A Estetica Do Nacionalismo

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NOVOS ESTUDOS  98 ❙❙ MARÇO 2014     95 A ESTÉTICA DO NACIONALISMO Manuel Villaverde Cabral RESUMO Partindo dos escritos da geração do Orfeu, o artigo mostra a forte relação que existe, desde a década de 1880, entre a modernização dos padrões literários portugueses e a ascensão do nacionalismo, em particular no que respeita o movimento republicano. Em seguida, resume e analisa as conotações políticas do movimento modernista que se seguiu à proclamação da República em 1910. Por fim, aborda a fisionomia crescentemente tradicionalista do regime autoritário português e o afastamento da maior parte dos criadores literários de vanguarda. PALAVRAS‑CHAVE: Modernismo literário português; nacionalismo; movimento republicano; autoritarismo político. ABSTRACT By means of an analysis of the writings of the Orfeu gene- ration, the article shows the strong relation, established in the 1880s, between the modernization of Portuguese literary standards and the rise of nationalism, more specifically concerning the Republican movement in Portugal. It then summarizes and analyzes the political connotations of the modernist movement that followed the promul- gation of the republican regime in 1910. It closes by approaching the growing traditionalism of the authoritarian regime in Portugal and the estrangement of the majority of avant-garde writers. KEYWORDS: Literary Modernism; nationalism; republican movement; political authoritarianism. A relação entre modernismo artístico e literário, por um lado, e autoritarismo de direita, por outro, tem sido frequente- mente notada. Segundo o ensaio clássico de G. L. Mosse, “O fascismo e os intelectuais”, os movimentos autoritários de extrema direita do período entre as duas guerras, na Europa Ocidental, não podem ser totalmente compreendidos fora do seu contexto cultural, nomeada- mente no que diz respeito à ascensão do elitismo e do nacionalismo modernos, bem como à tradição literária anterior à guerra 1 . É minha convicção que, em Portugal, alguns dos melhores artistas e escritores das décadas de 1910 e 1920, em particular aqueles associados com o modernismo (Orfeu, 1915) e o futurismo (Portugal Futurista, 1917), contribuíram de forma significativa para a “atitude de espírito” e a “política estética”, utilizando a terminologia de Mosse, que deram ao [*] Publicado originalmente como “The aesthetics of nationalism: lite‑ rary modernism and political autho‑ ritarianism in early twentieth‑cen‑ tury Portugal”. Luso‑Brazilian Review, vol. xxvi,n‑ º 1,1984.A presente versão foi revista e atualizada pelo autor em agosto de 2013. [1] Mosse, George L. “Fascism and the intellectuals”. In: Woolf, S. J. (org.). The nature of fascism. Londres: Weinfeld and Nicolson, 1968, pp. 205‑25. Modernismo literário e autoritarismo político em Portugal no início do século XX *

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Partiendo de los escritos de la generación de Orpheu , el artículo muestra la fuerte relación que existe, entre la modernización de los patrones literarios portugueses y la ascensión del nacionalismo.

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    A ESTTICA DO NACIONALISMO

    Manuel Villaverde Cabral

    Resumo

    Partindo dos escritos da gerao do Orfeu, o artigo mostra

    a forte relao que existe, desde a dcada de 1880, entre a modernizao dos padres literrios portugueses e a

    ascenso do nacionalismo, em particular no que respeita o movimento republicano. Em seguida, resume e analisa as

    conotaes polticas do movimento modernista que se seguiu proclamao da Repblica em 1910. Por fim, aborda

    a fisionomia crescentemente tradicionalista do regime autoritrio portugus e o afastamento da maior parte dos

    criadores literrios de vanguarda.

    Palavraschave: Modernismo literrio portugus; nacionalismo;

    movimento republicano; autoritarismo poltico.

    AbstRAct

    By means of an analysis of the writings of the Orfeu gene-

    ration, the article shows the strong relation, established in the 1880s, between the modernization of Portuguese

    literary standards and the rise of nationalism, more specifically concerning the Republican movement in Portugal.

    It then summarizes and analyzes the political connotations of the modernist movement that followed the promul-

    gation of the republican regime in 1910. It closes by approaching the growing traditionalism of the authoritarian

    regime in Portugal and the estrangement of the majority of avant-garde writers.

    Keywords: Literary Modernism; nationalism; republican movement;

    political authoritarianism.

    A relao entre modernismo artstico e literrio, por um lado, e autoritarismo de direita, por outro, tem sido frequente-mente notada. Segundo o ensaio clssico de G. L. Mosse, O fascismo e os intelectuais, os movimentos autoritrios de extrema direita do perodo entre as duas guerras, na Europa Ocidental, no podem ser totalmente compreendidos fora do seu contexto cultural, nomeada-mente no que diz respeito ascenso do elitismo e do nacionalismo modernos, bem como tradio literria anterior guerra1. minha convico que, em Portugal, alguns dos melhores artistas e escritores das dcadas de 1910 e 1920, em particular aqueles associados com o modernismo (Orfeu, 1915) e o futurismo (Portugal Futurista, 1917), contriburam de forma significativa para a atitude de esprito e a poltica esttica, utilizando a terminologia de Mosse, que deram ao

    [*] PublicadooriginalmentecomoTheaestheticsofnationalism:literarymodernismandpoliticalauthoritarianisminearlytwentiethcenturyPortugal.LusoBrazilian Review,vol.xxvi,n1,1984.Apresenteversofoirevistaeatualizadapeloautoremagostode2013.

    [1] Mosse,GeorgeL.Fascismandthe intellectuals. In:Woolf, S. J.(org.).The nature of fascism. Londres:Weinfeld andNicolson, 1968, pp.20525.

    Modernismo literrio e autoritarismo poltico em Portugal no incio do sculo XX*

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    [2] EntreosqueconheceramPessoaeforamdosprimeirosaescreversobreele,incluemseJooGasparSimes,Vida e obra de Fernando Pessoa: histria de uma gerao,2vols.(Lisboa:Bertrand,s/d,especialmentevol.II,pp. 285 passim), e Adolfo CasaisMonteiro (citado por J. A. Neves,nestanota);nasgeraesseguintes,contamseJosAugustoSeabra,PoticaepolticadeFernandoPessoa,Persona, Porto,Centro deEstudosPessoanos,no1,1977,pp.1120,eJoelSerro(nestanota),paramencionarsalgunsdosmaisimportantescomentadoresdePessoa.Entreosautoressecundrios,comumaatitudededefenderPessoadeaquelesqueacusaramFernandoPessoade[ser]ultradireitista,fascistaeoutrascoisasqueopoetajamaisfoi,comoescreve,porexemplo,JooAlvesdasNeves.AsideiaspolticasdeFernandoPessoaemtrsvolumes,Persona,no8,1983,pp.513.TambmnosEstadosUnidos,algunsdosadmiradoresdePessoa,talcomooseutradutorEdwigHonig,acreditamqueinjustoecertamenteirnicochamarfascistaaPessoa[...]TodasascoisasescritascontraPessoa[...]impedemnodesetornarconhecidocomoescritorportugus,ementrevistaaGeorgeMonteiro(org.).The man who never was. Essays on Fernando Pessoa. Providence: GveaBrown,1982,p.161.Paraumpontodevistamaisprximodomeu,verMargarido,Alfredo.IntroduoaFernandoPessoa.In:Santo Antnio.So Joo. So Pedro. Lisboa:RegradoJogo,1986.

    fascismo a sua aura inicial e que atraram criadores e intelectuais. O fato de as tendncias culturais e polticas terem vindo a divergir, e de os regimes autoritrios e totalitrios da dcada de 1930 terem, de modo crescente, dado lugar ao tradicionalismo cultural, outro aspecto que confirma a semelhana de padres entre Portugal e o resto da Europa.

    Neste artigo, concentrar-me-ei principalmente na obra de Fer-nando Pessoa (1888-1935), Jos de Almada Negreiros (1893-1970), Mrio de S Carneiro (1890-1916) e os seus companheiros da gera-o modernista. Este trabalho, contudo, no um exerccio de crtica literria. No meu propsito tentar reavaliar a obra desses escritores, mas apenas analisar os aspectos polticos explcitos e frequentemente implcitos da sua atividade criadora. Antes de comentar os escritos da gerao do Orfeu, gostaria de mostrar brevemente a forte relao que existe, desde a dcada de 1880, entre a modernizao dos padres lite-rrios portugueses e a ascenso do nacionalismo, em particular no que respeita o movimento republicano. Tentarei, a seguir, resumir e anali-sar as conotaes polticas do movimento modernista que se seguiu proclamao da Repblica em 1910. Para concluir, abordarei a fisio-nomia cada vez mais tradicionalista do regime autoritrio portugus e o afastamento da maior parte dos criadores literrios de vanguarda.

    Resta-me acrescentar, finalmente, uma nota metodolgica. Estou consciente da natureza controversa desta investigao. No s grande nmero de crticos negou qualquer relao entre o modernismo e o fascismo em Portugal, como alguns deles argumentaram mesmo que qualquer tentativa para relacionar esse movimento literrio com o au-toritarismo poltico seria moralmente errada e, na verdade, prejudicial reputao de um notvel grupo de artistas2. No que me diz respeito, a pesquisa histrica no deve sujeitar-se a esse tipo de restries e apresso-me a acrescentar que, no caso de essa relao vir a ser estabele-cida, por remota que seja, no vejo de que modo isso poder prejudicar a reputao artstica ou at moral dos autores em questo.

    As oRigens do nAcionAlismo liteRRio

    Parece-me razovel afirmar que as tendncias culturais portuguesas, particularmente em literatura, sofreram uma mudana significativa nos finais da dcada de 1860 com o advento da chamada Gerao de 1870. Na medida em que a cultura possa ser relacionada com os problemas mais amplos da mudana social, lcito dizer que as tendncias literrias modernas seguiram de perto a institucionalizao do liberalismo polti-co e o comeo da modernizao social e econmica. Contudo, foi apenas na dcada seguinte, como reao aos problemas polticos e sociais levan-tados pelas deficincias de funcionamento do sistema liberal e pela pro-gresso da economia de mercado, que o movimento republicano surgiu,

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    [3] Quental,Anterode.Causasdadecadnciadospovospeninsularesnosltimostrssculos(1871).In:Prosas. Coimbra:ImprensadaUniversidade,1926,vol.2,pp.92140.

    [4] Ver,porexemplo,NunoJdice,noprefciosOdes modernas deAnterodeQuental.Lisboa:Ulmeiro,1983,pp.511,max.6.

    [5] CitadoporJooAlvesdasNeves(ed.)emMrio de S Carneiro.SoPaulo:Iris,s/d,p.205.Temsidobastante discutida a contribuiodeSCarneiroparaomodernismoeofuturismo.PamelaBacarisse,noseuexcelenteestudoA alma amortalhada: Mrio de S Carneiros use of metaphor and image (Londres:Thamesis,1984),tendeaminimizartalcontribuio,masJohnParker,emThe life and works of Mrio de S Carneiro(tesededoutoramentonopublicada,Cambridge,1959),manifestaapreopelasuavisocubista.SabemostambmqueSCarneiroeraatradopelateoriadarepblicaaristocrticadePessoa(verabaixo).

    [6] Maisdecemanosdepois,PortugalcontinuaacelebrarODiadePortugalODiadaRaa,comoeradesignadosobSalazareCaetanoa10dejunho,datapresumveldamortedeCamesem1580.Aexplicaodolugarsimblicodopoetaquinhentistanomodernonacionalismoportugusrequeririaoutrainvestigao.

    contribuindo para estabelecer, desde o incio, um forte elo entre a luta contra o regime monrquico e a ascenso do nacionalismo moderno.

    Do ponto de vista esttico, pode dizer-se que o modernismo lite-rrio portugus foi iniciado pelo poeta Cesrio Verde (1855-1886). O nascimento da poesia moderna portuguesa frequentemente data-do dos tempos de Antero de Quental (1842-1819), mentor terico da Gerao de 1870. No entanto, apesar do seu grande envolvimento em causas polticas e sociais e da sua contribuio crucial para a ideo-logia da decadncia como o principal ingrediente do nacionalismo moderno3, Antero permaneceu, do ponto de vista esttico, um neo-clssico e no conseguiu revolucionar a escrita potica do seu tem-po4. Como o prprio Pessoa disse, Cesrio ensinou-nos a ver, o que, neste contexto, significa que Cesrio Verde foi, de fato, o primeiro a trazer para a poesia portuguesa as preocupaes baudelairianas com o mundo moderno e as novas atitudes do artista perante a modernidade. Quando, em 1914, foi pedido a Mrio de S Carneiro para citar as obras principais da literatura moderna portuguesa, este respondeu de modo provocatrio: Frisantemente, o livro do futurista Cesrio Verde, on-dulante de certo, imenso de Europa, ziguezagueante de esforo5.

    Como era de prever, tambm Cesrio se associou ao protesto poltico e ao republicanismo, chegando a contribuir para as come-moraes republicanas de Cames, em 1880, com o famoso O sen-timento de um ocidental, no qual descreve as deambulaes do artista atravs da cidade moderna. verdade que o patriotismo de Cesrio apenas se revela brevemente em algumas aluses crticas ao papel dominante desempenhado pela Gr-Bretanha na histria e na poltica portuguesas. Vale a pena realar, porm, a sua associa-o com o republicanismo e as celebraes camonianas, pois estas foram, sem dvida, os eventos fundadores do moderno naciona-lismo poltico em Portugal. Concebidas pelo Partido republicano contra o Tratado de Loureno Marques imposto pela Gr-Bretanha, em 1877, no por acaso que as comemoraes misturaram expli-citamente literatura e poltica, elegendo como smbolo nacional o poeta do sculo xvi clebre pelo relato pico dos feitos histricos portugueses, Lus de Cames6.

    No entanto, datar o nacionalismo literrio portugus da dcada de 1880 corresponde, sobretudo, a sublinhar o duradouro impac-to esttico das inovaes estilsticas e temticas de Cesrio, bem como a sua influncia sobre os modernistas dos anos 1910 do sculo xx. Dito isto, s na dcada de 1890 que o nacionalismo literrio amadureceu. Cesrio Verde j havia morrido quando se deu a maior crise do liberalismo portugus, abrindo caminho a uma nova fase histrica, tanto em literatura como em poltica. Em janeiro de 1890, o ultimato britnico conferiu mais fora ao nacionalismo poltico

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    [7] VeromeuPortugal na alvorada do sculo XX. Foras sociais, poder poltico e crescimento econmico. Lisboa:RegradoJogo,1979.

    [8] VerSampaio(Bruno),JosPereira.O Encoberto.Porto:Lello,1904.Jem1914PessoaescreviaaBrunosobreosebastianismo:cf.Serro,Joel.Sampaio Bruno. Sua vida e obra.Lisboa:Inqurito,1957,pp.1368.

    num s dia do que a propaganda republicana e os idelogos auto-ritrios na veia de Oliveira Martins (1845-1894) lhe tinham dado na dcada anterior. Atingindo no corao a identidade portuguesa como nao atrasada e pequena, incapaz de corresponder imagi-nada grandeza do seu imprio histrico, o ultimato provocou uma reao patritica que encontrou a sua melhor expresso literria em vrios livros do mais popular dos poetas republicanos, Guerra Jun-queiro (1850-1923).

    O ultimato seria, porm, seguido por mais problemas sociais, econmicos e polticos. Na viragem de 1892, a sociedade portugue-sa j se tinha afastado abruptamente do liberalismo comparativa-mente pacfico das quatro dcadas anteriores e passara a um estado de crise semipermanente, que viria a resultar primeiro na Repblica, depois no golpe de Estado de 1926 e, finalmente, na dcada de 1930, na institucionalizao do autoritarismo sob Salazar. Por outras pa-lavras, 1890 marca o incio do crepsculo do Estado liberal em Portugal, para usar a expresso de Mosca7. A monarquia foi seria-mente posta em causa pela primeira vez em 31 de janeiro de 1891 e, entre os chefes do abortado golpe republicano do Porto, no se pode deixar de notar a presena de dois dos mais influentes idelogos na-cionalistas do perodo seguinte, a quem Junqueiro dedicou o drama em verso Ptria (1896): Baslio Teles (1856-1923), sem dvida o pro-ponente mais articulado do autoritarismo nos princpios do sculo xx; e Sampaio Bruno (1856-1915), cujo positivismo adquiriu, com o decorrer do tempo, tons de profecia esotrica prxima do sebastia-nismo do prprio Fernando Pessoa em memria do PresidenteRei Sidnio Pais (1920) e Mensagem (1934)8.

    nesse contexto que se tm de compreender, igualmente, os re-petidos elogios de Fernando Pessoa poesia nacionalista de Jun-queiro, independentemente do baixo valor esttico hoje atribudo a esses poemas. Contudo, o nacionalismo literrio transformado agora num movimento autoconsciente no adquiriu qualquer dimenso pica nem heroica durante a ltima dcada do sculo xix. Em contraste com Ptria, de Junqueiro, o nacionalismo literrio re-presentou, antes, um afastamento da cena poltica e social, tornan-do-se uma espcie de refgio do subjetivismo e, na realidade, de certo tradicionalismo. Apesar dos seus esforos para escrever um poema patritico, significativamente intitulado O Desejado publica-do postumamente em Despedidas (1902), com um prefcio de Sam-paio Bruno , o melhor representante do nacionalismo literrio, Antnio Nobre (1867-1900), embora estreitamente ligado s novas tendncias da poesia francesa, continua tambm a ser o exemplo mais bvio da inerente contradio entre tradio e modernidade que atravessa o nacionalismo.

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    [9] VerBradbury,Malcolm eMacfarlane,James(orgs.).Modernism: 18901930.Harmondsworth: Penguin,1976,p.49.

    [10]Gellner,Ernst.Nations and nationalism. Ithaca,ny:CornellUniversityPress,1983,pp.7980:OnacionalismotemasduasfasesdeJano[...]umaadaptadaaopluralismoreligiosoesocialdascomunidadesruraisepopulares[...]eaoutradirigidaaosliteratos fastidiosos,escolsticoseindividualistasdascidades.

    [11] Pessoa,Fernando.ParaamemriadeAntnioNobre.In:Obras em prosa.Org.deCleoniceBerardinelli.RiodeJaneiro:Aguilar,1982,pp.3445.

    [12] Ibidem.

    [13] GuerraJunqueiro.Obras.Ed.deAmorimdeCarvalho.Porto:Lello,1972,pp.62747.

    Assim, pode dizer-se que, a partir de 1890, a marca da dupla face de Jano prpria do modernismo literrio9 j era tambm visvel em Portugal. Parece-me lcito afirmar que essa ambgua qualidade provm diretamente, neste caso, da natureza do prprio sentimento nacionalista, como Gellner observou10. De qualquer modo, impor-tante lembrar como Pessoa tambm estava estranhamente ciente dessa qualidade jnica:

    Quando a hora do Ultimatum abriu em Portugal, para no mais se fecharem, as portas do templo de Jano, o deus bifronte revelouse na literatura nas duas maneiras correspondentes dupla direco do seu olhar. Junqueiro o de Finis Patriae e o de Ptria foi a face que olha o Futuro, e se exalta. Antnio Nobre foi a face que olha o Passado, e se entristece11.

    A relao dos modernistas com Antnio Nobre foi sempre mui-to forte, em particular no caso de S Carneiro, que amava as suas ternuras de pagem, saudades de luar, febres esguias. Mas tambm Pessoa reconheceu que:

    Quando ele nasceu, nascemos todos ns. A tristeza que cada um trs consigo [] ele ainda, e a vida dele [] , afinal, a smula da vida que vivemos [] sem outra consolao do que essa, infantil, de sabermos que inutilmente que choramos12.

    A exemplo de Antnio Nobre, como adiante mostrarei, tambm Pes-soa se virou cada vez mais para o passado, apesar dos seus esforos para descrever o esotrico futuro do Quinto Imprio. Quando escreveu so-bre Nobre, em princpios da dcada de 1910, no incio da sua espetacular interveno na cena cultural portuguesa, Pessoa estava ideologicamen-te seno esteticamente muito mais prximo da retrica heroica e futurante de Junqueiro do que do lirismo triste e nostlgico do autor de S (1892). De fato, nas suas Anotaes Ptria, Junqueiro d-nos mais do que uma indicao para explicar a forte nfase colocada por Pessoa na relao entre, por um lado, o seu conceito de nova poesia portuguesa e, por outro, o nacionalismo republicano.

    Os mal disfarados elementos messinicos e algo autoritrios da noo de reforma poltica concebida por Junqueiro culminam num conceito de repblica que antecipa, claramente, a prpria viso de Pes-soa. Para Guerra Junqueiro,

    o republicanismo no [] uma frmula de Direito Pblico; a frmula extrema da salvao pblica [] Republicano e Patriota tornaramse si-nnimos [] Nesta agudssima crise nacional, a Repblica mais do que uma simples forma de governo. o ltimo esforo, a ltima energia que uma Nao moribunda ope Morte13.

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    [14]Pessoa,Fernando.A nova poesia portuguesa,publicadapelaprimeiravezem1912emnmerossucessivosdaguia (Porto:RenascenaPortuguesa)ereeditadamuitasvezesdesdeento;cf.Obras em prosa,op.cit.,pp.36197.

    [15] Ibidem.

    [16]Ibidem.

    Assim, do mesmo modo que Junqueiro e, em larga medida, que a Renascena Portuguesa, a revista saudosista criada por Teixeira de Pascoais (1877-1952) pouco tempo depois da proclamao da Re-pblica, Pessoa associou-se igualmente de forma explcita ao movi-mento republicano, ao mesmo tempo que estabelecia uma relao forte, embora obscura, entre esse movimento e as novas tendncias da literatura portuguesa:

    Tendo o movimento literrio portugus nascido com e acompanhado o movimento republicano, dentro do republicanismo, e pelo republicanismo, que est, e ser, o glorioso futuro deduzido. So duas fases do mesmo fenmeno criador14.

    Tambm para Pessoa, ser monrquico em Portugal, hoje, atraioar a alma nacional e o futuro da Ptria. Contudo, acompanhando Junquei-ro e, em particular, a rejeio total de um terico radical do republica-nismo como Baslio Teles (1856-1923) relativamente ao liberalismo en-quanto sistema poltico inadequado para sustentar o estatuto histrico de Portugal, Pessoa logo se separa de qualquer tentativa, por parte do republicanismo, para prolongar a poltica do constitucionalismo:

    O republicanismo que far a glria da nossa terra e por quem novos elementos civilizacionais sero criados, no o actual, desnacionalizado, idiota e corrupto do tripartido republicano15. evidente, por conseguinte, que, a partir do primeiro apelo a uma

    nova poesia portuguesa feito em 1912, Pessoa no s estabeleceu uma profunda conexo entre a literatura e a poltica sob um conceito mes-sinico do republicanismo, como exprimiu tambm vigorosamente o seu nacionalismo e o seu desprezo pela poltica demo-liberal:

    bom fixar isto tambm: que se ser monrquico ser traidor alma nacional, ser correligionrio do Sr. Afonso Costa, do Sr. Brito Camacho ou do Sr. Antnio Jos de Almeida, assim como da vria horrorosa subgente sindicalista, socialstica e outras coisas, representa paralela e equivalente traio16 .

    Finalmente, esta dupla rejeio do liberalismo e do socialismo acompanhada de um veemente apelo ao modernismo em literatura, bem como em poltica, enquanto verdadeiro valor civilizacional. Como Pessoa escreveu posteriormente sobre a Repblica:

    o esprito de tudo isso absolutamente o contrrio da nova corrente literria. Tudo ali importado [] sem elevao nem grandeza [] para nada de morte lhes faltar, nem antitradicionalistas so. [Mas tudo isso, assim

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    [17] Seabra,JosAugusto.DaRenascenaPortuguesaaoOrpheu.Persona,no2, 1978,pp.5360;vertambmomeutrabalhoOgrupodaSeara Novaeasambiguidadesdoelitismoliberalportugus.Portuguese Studies,vol.4,1988.

    [18]SobreasrelaesentreCamiloPessanhaeaGeraoModernista,veraedioespecialdePersona,no10,Porto,jul.1984.

    como] as formas extremas de democracia, [] anarquia e socialismo; a nossa subhumanidade poltica e a nossa proletariagem humanitariante; tudo isso, que afinal estrangeiro, morrer de per si, ou boca dos canhes do nosso Cromwell futuro. E a nossa grande Raa partir em busca de uma ndia nova.

    No comeo da dcada de 1910, tal atitude esttica e poltica no pode deixar de ser associada ao movimento que se vinha propagando, em quase toda a Europa, no sentido de uma sada diferente para as clivagens tradicionais prprias do quadro demo-liberal. Embora seja sempre difcil falar de pr-fascismo, em particular no caso de um criador, cujas principais preocupaes eram evidentemente estticas, no me parece errado dizer que existiam desde 1912, na atitude po-ltica de Fernando Pessoa, numerosos ingredientes que relacionam a sua filosofia poltica com as principais correntes do nacionalismo autoritrio moderno. Efetivamente, essa mistura especfica de mo-dernismo e nacionalismo que o separa, simultaneamente, do brando autoritarismo de muitos escritores republicanos da poca, como al-guns dos membros da Seara Nova, e do crescente tradicionalismo dos autores monrquicos, nomeadamente os Integralistas Lusitanos.

    A Revoluo modeRnistA

    Poucas dvidas haver de que o principal impulso de Pessoa em di-reo ao modernismo literrio e sua associao com a jovem gerao futurista deriva das suas preocupaes estticas e no de qualquer mili-tncia poltica consistente. Por outras palavras, embora haja provas con-vincentes da sua insatisfao com a falta de propostas polticas trans-formadoras no seio do grupo da Renascena Portuguesa, parece claro que a ruptura com esse movimento s veio confirmar o seu profundo desacordo esttico com o saudosismo de Pascoais, e com a vagueza e a sentimentalidade neorromnticas da maior parte dos poetas da Re-nascena. No entanto, como reconhece o poeta e crtico Jos Augusto Seabra, os complexos motivos que levaram Pessoa a afastar-se do grupo de Pascoais no eram muito diferentes daqueles que levaram Antnio Srgio (1883-1969) e Ral Proena (1884-1942), futuros fundadores do grupo da Seara Nova, a fazer a mesma coisa, a fim de formularem propos-tas prprias para superar a crise do liberalismo portugus. Tais motivos no podem, por conseguinte, ser inteiramente isolados das atitudes po-lticas mais vastas perante o regime liberal17.

    Em qualquer caso, foi essencialmente sob a influncia da sua edu-cao inglesa e da leitura dos simbolistas franceses, bem como da des-coberta recente da poesia quase desconhecida de Camilo Pessanha (1869-1926)18, que Pessoa redigiu o poema-manifesto Pais em

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    [19]CartadeSCarneiroaFernandoPessoa,12dedezembrode1914,citadaporNeves,op.cit.,p.250.

    1913, como reao contra o saudosismo. Previsivelmente, o poema foi recusado pela guia a revista da Renascena Portuguesa e o episdio ps termo colaborao de Pessoa com o movimento. Do mesmo passo, Pais representou importante ruptura com as ten-dncias predominantes da poesia portuguesa. No s o poema se fez eco das expresses mais sofisticadas da arte e da literatura europeias da poca, como contribuiu imediatamente para cristalizar, em torno de Fernando Pessoa, o grupo de jovens artistas que viria a publicar Orfeu dois anos mais tarde. Apesar do bvio carter esteticamente re-volucionrio de Pais, no fcil relacion-lo, remotamente que seja, com qualquer ideologia poltica. Tal ligao entre revolucionarismo esttico e revolucionarismo poltico s se tornar mais clara com o advento do futurismo portugus em 1917.

    Na realidade, o palismo ainda se encontrava a meio caminho entre o modernismo tradicional, com o seu subjetivismo decadente, e o novo modernismo com a sua complexidade e objetividade, segundo o futuro programa de Pessoa. S os poetas menores do grupo conti-nuaram a escrever durante algum tempo na veia palica. Em finais de 1914, Mrio de S Carneiro, que estivera afastado em Paris, ficou sur-preendido ao saber que o seu jovem amigo Antnio Ferro (1895-1956), o futuro administrador de Orfeu, andava a espalhar a notcia de que o palismo fora ultrapassado por outro ismo criado por Pessoa19. E de fato, em maro do mesmo ano, Pessoa escrevera Chuva oblqua, um longo manifesto potico do interseccionismo, que surgiu como uma espcie de equivalente literrio do cubismo e representava uma fase mais adiantada da procura pessoana daquilo a que chamava a in-telectualizao das emoes. Embora o interseccionismo dificil-mente possa ser descrito como politizado, S Carneiro sobretudo em Manicure e Apoteose, os dois nicos poemas futuristas que escreveu, antes de se suicidar em Paris, em abril de 1916 e Almada Negreiros conferiram-lhe um tom poltico, medida que a poltica es-ttica e a poltica toutcourt se tornaram partes integrantes da matria de que era feita a literatura modernista.

    Contudo, no mesmo dia em que escreveu Chuva oblqua, a 8 de maro de 1914, Pessoa ter criado tambm o seu primeiro heter-nimo, Alberto Caeiro, o anti-Pascoais, cujo materialismo metafsico ou paganismo transcendental, como ele lhe chamava contm mais de um ponto de conexo com os aforismos do Tratactus de Wittgenstein. Embora tambm no se possa falar de poesia polti-ca a propsito dO guardador de rebanhos, tambm Caeiro alude, por vezes, explicitamente, ao cotidiano poltico, ao mesmo tempo que torna explcita a sua posio anti-humanitria e antissocialista. assim que alude, por exemplo, de modo realista, mas desdenhoso, a esse homem das cidades que:

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    [20]Manuscrito de 1916 (?) sobreOssensacionistasportugueses.In:Obras em prosa,op.cit.,p.454.

    Falava da justia e da luta para haver justiaE dos operrios que sofrem,E do trabalho constante, e dos que tm fome,E dos ricos, que s tm costas para isso

    Mais importante, porventura, o fato de o segundo heternimo surgir igualmente em maro e exato que Caeiro diz sentir, no fi-nal dO guardador de rebanhos (poema xlvi), a emergncia de outra personalidade:

    Procuro despirme do que aprendi,Procuro esquecerme do modo de lembrar que me ensinaram,E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,Desencaixotar as minhas emoes verdadeiras,Desembrulharme e ser eu, no Alberto Caeiro,Mas um animal humano que a natureza produziu.

    Ainda assim, sou algum,Sou o Descobridor da Natureza,Sou o Argonauta das sensaes verdadeiras.Trago ao Universo um novo UniversoPorque trago ao Universo ele prprio

    A descoberta de sensaes verdadeiras comea realmente com Opirio, seguido pouco depois pela dramtica Ode triunfal. Esses poemas fazem figura de manifesto do sensacionismo e, na verdade, de precursores do futurismo portugus, o qual se materializou no decor-rer dos trs anos seguintes sob a assinatura de um fictcio engenheiro naval formado em Glasgow, lvaro de Campos, o homem que desde o incio declarou pertencer a um gnero de portugueses que depois de estar a ndia descoberta ficaram sem trabalho. Pertena e cosmopoli-tismo surgiram no modernismo portugus, simultaneamente, como um dom natural proveniente do contexto universalista da aventura martima nacional assim o afirmou Pessoa sob o disfarce de lva-ro de Campos. Da o sensacionismo reivindicar ser mais inovador e profundo do que todos os ismos da poca, incluindo o futurismo. Como sabido, Pessoa escreveu sem cessar acerca disso e sentimos a sua amargura patritica quando diz, no sem uma ponta de verdade:

    O cubismo, o futurismo e outros ismos menores tornaramse bem conhecidos e muito falados, porque se originaram nos admitidos centros da cultura europeia. O sensacionismo, que um movimento bem mais importante, bem mais original e bem mais atraente do que aqueles, permanece desconhecido porque nasceu longe daqueles centros20.

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    [21]Griffith,Jonathan.IntroduoaFernandoPessoa.In:Selected poems. Harmondsworth:Penguin,1974,pp.923.

    [22]BradburyeMacfarlane,op.cit.,p.52.Defacto,nohumanicarefernciaaPessoanemaosseuscompanheirosnas700etalpginasdestaexcelentecoleodeensaiossobreoModernismo.Seolivrotivessesidopublicadodezanosmais tarde, talomissonoseteriaprovavelmenteverificado.OModernismoportugusjfoiobjetodeateno,porexemplo,naobradeFolojewski,Zbigniew.Futurism and its place in the development of Modern Poetry. A comparative study and anthology. Ottawa:UniversityPress,1980.

    [23]VeroprefcioqueescreviparaareediodeEh Real! (13demaiode1915),nmeronicodojornalondeFernando Pessoa publicou o seuconhecidoPreconceitodaordem(Lisboa:Contexto,1983).VertambmdeFernandoPessoa,Cartaaumheriestpido.In:Da repblica.Ed.JoelSerro.Lisboa:tica,1979,pp.1959.

    Finalmente, alguns meses depois da inveno de Caeiro e Cam-pos, apareceu o terceiro grande heternimo, Ricardo Reis, igualmente membro da famlia sensacionista. Mas, nas suas odes pseudo-hora-cianas, as sensaes foram subjugadas ou, no dizer do prprio Pessoa, o sensacionismo foi logicamente tornado neoclssico pelo Dr. Ricar-do Reis. Assim, antes mesmo de rebentar a Primeira Guerra Mundial, a interveno de Pessoa, que contava ento 26 anos, j havia criado o padro virtualmente nico da sua contribuio literatura moder-na. Para citar um dos seus tradutores ingleses, Fernando Pessoa o exemplo mximo do tipo de poeta essencialmente moderno: o intro-vertido objectivo21. Ou, para cunhar um conceito familiar termino-logia esttica de Pessoa, a subjetividade objetivada. De fato, como dizem Bradbury e Macfarlane,

    se um dos aspectos mais notveis do perodo entre 1890 e 1930 essa extraordinria galxia de talentos, e se poucas fases histricas contm uma tal opulncia de escritores importantes [] cuja complexidade de investigao esttica, cujo sentido generativo do estilo e cuja temerria inteligncia de base oferecem tantos trabalhos dignos de serem considerados em pormenor22,

    ento adequado dizer que Fernando Pessoa era, ele mesmo, toda uma galxia de complexa pesquisa esttica, de sentido generativo do estilo e de inteligncia temerria, seno virtualmente autodestruidora.

    Um ano aps o nascimento dessa galxia de heternimos, Portu-gal passava por uma segunda experincia autoritria. Em 1907, o an-tigo poltico monarquista Joo Franco (1855-1929) j tentara, sem xito, montar uma soluo ditatorial para os problemas de longo prazo do liberalismo oligrquico e clientelar. Em 1915, a breve dita-dura do general Pimenta de Castro (1846-1918) constituiu nova ten-tativa inconstitucional, a primeira sob a Repblica, a fim de conter as novas presses impostas ao regime liberal pela crescente agitao urbana e pela guerra. Pimenta de Castro acabou por ser derrotado em 14 de maio de 1915, ao cabo de uma sangrenta revoluo chefiada pelo Partido Democrtico, episdio que encontrou vrios ecos na literatura modernista.

    Embora, inicialmente, Pessoa parea ter-se oposto ditadura, mostrou-se mais tarde favorvel a Pimenta de Castro e no deixou de relacionar o autoritarismo mitigado deste ltimo com a srie de tentativas ditatoriais que acabaram por levar queda do regime re-publicano e implantao do nacionalismo autoritrio na segunda metade da dcada de 192023. Mais importante, contudo, o fato de ter sido sob o regime de Pimenta de Castro que vrias faces da extrema direita tiveram, pela primeira vez, repercusso notria nas elites por-tuguesas. A mais influente dessas faces foi, sem sombra de dvida,

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    [24]Ferro,A.A idade do jazzband(1923).In:Antnio Ferro.Ed.AntnioQuadros.Lisboa:SecretariadoNacionaldaInformao,1963,p.15.

    o Integralismo Lusitano, diretamente inspirado pela Action Franaise e inspirador, por seu turno, do Integralismo brasileiro, cuja ideologia recuava tradio nacionalista poltica e literria portuguesa. Apesar de o tradicionalismo cultural e esttico dos integralistas impedir que os modernistas se associassem a eles, Pessoa, como muitos outros, serviu-se repetidas vezes dos seus temas polticos.

    Outro canal de expresso do nacionalismo autoritrio moderno, criado igualmente em princpios de 1915, foi a revista quinzenal Ideia Nacional, publicada por Francisco Homem Cristo Filho (1892-1928), filho de outro Homem Cristo (1860-1943), antigo militante republi-cano que se juntara s fileiras do autoritarismo monrquico, decla-rando-se desiludido com a Repblica. A Ideia Nacional inspirava-se no nacionalismo italiano e publicava com orgulho artigos dos lderes do nacionalismo italiano, como Corradini e Federzoni, que depois da guerra se juntariam ao Partido Fascista de Mussolini. Almada Negrei-ros tambm colaborava regularmente na revista, chegando a desenhar vrias das suas capas.

    Literato cosmopolita e extravagante, o jovem Homem Cristo des-frutava de alguma credibilidade entre a extrema-direita parisiense e manteve-se sempre defensor da juventude como categoria poltica. S Carneiro e outros membros do movimento modernista, como o pintor Guilherme de Santa-Rita (1889-1918) e o dr. Raul Leal (1886-1964), costumavam encontrar-se antes da guerra com Homem Cristo em Paris, onde este publicou um entusistico Mussolini Btisseur dEmpire (1923). Durante a ditadura militar implantada em 1926 em Portugal, Homem Cristo no pactuou com a alegada moderao ideolgica dos militares e foi expulso do pas, vindo a morrer aos 36 anos de manei-ra algo futurstica num acidente de viao, perto de Roma, quando ia encontrar-se com Mussolini.

    Finalmente, foi ainda sob o regime de Pimenta de Castro que Pes-soa e os seus amigos lanaram Orpheu, em maro de 1915, provocando um escndalo imediato e duradouro. Com a publicao dos dois n-meros da revista, o modernismo portugus adquiriu, pois, os traos de uma guerrilha esttica que veio a ajudar na fragmentao da legi-timidade cultural da Repblica. A exemplo do futurismo italiano e de vrios outros movimentos europeus de vanguarda, Orpheu representa tambm um novo tipo de politizao da arte e da literatura. No s os artistas e escritores se organizavam em faces, publicando mani-festos atrs de manifestos, como a revoluo esttica se apresentava como uma metfora, seno mesmo como um modelo, da necessidade de revolucionar toda a ordem social e at a prpria vida. A arte moder-na revolucionou a Vida, gostava Antnio Ferro de dizer em princpios da dcada de 1920, repetindo o que haviam proclamado antes dele outros modernistas mais notveis24. De fato, o artista moderno no se

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    [25]Bem conhecido como artistaplstico,os trabalhos literriosdeAlmadaNegreiroserampraticamentedesconhecidosataoprincpiodadcadade1970.Oscontosescritosentre1915e1920foramreunidosemObras completas. Lisboa: Estampa,1970,v.2:Contosenovelas.

    [26]In: Obras completas. Lisboa:Estampa,1972,v.6:Textosdeinterveno;quecontm,comovolume5,deensaios,(Lisboa:Estampa,1971),amaiorpartedosseuspronunciamentosestticosepolticosdesde1915at1962.

    [27]In:Obras completas.Lisboa:Estampa,1971,v.4:Poesia;incluindotambmofuturistaMimaFataxae Litoral, ambosde 1916, eumareediodeA inveno do dia claro,publicadapelapequenacasaeditoraOlisipoem1921.

    via como um intelectual engag, apoiando qualquer ideologia poltica estabelecida, como muitos intelectuais tinham feito no passado e fa-riam no futuro. Via-se, sim, empenhado em impor poltica uma viso esttica do mundo. Como Pessoa o disse cristalinamente, a poltica uma forma subordinada da esttica.

    A polticA do modeRnismo e do futuRismo

    A politizao da esttica e a estetizao da poltica atingiram o auge dois anos mais tarde com a publicao, em 1917, do nico nmero da revista Portugal Futurista, que continha o provocatrio Ultimatum de lvaro de Campos e foi rapidamente apreendido pela polcia do pre-sidente do conselho Afonso Costa (1871-1937). Porm a fora motora por trs do futurismo portugus foi Almada Negreiros. Cinco anos mais novo do que Pessoa, desenhista e futuro pintor, familiarizado com Paris e as suas tendncias, Almada teve papel decisivo na juno do grupo inicial de Orpheu, ainda de certo modo decadentista, com a nova gerao de pintores portugueses. Sob a influncia de Santa-Rita Pintor, nome de combate do autoproclamado agitador futurista, Al-mada foi o mais importante membro do grupo na luta de guerrilha contra as instituies literrias da poca e contra a sociedade portu-guesa em geral.

    Ao contrrio de tudo o que seria de prever, a publicao de Orpheu constituiu um xito inesperado por causa das reaes escandalizadas que provocou da parte dos poderes estabelecidos. O contra-ataque de Almada foi fulminante. Ao mesmo tempo que trabalhava na sua singular contribuio para a prosa modernista, nomeadamente a sua longa e brilhante novela urbana, A engomadeira, publicada em janeiro de 1915, onde interseccionei evidentes aspectos da desorganizao e descarcter lisboeta25, Almada tornou-se, com pouco mais de 20 anos, o empresrio do espetculo modernista e especializou-se em escrever os seus manifestos mais provocatrios.

    Primeiro, publicou o Manifesto anti-Dantas, onde atacou vi-gorosamente no s o poeta e dramaturgo acadmico Jlio Dantas (1876-1962), mas todos esses cavalheiros que deram a Portugal a re-putao do pas mais atrasado da Europa26. E logo a seguir, na mesma data em que os partidrios do autoritarismo e os liberais se enfrenta-vam sangrentamente pela primeira vez no Portugal republicano, 14 de maio de 1915, Almada escreveu o poema mais feroz desses dias ferozes, A cena do dio, que figura como uma longa e sarcstica denncia de todos os defeitos da sociedade portuguesa, em especial da classe m-dia e, claro est, da elite poltica27.

    Ao longo dos dois anos seguintes, foi ele tambm quem apresen-tou o pintor Amadeu de Sousa Cardoso (1887-1918) ao pblico lis-

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    [28]In:Obras completas,v.6,op.cit.,pp.2939.

    [29]JosPacheco,ouPachkocomoelegostavadeescrever,foioutrodosempresriosdomovimento.EracodiretorcomPessoadaContempornea(19221926).Masnumacartade4deagostode1923aCortesRodrigues,Pessoaqueixase:Tantasaudadecadavezmaistanta!DaquelestemposantigosdoOrpheu,dopalismo,dasinterseces,edetudoomaisquepassou!...VoctemvistoaContempornea?decertomodoasucessoradeOrpheu.Masquediferena!(Obras em prosa,op.cit.,p.415).

    [30]ParaAlmadaNegreiros,verSerra,Filomena.O retrato na encruzilhada da pintura portuguesa, 19111949.Tesededoutorado,fcshunl,2013,emespecialparaesteperodo,pp.3726.Almadairfinalmenteconquistaroseulugarcomooartistaplsticonacionalmaisimportantenosanos30e40dosculoxx,nomeadamentecomospainisdeazulejodasGaresMartimasdeAlcntara(Serra,op.cit.,pp.55060).Emcontrapartida,snosanos1930publicouonicoromancemodernistaportugus,Nome de guerra(Lisboa:Europa,1938),escritoem1925antesdaestadaemMadri.

    boeta como a primeira descoberta portuguesa da Europa do sculo xx (dezembro de 1916); e, finalmente, provocou uma enorme vaga de protestos com a sua primeira conferncia futurista, onde leu o Ultimatum futurista s geraes portuguesas do sculo xx, cuja brilhante ironia no exclua algumas conotaes polticas evidentes:

    Ns vivemos numa Ptria onde a tentativa democrtica se compromete quotidianamente. A misso da Repblica portuguesa j estava cumprida antes de 5 de Outubro: mostrar a decadncia da raa [] preciso explicar nossa gente o que a democracia para que no torne a cair em tentao. preciso violentar todo o sentimento de igualdade que sob o aspecto da justia social tem paralisado tantas vontades e tantos gnios [] preciso ter conscincia exacta da Actualidade28

    certo que o movimento esttico revolucionrio foi muito breve, como de resto a maior parte das experincias de vanguarda tende a s-lo. Perdeu muito com o suicdio de S Carneiro e a morte prema-tura de Santa-Rita por tuberculose, bem como a do melhor pintor do modernismo portugus, Sousa Cardoso, devido epidemia de 1918. Embora Pessoa e Almada nunca se tenham afastado um do outro, a verdade que parecem ter-se empenhado cada vez mais nas prprias obras, deixando a luta de guerrilha para figuras de menor envergadura, como o editor artstico da Ideia Nacional, Jos Pacheco (1885-1934)29, ou Antnio Ferro, que viria a estabelecer contatos com o modernis-mo brasileiro, publicando o seu tardio manifesto futurista Ns, em 1922, na revista Klaxon. Almada ainda publica um belo poema em pro-sa pr-surrealista, A inveno do dia claro (1921), editado por Pessoa na sua Olisipo, mas tem de partir para Espanha em 1927 por razes profissionais e a permaneceu at 1932. Desenvolveu ento intensa atividade artstica, ao mesmo tempo que se envolvia na vida cultural local, dinamizando as relaes intelectuais entre os grupos modernis-tas luso-espanhis30.

    Entretanto, os frutos ideolgicos do movimento modernista por-tugus tornaram-se evidentes aps o assassinato de Sidnio Pais em dezembro de 1918 e durante o perodo de intenso conflito poltico entre autoritarismo e liberalismo que se lhe seguiu. bem conhecido o compromisso de Pessoa com o sidonismo e no preciso lembrar que ele o autor de O Interregno: Defesa e justificao da ditadura militar em Portugal, publicado em 1928, j sob o regime ditatorial. Voltaremos a isso daqui a pouco. Em 1927, Antnio Ferro publicou a sua influente Viagem roda das ditaduras um inqurito internacional aos novos regimes autoritrios que se propagavam pela Europa e no qual Ferro elogiava particularmente Mussolini. Mais tarde, foi ele o entrevistador de Salazar, acabando por ser secretrio da Propaganda Nacional

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    [31] Viviani,Alberto.Giubbe Rosse. Il caff fiorentino dei futuristi negli anni incendiari, 19131915 (1933).3ed.Firenze:Valecchi,1983.

    [32]Simes,op.cit.,pp.2023.EmboraSimesresistaideiadeassociarPessoacomonacionalismodecarcterfascista(p.285),reconhece,creioquecorretamente,acontribuiodePessoaparaumamentalidadequespodeserdescrita,noprincpiodosanos1920,comonacionalistadecarcterfascista.

    a partir do fim da guerra, secretrio do Turismo e Informao de 1933 a 1949. Finalmente, outra figura a mencionar neste contexto Antnio de Crtima (1895-1983), que se apresentava a si prprio como membro da juventude literria e poltica, e reconhecia a sua dvi-da intelectual para com o movimento modernista. Crtima foi o autor de um perturbante e popular relato do colapso militar portugus em frica durante a Primeira Guerra Mundial (Epopeia maldita, 1924). A partir dessa experincia pessoal de patriotismo ulcerado, tornou-se na dcada de 1920 um dos proponentes mais articulados do autorita-rismo em Portugal (O ditador, 1927).

    Por outras palavras, seria errado avaliar o impacto dos anni incendiari do modernismo portugus, para usar a expresso do futurista italia-no Viviani31, tomando apenas em considerao o seu curto espao de vida. Do ponto de vista intelectual, os modernistas e futuristas no s contriburam de forma muito significativa para minar a j abalada legitimidade cultural do regime republicano, como tornaram tambm v a reivindicao dos liberais portugueses de conduzirem a nao regenerao e modernizao, muito em particular aos olhos da ju-ventude intelectual. Por assim dizer, a partir de 1917, o fogo ateado pe-los modernistas no parou de arder.

    Estou, pois, plenamente de acordo com Joo Gaspar Simes, quan-do esse descarta as tentativas de Pessoa, nos princpios dos anos 1920, para se separar das manifestaes reacionrias dos estudantes univer-sitrios portugueses, alegando que tais acontecimentos resultariam, mais uma vez, do liberalismo e do catolicismo tradicional. Toda a mi-nha argumentao vai, portanto, no sentido daquilo que Simes j escrevia na sua clebre biografia do poeta:

    Os tempos tinham mudado [] no sentido preconizado pelo mesmo lvaro de Campos [] Com efeito, o autor do Ultimatum [] bem como o autor de certos artigos no jornal Aco [] haviam infludo mais na formao da mentalidade que principiava a revelarse do que a Monarquia dos Braganas e a Repblica Portuguesa32.

    Os tempos tinham realmente mudado e, entre os escritores daque-les anos agitados, Pessoa talvez tenha contribudo mais do que qual-quer outro para a mudana no sentido da hegemonia das ideologias e padres de comportamento poltico autoritrios. certo que as ideias polticas de Pessoa estavam longe de ser simples e lineares, mas seria errado pensar que ele se absteve de toda e qualquer ao poltica direta. Embora esporadicamente, o fato que no desdenhou empenhar-se a fundo e apraz-me revelar, creio que pela primeira vez, uma dessas ocasies. Estamos h muito tempo a par dos dois ensaios publicados na revista Aco de maio a agosto de 1919: Como organizar Portugal

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    [33] Cabral,M.V.AGrandeGuerra eo sidonismoesboo interpretativo.Anlise Social,xv, 1979,pp.37392.

    [34]Eraumhomem,aceitemnodecorpoealma/Novoltareiaveroutrocomoele.

    [35]Aco,no3,ago.1919.

    e Opinio Pblica. Porm a maior parte de ns no sabia do alto grau de esforo pessoal que Pessoa dedicou publicao e distribuio do Orgo do Ncleo de Aco Nacional.

    O jornal Aco era dirigido por Geraldo Coelho de Jesus, amigo ntimo de Pessoa acerca de quem, infelizmente, sabemos muito pouco; nem sequer as datas de nascimento e morte. Engenheiro de minas e autor de um surpreendente plano de grande viso para a industria-lizao do pas publicado em 1919, Coelho de Jesus foi certamente, embora por pouco tempo, um dos mais coerentes apoiantes da mo-dernizao econmica e social do pas sob a direo de um governo forte33. Como tantos outros membros da intelligentsia, tambm ele fora apoiante do regime de Sidnio Pais (1872-1918) e, pouco tempo de-pois do assassinato do carismtico ditador, lanou aquela modesta publicao, sem outra ajuda alm de Pessoa, a fim de divulgar uma ideologia elitista da competncia tcnica bastante parecida com a de Pela Grei, publicada por Antnio Srgio no ano anterior. Como Srgio e a Seara Nova, tambm Coelho de Jesus declarava no ser contra os partidos polticos, mas s contra os resultados da poltica dos par-tidos. Contudo, a posio apoltica e construtiva dos dois primeiros nmeros de Aco foi pouco mais do que um disfarce. O terceiro n-mero acabou por publicar uma enorme fotografia de Sidnio na capa, com uma citao do Hamlet, de Shakespeare, em ingls, escolhida sem dvida por Pessoa: He was a man, take him for all in all;/ I shall not look upon his like again34.

    Os verdadeiros objetivos polticos do Ncleo de Aco Nacional ficavam, assim, vista. Ciente da incapacidade de uma poltica pura-mente elitista obter apoio popular, Coelho de Jesus, com a aquiescn-cia de Pessoa, no hesitou em escrever nesse mesmo nmero de Aco:

    Se procurarmos na vida nacional, qual a fora capaz de concentrar pa-triotismo, qual a fora capaz de, ao mesmo tempo, atingir as competncias e o povo (sendo assim um esboo de coeso nacional), encontramos s uma: o sidonismo, o culto [] pela memria do chorado presidente Sidnio Pais. O resto s bolchevismo ou o bolchevismo dos nossos pobres operrios [] ou o bolchevismo disfarado dos nossos partidos polticos [] Ou sidonismo ou bolchevismo: o problema est nisto para quem queira ter aco poltica em Portugal. Ns [] vamos pelo sidonismo35.

    Ora, apesar de nem Pessoa nem Coelho de Jesus terem tido uma participao significativa na vida poltica nacional, o poeta no deixou de estar, durante breve momento, ativamente envolvido na difuso desse nmero de Aco, o qual provocou os previsveis protestos dos republicanos, ento no apogeu do seu radicalismo e particularmente sensveis a qualquer regresso do sidonismo. Podemos hoje saber tudo

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    [36]DoespliodeFernandoPessoaconservadonaBibliotecaNacional,Lisboa:Docs.114233a114245.PessoaparecetersidomaischegadoaGeraldoCoelhodeJesusdoqueaosseusdoisprincipaiscorrespondentes,SCarneiroeCortesRodrigues,porquantousavaonomeprpriodeCoelhodeJesuseassinavaascartascomoseunomedebatismo,coisaquenuncafeznascartasendereadasaosseusdoisoutrosamigosecorrespondentes.

    acerca da excitao de Pessoa por meio de quatro cartas e um telegra-ma que enviou ao amigo Coelho de Jesus, ento fora de Lisboa, entre 9 e 11 de agosto36. Pessoa estava pessoalmente encarregado da difuso dos alegados 10 mil exemplares da revista e orgulhava-se da sua efi-ccia como ativista poltico. A maior parte do contedo das cartas de ordem tcnica, mas tambm contm algumas anotaes polticas:

    Quero que vo acredite que tenho tratado de tudo, que no descu-rei nada, e que nada descurarei. xito: pareceme muito grande, e que teremos de fazer uma segunda edio. um escabeche medonho por toda a parte (9 de agosto).

    A verdade que a distribuio da revista causou pequenos inciden-tes no centro de Lisboa, pois alguns republicanos tentaram destruir todos os exemplares que apanhavam:

    O chefe de vendas calcula entre 1.000 e 2.000 o nmero de exemplares queimados pelos vrios formigas no Rocio [] Devo dizer que me parece que vrios tipos fizeram do jornal bandeira, isto , andaram agitando o retrato de Sidnio por toda a parte, e foi naturalmente qualquer coisa dessas que fez nascer a ideia de dar cabo dos exemplares

    E Pessoa at sentiu as emoes que todos os ativistas polticos ex-perimentaram, ocasionalmente, ao longo das suas carreiras:

    Na redaco [] soube que tinha aparecido um indivduo indignadssimo porque dois marinheiros lhe tinham rasgado um nmero do jornal que estava a ler [] Imagine v. que um engraxador, um rapazito de uns 17 anos, contoume como a cousa se passou e disseme que tinha em casa todos os trs nmeros do jornal, que coleccionava. Realmente, estas cousas chegam a ser enternecedoras. Tenho aqui no escritrio o nmero rasgado [] como recordao (10 de agosto).

    Finalmente, Pessoa fala a Coelho de Jesus de um projecto espln-dido, mas arriscado para o nmero 4. Vo nem calcula o que !. No temos conhecimento, porm, desse ousado projeto. Em vez disso, porm, conhecemos o contedo dos escritos polticos de Pessoa nos nmeros anteriores de Aco, assim como sabemos que ele trabalhou arduamente na sua redao, em particular o artigo intitulado Opi-nio Pblica. parte a sua apologia da ditadura militar em 1927, este constitui sem dvida o seu texto poltico mais interessante e lembra, essencialmente, a crtica feita pelos tericos elitistas ao liberalismo. Pessoa no conhecia bem a teoria elitista, mas cita, por exemplo, o Conservatism de Lord Cecil (1907), a fim de repudiar o sufrgio poltico

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    [37]Pessoa, Fernando.Ultimatum e pginas de sociologia poltica.Ed.deJoelSerro,MariaIsabelRochetaeMariaPaulaMoro.Lisboa:tica,1980,p.266.

    [38]Bloom,Harold.The Western Canon.Thebooksandschoolofages.NovaYork:Riverhead,1994,p.4556.

    [39]AmaiorpartedosescritospolticosdePessoaachamsedisponveisnostrsvolumeseditadosporJoelSerro:osdoisltimossocitadosnasnotas20e31.OprimeiroSobre Portugal. Introduo ao problema nacional(Lisboa:tica,1979).ParaumaopiniocrticadainterpretaodeSerro,veromeuartigoOuniversopolticodeFernandoPessoa,Dirio de Notcias,RevistadeLivros,2demarode1983.

    com base no argumento de os resultados eleitorais apenas represen-tarem o poder ditatorial de alguns dirigentes do partido vencedor. Mais retoricamente, mas ainda maneira modernista, proclama que as sociedades tradicionais so possivelmente governadas pelos mor-tos, mas [] as sociedades democrticas so governadas pela morte. Supostamente, o socialismo a demncia terminal do liberalismo. E, de forma mais interessante, declara que a opinio pblica , por defini-o, negativa e tradicionalista.

    No entanto, apesar da tentativa de sofisticao do argumento, a concluso demasiado previsvel: Ser revolucionrio servir o ini-migo. Ser liberal odiar a Ptria. A democracia moderna uma obra de traidores. Por fim, embora haja um tom curiosamente populista nes-te artigo, Pessoa permanece no essencial um elitista autoritrio. Como escreveu algures, entre um operrio e um macaco h menos diferena que entre um operrio e um homem realmente culto37. E no se trata de mera retrica poltica, pois encontramos a mesma noo expressa num poema clebre assinado por lvaro de Campos:

    A capacidade de pensar o que sinto,que me distingue do homem vulgar,Mais do que ele se distingue do macaco.

    do RevolucionARismo pAtRitico Ao sebAstiAnismo messinico

    Embora seja evidente que o impulso esttico em direo mo-dernidade colocou o novo movimento em contradio com a atitu-de predominantemente tradicionalista do nacionalismo portugus, tambm claro que o futurismo s conseguiu reconciliar a voca-o cosmopolita da modernidade com o apelo ao engrandecimen-to nacional de modo precrio e breve. Por outro lado, enquanto a conciliao estilstica do modernismo e do nacionalismo denota um elevado nvel de inovao, em particular nas odes futuristas de lvaro de Campos e, acima de tudo, na sua longa Ode martima, o simbolismo poltico do modernismo nacional revela-se, afinal de contas, muito menos inovador. A forte influncia estilstica de Walt Whitman sobre Campos no deve ser interpretada como ten-do igualmente um importante impacto temtico, para no falar de qualquer influncia democrtica, como o prprio Harold Bloom d a entender no seu famoso O canne ocidental38.

    Na maior parte das vezes, de fato, as declaraes e aluses conti-das nos escritos polticos de Pessoa reunidos h algum tempo no revelam qualquer diferena decisiva relativamente s correntes autoritrias e elitistas dominantes em Portugal, desde Oliveira Mar-tins at Antnio Srgio39. Como tentei mostrar noutra altura, se algo

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    [40]Escreveuexatamente:AtesedoProfessorSalazar umapanhado,alismuitolcidoelgico,deprincpiosjconhecidososdachamadacontrarevoluo,ouseja,osquedistinguemedefinemasdoutrinasdoschamadosintegralistas.Aminhateseaocontrrio,trar,emseudesenvolvimento,resultadosdeabsolutanovidade(Da Repblica,op.cit.,p.376).Mas,comodecostume,noelaborouasuaprpriatese!

    [41] In:Obras em prosa,op.cit.,p.407.

    [42]In:Obras completas,v.6,op.cit.,p.34.

    distingue Pessoa da maioria dos autores republicanos da poca, o seu elitismo extremo, o seu nacionalismo exacerbado e as suas fortes inclinaes autoritrias, pelo menos at subida de Salazar ao poder, cuja tese, como ele lhe chama, Pessoa compara corretamente com o Integralismo, do qual ele prprio desejava diferenciar-se40.

    Como j tive oportunidade de dizer, quando Orpheu foi lanado em 1915, Pessoa e os seus companheiros estavam sobretudo preocupados em distanciar-se das formas anteriores do nacionalismo literrio. As-sim, embora isso possa parecer paradoxal, eram a favor da desnacio-nalizao da arte. Numa nota manuscrita de 1915 sobre O que que Orpheu quer? , Pessoa disse-o de forma clara:

    Criar uma arte cosmopolita no tempo e no espao. A nossa poca aquela em que todos os pases, mais materialmente do que nunca, e pela primeira vez intelectualmente, existem todos dentro de cada um [] Por isso a verdadeira arte moderna tem de ser maximamente desnacionalizada [] S assim ser tipicamente moderna41.

    ele, contudo, quem afirma tambm nessa mesma nota, que qual-quer cais europeu mesmo o de Alcntara chega para conter a terra inteira. Isso d-nos uma pista bvia no s para os primeiros grandes poemas assinados por lvaro de Campos Opirio, Ode triunfal e Ode martima mas tambm para a maneira como Portugal estava a ser chamado, segundo os modernistas, a desempenhar um papel di-nmico na nova era comercial, industrial e urbanstica. Esse papel era diametralmente oposto a tudo aquilo que os tradicionalistas defendiam, nomeadamente o cretinismo rural que Alberto Caeiro tambm ridicu-larizara de modo diferente, mas convergente. O nacionalismo dos mo-dernistas reivindicava, assim, ser muito diferente do passadismo, e em certa medida at o era. Mas s em certa medida e durante pouco tempo.

    Almada Negreiros foi, de novo, o mais franco. Como escreveu no Ultimatum Futurista, no s era necessrio criar em Portugal um esp-rito de aventura contra o sentimentalismo literrio dos passadistas e desenvolver a actividade cosmopolita das nossas cidades e docas, como se fazia tambm sentir a necessidade urgente de uma nova no-o de Ptria:

    Os poetas portugueses s cantam a tradio histrica e no a sabem distinguir da tradioptria [] Tm a inspirao na histria e so portanto absolutamente insensveis s expresses do herosmo moderno. Donde resulta toda a impotncia para a criao do novo sentido da ptria42.

    Assim, o patriotismo de Almada revela um sentido da ironia e do construtivismo positivo, politicamente vizinho das ideias do Ncleo

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    de Aco Nacional. Esse construtivismo no dissipou as suas inclina-es autoritrias, mas afastou sem dvida qualquer inclinao para o sentimentalismo, o tradicionalismo e, na verdade, qualquer espe-rana na salvao messinica. Ao mesmo tempo que respondia a v-rias encomendas do regime, Almada dava-se conta, dolorosamente, da crescente distncia que separava os dias heroicos do patriotismo futurista da chamada Poltica do Esprito, concebida por Antnio Ferro frente do Secretariado da Propaganda Nacional. Almada mar-cou essa distncia com caracterstico sarcasmo logo que Ferro iniciou a sua interveno cultural, convidando Marinetti a visitar Lisboa em novembro de 1932:

    Os inimigos figadais do futurismo em Portugal ganharam a sua primeira vitria anteontem na presena do chefe do futurismo, F. T. Marinetti [] O admirvel criador do futurismo est naquela fase acadmica e na respectiva idade que se prestam lindamente para ser manejadas pelos putrefactos e arranjistas [] Lastimamos, ns os futuristas portugueses, a amnsia [de Marinetti] quanto a Portugal, a sua falta de memria acerca de que nomes hericos do futurismo fizeram aqui nesta terra uma guerra sem trguas contra putrefactos e botas de elstico43.

    Tambm Pessoa se apercebeu da rendio de muitos artistas ao apelo do nacionalismo tradicional e do autoritarismo reacionrio. Do mesmo modo, tambm ele se mostrou particularmente sarcstico com a nomeao de Marinetti para a Academia Italiana em 1924:

    L chegam todos Marinetti acadmico

    As Musas vingaramse com focos elctricos, meu velho,Puseramte por fim na ribalta da cave velha,E a tua dinmica, sempre um bocado italiana, fff

    No entanto, Fernando Pessoa no se demitiu de toda e qualquer participao nesta prolongada e, doravante, desesperada batalha pela modernidade plena. S que, desta vez, os adversrios no eram, como Gaspar Simes indicou, o habitual bando de escritores acadmicos e de polticos liberais, mas um grupo fascista de estudantes universi-trios chefiados por Pedro Teotnio Pereira, que viria a ser mais tarde subsecretrio de Estado das Corporaes do governo do Estado Novo. Assim, em 1923, damos com Pessoa a publicar e a distribuir pessoal-mente um breve Aviso por causa da Moral, no qual respondia acida-mente campanha lanada pelos estudantes contra o poeta Antnio Botto (1897-1959), cujas Canes de amor homossexual Pessoa no

    [43]UmpontonoIdefuturismo.In:Obras completas, v.6,op. cit.,pp.1357.

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    [44]VeroEspliodeAntnioBottonaBibliotecaNacionaldeLisboa.

    [45]Fernando Pessoa, Sobre um manifesto de estudantes (Lisboa,s/d),citadoporMariaAlieteGalhoznasuaIntroduoaFernando Pessoa: Obra Potica. So Paulo: Aguilar,1969,pp.334.

    [46]EmboraaprincipalpreocupaodePessoanoUltimatumdelvarodeCampossejaesttica,Serro inseriuacompropriedadenasuaseleodeescritospolticos,ver Ultimatum e pginas de sociologia poltica,op.cit.,pp.11130.

    s tinha acabado de publicar, como as elogiara como contributo est-tico inovador para o modernismo literrio portugus, levando o seu interesse pela contribuio esteticista de Botto a ponto de traduzir as Canes para ingls44.

    Na altura, Pessoa pediu ironicamente aos estudantes que se calas-sem to silenciosamente quanto possvel, mas o episdio no ficou por ali. Algumas semanas mais tarde, Raul Leal, antigo colaborador de Orpheu, publicou outro panfleto em louvor de Botto, significativa-mente intitulado Sodoma divinizada. O pobre dr. Leal foi selvatica-mente atacado como um pederasta louco e Pessoa voltou lia com uma extraordinria e comovedora defesa da liberdade individual e, em derradeira instncia, de todas as formas de desvio: H trs coisas de que um esprito nobre [] nunca troa [] os deuses, a morte e a lou-cura, cunhando ento a clebre frase que viria, mais tarde, a integrar num dos seus poemas:

    Loucos so os heris, loucos os santos, loucos os gnios, sem os quais a humanidade uma mera espcie animal, cadveres adiados que procriam45.

    Nada est mais longe dos mitos fascistas e futuristas da virilidade e da violncia. Fernando Pessoa oferece a Raul Leal a sua amizade incon-dicional e orgulha-se de t-lo como companheiro nesta aventura cul-tural em que coincidimos, diferentes e szinhos, sob os risos e insultos dos velhacos. O episdio tanto mais revelador da avaliao global que Pessoa fazia da aventura modernista quanto ele era pouco dado a oferecer a sua amizade. Conforme diria mais tarde, nunca visitei um amigo doente. E sempre que, estando eu doente, recebia uma visita, ressentia-a [] como uma injustificvel violao da minha decisiva intimidade. Por conseguinte, lcito considerar os ltimos episdios da guerrilha modernista em Portugal como uma dolorosa admisso de derrota ou, pelo menos, de profunda frustrao. o que se revela tambm na sua poesia. verdade que nunca houve muitos versos ver-dadeiramente joviais na sua obra anterior, mas a partir de 1920 no se encontra uma nica linha jubilatria: O universo reconstruiu-se sem ideal nem esperana, como se l no final da Tabacaria (1928).

    Do mesmo modo, a conciliao futurista que Pessoa fez do nacio-nalismo e do modernismo, bem como os seus escritos polticos, nunca revelou a ironia e a reflexividade demonstradas por Almada Negrei-ros. O Ultimatum de lvaro de Campos proporciona-nos mais do que uma pista para a sua frustrada paixo poltica. Numa clara aluso ao ultimato britnico de 1890, que tanto ferira o orgulho portugus, da extremidade ocidental da Europa que ele dirige o seu desafio a todos os mandarins europeus46. Em veia tipicamente futurista, proclama que a Europa tem sede de que se crie, tem fome de futuro!, mas vai

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    muito mais alm do que o j habitual louvor das virtudes higinicas da guerra. A fim de explicar tal fome e tal sede de futuro, decreta a lei malthusiana da sensibilidade, segundo a qual os estmu-los sensibilidade crescem em progresso geomtrica, enquanto a prpria sensibilidade s se desenvolve em progresso aritmtica. A humanidade estava, por assim dizer, a atrasar-se em relao sua poca. Para acompanhar a enorme potencialidade da poca moder-na, Campos sugere a necessidade de uma adaptao artificial, um acto de cirurgia sociolgica, a fim de eliminar da psicologia con-tempornea [] os preconceitos da personalidade, individualidade e objectividade pessoal.

    Como resultado poltico de tal cirurgia, teramos, como era de prever, a abolio total do conceito de democracia, bem como a abolio de qualquer crena em que a opinio pblica dura mais de meia hora. H, porm, algo mais do que mera provocao futurista na noo de que a democracia e a opinio pblica deviam ser subs-titudas pela ditadura do completo, do Homem que contm em si mesmo o maior nmero de homens. Na verdade, o nietzchismo de Campos no Ultimatum

    O SuperHomem ser, No o mais Forte, Mas o Mais Completo! O SuperHomem ser, No o Mais Duro, Mas o Mais Complexo! O SuperHomem ser, No o Mais Livre, Mas o Mais Harmnico!

    inteiramente consistente com o elitismo exacerbado dos moder-nistas, por um lado, e com a tendncia para favorecer a ascenso de um lder carismtico, o Poltico que edificar conscientemente o destino inconsciente do seu Povo, pelo outro.

    Esse apelo a uma liderana carismtica viria a ser, como j sabemos, muito em breve satisfeito, para l de todas as expectativas, pela ditadu-ra de Sidnio Pais aps o golpe de 1917. E tanto os modernistas como os futuristas no deixaram de o apoiar entusiasticamente. Entre mui-tos outros, Antnio Ferro escreveu mais tarde a propsito de Sidnio:

    Foi ento que senti, pela primeira vez, a beleza, o sentido potico da palavra chefe [] A ele [Sidnio] devo esta certeza que nunca mais me abandonou: a poesia das naes, a sua poesia herica, no est nas alfurjas, nas associaes secretas, ou at nos parlamentos, mas nos seus chefes47.

    Quanto paixo que Pessoa sentiu por Sidnio, temos apenas de nos lembrar do seu longo, embora malsucedido, poema de 1920, Memria do Presidente-Rei Sidnio Pais. Mais importante, porm, que esse apelo a uma forte liderana messinica no constitua, de for-ma alguma, um aspecto novo do nacionalismo portugus desde 1880.

    [47]In:D. Manuel II, o desventurado(1954),citadoporQuadros,op.cit.,pp.12830.

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    [48]Moniz Barreto, G. Carta aElReidePortugalsobreasituaodoPaseseusremdios(1893).In:Estudos dispersos.Coletnea,prefcioenotasdeCasteloBrancoChaves.Lisboa:Portuglia,1963,pp.20335.

    [49]Ler, tambm, do historiadorAlbertoSampaio(18411908),ocomentrioaoD. Sebastio deLusdeMagalhes:Osimbolismoerabemtransparente:[]otristequadrodavidamesquinhaquearrastavaapobrenao,qualfaltavamosfortescombatentes,ehbeispilotosdostempospassados;eseporventuraapareciaumdestes,ainsniatiravaodoseuposto(maiode1898).In:Estudos histricos e econmicos.Porto:Chardron,1923,v.2,pp.10510,max.107.

    [50]GuerraJunqueiro.AnotaesPtria.In:Obras,op.cit.,pp.62747.

    [51]OtemadaressureiodeLzarocomosmbolodaregeneraonacionalfoiutilizadoemespecialporEzequieldeCampos (18741965),idelogo da competncia tcnicaassociadoSeara Nova eque,posteriormente,aderiuaoestablishmentsalazarista.

    [52]ACruzadaNunlvares,criadaem1918, foiumadasmais importantes organizaes autoritriasqueprecederamatomadadopoderpelosmilitares,tendoseenvolvidoduranteadcadade1920nosempropaganda,mastambmemvriastentativasdederrubadadoregimeliberal,nomeadamentenogolpemilitarfalhadode18deabrilde1925.

    Do lado monrquico, j mencionei Oliveira Martins, mas a influncia do cesarismo martiniano propagou-se rapidamente. Devido ao seu papel na teoria da literatura moderna em Portugal, vale tambm a pena lembrar a contribuio de Guilherme Moniz Barreto (1863-1896), au-tor de uma apologia de 1890 extremamente bem articulada do cesa-rismo48; assim como a de Lus de Magalhes (1859-1935), membro destacado do monarquismo autoritrio, ministro de Joo Franco na ditadura de 1907 e depois na breve Monarquia do Norte estabeleci-da por Paiva Couceiro no Porto, em princpios de 1919. Lus de Maga-lhes foi provavelmente o primeiro escritor a associar explicitamente o apelo moderno a uma liderana carismtica com a antiga tradio do sebastianismo no seu poema de 1898, D. Sebastio49.

    No entanto, essa tendncia fazia-se sentir de forma porventura ainda mais forte entre os nacionalistas republicanos, os quais fre-quentemente aderiram ao Partido republicano por decepo com a pretensa incapacidade do rei D. Carlos para conduzir o pas salva-o nacional. Junqueiro de novo um bom exemplo, sobretudo dada a sua popularidade entre os republicanos. Nas j citadas Anotaes Ptria, ao mesmo tempo que manifestava repetidamente a sua revolta contra o advento do materialismo burgus, Junqueiro revela as ra-zes nacionalistas do seu republicanismo:

    A crise no era simplesmente econmica, poltica ou financeira. Muito mais: nacional [] Perigava a existncia, a autonomia da Ptria. Hora grande, momento nico. A revoluo impunhase republicana? Conforme. Se o monarca nos sasse um alto e nobre carcter, um grande esprito, juvenil e viva encarnao do ideal herico, tanto melhor. A revoluo estava feita50.

    Porm o rei no satisfez tais expectativas na altura do ultimato bri-tnico e, da, a procura de Junqueiro por uma liderana forte. Muitos dos temas do nacionalismo autoritrio j so aqui evidentes, em parti-cular o tema da juventude heroica. Por outro lado, Junqueiro vai pro-ceder elaborao de vrios dos smbolos que os grupos autoritrios utilizariam abundantemente nas dcadas de 1910 e 1920, em especial a Ressurreio de Lzaro51 e Nunlvares, o condestvel portugus da guerra com Castela no final do sculo xiv, que se tornou o equiva-lente funcional de Joana dArc na mitologia dos adeptos portugueses da Action Franaise52.

    A partir dessa elaborao simblica, o apelo liderana carismtica e autoritria surge quase automaticamente:

    A ductilidade, quase amorfa, do carcter portugus, se torna duvidosas as energias colectivas, os espontneos movimentos nacionais, facilita, no en

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    tanto, de maneira nica, a aco de quem rege e quem governa. Cera branda, os dedos modelamna vontade. Um grande escultor, eis o que precisamos53.

    Finalmente, Junqueiro declara no estar interessado na forma de governo, mas essencialmente na forma do governante; e aps insistir de novo no facto de que a revoluo urgente no era social nem poltica, mas moral, aproxima-se tanto quanto era possvel a um influente autor republicano faz-lo, em meados da dcada de 1890, da moderna perspectiva autoritria quanto liderana poltica:

    A metempsicose, em moderno, do grande Condestvel, eis o meu sonho [] A mesma chama noutro envlucro. No combateria castelhanos, combateria portugueses. O inimigo moranos em casa54.

    E quem era esse inimigo interno? Os monrquicos? Os catli-cos? Nada disso. Era antes o burgus estpido, o burgus rotun-do, o burgus odioso. Por outras palavras, mais outro tema do au-toritarismo ao qual os modernistas no deixaram de dar uma forma literria previsivelmente provocatria, em especial na desopilante Cena do dio de Almada (a propsito do golpe de maio de 1915 contra a ditadura do general Pimenta de Castro), mas tambm em muitos versos de lvaro de Campos e outros autores menores. A filosofia poltica e social perfilhada por Junqueiro atingiria a plenitude na dcada seguinte, com um importante acrscimo de informao histrica e sociolgica, na obra de outro idelogo influente, Baslio Teles, nomeadamente na sua anlise de 1905 sobre a ascenso do republicanismo aps o ultimato britnico:

    Sim! mil vezes um tirano, duro e frio, contanto que inteligente e patriota, prendendo, deportando, perseguindo, mas impondo estima do mundo um povo que apenas lhe vem servindo de joguete, do que um bando de politicantes histries, atascados em torpeza e estupidez [] Resta ainda, algures, neste pas de escravos, um homem de espada, com energia e capacidade para mandar? Que se mostre, que aparea luz do dia, sem hesitao nem receio, que nos livre, quanto antes, de um rei antiptico e de um parlamento ridculo, e governe em lugar deles, a srio, a valer, restituindo ao exerccio do poder a fora e a autoridade que lhe faltam55.

    Assim, do ponto de vista do simbolismo poltico, no h muita inovao nas obras literrias modernistas, incluindo a de Fernando Pessoa. Os temas principais, bem como muitas das imagens da sua poesia nacionalista e, sobretudo, dos seus escritos polticos, provm diretamente de uma tradio bem estabelecida, que atravessou o mo-narquismo e o republicanismo, e proporcionou a legitimao cultural ao regime autoritrio, em especial quela forma de liderana caris-

    [53]AnotaesPtria,op.cit.

    [54]Ibidem.

    [55]Teles,B.Do ultimatum ao 31 de Janeiro.Porto:Lello,1905,p.197.

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    [56]In:Ultimatum e pginas de sociologia poltica,op.cit.,p.355passim.

    mtica que Sidnio Pais encarnou por um momento, abrindo depois caminho para o golpe militar de 28 de maio de 1926 e, por fim, para a ditadura do Estado Novo salazarista.

    A estreita associao do nacionalismo e do autoritarismo com os smbolos tradicionais da lenda patritica portuguesa pode ser ilus-trada com quantos exemplos queiramos escolher na obra de Pessoa. No vou portanto sobrecarregar o leitor com citaes. Acrescentarei apenas que esses exemplos mostram como era difcil, at mesmo para o criador do modernismo portugus, resistir ao convenciona-lismo literrio e ao prprio passadismo, apesar dos seus cons-tantes esforos estilsticos. Se a reputao de Pessoa como criador assentasse exclusivamente na Mensagem e no resto da sua poesia sebastianista, seria muito duvidoso que ele tivesse sido reconhe-cido internacionalmente como um dos grandes poetas do sculo xx. De fato, medida que o tempo foi passando, a poesia de Pessoa desligou-se cada vez mais dos valores universais da modernidade para se refugiar no subjetivismo tradicional ou, o que ainda mais importante do ponto de vista desta investigao, na autonegao esotrica e na esperana messinica.

    concluso

    Por que motivo, ento, Fernando Pessoa no se rendeu ao ape-lo salazarista, como aconteceu com a maior parte dos seus com-panheiros, incluindo aqueles que o regime marginalizou, como Antnio Botto? Ningum respondeu ainda a esta pergunta de modo satisfatrio e no tenho a pretenso de o fazer. Se tivesse de escolher um motivo principal, apontaria a sua individualidade sabiamente caprichosa, pronta a levar sempre a contrria. Mas, em vez de fazer estreis conjecturas psicolgicas, prefervel retomar o fio cronolgico.

    Assim como S Carneiro e o heternimo Ricardo Reis se de-clararam monrquicos conservadores, tambm lvaro de Campos se fez passar por um presumvel monrquico, em aparente con-tradio com o alegado republicanismo de Fernando Pessoa ele mesmo. Contudo, tambm verdade que este ltimo tentara mais de uma vez avanar com uma teoria da Repblica Aristocrtica, enquanto via de sada para aquilo que descreveu como a tortura poltica do Portugal contemporneo56. Sidnio Pais, mais uma vez, correspondia perfeitamente a essa teoria. A tal ponto que o rascu-nho da Constituio presidencialista foi redigido para Sidnio, na realidade, por integralistas monrquicos, que tambm o viram, a exemplo de Pessoa, como Presidente-Rei, isto , o rei eleito, o lder escolhido:

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    Antemanh da redeno Nele uma hora encarnou ElReiDom Sebastio.

    O que interessante que Fernando Pessoa voltou a confrontar-se com esse dilema poltico pouco depois do golpe nacionalista de 18 de abril de 1925, frequentemente descrito como o ensaio-geral da cons-pirao autoritria antes da tomada de poder pelos militares no ano seguinte. Num brilhante mas incompleto dilogo intitulado Na far-mcia do Evaristo, Pessoa discute minuciosamente a histria poltica da Repblica e, pela primeira vez, emprega a categoria moderna da le-gitimao, a fim de justificar o impasse ideolgico e institucional, que era, segundo ele, a caracterstica essencial da crtica situao poltica do pas, a qual se prestava a ataques constantes e cada vez mais violen-tos contra o regime republicano57. O debate ficou sem concluso, mas dificilmente poderamos no perceber para quem iam as simpatias de Pessoa. E, trs anos mais tarde, isso demonstrou-se de modo to claro quanto as suas crescentes pretenses esotricas o permitiam, em O interregno, publicado pelo reativado Ncleo da Aco Nacional.

    preciso acrescentar que a sua defesa e justificao da ditadura militar no era, de modo algum, o primeiro apelo destes a ser ex-presso pela intelligentsia portuguesa. Um apelo anlogo , nomeada-mente, o do historiador literrio Fidelino de Figueiredo (1889-1967), que havia sucedido ao poeta e futuro historiador republicano Jaime Corteso (1884-1960) na direo da Biblioteca Nacional aps o golpe militar; mais tarde, derrotado por Salazar numa das muitas vs tenta-tivas de tomadas do poder no seio do novo regime autoritrio, Fideli-no refugiou-se em Espanha e posteriormente no Brasil58. No entanto, a argumentao de Pessoa era mais interessante do que a da grande maioria, pois apresentava a sua tese na linha j desenvolvida em Opi-nio Pblica, Na farmcia do Evaristo e noutros escritos publica-dos postumamente. Dado o impasse institucional entre monrquicos e republicanos, bem como a falibilidade da opinio pblica, segundo Pessoa, s os militares possuam meios legtimos para garantir aquele mnimo social [] sem o qual at mesmo as actividades mais simples [] no podem ser prosseguidas.

    De modo semelhante maioria dos participantes na campanha a favor de uma interveno dos militares na crise poltica do pas, tam-bm Fernando Pessoa encarava a ditadura militar como um estado de transio, um interregno. Contudo, enquanto os crticos libe-rais dos partidos republicanos a viam como uma transio para um novo acordo constitucional, e outros, como Salazar e os integralistas, a viam como um passo irreversvel em direo institucionalizao do autoritarismo como regime poltico, Pessoa encontrava-se desespera-

    [57]Totalmentedesconhecido athalgumtempo,omanuscritoinacabadoNafarmciadoEvaristofoipublicadopelaprimeiravezporJoelSerroemDa repblica,op.cit.,pp.27194.

    [58]Figueiredo,Fidelinode. O pensamento poltico do Exrcito.Lisboa:EmpresaLiterriaFluminense,1926.

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    damente s ao pensar que o interregno era uma transio para o seu esotrico Quinto Imprio da grandeza lusitana.

    Anos mais tarde, algures em 1933, Fernando Pessoa mostra-se no-vamente decepcionado com a situao poltica. Numa nota manus-crita sem data e sem seguimento, afirma estar a trabalhar numa nova verso do Interregno:

    Publiquei em Janeiro de 1928 um folheto com o mesmo ttulo que o presente. Dou hoje esse escrito por no escrito; escrevo este para o substituir [] Havia de facto Interregno, isto , a Ditadura era, propriamente, uma ditadura de interregno. Com a votao da nova Constituio estamos j num regime: o Interregno cessou [] No me proponho discutir a Nova Constituio ou o Estado Corporativo; a ambos aceito, por disciplina; de ambos discordo59.

    Porm nunca chegou a escrever essa nova verso nem, na verdade, explicou por que razo no concordava com o Estado Novo: porque discordo e foi tudo. Se ele vivesse mais tempo, teria certamente esclarecido os seus motivos, por mais esotricos que fossem. certo que deixou alguns poemas inditos, escritos sobretudo em 1935 e bastante pouco conseguidos, em que ataca sarcasticamente Salazar e o Estado Novo60. Contudo, ainda em dezembro de 1934, andava muito atarefado com a publicao do seu primeiro livro inicial-mente intitulado Portugal, acabando por se chamar Mensagem e concorria ao prmio literrio de poesia nacionalista que o antigo companheiro do Orpheu, Antnio Ferro, havia criado no Secretaria-do da Propaganda Nacional.

    Ora, segundo Gaspar Simes, teria sido o duplo fracasso da Mensagem que afastou, eventualmente, o poeta do regime. No ganhou o primeiro prmio e, ainda por cima, os seus novos amigos da Presena a revista literria coimbr fundada em 1927 , que lhe haviam dado o reconhecimento e o apoio que nunca ningum lhe dera antes, no esconderam o fato de a Mensagem no estar altura dos padres que o prprio poeta se impusera durante os dias heroicos de Orpheu. Uma vez mais, no podemos ter certezas, mas uma carta que Pes-soa escreveu ao presidente da Repblica, general Carmona, sem no entanto lha enviar, faz pensar que a possvel interveno de Salazar no sentido de que o prmio do spn no fosse atribudo a Fernando Pessoa pode, de fato, ter contribudo para reforar a ideia que este tinha de Salazar como um ditador que j no se limitava a proibir de dizer isto ou aquilo mas obrigava a ter que dizer isto ou aquilo, em suma, que o integralismo de Salazar se tornara integral. To importante como isso, era ideia convergente de que Pessoa tambm j se compenetrara:

    [59]In: Da Repblica, op. cit.,pp.3612.

    [60]ParaacompanharasatividadesepensamentosdePessoaduranteoltimoanodevida,desde1odedezembrode1934a30denovembrode1935,verSousa,JooRuideeCunha,TeresaSobral(eds.).Fernando Pessoa O ltimo ano. CatlogodaExposiodo50oaniversriodasuamorte.Lisboa:BibliotecaNacional,1985.

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    medida que se tm ido afirmando e acentuando os estados autoritrios hoje em moda, nessa mesma medida se tm ido confirmando na sua hostilidade ou afastando, para a indiferena quando no para a oposio, os poetas, os artistas e os intelectuais designveis de novos

    tal como escreveu acerca do grupo da Presena numa nota manuscrita de 1935 sobre a Nova Poesia Portuguesa, mostrando claramente ter compreendido a natureza da ditadura e percebendo que os novos cria-dores no poderiam deixar de se manifestar contra tal regime61.

    Last but not least, em fevereiro de 1935, Pessoa deu-se ao trabalho de se opor publicamente proibio das sociedades secretas pela Assembleia Nacional recentemente nomeada. A sua comovente, embora racional, defesa da Maonaria bem conhecida. Apesar de negar ser maon, declara contudo ter visto a mesma luz noutro templo62. No tenho as qualificaes necessrias para comentar as suas crenas esotricas, acerca das quais muito se tem escrito sem se chegar a qualquer concluso, mas no se pode deixar de reconhecer a profundidade dos seus sentimentos nesta matria. Arrisco-me a sugerir que o ataque autoritrio contra a maonaria pode ter sido a gota que fez transbordar o vaso e que alienou as eventuais simpatias que Fernando Pessoa pudesse ter sentido pelo Estado Novo.

    Incansavelmente, Pessoa vira-se logo a seguir para outra teoria po-ltica, o liberalismo nacional. Redescobre os valores do individualis-mo e ope-se firmemente censura. Acredita que a sociedade precisa de ordem e prestgio, e reconhece que Salazar deu ambas as coisas ao pas, mas por qualquer motivo que nunca chegou a esclarecer, acha o prestgio de Salazar absurdo e considera o novo regime, com razo, uma tirania. No teve, porm, tempo ou vontade para prosseguir a teoria do nacionalismo liberal63.

    Seja como for, j era tarde demais para uma reconciliao entre o autoritarismo e o liberalismo, bem como entre o nacionalismo e o modernismo. Apesar de alguns esforos por parte de Antnio Ferro, era impossvel ocultar o crescente tradicionalismo cultural e esttico do Estado Novo, outra coisa no sendo de esperar, alis, de uma ditadura que se apoiava sobretudo nas classes mdias conser-vadoras e provincianas, nos catlicos e nos monrquicos. Do ponto de vista poltico, o regime tornou-se ainda mais repressivo quando a guerra civil rebentou em Espanha. Em consequncia disso e de har-monia com o estado de esprito internacional em meados dos anos 1930, as novas geraes intelectuais tendiam a juntar-se s fileiras da oposio ditadura. Alguns dos jovens escritores tornaram-se comunistas ou simpatizantes e, com o advento do neorrealismo nos anos 1940, a intelligentsia de esquerda acabou por conseguir im-

    [61]Simes,op.cit.,p.315passim;vertambmSerra,Filomena.AcontraimagemdeFernandoPessoa.In:Serra,op.cit.,pp.4267.VerigualmentePessoa,Obras em prosa,op.cit.,pp.4036.

    [62]Pessoa,F.AssociaesSecretas.In:Da Repblica,op.cit.,p.391passim,especialmente404.

    [63]NacionalismoLiberal.In:Ultimatum,op.cit.,pp.34351;tambmDa Repblica,op.cit.,pp.3701.

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    por uma espcie de contra-hegemonia cultural durante as duas ou trs dcadas seguintes.

    De tal modo que somente nos finais dos anos 60, princpios da dcada de 70 do sculo passado, que a revoluo literria modernis-ta se tornou conhecida do grande pblico. Apesar da forte influncia que exerceu sobre geraes sucessivas de poetas e da publicao de alguns estudos importantes sobre a sua obra, o pblico em geral s veio a descobrir Fernando Pessoa mais de trs dcadas aps a sua mor-te. Em contrapartida, nos ltimos trinta anos, em particular desde a liberalizao do sistema poltico em 1974, a admirao por Pessoa e os modernistas tornou-se uma espcie de culto, o que dificulta por vezes o trabalho do investigador para colocar as atividades dessa gera-o numa perspectiva histrica. Foi tudo o que tentei fazer aqui. Dei-xando de lado juzos morais e estticos, que nunca estiveram no meu esprito, espero ter fornecido provas convincentes de que o simbolis-mo poltico do modernismo portugus estava intimamente ligado crescente tradio do nacionalismo autoritrio, a qual proporcionou a legitimao cultural para o golpe militar de 1926 e para a subsequente institucionalizao da ditadura de Salazar. Parece-me legtimo argu-mentar, portanto, que a esttica nacionalista recebeu, efetivamente, um impulso significativo, embora ambguo e contraditrio, por parte de Fernando Pessoa e dos seus companheiros modernistas.

    Manuel Villaverde Cabral pesquisador emrito do Instituto de Cincias Sociais da Univer-

    sidade de Lisboa.

    Rece bido para publi ca o em 20 de agosto de 2013.

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