A flexibilização do direito do trabalho a luz do princípio da proteção (1)

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DIREITO DO TRABALHO: A flexibilização do direito do trabalho a luz do princípio da proteção Thomás Freud de Morais Gonçalves 1. Aspectos Históricos SOB O PRISMA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA, a atividade laboral adquiriu um status de condição categórica para a materialização da dignidade do homem, ou seja, considera a ideia de que o trabalho dignifica o homem, todavia nem sempre pensou-se desta forma. Quando viajamos na história das civilizações encontramos em suas páginas momentos em que o trabalho 1 era tido como forma de punição, como atividade indigna e, portanto, deveria ser executado apenas por indivíduos de classes e de condição subalternas 2 . A HISTÓRIA DO TRABALHO pode ser dividida em quatro fases bem definidas, quais sejam: A PRIMEIRA FASE CONCEPTUAL DO TRABALHO FOI A ESCRAVIDÃO: A coisificação do homem e a escravidão são uma mancha sombria no passado da raça humana; neste momento o escravo era considerado um objeto de posse e não gozava de nenhum tipo de direito, ele não era considerado uma pessoa, mas sim, uma coisa. A SEGUNDA FASE DO TRABALHO FOI A SERVIDÃO 3 : Na Idade Média, o servo não era livre, mas já gozava de alguns poucos direitos. Recebia do senhor feudal uma gleba 4 e proteção política e militar, em troca disso, estava sempre à disposição do senhor e entregava-lhe parte de tudo que produzia na terra em troca da proteção que recebia e como remuneração pelo uso da terra. EXISTIU TAMBÉM A FASE DO LIBERALISMO CLÁSSICO 5 : Neste momento da história do trabalho, o homem era livre, sujeito de direito e trabalhava de forma remunerada, entretanto, havia o predomínio do contrato celebrado entre empregador e empregado, assim, não cabia ao Estado intervir nas relações trabalhistas 6 , pois estas eram de cunho privado. O Liberalismo econômico constituiu um verdadeiro atentado aos direitos dos indivíduos em termos de trabalho. Empregavam-se e exploravam-se, indiscriminadamente, homens, mulheres e crianças em jornadas de trabalhos humanamente deploráveis e em condições ambientais de trabalho extremamente nocivas. Sob a proteção do contrato, a burguesia explorava o trabalhador e o Estado nada fazia à respeito. 1 Neste aspecto, compreendia-se o trabalho braçal, apenas a força física. 2 Trabalho origina-se do latim: tripalium, que era um objeto constituído de três pedaços de madeira e era utilizado para torturar escravos. 3 Existem autores como Mascaro, (2009, p.43) que consideram como sendo a segunda concepção histórica do trabalho as CORPORAÇÕES DE OFÍCIO. De fato, nas corporações de ofício existiam aspectos servis, com alguns poucos direitos concedido ao aprendiz ou ao companheiro. 4 Pedaçode terra que era entregue ao servo pelo seu senhor para que dela o servo pudesse produzir seu sustento. 5 Decorrente da aplicação dos princípios de Economia inspirados na obra de Adam Smith A Riqueza das nações. 6 Leia-se, neste caso, relações de emprego, pois abordamos a questão da relação de trabalho subordinado.

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Breve artigo sobre a flexibilização do direito do trabalho

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DIREITO DO TRABALHO: A flexibilização do direito do trabalho a luz do princípio da proteção

Thomás Freud de Morais Gonçalves

1. Aspectos Históricos

SOB O PRISMA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA, a atividade laboral adquiriu um status de condição categórica para a materialização da dignidade do homem, ou seja, considera a ideia de que o trabalho dignifica o homem, todavia nem sempre pensou-se desta forma. Quando viajamos na história das civilizações encontramos em suas páginas momentos em que o trabalho1 era tido como forma de punição, como atividade indigna e, portanto, deveria ser executado apenas por indivíduos de classes e de condição subalternas2.

A HISTÓRIA DO TRABALHO pode ser dividida em quatro fases bem definidas, quais sejam:

A PRIMEIRA FASE CONCEPTUAL DO TRABALHO FOI A ESCRAVIDÃO: A coisificação do homem e a escravidão são uma mancha sombria no passado da raça humana; neste momento o escravo era considerado um objeto de posse e não gozava de nenhum tipo de direito, ele não era considerado uma pessoa, mas sim, uma coisa.

A SEGUNDA FASE DO TRABALHO FOI A SERVIDÃO3: Na Idade Média, o servo não era livre, mas já gozava de alguns poucos direitos. Recebia do senhor feudal uma gleba4 e proteção política e militar, em troca disso, estava sempre à disposição do senhor e entregava-lhe parte de tudo que produzia na terra em troca da proteção que recebia e como remuneração pelo uso da terra.

EXISTIU TAMBÉM A FASE DO LIBERALISMO CLÁSSICO5: Neste momento da história do trabalho, o homem era livre, sujeito de direito e trabalhava de forma remunerada, entretanto, havia o predomínio do contrato celebrado entre empregador e empregado, assim, não cabia ao Estado intervir nas relações trabalhistas6, pois estas eram de cunho privado.

O Liberalismo econômico constituiu um verdadeiro atentado aos direitos dos indivíduos em termos de trabalho. Empregavam-se e exploravam-se, indiscriminadamente, homens, mulheres e crianças em jornadas de trabalhos humanamente deploráveis e em condições ambientais de trabalho extremamente nocivas. Sob a proteção do contrato, a burguesia explorava o trabalhador e o Estado nada fazia à respeito.

1 Neste aspecto, compreendia-se o trabalho braçal, apenas a força física. 2 Trabalho origina-se do latim: tripalium, que era um objeto constituído de três pedaços de madeira e era utilizado para torturar escravos. 3 Existem autores como Mascaro, (2009, p.43) que consideram como sendo a segunda concepção histórica do trabalho as CORPORAÇÕES DE OFÍCIO. De fato, nas corporações de ofício existiam aspectos servis, com alguns poucos direitos concedido ao aprendiz ou ao companheiro. 4 “Pedaço” de terra que era entregue ao servo pelo seu senhor para que dela o servo pudesse produzir seu sustento. 5 Decorrente da aplicação dos princípios de Economia inspirados na obra de Adam Smith – A Riqueza das nações. 6 Leia-se, neste caso, relações de emprego, pois abordamos a questão da relação de trabalho subordinado.

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COM O ADVENTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL e das revoluções de classes do proletariado inaugurou-se uma nova ordem mundial, a exploração do trabalhador estava em um nível não mais suportável, deste modo, percebeu-se que deveria haver uma intervenção do Poder Público nas relações de trabalho com a elaboração de regras trabalhistas. Como pontua Sergio Pinto Martins7, a Revolução Industrial transformou o trabalho em emprego.

A partir daí o Estado passou a intervir nesta relação, com a finalidade de dar garantias ao hipossuficiente8. Deste modo, visando manter e promover o bem-estar social, passou-se a criar regras trabalhistas e garantias mínimas previstas em Constituições Federais. Assim surgiu a legislação do trabalho, um fruto das lutas do proletariado contra a exploração dos empregadores.

Entretanto, com o advento da globalização e a evolução tecnológica houve um movimento de migração de sedes industriais de países desenvolvidos para países emergentes, onde a mão de obra - fator de produção essencial - pode ser negociada em menor custo. Com isso, o “Império do Capital”, personificado sobre as grandes corporações multinacionais, tem defendido cada vez mais a flexibilização das relações trabalhistas e, em maior grau, sua total desregulamentação9.

Há que se estabelecer a diferença entre flexibilizar e desregulamentar, nesta ótica, Alexandre Ricardo10 argumenta que:

[...] Enquanto na flexibilização o Estado mantém a intervenção nas relações de trabalho, mediante o estabelecimento do chamado mínimo existencial, mas autoriza, em determinados casos, exceções ou regras menos rígidas, de forma que seja também possível a manutenção da empresa e empregos; a desregulamentação pressupõe a completa retirada da intervenção estatal das relações trabalhistas, deixando que as partes estipulem livremente os contratos, conforme os preceitos e leis do mercado.

2. O Direito do Trabalho – Conceitos Básicos

Direito do Trabalho, segundo Ricardo Alexandre11, é o “ramo da ciência jurídica que estuda as relações jurídicas entre os trabalhadores e os tomadores de seus serviços e, mais precisamente, entre empregados e empregadores”.

É ramo da ciência jurídica independente, pois, dotado de princípios próprios, decompõe e analisa, à luz das normas e princípios gerais do Direito, a relação contratual entre aquele que oferece seus serviços e aquele que os toma mediante contraprestação pecuniária. Não só estuda, mas também regula esta relação com o fito de garantir a proteção do trabalhador, em decorrência da condição desigual deste em relação ao empregador.

2.1 Princípios do Direito do Trabalho

7 Martins, S.P. Direito do Trabalho, 25ed. São Paulo: Ed. Atlas 2009, p.5 8 No sentido de que, o trabalhador, sozinho, não tem força para o bastante para negociar de forma justa e livre a disponibilidade de sua força de trabalho em troca de remuneração. 9 A tendência do capitalista faz um movimento insistente no sentido da desregulamentação trabalhista agindo, inclusive, em defesa do retorno dos preceitos liberalistas de Adam Smith. 10 RICARDO, A. Direito tributário esquematizado. São Paulo: Ed. Método 2009, p.6. 11 Idem, p.2

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Princípios são preceitos abrangentes decorrentes de valores e paradigmas que norteiam a conduta de um indivíduo em determinadas situações. No Direito, conforme Ricardo Alexandre12, os princípios são elementos de sustentação do ordenamento jurídico, garantindo-lhe coerência interna. Ainda, segundo o autor, a doutrina jurídica estabelece três funções básicas para os princípios, quais sejam:

a. A função informativa, pela qual os princípios servem de referencial para o legislador quando da criação da norma jurídica. (Fonte material de direito);

b. Função interpretativa, quando os princípios auxiliam na interpretação do sentido da norma jurídica;

c. Função normativa, pois os princípios aplicam-se na solução de casos concretos, seja de forma direta, através da derrogação de uma norma por um princípio, seja de forma indireta, pela integração do sistema jurídico na hipótese de lacuna. Se não há norma específica aplicável ao caso concreto, procede-se à integração a partir da aplicação do princípio.

Assim, princípios acabam por representar normas (no sentido de significar) que exigem que algo seja feito da melhor forma possível de acordo com as possibilidades jurídicas.

Existem os Princípios Gerais do Direito e os Princípios específicos de determinado ramo do direito, além dos princípios constitucionais, os quais são necessários para interpretação da Carta Magna.

Entre os princípios constitucionais existe um que será útil para o desenvolvimento deste trabalho, qual seja o PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA13. Nesta ótica, Sarlet argumenta:

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos14.

O princípio da dignidade da pessoa humana confere ao indivíduo um valor moral inviolável que leva em consideração a autonomia de sua vontade e o direito de participar das decisões que vão implicar diretamente sobre sua condição existencial no meio em que vive, portanto, a Constituição Federal de 1988 o adotou como um dos princípios fundamentais constitucionais o qual é referência para o processo legislativo derivado assim como para o reconhecimento dos direitos fundamentais dos cidadãos15.

12 Idem p.16 13 Imperativo categórico universal que afirma: as pessoas devem ser vistas como um fim em si mesmo, afastando-se qualquer ideia de que um ser racional possa ser visto como meio/objeto para consecução de quaisquer fins. 14 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62. 15 Ver mais em Dignidade da pessoa humana. Thomás Freud de Morais Gonçalves. Disponível em: http://pt.slideshare.net/thfreud/dignidade-da-pessoa-humana-18516721 Acesso em: 19 de Março de 2014.

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QUANTO AOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO, falemos do Princípio da Proteção. Este, segundo Alexandre Ricardo16, consiste na utilização da norma e da condição mais favoráveis ao trabalhador, de forma a tentar compensar juridicamente a condição de hipossuficiente do empregado. Tal princípio compreende, ainda, outros três preceitos básicos: Princípio da norma mais favorável, princípio da condição mais benéfica e princípio “in dubio pro operário”.

O princípio da norma mais favorável consiste na adequação do critério hierárquico da aplicação das normas de modo que, havendo duas ou mais normas que versem sobre assunto similar e que, portanto, possam ser aplicadas ao caso concreto em questão, aplicar-se-á aquela que for mais favorável ao empregado.

Por sua vez, o princípio do in dubio pro operário sugere que, ao analisar-se determinada regra e constatar-se a possibilidade de duas ou mais interpretações, aquele que interpreta a norma estará ligado à escolha daquela que for a mais favorável ao empregado. Difere do caso anterior no sentido de que, no princípio da norma mais favorável sugere a existência de uma hierarquia de normas em questão e sobre a decisão de qual escolher; neste caso, a norma em questão já está identificada, cabe agora a análise e sua interpretação diante do caso específico.

O princípio da condição mais benéfica indica que, em se tratando das regras acordadas no contrato de trabalho celebrado entre as partes (empregador e empregado), deverão prevalecer, em caso de alteração posterior, as regras que garantam condições de trabalho e proteção mais benéficas ao empregado.

3. Globalização, Liberalismo e Flexibilização

A globalização é o meio pelo qual o capitalismo deita seus tentáculos por sobre as mais variadas “partes do planeta”, levando, de um lado, a prosperidade e, de outro, a miséria e desigualdade17. É através da ideia da globalização que interligaram-se as economias dos países entre si, formando um mercado global, onde são ofertados e adquiridos bens e serviços.

O capitalismo, sistema de estrutura social e organização econômica, eclodiu com a Primeira Revolução Industrial, e com o esgotamento do sistema feudal. É operador de muitas ideologias e, como todo sistema “autogerido”, reorganiza-se e encontra novos meios de lutar contra o processo de entropia que é, por sinal, condição inerente de todo e qualquer sistema. O sistema capitalista têm um ciclo bem definido – boom, ascensão, recessão e depressão – e, tendo sido identificado esse ciclo, os capitalistas, com sua sede predatória de gerar riqueza e poder, sempre buscam uma forma de perpetuar-se, ou estender ao máximo, sua permanência no mercado.

Tal sistema de produção possui um princípio ético18 e uma moral19. A Ética capitalista prega ideias como: utilizar os recursos naturais da melhor forma possível, preservando sempre que possível o meio ambiente, empregando e remunerando máximo de pessoas, gerando riqueza e promovendo crescimento e desenvolvimento social para todos. A moral capitalista, por sua vez, consiste em: usar os recursos da melhor maneira possível, empregar o menor número de trabalhadores, pagando o

16 Ibidem. P.23 17 O capitalismo tem sua face cruel e desigual, portanto, quando se espalha pelo mundo, também amplifica esta face negativa. 18 Preceitos filosóficos que potencializam a busca do bem comum. Ética é a ciência da moral, a ciência do bem. 19 Moral é representada pelos costumes aprendidos, arraigados e adotados em determinada cultura, praticados

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menor salário possível de modo que se possam manter os custos o mais baixos, maximizando o retorno sobre o capital e a riqueza do capitalista.

Aspectos Econômicos Básicos

No sistema de produção capitalista existem os fatores de produção de bens ou serviços, que são: terra, trabalho, capital e tecnologia. Para este trabalho, deter-nos-emos no fator trabalho.

TRABALHO É UM DOS FATORES OFERTADOS PELAS FAMÍLIAS AS EMPRESAS. As famílias “vendem” seu trabalho para as empresas e, em contraprestação, são remuneradas. Com o valor da contraprestação recebido, as famílias vão ao mercado de bens e serviços e compram das empresas os serviços e bens duráveis e não duráveis de que precisam. As empresas, por sua vez, mediante contraprestação pecuniária, contratam os serviços ofertados pelas famílias, serviços estes utilizados em seu processo produtivo. Uma vez produzidos, os bens e serviços são ofertados no mercado para que sejam adquiridos pelas próprias famílias.

Com base nesta descrição simplista, depreendemos que o trabalho - enquanto fator de produção - é fonte de renda para as famílias e um custo de produção para as empresas.

COMO A LUCRATIVIDADE DO CAPITALISTA DEPENDE DA CAPACIDADE que ele tem de manter um alto nível de receitas e o nível de custos baixos, ele (capitalista) vai sempre lutar para aumentar suas receitas, diminuir seus custos e, assim, obter o maior lucro possível. Foi o que aconteceu durante a hegemonia da doutrina liberalista, como abordamos na parte introdutória deste trabalho, com o predomínio do contrato privado nas relações trabalhistas, o capital esmagava a classe operária, ofertando trabalhos em condições sub-humanas, pagando pouco, de modo a obter o maior grau de eficiência possível e pagando o mínimo por isso20.

Com o Estado passando a intervir nas relações trabalhistas visando garantir o mínimo existencial, - condições de trabalho e direitos sociais mínimos que possam permitir uma existência digna para a pessoa humana21 - o fator trabalho passou a representar considerável ônus para a empresa.

Entretanto, com a intensificação do pensamento neoliberal sob a égide do processo de dilatação da globalização, existe um movimento crescente, por parte das grandes corporações, em defesa do Estado Mínimo, ou seja, deixar que o mercado e suas leis passem a regular as estruturas sociais, fazendo com que o Estado não mais intervenha na economia e, é claro, nas relações entre empregado e empregadores. A afirmação máxima deste pensamento consumou-se com o que ficou conhecido por Consenso de Washington, conjunto de medidas neoliberalistas criadas por países desenvolvidos para “trazer os países em desenvolvimento” para o patamar de desenvolvidos.

20 Pagar ao operário abaixo do que ele produz de modo que a diferença positiva da relação fica com o capitalista é o que se conhece pro mais valia. Aliás, Karl Marx afirmou que a mais valia era o roubo do capitalista sobre o trabalho do operário. 21 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é uma das bases ideais da Constituição Federal de 1988.

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Consenso de Washington22

O Consenso de Washington é um conjunto de parâmetros econômicos elaborados por economistas e entidades como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional - FMI na cidade de Washington D.C nos Estados Unidos com o fito de uniformizar os padrões macroeconômicos dos países em desenvolvimento aos padrões internacionais dos países desenvolvidos. Foi adotado pelo FMI como condição para concessão de empréstimos aos países em desenvolvimento. Suas regras de ajustamento eram basicamente:

Ajuste Fiscal Disciplinado - Reduzir Gastos Públicos - Reforma Tributária. - Juros e Câmbio regulados pelo Mercado - Abertura para o Comércio Internacional - Privatizações e Publicização dos bens e serviços públicos - Desregulamentação da Economia e das Relações Trabalhistas - Propriedade Intelectual Privada e Investimento Internacional.

Entre as prescrições apregoadas no consenso de Washington está a proposta de desregulamentação da economia e das relações trabalhistas23, ou seja, recomenda-se que o Estado abstenha-se de seu papel protetivo do hipossuficiente, assim como o de regulador da macroeconomia. Desta forma, as grandes corporações poderiam, decerto, “banquetear-se” nos países periféricos24 que aderissem ao “receituário” neoliberalista, utilizando de forma exploradora a mão de obra barata e abundante que encontrariam nestes países.

Daí, o Estado, agora reduzido ao “Mínimo”, passaria a não mais garantir os direitos sociais básicos, privatizaria suas empresas estatais, e passaria a privatizar serviços públicos como: segurança pública, assim como todas as outras responsabilidades referentes à promoção de direitos sociais como previdência social e todo o resto. Ou seja, um país onde a ordem e as garantias sociais seriam tratadas sob as leis de oferta e demanda.

Entretanto, com as constantes crises capitalistas que assolam periodicamente a economia mundial, a exemplo da crise de 1929, não se limitando somente a esta, mas, também, a crise financeira de 200825, fica evidente que deixar a ordem social ser gerida pelo mercado não funciona. Em tempos de crise econômica, o que ver-se é: as grandes corporações, defensoras da diminuição do Estado, vendo

22 Ler Mais em: GIAMBIAGI, F. et al. Economia brasileira contemporânea. Rio de Janeiro. Elsevier, 2005. 2º reimpressão. 23 Como o direito é o mecanismo pelo qual regulam-se as relações sociais – ou o convívio dos indivíduos em sociedade -, nos termos do direito do trabalho, o Direito Trabalhista tem por objetivo o de regular as relações trabalhistas entre empregado e empregador com a finalidade de garantir a proteção do hipossuficiente. Ou seja, ele regula a relação com a finalidade de garantir o respeito aos direitos estabelecidos nos atos normativos. 24 Segundo a Teoria da Dependência, em economia, têm-se os países centrais e os periféricos. Os países centrais são os desenvolvidos, atores econômicos com altos padrões tecnológicos e de desenvolvimento urbano. Os periféricos, por sua vez, são o oposto dos países centrais, por não atingirem o desenvolvimento urbano, social e tecnológico, na economia internacional, são considerados como dependentes de economias centrais. 25 Ler sobre em: http://pt.slideshare.net/thfreud/crise-financeira-internacional-e-o-brasil Acesso em: 09 de abril de 2014

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suas leis de mercado irresponsáveis desestruturarem os paradigmas econômicos e sociais, estando elas (as corporações) à beira da falência, acabam sempre por recorrer ao Estado que tanto renegam, de forma que socorrem-se do dinheiro público para salvar seu capital privado.

Imaginemos agora deixar que o mercado (com todas as suas falhas e ineficiências) regule a relação entre estas companhias e os trabalhadores sem que o Estado garanta o mínimo de direitos sociais?

4. Conclusão

Tendo em vista o que discutiu-se até este ponto, constata-se que, do ponto de vista do empregador, flexibilizar26 as relações trabalhistas equivale a reduzir as garantias e direitos mínimos do trabalhador aos padrões semelhantes aos que imperavam durante o liberalismo clássico, ou seja, cassar os direitos mínimos do trabalhador e deixar que o “mercado” passasse a garantir-lhe condições de subsistência dignas seria um retrocesso contra as conquistas trabalhistas.

Tirar do Estado o papel de garantir os direitos mínimos seria, de fato, o mesmo que desproteger o trabalhador, deixando-o aos “cuidados” e a boa vontade de seu empregador; considerando que a intenção do empregador é sempre seguir, à risca, o que faz a moral capitalista, além do alto grau de desemprego o que veríamos seria a completa precarização das conquistas trabalhistas.

Desregulamentar as relações trabalhistas seria um ato retrogrado, no sentido de desproteger o hipossuficiente de uma relação, por sua natureza e condição, desigual e com exemplos históricos de exploração e dominação do mais forte pelo mais fraco. Não existe subterfugio plausível ou fundado, mesmo em prol do crescimento econômico, que justifique a abstenção do Estado em sua tarefa de garantir o mínimo de condições para a promoção de uma vida digna ao trabalhador.

26 Entenda-se flexibilizar não como tornar a lei maleável, como redução salarial proporcional a redução de carga horária, mas sim o absenteísmo do Estado na relação trabalhista entre empregado e empregador. Ou seja, deixar que o empregado passe a ser visto apenas como um mero fator de produção que pode ter seu preço barganhado no mercado o que, de fato, acaba por tornar-se um puro atentado contra a dignidade da pessoa humana.