A história não contada...

download A história não contada...

of 17

Transcript of A história não contada...

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    1/17

    A HlSTORIA NAo CONTADA DOSD ISTU RB IO S D E A PR EN DlZA GEM

    Ao se pretender uma analise critica do significado para a educacao do quese convcncionou charnar de distiirbios de aprenditogem, e inicialrnerue necessarioque cssa cxpressao scj aprccndida do ponte de vista crirnologico.

    A palavra disuirbio compoe-se do radical turbare e do prefixo dis. 0 radicalturbare significa "ahera~ao violent a na ordem natural" e pede ser identificadotarnbern nas palavras turvo, turbilhao, perturbar, conturbar etc. 0 prefixo dis per seusignificado - "altcracao com scntido anorrnal, patologico" - possui, intrinsecamcnte,valor negative. E cxatarncntc por esse significado que e urn prefixo muito usado naicrminologia medica. Assirn, retornando a palavra disnirbio, pode-se traduzi-la par 'anorrnalidade parologica por altcracao violenta na ordem natural".

    E a exprcssao disttirbios de aprenditagem'l E bastartc clara. Rcfere-sc aum a ' anorm alidadc pato16~ ica per . a hcracao violcnta na ordem natu ra I da aprendizagcrn .. ,ou scja, obviarncnte locaiizada em quem aprende. f: implicito na propria exprcssaoque, ao sc fazcr tal diagnosrico, csiao (ou forarn) dcvidamerue excluidos todos osfatores que possam interferir ncgarivarncnte no processo ensino-aprendizagem (quenao s a o objcio de estudo ncste tcxto), urna vez: que nao sc fala em "disnirbios doproccsso cnsino-aprendi za gem" .

    Ponanio, disttirbio de aprendizagem remere, obrigaroriameruc, a urn problema,OU, mais claramcnte, a uma doenca que acomete 0 a1uno - 0 portador - em nivclindividual, organico. Para urn problema individual, so podern surgir solucocs individuais.Para urn problema medico, solucoes rnedicas.

    o usa dessa expressao (reflcxo da [reqiiencia com que OCOTIe0 diagnosticoitern se expandido de mancira assustadora entre professorcs e, ernbora a rnaioria n~cconsiga cxplicar claramerue seu significado, seus critcnos, quando utilizada, percebe-seque e cxatamente com 0 prop6sito de se referir a uma doenca, a urn problemalocalizado no aluno.Pode-se consratar, assim, a concretizacao no cotidiano da sala de aula doprocesso de biologizacao das questoes socials (no caso, as educacionais), processoeste de cunho ideok.sico incgavel.

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    2/17

    A biologizacao - e conseqiierne patolo gizacao - da aprendizagern cscamotciaos detcrrniuarnes politicos e pcdagogicos do fracasso cscolar, isentando dercsponsabilidadcs 0 sistema social vigcntc e a instituicao escolar nele inserida. E osaisulrbios de aprendizagem s a o uma das forrnas de cxprcssao rnais em moda, naatualidadc, dcssa biologizacao da educacao e, mais especificarncme, do fracasso escolar.

    o co nce ito o fu ::ia l dos dimJ.rbim th aprendizagemTern sido frcqiierue, nos meios cducacionais, ouvir-sc que 0 tcrmo disttirbios

    de aprcndizagem nao remere o brigaroriarncn te a urn problema biologico, localizadono individuo. Com 0 objct ivo de dcsfazcr esse cquivoco, vale a pena citar a definicaocstabclccida em 1981 pclo National Joint Comittec for Learriing Disabilities. nosEsiados Unidos da America.':

    Disnirbios de aprendizagcm e um termo gcncrico que se refcre a urngrupo hctcrogenco de aheracoes manifcstas por d ific uld ad cs sig nific ar ivasna aqui si cao c usc de a ud ic ao fa la, le in rra, escrita, raciocinio ou habilidadesrnaternaticas. Estas altcraciies sao intrinsccas ao individuo epresumivclmente devidas d disfuncdo do sistema nervoso central. Apcsarde um disturbio de aprendizagcm podcr ocorrcr concomitarucmcruc comou r3.S coudicocs dcsfavoravcis (por cxcmplo, altcracao sensorial, rcrardomenial, disiurbio social ou cmocional) ou influencias ambieruais (porcxcmplo, di Icrcncas culturais, instrucao insufucicme/inadequada, fatorespsicogcuicos), nfic c rcsultado dircto destas condicoes ou influcncias.(grifo nosso)

    Esse cornitc C considcrado, nacionalmcnte, como orgao com cxpcriencia ccornpctcncia para uormatizar 0 assume c elaborou esse conceito em substltuicao aoutro anterior, de 1968~. Para cviiar "erros de interpretacdo inadvertidos "; 0 comitepublicou :1 dcfilli~50 com explicacocs frase a frasc. Assim, 3 serucnca grifada ncssetcxto rcccbe os scguiiucs adcndos:

    ... significa que a ferne do disuirbio dcvc scr encontrada irucrnarncruc apcssoa quc c afctada ... A causa do disuirbio de aprcndizagcm c umadisfuncao eonhccida ou prcsumida no sistema ncrvoso central. A frasetenia falar claramcntc da imencao subjaccruc ao conceito de que disuirbiosde aprcnd izagcm $ C i o iru rin sec os a o in div id uo .A inda ... 0Com itc concorda que cvidencia concrcia de organicidadenfio prccisa CSl3f prescruc p:lr3 sc diagnosricar uma pcssoa ponadora dedisiurbio de aprcudizagern, mas ncnhuma pessoa pede rcccbcr csict l iJgl1oS1 ico a mcnos que uma disfuncao do sistema ncrvoso central sejaa causa suspeitada.

    Essa posicao de que urn disuirbio de aprendizagetn poderia ter causasnfio-biolog icas, CC~:1dcstaque para as psicologicas, surge entre profissionais da psicologia1. Esse comiie e formado por scis o~aniza~6cs profissionais 1i~llcb~ 30 assunto: American

    Speech- Language- Hcarin g Association, Association for a , n d r c : n and Aduhs with LearningDisabilities. Council for Learning Disabilities, Division (or Children with CommunicationDisorders, International Reading Association e Orton Oyslexil Society.

    2. Esse concciro de 1968 sera comeruado adiarue, n3S pp. 38~39.

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    3/17

    e da educacao como reacao a s criticas que cornecavam a surgir no B rasil em rclacaoa essa qUCS1301. Essa polernica e artificial, ao se desviar da discussao fundamenta l cso pode ser rnant ida por se ignorar a propria hisroria da construcao da tcoria sobre osdisuirbios de aprendizagem . Conhecer essa historia e imponante nao apenas para asuperacao desse tipo de equivoco m as, princrpalrnerue, para que se possa desm itificare ssa te oria .

    &cu~tl1nd(J 4hlstdrla reallnicialrncntc, C precise clarear urn ponto: os disulrbios de apre..ndiwgem s a c

    u ma co nstru cao do pcn sarnen to medico, surgem como entidadcs nosolcgicas e persistemassim ate hoje, como "docncas" neuro16gicas.

    C omo fio condutor na recuperacao da historicidade, tornernos como modelede entendimento a dislexia, sem duvida 0 disttirbio mais disserninado, rcfcrindo-se aalreracao paiologica na aquisi~ao/dominio da lin gua gem cscrira.

    Aqui, e nccessario urn parcntese, para explicitar sobre q ua l d isle xia esrarnosfalando. Existc uma situacao bastame conhccida em neurologia, que consiste emperda do do min io da linguagcrn escrita, dominic esse ja csrabclecido anteriormerue.Essa pcrda pede ocorrer como sequela (tcrnpcraria ou dcfiniriva) de uma paiologia dosistem a nervoso central. rnais comumcnrc urn traum a craniano irnportaruc, acidcnievascular ou processo infcccioso. Em todas essas condicocs, exisic uma alteracaoanatornica que pode seT cornprovada e, ern dccorrencia, ocorre cssa pcrda de umacapacidadc/habilidadc anterior, frcqiien tcrnerue acompanhada de outras alicracocsncurologicas. Essa condicao, obviamente rnais comum em adultos, c conhecida pordislexia e nao e, em absolute, que st io n ada. Nao e dcssa dislcxia de que se fala, sejadefendendo au rcchacando a cxisrcncia de disulrbios de aprendizagcm; 0 objctivodcste tcxto nao e discutir cssa condicao. A polernica ocorre em torno de uma cruidadecujo nom e com plete e dislcxia especifica de evolucdo e que decorre do ernprego do"raciocin io c1inico tradicional" frcnte a problem as sociais. Esse tipo de raciocin io(se A causa B , B so pode ser causado por A ) esiru tura-se na origem da propriam edicina como cicncia, num a cpoca em que 0 objero de estudo eram basicarncntedoencas infecto-com agiosas, em que A e urn agenic biologico bern dctcrm inado eextcrno no hornern; hojc, adm ite-se a lirn itacao dcsse raciocin io para a comprcensaomesmo desse grupo de docncas. Erurctanto, a form acao inadequada e acritica dosprofissionais de saudc pcrrnire que scja usado indiscrirninadam erue, fren te a qucstoesde qualquer iipo, mesmo quando nao sao significativos os fatores biologicos. Assirn,lcvando esse racio cin io ao l imite, teri am o s: "s e uma doenca neurologica podecornpromctcr 0 dominic da linguagem cscrita sera que a crianca que nao aprendc aler e escrcver m10 retia uma doenca neurologica?" E e exa arncnre assim que seinicia, h a quase urn seculo, esta tonga hist6ria de equivocos e m ites, nao acideruais.

    Em 1895. James H inshelwood, oftalmolagista em Glasgow, a partir docantata com alguns cases de cegueira verbal (tenno usado na epoca para nornear a3. Atualrnente e comum 0 usc da expressao "dificuldades de aprendizagern" para se re fc ri r a o

    I) esmo conceuo, provavdmente como meio de contornar a cnrica. Porern, nada muda, emtermos de referencial reorico e ale mesmo do proprio nome; talvez se {ale de uma alteracao"urn pouco mcnos violenta' na aprendizagern, mas sernpre localizada em quem aprende,

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    4/17

    siiuacao descr it a acirna como dislcxia), postulou a existcncia de ceg ueira verbalcongenita, disuirbio de leitura prctensamcnte provocado par urn dcfcuo gcnctico. Apartir dai, publicou alguns relaros de cases, tipicos, segundo ele, de cegueira verbalcongdnita e que confirmariam sua tcoria. A analise desscs relates, cntrcranto, eincapaz de aporuar qualouer elcmeruo que permita minimamente suspeiiar de umadoenca na crianca em qucsiao. Ao corurario, esses relates sao tipicos no sernido deideruificar problemas no proccsso cnsino-aprendizagem de ordem clararnerue pedag6gica.Apenas como excmplo, podemos citar 0 adolescente que se sentia humilhado em salade aula e n50 conseguia lc r pais sofria com as gozacocs dos cote gas e ness a condicaosua lcitura piorava rnuiio; 0 "iraramento" prescrito foi uma o ric nta ca o a professor apara que nao 0 fizcsse ler ern voz aha, com grande melhora em seu aprcndizado. Essecase foi dcscr iro como iipico por Hinshclwood, que in te rp rc tou 0 progrcsso do jo ve rncomo evidcncia da validadc de seu diagnostico, (Coles, 1987)

    Ernbora Hinshclwood tenha se lim itado a alguns trabalhos em que relatacasas como 0 dcscriio, sem qualquer comprovacao de sua tcoria (a existcncia de urndcfcito cerebral genetico que irnpediria a aprcndizagcrn) e nao tenha side minimarncruereconhccido por dccadas, e comum ser citado em textos rcccntes como 0 primeirogrande auior no campo tcorico que cntao se iniciava, 0dos disulrbios de aprendizagem,

    A 1inha teorica - alicracoes organicas e/ou gcneticas impcdindo que criancasaprcndarn a ler - nao rcve rcpcrcussao no campo da aprcndizagcm, da linguistica emesrno da propria medicine. Os trabalhos de Hinshclwood nao foram eitados porourros autorcs c n50 foram publicndos outros trabalhos com esse estudo."

    A proxima pisia ccssa tcruat iva de rccupcrar a historicidade dcssa producaode conhecimcntos s o surge em 1918, com Strauss, Esse ncurologista amcricano lancaa hip6tese de que os disnirbios de comportamcnto e, com mcnor enCase, os deaprcndizagern poderiarn scr conscqiicrucs de uma lesdo cerebral minima. Tarnbcrncssa hipotcsc C publicada scm qualqucr cvidencia empirtca; sua origem c , mais umavcz, 0 "raciocinio clinico iradicional". A o~ao de que algumas pcssoas quesobreviviarn a docncas ncurologicas bern estabelecidas, principalm ente infcccoes etraumas, passavarn a ap cscnrar, como uma

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    5/17

    ........... U...,""J U.....UlIl 11\..IIII::'ICIIUserao capias especularcs ..~ do outre em questao ", Essa dorninancia rnista causariaconfusio na percepcao, na orieruacao espacial e na direcao da leitura, segundo Orton,..... impedindo 0 reconhecimento imediato de diferencas entre pares de palavras. ..como 'was' e 'saw', 'not' e 't(;>n' e outras ... ". (apud Colles, 1987)

    COVJlIV um cos pats aa oistexra. e transtorm ado em neurologista, provavelrnente para m aiercredibilidade da versao oficial,

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    6/17

    Pode-se ident ificar, aqui, a origem de se considerar a leitura em espelhocomo parognornonica de dislexia (terrno que ja comeca a aparecer nessa epoca).

    ~ interessante que apcsar de a tcoria da strephosymbolia nunca ter sidocornprovada e ser hoje negtigenciada (ou mesmo explicitamente rejeitada), suaconse qiicncia perd ura, qu ase com vida p ro pria , p errn ea nd o toda a area da aprendizagern:as 'reverses", a lcitura em espelho, a imagem especular.

    Como Hinshc1wood, Orton nao Iol reconhecido nos meios cientificos pordccadas. Chcgou a tcr alguns scguidorcs, a estim ular algumas e sc ola s e sp ec ia ls ,porern esscs fa res tiveram minima exprcssao. Ate a decada de 1960, a campo dosdisuirbios de aprendiiagem aparentava estar mono; na verdade, estava quiescerue.

    Ale a decada de 1950, era outra a abordagern hegernonica sobrc aprendizagern.Como exernplo, Vernon, psicologo ingles considerado urna das grandes autoridadesno assunto, em livre publicado em 1957, conclui nao existir "nenhuma evidencia"da existencia de cegueira verbal cong~l)ita e afinna: Ue irnprovavel que constituamais que uma pequcna parte m esmo dos casos severos de disuirbio de leuura."Cr itica as teorias de Hinshelwood e de Orton e, fazendo uma revisao de pesquisassobrc caUSQSinatas de distdrbios, conelui que ..... as investigacoes que foram citadasnoo fomecem clara evidencia da existcncia de qualquer condicao organica inata quecause disuirbio de leiiura, exceto ralvez em uma rninoria de cases". Sobre dislexiaafirrna surnariarncnte, em nota de rodape que como a teoria ..... nao podc SCI a c e u aat e memento, a tcrmo dislcxico nao sera emprcgado neste Iivro", (apud Coles, 1987)

    Porern, no mesmo ana de 1957, estrutura-se, na medicina, a conceito delesdo cerebral minima, ou sindrome hipercindtlca, ou hiperatividade, como entidadeclinica passivcl de tratarnento mcdicamemoso.

    A criacdo da teoria fisiopatologicaA partir da adrninistracao experimental de calmantes e estimulantes do

    sistema ncrvoso, central (antetaminas) a crianeas com disulrbios de comportamento,- em uma das experlencias rnais amicricas na hist6ria da rnedicina! - Bradley(1937) rclatou melhora da hiperatividade, da agressividade e da aprcndizagcrn, empadrso constante e mantido, cam 0 u s o de a~fctaminas. Tentando explicar esse efeitoparadoxa! - uma droga esrimulante melhotando criancas exciradas - construiu-seuma (coria sobrc a fisiopatologia da "docnca", Postulou-se urn dcfeito na SubstantiaReticular Ativadora Ascendcrue (SRAA), espccie de "fittro" que, sob controle voluntario,8. Trabalhando em uma institui~ao para criancas com problemas de diferentes tipos e causas, 0autor foi ...testando .. os efcitos de drogas com ~o no sistema nervoso central. Os efeitoscolatcrais dessas drogas em adultos ja eram bern conhecidos, com serias restri~Oes30 seu usa;

    em criancas, nao se conhcciam ainda seus efeitos, presumlvelmente mais intensos. Alemdisso, como as criancas eram intemas na institui~!o, n!o h3 qualquer referenda iexplicita~aode riscos para a familia, nem mesmo de eonseruimento. A partir do primeiro trabalho,pubficado em 1937. 0 aurar persisiiu nessa Iinha de pesquisa, agora jii acompanhado paroutros autores. Em um de seus trabalhos posteriores, cbega a afinnar que" ...existe uma cenaapreensao publica, baseada largamente em infonna~Oes incorretas, de qu e seu uso pede levara dcpcndcncia ". (Bradley, 1 95 0) E m slntese. 0 auto . - testou drogas po iencialmen te pe rigosasem criancas com diagnosticos os mais diversos, sem consentimento da familia. E timu suasconclusoes apenas de suas ~imPfe.ssees cHllicas~.

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    7/17

    determ ine os esiim ulos que chcgarao ao cortex cerebral, tornando-se conscicrucs e osque serao rcsolvidos em estruturas subcorticais. A SRAA c uma das areas de maiorcornplexidadc [uncional do ccrebro e seu estudo c extrernamcruc sofisucado c atracm c.Localizar nessa area urn pretense defeito garanriu urn novo slams a esse cam po tc orico .

    E rn bora n en hum outre auror (nem ele rnesrno) tenha c on se gu id o rc pro du ziros resultados de Bradley e sistcmaticam ente se descrevarn respostas irrcgulares,in co nstaru cs c rcmpo ra rias com 0 usc de cstimulantcs do sistema nervoso central arcoria construida persistiu tam bern com vida autonorna. Mais que isso, a s expe ri cnc ia siniciais de B radley nao s50 rncncionadas, "sum irarri" da historia oficial, talvez pclaabsoluta [alta de! crica, talvez porque nao in tcressasse divulgar que a brilhante ecomplcxa tcoria era sustcniada por resultados quest ionaveis de uma cxpcricnc iaqucstionavel.

    E a hipotese explicariva, embora ate hoje nunca confirmada, passou a scraprcscruada como uma tcor ia cicruifica, claborada a partir de evidencias cmpiricas eexpcrirncntais, segundo os m clhorcs prcccitos da cicncia, to talm ente comprovada.Urna 'coria que se proclarna inquestionavcl. Essa tcoria fG i censagrada em 1962, nomcsmo congresso em que se criou 0 tcrrno disfuncdo cerebral minima,o surginiento da disfuncdo cerebral minima (DCM)

    Em 1962, rcalizou-se um simposio intcrnacional COl Oxford, reunindo osgrupos de pesquisa que sc dcdicavarn a cstudar a entidadc lesdo cerebral minima.Ncssc cncontro, todos os grupos aprcsentararn 0 rncsmo rcsulraco: crnprcgando todosos m ctodos de invcstigacao disponivcis, inclusive 0cxarne andtom o-parologico com pletedo ccrcbro (das pessoas "docntcs" e que haviarn morrido por ualquer causa), naosc conscguiu dctcctar ncnhuma lcsao! N csse morncruo os pcsquisadores cnvolvidosrcconhcccram esiar crrados, porcm sem quest ionar 0 ponte crucial de sua poslurarncdicalizantc: reconhecem nao haver lcsao e proclarnam a cxistencia de um a.disfuncao.Surge, assim. a disfuncdo cerebral minima (DeM).

    E ssa doenca' teria por rnanifcstacces clinicas: hipcrat ividadc, agrcssividadc,disnirbio de aprcndizagcm , disnirbio de linguagem , incoordcnacao moiora, deficit deconccmracao insrabilidadc de humor, baixa tolcrancia a frustracoes e outras rncnoscomuns. Chama a atencao-que todas as rnarufcstacocs refcrcrn-se a cornponarncnroek: a cognicao; alern disso, nenhum a e obrigatoria, nao cxtstc m imcro m inim a desintom as, qualquer cornbinacao e suficicntc. lncxisrcrn critcrios que objciivern 0 quesc cntcndc por cxcm plo, por agrcssividade, hipcratividade, disnirbios de cornponamcnroQU de aprcndizagern e todos os outros sintornas.? A inda no concciro inicial, sa')o brig aro rio s: in tc lig en cia normal; exam c fisico (incluindo 0 neurologico) normal oucom aheracocs "m inor", raio-x de cranio norm al, elctrocncefalograrna norm al aucom altcracoes "m inor"; qualquer exame laboratorial norm al.

    R calrncnte, trata-sc de uma "doenca" rnuito esquisita, que se baseia naauscncia obrigaroria de qualquer altcracao objet iva. E nfim , baseia-se na norrnalidade,o oposto do objcto habitual da m edicina. Porcm , ao se recuperar a historia da OeM,a impossibilidade de se comprovar a exisiencia de anormalidade biologica e gritante., Rcssalte-se cue se esta [alando de crircrios para 0 diagncsrico de um a doenca organica.

    Deruro do proprio referencial da medicina como ciencia, 0 minimo que se pode esperar e aexplicacao, a objetividade e a padronizacao de critcrios.

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    8/17

    Dai, a unica saida dentro do campo medico e presumir uma dis/iwyQO (alteracao nafuncao scm correspondcncia anatomical. Porem, quando se fala cm qualquer outrapatologia por disfuncao, existern, muito bern estabclecidos, os critcrios para seudiagnostico, que. incluem alicracoes laboratoriais determinadas.

    Na Iasc inicial, assumindo que se trata de uma hipotese presunuva, 0conceito de DCM inclui ainda 0 que talvez fosse seu ponto mais import ante: oscriterios de cxclusao. Esses criicrios estabeleciam, para 0 diagn6stico de DCM~ aobrigatoriedade de se excluir: a) causas de origem emocional, pedagogica, social,cultural ou outras; b) outras doencas que pudessem explicar 0 "quadro ctinlco".

    Ao sc colocar os distiirbios de aprendizagetn como uma das possiveisrn an ifcsia co cs d a OeM (c manifcstaciio sufidente para tal diagnosuco), esta sc explicitandoo conceito subjaccntc a discussao inicial deste texto: os distiirbios sao exprcssao deurna alteracao biolog ica, individual. Ao se fonnular a hipoicsc de disicxia, rncsmoque se ignore, Io rrn alrn cn te, a re fc ren cia e a uma disfunaio ncurologlca, A defin i~ aode disttirbias de aprendizagcm estabclccida em 1968, por urn grupo multidisciplinararncricano (The National Advisory Committee on Handicapped Children) e bastanteeloqiicntc:

    Criancas com disnirbios de aprendizagem exibcm uma altcracao em urnou rnais processos psicologicos b~ieos envolvidos na cornprccnsao ouusc da linguagcm falada ou escrita. Podcm se manifestar por altcracocsna audicao, pcnsarncruo, fala, lcitura, escr ita, solctracao ou aritrnctica,Elcs inclucm condicocs quc tern sido rcferidascorno deficits dc pcrcepcao,lesao cerebral, disfuncao cerebral minima, dislcxia, afasia dedcscnvolvirncruo CIC. Elcs nao inclucm problemas de aprcndizagcm quesao primariamcnte devidos a dcficicncias visual, auditiva ou rnotora, arctardo mental, disnirbio ernocional ou desvantagcm ambienta1. (apudColes, 1987)

    Trata-sc de conceitos, tanto 0da DCM como 0de dis ti irb ios de oprendlzagem,vagos, irnprccisos, que sc basciarn em cxclusoes e em rcfcrcncias a sinonirnos elououtros conccitos, que por sua vez, tambCm car cc crn de prccisao.

    Entrct anto, sc na dccada de 1960, 0diagn6st ico dcssas ent idadcs nosologicasainda exigc a exclusao de outras patologias, condicocs ou influencias que possamexplicar 0 problema, -as:ses critcrios de cxclusao s a o postcriorrncnte eliminados desconceitos, tornando-os ainda rnais V3~OS c abrangcntes. Comparando-sc as dcfinicoesde disturbios de aprendizagem csrabelecidas em 1968 e em 1981. podc-se constatarque. cmbora sc pretcndcndo objet iva e precisa, a uliima~ 30 accitar a concomitanciade condicoes antcriorrncnte cxclusionais, permite que qualquer crianca com dificuldadesna escola scja passivcl de enquadramento nesse diagnosrico. Em relacao a DeM, arnudanca e mats sutil, pois os cruerios de exclusao "sorncm" do conceito, scm quese possa localizar 0 momenta, 0 porque e os responsaveis pela supressao. Assim,hoje, conceitualrnente, uma mesrna crianca pede ser portadora de dislexia e dcficicnciamental; de epilepsia e de disfunaio cerebral minima; de dislexia e de condicoessociais{pedag6gicas adversas; e por ai.;

    Entrctanto, se 0 conceito se amplia , continua nao respondcndo a questaofundamental. Como identificar urna crian~a disli.rica? Como diferencia-la de umamal alfabetizada?

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    9/17

    A biologitacdo da sociedadeExist e outre ponte que rncrece scr dcsiacado. Por que na dccada de 1960

    essas tcorias conscguem se legitimar e ser accitas? Sc nao OCOTTemmudancas significarucsem sua cstruiura, se continuam sern qualquer fundamentacao cmpirica, a rcsposradeve ser buscada no rneio social. 0 que esrava acoruecendo no m undo?

    Alguns fares s a o irnportantcs. A guerra fria esia em morncnto espccialmentcdclicado; revolucao cubana; guerra do Vietna ...' Em todo 0 rnundo, a juvcnzudecontest a com violencia iodos os valorcs estabclccidos; movirncruo hippie, Bcaucs,Rolling Stones, mini-saia, movimcnto estudantit, Maio de 68 ... A corrida especial, apolirica de intcgracao racial obrigat6ria nas c sc ola s irn pla nta da por Ken ned y ... 0sistema cscolar amcricano (e em todo 0 mundo) em crisc, qucsiionado de um ladepc los jovens e de outro por outros motives, pela sociedadc ... Ao Iracasso prcvisivcle "cxplicavcl " de ncgros, sorna-se agora 0 incspcrado e inexplicavel fracasso daclassc media branca. .. Enfim, todos os valores da socicdade americana estao sendocontcstados pclos jovens c pclas minorias, com dcrnanda de rcforma das insrituicocssociais, inclusive a escolar.

    A rca~ao a os c on flito s socials nao tarda e ocorre como urn momenta deinrcnsa biologizacao das qucstocs socials. E ncsse contexte que Arthur Jensen "prova"que as difcrcncas de QI entre brancos c ncgros s a o gcncticamcnte dcrerrninadas."Prova-sc ", ainda, que os difcrcntes papcis socials entre os sexes sao dcvidos adifcrcncas biologicas - ccrcbrais (0 horncrn com maior capacidade de raciociniornatcrnarico e de abstracao c a mulher com maier dominic de linguagcrn; a razao nohomcm e a crnocao na mulhcr). Difundc-se a psicocirurgia como solucao para aviolencia nos guctos (loboiomia para "cercbros disfuncionais"). Disscrninarn-sc ostestes de Ql, inclusive em rcvistas leigas."

    ~ reducionismo biologico prctcndc que a situacao e 0 destino de individuosC ! grupos possam ser cxplicados por - c {edu~ic.fos a - caracrcristicas individuals.As circunstancias socials tcriarn influcncia minima, isentando-se de rcsponsabilidadcso sistema sociopolinco c cada um de seus irucararucs. Dcssa conccpcao decorrc queo individuo C 0 maier rcsponsavel par scu dcsuno, por sua condicao de vida. Esseproccsso idcoloaico Ioi multo bern criticado por Ryan (1971), que, para dcscreve-lo,cunhou a cxprcssao "culpabilizar a vuima n. Uma das caract crist icas fundamentalsdcssc processo consistc em se aprcsenrar como voliado ao pleno dcscnvolvirncruo decada homcrn, defendendo que c fundamental conhccer seus proprios lirnitcs para seevitar frustracoes; scu discurso oficial c . pclo "cncorajamento de individuos c gruposa aceiiar '! fazcr 0me\hor de scu proprio destine' II (Ryan, 1971}. A criacdo da versdo oficial

    Nesse contexte, concrctizarn-se e rapidarnente sc disserninarn as eru idadesDCM e disuirbios de aprendizagem, Surgem como mais urn passe em urna longa10. Nessa epoca, no Brasil, a rcvista Cruzeiro publicava anigos com 0 titulo "Scu mho e

    superdotado?", com urn t~ de QI. Atualmeme, a revista Claudia publica testes sernelhantcs,com 0 titulo "Seu filho idislexico?",11. No limite, significa 0 cncaminhamento "natural" do homcm para carreiras como engcnharia.pclo seu "dom" para as matematicas. A rnulher sera plenarncnte realizada se aceitar sua"aptidao " para set a secretaria do engenheiro, por exernplo,

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    10/17

    cadcia de hip01CSCS jarnais com provadas. P orcm , sao aprescntadas aos rncios eiem ificosc a sociedade com o ulrirnos avances de Ulna te oria c ie ru ific a q ue v ern se d ese nv olv en doha rn a is de 50 anos; que t em como base uma arnpla e salida producao de conhcc ir ncmos ,com grandcs pesquisadores que muito contribuiram para a cicncia em geral. Enfim,urn conhecimento cient ifico com passado. E t. exatam ente at que sao ressuscitadosalguns autores, com enfasc em H inshclwood e O rton (B radley, ao corurario, jamaissera citado, co mo disscrnos), arrlbu lndo-thes um a producao cicntifica, um a im portsnciaque jam ais rivcrarn. 12 Nao C 0 caso de se criticar esses autores por seus equivocos oupclo que nao Iizcrarn, principalmcnte sc os inscrirrnos em seu tem po, nas possibilidadescicruiflcas concrctas de cntao. P orcrn, e inaccitavel que, u rn seculo d cpois , n eu ro logis ta sde renom e prctcndarn atribuir-lhes urna contribuicao incom ensuravel para a neurologiade hoje. 1.}

    Est a cornplcxa conjuncao de fatores - momento historico, forma de divulgacaocicnrifica e mcsmo a rnudanca de nome (embora incorreto, para os lcigos umadisfuncao aparcnta urn problema mcnos grave, mcnos irrcmediavel que uma lcsao),aliada a existcncia de tratam ento m cdicam entoso J\ alem de muitos outros naoidcntificados - perm itc que essa linha tcorica scja facilm ente assirnilada, rcconhccidacom o "correta", com o cicruifica, slaws que ate entao lhe era ncgado.

    E IcrmCLS como hiperativo, DeM, disttlrbio, dislexia, hipercindtico invademo cotidiano da safa de all/a. infiltram-se aa fala das professores. A IIiporese seIral ls /or 1110em verdade absoluta, mcontestdvel: Em crenca. u

    Elabora-se urna hipotcse scm qualquer evidcncia ernpirica que a suportc;convcncidos de sua pcrfcicao, .cicruistas passam a olhar a rcalidade sob 0 vies de suacrenca; na busca de elementos que confirm ern sua hipotese inicial, dcformarn apropria rcalidade e cssa rcalidade dcformada ~ por sua vez, a cornprovacao cmpiricada hipotcsc, confcrindo-lhc 0 cstatuto de ciencia. Transformada em vcrdade, atuaainda mais sobre a rcalidade, dcformando-a mais e mais. A s novas observacoes darcalidade assim anificializada pcrrnitcrn rnodificacocs, evolucoes na 'coria, comcxplicacocs fisioparolog icas cada vcz rnais sofisricadas, com plexas, atraentes. C ria-seurna cspiral viciada, com novas mascaras para a mesma vclha ideia, que nunca secomprovou. (Quadro I)

    Em conscqiiencia, fala-sc hojc, praticamente scm reacao contraria, da cxistenciade 18% de dislexicos, de 5 a 15% de hiperativos na populacao 'em idadc cscolar. Quedocncas sao essas que se manifestam com tamanha /reqiUllcia? Na area da saudc, os12. lrnpossivcl resistir a an alo gi3 co m 0 filme Blade runner (0 cacador de androides), em que,aos androidcs recern-construidos se "cmprcstava" urn passado, uma familia, uma vida, com

    fotos e tudo mais, para que se acreditassem humanos, elos de uma corrente,13. 0 nome da Orton Dyslexia Society - uma das principals associacocs amcricanas na circa- e u rn a e vid cn cia d esse rc co nh ec im eru o.14.Alias. esse e urn porno interessante que marca rnais uma diferenea da OeM com 0 campode conhecimento medico. Em relacao Ii OCM, a primeira descobena e 0 trararnentomcdicameutoso, habitualmente uma

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    11/17

    A contestacdo cienrifica ocorre desde 0 inicioConfizura-se urn caso sui ecneris em rnedicina e orovavclrneruc em qualquerUII,"""U ill ~C:SJ.l"l=\.;1I1C-d_'-4\.-4v \UIlAIlI'e.".., UU U'~'~" 'I" . VV'" 1 .. 1111,;;,'1\11:; ~1I:;Il' ~"""iU"" ..."' .. t'."'....,....,.Embora largarnente usada em varies paises, inclusive no Brasil. ainda ",io foi libcrada para

    comercializacdo nos Estados Unidos, pais onde Ioi sintcrizada.

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    12/17

    " --.---- ....-----#--a existcncia da surprcsa dos pals ao dcscobrirem que sc u mho e "doentc", porernclaramcnte outorgam aos medicos a posse do CTit~rio de nonnalidade:E interessante assinalar a relativarnente pequcna freqiiencia com que ainct '"hil ;A"1~J1-. ;"'A.......... :~--A_ .:. __ ( __ :~ ~ _..-,._._: :__ : ...-1. 'A ......_-atque alguns pacierues intensamente hiperativos nao eram reconhecidoscomo tais pelos seus responsaveis, preocupados talvez com outros sintornas

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    13/17

    A leitura especular e urn fcnomcno que ocorre normalmcnte em qualquerpessoa, intensit icando-se em condicoes de stress, de cansaco. E . cornprcensivel queseja mais frcqiicntc durante 0 proccsso de aquisicaojdorninio da linguagem escrita. Sese admire Que nessc orocesso a crianca esta adquirindo letras, nao sc pede [alar emcomo "0problema de base". Erurctanto, esses autores nao considerarn que e irnposstvct,por meio de testes ou qualquer OUITO rnetodo, avaliar exclusivarnente a percepcao.

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    14/17

    e llutino, autor com iruimeras pesquisas sobre 0 t er na , a rg umenta que ouiros Iatorcs- como capacidadc de solucionar problemas, moriv aca o, ha bilid ad c na le i t ura,

    dominic lineuisrlco - sao os verdadciros responsaveis pelas difcrencas observadasentre lei/ores normals e disldxicos e que tern side consideradas deficits de percepcao.Em urn de seus cstudos, assurnindo que 0 usa da linguagem cscriia como ins tr umentode teste iruroduz clara vantagcm para 0 grupo que sabe le r frcrue a analfabetos oudislexicos, cornparou 0 descmpcnho de "normals" e-disld.xicos" usando 0 alfabetohcbraico, desconhccido por todos, comparando aindacom u rn te rc ci ro g rupo , c on sr itu id opor "/lorllla;s" que conhcciarn a lingua hebraica, 0 resultado des dois prirneirosgrupos fo i id cru ic o quando lhcs era solicitado que reproduzisscm de memoria , aposbreve cxposicao lctras/palavras hcbraicas, em contraste com urn desernpcnho muitosuperior do grupo que dominava a cscrita hebraica. 0 autor conclui que 0 que sechama de "crros de pcrcepcao " sao, na verdadc, "enos de irurusao linguistica".(Ve lIut in o 1979)

    Mais rcccrucrnentc, a pcsquisa ncurometriea tern sido apresentada como amais sofisticada tccnologia para avaliar as fu~6cs das difcrcntes areas cerebrais,Alguns autorcs prctcndcrn que seu uso no diagnestieo de disulrbios de aprendizagempcnnitiria 97% de ccrteza, alern de scr a evideneia empirica da base organica,ncurologica, do disnirbio. " Esse mctodo consiste na analise computadorizada dercgistros clctrocncefalograficos obtidos com potencial evocado. Potencial evocado(ou "em rcsposla") sao altcracoes elctricas no ccrcbro, perceptivcis aolctrocnccfalograma, obridas ao subrnctcr a pessoa a difercntcs cstimulos. Os csrimulos(percepcfio) sao conduzidos pclas vias ncrvosas ate a area corrcspondcnte do cercbro,ondc s a o processados, gcrando potcnciais elctricos, que podem ser captados porclctrodos colocados em pontes dctcnninados do crania. As mudancas nos poicnciaiscvocados rcflctcrn 0 funcionamento de uma detcrminada area cerebral. Por excmplo,csrimulos visuals devem provocar respostas na regiao do cortex visual. Porcrn, nao sepodcria levaruar para esse mctodo as mesmas questocs que Vellut ino colocou parapcrccpcao? Coles (1987) coloca rnuuo bern que a atividadc cerebral de duas pcssoas. 'Icndo" urn tcxto em castclhano sera difcrente se uma conhcccr a lingua e a outranao. Da mesilla forma, podc-sc dizcr que avatiar a ativldade cerebral cvocada porcsrirnulos de linguagcrn escrita em pessoas que sabcm ler e compara-la com a deanalfabetos (ou dislexicosi consiitui urn vies metodologico, pois os resultados s a oabsoluramcnte prcvisivcis. Se sc prcrcndc isencso, tats resultados so podem ter umaintcrprctacfio: a de que ler c . diferente de enxcrg3r sirnbolos. Alias, dcve-se rcssalrarque 0 proprio criador do rncrodo, John, no Iivro em que 0 difunde, publicado em1977, ao defender sua exccpcional cficacia e 0podcr da ncu ro rn ctr ia , tambcm criricaas pcsq i sas que fundamcntam 0 mctodo,

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    15/17

    lsto e, se sc provar que uma crianca e portadora de dislexia , ai a neurornctriaesia capac itada a con firrnar!

    A DCM se transforma em ADDE assirn, a teoria sobrev ive au tonomamente, scm precisar se cornprovar,pairando acima daquilo que se chama ciencia. Sobrevive, e e rnu ta rne; rnod if ica- se ,

    perpctuando a espiral viciada.Em 1980, a Academia Americana de Psiquiatria, considerando irnprecisos

    os conceitos de DCM, hiperatividadc, crianca hipercindtica, disuirbios de aprendizagenie o utro s, unificou-os em urna nova sindrorne, A DM (Attention Deficit Disorders -Disnirbios por D eficit d e Aicncao). A ju st ific ativ a fo i que 0"defeito" basico siiuar-se-iana esfera da atencao, dai decorrendo todas as possiveis manifestacoes clinicas, sejade componamento ou d e a pr en diz ag cm . Na dcfinicao da Academia, e ss a s in dro rn e,q ue tern do is subtip os (com e scm hipcratividade), aprescnta co mo "dados esscnciais:frcqiientem entc falha em terrninar tarcfas; frcqiienterncrue parece nao ouvir;frcquerucrnente agc sem pensar; freqiientemcnte tern dificuldade de conceruracao emtrabalhos escolares; frcqiienternerue tern disnirbios de aprcndizagem ". (Hughes etalii, 1983)

    A ironia talvez seja a unica forma posslvel de rcacao, alcrn do SUSIO. Comodiscutir scriarncnte uma "docn~a" que sc caracieriza por esscs "sintomas"? Comolidar com ta l intcnsidade de biologizacao da socicdadc? Socicdade que aceita e anseiapor t.SSC processo! Em nome de urn discurso voltado a fazer com que "cada urn aceitce Iaca 0 mclhor de seu destino", que se tern fcito a s criancas que rccebcm essesdiagnosricos-rotulos? Quais SU3S conseqiiencias? Se, de urn lado , ao reduzir 0 socialao biologico, ocorre uma gcncralizada iscncao de responsabilidades, a crianca rotuladasabra a estigrnatizacao, a intro jecfio da docnca, com rcpercussoes previsivcis em suaauto-imagem, autoconceiro, auto-estima. Scu console e a possibilidadc de urn diaencontrar como rerapeuta urn arimo analista que Olio acrcdite na existcncia dcssas"docncas" e seja capaz de lhc resiituir a propria norrnalidade, de que foi expropriada.

    Porcrn, existe uma conseqilencia rnais seria ainda, rr.latada pclos propriosautorcs que creern. 0 seguirnento dcssas criancas revcla, na ad olcsccncia, indices decom portam ento delinqilente e uso abusive de drogas m uito m aiorcs do que na populacaogcral da mesma faixa etaria. Nada espantoso, pois sc forarn iatrogcnicarncnte viciadasem anfciaminas ou outros csrirnularues do sistema ncrvoso central, rcconhccidamcrueum dos rncdicarneruos que mais provoca dependencia Iisica e psiquica. lnfclizmerue,a con cl us ao dos autorcs e de que csses fates confinnam seu diagn6stico in ic ia l, isroe , as criancas rcalm eru e tinh arn urn "defeilo '. (Hechtman. 1984)Recuperar 0 espaco pedagogico

    Em seu livro Social amnesy Jacoby (1 97 5) d iscu te como a socicdade serep rim e ern :,:~::norar seu proprio passado, A amnesia , em ciencia, produz a auscnciavinualmenre completa de qualquer dado historico, exceto poucas est6rias mitificadas.Rararnenre se explora 0 conhecimento dos processes sociais, imencoes e praticaspassadas, se adequados ou nao , para avaliar 0 trabalho atual, Segundo C oles (1987)

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    16/17

    "a amnesia invade 0 campo dos disnirbios de aprendizagern, com conscqiicnciaspcm iciosas. A am nesia pennite que sc carninhe de uma hipotesc a outra, scm qucstionarse sc csta trabalhando em direcao a uma explicacao real, ou apenas justificando umavelha idcia, jamais provada".

    Assim como esscs fatos poderiarn- ser cham ados de U hist6ria que amedicina nao coruou para a educacao", scm duvida deve haver m uitasoutras mil ificacoescientificizadas, scja na area medica, na psicologia, ou qualquer outra area afim , e quetern side passivarncruc incorporadas com o verdadc pela educacao. Canguilhcrn (1982),ao cr it icar 0 conce it0 posi t iv ista de norm al/anorm al, supcrando-o, coloca que 0 quedifcrcncia a saude da docnca nao e rncramente uma questao de quantidadc, masbasicarncrue de qualidadc. Lcmbre-se de que a quantidade e urn dos atributos daqualidadc. Segundo 0 autor, urn eTTOgrosseiro, decorrcntc da visao positiva, e irnaginarque se crucndcra 0 que e saude esiudando a docnca. Talvez ai rcsida urn dos problemasIundam cruais da educacao hojc, Percebcr que nao sera por meio do cstudo do erro,da docnca, de um tcoricarncntc possivcl porem raro dist~rbio de aprendizagern, quese erucndcra 0 proccsso cnsino-aprcndizagcrn, 0 problema da escola brasilcira nao se.rcsolvcra, com ccrtcza, pcla transforrnacao do e sp aco p ed ag og ic o, do sadio, do prater,em cspaco clinico, da docnca, da rotula~ao. Cabc a educacao a tarefa, 0 dcsafio derctomar scu proprio campo de conhecimento. seja em nivcl tcorico, scja na atuacao,no cotidiano da sala de aula.

    Quadro IA pcrda da Iris/aria real

    crencas, hip6tescs sem comprovacao;mi t i ficacao de autorcs, com valor cientlflco irreal;"csquecimcnro' dos criterios de cxclusao;"csquccimento" da criacao artificial da fisiopatologia;rncnosprczo e boicote a qucstionarncntos cientificos.

    Aliada avisao organicisia c funcionahsta da soc lcdade ;formacao acriiica de profissionais;mcrcado de trabalho atracntc, em cxpansao,

    Leva aprogressiva e constarue arnpliacao da espiral viciada, com explicacoes econccitos cada vez mais complexes, s ofis tie ad os , a tra en te s, sobre urnalicerce irrcal.

    Epatologizacao do espaco escolar, diflcultando transforrnacoes;crian cas ro tulad as, introjcta nd o umadoenea mexistente, com repercussOessobre a auto-est ima , auto -imagem , auteeeneeito.

  • 5/11/2018 A histria no contada...

    17/17

    -- -----~ -------.::;- - ---,----- ----- ------ -- ,-,,, ----y r- ----- SULZBACHER. S.L Psychotropic medication with children: an evaluation of proceduralbiases in results of reported studies. Pediatrics 51 (3), 1973. p. 513.VELLlITINO. F.R. Dyslexia. Cambridge, MJT Press, 1979.VERNON. M.D.Backwardness in reading. Londres, Cambridge University Press, 1957.