A HISTÓRIA DO DIREITO PENAL

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL INTRODUÇÃO Desde os primórdios da humanidade, o homem tem progredido em todos os sentidos. Através do desenvolvimento da razão, dom não atribuído a nenhum outro animal, exceto à espécie humana, o homem tem sempre estado organizado em grupos ou sociedades. No entanto, a interação social nem sempre é harmônica, pois nela o homem revela o seu lado instintivo: a agressividade. Podemos afirmar que através dos tempos o homem tem aprendido a viver numa verdadeira "societas criminis". É aí que surge o Direito Penal, com o intuito de defender a coletividade e promover uma sociedade mais pacífica. Se houvesse a certeza de que se respeitaria a vida, a honra, a integridade física e os demais bens jurídicos do cidadão, não seria necessário a existência de um acervo normativo punitivo, garantindo por

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade, o homem tem progredido em todos os sentidos.

Através do desenvolvimento da razão, dom não atribuído a nenhum outro animal, exceto à

espécie humana, o homem tem sempre estado organizado em grupos ou sociedades. No

entanto, a interação social nem sempre é harmônica, pois nela o homem revela o seu lado

instintivo: a agressividade.

Podemos afirmar que através dos tempos o homem tem aprendido a viver numa verdadeira

"societas criminis". É aí que surge o Direito Penal, com o intuito de defender a coletividade e

promover uma sociedade mais pacífica.

Se houvesse a certeza de que se respeitaria a vida, a honra, a integridade física e os

demais bens jurídicos do cidadão, não seria necessário a existência de um acervo normativo

punitivo, garantindo por um aparelho coercitivo capaz de pô-lo em prática. São haveria, assim, o

"jus puniendi", cujo titular exclusivo é o Estado.

Por isso é que o Direito Penal tem evoluído junto com a humanidade, saindo dos

primórdios até penetrar a sociedade hodierna. Diz-se, inclusive, que "ele surge como homem e o

acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se

afastou" (Magalhães Noronha).

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I – Períodos da Evolução Histórica do Direito Penal.

1. Período da Vingança

Tendo início nos tempos primitivos, nas origens da humanidade, o Período da Vingança

prolonga-se até o século XVIII.

Nos tempos primitivos não se pode admitir a existência de um sistema orgânico de

princípios gerais, já que grupos sociais dessa época eram envoltos em ambiente mágico e

religiosos. Fenômenos naturais como a peste, a seca, e erupções vulcânicas eram considerados

castigos divinos, pela prática de fatos que exigiam reparação.

Pode-se distinguir as diversas fases de evolução da vingança penal, como a seguir:

Fase da vingança privada.

Fase da vingança divina.

Fase da vingança pública.

Entretanto, essas fases não se sucedem umas às outras com precisão matemática. Uma

fase convive com a outro por largo período, até constituir orientação prevalente, para, em

seguida, passar a conviver com a que lhe se segue. Assim, a divisão cronológica é meramente

secundária, já que a separação é feita por idéias.

2. Período Humanitário

O período conhecido por Período Humanitário transcorre durante o lapso de tempo

compreendido entre 1750 e 1850.

Tendo seu início no decorrer do Humanismo, esse período foi marcado pela atuação de

pensadores que contestavam os ideais absolutistas.

Pregava-se a reforma das leis e da administração da justiça penal no fim do século XVIII.

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Os povos estavam saturados de tanto barbarismo sob pretexto de aplicação da lei. Por

isso, o período humanitário surge como reação à arbitrariedade da administração da justiça penal

e contra o caráter atrás das penas.

Os escritos de Monteguieu, Voltaire, Rousseau, D’Alembert e o Cristianismo foram de

suma importância para o humanismo, uma vez que constituíram o próprio alicerce do mesmo.

O pensamento predominante neste período ia de encontro a qualquer crueldade e se

rebelava contra qualquer arcaísmo do tipo: "Homens, resisti à dor, e sereis salvos". (Basileu

Garcia).

3. Período Cientifico

Também conhecida como período criminológico, esta fase caracteriza-se por um notável

entusiasmo científico. Começa a partir do século XIX, por volta do ano de 1850 e estende-se até

os nossos dias.

Inicia-se, neste período, a preocupação com o homem que delinqüe e a razão pela qual

delinqüe.

Puig Peña refere-se a esse período, afirmando que "caracteriza-se pela irrupção das

ciências penais no âmbito do Direito punitivo, e graças a ele se abandona o velho ponto de vista

de considerar o delinqüente como um tipo abstrato imaginando sua personalidade".

O notável médico italiano César Lombroso, revoluciona o campo penal na época. Ferri e

Garófalo também merecem destaque, além do determinismo e da Escola positivista que tiveram

sua devida influência no período criminológico.

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II – Abordagem dos Períodos: Suas fases, influências, evoluções.

1. Fases da Vingança Penal

a) Vingança Privada: "Olho por olho, dente por dente".

Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima,

dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção a ofensa, atingindo não só o

ofensor, como todo o seu grupo. A inexistência de um limite (falta de proporcionalidade) no revide

à agressão, bem como a vingança de sangue foi um dos períodos em que a vingança privada

constituiu-se a mais freqüente forma de punição, adotada pelos povos primitivos.

A vingança privado constituía uma reação natural e instintiva, por isso, foi apenas uma

realidade sociológica, não uma instituição jurídica.

Duas grandes regulamentações, com o evolver dos tempos, encontrou a vingança privada:

o talião e a composição.

Apesar de se dizer comumente pena de talião, não se tratava propriamente de uma pena,

mas de um instrumento moderador da pena. Consistia em aplicar no delinqüente ou ofensor o

mal que ele causou ao ofendido, na mesma proporção.

Foi adotado no código de Hamurabi:

"Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo

feto".

"Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele".

Também encontrado na Bíblia Sagrada:

"Levítico 24, 17 – Todo aquele que feri mortalmente um homem será morto".

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Assim como na Lei das XII Tábuas.

"Tábua VII, 11 – Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se houver

acordo".

"Ut supra", o Talião foi adotado por vários documentos, revelando-se um grande avanço na

história do Direito Penal por limitar a abrangência da ação punitiva.

Posteriormente, surge a composição, através do qual o ofensor comprava sua liberdade,

com dinheiro, gado, armas, etc. Adotada, também, pelo Código de Hamurabi (Babilônia), pelo

Pentateuco (Hebreus) e pelo Código de Manu (Índia), foi largamente aceita pelo Direito

Germânico, sendo a origem remota das indenizações cíveis e das multas penais.

b) Vingança Divina: "A repressão ao crime é satisfação dos deuses".

Aqui, a religião atinge influência decisiva na vida dos povos antigos.

A repressão ao delinqüente nessa fase tinha por fim aplacar a "ira" da divindade ofendida

pelo crime, bem como castigar ao infrator.

A administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários

dos deuses, encarregavam-se da justiça.

Aplicavam-se penas cruéis, severas, desumanas. A "vis corpolis" era usa como meio de

intimidação.

No Antigo Oriente, pode-se afirmar que a religião confundia-se com o Direito, e, assim, os

preceitos de cunho meramente religioso ou moral, tornavam-se leis em vigor.

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Legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na

Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo

povo de Israel.

c) Vingança Pública: "Crimes ao Estado, à sociedade".

Com uma maior organização social, especialmente com o desenvolvimento do poder

político, surge, no seio das comunidades, a figura do chefe ou da assembléia.

A pena, portanto, perde sua índole sacra para transformar-se em um sanção imposta em

nome de uma autoridade pública, representativa dos interesses da comunidade.

Não era mais o ofendido ou mesmo os sacerdotes os agentes responsáveis pela punição,

mas o soberano (rei, príncipe, regente). Este exercia sua autoridade em nome de Deus e cometia

inúmeras arbitrariedades.

A pena de morte era uma sanção largamente difundida e aplicada por motivos que hoje

são considerados insignificantes. Usava-se mutilar o condenado, confiscar seus bens e extrapolar

a pena até os familiares do infrator.

Embora a criatura humana vivesse aterrorizada nessa época, devido à falta de segurança

jurídica, verifica-se avanço no fato de a pena não ser mais aplicada por terceiros, e sim pelo

Estado.

Tempo de desespero, noite de trevas para a humanidade, idade média do Direito Penal...

Vai raiar o sol do Humanismo. Enfim!

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2. Período Humanitário: "O homem deve conhecer a justiça".

2.1 – O Direito Penal e a "Filosofia das Luzes".

Os séculos XVII e XVIII foram marcados pela crescente importância da burguesia, classe

social que comandava o desenvolvimento do capitalismo. Mas nem tudo era belo e tranqüilo:

havia um grave conflito de interesses entre os burgueses e a nobreza.

Surgiu, então, um sistema de idéias que deu origem ao liberalismo burguês. Essas idéias

ganharam destaque através do movimento cultural conhecido como Iluminismo ou Filosofia das

Luzes.

Os pensadores iluministas, em geral, defendiam uma ampla reforma do ensino, criticavam

duramente a intervenção do Estado na economia e achincalhavam a Igreja e os poderosos.

Nem mesmo Deus escapou às discussões da época. O Deus iluminista, racional, era o

"grande relojoeiro" nas palavras de Voltaire.

Deus foi encarado como expressão máxima da razão, legislador do Universo, respeitador

dos direitos universais do homem, da liberdade de pensar e se exprimir. Era também o criador da

"lei", e lei no sentido expresso pelo filósofo iluminista Montesquieu: "relação necessária que

decorre da natureza das coisas".

Foi, evidentemente, os escritos de Montesquieu, Voltaire, Russeau e D’Alembert que

prepararam o advento do humanismo e o início da radical transformação liberal e humanista do

Direito Penal.

Locke, filósofo inglês, considerado o pai do iluminismo, escreveu o "Ensaio sobre o

entendimento humano. Montesquieu, jurista francês, escreveu "O espírito das Leis", defendendo

a separação dos três poderes do Estado. Voltaire, pensador francês, tornou-se famoso pelas

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críticas ao clero católico, à intolerância religiosa e à prepotência dos poderosos. Rousseau,

filósofo francês, célebre defensor da pequena burguesia e inspirador dos ideais da revolução

Francesa, foi autor de "O Contrato Social" e "Discurso sobre a origem da desigualdade entre os

homens. Por fim, Diderot e D’Alembert foram os principais organizadores da "Enciclopédia", obra

que resumia os principais conhecimentos artísticos, científicos e filosóficas da época.

Os pensadores iluministas, supra citados, em seus escritos, fundamentaram uma nova

ideologia, o pensamento moderno, que repercutiria até mesmo na aplicação da justiça: à

arbitrariedade se contrapôs a razão, à determinação caprichosa dos delitos e das penas se pôs a

fixação legal das condutas delitivas e das penas.

Os povos clamavam pelo fim de tanto barbarismo disfarçado.

2.2 – Beccaria: "filho espiritual dos enciclopedistas franceses".

Em 1764, imbuído dos princípios iluministas, Cesar Bonesana, Marquês de Beccaria, faz

publicar a obra "Dei Delitti e Delle Pene", que, posteriormente, foi chamado de "pequeno grande

livro", por ter se tornado o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal então vigente.

Os princípios básicos pregados pelo jovem aristocrata de Milão firmaram o alicerce do

Direito Penal moderno, e muitos desses princípios foram, até mesmo, adotados pela declaração

dos Direitos do homem, da revolução Francesa.

Segundo ele, deveria ser vedado ao magistrado aplicar penas não previstas em lei. A lei

seria obra exclusiva do legislador ordinário, que "representa toda a sociedade ligada por um

contrato social".

Quanto a crueldade das penas afirmava que era de todo inútil, odiosa e contrária à justiça.

Sobre as prisões de seu tempo dizia que "eram a horrível mansão do desespero e da

fome", faltando dentro delas a piedade e a humanidade.

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Não foi à toa que alguns autores o chamaram apóstolo do Direito: O jovem marquês de

Beccaria revolucionou o Direito Penal e sua obra significou um largo passo na evolução do

regime punitivo.

2.3 – O Direito Natural e sua influência.

Entre os séculos XVI e XVIII, na chamada fase racionalista surgia a chamada Escola do

Direito Natural, de Hugo Grócio, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant. Sua

doutrina apresentava os seguintes pontos básicos: a natureza humana como fundamento do

Direito; o estado de natureza como suposto racional para explicar a sociedade; o contrato social e

os direitos naturais inatos.

De conteúdo humanitário e influenciada pela filosofia racionalista, a Escola concebeu o

Direito Natural como eterno, imutável e universal.

Se por um lado a Escola do Direito Natural teve uma certa duração, a corrente que se

formou, ou seja, o jusnaturalismo prolongou-se até a atualidade.

Romagnosi, já visto anteriormente como um dos iniciadores da Escola Clássica,

fundamentou sua obra, "Gênesis do Direito Penal", concebendo o Direito Penal como um direito

natural, imutável e anterior às convenções humanas.

Embora ainda sob uma pseudo-compreensão de alguns juristas, o Direito Natural tem

sobrevivido e mostrado que não se trata de idéia metafísica ou princípio de fundo simplesmente

religioso.

O jusnaturalismo atual constitui um conjunto de amplos princípios, a partir dos quais o

legislador deverá compor a ordem jurídica. Os princípios mais apontados referem-se ao direito à

vida, à liberdade, à participação na vida social, à segurança, etc.

É evidente a correlação que existiu e ainda existe entre Direito Natural e Direito Penal: os

princípios abordados pelo jusnaturalismo, especialmente os correspondentes aos direitos naturais

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inativos, estão devidamente enquadrados no rol dos bens jurídicos do assegurados pelo Direito

Penal.

Assim, o jusnaturalismo e seus princípios não deixaram de influenciar o período

Humanitário, no qual buscava-se individuais a valorização dos direitos intocáveis e dos

delinqüentes e a conseqüente dulcificação das sanções criminais.

2.4 – Escola Clássica: "A denominação pejorativa criada pelos positivistas".

Denomina-se Escola Clássica o conjunto de escritores, pensadores, filósofos e

doutrinadores que adotaram as teses ideológicas básicas do iluminismo, que foram expostas

magistralmente por Beccaria.

Três grandes jurisconsultos podem ser considerados como iniciadores da Escola Clássica:

Gian Domenico Romagnosi, na Itália. Jeremias Bentham, na Inglaterra e Anselmo Von Feuerbach

na Alemanha.

Romagnosi concebe o Direito Penal como um direito natural, imutável e anterior às

convenções humanas, que deve ser exercido mediante a punição dos delitos passados para

impedir o perigo dos crimes futuros.

Jeremias Bentham considerava que a pena se justificava por sua utilidade: impedir que o

réu cometa novos crimes, emendá-lo, intimidá-lo, protegendo, assim a coletividade.

Anselmo Von Feuerbach opina que o fim do Estado é a convivência dos homens conforme

as leis jurídicas. A pena, segundo ele, coagiria física e psicologicamente para punir e evitar o

crime.

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No que tange à finalmente da pena, havia no âmago da Escola Clássica, três teorias:

1. Absoluta – que entendia a pena como exigência de justiça.

2. Relativa – que assinalava a ela um fim prático, de prevenção geral e especial;

3. Mista – que, resultando da fusão de ambas, mostrava a pena como utilidade e ao mesmo

tempo como exigência de justiça.

Na Escola Clássica, dois grandes períodos se distinguiram: o filósofo ou teórico e o jurídico

ou prático. No primeiro destaca-se a incontestável figura de Beccaria. Já no segundo, aparece o

mestre de Pisa, Francisco Carrara, que tornou-se o maior vulto da Escola Clássica.

Carrara defende a concepção do delito como ente jurídico, constituído por duas forças: a

física (movimento corpóreo e dano causado pelo crime) e a moral (vontade livre e consciente do

delinqüente).

Define o crime como sendo "a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a

segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo,

moralmente imputável e politicamente danoso".

3. Período Cientifico ou Criminológico:

"A justiça deve conhecer o homem".

3.1 – O Determinismo: "Para cada fato, há razões que o determinaram".

Durante o chamado período cientifico surge uma doutrina que vai influenciar o pensamento

da época, repercutindo, inclusive no âmbito criminal: a filosofia determinista.

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Segundo a mesma, todos os fenômenos do universo, abrangendo a natureza, a sociedade

e a história são subordinadas a leis e causas necessárias.

Coube a Laplace a formulação conceitual mais ampla do determinismo, corrente esta que,

Segunda a visão "Laplaciana", corresponde ao "caráter de uma ordem de fatos na qual cada

elemento depende de outros, de tal modo que se pode prevê-lo, provocá-lo ou controlá-lo

segundo se conhece, provoque ou controle a ocorrência desses outros".

Assim, o delito, como fato jurídico, deveria também obedecer esta correlação determinista,

já que por trás do crime haveria sempre razões suficientes que o determinaram.

Para certa corrente filosófica, a noção de determinismo é central na conceituação do

conhecimento científico, tanto na esfera das ciências físico-naturais, quanto na das ciências do

homem; para uma Segunda corrente, o determinismo é incompatível com a idéia da ação

deliberada e responsável, ou seja, o determinismo nega o livre arbítrio. Foi aceito por Ferri, que

afirmava ser o homem responsável, por viver ele em sociedade.

3.2 – "Os Evangelistas": Lombroso, Ferri e Garófalo.

Foi César Lombroso, autor do livro L’uomo Delinquente, quem apontou os novos rumos do

Direito Penal após o período humanitário, através do estudo do delinqüente e a explicação causal

do delito.

O ponto nuclear de Lombroso é a consideração do delito como fenômeno biológico e o uso

do método experimental para estudá-lo. Foi o criador da "Antropologia Criminal". A seu lado

surgem Ferri, com a "Sociologia Criminal", e Garofalo, no campo jurídico, com sua obra

"Criminologia", podendo os três ser considerados os fundadores da Escola positiva.

Lombroso afirmava a existência de um criminosos nato, caracterizado por determinados

estigmas somato-psíquicos e cujo destino indeclinável era delinqüir, sempre que determinadas

condições ambientais se apresentassem.

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Discípulo dissidente de Lombroso, Henrique Ferri, ressaltou a importância de um trinômio

causal do delito: os fatores antropológicos, sociais e físicos. Dividiu os criminosos em cinco

categorias: o nato, o louco, o habitual, o ocasional e o passional. Dividiu, ainda, as paixões em:

sociais (amor, piedade, nacionalismo, etc.) e anti-sociais (ódio, inveja, avareza, etc.).

Outro vulto da tríade é Rafael Garofalo, o primeiro a usar a denominação "Criminologia"

para as Ciências Penais. Fez estudos sobre o delito, o delinqüente e a pena.

Afirmava essa tríade de vigorosos pensadores que a pena não tem um fim puramente

retributivo, mas também uma finalidade de proteção social que se realiza através dos meios de

correção, intimidação ou eliminação.

3.3 – O movimento positivista no Direito Penal.

O movimento naturalista do século XVIII, que pregava a supremacia da investigação

experimental em oposição à indagação puramente racional, influenciou o Direito Penal. Numa

época de franco domínio do pensamento positivista no campo da filosofia (Augusto Comte) e das

teorias evolucionistas de Darwin e Lamark, das idéias de John Stuart e Spencer, surgiu a

chamada Escola Positiva.

A nova Escola proclamava outra concepção do Direito. Enquanto para a Clássica ele

preexistia ao Homem (era transcendental, visto que lhe fora dado pelo criador, para poder

cumprir seus destinos), para dos positivistas, ele é o resultado da vida em sociedade e sujeito a

variações no tempo e no espaço, consoante a lei da evolução.

Seu pioneiro foi o médico psiquiatra César Lombroso, segundo o qual a criminalidade

apresenta, fundamentalmente, causa biológica.

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E Lombroso faz uma descrição do criminoso nato, como descreve a seguir:

assimetria craniana, fronte fugida, zigomas salientes, face ampla e larga, cabelos abundantes e

barba escassa.

o criminoso nato é insensível fisicamente, resistente ao traumatismo, canhoto ou ambidestro,

moralmente impulsivo, insensível, vaidoso e preguiçoso.

Embora tenha cometido alguns exageros na definição do criminosos nato, a idéia de uma

tendência para o crime não foi sepultada com Lombroso. Estudos feitos por geneticistas tem

levado à conclusão de que elementos recebidos por herança biológica, embora possam não

condicionar um "modus vivendi" no sentido de tornar o homem predestinado em qualquer

direção, influem no modo ser do indivíduo.

III – O Direito Penal no Brasil.

1. "1603": Nasce o Livro V do Rei Filipe II.

No Brasil Colonial estiveram em vigor as ordenações Afonsinas (até 1512) e Manuelinas

(até 1569), substituídas estas últimas pelo código de D. Sebastião (até 1603). Passou-se, então,

para as Ordenações Filipinas, que refletiam o Direito Penal dos tempos medievais.

Foi, então, o Livro V das Ordenações do Rei Filipe II (compiladas, aliás, por Filipe I, e que

aquele, em 11 de janeiro de 1603, mandava que fossem observadas), o nosso primeiro Código

Penal. É o Código Filipino.

Fundamentava-se largamente nos preceitos religiosos. O crime era confundido com o

pecado e com a ofensa moral, punindo-se severamente os hereges, apóstatas, feiticeiros e

benzedores.

As penas severas e cruéis (açoites, degredo, mutilação, queimaduras etc.) visavam infundir

o temor pelo castigo. Além da larga cominação da pena de morte, executada pela força, com

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torturas, pelo fogo etc., eram comuns as penas infamantes, o confisco e os galés. Aplicava-se,

até mesmo, a chamada "morte para sempre", em que o corpo do condenado ficava suspenso e,

putrefazendo-se, vinha ao solo, assim ficando, até que a ossada fosse recolhida pela Confraria

da Misericórdia, o que se dava uma vez por ano.

Além de tudo isso, as penas eram desproporcionadas à falta praticada, não sendo fixadas

antecipadamente. Eram desiguais e aplicadas com extrema perversidade.

2. "1830": É sancionado o Código Criminal do Império do Brasil.

Proclamada a independência, previa a Constituição de 1824, que se elaborasse uma nova

legislação penal e, em 16 de dezembro de 1830 D. Pedro I sancionava o Código Criminal do

Império.

De índole liberal, inspirava-se na doutrina utilitária de Betham, bem como no Código

francês de 1810 e o Napolitano de 1819. Fixava-se na nova lei um esboço de individualização da

pena, previa-se a existência de atenuantes e agravantes, e estabelecia-se um julgamento

especial para os menores de 14 anos. A pena de morte, a ser executada pela força, só foi aceita

após acalorados debates entre liberais e conservadores no congresso e visava coibir a prática de

crimes pelos escravos.

Não separada a Igreja do Estado, continha diversas figuras delituosas, representando

ofensas à religião estatal.

Apesar de suas inegáveis qualidades, tais como, indeterminação relativa e individualização

da pena, previsão da menoridade como atenuante, a indenização do dano "ex delicto",

apresentava defeitos que eram comuns à época: não definira a culpa, aludindo apenas ao dolo,

havia desigualdade no tratamento das pessoas, mormente os escravos.

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3. "1890" : A República traz seu Código Penal.

Com a República foi editado, em 11 de outubro de 1890, o Código Criminal da República,

logo alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava que decorriam, evidentemente, da

pressa com que fora elaborado.

Em virtude de a Constituição de 1891 haver abolido a pena de morte, a de galés e a de

banimento judicial, o Código Republicano de 1890 contemplou as seguintes sanções:

a) prisão;

b) banimento ( o que a Carta Magna punia era o banimento judicial que consistia em pena

perpétua, diversa, portanto, desse, que importava apenas em privação temporária);

c) interdição (suspensão dos direitos políticos, etc.);

d) suspensão e perda de emprego público e multa.

O Código era de orientação clássica, muito embora aceitasse postulados positivistas, o que

gerou críticas , da mesma forma.

Apesar de Ter sido mal sistematizado, dentre outros defeitos, o Código Criminal da

República, constituiu um avanço na legislação penal da época, uma vez que, além de abolir a

pena de morte, instalou o regime penitenciário de caráter correcional.

4. "1932" : A Consolidação de Piragibe.

Costuma-se dizer que com o Código de 1890 nasceu a necessidade de modificá-lo. Uma

vez que não poder-se-ia transformá-lo imediatamente, surgiu, assim, várias leis para remendá-lo,

que pelo grande número, acabaram gerando enorme confusão e incerteza na aplicação.

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Coube ao desembargador Vicente Piragibe o encargo de consolidar essas leis

extravagantes. Surgia, portanto, através do Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, a

denominada Consolidação das Leis Penais de Piragibe, que vigorariam até 1940.

Composta de quatro livros e quatrocentos e dez artigos, a Consolidação das Leis Penais

realizada pelo Desembargador Vicente Piragibe, passou a ser, de maneira precária, o Estatuto

Penal Brasileiro.

5. O Código Penal de 1940.

Embora promulgado em dezembro de 1940, o novo Código Penal somente passou a

vigorar em 1º de Janeiro de 1942, não só para que se pudesse melhor conhecê-lo, como

também para coincidir sua vigência com a do Código de Processo Penal.

Ainda sendo nossa legislação penal fundamental, o Código de 1940 teve origem em projeto

de Alcântara Machado, submetido ao trabalho de uma comissão revisora composta de Nelson

Hungria, Vieira Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lira.

É uma legislação eclética, que não assumiu compromisso com qualquer das escolas ou

correntes que disputavam o acerto na solução dos problemas penais. Fazia uma conciliação

entre os postulados das Escolas Clássicas e Positiva, aproveitando o que de melhor havia nas

legislações modernas de orientação liberal, em especial nos códigos italiano e Suíço.

Magalhães Noronha comenta que "é o Código obra harmônica: soube valer-se das mais

modernas idéias doutrinárias e aproveitar o que de aconselhável indicavam as legislações dos

últimos anos".

Apesar de suas imperfeições, ou "pecados" (como assinala o autor supra citado), o

Congresso de Santiago do Chile, em 1941, declarou que ele representa "um notável progresso

jurídico, tanto por sua estrutura, quanto por sua técnica e avançadas instituições que contém".

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6. O Código Penal de 1969.

Várias foram as tentativas de mudança da nossa legislação penal.

Em 1963, por incumbência do governo federal, o professor – ministro Nelson Hungria,

apresentou anteprojeto de sua autoria. Após submetido a várias comissões revisoras, o

anteprojeto Hungria foi finalmente convertido em lei pelo Decreto-Lei Nº 1004, de 21 de outubro

de 1969.

A vigência do código de 1969 foi, porém, adiada sucessivamente. Críticas acerbadas se lhe

fez, tanto que foi modificado substancialmente pela Lei Nº 6.016, de 31 de Dezembro de 1973.

Mesmo assim, porém, após vários adiamento da data em que deveria viger, foi ele revogado pela

Lei Nº 6.5778, de 11 de outubro de 1978.

7. "1984": Altera-se a Parte Geral.

Em 1980, o Ministro da Justiça incumbiu o professor Francisco de Assis Toledo, da

Universidade de Brasília, da reforma do Código em vigor. A exemplo da Alemanha, primeiro se

modificou a parte geral.

Em 1981, foi publicado o anteprojeto, para receber sugestões. Depois de discutido no

Congresso, o projeto foi aprovado e promulgada a Lei Nº7.209 de 11/07/1984, que alterou

substancialmente a parte geral, principalmente adotando o sistema vicoriante (pena ou medida de

segurança).

Com a nova Parte Geral, foi promulgada a nova Lei de execução Penal (nº 7.210 de

11/07/1984). É uma lei especifica para regular a execução das penas e das medidas de

segurança, o que era súplica geral, tanto que já se fala na criação de um novo ramo jurídico: o

Direito de execução Penal.

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Recentemente, foi o Estatuto repressivo pátrio alterado pela Lei nº 9.714/98 no que

concerne as penas restritivas de direitos. Incluídos foram mais dois tipos de penas: a prestação

pecuniária e a perda de bens e valores. Ademais, no que tange à substituição da pena privativa

de liberdade por restritivas de direitos, poderá ela se dar quando, atendidos os requisitos

específicos – não reincidência, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade,

motivos e circunstâncias do crime favoráveis – a pena aplicada não for superior a quatro anos.

Vale salientar que, em sendo o crime culposo, haverá a substituição, qualquer que se seja a pena

aplicada.

Destarte, é de se vislumbrar que, cada vez mais, o aprisionamento deixa de ser regra para

se tornar exceção. É que o cárcere, comprovado está, ao invés de proporcionar a

ressocialização, não raro tem se transformado em verdadeira "Universidade da delinqüência".

CONCLUSÃO

Após esta verdadeira jornada através da História, observando-se a evolução do Direito

Penal, desde os primórdios da humanidade, chegou-se, enfim, a 1999.

Se houve épocas de pouca evolução, por outro lado, houve circunstâncias em que o Direito

Penal deu amplos saltos rumo à modernidade.

Por mais evoluído que seja o ser humano hodierno, seu comportamento será sempre

controlado pelo Estado, no exercício do "jus puniende". É que, na sociedade, o homem

continuará expressando sua "spinta criminosa", havendo a necessidade da pena, como

"controspinta".

Portanto, não cessará aqui a evolução do Direito Penal: ela acompanhará o homem

enquanto o mesmo existir. Fica, assim, a reticência no tempo

Page 20: A HISTÓRIA DO DIREITO PENAL

BIBLIOGRAFIA

JORGE, Willian Wanderley. Curso de Direto Penal. Editora Saraiva.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal – Volume 1 (Introdução e Parte Geral). Editora Saraiva.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. Volume 1.

COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. Volume 1. Parte Geral. Editora Saraiva.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Editora Forense.

Enciclopédia Barsa. Volume 6. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.