A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

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SÉRGIO ALBERTO MENEZES BARRETO A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO TURÍSTICO: O CASO DO PRODUTO XINGÓ (CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO–SE.) ILHÉUS – BA 2004

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SÉRGIO ALBERTO MENEZES BARRETO

A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

TURÍSTICO: O CASO DO PRODUTO XINGÓ

(CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO–SE.)

ILHÉUS – BA

2004

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SÉRGIO ALBERTO MENEZES BARRETO

A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

TURÍSTICO: O CASO DO PRODUTO XINGÓ

(CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO–SE)

Dissertação apresentada à Universidade Estadual de Santa Cruz, para obtenção do título de Mestre em Cultura & Turismo, Área De Concentração: Turismo. Orientador: Prof. Dr. José Roberto de Lima Andrade

ILHÉUS–BA

2004

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SÉRGIO ALBERTO MENEZES BARRETO

A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

TURÍSTICO: O CASO DO PRODUTO XINGÓ

(CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO–SE)

BANCA EXAMINADORA

Ilhéus, (BA) 06/08/2004

Profº Dr. José Roberto de Lima Andrade – UFS Orientador

Profª. Drª.Janete Ruiz de Macêdo – UESC

Profº Dr. Ricardo Oliveira Lacerda de Melo – UFS

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AA mmiinnhhaa mmããee,, DDoonnaa LLuuiizzaa,, ppeelloo aammoorr,, zzeelloo ee ddeeddiiccaaççããoo qquuee mmee ffiizzeerraamm,, aanntteess ddee ttuuddoo,, ggeennttee.. PPeelloo eexxeemmpplloo ddee vviiddaa,, lluuttaa,, ggaarrrraa ee fféé qquuee mmee ccoonnvveerrtteerraamm eemm hhoommeemm.. PPoorr ttuuddoo oo qquuee aaiinnddaa aapprreennddoo ccoomm eellaa,, mmeessmmoo sseemm aa ssuuaa pprreesseennççaa.. DDaass hhoorraass aalleeggrreess ee ddiivveerrttiiddaass,, ddooss ddiiaass ddiiffíícceeiiss ee,, pprriinncciippaallmmeennttee,, ddaa cceerrtteezzaa ddee qquuee hhaavveerráá uumm aammaannhhãã ddiiffeerreennttee ee ddiiaass nnoovvooss aa sseerreemm vviivviiddooss.. PPoorr ttuuddoo,, eennffiimm,, qquuee mmee ttrroouuxxee aattéé aaqquuii.. AA mmeeuu ppaaii,, oo ““PPeeddaa””,, qquuee mmeessmmoo ccoomm ppoouuccaass ppaallaavvrraass sseemmpprree mmee eennssiinnoouu mmuuiittoo,, ppeelloo rreessppeeiittoo,, ppeelloo ttrraabbaallhhoo,, ppeelloo ccaarriinnhhoo ee ppeelloo eessffoorrççoo ddee uumm ppaaii qquuee sseemmpprree qquuiiss oo mmeellhhoorr pprraa sseeuuss ffiillhhooss.. AA mmiinnhhaass ffiillhhaass EEmmíílliiaa ee AAmmaannddaa ppoorr mmee ccoonnffiirrmmaarreemm aa eexxiissttêênncciiaa ddoo vveerrddaaddeeiirroo aammoorr ee,, aa mmiinnhhaa eessppoossaa SSoorraayyaa ((aa bbaaiixxiinnhhaa)),, ppeelloo iinncceennttiivvoo ee aappooiioo aa DDeeuuss ppoorr tteerr mmee ccoonncceebbiiddoo eessssaa ggrraaççaa.. DDeeddiiccoo

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AAGGRRAADDEECCIIMMEENNTTOOSS

Agradeço a todos que de alguma forma contribuíram para a realização desse trabalho. A meus irmãos, Beto e Luiz, dentre outras coisas pelo “tempero” musical que me fez mais “brasileirinho”, a minhas cunhadas, cunhado e sobrinhos. A meus primos (Bola-bola, Bão, Magão, Du, Lindinho, Têco, Cesão, Marco, Fábio, André, Diana, Silvana, Silvinha e Virgínia – suas esposas, esposos e filhos), tia Zerinha e tia Carmem, e demais parentes. Aos amigos de longas datas e muitas aventuras, os Pacheco e CIA (Fábio, Marcelo, meu compadre Celso, Rosana e seus respectivos), aos pilantras (Silvan e Sidney) e todos os demais que não poderia enumerar.

A minha turma do mestrado – Renata, Isabel, Juliana, Aracelis, Polliana, Baísa,

Thiana, Reinaldo e Vinicius – pela harmonia e sinergia durante todo o curso (e ao Bahia, que entrou como aluno especial e tornou-se um amigo especial), À CAPES, aos coordenadores, e demais professores, além da secretária e estagiários.

A Roberto, meu orientador e amigo, que soube conduzir de maneira prática e

respeitosa as minhas idéias, deixando eu dar asas a minha imaginação, permitindo com isso a realização desse trabalho de maneira agradável e proveitosa.

Ao Instituto Xingó, na pessoa do Sr. Moisés Aguiar, Diretor Geral, Heloiza, sua

secretária, Helder, André, João, Thiago e Eulina, dentre outros bolsistas, os motoristas, o pessoal da Administração, etc. Pelo acolhimento e hospitalidade, dando-me um suporte técnico indispensável para a realização desse trabalho, bem como oportunidade de crescer – através da praticidade – profissionalmente.

Ao pessoal de Itabuna, que me acolheu durante o período de seleção e os primeiros

meses do curso. Marculino, Manoela, Dona Deca, Dona Núbia, Júnior (o famoso Jegão), Karina e toda a família.

A minhas raízes, do sertão ao sertanejo, uma gente forte e alegre, apesar das

dificuldades, rica em sabedoria e criatividade que me dão orgulho de ser nordestino. Das aventuras de beatos e cangaceiros, da bravura dos vaqueiros, das belezas cantadas por forrozeiros, repentistas, emboladores, etc.

Por fim, só me resta agradecer a Deus por tudo isso.

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RREESSUUMMOO

O turismo vem se constituindo como uma das mais importantes atividades econômicas do mundo, alicerçado sobre um grande número de motivações de viagens, dentre elas, as por motivos ecológicos e culturais. No nordeste brasileiro, o fenômeno do cangaço, iniciado desde o século XVIII e que teve maior expressividade entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, constitui um elemento formador da cultura nordestina, habitando ainda hoje no imaginário dos habitantes da região, e mesmo do Brasil, principalmente através da figura emblemática de Virgolino Ferreira da Silva, conhecido popularmente como Lampião. O cangaço é muito mais que a figura de Lampião, devendo ser entendido no contexto das relações sociais e com a natureza que enfrentava o homem nordestino desde o século XVIII. Apesar de ter ocorrido em quase toda região, um dos momentos que mais caracterizam o cangaço é o assassinato de seu mais popular integrante (Lampião), ocorrido em Sergipe no município de Poço Redondo. O objetivo do trabalho é, ao analisar o cangaço enquanto fenômeno social, resgatar a sua riqueza e importância para a cultura nordestina, ressaltando o seu possível papel de alanvacador da demanda por turismo histórico-cultural e ecoturismo. Nesse sentido, será analisado, dentro do conceito de produto turístico, a possibilidade de desenvolvimento do turismo histórico-cultural e ecoturismo, impulsionado pela exploração do cangaço na região de Canindé de São Francisco. Dessa forma, através de pesquisa bibliográfica, será realizada inicialmente uma analise acerca do turismo – origem e motivações – para que se possa compreende-lo em sua estrutura (dimensão). Em seguida será feita uma análise – também de caráter bibliográfico – acerca do fenômeno cangaço (localização e fatores socioculturais que provocaram a ocorrência do mesmo), para que se possa observar e compreender a sua riqueza e importância para a cultura nordestina (sertaneja) e o potencial turístico (enquanto atrativo/motivação) que o mesmo representa. Por último, será analisado o processo de formatação de um produto turístico, com base no referencial teórico e na pesquisa de campo, onde serão enfatizadas as possibilidades de se trabalhar o cangaço enquanto atrativo turístico no contexto do produto Xingó, em especial na região do município de Canindé do São Francisco, Sergipe. Palavras-chave. Turismo.Turismo histórico-cultural.Turismo nordeste.Cangaço

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AABBSSTTRRAACCTT

The tourism is constituting if as one of the most important economical activities of the world, found on a great number of motivations of trips, among them, the by ecological and cultural reasons. In the Brazilian northeast, the phenomenon of the cangaço, initiate since the century XVIII and that had larger expressiveness among the end of the century XIX and the first decades of the century XX, constitutes an element formatter of the northeastern culture, still inhabiting today in the imaginary of the inhabitants of the area, and even of Brazil, mainly through the emblematic illustration of Virgolino Ferreira da Silva, known popularly as Lampião. The cangaço is much more than the illustration of Lampião, should be understood in the context of the social relationships and with the nature that faced the northeastern man since the century XVIII. In spite of having happened in almost whole area, one of the moments that more they characterize the cangaço the murder of your more famous integrant (Lampião it is), done happen in Sergipe in the municipal district of Poço Redondo. The objective of the work is, when analyzing the cangaço as social phenomenon, to rescue your wealth and importance for the northeastern culture, pointing out your possible role of impellerr of the demand for tourism historical-cultural and ecotourism. In that sense, it will be analyzed, inside of the concept of tourist product, the possibility of development of the tourism historical-cultural and ecotourism, impelled by the exploration of the cangaço in the area of Canindé do São Francisco. In that way, through bibliographical research, initially one will be accomplished it analyzes concerning the tourism - origin and motivations - for her to can you understand him/it in your structure (dimension). Soon after it will be made an analysis - also of bibliographical character - concerning the phenomenon cangaço (location and sociocultural factors that provoked the occurrence of the same), so that she can observe and to understand your wealth and importance for the northeastern (sertaneja) culture and the tourist potential (as attraction/motivation) that the same represents. Last, the process of formulation of a tourist product will be analyzed, with base in the theoretical reference and in the field research, where the possibilities will be emphasized of working the cangaço as tourist attraction in the context of the Xingó product, especially in the area of the municipal district of Canindé do São Francisco, Sergipe.

Words-key: Tourism. Historical-cultural tourism. Northeastern tourism. Cangaço.

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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Mapa do Estado de Sergipe ........................................................................... 11 FIGURA 2 – Mapa do Município de Canindé do São Francisco........................................ 11 FIGURA 3 – Municípios atendidos pelo Instituto Xingo.................................................... 13 FIGURA 4 – Mapa da Região Nordeste.............................................................................. 33 FIGURA 5 – Paisagens geográficas do Nordeste................................................................ 33 FIGURA 6 – Lampião no Juazeiro do Norte-CE, em 1926................................................. 61 FIGURA 7 – Numeroso bando de Lampião em Limoeiro-PE, quando do retorno da

tentativa fracassada de invadir Mossoró-RN.................................................

67 FIGURA 8 – Cabeças de Lampião (isolada abaixo) e demais cangaceiros mortos em

Angico, Sergipe, em 1938. ............................................................................

81 FIGURA 9 – Inacinha, companheira do cangaceiro Gato morto ao tentar invadir a

cidade de Piranhas-AL., para resgata-la (liberta-la) .....................................

81 FIGURA 10 – Viver do Cangaceiro ...................................................................................... 83

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Segmentação de Mercados Turísticos ........................................................... 26 QUADRO 2 – Componentes Básicos da Hierarquia de Necessidades de Masllow.............. 30 QUADRO 3 – Seleção da classificação das necessidades humanas de Murray que podem

ser aplicáveis ao comportamento do turista. .................................................

31 QUADRO 4 – Motivações para Viajar ................................................................................. 31 QUADRO 5 – Análise da oferta turística de Canindé do São Francisco-SE......................... 91

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LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Taxa de crescimento do fluxo turístico do Estado de Sergipe (1997-2002) 89 TABELA 2 – Percentual da demanda pelos produtos turísticos do Estado de Sergipe

(1997-2002) ...............................................................................................

89

TABELA 3 – Principais motivações das viagens domésticas turísticas, por região e Brasil, no ano de 2001 (%) .......................................................................

104

LISTA DE FOTOS

FOTO 1 – Vista panorâmica do Xingó Parque Hotel................................................... 93 FOTO 2 – Vista da fachada do China Hotel. ............................................................... 93 FOTO 3 – Vista frontal do Hotel Águas de Xingó....................................................... 94 FOTO 4 – Vista do Bar e Restaurante Flutuante Karranca's........................................ 95 FOTO 5 – Vista Frontal do Museu Arqueológico de Xingo - MAX ......................... 96 FOTO 6 – Vista aérea da Prainha ................................................................................ 97 FOTO 7 – Vista lateral da Grota do Angico................................................................. 98 FOTO 8 – Vista do acesso às trilhas da Fazenda Mundo Novo................................... 99 FOTO 9 – Trilha ecológica da Fazenda Mundo Novo ................................................ 101 FOTO 10 – Vista frontal do Restaurante da Fazenda Mundo Novo ............................ 102

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SUMÁRIO

11 IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO................................................................................................................ 10

22 OO TTUURRIISSMMOO..................................................................................................................... 18

2.1 Evolução Histórica........................................................................................................ 18

2.2 Conceitos Básicos........................................................................................................... 22

2.3 Motivação: A Demanda por Turismo.......................................................................... 29

33 OO CCAANNGGAAÇÇOO................................................................................................................... 33

3.1 Sertão Nordestino: O Império da Caatinga ............................................................... 33

3.2 O Enredo ....................................................................................................................... 36

3.3 Os Atores ....................................................................................................................... 42

3.4 Cangaço(s) e Cangaceiro(s) ......................................................................................... 49

3.4.1 Cabeleira ...................................................................................................................... 54

3.4.2 Lucas da Feira ............................................................................................................. 54

3.4.3 Jesuíno Brilhante ......................................................................................................... 55

3.4.4 Adolfo Meia Noite ...................................................................................................... 56

3.4.5 Antonio Silvino ........................................................................................................... 57

3.4.6 Sinhô Pereira ............................................................................................................... 60

3.4.7 Virgolino Ferreira da Silva: O Lampião ..................................................................... 61

3.4.7.1 Do Outro Lado do São Francisco ............................................................................ 66

44 OO CCAANNGGAAÇÇOO NNAA VVIISSÃÃOO DDOO TTUURRIISSMMOO ................................................................... 78

4.1 Produto Turístico.......................................................................................................... 78

4.2 Cangaço e Produto Turístico: as possibilidades ......................................................... 80

4.3 Produto Xingó: O caso de Canindé do São Francisco-SE......................................... 85

4.4 Análise da oferta turística de Canindé do São Francisco-SE.................................... 90

4.4.1 Análise de Viabilidade................................................................................................. 103

55 CCOONNCCLLUUSSÃÃOO ................................................................................................................... 105

RREEFFEERRÊÊNNCCIIAASS.................................................................................................................... 110

AANNEEXXOOSS .............................................................................................................................. 114

[D1] Comentário: A primeira seção deve ser a Introdução

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11 IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO

Dentre os mais diversos atrativos histórico-culturais existentes no nordeste

brasileiro que representam a potencialidade turística da região, encontra-se a história do

cangaço, um fenômeno ocorrido no sertão nordestino e que obteve a sua maior expressividade

durante as primeiras décadas do século passado.

De acordo com os personagens que mais se destacaram na saga cangaceira, devido

a sua atuação e conseqüente fama que percorria o sertão nordestino através das narrativas dos

cordéis e das cantorias – repentes, emboladas, etc. – presentes no cotidiano do sertanejo,

especialmente nas feiras livres, foi à figura de Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, que

obteve maior expressividade no âmbito do banditismo rural nordestino. Suas ações, ricas em

ousadia e astúcia, além de exímia sabedoria, intuição e percepção, no que se refere às táticas

de combate e à arte de sobreviver na caatinga, além das formas utilizadas para despistar seus

perseguidores e desarticular as estratégias utilizadas pelos governos em seu combate,

passaram a ser evidenciadas com muita freqüência nos noticiários nacionais, e até mesmo em

outros países.

Dessa forma, o cangaço, a partir da figura de Lampião, ganha maior atenção por

parte dos brasileiros, passando de um fenômeno regional a nacional e, inclusive, internacional,

havendo uma maior cobrança por parte de todos para que o governo brasileiro pusesse fim

àquela forma de banditismo, que, através de Lampião havia implantado um poder paralelo (ao

do Estado) naquela região do Brasil.

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Nessa perspectiva, o cangaço percebido como um fenômeno decorrente da

estrutura social e político-econômica da sociedade nordestina (sertaneja) da época, representa

além de sua relevância histórica, um atrativo histórico-cultural que agregado ao patrimônio

natural (em especial a caatinga), pode promover o desenvolvimento socioeconômico da região

através do turismo.

Canindé do São Francisco, município distante 200 km da capital Aracaju, está ao

norte do Estado na região do semi-árido sergipano, encravado no alto Sertão Sergipano, às

margens do rio São Francisco.

Figura 1 – Mapa do Estado de Sergipe Figura 2 – Mapa do Município de Canindé do São Fonte: GUIANET, 2000. Francisco

Fonte: Instituto Xingo, 2003.

O atual município de Canindé de São Francisco fez parte da sesmaria de trinta léguas,

concedida, em 1629, ao desembargador Burgos e outros, não tendo grande atenção dos seus

desbravadores. Até o início do século XIX, apresentava somente 3 ou 4 fazendas dispersas.

No final do século, Francisco Cardoso de Brito Chaves comprou a grande propriedade, até

então inexplorada, e se assenta à sede municipal de Curituba. Mais tarde, o Coronel Francisco

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Porfírio estabelece um curtume de couros em sociedade com o Coronel Antônio Porfírio de

brito. Esse curtume impulsiona o povoamento da região.

Em 07 de Novembro de 1899, a povoação é elevada à categoria de sede do Distrito

da Paz, sendo posteriormente revogada. Em 1938 foi elevada a vila e, em 1953, passou à

categoria se cidade e sede do município.

Sua sede, originalmente situada às margens do rio São Francisco foi realocada em

março de 1987 devido à construção da Usina Hidrelétrica de Xingó. Juntamente com outros

municípios dos estados de Alagoas e Bahia formam o 5º maior cânion do mundo, com 65Km

de extensão, profundidades de até 190m e largura entre 50 e 330m, constituindo assim, com o

relevo, a vegetação e a cultura local, um dos mais promissores atrativos turísticos do nordeste

brasileiro.

O município de Canindé do São Francisco possui uma razoável infraestrutura

básica referente à sede municipal e é dotado de equipamentos turísticos, tais como alguns

hotéis, dentre os quais, o Xingó Parque Hotel classificado como 4 estrelas, um bar e

restaurante flutuante localizado no lago Xingó, resultante do represamento das águas do

“Velho Chico”, onde o turista pode desfrutar do passeio de catamarã por um cenário de rara

beleza, além do Museu de Arqueologia de Xingó com um riquíssimo acervo referente aos

aspectos da cultura do homem que, segundo pesquisas, já se encontrava na região há pelo

menos 9 mil anos. Ali, também está sediada a Usina Hidrelétrica de Xingó, segunda maior e

mais moderna hidrelétrica do Brasil, conhecida internacionalmente por sua imponência e por

ser um arrojo das obras de engenharia. Já no contexto histórico, a história do cangaço e seu

mais famoso personagem, Lampião, que passou a viver na região até a sua morte no combate

de Angico (município de Poço Redondo/SE, vizinho a Canindé), quando numa invasão à

antiga sede do município de Canindé que aquartelava uma volante (tropas de combate ao

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cangaço), várias mulheres foram marcadas a ferro por Zé Baiano, um dos mais temidos

integrantes do bando.

Em contrapartida, percebe-se que embora seja crescente a visitação ao município

(e à região), não tem sido dada importância à gestão da atividade turística, principalmente

pelos poderes públicos, estadual e municipal. Considerando que o município de Canindé do

São Francisco seja vendido principalmente como um produto ecoturístico, e levando em

consideração a fragilidade do meio ambiente natural e cultural, faz-se necessário a formulação

de uma política de turismo capaz de gerir dentro dos princípios de sustentabilidade a atividade

turística no município.

No município de Canindé do São Francisco encontra-se o Instituto de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Xingó, há 6 anos atuando na região do semi-

árido visando promover o desenvolvimento auto-sustentável da região, envolvendo 29

municípios dos estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe, com uma área de 45.492

km2 e uma população de 703.537 habitantes.

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Figura 3 – Municípios atendidos pelo Instituto Xingó Fonte: Instituto Xingo, 2003.

Sua área de atuação envolve os seguintes municípios:

� Alagoas - 115.484 hab, que compreende Delmiro Gouveia, Olho d’ Água do

Casado, Piranhas, Água Branca, Pão de Açúcar, Pariconha;

� Bahia - 166.284 hab, que compreende Abaré, Chorrochó, Rodelas, Glória,

Curaçá, Paulo Afonso, Macururé;

� Pernambuco - 201.936 hab, que compreende Belém do São Francisco,

Floresta, Itacuruba, Petrolândia, Tacaratu, Santa Maria da Boa Vista, Terra

Nova, Cabrobó, Jatobá, Orocó;

� Sergipe - 101.179 hab, que compreende Canindé do São Francisco, Monte

Alegre, Nossa Senhora da Glória, Poço Redondo, Porto da Folha, Gararu.

O Instituto Xingó tem suas linhas de ação voltadas a encontrar formas de gerar

emprego e renda para a população, a partir da realidade existente, buscando alternativas que

viabilizem esse objetivo. Iniciativa da Chesf, o instituto aproveita as instalações que foram

construídas por conta da obra da Usina Hidrelétrica de Xingó. A infra-estrutura é empregada

tanto a serviço do trabalho, uma vez que prédios da Rodovia Juscelino Kubitcshek, em

Canindé do São Francisco, foram usados para implantação do Núcleo Operacional do

Programa Xingó, como também a serviço da moradia, pois os pesquisadores do programa,

oriundos de outros estados, devido à formação específica exigida na realização das atividades

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do programa, residem em casas da Vila Sergipe, no município de Piranhas/AL. (ver Anexo

A).

Cabe ressaltar que, embora o Instituto Xingó tenha desativado a unidade de

projeto de turismo (até então, “área temática” e que nunca chegou a produzir resultados

significativos em relação à atividade) desde o ano 2000, que as demais unidades de projeto

são de fundamental importância aos trabalhos relacionados à atividade turística, pois são

atividades que dão suporte à composição da cadeia produtiva do turismo, uma vez que a

atividade requer serviços e produtos de outros setores produtivos.

De acordo com Andrade (1997), que em seu trabalho faz um histórico do

desenvolvimento econômico no estado de Sergipe, analisando todos os setores da economia

que foram explorados até então, sugere como alternativa para tal a atividade turística, haja

vista que, segundo o autor, como os demais Estados que integram o nordeste brasileiro,

Sergipe possui suas riquezas históricas, naturais e culturais, uma gente acolhedora e os

diferentes tipos de atrativos turísticos separados por uma pequena distância, além de uma

razoável infra-estrutura turística.

Embora seja percebida a viabilidade para o incremento do turismo, segundo

Corrêa (1996), o fato de que a atividade turística deve crescer de 4% a 5% ao ano, até 2005,

implicará num impacto econômico, político e social nas regiões mais vastas do globo

terrestre, alertando o autor para a preocupação que se deve ter para com as comunidades

envolvidas e o ambiente onde se desenvolve a atividade turística, pois além da degradação

ambiental gerada pela infra-estrutura montada para facilitar o acesso, receber e divertir o

turista (cliente), dentre outros fatores, as comunidades também passam a ser ameaçadas, pois

geralmente sofrem um processo de artificialização cultural e perdem por completo sua

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identidade, além de serem normalmente excluídas do processo de desenvolvimento local (ou

regional).

De acordo com Castelli (1996), o turismo depende de um aspecto organizacional

quanto à participação dos organismos públicos e privados, das comunidades locais e da inter-

relação dos diversos setores responsáveis pelo desenvolvimento turístico. Para o autor, é

necessário despertar a consciência de que, muito antes dos reflexos econômicos, o turismo

deve fazer sobressair à importância do inter-relacionamento entre as pessoas dentro de uma

consciência de respeito de todos os elementos que formam a cultura de um povo.

Para Casasola (1985), o ambiente onde se desenvolve a atividade turística deve ser

visto como um todo, ou seja, o ambiente natural, o ambiente transformado e o ambiente sócio-

cultural, uma vez que a grande maioria dos estudos é voltada única e exclusivamente aos

aspectos econômicos da atividade. Haja vista que, como atividade econômica, o turismo deve

se preocupar com o ambiente e as comunidades envolvidas, pois os mesmos são a matéria-

prima fundamental para o seu desenvolvimento.

Dessa forma, ao estudar o fenômeno cangaço, que pode ser entendido como

símbolo da identidade cultural nordestina, mais especificamente da cultura sertaneja, uma vez

que o cangaço foi influenciado e influenciou vários elementos dessa cultura (como será

analisado no capítulo 3, o capítulo base para toda a análise em questão), esse trabalho de

pesquisa propõe, de acordo com as abordagens que serão feitas acerca da atividade turística, a

reformulação (reestruturação) do produto turístico sergipano Xingó (produto que contempla

municípios do alto sertão sergipano às margens do rio São Francisco – Canindé do São

Francisco Poço Redondo e Porto da Folha, inseridos na região denominada Xingó por causa

da usina hidrelétrica de mesmo nome), incorporando, para tanto o elemento Cangaço como

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atrativo turístico e suas múltiplas possibilidades de se trabalhar (ou enfatizar elementos de)

tipos específicos de turismo.

Para tanto, no segundo capítulo serão analisados a abrangência da atividade

turística e a importância de levar em consideração todo o ambiente (natural, artificial e sócio-

cultural) que é impactado pelo desenvolvimento do turismo em determinada localidade ou

região, atentando para a complexidade que envolve um produto turístico e os motivos que

geram as demandas por tais produtos.

No capítulo terceiro, será realizada uma análise acerca do cangaço, sua origem,

localização e uma série de acontecimentos que levaram ao acontecimento desse fenômeno

social e todo o ambiente que o envolveu – meio físico, político, econômico e social.

Em seguida, o capítulo quarto enfatizará a formatação de um produto turístico com

a finalidade de mostrar as bases para que se possa compor um produto, ou seja, os atrativos

(matéria-prima e, principal motivação para o consumo), infra-estrutura básica e turística (que

seria o processo de produção) e a superestrutura, que representa todo o aparato legal para

produção e venda de um produto turístico. Nesse sentido, serão apresentadas as possibilidades

de se trabalhar o fenômeno cangaço na formatação e um produto turístico autêntico e

diversificado, embasado no meio ambiente – caatinga – e na cultura do povo sertanejo.

Dessa forma, ao se estudar o cangaço, em especial, como atrativo turístico, deve-

se levar em consideração o fato de que, esse atrativo, histórico-cultural, perpassa as dimensões

de um simples fato histórico e algumas questões culturais, levando o pesquisador a desbravar

questões ambientais (o semi-árido nordestino, a caatinga), sociais (as sociedades rurais do

nordeste brasileiro), políticas (Império, República, Tenentismo, Coronelismo, Estado Novo,

etc) , históricas (a própria história do Brasil) e culturais (a formação do povo e da cultura

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brasileira), o que abre uma gama de possibilidades em se trabalhar a formatação de um

produto turístico embasado na história do cangaço.

Por último, as considerações finais, onde será feito um apanhado geral acerca de

toda a discussão, enfatizando a necessidade de um trabalho sério de planejamento, voltado à

formatação de um produto turístico, que se leve em consideração os impactos decorrentes da

atividade turística.

2 O TURISMO

2.1 Evolução Histórica

Inicialmente, a maioria das viagens era motivada por interesses econômicos,

políticos e militares, embora fossem registradas também viagens motivadas por outros

interesses, como: curiosidade, saúde, cultura, religião e descanso.

Conforme Castelli (p.10, 1996),

Cada época da história da humanidade desenvolveu algum tipo de viagem de acordo com seus meios materiais disponíveis, com seus conhecimentos científicos

[D2] Comentário: A primeira seção deve ser a Introdução

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adquiridos e com suas convicções em vigor. A viagem é uma ação decorrente de todo um contexto dentro do qual está inserida a sociedade em um determinado momento da história

Durante o Império Romano (27 a.C a 476 d.C) foram construídos

aproximadamente 80.000 km de estradas tecnicamente bem traçadas e equipadas com infra-

estrutura como as mansiones, albergues que serviam sobretudo aos cursos publicus (serviço

postal) e as stationes chamadas também de mutationes que serviam para a troca de cavalos, a

cada 40 ou 50 km. Os romanos também ofereciam facilidade de comunicação através do latim

e do grego, facilidade para a realização de negócios com a moeda romana que era aceita por

todos e conexões marítimas regulares (Ostia-Alexandria).

Dentre as realizações dos romanos, convém ressaltar os centros turísticos, a

exemplo de Pompéia (Cidade famosa situada a 26 km de Nápoles e que foi soterrada pelo

vulcão Vesúvio no ano de 79 da era cristã. Era cercada por muralhas e com 7 portas de

entrada, possuía ruas bem pavimentadas que ofereciam aos visitantes: tavernas, banhos

públicos e salas para jogos de dados. Possuía uma arena com capacidade para 20.000

espectadores onde aconteciam diversos espetáculos, além de vários bordéis e dois teatros. Nas

entradas da cidade podia-se alugar uma condução para visitar as diferentes atrações que a

cidade oferecia.), os circos (a exemplo do Máximo, com capacidade para 40.000 espectadores

sentados) e as famosas termas romanas que, bastante apreciadas pelos romanos, passaram de

simples locais destinados a banhos públicos para estabelecimentos com: salas para banhos a

vapor, piscinas, salas de repouso, ginástica, massagens, bibliotecas e jardins para passeios.

Outro bom exemplo é a Grécia antiga, onde se encontravam diversas formas de

lazer, como: festivais públicos, cerimoniais antigos, prática de arte, afluência aos teatros,

ginásios e aos famosos jogos olímpicos aos quais acorriam grandes contingentes de pessoas

oriundas de diferentes regiões. Os ginásios – existentes em várias cidades – eram, além de

importantes no desenvolvimento dos esportes, utilizados como locais onde eram ministrados

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cursos, conferências, etc.

Com a queda do Império Romano e com a invasão dos bárbaros as estradas

tornaram-se inseguras e as viagens diminuíram drasticamente, passando, entretanto, a surgir

um novo fluxo representado por um tipo específico de viajante, o peregrino. Cristãos em

direção a Jerusalém e Roma (posteriormente a Santiago de Compostela, devido à tomada de

Jerusalém pelos turcos que proibiram as visitas ao Santo Sepulcro), e os maometanos a

caminho de Meca.

A sociedade feudal, durante a Idade Média, representada pelos proprietários de

terra (a nobreza que fazia a guerra e o clero que a justificava em nome do deus dos cristãos) e

pelos servos (que cultivavam as terras e recebiam parte da produção), também contribuiu para

um período de estagnação das viagens, embora o fluxo de viajantes por motivos religiosos

continuasse se intensificando.

No fim do século XVI, o Renascimento traz novo estímulo às viagens, com o

desenvolvimento das artes, das letras e das ciências, bem como o período das grandes

navegações (séculos XVI ao XVIII) que conforme Oliveira (2001, p.20):

(...) deram impulso às viagens de longo curso, antecedendo o período denominado de “turismo moderno”. Na falta de meios de comunicação mais eficazes, a melhor maneira de conhecer novos lugares era viajar até eles. As escolas organizavam viagens para os estudantes, acompanhadas por professores, com o objetivo de aumentar os conhecimentos de seus alunos. Eles, denominados tutores, tinham a obrigação de conhecer e de falar o idioma do local a ser visitado, para poder explicar melhor seus usos e costumes. Os tutores foram os antecessores dos atuais guias de turismo.

De acordo com Castelli (1996, p.18, grifo do autor):

(...) paralelamente a todo o florescimento das artes, ciências e letras, registram-se alterações no sistema econômico, isto é, dá-se início ao capitalismo e, com ele, a

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sociedade passa a agregar novos elementos em sua forma de viver. As viagens passam a receber um novo enfoque. (...) As cidades, a partir, pois, do século XVII, passaram a se constituir num atrativo turístico e o continuam sendo até nossos dias pela sua arquitetura, beleza natural, patrimônio cultural e centro de negócios.

No século XVIII, o Romantismo favorece uma nova motivação para as viagens, ou

seja, a exaltação à natureza, embasada em obras que reformularam a posição do homem

perante a natureza, desperta, principalmente junto às camadas mais cultas, uma nova visão de

natureza. Todos os recursos naturais significativos se transformam em motivos de viagens.

Data dessa época também o surgimento de esportes que coloquem o homem em contato com a

natureza, como o alpinismo.

De acordo com as mais distintas e variadas motivações que impulsionaram as

viagens, bem como do surgimento de equipamentos e serviços voltados a atender às

necessidades dos viajantes, é que em julho de 1841 o inglês Thomas Cook, fretando um trem

para levar 578 pessoas de Loughborough e Leicester (Inglaterra), ida e volta, para

participarem de um congresso, marca o início das viagens organizadas por uma pessoa (agente

de viagem), ou seja, o início do turismo enquanto atividade econômica rentável.

A partir de então, com o incremento das viagens devido ao surgimento (e/ou

aperfeiçoamento dos já existentes) dos meios de transportes, dos estabelecimentos de

hospedagem e de alimentação, bem como das demais facilidades para realizar algum tipo de

viagem (com especial destaque para o surgimento do profissional agente de viagem), embora

com o fato de alguns acontecimentos que inibiram as viagens (como os períodos das duas

grandes guerras mundiais). Assim, o que hoje é conhecido como turismo, e sua extraordinária

expansão, são resultantes, conforme coloca Padilla (1994, p.14), dos seguintes fatores:

• o avanço industrial alcançado por alguns países e o conseqüente incremento

nos ingressos econômicos de amplos setores populares;

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• o direito adquirido pelos trabalhadores por férias remuneradas; o aumento no

índice do nível educacional, que desperta o interesse por conhecer outros

lugares e manifestações culturais;

• os avanços na tecnologia aplicada aos transportes, que permitem viagens

confortáveis, atingindo maiores distâncias num menor espaço de tempo;

• o maior número e diversificação dos serviços turísticos, que facilitam a prática

de viagens;

• as facilidades de crédito, que permitem aos indivíduos das camadas sociais

mais distintas as possibilidades de viajar.

De acordo com Andrade; Brito; Jorge (1999, p.18):

O turismo passa por uma transformação radical a partir da Segunda Guerra Mundial, com a expansão acelerada da economia mundial, a melhoria da renda de amplas faixas da população (basicamente nos países mais desenvolvidos da Europa central, nos EUA e no Canadá) e a ampliação e melhoria dos sistemas de transporte e comunicação, principalmente com a entrada em cena dos aviões a jato para passageiros, de grande capacidade e longo alcance. Neste período, o turismo passa a ser uma atividade econômica significativa, principalmente para os países desenvolvidos, nos quais havia crescimento e ampliação da renda da população, o que gerava mais disponibilidades de tempo e recursos para o lazer. O processo de desenvolvimento e de globalização da economia mundial, além de gerar um progressivo fluxo de viagens regionais e internacionais, ampliou de forma acelerada o setor de lazer e de turismo, que passou a ser, efetivamente, o grande promotor de redes hoteleiras. A sociedade de consumo de massa ampliou-se para o setor de lazer e turismo. É importante lembrar que a classe média, enquanto base para uma sociedade de consumo de massa, aparece no século XX, e, em casos como o Brasil, após a década de 40. Nos países desenvolvidos, além da classe média, o operariado com capacidade aquisitiva para o lazer e o turismo passa, também, a ser representativo no mesmo período.

Dessa forma, de acordo com as viagens e deslocamentos que deram origem à

atividade turística, percebe-se que o turismo é todo um processo histórico, ou seja, uma

atividade emanada das diversas necessidades do ser humano e calcada nos motivos que

geraram e geram os diversos tipos de viagens, ou formas de turismo, como religião, saúde,

lazer e negócios, dentre outros. Com isso, as viagens fazem parte da evolução sociocultural da

humanidade, uma vez que influenciam a economia e, em nome desta, a cultura da produção de

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bens e serviços que atendam às necessidades dos viajantes e todo o processo da viagem (os

diversos aspectos que são influenciados de acordo com o contato entre culturas diferentes).

Isso significa dizer que as viagens e as culturas têm uma relação de retroalimentação, pois à

medida que a cultura influencia nas motivações que empreendem as viagens, estas agem como

canalizadores nas mudanças (evolução) culturais, uma vez que permitem a troca e a

reciclagem do conhecimento.

2.2 Conceitos Básicos

Em termos conceituais, deve-se ter em mente o turismo como uma atividade

bastante complexa e que cada conceito estabelecido vai estar diretamente influenciado e

embasado de acordo com cada área do conhecimento (economia, sociologia, geografia, etc.)

que estuda o assunto (bem como do ponto de vista da abordagem e o momento político,

econômico e sociocultural). Dessa forma, convém ressaltar que a atividade turística depende,

direta e indiretamente, de diversas outras atividades (econômicas, socioculturais, de lazer,

etc.) para que possa existir e funcionar enquanto atividade.

Conforme Theobald (2001, p.31):

Etimologicamente, a palavra tour derivaria do latim tornare e do grego tornos, significando “uma volta ou círculo; o movimento ao redor de um ponto central ou eixo”. Esse significado mudou no inglês moderno, passando a indicar o “movimento em círculo de uma pessoa”. O sufixo ismo é definido como “ação ou processo; comportamento ou qualidade típicos”, enquanto o sufixo ista denota “aquele que realiza determinada ação”. A combinação da palavra tour e dos sufixos ismo e ista sugere a ação de um movimento em círculo. Pode-se argumentar que um círculo representa uma linha que partindo de um ponto retorna ao ponto inicial. Portanto, assim como um círculo, um tour representa uma viagem circular, ou seja, o ato de partir para posteriormente regressar ao ponto inicial, e quem empreende essa jornada pode ser definido como turista.

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Em suma, conforme Beni (2001, p.39)

O fato de o turismo encontrar-se ligado, praticamente, a quase todos os setores da atividade social humana é a principal causa da grande variedade de conceitos, todos eles válidos enquanto se circunscrevem aos campos em que é estudado. Não se pode dizer que esse ou aquele conceito é errôneo ou inadequado quando se pretende conceituar o turismo sob uma ótica diferente, já que isso levaria a discussões estéreis. Estas poriam justamente em evidência as limitações conceituais existentes sobre o fenômeno. Por isso, a conceituação do turismo não pode ficar limitada a uma simples definição, pois que este fenômeno ocorre em distintos campos de estudo, em que é explicado conforme diferentes correntes de pensamento, e verificado em contextos vários da realidade social.

Sendo assim,

Hay quienes, sin llegar a percatarse de la trascendência del turismo, y sin tomar en cisideración las consequencias positivas o negativas que se derivan del cuidado que se preste al mismo, lo aprovechan exclusivamente con fines de enriquecimiento. Son aquellos que con mero sentido mercantilista lo definen como una sucesión de transacciones comerciales y económicas. Paa otros, hablar de turismo es mencionar una industria, basándose en la presencia de un producto sujeto a la oferta y la demanda, dentro de lo que conocemos como mercado turístico; y hay también quienes, para fines de control y estadística, lo clasifican un simple movimiento migratorio (PADILLA, 1994, p.11). Há quem, sem aprofundar-se sobre o turismo, não levando em consideração as conseqüências positivas ou negativas decorrentes do cuidado que se tenha para com o mesmo, o aproveitam exclusivamente como meio de enriquecimento. São aqueles que com uma visão meramente mercantilista o definem como uma sucessão de transações comerciais e econômicas. Para outros, falar de turismo é mencionar uma indústria, baseando-se na presença de um produto sujeito à oferta e à demanda, dentro do que denominamos mercado turístico; e há aqueles que, para fins de controle e estatísticos, o classificam como um simples movimento migratório (PADILLA, 1994, p.11, tradução nossa).

A Organização Mundial de Turismo (OMT), citada por Oliveira (2001, p.35)

definiu o turismo como sendo “o fenômeno que ocorre quando um ou mais indivíduos de

trasladam a um ou mais locais diferentes de sua residência habitual por um período maior que

24 horas e inferior a 180 dias, sem participar dos mercados de trabalho e capital dos locais

visitados.”

Já o próprio Oliveira (2001, p.36) conceitua o turismo da seguinte forma:

“denomina-se turismo conjunto de resultados de caráter econômico, financeiro, social e

cultural, produzidos numa localidade, decorrentes da presença temporária de pessoas que se

deslocam de seu local habitual de residência para outros, de forma espontânea e sem fins

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lucrativos.”

Para Martins, 2003, p. 130-131:

Muitos conceitos de turismo foram aparecendo com o passar dos tempos, conceitos esses que definiam o momento econômico vivido pela humanidade, e que às vezes, inconseqüentemente, trouxeram impactos negativos sociais, ambientais e econômicos pela falta de uma legislação específica que viesse a orientar o seu aparecimento nos locais alvos da atividade turística.

A EMBRATUR, em 1984, adota a seguinte definição, que continua vigente até os

dias atuais: “turismo é um conjunto de relações e fenômenos ligados à permanência de

pessoas não residentes em determinadas localidades, sob condições de que estas pessoas não

se estabeleçam para exercer atividade lucrativa permanente ou temporária no local visitado”.

Em linhas gerais, de acordo com Olímpio Bonald Neto, citado por Castelli (1996,

p.144), deve-se enfatizar que:

Sem perder de vista os objetivos do turismo, tendo sempre em mente que ele pode ser – dependendo da maneira como venha a crescer – uma fonte inesgotável de benefícios socioeconômicos e culturais para a comunidade que recebe a corrente de visitantes ou, em caso contrário, a mais desumana e degradante ação predatória capaz de corromper o espírito popular, desmoralizar as tradições, inflacionar os preços, poluir e destruir os encantos da natureza, esmagar a cultura nativa ao mesmo tempo em que concentrará as rendas provenientes do turismo, os lucros de empreendimento nas mãos de alguns poucos exploradores como nova forma de colonização, sem permitir qualquer proveito material ou espiritual para a região ou a localidade “assaltada” pelos especuladores do turismo.

Infelizmente, independentemente dos conceitos acerca do turismo, percebe-se que

tradicionalmente os estudos turísticos se preocupam mais com o aspecto mercadológico da

atividade, ou seja, a geração de divisas, o efeito multiplicador dos gastos realizados pelos

turistas, a capacidade de gerar empregos, além do fato de o turismo ser um fator de

desenvolvimento regional. Assim sendo, observa-se que a prática comum é obter a máxima

rentabilidade financeira em curto prazo, aproveitando uma mão de obra barata em benefício

de poucos, sem levar em consideração os efeitos negativos que a atividade turística mal

planejada exerce sobre o meio ambiente natural e sociocultural onde se desenvolve. Agrega-se

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também a falta de sensibilidade ecológica, dado que se um projeto turístico é técnica e

financeiramente viável, é o suficiente para implementá-lo, embora possa ser prejudicial para a

população diretamente envolvida, atentando contra sistemas estabelecidos de crenças, valores,

formas de vida e costumes, bem como para o ambiente natural. Dessa forma, sugere-se que o

meio ambiente seja entendido em seu sentido mais amplo, subdividindo-o em natural,

transformado e sociocultural, atentando para a necessidade de um planejamento integrado do

turismo a fim de reduzir os impactos negativos do mesmo, levando-se em consideração a

abrangência dos efeitos causados pelo turismo no meio onde este se desenvolve

(CASASOLA, 1985).

Pode-se perceber então que a atividade turística (independentemente da

segmentação de mercado, ou seja, do tipo de turismo explorado/desenvolvido) envolve muito

mais do que as relações econômicas de uma economia de mercado, pois o consumo de um

produto turístico implica, não simplesmente, numa transação de compra e venda. Para

consumir determinado produto turístico, faz-se necessário que o turista (cliente) vá ao

encontro do mesmo. Para tanto, a estrutura montada (empreendimentos turísticos e obras de

infra-estrutura) para receber e servir o turista em sua visita resulta em mudanças significativas

nos centros receptores, seja no aspecto físico (ambiente natural e/ou construído/transformado),

seja no aspecto sociocultural, o que resultará em impactos que podem trazer benefícios e/ou

prejuízos ao meio (físico e sociocultural) onde se desenvolve a atividade turística.

Observa-se então, através da divulgação pela mídia e pelos organismos oficiais,

que o turismo vem obtendo um crescimento contínuo, enquanto atividade econômica,

entretanto, sem levar em consideração as externalidades da atividade turística, ou seja, as

diferenças (diversidades) culturais e geográficas existentes entre os povos e regiões do

planeta, que geram os mais diversos atrativos (produtos) turísticos existentes no mundo e que

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são constantemente ameaçados e degradados por um turismo de massa que visa o maior

retorno no menor espaço de tempo possível.

Para melhor compreender os fatores que determinam a dinâmica dos mercados

turísticos, recorrer-se-á à análise das formas de segmentação de mercados turísticos, conforme

Quadro 1 a seguir:

SEGMENTAÇÃO DE MERCADOS TURÍSTICOS

SEGMENTAÇÃO GEOGRÁFICA

é uma das mais utilizadas e eficientes no mercado turístico. Muitas são as variáveis que podem ser adotadas, como a urbanização de uma região, o tamanho da população, os tipos de atrativos naturais e artificiais, o clima, a proximidade da costa marítima ou de montanhas etc. Por exemplo, dentre os muitos consumidores de produtos turísticos, a segmentação geográfica vai identificar aqueles indivíduos que preferem visitar grandes centros urbanos, como New York ou Londres, com uma completa infra-estrutura adaptada para oferecer muita comodidade, vida noturna, shows, compras e muitos atrativos sofisticados. Esta segmentação de mercado vai diferenciar muito daquela que seleciona indivíduos que desejam o descanso e que preferem regiões turísticas mais sossegadas, com menos barulho e distância de agitados centros urbanos.

SEGMENTAÇÃO DEMOGRÁFICA

classifica os grupos de estudo com base em variáveis etárias, de sexo, ocupação, profissão, tamanho da família, ciclo de vida, raça, religião e outros interesses. É o caso, por exemplo, de algumas viagens preferidas por jovens e não desejadas pelos mais velhos, como o trek-king e práticas de esportes, que necessitam de muita tolerância e condição física. Com o decorrer dos anos, os indivíduos mais experientes provavelmente vão desejar viagens mais tranqüilas, com maior conforto e mordomia; provavelmente também, nesta fase da vida, dispõem de um poder aquisitivo mais elevado que determinará igualmente uma maior condição de escolha de produtos turísticos que o satisfaçam.

SEGMENTAÇÃO PSICOGRÁFICA

os turistas e seus destinos são muito heterogêneos e a segmentação psicográfica visa identificar as preferências, os motivos que levam os indivíduos a viajarem para diferentes regiões. O termo psico define o conjunto de idéias do comportamento ou da personalidade (estado mental) e, assim, a psicografia é considerada uma análise psicológica dos turistas. São vários os motivos que levam as pessoas a se deslocarem, dentre eles podem desejar obter satisfação em termos de descanso, negócios, compras, esporte, estudos, saúde, cultura etc. Esta segmentação visa basicamente descobrir e compreender as razões pelas quais as viagens são realizadas, variando o grau destes motivos para cada turista que busca maximizar a satisfação que mais se ajusta a sua necessidade e ao seu desejo.

SEGMENTAÇÃO ECONÔMICA

está ligada ao nível de renda dos indivíduos. Quanto maior o poder de compra dos turistas, maior será a demanda por produtos turísticos. Pessoas são segmentadas por faixas econômicas em diversas atividades como, por exemplo, nos aviões onde a primeira classe normalmente é reservada para os passageiros que se dispõem a pagar uma tarifa mais cara por um serviço diferenciado. Muitos destinos turísticos são caracterizados pelo alto ou baixo grau econômico das pessoas que os freqüentam, bem como inúmeros serviços de altíssima qualidade são criados visando atrair o segmento de mercado de renda elevada.

SEGMENTAÇÃO SOCIAL

vinculada à segmentação econômica, temos a social, na qual destacamos a educação, a ocupação profissional, o status que assume junto à expectativa social, o estilo de vida dos indivíduos, os hábitos e costumes da comunidade, e muitos outros fatores. Pressupõe-se que ao adquirir mais cultura com a especialização nos estudos, o indivíduo que viaja prefira produtos e destinos turísticos que acrescentem mais cultura a seus conhecimentos intelectuais.

Quadro 1 - Segmentação de Mercados Turísticos Fonte: Lage; Milone (2000, p.31-32).

A segmentação do mercado turístico, objetiva uma melhor elaboração e

comercialização de tipos específicos de turismo (produtos turísticos) e, portanto, conferindo

Page 30: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

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melhores possibilidades de renda e emprego nas economias envolvidas. Essa forma de

entender o sistema, tratamento e operacionalização de tipos específicos de turismo trabalha

com grupos de consumidores que viajam, basicamente, pelos mesmos motivos (que geram os

diversos tipos de comportamento, inclusive, a demanda por turismo) ou por serem mais

homogêneos em relação à idade, cultura, renda, sexo, etc., e que demandam,

conseqüentemente, por produtos específicos como o turismo de terceira idade o turismo de

compras e o turismo gay, dentre outros.

De acordo como fora observado até então, acerca do turismo, pode-se deduzir que

um produto turístico é o conjunto composto de bens e serviços produzidos por diversos

setores da economia, combinando os atrativos naturais, artificiais, históricos e culturais, numa

estrutura institucional e organizacional que inclui uma infra-estrutura sólida de suporte.

De acordo com Beni (2001, p.38), para melhor visão do fenômeno do Turismo,

distinguem-se três linhas diferentes de análise teórica da atividade turística.

A primeira linha se coloca na perspectiva da produção e envolve uma pluralidade de empresas que atuam no setor, algumas das quais operam a transformação de matéria-prima em produto acabado, enquanto outras oferecem bens e serviços já existentes.A segunda linha refere-se à distribuição do produto ao consumidor. Aqui há uma visível analogia entre a atividade de produção e a distribuição, pois, sendo um setor no qual são produzidos preferencialmente serviços, é também um setor de atividades no qual o momento produtivo pode corresponder ao distributivo, com a passagem dos bens e serviços turísticos diretamente do produtor ao consumidor.A terceira linha consiste em identificar e estabelecer as condicionantes da viagem e os componentes comportamentais do viajante, isto é, a origem da viagem, os meios de transporte utilizados, a natureza da viagem, o tempo de permanência no local, os equipamentos receptivos solicitados, suas motivações, necessidades e preferências, grau de participação nas atividades turístico-recreativas de sua destinação – a estrutura de gastos – e a estratificação socioeconômica do consumidor.Resumindo, para efeito de melhor compreensão das três linhas indicadas, pode-se dizer que a primeira procura saber quais são os segmentos produtivos e as empresas que devem ser considerados essencialmente como “turísticos”, e que integram o setor Turismo na economia; a segunda procura definir as relações do Turismo com o resto da atividade econômica, para o que se serve das definições dele provenientes da primeira linha da análise teórica, que considera a atividade a partir do lado da oferta, e a última dessas linhas, que o faz a partir da demanda; a terceira gira em torno da própria definição de turista, cujas atividades, por extensão, permitem determinar o que se entende por Turismo. [D3] Comentário: Deveria ser

um quadro dentro do próprio texto ou anexo

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De acordo com a citação acima e o Anexo B, percebe-se que dentre os bens

turísticos estão os que se caracterizam como atrativos turísticos (que compõem o patrimônio

turístico de uma localidade ou região), sejam eles naturais ou culturais (os resultantes da

atividade humana) que, de acordo com a infra-estrutura urbana da localidade/região

(equipamentos e serviços) e associados aos serviços e equipamentos essencialmente turísticos

vão dar forma ao que se denomina de produto turístico. Dessa forma, no capítulo quarto desse

trabalho, serão elencados, então, os bens (ou sub-componentes) da história do cangaço

enquanto atrativo turístico, propondo a utilização destes na reformulação do produto turístico

do sertão sergipano.

Conforme Padilla (1994, p.36), para que se tenha um uso racional do patrimônio

turístico (natural, histórico e cultural), faz-se necessário satisfazer os seguintes requisitos

básicos:

a) fator humano: ter profissionais e técnicos que investiguem e planejem o uso

adequado dos recursos;

b) fator econômico: com a finalidade de disponibilizar os recursos necessários

para execução dos projetos elaborados pelo quadro técnico;

c) fator legal: regulamentação jurídica, legislação voltada à fiscalização da

atividade através de políticas adequadas.

Convém ressaltar que, de acordo com as considerações acima citadas, não é

simplesmente o fato de determinada localidade/região possuir atrativos turísticos potenciais

que, necessariamente se constituirá num destino turístico, ou seja, todo o processo de

transformação desses atrativos em um produto turístico comercializável, deve ser devidamente

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planejado para que se possam alcançar os resultados almejados e, que estes perpassem a esfera

econômica, ou seja, gere melhorias na qualidade de vida das comunidades envolvidas e

assegure a conservação de todo o patrimônio socioambiental da localidade/região.

2.3 Motivação: A Demanda por Turismo

Como pôde ser observado no tópico anterior, o turismo é um fenômeno resultante

das motivações que fizeram, no decorrer dos séculos, com que o homem – ser humano –

empreendesse deslocamentos e viagens com o intuito de satisfazer as necessidades de cada

época da história da humanidade. Tais viagens impulsionaram a economia mundial e as

próprias viagens, a partir do momento em que passa a ser uma atividade econômica rentável,

tornando-se, atualmente numa das mais importantes atividades econômicas do mundo.

Dessa forma, serão descritas algumas considerações acerca dos estudos

relacionados à motivação e ao comportamento turístico – a psicologia aplicada ao turismo.

Os fatores determinantes das necessidades de lazer e turismo, e as necessidades de

sua prática são influenciados, principalmente, pelos fatores psicológicos, fazendo-se,

evidentemente, abstração do fator econômico. O conhecimento dos fundamentos psicológicos

é importante para adequar os equipamentos (e serviços) às necessidades e desejos da demanda

(turística), bem como, dar subsídios para estratégias de marketing.

Necessidades e desejos são forças propulsoras do comportamento. As

necessidades expressam o sentimento que o indivíduo tem de perturbação ou deficiência no

Eu ou no ambiente, e que exige um comportamento capaz de remover, afastar e corrigir esta

situação; seu objetivo maior é restabelecer o equilíbrio psicológico. Quanto aos desejos,

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derivam de estados percebidos de atuações capazes de proporcionar, por si mesmas, satisfação

ou prazer.

Um mesmo comportamento pode ser gerado por vários motivos, assim como um

mesmo motivo poderá resultar em comportamentos diversos. Dificilmente um comportamento

é gerado por um único motivo, geralmente há uma constelação de necessidades e/ou desejos

que induzem esse comportamento que é efetivado em função da necessidade que num

determinado momento tem maior valência (no caso do turismo, especificamente, essas

necessidades e/ou desejos se manifestam antes da viagem – a opção de viajar e a escolha do

destino – e durante a mesma, à medida que o visitante – turista – vai percebendo e interagindo

com o ambiente em que se encontra).

Para melhor compreensão acerca da análise das necessidades, serão apresentados

dois quadros utilizados por Ross (2002, p. 32-33). Uma baseada na teoria da hierarquia das

necessidades de Maslow, que sugeriu que “as necessidades humanas como elementos

motivadores formam uma hierarquia”. A outra, refere-se à classificação das necessidades

humanas de Murray, que acreditava, ao contrário de Maslow, que “as necessidades mudam

independentemente umas das outras, portanto, conhecer a intensidade de uma necessidade não

explica necessariamente alguma coisa a respeito da intensidade das outras”.

NECESSIDADES COMPONENTES BÁSICOS

Necessidades fisiológicas Fome, sede, sexo,sono,ar, etc.

Necessidades de segurança Estar livre de ameaça ou perigo; um ambiente seguro, ordeiro e previsível.

Necessidades de amor Sentimento de fazer parte de algo maior, relações afetivas, amizade, participação em grupo.

Necessidades de respeito Auto-estima, sentimento de competência, autoconfiança, ter boa

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reputação, reconhecimento, prestígio.

Necessidade de realização Realização do próprio potencial, plenitude.

Quadro 2 - Componentes Básicos da Hierarquia de Necessidades de Masllow Fonte: Ross, 2002

CLASSIFICAÇÃO DAS NECESSIDADES HUMANAS

COMPORTAMENTO

Sentimento de competência Sentir que algo difícil foi realizado.

Poder Controlar outras pessoas. Organizar o comportamento de um grupo

Autonomia Valorizar e lutar pelo sentimento de independência.

Afiliação Misturar-se e saborear a companhia dos outros.

Atividades lúdicas Relaxar, entreter-se, procurar diversão e prazer. “Achar graça”, participar de jogos. Rir, brincar e ficar alegre. Evitar tensão séria.

Cognição Explorar. Fazer perguntas. Satisfazer a curiosidade. Olhar, ouvir, inspecionar. Ler e procurar conhecimentos.

Quadro 3 - Seleção da classificação das necessidades humanas de Murray que podem ser aplicáveis ao comportamento do turista.

Fonte: Ross, 2002.

Os Quadros 2 e 3, apresentados, servem para que se possa pensar o

comportamento turístico dentro do contexto das necessidades do ser humano, pois, como já

fora abordado no tópico anterior, o turismo é resultante dessas mesmas necessidades, ou seja,

para se entender o turismo (turista) tem que se conhecer o ser humano, o homem por trás do

turista (cliente).

Em relação às motivações para viajar, conforme Quadro 4, a seguir, aborda as

quatro categorias:

CATEGORIAS MOTIVAÇÕES

Motivadores físicos: descanso físico, participação em esportes, recreação à beira-mar, diversões relaxantes e problemas de saúde.

Motivadores culturais: o desejo de conhecer outros países – sua música, artes, folclore, danças, pinturas e religião.

[D4] Comentário: IDEM Como não se trata de dados estatísticos , deve passar a ser um quadro

[D5] Comentário: IDEM

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34

Motivadores interpessoais o desejo de conhecer gente nova, de visitar amigos ou parentes, de sair da rotina, de ficar algum tempo sem ver a família ou os vizinhos; fazer novos amigos.

Motivadores de status e prestígio o desejo de reconhecimento, atenção, respeito e boa reputação Quadro 4 - Motivações para Viajar Fonte: Ross (2001, p.34 apud MCINTOSH, 1977).

Portanto, estão aqui relacionados os elementos necessários à compreensão do

fenômeno sociocultural que, transformado em atividade econômica de vulto no cenário

mundial (global), conhecido como TURISMO, é objeto de pesquisa por diversas áreas do

conhecimento científico (acadêmico/mercadológico).

Cabe ressaltar, entretanto, que embora exista uma motivação que vá induzir o

indivíduo (turista) a deslocar-se (viajar) até determinado destino (turístico), outras motivações

agem conjuntamente com a motivação principal, ou seja, haverá outras necessidades a serem

satisfeitas pelo turista, tornando, pois, por esse aspecto, o turismo uma atividade complexa e

que requer um trabalho sério e permanente de observação e ações para que se possa obter

melhores resultados, em todos os aspectos (econômico, social, cultural, ambiental,

educacional, etc.).

Em outras palavras, ou seja, conforme Martins (2003, p.131):

Entendendo que o turismo significa deslocamento, por motivos diversos, deslocamentos esses que geram relações econômicas, sociais e ambientais bastante complexas e diversificadas, é importante tratar, orientar e planejar bem os seus efeitos.

Page 36: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

35

33 OO CCAANNGGAAÇÇOO

3.1 Sertão Nordestino: O Império da Caatinga

Figura 4 - Mapa da Região Nordeste Fonte: Olivieri, 1999.

Figura 5 - Paisagens geográficas do Nordeste Fonte: Olivieri, 1999.

Page 37: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

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O cangaço teve como área de abrangência a região semi-árida do nordeste

brasileiro, o sertão nordestino, compreendido pelos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba,

Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, dominado pelo bioma1 de caatinga (“mata

branca” na língua indígena).

A caatinga ocupa uma área total aproximada de 1.100.000 km2 (800.000 km2 com

ação antrópica), representando mais de 70% do Nordeste brasileiro e 11% do território

nacional. As temperaturas e a evapotranspiração são muito elevadas, enquanto a umidade

relativa do ar e as precipitações pluviométricas – entre 400 e 800mm anuais – são baixas,

caracterizando, desta forma, um acentuado déficit hídrico. A maioria dos rios seca e

desaparece durante o período de estiagem (rios temporários), formando leitos secos onde os

sertanejos, em alguns lugares atualmente, ainda cavam cacimbas para obterem um pouco de

água que restara (também extraem água de algumas espécies de cactos e bromélias ou da

batata-de-umbu2, existente na raiz do umbuzeiro – Spondieas tuberosa – sendo esta última,

uma técnica bastante utilizada pelos cangaceiros) (EMBRAPA , 1996).

De acordo com Tabarelli (2002), a caatinga, além de ser o único ecossistema3

exclusivamente brasileiro, não é um ecossistema pobre em biodiversidade, como se pensava

até mesmo no meio acadêmico, mas sim, o menos estudado, o menos protegido e um dos mais

degradados. Ressalta ainda o autor que para a conservação de um ecossistema, o remendado é

um percentual de 10% a 15%, enquanto que, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA)

– apenas 1,6% da caatinga está protegido. Ainda, conforme o MMA (2002), o levantamento

da biodiversidade da caatinga, realizado por um grupo de consultores nas áreas de flora,

1 Conjunto de condições ecológicas de ordem climática e características de vegetação: o grande ecossistema com fauna, flora e clima próprios (EMBRAPA, 1996). 2 Órgão de reserva existente em algumas raízes, denominado xilopódio ou túbera. São estruturas intumescidas, de consistência esponjosa, arredondadas e escuras que, no caso do umbuzeiro possuem cerca de 20 cm de diâmetro e 1 a 4 kg de peso, no caso da planta adulta. Fonte: Plantas Úteis do Nordeste do Brasil, editado pelo Centro Nordestino de Informações sobre Plantas (CNIP). Recife, 2002. 3 Conjunto integrado de fatores físicos e bióticos (referentes aos seres vivos) que caracterizam um determinado lugar, estendendo-se por um determinado espaço de dimensões variados (EMBRAPA, 1996).

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invertebrados, peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, mapeou 82 áreas prioritárias para a

conservação da caatinga que correspondem a 59,4% do ecossistema (dentre as quais está a

Estação Ecológica de Xingó).

O trabalho realizado pelo MMA em consórcio formado entre a Universidade

Federal de Pernambuco (UFPE), Conservation International do Brasil e Fundação

Biodiversitas, identificou níveis de endemismo4 também surpreendentes, onde das 41 espécies

de lagartos e cobras-de-duas-cabeças (anfisbenas), 16 são somente encontradas na caatinga.

Isso equivale a um índice de quase 40% de endemismo. Reunindo anfíbios e répteis, o índice é

de 15%. Entre as aves, o índice de endemismo é menor, das 348 espécies registradas, apenas

15 são endêmicas. Em compensação, a caatinga abriga 20 em risco de extinção, das quais duas

estão entre as aves mais ameaçadas do mundo, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) e a arara-

azul-de-lear (Anodorhynchus leari). Quanto à flora, pelo menos 932 espécies foram

registradas na região, sendo 380 endêmicas – das quais, as cactáceas mandacaru (Cereus

jamacaru) e a coroa-de-frade (Melocactus oreas) – e, 148 mamíferos, dos quais 10 são

endêmicas. Com 185 espécies de peixes na região distribuídas em 100 gêneros, onde a

maioria, 57,3%, endêmicos, a biota5 aquática surpreendeu os pesquisadores, pois se previa que

na caatinga, devido à semiaridez dominante na região e à predominância de rios temporários,

essa biota fosse pouco diversificada, com raras espécies endêmicas e com o predomínio de

espécies generalistas amplamente distribuídas (MMA, 2002).

A caatinga, a depender da época do ano pode apresentar-se em duas faces

distintas; uma paisagem cálida espinhosa e seca, de aspecto triste e desolador, a mais

comumente presente no imaginário coletivo onde, na época de estiagem, a vegetação se

apresenta com uma coloração acinzentada e de aparência mórbida, praticamente sem

vegetação rasteira e com arbustos desprovidos de folhas e flores, com seus galhos secos e

Page 39: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

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espinhosos, onde o verde somente se faz presente nos cactáceos e bromélias, pois retêm água,

e outra completamente inversa, já que na época das chuvas o cenário muda de forma

surpreendente, repleto de vida e cores, pois o verde se faz predominante e a fauna demonstra-

se bastante ativa, como se comemorasse a fartura de alimento. Nesse ambiente, o sertanejo,

em sua relação com o habitat6, adquiriu bastante intimidade através da qual tornou-se possível

sua sobrevivência, conhecendo quais espécies da fauna e da flora têm uso na alimentação ou

na cura de enfermidades (farmacopéia/medicina natural), bem como os recursos utilizados

para se obter água nos períodos de longas estiagens. Agregando-se esse fator a religiosidade e

aos costumes, de forma geral, é que se constitui a cultura sertaneja, a qual, vai contribuir para

com o surgimento do cangaço, em especial nos hábitos e comportamento dos cangaceiros que,

posteriormente vão influenciar essa mesma cultura, seja na história, seja quanto ao fenômeno

social em si, seja na figura dos cangaceiros, nos mitos, lendas, música, dança e versos de

cordel.

3.2 O Enredo

A história do cangaço, que vai muito além do surgimento do próprio cangaceiro –

a exemplo de Cabeleira, como ficou conhecido José Gomes, um dos mais antigos

predecessores de Lampião que, segundo Ferreira e Araújo (1999), atuou no sertão

4 De endêmico, ou seja, que não é encontrado em outros ecossistemas (MMA, 2002). 5 O conjunto de seres animais e vegetais de uma região (EMBRAPA, 1996). 6 Conjunto de características ecológicas do lugar de vida de um organismo ou população: morada natural (EMBRAPA, 1996).

[D6] Comentário: Sérgio vamos evitar citação como primeiro parágrafo de um sub-item.

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pernambucano na segunda metade do século XVIII – deve ser entendida como tendo início

desde o princípio do próprio Brasil:

Não o Brasil do índio, mas o Brasil do português, das capitanias hereditárias, o Brasil do donatário, o Brasil dos flamengos de Maurício de Nassau, o Brasil do capitão-mor, do senhor de engenho, do latifúndio e do boi; o Brasil das velhas ordenanças manoelinas e filipinas. O Brasil da Guarda-Nacional, do Regente Feijó, o Brasil de suas disputas internas, eternas desavenças que foram embriões, célula-ovo de onde germinaram o jagunço e o cangaceiro. Lutas iniciadas com a invasão holandesa, em 14 de fevereiro de 1630, passando pela Rebelião de Bequimão (Manoel Beckmão, no Maranhão em 1684); os Emboadas (1708/1710); os Mascates (1710/1711); Balaiada (1834/1841) e muitas outras que junto às pequenas brigas familiares culminaram por criar, no Brasil Colonial, o paraíso da violência e da medição de forças entre os potentados e do sofrimento e humilhação da ralé personificada na simplória figura do homem sertanejo. Esse reino de desgraças montou sua estrutura e seu mundo nos sertões nordestinos. Vem daí todos os males que ainda afligem e maltratam a gente sertaneja e brasileira (COSTA, 1994, p.20).

Mello (2004, p. 106) relata “(...) que se reconheça sempre nos elementos que

pontilharam a crônica do ciclo do gado setentrional o que neles houve de mais expressivo para

a formação de um patrimônio admirável: a saga de um povo forte”.

Com a chegada dos portugueses ao Brasil, trazendo poder e força através do

primeiro homem branco, civilizado, que pisa em solo brasileiro – impondo ao nativo, ao

selvagem, ao índio, sua vontade, cultura e religião – dar-se inicio ao processo de colonização.

Os primeiros portugueses a colonizar o nordeste brasileiro se estabeleceram nas zonas úmidas

do litoral onde, durante o século XVI surge uma florescente sociedade agrícola baseada no

cultivo da cana-de-açúcar que levou o Brasil, durante este período, a ser o maior fornecedor de

cana-de-açúcar para toda a Europa. Surge então a aristocracia açucareira, uma aristocracia de

elite, branca, orgulhosa e racista que dominava a colônia, tendo como sua principal força de

trabalho a mão-de-obra escrava, proveniente do continente africano.

Como as regiões litorâneas eram tão importantes ao cultivo da cana-de-açúcar e

havia a necessidade de produção de gêneros alimentícios, ou seja, a agricultura em geral e a

criação de gado para o sustento da população sempre crescente, surge o interesse e a

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40

necessidade de desbravar os sertões. Inicia-se assim o processo de povoamento dos sertões a

partir do século XVI sendo, mais tarde, distribuídas imensas sesmarias aos que tinham

influencia e cabedal para ocupá-las e cultivá-las até que, nas primeiras décadas do século

XVIII a estrutura da sociedade sertaneja estava constituída e, desde sua origem, deixada ao

discernimento, à prepotência ou ao abandono daqueles que tinham a sorte de possuir grandes

extensões de terra (CHANDLER 2003).

Em tal sociedade, os coronéis7 representavam a autoridade máxima, acima de

juizes, delegados e prefeitos, tinham o poder de vida e morte, pois seus interesses estavam

acima de tudo, inclusive da vida dos que se colocassem em seu caminho. Eram grandes

proprietários de terra, poderosos fazendeiros que dirigiam toda a vida social, econômica e

política das comunidades a seu redor. Em contrapartida, segundo Facó (1991, p.21):

A situação dos pobres do campo no fim do século e mesmo em pleno século XX não se diferenciava daquela de 1856. Era mais do que natural, era legítimo, que esses homens sem terra, sem bens, sem direitos, sem garantias, buscassem uma “saída” nos grupos de cangaceiros, nas seitas dos “fanáticos”8, em torno de beatos e conselheiros, sonhando a conquista de uma vida melhor. E muitas vezes lutando por ela a seu modo, de armas nas mãos. Eram eles o fruto da decadência de um sistema econômico-social que procurava sobreviver a si mesmo.

Para melhor compreensão do surgimento do fenômeno cangaço como um processo

histórico-evolutivo da sociedade sertaneja, num mundo ainda hoje pouco conhecido e

pesquisado chamado sertão, onde em pleno século XXI, pode-se encontrar comunidades que

vivem à própria sorte dos recursos ainda disponíveis no meio e de sua cultura arcaica, faz-se

relevante citar algumas observações de um dos mais importantes estudiosos desse fenômeno,

7 Expressão que vem do uso da patente de coronel da Guarda Nacional, criada em 1831 e formada basicamente pelos senhores de terra, encarregados de manter a ordem social durante o Império (Olivieri, 1999). 8 Ao elaborarem variantes do cristianismo, as populações oprimidas do sertão separavam-se ideologicamente das classes que as dominavam, procurando suas próprias vias de libertação. As classes dominantes, por sua vez, tentando justificar o seu esmagamento pelas armas – e o fizeram sempre – apresentavam-nos como fanáticos, isto é, insubmissos religiosos extremados e agressivos (FACÓ, 1991. p 10).

Page 42: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

41

devido à abrangência de suas pesquisas sobre o tema, o escritor Frederico Pernambucano de

Mello. Em nota à segunda edição de sua obra – Guerreiros do Sol – em 2004, esclarece o

autor:

Sertão é o nome desse cenário de vida difícil, zona fisiográfica perfeitamente definida em seus contornos naturais e sociais. Foi lá que a decadência precoce da colonização iniciada na segunda metade do século XVII, interrompendo o fluxo de penetração social menos de cem anos após seu início, veio a decretar o isolamento das populações já assentadas, empobrecidas a ponto de não se animarem a voltar para o litoral, além de asselvajadas por guerra longa e surda contra as tribos indígenas nativas e contra os animais bravios, notadamente, quanto a estes últimos, o felino que dizimava o gado. Isolamento e incomunicabilidade respondendo pela característica mais marcante do universo cultural sertanejo: o arcaísmo. Ainda hoje se pode sentir o eco do que foi esse traço fortíssimo da vida social fixada na caatinga, por conta do abandono em que esta jazeu ao longo de séculos. Nos modos de produção, nas relações negociais, na religiosidade, na moral, inclusive a sexual, na linguagem, nas formas de resolução de conflitos, nos jogos, no lazer, na predominância do interesse privado sobre o público, do individual sobre o coletivo, em tudo, enfim, a mumificação dos costumes provocada pelo isolamento deitou seu braço poderoso, a ponto de se respirar ali, ainda nas primeiras décadas do século passado, um clima humano muito próximo do quinhentismo e do seiscentismo trazidos pelos portugueses do primeiro momento da colonização (MELLO, 2004, p. 20).

Além da questão do isolamento dessa parte do Brasil, em relação ao

desenvolvimento do restante do país, com relação à hostilidade do ambiente caatinga e do

indígena, resistente à ocupação de seu território, Mello (2004, p.21-23) mostra um outro fator

relevante à compreensão do surgimento do cangaço, a violência (presente nos combates e nas

atividades produtivas ali desenvolvidas, em especial a criação de gado e, inclusive, nas

atividades de lazer e esportivas do sertanejo) como componente da cultura sertaneja.

Conforme Anexo C.

Percebe-se nas palavras do autor que a questão do fenômeno cangaço vai muito

mais além das questões de terra (dos latifúndios) e do poder dos coronéis, referenciados como

principais motivos – muitas vezes únicos – geradores desse fenômeno pela maioria dos

estudos sobre o tema (tanto o latifúndio como os coronéis existiram por todo o território

brasileiro e, não somente no nordeste), porém, embora esses elementos sejam facilmente

Page 43: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

42

compreendidos como determinantes dos conflitos existentes entre famílias e,

conseqüentemente, a partir destes a existência de indivíduos e/ou grupos perseguidos pela

justiça, passando estes a serem denominados cangaceiros, deve-se analisa-los como parte de

um todo, ou seja, no bojo de uma sociedade e sua cultura. Trata-se de uma história dentro da

própria história do Brasil, a história de uma região brasileira – o nordeste do Brasil, em

especial o sertão nordestino – onde o isolamento e as dificuldades de povoamento e fixação do

homem (vindo do litoral, o branco colonizador e o negro fugitivo dos engenhos litorâneos),

fosse pela caatinga de difícil penetração, com chuvas escassas e longos períodos de estiagem,

as secas que cortam ciclicamente o ímpeto da economia, ou pela resistência dos indígenas,

fizeram durante séculos, surgir uma cultura regional, única e diferenciada do restante do país e

que trouxe com o “redescobrimento” do sertão, a partir do meado do século XIX, através da

ordem pública, problemas generalizados em um Brasil “à parte” que, então, deveria passar a

ser parte de um todo, de um Brasil “único”, comportando-se socioculturalmente como o

restante da nação.

Faz-se necessário, antes de dar continuidade ao assunto, uma vez que já se tenha

contemplado a questão cultural como a égide dos acontecimentos, ressaltar que a compreensão

do fenômeno cangaço está diretamente relacionada a uma abordagem perceptiva do meio

ambiente – o sertão nordestino – onde esse tivera o seu desenrolar, pois, como fora visto até

então, as dimensões humanas se integram intimamente às físicas, em que natureza e homem

constituem uma totalidade inseparável. Dessa forma, deve-se compreender o meio ambiente

em seu sentido mais amplo, abrangendo tanto o físico-natural, como o sócio-econômico-

político; tanto natureza como homem.

Nesse enfoque, a visão do sertão, com base na bibliografia levantada, é captada

através de quatro grandes categorias, assim conceituadas e caracterizadas:

Page 44: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

43

� A Natureza, como cenário onde se desenvolvem as ações humanas,

compostas dos elementos água (rios, mar, chuva, vereda, etc.); fogo (sol,

calor, chama, etc.); ar (nuvens, redemoinhos, ventanias, pancadas de vento,

vento encanado, etc.); levam-se em conta, ainda, as referências à flora, à

fauna e à natureza construída (estradas, açudes, campos de cultivo, cacimbas

etc.);

� A Família, como grupo social básico, enquanto instituição, caracterizada por

pai, mãe, filhos, parentes e agregados, com relações afetivas e/ou de

compadrio, onde membros guardam rigorosa fidelidade à amizade recíproca;

� O Poder, pelo que representa nas relações sociais e na produção do espaço,

consistindo na superioridade pessoal ou grupal baseada na força, prestígio,

autoridade ou riqueza;

� A Religião, representando a dimensão transcendental do homem. Exercita-se

de forma institucionalizada ou não, em torno da idéia de um ou vários seres

sobrenaturais e de sua relação com os seres humanos.

Essa visão suscita um questionamento quanto à identidade sertaneja, um misto de

fortaleza e desolação, de bravura e pobreza, de conhecido e mistério. Sertões secos e verdes,

com características comuns e peculiares (WANDERLEY; MENEZES, 1997).

Como coloca Mello (2004, p.139) ao analisar os diferentes tipos de cangaço que:

“inicialmente, a formulação dos tipos básicos de cangaço teria que se basear nos tipos de

cangaceiro, partindo-se do perfil do homem para, em momento posterior, chegar-se ao

delineamento do fenômeno”, observa-se que a identidade sertaneja constitui-se num vasto

campo de pesquisa para os especialistas da área, quanto à sua relação com o fenômeno

cangaço, de forma que um estudo embasado na análise feita por Hall (2000, p.10-13) da

Page 45: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

44

identidade cultural na pós-modernidade a partir da concepção de identidade do sujeito do

Iluminismo (onde o centro essencial do “eu” era a identidade de uma pessoa), passando pela

noção do sujeito sociológico (na qual a identidade costura o sujeito à estrutura) e, por fim,

chegando à identidade do sujeito pós-moderno (em que o indivíduo assume identidades

diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu”

coerente), poderia aclarar o entendimento acerca do cangaço, pois estabeleceria relações entre

o homem sertanejo, a sociedade na qual este se insere, o fenômeno cangaço, resultante do

homem como produto da sociedade em que vive, e as repercussões (influências) do cangaço

na identidade sertaneja da atualidade.

Em outras palavras, analisando-se desde o individualismo como prerrogativa de

sobrevivência/adaptação do homem no sertão/caatinga (homem que formará/constituirá a

sociedade/cultura sertaneja), a sociedade sertaneja (já constituída) limitada a si mesma, ou

seja, condicionada à incomunicabilidade e ao isolamento quanto ao restante do país, à

instituição da ordem publica numa terra/região que não mais poderia (ou deveria) manter-se

indiferente ao restante da Nação, bem como a chegada do “progresso” com a construção de

estradas, a chegada do automóvel e do rádio (ainda na época do cangaço, “modernidades” que,

muitos esperavam contribuir para o fim do banditismo), dentre outros, que vão reconfigurando

a cultura sertaneja até os dias atuais com as usinas hidroelétricas, projetos de irrigação,

piscicultura, apicultura, etc., que possibilitará compreender o cangaço não apenas como uma

forma de banditismo rural, mas como conseqüência de todo um processo histórico-evolutivo

de formação do homem, da sociedade e da cultura sertaneja.

Essas considerações serão importantes para que se possa compreender o cangaço

enquanto fenômeno sócio-econômico, político e cultural no decorrer do texto e,

principalmente enquanto atrativo histórico-cultural de relevante importância para a atividade

turística no nordeste – sertão – brasileiro, em especial no Estado de Sergipe, como é o foco de

[D7] Comentário: Devemos evitar superlativos em textos de cunho científico.

Page 46: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

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interesse desse estudo.

3.3 Os Atores

Passada a fase inicial de povoamento (da colonização) do sertão nordestino, ou

seja, uma vez tendo o colonizador se estabelecido e, a partir de então passando a constituir

uma sociedade, a sertaneja, subentende-se já não mais haver a necessidade do emprego da

violência, necessário à sobrevivência em face dos ataques de índios e animais bravios, esta vai

situando-se numa relação em que o colonizador antagoniza o próprio colonizador. É a partir

de então que, uma vez estabelecidos em suas fazendas (latifúndios), os coronéis, para

garantirem sua segurança (e dos seus, parentes e agregados) e de seu patrimônio, uma vez que

as disputas pela posse de terras tornavam-se muitas vezes rivalidades entre as famílias, ou até

por membros de uma mesma família, que se prolongavam por gerações e gerações, passam a

ter homens armados em suas propriedades que também expulsavam moradores ou posseiros

indesejados, espancavam ou eliminavam os inimigos de seus senhores. Estes passam a ser

conhecidos como cabras, capangas e jagunços.

Porém, antes de falar especificamente de cada tipo – o cabra, o capanga e o

jagunço – que coexistiram com o cangaceiro, faz-se necessário reafirmar a questão da

violência como elemento característico da cultura sertaneja.

Assim, recorre-se mais uma vez às palavras de Mello (2004, p.64):

Page 47: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

46

Uma vez canalizada para a violência, a energia humana permanece gerando violência por muito tempo, mesmo quando os inimigos naturais que foram responsáveis pelo seu surgimento já não existam. Quando isto ocorre, o que se dá é uma reorientação do sentido dessa violência em busca de rumo diverso e não seu amortecimento súbito. Quanto mais demorada tenha sido a fase cruenta de um processo de colonização, tanto mais duradoura se mostrará, via de regra, a permanência dos hábitos violentos, numa fase em que racionalmente já não mais se justificam. Isto que se deu no nosso ciclo do gado pode ser igualmente identificado na epopéia norte-americana da conquista do Oeste, se quisermos estabelecer o paralelo. Lá, como aqui, deu-se a formação de uma tradição de violência tão rica como renitente. Ela surge e se consolida ao longo de todo o período de afirmação do colonizador sobre os oponentes nativos, possuindo – por assim dizer – legitimidade de berço e de escola, de vez que seu emprego não resulta de livre opção por parte de quem o faz mas de imperiosa necessidade de sobrevivência. O emprego de violência representa sempre um ônus inevitável e, assim, legítimo para o colonizador pioneiro, todas as vezes em que se estabelece o processo de colonização resistida.

Devido ao fato de no sertão nordestino ter havido um período de enraizamento de

uma tradição de violência, inclusive legitimada, conforme já fora visto anteriormente, a

violência como componente da cultura sertaneja, cabe então destacar a figura do valentão, um

tipo à parte dentre os já citados – cabra, capanga e jagunço – que, ainda hoje, norteia, mesmo

que de forma mais diluída, o comportamento do sertanejo quanto a questões de honra, orgulho

e moral, pessoal e familiar perante a sociedade.

A tolerância para com a violência deve ser encarada no universo cultural do ciclo do gado como um dos apanágios do próprio ciclo, não sendo, portanto, de surpreender o destaque social que nesse universo desfruta a figura do valentão, daquele homem que enganchava a granadeira e, viajando léguas e mais léguas, ia desafrontar um amigo, parente ou mesmo um estranho que tivesse sofrido algum constrangimento ou humilhação. Para tanto sendo suficiente que o desvalido lhe invocasse o nome, pondo-se ao amparo de suas armas justiceiras (MELLO 2004, p.65).

Em outras palavras, o valentão era, na realidade, um justiceiro (haja vista a

ausência da justiça instituída pela ordem pública) que zelava pela manutenção da ordem, uma

pessoa que, embora violenta, não era um malfeitor ou mesmo um criminoso a serviço de um

chefe (a exemplo do cabra e do jagunço).

Faz-se interessante ressaltar que, também não é de surpreender, embora não se

tenha o valentão, atualmente, como descreve o autor, que alguns traços deste estejam na

Page 48: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

47

identidade do homem sertanejo, ou seja, apesar de pacato e hospitaleiro, o sertanejo não

admite comportamento de desrespeito para si, seus parentes, amigos ou mesmo desconhecidos

por parte de quem quer que seja, principalmente por forasteiros. Dessa forma, muitas vezes,

por agir de forma violenta para com uma afronta à moral (honra, orgulho e respeito), o

sertanejo é visto como homem que por uma razão pequena, para quem não conhece sua

cultura e valores, como um bruto, ou seja, que resolve tudo e qualquer problema através da

agressividade. Eis aí, então, mais uma questão a ser desmistificada pelos estudiosos da área

sócio-antropológica.

Quanto aos valentões, muitos destes ficaram famosos e conhecidos, chamando

atenção, inclusive, em obras de escritores como Henry Koster, Costa Pinto, Von Spix e Von

Marius, citados por Mello (2004). Porém, como é de interesse maior nesse estudo a questão da

cultura dessa época – de valentões, cabras, capangas, jagunços e cangaceiros, do sertanejo,

enfim – como base para a cultura de então, elemento componente do produto turístico

sertanejo, vale à pena ilustrar com as palavras de quem viveu, cantou e contou em versos a

história e a cultura sertaneja, cantadores e repentistas e cordelistas, dentre outros.

Desde o princípio do mundo

Que há homem valentão

Um Golias, um Davi,

Carlos Magno, um Roldão

Um Oliveira, um Joab

Um Josué, um Sansão

Eu não chamo valentão

A cangaceiro vagabundo

Que quer ser Deus na terra

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Um primeiro sem segundo

Que vive a cometer crimes

E ofender a todo mundo

Tenho visto valentão

Ter sossego e viver quieto

Morando dentro da rua

Comprando e pagando reto

Trabalhar, juntar fazenda

Deixar herança pr’os neto

Só se esconde o valentão

Que vive com o pé na lama

José Antônio do Fechado

Morreu em cima da cama

Brigou, matou muita gente,

Morreu mas ficou a fama

Eu três homens valentões

No Pajeú conheci:

Quidute, Joaquim Ferreira,

E José Félix Mari

Mora dentro de Afogados

Tem grande negócio ali9

Quanto ao cabra, sua ação criminal segue a sorte do chefe. Se este está em paz, o

cabra cuida das tarefas pacíficas e corriqueiras da propriedade, embora se conserve sempre em

alerta, com o potencial guerreiro em estado de latência para qualquer eventual necessidade de

9 Versos de Manoel Clementino Leite em desafio com José Patrício. Citados por Frederico Pernambucano de Mello em Guerreiros do Sol. (2004. p.67)

Page 50: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

49

seu chefe, seja para ação defensiva ou ofensiva. Alguns cabras, quando da predominância do

aspecto defensivo, nos trabalhos de cobertura pessoal (guarda-costas) do chefe, passavam a

ser denominados de capangas.

Já o jagunço é um profissional que escolheu como meio de vida o ofício das

armas, prestando seus serviços ora a um ora a outro chefe – normalmente um fazendeiro ou

chefe político – permanecendo sob as ordens de um chefe até o momento em que se encerasse

a questão em que este estivesse envolvido. A partir daí, iam oferecer seus préstimos a quem

estivesse em algum tipo de conflito.

Para melhor esclarecer a importância do jagunço no contexto sócio-político – para

a manutenção do poder na mão do mais forte – faz-se interessante ressaltar que:

Enquanto o capanga e o cabra atuavam mais comumente na esfera municipal, o jagunço chegou mesmo a ser empregado em movimentos que convulsionaram o plano estadual, depondo governo constituído – como ocorreu no Ceará, em 1914 – provocando intervenção federal no Estado, pela ameaça de deposição do governo – fato ocorrido na Bahia em 1920. Foram ainda esses jagunços que, agindo em sintonia com o Governo Federal através de chefes políticos do interior, compuseram a linha de frente da duríssima resistência oposta aos avanços da Coluna Prestes em nosso sertão, ao longo do ano de 1926. Como vimos o chefe podia ser qualquer um e eventualmente esse chefe de jagunços foi o próprio Governo Federal (MELLO, 2004. p.75).

Pode-se afirmar, então, que a figura do jagunço, com suas resguardadas

proporções (e chamando a atenção para o fato de que o jagunço não foi um tipo exclusivo do

sertão nordestino), ficou tão conhecida quanto a figura do cangaceiro, pois, é a partir deles que

alguns autores, ao exemplo de Queiroz (1997) e Olivieri (1999) assuntam que, devido aos

conflitos por terras e, em especial pelas disputas de lideranças político-partidárias (em especial

os coronéis) – mesmo com o advento da República, quando passou a existir um único partido

político, o Partido Republicano – é que se verificava a existência de inúmeros bandos de

jagunços – em todo o Brasil mas, em especial o caso do sertão nordestino – e, que alguns

desses antigos bandos, passando a agir também de forma independente aos coronéis, ou seja,

[D8] Comentário: Vamos padronizar, já que utilizamos o rodapé para observações, não deveremos fazer chamada de citação com referências

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50

por conta própria – atacando as populações indefesas dos arraiais, das vilas e das pequenas

cidades, roubando, saqueando e extorquindo dinheiro mediante ameaças – passaram a ser

denominados de cangaceiros, pois usavam suas armas, cartucheiras e sacolas cruzadas no

peito, lembrando as cangas utilizadas nos bois para puxar arados, troncos e carros de bois,

entre outras coisas. Como viviam em fazendas, sob a proteção de um coronel ao qual

prestavam seus serviços, embora agissem esporadicamente por conta própria, eram tidos como

“cangaceiros mansos”.

Na sua forma mais conhecida, o “cangaço independente” surgiu no Século XIX e

terminou em 1940. Os bandos passam a atuar por conta própria, sem morada fixa,

percorrendo de forma itinerante áreas cada vez maiores do sertão, sendo constantemente

perseguidos pelas autoridades. Para combater esses bandos, conforme Ferreira e Amaury

(1999), existiam as Forças Oficiais que permaneciam em seus quartéis aguardando

informações para sair em perseguição e os Ajuntamentos Policiais, também com civis que

eram contratados – sertanejos, adaptados à caatinga – e viviam em constante movimento,

seguindo a pista dos bandoleiros, as conhecidas volantes (forma mais conhecida de combate

aos cangaceiros que, inclusive, assemelhavam-se aos perseguidos pelos trajes e pela violência

praticada às comunidades). Também, segundo Mello (2004, p.297), havia a contratação de

civis da região para comporem as colunas de provisórios – os cachimbos ou tropas de barro da

linguagem local – que caçavam cangaceiros por vingança e/ou para matar cangaceiros se

apossando de seus pertences (armas, dinheiro, jóias e ouro). Estes, os provisórios, tiveram o

seu auge contemporaneamente à revolução constitucionalista10 de 1932, causando a evasão de

tropas do sertão, devido ao envio de grandes contingentes de nordestinos a São Paulo.

A grande rivalidade que se instalara, entre cangaceiros e volantes, mascarava a realidade, que era assegurar a vitória de determinada facção. Cangaceiros e volantes continuavam, assim, as velhas lutas de parentelas que sempre haviam existido na região. Constituíam, portanto, um prosseguimento das contendas infinitas entre

10 Rebelados contra as iniciativas do governo Vargas, as elites paulistas, que clamavam pela elaboração de uma nova constituição, iniciam uma ação armada em julho de 1932. Olivieri (1999, p.29)

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Conservadores e Liberais, que vigoravam durante o Império. A perseguição dos cangaceiros pelas volantes nada mais era, no século XX, que uma nova faceta das velhas dissensões que se vinham travando durante todo o século XIX, tendo como alvo o poder local. E nos combates, como no dia-a-dia do contato com os habitantes, as mesmas atrocidades marcavam o comportamento de cangaceiros e volantes, exercidas contra seus inimigos, pertencentes a todas as camadas da população. E nem podia ser de outra maneira, uma vez que a origem de cangaceiros e de volantes era a mesma, moradores, isto é, os habitantes do sertão seco, teatro das correrias (QUEIROZ 1997, p.37-38).

Cabe ressaltar que as semelhanças entre os cangaceiros e os das volantes, além da

violência para com seus inimigos (os requintes de crueldade utilizados para castigar/vingar-se

de delatores ou traidores, no caso dos cangaceiros, ou para obter informações dos supostos

coiteiros, no caso das volantes), estava representada pelos hábitos de ambos, de uma forma

mais geral, pois, antes de pertencerem a um bando de cangaceiros ou a uma força volante,

eram sertanejos e compartilhavam de uma só cultura. A forma de vestir-se é uma característica

que chama a atenção nesse aspecto, pois muitas vezes eram confundidos quando chegavam

numa propriedade, vila ou cidade – não se sabia de imediato se era uma volante ou um bando

de cangaceiros – e, em alguns casos, algumas volantes cometiam os mesmos crimes – roubo,

pilhagem, etc – passando-se por um bando de cangaceiros.

Tão importante, quanto os cangaceiros e as volantes, eram também os coiteiros,

nome derivado de coito, que significa abrigo. Era considerado um coiteiro todo e qualquer

indivíduo que protegesse os cangaceiros, fornecendo-lhes abrigo, alimentos, informações,

armas e munição. Os coiteiros podiam ser gente simples que habitava as caatingas,

almocreves11, vaqueiros12, como também importantes comerciantes, coronéis e chefes

políticos. Alguns eram coiteiros por parentesco ou amizade, outros para evitar serem

incomodados ou para serem beneficiados pelos cangaceiros, numa “troca de favores”.

11 transportavam bens materiais – bagagens e mercadorias – em tropas de burros, uma espécie de transportadora

da época.

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52

3.4 Cangaço(s) e Cangaceiro(s)

Devido às razões (motivações) que levaram um número bastante significativo de

sertanejos a engrossarem as fileiras do cangaço é que se pode distinguir alguns tipos ou

formas específicas de cangaço e de cangaceiro.

Embora a bibliografia pesquisada estabeleça três tipos básicos de cangaço

(cangaceiros), percebe-se que eram muitos e variados os fatores (motivações) que induziram o

sertanejo a largar tudo para entregar-se à vida de cangaceiro, conforme pode ser observado nas

palavras de Melo (2004, p.116-117):

Os maiores cangaceiros, entendidos estes como os chefes de grupo de maior expressão, gostavam da vida do cangaço. Num sertão profundamente conturbado pelas disputas entre chefes políticos, lutas de famílias, ausência de manifestações rígidas e eficazes de um poder público longinquamente litorâneo; sertão povoado por um tipo especial de homem, individualista, sobranceiro, autônomo, desacostumado a prestar contas de seus atos, influenciados pelos exemplos de bravura dos cavaleiros medievais; sertão que tinha no épico o gênero maior, fazendo vivas as páginas de um Carlos Magno e os Doze Pares de França, de um Roberto do Diabo, de um Donzela Teodora, de um João de Calais; num sertão assim anormal aos olhos urbanos, o cangaço representava, na verdade, uma ocupação aventureira, um ofício epicamente movimentado, um meio de vida, ou até mesmo um amadorismo divertido de jovens socialmente bem situados, carentes de afirmação. Não se deve, por tudo isso, considera-lo despido de atrativos ou estigmatizado pelas formas mais sensíveis de reproche social. A figura do cangaceiro, homem sem patrão, vivendo das armas, infenso a curvaturas, era razoavelmente bem aceita naquele meio. Mais, chegava mesmo a seduzir os jovens, o que se torna explicável se considerarmos que ninguém melhor do que ele encarnava os traços marcantes do homem do ciclo do gado, tão apegado às características de acentuado individualismo, arbítrio pessoal e improvisação. Afinal, vivia-se um tempo em que “ostentar valentia, desmanchando samba e espalhando terror nas festas, era o melhor roteiro que um rapazinho imberbe descobria para se notabilizar entre os seus conterrâneos.

Dessa forma, conforme coloca Chandler (2003, p.282), que “dentro dos limites

geográficos e culturais de um lugar como Bebedouro ou Poço Redondo, nas décadas de 1920

12 Trabalhador que lida com o gado. Bastante conhecido pela “armadura” de couro que usava para proteger-se da

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e 1930, entrar para o cangaço era, para o filho de um morador ou de um pequeno fazendeiro

pobre, quase tão natural e cheio de atrativos como entrar para uma universidade de direito ou

medicina o era para os filhos da elite de Recife ou Salvador”, percebe-se que muitos acorriam

ao cangaço como um ofício, uma profissão, o que caracteriza o tipo conhecido como

Cangaço-Meio de Vida – tipo de maior freqüência. É o banditismo de profissão, que tem

como principais representantes Lampião e Antônio Silvino.

Outra motivação era a vingança, comum no cotidiano sertanejo por razões

culturais como já foi visto anteriormente, pois “no sertão, quem não se vinga está moralmente

morto”13. Dessa forma, o sujeito passava a integrar algum bando de cangaceiros ou formava o

seu próprio bando, consciente do papel destrutivo que a moral da terra lhe incumbe de dar fim

aos inimigos de sua família ou clã. Tem-se então o segundo tipo de cangaço, o Cangaço de

Vingança – tipo menos freqüente, com características de banditismo sertanejamente ético

forneceu à imagem genérica do cangaço grande destaque, especialmente literário. Teve como

principais representantes Jesuíno Brilhante e Sebastião – Sinhô – Pereira.

O terceiro e último tipo de cangaço é uma conseqüência da vingança já

consumada, ou seja, depois de vingado e passando a ser perseguido pelo ato praticado, o

sujeito buscava refúgio num bando de cangaceiros para estar protegido. Tem-se então o

Cangaço-Refúgio – tipo de pouca expressão. Diferente dos dois anteriores, este se caracteriza

pela estratégia defensiva. Normalmente esses componentes desempenhavam atividades

auxiliares na divisão do trabalho nos bandos, embora alguns pudessem chegar a desfrutar de

destaque nas armas, conforme o temperamento, a exemplo de Ângelo Roque, o Labareda. Há

ainda os exemplos de Jitirana e Baliza, que costumavam animar os companheiros com cocos e

emboladas nas permanências ociosas dos coitos.

caatinga e pelos aboios, cantos que retratavam seu trabalho e proezas realizadas no labor.

13 Gustavo Barroso. Citado por Frederico Pernambucano de Mello em Guerreiros do sol (2004, p. 126).

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Em relação aos dois primeiros tipos de cangaço – cangaço-meio de vida e cangaço

de vingança – há algumas curiosidades que não devem passar desapercebidas.

Para o homem sinceramente envolvido com a missão de vingança, finalista,

angustiado pela sua busca obsessiva, não havia os prazeres e atrativos que tanto prendiam os

representantes do cangaço-meio de vida. O autêntico interesse guerreiro-vingador e a

decorrente inadaptação que caracterizavam o homem do cangaço de vingança refletem-se na

sua vestimenta, impondo uma sobriedade muito grande e restrição ao equipamento. Não há

estrelas no chapéu nem demais ornamentos (enfeites) característicos do modo mais conhecido

de cangaço, ou seja, do cangaço-meio de vida.

No caso de Lampião, há um fato ainda mais interessante, pois houve um processo

de transtipicidade na sua vida cangaceira, ou seja, nos anos iniciais de sua carreira dedicou-se

ao cangaço de vingança, envolvendo-se em ferrenhas disputas com os Nogueira e José

Saturnino, em Pernambuco, e contra José Lucena, em alagoas, para muito cedo se acomodar

reorientando sua vida na direção do profissionalismo aventureiro. Percebe-se, através das

fotografias, as mudanças na indumentária do Lampião vingador e do Lampião da fase

profissional – principalmente na década de 1930.

Uma outra diferença bastante característica é a questão espacial, pois quanto ao

cangaceiro vingador, este tinha seu raio de ação bem definido, em torno da família inimiga

que, além de sedentária tem paradeiro fixo. No entanto, para o cangaceiro profissional,

aventureiro, o raio de ação tende a espalhar-se tanto quanto maior for a sua ambição. Dessa

forma tem-se que Antônio Silvino e Lampião, expoentes máximos do cangaço-meio de vida,

percorreram quatro e sete estados, respectivamente.

Outro fator preponderante entre as diferenças de atuação desses dois tipos de

cangaço está na temporalidade, uma vez que os vingadores – verdadeiros – abandonam a vida

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cangaceira logo que tenha cumprido a missão – como Sinhô Pereira, após seis anos – ou morre

tentando – como foi o caso de Jesuíno Brilhante. Quanto ao cangaceiro por profissão, este

permanece durante longos períodos até ser morto – após 22 anos de vida cangaceira, no caso

de Lampião – ou capturado – após 19 anos de cangaço, no caso de Antônio Silvino (MELLO,

2004).

Deve-se deixar claro que, quanto aos das volantes, há uma analogia aos tipos

cangaceiros, ou seja, a existência das mesmas motivações para o ingresso de sertanejos nas

forças volantes – vingança, meio de vida e refúgio.

Muitos se alistavam simplesmente para ter um emprego, visto que as oportunidades eram poucas. Outros, porque achavam intolerável viver numa espécie de terra-de-ninguém, entre os cangaceiros e a polícia. Era necessário escolher um lado ou outro. Outros se alistavam porque a polícia os ameaçava (...) Muitas pessoas se alistavam na polícia porque eram inimigos de Lampião ou de seus amigos (...) Outros homens entravam para a polícia na esperança de se vingarem de danos feitos a eles ou a suas famílias pelos cangaceiros (CHANDLER 2003, p.223-224).

Um exemplo bastante interessante para ilustrar a adesão tanto à volante quanto ao

cangaço é o de Clementino José Furtado, o Quelé. Pernambucano da ribeira do Navio, por

motivo de questões entre famílias, se retira para o sertão de Alagoas por oito anos. Em 1919,

voltando a Pernambuco é nomeado subdelegado em Triunfo até que, numa diligência, mata

dois ladrões de cavalo, sendo então processado e destituído das funções. Em 1922, por

questões políticas devido à mudança de governo, é ordenada a sua prisão ou morte, caso

resistisse. Dessa forma, Lampião, que já o conhecia desde os tempos de menino e sabia de seu

capricho nas armas, oferece-lhe companhia de seu bando, obtendo imediata concordância de

quem não tinha mais escolha. É imediatamente chefe de bando próprio e daí para um regime

de quase completa liberdade de ação. Ainda em 1922, estando os grupos de Quelé e de

Lampião arranchados em duas casas próximas na propriedade Abóboras, do coronel

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Marculino Pereira Diniz, no município de Triunfo, chega a notícia de que Terto Barbosa

matara Totô, irmão do celebrado chefe de grupo José Bernardo, conhecido como José Piutá ou

ainda Casa Velha. Dois tios de Terto que faziam parte do grupo de Lampião, ao qual

eventualmente se ligava também Casa Velha, vendo que assim que não poderiam trazer Terto

para o grupo de que participavam, procuram Quelé que concorda em aceitar. Antônio Augusto

Correia, o Meia-Noite, que era amigo de Totô, afirma que se Terto vier para onde estavam, ele

o mataria. Em decorrência dos acontecimentos decorrentes da chegada de Terto, entre Meia-

Noite e o irmão de Terto, que pertencia ao grupo de Quelé, quando este retorna e toma

conhecimento do acontecido, fica furioso e, saindo para o terreiro entre as casas onde estavam

os dois grupos, agride verbalmente Meia-Noite e, imprudentemente ofende o próprio

Lampião, que estava ausente, gritando que se Meia-Noite estivesse fiado no chefe, “juntasse

tudo que ele brigava do mesmo jeito”. Ciente das conseqüências que sua atitude poderia

acarretar, Quelé retira-se com seu grupo e procura o coronel Antônio Quintino de Lemos,

comandante-geral das forças volantes com sede em Triunfo, pedindo-lhe que o aceitasse como

voluntário na luta contra Lampião, em troca do perdão pelo processo em que estava envolvido

(MELLO 2004 p.220-225).

A partir de agora, será dado destaque a alguns nomes que fizeram a história do

cangaço de acordo com suas motivações e ações – temporal e espacial – no decorrer de suas

vidas no banditismo rural do sertão nordestino – A Saga Cangaceira.

3.4.1 Cabeleira

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Seu nome era José Gomes, nasceu no ano de 1751 em Glória do Goitá,

Pernambuco e fora iniciado nas atividades do cangaço pelo próprio pai, Joaquim Gomes.

Juntamente com seu pai e um negro de nome Teodósio, percorria longas

distâncias, cobrindo toda a província, marcando sua passagem com roubos, incêndios e

mortes. Os três foram aprisionados num canavial e levados a Recife, onde foram julgados e

condenados à morte por enforcamento, sentença executada em 1776 no Largo das Cinco

Pontas, Recife. Cabeleira contava apenas com 25 anos.

Em 1876, foi publicado o romance O Cabeleira, do escritor Franklin Távora,

inspirado em crônicas históricas do Brasil do século XVIII.

3.4.2 Lucas da Feira

Foi assim que ficou conhecido Lucas Evangelista, filho de negros escravos, nasceu

em 18 de outubro de 1807, em Olhos D’água, hoje Feira de Santana, Bahia. Cresceu em meio

ao terrível drama da escravidão (surras, castigos, condições sub humanas de vida, estupros,

maus tratos, etc.). Lucas era um negro forte e taludo e sempre procurou vingar-se, a seu

próprio modo, das repetidas crueldades dos feitores.

Era vesgo e canhoto e com apenas 15 anos de idade, já destemido e fisicamente

poderoso, Lucas decidiu formar um bando que pudesse reagir contra a desumanidade dos que

reduziam os negros à condição de animais. As atividades de seu bando, na região de Feira de

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Santana, fizeram com que as estradas da região ficassem desertas ou fossem evitadas, sempre

que possível.

Uma das características de Lucas é que havia decidido ter, em relação às moças

brancas, os mesmos direitos que os fazendeiros e patrões julgavam ter sobre as jovens negras.

Lucas foi capturado em janeiro de 1849, depois de lutar, tentar fugir e ser ferido no

braço esquerdo, que teve de ser amputado. Permaneceu preso até enfrentar o Tribunal do Júri

que o condenou à morte. Antes de ser executado no dia 26 de setembro de 1849, aos 42 anos,

fora levado ao Rio de Janeiro para ser visto pelo Imperador D. Pedro II que manifestou desejo

de conhecê-lo pela sua fama.

3.4.3 Jesuíno Brilhante

Jesuíno Alves de Melo Calado era natural da zona do Patu, Rio Grande do Norte,

nasceu em 1844. Até o ano de 1871 trabalhava como lavrador e vaqueiro, levando vida pacata

e sossegada, cuidando de sua família (casado com Dona Maria, tinha quatro filhas e um filho,

o caçula).

Nas proximidades de onde morava Jesuíno viviam os Limões, pretos famosos pela

sua valentia e por seu atrevimento. Certa feita um caprino é roubado da propriedade de

Jesuíno, no que ele desconfia de um dos Limões. Não bastasse o sumiço, dias depois um

irmão de Jesuíno é agredido por Honorato Limão na vila de Patu (RN). Honorato, juntando o

insulto à agressão, ficou a vangloriar-se de seu ato, o que chegou aos ouvidos de Jesuíno.

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Armando-se de punhal, Jesuíno matou Honorato Limão, iniciando uma rivalidade entre as

duas famílias.

O principal refúgio de Jesuíno era uma caverna na Serra do Cajueiro (RN) que se

tornou conhecida como Casa de Pedra, ali vivendo com sua família que sempre o

acompanhou, exceto nos combates.

Seu maior feito como cangaceiro foi a invasão da cadeia da cidade de Pombal

(PB), em 1877, derrubando as grades da cela para libertar seu pai e seu irmão, ali detidos.

Nesse mesmo ano, época de trágica seca – períodos de grandes estiagens – Jesuíno assaltava

os comboios que transportavam alimentos, distribuindo-os com os pobres e necessitados.

Jesuíno Brilhante foi o único cangaceiro chefe de grupo do Estado do Rio Grande

do Norte e tombou morto em combate em dezembro de 1879, em Brejo do Cruz (PB), com 35

anos de idade.

3.4.4 Adolfo Meia Noite

Nascido em data indeterminada, em Afogados da Ingazeira, sertão do Pajeú de

Flores (PE).

Por ter se apaixonado por uma prima, filha de um coronel, chefe político da região

que, por julgar que o sobrinho não estava à altura de sua filha, Adolfo foi preso a um tronco

colonial e acoitado, por ordens do próprio tio. Ao ser liberado do castigo e retornado à sua

casa, seu pai recusou-se a abençoa-lo porque ele não havia lavado sua ofensa com sangue

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(perceba-se que, independente da situação econômica, na cultura nordestina – sertaneja – a

honra de uma pessoa ou de uma família deve ser mantida a qualquer preço. Portanto, quando

alguém fere a honra de outro, este, deve obrigatoriamente vingar-se da desonra com um

castigo, preferencialmente, maior, muitas vezes tirando-lhe a vida).

Na mesma noite Adolfo esgueirou-se para dentro da casa do tio e o matou, fugindo

em seguida para o vale do Rio Pinheiros. Como havia matado pessoa importante, tornou-se

então um foragido da justiça tendo que passar o resto de sua vida a fugir da policia, tendo

junto a si os irmãos Manuel e Sinobileiro.

Apesar de ter se tornado cangaceiro, Meia Noite era tido como um homem justo e

pacífico, isso ficou evidenciado num episódio em que ele e seu bando prenderam o negro

Periquito, cujo trabalho era transportar bens de seu amo, principalmente dinheiro para

pagamentos. Apesar de tomar conhecimento de que Periquito levava consigo uma elevada

quantia em dinheiro, Meia Noite deixou que o negro partisse sem lhe tomar nada, pois

avaliou que seu amo não acreditaria no negro e o castigaria.

Adolfo Meia Noite morreu baleado durante um tiroteio.

3.4.5 Antonio Silvino

No bacamarte eu achei Leis que decidem questão Que fazem melhor processo Do que qualquer escrivão As balas são os soldados Com que eu fazia prisão14

14 Verso de Francisco das Chagas Batista acerca de Antônio Silvino. Mello (2004, p.106).

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Nasceu no dia 02 de novembro de 1875 na Serra da Colônia (PE), situada em

Carnaíba de Flores, fronteira com a Paraíba. Seu nome de batismo era Manoel Batista de

Moraes, conhecido como Né Batista e era o caçula de uma família de cinco irmãos. No

convívio familiar era carinhosamente tratado como Nezinho.

Entrou para o bando de seu primo Silvino Aires em 1896 para vingar a morte de

seu pai, Pedro Rufino de Almeida Batista, o Batistão. Teve ainda quatro irmãos mortos por

traição. Em 1900, com a morte de Silvino Aires, Passa a chefiar o bando e adota o nome de

Antonio Silvino, em homenagem a seu primo.

Num dos primeiros encontros com a polícia, contra o capitão José Augusto no

comando de trinta soldados, Silvino e seu bando, após 5 horas de luta se retiram

estrategicamente e deixam os soldados lutando sozinhos, uns contra os outros, espalhados na

caatinga. Começava assim a escrever seu nome como um dos grandes do cangaço.

Além das habilidades guerrilheiras, Antônio Silvino destacou-se também pela

ousadia de seus atos e pelo seu raio de ação, levando insegurança às áreas rurais de quatro

Estados – Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte – e despontando como o

primeiro dos grandes reinados do cangaço do século XX, vindo a ser conhecido como “Rifle

de Ouro” ou “Governador do Sertão”.

No ano de 1908, atuando principalmente na região fronteiriça dos Estados de

Pernambuco e Paraíba, leva as autoridades desses Estados a firmarem um acordo de

cooperação para combater o banditismo. O acordo consistia em evitar que problemas de

natureza político-jurídica favorecessem aos bandidos que, sabidamente passavam de um lado

a outro da fronteira de acordo com a identificação da tropa que lhes estivesse perseguindo,

uma vez que estas não podiam ultrapassar os limites de seu Estado.

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Após um breve período de retraimento, Silvino volta à plena atividade, ainda mais

audacioso, fazendo com que em 1912 representantes dos quatro Estados, já citados, se

reunissem no Recife para celebrarem novo acordo.

Em 25 de novembro de 1914, Antônio Silvino, na companhia de cinco cangaceiros

(Seu Sempre, Joaquim Moura – lugar-tenente, Espalhado, Copeiro e Pau Perverso) chega à

fazenda Lagoa do Laje, no município de Taquaritinga (PE), de propriedade de Joaquim Pedro.

No dia 27 chega à propriedade o alferes15 Teófanes Ferraz Torres, então delegado

de Taquaritinga, acompanhado do sargento Alvino, cinco soldados e mais alguns civis. Como

já suspeitavam da presença do cangaceiro na propriedade, iniciam um interrogatório violento

contra o dono da casa que negava a presença do bandido, é quando chegam dois meninos,

filhos do fazendeiro, trazendo numa bacia pratos, talheres e garrafas de vinho vazias. Diante

de fortes evidências, o fazendeiro Joaquim Pedro viu-se obrigado a revelar a presença dos

bandidos e a localização dos mesmos. Juntamente com um dos seus filhos, Nenéu, conduziu a

força até o local e travou-se um rápido combate no qual, mesmo pegos de surpresa os

cangaceiros conseguiram escapar.

Antônio Silvino, gravemente ferido e sozinho, procurou o fazendeiro Manoel

Mendes, cunhado de Joaquim Pedro e solicitou que chamasse a polícia para entregar-se, no

dia 28 de novembro de 1914. Ficou preso na Casa de Detenção de Recife até fevereiro de

1937, vivendo em Campina Grande (PB) até sua morte em 1944 aos 69 anos de idade.

Conforme Mello (2004, p.263),

Conta-se que o alferes Teófanes Ferraz Torres, já com o celerado na argola, segredava-lhe ao ouvido “o mato continuava a existir”. Reportava-se a um verso bem conhecido de Leandro Gomes de Barros, com que o poeta colocara na boca de Silvino estas palavras:

Quatro Estados reunidos

15 antigo posto militar correspondente ao atual 2º Tenente

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Tratam de me perseguir, Julgam que não devo ter

O direito de existir, Porém enquanto houver mato,

Eu posso me escapulir

3.4.6 Sinhô Pereira

Sebastião Pereira da Silva nasceu em 20 de janeiro de 1896, em Pernambuco. De

família abastada era neto do Barão do Pajeú, o coronel Andrelino Pereira da Silva.

Desde 1848, devido a questões políticas instaura-se um clima de rivalidade entre as famílias

Pereira e Carvalho que se arrasta sem maiores conseqüências até o ano de 1907, quando é

assassinado Manoel Pereira Jacobina (conhecido como Padre Pereira, por ter estudado num

seminário em Olinda), líder da família Pereira. Três dias após esse assassinato foi morto

Eustáquio Clementino de Carvalho, por vingança.

Tais acontecimentos transformaram a simples desavença política numa sangrenta

luta entre famílias. Nisso, tendo alguém que ficar encarregado de tomar a frente nas

vinganças, para isso tendo que se tornar um fora da lei, Sebastião – Sinhô Pereira – mesmo

sendo o mais novo da família, para preservar seus irmãos e as respectivas famílias, chamou

para si a responsabilidade de continuar a luta armada.

Sinhô Pereira, juntamente com seu primo Luiz Padre, passou a comandar um

grupo armado enquanto que os irmãos ficariam encarregados de prover o necessário suporte,

fornecendo homens, armas e munições, além de cuidar da administração das fazendas.

Este fato ocorreu em torno de 1916, ano em que Sinhô completara 20 anos de idade.

Em agosto de 1922, Sinhô Pereira, aos 26 anos de idade, abandona a vida de

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cangaceiro, indo para o Estado de Goiás, deixando no comando do grupo o homem que viria a

ser conhecido como o maior de todos os cangaceiros, Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião.

3.4.7 Virgolino Ferreira da Silva: O Lampião

Figura 6 - Lampião no Juazeiro do Norte-CE, em 1926. Fonte: Olivieri, 1999.

Nascido em 1898, Virgolino era o terceiro dos nove filhos de José Ferreira dos

Santos, homem pacato, trabalhador e de ótima índole, do tipo que evitava ao máximo qualquer

desentendimento, e de Maria Lopes, já um pouco diferente, era mais realista em relação ao

ambiente em que viviam e não aceitava que seus filhos fossem desmoralizados. Mas, é a partir

do momento em que Virgolino Ferreira da Silva deixa de ser o sertanejo de outrora e passa a

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65

ser o cangaceiro Lampião (Governador dos Sertões, Rei do Cangaço) que o cangaço, até então

um fenômeno regional do nordeste brasileiro passou a ser conhecido e noticiado em todo o

território nacional e até no exterior, exigindo atenção maior por parte das autoridades que,

passam a ser cada vez mais pressionadas, publicamente, a acabarem com essa forma de

banditismo no sertão do Brasil.

Como todos os outros filhos do casal, nascera no sítio Passagem das Pedras,

pedaço de terra desmembrado da fazenda Ingazeiras, às margens do riacho São Domingos, no

município de Vila Bela, atualmente Serra Talhada, no estado de Pernambuco.

Virgolino foi criado pelos avós maternos, Manoel Pedro Lopes e Jacosa Vieira do

Nascimento que residiam a uns duzentos metros do sítio Passagem das Pedras, teve uma

infância como as demais crianças da região, brincando, ajudando a família no criatório e na

roça, aprendeu a ler, escrever, a tocar sanfona – fole – de oito baixos e a trabalhar com couro,

material com o qual eram confeccionados diversos materiais utilizados pelos sertanejos, os

arreios para os animais e as vestimentas utilizadas pelos vaqueiros para protegerem-se dos

espinhos e galhos secos e retorcidos característicos da caatinga. Juntamente com o irmão

Livino, era responsável pelos serviços de almocreve que consistia em transportar mercadorias

de terceiros no lombo de uma tropa de burros de propriedade da família.

No ano de 1915 ocorreu uma das grandes secas (longos períodos de estiagem que

se prolongavam por um, dois ou três – havendo uma, de 1723 a 1727, de cinco – anos

consecutivos, sem nenhuma precipitação pluviométrica) que de tempos em tempos assolava o

sertão. A família Ferreira, afetada como tantas outras, resolveu viajar ao Juazeiro do Norte em

visita ao padre Cícero (líder religioso e político do sul cearense, era considerado um homem

santo, capaz dos maiores milagres e, representava uma das últimas esperanças do sertanejo

Page 67: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

66

castigado pela seca e repleto de fé), como faziam muitos nordestinos à procura de ajuda

divina.

Ao retornarem notaram o desaparecimento de vários caprinos e passaram a

investigar, tentando descobrir os responsáveis e reaverem os animais (ou serem, de alguma

forma, ressarcidos do prejuízo), descobrindo posteriormente que se tratava de um morador da

fazenda Pedreira, propriedade vizinha pertencente a Saturnino Alves de Barros. Tentando

evitar maiores conseqüências, José Ferreira vai até a fazenda Pedreira contar o ocorrido a

Saturnino e seu filho José para que o morador ladrão fosse expulso da propriedade evitando,

assim, maiores problemas. Saturnino, a pedido de seu filho, José Saturnino, não atendeu à

solicitação de José Ferreira.

A partir daí, passaram a haver desavenças constantes entre as duas famílias, porém

sem haver maiores conflitos por razão dos chefes das duas famílias sempre estarem refreando

os ânimos mais exaltados de seus filhos, até que, em 1917 morre o patriarca da família Alves

Barros e, seu filho mais velho, Zé Saturnino, passa a liderar a família. Dessa forma, a

rivalidade, até então sem maiores conseqüências, transforma-se em mais uma guerra entre

famílias rivais que vai gerar uma série de conflitos cada vez mais violentos.

Por intermédio do coronel Aurélio Cornélio Soares Lima, chefe político de Vila

Bela, que pretendia manter a paz na região, usando de sua autoridade, determinou que os

Ferreira se mudassem para um local chamado Poço do Negro, próximo a Nazaré, também em

Pernambuco, além de determinar que somente José Ferreira e seu filho mais velho, João,

poderiam retornar à propriedade para cuidar da criação. Enquanto que, Zé Saturnino ficara

proibido, unicamente, de freqüentar a vila de Nazaré, decisão essa que fora descumprida em

1918, quando Zé Saturnino e seu cunhado, José Cipriano aparecem armados na feira de

Page 68: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

67

Nazaré. Esse fato resultou na revolta por parte dos Ferreira que resolvem, então, revidar a

afronta, iniciando assim novos conflitos violentos.

Perseguidos pelas autoridades de Nazaré, partidários de Zé Saturnino, os Ferreira

mudaram-se outra vez em outubro de 1918, agora para o estado vizinho de Alagoas,

instalando-se no sítio Olhos D’água, próximo à cidade de Água Branca. Agora perseguidos

pelas autoridades de Alagoas, sobre influência do poder local que fazia parte das alianças de

Zé Saturnino, mudaram-se em direção à cidade de Mata Grande, chegando a um local

conhecido como Engenho, perto do lugarejo Santa Cruz do Deserto, foram acolhidos pelo

amigo Fragoso. Nesse local, Dona Maria, matriarca da família Ferreira, já bastante debilitada

pelos conflitos, sofre um infarto fulminante e morre aos 47 anos de idade. Ainda antes que

pudesse se retirar para outra localidade, José Ferreira é assassinado (com apenas 48 anos)

pelos soldados comandados pelo sargento José Lucena Albuquerque Maranhão que chegara à

cidade de Matinha de Água Branca em busca de um criminoso, Luis Fragoso, filho do velho

Fragoso, acompanhados pelo delegado local, Amarílio Batista Vilar e pelo sargento Manuel

Pereira, de Pariconha.

Era o ano de 1920, ano em que Virgolino Ferreira resolve assumir definitivamente

a vida de cangaceiro e, juntamente com os irmãos Antônio e Livino, acompanhados por

Antônio Rosa, Meia-Noite, João Mariano e Primo, resolvem juntar-se ao grupo de Sinhô

Pereira.

De acordo com a resolução tomada pelos irmãos Ferreira, têm-se os seguintes

versos:

Se reuniram os três irmãos

Cada qual mais animado

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Disse ao pai já velho

Bote a questão pro meu lado

E deixe estar que meu rifle

É um bom advogado16

O apelido de Lampião surgiu, segundo Ferreira e Araújo (1999), por um

acontecimento onde Virgolino atirava repetidamente com o intuito de clarear o local onde um

dos homens que lutavam ao seu lado pretendia recuperar um objeto que deixara cair ao

manusear sua arma. Enquanto atirava, Virgolino dizia:

– Acende, Lampião! Acende, Lampião!

Assim, a partir desse dia, Virgolino passou a ser chamado de Lampião, passando

seu nome de batismo para segundo plano (embora outros autores tenham uma versão diferente

desta, todos são unânimes à causa, ou seja, ao fato de sua habilidade em manusear a arma

que, com a velocidade que conseguia imprimir os disparos, fazia um clarão que lembrava a

chama de um lampião).

Em agosto de 1922, Sinhô Pereira resolve por abandonar a vida cangaceira

deixando na liderança de seu bando Virgolino Ferreira da Silva, o então Lampião, que durante

dois anos de intensa convivência com Sinhô Pereira, conheceu novos caminhos e adquiriu

novos conhecimentos que lhe foram muito úteis para seus grandes feitos e, conseqüentemente,

para sua fama de Rei do cangaço.

A partir de então, a fama de Lampião tende a crescer continuamente, pois seus

feitos são cada vez mais ousados, introduzindo novas técnicas de luta, novas atividades, como

16 atribuído por Optato Gueiros ao próprio Lampião e que teria sido encontrado num bornal perdido em combate e recolhido pela tropa sob o comando desse oficial (MELLO, 2004, p. 106).

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a exigência de elevadas importâncias para a libertação de reféns, a divisão do bando em

grupos menores que agiam independentemente e em locais distantes uns dos outros, para

confundir seus perseguidores, pois nunca se sabia exatamente onde ele estava e, qualquer ato

praticado por um desses grupos era automaticamente atribuído a Lampião, estivesse ele

presente ou não. Também costumava enviar bilhetes para solicitar “contribuições voluntárias”,

posto que, quando não era devidamente atendido, ou recebia respostas atrevidas tomavam-nas

à força (FERREIRA; ARAÚJO, 1999).

De acordo com Chandler (2003, p.35),

Desde cedo se viu que Lampião não era só mais um entre tantos bandidos do sertão. Até 1922, era conhecido só na sua região, mas, antes que o ano terminasse, sua fama começou a se espalhar por todo o nordeste. Em junho daquele ano, ele e seu bando atacaram sensacionalmente Água Branca, uma comarca encravada nas serras do interior de Alagoas. Imediatamente, o jornal mais influente da região, ao comentar até que ponto suas façanhas estavam atraindo a atenção da população, chamou-o de “o famigerado Lampião”. O jornal teve uma grande percepção e senso de profecia, pois, entre os anos de 1922 até 1938, não se passava uma semana sem que Lampião fosse mencionado no noticiário, quer regional, quer nacional. Poucas vezes um bandido conseguiu captar tanto o interesse da nação por tão longo tempo.

A grandiosidade dos feitos de Lampião e da mobilidade de seu bando, apenas no

ano de 1926, e que tiveram por palco somente o Estado de Pernambuco ou áreas limítrofes,

pode ser evidenciada nos fatos relatados conforme Anexo D.

Lampião, além de estabelecer alianças com coronéis e chefes políticos importantes

da região (coiteiros), desenvolveu habilidades na arte de combater e despistar seus

perseguidores (volantes) fazendo com que muitos acreditassem em um poder sobrenatural,

devido às crenças da cultura sertaneja. Passa a ser respeitado e temido em todo o sertão,

chegando a constituir um poder paralelo ao do Estado, onde, se autodenominava, o

“Governador do Sertão”.

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3.4.7.1 Do Outro Lado do São Francisco

Após a fracassada tentativa de invadir a cidade de Mossoró em 1927, no Rio

Grande do Norte, Lampião estava enfrentando sérios problemas, como forte perseguição pelas

volantes pernambucanas, com conseqüentes baixas devido aos constantes combates, deserções

de cangaceiros, dificuldades para conseguir munição, haja vista que vários coiteiros haviam

sido presos, e o próprio cansaço decorrente das batalhas e andanças constantes.

Figura 7 - Numeroso bando de Lampião em Limoeiro-PE, quando do retorno da tentativa fracassada de invadir Mossoró-RN.

Fonte: Olivieri, 1999.

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As medidas adotadas pelo governo de Pernambuco para combater o banditismo

rural, mostrando também por parte do lado repressor, estratégia e ousadia, podem ser melhor

entendidas através das palavras de Mello (2004, p.198-199) ao descrever o retorno a

Pernambuco e as dificuldades encontradas por Lampião no seu Estado natal:

A marcha de retorno a Pernambuco seria pontilhada de pequenos combates. No mais, escaramuças de desgaste que lhe impunham as forças volantes assanhadas com a quebra de sua invencibilidade. Às voltas com o grave problema das deserções que se seguiam ao revés de Mossoró, Lampião chega ao Pajeú, deparando-se com os primeiros e nada desprezíveis efeitos de um plano de governo concertado ainda no início do ano. È que, com o advento do governo Estácio Coimbra, o novo chefe de polícia de Pernambuco, Eurico Leão, havia estabelecido novas diretrizes para a repressão ao banditismo. O ponto central de sua firme orientação repousava ao combate sem tréguas aos coiteiros. Um a um iam descendo presos para a capital alguns dos principais aliados do cangaço. De Custódia, descem dois políticos influentes; de Tacaratu, o fazendeiro Antônio Gomes; de Serra Talhada, o comerciante Ascendino Alves de Oliveira e o chefe político, coronel José Olavo de Andrada; de Rio Brando, descem mais alguns coiteiros, até que finalmente é preso o coronel Ângelo da Jia, à época o maior deles. A ação corajosa de Estácio Coimbra contra homens que, juntos, representavam milhares de votos, tira as muletas do bandido. Sem o coiteiro o cangaceiro não é nada. Essa política que encontrava base em aguda análise social do problema, representava, ao lado de outras, o resultado da sensibilidade do novo governo no estimular os estudos sociais, todos procedidos sob a inspiração do sociólogo Gilberto Freyre, então secretário de gabinete de Estácio.

A eficácia das medidas adotadas pelo governo de Pernambuco fez com que, no

ano seguinte, em agosto de 1928, com o bando reduzido e percebendo que se continuasse em

Pernambuco logo seria preso ou liquidado, Lampião abandonasse Pernambuco, atravessando o

rio São Francisco e internando-se nos sertões da Bahia.

Agora, com apenas cinco homens do numeroso bando que comandava quando do

retorno da fracassada tentativa de invadir Mossoró-RN (conforme mostra a Figura 7), seu

cunhado Virgínio (Moderno), seu irmão Ezequiel (Ponto Fino), Luiz Pedro, compadre e

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homem de sua confiança, Mariano e Mergulhão, Lampião recomeça a construir seu império

em terras baianas e sergipanas.

Durante o primeiro ano que Lampião passa em terras baianas, o grande cangaceiro

cuidou de cativar boas relações com o povo daquela região, pois seu objetivo era conquistar a

simpatia da população do sertão baiano e, posteriormente do sergipano, além da formação de

um novo quadro de aliados e protetores. Já em meados de 1929, o Rei do Cangaço contava

com uma nova rede de coiteiros na sua nova área de atuação, dentre os quais, o coronel

Petronilo de Alcântara Reis (Coronel Petro), de Santo Antônio da Glória; o Coronel João Sá,

de Jeremoabo e o fazendeiro João Maria de Carvalho, da Serra Negra, todos na Bahia. O seu

primeiro contato importante após a travessia do São Francisco foi com o coronel Petro que,

após um período de convivência bastante amigável o traiu e acabou por ter que abandonar

suas propriedades e deixar a região onde vivia para garantir sua vida e dos seus.

Todavia, o bandido também estava atento para o que poderia acarretar-lhe o

acordo de 28 de dezembro de 1926 (com seis estados participantes: AL, BA, CE, PB, PE e

RN), pois com relação à questão de fronteiras, como já fora abordado anteriormente, e aos

problemas, também já comentados, que o levou a abandonar Pernambuco e instalar-se na

Bahia em agosto de 1928, estaria certo de que em pouco tempo estaria morto ou seria

capturado (Ver Anexo E).

Ainda de acordo com Mello (2004, p.275), “o cangaço passa de fenômeno ativo e

disseminado a produto quase que exclusivo da vontade férrea e do inegável carisma de um

superdotado”. Para se ter uma idéia, segundo o mesmo autor, entre os anos de 1919 e fins de

1927 foram registrados, com segurança, quarenta e quatro bandos de cangaceiros, além do de

Lampião. Em contrapartida, a partir do momento em que Lampião cruza o São Francisco, o

cangaço, pelo menos de vulto, ficara restrito ao seu grupo e os subgrupos sob seu comando.

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73

Conforme Chandler (2003, p.227) “quanto a outros cangaceiros, os únicos bandos dignos de

atenção na década de 1930 eram os controlados por Lampião, que, na verdade, se tornara o

Rei dos Cangaceiros”. Podendo-se constatar essa relação de coexistência entre um – o

cangaço – e outro – Lampião – com o fato de que, após a morte de Lampião, o cangaço tem

seu fim definitivo em apenas dois anos.

De fato, pois conforme Chandler (2003, p.302-303):

Foi sua habilidade, como chefe e guerreiro, que deu ao cangaço uma duração que se estendeu além do seu tempo. Logicamente, o cangaço – e Lampião – deveriam ter sucumbido à campanha pernambucana, no final da década de 1920, quando o banditismo ficou quase extinto na área em que tinha se tornado endêmico. Mas o astuto Lampião sobreviveu às perseguições, e construiu, do outro lado do São Francisco, um novo império que prolongou sua carreira – e o cangaço – por muitos anos. Quando morreu, o cangaço morreu com ele, pois sua força tinha se esgotado. Os que restaram do seu bando, tentaram sobreviver durante esses dois anos, porém nada mais eram do que sua sombra.

Em Sergipe, os principais coiteiros eram o Coronel Antônio de Carvalho (o

Antônio Caixeiro), do município de Canhoba, seu filho, Capitão-médico do Exército

Eronildes Carvalho (Governador do Estado por duas vezes na década de 1930), fazendeiro em

Gararu e, em Propriá, o Coronel Francisco Porfírio de Brito e seu filho Hercílio.

Cabe aqui ressaltar um fato bastante interessante dessa nova fase de Lampião e,

conseqüentemente, do cangaço, pois a mudança não fora unicamente em termos da área de

atuação mas, sim, de toda uma reestruturação no comportamento dos cangaceiros. É a partir

de 1930 que as mulheres passam a integrar os bandos (FERREIRA; AMAURY,1999, p.193)

em pouco tempo podia-se contar quarenta mulheres entre os cangaceiros, fato esse que

surpreendeu a muitos e abrandou (diluiu) mais a ferocidade guerreira dos cangaceiros “as

mulheres assinalam o início do processo de decadência guerreira que tenderia nos últimos

anos a um retraimento quase completo e a uma sedentariedade incompatível com a idéia de

cangaço, de guerrilha, em geral”, Mello (2004, p.149), passando a respeitar mais as famílias e

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sendo mais cautelosos nos combates (“enquanto não apareceu mulher no cangaço, o

cangaceiro brigava até enjoar; depois, diante de qualquer perigo, logo se podia ouvir: ai, corre,

corre!” – relato do ex-cangaceiro Balão, citado por Mello 2004, p.148). ainda conforme Mello

(2004, p.148-149), em relação à participação das mulheres em bandos de cangaceiros:

À exceção de Dada do período final – 1939-1940 – em que Corisco tivera os braços praticamente inutilizados por uma rajada de metralhadora, elas não combatiam, prestando auxílio em algumas das tarefas tradicionalmente femininas, costurando, promovendo concertos em couros e tecidos, e amando (...) A cangaceira jamais quis converter-se em amazona, jamais aceitou perder sua feminilidade.

Nessa nova fase, o grande cangaceiro passa a uma mudança considerável de

hábitos, ou seja, adquirira requintes de burguês bem-sucedido, pois passa a maior parte do

tempo no conforto quase sedentário de bem aparelhados coitos ribeirinhos em Sergipe, bem

como a consumir gêneros alimentícios bastante requintados – que faziam parte da mesa farta

dos grandes fazendeiros, coronéis e políticos – e, até mesmo de bebidas alcoólicas, a exemplo

do uísque White Horse e do conhaque Macieira, tipo cinco estrelas. Essa mudança de hábitos

estava relacionada a alguns fatores, como o fato de já estar há anos no cangaço (e nessa nova

fase mantinha-se mais “acomodado”, talvez resolvendo que deveria aproveitar melhor o que o

dinheiro poderia dar-lhe além de armas, munições e informantes) e com idade já próxima aos

quarenta, à companhia de Maria Déia Oliveira, a Maria Bonita, a quem tanto amou e,

principalmente, à convivência com coiteiros como os Brito e os Carvalho, em Sergipe, pois

neste Estado o grande cangaceiro mantinha relações diplomáticas, de chefe de Estado (o

Governador do Sertão) para Chefe de Estado (Governador de Sergipe) (MELLO, 2004).

Pode-se perceber bem as regalias dessa fase nas palavras de Mello (2004, p. 276-

277), quando relata que:

Do coronel Hercílio, prefeito e chefe político de Propriá nos anos 30, amigo fraterno de Lampião e de sua família desde quando, por volta de 1918, os irmãos Ferreira almocrevavam na região, consta que teve por mais de uma vez o topete de levar o grande cangaceiro e sua companheira a Laranjeiras e mesmo a Aracaju, onde,

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disfarçados, eram recebidos para confortáveis permanências de descanso e consultas médicas, tratados fidalgamente a queijo holandês e conhaque Macieira, tipo cinco estrelas.

Em novembro de 1929, Lampião adentrou na cidade de Nossa Senhora das Dores,

no Estado de Sergipe, com nove homens, causando surpresa, admiração e medo. Dirigindo-se

à delegacia, esclareceu que se tratava de uma visita pacífica e não havia motivo de

preocupação. O delegado e o intendente (cargo equivalente ao de prefeito) arrecadaram, junto

aos mais abastados, a quantia de quatro contos e quinhentos mil réis, num procedimento

comumente utilizado por Lampião para arrecadar dinheiro sem que fosse preciso utilizar

violência (alguns autores denominam esse procedimento como “saque elegante”).

Enquanto isso passeou pela cidade, entrando em estabelecimentos, comendo,

bebendo e pagando todas as despesas, suas, de seus companheiros e até mesmo de eventuais

acompanhantes e curiosos.

Ao final de sua visita, convencido pelos moradores que, por motivos de

rivalidades com a cidade vizinha de Capela, insistiram para que o grande cangaceiro fosse até

lá, pois, segundo eles, caso Lampião não entrasse em Capela, seria motivo de chacota por

conta dos habitantes de lá para com os moradores de Nossa Senhora das Dores, Lampião parte

para Capela (esse fato chama a atenção para o aspecto da vaidade e orgulho – característica

cultural – do sertanejo). Tomando os cuidados de sempre, os cangaceiros adentraram na

cidade de Capela, onde, novamente, Lampião solicitou a arrecadação de determinada quantia

em dinheiro. Lampião também passeou, foi ao cinema e deixou na parede de um bar um

recado dirigido a qualquer força policial que ali passasse. Esse recado deixado por Lampião

foi utilizado, mais tarde, para calcular sua altura, chegando à conclusão de que ele tinha,

aproximadamente, 1,80m de altura.

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No Estado de Sergipe, Lampião possuía bons relacionamentos, tendo conquistado

amigos e coiteiros importantes, destacando-se a localidade de Poço Redondo como maior

fornecedor de cangaceiros para seu bando. Seu irmão João Ferreira, viveu algum tempo na

cidade de Propriá sob a proteção dos Brito.

Assim sendo, pode-se concluir que a maior parte do tempo que passava em

Sergipe, Lampião gozava de certa comodidade, descanso e lazer, pois, tinha todas as

vantagens que lhe favoreciam esse “estado de paz”.

Quanto à liberdade de ação que o grande cangaceiro tinha em terras sergipanas,

pode ser percebida, conforme Mello (2004, p.297):

Em duas quadras amplamente difundidas nas feiras sertanejas e feitas provavelmente pelos próprios cangaceiros, como era de costume:

A Bahia ta de luto Pernambuco de sentimento

Sergipe de porta aberta Lampião sambando dentro

Alagoas ta descansando

Bahia caiu na mira As volantes de Sergipe Têm bala mas não atira

No ano de 1932, Lampião armou um plano para invadir a vila sergipana de

Canindé do São Francisco, localizada às margens do Rio São Francisco, em frente à cidade de

Piranhas, em Alagoas. Ordenou que Zuza, um de seus coiteiros na região, fosse até o tenente

Matos, comandante da guarnição local, e o convencesse de que sabia de sua localização.

Assim, com a saída do destacamento em busca do bandido, a vila ficou desprotegida e os

cangaceiros puderam entrar sem nenhum tipo de resistência.

O fato é que Lampião havia recebido uma carta desafiadora, escrita por algumas

mulheres daquela vila, dizendo que sabiam que o Rei do Cangaço desaprovava o uso de

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cabelos curtos pelas mulheres, mas que faziam pouco caso de sua opinião. Durante a invasão

os cangaceiros incendiaram o quartel e levaram toda a munição encontrada, enquanto que Zé

Baiano, a mando de Lampião, deixou algumas mulheres marcadas a ferro quente, com suas

iniciais JB, na face. Esse foi o castigo para com o desaforo pela tal carta.

Após esse acontecimento, as volantes saíram em busca dos cangaceiros e, dois

dias após, fora travado o combate,considerado um dos mais violentos travados em Sergipe,

ocasião na qual, Volta Seca (um sergipano que se destacou como dos mais valentes e ferozes

integrantes do bando de Lampião), contando na época com apenas dezesseis anos, e por isso

era considerado o mascote do grupo, vestiu um dólmã (veste militar) que pegara no quartel –

quando da invasão a Canindé do São Francisco – e ficou chamando os soldados para seu lado,

dizendo ser, ele, um companheiro, os soldados ao se aproximarem, eram mortos.

De 10 a 12 de julho de 1935 é celebrado o derradeiro dos grandes acordos

pluriestaduais, promovido pelo então governador de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti.

O novo acordo, com a inclusão de Sergipe, contava com a participação de sete Estados.

Embora o referido acordo, conforme Mello (2004, p.277-283), não tenha ido muito

além de uma atualização do anterior, de 1926, com a novidade da entrega do comando

unificado das operações a um sertanejo, o capitão do Exército Liberato de Carvalho,

comandante da força pública da Bahia, agilizou uma série de providências que, pela eficácia

dos resultados, passou a representar a contagem regressiva para a extinção do banditismo

cinco anos mais tarde.

As medidas adotadas, principalmente pelos Estados de Pernambuco e Alagoas que

se reuniram um mês antes do acordo de 1935, conforme o autor, como um plano de

construção de rodovias, cortando em várias direções a zona preferida por Lampião, o controle

sobre as canoas nos rios que limitam os dois Estados (AL e PE) e sobre o armamento e

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munição existentes no sertão, o equipamento das forças volantes e de suas sedes com

aparelhos de radiotelegrafia, o alistamento de sertanejos nas forças públicas e a superação

tecnológica do armamento, vantagem essa, que sempre esteve do lado do grande cangaceiro,

levaram gradativamente, Lampião, o grande Imperador do Sertão, ao fim de uma jornada de

22 anos de vida cangaceira.

Em 1936, dois fatos importantes aconteceram no Estado de Sergipe, a eliminação

do bando de dois importantes cangaceiros, o de Zé Baiano, que foi dizimado por civis,

organizados por Antonio de Chiquinha, do qual uma das filhas era amásia do cangaceiro, e o

bando de Mariano, eliminado pela volante comandada por Zé Rufino.

Em 1938, mais precisamente no dia 28 de julho, numa madrugada de quinta-feira,

na Grota do Angico (um coito localizado na fazenda Forquilha) em Poço Redondo, à época

município de Porto da Folha, atualmente, Poço Redondo (Poço Redondo e Canindé do São

Francisco eram povoados de Porto da Folha, até a década de 1950), uma data e um local que

foram marcados pelo acontecimento mais importante da história do cangaço, a morte de

Virgolino Ferreira da Silva, Lampião, o Rei do Cangaço, juntamente com Maria Bonita (que

foi degolada ainda com vida) e mais nove cangaceiros, dentre os quais, outra mulher, Enedina.

De acordo com Chandler (2003, p.285-286):

No meado de 1938, as autoridades de Alagoas estavam bastante empenhadas em eliminar Lampião, por diversas razões. Havia lá um novo governo, como nos outros estados, fruto da proclamação, em final de 1937, do Estado Novo, pelo presidente Getúlio Vargas (...) Foi dito, embora não tenha sido provado, que o próprio Getúlio tinha dito que chegara a hora de acabar com Lampião (...) É sabido que José Lucena, que comandava a campanha no estado contra o cangaço, chegou ao sertão com ordens do chefe de polícia para eliminar Lampião o mais rápido possível. Para essa tarefa, Lucena escolheu João Bezerra. Qualquer outro teria recusado, ou procurado faze-lo sem empenho, mas Bezerra não estava em posição de agir assim. Lucena disse-lhe, assim contam, que tinha trinta dias para dar cabo de Lampião ou sofrer as conseqüências de sua deslealdade para com a polícia. Tendo que resolver entre essas duas alternativas, Bezerra – relutantemente – escolheu o dever.

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Joca Bernardes, um coiteiro, informou à polícia de Piranhas (AL) que Lampião

estava nas proximidades e que Pedro de Cândida – coiteiro que vivia em Entre Montes

(povoado de Piranhas) e no qual Lampião depositava total confiança – sabia da localização

exata do bandido. O sargento Aniceto Rodrigues mandou, então, uma mensagem telegrafada

para o tenente João Bezerra que se encontrava em Pedra de Delmiro (AL). Para garantir que

essa informação não chegasse ao conhecimento de Lampião, a mensagem fora enviada em

código, dizendo: “O touro está no pasto”.

Tomando todos os cuidados para garantir que a oportunidade não escapasse (pois

como na quarta-feira era dia da feira de Piranhas, Bezerra sabia que, certamente, Lampião

tomaria conhecimento de seu plano), Bezerra, juntamente com a volante do aspirante Ferreira

de Mello, parte e acerta com o sargento Aniceto para sair ao seu encontro, em local

predeterminado, espalhando, antes, que iria juntar-se a ele para seguirem em direção a Água

Branca (Alagoas) à procura do grande cangaceiro (tática esta bastante utilizada por Lampião

para despistar seus perseguidores).

Ao prender Pedro de Cândida e torturá-lo (prendendo também seu irmão, Durval),

as volantes tiveram toda informação que precisavam e partiram para executar a missão, ainda

na quarta, dia 27 de julho, à noite.

Na manhã de quinta-feira de 1938, pouco depois de rezar o ofício de Nossa

Senhora, Lampião e seus comandados são surpreendidos por um ataque fulminante que, em

apenas quinze minutos, sob pesado tiroteio de rifles e quatro submetralhadoras distribuídas em

pontos estratégicos e atirando em traçado de convergência, acabaria com um reinado – do

grande cangaceiro, Lampião – que já ultrapassava o período de duas décadas, e que apenas

dois anos depois, resultaria no fim do cangaço.

Ao final da batalha, de acordo com Chandler (2003, p.292):

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Os soldados eufóricos saquearam e mutilaram os mortos. O dinheiro, o ouro e pedras preciosas ficavam para quem chegasse primeiro. Cenas de selvageria – verossímeis somente para aqueles que conhecem a história do cangaço, mas chocantes para os outros. Um soldado cortou fora a mão de Luís Pedro e a colocou no seu bornal, para retirar os anéis depois, com calma.

As cabeças dos cangaceiros foram levadas para Piranhas, cidade sede da volante

comandada pelo tenente João Bezerra, e expostas na escadaria da prefeitura, juntamente com

as armas e outros pertences – bornais, chapéus, cartucheiras, etc. Colocadas em latas de

querosene, mergulhadas em álcool e formol, são levadas à Maceió, capital do Estado, sendo

expostas em várias cidades durante o percurso.

Após a morte de Lampião, a maioria dos cangaceiros já havia se rendido – muitos,

conforme Mello (2004), recusavam-se a qualquer colaboração, “mantendo a altivez em meio

aos algozes”, outros, a exemplo de Pancada e Barreira, “fizeram revelações importantes sobre

protetores e esconderijos do cangaço, engajando-se na volante à procura de ex-companheiros.”

– e outros haviam sido mortos, permanecendo na ativa apenas os grupos de Labareda e o de

Corisco.

Cinco dias após o acontecimento de Angico, Corisco – seu bando e o de Labareda

eram os únicos que não haviam chegado a tempo para o encontro de Angico – chega à casa do

vaqueiro Domingos Ventura na fazenda Patos, em Piranhas para vingar a morte de seu

compadre, Lampião, pois de acordo com Chandler (2003, p.298), “conta-se que Joça

Bernardes – que delatou Lampião – desviou de si as suspeitas de Corisco, acusando Domingos

de ter sido o traidor”.

As cabeças do vaqueiro Domingos, sua esposa, três filhos e uma filha, foram

colocadas num saco e enviadas à cidade de Piranhas com um bilhete de Corisco. O conteúdo

do bilhete dizia o seguinte: “Se o negócio é de cabeças, vou mandar em quantidade”.

Page 82: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

81

Labareda, que continuou operando na fronteira da Bahia e Sergipe, entregou-se em

abril de 1940, juntamente com oito companheiros, em Bebedouro, Bahia. Já Corisco, receoso

de ser morto ao entregar-se, principalmente depois da vingança praticada contra Domingos e

sua família, tenta fugir mas é alcançado pela volante de Zé Rufino – pernambucano que

comandava uma força volante baiana sediada na Serra Negra, divisa de Bahia e Sergipe – e

morto em maio de 1940. Encerra-se assim a história do cangaço, um fenômeno sócio cultural

resultante do processo histórico-evolutivo do povo sertanejo que, ainda hoje, sessenta e quatro

anos após o seu fim, desperta o interesse de estudiosos e curiosos de toda a parte do mundo

em conhecer os fatos – causas e conseqüências – desse fenômeno e seus protagonistas.

Page 83: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

82

44 OO CCAANNGGAAÇÇOO NNAA VVIISSÃÃOO DDOO TTUURRIISSMMOO

4.1 Produto Turístico

De acordo com o que fora visto no capítulo segundo que trata de turismo, pode-se

perceber que um produto turístico é uma conjunção de elementos/fatores que, a partir da

motivação – força motriz das viagens – são estruturados de forma a possibilitar ao viajante –

turista – facilidades para que possam satisfazer suas necessidades, em outras palavras, que

possam conhecer da forma mais agradável possível o destino escolhido para realização da

viagem. Dessa forma, será enfatizado neste capítulo o processo de formatação de um produto

turístico, ou seja, serão apresentados os elementos que compõem um produto turístico, bem

como o processo de formatação do mesmo e, à medida que forem sendo apresentados, será

feita paralelamente uma abordagem acerca das possibilidades de utilização do fenômeno

cangaço enquanto componente do produto turístico do sertão sergipano.

Conforme Martins (2003, p.131):

Segundo Souza e Correa, produto turístico “é a amálgama de elementos tangíveis e intangíveis, centralizados numa atividade específica, e em uma determinada direção. Compreende e combina atrativos desta destinação, as facilidades e as formas de acesso dos quais o turista compra a combinação de atrativos e arranjos. É um composto de bens e serviços diversificados e essencialmente relacionados entre si, tanto em razão de sua integração com vistas ao atendimento da demanda, quanto pelo fato de unir os setores primário, secundário e terciário de produção”. Em outras palavras o produto turístico é composto de atrativos turísticos: entendidos como

Page 84: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

83

todos os lugares, objetos ou acontecimentos de interesse turístico que motivam o deslocamento de grupos humanos para conhece-los. Citam-se como exemplos as praias, florestas, lagoas, igrejas, museus, as praças, a gastronomia, o artesanato, as festas religiosas e exposições entre outros; Equipamentos e serviços indispensáveis ao desenvolvimento da atividade turística: compreendem os meios de hospedagem, serviços de alimentação, de entretenimento, de agenciamento, de informações e outros serviços voltados para o atendimento aos turistas. Como exemplos os hotéis, pensões, pousadas, colônias de férias, acampamentos, restaurantes, as lanchonetes, barracas de praia, pólos de lazer, parques de diversões, estádios esportivos, autódromos, cinemas, danceterias, agências de viagens, centros de informações, centros de compras, dentre outros;Infra-estrutura de apoio turístico: formada pelo conjunto de obras e instalações de estrutura física de base que cria as condições para o desenvolvimento de núcleos receptores de turismo tais como o sistema de transportes (marítimo, terrestre, aéreo, ferroviário), sistemas de comunicação (telefonia, internet, fax), sistema de segurança (delegacia de polícia, corpo de bombeiros, salva-vidas) e equipamento médico-hospitalar (hospitais, pronto-socorros, farmácias, maternidades). Para receber os turistas é necessária infra-estrutura de acesso e urbana: facilidades para o deslocamento dos visitantes, fornecimento de serviços indispensáveis como água, luz, esgoto, saneamento básico, segurança.

Para Padilla (1994, p.34) a oferta turística (produto) pode ser dividida em oferta

principal – que está relacionada aos atrativos que produzem as motivações que dão origem às

viagens – e oferta complementar, conseqüência da oferta principal e se refere aos diversos

fatores que tornam possível e facilitam o traslado e a permanência do turista. Os fatores são:

infra-estrutura, de base (vias de acesso, saneamento, segurança, etc.) e turística (produção de

bens e serviços diretamente relacionados com a atividade turística); e superestrutura,

conforme o autor, o aparato político-institucional de regulamentação e fiscalização da

produção e venda dos serviços

Pode-se deduzir que os atrativos são a matéria-prima de um produto turístico, uma

vez que os equipamentos turísticos e a infra-estrutura de apoio podem ser montados a

qualquer instante, ou seja, como a indústria de transformação que pode ser erguida e equipada,

mas sem a matéria-prima não produzirá. Analisando então o cangaço enquanto atrativo

turístico (matéria-prima do turismo), pode-se configurar um leque de possibilidades a ser

trabalhado em conjunto e/ou separadamente, dando além de alternativas para a prática de

modalidades específicas de turismo, subsídio para a composição de um produto turístico

Page 85: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

84

(sertanejo) autêntico e consistente que possibilitará maior atratividade e, conseqüentemente,

maior competitividade no mercado turístico brasileiro (e internacional).

4.2 Cangaço e Produto Turístico: as possibilidades

Partindo-se do princípio que o cangaço está inserido no contexto dos atrativos

histórico-culturais, de acordo com o que fora abordado no capítulo referente ao cangaço, tem-

se diversos elementos da cultura sertaneja que – especialmente em se tratando da formatação

de um produto turístico – devem ser devidamente trabalhados e difundidos na composição do

produto turístico, diversificando e qualificando a oferta e ao mesmo tempo contribuindo com a

valoração e conservação da cultura local/regional que muitas vezes padece em decorrência de

sua fragilidade diante da cultura capitalista de consumo massificado.

Dentre esses elementos podem ser classificados os seguintes:

• No artesanato – a exemplo dos bornais dos cangaceiros, bem como os chapéus e

outras indumentárias (alguns em couro e outros em tecido) que eram

confeccionados pelos próprios cangaceiros e eram derivados da cultura sertaneja

(a exemplo das vestes que eram uma releitura dos trajes do vaqueiro –

“armadura” de couro para enfrentar a caatinga). Dessa forma, fazem parte desse

contexto os mais diversos tipos de bordado encontrados no sertão (o ponto cruz,

o labirinto, o rendendê, entre outros) e o artesanato em couro (podendo-se,

logicamente, incluir o artesanato em cerâmica, madeira, palha, etc.) c como pode

ser percebido nas roupas, chapéus e acessórios dos cangaceiros, conforme as Figuras 8

e 9 que seguem:

Page 86: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

85

• Na gastronomia – uma vez que o “cardápio” sertanejo ainda preserva suas raízes

(a exemplo do que pode ser encontrado, inclusive, longe do sertão nordestino,

como por exemplo na cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente na feira de

São Cristóvão, uma feira tipicamente nordestina onde a comunidade proveniente

do nordeste, à procura de emprego, criou um ambiente onde fosse possível

confraternizar-se e ao mesmo tempo manterem suas tradições, mesmo longe do

“torrão” natal – tem-se o queijo, a carne de bode e de carneiro, a carne seca

(jabá), a buchada, a rapadura, a farinha, umbuzada, doce de coroa-de-frade, etc.),

pode-se promover a difusão da gastronomia local/regional, priorizando a

culinária e a produção de bens (além dos gêneros alimentícios, há também uma

gama de produtos como loca – no caso, de cerâmica produzida na própria

localidade/região, móveis, artigos de decoração, etc.) e serviços relacionados à

gastronomia, aquecendo assim a economia local/regional;

Figura 8 - Cabeças de Lampião (isolada abaixo) e demais cangaceiros mortos em Angico, Sergipe, em 1938 Fonte: Olivieri, 1999.

Figura 9 - Inacinha, companheira do cangaceiro Gato morto ao tentar invadir a cidade de Piranhas-AL., para resgata-la (liberta-la) Fonte: Olivieri, 1999.

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86

• Na música/dança – o forró, dentre as variedades do gênero está o xaxado (tanto a

música quanto a dança), ritmo sincopado como um tiroteio criado pelos

cangaceiros. Daí, pode-se trabalhar a questão das festas juninas, o casamento

matuto, quadrilhas, etc. (bem como as comidas típicas dessa época , a decoração

– bandeiras, balões e fogueiras – e os demais elementos que compõem essa

manifestação cultural). Além do forró, cabe ressaltar também as cantorias, pelas

quais os cantadores (repentistas, emboladores e rabequeiros) contribuíam não

somente com o lazer, nas feiras livres, como também levavam informação acerca

dos acontecimentos – do cangaço, em especial, e de outros fatos;

• Na religião – pois uma das características marcantes do rei do cangaço –

Lampião – era sua religiosidade e crendice, pois a exemplo dele os cangaceiros

carregavam consigo diversas orações – inclusive as orações de corpo fechado.

Assim, tem-se aí outra vertente, que é o turismo embasado nas manifestações de

caráter religioso (conhecido como turismo religioso) a exemplo de outro

fenômeno marcante do sertão nordestino que foi a existência do denominado

“fanatismo” religioso, marcado na figura de beatos, a exemplo de Antônio

Conselheiro – a história de Canudos.

• Na literatura – a literatura de cordel, citada freqüentemente na obra de Frederico

Pernambucano de Mello (2004), está intimamente ligada ao cangaço, ou melhor

dizendo, “impregnada” por este, dentre outros temas. O cordel é composto em

sextilhas, estrofes de seis versos, escritos em folhetos no formato próximo de

10,5 cm por 15 cm, equivalente a uma página tamanho ofício dividida em quatro

partes e o número de páginas é múltiplo de quatro (8, 16, etc.). O folheto é

ilustrado com xilogravura – arte confeccionada em madeira e depois impressa no

papel, uma espécie de carimbo. Essa narrativa, em verso encontrou na população

Page 88: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

87

semi-analfabeta o terreno fértil para expansão, explorando exaustivamente o

território da magia. O reino da fantasia, onde entidades e seres míticos e

misteriosos circulam ao lado das figuras reais de cangaceiros, coronéis,

boiadeiros, beatos, donzelas, burocratas, policiais e políticos.

Figura 10 – Viver do Cangaceiro Fonte: Olivieri, 1999.

Para Casasola (1985, p. 31-32), do ponto de vista da antropologia a cultura é o

resultado da interação da sociedade com o ambiente, entretanto deva ser entendida como

sendo constituída pelos conhecimentos, atitudes e hábitos adquiridos pelo homem como

membro de uma sociedade. A cultura e o meio estão estreitamente relacionados: a primeira é

uma forma de adaptação ao meio, se este se transforma ou modifica, a cultura também

experimenta transformações, mudanças e readaptações.

Dessa forma, entendendo que os cangaceiros viviam quase que integralmente em

meio à caatinga, aproveitando-se da sua dificuldade de penetração para escaparem das

perseguições, bem como utilizando (de forma bastante aperfeiçoada) os recursos que ela lhes

oferecia (água, alimentação e farmacopéia), pode-se perceber (e talvez essa seja a forma mais

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88

viável/adequada para se trabalhar o cangaço, turisticamente) que o ecoturismo agrega e

contempla todos os elementos susceptíveis de abordagem a partir do fenômeno cangaço.

Essa idéia fica mais clara ao analisar a definição de ecoturismo dada pela

EMBRATUR (1994), ″(...) é um segmento da atividade turística que utiliza, de forma

sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de

uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar

das populações envolvidas″.

Considerando-se que o ecoturismo é visto por muitos estudiosos como sendo a

forma mais adequada (racional) de se trabalhar o turismo (embora, independentemente da

segmentação de mercado – tipo de turismo – deve-se prezar pela conservação/manutenção dos

atrativos, matéria-prima da atividade), tendo na sua essência a interpretação do ambiente

como ferramenta construtiva (educação e cidadania) e, analisando a utilização dos recursos

naturais e culturais existentes numa localidade/região como promotora do desenvolvimento

local/regional, percebe-se no cangaço (desde a caatinga como o único bioma exclusivamente

brasileiro, até o fenômeno cangaço, em si) um potencial vastíssimo de possibilidades para se

desenvolver atividades ecoturísticas.

Sabe-se, entretanto, que para a formatação de um produto turístico tem que se

levar a cabo um processo minucioso de planejamento que deve analisar, além dos atrativos

existentes e da infra-estrutura local/regional, as possibilidades de mercado – oferta e demanda

– para que se possa traçar as ações para a elaboração do(s) produto(s), sua divulgação –

publicidade, promoção e marketing – e comercialização.

Embora não seja objetivo desse estudo a formatação de um produto turístico, e sim

a análise das possibilidades de reestruturação e reorganização de um produto já existente e

comercializado, Xingó, no qual está inserido o município de Canindé do São Francisco

Page 90: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

89

(embora o produto contemple mais dois municípios, Poço Redondo e Porto da Folha, pode-se

dizer que todo o fluxo é para a cidade Canindé, que é onde se encontra a usina de Xingó e

onde foram erguidos alguns equipamentos – turísticos – que serão apresentados mais adiante),

Sergipe, com base na história do cangaço enquanto atrativo turístico, a análise será embasada

no que fora abordado até o momento e na pesquisa de campo realizada na região de Xingó.

4.3 Produto Xingó: O caso de Canindé do São Francisco-SE

Criado em setembro de 1993, o Fórum para o desenvolvimento da Região dos

Lagos do São Francisco – COMLAGOS – tinha por objetivo ser um espaço para o exercício

da cidadania onde se discutisse o encaminhamento de sugestões, aos órgãos competentes, de

ações em benefício da região formada pelos municípios dos Estados de Alagoas, Bahia,

Pernambuco e Sergipe, cujos territórios abrigam hidrelétricas, com o intuito de estimular

novas atividades geradoras de emprego e renda, ocupando assim o espaço que seria deixado

pelas obras das hidroelétricas, até então o sustentáculo econômico da região. Assim, dentre as

três âncoras identificadas como as mais promissoras a curto e médio prazos, em meados de

1995, estava o turismo.

Assim, através de convênio firmado entre a CHESF e o Fórum para o

desenvolvimento da Região dos Lagos do São Francisco, foi realizado pelo SEBRAE

nacional, com a participação dos SEBRAE’S dos quatro Estados envolvidos, o Inventário do

Potencial Turístico da Região dos Lagos do Rio São Francisco em 1998, que serviria para

traçar o Plano Diretor de Turismo da região, cujo desejo era tornar a atividade turística numa

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90

das principais fontes geradoras de emprego e renda no eixo Itaparica - Paulo Afonso - Xingó

(Usinas Hidroelétricas da região, ao longo do rio São Francisco), contribuindo para o

desenvolvimento sócio-econômico e, conseqüentemente, para a melhoria da qualidade de vida

das comunidades.

O Inventário do Potencial Turístico da Região dos Lagos do Rio São Francisco é

constituído por uma relação de atrativos turísticos (naturais, históricos e culturais), de

equipamentos e serviços turísticos (agências de viagens, meios de hospedagem, alimentação,

etc.), e de infra-estrutura de apoio turístico (sistemas de comunicação, de serviços urbanos,

médico-hospitalar, etc.) de vinte e cinco municípios, tendo como objetivo geral a elaboração

do plano diretor de turismo sustentável da região dos lagos do rio São Francisco e, como

objetivos específicos - a) identificar os tipos de turismos existentes e/ou potenciais na região,

b) formar uma base de dados do turismo na região, c) divulgar o potencial turístico junto aos

mercados emissores nacional e internacional, d) identificar oportunidades de negócios de

forma a motivar empresários a investir na região. Porém, cabe ressaltar que, apesar de uma

boa iniciativa, o resultado da proposta mostra-se incipiente, uma vez que não concretizou seus

objetivos, pois, criou sim, um banco de dados sobre o turismo na região (já necessitando uma

reedição e/ou uma reavaliação), ou melhor, catalogou uma lista de elementos com potencial

para atrativos turísticos, sem levar em consideração um grau de hierarquização de importância

dos mesmos, para que em contrapartida fossem traçados os devidos roteiros e formatando um

produto turístico regional (com seus subprodutos), o qual poderia ser divulgado, e não os

potenciais, criando assim as oportunidades de negócios que, certamente, atrairiam um número

considerável de investidores.

Mais recentemente, fora realizado em Paulo Afonso – BA, de 28 de fevereiro a 01

de março de 2002, uma jornada de trabalho – Turismo na Região dos Lagos do São Francisco

– com o intuito de identificar os problemas e propor sugestões para solucionar o entrave do

Page 92: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

91

turismo na região. O evento contou com a participação de empreendedores do setor,

representantes dos municípios que compõem o COMLAGOS, Banco do Nordeste, do Sebrae,

e de ONG’s da região, porém, somente os órgãos oficiais dos estados da Bahia e Pernambuco

se fizeram presente. Como resultado, a pouco mais de dois anos da realização do evento, tem-

se apenas um relatório consolidado, ou seja, não houve continuidade do que fora proposto.

Percebe-se então que a região de Xingó, em especial a Região dos Lagos do São

Francisco, que, por se tratar do sertão nordestino, uma região historicamente de desinteresse

político no processo de desenvolvimento sócio-econômico do país, enfrenta sérios problemas

na tentativa de estabelecer uma política de turismo bem estruturada que consiga consolidar a

atividade turística como instrumento de desenvolvimento sustentável local/regional, e que as

medidas até então adotadas, mesmo com o intuito de integrar a região, transformando-a num

pólo turístico, a exemplo do Comitê Turístico da Região dos Lagos do São Francisco –

COMLAGOS – não têm tido resultados satisfatórios, pois acabam por ser descontínuas e

desarticuladas. Então, cada município e, conseqüentemente cada estado, divulga e tenta

vender seus atrativos, e não seus produtos (turísticos), pois não os constituíram, de forma

isolada em ações independentes.

No caso específico de Canindé do São Francisco, em Sergipe (que é o objeto desse

estudo), houve a realização de um evento – I Seminário da Região do Alto Sertão Sergipano –

em março de 2003 que tinha como objetivo “consolidar a região do alto sertão sergipano como

destino turístico com a participação da comunidade local” mas que, infelizmente, não

produziu resultados práticos, ou seja, não houve nenhuma ação concreta afim de alavancar o

turismo na região e promover o desenvolvimento socioeconômico das comunidades

envolvidas.

Page 93: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

92

O evento, realizado pelo Sebrae-SE, contou com a participação do superintendente

do Sebrae-SE, da coordenadora do Sebrae-Xingó (que já não existe mais), do secretário de

turismo do estado de Sergipe, da prefeita do município, além de profissionais que atuam no

setor turístico do estado, professores e alunos de cursos de turismo de Aracaju.

Há ainda alguns eventos como, relacionados à apresentação/mobilização de

programas de instituições como o Sebrae-SE e a Universidade Federal de Sergipe – UFS

(isoladamente ou em parceria com o governo do estado e/ou a PM), por exemplo, e outros

como houve no primeiro semestre desse ano para o lançamento da Rota Aracaju-Xingó.

O turismo é uma rede interligada de setores que, direta ou indiretamente

envolvidos com a atividade turística, devem interagir de forma harmoniosa e sinérgica para

que, assim, se possa alcançar um objetivo comum, ou seja, a geração de emprego e renda,

contribuindo com a melhoria da qualidade de vida, ou de forma mais abrangente, com o

desenvolvimento sócio-econômico-cultural das comunidades envolvidas.

De acordo com o plano estratégico para o desenvolvimento do turismo no estado

de Sergipe, houve, entre 1997 e 2002, um crescimento bastante significativo do turismo no

estado decorrente de ações de marketing e da diversificação da oferta, pois, a partir de

Aracaju, portão de entrada do turismo no estado de Sergipe, atualmente estão sendo

comercializados seis roteiros – praias de Aracaju, Costa das dunas (o litoral sul do estado, no

qual é comercializado Mangue Seco-BA), costa dos manguezais (litoral norte do estado), foz

do São Francisco e o cânion de Xingó – dos quais, pelo menos um é feito/consumido pelo

turista que chega a Aracaju via operadora turística.

Para uma melhor visualização seguem as Tabelas 1 e 2, que seguem, vislumbram o

crescimento do turismo em Sergipe e os roteiros mais vendidos, respectivamente:

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TABELA 1 –TAXA DE CRESCIMENTO DO FLUXO TURÍSTICO DO ESTADO DE SERGIPE (1997-2002)

FONTE 1 FONTE 2 ANO

Nº DE VISITANTES TAXA CRESCIMENTO

ANUAL (%) Nº DE VISITANTES

TAXA CRESCIMENTO ANUAL (%)

1997 478.382 5,67 1998 505.513 -14,88 382.080 1999 430.268 8,21 422.877 10,68 2000 465.600 30,99 463.673 9,65 2001 609.874 8,21 504.470 8,80 2002 659.969 5,67 545.267 8,09

Fonte: SEPLANTEC, 2003

TABELA 2 – PERCENTUAL DA DEMANDA PELOS PRODUTOS TURÍSTICOS DO ESTADO DE SERGIPE (1997-2002)

ORDEM DE

PREFERËNCIA DESTINO

PERCENTUAL DE VISTANTES VISITANTES/ ANO

1º MANGUE SECO 35 14.000 FOZ DOSÁO FRANCISCO 20 8.000

2º XINGÓ 20 8.000

3º COSTA DOS MANGUEZAIS 15 6.000 4º CIDADES HISTÓRICAS 10 4.000

Fonte: SEPLANTEC, 2003

Percebe-se, então, que Xingó divide com a foz do rio São Francisco a segunda

colocação dos roteiros mais vendidos do Estado. Entretanto, cabe ressaltar que os roteiros

comercializados são em sua grande maioria excursões, ou seja, visitas sem pernoite

(hospedagem) – atualmente está sendo comercializado a rota Aracaju-Xingó, no qual o turista

pernoita na região, porém, em termos de Xingó, o pacote não oferece nenhum diferencial, ou

Page 95: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

94

seja, continua sendo oferecido o mesmo de sempre, sem que haja uma maior permanência do

turista na região e o envolvimento da comunidade.

Para melhor compreensão acerca do produto turístico Xingó, será feito uma

análise mais detalhada da oferta atual, ou seja, dos equipamentos e serviços à disposição do

turista e das potencialidades que não estão sendo aproveitadas pelo turismo, entravando o

desenvolvimento local/regional.

4.4 Análise da oferta turística de Canindé do São Francisco-SE

Inicialmente, deve-se perceber que o destino turístico é denominado Xingó (ou

cânion do rio São Francisco), e não Canindé do São Francisco, e que o município foi

escolhido para objeto desse estudo por razão de possuir a melhor estrutura da região (no que

se refere à atividade turística), uma vez que conta com o melhor equipamento de hospedagem

da região, além do MAX – Museu Arqueológico de Xingó – e com um bar e restaurante

flutuante e embarcações exclusivas para passeios turísticos (catamarãs e escuna), tanto a

montante quanto à jusante da Hidrelétrica de Xingó, únicas na região. Além disso, o

município conta com um montante mensal de aproximadamente R$ 3.000.000,00 referentes

aos royalties provenientes da UHX (o município é o único a recebe-los, segundo a legislação

vigente, porque a geração da energia elétrica gerada pela UHX está localizada do lado

sergipano, no município em questão), o que lhe coloca em condições bastante favoráveis em

relação aos demais municípios (sergipanos, alagoanos e baianos) circunvizinhos.

Dessa forma, a análise será realizada a partir do Quadro 5 que se segue, montado

com base na pesquisa de campo realizada e organizada de forma a expor os principais

elementos que compõem a oferta turística do município. Através da interpretação do quadro

será possível analisar as necessidades inerentes ao fomento da atividade turística no município

Page 96: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

95

de Canindé do São Francisco, promovendo o desenvolvimento socioeconômico local/regional,

através da formatação de um produto turístico bem elaborado que contemple a utilização

adequada e responsável das potencialidades (atrativos) existentes no município/região, para

tanto.

SSIITTUUAAÇÇÃÃOO COMPONENTES BOM REGULAR RUIM

1. INFRA-ESTRUTURA Acesso Saneamento Tratamento do lixo Abastecimento de água Abastecimento de energia elétrica Meios de comunicação Meios de hospedagem Serviço de alimentação Sinalização turística Informações turísticas Equipamentos turísticos

2. DIVULGAÇÃO 3. COMERCIALIZAÇÃO 4. MERCADO POTENCIAL

Quadro 5 - Análise da oferta turística de Canindé do São Francisco-SE. Fonte: Informações pesquisadas pelo autor.

De forma geral, pode-se dizer que o município de Canindé do São Francisco

apresenta uma razoável estrutura no tocante à atividade turística.

O acesso, a partir de Aracaju é feito pela BR 235, seguindo pela BR 101 até pegar

a SE 206, perfazendo um percurso de 200 km até Canindé. Toda a via encontra-se em bom

estado de tráfego, dentro do panorama geral das rodovias brasileiras (há ainda uma carência

quanto à sinalização).

Page 97: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

96

A sede municipal de Canindé é de construção recente, inaugurada em março de

1987 pela necessidade de transferência devido à construção da Hidrelétrica de Xingó – devido

à falta de espaço para a expansão (pois com a construção da UHX viria o desenvolvimento) e

porque a antiga sede estava localizada em local de risco (localizada às margens do rio São

Francisco, em frente ao vertedouro da usina) – conta com uma estrutura urbana moderna, o

que confere ao município vantagens qualitativas em relação aos demais município do semi-

árido sergipano.

Porém, percebe-se que algumas providências devem ser tomadas pela prefeitura

municipal com o intuito de manter e melhorar a estrutura existente. Como prioridades, tem-se:

a questão dos efluentes líquidos e o tratamento do lixo (uma realidade negativa na grande

parte dos municípios brasileiros e que devem ser reorientados para garantir a integridade do

meio ambiente e, conseqüentemente, a qualidade de vida da comunidade. Pensando em

relação ao turismo, faz-se uma medida indispensável na formatação do produto turístico); a

reforma ou construção de um novo terminal rodoviário, pois o existente encontra-se conexo à

praça principal sem estacionamento adequado para os ônibus, bem como para os demais

veículos que ali necessitam parar; melhorias nos equipamentos e profissionais de saúde do

município; equipamentos destinados à recreação e lazer da comunidade e que possam ser

utilizados pelos turistas.

Quanto aos sistemas de abastecimento de água, energia elétrica e comunicação, o

problema está no serviço telefônico, no tocante ao mau funcionamento dos orelhões existentes

na cidade.

O parque hoteleiro conta com o Xingó Parque Hotel, um equipamento bem

localizado e estruturado que conta com 59 apartamentos e uma suíte, bons equipamentos

(cinema, 2 salões de convenções, piscina com cascata, um catamarã – que faz o passeio à

Page 98: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

97

jusante do rio, contemplando a cidade histórica de Piranhas e o distrito de Entremontes, no

lado alagoano e, do lado sergipano a fazenda Forquilha onde se localiza a grota de angico,

local onde morreu Lampião – , etc.) e serviços inerentes ao porte do empreendimento (a

principal necessidade detectada é referente à prestação dos serviços). O hotel fica localizado

em local isolado e fora da sede municipal (na serra do Chapéu de Couro), com vista para o rio

São Francisco e a hidrelétrica de Xingó.

Foto 1 – Vista panorâmica do Xingó Parque Hotel Fonte: Produzida pelo autor

Na sede municipal encontram-se mais dois hotéis (um deles, o China Hotel que

comporta parte do fluxo turístico) e uma pousada que geralmente são freqüentados por outros

viajantes.

Page 99: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

98

Foto 2 – Vista da fachada do China Hotel. Fonte: Produzida pelo autor

Há ainda, o hotel Águas de Xingó, localizado em frente a prainha – praia fluvial

do município, localizada aproximadamente onde ficava a antiga sede municipal, de frente para

o vertedouro da hidrelétrica de Xingó – e que tem previsão de ser inaugurado ainda esse ano.

Sua estrutura é horizontal, edificado onde se localizava o alojamento dos operários

da hidrelétrica e alguns galpões de empresas ali instaladas para a construção da usina. Possui

equipamentos básicos (estacionamento e hospedagem, basicamente) com quartos bem

aparelhados.

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99

Foto 3 – Vista frontal do Hotel Águas de Xingó. Fonte: Produzida pelo autor

Quanto aos equipamentos turísticos existentes no município de Canindé,

destacam-se:

• Karranca’s – bar e restaurante flutuante localizado no lago da hidrelétrica de

Xingó que serve de ancoradouro e ponto de partida para o catamarã e a escuna

que fazem o passeio pelo lago até o paraíso do talhado (localizado no

município de Olho D’Água do Casado, Alagoas) e até Paulo Afonso, na Bahia

(esse passeio só é realizado através de um pacote específico com a operadora

doas embarcações). Constatou-se nesse estabelecimento a necessidade de

reavaliação da estrutura (principalmente quanto aos banheiros e a questão do

lixo, mesmo tendo passado por uma reforma recentemente), bem como dos

serviços prestados. O mesmo acontece com a MTUR, empresa que opera as

embarcações, quanto aos serviços prestados.

Uma outra deficiência do estabelecimento é que a maior parte dos produtos

artesanais que são comercializados na lojinha lá existente, é de outras regiões e não de Xingó.

Page 101: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

100

Foto 4 – Vista do Bar e Restaurante Flutuante Karranca's. Fonte: Produzida pelo autor

• MAX (Museu Arqueológico de Xingó) – localizado na via que dá acesso ao

lago de Xingó, é administrado pela UFS e possui um acervo de peças, fotos e

réplicas de escavações arqueológicas na região. O material indica a existência

de vida na região há 12.000 anos.

Page 102: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

101

Foto 5 – Vista Frontal do Museu Arqueológico de Xingo - MAX Fonte: Produzida pelo autor

• PRAINHA – localizada em frente ao vertedouro da usina, possui um bom

espaço e oferece boas condições de banho. Entretanto, não possui água

encanada para as barracas, o que implica na falta de qualidade em relação à

higiene. É freqüentada, principalmente pela comunidade, haja vista a falta de

uma estrutura adequada para receber o turista, em contrapartida, devido ao não

uso turístico, oferece preços mais condizentes com o poder aquisitivo da

comunidade do município.

Page 103: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

102

Foto 6 – Vista aérea da Prainha Fonte: Produzida pelo autor

• FAZENDA FORQUILHA – é nessa propriedade que se encontra a grota do

Angico, local onde em 28 de julho de 1938 morreram Lampião, Maria Bonita e

mais nove cangaceiros (motivo pelo qual é bastante visitada pelos turistas).

Possui um bar/restaurante e uma excelente praia fluvial, além e uma lojinha de

artesanato erguida conforme as construções características da região (de barro

batido, na linguagem local/regional). A caminhada do restaurante até a grota do

Angico (que embora pertença à fazenda já se encontra no município vizinho de

Poço Redondo, também em Sergipe) é de aproximadamente 800 m e leva em

torno de 40 minutos.

Page 104: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

103

Foto 7 – Vista lateral da Grota do Angico Fonte: Produzida pelo autor

Em agosto de 2003, o Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Científico de

Xingó, através de uma equipe de técnicos de algumas unidades de projeto, realizou uma

missão na propriedade com o intuito de orientar os proprietários quanto a algumas ações que

pudessem dinamizar a funcionalidade do empreendimento e ofertar um melhor serviço ao

turista. Na ocasião, o autor desse trabalho, integrou a equipe e contribuiu para o relatório final,

conforme Anexo F.

• FAZENDA MUNDO NOVO – de acordo com o trabalho semelhante realizado

na fazenda Forquilha pelo Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e

Científico de Xingó, através de uma equipe de técnicos de algumas unidades de

projeto e com a participação do autor dessa dissertação de mestrado, fora

confeccionado um book da propriedade para apresentação e divulgação da

mesma.

Page 105: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

104

Foto 8 – Vista do acesso às trilhas da Fazenda Mundo Novo Fonte: Produzida pelo autor

A fazenda Mundo Novo iniciou suas atividades no início desse ano e apresenta-se

com problemas operacionais devido à falta de planejamento. Possui um restaurante que até

então não funciona efetivamente (falta acabamento, instalação hidráulica, energia – não tem

rede elétrica na fazenda, portanto seria uma opção um sistema fotovoltaico para suprir

pequenas necessidades do restaurante) e o proprietário, sem uma orientação profissional está

implantando estruturas que estão contrastando com a beleza cênica da propriedade,

comprometendo assim o produto (inacabado) .

� TRILHAS ECOLÓGICAS - O conjunto de trilhas distribuídas ao longo de um

percurso de sete quilômetros, desde a sede da fazenda até as margens do rio São

Francisco, possibilita ao visitante um contato direto com o ambiente de caatinga,

onde, poder-se-á, através da interpretação orientada por guias locais bem

treinados e conhecedores desse ambiente, percorrer cenários de rara beleza,

Page 106: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

105

formados pelo relevo entrecortado por formações rochosas intrigantes e pela rica

variedade floral da caatinga preservada, que a depender da época do ano, ou

seja, no período chuvoso ou de estiagem, poderá apresentar-se em duas faces

distintas, a mais comumente presente no imaginário coletivo, na época de

estiagem, onde a vegetação se apresenta com uma coloração acinzentada e de

aparência mórbida, praticamente sem vegetação rasteira e com arbustos

desprovidos de folhas e flores, com seus galhos secos e espinhosos, onde o verde

somente se faz presente nos cactáceos e bromélias, pois retêm água, e outra

completamente inversa, já que, na época das chuvas o cenário muda de forma

surpreendente, repleto de vida e cores, pois o verde se faz predominante e a

fauna demonstra-se bastante ativa, como se comemorasse a fartura de alimento.

Assim sendo, o visitante pode compreender a cultura do sertanejo, a relação

homem habitat, através da qual torna-se possível a sobrevivência, conhecendo

quais espécies da fauna e da flora têm uso na alimentação ou na cura de

enfermidades (medicina natural), bem como os recursos utilizados para se obter

água nos períodos de longas estiagens, e a sua religiosidade, principalmente

representadas no período das festas juninas, quando o sertanejo comemora e

agradece a Deus pelas chuvas que propiciaram boas colheitas. No mais, o

visitante poderá ver, in loco, o registro dos primeiros habitantes da região

através das pinturas rupestres existentes em diversas formações rochosas que

serviram de abrigo ao homem há, aproximadamente, 9.000 anos, abrigos esses

que também fizeram parte da história do cangaço, pois como os cangaceiros

viviam em constantes deslocamentos por diversas razões, em especial por causa

de seus perseguidores (as volantes), buscavam locais onde a natureza pudesse

lhes propiciar abrigo e segurança. Muitas vezes esses locais eram escolhidos

pelos cangaceiros com o intuito de desfrutarem de um certo conforto e

Page 107: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

106

tranqüilidade, onde se fosse possível descansar, adquirirem armas, munição e

mantimentos, através de intermediários (coiteiros), bem como reunir os bandos

para reencontros amigáveis e elaborar os planos de ação, como era o caso do

coito na Fazenda Mundo Novo, embora, buscassem noutras vezes, locais

bastante inóspitos devido à agressividade e inclemência por parte do clima,

como no caso do Raso da Catarina (BA), para refugiarem-se das perseguições

mais acirradas por parte das volantes.

Foto 9 – Trilha ecológica da Fazenda Mundo Novo. Fonte: Produzida pelo Autor

O único guia/condutor até o momento é o proprietário e as visitas devem ser

marcadas antecipadamente (o que muitas vezes torna-se um problema devido à falta de uma

boa comunicação com o proprietário). Atualmente está incluída na Rota Aracaju-Xingó,

porém se não for tomada uma providência séria, de cunho profissional, em relação à

estruturação da atividade, o empreendimento não alcançará um fluxo considerável que traga

retornos (para o proprietário e para o município/região).

Page 108: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

107

Foto 10 – Vista frontal do Restaurante da Fazenda Mundo Novo Fonte: Produzida pelo autor

Uma coisa que chama a atenção quanto aos equipamentos turísticos do município

(e da região) é que os mesmos não trabalham de forma integrada e articulada. Cada um

acredita que não depende do outro, o que prejudica o produto como um todo.

Dessa forma faz-se de extrema necessidade, uma ação integrada entre todos os

atores do turismo do município (e região) – setor público, privado e comunidade em geral – no

intuito de planejar e organizar o produto turístico local/regional de forma a consolidar o

destino no mercado turístico nacional (internacional).

Tal planejamento deve também contemplar um trabalho de marketing dirigido,

pois as ações de divulgação e comercialização observadas não são bem estruturadas, causando

expectativas no turista que, muitas vezes não são atingidas em grau de satisfação dos

visitantes.

Page 109: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

108

4.4.1 Análise de Viabilidade

Então, de acordo com a idéia central dessa dissertação, de se trabalhar o produto

turístico do município de Canindé do São Francisco (e região) embasado no cangaço, convém

ressaltar que, de forma geral, o cangaço já é uma “marca” conhecida, pois há no imaginário

brasileiro uma forte relação entre o cangaço (cangaceiro) e o nordeste (nordestino). Isso fica

claro nos programas de televisão, a exemplo de alguns personagens da escolinha do professor

Raimundo, da Rede Globo, na chamada dos gols do Esporte Espetacular (também da Rede

Globo) – quando aparecem alguns ícones representando as regiões, no caso do nordeste,

aparece um personagem caracterizado de cangaceiro. Também no cenário internacional o

cangaço se faz presente como outros grandes acontecimentos da história da humanidade,

através das notícias da época que foram veiculadas por jornais da Europa e dos EUA, bem

como através de livros e filmes.

De forma mais abrangente, o sertão está sendo cada vez mais desmistificado e

procurado por diversas razões – motivações – (passeio, pesquisa, etc.), gerando com isso uma

nova busca pelo nordeste brasileiro, pois o mesmo deixa de ser visto exclusivamente como

“turismo de sol e praia” e passa ser redescoberto e visitado pelo interior – sertão – e pela sua

diversidade paisagística e cultural. Observa-se através dos meios de comunicação –

especializados em turismo ou não – do país que, do Ceará à Bahia, estão aparecendo diversos

roteiros turísticos pelo interior (a exemplo da edição de 26 de maio de 2004 da revista veja,

editora abril, que publicou uma matéria de turismo no interior da Paraíba, de Pernambuco –

roteiro de cinco noites que passa por Serra Talhada, visitando o local onde nasceu Lampião e

um museu do cangaço existente na cidade – e em Xingó – no caso de Xingó, está como o

estado de Sergipe). A reportagem aborda trilhas pela caatinga, arqueologia, forró e cangaço,

Page 110: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

109

entre outros elementos que estão reunidos na região de Xingó, em especial no município de

Canindé do São Francisco, o que torna a idéia em questão ainda mais viável.

Pode-se perceber a abrangência do assunto (e a gama de elementos da cultura

nordestina/sertaneja que é contemplada) através do Anexo G.

Assim, embora diante das possibilidades e das atividades de turismo já existentes

pelo interior do nordeste brasileiro, em especial na região de Xingó (especificamente o

município de Canindé do São Francisco, que é o objeto de estudo desse trabalho), faz-se

necessário salientar mais uma vez que dentre o planejamento para a otimização da atividade

na região/município, que se deve elaborar uma estratégia de marketing dirigido, uma vez que

o percentual da procura por turismo cultural e ecoturismo (por região e pelo Brasil de forma

geral) é ainda baixo (principalmente na região nordeste), conforme revela a Tabela 3, a seguir:

TABELA 3 - PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES DAS VIAGENS DOMÉSTICAS TURÍSTICAS, POR REGIÃO E BRASIL, NO ANO DE 2001 (%)

REGIÕES MOTIVAÇÕES

S SE NE N CO BRASIL

TIPO DE VIAGEM Lazer 79,6 84,4 64,6 52,5 77,2 76,1 Não Lazer 20,4 15,6 35,4 47,5 22,8 23,9

RAZÕES DE LAZER Visitar amigos / parentes 58,9 49,4 57,1 30,8 43,8 50,2 Fuga da rotina / descanso 20,9 31,5 26,9 20,5 21,8 27,5 Atrativos turísticos (não culturais) 6,7 13,6 7,7 27,5 13,8 12,7 Atrativos culturais 1,7 0,9 1,8 8,0 11,1 2,5 Prática de esporte por lazer 1,2 0,7 0,8 0,4 2,3 0,8 Compras por lazer 0,3 0,3 0,9 2,6 0,6 0,7 Ecoturismo 0,2 0,4 0,3 0,6 0,2 0,4 Assistir competições esportivas 0,5 0,1 0,1 0,4 0,0 0,2 Resorts ou Spas 0,2 0,1 0,0 0,1 0,1 0,1 Outros 9,4 3,0 4,4 9,1 6,3 4,9

RAZÕES DE NÃO LAZER Negócios 37,7 48,8 48,2 45,4 58,4 47,6 Tratamento de saúde 32,2 11,8 20,9 14,6 6,3 16,2 Visita parente /amigo (0brigação) 10,6 18,4 7,6 5,5 0,0 12,6 Congresso / Feiras / Cursos 13,0 11,7 10,8 17,4 11,4 12,1 Motivos religiosos 3,8 6,5 11,1 3,8 7,7 7,0 Participação esportiva 2,3 0,7 0,6 1,6 3,1 1,1

Page 111: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

110

Outros 0,4 2,1 0,8 11,7 13,1 3,4

Fonte: EMBRATUR / FIPE (2002).

55 CCOONNCCLLUUSSÃÃOO

O turismo, dentro do enfoque holístico, é uma atividade que interage

historicamente com o comportamento humano de acordo com uma constelação de motivações

(necessidades) que culminam com o comportamento de deslocamento, as viagens.

Atualmente, de forma mais intensa e abrangente, a ponto de conduzir o planeta ao processo

denominado globalização – conforme pronunciamento do professor Carlos Beni em palestra

proferida durante o VII ENTBL, Encontro Nacional de Turismo com Base Local, em

novembro de 2003, em Ilhéus-BA.

São movimentos que geram um contato constante entre povos e culturas distintas e

diversas e, conseqüentemente, resultados também diversos, ou seja, impactos positivos e

negativos decorrentes da atividade turística. Dessa forma, tal qual os meios de produção de

outros setores econômicos vêm sendo repensados (e reavaliados), ou seja, redirecionados a

uma produção mais “limpa”, que mitigue os danos causados no meio ambiente (físico-natural)

e que geram desordem socioculturais, no turismo tem-se buscado uma forma de utilização

mais racional dos atrativos, ou seja, do patrimônio natural e cultural (uma vez que o ambiente

transformado é derivado da cultura) que constituem a matéria-prima fundamental à atividade

turística.

Page 112: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

111

Nesse aspecto, em se tratando do turismo, percebe-se que há uma vantagem em

relação a outros setores econômicos (de produção), pois, diferentemente de outros meios de

produção o turismo necessita da manutenção de sua matéria-prima, ou seja, quanto melhor

cuidado (gerido, administrado) for o patrimônio natural e cultural, mais estarão, enquanto

atrativos turísticos (matéria-prima), gerando as motivações que impulsionam as viagens e todo

o setor turístico, promovendo, em contrapartida e desde que no bojo de todo o fazer turístico

seja contemplado o fator educação, em seu sentido mais amplo, a conservação dos

ecossistemas e da identidade cultural dos mais diversos povos e regiões do planeta.

Dentro dessa perspectiva de ser o patrimônio natural e cultural os grandes

responsáveis pelas viagens turísticas e que, numa visão de desenvolvimento sustentável,

tornam-se potencialmente mais atrativos, ou mais atraentes (motivacionais), pelo fato de

serem redescobertos em seus valores e importância para humanidade – tal qual o Romantismo

favoreceu uma nova motivação para as viagens, ou seja, a exaltação à natureza, embasada em

obras que reformularam a posição do homem perante a natureza, desperta, principalmente

junto às camadas mais cultas, uma nova visão de natureza. Percebe-se no cangaço, enquanto

fenômeno sociocultural decorrente de um processo histórico-evolutivo, um atrativo de alto

valor multimotivacional, ou seja, que agrega tanto elementos do meio ambiente físico – sua

localização geográfica, quanto aos elementos que compõem a paisagem, ou seja, relevo,

clima, hidrografia, vegetação, etc. – quanto culturais do sertão nordestino – a música, a poesia,

a gastronomia, etc.

Visto que o cangaço não se resume às correrias de polícia perseguindo bandidos

pelas caatingas, nem é resultante exclusivamente dos problemas gerados pelo latifúndio

(principalmente as disputas por terras), havendo sim uma conjugação de fatores, merece,

então, um trabalho sério de investigação e análise que possibilite uma melhor compreensão

acerca do fenômeno, para que se tenha o subsídio necessário para estimular o

Page 113: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

112

desenvolvimento local/regional através da atividade turística, com a formatação de um

produto turístico que contemple a riqueza sociocultural do cangaço enquanto atrativo turístico.

No ano de 1928, Lampião cruza o rio São Francisco para conseguir sobreviver às

perseguições movidas pelas forças volantes do estado de Pernambuco, acompanhado por

apenas cinco homens (cangaceiros). A partir de então o cangaço se transfere para os sertões

dos estados da Bahia e Sergipe. Durante a década de 1930, mais especificamente entre os

anos de 1929 e 1938, o estado de Sergipe passou a ser intensamente freqüentado pelo grande

cangaceiro, Lampião, devido à amizade que o mesmo tinha com a família dos Brito e dos

Carvalho, famílias de muito poder econômico e político no referido estado. Dessa forma o

município de Porto da Folha – que abrangia naquela época a área referente aos, atualmente,

municípios de Poço Redondo e Canindé do São Francisco – passou a ser denominado como a

“morada de Lampião”.

Muitos acontecimentos no estado de Sergipe ficaram marcados para sempre na

história do cangaço, como alguns dos mais violentos e importantes combates travados entre o

bando de Lampião e as volantes (o combate de Maranduba, em 1932), a morte de nomes

importantes do cangaço, como Mariano e Zé Baiano, dentre outros, a invasão à vila de

Canindé do São Francisco (àquela época integrava o município de Porto da Folha) onde o

cangaceiro Zé Baiano deixou várias mulheres marcadas à ferro quente – como gado – no rosto

e outras partes do corpo com suas iniciais JB, dentre outros fatos que ficaram registrados na

memória do povo sergipano e nos livros, filmes e demais produções sobre o cangaço. Porém a

data mais significativa foi, sem sombras de dúvidas, a do dia 28 de julho de 1938, o dia em

que tombou morto – e historicamente – Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião o maior de

todos os cangaceiros.

O fato ocorrera num de seus mais apreciados coitos, um local conhecido como a

Page 114: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

113

grota do Angico, localizado – atualmente – no município de Poço Redondo – localidade que

mais forneceu homens para o bando de Lampião – a menos de 1 km do rio São Francisco. As

forças comandadas pelo tenente João Bezerra equipada com quatro metralhadoras

conseguiram se aproximar do coito sem que fossem percebidos e, estrategicamente

posicionados não deram oportunidade de reação por parte dos bandidos que, além do elemento

surpresa, foram vencidos pelo fator tecnológico, ou seja, pela primeira vez em toda a história,

Lampião estava com armamento inferior ao utilizado pelos da volante.

Atualmente, a grota é um atrativo turístico bastante visitado e compõe o roteiro

ofertado por agências/operadoras de Aracaju, denominado de Produto Xingó. Porém, em

relação ao fenômeno cangaço, não tem sido dado o devido cuidado para a constituição de um

produto devidamente embasado que possa contemplar diversos elementos culturais e

potencializar a atratividade do referido produto. O que é oferecido ao turista é restrito ao

passeio de catamarã pelo lago da hidrelétrica de Xingó, a visita ao MAX – Museu de

Arqueologia de Xingó, à hidrelétrica e à cidade de Piranhas, em Alagoas (em termos de

Sergipe, o produto turístico Xingó limita-se ao município de Canindé do São Francisco).

Dessa forma, a maioria das visitas à região é em forma de excursão, ou seja, o turista passa um

único dia.

Outrossim, para que o turismo possa realmente contribuir para com o

desenvolvimento socioeconômico da região e haja como catalisador quanto à formação de

uma consciência – tanto no visitante como no visitado, através de programas educativos para

ambos – de cidadania que promova a conservação do patrimônio natural e cultural, é

necessário que seja devidamente organizado – através de um planejamento adequado que

contemple todas as externalidades da atividade turística – e gerido de forma responsável e

eficiente.

Page 115: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

114

Visto que o município de Canindé do São Francisco possui uma razoável estrutura

– urbana e turística – e um considerável fluxo turístico, bem como um admirável patrimônio

natural e cultural que, aliados à riqueza potencial do cangaço enquanto atrativo turístico (que

ainda não é devidamente explorado) e suas diversas possibilidades de uso turístico podem –

desde que devidamente trabalhados podem promover o desenvolvimento local/regional de

forma sustentável através da atividade turística. Considerando-se que o município em questão

está inserido na região de Xingó, um conjunto potencial de atrativos (naturais e culturais) que,

devidamente formatado em produto turístico, não fragmentado como o que aí está, além do

efeito multiplicador do turismo, pode-se deduzir que desenvolvimento socioeconômico gerado

pelo turismo seria em escala regional, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida de

uma gente tão sofrida, o povo sertanejo.

Page 116: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

115

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Page 117: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

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Page 120: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

119

Page 121: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

120

ANEXOS

ANEXO A – INSTITUTO XINGÓ

INSTITUTO XINGÓ

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121

O Instituto Xingó é gerido por um conselho de administração, que tem funções

deliberativas. É composto por treze integrantes, representando prefeitos, universidades,

instituições de pesquisa, setores de infra-estrutura, entre outros, cujo presidente é o Reitor da

Universidade Federal de Sergipe, José Fernandes de Lima e o diretor geral, com funções

executivas, é Moisés de Aguiar.

Os projetos desenvolvidos pelo o Instituto Xingó estão ligados a áreas do

conhecimento que têm afinidade com as características da região, distribuídos assim em 8

Unidades de Projetos:

1 - Aqüicultura

2 - Atividades Agropastoris

3 - Arqueologia e Patrimônio Histórico

4 - Biodiversidade

5 - Educação

6 - Gestão do Trabalho

7 - Energia Alternativa

8 - Recursos Hídricos

Atua também o Geoxingó, laboratório de geoprocessamento supervisionado pelo

Inpe – Instituto de Pesquisas Espaciais - que tem feito um mapeamento da região, através da

análise de dados obtidos por meio de imagens de satélite, confeccionando mapas que

permitem não só a localização geográfica, mas também a indicação precisa das áreas

plantadas, das possíveis reservas de água, dos tipos de solo, e várias outras possibilidades.

Page 123: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

122

As unidades de projeto têm trabalhado junto às comunidades, procurando

identificar suas demandas e buscando, portanto, formas adequadas para atendê-las.

Durante estes quase seis anos, as atividades foram mais voltadas para a preparação

de infra-estrutura de trabalho, capacitações de pessoal, estruturação de sua forma jurídica,

realização de diagnósticos, conhecimento da realidade e implantação de módulos

experimentais.

Várias ações já foram promovidas, beneficiando direta e indiretamente as

comunidades residentes na área de abrangência do Programa Xingó, como pode ser visto no

Quadro 1 a seguir, na qual estão registrados alguns dos principais projetos de cada unidade de

pesquisa:

UNIDADES DE PROJETO

AÇÕES

Aqüicultura unidades demonstrativas de cultivo em tanques-rede; unidade de beneficiamento do pescado; capacitação de produtores;

Atividades Agropastoris

unidades demonstrativas de caprinocultura. ovinocultura, pequenos animais, apicultura; hortas comunitárias; laboratório de inseminação artificial; agroindústria de caju e polpa de frutas; agroindústria de cana-de açúcar;

Arqueologia e Patrimônio Histórico

criação do centro de documentação e pesquisa do baixo São Francisco – cendop; apoio ao museu de arqueologia de xingó; edição dos cadernos do cendop; levantamento de fontes orais e documentais; apoio ao artesanato e as manifestações culturais ;

Biodiversidade levantamento da fauna e da flora, laboratório de produtos fitoterápicos; pesquisa com plantas medicinais da região;

Educação educação de jovens e adultos (mais de 2000 alfabetizados); capacitação continuada dos educadores;

Energia Alternativa instalação de painéis fotovoltaico em 11 comunidades; eletrificação de escolas e prédios públicos; realização de cursos de capacitação para formação de eletricistas;

Gestão do Trabalho apoio a criação de associações e cooperativas, como a associação de costureiras - costurarte; apoio a associações e cooperativas já existentes;

Recursos Hídricos saneamento ambiental; prospecção e instalação de barragens subterrâneas; módulo demonstrativo de uso integrado da água (dessalinização para consumo humano, dessedentização animal, irrigação e criação de camarões marinhos e peixes);

Quadro 1 – Relação das Unidades de Projetos do Instituto Xingó Fonte: Instituto Xingo, 2003.

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123

Em agosto de 2002, fora realizado um planejamento estratégico do Instituto Xingó

com uma proposta de desenvolvimento sustentável para a região de Xingó, com o intuito de

impedir a desarticulação das instituições e pesquisadores participantes. Em linhas gerais,

apresenta um plano contendo as diretrizes, estratégias e macroações a serem priorizadas pelo

Instituto a partir da consolidação desta instituição como Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público (OSCIP), em 24 de julho de 2001.

Assim, o Planejamento Estratégico do Instituto Xingó (que contempla o turismo

enquanto instrumento de desenvolvimento local/regional), tinha como propósito: por um lado,

concentrar e direcionar as forças existentes dentro da instituição, de tal maneira que todas as

Unidades de Projetos trabalhem na mesma direção, apesar das ações dispersas dos entes; por

outro lado, analisar o entorno da organização, adapta-la, para que seja capaz de reagir aos

desafios. Portanto, o Planejamento Estratégico, engloba não só o Planejamento, como também

a Gestão Estratégica, e deve ser visto como um instrumento de mudança para o atingimento de

objetivos e cumprimento de metas.

De acordo com parecer consolidado dos consultores o projeto tem um forte apelo

para a área de extensão e necessita de uma reestruturação para as atividades de pesquisa.

Quanto a esse quesito, ficou clara a necessidade de estabelecer prioridades de ação no

programa, de tal forma a identificar atividades com potencial para continuar com o apoio do

CNPq e aquelas atividades que devem ter o apoio descontinuado.

Infelizmente, no início do corrente ano o CNPq retirou o apoio (bolsas) ao

Instituto Xingó, o que levou a uma redução drástica do número de técnicos e ao conseqüente

comprometimento quanto à continuidade dos trabalhos realizados pelas suas unidades de

projeto. As poucas que se mantêm em atividade estão ligadas a projetos financiados por

Page 125: A HISTÓRIA DO CANGAÇO ENQUANTO ATRATIVO

124

instituições como a Secretaria de Agricultura do Estado de Sergipe, a ANEL – Agência

Nacional de Energia Elétrica, e a PETROBRAS.

ANEXO B – BENS E SERVIÇOS TURÍSTICOS

OS BENS TURÍSTICOS PODEM SER:

1. materiais (monumentos, museus, galerias de arte, praias e outros) e imateriais (clima, paisagem e outros); 2. imóveis (terrenos, casas, hotéis, museus, galerias e outros) e móveis (produtos gastronômicos, artísticos e

artesanais); 3. duráveis ou perecíveis (artesanais ou produtos gastronômicos); 4. de consumo (bens que satisfazem diretamente as necessidades dos turistas) e de capital (os que são

utilizados para a produção de outros); 5. básicos, complementares e interdependentes; 6. naturais ou artificiais.

OS SERVIÇOS TURÍSTICOS, DESTINADOS À SATISFAÇÃO DAS MOTIVAÇÕES, NECESSIDADES E PREFERÊNCIAS DO TURISTA, PODEM SER ASSIM CLASSIFICADOS:

1. receptivos (atividades hoteleiras e extra-hoteleiras); 2. de alimentação; 3. de transporte (da residência à destinação turística e no centro receptor); 4. públicos (administração turística, postos de informações, etc.); 5. de recreação e entretenimento na área receptora.

Fonte: Beni (2001, p.38).

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ANEXO C – TRECHO DA OBRA DE MELLO (2004, p. 21-23).

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Nos primórdios da vida social sertaneja, ao longo dos séculos XVII e XVIII, de forma generalizada, e mesmo de boa parte do XIX, em bolsões remotos, a vida da espingarda não se constituía apenas em procedimento legítimo à luz das circunstâncias, mas em ocupação francamente preferencial. O homem violento, afeito ao sangue pelo traquejo das tarefas pecuárias e adestrado no uso das armas brancas e de fogo, mostrava-se vital num meio em que se impunha dobrar as resistências do índio e do animal bravio como condição para o assentamento das fazendas de criar. Naquele mundo primitivo, o heroísmo social forjava-se pela valentia revelada no trato com o semelhante e pelo talento na condução cotidiana do empreendimento pecuário. Nas festas de apartação em que se engalanavam as fazendas no meado do ano, um e outro de tais valores – é dizer, valentia e talento – precisavam somar-se para a produção ou confirmação de heróis pelas vias da vaquejada bruta, corrida com o homem em couros e por dentro dos paus da caatinga mais cerrada, ou da corrida de mourão, expressão moderna, esta última, em que se estiliza a lúdica sertaneja da derrubada do boi.

Em torno do meado do século XIX, começando a ordem pública a deitar seu longo braço no sertão, o que se vê é a paulatina condenação do viver pelas armas, no plano da administração da justiça, pari passu com a arcaização nos planos histórico e sociológico. Data daí o emprego solto das expressões nativas cangaço e cangaceiro para malsinar modo de vida e protagonista tornados incompatíveis com um tempo social em que já não mais se podia viver a existência selvagem que fora apanágio das gerações que sucederam o momento inicial da penetração das terras do leste setentrional brasileiro. Mas porque, nestas, a desvalorização do viver absoluto se dá muito mais por conta da imposição de um código de valores litorâneos que da superação natural de etapa de desenvolvimento, o sertanejo não vê razões para deixar de amar os bons velhos tempos em que não se precisava esperar pela justiça pública para rebater uma afronta, tempos em que a guerra e a vingança privadas se mostraram bem mais simples e fáceis de compreender como procedimentos punitivos. Como mecanismos provedores de uma ordem o seu tanto bárbara mas real. Eficaz. Direta como a lâmina do punhal de que tantas vezes se valeu, aliás. Relatando façanhas de Antônio Silvino, Leandro Gomes de Barros descreve, numa estrofe apenas, essa justiça sui generis, tão da nostalgia do sertanejo:

Onde eu estou não se rouba Nem se fala em vida alheia

Porque na minha justiça Não vai ninguém pra cadeia:

Paga logo o que tem feito Com o sangue da própria veia!

Por tudo isso, não é de estranhar que o cangaço tenha sido uma forma de vida criminal orgulhosa, ostensiva, escancarada. Até mesmo carnavalesca, como no caso do traje, de muito apuro e de muitas cores. Ou no da música, o xaxado, sincopado como um tiroteio, ou ainda da dança conexa a este: a pisada. Dança só de homens, ao contrário do que se tem reproduzido em dias correntes para inglês ver. A cultura sertaneja abonava o cangaço, malgrado o caráter criminal declarado pelo oficialismo, com as populações indo ao extremo de torcer pela vitória dos grupos com que simpatizavam, quase como se dá hoje nos torneios entre clubes de futebol. A legenda dos capitães mais famosos vai sendo esculpida de forma sedimentar pelos versos dos cantadores de feira, emboladores e cegos rabequeiros, todos dispostos a cantar a última façanha de guerra do grupo de sua preferência. Também a literatura de cordel se encarregava dessa celebrização, capaz de atingir, com um João Calangro, um Jesuíno Brilhante, um Viriato, um Guarabira, um Rio Negro, um Cassimiro Honório, um André Tripa, um Vicente do Areial, um Antônio Silvino, um Sinhô Pereira ou um Lampião, abrangência espacial e intensidade difíceis de avaliar, tal o volume. A importância do registro ressalta da riqueza poética e musical da tradição sertaneja do Nordeste, não apenas presente como exacerbada ao máximo nas correrias do cangaço, chegando a se erguer à condição de história paralela dos fatos épicos daquele chão tardiamente feudal.

ANEXO D – FEITOS DE LAMPIÃO E DA MOBILIDADE DE SEU BANDO, NO ANO DE 1926

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DATA RELATOS

23 de fevereiro Tocaia e mata o velho inimigo José Nogueira, na fazenda Serra Vermelha, município de Vila Bela, atual Serra Talhada.

2 de março

Entra na Barbalha, Ceará, à frente de quarenta e nove homens, pousando, com o estado-maior, no Hotel Centenário, o melhor da cidade, onde se faz acessível a entrevistas com as lideranças do município.Na ocasião, recebe proposta do topógrafo e fotógrafo amador Lauro Cabral de Oliveira para posar, daí a três ou quatro dias e já no Juazeiro, para fotografias que, segundo lhe afiança o proponente, seriam “distribuídas com a imprensa de todo o país”.

4 de março

Penetra no Juazeiro, Ceará, onde dias depois recebe, em documento manuscrito, a patente de capitão, a fim de combater, ao lado das forças federais, a Coluna Prestes. Deixa-se fotografar fartamente, com parte do bando, não só por Lauro Cabral de Oliveira mas por Pedro Maia, primo do padre Cícero.

16 de abril Invade Algodões, dando-se espancamentos e estupros. 7 de maio Invade Triunfo, estando o grupo sob o comando imediato de Sabino

1º de agosto Ataca novamente e incendeia a fazenda Serra Vermelha, matando duas pessoas e exterminando gado e apiário

14 de agosto Interrompe as comunicações telegráficas, cortando fios e incendiando postes em Vila Bela.

19 de agosto Invade a cidade de Tacaratu com noventa homens, pondo cerco à casa de Manuel Vítor da Silva, que resiste heroicamente a doze horas de combate, findando por fugir com um irmão ferido.

26 de agosto Ataca a fazenda Tapera, Floresta, matando treze pessoas de uma mesma família, os Gilo, à frente de cento e vinte cabras.

2 de setembro Invade Cabrobó à frente de cento e cinco bandoleiros, sob toque de corneta e em perfeita formação militar, hospedando-se em casa do chefe municipal, em cuja companhia, após almoço, passa em revista os alunos da escola local, formados em sua honra.

6 de setembro Invade Leopoldina, fuzilando quatro residentes, saqueando o comércio, a mesa de renda (coletoria), e destruindo o telégrafo.

1º de outubro À frente de cento e vinte e seis homens, põe em fuga força pernambucana que se defronta com o grupo, próximo a Floresta.

11 de novembro Tiroteia com forças pernambucanas na fazenda Favela, Floresta, resultando dez soldados mortos e sete feridos.

24 de novembro Seqüestra viajantes das empresas Souza Cruz e Standard Oil Company, exigindo dezesseis contos de réis de resgate, sob pena de morte.

25 de novembro Tropas pernambucanas tentam resgatar os prisioneiros, verificando-se combate na localidade Morada, Vila Bela. Lampião, em companhia de cento e vinte homens, consegue manter os prisioneiros consigo.

26 de novembro

Fere-se a batalha da serra Grande, Vila Bela, a maior de todas em qualquer tempo da carreira do bandido. Lampião enfrenta uma tropa de duzentos e sessenta soldados, com apenas noventa cabras. A tropa, ao final, perde um total de vinte soldados, envolvida desde a bocaina até as encostas interiores da serra, a intensa troca de tiros estende-se da 8h30 às 17h45, com os cangaceiros permanecendo no campo e batalha até a noite, a sangrar os soldados feridos e abandonados pelo comando.

12 de dezembro Na localidade de Juá, destrói a tiros cento e vinte e sete bois do fazendeiro Joaquim Jardim, estabelecido em Floresta.

Fonte: Mello (2004, p.187-190), adaptado pelo autor.

ANEXO E – TRECHO DA OBRA DE MELLO (2004, p. 295-297)::::

[D9] Comentário: Confirma a retirada do texto e fazermos um anexo???

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128

Aos primeiros choques com tropas pernambucanas e alagoanas em território baiano, sem necessitar nem

mesmo de manter encontro com seu estado-maior, Lampião determina a aplicação de uma nova estratégia, tão

simples quanto eficaz. Consistia na divisão do bando em grupelhos de quatro a seis cangaceiros – pessoalmente

recomendava este último número – com a missão de seguirem para vários Estados a fim de manter ocupadas as

polícias locais com a defesa de seus respectivos territórios. Ora, a disponibilidade de que goza uma tropa para ir

combater em Estado vizinho está posta na razão direta da existência de completa paz e segurança em toda a área

daquela que basicamente lhe cabe policiar. Este o pressuposto que se punha na base da aplicabilidade dos tais

conclaves. Mina-lo significava reduzir os acordos a pouco mais que pomposos encontros de confraternização. E isso

o caboclo de Vila Bela conseguiu, ainda que de forma parcial, usando a “precaução” de que falava o poeta anônimo:

Agora que os governos

De cinco Estados do Norte

Já escreveram a sentença

Que decide a minha sorte,

Com tanta perseguição,

Se eu não tomar precaução

Entro na foice da morte

No desdobramento do plano, Lampião instala-se no Estado de Sergipe sob a proteção de seu coiteiro

Eronildes Carvalho, despachando para Pernambuco e Alagoas os grupos chefiados por Moreno, Português, Moita

Braba e Corisco. Para Sergipe e Bahia, seguem os grupos de José Baiano, Mariano e José Sereno, para nomearmos

apenas os principais.

Periodicamente reunia os grupos para fazer recomendações, roca de idéias e confraternizações,

dispersando-os com poucos dias. De Sergipe partia em espaços para razias em todos os Estados em que agiam os

seus irrequietos procônsules, mantendo os sertões em permanente insegurança e impedindo que as atenções se

concentrassem perigosamente sobre o grupo central, fixado em torno dos vinte homens.

ANEXO F – RELATÓRIO SOBRE A FAZENDA FORQUILHA DE SÉRGIO ALBERTO BARRETO

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INFRA-ESTRUTURA BÁSICA

Em relação à infra-estrutura básica, deve-se levar em

consideração toda a estrutura construída quanto à segurança e conforto dos visitantes (turistas), bem como, a questão operacional da mesma, ou seja, as condições de higiene e ambientalização, condições necessárias ao bem estar (satisfação) dos clientes.

Toda construção deve estar em harmonia com o ambiente, ou seja, deve-se construir somente o necessário e, utilizando-se uma arquitetura baseada nos costumes locais/regionais de forma que o impacto visual seja o mínimo possível, possibilitando a apreciação do entorno natural, que representa o atrativo turístico local, evitando , assim, uma poluição visual.

Todas as instalações devem estar totalmente acabadas e, inclusive, decoradas com elementos que representem a cultura local/regional (artesanato, fotos, informações).

Sanitários e cozinha devem estar bem arejados e iluminados, seguindo as normas da vigilância sanitária vigente (paredes azulejadas, piso conveniente, instalações elétrica e hidráulica em bom estado de funcionamento, etc).

Os equipamentos utilizados na praia, como sombreiros e/ou quiosques, bem como mesas e cadeiras devem estar em perfeito estado, sendo necessário sempre fazer uma analise criteriosa das condições de uso para que se possa fazer a manutenção ou mesmo a troca do equipamento danificado.

Todo o material utilizado para o consumo de alimentos e bebidas devem ser padronizados e de boa qualidade, tendo o cuidado de não utilizar talheres danificados, copos e pratos rachados ou quebrados, entre outros.

Deve-se buscar a forma de esgotamento sanitário mais adequada para o tratamento do efluente líquido gerado, para evitar a contaminação do solo, lençol freático e do próprio rio São Francisco.

O tratamento para com os resíduos sólidos, o lixo, deve ser da forma mais adequada possível para que não gere problemas de poluição, bem como, o mau cheiro que irá incomodar diretamente os clientes (turistas). Todo o espaço deve estar munido de locais para depósito do lixo (lixeiras) e, devidamente sinalizados para que possam ser facilmente percebidos pelos clientes (turistas) e utilizados por eles.

SERVIÇOS

Todo o produto oferecido pela Fazenda Angico está relacionado

à prestação de serviços, desde o transporte dos visitantes a prainha (turistas) até a condução dos mesmos pelo guia (ou condutor) através da trilha. Dessa forma, aliado à infra-estrutura básica, deve-se oferecer um serviço que prime no atendimento ao visitante, na recepção, no preparo das refeições, no serviço de garçom, nas informações, etc.

As pessoas que trabalham na cozinha devem estar limpas, usar roupas limpas, toca e outros acessórios necessários ao controle da higiene, unhas curtas e limpas e, conhecer as formas de manuseio e acondicionamento dos alimentos (os cuidados com alimentos mais perecíveis), o cuidado com o lixo e manter sempre bem limpo e organizado o espaço da cozinha, como um todo, etc.

A(s) pessoa(s) que trabalhar no balcão deve tomar o cuidado de sempre estar com as mãos limpas antes de pegar nos alimentos, pratos, copos e talheres que vão ser levados às mesas, pois, normalmente estão, também, manuseando com dinheiro e outros materiais que podem contaminar os alimentos.

Os garçons devem estar com roupas limpas (até mesmo se ausentando por um período de tempo para que possam tomar um banho e trocar de roupa, quando necessário), usando boné e tendo o cuidado de manter sempre as mãos limpas (lavadas) quando forem servir. Devem , ainda, ser orientados (treinados) para que possam servir bem.

Todo e qualquer funcionário deve estar sempre atento e

capacitado a atender bem o turista, pis o bom atendimento é sempre o diferencial que pode influenciar para o sucesso ou não de um empreendimento turístico. Assim sendo, os funcionários devem estar sempre atentos para orientar o turista quanto a algum perigo (ou problema que possa causar um acidente) ou para responder uma simples pergunta. TRILHA DE ANGICO

Toda e qualquer trilha destinada à visitação, ou seja, ao uso

turístico, deve ser devidamente formatada, pois deve oferecer ao visitante (turista) uma experiência prazerosa e segura. Para tanto, faz-se necessário atentar para os seguintes aspectos:

Um portal, ou seja, a entrada para trilha. Deve ser convidativa, mostrando que é o ponto de partida da trilha e conter alguma informação acerca da mesma, despertando o interesse do grupo que vai iniciar o percurso.

Todo o percurso deve estar devidamente sinalizado, com placas indicativas que ajudam na interpretação da trilha por parte do visitante (turista) e que, orientem, também, quanto aos cuidados para com o meio ambiente.

As placas devem ser fixadas no solo ou de forma cuidadosa nas árvores e, nunca, pregadas com prego em uma árvore, pois não podem passar a imagem de agressão ao meio ambiente natural.

Locais onde o pisoteio pode causar erosão devem ser contemplados com barreiras de contensão, passarela ou, até mesmo, um desvio.

Locais onde há uma inclinação que possa causar derrapagem e queda de algum visitante deve ser contemplado com corrimão e/ou escadaria.

O guia de turismo ou o condutor que conduzir os grupos através da trilha, deve estar bem embasado acerca da história do cangaço, em especial do fato ocorrido na grota de Angico, ou seja, a morte de Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros, bem como, acerca do ambiente de caatinga, pois, a essência de uma trilha está na interpretação da mesma e, para tanto, o guia (condutor) deve ser bem preparado para realizar, com entusiasmo, sua tarefa da melhor forma possível.

CONSIDERAÇÃO FINAL

Como a atividade turística é bastante dinâmica e, com isso, passa

constantemente por renovações, cabe a todo empreendedor que atue diretamente com o turismo, estar atento a tais mudanças para que sempre atualize seu produto (empreendimento), a fim de propiciar aos clientes (turistas) um alto grau de satisfação. Para tanto, o empreendedor que deseja obter resultados satisfatórios com seu empreendimento turístico, deve possuir olhar atento e crítico, fazendo as modificações necessárias, seja de infra-estrutura ou de prestação de serviços, que mostre ao visitante (turista), um trabalho sério, profissional, com o intuito de facilitar, da melhor forma possível, o usufruto do turista (cliente) em seu estabelecimento. Através de uma manutenção periódica, pesquisas com os turistas, bem como participação em cursos de capacitação para o empreendedor e seus colaboradores, são de fundamental importância para o empreendimento e, conseqüentemente, para um retorno desejado.

ANEXO G – O SERTÃO BRASILEIRO VIRA MODA NA EUROPA

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SABÓIA Napoleão. O SERTÃO BRASILEIRO VIRA MODA NA EUROPA O Estado, 08 jul. 2003.

Paris - O sertão nordestino está despontando na Europa como um dos mais sedutores destinos turísticos do

Hemisfério Sul. "A moda do sertão na Europa está pegando bonito!" A constatação entusiástica é de Olivier

Coustet, o assessor brasilianista do primeiro-ministro francês, Jean-Pierre Raffarin. Essa "tendência sertão",

segundo Coustet, é o resultado de uma conjugação de eventos recentes ou ainda em curso: os filmes apresentados

nos cinemas que têm o sertão como cenário (Abril Despedaçado; Eu, Tu, Eles e Romances de Água e de Terras,

entre outros); as retrospectivas do Cinema Novo realizadas em Paris, Londres e Berlim; os sucessivos concertos

musicais de artistas nordestinos nas capitais européias; a entrada no circuito internacional de poetas do cordel etc.

"Vive le Sertão Libre!" A proclamação é do romancista francês Daniel Pennac em seu novo best-seller O Ditador e

a Rede, lançado recentemente na Europa. O autor, que viveu em Fortaleza, exalta o sertanejo, "esse herói feito de

vento e de sol" e homenageia os poetas do cordel, que entram em seu romance qualificados como "a imaginação e a

memória do sertão". Por sua vez, a educadora brasilianista Sylvie Debs, da Universidade de Estrasburgo, acaba de

publicar A Literatura, o Cinema e o Sertão, livro em que mostra a força e a riqueza criativa com que a região mais

despojada do Brasil influenciou as diversas expressões artísticas nacionais.

Foi inventariando essas motivações da "moda sertão" em perspectiva que o assessor brasilianista do governo

francês recebeu, em Paris, o governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima. Seu testemunho, porém, não surpreendeu

o dirigente paraibano. Lima já estava igualmente persuadido de que "uma vaga sertão tende a se desenhar nos

mapas turísticos dos europeus". Isso, diante do que se passa já há vários meses - "em escala microscópica, mas

sintomática", ele precisa - no município de menor índice pluviométrico de seu Estado e do Brasil: Cabaceiras.

Semanalmente, grupos de escandinavos, entre 20 e 30 pessoas, se revezam nas visitas aos rincões esturricados de

Cabaceiras, particularmente à localidade de Lajedo do Pai Mateus, que serviu, há algum tempo, de cenário para a

minissérie O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, dirigida pelo cineasta Guel Arraes.

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CAATINGA

CEBOLINHA

ANEXO H – ILUSTRAÇÕES FOTOGRÁFICAS DA CAATINGA, CÂNION DO RIO SÃO FRANCISCO E PERSONAGENS DO CANGAÇO

“BARRIGUDA” CHORISIA SPECIOSA

FLORES DO CAMPO

CAATINGA NA REGIÃO DO CÂNION

DO RIO SÃO FRANCISCO

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Fonte: Produzidas pelo autor

ANEXO H

“COROA-DE-FRADE” MELOCACTUS BAHIENSIS

“ALASTRADO” PILOSOCEREUS GOUNELLEI

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Fonte: Produzidas pelo autor

ANEXO H

Lampião e Maria Bonita

Maria Bonita, de pé, Luís Pedro e Neném

CÂNION

PERSONAGENS DO CANGAÇO

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Teófanes Ferraz

Jagunço

Fonte: Olivieri,1999.

ANEXO H

CHEFES DAS VOLANTES QUE MATARAM

LAMPIÃO

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De pé, José Lucena à esquerda e Ferreira de Melo: sentados, João Bezerra, à esquerda e Teodoro Camargo Tenente João Bezerra Fonte: Olivieri, 1999.