A FRAGILIDADE DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS NO …
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIENCIAS DA SOCIEDADE DE MACAÉ - ICM
FACULDADE DE DIREITO
AYÁDNE COSTA CURITIBA
A FRAGILIDADE DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS NO
ORDENAMENTO JURÍDICO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO
COMO MEIO DE PROVA
Macaé/RJ
2020
AYÁDNE COSTA CURITIBA
A FRAGILIDADE DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS NO ORDENAMENTO
JURÍDICO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO COMO MEIO DE PROVA
Trabalho de Conclusão de Curso II
apresentado à Unidade ICM – Instituto de
Ciências da Sociedade de Macaé do
Departamento MDI da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para obtenção do grau de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Dr. David Augusto
Fernandes.
Macaé/RJ
2020
AYÁDNE COSTA CURITIBA
A FRAGILIDADE DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS NO ORDENAMENTO
JURÍDICO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO COMO MEIO DE PROVA
Trabalho de Conclusão de Curso II
apresentado à Unidade ICM – Instituto de
Ciências da Sociedade de Macaé do
Departamento MDI da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para obtenção do grau de Bacharel em
Direito.
Avaliado em 20 de agosto de 2020.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Prof. Dr. David Augusto Fernandes (Orientador) UFF – Universidade Federal
Fluminense
_________________________________________
Prof. Dr. Saulo Mendonça Bichara UFF (Universidade Federal Fluminense)
_________________________________________
Prof. Me. Francisco de Assis Aguiar Alves UFF (Universidade Federal Fluminense)
Macaé
2020
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Deus pelo dom da vida, por seu amor e sua misericórdia por mim.
Agradeço aos meus pais, Mônica, Cleber e Cyrineu por serem os maiores
apoiadores da minha educação. Aos meus familiares por confiarem no meu progresso.
Grata à equipe da 2ª Vara Criminal da Comarca de Macaé por plantarem em
mim o amor pelo direito processual penal e pelos 3 anos de aprendizagem.
Agradeço ao meu orientador Dr. David Augusto Fernandes que apesar de sua
intensa rotina acadêmica me aceitou como orientanda e dedicou seu tempo a me
auxiliar.
Agradeço à Universidade Federal Fluminense e todo o seu corpo docente.
Aos meus amigos pela amizade dedicada, em especial, aos amigos Juliana
Freitas, Júlia Manzoli, Lohana Gonçalves, Bruna Portela, Leticia Dias e Andrews
Perecmanis, pelo companheirismo durante a graduação, pela grande atenção
dispensada e por enriquecerem meus conhecimentos.
Sou grata, especialmente, ao meu namorado Leonardo, pois além de ser meu
melhor amigo, demonstrou um incrível companheirismo na nossa relação. Obrigada
por todas as críticas construtivas, pelo incentivo, por estar ao meu lado durante a
elaboração desse trabalho, por ter dedicado seu escasso tempo a me orientar à
direção correta da pesquisa e, principalmente, por ser consolo nos meus momentos
de desespero durante o final da graduação e por ser um grande incentivador dos meus
sonhos profissionais.
“Ainda que se narre os acontecimentos verídicos já passados, a memória relata não os próprios acontecimentos que já decorreram, mas sim as palavras concebidas pela imagem daqueles fatos, os quais, ao passarem pelos sentidos gravaram no espírito de uma espécie de vestígios. Por conseguinte, a minha infância que já não existe presentemente, existe no passado que já não é. Porém, a sua imagem quando a evoco e se torna objeto de alguma descrição, vejo-a no tempo presente porque ainda está na minha memória”. (AGOSTINHO, Santo. Livro XI. In: Confissões. Trad. J. Oliveira Santos; A. Ambrósio de Pina. Petrópolis: Vozes, 1988. p. 282).
RESUMO
O reconhecimento de pessoas no processo penal brasileiro é um meio de prova que possui a finalidade de identificar o suposto autor de um crime. Porém, é carregado de fragilidade, tendo em vista que o resultado positivo dessa prova depende da memória humana e de todos os fatores internos e externos que podem influencia-la, bem como do respeito ao procedimento processual adequado. O presente trabalho tem a finalidade de abordar o reconhecimento de pessoas, bem como realizar uma análise crítica acerca do procedimento na persecução criminal, seja pelo viés procedimental ou psicológico. E, por fim, apresentar propostas de reformulação dada ao procedimento como forma de redução de danos. A metodologia utilizada foi a consulta bibliográfica de obras doutrinárias, sem prejuízo de consultas jurisprudenciais em decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria em análise. PALAVRAS-CHAVE: Processo Penal Brasileiro – Reconhecimento de pessoas – Prova testemunhal – Falsas memórias.
ABSTRACT The recognition of people in the Brazilian criminal procedure is a mean of proof that has the purpose of identifying the alleged perpetrator of a crime. However, it is fraught with fragility, considering that the positive result of this test depends on human memory and also on all internal and external factors that can influence it, as well as respecting the appropriate procedure. The present work has the purpose of addressing people recognition, as well as conducting a critical analysis about the procedure in criminal prosecution, whether through the procedural or psychological bias. And finally to present some proposals for reformulation given to the procedure as a way of harm reduction. The methodology used was the bibliographic consultation of doctrinal works, without prejudice to jurisprudential consultations in decisions handed down by the Supreme Federal Court and the Superior Court of Justice on the matter under analysis. KEYWORDS: Brazilian criminal procedure - people recognition - witness evidence - fake memories.
LISTA DE SIGLAS
ADI Ação de Inconstitucionalidade
RE Recurso Extraordinário
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
AgRG Agravo Regimental
AgRg no AREsp Agravo Regimental no Recurso Especial
REsp Recurso Especial
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
HC Habeas Corpus
CF Constituição Federal
CPP Código de Processo Penal Brasileiro
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 01
1 CONCEITOS PRIMORDIAIS DA TEORIA GERAL DAS PROVAS 03
1.1 Do dogma da verdade real 03
1.2 Noções gerais sobre provas 04
1.2.1 Do ônus da prova no processo penal brasileiro 05
1.2.2 Da iniciativa probatória do juiz 06
1.3 Dos princípios e garantias constitucionais e o estudo das provas 09
1.4 Meios de Prova 14
1.4.1 Provas antecipadas, cautelares e não repetíveis 15
1.5 Eficiência e garantismo nos procedimentos probatórios 16
2 DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS E SEU PROCEDIMENTO 17
2.1 Da identificação 17
2.2 Do reconhecimento 19
2.2.1 Reconhecimento no código de 1942 19
2.2.2 Do reconhecimento como meio de prova 19
2.2.3 Do reconhecimento de pessoas 20
2.2.3.1 Do reconhecimento pessoal de pessoas e seu procedimento 20
2.2.3.2 Do reconhecimento fotográfico de pessoas e seu procedimento 24
2.2.4 Sujeitos do reconhecimento 26
2.2.4.1 Sujeito Passivo 26
2.2.4.2 Sujeito Ativo 26
2.2.4.3 Sujeito de Comparação 26
2.2.5 Resultado do reconhecimento 27
3 O RECONHECIMENTO DE PESSOAS E SEU PROCEDIMENTO SOB A ÓTICA
DAS FALSAS MEMÓRIAS 27
3.1 Do estudo da memória 28
3.2 Tipos de memórias 29
3.2.1. Memória de trabalho ou memória funcional 29
3.2.2 Memória de curta duração 29
3.2.3 Memória de longa duração ou memória consolidada 30
3.3 Das falsas memórias 30
3.3.1 Da Teoria do Traço Difuso 31
3.4 As falsas memórias e a prova testemunhal 32
3.5 As falsas memórias e o risco eminente de contaminação do procedimento de
reconhecimento de pessoas 34
3.6 O reconhecimento de pessoas x o princípio do nemo tenetur se detegere 38
3.7 A necessidade de reformulação da abordagem dada ao reconhecimento de
pessoas na persecução penal brasileira 38
3.7.1 O reconhecimento de pessoas como meio de prova irrepetível 39
3.7.2 Da necessidade de o reconhecimento ser realizado com a maior brevidade
possível 40
3.7.3 Da ordem para a realização do reconhecimento em sede judicial 40
3.7.4 Do efeito compromisso gerado pelo reconhecimento por fotografia 41
3.7.5 Do reconhecimento sequencial de pessoas 42
CONDERAÇÕES FINAIS 44
REFERÊNCIAS 47
1
INTRODUÇÃO
O presente artigo científico é resultado da minuciosa e detalhada revisão
bibliográfica acerca do instituto do reconhecimento de pessoas no ordenamento
jurídico brasileiro e sua fragilidade como meio de prova, mediante o estudo da
sua origem histórica, da doutrina e da jurisprudência que buscaram se debruçar
sobre o tema.
Será demonstrado a problemática que envolve o não cumprimento das
regras previstas no artigo 226, do Código de Processo Penal, assim como, a
necessidade de reformulação da abordagem dada ao reconhecimento de
pessoas na persecução penal brasileira. Em seguida, serão apresentadas
propostas de reformulação no que tange à abordagem dada a este meio de
prova.
A prova testemunhal é a espécie probatória mais utilizada no processo
penal brasileiro, mesmo que já admitida sua falibilidade. E uma das principais
formas dessa prova é a realizada por meio do reconhecimento de pessoas, que
possui a finalidade de identificar a autoria de um crime, por parte da testemunha,
da vítima ou do corréu na presença de uma autoridade policial ou judicial. O
procedimento tem se mostrado um dos meios de prova mais falhos do
ordenamento jurídico pátrio, principalmente por razão do desrespeito ao
procedimento legal assegurado pelo Código de Processo Penal, assim como
pela falibilidade da memória humana, que assume um papel fundamental na
reconstrução dos fatos.
Pesquisas realizadas pela Psicologia Cognitiva e do testemunho
demonstram que a memória é suscetível às falhas que contaminam as
lembranças. Por isso, existe a necessidade de um estudo acerca da influência
das falsas memórias no instituto do reconhecimento de pessoas.
Este trabalho estuda o procedimento do reconhecimento de pessoas
dentro da teoria geral da prova, da sua previsão legal e da interdisciplinaridade
entre o direito e a psicologia no que tange a influência da memória no referido
ato, com o objetivo de demonstrar a imprescindibilidade de seu aperfeiçoamento.
No primeiro capítulo, primeiramente será analisada a busca a todo custo
pela chamada “verdade real”, que deu origem à um sistema inquisitorial. Nesse
sistema, os direitos do réu, diante da persecução penal, eram completamente
2
ignorados, tendo em vista que tudo era permitido para que se alcançasse a
verdade, inclusive, a tortura.
O sistema acusatório, assegurado pelo modelo processual brasileiro, não
admite mais os abusos e arbitrariedades, que antes se apoiavam na ilusória
caçada à verdade absoluta.
Também no primeiro capítulo, a partir da análise da teoria geral da prova,
serão expostos, os princípios e garantias constitucionais preponderantes para o
estudo dos meios de prova.
No segundo capítulo serão abordados os aspectos gerais do
reconhecimento: sua relação com o processo de identificação de pessoas, seu
procedimento, seus sujeitos, seus resultados e sua valoração como meio de
prova na persecução penal.
No terceiro capítulo será demonstrada a relação do reconhecimento de
pessoas com o estudo da memória humana. Será dado um maior enfoque a
questão problema do presente estudo, uma vez que será analisada o processo
de formação das falsas memórias, bem como os riscos eminentes de
contaminação do procedimento de reconhecimento de pessoas causados por
elas.
O presente trabalho tem por objetivo iniciar uma reflexão crítica acerca do
valor probatório do reconhecimento de pessoas no ordenamento jurídico
brasileiro diante da informalidade com a qual ele é tratado, bem como alertar
quanto aos riscos decorrentes das falsas memórias.
3
1 CONCEITOS PRIMORDIAIS DA TEORIA GERAL DAS PROVAS
Para análise do reconhecimento de pessoas no processo penal brasileiro,
imperioso transcorrer inicialmente sobre o dogma da verdade real e sobre as
noções gerais das provas no sistema acusatório, para assim, poder inseri-lo em
uma das categorias probatórias.
1.1 Do dogma da verdade real
O exercício do direito de punir Estatal, o chamado jus puniendi, por afetar
potencialmente direitos e interesse individuais sensíveis, deve ser precedido de
um processo lastreado em diretrizes que possibilitem uma correta verificação
dos fatos.
O processo penal possui o objetivo de reunir elementos aptos a
demonstrar ao julgador a ocorrência ou não do fato delitivo. Essa busca depende
de dados passados demonstrados a partir dos componentes da prova.
Conforme lições Eugênio Pacelli Oliveira: “a gravidade das questões
penais seria suficiente para permitir uma busca mais ampla e mais intensa da
verdade, ao contrário do que ocorreria, por exemplo, em relação ao processo
civil” (OLIVEIRA, 2020, p. 422).
Criou-se um mito, portanto, que os fatos delituosos poderiam ser
reproduzidos fielmente no processo penal, o qual estaria regido pelo chamado
princípio da verdade real.
A busca incessante pela chamada “verdade real” acabou originando uma
cultura inquisitiva na persecução criminal, e dessa forma foi utilizada como
fundamento para chancelar diversas ações arbitrárias do Estado.
Nesse sentido, discorre Aury Lopes Jr:
Historicamente, está demonstrado empiricamente que o processo penal, sempre que buscou uma “verdade mais material e consistente” e com menos limites na atividade de busca, produziu uma “verdade” de menor qualidade e com pior trato para o imputado. Esse processo, que não conhecia a ideia de limites – admitindo inclusive a tortura –, levou mais gente a confessar não só delitos não cometidos, mas também alguns impossíveis de serem realizados (LOPES JR, 2020, p.563).
O modelo processual brasileiro, cujas diretrizes principiológicas
encontram assento no texto constitucional, possui nítida feição acusatória, não
4
comportando práticas probatórias típicas do modelo inquisitorial de busca
desenfreada da verdade real.
O sistema acusatório pressupõe a substituição do princípio da verdade
real pela busca de um ato de convencimento, que se dará através da fiel
observância do postulado constitucional do devido processo legal e dos
princípios do contraditório e da ampla defesa.
Sob a ótica do sistema acusatório, a busca da verdade deixa de assumir
papel de protagonismo, embora detenha inegável importância para o alcance de
uma decisão jurisdicional justa.
Sobre o tema, são preciosas as lições de Gustavo Henrique Badaró:
No entanto, retirar a verdade do trono em que reinava absoluta no processo penal não significa desterrá-la. Se a verdade não é o centro do processo penal, não há como negar, por outro lado, que a verdade exerce um papel importante no processo. Não se trata de eliminá-la, mas de deslocá-la do lugar de centralidade, até então ocupado, para um ponto diverso, secundário. A verdade não é o fim último do processo penal e, sua busca não pode se dar a partir de uma premissa de que os fins justificam os meios. No caso em que uma limitação à descoberta da verdade se justifique para fazer prevalecer outro valor, como o respeito à dignidade humana, à proteção da intimidade, à preservação da imparcialidade do julgador, igualmente ou mais relevante para que se profira uma decisão justa, é de admitir a adoção de regras legais antiepisiêmicas, desde que fundamentais para preservar o outro valor em jogo (BADARÓ, 2015, p. 374).
.
O exercício do poder punitivo estatal no sistema acusatório encontra
guarida no devido processo legal, com regras probatórias pré-definidas, as quais
irão subsidiar a apuração da veracidade ou falsidade da imputação de um fato
delituoso.
Importante analisar, portanto, as noções gerais das provas no sistema
penal brasileiro.
1.2 Noções gerais sobre provas
Conforme lições de Guilherme de Souza Nucci, o termo prova pode ser
utilizado em três concepções diversas: como ato de prova, como meio de prova
e como resultado da ação de prova:
Há, fundamentalmente, três sentidos para o termo prova: a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela parte no processo (ex.: fase probatória); b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal); c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos,
5
demonstrando a verdade de um fato. Neste último senso, pode dizer o juiz, ao chegar à sentença: “Fez-se prova de que o réu é autor do crime”. Portanto, é o clímax do processo (NUCCI, 2020, p. 313).
A atividade probatória encontra-se associada à tentativa de reconstrução
dos fatos investigados no processo, visando o convencimento do juiz sobre a
veracidade de um fato anterior aparentemente delitivo, uma alegação sobre um
fato que interesse a solução da causa, permitindo explorar os acontecimentos
juridicamente relevantes para o processo de tomada de decisão.
No Direito brasileiro a prova é regida por princípios e normas
constitucionais e legais e fundamentada em forte base teórica. No Código de
Processo Penal, é tratada no Título VII, do Livro I, em escassas disposições
gerais, visto que abrange somente três artigos. Pela doutrina, o tema é abordado
com mais magnitude, compreendendo o estudo e a análise da teoria geral da
prova.
1.2.1. Do ônus da prova no processo penal brasileiro
Em consonância com o artigo 129, da Constituição Federal, há em nosso
sistema acusatório a obrigatoriedade de separação das funções de acusar,
defender e julgar. Essa divisão objetiva impedir a concentração de poder,
impedindo que seu uso se degenere em arbitrariedade.
No processo penal, levando-se em conta o princípio da presunção de
inocência que está previsto no artigo 5º, LVII da Constituição de 1988, o
elemento constitutivo da prova cabe, via de regra, a quem fizer. Desta forma, ao
autor da ação penal cumpre a comprovação da materialidade delitiva, da autoria,
do dolo ou culpa, das causas de aumento e das qualificadoras.
Por outro lado, incumbe à defesa demonstrar a existência de excludentes
de ilicitude e culpabilidade, bem como a presença de causas de extinção de
punibilidade e condições que atenuem a pena. Dessarte, não se revela correta
a conclusão de que o ônus da prova no processo penal pertence exclusivamente
à acusação.
No âmbito doutrinário, podemos destacar duas principais posições acerca
do tema.
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A primeira corrente versa que no processo penal o ônus da prova é
somente da acusação, em razão do princípio da presunção de inocência. Nesse
sentido, Paulo Rangel defende que:
Há que se interpretar a regra do ônus da prova à luz da Constituição, pois se é cediço que a regra é a liberdade (art. 5º, XV, da CRFB) e que, para que se possa perdê-la, dever-se--á observar o devido processo legal e dentro deste encontra-se o sistema acusatório, onde o juiz é afastado da persecução penal, dando-se ao Ministério Público, para a defesa da ordem jurídica, a totalidade do ônus da prova do fato descrito na denúncia (RANGEL, 2015, p. 568).
A segunda corrente, por sua vez, sustenta uma divisão do ônus probatório
entre a acusação e a defesa. De acordo com seus defensores, acusação precisa
produzir um juízo de certeza quanto ao acusado, já a defesa somente precisa
suscitar uma dúvida razoável, tendo em vista que na dúvida, de acordo com a
regra probatória, gera-se a absolvição do acusado.
Nesse sentido, tem-se o posicionamento de Renato Brasileiro de Lima:
Em suma, enquanto o Ministério Público e o querelante têm o ônus de provar os fatos delituosos além de qualquer dúvida razoável, produzindo no magistrado um juízo de certeza em relação ao fato delituoso imputado ao acusado, à defesa é suficiente gerar apenas uma fundada dúvida sobre causas excludentes da ilicitude, causas excludentes da culpabilidade, causas extintivas da punibilidade ou acerca de eventual álibi. Há, inegavelmente, uma distinção em relação ao quantum de prova necessário para cumprir o ônus da prova: para a acusação, exige-se prova além de qualquer dúvida razoável; para a defesa, basta criar um estado de dúvida (LIMA, 2020, p.679).
1.2.2. Da iniciativa probatória do juiz
Houve-se sempre uma concordância na doutrina no tocante à
inconstitucionalidade do artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal, haja
vista a vedação da iniciativa acusatória do juiz na fase de investigação preliminar.
Eugênio Pacelli Oliveira ao discorrer sobre o assunto, explica que:
O retrocesso, quase inacreditável, é também inaceitável. A inconstitucionalidade é patente. O juiz não tutela e nem deve tutelar a investigação. A rigor, a jurisdição criminal somente se inicia com a apreciação da peça acusatória (arts. 395 e 396, CPP). No curso do inquérito policial ou de qualquer outra investigação a atuação da jurisdição não se justifica enquanto tutela dos respectivos procedimentos (OLIVEIRA, 2020, p. 427).
Em relação a atuação do magistrado na fase probatória, até o advento da
reforma trazida pela Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, era autorizada
a produção antecipada de provas urgentes e relevantes, antes mesmo de
iniciada a ação penal, analisando a adequação, a necessidade e a
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proporcionalidade da medida, assim como determinar a execução de diligências
para esclarecer dúvida sobre ponto importante antes de proferir a sentença.
De acordo com Aury Lopes Jr (2020, p. 59), o artigo 156, do Código de
Processo Penal justifica um sistema inquisitório, e que dessa forma não pode
mais vigorar, visto que representa uma quebra do contraditório e dessa forma
fere a imparcialidade do magistrado, principal garantia da jurisdição.
Já no tocante ao artigo 156, inciso II, do Código de Processo Penal, existe
divergência doutrinária em relação a atuação ex officio do magistrado no curso
do processo judicial.
A primeira corrente defende que, de forma secundária, e somente durante
o curso do processo, o julgador possa determinar a produção de provas que
entender importantes e razoáveis, com o intuito de suprimir dúvidas importantes
para a tomada de decisão sem que se comprometa sua imparcialidade.
Dessa forma, versa Renato Brasileiro de Lima:
Não há qualquer incompatibilidade entre o processo penal acusatório e um juiz dotado de iniciativa probatória, que lhe permita determinar a produção de provas que se façam necessárias para o esclarecimento da verdade. A essência do sistema acusatório repousa na separação das funções de acusar, defender e julgar. Por mais que a ausência de poderes instrutórios do juiz seja uma característica histórica do processo acusatório, não se trata de uma característica essencial a ponto de desvirtuar o referido sistema (LIMA, 2020, p. 108).
Para o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CORREIÇÃO PARCIAL. INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS PARA A DEFESA (SEGUNDO MOMENTO) ANTERIORMENTE DEFERIDAS PELO JUÍZO (PRIMEIRO MOMENTO). APONTADA PRECLUSÃO PRO JUDICATO. INOCORRÊNCIA. PODER INSTRUTÓRIO DO MAGISTRADO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. OBSERVÂNCIA. PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO MOTIVADA. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 400, § 1º, DO CPP. DISCRICIONARIEDADE REGRADA DO MAGISTRADO NA APRECIAÇÃO DA PROVA. IMPRESCINDIBILIDADE DAS DILIGÊNCIAS REQUERIDAS. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. NECESSIDADE DE INCURSÃO APROFUNDADA NA SEARA FÁTICO-PROBATÓRIA DOS AUTOS. HABEAS CORPUS DENEGADO. I - A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem firme entendimento no sentido de que em matéria de instrução probatória não há se falar em preclusão pro judicato, isto porque os princípios da verdade real e do livro convencimento motivado, como fundamentos principiológicos da etapa probatória do processo penal, pelo dinamismo a ele inerente, afasta o sistema da preclusão dos poderes instrutórios do juiz. II - "O fato de a juíza sentenciante ter julgado a lide, entendendo desnecessária a produção de nova prova pericial anteriormente deferida, não implica preclusão "pro judicato", pois, em questões probatórias, não há preclusão para o magistrado"
8
(AgRg no REsp 1.212.492/MG, Quarta Turma, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 2/5/2014).III - O devido processo legal assegura às partes a produção das provas que entendem necessárias para comprovar a sua tese, seja defensiva ou acusatória; entretanto, esse direito, inserido nesse mesmo espectro legal esquematizado em atos processuais, não é ilimitado, incondicionado, subjetivo ou arbitrário. Direcionado que é para o magistrado, na formação do seu convencimento quanto à existência (ou não) da responsabilidade penal, caso as entenda irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, poderá indeferi-las, motivadamente, em observância à norma constitucional insculpida no art. 93, IX, da CF. Inteligência do art. 400, § 1º, do CPP. IV - "Não obstante o direito à prova, consectário do devido processo legal e decorrência lógica da distribuição do ônus da prova, tendo o processo penal brasileiro adotado o sistema do livre convencimento motivado, ou da persuasão racional, compete ao magistrado o juízo sobre a necessidade e conveniência da produção das provas requeridas, podendo indeferir, fundamentadamente, determinada prova, quando reputá-la desnecessária à formação de sua convicção, impertinente ou protelatória, cabendo ao requerente da diligência demonstrar a sua imprescindibilidade para a comprovação do fato alegado" (HC 219.365/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministra Regina Helena Costa, DJe 21/10/2013). V - A alegada imprescindibilidade da realização das diligências requeridas para comprovação da inocência do paciente, por demandar cotejo minucioso de matéria fático-probatória, não encontra campo nos estreitos limites do writ, ação de índole constitucional, marcado por cognição sumária e rito célere, que tem como escopo resguardar a liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder. VI - "Ainda que houvesse elementos específicos, trazidos para comprovar a imprescindibilidade da diligência requerida, sua apreciação seria incabível nos estreitos limites do habeas corpus,visto ser evidente a inadequação da via eleita para a satisfação da pretensão deduzida" (STJ – HC: 294383 GO 2014/0110397-7, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 30/06/2015, T5 QUINTA TURMA, Data de Publicação DJe 03/08/2015).
De outra maneira, a segunda corrente entende que não se deve permitir
a atuação do julgador de forma ex officio, seja na fase investigatória ou
processual, tendo em vista que tal conduta fere a imparcialidade do juiz.
Com o advento da Lei 13.964/19, foi consagrado, de forma expressa, o
sistema acusatório no processo penal brasileiro, através da redação do artigo 3º-
A, do Código de Processo Penal: “O processo penal terá estrutura acusatória,
vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação
probatória do órgão de acusação”.
Dessa forma, não é mais permitido ao magistrado a atuação de ofício na
busca de provas na investigação e na fase processual. Assim, ocorreu a
revogação tácita do artigo 156, inciso II, do Código de Processo Penal e dos
demais dispositivos que conferiam ao juiz a iniciativa probatória no curso do
processo.
9
Sobre a necessidade do reconhecimento da revogação tácita do artigo
156, versa Aury Lopes Jr (2020, p.70) que “O correto e adequado é reconhecer
a revogação tácita do art. 156 (e do art. 385 e tantos outros na mesma linha) e
absoluta incompatibilidade com a matriz acusatória constitucional e a nova
redação do art. 3º-A”.
A atuação de ofício pelo magistrado na produção da prova, característica
seriamente inquisitiva, é contrária ao disposto no novo artigo 3º-A, do Código de
Processo Penal, tendo em vista que o mesmo julgador que determina a produção
de uma prova, decide se ela é urgente e qual a sua necessidade. Sobre essa
discussão, é importantíssimo o estudo de Aury Lopes Jr:
Dessarte, não cabe mais esse agir de ofício, na busca de provas, por parte do juiz, seja na investigação, seja na fase processual de instrução e julgamento. Obviamente que não basta mudar a lei, é preciso mudar a cultura, e esse sempre será o maior desafio. Não tardarão em aparecer vozes no sentido de que o art. 156, I deve permanecer, cabendo o agir de ofício do juiz quando a prova for urgente e relevante. Tal postura constitui uma burla à mudança, mantendo hígida a estrutura inquisitória antiga. Afinal, basta questionar: o que é uma prova urgente e relevante? Aquela que o juiz quiser que seja. E a necessidade, adequação e proporcionalidade, quem afere? O mesmo juiz que determina sua produção. Essa é a circularidade inquisitória clássica, que se quer abandonar. Fica a advertência para o movimento contrarreformista (LOPES JR, 2020, p. 68).
Por derradeiro, importante ressaltar que o Ministro Luiz Fux deferiu liminar
nas ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, no dia 22/01/2020, suspendendo a eficácia
do artigo 3ª-A, do Código de Processo Penal, mas poderá ter sua vigência
restabelecida a qualquer momento. Isto posto, segundo Aury Lopes Jr (2020, p.
64), em conflito com o sistema acusatório respaldado pela Constituição Federal,
o Código de Processo Penal segue com a estrutura inquisitória.
1.3 Dos princípios e garantias constitucionais e o estudo das provas
Versa Humberto Ávila que, o princípio pode ser definido como “deveres
de otimização aplicáveis em vários graus segundo as possibilidades normativas
e fáticas” (ÁVILA, 2005, p.29).
O processo penal brasileiro deve ser estudado no contexto dos princípios
e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal e nos Tratados
Internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil.
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Embora seja discutível o status normativo dos Tratados Internacionais de
Direitos Humanos, em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal
revolucionou o entendimento sobre a hierarquia normativa dos tratados
internacionais de direitos humanos no Estado Brasileiro a partir do julgamento
do RE 466.343. Dessa maneira, além da necessidade do conhecimento da
jurisprudência dos Tribunais Superiores, também é necessário o conhecimento
da jurisprudência dos tratados internacionais.
No tocante ao estudo das provas, as partes possuem direito de agir,
porém, esse não é absoluto devido a limites legais existentes, que servem para
proteger cada indivíduo em sua particularidade. Ninguém pode ter seu direito de
defesa restringido, assim como não será obrigado a produzir prova contra si,
avocando a presunção de inocência até prova contrária.
Adiante, serão apresentados aspectos gerais de alguns princípios e
garantias que são importantes ao estudo acerca do reconhecimento como meio
de prova.
a) Princípio da presunção de inocência
A Constituição Federal foi um marco para a solidificação de um Estado
Democrático de Direito no Brasil. Ela foi a primeira a apresentar formalmente o
princípio da presunção de inocência em seu artigo 5º, inciso LVII1.
Há na doutrina certa divergência acerca do termo “presunção de
inocência”. Parte da doutrina entende que o posicionamento consolidado na
Constituição não teria utilizado a presunção de inocência, mas apenas a
“presunção de não culpabilidade”. Contudo, o STJ já fez referência ao princípio
da presunção de inocência2, bem como ao princípio da presunção de não
culpabilidade3.
A presunção de inocência consiste na garantia de não ser considerado
culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, quando o réu já
tenha se utilizado de todos os meios necessários à sua defesa. Ou seja, também
1 Artigo 5º, inciso LVII, da CF: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória 2 Vide Súmula nº 09 do STJ, e também: STF, 1ª Turma, HC-ED 91.150/SP, Rel. Min. Menezes Direito, DJe 018 01º/02/2008. 3 Vide STF, 2ª Turma, HC 84.029/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 06/09/2007 p. 42
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é compreendida como uma regra de tratamento do réu durante o curso da
persecução criminal, impossibilitando que ele seja identificado como um
condenado definitivo, bem como que sofra medidas restritivas de direitos em
razão do processo ainda em curso.
Nesses termos, para Renato Brasileiro de Lima, o princípio da presunção
de inocência:
1)tem por finalidade estabelecer garantias para o acusado diante do poder do Estado de punir (significado atribuído pelas escolas doutrinárias italianas); 2) visa proteger o acusado durante o processo penal, pois, se é presumido inocente, não deve sofrer medidas restritivas de direito no decorrer deste (é o significado que tem o princípio no art. IX da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789); 3) trata-se de regra dirigida diretamente ao juízo de fato da sentença penal, o qual deve analisar se a acusação provou os fatos imputados ao acusado, sendo que, em caso negativo, a absolvição é de rigor (significado da presunção de inocência na Declaração Universal de Direitos dos Homens e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos) (LIMA, 2015, p. 43).
Outra importante consequência derivada do princípio da não
culpabilidade, é que o ônus da prova cabe em regra a quem acusa (Ministério
Público ou querelante), tendo em vista o estado de inocência defendido por
Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2020, p. 74). Assim, cabe ao autor da
ação penal a obrigação de provar o contrário. Contudo, como já visto
anteriormente, existem exceções, tendo em vista que cabe a defesa do acusado
comprovar as causas de excludentes de ilicitude e culpabilidade, bem como
causas de extinção da punibilidade e de circunstâncias que atenuem a pena.
Da mesma maneira, o princípio estudado também exige a
excepcionalidade das prisões cautelares e das medidas constritivas de direitos
individuais, já que o indivíduo é presumidamente inocente.
b) Princípio do devido processo legal
O princípio do devido processo legal está previsto no artigo 5º, inciso LIV,
da Constituição Federal e versa que “ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal”.
Esse princípio é o instrumento de efetivação dos direitos fundamentais do
réu, visto que fundamenta a visão garantista do processo penal e é o princípio
que fomenta outros princípios fundamentais.
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Classifica-se em dois aspectos: O aspecto material que liga-se ao Direito
Penal, valendo-se os princípios penais, e no aspecto processual que é a
legitimidade do réu demonstrar sua inocência, produzindo provas para o
convencimento do magistrado, bem como a possibilidade da acusação
convencer o julgador a efetividade da sua pretensão punitiva pelos meios legais.
c) Princípio da garantia do livre convencimento motivado
O princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional,
deriva da condição imposta pela Constituição Federal em seu artigo 93, inciso
IX, de que todas as decisões judiciais deverão ser fundamentadas. Ou seja,
deverá o juiz julgar apreciando livremente as provas produzidas no processo,
formando livremente o seu convencimento. Porém, precisa fundamentar sua
decisão de acordo com elementos concretos dos autos.
Na esfera do Processo Penal, está descrito no artigo 155, caput, do
Código de Processo Penal, bem como no artigo 381, inciso III, do Código de
Processo Penal que exige que sejam indicados na sentença os motivos de fato
e direito em que se fundou a decisão.
d) Princípio da liberdade probatória
O princípio da liberdade probatória vem insculpido no artigo 5º, inciso LIV,
da Constituição Federal4 e é contrário ao da taxatividade das provas que
assegura que somente as provas especificadas em lei poderiam ser utilizadas
no processo.
Em razão do que versa o artigo 369 do Código de Processo Civil5, bem
como da força de tal princípio, no processo penal as provas sem regulamentação
quanto ao seu procedimento, ou seja, as provas atípicas, desde que lícitas são
aceitas no direito brasileiro.
4 Artigo 5º, inciso LIV, da CF: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal 5 Artigo 369 do CPC: As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
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e) Princípio da garantia do contraditório
O princípio da garantia do contraditório ou da bilateralidade da audiência
está disposto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal6, e garante que ambas as
partes do processo terão o direito de se manifestarem sobre qualquer fato ou
prova produzida pela parte contrária. Em consonância ao contraditório, as partes
devem ter conhecimento de toda a produção probatória.
Embora o contraditório esteja mais intensamente ligado ao aspecto fático
do processo, é possível ser aplicado também em matéria de direito, quando ela
possibilitar a extinção do feito.
Em regra, deve-se garantir o contraditório no momento da produção da
prova. Porém, em algumas situações ocorrerá o fenômeno conhecido como
contraditório diferido, que é a possibilidade de admissão de um contraditório
posterior quando determinados atos são praticados sem a ciência das partes.
Um exemplo é a produção de prova pericial durante a fase do inquérito.
f) Princípio da não autoincriminação
É um princípio constitucional implícito que deriva da presunção de
inocência, ampla defesa e direito ao silêncio7. Esse princípio estabelece que o
acusado não deve ser obrigado a produzir provas que o prejudique, podendo
dessa forma se negar a participar de atos que dificultem a sua defesa.
A doutrina e a jurisprudência já defendem que o réu não deve ser
compelido a participar de atividades probatórias que provoquem intervenções
corporais.
g) Princípio da garantia da ampla defesa
O princípio da garantia da ampla defesa divide-se em autodefesa e defesa
técnica.
6 Artigo 5º, inciso LV, da CF: Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerente 7 Artigo 5º, inciso LXIII, da CF: o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.
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A autodefesa é a defesa realizada pelo próprio acusado, sendo ela
disponível, tendo em vista que o réu pode se calar (artigo 5º, inciso LXIII, da CF)
e até mesmo mentir. Contudo, na primeira fase do interrogatório judicial, qual
seja, a qualificação, não é autorizado por força de tal princípio que o réu minta.
Já a defesa técnica, é realizada por um defensor técnico e é indisponível,
considerando que o réu não pode se defender sozinho8, com exceção de quando
o acusado é advogado inscrito na OAB. Assim, havendo ausência, negligência
ou qualquer razão que prejudique o direito do acusado à defesa técnica, deverá
o juiz intimar o réu para que este constitua novo patrono. Direito esse, estendido
também ao réu revel conforme entendimento do STJ.
1.4 Meios de Prova
Os meios de provas são os dispositivos, pessoais ou materiais, através
dos quais se possam servir, direta ou indiretamente, para comprovação da
verdade, um elemento apto a demonstrar ao juiz a visão sobre um fato.
O Código de Processo Penal não preleciona rol taxativo dos meios de
prova lícitos. As provas disciplinadas no Código de Processo Penal (arts. 158 a
250) dizem respeito somente aos meios de provas típicos. Entretanto, existem
os meios de prova atípicos, ou seja, os que não são regulamentados por lei.
Os seguintes meios de provas são disciplinados pelo CPP: exame de
corpo de delito e perícia em geral, confissão, perguntas ao ofendido,
testemunhas, reconhecimento de pessoas ou coisas, acareação, documentos,
indícios, busca e apreensão.
Quando se fala em meios de prova atípicos, deve-se saber que o art. 332,
do Código de Processo Civil estabelece que “todos os meios legais, bem como
os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis
para provara verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa".
Entretanto, não se admite a utilização de um meio de prova atípico quando
se é possível a resolução da questão por meio de provas tipificado na legislação.
Nesse seguimento, versa Renato Brasileiro de Lima:
8 Artigo 263, do CPP: Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação.
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A produção da prova atípica deve se dar de maneira subsidiária, ou seja, somente deve ser admitida a utilização de meio de prova atípico quando não houver meio de prova típico capaz de atingir o resultado que se pretende. Também não se admite o uso da prova atípica quando houver alguma restrição quanto à prova de tal fato pela lei civil (CPP, art. 155, parágrafo único), nem tampouco quando houver alguma limitação quanto às regras de proibição da prova (LIMA, 2020, p.670).
1.4.1 Provas antecipadas, cautelares e não repetíveis
O artigo 155, do Código de Processo Penal versa que:
Art. 155: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Assim, é admissível que o magistrado forme sua convicção somente com
base em 3 (três) espécies de provas, ainda que produzidas na fase
investigatória:
a) Prova não repetível: As provas não repetíveis são aquelas cuja sua
reprodução não pode ser realizada, em razão de alteração significativa das
características ou de sua extinção.
A prova não repetível pode ser produzida tanto na fase do inquérito,
quanto na fase do processo, e via de regra, não precisa de autorização do juiz.
Assim, para que as provas possam ser utilizadas pelo magistrado em sua
tomada de decisão, precisará ser garantido às partes o contraditório diferido.
Além disso, conforme assegura o artigo 159, § 5º, inciso I, do CPP, é permitido
às partes requerer a oitiva de peritos a fim de clarificar as provas periciais durante
o curso da instrução.
b) Provas cautelares: São aquelas em que não há tempo hábil para o
chamamento das partes, pois existe o risco de desaparecimento do objeto da
prova. Como acontece com as provas irrepetíveis, as provas cautelares também
podem ser produzidas na fase do inquérito, bem como na fase processual.
Todavia, em regra, necessitam de aval judicial. E da mesma forma, também é
necessário o direito ao contraditório diferido para que as provas sejam utilizadas
na ação penal.
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c) Provas antecipadas: nas provas antecipadas sempre haverá a
participação das partes, dado que há tempo hábil para produzi-la, ela apenas
será produzida em momento anterior ao calculado. Elas também podem ser
produzidas na fase de investigação, bem como na fase processual, sendo mais
uma vez necessária a autorização judicial. Entretanto, no caso das provas
antecipadas, deverá ser respeitado o chamado contraditório real e autorizada
somente quando demonstrada real pertinência, conforme é o entendimento do
STJ, Súmula 455: “ “A decisão que determina a produção antecipada deve ser
concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do
tempo”. Da mesma maneira, defende Aury Lopes Jr em seus estudos:
A produção antecipada da prova deve ser considerada uma medida excepcional, justificada por sua relevância e impossibilidade de repetição em juízo. Sua eficácia estará condicionada aos requisitos mínimos de jurisdicionalidade, contraditório, possibilidade de defesa e fiel reprodução na fase processual (LOPES JR, 2020, p. 664).
1.5 Eficiência e garantismo nos procedimentos probatórios
Com fulcro no princípio do devido processo legal garantido pela
Constituição Federal, deve haver uma normatização a respeito do modo de
execução de cada um dos atos do processo, como regras para a oitiva de
testemunhas, para o reconhecimento e outros meios de provas versados em lei.
Sobre a importância de um procedimento, Antônio Fernandes Scarance explica:
O direito ao procedimento processual penal, é, em síntese, direito a um sistema de regras e princípios que permita a atuação eficaz dos órgãos encarregados da persecução penal e, ao mesmo tempo, assegure a plena efetivação das garantias do devido processo penal. O direito a um sistema de regras e princípios que conjugue a eficiência e garantia não representa direito a um procedimento certo, determinado, delineado, com todos os seus atos e fases em sequência predeterminada, mas o direito a um procedimento assentado em alguns paradigmas extraídos de normas constitucionais do devido processo penal (FERNANDES, 2010, p.13).
Após a presente exposição acerca do dogma da verdade real, das noções
gerais sobre prova, bem como da necessidade de um equilíbrio entre o
procedimento e o respeito aos princípios respaldados pela CF, será abordado no
capítulo seguinte o procedimento do reconhecimento de pessoas como meio de
prova testemunhal. Em seguida, será demonstrado como as falsas memórias
podem contaminar essa prova.
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2 DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS E SEU PROCEDIMENTO
A partir do momento em que há a ocorrência de um delito, é através de
um processo investigatório que se busca apurar a materialidade, as
circunstâncias do fato e a autoria.
Assim, tendo em vista que a propositura da ação penal exige indícios de
autoria, é impossível conduzir uma investigação contra um indivíduo sem
indícios mínimos de sua autoria.
Dessa forma, o reconhecimento de pessoas é importante para o processo
de identificação pois, como será descrito a seguir, ele trata-se de meio pelo qual
se distingue uma pessoa, ou seja, é um meio de prova que visa à verificação da
autoria do crime.
2.1 Da identificação
Ocorrendo um fato delitivo, surge para o Estado a obrigação de apurar,
em síntese, a autoria e a materialidade do delito.
No tocante a materialidade, devemos demonstrar a finalidade da
identificação e sua relação com o reconhecimento de pessoas.
Para Guilherme de Souza Nucci, a identificação criminal é a identificação
por características únicas, como a colheita de material genético e a impressão
dactiloscópica da pessoa (NUCCI, 2020, p.393).
A identificação consiste na reunião de dados acerca de um indivíduo
envolvido em um delito, com o objetivo de se criar uma identidade criminal.
Quanto à qualificação do acusado, Guilherme de Souza Nucci ensina que:
Pode ocorrer que ele não tenha o nome ou os demais elementos que o qualificam devidamente conhecidos e seguros. Há quem possua dados incompletos, não tenha nem mesmo certidão de nascimento, ou seja, alguém que, propositadamente, carregue vários nomes e qualificações. Contenta-se a ação penal com a determinação física do autor do fato, razão pela qual se torna imprescindível a sua identificação dactiloscópica e fotográfica, o que, atualmente, é expressamente previsto na Lei 12.037/2009 (NUCCI, 2020, p.444).
Por se tratar de um procedimento que potencialmente envolve
constrangimento para o investigado, a doutrina de Paulo Rangel orienta que
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somente será admitida a identificação criminal para aquele que não tiver
identificação civil:
A identificação criminal sempre foi um constrangimento para as pessoas que a ela se submetiam. Agora, nos termos da Constituição, este constrangimento só será admitido para aquele que não tiver identificação civil, mesmo assim deverá a autoridade encarregada de realizar a identificação criminal adotar providências necessárias para evitar qualquer tipo de constrangimento ao investigado (RANGEL, 2015, p.169).
O Supremo Tribunal Federal, no verbete sumular de n. 568, entendia que
“A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o
indiciado já tenha sido identificado civilmente”.
À evidência, referido enunciado sumular não foi recepcionado pela
Constituição Federal de 1988. Isto porque a Constituição Federal, em seu Título
II – "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", artigo 5º, inciso LVIII, estabelece
que: "o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo
nas hipóteses previstas em lei".
Diante do texto da Lei 12.037, de 1.º de outubro de 2009, alterada pela
Lei 12.654/2012, será realizada a identificação quando houver uma incerteza
concreta da veracidade e validade dos documentos apresentados. Bem como,
quando houver informação de que a pessoa cometeu fraude em registros
criminais. Tratando-se de uma norma de eficácia contida. Veja:
Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado; III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.
Dessa forma, não existe mais um rol de crimes que impõe a
obrigatoriedade da identificação criminal. A identificação ficará a cargo da
conveniência da investigação policial, sem considerar o delito cometido (NUCCI,
2020, p.352).
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2.2 Do reconhecimento
O reconhecimento é o meio de prova pelo qual se busca obter a
identificação de pessoas ou coisas, em ato processual previsto em lei praticado
perante a autoridade policial ou judiciária.
De acordo com o estudo de Helio Tornaghi, o reconhecimento de pessoas
e coisas “é o ato pelo qual alguém verifica e confirma a identidade de pessoa ou
coisa que lhe é mostrada, com pessoa ou coisa que já viu (ouviu, palpou que lhe
caiu sobre os sentidos), que conhece” (TORNAGHI, 1991, p. 429).
Saliente-se que, além do acusado, é possível que as testemunhas e o
ofendido também sejam reconhecidos. Esse ato pode ser realizado durante a
fase de inquérito, como também durante a ação penal.
2.2.1 Reconhecimento no Código de 1942
As primeiras ordenações aplicadas no Brasil foram as Ordenações
Manuelinas. Elas foram publicadas definitivamente em 1521 e surgiram com a
finalidade de atualização das normas contidas nas Ordenações Afonsinas.
Após, em 1603, entraram em vigor as Ordenações Filipinas e foram
utilizadas nas questões criminais até o ano de 1832. A contar desta data, passou
a vigorar no Brasil o Código de Processo Criminal.
Contudo, o contexto mais relevante para este trabalho é o de 1941, tendo
em vista que ocorreu a vigência do atual Código de Processo Penal, que trouxe
nos arts. 226, 227 e 228, o instituto do reconhecimento.
2.2.2 Do reconhecimento como meio de prova
O reconhecimento teve origem na prova testemunhal e trata-se de um
meio de prova independente, que se feito em juízo, em consonância ao princípio
do contraditório e o disposto no Código de Processo Penal para sua realização,
será apto a formar elementos de prova.
O reconhecimento de pessoas realizado em sede de investigação não
pode basear uma decisão judicial, visto que não é realizado com o respeito ao
contraditório e à ampla defesa.
20
Da mesma maneira, mesmo que o reconhecimento seja realizado em
sede de instrução, o magistrado também não deverá fundamentar uma sentença
somente com base no reconhecimento da vítima. Leciona Guilherme de Souza
Nucci:
O juiz jamais deve condenar uma pessoa única e tão somente com base no reconhecimento feito pela vítima, por exemplo, salvo se essa identificação vier acompanhada de um depoimento seguro e convincente, prestado pelo próprio ofendido, não demovido por outras evidências (NUCCI, 2020, p.898).
O reconhecimento é um meio de prova irrepetível, tendo em vista que não
pode ser repetido de forma idêntica. Qualquer reconhecimento feito novamente
estará contaminado, já que influenciado pelo primeiro.
Sendo também, um meio de prova urgente, tendo em vista que o tempo
afeta diretamente o reconhecimento. Devendo assim, ser realizada de forma
antecipada obedecendo a previsão legal e garantindo o contraditório e a ampla
defesa.
2.2.3 Do reconhecimento de pessoas
O reconhecimento de pessoas no processo penal é um ato formal em que
vítima, testemunha ou acusado identifica uma terceira pessoa.
De acordo com o estudo de Eduardo Espínola Filho, “o reconhecimento
de pessoas e de objetos é um ato, que se impõe, devendo ser feito com a maior
seriedade e rigor técnicos, observadas as recomendações estabelecidas pelo
Código de Processo Penal” (ESPÍNOLA FILHO, 2000, p. 283).
A seguir, serão apresentadas duas formas de reconhecimento e seus
procedimentos: o reconhecimento pessoal e o reconhecimento fotográfico.
2.2.3.1 Do reconhecimento pessoal de pessoas e seu procedimento
O procedimento para o reconhecimento está previsto no art. 226 do CPP,
cuja redação está disposta abaixo:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
21
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento (BRASIL, 1941).
De acordo com o Código de Processo Penal, primeiramente a pessoa que
fará o reconhecimento deverá descrever a pessoa a ser reconhecida. Guilherme
de Souza Nucci corrobora a importância do cumprimento dessa etapa, uma vez
que é imprescindível para que, a partir de dados extraídos da memória do
reconhecedor, o magistrado seja capaz de analisar se existe uma firmeza
mínima do reconhecedor para dar-se a identificação. Veja:
Essa providência é importante para que o processo fragmentário da memória se torne conhecido, vale dizer, para que o juiz perceba se o reconhecedor tem a mínima fixidez (guarda o núcleo central da imagem da pessoa que pretende identificar) para proceder ao ato. Se descrever uma pessoa de dois metros de altura, não pode, em seguida, reconhecer como autor do crime um anão. É a lei da lógica aplicada ao processo de reconhecimento, sempre envolto nas naturais falhas de percepção de todo ser humano (NUCCI, 2020, p.895).
O inciso II diz respeito a fase de comparação. E, para que exista uma
comparação é necessário que a pessoa a ser reconhecida seja posicionada
juntamente com outras com quem se possua semelhança.
Nos estudos de Gustavo Henrique Badaró:
Entendemos que não basta qualquer semelhança, mas sim um conjunto de dados semelhantes. Se não houver uma semelhança entre as pessoas ou coisas a serem reconhecidas, o reconhecimento será nulo, por defeito formal. Em outras palavras, deverão ser confrontadas pessoas do mesmo sexo, origem racial, estatura, idade (BADARÓ, 2015, p. 471).
Apesar do inciso II utilizar a expressão “se possível”, no entendimento de
Norberto Avena (2019, p. 1025), a maioria dos doutrinadores defendem que o
termo não autoriza que apenas o acusado seja apresentado sozinho para ser
reconhecido. Para ele, a doutrina majoritária entende que a possibilidade diz
respeito às características semelhantes dos indivíduos que serão colocados
junto ao acusado para a realização do ato. Ademais, entende-se que o próprio
legislador quando falou “outras”, exigiu no mínimo mais duas pessoas.
22
Segundo Aury Lopes Jr (2020, p. 772-773), para que o ato do
reconhecimento possua maior credibilidade, é sugerido que o número de
pessoas no momento não seja inferior a cinco.
Entretanto, de forma contrária, o STJ já decidiu que não há nulidade no
posicionamento do réu sozinho para o reconhecimento, veja:
PROCESSUAL PENAL. HC. RECONHECIMENTO. RÉU POSTO SOZINHO. PRISÃO PREVENTIVA. MANUTENÇÃO. DESNECESSIDADE DE NOVA FUNDAMENTAÇÃO. DECRETO NÃO JUNTADO AOS AUTOS. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA. I. Não se reconhece ilegalidade no posicionamento do réu sozinho para o reconhecimento, pois o art. 226, inc. II, do CPP, determina que o agente será colocado ao lado de outras pessoas que com ele tiverem qualquer semelhança "se possível", sendo tal determinação, portanto, recomendável mas não essencial. II. A manutenção, pelo Tribunal de 2º grau, de custódia cautelar anteriormente decretada, não exige nova fundamentação. III. Torna-se impossível o exame da legalidade do decreto constritor, se o mesmo não se encontra juntado aos autos. IV. Primariedade, bons antecedentes, profissão definida e residência fixa, não garantem, por si sós, direito subjetivo à liberdade provisória. V. Ordem denegada. (STJ – HC: 7802 / RJ 1998/0057686-0, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 20/05/1999, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/06/1999).
Já o inciso III versa sobre o interesse do legislador em preservar a
produção da verdade e a integridade da vítima, pois determina que existindo
motivo relevante a autoridade policial deverá fornecer meios de que a pessoa a
ser reconhecida não veja seu reconhecedor. Porém, de acordo com o parágrafo
único do artigo 226, o disposto no inciso III não terá aplicação na fase judicial.
Segundo Paulo Rangel (2015, p. 630), o disposto no parágrafo único do
art. 226, do Código de Processo Penal, que veda o disposto no inciso III na fase
de instrução, não possui nenhuma razão plausível, como da mesma forma
prejudica o julgamento.
Defende-se neste trabalho a adoção da prescrição legal já que se
vislumbra a intenção do legislador em vedar que o acusado não veja quem o
reconhece, a fim de que possa exercer seu direito à ampla defesa. É possível
que o acautelado, ao verificar quem é a pessoa que o reconhece, possa suscitar
a existência de fatos extra autos a inquinar o procedimento de nulidade.
Assim, tendo em vista que o Código de Processo Penal afasta o inciso III
em audiência, o ato do magistrado de pedir para a vítima reconhecer o acusado
que está sozinho e algemado não configura reconhecimento, já que não cumpre
o procedimento e é um ato induzido (LOPES JR, 2020, p.771).
23
Finalmente, o inciso IV diz que deverá ser lavrado auto pormenorizado,
registrando no mesmo tudo que ocorreu no decorrer do ato de reconhecimento,
que deverá ser assinado pela autoridade, pelo reconhecedor e por duas
testemunhas.
Importante anotar que é pacífico na jurisprudência dos tribunais o
entendimento de que o não cumprimento das regras previstas no artigo 226, do
Código de Processo Penal, por serem meras recomendações, por si só, não
configuram nulidade do ato.
É o que se colhe dos seguintes arestos do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE PESSOAS. TESE DE VIOLAÇÃO DO ART.226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO HARMÔNICA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA SUPERIOR CORTE DE JUSTIÇA. 1. A jurisprudência sedimentada desta Corte é a de que "as disposições contidas no art. 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de nulidade quando praticado o ato processual (reconhecimento pessoal) de forma diversa da prevista em lei" (AgRg no AREsp n. 1.054.280/PE, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 6/6/2017, DJe de 13/6/2017). 2. Além disso, a autoria ficou comprovada, em juízo, por meio de prova testemunhal, e não apenas no reconhecimento judicial do agravante. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ – AgRg no AREsp: 1520565 SP 2019/0169505-7, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 10/09/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/09/2019). HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO. NULIDADES. ART. 226 DO CPP. MERAS RECOMENDAÇÕES. ART. 397 DO CPP. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. EFETIVO PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PREVENTIVA. NEGATIVA DE RECORRER EM LIBERDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS. ILEGALIDADE CONSTATADA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. O reconhecimento de coisas e pessoas deve seguir o procedimento do art. 226 do CPP, mas sua inobservância não causa, por si só, a nulidade do ato. Precedentes do STJ. 2. Dando-se a remessa dos autos ao Ministério Público justamente para exame de nulidade suscitada pela defesa, não se dá violação do rito processual, mas simples cumprimento ao constitucional mandamento do contraditório. 3. A nulidade exige prova do efetivo prejuízo, o que não ocorreu na espécie, aplicando-se ao caso o princípio pas de nullité sans grief, previsto no art. 563 do CPP. Precedentes. 4. Não se indicando na sentença condenatória qualquer fundamento para a mantença da prisão, mesmo existentes vários no prévio decreto de custódia cautelar, sequer na decisão definitiva referido, evidencia-se a ausência de fundamentação idônea para a decretação da medida extrema. 5. Habeas corpus concedido apenas para a soltura do paciente KAIQUE MATIAS DOS SANTOS, o que não impede a fixação de medida cautelar diversa da prisão, pelo Juízo de 1º grau, por decisão fundamentada.
24
(STJ – HC: 494102 SP 2019/0046788-6, Relator: Ministro NEFI
CORDEIRO, Data de Julgamento: 07/05/2019, T6 - SEXTA TURMA,
Data de Publicação: DJe 15/05/2019).
A não adoção rigorosa do disposto no artigo 226, do Código de Processo
Penal é alvo de crítica por Aury Lopes Jr:
Tais cuidados, longe de serem inúteis formalidades, constituem condição de credibilidade do instrumento probatório, refletindo na qualidade da tutela jurisdicional prestada e na própria confiabilidade do sistema judiciário de um país (LOPES JR, 2020, p. 773).
Defende-se neste trabalho a posição da doutrina acima citada, uma vez
que em matéria processual penal, a forma é garantida, não se podendo abrir
espaços para informalidades judiciais. Ademais, como será visto no capítulo 3,
o reconhecimento de pessoas apresenta fragilidade por envolver aspectos
relacionados à falibilidade da memória, sendo a exigência rigorosa de seu
procedimento o mínimo para se conferir credibilidade como meio de prova.
2.2.3.2 Do reconhecimento fotográfico de pessoas e seu procedimento
Em linhas gerais, o reconhecimento fotográfico é bastante usado mesmo
não estando previsto na legislação. Trata-se de uma forma subsidiária de
reconhecimento que é realizado diretamente sobre a foto do acusado e é um ato
irrepetível, ou seja, um ato definitivo.
No entanto, é válido ressaltar que muito se discute na doutrina e na
jurisprudência, o valor legal de reconhecimento feito por fotografia.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu em diferentes HCs que:
PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. NULIDADE DA SENTENÇA.CONDENAÇÃO BASEADA FUNDAMENTALMENTE NO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DO RÉU NA FASE INQUISITÓRIA. I - É firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que o reconhecimento fotográfico, como meio de prova, é plenamente apto para a identificação do réu e fixação da autoria delituosa, desde que corroborado por outros elementos idôneos de convicção. II - In casu, a sentença condenatória do paciente se baseou, fundamentalmente, no reconhecimento fotográfico do acusado na fase inquisitória, quase um ano após a ocorrência dos fatos, o que não se mostra suficiente para sustentar a condenação do acusado. (STJ – HC: 22907 SP 2002/0069942-4, Relator: Ministro FELIX
FISCHER, Data de Julgamento: 10/06/2003, T5 - QUINTA TURMA,
Data de Publicação: DJe 04/08/2003).
25
Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de Luis Alberto Vieira Nunes, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina na Apelação Criminal n. 0009786-83.2015.8.24.0039. Em primeiro grau de jurisdição, o paciente foi condenado às penas de 8 anos e 8 meses de reclusão em regime inicial fechado e de 16 dias-multa fixados no mínimo legal, pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, I, c/c o art. 61, I e II, c, do Código Penal (fls. 22-27). A defesa interpôs apelação pugnando pela absolvição ante a insuficiência de provas e a inobservância do art. 226 do CPP no tocante ao seu reconhecimento. O Tribunal a quo, porém, negou-lhe provimento (fls. 48-55). No presente writ, a defesa sustenta que o paciente foi condenado exclusivamente com base no reconhecimento fotográfico feito pelas vítimas na fase policial, não corroborado por outros elementos probatórios, em desacordo com o art. 226 do CPP. Requer seja deferida liminar a fim de suspender os efeitos da condenação do paciente até o julgamento definitivo do presente mandamus. No mérito, pleiteia a absolvição do paciente. Subsidiariamente, pugna pela redução da pena imposta, tendo em vista a ausência de fundamentação idônea no tocante aos maus antecedentes e à reincidência. É o relatório. Decido. Evidenciando-se que a medida de urgência confunde-se com o próprio mérito do presente habeas corpus, impõe-se reservar ao órgão competente a análise minuciosa das razões que embasam a pretensão, depois de devidamente instruídos os autos. Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar. Solicitem-se informações à autoridade coatora, que deverão ser prestadas preferencialmente por malote digital e com senha de acesso para consulta ao processo. Dê-se vista ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se. (STJ – HC: 488495 SC 2019/0004503-3, Relatora: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 15/01/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2019).
O reconhecimento fotográfico só pode ser considerado um mero indício e
não uma prova direta. Assim, não pode ser utilizado sozinho para embasar uma
eventual condenação. Para a lição de Eugênio Pacelli Oliveira:
O reconhecimento fotográfico não poderá, jamais, ter o mesmo valor probatório do reconhecimento de pessoa, tendo em vista as dificuldades notórias de correspondência entre uma (fotografia) e outra (pessoa), devendo ser utilizado este procedimento somente em casos excepcionais, quando puder servir como elemento de confirmação das demais provas (OLIVEIRA, 2020, p. 547).
Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, entende que, se a identificação
de pessoas por meio fotográfico for imprescindível, é necessário que o julgador
siga o disposto nos incisos I, II e IV, do art. 226, do Código de Processo Penal.
Porém, não deverá ser uma forma absoluta de reconhecimento (NUCCI, 2020,
p. 835).
Já, Aury Lopes Jr. ensina que o reconhecimento fotográfico “somente
pode ser utilizado como ato preparatório do reconhecimento pessoal, nos termos
do art. 226, inciso I, do Código de Processo Penal, nunca como um substitutivo
àquele ou como uma prova inominada” (LOPES JR, 2020, p. 614).
26
Em suma, o reconhecimento por fotografia é um meio de prova atípico, já
que não apresenta previsão legal. Por isso, deve seguir o procedimento de prova
análogo, qual seja, o reconhecimento presencial.
2.2.4 Sujeitos do reconhecimento
Tendo em vista a complexidade do processo de reconhecimento de
pessoas, faz-se necessário discorrer sobre os principais sujeitos do ato: o
passivo, o ativo e o comparativo.
2.2.4.1 Sujeito Passivo
No lugar passivo do procedimento, ou seja, nas circunstâncias de
reconhecido em regra, encontrar-se-á o indivíduo suspeito de ser o autor do
crime. Porém, como já explicado anteriormente, também é viável o
reconhecimento da vítima, bem como das testemunhas.
2.2.4.2 Sujeito Ativo
O reconhecedor é o sujeito ativo do reconhecimento, isto é, a pessoa que
vai reconhecer ou não outra pessoa.
O sujeito ativo do reconhecimento pode ser qualquer pessoa, tendo em
vista que o Código de Processo Penal não faz nenhuma restrição expressa.
Assim, o reconhecedor pode ser a vítima, a testemunha, o corréu ou se houver,
a parte civil.
2.2.4.3 Sujeito de Comparação
Conforme já demonstrado antes, o ato do reconhecimento necessita de
pelo menos dois sujeitos de comparação, bem como do acusado.
O sujeito de comparação é aquele escolhido pelo magistrado para
participar do procedimento do reconhecimento ao lado do acusado, ou seja, no
polo passivo. Porém, não se trata, obviamente, do acusado. Mas sim, alguém
que com ele possua características semelhantes, conforme disposto no artigo
226, inciso II, do Código de Processo Penal.
27
2.2.5 Resultado do reconhecimento
Do ato do reconhecimento, existem somente dois resultados: o resultado
negativo e o resultado positivo.
O resultado negativo ocorre quando o reconhecedor esclarece que dentre
as pessoas a serem reconhecidas, nenhuma delas equivale a pessoa dos fatos.
Bem como, quando existir dúvida do reconhecedor. Assim, não poderá ser
utilizado como meio de prova desfavorável ao réu.
O resultado positivo ocorre quando o reconhecedor aponta com certeza o
acusado como sendo a pessoa dos fatos. Assim, é necessário que o
reconhecimento seja feito com o máximo de clareza, tendo em vista que qualquer
dúvida gerará o resultado negativo.
Faz-se mister ressaltar que, mesmo a partir de um resultado positivo, se
ele for desacompanhado de outros meios de prova, deverão ser adotadas outras
cautelas para que a decisão não seja baseada somente no reconhecimento, visto
que é falho.
28
3 O RECONHECIMENTO DE PESSOAS E SEU PROCEDIMENTO SOB A
ÓTICA DAS FALSAS MEMÓRIAS
Tendo em vista a complexidade do tema discutido no presente trabalho,
faz-se necessária uma análise acerca da interdisciplinaridade entre o processo
de reconhecimento e a memória humana em seu viés psicológico e biológico,
para que assim seja possível obter um resultado mais eficiente dos fenômenos
que envolvem a prova testemunhal.
O cérebro humano, devido à diversas interferências, como por exemplo,
a influência do tempo e do estado psicológico, pode modificar ou até mesmo criar
fatos da realidade. Por isso, a prova testemunhal, possui uma enorme
fragilidade, tendo em vista que, por muitas vezes, ela é baseada em uma
retrospectiva ao fato através da memória.
Por isso, considerando que, no sistema processual penal brasileiro,
erroneamente, muitas sentenças são proferidas alicerçadas somente na prova
testemunhal, entende-se ser imprescindível a abordagem do assunto pelo
contexto interdisciplinar. Nesse sentido, versa Cristina di Gesu:
No processo penal, através da atividade recognitiva, faz-se uma retrospectiva do passado. E esta retrospectiva é impulsionada pelas partes – em observância ao sistema acusatório – através da prova, a qual busca reconstruir, no presente, o delito ocorrido no passado. Diante da ausência, na maioria dos casos, de provas técnicas, julga-se com fundamento naquilo que foi dito pelas vítimas e testemunhas, as quais se valem da memória. Daí a imprescindibilidade do estudo desta, sob diferentes perspectivas (GESU, 2014, p.81).
Não se pode fixar o processo penal em busca da utopia da verdade real,
tendo em vista que entre a realidade das experiências e a criação da memória
pode haver uma transformação da realidade, o que explica ainda mais o
problema de se usar somente a prova testemunhal como fundamento para uma
decisão.
Antes de ser tratar, notadamente, acerca da questão das falsas memórias,
cumpre destacar breves considerações sobre o funcionamento da memória.
3. 1 Do estudo da memória
29
Por uma definição simples, a memória é a capacidade que o cérebro
humano possui de armazenar informações e impressões obtidas durante a vida.
O comportamento e a comunicabilidade do homem está intimamente ao que é
descoberto e guardado na memória.
Iván Isquierdo ressalta que a lembrança pode não ser igual a realidade:
A memória do perfume da rosa não nos traz a rosa; a dos cabelos da primeira namorada não a traz de volta, a da voz do amigo falecido não nos recupera o amigo[...] cérebro converte a realidade em códigos e as evoca por meios de códigos (IZQUIERDO, 2006, p.17).
A memória está articulada à inúmeros processos misturados, mediante os
quais as informações são codificadas em vários fragmentos e distribuídas para
o cérebro. Esses processos podem ser falhos, uma vez que vários fatores podem
atrapalhar a aquisição e a retenção das informações.
3.2 Tipos de memórias
Baseado nos estudos de Alan Baddeley, Michael Anderson e Michael
Eysenck, será tratado acerca da memória de trabalho, da memória de curta
duração e por fim, sobre a memória de longa duração (BADDELEY;
ANDERSON; EYSENCK, 2011, p.100).
3.2.1. Memória de trabalho ou memória funcional
Embora muitos estudiosos não considerem essa classificação
exatamente como um tipo de memória, mas como uma espécie de sistema
gerenciador, a memória de trabalho tem a função de preservar as informações
necessárias para a execução de atividades específicas.
A ideia da memória funcional se baseia na existência de um sistema capaz
de manipular temporariamente a informação, com a finalidade de apurar a
utilidade ou prejudicialidade da informação. Em resumo, trata-se de uma
lembrança transitória que precisa o contexto dos acontecimentos.
3.2.2 Memória de curta duração
30
A memória de curta duração possui capacidade limitada quando
comparada à memória consolidada, ela corresponde à uma recordação
momentânea. De acordo com Cristina di Gesu, a memória de curta duração:
Trata-se de lembrança breve e fugaz, a qual serve basicamente para gerenciar a realidade e determinar o contexto onde ocorrem os fatos e as informações. Diferencia-se das demais por não deixar traços e não produzir arquivos (GESU, 2014, p.90).
Michael Eysenck e Mark Keane (2017, p. 212) demonstram em seu
manual de psicologia cognitiva, que existem duas explicações sobre como a
memória de curta duração é perdida: A primeira é que a informação pode
desaparecer com o passar do tempo na ausência de recitação. A segunda
defende que pode haver interferência. Essa interferência pode surgir a partir de
itens em recitações prévias e/ou de informações demonstradas durante o tempo
de retenção.
3.2.3 Memória de longa duração ou memória consolidada
A memória de longa duração diz respeito à capacidade do cérebro
humano de reter informações por um período extenso de tempo. A memória
consolidada é uma espécie de memória implícita que pode perdurar ao longo de
toda a vida do indivíduo. Segundo Iván Izquierdo (2006, p.15), “as memórias de
longa duração não ficam estabelecidas em sua forma estável ou permanente
imediatamente depois de sua aquisição”. Por isso, a consolidação das
informações se caracteriza como o meio de fixação dos conhecimentos
adquiridos. Em síntese, a memória de curta duração, explicada anteriormente,
perdura pelo tempo preciso para sua consolidação.
A consolidação das memórias de longa duração, devido à interferência de
causas internas e externas, a ciência da neurologia evidencia a chance de
modificação da memória entre o período de aquisição, ou seja, do acontecimento
do fato até o momento da declaração do ocorrido.
3.3 Das falsas memórias
31
Os primeiros estudos sobre as falsas memórias surgiram no início do
século XX. No entanto, o psicólogo francês Theodule Ribot, em 1881, foi o
primeiro a utilizar a terminologia “falsas lembranças”9 (GESU, 2014, p. 140).
Somente nos anos 70, a psicóloga americana Elizabeth Loftus introduziu
uma nova técnica de estudos sobre as falsas memórias. Seu estudo ficou
conhecido como “Procedimento de Sugestão de Falsa Informação ou Sugestão”,
e consistia na tese que: se for inserida uma informação inverídica no contexto de
uma situação vivenciada ou não, esse dado falso provocará o efeito da falsa
informação e assim, o indivíduo passa a acreditar ter realmente vivenciado o
fato. O estudo de Elizabeth constatou a problemática vivenciada hoje e, por isso,
ela ainda é considerada uma das maiores profissionais no assunto (GESU, 2014,
p.145).
Já em 2001, Lílian Stein e Giovanni Pergher, em seus estudos,
defenderam que as falsas memórias também podem ser criadas a partir de uma
autossugestão: “as falsas memórias são geradas espontaneamente, como
resultado do processo normal de compreensão, ou seja, fruto de processos de
distorções mnemônicas endógenas” (STEIN; PERGHER, 2001, p.354).
Em conformidade com os estudos, leciona Cristina Di Gesu:
As falsas memórias não giram apenas em torno de um processo inconsciente ou involuntário de “inflação da imaginação” sobre um determinado evento. Há tanto a possibilidade de as pessoas expostas à desinformação alterarem a memória de maneira previsível ou espetacular, de forma dirigida, quanto espontaneamente, ou seja, sem que haja sugestionabilidade externa (GESU, 2014, p.149).
Assim, entende-se que as falhas que ocorrem em relação à aquisição,
retenção e à recuperação da memória estão intimamente ligadas às falsas
memórias que se formam através da instigação de outras pessoas, ou até
mesmo pela autossugestão do citada anteriormente. Entretanto, faz-se mister
ressaltar que a partir de estudos coordenados por Loftus, concluiu-se que as
pessoas que viveram experiências traumáticas são mais suscetíveis ao
fenômeno das falsas memórias.
Também é válido ressaltar que as falsas memórias não se confundem
com a mentira, pois o indivíduo realmente acredita ter vivido a dita experiência,
9 Foi a partir do estudo de um caso, em Paris, a respeito de um homem chamado Louis, de 34 anos, que passou a ter recordações de fatos nunca ocorridos.
32
por essa razão, a identificação delas se torna tão difícil. Com impecabilidade,
versa Lopes Jr:
As falsas memórias diferenciam-se da mentira, essencialmente, porque, nas primeiras, o agente crê honestamente no que está relatando, pois, a sugestão é externa (ou interna, mas inconsciente), chegando a sofrer com isso. Já a mentira é um ato consciente, em que a pessoa tem noção do seu espaço de criação e manipulação. Ambos são perigosos para a credibilidade da prova testemunhal, mas as falsas memórias são mais graves, pois a testemunha ou a vítima, desliza no imaginário sem consciência disso. Daí por que é mais difícil identificar uma falsa memória do que uma mentira, ainda que ambas sejam extremamente prejudiciais ao processo (LOPES JR, 2020, p.732).
3.3.1 Da Teoria do Traço Difuso
Com o objetivo de esclarecer o fenômeno das falsas memórias, surge na
década de 1990, a Teoria do Traço Difuso, que pôs em desuso, duas teorias
anteriormente defendidas: a teoria do monitoramento da fonte e a teoria do
paradigma construtivista.
A Teoria do Monitoramento da fonte defende a necessidade de separação
da fonte verdadeira da memória das demais, por meio de monitoramento do que
foi realmente vivenciado. Já a Teoria do Paradigma construtivista versa, em
síntese, que a memória é embasada por meio das interpretações que o indivíduo
faz acerca de suas experiências vividas.
Superadas as duas teorias, passa-se a análise da Teoria do Traço Difuso.
Segundo os defensores da teoria do traço difuso, a memória, ao contrário
do que era defendido pelas teorias anteriormente citadas, não se trata de um
sistema unitário, mas sim a partir de sistemas distintos que arquiva de forma
paralela os significados das experiências e seus detalhes específicos: a memória
de essência, que é definida como mais ampla, pois armazena os significados
das experiências e a memória literal, compreendida como aquela que recolhe e
grava os detalhes específicos e superficiais com mais precisão.
De acordo com Lilian Milnitsky Stein e Carmem Beatriz Neufeld:
A memória literal seria lembrarmo-nos da exata posição e local em que se encontra um determinado objeto no interior de um armário. Já a memória da essência seria lembrarmo-nos que guardamos este mesmo objeto em algum dos armários de nossa casa, sem poder precisar o local exato em que ele se encontra (STEIN; NEUFELD, 2001).
A teoria do traço difuso é a que melhor explica o fenômeno das falsas
memórias. De acordo com ela, por conta do conteúdo armazenado pela memória
33
literal possuir maiores chances de ser esquecido e de sofrer interferência de
fatores internos e externos, a ocorrência das falsas memórias se dá no momento
em que a memória literal se torna inacessível, fazendo com que o cérebro
humano recupere a memória essencial tentando recordar a literal ou
recuperando-a de forma errada.
3.4 As falsas memórias e a prova testemunhal
As testemunhas possuem grande importância para a ação penal. Assim,
é preciso reconhecer a importância do estudo do impacto das falsas memórias
na produção da prova testemunhal, tendo em vista que a memória possui um
papel fundamental no apuramento dos fatos. Sobre o assunto, versa Cristina Di
Gesu:
O enforque especial, quando se trata da prova penal e das falsas memórias, é justamente a prova oral. [...] Em que pese a necessidade de a prova no processo criminal ser muito mais robusta do que a do cível, a prova testemunhal, muitas vezes, é a única a embasar não só a acusação, como também a condenação, diante da ausência de outros elementos. Daí a afirmação de Bentham de que “as testemunhas são os olhos e os ouvidos da justiça” (GESU, 2014, p. 127).
Na prática forense, quando o crime não deixa vestígios, mesmo levando-
se em conta o princípio da presunção de inocência, diversas sentenças são
proferidas com base somente na prova oral (depoimento, reconhecimento, etc).
Aury Lopes Jr traça severas críticas acerca dessas decisões que são baseadas
somente na prova testemunhal:
Diariamente milhares de julgamentos são feitos a partir da prova testemunhal, muitos deles com provas maculadas pelas defraudações da memória. Por isso, existe uma alerta mundial em relação a credibilidade dos depoimentos (LOPES JR, 2014).
Apesar da prova testemunhal ser fundamental no processo penal, ela
também é conhecida como a “prostituta das provas”, tendo em vista que pode
ser influenciada por fatores externos e internos, como por exemplo, uma forte
emoção. Nesse seguimento, são preciosas as lições de Aury Lopes Jr expõe:
A prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado no processo penal brasileiro (especialmente na criminalidade clássica) e, ao mesmo tempo, o mais perigoso, manipulável e pouco confiável. Esse grave paradoxo agudiza a crise de confiança existente em torno do processo penal e do próprio ritual judiciário (LOPES JR, 2014).
34
A falibilidade da prova testemunhal decorre de que a mesma pode ser
repleta de erros e alterada por atos voluntários, como por exemplo, a mentira, e
atos involuntários (falsa memória). Sobre essa fragilidade decorrente dos erros
da produção de tal prova, Agathe Elsa Schmidt da Silva esclarece com maestria:
A inverdade de um depoimento pode provir: a) da vontade consciente da testemunha em mentir; b) da afirmação sobre fatos controvertidos sobre os quais não tem certeza, quando então pode mentir ou não; c) da desarmonia entre a realidade e o que a testemunha depõe, certa de que diz a verdade. As ilusões de percepção conduzem a erros involuntários, inconscientes, oriundos da falta de correspondência entre a sensação e a imagem (SILVA, 1997, p.52).
Nota-se que a realidade de um delito pode ser percebida e transmitida de
maneiras diversas. Decorre daí, a imprescindibilidade de uma apuração diligente
sobre a prova testemunhal.
3.5 As falsas memórias e o risco eminente de contaminação do procedimento de
reconhecimento de pessoas
O reconhecimento de pessoas trata-se do ato em que a
vítima/testemunha deve identificar ou não o acusado como o autor do fato, com
base na memória que possui sobre os fatos.
Contudo, é cediço que a memória está sujeita a falhas e que a falsificação
da memória resulta em relevantes injustiças quando se trata do reconhecimento
de pessoas pois, como explicitado, a mente humana não é capaz de gravar
acontecimentos na mente da mesma forma em que se grava fotografias em um
hd de computador. Em seu estudo, defende igualmente Antônio Damásio que:
As imagens não são armazenadas sob a forma de fotografias fac-similares de coisas, de acontecimentos, de palavras ou de frases. O cérebro não arquiva fotografias Polaroid de pessoas, objetos, paisagens; nem armazena fitas magnéticas com música e fala; não armazena filmes de cenas de nossa vida; nem retém cartões com ‘deixas’ ou mensagens de teleprompter do tipo daquelas que ajudam os políticos a ganhar a vida. [...]. Todos possuímos provas concretas de que sempre que recordamos um dado objeto, um rosto ou uma cena, não obtemos uma reprodução exata, mas antes uma interpretação, uma nova versão reconstruída do original. Mais ainda, à medida que a idade e experiência se modificam, as versões da mesma coisa evoluem. [...]. Essas imagens evocadas tendem a ser retidas na consciência apenas de forma passageira e, embora possam parecer boas réplicas, são frequentemente imprecisas ou incompletas (DAMÁSIO, 2001, p.105).
35
Como já foi dito e corroborado anteriormente no segundo capítulo por
Guilherme de Souza Nucci, o reconhecimento não deve ser utilizado como a
única prova capaz de embasar uma sentença penal condenatória. Além disso,
devem-se ser observadas algumas condições para que o procedimento possa
ser válido. Nesse sentido, Aury Lopes Jr:
Deve-se considerar a existência de diversas variáveis que modulam a qualidade da identificação, tais como o tempo de exposição da vítima ao crime e de contato com o agressor; a gravidade do fato (a questão da memória está intimamente relacionada com a emoção experimentada); o intervalo de tempo entre o contato e a realização do reconhecimento; as condições ambientais (visibilidade, aspectos geográficos, etc.); as características físicas do agressor (mais ou menos marcantes); as condições psíquicas da vítima (memória, estresse, nervosismo, etc.); a natureza do delito (com ou sem violência física; grau de violência psicológica, etc.), enfim, todo um feixe de fatores que não podem ser desconsiderados (LOPES JR, 2020, p. 500).
Tendo em vista essas condições, passaremos à análise de alguns tópicos: a) Interferência das emoções na memória:
Após décadas de estudos conclui-se que o maior regulador da aquisição
e formação das memórias é a emoção. De acordo com Iván Izquierdo:
A memória humana é armazenada de acordo com o desenvolvimento das células nervosas: quanto mais calma ou quando melhor o ânimo da pessoa, maior capacidade de armazenamento sua memória terá. Ao contrário, quanto maior a alteração psicológica, menor a capacidade de retenção (IZQUIERDO, 2006, p.12)
A partir da análise de Iván Izquierdo, entende-se que as emoções
vivenciadas por uma pessoa podem suprimir ou reforçar as chamadas
“memórias reais”, pois, o cérebro humano é capaz apagar, mesmo que
involuntariamente, memórias de momentos ruins e criar falsas memórias para
substituir as reais. Vale dizer, a questão da memória está intimamente
relacionada com a emoção experimentada.
As situações que geram experiências traumáticas contribuem para o
esquecimento das lembranças. Sobre o tema, elucida o psicólogo Daniel Wright:
Pessoas que foram traumatizadas também tendem a pontuar alto em testes de lapsos na memória. Suas experiências traumáticas podem contribuir para seus esquecimentos, mas seus esquecimentos podem colocá-los abertos às distorções da memória – assim verdadeiro e falso se tornam mais difíceis de distinguir” (WRIGHT, 2006, apud DI GESU,
2014, p. 160).
36
É cediço na psicologia que um acontecimento que cause estresse,
confunde a memória humana e a torna confusa. A gravidade do fato faz com que
as testemunhas envolvidas não consigam recordar descrições claras da mesma
forma que as pessoas que são simples espectadoras.
Dessa maneira, entende-se que a evocação da memória também é
dependente do estado de humor da pessoa.
Quando se fala em influência das emoções na memória, é importante
destacar o fenômeno da focagem na arma. O fenômeno do foco na arma foi
comprovado a partir de vários estudos que demonstraram que durante um fato
delituoso, a testemunha volta toda a sua atenção para a arma utilizada pelo autor
do delito (pistola, faca, seringa, etc), deixando, assim, de memorizar elementos
importantes para a resolução do crime, como por exemplo, as características
físicas do criminoso. Sobre o assunto versa Aury Lopes Jr:
A presença de arma distrai a atenção do sujeito de outros detalhes físicos importantes do autor do delito, reduzindo a capacidade de reconhecimento. O chamado efeito do foco na arma é decisivo para que a vítima não se fixe nas feições do agressor, pois o fio condutor da relação de poder que ali se estabelece é a arma. Assim, tal variável deve ser considerada altamente prejudicial para um reconhecimento positivo, especialmente nos crimes de roubo, extorsão e outros delitos em que o contato agressor-vítima seja mediado pelo uso de arma de fogo (LOPES JR, 2020, p.776).
Por conta disso, para a confiabilidade do reconhecimento, se faz
extremamente necessário observar o estado psicológico da testemunha no
momento dos fatos.
b) Influência do tempo na memória
O processo penal brasileiro deve respeitar os princípios constitucionais.
Um princípio importantíssimo sobre a relação do tempo com a memória é o da
duração razoável do processo, que é garantido pela Constituição Federal em seu
artigo 5º, inciso LXXVIII e versa que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo,
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação”.
A primeira conexão do tempo com a prova no processo penal é quando
se fala em uma duração razoável do processo, e é preciso explicar que, em
37
relação a produção da prova, maior será a sua confiabilidade se realizada no
prazo razoável.
Agora, no que se refere à análise da influência do tempo na memória,
estudos indicam que os dois estão intimamente ligados, tendo em vista que o
transcurso de um período pode modificar as lembranças. Cristina Di Gesu traça
uma excelente explicação sobre o esquecimento de detalhes durante o
transcorrer do tempo:
Com efeito, o transcurso do tempo é fundamental para o esquecimento, pois além de os detalhes dos acontecimentos desvanecerem-se no tempo, a forma de retenção da memória é bastante complexa, não permitindo que se busque em uma “gaveta” do cérebro a recordação tal e qual ela foi apreendida. E, a cada evocação da lembrança, esta acaba sendo modificada (DI GESU, ANO, p. 200).
As falsas memórias podem surgir durante o processo de tentativa de
recuperação de detalhes que já foram esquecidos por conta do decorrer do
tempo ou por conta de sugestionabilidade externa a uma falsa informação. Sobre
isso, versa a grande estudiosa do assunto Elizabeth Loftus:
As falsas recordações são construídas combinando-se recordações verdadeiras com o conteúdo das sugestões recebidas de outros. Durante o processo, os indivíduos podem esquecer a fonte da informação. Este é um exemplo clássico de confusão sobre a origem da informação na qual o conteúdo e a proveniência da informação estão dissociados (LOFTUS, 2006, p. 93).
Também sobre o esquecimento em função do decorrer do tempo, Ruth
Gauer elucida que:
Os acontecimentos desvanecem-se, perdem-se, pois já não há idéias em luta com os fatos. Aparece então a negação do fato real. Os acontecimentos não são apreendidos, uma vez que as imagens não se fixam, escapam pela fluidez da velocidade (GAUER, 1999, p.26, apud, DI GESU, 2014, p. 171).
Dessa forma, entende-se que o tempo provoca o esquecimento de
informações e detalhes da memória humana. Por isso, será defendido no
decorrer do presente trabalho, que o reconhecimento seja realizado com a maior
brevidade possível, como uma forma de redução dos danos causados pelo
tempo na formação das falsas recordações.
c) Alteração física das características da pessoa a ser reconhecida
38
Além da problemática a respeito do esquecimento dos detalhes com o
decorrer do tempo, outra consequência também pode originar-se do transcurso
do tempo: a alteração das características físicas do acusado.
Falando somente sobre características físicas, o ser humano passa por
diversas mudanças, no ponto de vista biológico, ao longo de seu
desenvolvimento que se inicia na concepção e acaba com a morte. Vale dizer, o
tempo altera a aparência das pessoas.
Dessa forma, é importante realizar o reconhecimento o mais rápido
possível, tendo em vista que, por exemplo, no momento do crime a testemunha
viu como criminoso uma pessoa gorda, branca e careca. Acontece que, se
decorrer um longo período de tempo até a produção de prova por meio do
reconhecimento, a pessoa a ser reconhecida pode estar magra, bronzeada e
com o cabelo maior. Alterando assim o valor probatório do procedimento do
reconhecimento.
3.6 O reconhecimento de pessoas x o princípio do nemo tenetur se detegere
O princípio do nemo tenetur se detegere significa, em resumo, que o
indivíduo acusado de ter cometido um crime não tem obrigação de produzir
provas que o prejudiquem ao longo do processo.
Embora se trate de entendimento minoritário, com respeito à doutrina
majoritária, entende-se que o reconhecimento somente deve ser autorizado
quando houver a anuência do réu, não podendo esse ser compelido à realização
do ato, pois o mesmo não pode ser um objeto de prova do processo penal. Não
se pode olvidar que o Processo Penal brasileiro é regido pelo sistema acusatório
e o acusado é um sujeito de direitos, protegido, inclusive, pelo princípio da não
autoincriminação.
O vício da prova também pode ocorrer quando o acusado se nega a
participar do ato e a autoridade competente se vale do reconhecimento
fotográfico.
Nesse interim, Aury Lopes Jr expõe uma significativa crítica a respeito da
violação ao direito de não produzir provas contra si mesmo quando o acusado
não aceita participar do ato de reconhecimento:
39
A questão resolve-se pela observância de uma das principais regras probatórias de nosso sistema: respeitar o direito de silêncio e o de não produzir prova contra si mesmo, que assistem ao réu. Ele pode negar-se a participar, no todo ou em parte, do ato, sem que dessa recusa se presuma ou extraia qualquer consequência que lhe seja prejudicial (nemo tenetur se detegere) (LOPES JR, 2020, p. 774).
3.7 A necessidade de reformulação da abordagem dada ao reconhecimento de
pessoas na persecução penal brasileira
Foi exposto no presente capítulo a respeito da problemática que envolve
o reconhecimento de pessoas em relação às falsas memórias. No entanto, além
disso, existe também um problema relacionado à parte legal e procedimental do
ato.
Durante a persecução criminal, infelizmente, é recorrente a prática do
chamado “reconhecimento informal”, que acontece quando a autoridade
competente realiza o ato sem o cumprimento integral das regras procedimentais
previstas na legislação vigente no país. Assim, o regramento legal acaba sendo
relativizado dando lugar a informalidade. Com relação à essa informalidade,
versa Aury Lopes Jr:
Essa “simplificação” arbitrária constitui um desprezo à formalidade do ato probatório, atropelando as regras do devido processo e, principalmente, violando o direito de não fazer prova contra si mesmo. Por mais que os tribunais brasileiros façam vista grossa para esse abuso, argumentando às vezes em nome do “livre convencimento do julgador”, a prática é ilegal e absurda (LOPES JR, 2014).
O que se pretende nesse tópico é apresentar possíveis métodos de
redução dos danos causados pelas falsas memórias e pela informalidade no
procedimento do reconhecimento de pessoas.
3.7.1 O reconhecimento de pessoas como meio de prova irrepetível
Conforme foi explicado no capítulo 2, o reconhecimento de pessoas pode
ser realizado tanto na fase de investigação, quanto na fase de instrução. Em
regra, esse procedimento é realizado nas duas fases. Quando realizado na fase
investigatória, o procedimento acaba por não respeitar o princípio do
contraditório, impedindo, assim, que o mesmo venha a valer como meio de
prova.
40
Tendo em vista o respeito ao contraditório, segundo o Código de Processo
Penal, toda prova produzida na fase de investigação deve ser repetida na fase
de instrução10, com exceção das provas antecipadas, cautelares e irrepetíveis.
O reconhecimento de pessoas é um ato irrepetível, tendo em vista que o
mesmo não pode ser reproduzido em iguais condições e o primeiro compromete
o segundo. Por isso, a necessidade de que o reconhecimento seja realizado
somente uma vez durante a persecução penal.
Uma proposta para redução dos danos gerados pela repetição do ato do
reconhecimento é: quando for necessária a realização do reconhecimento de
pessoas na fase investigatória, que seja respeitado o que a lei versa a respeito
das provas antecipadas e irrepetíveis.
Dessa forma, deverá o delegado de polícia requisitar ao magistrado, que
se entender pertinente, deferirá a produção da prova e convocará as partes para
a data de sua realização. Respeitado o contraditório, pode o reconhecimento ser
utilizado, nessa hipótese, como meio de prova a embasar a sentença proferida
ao final da instrução.
3.7.2 Da necessidade de o reconhecimento ser realizado com a maior
brevidade possível
Tendo em vista o exposto no item 3.5 deste capítulo, o fator temporal
possui grande influência em relação ao resultado do reconhecimento, uma vez
que, com o passar do tempo, os detalhes do delito e do criminoso são
esquecidos pela testemunha, e pode haver modificação das características
físicas do transgressor, prejudicando, assim, o sucesso do resultado do ato.
Assim, baseando-se na garantia constitucional da razoável duração do
processo, entende-se ser fundamental que o reconhecimento seja realizado de
imediato, mesmo que em sede de investigação. Obviamente, respeitando todos
os trâmites necessários para a produção de provas cautelares, consoante o item
anterior.
10 Art. 155, do CPP: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
41
Por isso, uma medida importante para redução dos danos causados pelo
transcurso do tempo na produção da referida prova, é a utilização, ainda que de
forma análoga, do previsto no artigo 22511, do Código de Processo Penal, que
trata sobre a produção antecipada da prova testemunhal, tornando, dessa forma,
o reconhecimento como um dos primeiros procedimentos da fase investigatória.
3.7.3 Da ordem para a realização do reconhecimento em sede judicial
A persecução criminal deve seguir o rito procedimental da instrução
previsto na legislação brasileira. Sobre a ordem dos atos, versa o artigo 400, do
código de processo penal que:
Art. 400: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
A problemática consiste no fato de que o referido artigo vem recebendo a
interpretação de que o reconhecimento deva ser o penúltimo ato da audiência
de instrução e julgamento. Acontece que, se o procedimento for realizado nessa
ordem, existe um enorme risco de que o reconhecimento perca sua credibilidade,
tendo em vista que a testemunha o fará depois de ter visto o acusado na sala de
audiência, criando assim uma enorme sugestionabilidade.
A melhor forma de evitar os vícios do reconhecimento de pessoas
decorrente da ordem dos atos, é que o mesmo seja realizado como o primeiro
feito da audiência de instrução e julgamento. Corrobora nesse sentido Denilson
Feitoza:
No caso concreto, para que o reconhecimento, especialmente de pessoa, tenha validade ou seja crível, do ponto de vista cognitivo (ainda que, não o fazendo, tenha validade formal), talvez tenha que ser praticado no início da audiência, antes de outros atos [...] Não nos é possível acreditar na seriedade do reconhecimento de um acusado quando o juiz pergunta ao ofendido, na audiência, se aquela (única pessoa (em trajes informais) ao lado do defensor (vestido de terno) ou, pior, aquele homem sentado em uma cadeira separado de todo mundo, bem próximo do ofendido, é o que praticou a suposta infração penal.
11 Art. 225, do Código de Processo Penal: Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.
42
Ou dirá que é, por não ter opção (é a única pessoa com perfil de acusado), ou dirá que não é por medo. O certo é que, normalmente, não poderemos confiar nesse procedimento. A eficiência jurídica é apenas economicidade (administração), com economia de recursos humanos, materiais, financeiros e temporais, mas também efetividade (qualidade do produto ou serviço resultante). Para o juiz não perder tempo, perdemos nosso tempo e a credibilidade da prova (FEITOZA, 2010, p. 506 e 507).
3.7.4 Do efeito compromisso gerado pelo reconhecimento por fotografia
O código de processo penal não estipula como deve ser realizado o
reconhecimento de pessoas por fotografia. Ou seja, se trata de um meio de prova
atípico.
O enorme problema envolvendo o reconhecimento de pessoas por
fotografia é que ele não segue, mesmo que de forma análoga, o que foi
determinado pelo legislador em relação ao reconhecimento presencial de
pessoas. Dessa forma, cria-se uma enorme falibilidade do ato como meio de
prova, tendo em vista que, em geral, durante os atos investigatórios e antes do
reconhecimento presencial, a testemunha tem acesso a uma espécie de álbum
de fotografias com o objetivo de obter uma pré-identificação do criminoso. Ou
seja, essa ação gera o chamado “efeito compromisso”.
O efeito compromisso foi estudado primeiramente por Gorenstein e
Ellsworth, e é definido como uma percepção precedente que ocorre quando a
testemunha identifica alguém por meio de fotografia como sendo o autor do fato
e posteriormente mantém a afirmação durante o reconhecimento presencial
mesmo que não tenha certeza. Para Aury Lopes Jr:
Não há dúvida de que o reconhecimento por fotografia (ou mesmo quando a mídia notícia os famosos ‘retratos falados’ do suspeito) contamina e compromete a memória, de modo que essa ocorrência passada acaba por comprometer o futuro (o reconhecimento pessoal), havendo uma indução em erro. Existe a formação de uma imagem mental da fotografia, que culmina por comprometer o futuro reconhecimento pessoal. Trata-se de uma experiência visual comprometedora (LOPES JR, 2014).
Dessa forma, por ser um meio de prova atípico, o reconhecimento por
fotografia deveria seguir de forma análoga o reconhecimento presencial, além
de somente ser utilizado de forma excepcional tendo o seu valor probatório
mitigado, tendo em vista sua vulnerabilidade.
3.7.5 Do reconhecimento sequencial de pessoas
43
São duas as formas de reconhecimento pessoal e presencial: o
simultâneo e o sequencial. O reconhecimento simultâneo é o que vem sendo
adotado no Brasil pelo Código de Processo Penal e consiste no ato de colocar
todos os indivíduos lado a lado ao mesmo tempo.
Resta comprovado pela psicologia jurídica a enorme falibilidade do
reconhecimento simultâneo12, tendo em vista o alto nível de sugestionabilidade.
Já o reconhecimento sequencial é aquele em que cada indivíduo é
demonstrado sozinho para a testemunha, tendo a mesma, que apontar se aquele
é o autor do fato antes de visualizar o próximo. Esse método reduz o dano da
memória no reconhecimento, uma vez que diminui o nível de indução, ao
contrário do que acontece no reconhecimento simultâneo. Segundo Anna
Virgínia Willians (2003, p. 41), no reconhecimento sequencial “a testemunha faz
um julgamento absoluto, comparando cada membro do reconhecimento com a
sua própria memória do culpado”. Ou seja, existe a comparação do indivíduo
mostrado com a memória do autor do crime.
Outra recomendação para diminuir a chance de erros no ato do
reconhecimento, é realizar primeiramente o procedimento somente com
distratores, informando a testemunha que o autor dos fatos pode estar ou não
presente. Sobre esse método de verificação da confiabilidade da testemunha,
versa Anna Virgínia Willians:
Apresentar, primeiramente, um reconhecimento, somente com a presença de suspeitos distratores, contudo, não é dito a ela que será apresentado mais um grupo de suspeitos. Caso a testemunha faça alguma identificação nesse reconhecimento, então ela pode ser descartada, e caso a testemunha não faça nenhuma identificação no primeiro reconhecimento, então pode ser dada continuidade ao procedimento, apresentando o segundo reconhecimento com a presença do suspeito alvo. Dados indicam que testemunhas que não
12 Conforme Igor Martim de Albuquerque: “Experimento do psicólogo estadunidense Gary L. Wells: o experimento consistiu na encenação de um crime, no qual as testemunhas foram convidadas a realizar o ato de reconhecimento. Foram separadas duas linhas simultâneas com fotografias dos suspeitos. Em uma das linhas o autor estava presente, enquanto na outra não. Independentemente da linha apresentada à testemunha, era realizado um alerta no sentido de que o suspeito poderia ou não estar presente naquela linha simultânea. O resultado apontou que nas linhas onde o agressor estava presente, 54% das testemunhas o elegeram como responsável pelo ato, enquanto 21% não conseguiram realizar o reconhecimento. Em contrapartida, nas linhas em que o ofensor não estava presente, 68% das testemunhas apontaram uma fotografia onde a pessoa possuía traços semelhantes ao ofensor, atribuindo, de forma errônea, a culpa a um inocente. O experimento revela que o modelo simultâneo pode vir a ser falho, caso o autor do fato não esteja presente entre os suspeitos.
44
fazem identificações no primeiro reconhecimento são muito mais confiáveis (WILLIANS, 2003, p.42).
Dessa forma, entende-se ser imprescindível, como método para diminuir
a falibilidade do processo de reconhecimento de pessoas, independentemente
de ser o reconhecimento simultâneo ou sequencial, que a autoridade
competente informe que não necessariamente o autor dos fatos estará presente.
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou demonstrar a necessidade de controle sobre
os procedimentos de identificação de pessoas realizados no âmbito de uma
persecução criminal, em razão do risco que permeia a produção deste meio
probatório, já que seu procedimento não é seguido integralmente. Justamente
porque essa prova depende de algo muito frágil e impreciso, que é a memória
humana.
É cediço que a persecução penal tem por finalidade demonstrar ao juiz
elementos aptos a evidenciar o acontecimento ou não do fato delitivo. Por isso,
passou-se a acreditar no mito de que os fatos poderiam ser reproduzidos
exatamente da mesma forma em que aconteceram anteriormente. A busca pela
verdade real dos fatos deu início à um procedimento inquisitorial de investigação.
Um outro problema relacionado ao instituto do reconhecimento de
pessoas é a banalização do procedimento previsto na legislação e a não adoção
da prescrição legal, bem como o entendimento jurisprudencial de que o não
cumprimento das previsões legais do artigo 226, do Código de Processo Penal
não enseja nulidade, já que é visto apenas como norma de recomendação.
Ora, entende-se ser necessária a obediência à forma, não se admitindo
espaço para procedimentos informais criados casuisticamente pelo julgador.
Assim, é imperioso aumentar o detalhamento dessas normas e os tribunais
precisam tratá-las de maneira rigorosa e uniforme, não como mera
recomendação procedimental, afinal, o devido processo legal é uma garantia
fundamental do acusado.
Conforme foi explicado nesse trabalho, a memória possui uma grande
fragilidade, tendo em vista que diversos fatores internos e externos podem
influenciar em seu processo de aquisição, retenção e recuperação, dando
origem assim, às falsas memórias.
Determinados delitos, por conta da sua natureza ou forma de execução,
não deixam vestígios, impossibilitando a obtenção de maior grau de certeza
acerca da autoria delitiva. Por isso, a prova testemunhal acaba sendo o único
meio de prova utilizado para fundamentar uma sentença acusatória.
Tendo em vista que o reconhecimento de pessoas está sujeito aos perigos
de contaminação pelo fenômeno das falsas memórias, o magistrado não deve
46
condenar um réu com base somente no reconhecimento realizado pela
testemunha. Mesmo que o resultado seja positivo, se ele não for acompanhado
por outros elementos probatórios, deverão ser adotadas outras cautelas para
que sentença não seja fundada somente no reconhecimento, uma vez que ele
se baseia principalmente na memória, que é vulnerável e carente de
confiabilidade, conforme foi demonstrado no capítulo 3. Também é importante
ressaltar que o reconhecimento é feito por mera adesão visual da testemunha,
por esta razão, o acusado fica impossibilitado de se insurgir, de forma
fundamentada, contra o resultado alcançado. Portanto, é imprescindível
assegurar a adoção rigorosa do procedimento, pois consubstancia garantia
mínima do acusado.
O procedimento de reconhecimento de pessoas é imperfeito em razão das
inerentes falhas da memória. Por isso, defende-se a ideia de que as regras
postas devem ser no mínimo atendidas e o não atendimento ensejaria nulidade,
em decorrência do prejuízo tácito ao acusado.
Além disso, defende-se nesse artigo que sejam realizadas inovações na
legislação para que essas regras procedimentais sejam ainda mais exaurientes
no que tange ao reconhecimento de pessoas, assim como, a jurisprudência deve
tratá-las de maneira rigorosa e uniforme, não como uma mera recomendação.
Outro meio de redução de danos consiste no tratamento do
reconhecimento como um meio de prova irrepetível e que deve ser realizado com
a maior brevidade possível, seguindo o disposto no Código de Processo Penal
no que tange ao procedimento de produção das provas antecipadas.
Também como uma importante medida de aprimoramento do
procedimento, faz-se necessário que o reconhecimento seja realizado de forma
sequencial, tendo em vista que assim diminui-se o nível de indução que existe
no procedimento simultâneo.
Da mesma maneira, atitudes fáceis como advertir a testemunha de que o
autor do crime pode ou não estar presente, assim como realizar primeiramente
um reconhecimento apenas com indivíduos distratores, podem aumentar a
confiabilidade do ato.
A finalidade do presente trabalho foi introduzir uma reflexão crítica acerca
do valor probatório do reconhecimento de pessoas no ordenamento jurídico
47
brasileiro diante da informalidade com a qual ele é tratado, bem como alertar
quanto aos riscos decorrentes das falsas memórias.
Diante de todo o exposto, se evidencia a importância da defesa do
cumprimento integral da previsão legal desse instrumento, bem como a
necessidade de inovações em seu procedimento, para que seja acrescida sua
confiabilidade como meio de prova no processo penal.
48
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