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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO A EXPRESSÃO DA MODALIDADE EM PEÇAS CARIOCAS: UMA ANÁLISE DIACRÔNICA Evelin Azambuja Augusto Rio de Janeiro Fevereiro de 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

A EXPRESSÃO DA MODALIDADE EM PEÇAS CARIOCAS:

UMA ANÁLISE DIACRÔNICA

Evelin Azambuja Augusto

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2015

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A expressão da modalidade em peças cariocas:

uma análise diacrônica

Evelin Azambuja Augusto

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Professora Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte

Rio de Janeiro Fevereiro de 2015

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A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica

Evelin Azambuja Augusto

Orientadora: Professora Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por: ______________________________________________________ Presidente: Profª. Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte – UFRJ ______________________________________________________ Profª. Doutora Juliana Esposito Marins – UFRJ ______________________________________________________ Prof. Doutor Gilson Costa Freire – UFRRJ ______________________________________________________ Prof. Doutor Humberto Soares da Silva - UFRJ – suplente

______________________________________________________ Profª. Doutora Ângela Marina Bravin dos Santos – UFRRJ - suplente

Rio de Janeiro Fevereiro de 2015

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Augusto, Evelin Azambuja. A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica./ Evelin Azambuja Augusto. – Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2015.

106f; il.; 30cm Orientadora: Maria Eugênia Lammoglia Duarte Dissertação (Mestrado) – UFRJ/Letras/ Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2015. Referências Bibliográficas: f.104-106.

1. Modalidade. 2. Verbos auxiliares, verbos predicadores e predicadores adjetivais. 3. Estudo de mudança em tempo real. I. Duarte, Maria Eugênia Lammoglia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica.

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AUGUSTO, Evelin Azambuja. A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2015.

RESUMO Meu objetivo principal é analisar como as formas de expressão de modalidade

(epistêmica e não-epistêmica) se comportam ao longo do tempo no Português Brasileiro. Para isso, foram analisadas peças de teatro escritas no Rio de Janeiro, distribuídas ao longo de sete períodos dos séculos XIX e XX. Entre as diversas formas de expressar essa categoria, focalizo os verbos auxiliares modais, os predicadores verbais e predicadores adjetivais, esses dois últimos tipos favorecedores de estruturas com um sujeito expletivo nulo. Como o português brasileiro prefere sujeitos referenciais expressos, minha hipótese era a de que o uso de auxiliares aumentaria ao longo do tempo. Como base teórica, utilizo o modelo de estudo da variação e mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), associado à Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981). Os resultados apontam que, embora predominantes desde a primeira sincronia, os auxiliares tendem a crescer; que os predicadores adjetivais ocorrem em número muito reduzido; e que os predicadores verbais descritos nas gramáticas aparecem de modo parcimonioso no texto das peças até o ano de 1955, dando lugar a duas formas verbais inovadoras, que permitem o alçamento de um constituinte para a posição do sujeito expletivo, na segunda metade do século XX. Foi possível constatar, ao lado da implementação de sujeitos referenciais, uma clara preferência por sujeitos expressos de 1ª. e 2ª. pessoas, o que leva à confirmação parcial de minha hipótese principal. Palavras-Chave: Modalidade; Verbos auxiliares, verbos predicadores e predicadores adjetivais; Estudo de mudança em tempo real.

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AUGUSTO, Evelin Azambuja. A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2015.

ABSTRACT

The aim of this research is to analyze the expression of modality (epistemic and non-

epistemic) in Brazilian Portuguese in a diachronic study. The corpus comes from

popular plays written in Rio de Janeiro along the 19th and 20th Centuries, distributed

in seven periods of time. The structures analyzed were auxiliaries, verbal and

adjectival predicates. Whereas auxiliaries allow referential subjects, modal verbs and

adjectives favor an expletive subject. Since Brazilian Portuguese prefers overt

referential subjects, our hypothesis was that the use of auxiliaries would increase along

the time. The theoretical support comes from de model proposed by Weinreich, Labov

e Herzog (2006 [1968]) associated with the Principles and Parameters Theory

(Chomsky, 1981). The results show that auxiliaries are predominant in each

synchrony, but tend to increase along the time; adjectival predicates are rare; the

verbal predicates, presented in traditional grammars, appear in a very reduced way in

the plays scripts up to 1955, but two innovative forms, allowing constituent raising to

subject position, are implemented in our system in the last half of the 20th Century.

With the auxiliaries, it was possible to observe the implementation of overt subjects

particularly in 1st and 2nd person, confirming partially our main hypothesis.

Key words: Modality; Auxiliaries; Verbal predicates; Adjectival predicates; Study of change in long term.

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AGRADECIMENTOS

“Fundamental é mesmo o amor É impossível ser feliz sozinho”

(Tom Jobim)

Nesse momento de muita felicidade, não posso deixar de agradecer às pessoas

que, de alguma forma, contribuíram para que eu chegasse até aqui.

Primeiramente, agradeço a Deus por sua infinita bondade e por tantas graças

recebidas ao longo da minha vida. À Nossa Senhora, por estar comigo em todos os

momentos, principalmente nos mais angustiantes.

À minha mãe, Elen, melhor amiga, companheira e porto-seguro, pela educação

que recebi, por ter paciência para ouvir minhas longas histórias, por me impulsionar

sempre, por torcer tanto por mim e ser minha fã número 1, enfim, pelo seu amor.

Ao Luis e à Helena, pelos momentos que vivemos juntos, pela segurança de

saber que posso contar com vocês, por me ensinarem o valor da família e do amor

sem querer nada em troca.

Ao meu pai, Augusto, Lúcia e Julia, pela torcida e incentivo de sempre. Vocês

são muito importantes para mim.

Às minhas avós, Celita e Elvira, e à minha avó emprestada, Teresinha, por

todas as orações, todo carinho e dedicação e pelos exemplos recebidos.

À família que me acolheu com tanto amor. À Hustana, por todo o incentivo, por

me ensinar tanto, pelos conselhos, as conversas e os passeios que só nós duas temos

coragem de fazer. Ao Ricardo, pela torcida e carinho, e à Teté, pela alegria de viver,

pelas várias coisas emprestadas ao longo desses 8 anos (rs). Obrigada por me

receberem em suas vidas de braços abertos.

Ao meu amor, melhor amigo e companheiro, Ivan, por me fazer uma pessoa

melhor, estar sempre presente, me dar forças, me ajudar em tantas coisas, pelo seu

amor e carinho e por dividir a sua vida comigo.

Aos presentes que a Faculdade de Letras me deu: Lu e Victor, pela amizade

sólida, pelos momentos que vivemos juntos e por todas as risadas. Edu, pelas nossas

internas que tanto me divertem, por me salvar em Francês diversas vezes e por ser

esse amigo leal e verdadeiro. Ju, por acreditar em mim, me escolher, entre tantas

opções, para ser sua sucessora, por guiar meus passos acadêmicos, por sua alegria

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contagiante e seu carinho, mesmo quando briga comigo! Bruna Cupello, Jéssica Uhlig,

Jéssica Magalhães e Maria, cada uma de vocês, que têm personalidades tão

diferentes, é muito importante pra mim.

Aos meus amigos de sempre: Vivi, Camila, Manu, Clarinha, Ju, Tiago, Marcelo,

pela amizade verdadeira e sólida, apesar de não estarmos sempre juntos, por toda

força, incentivo e histórias que vivemos juntos.

Aos meus Maanamigos, por todas as orações, por entenderem a minha

ausência nos últimos meses e por me levarem para mais perto de Deus.

Aos meus colegas do Radical e do Eliezer, sobretudo à Liana Zaroni, pela

oportunidade que me deu, por acreditar na minha capacidade e me substituir sempre

que preciso, e ao Alexandre Valuzuela, por me ensinar tanto e me motivar a crescer

e a aprender cada vez mais.

À Gabriela Mourão, por aguentar meus momentos de desespero e tensão,

quase nenhum (rs), responder minhas mil perguntas e dividir esse momento

“mestranda” comigo. À Mayara Nicolau, por estar sempre disponível e me ajudar tanto.

Aos professores doutores Gilson Freire, Juliana Marins, Ângela Bravin e

Humberto Soares da Silva, por aceitarem fazer parte da minha banca.

À minha orientadora Maria Eugênia, por me ensinar tanto, por sua orientação

impecável, pelas broncas que me fizeram crescer muito e por ter me aceitado como

sua orientanda. Sem você, eu não teria conseguido!

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... . 14

CAPÍTULO 1- PONTOS DE PARTIDA ............................................................... . 17

1.1 O tratamento da modalidade nas gramáticas tradicionais ............................. . 17

1.2 A modalidade no âmbito dos estudos linguísticos ......................................... . 20

1.3 A expressão da modalidade nas gramáticas descritivas contemporâneas do

português ............................................................................................................ . 22

1.4 A expressão da modalidade em estudos empíricos e teóricos ...................... . 27

CAPÍTULO 2 - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLOGIA ................... . 32

2.1 A Teoria da Variação e Teoria Gerativa ........................................................ . 32

2.1.1 O modelo teórico de estudo da mudança adotado - A Sociolinguística da

Variação .............................................................................................................. . 33

2.1.2 A teoria linguística adotada – o tratamento da modalidade e o modelo

de princípios e parâmetros .................................................................................. . 35

2.1.2.1 O tratamento da modalidade ................................................................... . 35

2.1.2.2 O modelo de princípios e parâmetros ...................................................... . 37

2.2 Objetivos e hipóteses .................................................................................... . 39

2.3 Procedimentos metodológicos ...................................................................... . 40

2.3.1 A amostra ................................................................................................... . 41

2.3.2 O envelope da variação .............................................................................. . 43

2.3.2.1 A variável sociolinguística ....................................................................... . 43

2.3.2.2 Os grupos de fatores ............................................................................... . 44

CAPÍTULO 3 – A ANÁLISE ................................................................................ . 53

3.1 Distribuição geral das estratégias ................................................................. . 53

3.2 A análise da modalidade epistêmica ............................................................. . 54

3.2.1 As formas de expressão da modalidade epistêmica .................................. . 54

3.2.2 Tipos de predicador verbal ......................................................................... . 57

3.3.3 Tipos de predicador adjetival ...................................................................... . 58

3.2.4 Tipos de verbo auxiliar ............................................................................... . 61

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3.2.5 A referência do sujeito ................................................................................ . 63

3.2.6 Os sujeitos de referência arbitrária ............................................................. . 66

2.7 Os sujeitos de referência definida ................................................................. . 67

3.2.8 A forma de realização do sujeito ................................................................ . 70

3.3 A análise da modalidade não-epistêmica ...................................................... . 75

3.3.1 Distribuição geral das estratégias por tipo de modalidade não-epistêmica .. 75

3.3.2 As formas de expressão da modalidade não-epistêmica ........................... . 77

3.3.3 O predicador verbal .................................................................................... . 79

3.3.4 Tipos de predicador adjetival ...................................................................... . 80

3.3.5 Tipos de verbo auxiliar ............................................................................... . 82

3.3.6 A referência do sujeito ................................................................................ . 85

3.3.7 Os sujeitos de referência arbitrária ............................................................. . 87

3.3.8 Os sujeitos de referência definida .............................................................. . 90

3.3.9 A forma de realização do sujeito ................................................................ . 92

3.4 O que dizem os resultados ............................................................................ . 97

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ . 99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 104

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: A trajetória das estratégias para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo .................................................................................................... 56 Gráfico 2: A trajetória dos verbos poder e dever para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo ............................................................................. 63 Gráfico 3: Distribuição das estruturas para a expressão da modalidade epistêmica segundo a referência do sujeito ao longo do tempo ............................................ 65 Gráfico 4: A realização dos sujeitos referenciais nulos (vs plenos) para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo ................................................... 71 Gráfico 5: A trajetória das estratégias para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo ............................................................................................... 78 Gráfico 6: A trajetória dos verbos poder, dever, ter que/ter de e precisar para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo ............................ 84 Gráfico 7: Distribuição das estruturas para a expressão da modalidade não-epistêmica segundo a referência do sujeito ao longo do tempo ............................................ 87 Gráfico 8: A realização dos sujeitos referenciais nulos (vs plenos) para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo ............................................. 93

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Distribuição dos dados levantados segundo o tipo de modalidade ..... 53 Tabela 2: Formas de expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo .. 55 Tabela 3: Tipos de predicadores verbais para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo ............................................................................................... 58 Tabela 4: Tipos de predicadores adjetivais para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo ............................................................................. 60 Tabela 5: Tipos de verbos auxiliares para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo .................................................................................................... 62 Tabela 6: Referência do sujeito ao longo do tempo (modalidade epistêmica) .... 65 Tabela 7: Realizações dos sujeitos de referência arbitrária ao longo do tempo (modalidade epistêmica) ..................................................................................... 67 Tabela 8: Distribuição dos sujeitos de referência definida ao longo do tempo (modalidade epistêmica) ..................................................................................... 69 Tabela 9: A expressão dos sujeitos de referência definida referenciais nulos (vs plenos) ao longo do tempo (modalidade epistêmica) .......................................... 70 Tabela 10: Distribuição dos dados levantados segundo o tipo de modalidade não- epistêmica ........................................................................................................... 76 Tabela 11: Formas de expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo ............................................................................................................................. 78 Tabela 12: Tipos de predicadores adjetivais para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo ............................................................................. 81 Tabela 13: Tipos de verbos auxiliares para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo ............................................................................. 84 Tabela 14: Referência do sujeito ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) ............................................................................................................................. 86 Tabela 15: Distribuição dos sujeitos de referência arbitrária ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) .............................................................................. 89 Tabela 16: Distribuição dos sujeitos de referência definida ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) .............................................................................. 92 Tabela 17: A expressão dos sujeitos de referência definida nulos (vs plenos) ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) .............................................................. 93

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Relação das peças teatrais (PB) e sua distribuição em períodos de tempo ........................................................................................................................... 42

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INTRODUÇÃO

No âmbito da teoria linguística contemporânea, entende-se por modalidade a

expressão da atitude do falante, indicando necessidade, obrigação, possibilidade

e permissão (NEVES, 2000; OLIVEIRA, 2003, entre outros). É possível encontrar

inúmeros trabalhos que tratam dessa categoria, que pode ser expressa por diferentes

formas gramaticais. Esta pesquisa visa a investigar a expressão da modalidade dentro

de uma perspectiva “paramétrica”, que analisa a preferência por algumas formas em

detrimento de outras, levando em conta uma importante mudança que se dá no

português do Brasil (PB) no que diz respeito à marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo

(PSN), que passa de língua de sujeito nulo “consistente” para língua de sujeito nulo

“parcial” (ROBERTS e HOLMBERG, 2010), o que significa sujeitos pronominais

referenciais preferencialmente expressos, além de exibir uma competição entre

sujeitos expletivos nulos e sentenças pessoais, seja através da inserção ou alçamento

de constituintes para a posição estrutural do sujeito, evitando um expletivo nulo.

Por essa razão, interessam a este trabalho as formas que se relacionam à

posição do sujeito, como os verbos auxiliares modais (como poder e dever),

predicadores verbais (como cumprir e convir) e predicadores adjetivais (como possível

e preciso). É preciso acrescentar que estes sempre projetam uma estrutura com

expletivo, quando construídos com o verbo ser em estruturas como: é preciso, é

necessário, entre outras. Enquanto os verbos auxiliares, na sua maioria, projetam um

sujeito referencial, a menos que se combinem com um predicado existencial, os

predicadores verbais e adjetivais projetam sempre sentenças impessoais, com um

expletivo nulo, como podemos ver, respectivamente, a seguir:

(1) Alice: Mas nós não vamos lutar pela igualdade de oportunidades, igualdade de

salários, igualdade de direitos, enfim. E essa luta tem que começar aqui.

(A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975)

(2) Ambrósio: Øexpl Basta [que se compre uma caixinha com soldadinhos de

chumbo].

(O noviço, Martins Pena, 1845)

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(3) Doroteia: De qualquer maneira Øexpl é preciso [preparar o espírito do

Candinho], para que êle não de importância a qualquer grosseria do Carlos.

(O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937)

Um tópico que causa bastante divergência em relação à modalidade é a sua

classificação. De forma geral, consideram-se duas classificações: deôntica (quando

indica obrigação ou permissão) e epistêmica (quando está ligada às crenças e

opiniões do falante, indicando possibilidade/probabilidade). No entanto, como

veremos no capítulo 2, outras propostas são apresentadas, sem que se perca essa

classificação mais geral. Utilizo a proposta de Neves (2006), que separa a categoria

em dois tipos: a) epistêmica e b) não-epistêmica. Essa última, nos moldes de Palmer

(2001 [1986]), abarca as modalidades deôntica (que expressa permissão e obrigação

e está no eixo da conduta) e dinâmica (que expressa habilidade e capacidade e está

no eixo da habilidade). É possível ver exemplos de expressão da modalidade

epistêmica e da modalidade não-epistêmica – deôntica e dinâmica –,

respectivamente, em (4), (5) e (6), respectivamente:

(4) Filipe: E essas dificuldades devem ter sido bem grandes; porque há quinze dias

que o ministério está organizado, e ainda não se pôde achar um ministro para

a Marinha.

(Caiu o ministério, França Júnior, 1882)

(5) Madalena: Preciso ir lá dentro dar umas ordens.

(O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

(6) Dolores: Psiu... que besteira é essa... tu pode arrumar um homem tão melhor.

Chora, não, Margareth. Não vale o esforço.

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

O principal objetivo do trabalho é analisar como as formas de expressão de

modalidade se comportam ao longo o tempo no Português Brasileiro. Espero que, por

causa da mudança mais geral por que passa o PB, na qual há uma tendência a evitar

sujeitos referenciais nulos e ocupar a posição disponível à esquerda de sentenças

impessoais, o número de construções com verbos plenos e predicadores adjetivais

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diminuirá ao longo do tempo. Já em relação às construções com verbos auxiliares,

acredito que sejam cada vez mais utilizadas, justamente por projetarem uma posição

de sujeito preferencialmente referencial. Além disso, creio que os sujeitos referenciais

das construções com verbos auxiliares serão cada vez mais preenchidos, sobretudo

a 1ª e a 2ª pessoa, que já se encontram plenamente implementadas na fala

espontânea.

A fim de mostrar o comportamento das diferentes formas de expressão da

modalidade, utilizo uma amostra de peças teatrais cariocas distribuídas em sete

períodos ao longo dos séculos XIX e XX, tal como proposto por Duarte (1993). Adoto

como pressupostos teóricos a Teoria da Mudança Linguística (WEINREICH, LABOV

e HERZOG, 2006 [1968]), sobretudo, no que diz respeito ao encaixamento da

mudança, associada à Teoria de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981), no que

concerne à marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN).

Este trabalho se compõe de três capítulos. No primeiro capítulo, são

apresentados o tratamento da modalidade nas gramáticas tradicionais, a abordagem

da categoria no âmbito dos estudos linguísticos e nas gramáticas descritivas

contemporâneas do português, além da revisão de alguns estudos já realizados a

respeito do tema.

No segundo capítulo, trato dos pressupostos teóricos que orientam a pesquisa,

refino meus objetivos e hipóteses e descrevo os procedimentos metodológicos

utilizados, que incluem a descrição da amostra e os grupos de fatores levantados.

No terceiro capítulo, apresento a análise dos resultados e sua interpretação à

luz dos grupos de fatores utilizados, mostrando a evolução das três formas ao longo

dos períodos de tempo analisado. Por fim, a partir dos resultados encontrados,

apresento as considerações a que esta pesquisa permite chegar.

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CAPÍTULO 1:

PONTOS DE PARTIDA

Introdução

Neste capítulo, discutirei o tratamento que a categoria modalidade recebe. Por

se tratar de uma categoria a merecer tratamento especial somente a partir da evolução

dos estudos que se inserem no âmbito da Linguística, é natural que ela não apareça

explicitamente como uma categoria na tradição gramatical, e, consequentemente, nos

livros didáticos, que ainda seguem as descrições tradicionais. Como referi, o estudo

dessa categoria se dará a partir do desenvolvimento dos estudos linguísticos, com

uma breve menção em Lyons (1979 [1968]) e com o clássico artigo de Palmer

(2001[1986]). Algumas gramáticas descritivas atuais, elaboradas a partir da

sustentação de uma teoria linguística, se preocupam em incluir a modalidade, que,

por ser tratada justamente à luz dessas diferentes perspectivas teóricas, acaba por

abarcar uma gama muito variada de nuances, o que é natural quando se trata de tema

tão complexo. Embora esta breve revisão possa abranger um quadro mais amplo e

divergente, meu objetivo, como anunciei na introdução, é analisar apenas um conjunto

de estruturas que veiculam a modalidade epistêmica e não-epistêmica, nos termos de

Neves (2006), e a forma como esse conjunto interage com outras mudanças no nosso

sistema.

1.1 A expressão da modalidade nas gramáticas tradicionais e nos livros

didáticos 1

Embora desde os gregos já se fizesse a distinção entre dictum e modus, a

tradição gramatical, desenvolvida ao longo da Idade Média e dos séculos

subsequentes, não apresenta uma descrição e sistematização da categoria

modalidade. Enquanto o dictum diz respeito à parte referencial, quando o falante

apresenta o conteúdo referencial assertivamente ou interrogativamente, por exemplo,

1 Meu interesse em analisar os livros didáticos, além das gramáticas tradicionais, é mostrar que, apesar da importância dessa categoria, diferentemente do que ocorre no ensino de inglês, por exemplo, em que é sistematizada, normalmente, não há abordagem desse tópico ou sua sistematização nos livros didáticos. Isso reflete a não abordagem da categoria na escola, o que considero um equívoco, já que o falante utiliza a categoria modalidade frequentemente, sem conhecê-la e refletir sobre ela.

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o modus diz respeito à atitude do falante em relação à situação representada. Na

maioria das nossas gramáticas tradicionais, os autores sobrepõem os conceitos e de

modo e de modalidade. Exemplo disso é a gramática de Cunha e Cintra (2013 [1985],

p.462), em que dizem: “Entende-se por MODO [...], a propriedade que o verbo tem de

indicar a atitude (de certeza, de dúvida, de suposição, de mando, etc.) da pessoa que

fala em relação ao fato que enuncia”. Como se observa, a atitude do falante seria

expressa através dos modos verbais – o indicativo, o subjuntivo e o imperativo. Os

autores não fazem referência a outras formas de expressar essas atitudes e crenças,

entre as quais estão os verbos auxiliares, os predicadores verbais e os predicadores

adjetivais, que interessam a esta pesquisa.

Rocha Lima (2011 [1957], p.168), entretanto, além de afirmar que “o MODO

caracteriza as diversas maneiras sob as quais a pessoa que fala encara a significação

contida no verbo”, referindo-se ao indicativo, subjuntivo e imperativo, faz uma rápida

menção aos verbos auxiliares modais, ao tratar do emprego do infinitivo não-

flexionado. Mostra-nos que um dos casos em que esse aparece é quando se agrega

um verbo principal a um auxiliar, formando uma unidade semântica: “Em português,

esses verbos que habitualmente REGEM OUTRO VERBO são os seguintes: poder,

saber, querer e dever, chamados ‘auxiliares modais’” (op. cit: p. 504). Por fim, o autor,

ao descrever as orações substantivas subjetivas, menciona um trecho do Manual de

análise – léxica e sintática, de 1955, de José Oiticica, importante estudioso dos

processos de estruturação sintática e referência no assunto, e cita alguns verbos

plenos e adjetivos predicadores, que hoje se incluem entre categorias que veiculam

modalidade, mostrando certas ideias que eles carregam, sem, entretanto, dedicar-se

de fato à descrição da modalidade no português.

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Costuma haver certa vacilação no pronto reconhecimento das orações substantivas subjetivas. Atente-se, pois, para os principais esquemas de construção em que elas figuram – observando-se particularmente os verbos da oração principal. “São os seguintes, quando em terceira pessoa e seguidos de que, ou se:

a) De conveniência: convém, cumpre, importa, releva, urge, etc.2 b) De dúvida: consta, corre, parece, etc. c) De ocorrência: acontece, ocorre, sucede, etc. d) De efeito moral: agrada, apraz, admira, dói, espanta, punge, satisfaz, etc. e) Na passiva: conta-se, sabe-se, dir-se-ia, é sabido, foi anunciado, ficou provado, etc. f) Nas expressões dos verbos ser, estar e ficar, com substantivo, ou adjetivo: é bom, é verdade, está patente, ficou claro, etc.” (ROCHA LIMA 2011 [1957]: 328)

Em Bechara (2009 [1961], p. 253-254), igualmente, apenas a categoria modo

é contemplada, como podemos ver no trecho:

Modo – Assinala a posição do falante com respeito à relação entre a ação verbal e seu agente ou fim, isto é, o que o falante pensa dessa relação. O falante pode considerar a ação como algo feito, como verossímil – como um fato incerto –, como condicionada, como desejada pelo agente, como um ato que se exige do agente, etc., e assim se originam os modos: indicativo, subjuntivo, condicional, optativo, imperativo. (BECHARA 2009 [1961]: 253-254)

No entanto, tal como ocorre em Rocha Lima, ao tratar das aplicações dos

verbos auxiliares, destaca os verbos auxiliares modais, como é possível observar a

seguir:

Os auxiliares modais se combinam com o infinitivo ou gerúndio do verbo principal para determinar com mais rigor o modo como se realiza ou se deixa de realizar a ação verbal: a) necessidade, obrigação, dever: haver de escrever, ter de escrever, dever escrever, precisar (de) escrever, etc. b) possibilidade ou capacidade: poder escrever, etc. c) vontade ou desejo: querer escrever, desejar escrever, odiar escrever, abominar escrever, etc. d) tentativa ou esforço; às vezes com o sentido secundário depreendido pelo contexto, de que a tentativa acabou em decepção (foi buscar lã e saiu tosquiado): buscar escrever, pretender escrever, tentar escrever, ousar escrever, atrever-se a escrever, etc. e) consecução: conseguir escrever, lograr escrever, etc.

2 Apesar de Rocha Lima englobar os verbos convir, urgir e cumprir sob o mesmo rótulo, em que se tem uma ideia de conveniência, nesse trabalho, considero os verbos convir e bastar epistêmicos, por perceber que, ao utilizá-los, o falante expressa sua opinião e não denota uma ideia de obrigação/necessidade, como no caso dos verbos cumprir e urgir, os quais consideramos não-epistêmicos. Algumas definições de convir, por exemplo, encontradas em alguns dicionários, sobretudo no Houaiss, nos dão esse embasamento, como é possível ver a seguir: Definição de convir Dicionário Houaiss: 1. Concordar, aceitar, admitir. Ex: Convenhamos em que suas observações são impertinentes. 2. Vir a propósito, servir. Ex: Este é o apartamento que nos convém. 3. Ser conveniente, adequado, útil. Ex: Vamos fechar negócio porque o preço convém.

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f) aparência, dúvida: parecer escrever, etc. g) movimento para realizar um intento futuro (próximo ou remoto): ir escrever, etc. h) resultado: vir a escrever, chegar a escrever, etc. (BECHARA 2009 [1961]: 277)

Conforme se vê, na descrição desses dois autores, a noção de modalidade só

aparece explicitamente quando tratam dos verbos auxiliares. Ainda que alguns verbos

plenos e estruturas com predicadores adjetivais analisados nesta pesquisa para

veicular essa categoria (como convir, cumprir, é bom, entre outros) sejam

contemplados na gramática de Rocha Lima quando ele cita Oiticica, nesses casos,

não há uma associação com a categoria modalidade, porque, naturalmente, como

vimos, ela não estava desenvolvida no âmbito da tradição gramatical.

Os livros didáticos seguem a mesma direção da gramática de Cunha e Cintra

(2001). No livro didático de Paschoalin & Spadoto (2008, p. 103), há apenas uma

pequena definição de modo “é a indicação da atitude de quem fala em relação ao fato

expresso pelo verbo”, excluindo, mais uma vez, a noção de modalidade. O mesmo

ocorre com a gramática de Ulisses Infante (2008, p. 165), que indica que o modo

verbal é uma atitude: “De uma forma geral, os modos verbais decorrem de três

atitudes diferentes de quem fala ou escreve” e não faz menção à categoria em

questão. Nessa gramática didática, seguindo também o que se viu na tradição

gramatical, há uma pequena seção a respeito dos verbos auxiliares, em que os

auxiliares modais poder e dever são citados e, a própria conceituação já deixa ver a

veiculação das noções de capacidade, possibilidade, dever, obrigação: “Poder e dever

são auxiliares que exprimem a potencialidade ou a necessidade de que determinado

processo se realize ou não: Eles podem trabalhar. Eles devem trabalhar” (op. cit: p.

177).

Como vimos, embora o conceito de modalidade não seja tratado como uma

categoria, pelas razões acima expostas, os auxiliares modais aparecem de maneira

pouco sistemática na tradição gramatical.

1.2 A modalidade no âmbito dos estudos linguísticos

Em seu clássico e pioneiro livro Introdução à Linguística Teórica, Lyons (1979

[1968]) ao descrever a categoria modo, diz que:

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O modo, como o tempo, frequentemente se realiza pela flexão do verbo ou

por sua modificação por meio de “auxiliares”. (LYONS 1979 [1968]: 322)

Segundo ele, as frases declarativas são neutras, não-marcadas, no que diz

respeito à atitude do falante, ao contrário das frases imperativas e interrogativas, que

são marcadas. Até esse momento, o autor não fala em modalidade. Posteriormente,

diz que, ao nos voltarmos a outras modalidades, que não sejam de ordem ou

interrogação, é possível encontrar uma grande variedade de maneiras nas diferentes

línguas pelas quais a ‘atitude’ do falante é gramaticalmente marcada. De acordo com

o autor, é possível pensar em pelo menos três escalas de modalidade:

a) a do desejo ou da intenção, como em: Tenha um bom dia.

b) a da necessidade ou da obrigação, como em: Eu tenho que comprar detergente.

c) a da certeza ou possibilidade, como em: Ele deve estar cansado.

O autor dá pistas sobre a dificuldade em sistematizar a categoria modalidade e

diz que preferiu nomear os tipos de modalidade como escalas por perceber que elas

podem ser subdivididas em um número maior ou menor de classificações, como

necessidades ou obrigações mais ou menos fortes. Além disso, mostra que as línguas

podem fundir duas ou três dessas escalas ou nem mesmo reconhecê-las

gramaticalmente. Em poucas linhas – na realidade o autor não dedica grande espaço

à modalidade – ficam claras para o leitor a complexidade da categoria e a perspicácia

do autor em tratar os tipos como escalas. No que se refere ao presente estudo,

podemos dizer que os itens B e C já incluem os elementos de que vamos tratar.

Um autor importante no estudo da modalidade é Palmer (2001[1986]), que

entende a categoria como “a gramaticalização das atitudes e opiniões (subjetivas) do

falante”. Em relação aos marcadores gramaticais que podem expressar essa

categoria nas línguas, o autor cita três: a) os sufixos, clíticos e partículas individuais;

b) a flexão e c) os verbos modais. Para ele, há dois tipos de modalidade: a)

proposicional (que se subdivide em modalidade epistêmica e modalidade evidencial);

b) de evento (que se subdivide em modalidade deôntica e modalidade dinâmica).

Enquanto a modalidade epistêmica diz respeito ao julgamento do falante em relação

ao valor de verdade ou ao status factual da proposição, como em: (a) O João deve

estar em seu escritório (ideia de probabilidade), a modalidade evidencial diz respeito

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a evidências que o falante tem para o status factual da proposição3, como em: (b)

Qualquer um pode ver que você está doente. Como podemos ver, ambas estão

ligadas à atitude do falante em relação ao valor de verdade ou status factual da

proposição. A modalidade deôntica denota obrigação ou permissão vinda de uma

fonte externa, como em: (c) O João pode entrar na sala agora (ideia de permissão). A

modalidade dinâmica, por sua vez, expressa habilidade/capacidade, que vem do

indivíduo em questão, como em: (d) O João pode/consegue correr um quilômetro em

cinco minutos (ideia de capacidade).

É possível notar semelhanças entre o que os dois autores dizem a respeito da

expressão da modalidade. Podemos associar os dois primeiros tipos de modalidade

apresentados por Palmer, a epistêmica e a evidencial, à terceira escala de Lyons, já

que dizem respeito ao grau de certeza do falante, incluindo a noção de

possibilidade/probabilidade. A modalidade deôntica, por sua vez, pode ser relaciona

à segunda escala de Lyons, pois ambas tratam da ideia de obrigação ou necessidade.

Lyons, no entanto, não fala, como Palmer, da noção de permissão que essa

modalidade pode expressar. Por fim, o último tipo de modalidade de Palmer, a

modalidade dinâmica, pode ser associada à primeira escala de Lyons, uma vez que

tratam da ideia de vontade. A noção de habilidade, que também é expressa pela

modalidade dinâmica e interessa a este trabalho, não é citada por Lyons, constituindo,

assim, uma inovação do estudo de Palmer.

1.3 A expressão da modalidade nas gramáticas descritivas contemporâneas do

português

As gramáticas recentes que incorporam os estudos linguísticos, de uma forma

geral, dedicam uma seção à categoria modalidade. Muitas delas se preocupam em

distinguir as categorias modo e modalidade e em tratar dos tipos de modalidade.

No âmbito das gramáticas descritivas portuguesas, podemos destacar os

estudos de Oliveira (2003) e Oliveira e Mendes (2013). De acordo com a primeira,

pode-se definir, linguisticamente, modalidade como a gramaticalização de atitudes e

opiniões dos falantes, ideia que retoma Palmer. Segundo a autora, entre as formas de

3 Esse tipo de modalidade está ligado às evidências sensoriais que o falante tem para chegar demonstrar sua opinião, sobretudo, no que diz respeito aos sentidos visão, olfato e audição. Isto é, ele faz uma afirmação a partir do que viu, sentiu ou ouviu.

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se expressar essa categoria, podem-se citar os verbos modais poder e dever; verbos

que dão ideia de obrigação, necessidade, crença do falante, como ter de/que, precisar

de e saber, respectivamente; advérbios (como provavelmente, necessariamente) e

adjetivos (como possível, capaz, certo); os tempos verbais imperfeito, futuro e

condicional e os modos indicativo, subjuntivo e imperativo. Para ela, “Os domínios de

possibilidade e necessidade são variantes paradigmáticas, que se realizam em quatro

domínios, modalidades interna ao participante, externa ao participante, deôntica

e epistêmica” (op.cit: p. 248). Em uma nota de rodapé, descreve melhor esses quatro

tipos de modalidade:

No primeiro caso lidamos com a capacidade e necessidade (interna do

participante). No segundo caso estamos a lidar com circunstâncias que são

externas ao participante envolvido numa situação, mas que a tornam possível

ou necessária. A modalidade deôntica diz respeito às circunstâncias externas

(pessoais, regras sociais ou normas...) que permitem ou obrigam o

participante a envolver-se na situação. Por último, a modalidade epistêmica

está relacionada com o domínio da incerteza, da probabilidade. (OLIVEIRA,

2003, p. 248)

Em texto publicado na Gramática do Português (RAPOSO et al. 2013) dez anos

mais tarde, a mesma autora, em pareceria com Mendes (cf. OLIVEIRA E MENDES,

2013, p. 623), reafirma que a modalidade “é a forma de exprimir, por meios

linguísticos, atitudes e opiniões dos falantes ou das entidades referidas pelo sujeito

sobre o conteúdo proposicional dos enunciados que produzem.” De acordo com as

autoras, o primeiro valor modal, a modalidade epistêmica, diz respeito aos graus de

certeza ou avaliação da probabilidade em relação ao conteúdo proposicional da frase,

como por exemplo:

(1) É possível que chova amanhã.

O segundo valor modal diz respeito à capacidade ou à necessidade interna,

psicológica ou física, do sujeito de determinados predicadores, como saber, ser capaz,

precisar, como nos exemplos:

(2) João pode/consegue correr bem rápido.

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(3) Maria precisa dormir muito.

O terceiro valor modal é o valor deôntico, que diz respeito aos atos de

permissão e de imposição de uma obrigação que envolvem participantes na situação

descrita pela frase, como por exemplo:

(4) Você tem que devolver esses documentos hoje.

O quarto valor modal é chamado de externo aos participantes, porque a

possibilidade ou necessidade de um determinado evento podem ser resultado de

fatores externos aos participantes, não sendo controláveis por estes, como em:

(5) É necessário que as pessoas esperem outro metrô devido à lotação deste.

O último valor modal explicitado por elas é o valor desiderativo, que diz respeito

à volição ou ao desejo, e não interessa a este trabalho, como no seguinte exemplo:

(6) A menina quer sair de casa.

As autoras, assim como outros autores, citam as diversas formas de se

expressar a categoria modalidade nas línguas, como: verbos semiauxiliares modais

(poder, dever, ter de etc.); verbos plenos que veiculam valores modais (saber, permitir,

obrigar etc.); advérbios (possivelmente, necessariamente, talvez etc.); adjetivos

(provável, possível, certo etc.); nomes (possibilidade, necessidade etc.), entre outros.

Resumindo, a modalidade epistêmica está ligada aos graus de certeza ou

avaliação da probabilidade em relação ao conteúdo proposicional da frase; a

modalidade deôntica diz respeito aos atos de permissão e de imposição de uma

obrigação que envolvem participantes na situação descrita pela frase; a modalidade

interna ao participante envolve a capacidade ou a necessidade interna, psicológica ou

física, do sujeito e, por último, a modalidade externa ao participante está relacionada

ao fato de a possibilidade ou necessidade de um determinado evento serem resultado

de fatores externos aos participantes, não sendo controláveis por estes.

Nas gramáticas descritivas brasileiras, destacamos Neves (2006) e Ilari e

Basso (2008). Neves (2006, p. 153) diz que “Conceituar modalidade é uma tarefa

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complexa exatamente porque esse conceito envolve não apenas o significado das

expressões modalizadas, mas, ainda, a delimitação das noções inscritas no domínio

conceptual implicado.” A autora, baseando-se em Klinge (1996), separa a categoria

em dois tipos: epistêmica e não-epistêmica (que se subdivide em deôntica e

dinâmica), o que também retoma Palmer. Segundo essa perspectiva, a modalidade

epistêmica “é a força com que o falante acredita na veracidade de uma proposição”

(op. cit: p. 161), como podemos ver em:

(7) Lá em cima é tudo bem fechado e é mais fácil de se esconder. E deve ser mais

quente, porque não venta. (NEVES, 2006, p. 162)

(8) Você pode ter estranhado eu chamar Ângela de velha. (NEVES, 2006, p. 162)

A modalidade deôntica “é a maneira como um ato é socialmente ou legalmente

circunscrito” (op.cit: p. 162), como nos exemplos:

(9) Assim é que você deve fazer. (NEVES, 2006, p. 162)

(10) Bem, você pode usar a minha sala. (NEVES, 2006, p. 162)

Por fim, a modalidade dinâmica “é a maneira pela qual referentes de sintagmas

nominais de função sujeito são dispostos em direção a um ato, em termos de

habilidade e intenção4” (op.cit: p. 162), como é possível constatar em:

(11) Eu posso resolver isso para você. (NEVES, 2006, p. 162)

(12) Mas eu te amo e quero te ver sempre. (NEVES, 2006, p. 162)

Em relação ao terceiro tipo de modalidade, a dinâmica, este trabalho focará nos

casos que denotam habilidade, como no exemplo (9), e não intenção, como no

exemplo (10).

4 Neste trabalho, utilizarei apenas a ideia de habilidade/capacidade expressa pela modalidade dinâmica. Isso ocorre pelo fato de trabalhar com estruturas que denotam apenas essa ideia, e não a de intenção.

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Ilari e Basso (2008, p. 312-313) afirmam que a palavra modo indica aquilo que

se altera nas sentenças, se opondo a “dictum”, ou seja, o conteúdo proposicional que

não se altera, o que retoma Lyons. Para os autores, os modos: a) distinguem ações;

b) ajudam na distinção entre o real e o irreal; c) aparecem como parte de certos

automatismos sintáticos. Um dos eixos da “área do modo” compreende a modalização

(consideração simultânea de vários mundos possíveis). De acordo com os eles, há

modalidades de vários tipos:

a) as que tratam da possibilidade e da necessidade lógicas (modalidade alética), como

em:

(13) É impossível que um objeto seja diferente de si mesmo. (Ilari e Basso, 2008,

p.319)

b) As que tratam de permissões e obrigações (modalidade deôntica), como no

seguinte exemplo:

(14) Na ética dos católicos, o aborto é proibido.

c) as que tratam de opiniões e crenças (modalidade epistêmica.) (op.cit: p. 319), como

em:

(15) A vida dos indígenas brasileiros, antes da chegada dos portugueses, só podia

ser muito feliz.

Uma questão de extrema importância neste trabalho levantada pelos autores é

que “Modalizar é uma forma de evocar e reafirmar esses limites, e isso explica, ao

menos em parte, a forte repercussão que a modalização tem nas relações

interpessoais” (op. cit: p. 320). Para eles, ao analisarmos exemplos de modalidade

nas línguas naturais, devemos ter em mente que eles precisam ser analisados

levando em consideração seu vínculo com a realidade. Ao modalizar, o falante

considera um determinado estado de coisas a partir de conhecimentos, valores ou

obrigações que são estabelecidos e compartilhados com seu interlocutor em um

determinado momento.

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Como vimos, não há divergência entre os autores das gramáticas aqui

brevemente revistas. Embora possam incluir classificações diversas, na essência não

divergem. Como é possível perceber, colocar a categoria modalidade dentro de limites

perfeitamente demarcados não é uma tarefa fácil; por isso, é importante delimitar bem

as escolhas e parâmetros que se pressupõem, principalmente no que diz respeito ao

tipo de estrutura utilizado e ao tipo de modalidade que ele expressa/veicula. Neste

estudo, serão analisadas apenas estruturas com verbos auxiliares modais,

predicadores verbais e predicadores adjetivais. Já em relação ao tipo de modalidade,

seguiremos a classificação de Neves (2006), que classifica a categoria em modalidade

epistêmica e modalidade não-epistêmica (que engloba as modalidades deôntica e

dinâmica).

1.4 A expressão da modalidade em estudos empíricos e teóricos

Além das gramáticas descritivas, que incorporam os estudos linguísticos e se

preocupam em descrever e analisar a categoria modalidade, também é possível

encontrar diversos estudos empíricos, que buscam, através da coleta e análise de

dados, observar como se realiza efetivamente no português a modalidade, ampliando,

assim, o que se conhece sobre o assunto.

Um importante estudo a respeito do tema é o de Rigoni (1995). Em seu

trabalho, a autora faz um estudo empírico da “modalização discursiva” com base na

amostra NURC-RJ associado a uma perspectiva teórica funcional-cognitiva. A autora

concentrou sua análise na expressão do valor modal da possibilidade e analisou 786

ocorrências: 406 com o verbo poder, 280 com o verbo dever e 100 com o advérbio

talvez. Além desses auxiliares e do advérbio, também analisou 468 ocorrências de

formas de subjuntivo, outro recurso gramatical para expressar esse valor de hipótese,

possibilidade.

Um dos resultados a que a autora chega é que, no português falado, há um

gradativo desuso das formas do subjuntivo para a expressão da categoria irrealis (que

denota justamente os valores mencionados anteriormente: hipótese, possibilidade,

dúvida, condição, virtualidade), sendo preferidos recursos lexicais e marcadores

discursivos. Para ela, dessa maneira, a língua portuguesa estaria, por mecanismos

compensatórios, procedendo à gramaticalização de verbos modais e à cristalização

de marcadores discursivos co-responsáveis pela expressão do irrealis. Segundo

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Rigoni, os dados observados em seu corpus parecem representar uma tendência mais

geral por que passa o português oral: redução da complexidade frasal a estruturas

com baixo índice de subordinação formal; ampliação do campo de significação de

certos vocábulos; baixa produtividade de vocábulos muito específicos; cristalização

de marcadores que passam a substituir sentenças completas, entre outros, o que

responde a questões de um trabalho de cunho funcionalista. Neste estudo,

buscaremos verificar se nas peças mais recentes é possível constatar uma

concentração de usos dos verbos poder e dever para veicular a noção de

possibilidade, assim como constatou a autora.

Enquanto Rigoni (1995) analisa a categoria em um corpus oral, Andrade (2008)

analisa a modalização como estratégia argumentativa em textos de vestibulandos. A

autora segue uma perspectiva semântico-pragmática e uma perspectiva semântico-

discursiva, buscando, através de uma análise qualitativa, demonstrar o emprego de

estratégias discursivas para construção da argumentação e observar as variadas

formas de lexicalização e os efeitos que essas estratégias produzem para a

construção de sentido. Em seus resultados, Andrade revela que predominaram no

corpus os verbos auxiliares modais poder e dever, os mesmos encontrados por Rigoni

para a fala culta, tanto com valor deôntico como com valor epistêmico. No caso

específico do verbo dever, o valor deôntico foi mais recorrente. É possível ver

exemplos dos verbos dever e poder com sentido deôntico, respectivamente em:

(16) Essa ideia deveria restringir-se apenas a objetos, mas infelizmente esse

conceito já chegou em nossos lares. (Andrade, 2008, p.114)

(17) É fundamental sim, cuidar de nossos jovens, porém, não podemos abandonar

nossos idosos em um sofá de frente à televisão. (Andrade, 2008, p.141)

Em relação ao uso desses verbos com valor epistêmico, podemos destacar um

exemplo do verbo poder, a seguir:

(18) Aprender a conviver com idosos, num “país de jovens” pode ser bastante

complicado. Pode parecer incompreensível alguns conselhos que recebemos

desses velhos experientes (...) (Andrade, 2008, p.131)

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Para a autora, o alto número de ocorrências do verbo dever com valor deôntico

tem relação com o tema proposto, que requeria um posicionamento acerca da velhice,

envolvendo valores, opiniões formadas e crenças do mundo social. Alguns outros

tipos de modalidade são destacados pela autora, mas a que nos interessa e que,

segundo ela, também ocorreu em grande número, é a modalidade epistêmica. Nas

redações analisadas, esse tipo de modalidade se encontra em modalizadores que

expressam possibilidade, dúvida, não-certeza, principalmente quando o autor do texto

não quer se comprometer com a veracidade das informações.

Por fim, Duarte (2012a), em um estudo recente que utilizou como base teórica

o modelo de estudo da mudança apresentado por Weinreich, Labov e Herzog (2006

[1968]), conhecido como Teoria da Variação e Mudança Linguística, associado à

Teoria de Princípios e Parâmetros de Chomsky (1981), afirma que a preferência por

determinadas formas para a expressão da modalidade está ligada a uma mudança

por que passa o Português Brasileiro: a tendência a evitar sentenças impessoais, em

decorrência do preenchimento predominante dos sujeitos de referência definida; em

outras palavras, estruturas impessoais sofreriam algum tipo de consequência dessa

mudança. A autora, que analisa a fala espontânea (amostra NURC-RJ) e a escrita

veiculada em jornais veiculados no Rio de Janeiro, levanta as seguintes hipóteses: (a)

o elenco de formas encontradas na fala seria consideravelmente diferente do

encontrado na escrita? (b) entre as formas de expressão da modalidade na fala, as

que permitem a projeção de um sujeito referencial com o preenchimento da posição

do sujeito ou mesmo com um sujeito referencial nulo, como os verbos auxiliares,

seriam preferidas?

Pelos resultados da autora, constata-se que a expressão da modalidade

deôntica através de verbos predicadores plenos (cumpre, urge) é praticamente nula,

o que provavelmente está ligado ao fato de eles não projetarem um sujeito. Na fala,

os verbos auxiliares se mostram predominantes (99%), seguidos dos adjetivos (1%).

Na escrita, o resultado é parecido, embora o percentual de adjetivos (17%) seja

superior ao índice encontrado para a fala; os verbos auxiliares alcançam 83%. É digno

de destaque o fato de que se encontra apenas uma diferença quantitativa; pode-se

pensar que a mudança atestada na fala já atingiu a escrita. Já em relação à

modalidade epistêmica, há a uma diferença considerável, sobretudo na fala. Nessa,

os verbos plenos aparecem, totalizando 20% dos dados, mas se note que todas as

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ocorrências se referem a uma “estrutura inovadora” com o verbo “dar” seguido de uma

oração infinitiva regida de preposição, como em:

(19) então Øexpl não dá [pra ter uma referência, mas, Brasília é uma cidade muito

mais, organizada] (Duarte, 2012a, p.88)

Os verbos auxiliares se mostram novamente os mais recorrentes (70%) e os

predicadores adjetivais são a forma menos utilizada para expressar a categoria (10%).

Na escrita de jornais, os verbos auxiliares continuam aparecendo em maior número

(87%), seguidos dos adjetivos (12%). Os verbos plenos, também restritos a duas

ocorrências de “dar pra”, alcançam apenas (1%). Nota-se, portanto, que para a

expressão da modalidade epistêmica, os verbos auxiliares aparecem em maior

quantidade na escrita, enquanto os adjetivos e verbos plenos têm número

considerável na fala, principalmente, ao serem comparados à modalidade deôntica.

Em relação ao verbo pleno “dar”, que apresenta um expletivo nulo (ou seja, é

uma estrutura impessoal), sua ocorrência poderia contradizer a hipótese da autora.

Entretanto, estruturas com “dar”, com valor de possibilidade permitem o alçamento do

sujeito da oração subordinada, o que pode explicar sua implementação na fala,

substituindo o auxiliar “poder” e o adjetivo “possível”. Na fala popular, Duarte (2007)

encontra numerosos casos de “alçamento” do sujeito da subordinada para a posição

do expletivo nulo, o que a flexão verbal deixa evidente, como se vê em (17):

(20) [Elesi já não davam mais [pra [ti] viver juntos]]. (Duarte, 2007, p. 43)

(em vez de: [Øexpl Não dava mais [pra eles viverem juntos)

Uma construção com o verbo “ser”, seguido de uma infinitiva, que não foi

atestada na amostra de fala analisada por Duarte (2012a), mas de largo emprego na

fala popular (Amostra PEUL), permite expressar a modalidade deôntica, exibindo

estruturas paralelas às que se veem com “dar”, com o expletivo nulo em variação com

o alçamento do sujeito da subordinada:

(21) A moça disse [que Øexpl era [pra mim telefonar quinta-feira]]. (Duarte, 2007,

p.43)

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(22) [Essa ruai era [pra [ti] ter sido calçada há muito tempo]]. (Duarte, 2007, p.43)

(em vez de: [Øexpl Era [ pra essa rua ter sido caçada há muito tempo)

Diante desses resultados, é possível sugerir que há a preferência no português

do Brasil pelas construções com verbos auxiliares tanto na fala quanto na escrita. Para

a autora, essa inclinação tem relação com uma mudança maior por que passa o

Português Brasileiro, que passa de língua de sujeito nulo “consistente” para língua de

sujeito nulo “parcial”. As construções com predicadores verbais e predicadores

adjetivais, por se tratar de sentenças impessoais, tendem a ser evitadas, sobretudo

na fala. A motivação para o presente estudo vem desta hipótese, assim, minha análise

diacrônica buscará investigar se há mesmo uma tendência a reduzir o uso de

estruturas impessoais para expressar a modalidade epistêmica e não-epistêmica ao

longo do tempo.

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CAPÍTULO 2:

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLOGIA

Introdução

Neste capítulo, apresento o quadro teórico que orienta este estudo: o modelo

de estudo da variação e mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog (2006

[1968]), associado à Teoria de Princípios e Parâmetros. Focalizo três dos cinco

problemas para os quais um estudo da mudança busca respostas: o problema das

restrições, o problema da transição e o problema do encaixamento, além de alguns

conceitos básicos da Teoria de Princípios e Parâmetros (1981) – de modo particular,

o Parâmetro do Sujeito Nulo, que interessa a esta pesquisa – e retomo o tratamento

da modalidade, fenômeno investigado neste trabalho. A associação desses dois

modelos teóricos é bastante relevante para o estudo da mudança que envolve a

remarcação no valor de um parâmetro da Gramática Universal, postulado pela Teoria

Gerativa e os efeitos relacionados a uma determinada mudança, no presente caso, a

mudança em curso na remarcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo. Em

seguida, serão retomados e refinados os objetivos e hipóteses que conduzem esta

pesquisa. Por último, apresentarei a metodologia adotada, que compreende: (a)

descrição da amostra utilizada, (b) o estabelecimento dos grupos de fatores e (c) os

procedimentos na seleção e codificação dos dados, que serão processados com a

utilização do Programa Goldvarb-X.

2.1 A Teoria da Variação e a Teoria Gerativa

Este trabalho utiliza o modelo de estudo da mudança proposto por Weinreich,

Labov e Herzog (2006 [1968]) no que diz respeito à concepção da variação como

inerente ao sistema e passível de sistematização. Para pôr em prática a aplicação

desse modelo, faz-se necessária uma teoria linguística. Neste estudo, utilizo como

sustentação teórica o tratamento da modalidade dentro da teoria linguística e o

modelo de Princípios e Parâmetros de Chomsky (1981), de onde vem a hipótese

central deste trabalho. Com essa associação, é possível levantar hipóteses sobre a

mudança nas formas de expressão da modalidade e sua relação com a remarcação

do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo. Em outras palavras, essa associação permite

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observar o encaixamento do fenômeno em estudo no sistema linguístico, confirmando

ou não a hipótese de que o quadro revelado para a expressão da modalidade está

atrelado a uma mudança em curso mais ampla por que passa o PB.

2.1.1 O modelo teórico de estudo da mudança adotado - A Sociolinguística

Variacionista

O modelo de estudo da mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog

(2006 [1986]) entende a língua como um sistema heterogêneo e ordenado, rompendo

com a dicotomia sincronia/diacronia, uma vez que sua bandeira é o reconhecimento

de que a língua está sempre em movimento, com mudanças ocorrendo

constantemente em diferentes pontos da estrutura gramatical. Assim, não se pode

pensar que um recorte sincrônico é capaz de nos mostrar um sistema invariável. Pelo

contrário, de acordo com a teoria, a língua está em constante mudança, o que é

inerente ao sistema, e a competição entre formas não é desestruturada, pelo contrário,

é passível de sistematização.

Meu propósito é justamente sistematizar as formas variantes para a expressão

da modalidade epistêmica e não-epistêmica. Para guiar um estudo da mudança os

autores propõem cinco problemas para os quais devemos buscar respostas: o

problema das restrições, o problema da transição, o problema do encaixamento, o

problema da implementação e o problema da avaliação, dentre os quais focalizarei:

a) A restrição (constraints): está ligada aos condicionamentos e restrições

linguísticas e sociais que agem favorecendo ou desfavorecendo uma mudança e

condicionando seu percurso. Esse aspecto tem grande relevância para este trabalho,

já que busco refinar e analisar os contextos em que ocorrem construções com cada

uma das três formas de expressão da modalidade estudadas. Através desse princípio,

poderei verificar se há contextos que inibem ou restringem determinados usos. Este

trabalho se concentra nas restrições estruturais ou linguísticas. O autor, o perfil social,

o gênero e a presumível idade do personagem poderão ser analisados em pesquisa

futura.

b) A transição (transition): com esse princípio, procuro observar quando ocorre a

passagem de uma estrutura para outra. Essa questão é de grande relevância para

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esta análise, porque busco verificar se há indícios de mudança na linha do tempo real

– um período de dois séculos. Acredito que as estruturas com sujeitos expletivos,

como as construções com predicadores verbais e predicadores adjetivais, cairão em

desuso ao longo do tempo. Será interessante analisar em que momento ocorrerá a

diminuição ou o desaparecimento dessas estruturas. Além disso, objetivo constatar a

coincidência da queda de frequência dessas estruturas e dos sujeitos nulos, levando

em consideração o estudo de Duarte (1993).

c) O encaixamento (embedding): diz respeito à relação entre um fenômeno

específico e outras mudanças que acontecem ou que acontecerão no sistema. Nesta

pesquisa, a noção de encaixamento é essencial, já que acredito que a escolha do

falante por certas formas de expressão da modalidade em detrimento de outras está

atrelada à remarcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN), por que passa o

PB, que passa de língua de sujeito nulo para língua de sujeito nulo parcial – com este

termo, os estudos sobre essa mudança se referem ao estágio atual do PB; outros

preferem utilizar “mudança em curso”, como a orientadora deste trabalho. Esse

processo de mudança é observado em Duarte (1993), numa análise da expressão dos

sujeitos referenciais utilizando a mesma amostra que serve de base à amostra aqui

utilizada e revela que os sujeitos de referência definida começam a ser

preferencialmente expressos nas peças escritas nos anos 1930, justamente quando

o paradigma verbal começa a se reduzir em consequência da entrada de novos

pronomes em, nosso sistema (como você e a gente, que se combinam com a forma

não marcada de terceira pessoa do singular, graças à sua origem nominal). Segundo

W,L&H, nenhuma mudança no sistema é acidental – ela é consequência de outras e

sempre leva a outras mudanças.

O problema da implementação – que conjuga a origem e a propagação da

mudança (actuation) – bem como o problema da avaliação (evaluation) – que leva em

conta a percepção do falante de uma forma inovadora ou conservadora e tem grande

importância no progresso ou no refreamento da mudança – fogem ao escopo deste

trabalho.

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2.1.2 A teoria linguística adotada – o tratamento da modalidade e o modelo de

Princípios e Parâmetros

Neste estudo, investigo a expressão da modalidade dentro de uma perspectiva

paramétrica, levando em conta uma importante mudança que se dá no português do

Brasil, que passa de língua de sujeito nulo para língua de sujeito nulo parcial,

apresentando sujeitos pronominais referenciais preferencialmente expressos.

Torna-se necessário, dessa forma, descrever a teoria linguística adotada, a

Teoria de Princípios e Parâmetros, e a proposta de tratamento da modalidade, dentre

as várias possíveis, que utilizarei.

2.1.2.1 O tratamento da modalidade

Conforme visto no capítulo 1, linguisticamente, modalidade é a categoria que

serve para expressar a atitude do falante, denotando permissão, obrigação,

possibilidade, crenças, entre outros (Neves, 2000; Oliveira, 2003, entre outros). Há

diversas formas de expressá-la. Meu trabalho focalizará os predicadores verbais

(como cumprir e convir), os predicadores adjetivais (como possível, preciso,

necessário, obrigatório) em construções com o verbo ser (como é possível e é

necessário) e os verbos auxiliares modais (como poder, dever e ter de/ ter que).

Embora os advérbios sejam importantes modalizadores, o interesse desta pesquisa

está na posição do sujeito, que os modais mencionados vão permitir observar: os

predicadores verbais e adjetivais, por projetarem sentenças impessoais deverão dar

lugar às construções perifrásticas, que, em geral, projetam um sujeito referencial.

Entre as várias classificações que a categoria recebe, as mais comuns são: a)

deôntica (quando indica obrigação ou permissão) e b) epistêmica (quando está ligada

às crenças e opiniões do falante, indicando possibilidade/probabilidade). No entanto,

ao analisar os dados de expressão da modalidade coletados, percebi que somente

essas duas classificações não dariam conta de abarcar todos os exemplos

encontrados. Por esse motivo, optei por seguir a proposta de classificação da

modalidade de Neves (2006), que propõe dois tipos: epistêmica e não-epistêmica

(que se subdivide em deôntica e dinâmica), o que retoma, de alguma forma, a

classificação pioneira de Palmer (1986). Segundo essa perspectiva, a modalidade

epistêmica está relacionada à crença do falante em relação ao conteúdo da sentença,

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expressando possibilidade. A modalidade deôntica está ligada ao campo da conduta,

expressando permissão e obrigação, enquanto a modalidade dinâmica diz respeito à

capacidade/vontade do indivíduo em questão em relação ao conteúdo proposicional.

Por esse motivo, a partir desse momento, classificarei a modalidade nas seções e

capítulos seguintes em epistêmica e não-epistêmica, e esta posteriormente será

subdividida em deôntica e dinâmica.

É preciso enfatizar que um mesmo valor modal pode ser expresso por formas

diferentes, enquanto uma mesma forma pode veicular diferentes valores modais. Isso

pode ser visto nos exemplos a seguir:

(1) Magali: O Arnaldo, o meu filho, tá com vinte anos. Fica doido prá pegar o carro.

Edmundo não deixa. Sobra prá mim, porque sou eu quem tem que esquentar

o carro, toda tarde.

(Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992)

(2) Henrique: Øexpl É preciso que a todo o transe se levante uma barreira entre ti e

o filho da Ilha Grande. Vê se achas um meio, anda, inspira-me.

(O tipo brasileiro, França Júnior, 1872)

(3) Eduardo, tocando sempre com entusiasmo: Sublime! Sublime! Bravo! Bravo!

Fabiana, batendo com o pé, raivosa: Irra!

Eduardo, deixando de tocar: Acabou-se. Agora Ø2ps pode falar.

(Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845)

(4) Manfredo: Sabe o que eu pensei?

Dorinha: Que é?

Manfredo: Que seu padrasto bem podia nos dar um automóvel como

presente de núpcias.

(O troféu, Armando Gonzaga, 1933)

Como é possível ver, nos exemplos (1) e (2), o verbo ter (que) e o predicador

adjetival preciso, formas diferentes, expressam a mesma ideia de

necessidade/obrigação. Já nos exemplos (3) e (4), notamos que o mesmo verbo

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auxiliar modal pode veicula valores diferentes, de permissão e possibilidade,

respectivamente.

2.1.2.2 O modelo de Princípios e Parâmetros

De acordo com a Teoria Gerativa, todo indivíduo é dotado de um dispositivo

inato que lhe permite adquirir uma gramática, desde que exposto aos dados primários,

que não são apresentados a ele de maneira ordenada. Graças à faculdade da

linguagem, toda pessoa é capaz de “construir” sua gramática durante a infância. De

acordo com pressupostos gerativistas, o papel da Teoria Gerativa é desenvolver um

modelo teórico que permita descrever e explicar o funcionamento dessa faculdade. O

modelo teórico gerativista utilizado neste estudo é a Teoria de Princípios e

Parâmetros, desenvolvido a partir dos anos 1980. Enquanto os princípios dizem

respeito às propriedades gramaticais válidas para todas as línguas naturais, os

parâmetros são responsáveis pela possibilidade de variação entre as línguas, sempre

marcados de forma binária, [+] positivo e [-] negativo. Foge aos limites deste trabalho

discutir o estágio atual em que se encontram as discussões sobre o Parâmetro do

Sujeito Nulo, mas é importante frisar que hoje se fala em parâmetros, distribuídos em

hierarquias, sempre mantendo a distribuição binária. O PB seria, segundo essas

discussões, um sistema de sujeito nulo parcial, que permite sujeitos referenciais nulos

a depender a posição do antecedente (uma posição acessível sintaticamente (sujeito

ou tópico discursivo) e sujeitos expletivos nulos (cf. ROBERTS e HOLMBERG, 2010)).

Segundo a orientadora deste trabalho, esta é apenas uma etapa no processo de

mudança. O PB apresenta muito mais sujeitos expressos do que nulos nos mesmos

contextos acima citados e exibe uma competição entre expletivos nulos e constituintes

movidos ou inseridos na posição estrutural do sujeito (cf. trabalhos em Duarte

(2012b)).

Um exemplo de princípio que interessa a esta pesquisa é o de que todas as

línguas manifestam uma posição para a representação do sujeito. Um parâmetro da

GU que diz respeito a esse princípio é a possibilidade em algumas línguas de deixar

o sujeito nulo enquanto em outras o sujeito é obrigatoriamente preenchido. Esse

parâmetro é denominado Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN). Línguas como o espanhol,

o português europeu e o italiano, que permitem esse tipo de sujeito, exibem uma

marcação positiva [+ pro-drop] em relação a esse parâmetro. Línguas como o inglês

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e o francês, que apresentam sujeitos obrigatoriamente expressos, possuem uma

marcação negativa para esse mesmo parâmetro [- pro-drop].

Um importante estudo no que diz respeito ao Parâmetro do Sujeito Nulo no

português brasileiro (PB) é o de Duarte (1993), que considerou, para a constituição

de sua amostra, peças de teatro de caráter popular distribuídas ao longo de sete

períodos entre os séculos XIX e XX, organização que também foi utilizada por mim

para a organização da minha amostra, como mostrarei em seção posterior. Através

desse estudo, podemos perceber que o PB apresenta um comportamento diferente

de outras línguas românicas, como o italiano e o português europeu (PE), no que diz

respeito à representação dos sujeitos pronominais de referência definida. Enquanto

nessas línguas, como mencionado anteriormente, há uma preferência pelo

apagamento da posição de sujeito para a representação dos sujeitos de referência

definida, a autora mostrou que no PB há um aumento progressivo no preenchimento

dessa posição ao longo dos períodos contemplados.

Essa análise indica que o PB está passando por um processo de mudança no

valor da marcação do PSN (uma mudança paramétrica) – de uma língua

positivamente marcada em relação ao parâmetro do sujeito nulo [+pro-drop] para uma

língua marcada negativamente em relação ao mesmo parâmetro. [-pro-drop]. Umas

das principais motivações para que essa mudança acontecesse foi, segundo a autora,

a redução no paradigma flexional do verbo – uma redução causada principalmente

pela entrada de você e a gente no quadro pronominal, que se combinam com a forma

não marcada de 3ª. pessoa, dada a sua origem nominal. Além disso, observamos uma

queda de desinência canônica <-s> na forma que se combina com o pronome tu, sem

considerar eventuais perdas de marcas de concordância na segunda e terceira

pessoas do plural. De acordo com a autora, esses dois fenômenos – redução no

paradigma flexional e sujeito expresso - têm estreita relação. Isso se justifica pelo fato

de que, entre as línguas românicas, a principal característica de uma língua marcada

positivamente para o parâmetro do sujeito nulo é a possibilidade de recuperação do

sujeito através das flexões verbais, como se vê no italiano, espanhol e português

peninsulares ou da sua indexação com o tópico, mesmo que não haja flexão na

morfologia verbal, como é o caso do chinês (HUANG, 1984). Dessa forma, se há uma

redução no número de oposições no paradigma flexional, é natural que se identifique

o sujeito de outra forma, seja através da presença de um antecedente sintaticamente

acessível, seja através de seu preenchimento.

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Assim, fica evidente a importância de um estudo empírico como esse para esta

dissertação, já que analisamos a expressão da modalidade dentro de uma perspectiva

paramétrica, ou seja, que investiga a preferência de algumas formas em detrimento

de outras, relacionada a essa mudança mais ampla que se dá no PB, que passa de

língua de sujeito nulo para língua de sujeito nulo parcial. É interessante notar como as

mudanças no sistema estão encaixadas. Uma mudança como a redução do

paradigma flexional trouxe como efeito o preenchimento da posição de sujeito, que,

por sua vez, como busca confirmar esta dissertação, trouxe como consequência a

escolha por verbos auxiliares para a expressão da modalidade epistêmica e não-

epistêmica. Outras evidências do encaixamento da mudança podem ser vistas na

preferência por sujeitos indeterminados expressos, alçamento de constituintes para a

posição do sujeito expletivo em construções com verbos de alçamento, a substituição

de haver existencial por ter, que permite sentenças pessoais (cf. os trabalhos

diacrônicos em Duarte, 2012a)

Graças aos trabalhos empíricos, realizados em diferentes países e continentes,

ficou clara a complexidade da própria formulação dos parâmetros. Daí, não se falar

hoje apenas em línguas [+] ou [-] sujeito nulo.

2.2 Objetivos e hipóteses

O objetivo geral deste estudo é analisar como se comportam as formas de

expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica, por meio de predicadores

verbais, adjetivais e verbos auxiliares, ao longo do tempo no PB.

As minhas hipóteses são:

a) quanto às formas de expressar a modalidade, acredito que os verbos

auxiliares serão predominantes em todas as sincronias, por projetarem uma posição

de sujeito referencial, seja ele nulo ou expresso, e também por se tratar de uma

tentativa de aproximação da língua oral, mas que aumentarão ao longo do tempo;

b) levando em conta os índices encontrados para a fala contemporânea em

Duarte (2012a) (cf. seção XX), é possível que os predicadores adjetivais alcancem

índices razoáveis, ainda que seu uso diminua ao longo do tempo;

c) em relação ao uso de predicadores verbais mais tradicionais, como convir,

urgir e cumprir, acredito que podem surgir nas peças mais antigas, mas de forma

bastante restrita, e que tendam a desaparecer nas mais recentes. O uso reduzido

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desses predicadores verbais, mesmo em peças mais antigas, indica que esse tipo de

estrutura já não devia fazer parte da fala mais espontânea, que as peças que

compõem minha amostra procuram representar, que é justamente objeto do meu

interesse. A insistência dos gramáticos tradicionais em prescrever esse tipo de

estrutura é um indicativo de que ela talvez aparecesse nos gêneros mais formais,

como cartas oficiais, editoriais, entre outros. No entanto, com base em Duarte (2012a),

espero encontrar em peças mais recentes as estruturas inovadoras com os verbos ser

e dar seguidos de uma oração infinitiva regida de preposição, para expressar a

modalidade epistêmica e a não-epistêmica, respectivamente. Lembremos que esses

verbos permitem o alçamento do sujeito da subordinada para evitar um expletivo nulo;

d) considerando as construções com verbos auxiliares que possuem sujeitos

pronominais referenciais, espero que haja um aumento na ocorrência de sujeitos

expressos nas peças mais recentes, tal como mostrou Duarte (1993) em seu estudo

a respeito do tema.

2.3 Procedimentos Metodológicos

Nesta seção, descrevo a amostra e apresento os grupos de fatores e o

programa estatístico de análise de dados utilizado. Os procedimentos metodológicos

seguem uma perspectiva diacrônica, ou seja, de um estudo de mudança em tempo

real de longa duração. Assim, considero os processos de mudança que ocorrem ao

longo do tempo, neste caso, ao longo dos séculos XIX e XX. Busco analisar o percurso

das formas para expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica contempladas

nesta pesquisa: predicadores verbais, predicadores adjetivais e verbos auxiliares.

A metodologia variacionista, de base quantitativa, consiste no levantamento de

dados, codificados segundo os fatores linguísticos levantados a partir do quadro

teórico que foi descrito em 2.1. Naturalmente, não é possível elencar fatores

estruturais sem um quadro teórico de onde venham as descrições relevantes à

pesquisa e muito menos interpretar o percurso da mudança sem a perspectiva ali

descrita. Os dados foram coletados, através de cuidadosa leitura das peças,

codificados segundo os grupos a serem apresentados em 2.3.2, e ao programa

Goldvarb-X, que permite o tratamento estatístico dos dados.

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2.3.1 A amostra

A amostra utilizada neste trabalho é composta por 16 peças teatrais de cunho

popular escritas no Rio de Janeiro e distribuídas em sete períodos ao longo dos

séculos XIX e XX, tendo como base a amostra de Duarte (1993). Ao contrário dessa

pesquisa, que utilizou uma peça por período de tempo, tivemos de usar duas peças

para obter um número razoável de dados; para os dois primeiros períodos, como se

verá no quadro 1, a seguir, foram usadas três peças, para obter uma amostra

equilibrada.

As peças analisadas são do gênero comédias de costumes (as mais antigas)

ou comédias dramáticas (as mais recentes), que se caracterizam pela representação

de tipos e situações de época, com uma sátira social. Através desses textos, é

possível fazer uma análise dos comportamentos humanos e dos costumes em um

determinado contexto social. Apesar de saber que esses textos não representam

fielmente a fala de um determinado período, creio que eles se aproximam bastante da

linguagem oral presente em cada contexto social. Dessa forma, acredito que as

características linguísticas presentes nessas peças podem ser tomadas como

tendências de uso de uma dada época. (A esse propósito, os resultados de Duarte

(1993) para a peça escrita em 1992 são muito próximos dos resultados para a fala

culta espontânea obtidos pela autora em sua tese de 1995.) A seguir, apresento o

quadro com todas as peças analisadas neste trabalho, suas datas de publicação e

autoria:

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Período Peças Autor

1845-1846

Período I

O noviço (1845)

Quem casa, quer casa (1845)

O Judas em sábado de aleluia (1846)

Martins Pena

1872-1883

Período II

O tipo brasileiro (1872)

Como se fazia um deputado (1882)

Caiu o ministério (1883)

França Júnior

1918-1920

Período III

O simpático Jeremias (1918)

Onde canta o sabiá (1920) Gastão Tojeiro

1933-1937

Período IV

O troféu (1933)

O hóspede do quarto nº 2 (1937) Armando Gonzaga

1955

Período V

Um elefante no caos (1955)

Pigmaleoa (1955) Millôr Fernandes

1975-1986

Período VI

A mulher integral (1975)

Confidências de um espermatozoide

careca (1986)

Carlos Eduardo

Novaes

1992

Período VII

No coração do Brasil (1992)

Como encher um biquíni selvagem (1992) Miguel Falabella

Quadro 1: Relação das peças teatrais (PB) e sua distribuição em períodos de tempo

Através do quadro, é possível constatar que a periodização das peças não é a

mesma nos séculos XIX e XX. O primeiro inclui apenas dois períodos, o que se deve

ao fato de dois grandes autores do século, Martins Pena e França Júnior, terem

produzido a partir dos anos 1830, o primeiro, e a partir dos anos 1870, o segundo. O

século XX, por contar com um maior número de autores do gênero, possibilita uma

maior periodização. Enquanto os dois primeiros períodos representam a primeira e

segunda metade do século XIX, os demais representam o primeiro quartel do século

XX, anos 1920, seguindo-se os anos 1930, 1950, 1970 e 1990, respectivamente.

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Considerando as hipóteses levantadas, os objetivos desta pesquisa e os

estudos anteriormente citados, na próxima seção, apresentarei os grupos de fatores

estipulados para a análise das formas de expressão da modalidade epistêmica e não-

epistêmica. Tais grupos são de ordem linguística e extralinguística.

2.3.2 O envelope da variação

Para definir os grupos de fatores estruturais levantados nesta pesquisa, foram

levados em consideração fatores considerados por Duarte (1993), Duarte (2012b) e

outros relacionados ao tema da pesquisa. Minha análise contempla separadamente

cada tipo de modalidade – epistêmica e não-epistêmica. Entretanto, os grupos de

fatores são os mesmos.

2.3.2.1 A variável sociolinguística

A variável dependente é constituída pelo tipo de estrutura utilizada para a

expressão da modalidade, ou seja, uma das três formas consideradas neste trabalho:

predicadores verbais, predicadores adjetivais e verbos auxiliares. Essa variável foi

examinada em relação aos demais grupos de fatores. Para cada tipo de modalidade,

é possível verificar as três formas contempladas neste estudo, como podemos ver nos

exemplos de modalidade epistêmica e não–epistêmica (nesse caso, todos

expressando modalidade deôntica), respectivamente, em (5) e (6):

(5) a. Predicador verbal

Carlos: Øexpl Não convém [mexer mais nessa história]. Já está tudo explicado.

(O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937)

b. Predicador adjetival

Fabiana: Olha, minha filha, e não tornes a culpa a mim. Øexpl É impossível

[haver em uma casa mais de uma senhora]. Havendo, é tudo confusão...

(Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845)

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c. Verbo auxiliar

Paulo: Que obsessão! É claro que vou trabalhar. Mas que emprego eu posso

arranjar? Auxiliar de escritório?

(A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975)

(6) a. Predicador verbal

Øexpl Cumpre [que não faltes a essa reunião.]

(Adaptado de RL p.265)

b. Predicador adjetival

Teodoro: Øexpl Não é necessário [escrever], eu ouvi tudo.

(O tipo brasileiro, França Júnior, 1872)

c. Verbo auxiliar

Jeremias: Como elas se atropelam! Ø1psTenho que organizar um horário para

cada uma.

(O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

2.3.2.2 Os grupos de fatores

Foram estipulados dez grupos de fatores para dados de expressão da

modalidade não-epistêmica e da modalidade epistêmica, que, conforme mencionado

anteriormente, serão analisados separadamente. São eles:

● Tipo de predicador verbal

Esse grupo reúne todos os verbos predicadores pesquisados. Ele é importante

para controlar que formas de expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica

através de predicadores verbais são mais utilizadas e como é o seu comportamento

ao longo do tempo. De acordo com as minhas hipóteses, esse tipo de construção não

será muito frequente, por não projetar posição de sujeito referencial. Alguns dos

verbos desse grupo são: convir, urgir, constar, bastar, dar pra e ser pra, entre outros,

como podemos verificar nos exemplos a seguir:

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(7) Inácia: Afinal, vocês resolvem-se ou não a ir à casa do dr. Amarante?

Justino: Que pressa, filha! Deixa primeiro o Ernani chegar.

Fabrino: Eu vou por ir, porque minha presença não adianta nada. Øexpl Bastava

[que fossem o Ernani e sêo Justino]. → modalidade epistêmica

(Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

(8) Ismênia: Faz o que quiser, menina. Você aqui é livre. Vou pedir ao Evandro

para lhe acompanhar, tá? Ainda Øexpl dá [pra aproveitar a tarde]. Pede a ele

pra te levar ao Arpoador. → modalidade epistêmica

(Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955)

(9) Cristina: Que humilhação, que vergonha... vá, vá seu crápula, e não me

apareça mais aqui, vá logo, aproveite e lhe entregue esses livros e diga a ela

que Øexpl é [pra enfiar... ela sabe onde]. → modalidade deôntica

(A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975)

● Tipo de predicador adjetival

O grupo em questão reúne todos os predicadores adjetivais pesquisados.

Através dele, posso monitorar quais as formas de expressão da modalidade através

de predicadores adjetivais são mais utilizadas e como é o seu comportamento ao

longo do tempo. Segundo minhas hipóteses, esse tipo de construção também não

será muito frequente, ainda que seja mais expressiva, sobretudo nas peças mais

antigas, do que as construções com verbos predicadores, Espero uma maior

variedade de adjetivos em sincronias mais remotas. Alguns dos adjetivos desse grupo

são: possível, necessário, importante, preciso, certo, entre outros, como é possível

ver em:

(10) Ambrósio: Teu filho também vai a crescer todos os dias e Øexpl será preciso

[por fim dar-lhe a sua legítima]... → modalidade deôntica

(O noviço, Martins Pena, 1845)

(11) Teodoro: Øexpl É impossível [que eu não esteja sonhando].

→ modalidade epistêmica (Como se fazia um deputado, França Júnior, 1882)

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(12) Félix: Mas isso não é decente. Øexpl É necessário [arranjar um pretexto

plausível, uma maneira digna]... → modalidade deôntica

(O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

● Tipo de verbo auxiliar

Esse grupo reúne todos os verbos auxiliares pesquisados. Assim como os

anteriores, ele é relevante para verificar quais as formas de expressão da modalidade

epistêmica e não-epistêmica através de verbos auxiliares são mais utilizadas e como

é o seu comportamento ao longo do tempo. Alguns dos verbos desse grupo são:

poder, dever, ter que/ter de, entre outros, como em:

(13) Eu acho que a Neiva devia jogar água fervendo no ouvido dele e depois fugia.

→ modalidade deôntica (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

(14) É o que resta como? Eu tenho que dar satisfação desse dinheiro. Você tem

de prestar contas a mim. → modalidade deôntica

(Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

(15) Maricota: O que espero? Não tens ouvido dizer que as primeiras paixões são

eternas? Pois bem, este menino pode ir para S. Paulo, voltar de lá formado e

arranjar eu alguma coisa no caso de estar ainda solteira.

→ modalidade epistêmica (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846)

● Referência e forma do sujeito

Esse grupo investiga a referência e a forma do sujeito e é extremamente

importante para este trabalho. Isso se explica porque uma de minhas hipóteses é que

as formas de expressão da modalidade que projetam um sujeito expletivo nulo, como

os predicadores verbais e os predicadores adjetivais, serão muito menos frequentes

do que as construções com verbos auxiliares, que usualmente projetam um sujeito

referencial. Analiso as duas formas de expressão do sujeito no PB: nulo ou

preenchido. Considerando os estudos de Duarte (1993) e de Cyrino, Duarte e Kato

(2000), acredito que, ao longo do tempo, as construções com verbos auxiliares, que,

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na sua maioria, pressupõem um sujeito referencial, mostrarão a mudança por que

passa o PB. Dessa forma, creio que as peças mais antigas terão um maior número de

dados de sujeito nulo, em oposição às peças mais recentes, que terão um maior

número de dados de sujeito preenchido. Em relação à referencialidade, esse grupo

reúne sujeitos expletivos (sem referência), sujeitos de referência arbitrária e sujeitos

de referência definida:

a. Sujeito Expletivo

Segundo Duarte (2012a), devido à mudança em curso na marcação

paramétrica por que passa o português, esse tipo de sujeito, típico de sentenças

impessoais, que, no fenômeno aqui estudado, normalmente ocorre em construções

com predicadores verbais ou adjetivais, mas que também pode ocorrer nos casos de

locuções verbais com o verbo principal impessoal (pode chover amanhã; deve haver

greve), tende a ser evitado no português, por isso, acredito que será o menos

frequente. De acordo com a hierarquia referencial de Cyrino, Duarte e Kato (2000), os

expletivos estão no ponto extremo da não-referencialidade. Quanto à forma, são

sempre nulos, mas há como evitar a posição vazia através do alçamento de

constituinte de dentro da oração, como veremos mais à frente. Podemos visualizar

alguns exemplos de construções com sujeito expletivo em:

(16) Julia: Øexpl É necessário também [que a senhora preencha um formulário

respondendo sobre a sua vida sexual]. → modalidade deôntica

(A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975)

(17) Laura: Era isso mesmo o que eu queria. Øexpl Não te convém [ficar aqui].

Vamos. → modalidade epistêmica

(O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

b. Sujeito de Referência Arbitrária

As construções com verbos auxiliares podem ter sujeitos referenciais

definidos ou arbitrários. Através desse grupo, é possível analisar qual a frequência da

indeterminação do sujeito nas peças e sua forma preferencial – se nula, se expressa,

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no decorrer dos períodos. Exemplos de sujeito de referência arbitrária nulo e expresso

podem ser vistos, respectivamente em (18) e (19):

(18) øarb Tinha que estudar fonética com um médico ao lado.

→ modalidade deôntica

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

(19) Ismênia: Neste mundo não há felicidade. Portanto a gente tem que ser feliz

assim mesmo. → modalidade deôntica (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955)

c. Sujeito de Referência Definida

Através desse grupo, posso analisar qual a frequência do sujeito de referência

definida nas peças no decorrer dos períodos e sua forma preferencial – se nula, se

expressa. Com base em Cyrino, Duarte e Kato (2000), que afirmam que a

referencialidade do sujeito se mostra altamente significativa para processos de

mudanças e de sua proposta de que itens [+referenciais] favorecem o preenchimento,

acredito que esse tipo de sujeito, além de ser o mais frequente no tipo de amostra

analisada, exibirá mais preenchimento ao longo do tempo. É possível ver alguns

exemplos de sujeitos de referência definida nulo e expresso, respectivamente em:

(20) Chiquinha – Casa-te com ele.

Maricota – E por que não, se ele quiser? Os oficiais dos Permanentes têm bom

soldo. Ø2ps Podes te rir. → modalidade deôntica

(O judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846)

(21) Menelau: A cousa, como já lhe disse, deve andar prestes a arrebentar. Mas

como ainda talvez seja possível desviar o curso dos acontecimentos, seria

conveniente nada revelar até o momento decisivo. → modalidade epistêmica

(O troféu, Armando Gonzaga, 1933)

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● Tipo de estrutura com sujeitos expletivos

Esse grupo analisa as construções em que o sujeito expletivo aparece, que

podem ou não ter alçamento de constituinte. Espero que haja um número pequeno de

estruturas com alçamento de constituinte, por se tratar de fenômeno mais recente (cf.

Henriques, 2012), mas acreditamos que podem ocorrer, sobretudo nas peças mais

recentes, pela tendência ao preenchimento da função de sujeito no PB. Exemplos de

construções sem alçamento e com alçamento podem ser vistos, respectivamente, em

(22) e (23):

(22) Ismênia: Ainda Øexp dá pra [aproveitar a tarde]. Pede a ele pra te levar ao

Arpoador. É um pouco longe, mas você vai adorar. → modalidade epistêmica

(Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955)

(23) Issoi é possível [perceber [ti] até na prática]. → modalidade epistêmica

(em vez de: Øexp É possível [perceber isso até na prática]. - alçamento do

complemento da encaixada).

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

● Tipo de sujeito de referência arbitrária

Considero as seguintes estratégias de indeterminação do sujeito de referência

arbitrária: se, a gente, nós, você, eles e zero. A forma de indeterminação zero diz

respeito às construções com verbo na terceira pessoa do singular sem qualquer

pronome vinculado ao verbo. Com base nos estudos de Duarte (1993) e de Vargas

(2010; 2012), espero que as estratégias de indeterminação com a terceira pessoa do

plural e o pronome se indefinido sejam mais recorrentes nas peças mais antigas, tal

como descrevem as gramáticas tradicionais, e que as outras estratégias de

indeterminação, sobretudo você e a gente sejam as mais produtivas em peças mais

recentes. Alguns exemplos dos diversos tipos de realização da indeterminação do

sujeito podem ser vistos a seguir:

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(24) Paulo: Mamãe, tudo se faz. Não ø1pp podemos ficar muito presos a uma moral

só. Temos de experimentar várias. Pragmatismo, mãezinha.

→ modalidade deôntica

(Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

(25) Dona Irene: Mas tem que ter! Meu pai sempre me dizia que a paciência é uma

das maiores virtudes do homem. A gente tem que aprender a esperar pelo

futuro. → modalidade deôntica

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

(26) Melanie: Tem uma outra técnica, que é muito usada, hoje em dia. O segredo é

não se importar. Se você não se importar, você acaba dormindo. Mas você

precisa não se importar de verdade. → modalidade deôntica

(Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992)

● Tipo de sujeito de referência definida

Com esse grupo, é possível controlar quais os tipos de realização do sujeito de

referência definida são mais utilizados e como é o seu comportamento ao longo do

tempo. Considerei os seguintes tipos de sujeitos de referência definida: sujeito de 1ª

pessoa singular, sujeito de 1ª pessoa plural, sujeito de 2ª pessoa singular, sujeito de

2ª pessoa plural, sujeito de 3ª pessoa singular (pronome), sujeito de 3ª pessoa singular

(SN), sujeito de 3ª pessoa plural (pronome) e sujeito de 3ª pessoa plural (SN), como

podemos observar em (27) – (29) abaixo:

(27) Gabriel: Não posso mais ficar aqui a tarde toda, não. Tirei quatro notas

vermelhas. Ø1ps Preciso dar um jeito na minha vida. → modalidade deôntica

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

(28) Filipe: E essas dificuldades devem ter sido bem grandes; porque há quinze

dias que o ministério está organizado, e ainda não se pôde achar um ministro

para a Marinha. → modalidade epistêmica

(Caiu o ministério, França Júnior, 1882)

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(29) Ventura: É essa a minha intenção. Mas nem tudo que a gente deseja pode ser

alcançado. → modalidade epistêmica

(O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937) ● Tipo sintático de oração

Esse grupo leva em consideração os três tipos de contexto em que é possível

encontrar o sujeito de uma construção com verbo auxiliar: inicial, que diz respeito às

orações matrizes ou às primeiras orações coordenadas, encaixado, que se refere às

orações subordinadas, e coordenado, que se refere às segundas ou terceiras orações

coordenadas. Relacionarei a forma de expressão do sujeito (nulo ou expresso) com o

tipo de contexto em que se encontra, pois acredito que as orações subordinadas com

um sujeito correferente na matriz e as segundas ou terceiras orações coordenadas

propiciam sujeito nulo. Alguns exemplos desses diferentes contextos podem ser vistos

em:

(30) Júlia: Sobre mim, titia?... Que é que eu posso contar? Em Vitiligo não acontece

nada, nunca. Os dias são brancos e as noites são pretas... É tudo.

→ modalidade epistêmica (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955)

(31) Lise: Por exemplo, eu vi uma senhora entrando hoje, não sei onde ela está

sentada, mas para mim, ela se chama Magali Santoro. Elai é gordinha e Ø3ps

deve ter uns cinquenta anos. → modalidade epistêmica

(Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992)

(32) Elei estava tirando as camisas do armário quando Øi foi avisado que Ø3ps

deveria se apresentar a base para viajar ao Japão. → modalidade deôntica

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

Enquanto o exemplo (30) ilustra um caso de contexto inicial, por se tratar de

oração matriz, na qual, em peças mais recentes, há uma tendência ao preenchimento

do sujeito, os exemplos (31) e (32) ilustram casos de segunda coordenada e

subordinada com correferente na matriz, respectivamente, que propiciam um

apagamento do sujeito.

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● Período de Tempo

Por se tratar de uma análise diacrônica, esse grupo de fatores é o que orientará

a apresentação dos resultados. As peças foram distribuídas em sete períodos de

tempo conforme já foi mencionado anteriormente (cf. seção 2.3.1). Estipulei esse

grupo para averiguar as hipóteses que norteiam essa pesquisa, como: a) em peças

mais antigas poderá haver casos de sujeito expletivo nulo em construções com

predicadores verbais, como convir e bastar e predicadores adjetivais, como possível

e necessário, que tendem a desaparecer em peças mais recentes; deverá haver ainda

mais sujeitos pronominais referenciais nulos; b) com o passar do tempo, deverá

ocorrer a diminuição de expletivos e aumento de sujeitos referenciais expressos.

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CAPÍTULO 3:

ANÁLISE DE RESULTADOS

Neste capítulo apresento e interpreto os resultados obtidos na análise dos

dados coletados em peças teatrais cariocas distribuídas em sete períodos ao longo

do tempo. Os resultados foram investigados levando em consideração a Teoria de

Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981) associada ao modelo de estudo da

mudança linguística proposto por Weireinch, Labov e Herzog (2006 [1968]),

principalmente no que diz respeito aos problemas ou questões que devem ser

respondidos pelos que estudam a mudança, relativos ao “encaixamento”, às

“restrições” e à “transição”. Primeiramente, apresentarei a distribuição geral dos

resultados para a expressão da modalidade através das três formas aqui

consideradas. Posteriormente, apresentarei o quadro de expressão da modalidade

epistêmica e o quadro de expressão da modalidade não-epistêmica, que contempla

dois tipos: a) deôntica; b) dinâmica.

3.1. Distribuição geral das estratégias

No total, foram computadas 1311 ocorrências das estruturas analisadas neste

trabalho para a expressão da modalidade. Como já foi referido no capítulo 2, a amostra

desta pesquisa se assemelha à utilizada por Duarte (1993), com o acréscimo de uma

peça por período, com exceção dos dois primeiros períodos, que tiveram o acréscimo

de duas peças cada, o que foi motivado pela baixa frequência de dados em

comparação com os outros períodos. Busquei equilibrar o número de dados de cada

período para que fosse possível uma análise estatística com razoável grau de

confiabilidade dos resultados. A distribuição dos dados segundo o tipo de modalidade

pode ser vista na tabela abaixo:

Tabela 1. Distribuição dos dados levantados segundo o tipo de modalidade

Modalidade Predicador

verbal Predicador

adjetival Verbo

auxiliar Total

Epistêmica 40 (8,5%) 34 (7%) 398 (84,5%) 472 (100%)

Não-epistêmica 6 (0,7%) 96 (11,5%) 737 (87,8%) 839 (100%)

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Observando a tabela 1, pode-se ver, de início, que o verbo auxiliar é de longe

a estratégia preferida para veicular ambos os tipos de modalidade. A análise

diacrônica permitirá observar como se dá essa distribuição ao longo do tempo.

3.2 A análise da modalidade epistêmica

Das 1311 ocorrências encontradas, 472 expressam modalidade epistêmica,

indicando possibilidade/probabilidade. Esse número de dados consideravelmente

menor do que os que expressam modalidade não-epistêmica já era esperado, pois há

mais possibilidades na língua de verbos auxiliares que expressam a modalidade não-

epistêmica do que de verbos auxiliares que expressam modalidade epistêmica, como

veremos na próxima seção.

3.2.1 As formas de expressão da modalidade epistêmica

Os exemplos a seguir ilustram, respectivamente, diferentes estratégias de

expressão da modalidade, predicadores verbais (1a,b), predicadores adjetivais (2a,b)

e verbos auxiliares (3a,b):

(1) a. Doroteia: Com o Ventura não há exagero nenhum. Øexpl Basta [dizer que o

menos que ele faz é não pagar as pensões onde ele se hospeda]. Só isso define

um caráter. (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937)

b. Laura: Era isso mesmo o que eu queria. Øexpl Não te convém [ficar aqui]

Vamos. (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

(2) a. Inácia: Øexpl Será possível [que você não encontra outra coisa mais útil a

fazer]? (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

b. Paula: Eu acho que Øexpl seria interessante você se aprofundar mais na

relação com a Magda. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella,

1992)

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(3) a. Ambrósio: No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la. Pintam-na

cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e

a alcançar. Todo homem pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da

fortuna. (O noviço, Martins Pena, 1845)

b. Henrique — Não te assustes, sou eu. Teu pai não está em casa?

Henriqueta — Saiu, mas Ø3ps não deve tardar. O que vieste aqui fazer?

(O tipo brasileiro, França Júnior, 1872)

A Tabela 2 mostra a distribuição desses três tipos de estruturas ao longo do

tempo. Esta é a variável sociolinguística que orienta a pesquisa, já que busco

confirmar a hipótese de que os verbos auxiliares serão predominantes para a

expressão da modalidade, seguidos dos predicadores adjetivais e dos predicadores

verbais.

Tabela 2: Formas de expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo

Período Predicador

verbal Predicador

adjetival Verbo

auxiliar Total

Período I 1845-1846

8 (14%) 4 (7%) 46 (79%) 58 (100%)

Período II 1872-1883

1 (2%) 4 ( 6%) 63 (92%) 68 (100%)

Período III 1918-1920

7 (9%) 8 (10%) 63 (81%) 78 (100%)

Período IV 1933-1937

4 (6%) 9 (13%) 55 (81%) 68 (100%)

Período V 1955

3 (7%) 2 (5%) 37 (88%) 42(100%)

Período VI 1975-1986

4 (6%) 3 (4%) 65 (90%) 72 (100%)

Período VII 1992

13 (15%) 4 (5%) 69 (80%) 86 (100%)

Dentre os 472 dados que veiculam a modalidade epistêmica, 398 dados são

expressos por verbos auxiliares, o que corresponde a 85%. Essa profusão de

auxiliares para a expressão da modalidade epistêmica bem como a preferência pelos

verbos dever e poder para veicular a noção de possibilidade, inclusive nas últimas

sincronias, tal como constatou Rigoni (1995), já eram esperadas. Observando a

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distribuição pelos períodos, vemos que esta é bastante regular, com o predomínio

constante dos auxiliares e pequena oscilação entre o uso de predicadores verbais e

adjetivais. O Gráfico 1, a seguir, permite visualizar os resultados percentuais da

Tabela 2 na linha do tempo:

Gráfico 1. A trajetória das estratégias para a expressão

da modalidade epistêmica ao longo do tempo

Conforme é possível observar, de acordo com o esperado, as frequências de

uso dos verbos auxiliares são bastante altas em todos os períodos, alcançando

índices acima de 79% dos dados. Segundo minhas hipóteses, o uso predominante

dessa estratégia se justifica pelo fato de esse tipo de estrutura poder projetar uma

posição de sujeito referencial, seja ele nulo ou expresso, enquanto as outras duas

estruturas projetam uma posição de sujeito não-referencial. Como já mencionado em

capítulo anterior, a preferência por sujeitos referenciais no PB está ligada a uma

mudança maior por que passa a nossa língua, a mudança na marcação do valor do

Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN). Dessa forma, vemos que uma mudança

desencadeou outra, que interfere na escolha dos falantes por determinada estrutura

para expressão da modalidade em detrimento de outras. Não se pode negar, contudo,

que a preferência pelos auxiliares é anterior ao período em que se observa uma

mudança na marcação do valor do PSN.

Entretanto, nos períodos iniciais, podemos notar a presença de predicadores

adjetivais, que variam entre 6% e 13% nos períodos I, II, III e IV. A partir do período

V, o uso, que já é restrito, dessa estratégia para a expressão da modalidade fica ainda

menor, alcançando apenas 4% no período VI e 5% nos períodos V e VII. Já em relação

14%

2%9% 6%

7% 6%15%

7%6%

10% 13%

5% 4% 5%

79%

92%81%

81%88% 90%

80%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

I II III IV V VI VII

pred. verbal pred. adjetival auxiliar

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aos predicadores verbais, também como o esperado, é possível perceber uma

diminuição do seu já restrito uso, que alcança índices entre 14% no período I, 7% no

período V e 6% nos períodos IV e VI. No período VII, notamos um aumento no uso

dessa estrutura, mas, como veremos em sub-seção posterior, todos os dados

encontrados, na verdade, tratam de uma estrutura inovadora e não dos predicadores

verbais tradicionais, como convir e bastar.

3.2.2 Tipos de predicador verbal

Com a análise desse grupo, é possível verificar quais os predicadores verbais

mais utilizados para expressar a modalidade epistêmica e como é o seu

comportamento ao longo do tempo. Dos 40 dados de expressão da modalidade

epistêmica através de verbos predicadores, 13 foram expressos pelo verbo convir, 7

pelo verbo bastar, 1 pelo verbo constar, e 19 pela estrutura inovadora, que consiste

no uso do verbo “dar” seguido de uma oração reduzida de infinitivo regida de

preposição, aqui referida como “dar pra”. Vejamos exemplos das formas

conservadoras em (4) e da forma inovadora em (5):

(4) a. Ismênia: Øexpl Convém [não exagerar]. Quando você chegar aos

trinta, verá que ainda é cedo.

(Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

b. Carlos: Tia, Øexpl basta [que saiba que era uma comédia]. E antes de

principiar o ensaio o tio deu-me a sua palavra que eu não seria frade. Não é

verdade, tio? (O noviço, Martins Pena, 1845)

c. Basílio: Passarinho lá na estação? Øexpl Não me consta [Ø].

(Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

(5) a. Cristina: Você não acha que estou mais cheinha, que engordei um

pouquinho, fiquei como você gosta?

Armando: Não sei... Øexpl Não dá [pra perceber].

(A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975)

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b. Dolores: Se eu correr, Øexpl dá [pr’eu fazer os dois papéis]. Mas aí, Madalena

não ia poder acompanhar a procissão.

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

O percurso dessas diferentes formas dos predicadores verbais ao longo do

tempo pode ser visto na tabela abaixo:

Tabela 3: Tipos de predicadores verbais para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo

Como podemos ver acima, os dois predicadores verbais mais utilizados são o

convir e o dar pra. Enquanto aquele se mostra produtivo nas primeiras sincronias,

representando aproximadamente 60% dos dados dessa forma de expressão da

modalidade nos períodos I e III, 75% dos dados no período IV e desaparece nas

últimas, correspondendo a 33% no período V e 0% nos períodos VI e VII, este se

mostra produtivo apenas nas últimas sincronias, totalizando 67% dos dados no

período V e 100% nos períodos VI e VII. Com essa tabela, é possível pensar que,

talvez, o “dar pra” esteja competindo com cada uma dessas formas, e assumindo seus

valores discursivos específicos.

Período Convir Bastar Constar Dar pra Total

Período I 1845-1846

5 (63%) 3 (27%) 0 (0%) 0 (0%) 8 (100%)

Período II 1872-1883

0 (0%) 1 ( 100%) 0 (0%) 0 (0%) 1 (100%)

Período III 1918-1920

4 (57%) 2 (29%) 1 (14%) 0 (0%) 7(100%)

Período IV 1933-1937

3 (75%) 1 (25%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (100%)

Período V 1955

1 (33%) 0 (0%) 0 (0%) 2 (67%) 3 (100%)

Período VI 1975-1986

0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (100%) 4 (100%)

Período VII 1992

0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 13 (100%) 13 (100%)

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3.2.3 Tipos de predicador adjetival

Como visto anteriormente, os predicadores adjetivais correspondem a 7% dos

dados, totalizando 34 ocorrências. Destas, 27 foram expressas pelo predicador

adjetival possível/impossível, ilustrado em (6), seguido dos predicadores interessante

e capaz, como em (7), com 2 dados cada, e de certo, conveniente e crível, mostrados

em (8a-c), com 1 dado cada.

(6) Pimenta: Não, senhor. Desde quinta-feira que andam dois guardas atrás dele,

e Øexpl ainda não foi possível [encontrá-lo]. Mandei-os que fossem escorar à

porta da repartição e também lá não apareceu hoje. Creio que teve aviso.

(O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846)

(7) Dolores: Com a minha experiência, Øexpl era bem capaz [de eu conseguir o

serviço]. (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

(8) a. Leocádio: Então Øexpl é certo [que a senhora nos deixará amanhã?]

(O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937)

b. Menelau: A cousa, como já lhe disse, deve andar prestes a arrebentar. Mas

como ainda talvez seja possível desviar o curso dos acontecimentos, talvez

Øexpl seja conveniente [nada revelar até o momento decisivo] ...

(O troféu, Armando Gonzaga, 1933)

c. Arminda: Um casamento a capucho, sem nenhuma pompa. Øexpl Não é crível

[que eles pretendam atrair atenção pública com um casamento espaventoso].

(O troféu, Armando Gonzaga, 1933)

A Tabela 4 mostra a distribuição dos predicadores adjetivais ao longo do tempo:

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60

Tabela 4: Tipos de predicadores adjetivais para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo

Diante do exposto, é possível perceber que o predicador adjetival

possível/impossível foi o mais frequente na amostra analisada. Ainda assim, em

conformidade com as minhas hipóteses, houve uma queda considerável em seu uso

ao longo do tempo. Assim como os verbos predicadores, as estruturas com

predicadores adjetivais não projetam posição de sujeito referencial, o que pode

justificar essa diminuição, já que, conforme explicitado anteriormente, há uma

tendência no PB a evitar sentenças impessoais.

Um aspecto interessante a respeito dos predicadores adjetivais e também dos

predicadores verbais é a possibilidade de alçamento de constituinte. Conforme

exposto em seção anterior, em minha metodologia, criei um grupo de fatores que

analisa o tipo de estrutura com sujeitos expletivos. Embora esse tipo de construção

seja frequente na fala contemporânea popular de acordo com Duarte (2007), nos

textos teatrais, conforme esperado por minhas hipóteses, não houve um número

relevante desse tipo de construção. Há apenas 1 dado de alçamento do complemento

da oração subordinada entre as 34 estruturas com predicadores adjetivais e nenhum

dado entre as 40 estruturas com predicadores verbais. O exemplo de predicador

adjetival em que ocorre alçamento de constituinte pode ser visto a seguir:

(9) Issoi é possível [perceber [ti] até na prática].

(em vez de: Øexp É possível [perceber isso até na prática]).

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

Período Possível/

Impossível Capaz Interessante Certo Crível

Conveniente

Total

Período I 1845-1846

4 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 4

(100%)

Período II 1872-1883

4 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 4

(100%)

Período III 1918-1920

7 (88%) 0 (0%) 1 (12%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 8

(100%)

Período IV 1933-1937

6 (67%) 0 (0%) 1 (11%) 1

(11%) 1

(11%) 1 (0%)

9 (100%)

Período V 1955

2 (33%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 2

(100%)

Período VI 1975-1986

3 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 3

(100%)

Período VII 1992

1 (25%) 2 (50%) 1 (25%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 4

(100%)

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61

3.2.4 Tipos de verbo auxiliar

Como no caso dos predicadores verbais e adjetivais, por meio desse grupo, é

possível investigar quais verbos auxiliares são mais empregados e como eles se

comportam ao longo do tempo. Os verbos auxiliares modais poder e dever são

exemplos de que uma mesma forma pode denotar mais de um sentido, já que ambos

podem expressar modalidade epistêmica e modalidade não-epistêmica. Enquanto no

primeiro caso esses modais denotam uma ideia de eventualidade/possibilidade, no

segundo caso, o verbo poder tem sentido de permissão ou capacidade, e o verbo

dever tem sentido de obrigação, como mostrarei em seção posterior. Ilustramos em

(10a,b) ocorrências de poder e em (11), de dever, expressando

possibilidadade/eventualidade:

(10) a. Paulina: De hoje em diante espero que assim será. Não levantarei a voz nesta

casa sem vosso consentimento. Não darei uma ordem sem vossa permissão...

Enfim, serei uma filha obediente e submissa.

Fabiana: Só assim Ø1ps poderemos viver juntos. Dá cá um abraço. És uma

boa rapariga... Tens um bocadinho de gênio; mas quem não o tem.

(Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845)

b. Mr. James: Mim estar em ajuste com a companhia. Mas quando pretende

compra estrada e que tem promessa de governo para privilégia, maldita

governa cai, e mim deixa de ganhar muita dinheira.

Raul: Mas Ø2ps pode obter o privilégio com esta gente.

(Caiu o ministério, França Júnior, 1882)

(11) a. Limoeiro: Quanto a ti, Ø2ps deves estar estafado da viagem, apesar de que

vieste montado no Diamante, que é o primeiro burro destas dez léguas em

redor. Vai mudar de roupa. (Como se fazia um deputado, França Júnior, 1882)

b. Sergio: Eu vim trazer uns papéis para o Armando. Ele está lá dentro?

Cristina: Não. Armando foi almoçar na Torre Eiffel, mas pelo tempo Ø3ps já deve

estar voltando. Quer esperar. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975)

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A tabela a seguir apresenta a distribuição desses dois verbos ao longo do

tempo:

Tabela 5: Tipos de verbos auxiliares para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo

Período Poder Dever Total

Período I 1845-1846

43 (93%) 3 (6%) 46 (100%)

Período II 1872-1883

52 (82%) 11 (18%) 63 (100%)

Período III 1918-1920

43 (68%) 20 (32%) 63 (100%)

Período IV 1933-1937

35 (64%) 20 (36%) 55 (100%)

Período V 1955

27 (73%) 10 (27%) 37(100%)

Período VI 1975-1986

49 (75%) 16 (25%) 65 (100%)

Período VII 1992

46 (67%) 23 (33%) 69 (100%)

Através da tabela, é possível notar que o verbo poder se mostra muito mais

produtivo para a expressão da modalidade epistêmica, do que o verbo dever. Nos

períodos I, II, V e VI alcança índices acima de 70%, chegando a 93% no período I. Ao

longo do século XX, entretanto, embora predomine o auxiliar poder, há um sensível

aumento do uso de dever, ficando em torno de 30%.

No gráfico abaixo, podemos visualizar melhor o predomínio do verbo poder ao

longo do tempo, mas também o crescimento do verbo dever no século XX, o que

sugere uma concorrência mais acirrada entre os dois auxiliares:

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63

Gráfico 2. A trajetória dos verbos poder e dever para a expressão

da modalidade epistêmica ao longo do tempo

3.2.5 A referência do sujeito

Outro fator importante para este trabalho é a referência do sujeito. De acordo

minhas hipóteses, as formas de expressão da modalidade que projetam um sujeito

expletivo nulo, como os predicadores verbais e os predicadores adjetivais, seriam

muito menos frequentes do que as construções que projetam um sujeito referencial, o

que só é possível com os auxiliares. Como visto na metodologia, distingui o sujeito

expletivo (sem referência) dos referenciais (que incluem a referência definida e a

arbitrária). Embora não se possa dizer que tenha havido aumento do uso de auxiliares

ao longo do tempo, vemos que dentre os 472 dados, apenas 96 contêm sujeitos

expletivos, e 376 são referenciais. Entre os dados de sujeito referencial estão os de

referência definida, cujo número de ocorrências foi 337, e os de referência arbitrária,

que totalizaram 39 dados. Exemplos de sujeitos expletivos podem ser vistos em 12 (a,

b, c), definidos em 13 (a,b) e arbitrários em 14 (a,b):

(12) a. Ismênia: Faz o que quiser, menina. Você aqui é livre. Vou pedir ao Evandro

para lhe acompanhar, tá? Ainda Øexp dá [pra aproveitar a tarde].

(Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955)

93%82%

68% 64%73% 75%

67%

6%

18%

32% 36%27% 25%

33%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

I II III IV V VI VII

Poder Dever

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b. Paulo: Øexp Deve haver [um objetivo melhor]. Depois de nos casarmos,

usaremos os meses seguintes escolhendo uma palavra carinhosa para

designá-la. (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

c. Ismênia: Você me cansa com seu brilho. Como Øexpl deve ser bom [ter um

filho burro]! (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955)

(13) a. Ambrósio: No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la. Pintam-na

cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e

a alcançar. Todo homem pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da

fortuna. (O noviço, Martins Pena, 1845)

b. Jeremias: Esqueça o escorregão que ela deu no passado, do qual, como sua

homônima na Bíblia, Ø3ps deve estar sinceramente arrependida.

(O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

(14) a. Corina: De mais a felicidade não consiste apenas em ser rico. Póde-se ser

feliz na pobreza, do mesmo modo Øarb pode-se ser infeliz na opulência.

(O troféu, Armando Gonzaga, 1933)

b. Pimenta: É boa! Querem todos ser dispensados das paradas! Agora é que o

sargento anda passeando. Lá ficou o capitão à espera. Ficou espantado com o

que eu lhe disse a respeito da música. Tem razão, que se souberem, Øarb

podem-lhe dar com a demissão pelas ventas. Quem é?

(O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846)

É possível observar a distribuição dos dados segundo a referência do sujeito

ao longo do tempo na tabela e no gráfico abaixo:

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Tabela 6: Referência do sujeito ao longo do tempo (modalidade epistêmica)

Período Expletivo Arbitrário Definido Total

Período I 1845-1846

13 (22%) 4 (7%) 41 (71%) 58 (100%)

Período II 1872-1883

5 (7%) 9 (13%) 54 (80%) 68 (100%)

Período III 1918-1920

18 (23%) 8 (10%) 52 (67%) 78 (100%)

Período IV 1933-1937

19 (28%) 9 (12%) 40 (59%) 68 (100%)

Período V 1955

8 (19%) 4 (10%) 30 (71%) 42 (100%)

Período VI 1975-1986

12 (17%) 3 (4%) 57 (79%) 72 (100%)

Período VII 1992

21 (25%) 2 (2%) 62 (73%) 85 (100%)

Gráfico 3: Distribuição das estruturas para a expressão da modalidade epistêmica segundo a referência do sujeito ao longo do tempo

Como é possível observar, a curva dos sujeitos de referência definida é a mais

alta, variando entre 59% e 80%. Esperávamos que esse tipo de referência do sujeito

fosse cada vez maior ao longo do tempo, pela preferência no PB por evitar sentenças

impessoais. No entanto, o número de predicadores verbais com a estrutura inovadora

“dar pra” nas últimas sincronias é bastante relevante, o que contribui para que haja

índices consideráveis de sujeitos expletivos e para que o percentual de sujeitos

definidos não seja ainda maior. Nos períodos V e VI, as alterações percentuais se

devem (a) ao número reduzido de dados e (b) ao fato de parecer haver concorrência

entre o “dar pra” e os outros verbos predicadores. Além dos sujeitos expletivos com a

22%

7%

23%28%

19% 17%25%

7%13%

10% 12% 10%4% 2%

71%

80%

67%59%

71%79%

73%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

I II III IV V VI VII

expletivo arbitrário definido

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construção “dar pra”, também há os casos de sujeitos expletivos com verbos

auxiliares, em construções com o haver existencial, como em (12b) acima, o verbo ser

indicando tempo, como em (12c), entre outros.

3.2.6 Os sujeitos de referência arbitrária

Conforme exposto no capítulo 2, espero que as estratégias de indeterminação

com a terceira pessoa do plural e o pronome se indefinido sejam mais utilizadas nas

peças mais antigas e que as outras estratégias de indeterminação, sobretudo você e

a gente sejam as mais recorrentes em peças mais recentes. Dos 39 dados de sujeito

de referência arbitrária, 31 apresentam a construção com “se” genérico (incluindo o

se nominativo e passivo), o equivalente a 79%, seguidos de 6 dados de 3ª. pessoa do

plural, o que corresponde a 15%, apenas 1 dado da estratégia “você” e 1 dado da

estratégia “a gente”, o que equivale a 3% cada, exemplificados, nessa ordem, em (15)-

(18):

(15) a. Filipe: E essas dificuldades devem ter sido bem grandes; porque há quinze

dias que o ministério está organizado, e ainda não se pôde achar um ministro

para a Marinha. (Caiu o ministério, França Júnior, 1882)

b. Bernardo: Deixar para amanhã?! Pois se estamos de pleno acôrdo sôbre as

condições e o preço da venda, para, que deixar para amanhã? O que se pode

fazer hoje, não se deixa para amanhã.

(O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

(16) a. Faustino: Ah, com que o senhor capitão assusta-se, porque Øarb podem

saber que mais de metade dos guardas da companhia pagam para a música!...

E quer mandar-me para os Provisórios! Com que escreve cartas,

desinquietando a uma filha-família, e quer atrapalhar-me com serviço? Muito

bem! Cá tomarei nota. (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846)

b. Capitão: Que o leve o demo! Mas procure-o bem até que o ache, para

arrancar-lhe a carta. Øarb Podem-na achar, e isso não me convém.

(O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846)

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(17) Nilson: Margareth fala como se a gente pudesse comprar a felicidade a quilo.

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

(18) Na verdade há um mundo de sensações a serem exploradas no corpo humano.

Para excitar um parceiro você pode trabalhar com as mãos, os pés, os lábios

e a língua.

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

A tabela abaixo mostra a distribuição dessas estratégias ao longo do tempo:

Tabela 7: Realizações dos sujeitos de referência arbitrária ao longo do tempo (modalidade epistêmica)

Apesar do pequeno número de dados, fica evidente o desuso do “se” indefinido

ao longo do tempo. Ao contrário do esperado, entretanto, encontrei apenas um dado

com as estratégias “você” e “a gente”, nos períodos VI e VII. Como mostrarei a seguir,

a grande concentração de dados revela sujeitos de referência definida.

3.2.7 Os sujeitos de referência definida

Na análise desse grupo, reuni singular e plural, mas esclareço que o singular é

amplamente superior aos sujeitos no plural. Apenas na terceira pessoa distingui,

naturalmente, os sujeitos pronominais de SNs lexicais. Dos 336 dados de referência

Período Se 3ª.p.p A gente Você Total

Período I 1845-1846

1 (25%) 3 (75%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (100%)

Período II 1872-1883

8 (89%) 1 (11%) 0 (0%) 0 (0%) 9 (100%)

Período III 1918-1920

7 (88%) 1 (12%) 0 (0%) 0 (0%) 8 (100%)

Período IV 1933-1937

8 (89%) 1 (11%) 0 (0%) 0 (0%) 9 (100%)

Período V 1955

4 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (100%)

Período VI 1975-1986

2 (67%) 0 (0%) 0 (0%) 1 (33%) 3 (100%)

Período VII 1992

1 (50%) 0 (0%) 1 (50%) 0 (0%) 2 (100%)

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definida, o tipo que se mostrou mais frequente foi o SN lexical, com 125 dados,

seguido da 1ª pessoa, com 101 dados, dos sujeitos pronominais de 3ª pessoa, com

63 dados, e a 2ª pessoa, com 47 dados. Podemos ver em (19a,b) exemplos de 1ª

pessoa (do singular e do plural), em (20) de 2ª pessoa (do singular e do plural); em

(21) de 3ª pessoa (do singular e do plural) e, finalmente, em (22), os exemplos de SN

lexical no singular e plural:

(19) a. Rosa: Quando lhe dei eu a minha mão, Ø1ps poderia prever que ele seria um

traidor? E vós, senhora, quando lhe désteis a vossa, que vos uníeis a um

infame? (O noviço, Martins Pena, 1845)

b. Filomena: Este inglês possui uma fortuna de mais de quinhentos contos,

parece gostar de Beatriz... Se nós soubermos levá-lo, Ø1pp poderemos fazer a

felicidade da menina. (Caiu o ministério, França Júnior, 1882)

(20) a. Ismênia: É costume do Padre. Já já, pega. Você deve estar doida pra tomar

um banho e trocar de roupa. Seu quarto é aquele.

(Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955)

b. Margareth: Vocês podem falar o que quiserem. Eu vou no Pathé. A gente

começa a melhorar de algum lugar. Não tem tantas histórias de artistas

famosas que saíram do nada? (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

(21) a. Cristina: Ensino, ensino tudo, mas depois. Agora é melhor você ir que ele já

deve estar chegando. Sai pela porta dos fundos.

(A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975)

b. Domingos: Falei ontem com o seu tenente-coroné, sim sinhô, dei o recado de

meu sinhô, e ele disse-me que havia de vir com sinhá Dona Perpétua e com

sinhá moça Rosinha.

Limoeiro: Já Ø3pp deviam estar cá. O rapaz não tarda. Retirem-se a seus

postos. Hoje e amanhã não se pega na enxada. Exemplo de 3ª.pp

(Como se fazia um deputado, França Júnior, 1882)

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(22) a. Minha mãe deve estar tecendo uma análise, apavorada com o fato de eu

gostar do peito da crioula e acabar na cama com um negão.

(Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992)

b. Faustino: Então podem chover sobre mim os avisos, como chovia o maná

no deserto! Não te deixarei um só instante. Quando for às paradas, irás comigo

para me veres manobrar.

(O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846)

A Tabela 8, a seguir, apresenta a distribuição dessas ocorrências de sujeitos

de referência definida segundo a pessoa gramatical.

Tabela 8: Distribuição dos sujeitos de referência definida ao longo do tempo (modalidade epistêmica)

5 Ocorreram dois casos de sujeitos que fogem ao padrão SN lexical. Trata-se de um sujeito oracional

posposto, representado por uma relativa livre e um sujeito representado por um demonstrativo modificado por uma relativa. São eles: (1) Maricota: Ora dize-me, quem compra muitos bilhetes de loteria não tem mais probabilidade de tirar

a sorte grande do que aquele que só compra um? Não pode do mesmo modo, nessa loteria do casamento, [quem tem muitos amantes] ter mais probabilidade de tirar um para marido? (em vez de: [Quem tem muitos amantes] não pode do mesmo modo ter mais probabilidade de tirar um para marido, nessa loteria do casamento?) (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1845)

(2) Pimenta: Assim é, sr. capitão. [Os [que não pagam para a música]], devem sempre estar prontos.

Alguns são muito remissos. (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1845)

Período 1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa SN5 Total

Período I 1845-1846

12 (29%) 2 (5%) 6 (15%) 21 (52%) 41 (100%)

Período II 1872-1883

18 (33%) 11 (20%) 9 (17%) 16 (30%) 54 (100%)

Período III 1918-1920

14 (27%) 7 (14%) 11 (21%) 20 (38%) 52 (100%)

Período IV 1933-1937

15 (36%) 1 (3%) 2 (5%) 23 (56%) 41 (100%)

Período V 1955

13 (45%) 3 (10%) 3 (10%) 10 (35%) 29 (100%)

Período VI 1975-1986

9 (16%) 16 (28%) 14 (25%) 18 (31%) 57 (100%)

Período VII 1992

20 (32%) 7 (11%) 18 (29%) 17 (28%) 62 (100%)

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3.2.8 A forma de realização do sujeito A análise desse grupo tem grande valor para esta pesquisa. Acredito que a

escolha do falante por determinadas estruturas para a expressão da modalidade está

encaixada em uma mudança maior por que passa o PB no que diz respeito à

marcação do PSN. Como visto em capítulo anterior, há uma tendência no PB ao

preenchimento do sujeito e a evitar sentenças impessoais. Dessa forma, creio que,

além da preferência por verbos auxiliares para expressão da modalidade, justamente

por eles projetaram em geral uma posição de sujeito referencial, haverá, nesses

casos, uma preferência pelo sujeito preenchido de referência definida nas últimas

sincronias. A tabela a seguir leva em conta os dados de sujeitos da Tabela 8 acima,

excluindo, naturalmente os sujeitos representados por um SN lexical. Vejamos a

distribuição dos tipos de sujeitos de referência definida em relação à forma nula de

expressão do sujeito ao longo do tempo:

Tabela 9: A expressão dos sujeitos de referência definida referenciais nulos (vs plenos) ao longo do tempo (modalidade epistêmica)

Período 1ª p. 2ª p. 3ª p.

Período I 1845-1846

9/12 (75%) 2/2 (100%) 3/6 (50%)

Período II 1872-1883

11/18 (61%) 10/11 (90%) 5/9 (55%)

Período III 1918-1920

12/14 (86%) 6/7 (86%) 10/11(90%)

Período IV 1933-1937

11/15 (73%) 0/1 (0%) 2/2 (100%)

Período V 1955

7/13 (54%) 1/3 (33%) 2/3 (67%)

Período VI 1975-1986

5/9 (55%) 3/16 (19%) 8/14 (57%)

Período VII 1992

4/20 (20%) 1/7 (14%) 6/18 (33%)

O Gráfico 4 a seguir nos permite observar a queda do sujeito nulo nas

estruturas com sujeitos definidos:

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Gráfico 4: A realização dos sujeitos referenciais nulos (vs plenos) para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo

Através análise da tabela e do gráfico acima, é possível confirmar a hipótese

de que a tendência ao preenchimento do sujeito pronominal pode ser observada nas

construções que expressam a modalidade epistêmica. Entretanto, é preciso destacar

que apenas para a 1ª. pessoa temos um número mais expressivo de dados (101);

além disso, estão bem distribuídos por período, apesar de o Período VI contar com

apenas 9 dados. Essa melhor distribuição nos mostra uma curva descendente sem

picos. Percebemos que os sujeitos são preferencialmente nulos até o período IV,

alcançando índices de 75%, 61%, 86% e 73%, nessa ordem. Nos períodos V e VI,

ainda que haja pouco mais de 50% de sujeitos nulos, notamos uma importante queda

em comparação com os períodos anteriores, o que ocorre na análise de Duarte (1993)

para tais sujeitos. No período VII, vemos claramente a preferência pelo

preenchimento, com apenas 20% dos dados de sujeito nulo. Os exemplos em (23)

mostram ilustram o sujeito de 1ª. pessoa nulo e pleno:

(23) a. Maricota: Estou conhecida! Ø1ps Posso morrer solteira... Um marido é

sempre um marido... Meu pai, farei a sua vontade.

(O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846)

b. Margareth: Não interessa. Eu vou lá e pronto! Se o seu Oscar deixar, eu

posso até vender na bomboniêre.

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

75%61%

86%

73%

54% 55%

20%

100% 90%

0%

33%

19%14%

50% 55%

90%100%

67%57%

33%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

I II III IV V VI VII

1ª p. 2ª p. 3ª p.

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72

A mesma tendência de queda de sujeitos nulos é observada na 2ª. pessoa,

mas a distribuição dos dados é bastante irregular. Tal como em Duarte (2012b),

podemos perceber que nos três primeiros períodos, os sujeitos são preferencialmente

nulos, alcançando índices de 100%, 90% e 86%, respectivamente. No período IV,

esse quadro muda: só há um caso de 2ª pessoa, que aparece preenchido. A partir

desse momento, podemos ver a mesma direção da mudança do estudo de Duarte

(1993), no qual a autora mostra que, motivado pela substituição do pronome “tu” por

“você” na amostra analisada6 e a redução do paradigma flexional, o preenchimento do

sujeito torna-se a forma mais natural para a sua identificação. Nos períodos V, VI e

VII os índices de sujeito nulo são bem baixos, alcançando 33%, 19% e 14%, nessa

ordem. Podemos visualizar os exemplos de sujeito de 2ª pessoa nulo e preenchido,

respectivamente, em (24a-b):

(24) a. Ambrósio: Que dúvida! E eu julgo que Ø2ps podes conciliar esses dous

pontos, fazendo Emília professar em um convento. Sim, que seja freira. Não

terás nesse caso de dar legítima alguma, apenas um insignificante dote - e

farás ação meritória. (O noviço, Martins Pena, 1845)

b. Ventura: É o diabo isso... Estou aqui sem um niquel... Você não tem aí

algum?

Carlos: Quanto quer você?

Ventura: No minimo, o maximo que você possa me emprestar.

(O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937)

Em relação à 3ª. pessoa, o sujeito pronominal e o nulo estão em competição

nos dois primeiros períodos. Nos períodos seguintes, há uma queda no apagamento,

mas essa não é tão brusca. Nos períodos V e VI, por exemplo, ainda alcançam os

índices razoáveis de 67% e 57%. No período VII, no entanto, fica evidente a

preferência pelo sujeito preenchido, já que o percentual de sujeitos nulos é de 33%

somente. É preciso destacar que nesta análise incluí casos em que um sujeito

pronominal se encontra num contexto sintático que favorece o sujeito nulo e também

6 Nas peças analisadas por Duarte, quando o pronome tu reaparece, nos anos 1990, já se encontra em variação com você, ou seja, é usado com a forma verbal sem a desinência canônica <-s>.

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73

aqueles em que seu antecedente tem outra função ou retoma dois SNs, favorecendo

o sujeito preenchido, o que será visto posteriormente. Exemplos de sujeitos de 3ª

pessoa pronominal nulo e preenchido, nessa ordem, podem ser vistos em (25) e (26).

Observemos que, em sincronias mais antigas, o sujeito nulo ocorre mesmo com mais

de um antecedente, como em (25c); o mesmo contexto estrutural leva ao

preenchimento no último período (26b):

(25) a. Basilio: Ah! É por isso que quando ele desaparece da estação dizem logo

que Ø3ps deve estar na casa onde canta o sabiá...

(Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

b. Dilermando: Um envelope lacrado! Ø3ps Deve ser o testamento do

Fagundes... (O troféu, Armando Gonzaga, 1933)

c. Domingos: Falei ontem com o seu tenente-coroné, sim sinhô, dei o recado

de meu sinhô, e ele disse-me que havia de vir com sinhá Dona Perpétua e

com sinhá moça Rosinha.

Limoeiro: Já Ø3pp deviam estar cá. O rapaz não tarda. Retirem-se a seus

postos. Hoje e amanhã não se pega na enxada.

(Como se fazia um deputado, França Júnior, 1882)

(26) a. Neiva: Por mim, ele podia sumir que eu já nem ligava mais. O problema é a

menina. Que é que eu vou fazer com a menina?

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

b. Magali: A Magda tá no Egito. Tá de férias. Férias não sei de quê. Mas tão lá,

ela e o meu cunhado. Às vezes eu tenho inveja da Magda. Mas só às vezes,

ouviu? Uma hora dessas, eles devem estar tirando fotografia de tudo quanto é

jeito. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992)

Quanto aos diferentes contextos sintáticos em que o sujeito pronominal de 3ªp.

pode estar, é possível analisar alguns deles através dos exemplos (27a,b), (28 a,b) e

(29a,b) a seguir:

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(27) a. Inácia: Mas é preciso que o esqueças. [Um mau brasileiro]. Não Ø3ps podia

ser um bom marido... Peste! (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

b. Dolores: Vambora, Neiva, que uma hora dessas ônibus só de hora em hora.

Bem que [o meu namorado]i podia ter aparecido pra me dar uma carona. Elei

deve ter ficado preso.

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

Observando os dois exemplos em (27), vemos tendências diferentes – nos dois

casos, o antecedente é o tópico no contexto precedente, mas o sujeito aparece nulo

na peça de 1920 e expresso na de 1992.

(28) a. Dolores: Mas que esse não é igual aos outros, não é mesmo! Bom, deixa eu

sair de fininho que ele deve ‘tar me esperando lá nos fundos. Segura as pontas

prá mim, tá?

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

b. De repente Ø3pp tornaram a balançar e desta vez ele devia ter penetrado

numa zona de turbulência porque logo se acenderam as placas.

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

Nos exemplos em (28), temos mudança de referência no sujeito da subordinada

e da 2ª coordenada, o que em geral leva ao preenchimento.

(29) a. Jeremias: Esqueça o escorregão que ela deu no passado, do qual, como sua

homônima na Bíblia, Ø3ps deve estar sinceramente arrependida.

(O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

b. Lise: Por exemplo, eu vi uma senhora entrando hoje, não sei onde ela está

sentada, mas para mim, ela se chama Magali Santoro. Ela é gordinha e Ø3ps

deve ter uns cinquenta anos. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel

Falabella, 1992)

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Nos exemplos em (29), por sua vez, temos a manutenção da referência no

sujeito da subordinada e da 2ª coordenada, o que em geral leva ao apagamento. O

sujeito nulo na subordinada resiste nesse contexto inclusive na última sincronia, que

tem preferência pelo preenchimento. A coordenadas com manutenção do referente

podem ter sujeito nulo em línguas que não o admitem em outros contextos.

Por fim, sabemos que uma amostra mais ampla permitiria uma análise mais

refinada dos contextos que influenciam a expressão do sujeito de 3ª pessoa, embora

a tendência ao seu preenchimento se confirme.

3.3 A análise da modalidade não-epistêmica

3.3.1 Distribuição geral das estratégias por tipo de modalidade não-epistêmica

Das 1311 ocorrências encontradas, 839 expressam modalidade não-

epistêmica. Conforme visto na seção anterior, esse número de dados maior do que os

que expressam modalidade epistêmica era esperado, pois há maior variedade de

verbos auxiliares que expressam a modalidade não-epistêmica do que de verbos

auxiliares que expressam modalidade epistêmica. Como visto no capítulo 2, neste

estudo, baseando-nos em Neves (2006), consideramos que a modalidade não-

epistêmica pode subdividir-se em dois tipos: a) dinâmica; b) deôntica. Enquanto a

primeira exprime as noções de capacidade/habilidade, a segunda exprime as noções

de permissão ou obrigação, estando no eixo do dever, da conduta. Exemplos que

ilustram a modalidade dinâmica, expressando capacidade/habilidade podem ser

vistos em (30a,b), enquanto os que expressam a modalidade deôntica, exprimindo

obrigação e permissão, respectivamente, podem ser vistos em (31a,b):

(30) a. Bernardo: Ora! Tu não entendes disso. Ø2ps Podes, quando muito, entender

de engenharia; mas de transações comerciais não pescas nada. E se eu fizer

o negócio, terás 50 contos para ires gastá-los na Europa.

(O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

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b. Nicolau: O caso não vai de zangar... Ouvir-te-ei, já que gritas. Sr. Bernardo,

tenha a bondade de esperar um momento. Vamos lá, o que queres? E em duas

palavras, se for possível.

Fabiana: Em duas palavras? Aí vai: Ø1ps já não posso aturar meu genro e

minha nora! (Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845)

(31) a. Fabrino: Ô Elvidio, dispensa-me por um momento. Ø1ps Preciso ir lá dentro,

mas não demoro. Fica à vontade. Está em tua casa...

(Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

b. Doroteia: Eu pensava que as mulheres não pudessem entrar sozinhas nos

casinos. (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937)

A distribuição dos dados segundo o tipo de modalidade não-epistêmica pode

ser vista na tabela abaixo:

Tabela 10. Distribuição dos dados levantados segundo o tipo de modalidade não-epistêmica

Modalidade Predicador

verbal Predicador

adjetival Verbo

auxiliar Total

Dinâmica 0 (0%) 0 (0%) 149 (100%) 149 (100%)

Deôntica 6 (1%) 96 (14%) 588 (85%) 690 (100%)

Analisando a Tabela 10, é possível ver que a modalidade dêontica é a mais

frequente, já que, dos 839 dados de modalidade não-epistêmica, 690 expressam esse

tipo, denotando permissão ou obrigação. Isso pode se dever à distribuição dos dados

ou ao fato de os contextos discursivos-pragmáticos no gênero analisado favorecerem

esse tipo de modalidade. Além disso, vemos que o verbo auxiliar é a estratégia

preferida para veicular ambos os tipos de modalidade não-epistêmica. Além disso, o

auxiliar poder é a única estratégia encontrada para expressão da modalidade

dinâmica.

Após essas considerações a respeito da modalidade não-epistêmica, em que

se buscou distinguir e verificar o comportamento dos dois tipos citados por Palmer

(1986) e Neves (2006), com o objetivo de fazer considerações mais gerais em relação

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a esse tipo de modalidade em oposição à modalidade epistêmica, vista na seção

anterior, farei uma análise dos resultados gerais da modalidade não-epistêmica,

abarcando os dois tipos já mencionados.

3.3.2 As formas de expressão da modalidade não-epistêmica

As diferentes estratégias para a expressão da modalidade - o predicador verbal,

o predicador adjetival e o verbo auxiliar – se encontram, respectivamente, em (32),

(33a,b) e (34a,b):

(32) Neiva: Eu me viro. Mas não foi por causa do pé, não. Foi por causa daquilo.

Margareth: Daquilo, o quê?

Neiva: Daquilo, né, Margareth? Ah... não vou contar, não!

Dolores: Se Øexpl não era [pra contar], porque começou?

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

(33) a. Henrique — Esquecer-te? Tu não me amas!

Henriqueta — Já não te disse que o meu coração só pulsa por ti?

Henrique — Então Øexpl é necessário [que esse inglês desapareça].

(O tipo brasileiro, França Júnior, 1872)

b. Carlos: Não convém. Pode, por azar, Chegar aí a notícia de que o major

morreu. Øexpl É preciso [que seja alguém que nunca tivesse existido].

(O noviço, Martins Pena, 1845)

(34) a. Paulo: Ótimo. Minha mãe vai ficar alegríssima. Ø3ps Não pode ver nenhum

parafuso fora da engrenagem da exploração do homem.

(Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

b. Está sendo ótima a companhia de vocês por essa vida à fora, mas uma coisa

Ø1ps não posso negar: tenho saudade daqueles tempos.

A Tabela 11 mostra a distribuição desses três tipos de estruturas ao longo do

tempo. Conforme mencionado na seção anterior, esta é a variável sociolinguística que

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orienta esta pesquisa; vimos que os auxiliares predominam ao longo do tempo, mas,

ainda assim, é possível observar um declínio no uso de predicadores adjetivais.

Tabela 11: Formas de expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo

Período Predicador

verbal Predicador

adjetival Verbo auxiliar Total

Período I 1845-1846

0 (0%) 24 (23%) 80 (77%) 104 (100%)

Período II 1872-1883

0 (0%) 27 (28%) 71 (72%) 98 (100%)

Período III 1918-1920

0 (0%) 19 (14%) 118 (86%) 137 (100%)

Período IV 1933-1937

0 (0%) 14 (16%) 75 (84%) 89 (100%)

Período V 1955

0 (0%) 3 (2%) 124 (98%) 127 (100%)

Período VI 1975-1986

4 (3%) 9 (7%) 119 (90%) 132 (100%)

Período VII 1992

2 (1%) 0 (0%) 150 (99%) 152 (100%)

Dentre os 839 dados que veiculam a modalidade não-epistêmica, 737 dados

são expressos por verbos auxiliares, o que equivale a 88%. Ao observarmos a

distribuição pelos períodos, notamos um aumento considerável no número de verbos

auxiliares e uma queda expressiva no número de predicadores adjetivais, em

consonância com as minhas hipóteses. O Gráfico 5, a seguir, permite visualizar os

resultados percentuais da Tabela 11 na linha do tempo:

Gráfico 5. A trajetória das estratégias para a expressão

da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo

0% 0%0% 0%

0% 3%1%

23% 28%

14% 16%

2%7%

0%

77% 72%

86% 84%

98%90%

99%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

I II III IV V VI VII

pred. verbal pred. adjetival auxiliar

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79

De acordo com o esperado, as frequências de uso dos verbos auxiliares são

muito altas em todos os períodos: nota-se, entretanto significativo aumento, de 77% a

99%, na última sincronia. Os predicadores adjetivais, por sua vez, alcançam índices

razoáveis principalmente nas duas primeiras sincronias (23% e 28%,

respectivamente), porém sofrem uma queda significativa ao longo do tempo,

chegando a 2%, 7% e 0% nos períodos V, VI e VII, respectivamente. Quanto aos

predicadores verbais, diferentemente do que ocorreu na modalidade epistêmica, em

que podemos perceber o uso desse tipo de estratégia nas primeiras sincronias, não

encontramos dados entre os períodos I e V. Nos períodos VI e VII, contudo, temos a

presença de 6 dados, 4 no período VI e 2 no período VII, o que corresponde aos

percentuais 3% e 1%, respectivamente. Esses dados, em consonância com os

encontrados nos mesmos períodos para a expressão modalidade epistêmica, também

tratam de uma estrutura inovadora e não dos predicadores verbais tradicionais, como

cumprir e urgir, completamente ausentes na minha amostra, como veremos na sub-

seção a seguir.

Em consonância com minhas hipóteses, o uso predominante dos verbos

auxiliares se justifica pelo fato de esse tipo de estrutura poder projetar uma posição

de sujeito referencial, enquanto as outras duas estruturas projetam uma posição de

sujeito não-referencial. Como já mencionado na seção anterior, a preferência por

sujeitos referenciais no PB está ligada a uma mudança maior por que passa a nossa

língua, a mudança na marcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN). No

entanto, ao me deparar com altos índices de verbos auxiliares desde as primeiras

sincronias também para expressão da modalidade não-epistêmica, não posso deixar

de constatar que a preferência pelos auxiliares, pelo menos num gênero

presumivelmente mais próximo da fala, é anterior à segunda metade do século XIX.

3.3.3 O predicador verbal

A análise nos revelou que os 6 dados de expressão da modalidade não-

epistêmica através de verbos predicadores, o equivalente a apenas 1% do total de

dados, foram todos expressos pela estrutura inovadora, que consiste no uso do verbo

“ser” seguido de uma oração reduzida de infinitivo regida de preposição, aqui referida

como “ser pra”. Podemos ver exemplos desse tipo de predicador em (35a,b):

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(35) a. Cristina: Abrir a porta do carro? Sabe a última vez que você abriu?

Armando: Não.

Cristina: No dia do nosso casamento.

Armando: Teve ainda uma outra vez.

Cristina: Teve, mas Øexpl não foi [pra eu entrar.] Øexpl Foi [pra sair]. Você me

botou pra fora do carro. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975)

b. Nilson: Uma hora dessas Øexpl era [pra ela já estar aqui].

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

Lembro novamente que não se pode pensar numa expressão gramaticalizada

porque é possível mover o sujeito da subordinada para a posição do expletivo na

oração principal (Uma hora dessas elai era [pra pra [t]i já estar aqui]). Tenho, portanto,

evidências de que se trata de duas orações.

3.3.4 Tipos de predicador adjetival

Encontrei 96 dados de expressão da modalidade não-epistêmica através de

predicadores adjetivais, o que corresponde a 11% dos dados. Destes, 89 foram

expressos pelo predicador adjetival preciso, como em (36a,b), o equivalente a 93%, e

7 pelo predicador necessário, o correspondente a 7%, como em (37a,b):

(36) a. Maricota: Oh, que tola! Pois Øexpl é preciso [conhecer-se a pessoa a quem

se namora]? (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846)

b. Rosa, por favor, eu posso explicar tudo. Vamos pra casa que eu explico.

Acho que estou doente. Paulo, me ajude. Seja sensato. É uma casa. Uma casa

como as outras. Aceite. Øexpl É preciso [ter uma casa, seja de que jeito for].

Rosa, diga-lhe que aceite. Não estou querendo comprá-los, não. Aceite...

(Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

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(37) a. Julia: Claro, muitos dos problemas conjugais são hereditários. Quanto aos

seus antecedentes, precisamos saber se a senhora nunca tentou esfaquear

seu marido, queimá-lo com ferro elétrico, jogá-lo pela janela. Øexpl É necessário

também [que a senhora preencha um formulário respondendo sobre a sua vida

sexual]. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975)

b. Otávio: Øexpl É necessário [que o senhor se lembre, meu pai, que a jazida

do Rio Pequeno não lhe pertence].

(O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

A Tabela 12 mostra a distribuição desses predicadores adjetivais ao longo do

tempo:

Tabela 12: Tipos de predicadores adjetivais para a expressão

da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo

O predicador adjetival preciso foi o mais produtivo na amostra analisada.

Mesmo assim, em conformidade com as minhas hipóteses, houve uma queda

relevante em seu uso ao longo do tempo. Conforme já visto, isso pode se dever ao

fato de as estruturas com predicadores adjetivais, assim como as com predicadores

verbais, não projetarem posição de sujeito referencial, o que possivelmente justifica

essa diminuição, dado que, como já mencionado, há uma tendência no PB a evitar

sentenças impessoais.

Período Preciso Necessário Total

Período I 1845-1846

24 (100%) 0 (0%) 24 (100%)

Período II 1872-1883

25 (93%) 2 (7%) 27 (100%)

Período III 1918-1920

15 (79%) 4 (21%) 19 (100%)

Período IV 1933-1937

14 (100%) 0 (0%) 14 (100%)

Período V 1955

3 (100%) 0 (0%) 3 (100%)

Período VI 1975-1986

8 (89%) 1 (11%) 9 (100%)

Período VII 1992

0 (0%) 0 (0%) 0 (100%)

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3.3.5 Tipos de verbo auxiliar

Através desse grupo, posso averiguar quais verbos auxiliares são mais

empregados e como eles se comportam ao longo do tempo. Como visto na seção

anterior, os verbos auxiliares modais poder e dever podem expressar modalidade

epistêmica e modalidade não-epistêmica. Além desses verbos, que, no caso da

modalidade em questão, podem denotar permissão ou capacidade e obrigação,

respectivamente, há outros responsáveis por expressá-la, como ter que/ter de,

precisar e necessitar, todos veiculando a noção de obrigação. É possível ver exemplos

do verbo poder em (38a,b), de dever em (39a,b), de ter que em (40a,b), de precisar

em (41a,b) e de necessitar em (42)7:

(38) a. Eduardo: Foi um grande mestre da rabeca... Mas aí, que estou a parolar

contigo, deixando a trovoada engrossar. Minha mulher está lá dentro com a

mãe, e os mexericos fervem... Não tarda muito que as veja em cima de mim.

Só tu podes desviar a tempestade e dar-me tempo para acabar de compor o

meu tremulório... (Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845)

b. Quando cheguei papai estava embarcado num submarino, combatendo os

alemães lá no Nordeste. Ele positivamente não seguia aquele preceito hippie...

Fazia o amor e a guerra também. Achei ótimo, assim Ø1ps pude dormir com a

mamãe na cama de casal.

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

(39) a. Cristina: Direção errada? E qual era a direção então? Por que você não botou

umas placas aí pra mim saber qual era a direção? Que caminho eu deveria

tomar para chegar ao seu coração, se é que você tem.

(A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975)

b. Maria: Não pense, sargento. Os bravos centuriões do fogo não devem

pensar. Aja, sargento, aja. (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

7 Os verbos precisar e necessitar tem claramente o comportamento de auxiliares nessas estruturas.

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(40) a. Ismênia: O mal de sua geração é esse: não distingue o que é divino do que

é infernal. Minha profissão é chata como qualquer outra. E ainda Ø1ps tenho

que jantar três vezes por noite. Pelo menos fingir.

(Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955)

b. Inácia: Quem lhe está perguntando alguma coisa? A senhora tem que perder

esse costume de se meter na conversa dos outros!

(Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

(41) a. Dulce: Não, eu entendo, eu entendo. Mas a senhora precisa entender que

a solidão não é uma exclusividade sua. A senhora precisa sair mais, conhecer

gente nova!

(Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992)

b. Doroteia: Bem. Não precisa o senhor se emocionar tanto. Si a cousa é

assim, está tudo explicado.

(O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937)

(42) Ernani: Quem sabe se eu sou criado do ministro para ficar à espera até a hora

que ele resolver chegar?

Virginia: Mas você não necessita arranjar um emprego?

(Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

A tabela e o gráfico a seguir apresentam a distribuição desses verbos ao longo

do tempo:

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Tabela 13: Tipos de verbos auxiliares para a expressão

da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo

Período Poder Dever Ter que/ Ter de

Precisar Necessitar Total

Período I 1845-1846

51 (63%) 16 (20%) 10 (13%) 3 (4%) 0 (0%) 80 (100%)

Período II 1872-1883

36 (51%) 21 (30%) 8 (11%) 6 (8%) 0 (0%) 71 (100%)

Período III 1918-1920

69 (59%) 12 (10%) 19 (16%) 17 (14%) 1 (1%) 118 (100%)

Período IV 1933-1937

30 (40%) 24 (32%) 9 (12%) 12 (16%) 0 (0%) 75(100%)

Período V 1955

69 (55%) 12 (10%) 31 (25%) 12 (10%) 0 (0%) 124 (100%)

Período VI 1975-1986

40 (34%) 17 (14%) 35 (29%) 27 (23%) 0 (0%) 119 (100%)

Período VII 1992

48 (32%) 21 (14%) 58 (39%) 23 (15%) 0 (0%) 150 (100%)

A representação dessa distribuição no gráfico 6 a seguir permite uma melhor

observação da evolução no uso dos auxiliares, excetuando a única ocorrência de

necessitar:

Gráfico 6. A trajetória dos verbos poder, dever, ter que/ter de e precisar

para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo

É possível notar que, para a expressão da modalidade não-epistêmica, o verbo

poder se mostra predominante até o período V, com índices de 63%, 61%, 59%, 40%

e 55%, respectivamente. Nos períodos VI e VII, começa a declinar, chegando a 32%

63%

51%59%

40%

55%

34%

32%20%30%

10%

32%

14% 14%13%

11% 16%

12%

25%29%

39%

4% 8%14%

16%

10%

23% 15%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

I II III IV V VI VII

Poder Dever Ter que/ Ter de Precisar

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85

nos anos 1990 (Período VII). O auxiliar ter de/que, sai de discreto índice de 13% e

alcança 39%, superando, ainda que levemente, o uso de dever. Pode-se supor que

essa competição levará à vitória de ter que (já atestada na fala espontânea). Quanto

ao uso do auxiliar precisar, nota-se um uso marginal ao longo do tempo.

3.3.6 A referência do sujeito

A referência do sujeito tem grande importância para esta pesquisa.

Distinguimos o sujeito expletivo (sem referência) dos referenciais (que incluem a

referência definida e a arbitrária), conforme já visto. Dentre os 839 dados, apenas 108

contêm sujeitos expletivos (12,5%) e 734 são referenciais (87,5%). Entre os dados de

sujeito referencial estão os de referência definida, cujo número de ocorrências foi 693

(94%) e os de referência arbitrária, que totalizaram 41 dados (6%). É válido destacar,

no entanto, que essas três referências do sujeito (expletivos, de referência arbitrária e

de referência definida) não estão em variação, embora o tipo de modalidade que as

estruturas em que se encontram estejam. Exemplos de sujeitos expletivos podem ser

vistos em (43a,b), definidos em (44a,b) e arbitrários em (45a,b):

(43) a. Maria: Ah, seu José, Dona Maria. A que horas o senhor vai ligar água hoje,

hein, seu José? (...) Só? Então é senhor manda me avisar, sim? Obrigada, pro

senhor também. A vida é breve. Øexp É preciso [não parar de falar]. Se paro,

quem dirá que poderei falar de novo?

(Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

b. Ventura: Então Øexp não póde haver mais duvida.

Tiburcio: Não póde mais haver dvida de que?

Ventura: De que o senhor é mesmo meu pai.

(O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937)

(44) a. Júlia: Acredite ou não, Ø1ps não posso ver uma coisa de valor sem ter

vontade de roubá-la. Faço com tal naturalidade que ninguém percebe. Vê esse

relógio; eu e Evandro procuramos por toda a casa. Escondi sem saber onde.

(Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955)

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b. Inácia: Você precisa empregar-se. Isso não é vida! Está um homem feito,

com vinte anos, e não tem um emprego.

(Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

(45) a. Henrique: Eu não pode fumar que cigarros de Havana.

Teodoro: Está como eu. Este é magnífico! Não sei como Øarb se possa tragar

charutos daqui. (O tipo brasileiro, França Júnior, 1872)

b. Um médico americano já disse que vivemos na era espacial mas deixamos

nossos órgãos sexuais na idade da pedra. Øarb Precisamos falar sobre sexo

abertamente, como discutimos política ou futebol.

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

Podemos verificar a distribuição dos dados segundo a referência do sujeito ao

longo do tempo na tabela e no gráfico abaixo:

Tabela 14: Referência do sujeito ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica)

Período Expletivo Arbitrário Definido Total

Período I 1845-1846

24 (23%) 3 (3%) 77 (74%) 104 (100%)

Período II 1872-1883

27 (28%) 7 (7%) 64 (65%) 98 (100%)

Período III 1918-1920

20 (14%) 5 (4%) 112 (82%) 137 (100%)

Período IV 1933-1937

16 (18%) 5 (6%) 68(76%) 89 (100%)

Período V 1955

3 (2%) 5 (3%) 120 (95%) 128 (100%)

Período VI 1975-1986

13 (10%) 6 (6%) 112 (84%) 131 (100%)

Período VII 1992

2 (1%) 10 (7%) 140 (92%) 152 (100%)

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Gráfico 7: Distribuição das estruturas para a expressão da modalidade não-epistêmica segundo a referência do sujeito ao longo do tempo

Conforme é possível perceber, a curva dos sujeitos de referência definida é a

mais alta, variando entre 74% e 92%, o que confirma a hipótese de que esse tipo de

referência do sujeito seria cada vez maior ao longo do tempo, pela preferência no PB

por evitar sentenças impessoais, foi confirmada. Além disso, vemos que os sujeitos

sem referência (ou expletivos), presentes em estruturas com predicadores verbais e

adjetivais ou com verbos auxiliares ligados a verbos impessoais, também como o

esperado, diminuíram consideravelmente ao longo do tempo, passando de 23% no

período I para apenas 1% no período VII. Os dois dados de sujeito expletivo desse

período tratam justamente das construções com a estrutura inovadora “ser pra”, que

se mostra menos produtiva nesta amostra do que a construção inovadora para a

expressão da modalidade epistêmica “dar pra”.

3.3.7 Os sujeitos de referência arbitrária

Como mencionado no capítulo 2 e na seção anterior, esperamos que as

estratégias de indeterminação com a terceira pessoa do plural e o pronome se

indefinido sejam mais utilizadas nas peças mais antigas e que as outras estratégias

de indeterminação, sobretudo você e a gente sejam as mais recorrentes em peças

mais recentes. Dos 41 dados de sujeito de referência arbitrária, 17 apresentam a

construção com “se” indefinido (incluindo o se nominativo e passivo), o equivalente a

42%, seguidos de 8 dados de 1ª. pessoa do plural (20%), de 7 dados da estratégia “a

gente” (17%), de 5 dados da estratégia “você” (12%), de 3 dados da estratégia “zero”

23% 28%14% 18%

2%

10%

1%

3% 7%4% 6% 3%

6%

7%

74%65%

82%76%

95%

84%

92%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

I II III IV V VI VII

expletivo arbitrário definido

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88

(7%) e de 1 dado de 3ªp. do plural, como podemos visualizar, nessa ordem, em (46)-

(51):

(46) a. Corina: Você sempre diz que não se deve pensar no que passou, mas sim

no que há de vir. E afinal não segue seu próprio conselho...

.(O troféu, Armando Gonzaga, 1933)

b. Mr. James: Mim quer privilegia para introduzir minha sistema em Brasil, e

estabelecer primeira linha em Corcovada, com todas as favores de lei de Brasil

para empresa de caminha de ferro.

Brito: Mas o cachorro não está ainda classificado como motor na nossa

legislação de caminhos de ferro. . .

Dr. Monteirinho: Neste caso deve levar-se a questão ao poder legislativo. (Caiu

o ministério, França Júnior, 1882)

(47) a. Custódio: Em nome da paz da freguesia, em nome de meus concidadãos,

em nome da nossa honra, em nome da tranqüilidade pública, Øarb devemos

respeitar o direito do cidadão.

(Como se fazia um deputado, França Júnior, 1882)

b. Paulo: Mamãe, tudo se faz. Øarb Não podemos ficar muito presos a uma

moral só. Øarb Temos de experimentar várias. Pragmatismo, mãezinha.

(Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

(48) a. Evandro: Só uma coisa ficou faltando na história: a mensagem.

Ismênia: Neste mundo não há felicidade. Portanto a gente tem que ser feliz

assim mesmo. (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955)

b. Margareth: Desde quando a gente precisa saber escrever prá vender

bala? (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

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(49) a. Quase todo mundo sente um arrepio com uma linguazinha no ouvido. Mas é

preciso saber usá-la nas cavidades auriculares. Você não pode ir enfiando a

língua de qualquer maneira.

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

b. Melanie: Tem uma outra técnica, que é muito usada, hoje em dia. O segredo

é não se importar. Se você não se importar, você acaba dormindo, mas você

precisa não se importar de verdade.

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

(50) Vocês não sabem o que é preciso para botar um bloco na rua, um bloquinho

de carnaval? Øarb Precisa juntar mais papel que pra aquisição da casa

própria.

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

(51) Holly: Há anos que aqueles anões horrorosos vêm atirando madrastas do

penhasco. Eles deveriam ensinar amor às crianças. Já tem ódio demais no

mundo! (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

A tabela abaixo mostra a distribuição dessas estratégias ao longo do tempo:

Tabela 15: Distribuição dos sujeitos de referência arbitrária ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica)

Período Se 1ª.p.p A gente Você Zero 3ª.p.p Total

Período I 1845-1846

3 (100%)

0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 3 (100%)

Período II 1872-1883

6 (86%) 1 (14%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 7 (100%)

Período III 1918-1920

1 (20%) 2 (40%) 2 (40%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 5 (100%)

Período IV 1933-1937

6 (100%)

0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 6 (100%)

Período V 1955

1 (20%) 3 (60%) 1 (20%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 5 (100%)

Período VI 1975-1986

0 (0%) 2 (33%) 0 (0%) 3 (50%) 1 (17%) 0 (0%) 6 (100%)

Período VII 1992

0 (0%) 0 (0%) 4 (45%) 2 (22%) 2 (22%) 1 (11%) 9 (100%)

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Ainda que haja um número pequeno de dados, assim como para a expressão

da modalidade epistêmica, fica evidente o desuso do “se” indefinido, que não aparece

nos dois últimos períodos, e da 3ª. pessoa do plural (embora esta continue a ser uma

forma de indeterminação muito produtiva no português contemporâneo). Conforme o

esperado, nas últimas sincronias, é possível perceber outras estratégias de

indeterminação que entram no lugar dessas formas mais conservadoras, como a 1ªp.

pessoa do plural e as estratégias “a gente” e “você”. Como mencionado na seção

anterior, esse número pequeno de dados mostra, naturalmente, que a grande

concentração de dados é de sujeitos com referência definida.

3.3.8 Os sujeitos de referência definida

Assim como na análise da modalidade epistêmica, nesse grupo, reuni singular

e plural, no entanto, o número de dados com sujeito no singular é largamente superior

aos dados com sujeito no plural. Apenas na terceira pessoa distingui os sujeitos

pronominais de SNs lexicais. Dos 693 dados de referência definida, o tipo que se

mostrou mais frequente foi a 1ª pessoa, com 329 dados, o correspondente a 47%,

seguido da 2ª pessoa, com 191 dados (28%), dos SNs lexicais, com 110 dados (16%)

e a 3ª pessoa pronominal, com 63 dados (9%). Temos em (52a,b) exemplos de 1ª

pessoa (do singular e do plural), em (53a,b) de 2ª pessoa (do singular e do plural); em

(54a,b) de 3ª pessoa (do singular e do plural) e, em (55a,b), os exemplos de SN lexical

no singular e plural:

(52) a. Artur: Vou “fazer força” junto dela. Ao mesmo tempo, Ø1ps preciso livrar- me

do pai, que já deve andar a minha procura.

(O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918)

b. Menelau: Fóra daí, não sei o que aconteceraá. Ou melhor, sei perfeitamente

o que vai acontecer. Ø1pp Teremos de entregar a nossa casinha ao bandido do

Zacharias e passar a outra de aluguel, que não sei onde nem como iremos

arranjar. (O troféu, Armando Gonzaga, 1933)

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(53) a. Jorge: Sinto o trabalho que tiveram... E como não é mais preciso, Ø2ps

podem-se retirar. (O noviço, Martins Pena, 1845)

b. Ernani: Hum! Parece-me que essa coisa de ensaiar a tal Serenata, não passa

de um pretexto que vocês arranjaram para Ø2pp poderem conversarem à

vontade. (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

(54) a. Arminda: Estou abismada!

Menelau: E eu zonzo. Mas isso não póde ficar assim. Ela tem que aceitar de

qualquer forma. (O troféu, Armando Gonzaga, 1933)

b. Jamais a mente humana imaginou que aqueles três, com cara de santo,

pudessem fazer tanta porcaria.

(Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986)

(55) a. Sabino: Que ela, que ela é desaver... desavergonhada... eu bem sei, sei

muito bem... e cá sinto, e cá sinto... mas em aten... em aten... em atenção a

mim... minha mãe... minha mãe devia ceder...

(Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845)

b. Espíquer: Atenção! Atenção! Com a decretação da Lei Marcial, às treze

horas e dezoito minutos de hoje, todos os elementos terroristas do país estão

sujeitos à pena de morte. Todas as pessoas pogonóforas, isto é, com barba

na cara, que não pertencerem ao Partido Terrorista, devem raspá-la

imediatamente para evitar equívocos fatais.

(Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

A Tabela 16, a seguir, apresenta a distribuição dessas ocorrências de sujeitos

de referência definida segundo a pessoa gramatical.

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Tabela 16: Distribuição dos sujeitos de referência definida ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica)

3.3.9 A forma de realização do sujeito Como visto no capítulo e nas seções anteriores, há uma tendência no PB ao

preenchimento do sujeito. Assim, acredito que, além da preferência por verbos

auxiliares para expressão da modalidade, justamente por eles projetaram, em geral,

uma posição de sujeito referencial, haverá, nesses casos, uma preferência pelo sujeito

preenchido de referência definida nas últimas sincronias. A tabela a seguir leva em

conta os dados de sujeitos da Tabela 16 acima, excluindo os sujeitos representados

por um SN lexical, por serem categoricamente expressos, e os sujeitos de construções

com imperativo, por serem categoricamente nulos. Vejamos a distribuição dos tipos

de sujeitos de referência definida em relação à realização dos sujeitos pronominais ao

longo do tempo:

8 Assim como na análise da modalidade epistêmica, ocorreu um caso de sujeito representado por uma

relativa livre: (3) Elvídio: Certamente. Só pode gostar disto [quem não conhece a Europa com toda a sua requintada

civilização]. (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

Período 1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa SN8 Total

Período I 37 (48%) 21 (27%) 5 (7%) 14 (18%) 77 (100%)

Período II 32 (50%) 13 (20%) 4 (6%) 15 (24%) 64 (100%)

Período III 59 (53%) 34 (30%) 6 (5%) 13 (12%) 112 (100%)

Período IV 30 (45%) 17 (25%) 3 (5%) 17 (25%) 67 (100%)

Período V 63 (52%) 33 (28%) 10 (8%) 14 (12%) 120 (100%)

Período VI 45 (40%) 32 (29%) 19 (17%) 16 (14%) 112 (100%)

Período VII 63 (45%) 41 (29%) 16 (11%) 21 (15%) 141 (100%)

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93

Tabela 17: A expressão dos sujeitos de referência definida nulos (vs plenos) ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica)

Período 1ª p. 2ª p. 3ª p.

Período I 26/37 (70%) 11/12 (92%) 4/5 (80%)

Período II 20/32 (63%) 11/11 (100%) 3/4 (75%)

Período III 51/59 (86%) 17/26 (65%) 6/6 (100%)

Período IV 20/30 (67%) 3/11 (27%) 1/3 (33%)

Período V 41/63 (65%) 11/19 (58%) 7/10 (70%)

Período VI 23/45 (51%) 5/29 (17%) 15/19 (79%)

Período VII 14/63 (22%) 9/30 (30%) 9/16 (56%)

O Gráfico 8 a seguir nos permite observar a queda do sujeito nulo nas

estruturas com sujeitos definidos:

Gráfico 8: A realização dos sujeitos referenciais nulos (vs plenos) para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo

Através da análise da tabela e do gráfico acima, é possível confirmar a

tendência ao preenchimento do sujeito pronominal nas construções que expressam a

modalidade não-epistêmica. Contudo, é preciso destacar que apenas para a 1ª.

pessoa temos um número mais expressivo de dados (329). Assim como na análise da

70%63%

86%

67%

65% 51%

22%

92% 100%

65%

27%

58%

17%

30%

80% 75%

100%

33%

70%

79%

56%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

I II III IV V VI VII

1ª p. 2ª p. 3ª p.

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modalidade epistêmica, essa melhor distribuição nos mostra uma curva descendente.

É possível perceber que os sujeitos são preferencialmente nulos até o período V,

alcançando índices de 70%, 63%, 86%, 67% e 65%, nessa ordem. Nos períodos VI,

ainda que haja 51% de sujeitos nulos, notamos uma importante queda em

comparação com os períodos anteriores, o que, como já mencionado, ocorre na

análise de Duarte (1993) para tais sujeitos. No período VII, vemos claramente a

preferência pelo preenchimento, com apenas 22% dos dados de sujeito nulo. Os

exemplos em (56a,b) mostram ilustram o sujeito de 1ª. pessoa nulo e pleno:

(56) a. Ritinha: E já está na hora de irmos para o circo.

Justino: É verdade: Ø1pp temos que ir ver o desequilibrado do Ernani.

(Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

b. Glicério: É o que resta como? Eu tenho que dar satisfação desse dinheiro.

Você tem de prestar contas a mim.

(Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

A mesma tendência de queda de sujeitos nulos é observada na 2ª. pessoa,

mas precisamos destacar que sua frequência é bem menor. Tal como em Duarte

(2012b) e na análise da expressão da modalidade epistêmica, podemos perceber que

nos três primeiros períodos, os sujeitos são preferencialmente nulos, alcançando

índices de 92%, 100% e 65%, respectivamente. No período IV, esse quadro muda,

apenas 27% dos dados são nulos. É possível ver, a partir desse momento, com

exceção do período V, a mesma direção da mudança do estudo de Duarte (1993), no

qual a autora mostra que, motivado pela substituição do pronome “tu” por “você” na

amostra analisada9 com a consequente redução do paradigma flexional, o

preenchimento do sujeito torna-se a forma preferencial para a sua identificação. Nos

períodos VI e VII os índices de sujeito nulo são bem baixos, alcançando 17% e 30%,

nessa ordem. Podemos visualizar os exemplos de sujeito de 2ª pessoa nulo e

preenchido, respectivamente, em (57a,b):

9 Nas peças analisadas por Duarte, quando o pronome tu reaparece, nos anos 1990, já se encontra em variação com você, ou seja, é usado com a forma verbal sem a desinência canônica <-s>.

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(57) a. Fabrino: Ø2ps Precisas voltar imediatamente para o teu Paris.

(Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920)

b. Julia: A sua primeira experiência Cristina, é despertar o seu corpo para levá-

lo a um grande desempenho. Assim como os ginastas, nadadores, atletas.

Você tem que ser uma atleta do amor. (A mulher integral, Carlos Eduardo

Novaes, 1975)

Em relação à 3ª. pessoa, diferentemente do que foi encontrado na análise da

modalidade epistêmica, o sujeito pronominal e o nulo não se mostram em grande

competição. Além da má distribuição dos dados, sei que, como destaca Duarte

(2012b), a 3ª. pessoa é a que se mostra mais resistente à mudança. Nos três primeiros

períodos, notamos a preferência pelo sujeito nulo, que alcança 80%, 76%, 100%,

respectivamente. No período IV, há apenas três dados, e dois deles aparecem

expressos – mas usar percentuais para um conjunto tão pequeno nos levaria a uma

interpretação equivocada. Nos períodos V e VI, os sujeitos nulos ainda alcançam

índices bem altos de 67% e 57%. No período VII, no entanto, apesar de o sujeito nulo

ser predominante, a tendência ao preenchimento se mostra mais evidente, já que há

uma queda considerável no número de sujeitos nulos, que passam de 80% no período

I para 56% no período VII. Devo destacar que nesta análise incluí casos em que um

sujeito pronominal se encontra num contexto sintático que favorece o sujeito nulo e

também aqueles em que seu antecedente tem outra função ou retoma dois SNs,

favorecendo o sujeito preenchido, o que será visto posteriormente. Exemplos de

sujeitos de 3ª pessoa pronominal nulo e preenchido, nessa ordem, podem ser vistos

em (58a,b).

(58) a. Paulo: Ótimo. Minha mãe vai ficar alegríssima. Ø3ps Não pode ver nenhum

parafuso fora da engrenagem da exploração do homem.

(Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955)

b. Melanie: Elai agride a crioula. As duas brigam que nem cão e gato. E eu

digo que elai tem que respeitar o seio que me amamentou.

(Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992)

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Em relação aos diferentes contextos sintáticos em que o sujeito pronominal de

3ªp. pode estar, podemos ver alguns deles através dos exemplos (59a,b), (60 a,b) e

(61a,b) a seguir:

(59) a. Estei nasceu para poeta ou escritor, com uma imaginação fogosa e

independente, capaz de grandes cousas, Ø3ps i mas não pode seguir a sua

inclinação, porque poetas e escritores morrem de miséria, no Brasil...

(O noviço, Martins Pena, 1845)

b. Arnaldo: Desculpe. Achei que era uma amiga minha. Onde é que todo mundo

se meteu? Mariza? Abílio? Patrícia? Guto? Claudinho? Jane, cadê você?

Analice? Vítor? Beth? Cadê a Beth, meu Deus? E a Karlai? Elai tem que estar

por aqui, em algum lugar.

(Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992)

Observando os dois exemplos em (59) acima, vemos tendências diferentes –

nos dois casos, o antecedente é o tópico no contexto precedente, mas o sujeito

aparece nulo na peça de 1845 e expresso na de 1992.

Nos exemplos em (60) a seguir, temos mudança de referência no sujeito da 2ª

coordenada e da subordinada, o que em geral leva ao preenchimento.

(60) a. Fabiana: Ai que estalo! Isto assim não vai longe... Duas senhoras a

mandarem em uma casa... é o inferno! Duas senhoras? A senhora aqui sou eu;

esta casa é de meu marido, [e ela deve obedecer-me], porque é minha nora.

Quer também dar ordens; isso veremos...

(Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845)

b. Dona irene: Pois elei que sofra um pouco. Se o Cristo sofreu, [porque é que

elei não pode sofrer um pouquinho]. Vamos lá, Gabriel. Mais uma vez!

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

Nos exemplos em (61), por sua vez, temos a manutenção da referência no

sujeito da 2ª coordenada e na subordinada, o que em geral leva ao apagamento. O

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sujeito nulo resiste nesses dois contextos inclusive na última sincronia, em que há

preferência pelo preenchimento em outros contextos sintáticos.

(61) a. Arnaldo: Agora, vê, [a Patrícia]i trabalha a semana inteira [e, no fim de

semana, Ø3ps i vai ter que sair com quatro pessoas].

(Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992)

b. Crioula: Eu já disse: Dona Paula, abre o olho que essa menina tá fumando

erva no quarto. Mas elai disse [que Ø3ps i tem que respeitar a intimidade da

filha]. Eu criei, mas sou empregada, né? Não posso falar nada.

(Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992)

Como referido na seção anterior, sabemos que uma amostra mais ampla

permitiria uma análise mais refinada dos contextos que influenciam a expressão do

sujeito de 3ª pessoa, ainda que a tendência ao seu preenchimento se confirme.

3.4 O que dizem os resultados?

Um aspecto interessante após a análise é podermos fazer uma comparação

entre os resultados da última sincronia (1992) e a análise de fala e de escrita de Duarte

(2012a) que foi feita com base em uma das amostras NURC-RJ gravada no mesmo

ano e em textos de jornais da mesma década retirados do PEUL-RJ.

As peças nos revelam que tanto para a modalidade epistêmica, quanto para a

modalidade não-epistêmica houve um desaparecimento de construções com

predicadores adjetivais e predicadores verbais tradicionais. Estes foram substituídos,

de uma forma mais consistente, pela construção inovadora “dar pra” (15%) para a

expressão da modalidade epistêmica e, de uma forma menos produtiva, pela

construção inovadora “ser pra” (1%) para a expressão da modalidade não-epistêmica.

Foi possível notar também a preferência pelos verbos auxiliares para a expressão das

duas modalidades (80% - modalidade epistêmica e 99% - modalidade não-

epistêmica). Entre eles, os mais produtivos foram o verbo poder para expressão da

modalidade epistêmica e o verbo ter que/ter de para a expressão da modalidade não-

epistêmica. Além disso, foi possível perceber a tendência ao preenchimento do sujeito

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referencial (77% de sujeitos preenchidos – modalidade epistêmica e 69% de sujeitos

preenchidos – modalidade não-epistêmica).

Esses resultados se aproximam bastante dos encontrados por Duarte (2012a)

para a fala, em que percebemos que os verbos auxiliares também são os preferidos

para a expressão da modalidade (70% - modalidade epistêmica e 99% - modalidade

deôntica). Entre eles, os mais produtivos também são poder e ter que/ter de. Quanto

ao preenchimento do sujeito, eles também revelam uma tendência ao preenchimento

(75% de sujeitos preenchidos - modalidade epistêmica e 69% de sujeitos preenchidos

- modalidade deôntica), sobretudo na expressão da modalidade epistêmica. A respeito

dos resultados encontrados para a escrita, não houve grandes diferenças. Os verbos

auxiliares seguem sendo os preferidos para a expressão de ambas as modalidades

(87% - modalidade epistêmica e 87% - modalidade deôntica). Os mais produtivos

continuam sendo poder e ter que/ter de, porém esse último se mostra em uma

distribuição mais equilibrada com dever. Por fim, em relação ao preenchimento do

sujeito, também mostram uma tendência ao preenchimento (78% de sujeitos

preenchidos - modalidade epistêmica e 61% de sujeitos preenchidos - modalidade

deôntica).

Através desses resultados, é possível confirmar que as peças teatrais são um

bom recurso para recuperar até certo ponto a gramática de sincronias passadas.

Com isso, passo agora às considerações finais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, meu principal objetivo foi investigar o comportamento das

formas de expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica analisadas

(predicador verbal, predicador adjetival e verbo auxiliar) ao longo do tempo, utilizando

como amostra peças teatrais cariocas distribuídas em sete períodos nos séculos XIX

e XX. Utilizo uma perspectiva paramétrica, pois acredito que a escolha por

determinadas estruturas em detrimento de outras não é aleatória, mas está ligada a

uma mudança maior por que passa o PB, em que se nota a preferência por

construções que evitam sujeitos expletivos nulos, como mostram inúmeros trabalhos

sobre construções impessoais (cf. estudos empíricos em Duarte 2012a), preferindo

construções que projetem um sujeito referencial (definido ou arbitrário); além disso, o

PB mostra preferência pelo preenchimento desses sujeitos, estando o processo de

mudança mais avançado em relação à 1ª. e 2ª. pessoas. Com a 3ª. pessoa, a

mudança segue mais lentamente, mas sujeitos com o traço [+humano] já seguem de

perto a 1ª. e a 2ª. pessoas. É válido destacar que os sujeitos de 3ª. pessoa incluíam

os expressos por um SN, no entanto, como essa forma não compete com os sujeitos

pronominais quanto ao preenchimento, não foram levados em consideração na

análise feita para verificar o preenchimento do sujeito.

Entre as formas de expressão da modalidade investigadas, os predicadores

verbais e adjetivais projetam sentenças impessoais, enquanto os verbos auxiliares,

exceto nos casos em que se constroem com verbos impessoais, projetam uma

posição de sujeito referencial. Por esse motivo, minha hipótese principal era de que

as construções com verbos auxiliares seriam muito mais produtivas nos textos das

peças do que as estruturas com predicadores verbais e adjetivais. Estas deveriam

aparecer nas primeiras sincronias, mesmo que de uma forma parcimoniosa, mas

diminuiriam ao longo do tempo.

Como ponto de partida, busquei verificar como a categoria modalidade é

tratada nas gramaticais tradicionais, nos estudos linguísticos, nas gramáticas

descritivas, além de buscar resultados de estudos empíricos. Foi possível constatar

que se trata de uma categoria que passou a ser formalmente proposta e analisada a

partir do desenvolvimento dos estudos linguísticos (cf. Lyons, 1979 [1968]), de modo

muito especial pelo trabalho pioneiro de Palmer (2001[1986]), não aparecendo,

naturalmente, como uma categoria na tradição gramatical. Vimos também que

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algumas gramáticas descritivas atuais, elaboradas com a sustentação de uma teoria

linguística, se importam em incluir a categoria, que, sendo tratada sob diferentes

perspectivas teóricas, acaba envolvendo inúmeros e diferentes aspectos, o que é

natural. Essas diversas perspectivas trazem algumas divergências quanto à sua

classificação, mas, de forma geral, consideram-se duas classificações: deôntica

(quando indica obrigação ou permissão) e epistêmica (quando está ligada às crenças

e opiniões do falante, indicando possibilidade/probabilidade), Entre as diversas

propostas revistas, utilizo a de Neves (2006), que separa a categoria em dois tipos:

epistêmica (que diz respeito às crenças e opiniões do falante, indicando

possibilidade/probabilidade) e não-epistêmica, que abarca as modalidades deôntica

(que expressa permissão e obrigação e está no eixo da conduta) e dinâmica (que

expressa habilidade e capacidade e está no eixo da habilidade).

Para verificar minhas hipóteses, utilizei os pressupostos teóricos da Teoria de

Princípios e Parâmetros (Chomsky (1981)), no que diz respeito à marcação do

Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN), associada à Teoria da Mudança Linguística

(Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968])), levando em conta principalmente o

encaixamento da mudança.

Os resultados encontrados confirmam minhas expectativas. Embora os verbos

auxiliares predominem desde as primeiras sincronias, é possível verificar seu aumento

ao longo do tempo. Para a expressão da modalidade epistêmica, os predicadores

verbais mais convencionais como bastar e convir foram encontrados, ainda que de

forma bem reduzida, até o período V (anos 1950). A partir desse período, esses

predicados desaparecem, sendo substituídos por construções com a forma inovadora

“dar pra”, que alcança índices consideráveis na última sincronia. Os predicadores

adjetivais, por sua vez, mostram-se não muito produtivos desde as primeiras

sincronias e sofrem uma leve queda ao longo do tempo (7% no período I (1945) e 5%

no período VI (1992)). Quanto ao preenchimento dos sujeitos pronominais, como

esperado, foi possível notar uma tendência ao preenchimento nas últimas sincronias.

Enquanto no período I os índices de preenchimento eram de 25%, 0% e 50% para a

1ª, a 2ª e a 3ª pessoa, respectivamente, na última sincronia, esses índices são de

80%, 86% e 67%.

Para a expressão da modalidade não-epistêmica, o quadro não é muito

diferente. Os verbos predicadores convencionais não são encontrados em nenhuma

sincronia, enquanto a construção inovadora “ser pra” é encontrada, ainda que de

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forma reduzida, nos períodos VI (1975) e VII (1992). Já os predicadores adjetivais,

como o esperado, diminuíram ao longo do tempo. Eles se mostraram relativamente

produtivos nos primeiros períodos, mas desapareceram no último (23% e 28% nos

períodos I e II, respectivamente e 0% no período VII). Em relação ao preenchimento

dos sujeitos pronominais, os resultados são um pouco diferentes dos encontrados na

análise da modalidade epistêmica. No período I, os índices de preenchimento eram

de 30%, 8% e 20% para a 1ª, a 2ª e a 3ª pessoa, nessa ordem, enquanto, no período

VII, esses índices são de 78%, 70% e 44%. Vemos que para a expressão da

modalidade a 3ª pessoa é bastante resistente ao preenchimento. Esse resultado deve,

entretanto, ser visto com cuidado porque incluí sujeitos representados por SNs novos,

que não poderiam ser incluídos numa análise de retomada pronominal de sujeitos

anafóricos. Assim, não foi feito o controle das estruturas sintáticas que podem ou não

levar ao preenchimento do sujeito de terceira pessoa.

Em uma comparação mais restrita entre a última sincronia (1992) e a análise

de fala espontânea (1992) e de escrita (década de 90) do estudo de Duarte (2012a),

obtivemos resultados muito próximos. As três análises detectaram que os verbos

auxiliares são predominantes; poder e ter que/ter de são os preferenciais para a

expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica, respectivamente. Também

mostraram que as construções com predicadores adjetivais e predicadores verbais

convencionais desapareceram. Por fim, juntando os sujeitos pronominais,

encontramos índices bem parecidos de preenchimento: 77% de sujeitos preenchidos

para expressão da modalidade epistêmica e 69% de sujeitos preenchidos para a

expressão da modalidade não-epistêmica (Peça de 1992), 75% de sujeitos

preenchidos para a expressão da modalidade epistêmica e 69% de sujeitos

preenchidos para a expressão da modalidade deôntica (análise de fala - Duarte

(2012a)) e 78% de sujeitos preenchidos para a expressão da modalidade epistêmica

e 61% de sujeitos preenchidos para a expressão da modalidade deôntica (análise de

escrita – Duarte (2012a)).

Com todo o exposto, acredito que este trabalho pôde contribuir para uma

descrição de algumas formas de expressão da modalidade e sua relação com a

mudança paramétrica em curso no PB. Sei que o uso restrito dos predicadores verbais

mais conservadores e dos predicadores adjetivais nas primeiras sincronias e seu

desaparecimento nas últimas sincronias pode estar ligado a outros fatores, como o

gênero textual analisado. Dessa forma, acredito que se faz necessária uma

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comparação com outros gêneros do PB em sincronias passadas, bem como analisar

amostras sincrônicas e diacrônicas do PE. Tenho, porém, algumas evidências, a partir

dos estudos aqui mencionados e elaborados com base em outras amostras, de que

estamos diante de uma mudança encaixada no conjunto de mudanças relacionadas

à remarcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo pelo português brasileiro.

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