A Ideologia Brasileira

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7/13/2019 A Ideologia Brasileira http://slidepdf.com/reader/full/a-ideologia-brasileira 1/132  Cléverson Israel Minikovsky  Mariano Soltys a Ideologia Ideologia Ideologia Ideologia brasileira rasileira rasileira rasileira : O GNOSIOLOGISMO HISTÓRICO 2014

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A Ideologia Brasileira

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    Clverson Israel Minikovsky

    Mariano Soltys

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    Ideologia Ideologia Ideologia Ideologia

    bbbbrasileirarasileirarasileirarasileira: O GNOSIOLOGISMO HISTRICO

    2014

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    SumrioSumrioSumrioSumrio

    A ideia da obra ........................................... 03

    Gnoseologia suficiente ............................... 22

    O capital constante ..................................... 42

    O conhecimento criador ............................. 92

    A acumulao primitiva .............................. 112

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    A idA idA idA ideia da obraeia da obraeia da obraeia da obra

    Clverson Israel Minikovsky

    A tese central desta obra consiste na ideia de acordo com a qual a natureza, difuso ou sigilosidade, qualidade, quantidade, extenso, profundidade e metodologia do conhecimento dos indivduos condiciona a tica, a religio, o direito, a poltica, a economia e o modo como eles ganham a vida, a famlia, etc. No o capitalismo que gera o conhecimento, o conhecimento que gera o desenvolvimento da tcnica e da cincia que, por sua vez, geram o capitalismo. O desenvolvimento das foras produtivas depende do conhecimento. O materialismo histrico de Marx e Engels est de ponta-cabea. No a sociedade que determina o conhecimento, o conhecimento que determina a sociedade. A histria de todas as sociedades que existiram at hoje reflete a histria de seu conhecimento. Durkheim foi genial ao escrever

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    sobre a Diviso Social do Trabalho. O que ele no disse claramente que a Diviso Social do Trabalho espelha a Diviso Social do Conhecimento. Weber ficou famoso ao destacar a importncia da religio nos fenmenos sociais, mas deveria ainda ter dito que a religio s importante medida que tambm ela uma forma de conhecimento. Alis, o conhecimento religioso a base de toda civilizao enquanto ideologia do patriarcado que se inicia h dez mil anos. Comte coloca a evoluo do conhecimento na plataforma: teologia filosofia cincia. O conhecimento dominante no no dominante por ser proferido pela classe dominante, pelo contrrio, o conhecimento dominante que fabrica as classes dominantes. Todo o conhecimento cdigo, da a importncia da criptografia. O destino e o status de um conhecimento fluem atravs das confrarias. H igrejas dentro do conhecimento. E como toda f, no o crente que justifica sua f, pelo contrrio, aquilo em que ele cr que o credibiliza. Saber bom, mas saber demais um risco a quem detm o

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    conhecimento, inclusive risco de morte. No o conhecimento que legitima a sociedade, a sociedade que legitima o conhecimento. No sentido de que o conhecimento a infraestrutura e a sociedade e a economia so a superestrutura. O sucesso de uma espcie depende de sua capacidade de transmisso de informaes s geraes vindouras. J conseguimos produzir DNA sinttico. E um grama de DNA sinttico consegue conter o mesmo cabedal de informaes da soma de quatro mil CDs. A inveno da escrita potencializou a capacidade de armazenamento, transmisso e reproduo de dados e a informtica cumpre funo anloga e mais radical. A grade na janela do mosteiro tem uma dupla funo: no deixar o conhecimento escapar ou ser destrudo, mas tambm monopolizar. O copismo era o que havia de melhor quando no se tinha a imprensa. A imprensa foi marco na expanso da galxia chamada conhecimento. Mas o conhecimento tambm tem limitaes. assim que o mapa e projeto da bomba atmica esto na internet, mas

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    no todo mundo que tem dinheiro para fabric-la. Marx faz o conhecimento se tornar um apndice da maturao das foras produtivas. Isto errado. O conhecimento pode no ser causa final, mas causa eficiente do desenvolvimento da estrutura fsica da sociedade. Foi a filosofia que inventou a sociedade grega assim como o juridiqus e a cincia militar engendrou Roma. Muito acertada foi a guinada dentro da filosofia da metafsica epistemologia. To importante quanto tentar conhecer vislumbrar os pressupostos do conhecimento. O conhecimento uma linguagem bem construda. assim que os Meios de Comunicao Social so muitas das vezes uma anttese ao conhecimento, pois o que se v ali a decadncia da conversao e o conhecimento discurso solene. O conhecimento impactante, seja na rea da religio, filosofia ou cincia tem de ter revelao. assim que por conta do cristianismo a teologia se torna o saber mximo a ponto de a filosofia se tornar ancilla theologiae e por conta de Vico a Histria se tornar a sublime cincia, e em

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    razo de Newton a fsica se tornar modelo para outras disciplinas, o mesmo podendo ser dito da biologia por conta da autoridade de Darwin. O conhecimento muitas vezes como lanar dados, imaginao, conjectura. E a posteriori, o que vem a hermenutica tentando responder o que o autor tentou dizer. O conhecimento sempre revela, outrossim, uma escala de valores, uma axiologia. E ele sempre provisrio e tem prazo de validade. Outra questo que se coloca a criteriosidade. No Ocidente se preconiza o evidente e o racional, no Oriente h admisso da mstica e de elementos no estritamente racionais. Todo conhecimento est cabido dentro de um vo cerceado por premissas e corolrios. E a totalidade disto tudo se chama metanarrativa. E todo nosso trabalho consiste em tornar os presumidos nos explcitos e fazer com que o conhecimento perfunctrio se torne no conhecimento exauriente. O conhecimento esta instncia que carece ter coerncia interna e adequao realidade. O conhecimento pode aprioristicamente antecipar a realidade ou a

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    posteriori fazer um feedback. A prxis o casamento da ao e do conhecimento. Vivemos no tempo no s do conhecimento partilhado, mas da inteligncia partilhada. Grande intuio foi a da antropologia: debruar-se sobre as chamadas sociedades primitivas porque sabia que as cincias criadas pelo homem caucasiano tencionava descrever o homem ocidental a partir dele mesmo, por ele mesmo, para ele mesmo. De Kant a frase aude sapere, ou seja, ousa saber. O esprito do iluminismo fazer o indivduo conduzir-se de acordo com seu prprio entendimento sem aconselhamento de segundos ou terceiros. O enciclopedismo o esforo de reunio e sistematizao do saber. Graas ao debate dos filsofos hoje sabemos que no possvel alcanar a verdade real, apenas enunciados provveis e verossimilhantes. Pode-se corroborar ou refutar uma proposio atmica pela experimentao. O parmetro da cientificidade a prpria falseabilidade. Todo enunciado precedido pela induo. Alis, a induo a antecmara da

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    deduo. E o prprio raciocnio lgico incapaz de dizer aquilo que est alm do bvio. O conhecimento descrio, mas tambm ferramenta de ingerncia. Outra coisa que se discute se o conhecimento uma lente atravs da qual vemos a realidade ou se a descrio da prpria realidade. Estamos mais alinhados com a primeira hiptese. Questo j suscitada pelo velho Herclito : como vamos ter um conhecimento seguro da realidade se ela dinmica? Isto significa, no mnimo, que o conhecimento tambm dinmico, pois precisa ajustar-se continuamente realidade. H quem diga que a razo, fonte da qual emana todo conhecimento, instrumental e que o reino dos fins irracional. Digo que todo instrumento tem um fim de antemo, assim como o do violino produzir som melodioso e o da agulha injetar medicamento. Para Habermas o conhecimento um consenso. Assim admite-se um grande convencionalismo. A tese de Weber, seja ela, a de desencantamento do mundo diz respeito, em primeiro lugar, ao conhecimento. Pois agora o

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    conhecimento no mais busca de sentido, mas como uma enorme anatomia a destrinar msculos e ossos. Concordamos com a premissa de Wilson de Matos Silva de acordo com a qual a sociedade est em processo de converso ao conhecimento. Os povos grafos so povos bebs e a marca das sociedades desenvolvidas o grafocentrismo social, porque a escrita a essncia do conhecimento. Vemos que cada vez mais o virtual condiciona o material. E quanto mais evoluirmos, mais importante se tornar o virtual. Matria mui importante j hoje e mais ainda no futuro ser a arqueologia e a histria do conhecimento. O Nome da Rosa obra de Umberto Eco que mostra a morte de toda uma tradio intelectual. Nos dias de hoje se pretende mais divulgar as produes tericas. Quando o assunto produo de conhecimento o protagonista o agente terico promotor de mudana. O conhecimento, alis, o palco de luta entre a perptua latncia conservao versus mudana. Tudo conhecimento porque tudo cultura. Comte e Marx haviam observado que

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    devido ao acmulo de conhecimento os vivos so cada vez mais comandados pelos mortos. O conhece-te a ti mesmo socrtico a noo de que todas as formas de conhecimento no passam de uma grande antropologia. O homem o nico animal que sabe que sabe. O conhecimento diferencia o adulto da criana, o civilizado do brbaro. O conhecimento faz com que o homem seja ele mesmo, ou seja, humano. Ignorncia alienao e conhecimento resgate de si. Pior que a alienao econmica a intelectual. O erro consiste em supor o falso por verdadeiro. No negamos que o produtor de conhecimento possa ser, s vezes, interesseiro e que faa embustes do tipo reserva mental. Mas a comunidade cientfica desfaz estes mal-entendidos. Se existe uma ferramenta que til para todos os conhecimentos est a estatstica. O conhecimento uma tradio. Ou seja, trazer algo para o presente e projet-lo para o futuro. O velho continuamente reinventado, h repescagem. O conhecimento, em que pese a vitria do cientificismo, sempre ser

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    representao de mundo. Ele sempre nos nortear e servir de orientao existencial. Saber poder e poder, dentre outras coisas, status. Como todas as outras coisas, tambm o conhecimento est sujeito a modas. A educao deve ser universal, gratuita e de qualidade em todos os nveis. O conhecimento define todas as correlaes de foras. Os pases que hoje so emergentes, em sua maioria, h vinte anos atrs, investiram pesadamente em educao. A mdia o quarto poder porque define o que as pessoas podem e devem saber. Quando de diz que a tecnologia suprimiu espao e tempo entre as pessoas, na verdade, est a se dizer que o conhecimento derrubou os muros que cercavam a ele prprio. Conhecimento gera conhecimento. A frica o lanterna dos continentes por ser o menor produtor/detentor de conhecimento. Quando Hegel diz que um indivduo no consegue ser maior do que o seu perodo histrico permite ser apenas est referendando que em cada etapa do desenvolvimento da humanidade a noosfera est

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    num determinado grau de desenvoltura. E quando Marx diz que os homens fazem a Histria, mas no a fazem como querem apenas est dizendo que somos brindados e condenados com um determinado tipo de conhecimento. O conhecimento no valoroso apenas por aquilo que ele diz explicitamente, mas muito mais pelo que ele autoriza inferir. Inferncia pea chave na consecuo de vitrias tericas e prticas. O poder heurstico a marca do conhecimento de boa qualidade. Marx fala que o homem um feixe de relaes sociais, mas o que flui nos relacionamentos no outra coisa seno conhecimento. Marx diz nas Teses sobre Feuerbach que no importa interpretar o mundo de vrias maneiras, preciso transform-lo. Ora, o que transforma o mundo o conhecimento. Nenhuma revoluo sangrenta conseguiu produzir a menor das partes das revolues engendradas por novas formas de conhecimento. E neste sentido tambm o marxismo deve ser considerado uma forma de conhecimento. No a mudana econmica que

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    o motor da Histria, mas a mudana do paradigma de conhecimento que faz a engrenagem do mundo girar. A raiz do homem o conhecimento que ele tem de si e do seu entorno. A caracterstica de toda nova forma de conhecimento que surge e o marxismo est dentro disso que ela v a si mesma no como uma forma transitria de cognio do real, mas como o modelo definitivo e absoluto. O homem faz o conhecimento e o conhecimento faz o homem. O conhecimento histrico porque humano e tudo o que humano histrico. A filosofia transtemporal medida que no se apresenta como um conhecimento, mas como o conhecimento acerca do conhecimento. O homem produziu vrias teorias para explicar muita coisa, mas nunca elaborou uma filosofia da histria tomando o prprio conhecimento como o fator desencadeante dos vrios modos de pensamento e de tudo o mais que existe. O mrito do gnosiologismo histrico colocar o conhecimento no seu devido lugar, no centro. E tudo o mais perifrico. O conhecimento sempre foi visto como

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    um fenmeno girando em torno de uma srie de realidades, mas ele o cerne e no o acidente. O conhecimento no a busca da essncia, mas ele prprio o numenon. O gnosiologismo histrico o insight em que o conhecimento deixa de tomar conscincia de realidades vrias para tomar conscincia de si mesmo. O conhecimento no o regrado, o regrador. O Marx do sculo XIX foi o Marx do trabalho, mas Clverson Israel Minikovsky, o novo Marx, prima pelo conhecimento antes de qualquer coisa, antes mesmo do trabalho e de suas relaes. Trabalho gera conhecimento, mas conhecimento gera muitssimo trabalho. Num mundo em que a cada seis meses so lanadas na rede mais informaes do que tudo aquilo que a humanidade produziu desde que ela existe no d para continuar colocando a tnica no trabalho. Sem dvida, as sociedades de hoje so sociedades do trabalho, mas muito antes disso o so sociedades do conhecimento. A comunidade produtora de conhecimento como o leme de um navio que d direo a toda nave social e o que ela abarca. Toda

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    a mo-de-obra conduzida pela cabea-de-obra. Globalizao acima de tudo globalizao de conhecimento e no de capitais financeiros. O conhecimento, no fundo, o milagre grego do despertar filosfico, que continua reverberando at nossos dias. O conhecimento nasce em umas poucas cabeas iluminadas e agora toma conta de todos, tornando as razes mais fracas nas mais fortes. O conhecimento a ltima grande onda depois da revoluo agrcola e depois da revoluo industrial. No o desenvolvimento das foras produtivas por si s embora isto faa parte que cria as condies para uma nova sociedade, pelo contrrio, a difuso do conhecimento que engendrar a mais organizada, a mais democrtica e a mais justa das sociedades possveis. Viveremos, graas ao conhecimento, no melhor dos mundos possveis. Temos de apostar no desenvolvimento das foras intelectuais. A trao das sociedades o conhecimento que elas produzem. O conhecimento, ao lado da fora de trabalho, mas bem mais do que ela, uma

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    mercadoria que tem a peculiar caracterstica de engrandecer seu prprio valor. Um pas com alta taxa de explorao de mo-de-obra e pouco conhecimento produz menor excedente do que um pas com baixa taxa de explorao de mo-de-obra e bastante conhecimento. Se o conhecimento estiver muito abaixo da mdia geral, num determinado ramo de atividade, por maior que seja a explorao de mo-de-obra, ela dar prejuzo. Porque a mo-de-obra sempre e necessariamente carece ser potencializada pelo capital inteligente corporificado na tcnica e na burocracia. Isto vale para os dias atuais e para os dias de Marx de igual forma. Quanto mais o homem se aplica ao conhecimento tem a impresso de menos saber. A zona lindeira entre o saber e o no saber fica cada vez mais extensa. O conhecimento, ao invs de resolver problemas, cria novos problemas e muda os velhos de lugar. Se a religio o pio do povo, o marxismo o pio dos intelectuais. Marx mais conhecido e lido pelos burgueses do que pelos proletrios. O conhecimento segregado a um grupo

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    restrito a causa de todos os fetiches e de todas reificaes. O conhecimento algo essencialmente supraclassial. A tenso entre campo e cidade no s geogrfica, mas tambm uma questo de conhecimento. O Estado o monopolizador da certificao do conhecimento e ele quem diz o que e o que no oficial. Darwin enunciou uma das maiores regras para a compreenso do conhecimento: necessrio que o indivduo tenha aptido intelectual e que o sujeito cognoscente se adeque s mudanas de conceito. impossvel uma sociedade sem classes, o nvel de conhecimento entre os indivduos sempre ser outro. O homem total de Marx uma iluso, sendo mais realisto o conceito de conscincia infeliz de Hegel. A burguesia foi revolucionria e continua sendo revolucionria. E ela toma toda sua fora do iluminismo. Na universidade dos dias de hoje o aluno um repetidor. No se fomenta a criatividade terica. Os doutores que esto encastelados nas universidades precisam ser incomodados. Lembrando que incomodar significa tirar do lugar

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    comum. Por mais que o cabedal coletivo de conhecimento cresa, ele sempre ter uma dimenso slfica. Se negridade jeito de ser e negritude a identidade dentro da negridade, intelectividade tambm jeito de ser e intelectude a identidade e individuao dentro da intelectividade. Lembrando que identidade ns identificamos e personalidade ns construmos. O capitalismo propicia ao mximo a criao de conhecimento, o que prepara campo para o socialismo, ou seja, a propriedade coletiva do conhecimento. Nenhuma ditadura boa para o conhecimento, nem a ditadura dos sbios e no merece sequer comentrio a ditadura do proletariado. O socialismo tal como Marx o concebeu um empecilho honestidade cientfica. Marx tinha compromisso moral para com a classe trabalhadora e isto vicia todos seus escritos. A humanidade no pensou nem a milsima parte de tudo o que ainda ser pensado. Marx achava que a base material estava prxima para receber a sociedade vindoura. Mas o conhecimento no. A

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    humanidade precisar produzir ainda muitssimo conhecimento para chegar ao modelo ideal. O conhecimento nasce como know how. O homem construiu o primeiro conhecimento para poder manter a si mesmo. O conhecimento esta ruptura: eu deixo de simplesmente me apropriar do que a natureza me oferece para transformar o original em algo derivado. Conhecer transformar. A filosofia o conhecimento mais elevado justamente porque o mais abstrato: ela serve de diretriz para o comportamento que a inteligncia nevrlgica contenedora de uma infinidade de atos isolados e concatenados. Talvez uma das perguntas que poderiam ser feitas por que os indivduos no se empenham mais em produzir conhecimento se tudo depende do conhecimento?. Simples: porque muito mais fcil se apropriar do conhecimento alheio. O que recomendo eu? Cientistas e intelectuais de todo o conhecimento uni-vos? No, porque para o conhecimento progredir ele precisa estar dividido. Ainda que o conhecimento seja um tipo de unanimidade. O mundo muda quando o

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    conhecimento muda de mos. Porque ainda que um grupo seja o monopolizador de uma categoria de meios de produo, um novo conhecimento pode pr em circulao algo mais sofisticado e sucatear aquilo que era objeto de exclusividade. O conhecimento esbarra em fatores limitantes como, por exemplo, a falta de estrutura do Estado. assim que o jurista ficou reduzido a mero operador jurdico e o neocausdico que desenvolve em suas peties teses arrojadssimas v o processo naufragar porque h um enorme descompasso entre a mo de obra da judicatura e a advocatcia. Um tem servio demais e outro no tem quem lhe atenda. Com a proliferao de bacharelados voltados ao magistrio houve uma proletarizao dos professores. Algo semelhante est a acontecer com contabilistas e advogados. que certos ramos de conhecimento se propalaram demasiadamente.

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    GnosGnosGnosGnosiiiiologia Suficienteologia Suficienteologia Suficienteologia Suficiente

    Mariano Soltys

    O conhecimento se sustenta por si mesmo. Vemos que ele tem sim importncia existencial, e que envolve muitas reas da vida, sendo essencial a fases histricas da humanidade. Existe mesmo uma evoluo do conhecimento, e isso nos leva a determinado saber em cada poca histrica. Ou seja, cada on tem o seu conhecimento, e seu rol de importncias. Passamos por perodos agrcolas e industriais de sobrevivncia, e agora temos o prprio conhecimento como garantidos de uma qualidade de vida maior. O conhecimento filosfico nasceu de uma fsica e partiu a metafsica, chegando por fim numa sntese de ambas. Em sociedades primitivas notamos esse conhecimento marcado em sua arquitetura, e mesmo nos escritos que nos deixaram. Mesmo sendo questionvel a

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    histria presente nesses antigos escritos cuneiformes, resta porm a informao que o conhecimento adquirido em determinada civilizao que deu origem ao que ela foi realmente. Antes de transformar a sociedade, preciso ter o conhecimento. Observamos assim que o que se tem por religio no nada mais que a repetio do conhecimento dos mistrios, dado por um adepto ou mestre, mas que no e nem poderia ser dado a todos os discpulos. Esse conhecimento experincia e depende de evoluo de cada um para acess-lo. Mas por outro lado, se deixou smbolos para a maior parte das pessoas, e isso lhes d um elemento teleolgico ao conhecimento, a fim de que por fim encontrem a metanarrativa do mestre. Para tanto, o conhecimento a chave para os diversos problemas humanos, e para mais que seu sustento, para sua qualidade de vida e felicidade. O conhecimento leva a realidade, justamente porque o conhecimento realidade. No se pode, deste modo, dizer que certo conhecimento se trata

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    de mera fraseologia ou fantasia. Pois existe uma realidade interna, e qualquer realidade externa necessita dessa primeira para se sustentar. O que temos porm, que devemos antes fundar um conhecimento material e emprico, para depois estarmos preparados ao atinente ao esprito. O conhecimento assim involui e evolui. Essa evoluo se d por passos dentro de um eon, quando se acessa intuitivamente o Todo e a mnada, da qual se veio de forma seminal. As estrelas so assim os melhores professores, e as energias provenientes do Cosmos nos do o conhecimento. Cada pessoa ter uma forma de conhecimento compatvel a sua natureza. O conhecimento filosfico levou em conta muito a idiossincrasia de cada pensador, e vemos essa prxis refletida na sociedade grega, e mesmo depois na romana e noutras. Quando a humanidade necessitava de uma metanarrativa dogmtica, esta teve ao seu dispor. Quando necessita de uma metanarrativa catica, assim alimentada por essa. O conhecimento a prpria realidade, e a forma como vemos a realidade.

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    Sabemos que isso envolve uma idiossincrasia, pois uns filsofos viram esse conhecimento na gua, outros no fogo, outros em Apeiron, outros na produo, e assim por diante. Percebemos que isso j passou por alguns pilares de fundamento, como Scrates, Plato, Aristteles, Toms, Descartes, Hegel e Marx. Isso nos revela que existe uma histria do prprio conhecimento, e que a histria que nos interessa essa, pois a lente de cada momento e sua cosmoviso. Se a realidade o mundo das ideias, ou apenas a matria real percebida pelos sentidos, isso pouco importar. O que importa que o conhecimento adquirido em qualquer meio, mesmo que por mera criatividade, se traduz em tecnologia, produo, bem estar e uma melhor condio existencial. O conhecimento que leva a produo, e no a produo ao conhecimento. O que melhora os homens seu conhecimento. A sua vontade individual supera o comunismo de ideias. Assim cada um respeitado em sua dignidade. O conhecimento do ser mais

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    importante que sua produo. Pois retornamos hodiernamente ao conhecimento por antonomsia. Assim, como em cada seis meses lanamos mais informao na rede mundial de computadores do que toda a histria por outros meios, tambm temos em nosso ser mais conhecimento disposio. As ideias podem no produzir nada a no o prprio desenvolvimento do esprito. O intelecto no necessita produzir, pois produo por si mesmo. E mesmo que no signifique diretamente aquisio de propriedade de bens, na verdade descobre a verdadeira propriedade privada, que o prprio conhecimento. Pois o conhecimento capacita para a aquisio de propriedade, e no a propriedade que leva ao conhecimento. As pessoas so independentemente de sua produo, uma vez que o conhecimento que faz quem so. Uma vez que foi justamente o pensamento que garantiu a sobrevivncia humana. Pensar foi o que levou a estratgia de caa, a semear alimentos e armazenar, a produzir mais com menos esforo na indstria, e assim por diante. Nenhuma revoluo

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    ocorrer antes da crtica, nem progresso sem conhecimento. O ser est destinado a conhecer, e desde seu nascimento ele procura o que novo a si mesmo. No assim um ser produzido, nem est em classe determinada, mas um ser de natureza cognoscente. Dentro de cada perodo histrico ento ele conhece de modo a se desenvolver de acordo com a energia estelar do mesmo, em sintonia com a natureza e o Cosmos, ou de modo que faa o que est destinado a fazer. Para a pessoa o subjetivo real. No se trata de mera fantasia, e menos ainda de algo intil. Seu conhecimento ento no descartado, e sempre tem alguma importncia. Por outro lado, parece que o materialismo uma ideologia de massa, haja vista ter-se a noo de que compreende o mundo de forma grosseira, unicamente pelo trabalho braal. Fato que mesmo os trabalhadores mais humildes buscam o conhecimento, e pelo conhecimento tm poder. Sua fora de trabalho apenas traduz a fora desse conhecimento. Assim a mo-de-obra est incorporada a tcnica, e esta

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    tem grande importncia, segundo o que j foi falado na obra A Iniciativa. No se trata de uma explorao do capital pelo trabalho, mas pelo conhecimento. Uma vez que a base do trabalho a busca desse fator. A massa est ento instruda. E a revoluo se d pelo conhecimento, no apenas pelo trabalho bruto. Uma vez que a humanidade comeou a evoluir quando usou desse trabalho pela fora dos animais e das mquinas. Conhecendo a fora e energia do animal, o homem usou deste pelo seu conhecimento, economizando energia. Usando da fora das mquinas, o homem usou das mesmas para produzir mais. O mesmo se diga da informtica, e do conhecimento em-si. Uma vez que o ser humano evolui, o mesmo vai at a cincia, em fases que j transitaram por momento Mitolgico e Teolgico, como observou Augusto Comte. Porm ainda estamos envoltos do estgio filosfico, uma vez que o suprassumo do conhecimento. E a filosofia supera a cincia, porque a cincia das cincias. Para tanto, no h que se falar em um ser humano trabalhador

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    anencfalo, ou de um homnculo nas mos dos donos dos meios de produo, porque o prprio trabalhador se torna esse dono dos meios, mas dos meios de conhecimento, que levam a perfectibilizao da produo. o conhecimento que torna algo objetivo, no a matria. Na verdade, esta uma probabilidade, como j provou a mecnica quntica. Desta feita, o conhecimento que constri a realidade e interage com esta. Na medida em que as partculas no quase caticas, no h que se falar em um homem apenas sujeito a matria. Mesmo porque as coisas esto em constante transformao. Como j pensou Herclito, vemos que h um devir constante. Assim o conhecimento tambm est em constante mudana e transformao. Sem esse conhecimento, fica o homem em plena confuso. Esse caos ordenado exige uma compreenso cada vez maior. E na nossa era da informao, vemos que a rede mundial de computadores coloca uma panlogia a nossa disposio, sabemos que temos onde buscar algo, espcie de memria coletiva da

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    humanidade. Ento cada vez vemos menos matria nas coisas. Essa virtualizao coloca cada vez mais o imprio do conhecimento em seu devido lugar. Assim existem vrios nveis de conscincia do que entendemos por real. A matria essencial, mas no parece ser por si s a base de todo saber. Mesmo porque temos na lgica e na matemtica bens cada vez mais valorosos. Das suposies j fizemos viagens espaciais, descobrimos curas para doenas, vacinas e muitas coisas. Isso mostra que o ser humano leva em sua gnoseologia um contato com o mundo das ideias ou formas. O conhecimento como mostrou Minikovsky, ento um nmeno. Superamos os animais quando ficamos sujeitos ao mundo que construmos, mais do que o mundo em que vivemos. a iluso da separao que faz com que conheamos os objetos como exteriores, e nos afastemos da Grande Unidade. Para tanto, quando pensamos na matria, sabemos que sua interao se revela uma rede e um holismo que est em ns, em nossa vontade e conhecimento. A harmonia e equilbrio que leva a

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    maior produo est em se conhecer mais, e em se entender de modo a superar as angstias e barreiras da existncia. Vivemos assim alm das meras coisas materiais, porque temos talvez todas as coisas dentro de ns, em nossa alma. o esprito que leva ao mundo objetivo, e no este que leva ao esprito. O conhecimento algo que funda o ser humano. ele que transforma e revoluciona. Vemos com o crescimento do acesso ao ensino superior e uma diversidade de cursos e concursos, que cada vez mais se busca uma gnosiocracia. O Estado tem de assim em buscar uma meritocracia, levando o conhecimento e a cincia no foco de seus gestores. A sociedade tem de antes colocar o conhecimento como padro monetrio. Pois ele que vai levar ao progresso e a evoluo. Uma vez sendo esse mesmo conhecimento a nica propriedade privada. E isso que leva a maior produo e a superao daquelas classes e sistemas de pouco tom democrtico. Isso no se trata de uma igualdade forada e de uma destruio da individualidade. Pelo contrrio, se

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    deve estimular ao conhecimento de cada um, ao seu gnio. Para tanto, o Estado deve ter em seu poder pessoas de sabedoria, bem como levar em conta a produo gnoseolgica para a humanidade, antes de se vender a interesses monetrios. Tambm o monetrio tem de verificar sua real origem, que foi do conhecimento. Nada mais justo que se profissionalizar o filsofo, este com cargo de honra junto ao mesmo Estado, sem necessidade de qualquer outra atividade. A diviso dos poderes foi antes uma diviso de conhecimentos. Pois o conhecimento que leva ao poder, e no o poder que se sustenta por si mesmo. Seja o conhecimento popular (cmara baixa), seja o conhecimento elitizado (cmara alta), seja do conhecimento do executivo, legislativo ou judicirio, tudo se resume a conhecimento. O mesmo ocorre com a burguesia e o proletariado, uma vez que so apenas formas diferentes de conhecimento. No apenas o dono dos meios de produo, mas o dono dos meios de conhecimento. E esse saber uma busca, no uma mera aquisio herdada. No h

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    oligarquia do conhecimento, mas sim uma democracia. Tambm no h um comunismo, uma vez que a revoluo j est no conhecer, e no em qualquer fim da propriedade privada. Porque a propriedade privada o conhecimento, como j falei. Para tanto, o Estado deve se organizar a fim de garantir o conhecimento e sua busca a todos, em todos os nveis, mesmo at ps-doutorado ou a um estudo vitalcio e gratuito. O homem natural, mas a natureza implica tambm uma dimenso ideal e espiritual, mais ampla. Disso resulta da importncia da metafsica e da religio. Sabemos que grande parte das pessoas busca esse conhecimento da f. J pensadores como Anselmo e Agostinho de Hipona nos fizeram pensar do conhecimento dessa f. Tambm pensamos na f do conhecimento. A f do conhecimento nos leva a pensar naquele impulso desesperador que buscar a sada de um labirinto existencial, e sabemos que o simples material no pode muitas vezes garantir isso. No basta ser o dono dos meios de produo para se tornar

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    eternamente feliz e saudvel. Quando percebemos que h males incurveis, e que apenas um conhecimento superior os leva a superar, sabemos que nem tudo pode ser comprado. A f do conhecimento nos leva a pensar nesse conhecimento como um remdio universal. Porque o conhecimento leva a se perceber a origem dos males existenciais, e que isso no se resolve apenas com boa economia. Muitas vezes o dinheiro no pode comprar a cura de um mal, e sim o avano no conhecimento da medicina e teraputico que vai levar a esse desiderato. Agostinho percebeu isso e essa era uma arma contra os pagos. O simples sucesso material no era uma resposta plena a existncia. Assim, mesmo o humano sendo natural, resta que ele carrega consigo uma dimenso subconsciente e espiritual, que o leva a conhecimentos que superam a mera corporeidade. Isso no o faz anular a realidade material, mas a transforma com uma espcie de alquimia, onde o que era limitado, ganha um sentido maior. Esse sentido se mostra pelo

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    conhecimento, que fez o homem sair de sua condio selvagem e evoluir. A religiosidade ofereceu leis e uma tica. Para tanto, a filosofia tirou o essencial dessa tica. Sem essa f, e uma f no conhecimento, baseada em experincias anteriores de tribos e civilizaes, no se poderia viver em sociedade. O conhecimento foi assim uma chave para que fossem superados antigos abusos, bem como uma possibilidade de se ampliar a qualidade de vida. Isso no se tratou de consequncia de mera produo, ou abundncia em agricultura, mas de um conhecimento que levou at esse progresso. A f do conhecimento levou o homem a atravs de Deus, superar aquelas antigas muralhas das dificuldades materiais. H assim um outro sentido na vida, que meramente produzir e sobreviver. O materialista deseja dar pouco ou nenhum valor a religio e espiritualidade, mas no pode negar que esse foi talvez o primeiro conhecimento elaborado, e essencial a humanidade. Tambm no momento histrico do passado que se pode descartar, mas algo que

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    tambm evolui na compreenso, at hoje. Desse modo, a f no conhecimento e o conhecimento da f so ainda essenciais. O conhecimento de dominao aquele que est de uma certa forma hermtico. Assim ocorreu com as teorias de inconsciente de Freud, com o inconsciente coletivo de Jung e com a percepo extrassensorial de Rhine. Vemos assim que desde a prtica da hipnose, como era praticada j em medicina por Breuer, h a busca de um conhecimento que est oculto de ns mesmos. Um conhecimento invisvel e no pensado, ao menos de forma consciente. Para tanto, vemos em doutrinas como a do subconsciente, algo que nos mostra um conhecimento no limbo, que ao mesmo tempo conhecer e no-conhecer. Tal forma de conhecimento dificulta a manipulao, haja vista estar em faixas profundas da mente. No se trata de algo to epidrmico, mas mais algo energtico e sutil. Para tanto, na medida em que evoluirmos nas cincias da mente, teremos uma grande economia e maior produtividade. mais uma vez o

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    conhecimento que colabora com a tcnica, e esta que se torna economicamente vivel. Isso levar a uma maior qualidade de vida e produo, mesmo em um cio criativo. Pelo conhecimento da sublimao e do potencial humano, seja do uso de suas foras energticas, seja pelo treino mental, pode-se ter uma produo satisfatria. Com o advento da tecnologia e do superconhecimento que temos na rede mundial de computadores, cada vez mais o humano age de forma inconsciente e at subconsciente. Isso possibilita ter respostas intuitivas a problemas, e vencer crises econmicas ou industriais com essas habilidades, talvez pouco estudadas. O conhecimento de si mesmo e o uso de novas competncias advindas do saber filosfico, ou mesmo das doutrinas da mente que vm surgindo ao longo das dcadas, levar a aperfeioar a produo e a modos cada vez mais democrticos de distribuio de renda. Mesmo a gesto estatal ou at industrial ficar mais igualitria, e assim cada trabalhador poder participar das decises que antes eram exclusivas

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    do patro. O homem trabalha cada vez mais de forma automtica, e vive mais. Vivendo mais, leva a sua experincia de trabalho para cada vez mais pessoas, encontrando uma eficincia maior. Isso configura um planejamento estratgico que leva em conta as partes mais profundas da mente, seja com intuio, telepatia, premonio e tudo que est ao dispor desse colaborador, que pode assim possuir uma renda mais condizente com o seu conhecimento. O saber leva a uma outra face das coisas, e assim ele ser o principal mercado em um tempo futuro. A coletividade serve apenas ao bem individual, uma vez que uma unio de bens individuais. Cada um se relaciona assim com sua metanarrativa, de modo que por fim se levar em conta a metanarrativa do mais sbio. Para tanto, vemos que no h um grupo que apenas por possuir meios de produo domina, mas h aquele que se apropria da ideia central de uma era histrica. As ideias podem no produzir nada a no ser o prprio desenvolvimento do esprito. Ento, os homens no

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    so apenas condicionados pela produo, mas pela sua verdadeira natureza e vontade. E os homens tm histrias porque eles conhecem Histria. Cada vez vemos que existe uma histria individual, e que h uma coletiva, e que uma no anula a outra. Sabemos que a Histria a Histria do conhecimento. Chegamos assim no pice da Histria, por conhecermos em quantidade mais do que geraes e eras anteriores, at onde sabemos. O mundo virtual tirou a limitao de nosso conhecimento, e as limitaes especiais tambm no mais existem. Podem-se pesquisar arquivos digitalizados de qualquer local do mundo, acessar bibliotecas, acompanhar ao vivo rebelies, mesmo grande distncia. Cada vez mais entramos numa crtica da razo ciberntica. Nosso tempo ento gera algo que se pode arquivar eletronicamente, e deixar a posteridade. A tecnologia potencializou as coisas e trouxe de forma miniaturizada o que antes era da proporo de um estdio. Se realiza clculos complexssimos com uma velocidade arrepiante. Vemos que o conhecimento colocou a produo em

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    outro patamar, e que ela que serviu de base a economia. No a mquina, mas sim uma ideia que ganha cada vez mais valor. E isso se deve levar em conta uma era histrica, e uma histria que cada vez mais compreendida de forma ativa, no como mero expectador. A manipulao da natureza tanta que dentre logo superaremos muitos males, e teremos uma expectativa de vida sobremaneira ampliada. E a histria tende a se repetir em potencialidade, e d suas lies a cada tempo, o que pode ser usado de forma sbia, a fim de se utilizar das coisas seu favor. Vemos pelo exposto que a gnosiologia suficiente, que autossuficiente, uma vez que no depende de poder ou dinheiro para se sustentar, mas que o conhecimento uma busca existencial, e ela a pedra de fundamento das coisas. No se pode arquitetar algo sem ideias, e nem em uma igualdade absoluta ou fim de propriedade garantir segurana. As pessoas possuem o seu conhecimento, e esse que deve ser seu valor, sua moeda de troca. Cada vez mais vemos que esse

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    conhecimento buscado por mais pessoas, e que elas podem por ele conquistar mais bens e propriedades, e que isso se conquista com muito trabalho e cerebralidade. Tambm percebemos que a indstria, ou mesmo antes o agronegcio, se aperfeioaram pelo conhecimento, e que esse que ampliou a sua eficincia econmica. Com a era da informao notamos por fim que cada vez mais temos uma panlogia, um conhecimento de tudo, e sem reservas ou excluses, uma vez que no desperdiamos experincias e nem aprendizados. Conquistamos assim cada vez mais competncias para viver melhor e mais plenamente, numa existncia digna, valorizando cada um, em sua individualidade e gnio.

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    O capital constanteO capital constanteO capital constanteO capital constante

    Clverson Israel Minikovsky

    O que Marx chama de capital constante absolutamente inconstante e mutante. O que Marx v como empecilho realizao de mais-valia na sua pureza eu vejo como fonte de mais-valia. Porque todo o capital varivel inclusive a fora de trabalho, mas no somente ela. Se um ramo de produo funciona como reproduo simples ento a fora de trabalho capital constante. O que Marx chama de capital constante a mediao necessria que se traduz nos meios de produo o que inclui a natureza, os instrumentos de produo, a matria-prima e os materiais acessrios. O capital inteligente, ou seja, aquela massa de matria que encarna o grau de desenvolvimento de uma civilizao o determinante na criao de valor. O trabalho um fenmeno fsico mensurvel em joules. E o trabalho no uma prerrogativa

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    humana. assim que uma retroescavadeira gigante em poucas horas faz o trabalho que levaria meses para ser feito por milhares de homens com p e picareta. O conhecimento faz o operador da retroescavadeira produzir por milhares. E por isso mesmo a retroescavadeira no pode ser vista como bice realizao de mais-valia, mas em primeiro lugar como a promotora da criao de riqueza. A riqueza transformao. Quanto mais transformao, mais riqueza. Muito trabalho com pouca transformao valor escasso, pouco trabalho humano (compensado pela facilidade da tcnica) e muita transformao sinnimo de muita riqueza. O conhecimento agente de transformao. No h economia sem pensamento produtivo. Pensar causar. A formao para o trabalho o carro-chefe do desenvolvimento de um pas. Um pas pobre pode alcanar e ultrapassar um pas rico se o primeiro investir em educao e o segundo sucatear escolas e universidades. Capitalismo feito de conhecimento. E conhecimento algo muito amplo. O conhecimento

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    informao, mas mais que isto, uma plataforma que produz cidado e ser humano. Ele traz consigo uma frequncia mental, uma mentalidade. assim que a Revoluo Industrial inglesa deve ser colocada como momento necessrio na sequncia Renascena, Reforma Protestante e Revoluo Francesa. Quando Marx via comunidades vivendo em economia no capitalista dizia ele que faltava a base material para o capitalismo. O que ele no percebia que a base material s o reflexo da base intelectual. Em um pas superequipado com pensamento pobre tudo vai bancarrota, mas num pas com mentes operantes criar as condies sobre as quais o capital opera questo de dois toques. A emerso da Alemanha e do Japo depois da Segunda Grande Guerra so a prova do quo rpido um pas pode reerguer-se com empenho, trabalho e inteleco. Marx vislumbrou em primeiro lugar o direito do trabalhador. Mas nos pases em que se ama mais o trabalho e a responsabilidade mais do que o direito laboral a tendncia a alta dos salrios, inclusive daqueles menos

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    qualificados. Muito errada a teoria de Marx sobre o salrio. O que manda no salrio so duas coisas: a lei da oferta e da procura e o marco legal. De formas que nos contratos clandestinos o que pago a um trabalhador individualmente insuficiente para a sua manuteno e dos seus dependentes. O que manda no valor do salrio de um trabalhador a sua raridade aliada ao seu preparo intelectual. Pois ainda que um saber seja estratgico se h um excesso que a ele se dedica ele ter pouco valor. A anlise de Weber sobre a influncia de algo ideal como a religio sobre a expanso ou consolidao do sistema capitalista a grande prova de que qualquer sistema de ideias pode gera riqueza desde que seja comprometedor ou impregnante como o discurso religioso. O prprio milagre grego do sculo VI a. C. resultado de uma espcie de iluminismo da Antiguidade. A sociedade grega torna-se prspera por romper com a mitologia. Da mesma forma que sculos depois a sociedade europeia iria atingir a maturidade por romper de alguma forma com o catolicismo. Confiar

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    mais no prprio intelecto do que na autoridade religiosa gera esprito de independncia. Condio necessria para desencadear iniciativa privada e empreendedorismo. Marx disse que no se deve defender liberdade religiosa, mas que o homem precisa se libertar da religio. No procede o argumento. O homem um ser essencialmente religioso, ainda que sua religio seja o cientificismo, o marxismo ou o ceticismo. A liberdade religiosa apenas uma parcela da liberdade de pensamento e expresso. A teoria econmica de Marx uma fraude. Ela absolutamente parcial. Aprioristicamente seleciona a fora de trabalho do trabalhador como fonte do valor e pressupe aquilo que deveria demonstrar. O valor emerge da totalidade do conjunto e no faculdade exclusiva de nenhum elemento da cadeia produtiva ainda que ela absolutamente inexista sem o capital humano. Os pilares da economia so natureza, trabalho, capital e inteligncia. Se faltar qualquer um dos quatro o lucro torna-se irrealizvel. Ou, como quer Marx, a mais-valia torna-se irrealizvel. O demrito

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    do marxismo tirar do ser humano sua responsabilidade. Sartre mil vezes mais coerente do que Marx. Porque para Sartre, se Deus no existe, tudo depende de ns. Para Marx, no, a culpa no nem dos capitalistas, mas das estruturas. Sataniza-se sabe Deus o qu! O marxismo uma teologia sem satans. Todos e ningum culpado. Enquanto que no cristianismo o justo morre na cruz o marxismo prega na cruz seu inimigo, mau e perverso, que uma entelquia. Marx no se d conta, mesmo sendo genuinamente judeu, de que todos os dias de nossa vida h um exrcito em nossa retaguarda e o Mar Vermelho diante de ns. O que fazer? Revoluo? Poltica? Murmurar? Nada disso, apenas marchar. Mas Marx quer o cu aqui e agora, ele no reconhece que o deserto inevitvel. Numa coisa Marx est certo: na ideia de beligerncia. Mas ele luta contra o inimigo errado. Temos de lutar contra ns mesmos, contra nossa natureza carregada de instintos. O inimigo no est fora, mas dentro de ns. A vida uma luta. Mas a prpria dialtica que ensina que

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    a anttese o no eu que em ltima instncia saiu do prprio eu em si. Temos como grande desafio a aceitao de ns mesmos. No fcil para o homem aceitar sua natureza decada. Sendo limitados gostaramos de ser ilimitados. O que escrevo no aceito pelos filsofos da linguagem, pois eu estaria trabalhando com uma linguagem enfeitiada. Mas um padro de linguagem s pode ser abalado por um discurso que sintonize no mesmo dial. Os lutadores precisam lutar com paridade de armas. O conceito de mais-valia to ruim quanto o de inconsciente. Mais-valia inconsciente foram diablicas expresses que cunhamos para poder em cima delas erigir nossos pretextos. Quando Freud fala em inconsciente est apenas constatando que a humanidade de seu tempo estava carente de conhecimento. Enfim, Freud fala do no-conhecimento. E ignorncia se combate com conhecimento. Ests neurtico? Leia um livro, pesquise, escreva, esforce-se para compreender. O impotente que procura um psicanalista como algum que entrega o relgio

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    do seu pulso a um guru e sempre pergunte a ele que horas so. Faz sentido? No, no faz sentido algum. Um autor que une catolicismo, marxismo e psicanlise tem tudo para ser um fenmeno editorial. Longe de mim vender-me em troca do vil metal. O filsofo tem compromisso com a verdade e no com a boa vizinhana. O que acontecer a este escrito? Ser lanado crtica roedora dos ratos? Sim, isto mesmo. Porque o Brasil uma ptria de vendidos. Valoriza o estrangeiro e a prata da casa desprezada. S num terra muito medocre que tanto se insiste na famigerada humildade cientfica. V para os diabos a tal humildade. Eu quero ser um pensador e no um monge. Porque os alemes podem escrever obras com ttulos pomposos como O Capital ou O Anticristo e ns precisamos ser sempre os humildezinhos, os infantis, os que repetem mas no pensam nada por si mesmos? O Brasil e continuar sendo uma nao de crianas enquanto no alcanar a maturidade do pensamento filosfico. A caracterstica do pensamento filosfico que

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    embora ele se insira numa tradio, original e pioneiro. Ele abarca a totalidade e exauriente. Ele no pede licena, no se curva aos poderosos, tem averso humildade e a nada se incardina a no ser sua prpria ideologia. O que a civilizao grega fez h 2.400 anos o Brasil, passados quinhentos anos, no conseguiu fazer. At quando? S chegaremos maturidade filosfica quando o letrado for a regra e o analfabeto funcional a exceo. a procura que gera a oferta. Se o leitor brasileiro buscasse um pensamento filosfico brasileiro sobrariam filsofos em todos os rinces. Mas a decadncia da conversao, da audio e da viso tem prevalecido sobre o discurso solene. Voltemos famigerada humildade cientfica. Cientificamente falando a palavra humildade uma palavra vazia de sentido e absolutamente intil. Ou bem se um cientista ou bem se um humilde. No possvel viver ambas as dimenses ao mesmo tempo. Eu optei por ser cientista. O marxismo a grande teoria que invalida a si mesmo. Como pode pretender o marxismo ser uma

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    crtica sociedade capitalista se a superestrutura reflexo e confirmao da infraestrutura? O que Marx pe em movimento antpoda da sua epistemologia. O marxismo uma contradio performativa. Ele diz exatamente sobre aquilo de que no se pode falar segundo ele mesmo. Para Marx o pensamento resultado, mas ao fazer esta afirmao pose de figuro e de livre-pensador. Para Marx elaborar sua viso de mundo ele escreve como se estivesse em outro planeta. como se ele dissesse que a viso dele totalizante, mas ele prprio fica de fora de sua viso de mundo. O que seria Marx? Um burgus? Um proletrio? Nada disso, ele foi um guru, um ser avesso s estruturas capitalistas. Marx foi uma mosca branca quando sua teoria dizia que todas as moscas deveriam ser pretas. Como pensar a um s tempo em dialtica e sociedade comunista duradoura? como digo, o marxismo autofgico. Como falar em homem total e negar a religio? O marxismo muito mais alienante do que o capitalismo. Porque o marxismo faz o homem se sentir explorado e mal consigo

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    mesmo. A conscincia de classe fator de rebaixamento da autoestima. Ningum alienado at descobrir-se nessa situao. Assim como no havia nudez no paraso, no obstante a ausncia de indumentria, antes do pecado. O marxismo uma mentira que se apresenta como verdade. Mais-valia realidade, mas o processo no ocorre tal como foi teorizado de inteligncia do que do trabalho. Alis, a evoluo do homem consiste cada vez mais nisso: poupar o corpo e cobrar do intelecto. Marx como a parteira que est com o beb recm-nascido nas mos e s fala da morte do ancio que aguarda aquele que um dia ficar alquebrado pelos muitos anos. Se a Idade Mdia durou mil anos porque o capitalismo iria naufragar em poucas dcadas? A fora de trabalho um elemento da cadeia produtiva. certo que se trata de um elemento especial na medida em que dotado de sentimento, afeto, inteligncia, desejo, vontade, famlia, paradoxos existenciais, aspiraes filosficas e espirituais. Justamente por esse elemento ser tudo isso merece tratamento digno e

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    diferenciado. Mas o ser humano evolui quando sobre seus ombros posta responsabilidade no quando brindado com paternalismo. O nvel de explorao da sociedade inglesa da poca de Marx sobre a classe trabalhadora injustificvel. Mas isto pgina virada. Hoje as mais altas taxas de explorao sobre a fora de trabalho ocorrem justamente nos pases que se dizem socialistas. Se eu no estivesse numa democracia capitalista dificilmente poderia escrever estas pginas ou aprimorar meu pensamento de modo que venho fazendo. Marx diz que as ideias dominantes de uma determinada poca so as ideias da respectiva classe dominante. Em certos tempos e lugares o marxismo foi o pensamento dominante, mas o capesinato e o operariado nunca foram a classe dominante. O socialismo sempre foi um movimento de elite, de intelectuais. As massas so incapazes de se autorregular, de se auto-organizar e de autoarticular-se. Marx transforma a Histria numa engrenagem que impreterivelmente caminha para a sociedade sem classes. Mas o que se viu em todo

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    o mundo foi o socialismo implantar-se custa de muita militncia e de muito doutrinamento. Em nenhum lugar do planeta surgiu o socialismo de forma espontnea. Alis, se o socialismo realmente fosse um fenmeno social espontneo Marx e Engels nunca teriam escrito nO Manifesto do Partido Comunista proletrios de todos os pases, uni-vos!. O capitalismo de O Capital o capitalismo na sua pureza. Mas capitalismo no mundo emprico nunca puro, mas sempre mesclado com outros elementos. E dentre estes elementos eu destacaria o conhecimento como o primordial. O capitalismo filho do cientificismo. No parece estar prximo o fim do paradigma cientificista. A cincia um fenmeno gnosiolgico que veio para ficar. O que ir acontecer ser mudana dentro do bojo da prpria cincia. Isto significa que continuaremos sendo capitalistas, mas o que ir ocorrer mudana dentro do prprio capitalismo. Cincia e capitalismo so racionalizao e racionamento, respectivamente, de experincia e de recursos materiais. So faces de

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    uma mesma moeda. Iluminismo aplicado ao estudo cincia e Iluminismo aplicado atividade produtiva capitalismo. O socialismo filho do Iluminismo conquanto no passe de um capitalismo de Estado. Assim como os gregos eram filsofos e o cristianismo forou um retrocesso religio proporcionando uma sntese filosfico-teolgica, assim tambm somos servos da cincia e haver um retrocesso filosofia e est por vir uma sntese cientfico-filosfica. Marx e Engels comparam a propalao do socialismo com a expanso do cristianismo. Ora, ento eles esto admitindo que discurso socialista discurso religioso. Alm do mais, no ano 100 d. C. j se dizia que o cristianismo estava descaracterizado. Ora, isto j era uma prvia do lixo que o socialismo iria se tornar nas mos de terrveis ditadores. O marxismo se tornou realidade social, instncia de poder, plataforma de civilizao, mas ele nasce em primeiro lugar dentro do crebro e do gabinete do senhor Marx. O socialismo cientfico cincia. Sim, ainda que cincia de m qualidade e hoje completamente

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    obsoleta. O materialismo histrico uma teoria cientfica. E neste sentido o materialismo histrico solapa a si mesmo. Porque ele diz que tudo depende do modo como ganhamos a vida, mas esta prpria concepo s vem lume na cabea do cientista social. Marx e Engels utilizaram a noosfera para dizer que ela no era importante. como eu escrever um tratado em lngua inglesa para dizer que a lngua inglesa algo desimportante. Ou ento escrever um compndio acerca da inutilidade da grafia. Nesta aporia metem-se Marx e Engels. O mais incrvel de tudo que a teoria da pouca valia do conhecimento redundou em uma srie de revolues em torno do mundo. As teorias que mais movem o mundo so as mais contraditrias. assim que o cristianismo se expande ordenando amor ao inimigo e o budismo dizendo que a realidade uma iluso. O ser humano quer e sonha com um conhecimento profundo da realidade. Ele no busca algo superficial, mas uma metanarrativa. isto , um conjunto de representaes de mundo que

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    ultrapasse a pelcula durssima do fenmeno tal como se exibe nos lugares-comuns. E o marxismo, a seu modo, preenche esta lacuna. Quem no tem religio espiritual tem religio cvica e o marxismo est dentro disso. No processo de desencantamento do mundo a prpria religio, para subsistir, precisa se transformar em cincia. E o kardecismo e o positivismo esto dentro disso. Ou a religio torna-se cincia ou a cincia torna-se religio. O judasmo e o cristianismo so as mais honestas das religies: elas deixam claro que sem o salto da f no se chega a lugar nenhum. Mas com as novas religies e com o marxismo tudo muda: os princpios basilares das doutrinas so tomados como postulados cientficos autoevidentes, o que no passa de um artifcio que precisa ser desmascarado. A cincia est mais na forma do que nos fundamentos. Porque quando o assunto fundamento todos os saberes, sejam teolgicos, filosficos ou cientficos esto na areia movedia. Tudo o que sabemos aprendemos de trs para frente. Nossas mestras so as

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    consequncias. No conseguimos conhecer algo pelo comeo at chegar no final. Comeamos a perceber o erro ou o acerto quando j tarde. Da a importncia de se considerar a experincia alheia antes que nos arrisquemos. Marx conseguiu ver o lado ruim do capitalismo, mas jamais vislumbrou que o remdio recomendado fosse pior do que a doena. O marxista algum que se coloca no ponto de vista de Marx. Mas no a humanidade que tem de se dobrar ao gnio, pelo contrrio, o gnio um servial da humanidade. Por falar nisso, o erro comum e genrico de todo filsofo, e eu mesmo estou dentro disso, tentar trazer o outro para o meu ponto de vista quando a receita do sucesso recomenda o contrrio: entrar no ponto de vista do outro e com ele concordar, ajudando-o a atingir suas metas e no as metas prprias. Qual a misso do socialismo? Ser governo ou construir uma sociedade justa? Porque se o critrio for a justia social melhor entregar a administrao da coisa pblica aos capitalistas civilizados. Digo civilizados porque devem pensar tambm no povo e

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    no s no interesse de suas empresas. No diria socialistas civilizados porque se se trata de socialista, automaticamente se trata de algo que no funciona direito. Precisamos de uma poltica de centro. E se o centro pouco representado isto se deve em grande medida por faltar uma teoria desenvolvida focada no centro. O centro a classe dos que mais pensam, a classe mdia. Mas a classe mdia rotariana, ela altamente profissional, mas v a si mesma como agente de transformao social calcado no filantropismo. Como no tem as privaes da classe trabalhadora e nem paixo por dominar como a classe alta limita-se a ser gestora do Municpio. No fcil ser terico da classe mdia. Porque os seus desafios so mdios. S uma situao de extremismo d conta de produzir uma teoria radical. neste sentido que de certa forma o quarto estado tem sua base terica mais consistente do que a burguesia. A teoria o vapor da panela de presso. Se no h presso interna no h extruso terica. A Inglaterra da Revoluo Industrial pode ser

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    comparada a uma grande cmara de compresso. Com efeito, foi um perodo de produo terica sem antecedentes. Hoje se produz mais teoria do que no sculo XIX, mas o que escrevemos hoje ainda em grande medida reflexo dos primrdios do capitalismo e dos impactos mundiais causados pelas Duas Grandes Guerras. H gente em cada esquina pensando, refletindo, meditando e escrevendo livros. E o grande problema o desconhecimento recproco. As editoras referenciam poucos autores e tudo gira em torno deles. Mesmo os autores denominados alternativos estudam, esquadrinham e decompem os clssicos. No se consegue mudar o eixo da discusso. Penso que no mundo da noosfera deveria haver uma troca entre o que pensado no centro e o que pensado na periferia. Os bastidores da histria so muito mais os silenciadores de muitas vozes do que o microfone destes ou daqueles. O homem mais revolucionrio do mundo padece vida e morte no anonimato se no for calado por fatores extracognitivos. Esta

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    uma das grandes barreiras relativas da produo de conhecimento. Mas de acordo com Hegel, Marx e Engels existe a linha nodal. Dois ou trs traos podem passar desapercebidos. Mas a luz no se coloca debaixo do alqueire. De que valeria o sal se no mais salgasse? Assim a teoria cujo condo instigar o ser humano reflexo. O gnosiologismo histrico, como toda outra grande teoria, crucifica a si mesmo pelo paradoxo em que se mete. Ele coerente por ser uma teoria que valoriza a teoria, por ser um conhecimento que valoriza o conhecimento, mas o conhecimento quase sempre trata de outra coisa que no o conhecimento. Nada impede que haja o conhecimento pelo conhecimento. Mas em funo desta inaplicabilidade prtica imediata poucas pessoas nutririam interesse por tal abstrao, razo pela qual ela deve ser matria de estudo apenas para aqueles que esto nos nveis mais elevados. O gnosiologismo histrico tem os mesmos mritos e os mesmos defeitos de todos os outros sistemas e correntes filosficos. O mrito do gnosiologismo

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    histrico fazer o que ningum vinha dando conta de fazer: captar o esprito do momento. Ao contrrio do que se costuma ensinar nas escolas, no mundo antigo a escrita era usada por pessoas comuns, para contratos, cartas e recados e no era prerrogativa exclusiva de sacerdotes. Posteriormente, com o arruinamento das estruturas sociais que surge a teocracia e, esta sim, iria monopolizar o conhecimento. O conhecimento, como a economia que tem crescimento, expanso, euforia, crise e estagnao, tambm passa por reveses. A noosfera, de quando em vez, d marcha r, ainda que se trate sempre de fenmeno isolado e no generalizado. A queda do Imprio Romano foi a queda do conhecimento militar, a queda do conhecimento burocrtico, a queda do conhecimento jurdico e filosfico. Ela mostra que todo processo civilizatrio uma troca. No fcil inculcar latinidade no brbaro. A velocidade exagerada da expanso pode pr a perder toda a energia do conjunto comprometendo o mago do processo civilizatrio que no caso em tela,

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    geograficamente falando, era Roma. A sociedade medieval esta miscelnea de germanidade e romanismo que teve como metanarrativa o cristianismo, maximamente importante no processo de acomodao social e civilizatrio. Toda noosfera - e isto vale para a religio e para a cincia tem a natureza de revolucionar continuamente a vida das comunidades e de fazer a poeira assentar. mais ou menos como agitar uma caixa repleta de detritos leves que quando disposta em repouso faz todas as partculas voltarem exatamente para onde estavam. Marx o Lutero da economia. Ele mostra que assim como Roma perde o poder pelo abuso do poder, o mesmo acontece com os dirigentes do capitalismo quando se prevalecem de seus superpoderes. Nisto, exatamente e somente nisto o marxismo vlido: como modo de mostrar que as coisas podem ser diferentes. Que o mximo exerccio do poder gera seu antnimo. O Brasil est passando por um momento de profunda contradio social. Ao mesmo tempo em que diversas polticas sociais esto sendo implantadas

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    h um problema que no se resolve e ainda cresce. o problema do agigantamento do Estado e do seu custo. A despesa estatal cresce mais rapidamente do que o Produto Interno Bruto. assim que este modelo faz com que nos Estados Unidos da Amrica um produto custe um tero do valor real pelo qual vendido no Brasil alm de o cidado ianque ter um salrio muito melhor do que o brasileiro. Esta contradio mostra duas coisas: o inchamento da mquina pblica e a corrupo que consome divisas da nao. se for para mudar o estado de coisas pela fora do voto precisaremos melhorar em muito a nossa educao. Numa poca em que para rodar 5.000 jornais a off set no necessita mais do que 14 minutos somos autorizados, no mnimo, a deduzir duas coisas: em primeiro lugar que as mquinas cada vez mais faro nosso trabalho e que a fora de trabalho ser cada vez mais relativizada e, em segundo lugar, que nunca antes de ns a humanidade conseguiu levar to rpido e a tantas pessoas cultura, informao, ideias, valores, ideologias e todo modo

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    de pensar. Muito conhecimento e pouca fora braal, este o nosso tempo. Foi-se o tempo da mo-de-obra. Vivemos a poca da cabea-de-obra. E isto to real que, por incrvel que parea falta mo-de-obra. uma tendncia que cria seu reverso. Todos foram para os bancos universitrios e faltam carpinteiros, pedreiros, encanadores e eletricistas. Quando h pouco tempo faltava quem fizesse manuteno de computadores uma multido foi para esta rea. E hoje so poucos os prestadores de servios que conseguem faturar alta com manuteno de equipamentos de informtica. No lugar da manuteno prevalece o ramo da compra e venda. Pois quando a mquina fica avariada prefere-se comprar uma nova do que consertar a velha. At porque as tecnologias da informao so as que mais rapidamente ficam sucateadas. Como diria Max Weber, o caminho do homem de conhecimento ser superado e ficar para trs. O conhecimento irnico. Desbanca as autoridades, volta-se contra si mesmo. Nada poupa, nada perdoa, tudo revoluciona e tudo

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    transforma. O conhecimento gneo, dinmico. Ele no se cansa de se autorreciclar. H s uma maneira de conferir durabilidade ao conhecimento: quando ele se apega s instituies. As instituies so essencialmente conservadoras. curioso que uma teoria revolucionria como o socialismo cientfico hoje seja alvo de cuidados conservativos. Existem vrios institutos no mundo que tm como objetivo a conservao e reproduo do marxismo. E muitos deles ficam em pases capitalistas. O marxismo apregoou o fim do capitalismo, mas depende de personalidades jurdicas burguesas para resistir ao tempo. Que piada, que paradoxo. O marxismo se tornou exatamente isto: um credo, uma religio, uma postura filosfica equiparvel ao tomismo ou ao personalismo. As premissas do marxismo so to indemonstrveis quanto as premissas de qualquer outra corrente filosfica ou quanto as premissas da pior e mais absolutista religio. Marxismo credo com aparncia de cincia. O marxismo, assim como a filosofia, nasce do espanto. Mas enquanto os gregos se

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    espantavam com as contradies do mundo fsico, Marx se espanta com as contradies do mundo social. E Marx erra na receita justamente porque erra na abordagem. Marx foi tendencioso e parcial. Ele finge ser refm de um mtodo lhano e neutro, mas uma leitura mais profunda mostra que tudo o que ele escreve feito de trs para frente. Desde a primeira linha de O Capital ele j sabia a que concluses chegaria. J disseram isto e eu endosso: as melhores abordagens marxistas so abordagens de fracassos. Mas apurar o erro ou sua causa coisa grande. Porm, o que se deseja chegar frmula do sucesso. Dizem os marxistas que, e Saramago est dentro disso, o marxismo decepciona porque promete muita coisa e acaba no cumprindo enquanto que o capitalismo simplesmente diz: o mundo est a, vire-se! Ora, por que que algum tem de prometer alguma coisa para mim? Os Estados capitalistas so os que menos prometem e mais fazem. O nosso pas s poder fazer alguma coisa por ns se antes disso ns fizermos alguma coisa por ele. O

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    marxismo ensina o poder que o conhecimento tem e o quanto arriscado misturar cincia (economia) com ideologia (justia social). O corao do homem tem razes que a prpria razo desconhece. Ele tende irracionalmente para este ou para aquele lado. E a teoria uma ideia pronta, uma noo preconcebida. As pessoas vestem o existencialismo, o marxismo ou a seicho-no-ie como aquele casaco que encontra na loja e por acaso d certo com seu manequim. E o sujeito fica ideologicamente fantasiado com aquele discurso at que se lhe ofeream uma pea mais atrativa. E ns brasileiros que defendemos Marx somos como aqueles indigentes que recebem das instituies filantrpicas blusas e casacos vindos da Alemanha porque seus donos os iriam jogar fora. Exatamente isto, no tem o que pr ou tirar. O problema no a produo, o problema a propriedade privada do conhecimento. O marxismo como aquele faminto que olha para um compndio de astronomia e l gastronomia. No ocorre a Marx que o problema no est no capitalismo, mas num tipo de

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    capitalismo. Marx saiu fugido do curso de direito. Que pena! Porque se ele tivesse perseverado descobriria que o direito um ramo autnomo e tem poder de domesticar as relaes econmicas. muito melhor viver numa sociedade capitalista servida de uma boa legislao trabalhista a viver num pas comunista em que o Juiz Trabalhista capacho do Estado conquanto juiz da causa e demandante so ambos dependentes do Estado. O Judicirio dos pases comunistas no tem independncia nenhuma em relao ao Executivo. No comunismo se forma um bloco monoltico Estado-Partido Comunista-Conhecimento-Cultura-Mdia-Exrcito. Exatamente o mesmo que ocorre no capitalismo, mas no comunismo a ditadura mais forte. No existe sistema social sem controle social. Todo sistema de ideias, alis, tem como meta controlar pessoas. Mas o nvel de controle das pessoas em pases comunistas extremo, verdadeiramente policialesco. A sociedade aberta, para usar uma expresso de Popper, fomenta mais a produo de conhecimento. Porque o

  • 70

    conhecimento e seu processo de produo requerem liberdade e at uma certa anarquia para se consolidarem. Nada pode tolher a espontaneidade da empiria. O mais belo do conhecimento que ele sempre fica como legado. Acabar com o direito hereditrio no ir contra o capitalismo apenas, ir contra a prpria natureza. A espcie faz continuamente este trabalho de passar a informao gentica aos descendentes, inclusive aquelas agregadas pela variabilidade ocorrida pela fuso cromossmica. Ter de comear tudo do zero a cada gerao desperdcio de tudo: de economia, de inteligncia, de experincia, de vivncia. A lei da vida esse heredes. Como duro a um homem pr-se no mundo sem um empurro dos antecessores. S mesmo o terrorismo marxista para banir Confcio da China. Mas ele est voltando com fora total. Porque Confcio sempre foi e sempre ser mais do que Marx e quejandos. O marxismo pode ser encarado como omisso dos cristos. Porque se cristianismo sempre tivssemos vivido jamais haveria espao

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    para o marxismo. O marxismo s recebe oias em um mundo decadente e decado. O marxismo prospera onde o conhecimento apenas meio (de obter lucro) e no um fim em si mesmo. Onde se desenvolve o conhecimento livremente no sobra espao para dio entre irmos. O brasileiro pobre e o brasileiro rico tm mais coisas em comum do que imaginam. Mais que mescla de sangue portugus, afro e tupi, mais que o belo idioma portugus, mais que o mesmo querido torro. como se estivssemos dentro da mesma nave. Se a nava se desgovernar no esta ou aquela classe, mas todos ns estaremos perdidos. Quem liderana deve saber que no h razo para sufocar novas lideranas e quem est entrando na elite agora deve referendar os veteranos. de grande valia a poltica afirmativa em favor da mulher, do negro, do ndio, do drogado, da prostituta, do homossexual, mas nossa sociedade no se divide em custas castas como na ndia, a seriao social essencialmente econmica. No h problema que hajam ricos, o que no pode haver so os

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    miserveis. Acertada a filosofia do PT nacional pas rico pas sem pobreza. No temos que expropriar os ricos, temos sim, que melhorar as condies de vida dos empobrecidos, excludos e desvalidos. O Brasil, no fosse o inchamento da mquina pblica e a corrupo, seria o melhor dos mundos possveis: economia capitalista e Estado promotor de polticas inclusivas para contrabalanar. Muitos lderes mundiais conquistaram as massas em prol de muitas causas. E quase sempre um item da pauta a educao. Mas para ns a educao e o conhecimento no so lados possveis, pelo contrrio, eles abarcam todos os lados. Pas que investe em educao resolve o problema educacional e todos os demais problemas. A escola forma o engenheiro, o bom poltico, o economista, o empresrio, o tcnico e toda mo-de-obra qualificada e toda a conscincia cvica e cidad. A educao o comeo, o meio e o fim. As pessoas instrudas e lidas so mais responsveis, mais pontuais, mais engajadas e mais participativas. A escola forma agentes de

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    mudana. O Brasil um pas que no cresce mais por falta de competncia. Precisamos nos capacitar, precisamos adquirir habilidades. O conhecimento to mais importante do que uma ideologia que, em se encontrando a cura de determinada doena, possvel promover o bem estar de um grande nmero de pessoas, o que supera a poltica pblica de natureza vria. assim que cito a insuficincia renal, o infarto, o diabetes e o cncer. Banidas estas doenas a expectativa de vida do ser humano seria superior a cem anos. E tudo isso depende de pesquisa e estudo. O mximo que o governo pode e deve fazer, que tambm o mnimo, fomentar a pesquisa. O conhecimento deve ter como um de seus papis, uma vez que o colocamos como base de tudo, organizar e zelar pela funcionalidade social. E isto nos leva reflexo de que o preso comum pior inimigo da sociedade do que o preso poltico. E geralmente as coisas so tomadas ao contrrio. Pune-se com a morte o preso poltico e se complacente com o preso comum. Pena de morte aos irrecuperveis! O

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    preso poltico deve ter direito a um processo penal mais lento, melhor instrudo, exaurientemente assegurados o contraditrio e a ampla defesa. O preso irrecupervel deve ter um processo mais clere e que assegure apenas o mnimo suficiente a quem sabidamente culpado. Crimes culposos devem ter a marcha chamada normal. To importante quanto promover a mudana fazer isto de uma maneira confortvel e no traumtica. altamente discutvel o emprego da violncia no processo de transformao social. Por exemplo, se o problema o preo do combustvel, o que resolve quebrar de lojas e agncias bancrias ou incendiar nibus? No h nexo etiolgico entre uma coisa e outra. O que precisamos fazer e que efetivamente no fazemos fiscalizar os que elegemos. E caso a vitria nas urnas privilegie o nosso rival partidrio isto no nos tira o direito legtimo de cobrar dele diligncia na coisa pblica. Em tempos de grande mdia como a em que vivemos no se justifica bastidorismo da atuao de parlamentares e executivos. O problema vai desde o financiamento

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    de campanhas que torna nossos polticos capachos dos ricos, e com eles toda a nao, at a atuao aps a investidura e empoderamento. Somos uma nao de leigos. Somos vtimas de um leiguismo que inquina at os patamares mais altos da formao acadmica. De maneira tal que professor universitrio bem sucedido o carismtico e brincalho e no aquele que domina o contedo. E o populismo que se vive na academia, ou melhor, at mesmo na academia se alastra a todos os ambientes. Esse lado excessivamente afetivo do brasileiro traduz a influncia afro no Brasil, predominantemente lmbica. Recordo apenas que as culturas mais bem sucedidas so neocorticais e no lmbicas. Bem acertada a teoria de Daniel Goleman de acordo com a qual a inteligncia e a emoo so dois fenmenos inseparveis e trabalham sempre e necessariamente juntas. O ensino, ainda que preconize o lado cognitivo do ser humano, prepara no s para a execuo de tarefas, mas tambm para o modo como tratamos as outras pessoas. por isso que a revoluo do

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    conhecimento abarca a revoluo da emoo. O marxismo falha tambm nisso: ele defende a estimulao de vrias emoes altamente negativas: a cobia, a inveja, o dio, o revanchismo, o cime, o complexo de inferioridade, a inimizade. No entende Marx que semeando este tipo de semente a lavoura se perde tanto para A quanto para B. nisso Hitler estava certo! Em alguma coisa ele defendia que o operrio alemo deveria fazer ginstica, primar pela sade e pela higiene e deveria andar bem vestido e asseado. No andando maltrapilho que algum ir conseguir alguma coisa. Quando a pessoa ajuda a si mesma fica mais fcil ajud-la. Nada pior do que tentar ajudar a quem no ajuda a si mesmo e nem quer ser ajudado. O socialismo peca tambm nisto. Trata os homens igualmente. um erro distribuir tratamento igualitrio. Quando o sujeito mais aplicado e mais organizado temos maiores razes para trat-lo de melhor forma. O problema do capitalista quando seu sistema meritocrtico no permite que o marginal adentre no centro.

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    Entendemos que mesmo que uma pessoa ou grupo de pessoas tenham sido relapsas a vida inteira, elas tm o direito de dar uma guinada na vida e viver como vivem os organizados. No h mal em haver classes sociais. O mal quando elas se estratificam, se sedimentam e perdem a flexibilidade de maneira que tudo trava estaticamente. Deve haver algum modo de um no prestigiado atingir o prestgio. Entendemos que um desses meios o prprio conhecimento. O conhecimento deve tirar o marginal da marginalidade e guind-lo ao mais respeitvel patamar social. Outro meio de ascenso social deve ser o trabalho rduo combinado com poupana. E por isso imprescindvel que o salrio cubra a subsistncia do trabalhador e de sua famlia e que ainda remanesa um excedente conversvel em entesouramento. Outra via deve ser a poltica: de modo que a carreira pblica traga existncia aquele que galgou popularidade junto s massas. O conhecimento pode no deixar ningum milionrio embora em alguns casos ele at possa

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    fazer isto mas quem perito em seu ofcio fome no passa. Marx no percebeu que a acumulao do capital passa pela acumulao do conhecimento e que no h regra mais eficiente para distribuir renda como distribuir conhecimento. O conhecimento no algo que se aprisiona dentro de uma grade curricular. Os cidados precisam estuda assim como os atletas costumam fazer ginstica. Tem de ser dirio, tem de ter uma mstica. O estudo semelhante a uma espiritualidade. O conhecimento o encontro do homem consigo mesmo. E este consigo mesmo tem dois lados: o leitor/estudante se reconhece como parte do objeto cognoscvel e com o autor da obra, e v o seu eu projetado no bem cultural. Marx diz que a jornada de trabalho deve diminuir, que os salrios devem aumentar, mas no diz o que fazer com a pletora de tempo e dinheiro. Ns respondemos: deve acumular e produzir conhecimento. Porque um tempo livre mal aproveitado pode ser at pior do que um dinheiro mal empregado. Alan Kardec fala que a

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    desigualdade social seria injustificvel se existisse s uma vida. verdade, o mundo material traduz o mundo espiritual. E o crescimento do esprito depende do nosso padro de comportamento no mundo emprico. Expropriar o burgus negar o prprio carma, querer burlar o mundo espiritual que por sobrenatureza imburlvel. Marx quer que o operrio se liberte continuando ser operrio. Mas o que defendemos que quando o operrio se torna o melhor dos operrios ele guindado a um grau de maior responsabilidade como a chefia ou superviso. Pois se diligente consigo mesmo o ser com os demais. O que Marx prope como se as crianas quisessem mandar no mundo sem largar sua infantilidade, sua imaturidade e os tiques da pouca desenvoltura. Como diria Bill Gates, voc no ter uma sala com mesa, telefone, computador e internet antes que tenha condies de adquirir tais coisas com o seu prprio dinheiro. O PT s conseguiu para si o Governo Federal quando descobriu que as dvidas do pas deveriam ser pagas, que no se pode dar moratria e nem elevar

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    exorbitantemente o salrio mnimo. O PT adquiriu a noo de que tudo precisa sair de algum lugar, a comear pelo dinheiro de campanha. Conhecimento no algo tntrico, embora tantrismo tambm seja conhecimento, mas algo prximo e inseparvel das atividades humanas e do cotidiano de todos ns. Marx escreveu que o judeu no poderia ser emancipado enquanto o Estado fosse cristo e enquanto ele prprio fosse judeu. Um seria incapaz de outorgar e outro seria incapaz de receber. O que Marx no percebe que o proletariado no pode ser governo enquanto continuar sendo proletrio. A prova disso que em todos os pases socialistas as altas instncias so ocupadas por intelectuais e no por operrios e agricultores. A classe operria nunca foi uma classe revolucionria. Ela apenas foi usada para tais fins. Quando um operrio revoluciona a sua vida o primeiro passo que toma deixar de ser operrio. O acadmico que cultiva o marxismo na academia como um poetazinho que escreve versos num caderno que nem seus amigos leem. No foi por

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    acaso que Marx na sua juventude foi poeta e romntico. Do ponto de vista estritamente racional o marxismo insustentvel. O capitalismo quer sua cabea, o marxismo quer seu corao. Eu ajo racionalmente. Como observaria Weber a ao ou poltica, ou tradicional, emotiva ou racional. O marxismo uma ao emotiva. Mas o marxismo vazio como um fantasma. O bom marxista no d esmola e nem pratica caridade. Ele prefere ver se agudizarem as contradies do capitalismo para que a revoluo estoure antes. Ou seja, o marxismo ama o homem abstrato e odeia o homem concreto. uma antropologia misantrpica. No por acaso que o socialismo seja o partido dos intelectuais: intelectual no gosta de gente, gosta de papel. Uma coisa est relacionada outra mas no exatamente a mesma coisa. Os intelectuais no fumam, eles comem tabaco. Isto traduz a sua ansiedade, a sua angstia e obsessividade. O prprio Marx disse do seu Capital que no pagaria nem os charutos que ele fumou enquanto o escrevia. Embora o marxismo seja uma coleo de

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    teses muito ruins de se reconhecer que h toda uma literatura, pr, contra, aps, ao lado e sobre Marx e os seus defensores. O que no funcionou e nunca funcionar na prtica lenha para a discusso acadmica. Questo de poca tal como foi o debate entre os gregos pagos e os cristos. realmente uma pena que o cristianismo tenha deixado de ser aquele acordeo que abre e fecha e que emite som. Precisamos reabilitar o cristianismo. O cristianismo um tipo de conhecimento muito mais til do que o marxismo. O cristianismo o miolo do processo universal de humanizao e civilizamento. Mesclar cristianismo e marxismo como jogar areia dentro do melhor vinho que ficou guardado at agora. bem verdade que o cristianismo no nem socialista e nem capitalista, ele uma terceira coisa. Mas na prtica no h como ser s cristo. Nossa natureza exige de ns que estejamos inseridos num modo de produo social. Independente de onde se est o cristo convidado a ser fator de mudana ou, como dizem as Sagradas Escrituras, sal da terra e luz do

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    mundo. To importante quanto o conhecimento , outrossim, o que fazemos com ele e como o processamos. Os livros que escrevo no so livros de conhecimento. Diferentemente disso, so livros de processamento de conhecimento. O que escrevo uma autoavaliao, uma tomada de conscincia. Penso que este tipo de servio serve no s para mensurar o intelecto do redator, mas para fazer um feedback de ns mesmos enquanto humanidade. claro que o limite do conhecimento ele mesmo, assim como Marx constata que o limite do capital ele mesmo. Li bem mais de 10.000 livros mas este um recorte muito pequeno quando paragonado com o todo. O escrito do autor como o brilho de uma estrela: quando ele chega em certas galxias a estrela no existe mais, mas a luz emitida por ela continua viajando no seu mpeto. Isto somos ns: poeira estelar, e nesta qualidade, somos premiados e padecemos com suas caractersticas. Filhos de Abrao, filhos da promessa. O que um gro de areia na orla da praia, isto o homem no universo. O conhecimento

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    a tomada de conscincia de todas as nossas grandezas e de todas nossas pequenezas. Em que pese a ditadura do proletariado como etapa mediana e necessria para a sociedade sem classes, o socialismo cientfico se confunde com o anarquismo. Mas enquanto o anarquismo quer de imediato a supresso do Estado, o marxismo quer primeiro empreg-lo para homogeneizar a sociedade estruturada na diferena. O que muda o caminho, a meta a mesma. O fato de tanto o marxismo quanto o anarquismo desejarem o atesmo prova a averso que eles tm pelos princpios hierarquizantes da realidade. Toda religio ou sistema de ideias que se assemelhe prega e ensina hierarquizao. Quando a liderana age mal se confunde a pessoa do lder com a funo que ele ocupa, o que so coisas diferentes. Deve-se depor a no autoridade e no o cargo que a autoridade ocupa. O cargo necessrio e, mais do que isso, imprescindvel. Se quem tem experincia de liderana erra, o que fazer e o que esperar de quem novato? Os capitalistas teriam

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    tudo para serem os melhores estadistas. Mas o seu governo fica aqum do governo da esquerda porque eles pensam mais em suas empresas do que nos rumos da nao e porque temem melhorar as condies gerais do povo com medo de suscitar concorrncia para si prprio. por isso que quem no tem nada a perder a no ser seus grilhes pode e efetivamente vem fazendo um governo melhor do que o da direita. Marx diz que as ideias dominantes de uma determinada poca espelham as ideias da classe dominante. Vamos partir do pressuposto de que esta assertiva est correta. Ento, se a sociedade da nossa poca a sociedade do conhecimento porque os protagonistas da histria querem ver crescer o conhecimento. Mas vejamos bem: como controlar a esclarecidos? Divulgando o conhecimento cientfico e filosfico no se estaria preparando a cama para o inimigo? Isto apenas prova que o conhecimento algo que transcende a esquematologia das classes tal como nos apresentada pelo marxismo. No o capitalismo que se utiliza do conhecimento para

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    se expandir, ao contrrio, o conhecimento se serve do capitalismo e de todo modo de produo social para crescer. A grande plataforma o conhecimento e todo o mais est cabido dentro dele. Em que pese a inteligncia em certa medida ser totalmente individual, o conhecimento maior do que o indivduo. O conhecimento essencialmente estruturalista. Ele passa pelos indivduos e maior do que eles. O conhecimento transcende at mesmo os gnios. O conhecimento, com a ajuda da escrita, uma coisa em si mesmo, pairando como a estratosfera sobre a litosfera. E j aproveitando a terminologia, gosto de usar o termo noosfera porque d a noo de nicho, de um quase lugar, ou de um lugar acabado e completo, porm virtual. como se o conhecimento tivesse os seus prprios fins e empregasse os homens ao seu servio. Isto explicaria porque em tantas e tantas vezes h confronto entre o interesse real dos homens e o universo de teorias. O conhecimento no sai do homem, o homem sai do conhecimento. O conhecimento at pode ser criao do ser

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    humano, mas em dado perodo da histria a criatura domina por completo o criador. Tudo passa, menos o escrito, menos o sabido, menos o teorizado. A escrita o que d a noo exata do que somos hoje para aqueles que viro a ser num futuro mais ou menos remoto. O conhecimento uma cmara de conversao e este monlogo s situa dentro disso. Hegel chamou de linha nodal a transferncia do aspecto quantitativo cumulativo em dimenso qualitativa. assim que aquecendo a gua ela chega a cem graus e se torna vapor. Eu, por minha vez, crio o conceito de gnosioinverso: de acordo com este conceito o ser humano vai agregando conhecimento de modo que numa primeira etapa ele possui uma carga de conhecimento, todavia, o acmulo constante de conhecimento vai esbarrar em uma linha a partir da qual no mais a pessoa que tem o conhecimento, mas o conhecimento que tem a pessoa. Com o passar dos anos a base fsico-orgnica do conhecimento se retrai e a a pessoa trasladada para um plano superior, para aps a total falncia

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    de sua inteligncia adquirir conhecimentos superiores. Creio firmemente nisso. A semente precisa morrer para germinar. Nascimento morte e morte nascimento. O conhecimento a nica instncia que se pode tirar e tirar, encher mentes e a fonte nunca se esgota. Este o tesouro da vida eterna ou com certeza parte dele. Ainda que um dia passe todo o conhecimento humano, ainda que no haja civilizao, que as bibliotecas sejam tragadas pelas espcies remanescentes, tudo ter valido pena. Porque se algo tem prazo de validade durante algum tempo serviu. Algo no precisa ser til sempre, basta ter sido til uma coleo de vezes e representar um elo na cadeia de produo do conhecimento. Precisamente este livro que est em suas mos, caro leitor, pode no ser um incunbulo (livro escrito antes de 1.500), mas quem sabe todo livro escrito antes de 2.100 receba um apelido e daqui uns 400 anos esta brochura ou o que dela sobrar esteja nas mos de um colecionador. O fato de a populao mundial estar beira de um recesso na densidade populacional e

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    o conhecimento segue crescendo exponencialmente, apenas fica clara a autonomia do conhecimento. Posso ter taxa decrescente populacional e taxa crescente gnosiolgica ao mesmo tempo. Isto no significa que uma est na razo inversa da outra, mas que o liame entre ambas tnue. O conhecimento refm dos idiomas, ainda que certas linguagens como a da matemtica, a da lgica e a da informtica serem universais. O fato de eu expressar uma ideia universal a partir de um idioma empregado por uma comunidade finita de pessoas, por maior que ela seja, a prova de que o infinito cabe dentro do finito e de que o universal cabe dentro do singular e do particular. No fundo, os idiomas locais conseguem expressar ideias abstratas e universais porque h uma plataforma invisvel e apriorstica comum a todos os idiomas. E quanto maior a comunidade de falantes mais elevados so os pensamentos que se podem pensar naquele idioma. Alm da questo da extenso a profundidade tambm muito importante. assim

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    que um idioma falado por um povo que enfrenta muitas adversidades mais comunicativo do que um idioma falado na comodidade. O conhecimento deve ser como um bom vinho que se bebe diariamente, porm, com moderao. O momento do conhecimento um instante gostoso e prazeroso em que o homem faz s com o crebro o que as geraes anteriores dependiam inteiramente do corpo para fazer. No sem razo um dos dilogos platnicos chame-se O Banquete. O conhecimento bebida e comida, uma refeio. E o intelectual profissional que se dedique ao conhecimento ou escrita com exclusividade um devorador. Com seu apetite insacivel abarrota as almas alheias com o que escreve. O conhecimento essa multiplicao que comea com uns apoucados elementos e do que sobra se recolhem doze cestos cheios. Ele algo que cresce de dentro para fora como uma massa levedada. como a ameba que para crescer pe no seu bojo o que no exterior estava. O conhecimento como uma massa abatumada que para ficar mais macia

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    precisa ser traquejada. No podemos perder a prtica de pensar e repensar a teoria. De tanto se pensar os velhos padres criam-se padres novos. Algo s totalmente superado quando totalmente compreen