Federal junto ao Cade, ao dar execução judicial às decisões da Superintendência-Geral e do Tribunal, manter o Presidente do Tribunal, os Conselheiros e o Superintendente-Geral informados sobre o andamento das ações e medidas judiciais.

Art. 16. O Procurador-Chefe será nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovado pelo Senado Federal, dentre cidadãos brasileiros com mais de 30 (trinta) anos de idade, de notório conhecimento jurídico e reputação ilibada.

§ 1o O Procurador-Chefe terá mandato de 2 (dois) anos, permitida sua recondução para um único período.

§ 2o O Procurador-Chefe poderá participar, sem direito a voto, das reuniões do Tribunal, prestando assistência e esclarecimentos, quando requisitado pelos Conselheiros, na forma do Regimento Interno do Tribunal.

§ 3o Aplicam-se ao Procurador-Chefe as mesmas normas de impedimento aplicáveis aos Conselheiros do Tribunal, exceto quanto ao comparecimento às sessões.

§ 4o Nos casos de faltas, afastamento temporário ou impedimento do Procurador-Chefe, o Plenário indicará e o Presidente do Tribunal designará o substituto eventual dentre os integrantes da Procuradoria Federal Especializada.

Seção V

Do Departamento de Estudos Econômicos

Art. 17. O Cade terá um Departamento de Estudos Econômicos, dirigido por um Economista-Chefe, a quem incumbirá elaborar estudos e pareceres econômicos, de ofício ou por solicitação do Plenário, do Presidente, do Conselheiro-Relator ou do Superintendente-Geral, zelando pelo rigor e atualização técnica e científica das decisões do órgão.

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Art. 18. O Economista-Chefe será nomeado, conjuntamente, pelo Superintendente-Geral e pelo Presidente do Tribunal, dentre brasileiros de ilibada reputação e notório conhecimento econômico.

§ 1o O Economista-Chefe poderá participar das reuniões do Tribunal, sem direito a voto.

§ 2o Aplicam-se ao Economista-Chefe as mesmas normas de impedimento aplicáveis aos Conselheiros do Tribunal, exceto quanto ao comparecimento às sessões.

CAPÍTULO III

DA SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO

Art. 19. Compete à Secretaria de Acompanhamento Econômico promover a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade cabendo-lhe, especialmente, o seguinte:

I - opinar, nos aspectos referentes à promoção da concorrência, sobre propostas de alterações de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, de consumidores ou usuários dos serviços prestados submetidos a consulta pública pelas agências reguladoras e, quando entender pertinente, sobre os pedidos de revisão de tarifas e as minutas;

II - opinar, quando considerar pertinente, sobre minutas de atos normativos elaborados por qualquer entidade pública ou privada submetidos à consulta pública, nos aspectos referentes à promoção da concorrência;

III - opinar, quando considerar pertinente, sobre proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional, nos aspectos referentes à promoção da concorrência;

IV - elaborar estudos avaliando a situação concorrencial de setores específicos da atividade econômica nacional, de ofício ou quando solicitada pelo Cade, pela Câmara de Comércio Exterior ou pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça ou órgão que vier a sucedê-lo;

V - elaborar estudos setoriais que sirvam de insumo para a participação do Ministério da Fazenda na formulação de políticas públicas setoriais nos fóruns em que este Ministério tem assento;

VI - propor a revisão de leis, regulamentos e outros atos normativos da administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal que afetem ou possam afetar a concorrência nos diversos setores econômicos do País;

VII - manifestar-se, de ofício ou quando solicitada, a respeito do impacto concorrencial de medidas em discussão no âmbito de fóruns negociadores relativos às atividades de alteração tarifária, ao acesso a mercados e à defesa comercial, ressalvadas as competências dos órgãos envolvidos;

VIII - encaminhar ao órgão competente representação para que este, a seu critério, adote as medidas legais cabíveis, sempre que for identificado ato normativo que tenha caráter anticompetitivo.

§ 1o Para o cumprimento de suas atribuições, a Secretaria de Acompanhamento Econômico poderá:

I - requisitar informações e documentos de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades, públicas ou privadas, mantendo o sigilo legal quando for o caso;

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II - celebrar acordos e convênios com órgãos ou entidades públicas ou privadas, federais, estaduais, municipais, do Distrito Federal e dos Territórios para avaliar e/ou sugerir medidas relacionadas à promoção da concorrência.

§ 2o A Secretaria de Acompanhamento Econômico divulgará anualmente relatório de suas ações voltadas para a promoção da concorrência.

TÍTULO III

DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PERANTE O CADE

Art. 20. O Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior, designará membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, emitir parecer, nos processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, de ofício ou a requerimento do Conselheiro-Relator.

TÍTULO IV

DO PATRIMÔNIO, DAS RECEITAS E DA GESTÃO ADMINISTRATIVA, ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA

Art. 21. Compete ao Presidente do Tribunal orientar, coordenar e supervisionar as atividades administrativas do Cade, respeitadas as atribuições dos dirigentes dos demais órgãos previstos no art. 5o desta Lei.

§ 1o A Superintendência-Geral constituirá unidade gestora, para fins administrativos e financeiros, competindo ao seu Superintendente-Geral ordenar as despesas pertinentes às respectivas ações orçamentárias.

§ 2o Para fins administrativos e financeiros, o Departamento de Estudos Econômicos estará ligado ao Tribunal.

Art. 22. Anualmente, o Presidente do Tribunal, ouvido o Superintendente-Geral, encaminhará ao Poder Executivo a proposta de orçamento do Cade e a lotação ideal do pessoal que prestará serviço àquela autarquia.

Art. 23. Ficam instituídas as taxas processuais sobre os processos de competência do Cade, no valor de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), que têm como fato gerador a apresentação dos atos previstos no art. 88 desta Lei e no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para processos que têm como fato gerador a apresentação de consultas de que trata o § 4o do art. 9o desta Lei.

Parágrafo único. A taxa processual de que trata o caput deste artigo poderá ser atualizada por ato do Poder Executivo, após autorização do Congresso Nacional.

Art. 24. São contribuintes da taxa processual que tem como fato gerador a apresentação dos atos previstos no art. 88 desta Lei qualquer das requerentes.

Art. 25. O recolhimento da taxa processual que tem como fato gerador a apresentação dos atos previstos no art. 88 desta Lei deverá ser comprovado no momento da protocolização do ato.

§ 1o A taxa processual não recolhida no momento fixado no caput deste artigo será cobrada com os seguintes acréscimos:

I - juros de mora, contados do mês seguinte ao do vencimento, à razão de 1% (um por cento), calculados na forma da legislação aplicável aos tributos federais;

II - multa de mora de 20% (vinte por cento).

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§ 2o Os juros de mora não incidem sobre o valor da multa de mora.

Art. 26. (VETADO).

Art. 27. As taxas de que tratam os arts. 23 e 26 desta Lei serão recolhidas ao Tesouro Nacional na forma regulamentada pelo Poder Executivo.

Art. 28. Constituem receitas próprias do Cade:

I - o produto resultante da arrecadação das taxas previstas nos arts. 23 e 26 desta Lei;

II - a retribuição por serviços de qualquer natureza prestados a terceiros;

III - as dotações consignadas no Orçamento Geral da União, créditos especiais, créditos adicionais, transferências e repasses que lhe forem conferidos;

IV - os recursos provenientes de convênios, acordos ou contratos celebrados com entidades ou organismos nacionais e internacionais;

V - as doações, legados, subvenções e outros recursos que lhe forem destinados;

VI - os valores apurados na venda ou aluguel de bens móveis e imóveis de sua propriedade;

VII - o produto da venda de publicações, material técnico, dados e informações;

VIII - os valores apurados em aplicações no mercado financeiro das receitas previstas neste artigo, na forma definida pelo Poder Executivo; e

IX - quaisquer outras receitas, afetas às suas atividades, não especificadas nos incisos I a VIII do caput deste artigo.

§ 1o (VETADO).

§ 2o (VETADO).

§ 3o O produto da arrecadação das multas aplicadas pelo Cade, inscritas ou não em dívida ativa, será destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos de que trata o art. 13 da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, e a Lei no 9.008, de 21 de março de 1995.

§ 4o As multas arrecadadas na forma desta Lei serão recolhidas ao Tesouro Nacional na forma regulamentada pelo Poder Executivo.

Art. 29. O Cade submeterá anualmente ao Ministério da Justiça a sua proposta de orçamento, que será encaminhada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para inclusão na lei orçamentária anual, a que se refere o § 5o do art. 165 da Constituição Federal.

§ 1o O Cade fará acompanhar as propostas orçamentárias de quadro demonstrativo do planejamento plurianual das receitas e despesas, visando ao seu equilíbrio orçamentário e financeiro nos 5 (cinco) exercícios subsequentes.

§ 2o A lei orçamentária anual consignará as dotações para as despesas de custeio e capital do Cade, relativas ao exercício a que ela se referir.

Art. 30. Somam-se ao atual patrimônio do Cade os bens e direitos pertencentes ao Ministério da Justiça atualmente afetados às atividades do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico.

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TÍTULO V

DAS INFRAÇÕES DA ORDEM ECONÔMICA

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 31. Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.

Art. 32. As diversas formas de infração da ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente.

Art. 33. Serão solidariamente responsáveis as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, quando pelo menos uma delas praticar infração à ordem econômica.

Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.

Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Art. 35. A repressão das infrações da ordem econômica não exclui a punição de outros ilícitos previstos em lei.

CAPÍTULO II

DAS INFRAÇÕES

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros; e

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

§ 1o A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo.

§ 2o Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.

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§ 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:

a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;

b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;

c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;

II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

III - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

V - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;

VI - exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa;

VII - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;

VIII - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;

IX - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros;

X - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;

XI - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;

XII - dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;

XIII - destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los;

XIV - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia;

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XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo;

XVI - reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção;

XVII - cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada;

XVIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e

XIX - exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca.

CAPÍTULO III

DAS PENAS

Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:

I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;

II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais);

III - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo.

§ 1o Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.

§ 2o No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o Cade poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo Cade, ou quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea.

Art. 38. Sem prejuízo das penas cominadas no art. 37 desta Lei, quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:

I - a publicação, em meia página e a expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por 2 (dois) dias seguidos, de 1 (uma) a 3 (três) semanas consecutivas;

II - a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos;

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III - a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor;

IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que:

a) seja concedida licença compulsória de direito de propriedade intelectual de titularidade do infrator, quando a infração estiver relacionada ao uso desse direito;

b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos;

V - a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos ou cessação parcial de atividade;

VI - a proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica, pelo prazo de até 5 (cinco) anos; e

VII - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

Art. 39. Pela continuidade de atos ou situações que configurem infração da ordem econômica, após decisão do Tribunal determinando sua cessação, bem como pelo não cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer impostas, ou pelo descumprimento de medida preventiva ou termo de compromisso de cessação previstos nesta Lei, o responsável fica sujeito a multa diária fixada em valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), podendo ser aumentada em até 50 (cinquenta) vezes, se assim recomendar a situação econômica do infrator e a gravidade da infração.

Art. 40. A recusa, omissão ou retardamento injustificado de informação ou documentos solicitados pelo Cade ou pela Secretaria de Acompanhamento Econômico constitui infração punível com multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), podendo ser aumentada em até 20 (vinte) vezes, se necessário para garantir sua eficácia, em razão da situação econômica do infrator.

§ 1o O montante fixado para a multa diária de que trata o caput deste artigo constará do documento que contiver a requisição da autoridade competente.

§ 2o Compete à autoridade requisitante a aplicação da multa prevista no caput deste artigo.

§ 3o Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País.

Art. 41. A falta injustificada do representado ou de terceiros, quando intimados para prestar esclarecimentos, no curso de inquérito ou processo administrativo, sujeitará o faltante à multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada falta, aplicada conforme sua situação econômica.

Parágrafo único. A multa a que se refere o caput deste artigo será aplicada mediante auto de infração pela autoridade competente.

Art. 42. Impedir, obstruir ou de qualquer outra forma dificultar a realização de inspeção autorizada pelo Plenário do Tribunal, pelo Conselheiro-Relator ou pela Superintendência-Geral no curso de procedimento preparatório, inquérito administrativo, processo administrativo ou qualquer outro procedimento sujeitará o inspecionado ao pagamento de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), conforme a situação econômica do infrator, mediante a lavratura de auto de infração pelo órgão competente.

Art. 43. A enganosidade ou a falsidade de informações, de documentos ou de declarações prestadas por qualquer pessoa ao Cade ou à Secretaria de Acompanhamento Econômico será punível com multa pecuniária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 5.000.000,00 (cinco

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milhões de reais), de acordo com a gravidade dos fatos e a situação econômica do infrator, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

Art. 44. Aquele que prestar serviços ao Cade ou a Seae, a qualquer título, e que der causa, mesmo que por mera culpa, à disseminação indevida de informação acerca de empresa, coberta por sigilo, será punível com multa pecuniária de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sem prejuízo de abertura de outros procedimentos cabíveis.

§ 1o Se o autor da disseminação indevida estiver servindo o Cade em virtude de mandato, ou na qualidade de Procurador Federal ou Economista-Chefe, a multa será em dobro.

§ 2o O Regulamento definirá o procedimento para que uma informação seja tida como sigilosa, no âmbito do Cade e da Seae.

Art. 45. Na aplicação das penas estabelecidas nesta Lei, levar-se-á em consideração:

I - a gravidade da infração;

II - a boa-fé do infrator;

III - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;

IV - a consumação ou não da infração;

V - o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros;

VI - os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado;

VII - a situação econômica do infrator; e

VIII - a reincidência.

CAPÍTULO IV

DA PRESCRIÇÃO

Art. 46. Prescrevem em 5 (cinco) anos as ações punitivas da administração pública federal, direta e indireta, objetivando apurar infrações da ordem econômica, contados da data da prática do ilícito ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessada a prática do ilícito.

§ 1o Interrompe a prescrição qualquer ato administrativo ou judicial que tenha por objeto a apuração da infração contra a ordem econômica mencionada no caput deste artigo, bem como a notificação ou a intimação da investigada.

§ 2o Suspende-se a prescrição durante a vigência do compromisso de cessação ou do acordo em controle de concentrações.

§ 3o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de 3 (três) anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

§ 4o Quando o fato objeto da ação punitiva da administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.

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CAPÍTULO V

DO DIREITO DE AÇÃO

Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.

TÍTULO VI

DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE PROCESSO ADMINISTRATIVO

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 48. Esta Lei regula os seguintes procedimentos administrativos instaurados para prevenção, apuração e repressão de infrações à ordem econômica:

I - procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica;

II - inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica;

III - processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica;

IV - processo administrativo para análise de ato de concentração econômica;

V - procedimento administrativo para apuração de ato de concentração econômica; e

VI - processo administrativo para imposição de sanções processuais incidentais.

Art. 49. O Tribunal e a Superintendência-Geral assegurarão nos procedimentos previstos nos incisos II, III, IV e VI do caput do art. 48 desta Lei o tratamento sigiloso de documentos, informações e atos processuais necessários à elucidação dos fatos ou exigidos pelo interesse da sociedade.

Parágrafo único. As partes poderão requerer tratamento sigiloso de documentos ou informações, no tempo e modo definidos no regimento interno.

Art. 50. A Superintendência-Geral ou o Conselheiro-Relator poderá admitir a intervenção no processo administrativo de:

I - terceiros titulares de direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada; ou

II - legitimados à propositura de ação civil pública pelos incisos III e IV do art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Art. 51. Na tramitação dos processos no Cade, serão observadas as seguintes disposições, além daquelas previstas no regimento interno:

I - os atos de concentração terão prioridade sobre o julgamento de outras matérias;

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II - a sessão de julgamento do Tribunal é pública, salvo nos casos em que for determinado tratamento sigiloso ao processo, ocasião em que as sessões serão reservadas;

III - nas sessões de julgamento do Tribunal, poderão o Superintendente-Geral, o Economista-Chefe, o Procurador-Chefe e as partes do processo requerer a palavra, que lhes será concedida, nessa ordem, nas condições e no prazo definido pelo regimento interno, a fim de sustentarem oralmente suas razões perante o Tribunal;

IV - a pauta das sessões de julgamento será definida pelo Presidente, que determinará sua publicação, com pelo menos 120 (cento e vinte) horas de antecedência; e

V - os atos e termos a serem praticados nos autos dos procedimentos enumerados no art. 48 desta Lei poderão ser encaminhados de forma eletrônica ou apresentados em meio magnético ou equivalente, nos termos das normas do Cade.

Art. 52. O cumprimento das decisões do Tribunal e de compromissos e acordos firmados nos termos desta Lei poderá, a critério do Tribunal, ser fiscalizado pela Superintendência-Geral, com o respectivo encaminhamento dos autos, após a decisão final do Tribunal.

§ 1o Na fase de fiscalização da execução das decisões do Tribunal, bem como do cumprimento de compromissos e acordos firmados nos termos desta Lei, poderá a Superintendência-Geral valer-se de todos os poderes instrutórios que lhe são assegurados nesta Lei.

§ 2o Cumprida integralmente a decisão do Tribunal ou os acordos em controle de concentrações e compromissos de cessação, a Superintendência-Geral, de ofício ou por provocação do interessado, manifestar-se-á sobre seu cumprimento.

CAPÍTULO II

DO PROCESSO ADMINISTRATIVO NO CONTROLE DE ATOS DE CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA

Seção I

Do Processo Administrativo na Superintendência-Geral

Art. 53. O pedido de aprovação dos atos de concentração econômica a que se refere o art. 88 desta Lei deverá ser endereçado ao Cade e instruído com as informações e documentos indispensáveis à instauração do processo administrativo, definidos em resolução do Cade, além do comprovante de recolhimento da taxa respectiva.

§ 1o Ao verificar que a petição não preenche os requisitos exigidos no caput deste artigo ou apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, a Superintendência-Geral determinará, uma única vez, que os requerentes a emendem, sob pena de arquivamento.

§ 2o Após o protocolo da apresentação do ato de concentração, ou de sua emenda, a Superintendência-Geral fará publicar edital, indicando o nome dos requerentes, a natureza da operação e os setores econômicos envolvidos.

Art. 54. Após cumpridas as providências indicadas no art. 53, a Superintendência-Geral:

I - conhecerá diretamente do pedido, proferindo decisão terminativa, quando o processo dispensar novas diligências ou nos casos de menor potencial ofensivo à concorrência, assim definidos em resolução do Cade; ou

II - determinará a realização da instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas.

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Art. 55. Concluída a instrução complementar determinada na forma do inciso II do caput do art. 54 desta Lei, a Superintendência-Geral deverá manifestar-se sobre seu satisfatório cumprimento, recebendo-a como adequada ao exame de mérito ou determinando que seja refeita, por estar incompleta.

Art. 56. A Superintendência-Geral poderá, por meio de decisão fundamentada, declarar a operação como complexa e determinar a realização de nova instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas.

Parágrafo único. Declarada a operação como complexa, poderá a Superintendência-Geral requerer ao Tribunal a prorrogação do prazo de que trata o § 2o do art. 88 desta Lei.

Art. 57. Concluídas as instruções complementares de que tratam o inciso II do art. 54 e o art. 56 desta Lei, a Superintendência-Geral:

I - proferirá decisão aprovando o ato sem restrições;

II - oferecerá impugnação perante o Tribunal, caso entenda que o ato deva ser rejeitado, aprovado com restrições ou que não existam elementos conclusivos quanto aos seus efeitos no mercado.

Parágrafo único. Na impugnação do ato perante o Tribunal, deverão ser demonstrados, de forma circunstanciada, o potencial lesivo do ato à concorrência e as razões pelas quais não deve ser aprovado integralmente ou rejeitado.

Seção II

Do Processo Administrativo no Tribunal

Art. 58. O requerente poderá oferecer, no prazo de 30 (trinta) dias da data de impugnação da Superintendência-Geral, em petição escrita, dirigida ao Presidente do Tribunal, manifestação expondo as razões de fato e de direito com que se opõe à impugnação do ato de concentração da Superintendência-Geral e juntando todas as provas, estudos e pareceres que corroboram seu pedido.

Parágrafo único. Em até 48 (quarenta e oito) horas da decisão de que trata a impugnação pela Superintendência-Geral, disposta no inciso II do caput do art. 57 desta Lei e na hipótese do inciso I do art. 65 desta Lei, o processo será distribuído, por sorteio, a um Conselheiro-Relator.

Art. 59. Após a manifestação do requerente, o Conselheiro-Relator:

I - proferirá decisão determinando a inclusão do processo em pauta para julgamento, caso entenda que se encontre suficientemente instruído;

II - determinará a realização de instrução complementar, se necessário, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral a realize, declarando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas.

§ 1o O Conselheiro-Relator poderá autorizar, conforme o caso, precária e liminarmente, a realização do ato de concentração econômica, impondo as condições que visem à preservação da reversibilidade da operação, quando assim recomendarem as condições do caso concreto.

§ 2o O Conselheiro-Relator poderá acompanhar a realização das diligências referidas no inciso II do caput deste artigo.

Art. 60. Após a conclusão da instrução, o Conselheiro-Relator determinará a inclusão do processo em pauta para julgamento.

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Art. 61. No julgamento do pedido de aprovação do ato de concentração econômica, o Tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia do ato.

§ 1o O Tribunal determinará as restrições cabíveis no sentido de mitigar os eventuais efeitos nocivos do ato de concentração sobre os mercados relevantes afetados.

§ 2o As restrições mencionadas no § 1o deste artigo incluem:

I - a venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua uma atividade empresarial;

II - a cisão de sociedade;

III - a alienação de controle societário;

IV - a separação contábil ou jurídica de atividades;

V - o licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual; e

VI - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

§ 3o Julgado o processo no mérito, o ato não poderá ser novamente apresentado nem revisto no âmbito do Poder Executivo.

Art. 62. Em caso de recusa, omissão, enganosidade, falsidade ou retardamento injustificado, por parte dos requerentes, de informações ou documentos cuja apresentação for determinada pelo Cade, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, poderá o pedido de aprovação do ato de concentração ser rejeitado por falta de provas, caso em que o requerente somente poderá realizar o ato mediante apresentação de novo pedido, nos termos do art. 53 desta Lei.

Art. 63. Os prazos previstos neste Capítulo não se suspendem ou interrompem por qualquer motivo, ressalvado o disposto no § 5o do art. 6o desta Lei, quando for o caso.

Art. 64. (VETADO).

Seção III

Do Recurso contra Decisão de Aprovação do Ato pela Superintendência-Geral

Art. 65. No prazo de 15 (quinze) dias contado a partir da publicação da decisão da Superintendência-Geral que aprovar o ato de concentração, na forma do inciso I do caput do art. 54 e do inciso I do caput do art. 57 desta Lei:

I - caberá recurso da decisão ao Tribunal, que poderá ser interposto por terceiros interessados ou, em se tratando de mercado regulado, pela respectiva agência reguladora;

II - o Tribunal poderá, mediante provocação de um de seus Conselheiros e em decisão fundamentada, avocar o processo para julgamento ficando prevento o Conselheiro que encaminhou a provocação.

§ 1o Em até 5 (cinco) dias úteis a partir do recebimento do recurso, o Conselheiro-Relator:

I - conhecerá do recurso e determinará a sua inclusão em pauta para julgamento;

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II - conhecerá do recurso e determinará a realização de instrução complementar, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral a realize, declarando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas; ou

III - não conhecerá do recurso, determinando o seu arquivamento.

§ 2o As requerentes poderão manifestar-se acerca do recurso interposto, em até 5 (cinco) dias úteis do conhecimento do recurso no Tribunal ou da data do recebimento do relatório com a conclusão da instrução complementar elaborada pela Superintendência-Geral, o que ocorrer por último.

§ 3o O litigante de má-fé arcará com multa, em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, a ser arbitrada pelo Tribunal entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), levando-se em consideração sua condição econômica, sua atuação no processo e o retardamento injustificado causado à aprovação do ato.

§ 4o A interposição do recurso a que se refere o caput deste artigo ou a decisão de avocar suspende a execução do ato de concentração econômica até decisão final do Tribunal.

§ 5o O Conselheiro-Relator poderá acompanhar a realização das diligências referidas no inciso II do § 1o deste artigo.

CAPÍTULO III

DO INQUÉRITO ADMINISTRATIVO PARA APURAÇÃO DE INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA E DO PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO

Art. 66. O inquérito administrativo, procedimento investigatório de natureza inquisitorial, será instaurado pela Superintendência-Geral para apuração de infrações à ordem econômica.

§ 1o O inquérito administrativo será instaurado de ofício ou em face de representação fundamentada de qualquer interessado, ou em decorrência de peças de informação, quando os indícios de infração à ordem econômica não forem suficientes para a instauração de processo administrativo.

§ 2o A Superintendência-Geral poderá instaurar procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica para apurar se a conduta sob análise trata de matéria de competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, nos termos desta Lei.

§ 3o As diligências tomadas no âmbito do procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica deverão ser realizadas no prazo máximo de 30 (trinta) dias.

§ 4o Do despacho que ordenar o arquivamento de procedimento preparatório, indeferir o requerimento de abertura de inquérito administrativo, ou seu arquivamento, caberá recurso de qualquer interessado ao Superintendente-Geral, na forma determinada em regulamento, que decidirá em última instância.

§ 5o (VETADO).

§ 6o A representação de Comissão do Congresso Nacional, ou de qualquer de suas Casas, bem como da Secretaria de Acompanhamento Econômico, das agências reguladoras e da Procuradoria Federal junto ao Cade, independe de procedimento preparatório, instaurando-se desde logo o inquérito administrativo ou processo administrativo.

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§ 7o O representante e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada ou não, a juízo da Superintendência-Geral.

§ 8o A Superintendência-Geral poderá solicitar o concurso da autoridade policial ou do Ministério Público nas investigações.

§ 9o O inquérito administrativo deverá ser encerrado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de sua instauração, prorrogáveis por até 60 (sessenta) dias, por meio de despacho fundamentado e quando o fato for de difícil elucidação e o justificarem as circunstâncias do caso concreto.

§ 10. Ao procedimento preparatório, assim como ao inquérito administrativo, poderá ser dado tratamento sigiloso, no interesse das investigações, a critério da Superintendência-Geral.

Art. 67. Até 10 (dez) dias úteis a partir da data de encerramento do inquérito administrativo, a Superintendência-Geral decidirá pela instauração do processo administrativo ou pelo seu arquivamento.

§ 1o O Tribunal poderá, mediante provocação de um Conselheiro e em decisão fundamentada, avocar o inquérito administrativo ou procedimento preparatório de inquérito administrativo arquivado pela Superintendência-Geral, ficando prevento o Conselheiro que encaminhou a provocação.

§ 2o Avocado o inquérito administrativo, o Conselheiro-Relator terá o prazo de 30 (trinta) dias úteis para:

I - confirmar a decisão de arquivamento da Superintendência-Geral, podendo, se entender necessário, fundamentar sua decisão;

II - transformar o inquérito administrativo em processo administrativo, determinando a realização de instrução complementar, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral a realize, declarando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas.

§ 3o Ao inquérito administrativo poderá ser dado tratamento sigiloso, no interesse das investigações, a critério do Plenário do Tribunal.

Art. 68. O descumprimento dos prazos fixados neste Capítulo pela Superintendência-Geral, assim como por seus servidores, sem justificativa devidamente comprovada nos autos, poderá resultar na apuração da respectiva responsabilidade administrativa, civil e criminal.

CAPÍTULO IV

DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA IMPOSIÇÃO DE SANÇÕES

ADMINISTRATIVAS POR INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA

Art. 69. O processo administrativo, procedimento em contraditório, visa a garantir ao acusado a ampla defesa a respeito das conclusões do inquérito administrativo, cuja nota técnica final, aprovada nos termos das normas do Cade, constituirá peça inaugural.

Art. 70. Na decisão que instaurar o processo administrativo, será determinada a notificação do representado para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar defesa e especificar as provas que pretende sejam produzidas, declinando a qualificação completa de até 3 (três) testemunhas.

§ 1o A notificação inicial conterá o inteiro teor da decisão de instauração do processo administrativo e da representação, se for o caso.

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§ 2o A notificação inicial do representado será feita pelo correio, com aviso de recebimento em nome próprio, ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado ou, não tendo êxito a notificação postal, por edital publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação no Estado em que resida ou tenha sede, contando-se os prazos da juntada do aviso de recebimento, ou da publicação, conforme o caso.

§ 3o A intimação dos demais atos processuais será feita mediante publicação no Diário Oficial da União, da qual deverá constar o nome do representado e de seu procurador, se houver.

§ 4o O representado poderá acompanhar o processo administrativo por seu titular e seus diretores ou gerentes, ou por seu procurador, assegurando-se-lhes amplo acesso aos autos no Tribunal.

§ 5o O prazo de 30 (trinta) dias mencionado no caput deste artigo poderá ser dilatado por até 10 (dez) dias, improrrogáveis, mediante requisição do representado.

Art. 71. Considerar-se-á revel o representado que, notificado, não apresentar defesa no prazo legal, incorrendo em confissão quanto à matéria de fato, contra ele correndo os demais prazos, independentemente de notificação.

Parágrafo único. Qualquer que seja a fase do processo, nele poderá intervir o revel, sem direito à repetição de qualquer ato já praticado.

Art. 72. Em até 30 (trinta) dias úteis após o decurso do prazo previsto no art. 70 desta Lei, a Superintendência-Geral, em despacho fundamentado, determinará a produção de provas que julgar pertinentes, sendo-lhe facultado exercer os poderes de instrução previstos nesta Lei, mantendo-se o sigilo legal, quando for o caso.

Art. 73. Em até 5 (cinco) dias úteis da data de conclusão da instrução processual determinada na forma do art. 72 desta Lei, a Superintendência-Geral notificará o representado para apresentar novas alegações, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

Art. 74. Em até 15 (quinze) dias úteis contados do decurso do prazo previsto no art. 73 desta Lei, a Superintendência-Geral remeterá os autos do processo ao Presidente do Tribunal, opinando, em relatório circunstanciado, pelo seu arquivamento ou pela configuração da infração.

Art. 75. Recebido o processo, o Presidente do Tribunal o distribuirá, por sorteio, ao Conselheiro-Relator, que poderá, caso entenda necessário, solicitar à Procuradoria Federal junto ao Cade que se manifeste no prazo de 20 (vinte) dias.

Art. 76. O Conselheiro-Relator poderá determinar diligências, em despacho fundamentado, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral as realize, no prazo assinado.

Parágrafo único. Após a conclusão das diligências determinadas na forma deste artigo, o Conselheiro-Relator notificará o representado para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, apresentar alegações finais.

Art. 77. No prazo de 15 (quinze) dias úteis contado da data de recebimento das alegações finais, o Conselheiro-Relator solicitará a inclusão do processo em pauta para julgamento.

Art. 78. A convite do Presidente, por indicação do Conselheiro-Relator, qualquer pessoa poderá apresentar esclarecimentos ao Tribunal, a propósito de assuntos que estejam em pauta.

Art. 79. A decisão do Tribunal, que em qualquer hipótese será fundamentada, quando for pela existência de infração da ordem econômica, conterá:

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I - especificação dos fatos que constituam a infração apurada e a indicação das providências a serem tomadas pelos responsáveis para fazê-la cessar;

II - prazo dentro do qual devam ser iniciadas e concluídas as providências referidas no inciso I do caput deste artigo;

III - multa estipulada;

IV - multa diária em caso de continuidade da infração; e

V - multa em caso de descumprimento das providências estipuladas.

Parágrafo único. A decisão do Tribunal será publicada dentro de 5 (cinco) dias úteis no Diário Oficial da União.

Art. 80. Aplicam-se às decisões do Tribunal o disposto na Lei no 8.437, de 30 de junho de 1992.

Art. 81. Descumprida a decisão, no todo ou em parte, será o fato comunicado ao Presidente do Tribunal, que determinará à Procuradoria Federal junto ao Cade que providencie sua execução judicial.

Art. 82. O descumprimento dos prazos fixados neste Capítulo pelos membros do Cade, assim como por seus servidores, sem justificativa devidamente comprovada nos autos, poderá resultar na apuração da respectiva responsabilidade administrativa, civil e criminal.

Art. 83. O Cade disporá de forma complementar sobre o inquérito e o processo administrativo.

CAPÍTULO V

DA MEDIDA PREVENTIVA

Art. 84. Em qualquer fase do inquérito administrativo para apuração de infrações ou do processo administrativo para imposição de sanções por infrações à ordem econômica, poderá o Conselheiro-Relator ou o Superintendente-Geral, por iniciativa própria ou mediante provocação do Procurador-Chefe do Cade, adotar medida preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo.

§ 1o Na medida preventiva, determinar-se-á a imediata cessação da prática e será ordenada, quando materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária nos termos do art. 39 desta Lei.

§ 2o Da decisão que adotar medida preventiva caberá recurso voluntário ao Plenário do Tribunal, em 5 (cinco) dias, sem efeito suspensivo.

CAPÍTULO VI

DO COMPROMISSO DE CESSAÇÃO

Art. 85. Nos procedimentos administrativos mencionados nos incisos I, II e III do art. 48 desta Lei, o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, devidamente fundamentado, entender que atende aos interesses protegidos por lei.

§ 1o Do termo de compromisso deverão constar os seguintes elementos:

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I - a especificação das obrigações do representado no sentido de não praticar a conduta investigada ou seus efeitos lesivos, bem como obrigações que julgar cabíveis;

II - a fixação do valor da multa para o caso de descumprimento, total ou parcial, das obrigações compromissadas;

III - a fixação do valor da contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos quando cabível.

§ 2o Tratando-se da investigação da prática de infração relacionada ou decorrente das condutas previstas nos incisos I e II do § 3o do art. 36 desta Lei, entre as obrigações a que se refere o inciso I do § 1odeste artigo figurará, necessariamente, a obrigação de recolher ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos um valor pecuniário que não poderá ser inferior ao mínimo previsto no art. 37 desta Lei.

§ 3o (VETADO).

§ 4o A proposta de termo de compromisso de cessação de prática somente poderá ser apresentada uma única vez.

§ 5o A proposta de termo de compromisso de cessação de prática poderá ter caráter confidencial.

§ 6o A apresentação de proposta de termo de compromisso de cessação de prática não suspende o andamento do processo administrativo.

§ 7o O termo de compromisso de cessação de prática terá caráter público, devendo o acordo ser publicado no sítio do Cade em 5 (cinco) dias após a sua celebração.

§ 8o O termo de compromisso de cessação de prática constitui título executivo extrajudicial.

§ 9o O processo administrativo ficará suspenso enquanto estiver sendo cumprido o compromisso e será arquivado ao término do prazo fixado, se atendidas todas as condições estabelecidas no termo.

§ 10. A suspensão do processo administrativo a que se refere o § 9o deste artigo dar-se-á somente em relação ao representado que firmou o compromisso, seguindo o processo seu curso regular para os demais representados.

§ 11. Declarado o descumprimento do compromisso, o Cade aplicará as sanções nele previstas e determinará o prosseguimento do processo administrativo e as demais medidas administrativas e judiciais cabíveis para sua execução.

§ 12. As condições do termo de compromisso poderão ser alteradas pelo Cade se se comprovar sua excessiva onerosidade para o representado, desde que a alteração não acarrete prejuízo para terceiros ou para a coletividade.

§ 13. A proposta de celebração do compromisso de cessação de prática será indeferida quando a autoridade não chegar a um acordo com os representados quanto aos seus termos.

§ 14. O Cade definirá, em resolução, normas complementares sobre o termo de compromisso de cessação.

§ 15. Aplica-se o disposto no art. 50 desta Lei ao Compromisso de Cessação da Prática.

CAPÍTULO VII

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DO PROGRAMA DE LENIÊNCIA

Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e

II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.

§ 1o O acordo de que trata o caput deste artigo somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação;

II - a empresa cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo;

III - a Superintendência-Geral não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação da empresa ou pessoa física por ocasião da propositura do acordo; e

IV - a empresa confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

§ 2o Com relação às pessoas físicas, elas poderão celebrar acordos de leniência desde que cumpridos os requisitos II, III e IV do § 1o deste artigo.

§ 3o O acordo de leniência firmado com o Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.

§ 4o Compete ao Tribunal, por ocasião do julgamento do processo administrativo, verificado o cumprimento do acordo:

I - decretar a extinção da ação punitiva da administração pública em favor do infrator, nas hipóteses em que a proposta de acordo tiver sido apresentada à Superintendência-Geral sem que essa tivesse conhecimento prévio da infração noticiada; ou

II - nas demais hipóteses, reduzir de 1 (um) a 2/3 (dois terços) as penas aplicáveis, observado o disposto no art. 45 desta Lei, devendo ainda considerar na gradação da pena a efetividade da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento do acordo de leniência.

§ 5o Na hipótese do inciso II do § 4o deste artigo, a pena sobre a qual incidirá o fator redutor não será superior à menor das penas aplicadas aos demais coautores da infração, relativamente aos percentuais fixados para a aplicação das multas de que trata o inciso I do art. 37 desta Lei.

§ 6o Serão estendidos às empresas do mesmo grupo, de fato ou de direito, e aos seus dirigentes, administradores e empregados envolvidos na infração os efeitos do acordo de leniência, desde que o firmem em conjunto, respeitadas as condições impostas.

§ 7o A empresa ou pessoa física que não obtiver, no curso de inquérito ou processo administrativo, habilitação para a celebração do acordo de que trata este artigo, poderá celebrar com

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a Superintendência-Geral, até a remessa do processo para julgamento, acordo de leniência relacionado a uma outra infração, da qual o Cade não tenha qualquer conhecimento prévio.

§ 8o Na hipótese do § 7o deste artigo, o infrator se beneficiará da redução de 1/3 (um terço) da pena que lhe for aplicável naquele processo, sem prejuízo da obtenção dos benefícios de que trata o inciso I do § 4o deste artigo em relação à nova infração denunciada.

§ 9o Considera-se sigilosa a proposta de acordo de que trata este artigo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.

§ 10. Não importará em confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada, a proposta de acordo de leniência rejeitada, da qual não se fará qualquer divulgação.

§ 11. A aplicação do disposto neste artigo observará as normas a serem editadas pelo Tribunal.

§ 12. Em caso de descumprimento do acordo de leniência, o beneficiário ficará impedido de celebrar novo acordo de leniência pelo prazo de 3 (três) anos, contado da data de seu julgamento.

Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência.

Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.

TÍTULO VII

DO CONTROLE DE CONCENTRAÇÕES

CAPÍTULO I

DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO

Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:

I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e

II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).

§ 1o Os valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser adequados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça.

§ 2o O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda.

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§ 3o Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei.

§ 4o Até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas envolvidas, sob pena de aplicação das sanções previstas no § 3o deste artigo.

§ 5o Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6o deste artigo.

§ 6o Os atos a que se refere o § 5o deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos:

I - cumulada ou alternativamente:

a) aumentar a produtividade ou a competitividade;

b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou

c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e

II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.

§ 7o É facultado ao Cade, no prazo de 1 (um) ano a contar da respectiva data de consumação, requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo.

§ 8o As mudanças de controle acionário de companhias abertas e os registros de fusão, sem prejuízo da obrigação das partes envolvidas, devem ser comunicados ao Cade pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM e pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, respectivamente, no prazo de 5 (cinco) dias úteis para, se for o caso, ser examinados.

§ 9o O prazo mencionado no § 2o deste artigo somente poderá ser dilatado:

I - por até 60 (sessenta) dias, improrrogáveis, mediante requisição das partes envolvidas na operação; ou

II - por até 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada do Tribunal, em que sejam especificados as razões para a extensão, o prazo da prorrogação, que será não renovável, e as providências cuja realização seja necessária para o julgamento do processo.

Art. 89. Para fins de análise do ato de concentração apresentado, serão obedecidos os procedimentos estabelecidos no Capítulo II do Título VI desta Lei.

Parágrafo único. O Cade regulamentará, por meio de Resolução, a análise prévia de atos de concentração realizados com o propósito específico de participação em leilões, licitações e operações de aquisição de ações por meio de oferta pública.

Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando:

I - 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;

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II - 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas;

III - 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou

IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.

Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.

Art. 91. A aprovação de que trata o art. 88 desta Lei poderá ser revista pelo Tribunal, de ofício ou mediante provocação da Superintendência-Geral, se a decisão for baseada em informações falsas ou enganosas prestadas pelo interessado, se ocorrer o descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas ou não forem alcançados os benefícios visados.

Parágrafo único. Na hipótese referida no caput deste artigo, a falsidade ou enganosidade será punida com multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), a ser aplicada na forma das normas do Cade, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 67 desta Lei, e da adoção das demais medidas cabíveis.

CAPÍTULO II

DO ACORDO EM CONTROLE DE CONCENTRAÇÕES

Art. 92. (VETADO).

TÍTULO VIII

DA EXECUÇÃO JUDICIAL DAS DECISÕES DO CADE

CAPÍTULO I

DO PROCESSO

Art. 93. A decisão do Plenário do Tribunal, cominando multa ou impondo obrigação de fazer ou não fazer, constitui título executivo extrajudicial.

Art. 94. A execução que tenha por objeto exclusivamente a cobrança de multa pecuniária será feita de acordo com o disposto na Lei no 6.830, de 22 de setembro de 1980.

Art. 95. Na execução que tenha por objeto, além da cobrança de multa, o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação, ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1o A conversão da obrigação de fazer ou não fazer em perdas e danos somente será admissível se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2o A indenização por perdas e danos far-se-á sem prejuízo das multas.

Art. 96. A execução será feita por todos os meios, inclusive mediante intervenção na empresa, quando necessária.

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Art. 97. A execução das decisões do Cade será promovida na Justiça Federal do Distrito Federal ou da sede ou domicílio do executado, à escolha do Cade.

Art. 98. O oferecimento de embargos ou o ajuizamento de qualquer outra ação que vise à desconstituição do título executivo não suspenderá a execução, se não for garantido o juízo no valor das multas aplicadas, para que se garanta o cumprimento da decisão final proferida nos autos, inclusive no que tange a multas diárias.

§ 1o Para garantir o cumprimento das obrigações de fazer, deverá o juiz fixar caução idônea.

§ 2o Revogada a liminar, o depósito do valor da multa converter-se-á em renda do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

§ 3o O depósito em dinheiro não suspenderá a incidência de juros de mora e atualização monetária, podendo o Cade, na hipótese do § 2o deste artigo, promover a execução para cobrança da diferença entre o valor revertido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos e o valor da multa atualizado, com os acréscimos legais, como se sua exigibilidade do crédito jamais tivesse sido suspensa.

§ 4o Na ação que tenha por objeto decisão do Cade, o autor deverá deduzir todas as questões de fato e de direito, sob pena de preclusão consumativa, reputando-se deduzidas todas as alegações que poderia deduzir em favor do acolhimento do pedido, não podendo o mesmo pedido ser deduzido sob diferentes causas de pedir em ações distintas, salvo em relação a fatos supervenientes.

Art. 99. Em razão da gravidade da infração da ordem econômica, e havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ainda que tenha havido o depósito das multas e prestação de caução, poderá o Juiz determinar a adoção imediata, no todo ou em parte, das providências contidas no título executivo.

Art. 100. No cálculo do valor da multa diária pela continuidade da infração, tomar-se-á como termo inicial a data final fixada pelo Cade para a adoção voluntária das providências contidas em sua decisão, e como termo final o dia do seu efetivo cumprimento.

Art. 101. O processo de execução em juízo das decisões do Cade terá preferência sobre as demais espécies de ação, exceto habeas corpus e mandado de segurança.

CAPÍTULO II

DA INTERVENÇÃO JUDICIAL

Art. 102. O Juiz decretará a intervenção na empresa quando necessária para permitir a execução específica, nomeando o interventor.

Parágrafo único. A decisão que determinar a intervenção deverá ser fundamentada e indicará, clara e precisamente, as providências a serem tomadas pelo interventor nomeado.

Art. 103. Se, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, o executado impugnar o interventor por motivo de inaptidão ou inidoneidade, feita a prova da alegação em 3 (três) dias, o juiz decidirá em igual prazo.

Art. 104. Sendo a impugnação julgada procedente, o juiz nomeará novo interventor no prazo de 5 (cinco) dias.

Art. 105. A intervenção poderá ser revogada antes do prazo estabelecido, desde que comprovado o cumprimento integral da obrigação que a determinou.

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Art. 106. A intervenção judicial deverá restringir-se aos atos necessários ao cumprimento da decisão judicial que a determinar e terá duração máxima de 180 (cento e oitenta) dias, ficando o interventor responsável por suas ações e omissões, especialmente em caso de abuso de poder e desvio de finalidade.

§ 1o Aplica-se ao interventor, no que couber, o disposto nos arts. 153 a 159 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

§ 2o A remuneração do interventor será arbitrada pelo Juiz, que poderá substituí-lo a qualquer tempo, sendo obrigatória a substituição quando incorrer em insolvência civil, quando for sujeito passivo ou ativo de qualquer forma de corrupção ou prevaricação, ou infringir quaisquer de seus deveres.

Art. 107. O juiz poderá afastar de suas funções os responsáveis pela administração da empresa que, comprovadamente, obstarem o cumprimento de atos de competência do interventor, devendo eventual substituição dar-se na forma estabelecida no contrato social da empresa.

§ 1o Se, apesar das providências previstas no caput deste artigo, um ou mais responsáveis pela administração da empresa persistirem em obstar a ação do interventor, o juiz procederá na forma do disposto no § 2o deste artigo.

§ 2o Se a maioria dos responsáveis pela administração da empresa recusar colaboração ao interventor, o juiz determinará que este assuma a administração total da empresa.

Art. 108. Compete ao interventor:

I - praticar ou ordenar que sejam praticados os atos necessários à execução;

II - denunciar ao Juiz quaisquer irregularidades praticadas pelos responsáveis pela empresa e das quais venha a ter conhecimento; e

III - apresentar ao Juiz relatório mensal de suas atividades.

Art. 109. As despesas resultantes da intervenção correrão por conta do executado contra quem ela tiver sido decretada.

Art. 110. Decorrido o prazo da intervenção, o interventor apresentará ao juiz relatório circunstanciado de sua gestão, propondo a extinção e o arquivamento do processo ou pedindo a prorrogação do prazo na hipótese de não ter sido possível cumprir integralmente a decisão exequenda.

Art. 111. Todo aquele que se opuser ou obstaculizar a intervenção ou, cessada esta, praticar quaisquer atos que direta ou indiretamente anulem seus efeitos, no todo ou em parte, ou desobedecer a ordens legais do interventor será, conforme o caso, responsabilizado criminalmente por resistência, desobediência ou coação no curso do processo, na forma dos arts. 329, 330 e 344 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

TÍTULO IX

DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 112. (VETADO).

Art. 113. Visando a implementar a transição para o sistema de mandatos não coincidentes, as nomeações dos Conselheiros observarão os seguintes critérios de duração dos mandatos, nessa ordem:

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I - 2 (dois) anos para os primeiros 2 (dois) mandatos vagos; e

II - 3 (três) anos para o terceiro e o quarto mandatos vagos.

§ 1o Os mandatos dos membros do Cade e do Procurador-Chefe em vigor na data de promulgação desta Lei serão mantidos e exercidos até o seu término original, devendo as nomeações subsequentes à extinção desses mandatos observar o disposto neste artigo.

§ 2o Na hipótese do § 1o deste artigo, o Conselheiro que estiver exercendo o seu primeiro mandato no Cade, após o término de seu mandato original, poderá ser novamente nomeado no mesmo cargo, observado o disposto nos incisos I e II do caput deste artigo.

§ 3o O Conselheiro que estiver exercendo o seu segundo mandato no Cade, após o término de seu mandato original, não poderá ser novamente nomeado para o período subsequente.

§ 4o Não haverá recondução para o Procurador-Chefe que estiver exercendo mandato no Cade, após o término de seu mandato original, podendo ele ser indicado para permanecer no cargo na forma do art. 16 desta Lei.

Art. 114. (VETADO).

Art. 115. Aplicam-se subsidiariamente aos processos administrativo e judicial previstos nesta Lei as disposições das Leis nos 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, 7.347, de 24 de julho de 1985, 8.078, de 11 de setembro de 1990, e 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

Art. 116. O art. 4o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 4o ...............................................................................................................................................

I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas;

a) (revogada);

b) (revogada);

c) (revogada);

d) (revogada);

e) (revogada);

f) (revogada);

II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:

a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas;

b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;

c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

III - (revogado);

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IV - (revogado);

V - (revogado);

VI - (revogado);

VII - (revogado)." (NR)

Art. 117. O caput e o inciso V do art. 1o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

.............................................................................................

V - por infração da ordem econômica;

..................................................................................." (NR)

Art. 118. Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta Lei, o Cade deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente.

Art. 119. O disposto nesta Lei não se aplica aos casos de dumping e subsídios de que tratam os Acordos Relativos à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, promulgados pelos Decretos nos 93.941 e 93.962, de 16 e 22 de janeiro de 1987, respectivamente.

Art. 120. (VETADO).

Art. 121. Ficam criados, para exercício na Secretaria de Acompanhamento Econômico e, prioritariamente, no Cade, observadas as diretrizes e quantitativos estabelecidos pelo Órgão Supervisor da Carreira, 200 (duzentos) cargos de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, integrantes da Carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, para o exercício das atribuições referidas no art. 1o da Lei no 7.834, de 6 de outubro de 1989, a serem providos gradualmente, observados os limites e a autorização específica da lei de diretrizes orçamentárias, nos termos do inciso II do § 1o do art. 169 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Ficam transferidos para o Cade os cargos pertencentes ao Ministério da Justiça atualmente alocados no Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico, bem como o DAS-6 do Secretário de Direito Econômico. (Vide Decreto nº 7.738, de 2012)

Art. 122. Os órgãos do SBDC poderão requisitar servidores da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional para neles ter exercício, independentemente do exercício de cargo em comissão ou função de confiança.

Parágrafo único. Ao servidor requisitado na forma deste artigo são assegurados todos os direitos e vantagens a que façam jus no órgão ou entidade de origem, considerando-se o período de requisição para todos os efeitos da vida funcional, como efetivo exercício no cargo que ocupe no órgão ou entidade de origem.

Art. 123. Ato do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão fixará o quantitativo ideal de cargos efetivos, ocupados, a serem mantidos, mediante lotação, requisição ou exercício, no âmbito do Cade e da Secretaria de Acompanhamento Econômico, bem como fixará cronograma para que sejam atingidos os seus quantitativos, observadas as dotações consignadas nos Orçamentos da União.

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Art. 124. Ficam criados, no âmbito do Poder Executivo Federal, para alocação ao Cade, os seguintes cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS: 2 (dois) cargos de natureza especial NES de Presidente do Cade e Superintendente-Geral do Cade, 7 (sete) DAS-6, 16 (dezesseis) DAS-4, 8 (oito) DAS-3, 11 (onze) DAS-2 e 21 (vinte e um) DAS-1.

Art. 125. O Poder Executivo disporá sobre a estrutura regimental do Cade, sobre as competências e atribuições, denominação das unidades e especificações dos cargos, promovendo a alocação, nas unidades internas da autarquia, dos cargos em comissão e das funções gratificadas.

Art. 126. Ficam extintos, no âmbito do Poder Executivo Federal, os seguintes cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas - FG: 3 (três) DAS-5, 2 (duas) FG-1 e 16 (dezesseis) FG-3. (Vide Decreto nº 7.738, de 2012)

Art. 127. Ficam revogados a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999, os arts. 5o e 6º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e os arts. 1o a 85 e 88 a 93 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994.

Art. 128. Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial.

Brasília, 30 de novembro de 2011; 190o da Independência e 123o da República.

DILMA ROUSSEFF José Eduardo Cardozo Guido Mantega Eva Maria Cella Dal Chiavon Luís Inácio Lucena Adams

Este texto não substitui o publicado no DOU de 1º.11.2011 e retificado em 2.12.2011