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A ILHA DOS SEGREDOS

A ILHA DOS SEGREDOS

Nadia Marks

TraduçãoInês Castro

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.Reprodução proibida por todos e quaisquer meios.

A presente edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

© 2017, Nadia MarksDireitos para esta edição:© 2018, Clube do Autor, S. A.Avenida António Augusto de Aguiar, 108 - 6.º1050-019 Lisboa, PortugalTel.: 21 414 93 00 / Fax: 21 414 17 [email protected]

Título original: Among the Lemon TreesAutora: Nadia MarksTradução: Inês CastroRevisão: Maria João LourençoPaginação: Maria João Gomes,em caracteres RevivalImpressão: Cafilesa – Soluções Gráficas, Lda. (Portugal)

ISBN: 978-989-8741-07-3Depósito legal: 442 276/181.ª edição: Julho, 2018

www.clubedoautor.pt

Para os meus filhos, Leo e Pablo

O grego antigo tem quatro palavras diferentes para amor: agápe, Éros, philía e storgé. A língua grega distingue como cada uma é usada.

Conforme os gregos antigos adoravam doze deuses, manten-do no entanto abertura de espírito para uma possível décima terceira divindade, pode existir também uma palavra que des-creva um quinto tipo de amor.

PRIMEIRA PARTE

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Amor numa ilha grega, 1936

O poder da lua cheia sempre foi respeitado e venerado pelo povo da ilha. Acreditam que, sob a influência de uma lua de agosto, é provável que o pensamento racional abandone o indi-víduo, sobretudo as pessoas enfeitiçadas pelo amor. Tudo pode acontecer nessa altura. Trata-se de um período perigoso e instá-vel; o seu efeito em amantes, novos ou velhos, é incompassivo. Quando o ar quente perfumado pelo jasmim inebria os sentidos e o luar preenche o céu, a excitação humana começa a crescer e a travessura acontece. A lua a tremeluzir por cima de um mar balsâmico promete deleites inimagináveis e qualquer pessoa pode ser vítima do seu poder e desencaminhada.

Em tempos que já lá vão, as mães mantinham as filhas jovens trancadas em casa prevendo este perigo. Foi numa dessas noites de agosto que uma jovem ardente e rebelde conseguiu escapar à vigilância atenta da mãe e correr para a praia, a fim de se encontrar com o rapaz que amava.

Sabia que, quando a lua tivesse subido alto no céu, a luz seria demasiado brilhante para os proteger de olhares curiosos. Como tal, os jovens amantes combinaram encontrar-se depois do

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pôr do Sol, mas antes do nascer da lua. Era essa a hora mágica em que o mundo estava mergulhado na escuridão e o mar tão manso como uma superfície de vidro.

Durante semanas a fio, os dois namorados tinham planeado o encontro secreto, de forma a coincidir com o vigésimo oitavo dia do mês, precisamente o dia em que a rapariga faria quinze anos. A coberto do negrume da noite, sentiram-se em segurança para se beijar e abraçar, deitar-se nos braços um do outro e esperar para testemunhar o mistério do irromper de uma lua de agosto. Observaram com admiração os lampejos de ouro no horizonte erguerem-se aos poucos até se transformarem num enorme globo de âmbar, pairando por cima do mar e banhando tudo com o seu brilho quente. Porém, antes que a lua se erguesse mais alta, ilu-minando a praia como um holofote e traindo os jovens amantes, correram a refugiar-se numa das muitas grutas sob os penhascos rochosos, em plena praia. Foi então, na noite em que fazia quinze anos e a lua cheia reinava no céu, que a jovem se entregou ao rapaz que amava mais do que qualquer outra pessoa no mundo, enquanto trocavam juras de amor eterno. Ele fizera dezasseis anos, três meses antes.

— Amar-te-ei para sempre — disse ele.— Eu preferia morrer a deixar de te amar — retorquiu ela.

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Londres, 1999

O telemóvel de Anna estava no silêncio. Desligara-o durante o jantar. Ficava sempre irritada se Max ou os filhos atendiam os deles à hora das refeições. O jantar era um momento do dia só para eles; as outras pessoas que esperassem. Afinal, se esta-vam todos juntos, haveria alguma emergência que não pudesse esperar? A única coisa que a preocupava era o facto de o pai, já velhote, poder precisar dela, mas, por outro lado, a verdade é que ele ligava sempre para o telefone fixo.

Esvaziara a máquina de lavar quando reparou no telemóvel a vibrar na bancada da cozinha. Número privado. Hesitou por segundos. Ao atender, ouviu a voz de um desconhecido.

— Senhora Turner?— É a própria. Anna sentiu uma certa apreensão. Não acontecia muitas

vezes ser tratada pelo nome de casada e, a julgar pela voz do homem, o assunto parecia grave.

— Fala o doutor Morris, do Hospital Whittington — conti-nuou ele.

Anna parou de respirar.

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— Pai. — Soltou um sussurro praticamente inaudível e quase deixou cair o telefone.

— Temos aqui o senhor Turner — prosseguiu a voz. — Ele está bem, mas talvez a senhora pudesse vir ao hospital. O seu marido deu-nos o número. Encontra-se neste momento no ser-viço de urgência.

Em poucos minutos, Anna agarrara nas chaves do carro e corria pelas escadas cima para ir buscar o casaco e avisar Alex e Chloe, trancados nos seus quartos. Tudo indicava que Max tivera um ataque cardíaco.

— Meninos! Meninos! — gritou a plenos pulmões, ao mes-mo tempo que subia dois degraus de cada vez, em direção ao quarto. — O vosso pai está no hospital. Vamos despachar, vamos embora!

— O que aconteceu? — perguntaram ambos em uníssono, precipitando-se para fora dos quartos.

— Ele estava bem ao jantar — disse Chloe.— Foi correr um bocado… — acrescentou Alex. — Estava

bem.— Não sei o que aconteceu — respondeu Anna, sem fôlego

—, mas parece que é o coração, por isso vamos lá embora des-cobrir. Chloe, guias tu, acho que eu não consigo.

Max estava deitado com um ar desconsolado, à espera de tratamento num dos cubículos das urgências.

— Fico muito contente por vos ver — disse, oferecendo a todos um sorriso frouxo quando os três se precipitaram para o abraçar.

— O que diabo aconteceu, Max? — Anna apertou-lhe a mão e beijou-o ao de leve nos lábios. — Eu sabia que correr depois do jantar era má ideia — disse, com a preocupação estampada no rosto. — Parecia-me que já tinhas saído há muito tempo, mas, por outro lado, pensei que podias ter ido a casa do John.

— Para ser sincero — replicou Max, numa voz bastante fraca —, é tudo um pouco confuso.

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Explicou que dava a sua habitual corrida pela colina acima e em volta do quarteirão, quando sentiu uma falta de ar invulgar. Uma sensação de ardor no esterno.

— Pensei que era azia. Comecei logo a atirar as culpas para a comida chinesa que almoçara. — Amaldiçoou o tofu frito. — Sabes que o prefiro cozido no vapor. — Olhou para Anna. — Estava sempre a vir-me à boca e pensei que nunca deveria ter comido aquilo. Tinha a certeza de que era algum tipo de refluxo gástrico. Depois, quando dou outra vez por mim, estou aqui e, pelos vistos, estão a preparar-me para uma angiografia.

— Oh, pai — disse Chloe, engolindo as lágrimas —, pregaste--nos um susto tão grande.

— O que vai acontecer agora? O que é uma angiografia? — perguntou Alex, sem tirar os olhos da mãe.

«Ele teve sorte», disse mais tarde o cardiologista a Anna, «e vamos esperar que se safe com um stent colocado na artéria bloqueada, em vez da alternativa que seria uma cirurgia de alto risco ao coração». Max sempre se considerara um sortudo, e fora uma questão de sorte que, ao desmaiar, uma mulher com telemóvel que passeava o cão o tivesse visto.

Afinal, precisou de uma cirurgia de bypass. A recuperação física foi rápida e, passado um par de meses, já dizia que se sentia outra vez como o seu velho eu. «Por sorte, safei-me», passava a vida a dizer a toda a gente. Aquele recontro de Max com a morte revelou-se muito importante para toda a família. Os filhos e Anna uniram forças para o apoiar.

— O pai tem de perceber quando deve abrandar — declarou Chloe à mãe. — Não é tão novo como pensa. Tens de lhe dizer, mãe, estou a falar a sério. Só tenho dezassete anos e meio, não quero ficar órfã — continuou, disfarçando a ansiedade com uma irritação fingida.

Alex, por seu turno, decidiu que era seu dever vigiar o pai. Por isso, quando Max começou outra vez a correr, juntou-se a ele.

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— Preciso de um incentivo para começar a fazer exercício — disse ao pai —, é muito melhor com companhia.

O que Alex, que sofria de preocupação natural, queria de facto dizer era: «Tenho de garantir que não exageras, pai, e sou o único que o pode fazer!» Aos quinze anos, tinha coisas mais ób-vias com que se preocupar, como exames e raparigas, e a possível morte do pai não se encontrava ainda na sua agenda. Como tal, fazia questão de se assegurar que o ajudava a recuperar a saúde.

Formavam uma família unida, com um casamento longo e fecundo. Max e Anna eram felizes na companhia um do ou-tro, nunca lhes faltava conversa e faziam muitas coisas juntos. Completariam vinte e cinco anos de casados no próximo ani-versário de casamento, para o qual Anna andara a planear uma viagem-surpresa a Cuba. Falou-se de irem para a passagem do milénio e levarem os filhos, seria a passagem de ano das suas vidas. Mas depois pensaram no pai de Anna e nos irmãos dela e a viagem ficou em suspenso.

— De qualquer forma — dissera Chloe, quando discutiam as alternativas para o aniversário —, ouvi dizer que Cuba vai comemorar o milénio em 2001, por isso, podemos sempre ir no ano que vem…

Ambos os filhos queriam uma festa, um grande evento de família para os pais, mas Anna estava relutante.

— Vamos lá, mãe — insistiram os dois —, está na altura de termos uma festança de família, não organizamos nada desde que a Nonna morreu. Vai ser bom para todos.

— Eu sei. Têm razão — retorquiu ela —, mas sabem como é o vosso pai, não gosta muito de grandes festas. Além disso, andamos os dois a falar de Cuba há tantos anos, esta é a nossa oportunidade, queremos lá ir antes que tudo mude. Faremos uma festa noutra ocasião.

Ficou decidido. Anna trataria de marcar os bilhetes e fazer--lhe a surpresa mais perto da data.

O ataque cardíaco fora completamente inesperado. Assustara a mulher e recordara-lhe mais uma vez a precariedade da vida.

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A morte da mãe, quatro anos antes, bem como a morte da mãe de Max, no ano anterior, constituíram igualmente um enorme golpe, e ela tremia com a ideia de perder Max. Tinham tudo a esperar da vida, muitas coisas mais para fazerem juntos.

Anna investiu com dedicação na recuperação da saúde do marido e toda a gente ajudou, sobretudo Chloe. Ela e Anna sempre haviam sido muito chegadas. No fundo, a sua relação espelhava a que Anna tivera com a própria mãe. Com efeito, as três gerações de mulheres partilhavam uma ligação forte.A Nonna, como os filhos chamavam à avó, era italiana e genero-sa no amor que prodigalizava à família. A sua perda custara-lhes muito, por isso a perda iminente de Max fê-los apreciar sobre-maneira o que tinham, parecendo aproximá-los ainda mais.

— O tolo do nosso velho pai — disse Chloe, logo que Max ficou livre de perigo. — Para que queria fazer aquilo? O problema dele é que nunca sabe quando parar!

Apesar de todas as garantias de que iria ficar bem, Max ficou muito em baixo com o que considerava o falhanço do seu corpo. Sempre se orgulhara de o manter em excelentes condições e era fanático em relação ao exercício e à alimentação saudável, discutindo muitas vezes sobre isso com Anna, bastante menos neurótica em relação à questão da longevidade.

— Os teus genes e o ADN têm muito mais que ver com o tempo que vives do que o número de vezes que vais ao ginásio — dizia-lhe ela. — Olha para o meu pai, que nunca correu em toda a vida e parece ter menos vinte anos.

— Podes parecer jovem, mas isso não significa que sejas sau-dável — retorquia o marido, e as discussões eternizavam-se. Max estava decidido a viver para sempre, ou, pelo menos, a viver como se fosse viver para sempre.

A constatação de que iria morrer a dada altura, e se ca-lhar em breve atendendo ao recente ataque, atingiu Max com uma violência tão poderosa que parecia que tinha colidido com um icebergue. Ainda era tão jovem. Talvez não em anos, uma

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vez que ia fazer cinquenta e seis, mas certamente em espírito. Estava cheio de vigor e entusiasmo, a explodir de ideias, planos e intenções. Decididamente, a morte não tinha lugar na sua vida. Depois, de repente, parecia estar em todo o lado à sua volta. Primeiro, o melhor amigo; estavam os dois a partilhar uma bela garrafa de Bordeaux e, no minuto seguinte, ele foi desta para melhor, à frente dos seus olhos. Tratou-se de um choque terrível, mas atribuiu-o ao facto de Stewart ter excesso de peso e não cuidar de si próprio. Seguiu-se a mãe. Nenhuma doença, nenhum aviso, foi simplesmente deitar-se e nunca mais acor-dou. Mas, por outro lado, ela tinha oitenta e seis anos. Porém… Max? Que razão havia para desmaiar assim? Que razão tinha o seu coração para ceder?

Poderia ter-se gabado e tentado convencer toda a gente que voltara ao «velho eu» e que tudo estava bem, contudo, Anna não se deixou enganar. Os seus acessos de melancolia estavam agora associados a um fusível curto muito pouco característico. O comportamento dele não era o do Max que ela conhe-cia. A galhofa espirituosa fora à vida, evaporaram-se as carícias meigas. Anna nunca vira Max não ser físico com ela. Tinha uma vida inteira de ternura íntima com ele. Sempre lhe dissera que o seu momento favorito do dia era quando ficava sentado na cama à noite, a vê-la despir-se e a preparar-se para se deitar ao lado dele. Anna nem sequer tinha consciência do efeito que exercia no marido. Não o fazia de forma provocadora, recorrendo a roupa interior sedutora ou rendas, podia estar simplesmente a tirar as calças de ganga e a T-shirt quando pousava o livro para olhar para ela.

— Ah! O meu momento zen! — dizia ele a rir-se. — Sou um homem de sorte!

Anna, tímida por natureza, respondia com uma piada e não ligava, mas nunca se cansava dos elogios.

Quando Max deu em ficar acordado até tarde, ou em achar o seu livro muito mais absorvente do que o corpo nu da mu-lher, Anna começou a preocupar-se. Talvez o problema cardíaco

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tenha lhe afetado a libido, dizia consigo própria. Estas coisas têm consequências. Ou talvez esteja deprimido.

Queria ajudar e apoiá-lo, como era seu hábito. A paciência sempre fora uma das suas virtudes, mas nada a podia ter prepa-rado para o que se seguiu.

Max estava descontraidamente apoiado à bancada da cozinha, a segurar na mão uma chávena de café, a outra enterrada no bolso das calças. Decorrera aproximadamente um ano desde o ataque cardíaco. Estava a proferir palavras que ela nunca imaginara lhe pudessem sair da boca, palavras que não faziam qualquer sentido. Pousou a mão na mesa para se equilibrar e engoliu em seco para não começar a chorar. O tremor que começara nos membros viajou para dentro dela até ter a sensação de que todos os seus órgãos internos faziam ricochete dentro de si.

— Ela ama-me — ouviu-o dizer, com o olhar distante, os lábios comprimidos numa linha severa. — É uma ligação forte e cheguei a uma encruzilhada na minha vida.

Anna não conseguia compreender. O nó que lhe apertava a garganta tornou-se maior, fazendo com que fosse difícil respi-rar. Ele não está a ser racional, gritou-lhe o cérebro. Loucura da meia-idade, medo de morrer!, berrou-lhe de novo a mente, e depois recordou-se de ter lido algures que todas as mulheres cujos maridos têm um caso acreditam que eles estão a sofrer um esgotamento nervoso.

A operação foi há poucos meses, disse com os seus botões. Anna estivera lá para ele, cuidara dele, apoiara-o em todas as fases do processo. Com certeza que ele percebia que tudo ia fi-car bem agora! Não devo chorar, tenho só de o ouvir, murmurou outra vez para si mesma, a tentar controlar-se.

— Não entendo. O que estás a dizer, Max? — disse, por fim, a voz um mero sussurro em contraste com os gritos dentro da sua cabeça.

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Ele confessava uma aventura e estava prestes a pedir perdão, ou dizia que queria deixá-la?

— E tu… tu também a amas? — forçou-se a perguntar.— Estou apaixonado por ela… sim. A resposta de Max teve o efeito de um murro na barriga de

Anna.— Apaixonado? — tartamudeou, tentando imaginar Max

apaixonado por alguém que não fosse ela. Estavam casados há um quarto de século e tinham dois filhos crescidos para o de-monstrar. Nunca visualizara o futuro sem ele. Sempre pensara que seguiriam em frente juntos, dedicados um ao outro, às res-petivas famílias, aos amigos. Agora, ali estava o marido a falar com ela noutra língua, como se fosse um desconhecido. E então o ano passado?, gritou de novo o cérebro de Anna. Quanto amor e apoio podia um homem receber da sua família, da sua mulher?

— Quem é ela? — sussurrou novamente.— É uma universitária, uma professora da universidade… —

respondeu ele num fio de voz.Anna susteve a respiração. Não queria ouvir mais nada. Era

mais do que conseguia aguentar. Max atingira-a onde doía; toca-ra no seu ponto mais vulnerável. Uma mulher com miolos! Uma universitária, com toda a probabilidade bonita, possivelmente mais jovem e inteligente! Nenhuma dessas coisas importava aos olhos de Anna, a bem dizer, exceto os miolos. Não era que Anna não os tivesse; era inteligente, talentosa e incrivelmente esperta, mas nunca se considerara no mesmo patamar intelec-tual de Max. Era, sabia-o, o seu complexo. Frequentara uma escola superior, não a universidade, tinha um diploma de artes, não uma licenciatura; ele era o cérebro, o professor brilhante. Ela admirava-o e rendia-se ao seu «grande» intelecto. Sabia que não devia, mas não conseguia evitar: punha-o sempre a ele em primeiro lugar.

— Estás apaixonado, ou amas mesmo essa mulher? — ou-viu-se perguntar, com as lágrimas a turvarem-lhe a visão.

— Qual é a diferença? — Ele continuava a evitar-lhe o olhar.

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Anna corou de raiva. A descrença, confusão e mágoa que sentia transformaram-se em fúria.

— Sabes perfeitamente qual é a diferença — sibilou.Claro que Max sabia. Anna metia-se muitas vezes com ele a

respeito desse assunto.«O inglês é uma língua riquíssima», costumava dizer a quem

a ouvisse, «mas na definição do amor, os gregos levam-lhe a palma». Divertia-a e fazia-a sentir-se inteligente discorrer sobre o tema do amor. Os gregos, explicava, têm quatro palavras para amor e cada uma delas descreve uma emoção diferente. Agápe é o grande amor, storgé, o terno amor de mãe, phília, a amizade, e Éros o amor sexual. «Agápe», referia Anna, «abarca todos os outros amores numa grande emoção absoluta e suprema. Éros, por outro lado, segundos os gregos, é o amor que se traduz por apaixonar-se. Tem tudo que ver com paixão, desejo e obsessão, invade-nos e controla-nos, mas, em última análise, é efémero».

Por isso, sim, Max deveria saber muitíssimo bem ao que Anna se referia. A sua fúria levou a melhor.

— Max! Max! — gritou. — O que se passa contigo? Escuta só o que dizes! — Sufocou as lágrimas. — É comigo que estás a falar, Anna, a tua mulher, recordas-te?

O marido continuava imobilizado como uma criança desa-fiadora. Não tinha resposta.

— Ainda queres estar comigo? Ainda me amas? — pergun-tou ela, depois de esperar alguns instantes que ele rompesse o silêncio. Nunca imaginara ter de fazer aquela pergunta a Max. Ele era a sua alma gémea, o seu melhor amigo, o seu amante, o pai dos seus filhos. Como é que Max podia não a amar?

— Acho que sim… não sei — lá surgiu por fim a resposta evasiva, trespassando-lhe o coração.

— Não sabes? — explodiu outra vez. — Depois de vinte e cinco anos de casamento, é só isso que sabes dizer? E então os nossos filhos? E Alex e Chloe, sabes se os amas?

— Preciso de espaço, de tempo para pensar. Estou confuso — balbuciou ele.