A Família Como Alvo de Intervenções Estatais e Médicas

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Daniela Resende Archanjo

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  • XIV Congresso Brasileiro de Sociologia

    28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ)

    GT 19 Sade e Sociedade

    A famlia como alvo de intervenes estatais e mdicas:

    uma perspectiva histrica

    Daniela Resende Archanjo

    Universidade Federal do Paran

  • A famlia como alvo de intervenes estatais e mdicas:

    uma perspectiva histrica

    Para melhor compreendermos porque a famlia vem ganhando destaque

    enquanto objeto de ateno de polticas pblicas de sade torna-se relevante

    recuperarmos historicamente a importncia da atuao do saber mdico aqui

    entendido como todo o conhecimento baseado no cientificismo das cincias

    mdicas, difundido em todas as categorias profissionais da rea da sade - no

    processo de reproduo ou de transformao dos modelos de organizao

    familiar. Sem perder de vista que nenhum dos modelos estanque, e que as

    passagens de um a outro no se deram de forma linear, podemos distinguir trs

    grandes perodos na histria da famlia no Brasil. Sobrepujando at o final do

    sculo XVIII, tivemos o chamado modelo tradicional de famlia; iniciado no sculo

    XIX e predominante at meados do sculo XX, destacou-se o modelo de famlia

    moderna; e, por fim, desde os anos de 1960 at os dias de hoje, sobressai a

    chamada famlia contempornea ou ps-moderna, tambm denominada por

    arranjos familiares1.

    Mais do que demonstrar que no existe um modelo natural de famlia, mas

    que o que se entende por famlia produto cultural - atrelado a um tempo e a um

    lugar determinados -, o resgate histrico das transformaes na organizao

    familiar nos fornece elementos para refletirmos sobre a influncia ainda exercida

    pelo saber mdico sobre a famlia brasileira, nos instrumentalizando para uma

    anlise crtica da prtica profissional das Equipes de Sade.

    Respondendo necessidade poltica de conformao s normas

    neoliberais de desonerao estatal, e, tambm, tendo como objetivo promover a

    recuperao da famlia enquanto clula mater da sociedade e instituio de

    normalizao social, o Programa Sade da Famlia, implantado em 1994 pelo

    1 Sobre arranjos familiares ver BERQU, Elza. Arranjos familiares no Brasil: uma viso demogrfica. In NOVAIS, Fernando A. (coord.); SCHWARCZ, Lilia Moritz (org.). Histria da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contempornea. V.4. So Paulo: Companhia das Letras, 1998. A denominao arranjos familiares visa romper com a idia de predominncia de um modelo com caractersticas destacveis. Diante da grande diversidade de configuraes familiares que marcam a contemporaneidade, o uso do termo arranjos familiares destaca a inexistncia de um padro de organizao e de relaes no que ainda insistimos em chamar de famlia.

  • Ministrio da Sade, convocou os profissionais da rea da sade para, atravs de

    seu conhecimento tcnico-cientfico e de uma viso contempornea sobre a

    instituio, atuarem sobre a famlia. Mas, conforme salienta COSTA (1999), esta

    no foi a primeira vez na histria do Brasil, que os agentes educativo-teraputicos

    se debruam sobre a famlia.

    Para ressaltar a importncia histrica da interveno dos profissionais da

    sade na regulamentao da famlia e na prpria configurao das relaes

    familiares, nos fixaremos na histria da famlia no Brasil, e, mais do que isso, na

    histria da vivncia da elite e da constituio do iderio popular das famlias

    brasileiras, estabelecendo como recorte temporal o perodo compreendido entre o

    incio do sculo XIX e o incio do sculo XXI.2

    A referncia ao incio do sculo XIX se deve ao fato de que foi a partir da

    chegada da Corte Portuguesa ao solo brasileiro que a famlia3 passou a sofrer a

    interveno mdica, visando adequar a vida familiar necessidade de

    centralizao do poder e ao ideal de organizao social importado da Europa.

    Quando os portugueses desembarcaram no Brasil, encontraram uma sociedade

    rural e escravocrata, baseada no poder de famlias extensas organizadas sob o

    regime patriarcal. O poder das famlias da elite senhorial, fundado na posse de

    terras e de escravos, estava concentrado nas mos do patriarca, que era visto

    como legtimo representante dos interesses familiares. A famlia era dita extensa,

    pois, alm daquelas pessoas que estavam ligadas por vnculos de

    consanginidade, eram tambm considerados familiares aqueles com os quais se

    2 O marco terico que orienta este texto foi propiciado pelos estudos de Jurandir Freire Costa, psicanalista brasileiro, que trata, sob uma perspectiva histrica, a questo da interveno mdica sobre a famlia. Refiro-me, aqui, sobretudo, ao livro Ordem Mdica e Norma Familiar (1983), devendo tambm ser referenciado o livro Sem fraude nem favor (1998). 3 importante registrar que a historiografia se baseia em documentos que registravam a forma de viver, sobretudo, da elite, nica capacitada para patrocinar esses registros (fotos, cartas, etc). Mas, a maior parte da populao brasileira, iletrada, destituda de poder econmico e de poder poltico, estava excluda deste grupo. THERBORN (2006, p. 232), cita alguns autores que indicam que nas classes populares eram corriqueiras as famlias no formalizadas/legalizadas. A famlia baseada no casamento formal era a exceo e no a regra, na Bahia, escreveu um historiador (Borges 1991:46), referindo-se situao em um grande centro mundial de cento e cinqenta a duzentos anos atrs. Isso pode incluir um pouco de licena potica, mas foi bastante significativo. Uma pesquisa parcial sobre a famlia de 1855 demonstrou que metade dos domiclios era formada por unies de coabitao. E realmente chamava a ateno de um sensvel viajante britnico na metade do sculo XIX, Richard Burton, que os brasileiros tivessem uma estranha averso ao casamento, referindo-se mais diretamente a Minas Gerais, outro grande estado brasileiro (Freyre 1933/1970:309).

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  • estabeleciam vnculos de parentesco fundados em outros elementos, como o

    religioso e o sentimental. Assim, eram considerados integrantes da famlia, sob a

    proteo e as ordens do patriarca, no apenas a esposa e os filhos, mas tambm

    afilhados, compadres, agregados, e outros.

    A extenso garantia a dominao poltica por parte das famlias

    proprietrias, que monopolizavam os meios formais e informais de controle

    poltico. Os representantes polticos, eleitos para ocupar os assentos nas Cmaras

    e nas Juntas Gerais, tinham sempre relaes estreitas com os patriarcas,

    representando os seus interesses no espao formal de poder. Alm disso, atravs

    do estabelecimento de vnculos de solidariedade com a comunidade circundante,

    as famlias reforavam e legitimavam seu poder. Atravs do domnio destes

    mecanismos de controle poltico, as famlias senhoriais exerciam, na prtica, o

    poder do Estado, posto que a cidade funcionava (...) como extenso da

    propriedade e das famlias rurais. No apenas em sua ordenao econmica,

    arquitetnica e demogrfica, mas tambm na regulao jurdica, poltica e

    administrativa (COSTA,1999, p. 39).

    Mas, se at o final do sculo XVIII a falta de controle de Portugal sobre a

    Colnia era um inconveniente suportado pela Metrpole, a partir do sculo XIX,

    quando territrio e governo se encontraram sobre o mesmo solo, foram

    necessrias medidas que enfraquecessem o poder das famlias e fortalecessem o

    poder centralizado do Estado. Em sntese: a famlia real precisava efetivamente

    governar o Brasil.

    A implantao das novas regras se efetivou na medida em que a elite

    brasileira absorveu os ideais europeus de vida. A chegada da Corte ao Rio de

    Janeiro, em 1808, alm de aumentar em quase 1/3 a populao da cidade,

    produziu importantes transformaes sociais, com a criao de novas

    necessidades no plano poltico, material e social. No mbito poltico, conforme j

    anunciado, era necessrio promover a centralizao do poder, reduzindo o poder

    das famlias; no mbito material, foi introduzido o desejo pelos produtos europeus

    (como vidraas, cortinas, tapetes e louas); por fim, no mbito social, a

    legitimao do poder passou a exigir um certo tipo de refinamento.

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  • Para participar dos favores da Corte j no bastavam dinheiro, escravos,

    terras, brancura de pele, catolicismo da alma ou outra qualquer tradio de

    importncia ligada aos costumes locais. A condio para introduzir-se junto

    aristocracia era aristocratizar-se (COSTA, 1999, p. 106). O processo de

    aristocratizao passava pela higienizao das prticas e dos comportamentos,

    resultando em uma maior disciplina sobre os corpos e as mentes. Aristocratizar-se

    significava enquadrar-se aos ideais burgueses - urbanos e higinicos -, que foram

    sendo apropriados e ressignificados pelo saber mdico.

    Vale ressaltar que a parceria medicina/Estado obteve xito pois era

    benfica para os dois. Enquanto interessava ao Estado encontrar um discurso

    "cientfico" que legitimasse as transformaes sociais por ele desejadas - visando

    a centralizao do poder em suas mos -; medicina interessava se firmar

    enquanto um conhecimento superior e irrefutvel, sendo o respaldo estatal um

    aliado significativo.

    As regras higienistas abrangiam diversos aspectos, prescrevendo

    ensinamentos que iam desde aqueles da competncia de um engenheiro civil ou

    de um arquiteto (indicando materiais a serem usados na construo das casas,

    recomendando a posio e tamanho dos cmodos, especificando quantidade e

    posio ideais de portas e janelas), at as normas de etiqueta social (como as

    referentes apresentao pessoal, ao oferecimento de festas, ao uso de louas e

    talheres). A introjeo dos padres desejados de prticas e comportamentos tinha

    por objetivo constituir um modelo de organizao familiar mais adequado ao ideal

    liberal-burgus, tendo como conseqncia (ou causa) a desestruturao da famlia

    patriarcal e a promoo da centralizao do poder do Estado.

    Diante da famlia tradicional, em que o pai monopolizava o poder, havendo

    uma relao de submisso e de invisibilidade de todos os demais membros em

    relao a ele, o enfraquecimento deste patriarca era fundamental para romper

    com o poder familiar. Um meio importante utilizado pelo saber mdico para

    promover este enfraquecimento foi a valorizao da distino entre os integrantes

    da famlia, com o distanciamento daqueles parentes sem vnculos de

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  • consanginidade em relao aos consangneos, assim como com o

    enaltecimento das diferenas existentes entre homens, mulheres e crianas.

    A separao entre consangneos e no-consangneos, com a destituio

    destes ltimos do lugar reservado aos parentes, somada difuso da idia de que

    homens, mulheres e crianas tinham funes distintas e interdependentes que

    deveriam ser desempenhadas para o bem da famlia, produziu nestes integrantes

    do ncleo familiar a sensao de que tinham muito mais em comum entre si do

    que com as demais pessoas, levando-os a constituir uma preciosa fortaleza

    emocional (ARIS, 1981, p. 221), a nova famlia. Dentro desta ideologia,

    prevaleceu a noo de que o lar veste-se de todas as virtudes, em oposio ao

    mundo exterior, que encarna as desordens humanas e sociais (SEGALEN, 1999,

    p. 23).

    Alm da restrio do nmero de pessoas consideradas membros da famlia,

    o processo de individualizao, com a valorizao de lugares especficos para

    mulheres e crianas na famlia, foi fundamental para ofuscar o poder do patriarca.

    Dentro do lar doce lar, cada um passou a ter valorizado um papel que lhe cabia

    enquanto membro da famlia, havendo rigorosa diviso dos papis sexuais

    (POSTER, 1979, p. 187). O novo modelo pressupunha a instalao do ncleo

    reservado constitudo de pai, me e filhos numa habitao aconchegante onde o

    marido saa para trabalhar, a fim de obter os meios de subsistncia da famlia,

    enquanto a esposa ficava responsvel pela organizao da vida domstica,

    cuidando da limpeza da casa, do preparo dos alimentos, da educao dos filhos.

    Em sntese, na famlia moderna o papel do homem, enquanto marido e pai, era o

    de provedor, enquanto a mulher, esposa e me, figurava como a rainha do lar, a

    dona-de-casa-me-de-famlia.

    Haveria uma complementaridade entre as funes masculinas e femininas.

    A mulher era responsvel pela vida domstica, poupando o homem dos

    problemas presentes no cotidiano familiar. E o homem, com a vida voltada

    para os negcios e para a realizao profissional, deveria proteger a mulher

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  • dos complicados problemas do mundo fora de casa para que ela pudesse

    ter melhor desempenho em seu trabalho no lar (ARCHANJO, 1997, p. 165).

    preciso perceber que esta visibilidade da mulher se sustenta na

    construo de um esteretipo feminino tributrio da ideologia patriarcal. O poder

    do patriarca no foi simplesmente negado, mas sim ressignificado. Assim, ao

    mesmo tempo em que decretou a existncia e a importncia da mulher na famlia

    e na sociedade, a diviso sexual de tarefas foi acompanhada pela desvalorizao

    das funes femininas em relao s masculinas. A identificao simblica da

    mulher, baseada na excessiva importncia que se d funo puramente

    fisiolgica de procriao, a coloca numa categoria com afinidade mais direta com

    a natureza, servindo como argumento cientfico para justificar a manuteno de

    sua inferioridade em relao ao homem (VERUCCI, 1987, p. 13).

    As cincias biolgicas, encabeadas pela anatomia e a fisiologia,

    lanaram-se na busca das diferenas sexuais que deviam fundamentar e justificar

    as desigualdades de gnero na vida pblica e privada (MARTINS, 2004, p. 31).

    Para tanto, o saber mdico dissecou os corpos e os sentimentos de homens e

    mulheres, e pautando-se nos legitimados mtodos cientficos, os nomeou e os

    classificou como prprios (naturais) de cada sexo. Como resultado desta

    empreitada, teve-se a converso das diferenas sexuais em profundas diferenas

    de personalidade. A masculinidade definida como a capacidade para sublimar,

    para ser agressivo, racional e ativo; a feminilidade definida como a capacidade

    para expressar emoes, para ser fraca, irracional e passiva (POSTER, 1979, p.

    196).

    Ao mesmo tempo em que era valorizava a singularidade da mulher,

    havendo a exaltao da necessidade de que a mesma se enquadrasse no padro

    burgus de feminilidade (consumindo produtos de uso pessoal e domstico,

    aprendendo a receber pessoas em casa e a se comportar fora de casa, apoiando

    o marido, preocupando-se com a casa e os filhos, etc) tambm havia a

    preocupao em controlar a porosidade desta nova sociabilidade.

  • possvel ressaltar como uma das formas de exercer este controle sobre a

    nova sociabilidade, a valorizao atribuda pelo saber mdico maternidade.

    Entendida como funo natural da mulher, importantssima para a perpetuao da

    espcie humana, o ideal de maternidade serviu tambm como instrumento de

    disciplinarizao da mulher.

    A nova me passa a desempenhar um papel fundamental no nascimento

    da famlia nuclear moderna. Vigilante, atenta, soberana no seu espao de

    atuao, ela se torna a responsvel pela sade das crianas e do marido,

    pela felicidade da famlia e pela higiene do lar, num momento em que

    cresce a obsesso contra os micrbios, a poeira, o lixo e tudo o que facilita

    a propagao das doenas contagiosas. A casa considerada como o

    lugar privilegiado onde se forma o carter das crianas, onde se adquirem

    traos que definiro a conduta da nova fora de trabalho do pas. Da, a

    enorme responsabilidade moral atribuda mulher para o engrandecimento

    da nao (RAGO, 1985, p. 80).

    A importncia atribuda me que ganhou o status de mediadora entre

    seus filhos e o Estado -, esteve diretamente relacionada com a valorizao das

    crianas. Enquanto no modelo tradicional de famlia as crianas eram

    consideradas um mal necessrio, restando aos pais esperar que crescessem

    para que da sim pudessem auxiliar no progresso econmico e na conseqente

    manuteno do status social da famlia; no modelo moderno, o poder mdico

    redefine o estatuto social da criana, elevando-a condio de figura central da

    famlia nuclear.4

    O discurso mdico-cientfico afirmava que

    a maneira como o indivduo tinha sido tratado na sua infncia era

    determinante de suas qualidades corporais e morais quando adulto. Uma

    4 Sobre a ressignificao da infncia recomendo a leitura de ARIS, Philippe. Histria social da criana e da famlia. Rio de Janeiro: LTC.

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  • criana submetida a uma m amamentao; a uma alimentao

    insuficiente; falta de exerccio; a um regime anti-higinico do vesturio;

    ou, ainda, a castigos brutais, falta de amor paterno e materno; ao medo

    provocado por histrias de fantasmas, duendes, lobisomens, etc... seria

    um adulto fraco de carter, pusilnime, possuidor de uma sade fsica e

    moral extremamente precria. Uma criana bem cuidada, pelo contrrio,

    tornar-se-ia o perfeito adulto higinico (COSTA, 1999, p. 144).

    Como os pais, a princpio, no estariam ainda devidamente qualificados

    para exercer o relevante papel social de educadores, posto que ainda estariam

    presos s prticas tradicionais, a soluo mdica foi a valorizao da escola. A

    partir do argumento de que pais e mes, por ignorncia, eram involuntariamente

    nocivos criana, os filhos foram mandados para o espao higienizado da escola

    e, assim, afastados dos vcios familiares.

    Alm da valorizao das individualidades, com a visibilizao social de

    mulheres e crianas, outra importante interferncia do saber mdico foi a difuso

    de uma nova forma de se pensar a sexualidade, na qual se congregavam sexo,

    amor, matrimnio e procriao.

    Na vigncia da famlia patriarcal, o casamento era na maior parte das vezes

    tratado como um negcio, sendo as unies matrimoniais decididas pelo patriarca,

    segundo seus interesses enquanto representante do grupo familiar. Numa

    sociedade estratificada e com poucas camadas sociais, a necessidade de

    preservao do patrimnio e do status social fazia com que fosse considerado

    ideal o casamento realizado entre iguais, ou seja, entre pessoas que

    compartilhassem dos mesmos valores, interesses e gostos. Como salienta TRIGO

    (1989, p. 88), o casamento no deixava espao para interesses pessoais. Bem ao

    contrrio, a finalidade primeira da aliana matrimonial era de ordem social, ou

    seja, de fortalecimento de grupos de parentesco e de status, preservao da

    herana e do poder econmico. Assim, o casamento era, no mais das vezes,

    objeto de estratgias polticas e econmicas, sendo arranjado de modo a fortificar

    os interesses das famlias, no se cogitando da necessidade de amor entre os

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  • cnjuges5, sendo desnecessria at mesmo qualquer simpatia entre eles.

    Inclusive, como o interesse pessoal inerente a uma paixo amorosa poderia

    colocar em risco os interesses do grupo familiar, muitas vezes os cnjuges eram

    apresentados um ao outro somente no dia do casamento.

    Contrapondo-se ao modelo tradicional, na famlia moderna os elementos

    considerados fundantes da unio matrimonial passam a ser outros: os sentimentos

    compartilhados pelos cnjuges passaram a ter grande importncia e a constituio

    da famlia deixou de ser apenas um negcio para o patriarca, passando a ser

    entendida como a realizao de um desejo dos cnjuges.

    A construo higienista das individualidades, com a atribuio de prticas e

    comportamentos distintos para cada um dos sexos, somado ao aumento

    quantitativo de candidatos aptos ao casamento6, produziu a necessidade de que

    os jovens casadoiros investissem na apresentao de qualidades pessoais que

    despertassem o interesse do sexo oposto e contribussem para a obteno de um

    bom casamento. Neste processo de apresentao de qualidades, rapazes e

    moas se conheciam e a empatia passou a fazer parte das escolhas matrimoniais.

    A introduo deste novo elemento, que foi denominado pela historiografia por

    "amor romntico", mudou a viso do casamento no apenas em relao sua

    origem, mas tambm no seu modus operandi, aumentando o grau de intimidade

    compartilhado pelos membros do ncleo familiar.

    Conforme saliente SHORTER (1975, p. 162), As pessoas comearam a

    colocar o afeto e a compatibilidade pessoal ao alto da lista de critrios de escolha

    de parceiros conjugais. E, alm disso, mesmo os que continuaram a empregar

    os critrios tradicionais de prudncia e riqueza na seleo de parceiros

    comearam a ter um comportamento romntico dentro destes limites.

    5 Como se pode notar, pouco se sabe sobre os sentimentos dos casais vtimas destes casamentos arranjados. Isto no significa que os cnjuges no sentiam nada um pelo outro, e nem que estes sentimentos eram negativos ou ruins, significa apenas que seus sentimentos no eram levados em conta, no sendo considerados importantes quando o assunto era casamento. 6 preciso lembrar aqui que a vinda da Corte para o Brasil ocasionou um aumento considervel da populao, aumentando significativamente o nmero de membros da elite e, conseqentemente, dos considerados aptos para o casamento.

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  • Os casamentos passaram a ser precedidos por um perodo em que os

    noivos se preocupavam em se conhecer melhor, em compartilhar momentos e

    sentimentos, enfim, um perodo em que os nubentes se preparavam para o

    casamento. As famlias dos jovens passaram a respeitar e at incentivar este

    perodo e este processo pr-casamento. A partir da viso de que o casamento

    implicava em viver junto e de que as pessoas tinham o direito de ser felizes,

    rapazes e moas passaram a ter maior liberdade para escolher o seu par, a sua

    outra metade, e, nesta empreitada, passaram a sentir-se guiados nica e

    exclusivamente pelo corao (VINCENT-BUFFAULT, 1996, p. 152). Em resumo,

    na famlia moderna a escolha matrimonial deixa de ser, fundamentalmente,

    assunto familiar para se tornar teoricamente livre e, mais do que isso, com

    expectativa de ter o amor como base (TRIGO, 1989, p. 89).

    A idia de que o casamento se fundava no amor que unia os cnjuges teve

    como conseqncia a simbolizao dos filhos enquanto frutos desse amor,

    reafirmando os ideais higienistas de valorizao da criana e de responsabilizao

    dos pais em garantir aos filhos o que houvesse de melhor (amor, cuidados,

    escolarizao, etc).

    Por fim, outra medida propalada pelo saber mdico e que serviu

    constituio da famlia moderna, foi a colocao, em um primeiro momento, de

    escravos7, loucos, mendigos, prostitutas e demais sem-famlia na categoria de

    antinorma, ou seja, como exemplo daquilo que no deveria ser seguido. A

    princpio, todos aqueles que no tinham condies de realizar o modelo burgus

    de organizao familiar (que era a maioria da populao brasileira), foram

    excludos, sendo o modelo burgus de famlia prescrito apenas para a elite

    brasileira.

    Conforme visto anteriormente, a realizao do modelo burgus de famlia

    implicava em ter, necessariamente, uma moradia que comportasse de forma

    7 Como a elite brasileira dependia dos escravos para o bom funcionamento do sistema domstico, no sendo possvel, em um primeiro momento, simplesmente desfazer-se deles, a estratgia higienista foi, inicialmente7, transformar o significado atribudo ao escravo, sem alterar a sua posio social. De "animal" til ao patrimnio e propriedade tornou-se "animal" nocivo sade. (COSTA, 1999, p. 121). A higiene exigia o afastamento dos escravos do ncleo familiar, e com isso reforava os laos estabelecidos entre os membros da famlia nuclear e contribua para a construo e o fortalecimento da intimidade entre eles, despertando cada vez mais o gosto pela privacidade, pela domesticidade, pelo lar doce lar.

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    RitaNotavai se produzindo, no Brasil, com a vinda da familia real, a partir das instituies como a medicina, a escola, a policia. a higiene foi central no processo de consolidao dos paeis sexual, das crianas, etc...

  • adequada os membros da famlia e possibilitasse, a cada um, os meios

    necessrios para exercer seus respectivos papis. Todavia, de forma bastante

    sinttica, tinha-se que a desproporo entre os preos das moradias e os

    vencimentos (CANEVACCI, 1985, p. 198) inviabilizavam a consumao deste

    requisito para as classes populares. A idia de cada grupamento de pai, me e

    filhos ter a sua prpria casa, no condizia com a realidade econmica da classe

    operria. Alm disso, os salrios fabris eram to baixos que, tipicamente, toda a

    famlia tinha que trabalhar para garantir a subsistncia (POSTER, 1979, p. 209),

    desmontando a possibilidade de o pai prover as necessidades de sua famlia e a

    me se limitar a cuidar da casa e dos filhos.

    Sob a perspectiva do Estado e dos industriais, as contradies inerentes

    expanso do modelo burgus de famlia para a classe operria inviabilizavam a

    expanso da industrializao o progresso - no Brasil de meados do sculo XX e

    se tornavam objeto de profunda preocupao de mdicos-higienistas, de

    autoridades pblicas, de setores da burguesia industrial, de filantropos e

    reformadores sociais (RAGO, 1985, p. 12). Visando suplantar este problema,

    diferentes agentes, embasados pelo saber mdico, engendraram diversos e

    simultneos meios de introjeo do modelo moderno como ideal de organizao

    familiar8.

    Dentre os mecanismos utilizados para fabricar a classe trabalhadora

    desejada, RAGO (1985) destaca a introduo dos regulamentos internos de

    fbrica e a construo das "vilas operrias". A introduo de regulamentos

    internos de fbrica, que estabeleciam horrios (de trabalho, descanso e refeies),

    uniformes, cdigos (de penalidade, punies e prmios), dentre outras regras,

    higienizava o operrio atravs da disciplinarizao de suas condutas dentro do

    espao fabril. A construo das "vilas operrias", visando a desodorizao do 8 O uso da palavra ideal visa ressaltar ao leitor que, mesmo no sendo possvel ao operariado realizar o modelo burgus, o que interessava, sobretudo ao Estado e aos industriais, era despertar o gosto do trabalhador por este modelo. Ou seja, o objetivo era implantar no trabalhador o esprito burgus-liberal, mesmo que este regime significasse a sua prpria excluso o trabalhador deveria deseja-lo e trabalhar muito para nele integra-se e progredir. Outra questo importante quando tratamos da expanso da ideologia burguesa s classes populares a falta de opo que cercava o trabalhador. No possvel romanciar este processo pensando que o trabalhador foi facilmente enfeitiado pelas promessas burguesas do trabalho e da ordem como garantidores da paz e da felicidade. A no conformao do trabalhador implicava em medidas repressivas como a perda do emprego e restries civis e polticas.

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  • espao urbano, estendia a viglia sobre os corpos e as mentes dos trabalhadores

    e de seus familiares at o espao reservado das habitaes higinicas e baratas

    destinadas aos operrios.9 Aos industriais interessava ter um operrio ordeiro,

    ciente de suas responsabilidades e empenhado em garantir o seu posto de

    trabalho, distanciando-se de qualquer reivindicao de carter trabalhista. Ao

    Estado era fundamental garantir a ordem, exercendo controle sobre a sociedade.

    E, por fim, como vimos anteriormente, o status de distino do saber mdico era

    almejado pelas categorias profissionais que dominavam estes conhecimentos.

    Assim, com o objetivo de redefinir a maneira de pensar, de sentir, de agir e

    erradicar prticas e hbitos considerados perniciosos e tradicionais (RAGO, 1985,

    p. 12), atravs de diferentes estratgias, os valores do amor monogmico,

    privacidade, individualismo, domesticidade, assistncia materna aos filhos e

    conforto emocional (POSTER, 1979, p. 157) foram apresentados classe

    operria como o modelo ideal de comportamento e de vida.

    Os estudiosos da histria da famlia ocidental defendem diferentes teses

    para explicar o porqu de a organizao familiar ter sofrido estas transformaes.

    ARIS (1981) credita escolarizao das crianas o mote das mudanas, STONE

    e BURGUIRE (1998) apontam os novos comportamentos religiosos como fator

    preponderante e SHORTER (1975, p. 273) defende que o capitalismo de

    mercado esteve provavelmente na raiz da revoluo no sentimento. Certamente

    todos tm razo, j que, como vimos, a transformao da famlia foi o resultado da

    introjeo de uma nova ideologia, uma nova forma de ver e de viver o mundo,

    forma esta que se apropriou dos corpos e das mentes dos indivduos arrombando

    todas as portas e janelas por onde podia entrar.

    Todavia, a tese de SHORTER a que melhor responde s transformaes

    familiares ocorridas no Brasil. No apenas em relao passagem do modelo

    tradicional ao moderno, mas tambm no que concerne ruptura deste modelo e a

    constituio da famlia contempornea. Se no, vejamos.

    9 Sobre o processo de higienizao da classe operria e os mecanismos de controle e vigilncia criados pelo poder pblico e pelos industriais sobre os trabalhadores, ver RAGO, Margareth. Do cabar ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

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  • De acordo com a hiptese que v no processo de industrializao e na

    consolidao do capitalismo o fio condutor das transformaes na famlia, a

    substituio da economia tradicional pela economia moderna mudou a lgica que

    regia o mercado, o que, conseqentemente, ocasionou uma profunda mudana

    nos valores e nos comportamentos das pessoas, transformando as relaes

    familiares e os sentimentos estabelecidos no seio da famlia. A ideologia

    capitalista de mercado, calcada em valores individualistas, favoreceu as

    transformaes familiares, que tambm priorizaram cada vez mais o indivduo,

    ressaltando as individualidades e exaltando o desenvolvimento de qualidades

    pessoais (adstritas aos padres aceitos socialmente).

    Enquanto na sociedade tradicional no era ntida a distino entre o que

    estava na esfera pblica (sujeito ao escrutnio pblico) e o que estava na esfera

    privada (resguardado do escrutnio pblico), havendo uma mistura entre estas

    duas ordens e uma certa publicizao de tudo, j que no se valorizava a

    individualizao e a distino entre homens, mulheres, crianas, parentes

    prximos, escravos, etc; na sociedade moderna houve a higienizao destes

    espaos pblico e privado que foram rigidamente separados.10 Na sociedade

    moderna a esfera privada privilegiada na defesa da consecuo dos desejos e

    prazeres pessoais.

    Tendo redefinido esses domnios da vida, a privatizao caracterstica da

    modernidade se fez presente tanto no espao pblico quanto no espao privado:

    de um lado marcou sua presena na esfera pblica, influenciando o

    comportamento dos indivduos enquanto trabalhadores, consumidores,

    produtores11; de outro lado marcou sua presena na esfera privada, no mbito das

    relaes pessoais, e, em especial, no mbito da famlia.

    10 Vale ressaltar que, quando se diz que o espao pblico e o espao privado foram rigidamente separados, busca-se salientar que passaram a ser acentuadas as diferenas caractersticas de cada um deles, no significando dizer que sejam campos isolados, pois, pelo contrrio, eles se relacionam profundamente, como as faces de uma mesma moeda (DAMATTA, 1997, p. 90). 11 Como exemplo da presena do individualismo na esfera pblica pode-se resgatar a questo da concorrncia no mercado (as indstrias buscando produzir mais e melhor para dominar o mercado consumidor e, se possvel, superar as indstrias concorrentes); e a questo da diviso do trabalho dentro das fbricas (cada trabalhador tem uma atividade determinada devendo exerc-la da melhor forma possvel para garantir seu espao de trabalho e, estando limitado ao exerccio daquela tarefa, desconhece as demais atividades que fazem parte da produo).

  • Seguindo esta mesma tese, que credita ao incremento da ideologia

    capitalista as transformaes na famlia, percebe-se que durante a segunda

    metade do sculo XX, quando o sistema capitalista de produo avanou no

    Brasil, foram sentidas novas transformaes nas relaes familiares, marcadas,

    sobretudo, pelo acentuado distanciamento entre as pessoas, inclusive entre as

    que compunham o ncleo familiar.

    Na contemporaneidade, no interior da vida privada da famlia surge (...)

    uma vida privada individual (PROST, 1992, p. 61). No basta estar somente

    dentre o grupo de me, pai e filhos, longe do restante da comunidade circundante;

    cada um busca o seu prprio espao dentro desse pequeno grupo. Apesar de no

    servir como referncia para todos os grupos sociais, restringindo-se classe

    burguesa, a descrio das mudanas arquitetnicas ocorridas nas casas e

    apontadas por TREVELYAN (citado por HABERMAS, 1984, p. 61), representam

    bem este novo nvel de privatizao que se perpetua at o tempo presente.

    Nas modernas manses privadas das grandes cidades, todas as peas que

    servem para toda a famlia esto reduzidas s mais miserveis

    dimenses: os espaosos vestbulos reduziram-se a uma entradinha pobre

    e estreita; ao invs da famlia e dos deuses do lar, somente criadas e

    cozinheiras movimentam-se pela cozinha profanada; mas especialmente os

    ptios (...) transformaram-se em recantos estreitos, midos, mal-cheirosos

    (...) Caso olhemos para o interior de nossas moradias, ento se descobre

    que o espao familiar, o local de permanncia em comum para o homem,

    a mulher, as crianas e a criadagem tornou-se cada vez menor ou

    desapareceu por completo. Em compensao, os quartos privados de cada

    um dos membros da famlia tornaram-se cada vez mais numerosos, sendo

    decorados de modo caracterstico. O isolamento do membro da famlia,

    mesmo no interior da casa, passa a ser considerado como algo positivo.

    O desejo de cada um dentro do seu quarto, do seu espao, protegido no

    s da sociedade como um todo, mas tambm da sociedade familiar. No espao

  • privado do quarto, os bens, a arrumao, os detalhes so caractersticos de cada

    um. Cada um dos membros da famlia deseja sua autonomia e independncia,

    longe dos demais membros, sob a gide de um individualismo absoluto. Aqueles

    que no dispem de condies econmicas para promover esta diviso no espao

    fsico da casa, realizam-na por outros meios. Os espaos dos grupos: dos jovens,

    das mes, das crianas, dos trabalhadores, renem os pares, fortalecem as

    identidades de grupos que no so familiares mas se constituem por outras

    razes, por razes que marcam suas individualidades. Uma diviso espacial (feita

    na casa ou na rua) que preserva a individualidade, protegendo e mantendo todas

    as peculiaridades que distinguem uma pessoa da outra, desmembrando, espacial

    e sentimentalmente, a comunidade familiar.

    O enfraquecimento dos laos que unem os membros do ncleo familiar tem

    produzido transformaes no tipo de sentimento estabelecido entre esses

    membros e tambm na forma como eles se organizam. Marcada pela diversidade

    de configuraes e relaes (nuclear, ampliada, monoparental, homossexual) e

    pela flexibilizao dos papis sexuais, a famlia vive um novo processo de

    transformao. Com freqncia, vemos famlias de pais separados, onde pai, me

    e filhos no vivem sob o mesmo teto; vemos famlias compostas por casais

    homossexuais com filhos (adotados ou gerados em laboratrio); famlias

    compostas por irmos e sobrinhos, avs e netos, entre outras; coexistindo

    atualmente diversas composies familiares.

    A diversidade dos arranjos e a impossibilidade de adequ-los aos modelos

    familiares historicamente conhecidos tem levado os estudiosos a se debruarem

    sobre a existncia de uma crise da instituio e os analistas indagam se a famlia

    est se desintegrando ou meramente evoluindo para uma nova forma (POSTER,

    1979, p. 157).

    Discutindo esta crise da famlia, COSTA (1999, p.15) chama a ateno para

    a responsabilidade do saber mdico neste processo de mudana, alertando para o

    fato de que muitos dos fenmenos apontados, hoje em dia, como causas da

    desagregao familiar, nada mais so que conseqncias histricas da educao

    higinica. Em outros termos, as famlias se desestruturaram por terem seguido

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  • risca as normas de sade e equilbrio que lhes foram impostas. A exacerbao do

    individualismo, tributria da higienizao e distino dos papis, somada ao

    desenvolvimento do capitalismo de mercado calcado na concorrncia, no

    consumismo e no hedonismo, deixaram pouco tempo e espao para a vivncia do

    compartilhar inerente ao que nos acostumamos a chamar de famlia - ncleo

    familiar -. Isto nos obrigou (e ainda nos obriga) a ressignificar este smbolo.

    A atual preocupao com a famlia deixa claro que o referencial burgus de

    relaes familiares ainda muito forte no imaginrio social. A idia de que se deve

    casar por amor, a busca pelo prncipe encantado, a sensao de dvida

    constante em relao aos filhos, os esteretipos de masculinidade e feminilidade,

    constantemente reforados pela mdia e por outros meios, so alguns exemplos

    de quo presente ainda o ideal de famlia moderna na contemporaneidade.

    Alm disso, os esforos governamentais no sentido de formular polticas

    pblicas voltadas para a organizao familiar, evidenciam a persistncia da crena

    de que a famlia a clula mater da sociedade. Entendendo a famlia como lugar

    de busca de condies materiais de vida, de pertencimento na sociedade e de

    construo da identidade (MIOTO, citado por RIBEIRO, 2004, p. 661), o Estado

    aposta suas fichas nesta instituio, adotando estratgias para fazer dela uma

    aliada importantssima na luta por melhores nveis de vida, incluindo a, melhores

    nveis de sade.

    Apesar de no definir a que modelo de famlia se destina, e nem propor

    diretamente uma padronizao das organizaes familiares, a Estratgia Sade

    da Famlia, enquanto poltica de interveno estatal na esfera privada/domstica

    da vida, se configura, sem dvida, como um mecanismo de controle da sociedade,

    comandado, novamente, pelo saber mdico. Todavia, o que se prope hoje (e o

    estudo da histria das intervenes higienistas sobre a famlia nos auxilia a refletir

    sobre isso) no apenas conceber a existncia, ou no, de novos modelos de

    grupos familiares originados das transformaes tecnolgicas, cientficas, culturais

    e humanas, e nem discutir a viabilidade, ou no, de tais formas de organizao.

    Entendendo que a famlia , acima de tudo, a instituio a que atribuda a

    responsabilidade por tentar superar os problemas da passagem do tempo tanto

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  • para o indivduo como para a populao (BERQU, 1998, p. 414), o que se

    requer dos profissionais das Equipes de Sade da Famlia a constante reflexo

    sobre os seus saberes e suas prticas, crtica facilitada pela interdisciplinaridade e

    pelo multiprofissionalismo exigidos pela Estratgia Sade da Famlia.

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