A HISTORIOGRAFIA DA CIÊNCIA DE THOMAS...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA DEPARTAMENTO DE FÍSICA PROGRAMA DE EDUCAÇÃO TUTORIAL MARCÍLIO DANILO NASCIMENTO DE MORAES A HISTORIOGRAFIA DA CIÊNCIA DE THOMAS KUHN JOÃO PESSOA 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA

DEPARTAMENTO DE FÍSICA

PROGRAMA DE EDUCAÇÃO TUTORIAL

MARCÍLIO DANILO NASCIMENTO DE MORAES

A HISTORIOGRAFIA DA CIÊNCIA DETHOMAS KUHN

JOÃO PESSOA2009

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MARCÍLIO DANILO NASCIMENTO DE MORAES

A HISTORIOGRAFIA DA CIÊNCIA DE THOMAS KUHN:a ciência vista em seu contexto histórico

Monografia apresentada ao Programa de Educação Tutorial do curso de Física, Centro de Ciências Exatas e da Natureza, da Universidade Federal da Paraíba com a finalidade de cumprir uma das atividades do grupo, referente ao ano de 2008.

Tutor do PET: Prof. Dr. Pedro Luiz Christiano

JOÃO PESSOA2009

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M8275 Moraes, Marcílio Danilo Nascimento de

A historiografia da ciência de Thomas Kuhn / Marcílio Danilo Nascimento de Moraes. João Pessoa: UFPB, 2009.─

25 p. Monografia (Programa de Educação Tutorial) – Curso de Física,

Universidade Federal da Paraíba.

1. História da Ciência – Thomas Kuhn. 2. Ciência – Epistemologia. 3. Ciência – Evolução Histórica. 4. Ciência – Filosofia. I. Título. CDU 001.11

CDU – 087.5

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais,que nunca mediram esforços por mim.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria primeiramente de agradecer aos meus pais, Fernando e Fátima,

que sempre me incentivaram o gosto pelo estudo e pelo conhecimento, nunca

medindo esforços para me proporcionar uma boa educação, e sempre apoiando

minhas decisões, fossem elas as melhores ou não.

À minha namorada Wendia, pela paciência de ouvir minhas dúvidas e

questionamentos, pela ajuda na formatação e revisão deste trabalho, e pelo apoio

constante e em todos os sentidos que ela vem me dado nesses meses de

convivência.

Agradeço ainda aos integrantes do PET-Física. Ao tutor Pedro Luiz

Christiano, pela disposição em nos ajudar sempre, pela sua preocupação

constante com a nossa formação acadêmica e cidadã, e pelas discussões

realizadas nas reuniões do PET, aos bolsistas que faziam parte na época em que

entrei, pela oportunidade que me proporcionaram de fazer parte do grupo e pela

forma que me receberam, e ainda aos que foram entrando no grupo com o passar

do tempo. Agradeço a eles pelo companheirismo e ajuda que me deram no curso e

nas atividades do PET, ao longo desse pouco mais de um ano.

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EPÍGRAFE

Se a História fosse vista como um repositório para algo mais do que anedotas ou cronologias, poderia produzir uma transformação decisiva na imagem de ciência que atualmente nos domina.

THOMAS S. KUHNA Estrutura das Revoluções

Científicas (1962)

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RESUMO

Neste trabalho a ciência é abordada enquanto processo histórico e sociológico. Como surgiu a filosofia, desde a Antiguidade, até o momento em que a ciência tomou seu próprio rumo, como o homem passou a ver a ciência, principalmente as ciências exatas a partir de uma mistificação exagerada do conhecimento científico, e como a crise do final do século XIX modificou nossa maneira de ver a ciência, até chegar na historiografia de Thomas Kuhn, e sua idéia de ciência como um processo não cumulativo de conhecimento, que passa por períodos de crise e revoluções, mas que é caracterizada principalmente pelo período de ciência normal, onde os cientistas estão preocupados apenas em reproduzir o paradigma vigente.

Palavras-chave: 1. História da Ciência – Thomas Kuhn. 2. Ciência – Epistemologia. 3. Ciência – Evolução Histórica. 4. Ciência – Filosofia.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................9

2. A CIÊNCIA EM SEU CONTEXTO HISTÓRICO E EPISTEMOLÓGICO...............10

2.1. A evolução do conhecimento da pré-história ao século XIX........................10

2.2. O método científico......................................................................................13

2.3. A crise da ciência do final do século XIX.....................................................14

2.4. A epistemologia antes de Kuhn....................................................................15

3. A HISTORIOGRAFIA DA CIÊNCIA DE THOMAS KUNH....................................17

3.1. A ciência vista como processo delimitada por um paradigma....................18

3.2. A ciência normal..........................................................................................20

3.3. A crise na ciência e a pesquisa extraordinária............................................21

3.4. Revoluções científicas e a entrada em uma nova fase de ciência normal...22

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................24

REFERÊNCIAS

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1. INTRODUÇÃO

Desde a pré-história o homem se preocupou em conhecer suas origens e o

mundo em que vive. Nessa tentativa de conhecer a realidade surgiu a ciência,

uma forma de conhecimento que busca entender os fenômenos naturais e sociais

que o homem se depara em sua existência.

A ciência é frequentemente vista como um processo linear e cumulativo do

conhecimento humano a cerca do mundo. Porém, a partir da segunda metade do

século XX, Thomas Kuhn propôs uma nova forma de ver a ciência, não apenas a

partir de seus aspectos filosóficos, mas também a partir de sua própria história e

da forma como a comunidade científica produz conhecimento.

Com o intuito entender melhor esse assunto, este trabalho é dividido em

duas partes.

Na primeira parte a ciência é mostrada em seu contexto histórico e

epistemológico, desde a antiguidade, até o surgimento da epistemologia

contemporânea antes de Kuhn.

Na segunda parte são explanados os principais conceitos da historiografia

da ciência de Thomas Kuhn, tais como paradigma, crise, revoluções científicas;

como ele via a estrutura da comunidade científica, e a forma como ela aborda os

problemas propostos pelo seu paradigma.

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2. A CIÊNCIA EM SEU CONTEXTO HISTÓRICO E EPISTEMOLÓGICO

O que é a ciência? Como ela surgiu? Estas são perguntas pertinentes para

se iniciar um estudo sobre este ramo do conhecimento tão “privilegiado” e

“superior”, como pensam muitas pessoas. A primeira questão é bastante

complexa, visto que a definição de ciência é muito controvertida, mudou ao longo

do seu desenvolvimento, e mesmo hoje, não é possível encontrar uma definição

acertada do que ela seja, no máximo apenas boa noção. Quanto à segunda

questão, situaremos a ciência em eu contexto histórico, acerca de sua origem e

desenvolvimento, para então adentrar nos conceitos e idéias da perspectiva

historicista da ciência formulada por Thomas Kuhn.

Comecemos pela etimologia da palavra. Ciência vem do latim scientia que

significa “conhecimento” ou “sabedoria”. A palavra grega para conhecimento é

episteme, e para sabedoria é sophia. Não é de se espantar portanto, que durante

muito tempo a ciência e a filosofia (do grego que significa “amor à sabedoria”)

andaram juntas e indistinguíveis uma da outra.

2.1. A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO

XIX

O ser humano sempre foi fascinado pelos fenômenos naturais e

consequentemente, sempre procurou uma explicação para o funcionamento do

mundo em que vive. Primitivamente essas explicações eram dadas através dos

mitos, histórias fantásticas que explicavam a origem do universo, com deuses e

seres sobrenaturais que através do seu poder desencadeavam os mais diversos

fenômenos naturais, sendo aceitas sem questionamento. A criação de mitos é uma

característica das civilizações humanas, que buscavam compreender o mundo

fantástico que habitavam, todos os seus aspectos e fenômenos relacionados para,

de alguma forma, poder interferir no seu destino, satisfazendo os deuses em suas

vontades e colhendo bons frutos por sua obediência. Os mitos foram a única

forma de tentar explicar o mundo que o ser humano teve por um bom tempo,

sendo que mesmo hoje em dia muitas sociedades são influenciadas pelos mitos

que criaram, inclusive a nossa.

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Porém, por volta dos séculos VII e VI a.C., surgiu na Grécia uma nova

tentativa de explicar o mundo. Nascia a filosofia grega, um tipo de conhecimento

que se distanciava do pensamento mítico, pois baseava-se no pensamento e na

reflexão racional sobre os fenômenos observados. Porém, o pensamento racional

não separava filosofia e ciência, tal como conhecemos hoje. As duas formas

permaneceram unidas até o século XVII, sendo que nesse tempo as ciências da

natureza eram conhecidas como filosofia natural. Entre os primeiros filósofos

conhecidos como pré-socráticos (ou filósofos da natureza), figurava o interesse de

conhecer qual era o fundamento da matéria, qual o elemento (ou conjunto de

elementos) dos quais tudo era formado. Dentre esses filósofos podemos citar

Demócrito, Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Parmênides e Heráclito. Também

nesse período desenvolveu-se grandemente a mecânica com Arquimedes, além da

matemática, não apenas na Grécia (com Pitágoras e Euclides), mas também no

Egito, Mesopotâmia e em outras civilizações antigas.

Com Sócrates e Platão, o foco da filosofia grega passou da natureza para o

homem, e seus problemas tais como a ética e a moral humanas. Apenas com

Aristóteles, a natureza voltou à pauta da filosofia. Suas idéias e teorias a respeito

da física, astronomia, biologia, lógica e vários outros campos do saber acabaram

permanecendo inabaláveis durante séculos, mais pela recusa dos filósofos e

cientistas em admitir as falhas dessas idéias.

Na Idade Média, com o controle da Igreja Católica sobre a vida da

população européia, pouco se desenvolveu a filosofia natural. Nota-se mais nesse

período a tentativa de alguns teólogos de comprovar a existência de Deus e

validar o domínio da igreja de uma forma racional, usando em grande parte as

antigas idéias dos gregos, sendo que Santo Agostinho “cristianizou” as idéias de

Platão e São Tomás de Aquino as de Aristóteles. A ciência medieval também é

caracterizada pelo desenvolvimento da alquimia e pela infiltração da ciência

árabe na Europa.

Na Idade Moderna a ciência começou a tomar outro rumo, e finalmente

iniciou a separação da filosofia. Já na Idade Média, Roger Bacon chamou a

atenção para a matematização das ciências naturais, tal como o uso de

experimentos para validar as teorias acerca da natureza. Porém, apenas com a

revolução ocorrida na astronomia, as ciências naturais se desvincularam do

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pensamento puramente racional e contemplativo dos gregos, para entrar num

período em que a experiência faria a diferença entre saber se uma teoria seria

verdadeira ou falsa.

A revolução científica do século XVII, principalmente na física e na

astronomia, mudou a forma como os homens encaravam o conhecimento e a

técnica. Começaram a cair antigas teorias que vigoravam supremas, com o

geocentrismo de Aristóteles refinado por Ptolomeu. No lugar, surgia o

heliocentrimo, teoria que já existia a um bom tempo, mas que ganhou fôlego com

Copérnico, Kepler e Galileu. Após isso, Newton levou a física a um outro status,

com o desenvolvimento do cálculo diferencial e integral, e a mecânica

Newtoniana.

O êxito que essas teorias tiveram em descrever o mundo, explicar os

fenômenos e predizer ainda outros foi tão grande que a física virou sinônimo de

ciência em seu grau mais alto. O mundo passou a ser visto como uma máquina, à

qual o homem pode conhecer em detalhes seus mecanismos e as leis que regem

seus fenômenos. A física tornou-se mecânica e eficiente, e no seu rastro diversas

ciências tentavam alcançar o status que ela conseguiu com Newton. A Química

nos séculos XVII e XVIII (com Boyle, Lavoisier, Laplace e outros) e a biologia no

século XIX (com Darwin e Mendel principalmente) conseguiram alcançar êxito

semelhante ao da física.

No século XVIII, o Iluminismo exaltou as conquistas humanas no campo da

ciência. Com ele, o Positivismo surgiu valorizando demasiadamente o

conhecimento científico, em detrimento de outras formas de saber. O que fosse

caracterizado como científico era digno de méritos e o que não, tal como a

filosofia, era considerado um conhecimento inferior, até mesmo repleto de

superstições. Surgiu então o mito do cientificismo, segundo o qual a única

maneira de se chegar a um verdadeiro e perfeito conhecimento é através do

método científico.

Essa idéia de ciência como conhecimento livre de falhas, subjetividade,

mitos e superstições foi tão difundida, que tornou-se uma prioridade para as

demais áreas do conhecimento alcançar o status das ciências naturais. As ciências

humanas procuravam usar esse ideal de cientificidade e precisão nos seus

campos de estudo. Dentre elas podemos destacar a economia (com Adam Smith,

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Malthus e Karl Max), a sociologia (com Augusto Comte, Durkheim e Max Weber) e

a psicologia (com Pavlov). Essa idéia do método científico das ciências naturais

como única forma de se conhecer a realidade, fez com que estas outras formas de

saber não procurassem uma maneira própria e mais adequada de abordar seus

problemas. Isso acabou criando o mito do cientista como único capaz de pensar

corretamente sobre o mundo.

2.2. O MÉTODO CIENTÍFICO

A palavra método vem do grego meta (ao longo de) e hodós (via, caminho).

Assim, o método científico seria o caminho seguido para se alcançar determinado

conhecimento pelas ciências. Muitos filósofos teorizaram sobre o método que se

deveria seguir para alcançar a verdade e o conhecimento, mas foi com Galileu

que ocorreu a revolução metodológica que separou a filosofia da ciência.

O método científico se baseia na experiência para averiguar se

determinada teoria é verdadeira ou falsa. Na verdade, falamos de um método

experimental seguido pelas ciências, enunciamos e explicamos suas etapas,

porém devemos ter em mente que nenhuma ciência realmente o seguiu em sua

totalidade.

Basicamente, o método que seria usado pelas ciências experimentais teria

a seguinte estrutura: primeiramente é feita uma observação objetiva de fatos ou

fenômenos os quais se deseja conhecer, com a conseqüente formulação de um

questionamento; em seguida, o cientista levanta uma hipótese para explicar o

fenômeno, a qual deve ser verificada; um experimento é realizado para verificar a

sua validade; se o experimento confirmá-la, então são formuladas leis e teorias

que generalizam e explicam o fenômeno estudado; se a experiência não confirma

a hipótese, então deve-se formular outra, que deve ser novamente verificada por

um experimento, e esse processo se repete até que uma das hipóteses seja

confirmada.

Podemos perceber aqui uma formulação de ciência que leva em conta a

indução como forma de se conhecer o mundo, ou seja, a partir de casos

particulares adquirimos um conhecimento mais geral.

Porém, o problema com este método científico já começa na própria

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observação dos fenômenos. O ideal positivista de ciência exige que a observação

feita pelo cientista seja objetiva, livre de preconceitos, opiniões ou qualquer outra

forma de subjetividade. O cientista deve ser totalmente neutro quando realiza

uma observação, mas as coisas não acontecem de acordo com este ideal de

objetividade e neutralidade. Ao observar os fenômenos, o cientista já o vê

segundo seus próprios olhos, organizando-os implicitamente em sua mente de

acordo com a carga teórica que ele carrega consigo, o que faz com que ele

selecione determinados aspectos dos fatos, geralmente aqueles que reforçam a

teoria implícita em sua mente, em detrimento de outros aspectos que porventura

outro cientista selecione.

Percebemos então que mesmo a observação não é objetiva, mas sim

carregada de vários aspectos subjetivos, que variam de um indivíduo para outro.

Assim, todas as etapas seguintes do método científico ficam comprometidas em

relação ao ideal proposto, pois vão ser orientadas de acordo com a visão que cada

cientista tem do fenômeno estudado.

2.3. A CRISE DA CIÊNCIA DO FINAL DO SÉCULO XIX

No final do século XIX, a ciência entrou num período de crise que levou a

uma revolução na forma de entender o método por ela adotado. A física, até então

uma ciência vista como modelo de cientificidade e objetividade, parecia estar

chegando ao fim dos seus estudos a respeito da natureza. Acreditava-se que tudo

o que havia para ser estudado já tinha sido satisfatoriamente entendido, e restava

apenas refinar os experimentos para se obter uma maior precisão dos dados, sem

se suspeitar a revolução que estava por vir.

O primeiro passo para a crise da física aconteceu na verdade na

matemática. As teorias físicas estão em estreita relação com a matemática,

usando esta para descrever o mundo com maior precisão. Então, a matemática

deveria ser absoluta para manter o caráter objetivo da física. Entretanto, no

século XIX, começaram a surgir novas formas de geometria diferentes daquela

estudada por Euclides na antiga Grécia, as geometrias não-euclidianas. Embora

nenhuma delas substitua a geometria proposta por Euclides, elas mostram que

mesmo na matemática, os conceitos não são absolutos, dependendo do conjunto

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inicial de axiomas que se utiliza.

Então, se a própria geometria que a física utiliza no seu estudo não é

absoluta, como garantir que as teorias físicas o sejam? Não há como garantir que

essas teorias são absolutas, como foi visto na passagem do século XIX para o XX.

Nesse período, começou-se a notar fenômenos que estavam em discrepância com

a física newtoniana, e que apesar das inúmeras tentativas dos cientistas, não

conseguiam ser explicados pela física clássica.

Estava surgindo nesse meio as teorias da relatividade e da mecânica

quântica. A teoria da relatividade geral de Einstein, por exemplo, não pode ser

explicada pela geometria ordinária, mas apenas por geometrias não-euclidianas.

Além disso, conceitos como tempo e espaço, energia e matéria, perderam o

caráter que tinha antes na física. Tempo e espaço deixaram de ser absolutos,

dependendo do movimento que o observador faz em relação a um referencial. Já

energia e matéria se tornaram equivalentes. Um pode ser transformado no outro

e vice-versa.

A mecânica quântica proporcionou outra revolução na física. Os estudos

mostravam que a física newtoniana, até então imagem verdadeira do mundo, não

era capaz de explicar todos os fenômenos na escala microscópica. A partir de

1900 com a explicação de Planck para radiação do corpo negro, as certezas da

mecânica clássica começaram a ser abaladas. Nas três décadas que se seguiram,

muitas foram as descobertas que mostraram que a física clássica não era tão

absoluta assim, se restringindo as fenômenos de escala ordinária. Dentre essas

descobertas podemos citar a estrutura quantizada do átomo e o princípio de

incerteza de Heisenberg, segundo o qual não é possível conhecer com absoluta

exatidão a velocidade e a posição de uma partícula simultaneamente.

2.4. A EPISTEMOLOGIA ANTES DE KUHN

Esses fatos e diversos outros levaram a uma reavaliação da ciência como

um todo, e de seus critérios para se alcançar o conhecimento. Várias críticas já

haviam sido feitas ao método da ciências, por pensadores como Poincaré que dizia

que “as teorias não são nem verdadeiras, nem falsas, mas úteis”, mas foi a partir

desses fatos que resultaram no empenho da filosofia da ciência em resolver essas

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questões.

A primeira tentativa de se posicionar a respeito disso foi o Círculo de Viena,

um grupo de filósofos e cientistas que se formou em 1928 para estudar como as

teorias podem ser consideras verdadeiras, em contrapartida a todas as

especulações da época. A postura adotada por eles ficou conhecida como

neopositivismo, ou positivismo lógico. Para eles, a lógica, a matemática e as

ciências empíricas formam todas as possibilidades de conhecimento, e

enfatizavam exigências como clareza e precisão, propondo o critério de

verificabilidade, segundo o qual uma teoria científica teria que passar pela

verificação empírica para ser considerada verdadeira.

Já para o filósofo austríaco naturalizado britânico Karl Popper (1902-1994),

o que torna uma teoria aceita como verdadeira é a possibilidade de refutá-la.

Assim ele criou o critério da refutabilidade ou da falseabilidade. Para Popper, o

que caracteriza uma ciência e suas teorias como científicas é a busca dos

cientistas por experimentos e formas de refutá-las. Enquanto a teoria sobreviver

aos testes que tentam mostrar que ela é falsa, ela continua sendo aceita como

verdadeira. Isso leva à consideração de que, para Popper, nunca se pode saber

com certeza se uma teoria é verdadeira, apenas se ela é falsa, logo temos apenas

conjecturas a respeito da natureza, sendo estas transitórias. Popper também

destaca que não existe pesquisa totalmente objetiva e neutra, pois os cientistas

sempre fazem suas observações de acordo com teorias que eles já possuem

previamente.

Um ponto importante na filosofia de Popper que o difere de seus

antecessores é a idéia de que os métodos das ciências naturais são não-indutivos.

Para ele, não há justificativa alguma em se tirar uma conclusão geral a partir de

casos particulares, sendo o pensamento indutivo uma fantasia, pois todas as

teorias são no fundo especulativas, e para que se tornem justificáveis e aceitas

como verdadeiras, é preciso que passem por testes de falseamento, sendo este

um processo dedutivo, e não indutivo.

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3. A HISTORIOGRAFIA DA CIÊNCIA DE THOMAS KUNH

Contrariamente aos filósofos da ciência que o precederam, o norte-

americano Thomas Kuhn (1922-1996), desenvolveu uma teoria acerca da história

da ciência e não da filosofia da ciência propriamente dita. Suas idéias básicas são

encontradas no seu livro mais conhecido, A Estrutura das Revoluções Científicas,

de 1962.

A epistemologia da ciência antes de Kuhn a via como um processo linear e

cumulativo de conhecimento. Isso significa que o conhecimento científico só tende

a crescer, refinando suas teorias e ao mesmo tempo abrangendo-as cada vez mais,

afastando os fatores não científicos. Assim, as teorias podem ser superadas por

versões que englobem melhor a realidade, mas não as superam completamente,

tal como ocorreu com a mecânica clássica que, mesmo com advento da mecânica

quântica e da mecânica relativista, continua válida para a sua área de atuação.

A posição de Kuhn é diversa desta. Para ele, a ciência não é um processo

linar e cumulativo do saber. Pelo contrário, trata-se de um processo que se

modifica de tempos em tempos pela adoção de um paradigma diferente pela

comunidade científica. Essa nova postura adotada por Kuhn, apesar de ser uma

teoria da história da ciência, tem consequências decisivas na própria forma de

vermos ela, e consequentemente sua epistemologia. Segundo Stegmüller (1977,

p. 355): “as propostas de Kuhn questionam a possibilidade de formular-se uma

teoria da ciência”. Kuhn, apesar de formular sua teoria em cima da história e

sociologia das ciências, sabia que algumas de suas implicações iam mais fundo:

Muitas das minhas generalizações concernem à sociologia ou à psicologia social dos cientistas. No entanto, pelo menos algumas de minhas conclusões pertencem ao que tradicionalmente se convencionou chamar Lógica ou Epistemologia. (Kuhn, 1970, p. 70)

Assim como Popper, Kuhn defende a tese de que os métodos das ciências

naturais são não-indutivos, poém, ele também faz uma crítica à racionalidade

científica vigente na época. Ele não se preocupa em procurar critérios indutivos

ou dedutivos nas ciências pois segundo ele, esses critérios não existem. No seu

lugar, diversos outros fatores são primordiais para o sucesso ou não de uma teoria

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científica, como veremos mais adiante.

Cabe salientar que Kuhn não diz que a ciência está baseada em uma

irracionalidade, mas sim em uma razão diferente daquela proposta pelos

epistemólogos. Para ele não basta pensar como a ciência deveria ser, quais os

critérios que ela deveria utilizar, quais os requisitos que ela deveria ou não

satisfazer, mas sim olhar como a comunidade científica trabalha, como é

efetivamente o processo que a ciência utiliza para desenvolver seus

conhecimentos, procurando na história da ciência os argumentos que apóiem suas

idéias.

Mesmo concordando com Popper sobre o processo não-indutivo da ciência,

Kuhn faz uma crítica ao critério de refutabilidade. Stegmüller (1977, p. 360),

citando Kuhn, menciona que: “nenhum dos processos, dentre os que até hoje

foram revelados, guarda a menor semelhança com os padrões de falseamento

propostos por Popper.” Como veremos mais adiante, o que realmente caracteriza

uma ciência para Kuhn é o inverso, ou seja, a tentativa de se manter o paradigma

vigente, sem procurar formas de refutá-lo.

3.1. A CIÊNCIA VISTA COMO PROCESSO DELIMITADO POR UM

PARADIGMA

Antes de iniciarmos esta parte, devemos ter pelo menos uma idéia do que

seja um paradigma. O próprio Kuhn não dá apenas uma definição de paradigma,

mas várias ao longo de seu livro. Talvez a mais conhecida seja: “Um paradigma é

aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma

comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma.” (Kuhn,

1970, p. 219). Embora seja uma definição circular, ela pelo menos nos dá uma

idéia da posição de Kuhn a este respeito.

Outra definição mais explicativa usada por Kuhn (1970, p. 58) é:

“Paradigmas são realizações científicas universalmente reconhecidas que,

durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma

comunidade de praticantes.”

Contrariamente a Popper que pensava a ciência como o processo pela

busca da refutação de teorias, para Kuhn, a ciência em si se desenvolve no seio de

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um paradigma, dentro de seus limites, sem se preocupar com métodos ou

critérios de validade de suas teorias.

Ou seja, a ciência tal como vista por Kuhn, insere-se não num processo de

busca da melhoria das teorias e seu paradigma, mas como um processo de busca

da manutenção do paradigma vigente. Nesse estágio, ele chama a disciplina de

ciência normal onde os cientistas estão em consenso sobre qual paradigma seguir.

Depois de um tempo na fase de pesquisa normal, a ciência pode entrar em uma

crise, que leva a uma pesquisa extraordinária e uma revolução (mudança de

paradigma) para depois entrar em uma nova fase de ciência normal, conforme

mostrado abaixo:

Ciência normal → Crise → Pesquisa extraordinária → Revolução →

→ Nova ciência normal → Nova crise → ...

Podemos por esse esquema perceber claramente que a ciência tal como

vista por Kuhn não é linear, nem cumulativa, mas está inserida dentro de um ciclo

de paradigmas e revoluções que se sucedem.

Porém, antes de entrar na fase de ciência normal, a disciplina passa por um

período denominado pré-paradigmático, período esse que se caracteriza pela

ausência de consenso entre os estudiosos da área a respeito de qual paradigma

seguir.

É comum nessa fase existirem tantos paradigmas quanto escolas de

pensameto ou mesmo especialistas na área. Essa fase de pré-ciência é marcada

por constantes debates a respeito do tema, suas metodologias, problemas, etc. e

ainda por progredir relativamente pouco.

Todos esses paradigmas estão em competição para se sobrepujar sobre os

outros, até que um deles vai conseguindo o consenso da maioria. Quando isso

acontece, a ciência entra na fase normal, onde o paradigma vencedor oferece a

maneira de se tratar seus problemas.

Para ser aceita como paradigma, uma teoria deve parecer melhor que suas competidoras, mas não precisa (e de fato isso nunca acontece) explicar todos os fatos com os quais pode ser confrontada. (Kuhn, 1970, p. 38)

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Porém devemos frisar que mesmo o próprio Kuhn não descarta a

possibilidade de uma ciência entrar na fase normal tendo vários, e não um único

paradigma dominante, onde até mesmo podem conviver bem durante algum

tempo. Isso ocorre com mais frequência nas ciências sociais, onde temos várias

formar de abordar os problemas, e menos frequentemente que nas ciências

naturais, onde um paradigma sempre se sobressai aos outros.

3.2. A CIÊNCIA NORMAL

Após superado o período pré-paradigmático, a ciência entra na fase da

denominada normal, caracterizada pelo consenso dos cientistas a respeito de um

paradigma em particular, comprometidos com a reprodução deste paradigma,

sem se questionarem sobre ele.

A ciência normal não tem como objetivo trazer à tona novas espécies de fenômeno; na verdade, aqueles que não se ajustam aos limites do paradigma frequentemente nem são vistos. Os cientistas também não estão constantemente procurando inventar novas teorias; frequentemente mostram-se intolerantes com aquelas inventadas por outros. Em vez disso, a pesquisa científica normal está dirigida para a articulaçãon daqueles fenômenos e teorias já fornecidos pelo paradigma. (Kuhn, 1970, p. 45)

Nessa fase, a ciência fica muito distante do ideal de Popper. Os cientistas

não estão nem um pouco preocupados em procurar formas de tentar refutar as

teorias. Na verdade, fazer isso implicaria para eles ter que desmontar toda a base

teórica pelo qual eles tanto batalharam para consolidar.

Outro ponto importante é a valor da educação científica dada durante o

período da ciência normal. A formação científica é vista por Kuhn como uma

forma de reproduzir o consenso de todos em relação ao paradigma, podando

duramente qualquer crítica feita a este. Ao invés disso, os cientistas se debruçam

sobre os problemas e quebra-cabeças fornecidos pelo paradigma. Assim, as

anomalias do paradigma não são vistas como anomalias propriamente ditos, mas

como quebra-cabeças a serem resolvidos baseados no paradigma vigente. Nesse

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caso, a ciência normal é vista como uma partilha de teorias pela comunidade

científica dotada de meios de torná-la imune a falseadores. Cessa-se qualquer

discurso crítico a respeito das teorias adotadas.

Acontece também que se não se consegue explicar um determinado

problema em termos do paradigma vigente, é o cientista individual que é testado

em sua engenhosidade, e não a teoria. Se mesmo assim o problema persiste, o

fracasso é creditado ao cientista que foi incapaz de resolvê-lo pelo paradigma.

muitas vezes a solução para este impasse é dada através de explicações ad hoc.

Porém, se não fosse pela ciência normal não conseguiríamos estudar os

problemas da natureza em profundidade. Se cada quebra-cabeça, inicialmente

insolúvel pela teoria aceita, fosse visto como uma anomalia e um debate acerca da

validade da teoria fosse iniciado, com novas propostas de teorias como no período

pré-paradigmático, a ciência nunca estudaria processos específicos em

profundidade, tornando nosso conhecimento acerca do mundo bastante

superficial.

3.3. A CRISE NA CIÊNCIA E A PESQUISA EXTRAORDINÁRIA

Teoricamente, pelos epistemólogos anteriores a Kuhn, bastaria apenas uma

experiência que entre em contradição com a teoria para se iniciar uma pesquisa

mais extensa em torno da validade desta. Mas como vimos isso não é tão fácil

assim, principalmente porque os pesquisadores foram treinados para resolver os

problemas focando apenas aquele paradigma, e é muito difícil para eles

abandonarem todo o trabalho realizado em busca de novos paradigmas.

Assim é preciso um número muito grande de problemas que não podem ser

resolvidos pela ciência normal para que os pesquisadores comecem a aceitar a

idéia de mudança. Chega-se a um período de tensão intelectual bastante elevada

e de crise na comunidade científica.

Apenas quando as anomalias atingem as bases do paradigma, fazendo com

que se perca ao menos em parte a fé nele, é que se inicia a pesquisa

extraordinária, onde são levados em consideração outras formas de pensar a

respeito, novos métodos e teorias.

Esse período é semelhante ao período pré-paradigmático, onde várias

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teorias entram em debate, porém com menor intensidade de divergências. E é

apenas em momentos de crise e pesquisa extraordinária, segundo Kuhn, que

realmente se é utilizado o critério de falseabilidade de Popper.

Através desse estado de pesquisa extraordinária, podem acontecer três

desfechos: o paradigma acaba se mostrando eficiente em resolver as anomalias;

mesmo depois de todas as abordagems, o problema persiste e o cientistas supõem

que é um problema não pode ser resolvido no estado atual da área de pesquisa;

ou a crise termina com o surgimento de um novo paradigma seguido pela luta

pela sua aceitação.

3.4. REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS E A ENTRADA EM UMA NOVA FASE DE

CIÊNCIA NORMAL

Quando o antigo paradigma é abalado de tal forma em suas estruturas,

inicia-se o processo de revolução científica. A pesquisa extraordinária leva

fenômenos novos e ao debate na comunidade científica, e semelhante ao período

pré-paradigmático, existem debates filosóficos a cerca da novas visões e

experimentos que tentam refutar certas teorias. Um novo paradigma começa a se

delinear, e aos poucos vai ganhando adeptos no meio científico.

Na escolha de um novo paradigma, tão ou mais importante quanto ele estar

de acordo com os experimentos, é a argumentação persuasiva dos seus

seguidores:

Na escolha de um paradigma, tanto quanto nas revoluções políticas, não existe critério superior ao assentimento da comunidade relevante. Para descobrirmos como as revoluções científicas ocorrem teremos de examinar portanto, não apenas o impacto da natureza e da lógica, mas também as técinicas de argumentação persuasiva, que se revelam eficazes no interior dos grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas. (Kuhn, 1970, p. 156)

Nesse período de grandes mudanças na ciência, Kuhn afirma que:

Guiados por um novo paradigma, os cientistas adotam novos

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instrumentos e olham em novas direções (...) durante as revoluções os cientistas vêem coisas novas e diferentes quando, utilizando instrumentos familiares, dirigem seu olhar para lugares anteriormente por eles examinados. É como se a comunidade profissional tivesse sido subitamente levada para outro planeta onde objetos familiares são vistos sob uma luz diferente e a eles se juntam objetos diferentes. (Kuhn, 1970, p. 173)

Essa mudança de paradigma porém não acontece gradualmente e de forma

homogênia. É preciso ainda muito trabalho dos adeptos de um novo paradigma

para que ele seja aceito.

Depois disso a ciência volta à fase onde permenece a maior parte de seu

desenvolvimento, voltando a um novo estado de ciência normal, e se debruçando

sobre os quebra-cabeças do novo paradigma.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A historiografia da ciência de Thomas Kuhn abalou de uma forma inegável

as bases da filosofia da ciência. Deste modo, ela mesma pode ser vista como uma

crise na “epistemologia normal”, a qual leva a uma revolução no nosso modo de

pensar a ciência.

Olhando o contexto histórico da ciência, Kuhn nos leva a vê-la da forma

como ela se comporta através da comunidade científica, e não como ela deveria

ser de acordo com a epistemologia clássica. Os cientistas na verdade estão muito

longe de seguir o modelo de ciência dos positivistas, neopositivistas ou mesmo

Popper, mas sim trabalham de acordo com critérios subjetivos implícitos

socialmente. A ciência nesse caso é vista como um processo histórico e social

construído por pessoas com seus anseios e sua subjetividade e não por um ideal

metafísico de objetividade como queriam muitos.

A visão de Kuhn mostra-se como uma ruptura epistemológica bastante

frutífera, uma nova perspectiva acerca do conhecimento científico e das pessoas

que o produzem. Trata-se de uma abordagem que deixa de lado o mito da ciência

como forma mais elevada de conhecimento e do cientistas como senhores desse

saber; portanto, uma visão mais humana da ciência e seus praticantes.

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