A Execução como Estratégia - Revista DOM

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Artigo do Prof. Luis Lobão sobre Execução Estratégica na Revista DOM da Fudação Dom Cabral.

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A EXECUÇÃO

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estratégia

O sucesso de qualquer estratégia, nos dias de hoje, depende muito mais de uma ação rápida do que de um planejamento detalhado. No trabalho con-tínuo com organizações de grande e médio porte, no Brasil e no exterior, orientando-as no processo de formulação e implementação estratégica por períodos de três a cinco anos consecutivos, foi possível observar a dinâmica deste processo ao longo do tempo e participar diretamente dele. As exigências de um ambiente complexo e em constante mutação, agravado pelo crescimento exponencial dos concorrentes e substitutos, nos impõem novos desafios. Nesse contexto, trata-se como vantagem competitiva a capacidade da orga-nização para estabelecer estratégias emergentes, em consonância e em resposta ao novo cenário de transformações na arena competitiva.

O futuro da competição vem sendo moldado por mudanças que alteram profundamente o compor-tamento de compra dos consumidores e os canais de distribuição conhecidos, fazendo desaparecer as cadeias de valor tradicionais. O próprio cliente já pode fazer seus pedidos e operações pela Internet – e até projetar o produto ou serviço que está com-prando. Assim, encomenda carro pelo computador, compra camisas sociais com monograma e sob medida, e escolhe uma geladeira de duas cores e compartimentos internos adequados ao seu tipo de vida. O comércio eletrônico, as novas estraté-

COMO ESTRATéGIAPOR lu Ís augusto loBÃo MenDes

Pesquisa anual da Consultoria accenture, realizada com 436 presidentes de grandes empresas, revelou que a maior dificuldade que os dirigen-tes enfrentam está na execução de um plano estratégico, e não na sua elaboração. apenas 30% dos entrevistados confirmaram ser capazes de responder rapidamente às demandas do mercado e, assim, estarem à frente da concorrência. Isso explica a escassez de empresas bem-sucedi-das nessa empreitada. Mudar a estratégia não é a tarefa mais difícil para uma empresa – o maior desafio é implementá-la com rapidez.

gias de marketing de acesso total e a criação de valor pelas comunidades de consumidores estão modificando os padrões de concorrência entre as empresas e criando novas oportunidades.

Mas, como estabelecer uma ponte entre os resul-tados desejados e o que realmente se alcança? A disciplina na execução de uma estratégia lançada para atingir resultados requer líderes compro-metidos e preparados. Liderar este processo é o principal papel dos dirigentes atuais. A busca das respostas para essa questão desafia pressupostos básicos e crenças essenciais baseados na aplica-ção de ferramentas e modelos. E mais importante: nossas observações se chocam com algumas ver-dades absolutas que norteiam as práticas geren-ciais dependentes da capacidade de moldar e controlar.

A execução não é apenas a questão mais impor-tante que as empresas terão de enfrentar; o grande problema é o desconhecimento do tema. Nenhuma outra disciplina na área de gestão tem tamanha defasagem de conhecimento e bibliogra-fia disponíveis. Tente fazer uma busca no seu site preferido de livros, com os termos “estratégia” ou “formulação estratégica”. Quantos resultados apa-recem? Se for num site nacional, talvez umas 500 publicações, e em um site americano, você fica até zonzo com os mais de 312 mil títulos disponíveis. Il

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E sobre o termo “execução”, já tentou fazer a mes-ma pesquisa? Decepcionado?

Um estudo coordenado pelos professores Michael C. Markins e Richard Steele, publicado na Harvard Business Review de julho de 2005, revela que as empresas estão longe de obter um bom desem-penho financeiro a partir de suas estratégias. Segundo os autores, o desempenho insatisfatório pode ser atribuído a uma combinação de fatores, como planos mal formulados, recursos mal aplica-dos, falhas na comunicação e limitada responsabi-lidade por resultados (ver gráfico 1).

O que emerge dos resultados dessa pesquisa é uma seqüência de eventos que ocorrem mais ou menos assim: as estratégias são aprovadas, mas mal comunicadas, o que torna quase impossível sua conversão em iniciativas e planos específicos de alocação de recursos. Os níveis mais operativos da organização não sabem o que fazer, como fazer e quando fazer. Até porque seu bônus anual está atrelado ao desempenho de curto prazo. Logo, os resultados previstos nunca se concretizam.

E como ninguém pode ser punido por desempenhos futuros e pela “defasagem estratégica”, o ciclo de mau desempenho se repete, às vezes por anos a fio, cercado de boas desculpas, justificativas e explicações. O processo atual de análise crítica das organizações não está voltado para a aprendi-zagem e sim para o objetivo de fechar um ciclo. Esquecendo por completo aquele indesejado ano, com convincentes argumentos por não ter alcança-do os objetivos desejados.

Empresas e colaboradores devem enfrentar juntos os problemas e, para isso, precisam ter uma lingua-gem comum que seja do entendimento de todos. É aí que a comunicação ganha força estratégica. O colaborador deve receber a informação, na própria empresa, antes que ela circule fora. Lembrar-se da comunicação somente nos momentos de crise não cria diálogo e traz rupturas. Uma comunicação franca, aberta e autêntica aumenta as chances de sucesso na implantação de estratégias. Pesquisas realizadas pela consultoria internacional watson wyatt, em vários países, indicam que os líderes

Outros obstáculos 2%Estratégia desaprovada 2%

Liderança sem empenho 5%

Fraca liderança sênior 7%

Consequências ou prêmios inadequados para fracasso ou sucesso 8%

Monitoramento inadequadodo desempenho 8%

Silos e cultura organizacionalimpedem a execução 10%

Precária comunicação da estratégia 14%

Recursos inadequados ou inexistentes 21%

GRáFICO 1 | PARA ONDE VAI O DESEMPENHO

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mais eficientes são os que têm habilidade para utilizar os canais formais e informais de comu-nicação. Quando bem conduzidos, esses canais colaboram para acelerar a tomada de decisões.

Diante dos resultados da pesquisa, façamos algu-mas reflexões: nossas estratégias são elaboradas para serem implementadas? Como efetivamente ajustamos nossas estratégias às mudanças do ambiente?

Em vez de colaborar para a proliferação de fer-ramentas e técnicas normativas, desenvolvemos um conjunto de idéias integradas, que possam ser úteis aos dirigentes, na compreensão das causas básicas do problema.

DISCUTA PREMISSAS, NÃO PROJEÇÕES ORÇAMEN-TÁRIAS O plano estratégico não é mais um docu-mento elaborado pela alta administração, divulga-do por meio de cópias confidenciais numeradas e atualizado anualmente sem o questionamento das premissas e pressupostos. Deve ser um processo que envolve todos os níveis gerenciais, comuni-cado de forma ampla e livre, sempre aberto ao questionamento.

A utilização dessa abordagem cria uma atmosfera organizacional em que os colaboradores desen-volvem o desejo de participação e envolvimento, criando um sentimento de co-autoria. Quando a equipe entende bem os fundamentos e os motores do desempenho, não é mais necessário administrar os detalhes. O grupo sabe de sua responsabilidade e do que precisa repassar aos dirigentes, que exi-gem um trabalho conjunto.

CRIAÇÃO DO SENSO DE PROPRIEDADE Na verdade, muitos executivos de topo estão decidindo sozi-nhos, com base em dados abstratos, como também conduzem as operações. Isso leva os gerentes de linha de frente a se retraírem, e passivamente, a começarem a ter uma atitude de conformidade e obediência. Outros executivos assumem uma postura mais subversiva, procurando meios de vencer dentro do “sistema”, mediante a distorção de números/fatos e a manipulação de informações, efetivando acordos paralelos. Em ambos os casos, o relacionamento entre as pessoas e a organização se torna, cada vez mais, patológico e mutuamente destrutivo.

Essas empresas precisam, urgentemente, repensar seu estilo organizacional. Para que serve um orga-nograma? Ele demonstra como a empresa identifi-ca e cria vantagem em relação aos concorrentes? Ou quais os seus produtos e serviços? Como a empresa se posiciona no mercado? Ele revela os processos e atividades críticas da organização? Mostra quais as principais relações em sua cadeia de valor? A resposta a todas essas perguntas é um sonoro “não”. A única utilidade do organograma é demonstrar a relação de poder dentro das organiza-ções. Esta mentalidade produz “silos”, chegando a criar outras empresas dentro da mesma organiza-ção, quase repúblicas independentes. Esse modelo compartimentado transforma departamentos em feudos e reduz o desempenho de toda a empresa. O grande motivo é que ninguém administra os espaços em branco do organograma, ou seja, as conexões entre as áreas e departamentos, onde o mesmo processo se passa e, de fato, cria valor.

A cultura dos “silos” força os gerentes a resolve-rem assuntos que poderiam ser tratados nos níveis mais baixos da organização, o que leva os subor-dinados a assumirem menor responsabilidade do que efetivamente deveriam. Em vez de dividido de cima para baixo, pense em criar um novo modelo de baixo para cima, com as iniciativas pessoais dando origem a equipes de projetos, que, se bem-sucedidas, evoluem para departamentos. Afinal, o problema já conhecido da desmotivação da linha de frente que passou por várias tentativas de solu-ção anteriores, todas fracassadas, talvez encontre uma solução. Nada mais trágico no mundo organi-zacional do que o fracasso de uma grande empre-sa, principalmente quando a maioria do pessoal na linha de frente percebia a ameaça iminente, enquanto a alta administração não se conscienti-zava do problema ou estava insegura em relação a ele. A alta direção está cada vez mais obcecada por números, que somente refletem as decisões, ações e posicionamentos passados, esquecendo-se de sintonizar com as “vozes do mercado”. Os executivos de níveis mais altos devem cultivar o respeito pelas idéias provenientes das bases.

A confiança é o elemento evidente na criação do senso de propriedade. O forte elo de confiança entre gerentes e executivos de alto nível proporcio-na o contexto para a iniciativa individual, enquanto

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que o sentimento de segurança compartilhado entre eles garante o trabalho em equipe e maior apoio entre áreas. A confiança é reconhecida mais facilmente na transparência e abertura dos pro-cessos gerenciais que proporcionam às pessoas o senso de envolvimento e participação.

MONITORE CONTINUAMENTE OS RESULTADOS Para executar com sucesso qualquer estratégia, a gerência precisa tomar milhares de decisões ope-racionais e colocá-las em ação. Empresas sintoni-zadas com o ambiente monitoram o desempenho em tempo real, para ajustar processos e posicio-namentos. Ou seja, são pró-ativas no processo e dispensam as cansativas reuniões de “autópsia” no final do mês. O acompanhamento em tempo real permite aos executivos localizar e remediar falhas no plano e em sua execução.

O monitoramento contínuo do desempenho é particularmente importante em setores altamente voláteis, onde eventos que fogem do controle de qualquer pessoa podem tornar o plano irrelevante. Além disso, uma avaliação prévia dos resultados bem contextualizada, junto com a discussão sobre as tendências de mercado, melhora e ajusta a qua-lidade do plano estratégico tornando-o muito mais realista e viável.

INSPIRANDO A INICIATIVA PESSOAL Neste ponto, talvez tenhamos novamente outro conflito com algumas verdades absolutas. Não devemos incen-tivar o trabalho em equipe? Ao contrário do que se imagina, os modelos racionais estabelecidos estão criando um ambiente em que as pessoas capazes são esmagadas e constrangidas pelas próprias orga-nizações, que não foram concebidas para aprovei-tar sua energia e competência. Fragmentados em estruturas organizacionais, reféns de caixinhas no organograma, sufocados pelos apoios burocráticos, isolados dos recursos vitais e carentes de incen-tivos e de motivação na busca de oportunidades emergentes, ou para o desenvolvimento de novas idéias criativas, os gerentes da linha de frente, em vez de trabalhar para a realização de algo que não ocorreria espontaneamente, estão em geral absorvidos em longas jornadas de trabalho, ape-nas para assegurar o inevitável. As organizações estão sofrendo da síndrome do subdesempenho satisfatório.

A inspiração da iniciativa pessoal exige que as pessoas estejam imbuídas de um sentimento de propriedade em relação às suas tarefas. O alinha-mento das iniciativas individuais com a trajetória estratégica geral da organização deve ser balan-ceado, para não gerar um “caos empreendedor” – exige que o senso de propriedade seja comple-mentado com um forte senso de autodisciplina, pois desta forma o controle não é algo imposto de cima para baixo e sim uma cultura que sustenta o processo de execução.

A alta direção precisa manifestar abertamente a sua tolerância em assumir riscos e aceitar o fracasso. É num ambiente desse tipo que as pessoas se tornam efetivamente confiantes para tomar iniciativas, pois se sentem com liberdade e segurança para exercer a criatividade. Os erros são inevitáveis, mas deve ficar claro que a promoção de um ambiente tolerante em relação ao “fracasso bem-intencionado” não se confunde com a acei-tação de um ambiente livre de risco e permissivo com o baixo desempenho.

INCENTIVOS E RESULTADOS Em muitas organi-zações, o plano estratégico é pouco mais do que um acordo negociado, fruto de barganhas quanto a metas de desempenho e projeções financeiras. Portanto, o planejamento é em grande parte um processo político, em que os executivos pedem projeções de lucro mais baixas em curto prazo (para garantir um bônus anual mais elevado para si mesmos) e a alta direção pressiona por melhores resultados em longo prazo (para satisfazer o conse-lho e outras partes interessadas).

Incentivos fortes e apropriados, que encorajem os gerentes a perseguir as oportunidades de mercado, em combinação com uma responsável alocação de recursos internos, podem estimular a busca de maior retorno para a organização. Os executivos de linha de frente são os olhos e os ouvidos da empresa e, ao mesmo tempo, a voz do cliente. Eles sabem o que os clientes querem antes de tudo, mas também têm a missão de transformar estratégias em ação. O grande problema é que cos-tumam se transformar em meros implementadores operacionais, atendendo somente as demandas dos processos internos, em vez de se concentrarem nas oportunidades externas.

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Empresas fortes na execução dão destaque tam-bém ao desenvolvimento, mas têm um tremendo potencial não aproveitado em sua equipe, subesti-mam os talentos e subutilizam as aptidões do seu pessoal. O objetivo do líder genuíno é construir um lugar em que as pessoas desfrutem de liberdade criativa e desenvolvam o verdadeiro senso de rea-lização – um ambiente que desperte o melhor de cada um. Os atuais modelos organizacionais nos induzem a utilizar no trabalho apenas parte de nossa capacidade individual. Precisamos aprender a reconhecer e explorar esta capacidade ociosa que todos os dias cada pessoa traz para a organi-zação.

Com a aceleração da dinâmica da competição, o patrimônio humano das organizações talvez seja a única forma verdadeiramente sustentável de vanta-gem competitiva. Acreditamos que as pessoas são dotadas de uma curiosidade inata e estão imbuí-das da motivação natural para agir e aprender. Portanto, devemos aproveitar a engenhosidade de nossas equipes e recompensar os empreendedo-res internos para que sejam importantes agentes de desenvolvimento. Isso pode ser feito com a introdução de novos produtos e métodos de pro-dução, além de outras atividades inovadoras que estimulam a competitividade e o crescimento da organização.

luís augusto loBão Mendes é professor da Fundação Dom Cabral.

PaRa SE aPROFUnDaR nO TEMa

Ghoshal, Sumantra & Bartlett, Christopher – “Organização Individualizada” – Campus, 2000 – apresenta idéias de um novo modelo organizacional, discutindo a impossibilidade de ter estra-tégias de 3ª geração com empresas de 2ª geração e gerentes de 1ª geração. Os autores discutem como criar uma organização orientada a criar valor para o cliente e valorizar as iniciativas – uma redescoberta da gestão. Imperdível.

Bossidy, Larry & Charan, Ram – “Execução – A disciplina para atingir resultados” – Campus, 2005 - 7ª Edição – lançado inicialmente com o título “O desafio de fazer acontecer”. Não con-fundam – é a mesma obra. Os autores relatam experiências e dão algumas dicas. Pode parecer superficial para quem busca respostas ou um modelo para implantação, mas vale a pena pelas dicas e idéias, além de ser de fácil leitura.

Hrebiniak, G. Lawrence – “Making Strategy work: Leading Effective Execution and Change” (Hardcover). Uma da melhores e mais claras publicações sobre o tema – ainda longe de discutir fórmulas mágicas e modelos, apresenta muitos exemplos e casos.

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