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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
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A HISTÓRIA DA DISCIPLINA ESCOLAR HISTÓRIA NATURAL E OS LIVROS DIDÁTICOS: O CONHECIMENTO ESCOLAR NO COMPÊNDIO
“ELEMENTOS DE BOTÂNICA” DE CARLOS WERNECK1
Maria Cristina Ferreira dos Santos2
Introdução
Os livros didáticos são fonte materializada do conhecimento escolar, produzido e
selecionado por sujeitos ou grupos sociais em certo contexto histórico. A análise destes
materiais, conjugados com outras fontes, pode fornecer indícios dos saberes circulantes na
escola, uma vez que os livros veiculam versões legitimadas e autorizadas da disciplina escolar
e influenciam as escolhas dos professores no contexto da prática.
Para o professor polivalente e sem formação pedagógica nas primeiras décadas do
século XX, o livro didático pode ter sido a principal fonte do conhecimento escolar,
considerando que muitos livros foram produzidos a partir de anotações de aulas, compilações
e cópias de outros livros (BITTENCOURT, 2008). O uso desta fonte apresenta limitações,
como, por exemplo, identificar instituições de ensino e períodos em que os livros foram
adotados. Choppin (2009) ressalta que na investigação de livros didáticos é relevante
considerar que:
Como todo objeto de pesquisa, o livro escolar não é um dado, mas o resultado de uma construção intelectual: não pode então ter uma definição única. É, ao contrário, indispensável explicitar os critérios que presidem esta elaboração conceitual, porque uma das principais insuficiências – muitas vezes denunciadas – da pesquisa histórica sobre os manuais escolares, e especialmente da pesquisa comparada, reside sempre, como assinala ainda recentemente Annie Bruter, "no caráter de alguma forma natural, ahistórico, dos manuais escolares aos olhos de muitos historiadores" (CHOPPIN, 2009, p. 74-75).
Até a década de 1920, a maioria dos livros didáticos para o ensino secundário no
Brasil era produzida por autores estrangeiros e impressa em países europeus (GATTI Jr.,
2005). As reformas educacionais em âmbito municipal e federal nos anos 1920 e 1930 no país
1 Financiamento: FAPERJ. 2 Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora Adjunta no Departamento de
Ciências da Faculdade de Formação de Professores e no Departamento de Ciências da Natureza do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Docente Permanente do PPGEAS e PPGEB/UERJ. Email: <[email protected]>.
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influenciaram a produção de obras nacionais. Antes do primeiro governo de Getúlio Vargas, a
legislação brasileira permitia a autonomia de estados e municípios em decisões em diferentes
níveis de ensino. Esta situação se modificou com a reforma educacional organizada por
Francisco Campos em 1931 (BRASIL, 1931; 1932), centralizando em nível federal as
determinações sobre a organização do ensino, seleção e produção de livros didáticos. A partir
da década de 1930 houve o aumento da produção de livros didáticos de autores brasileiros,
em decorrência da crise de 1929 e da expansão do ensino secundário com a seriação e a
obrigatoriedade de frequência, introduzidas com a reforma de 1931. Este aumento da
produção de obras, com diversificação de títulos e autores, também ocorreu com compêndios
de História Natural para o ensino normal e secundário a partir do final da década de 1920.
Na Escola Normal do Distrito Federal, a reforma municipal realizada entre 1927 e
1930 por Fernando de Azevedo (1894 – 1974) se articulou a uma nova cultura pedagógica,
ligada à Educação Nova. Em 1932, por meio do Decreto no. 3810, a Escola Normal do
Distrito Federal foi extinta e criado o Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Em 11 de julho
de 1934 o Decreto N. 5.000 estabeleceu a equivalência do currículo da Escola Secundária do
Instituto de Educação ao do ensino secundário e a disciplina História Natural passou a ser
ministrada na 3ª, 4ª e 5ª série para os alunos da Escola Secundária.
Nesse estudo pretendeu-se analisar as relações entre conhecimento escolar, livros
didáticos e a produção da disciplina escolar História Natural nos anos 1920 e 1930 na Escola
Normal do Distrito Federal, depois Instituto de Educação. Com apoio em Chervel (1990),
buscou-se identificar elementos constitutivos dessa disciplina escolar nos materiais
analisados. As categorias analíticas propostas por Forquin (1992) indicam traços
morfológicos e estilísticos que caracterizam o conhecimento escolar. Goodson (1997) aponta
a relevância de investigar a produção intelectual de professores e suas versões do
conhecimento legitimado em dado contexto histórico. Considera-se que a análise de
elementos que caracterizam o conhecimento escolar em livros didáticos traça parâmetros
para investigar mudanças e continuidades nas disciplinas escolares.
Fundamentação teórico-metodológica
Para investigar as relações entre conhecimento escolar, livros didáticos e a constituição
da disciplina História Natural, buscou-se apoio em estudos de Andrè Chervel (1990),
Dominique Juliá (2002), Jean Claude Forquin (1992, 1993), Ivor Goodson (1995, 1997) e
Viñao (2008). Viñao (2008) propõe que as pesquisas sobre a história das disciplinas
escolares se debrucem sobre: o lugar e as denominações da disciplina nos programas;
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objetivos e discursos que validam a disciplina escolar; os conhecimentos; a formação, seleção,
carreira e publicações dos professores das disciplinas; práticas e atividades escolares.
Goodson (1995, 1997) busca compreender a constituição das disciplinas escolares através das
tendências e transformações que ocorreram nos objetivos, conteúdos e métodos de ensino e
ressalta a importância dos sujeitos sociais envolvidos. Este autor propõe a investigação das
tradições disciplinares pedagógicas, utilitárias e acadêmicas, entendendo-as como categorias
que podem contribuir para a compreensão das permanências e mudanças nas disciplinas
escolares.
Com apoio em Chervel (1990), buscou-se identificar elementos constitutivos das
disciplinas escolares nos materiais analisados. Esse autor (1990, p. 2017) afirma que os
conhecimentos que circulam na escola são resultantes de disputas e tensões oriundas de
áreas distintas e que a disciplina escolar é uma combinação de um ensino de exposição,
exercícios, práticas de incitação e de motivação e de um conjunto de testes, provas e exames
que a conformam e legitimam. Chervel (1990) e Julia (2001, 2002) apontam que as
disciplinas escolares não são a vulgarização nem a adaptação das ciências de referência.
As categorias analíticas propostas por Forquin (1992) indicam traços morfológicos e
estilísticos que caracterizam o conhecimento escolar. Esse pesquisador (1992, 1993) assinala
que o conhecimento escolar se ajusta à rotinização e ritualização das práticas escolares e tem
características da organização nas disciplinas em anos escolares e da divisão do tempo entre
as disciplinas no horário da escola. Ele define cultura escolar como:
[...] o conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, “normalizados”, “rotinizados”, sob o efeito dos imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas (FORQUIN, 1993, p. 167).
Em função do processo de didatização, Forquin assume que o conhecimento escolar
apresenta traços morfológicos e estilísticos característicos que podem ser encontrados nos
livros didáticos, como: a divisão em capítulos, partes e subpartes; a presença de desenhos,
fotografias, esquemas, exemplos, quadros, resumos, questionários, exercícios e outros
utilizados na apresentação, clarificação e condensação das informações e que são marcas de
um texto ou outro produto escolar. Este autor enfatiza que conhecimento e disciplina escolar
estão intimamente ligados:
[...] uma das características morfológicas essenciais do saber escolar é sua organização sob a forma de matérias (ou disciplinas) de ensino dotadas de
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uma forte identidade institucional e entre as quais existem fronteiras bem rígidas (FORQUIN, 1992, p. 37).
As contribuições de Forquin (1992) sobre o conhecimento escolar, com a proposição de
categorias analíticas a partir de traços morfológicos e estilísticos, suportam a metodologia
utilizada. Na perspectiva dos recursos de didatização, as categorias priorizadas na análise dos
livros selecionados foram: (i) marcas textuais relacionadas à cultura acadêmica e científica;
(ii) técnicas de organização e condensação do texto – como o uso de chaves e quadros; e (iii)
recursos imagéticos mobilizados – desenhos, fotografias e esquemas.
Circe Bittencourt (2003) considera os livros didáticos como uma das fontes mais
utilizadas nas investigações sobre a história das disciplinas escolares. Os livros didáticos, com
seus recursos de didatização, são importante fonte de investigação sobre a pedagogia adotada
na escola e contribuição importante para a história cultural (MAGALHÃES, 2006).
Nas relações entre conhecimentos, livros e disciplina escolar não foram esquecidos
prefácios e sumários. De acordo com Choppin (2004, p. 559), neles podem ser identificados
elementos das intenções pedagógicas dos autores, pois “permitem discernir os projetos
conscientes – confessados, ou confessáveis - dos autores e medir a clivagem entre os
princípios alegados e a aplicação que deles é feita no livro”.
A partir destas considerações teórico-metodológicas a intenção foi analisar duas
edições de um livro didático, com a finalidade de perscrutar traços morfológicos e estilísticos
do conhecimento e permanências e mudanças na disciplina escolar História Natural. A
análise documental tomou como principais fontes duas edições do compêndio Elementos de
Botânica, de autoria de Carlos Leoni Werneck (1888-1946), professor catedrático de História
Natural da Escola Normal do Distrito Federal, e programas de ensino de História Natural e
prefácios de livros. A análise comparativa das duas edições do livro também considerou
conhecimentos que foram incluídos ou excluídos, em uma das dimensões que constituíram a
referida disciplina escolar.
O livro didático e o conhecimento escolar
O compêndio Elementos de Botânica é um dos três volumes da coleção Curso
Elementar de História Natural, que inclui Elementos de Zoologia e Elementos de
Mineralogia e Geologia, impressos pela Tipografia Besnard Frères no Rio de Janeiro nos
anos 1920 e 1930. O compêndio Elementos de Botânica teve três edições impressas e nesse
estudo foram analisadas a 1ª e 3ª edições (Figura 1).
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Figura 1 – Capas da primeira e terceira edições de Elementos de Botânica (WERNECK, 1922; idem, 1932).
Papel, 18,0 x 12,7 cm e 17,0 x 12,0 cm. Acervo pessoal.
A primeira edição do livro tem 362 páginas e a terceira edição 386 páginas,
respectivamente com formato 18,0 x 12,7 cm e 17,0 x 12,0 cm e capa cartonada (Figura 1). As
duas edições foram organizadas em três unidades: Noções de Biologia Geral, Elementos de
Botânica e Apêndice ou Geographia Botânica, com números diferentes de capítulos. A
unidade “Elementos de Botânica” tem maior número de páginas do que as outras duas, sendo
um indicativo de sua relevância na obra.
Ambas as edições apresentam 132 figuras legendadas, na maioria desenhos de
espécimes botânicos. O texto é organizado em uma coluna e impresso em tinta preta,
incluindo os recursos imagéticos. Não foram identificados sumários ou exercícios e no final
do livro, após as três unidades, há um índice que lista as unidades e os capítulos. O autor não
indicou a bibliografia utilizada.
O autor do compêndio é Carlos Leoni Werneck (1888- 1946), professor catedrático de
História Natural da Escola Normal do Distrito Federal e do Instituto de Educação. Formado
em Medicina, ele foi diretor desta instituição de ensino e membro da Academia Nacional de
Medicina (SILVEIRA, 1954). Outros professores de História Natural nessa instituição de
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ensino tinham formação em Medicina, como Candido Firmino de Mello Leitão e Lafayette
Rodrigues Pereira (SANTOS, 2013; SANTOS, 2016).
Waldemiro Potsch, professor catedrático de História Natural do Colégio Pedro II,
referiu-se aos livros didáticos de Carlos Werneck no prefácio da 1ª edição de seu compêndio
de Zoologia, incluindo Werneck no círculo intelectual de professores autores de livros
didáticos nacionais:
Estão na mão de todos os alumnos livros que honram a literatura brasileira, como os de Lafayette Rodrigues Pereira, Mello Leitão, Paulo Decourt, Carlos Werneck, Miranda Ribeiro, von Ihering, irmãos Maristas, etc (POTSCH, 1936, p.VII).
Muitos autores de livros didáticos nas primeiras décadas do século XX foram
professores que reuniram as suas anotações de aulas e as publicaram em livros didáticos.
Esse parece ter sido o caso desse compêndio, pois no prefácio da 1ª edição de Elementos de
Botânica o autor afirmou que:
Escrevi este livro para as minhas alumnas na Escola Normal, que nelle encontrarão um resumo de minhas lições. Sob este ponto de vista não tenho duvidas de sua utilidade, nenhum livro se adaptará melhor ao meu curso. [...] (WERNECK, 1922, p. 5).
A análise da obra indicou ilustrações, quadros, esquemas e grifos como elementos de
didatização do conhecimento, facilitando a sua apresentação, clarificação ou condensação.
Foram utilizados recursos em função das necessidades de didatização, como o quadro (Figura
1) que se refere a formas de propagação vegetativa nas plantas.
Figura 2 – Quadro sobre formas de propagação vegetativa das plantas. Elementos de Botânica, Werneck, 1932, p. 257. Acervo pessoal.
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As ilustrações, como as que representam diferentes tipos de frutos (Figura 3), e
esquemas (Figura 4), também parecem ter sido incluídos com a finalidade de didatização do
conhecimento, facilitando a sua apresentação e clarificação.
Figura 3 – Ilustrações de tipos de frutos. Elementos de Botânica, Werneck, 1932, p. 211. Acervo pessoal.
Figura 4 – Esquema representando um cruzamento entre plantas. Elementos de Botânica, Werneck, 1932, p. 35. Acervo pessoal.
Com apoio em Forquin (1993, p. 16-17), considera-se que a presença destes
“dispositivos mediadores” é indicativa de uma intencionalidade didática, própria de textos
escolares.
No livro didático o autor faz referência a naturalistas, como Saint Hilaire, Glaziou, Spix
e Martius (WERNECK, 1932, p. 341) e apresenta instruções para a realização de
procedimentos experimentais e a inclusão de fórmulas e reações químicas (Figura 5), marcas
acadêmicas do conhecimento.
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Figura 5 – Fórmulas e reações químicas.
Elementos de Botânica, Werneck, 1932, p. 348. Acervo pessoal.
Essas marcas acadêmicas aproximam os conhecimentos nesse compêndio de ramos das
Ciências Biológicas em desenvolvimento nos séculos XIX e XX. A valorização de
procedimentos experimentais está relacionada a uma educação de base científica,
fundamentada em métodos ativos e saberes especializados, entrelaçada à educação
renovadora.
No compêndio um dos capítulos aborda a vegetação brasileira e também são
apresentados exemplos de plantas nativas e outras familiares aos leitores. Esses elementos
podem ser indicativos do caráter nacionalista da obra e também da intenção de tornar o texto
atrativo para o leitor. Considerando a intencionalidade do autor de produção desse
compêndio para o ensino normal, compreende-se o destaque dado às finalidades didáticas
nessa obra.
Os programas de ensino e a disciplina escolar
Os programas de 1929 apontam mudanças decorrentes da reforma liderada por
Fernando de Azevedo em 1928. No curso propedêutico em 1929 a História Natural era
oferecida nos 3º e 4º anos, abordando conteúdos de ensino de Botânica, Zoologia, Biologia
Geral, Mineralogia e Geologia. O programa do 3º ano dessa disciplina reune conteúdos de
Mineralogia e Geologia seguidos da Botânica, com menção a “pontos práticos”. O programa
do 4º ano aborda a Zoologia e a Biologia Geral, com aulas práticas (PREFEITURA DO
DISTRICTO FEDERAL, 1929). Os programas de História Natural da Escola Secundária dos
anos 1930 também se referem a atividades práticas (PREFEITURA DO DISTRICTO
FEDERAL, [193-]).
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No prefácio da 3ª edição do compêndio Elementos de Botânica, Carlos Werneck se
refere à reforma de 1928 e enfatiza as aulas práticas:
A última reforma do ensino municipal deu á cadeira de História Natural maiores possibilidades, dividiu o curso em dois annos lectivos. Assim, desafogado o programma da urgência do tempo, torna-se possível maior esplanação. [...] Parece-me todavia, que não precisam os alumnos de um curso secundario de conhecimentos mais latos que os deste compendio. A sobra de tempo, a meu ver, deve ser empregada em trabalhos praticos (WERNECK, 1932, p. 8).
A Reforma Francisco Campos em 1931 modificou o ensino secundário, aumentando a
duração de cinco para sete anos e dois ciclos: o fundamental, com cinco anos, e o
complementar, com dois anos. A História Natural foi estabelecida na 3ª, 4ª e 5ª séries do
ciclo fundamental (BRASIL, 1931).
Embora a 3ª edição (1932) tenha sido impressa após a reforma municipal de Fernando
de Azevedo (1894 - 1974), realizada entre 1927 e 1930 na Escola Normal do Distrito Federal, e
após a reforma educacional de Francisco Campos a nível nacional em 1931, ela apresenta
poucas diferenças na parte textual em relação à 1ª edição, exceto pela inclusão de um capítulo
sobre a “Classificação das Angiospermas” e ampliação de parte do texto relacionado à
Fisiologia Vegetal.
O destaque para aulas práticas de Botânica no ensino de História Natural também é
ressaltado na revista Archivos do Instituto de Educação em 1936:
Em botânica dissecam-se flores, para o exame dos diversos verticilos e observação à lupa do ovário e dos óvulos. Cada dissecção é acompanhada de uma descrição e do respectivo diagrama. [...] Do mesmo modo examinam sementes adequadas, inflorescências ou infrutescências (WERNECK, 1936, p. 164).
A referência a atividades práticas no texto da revista, no compêndio e nos programas de
1929 e dos anos 1930 pode ser relacionada à valorização do método ativo e experimental
pelos educadores renovadores.
Santos (2016) apontou mudanças na disciplina História Natural na Escola Normal do
Distrito Federal nos anos 1920 e 1930: nos programas de 1924 e 1927 essa disciplina estava
no 4º ano do ensino normal, ampliando-se para o 3º e 4º anos no programa de 1929 e para a
3ª, 4ª e 5ª séries na Escola Secundária do Instituto de Educação, quando o ensino normal
alcançou a equivalência com o ensino secundário. Conteúdos de Botânica, Zoologia,
Mineralogia, Geologia e Biologia Geral foram contemplados nos programas de 1924, 1927,
1929 e dos anos 1930, com ênfase diferenciada. Conteúdos de Biologia Geral foram
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estabelecidos como noções gerais nos programas de 1924 e 1927 e ganharam destaque no
programa de 1929 e em 1934, com a criação de uma disciplina distinta, Biologia Geral, na 6ª
série no Curso Complementar na Escola Secundária do Instituto de Educação.
Os professores produzem e organizam o conhecimento escolar em dado contexto sócio-
histórico, priorizando determinados conhecimentos e metodologias em detrimento de outros
(GOODSON, 1995). A ampliação da disciplina História Natural para outros anos e séries
escolares nos programas de 1929 e dos anos 1930 indica maior destaque para disciplinas
escolares em ciências no currículo dessa instituição.
Considerações Finais
Os traços do conhecimento nos livros didáticos estão entrelaçados aos elementos que
estruturaram as disciplinas escolares, a partir de “necessidades, prerrogativas e
circunstâncias históricas da cultura escolar e da pedagogia” (MAGALHÃES, 2006, p. 10). A
análise de duas edições do livro permite identificar elementos de didatização do
conhecimento escolar, que se voltam para as necessidades da disciplina História Natural no
ensino normal, e aponta que sua produção compatibiliza-se com o ideário reformista dos
anos 1920 e 1930. Este aspecto pode ser reconhecido nos traços morfológicos e estilísticos
mobilizados, com o emprego de ilustrações, quadros e esquemas.
A autoria e o contexto de produção externo à escola impregnam esse compêndio de
significado para o exame da disciplina escolar no período. Considerando o prestígio do
professor catedrático de História Natural na Escola Normal e no Instituto de Educação, é
possível reconhecer o livro como uma versão autorizada do conhecimento escolar nesse
período. Outras pesquisas sobre conhecimento, livros didáticos e a disciplina escolar
História Natural podem contribuir para subsidiar estudos comparativos na área.
Referências
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