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A IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA PRIMÁRIA GRADUADA EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP: AS CONTRIBUIÇÕES DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS (1925-1938)

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS CENTRO DE EDUCAO E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    JORGE LUS MAZZEO MARIANO

    A IMPLANTAO DA ESCOLA PRIMRIA GRADUADA EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP: AS CONTRIBUIES DAS

    PROFESSORAS PRIMRIAS (1925-1938)

    So Carlos SP 2011

  • JORGE LUS MAZZEO MARIANO

    A IMPLANTAO DA ESCOLA PRIMRIA GRADUADA EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP: AS CONTRIBUIES DAS

    PROFESSORAS PRIMRIAS (1925-1938)

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal de So Carlos na rea de Fundamentos da Educao, como parte das exigncias para obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Massao Hayashi

    So Carlos SP

    2011

  • Ficha catalogrfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitria da UFSCar

    M333ie

    Mariano, Jorge Lus Mazzeo. A implantao da escola primria graduada em Presidente Prudente-SP : as contribuies das professoras primrias (1925-1938) / Jorge Lus Mazzeo Mariano. -- So Carlos : UFSCar, 2011. 156 f. Dissertao (Mestrado) -- Universidade Federal de So Carlos, 2011. 1. Educao - histria. 2. Professoras. 3. Feminizao do magistrio. 4. Cultura escolar. 5. Grupo Escolar. 6. Presidente Prudente (SP). I. Ttulo. CDD: 370.9 (20a)

  • DEDICATRIA

    minha me, Salete, e ao meu pai, Joo, pela liberdade que concederam ao meu pensamento durante toda a minha vida.

    Aos meus irmos Anderson e Marcos.

    minha companheira Elaine, pelo necessrio e indispensvel apoio nas interminveis manhs de transcrio dos jornais, na realizao das entrevistas e pela motivao nos momentos de desnimo.

    Aos meus amigos da FCT/UNESP pelo apoio antes e durante o mestrado.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Prof. Dr. Carlos Roberto Massao Hayashi, orientador desta pesquisa, pela presena, solicitude e principalmente pela liberdade dada para a realizao deste trabalho.

    Prof Dr Ester Buffa pelas contribuies na banca de qualificao.

    Ao Prof. Dr. Marcos Freisleben Zorzal pela disponibilidade em participar da banca de defesa.

    Prof Dr Arilda Ins Miranda Ribeiro por me orientar durante a graduao fazendo nascer a idia inicial desta pesquisa e pela participao na banca de qualificao e de defesa.

    Aos/s professores/as e funcionrios/as do PPGE da UFSCar.

    Aos/s meus/minhas colegas da Ps-Graduao na UFSCar e dos tempos de graduao na UNESP de Presidente Prudente pela amizade e precioso incentivo nos momentos mais difceis.

    Ao imprescindvel apoio financeiro recebido da CAPES.

    Aos/s funcionrios/as do Museu Histrico e Arquivo Municipal Prefeito Antnio Sandoval Neto, pelas contribuies pesquisa e pelo rduo e precioso trabalho de preservao da memria da cidade de Presidente Prudente-SP.

    s ex-alunas do ento Primeiro Grupo Escolar de Presidente Prudente, pela solicitude com que acolheram a propostas de um desconhecido, que adentrou aos seus lares para vasculhar as suas mais recnditas memrias.

  • RESUMO

    Este estudo buscou mostrar qual foi a participao das professoras primrias de Presidente Prudente para a implantao do Primeiro Grupo Escolar da cidade, entre 1925 e 1938, dentro do contexto da histria de Presidente Prudente e da feminizao do magistrio. O principal objetivo foi apresentar e analisar a implantao do Primeiro Grupo Escolar e qual (quais) foi (foram) a (as) contribuio (contribuies) das professoras para construo da educao escolarizada e da edificao da escola primria graduada em Presidente Prudente. Para alcanar este objetivo, foram coletados dados em fontes bibliogrficas (livros, teses, dissertaes) e fontes documentais (Relatrios, Livros de Exames, material jornalstico etc), alm do uso de entrevistas semi-estruturadas com 8 indivduos, utilizando-se, como apoio, a teoria da Histria Oral, tendo Paul Thompson como referncia. Como resultado mais evidente da pesquisa, vimos que a luta das professoras primrias contribuiu para a edificao do Primeiro Grupo Escolar da cidade, e pudemos concluir que logrou xito a estratgia de luta das professoras de Presidente Prudente (afinadas com movimento mais amplo de feminizao do magistrio), pois a execuo de seu trabalho foi feita de forma exemplar, como nos indicou os relatos dos/das ex-educandas; e a sua atuao fora dos muros escolares, mesmo no tendo sido levada ao conhecimento das crianas, se somou ao conjunto de prticas que possibilitaram essas mesmas educandas a oportunidade de traar um futuro diferente daquele que as suas mes e avs tiveram.

    Palavras-chave: Professoras primrias; feminizao do magistrio; cultura escolar; grupo escolar; Presidente Prudente.

  • ABSTRACT

    This study aimed to show what was the involvement of primary teachers in Presidente Prudente for the deployment of the First Group School of the city between 1925 and 1938, within the context of the history of Presidente Prudente and the feminization of teaching. The main objective was to present and analyze the implementation of the First School Group and which (which) was (were) a (as) contribution (contributions) for construction of teachers' schooling and the building of primary school graduate in Presidente Prudente. To achieve this goal, we collected data in literature sources (books, theses, dissertations) and documentary sources (Reports, Books of Exams, journalistic material, etc.), plus the use of semi-structured interviews with eight individuals, using as support the theory of Oral History, with Paul Thompson as references. As a result more evident from the survey, we saw that the struggle of primary teachers has contributed to building the first primary school in the city, and we concluded that the strategy was unsuccessful struggle of the teachers of Presidente Prudente (tuned with the larger movement of feminization of teaching ), since the execution of his work was done in an exemplary manner, as indicated in the records of / from ex-students, and their performance outside the school walls, even if not brought to the attention of children, was added to all the practices that enabled these students to the same opportunity to chart a future different from that of their mothers and grandmothers had.

    Key words: Primary Teachers; feminization of teaching, scholar culture, scholar group, Presidente Prudente.

  • Lista de Figuras

    Figura 01 Planta da Vila Goulart (1919) .................................................................. 21 Figura 02 - A expanso da Estada de Ferro Sorocabana ............................................. 22 Figura 03 - O mapa de So Paulo no ano de 1904 descrevia a regio do extremo-oeste do estado como terrenos desconhecidos ......................................................... Figura 04 - Famlia Giglio no Parque da Luz (cidade de So Paulo), em 1933: Em p (da esq. p/ a dir.): Maria Zanchi Giglio, Joo Giglio, Eivacyr Giglio. Sentadas (da esq. p/ a dir.): Ignez Giglio, Hermnia Giglio, Maria Aparecida Giglio, Luclia Giglio (falecida) ..........................................................................................................

    24

    65 Figura 05 Educandos/as e professores/as em frente ao primeiro prdio do Grupo Escolar, onde atualmente a rua Dr. Jos Foz (1929) ................................................

    76 Figura 06 - Jlio Prestes ladeado pelo Cel. Goulart (com terno preto esquerda da foto) e pelo Cel. Marcondes (com terno branco direita da foto) ..............................

    81 Figura 07 - 2 Grupo Escolar de Presidente Prudente ................................................. 83 Figura 08 - 1 Grupo Escolar de Presidente Prudente ................................................. 85 Figura 09 - Planta do 1 Grupo Escolar de Presidente Prudente ................................. 86 Figura 10 Quintal do 1 Grupo Escolar .................................................................... 88 Figura 11 - Antiga sede do 1 Grupo Escolar (s.d) ...................................................... 96 Figura 12 Educandos defronte ao Primeiro Grupo Escolar com uniformes que se assemelham a farda militar (1938) ..............................................................................

    97 Figura 13 3 ano A do 1 Grupo Escolar (1938) ...................................................... Figura 14- 3 ano B feminino do 1 Grupo Escolar (1938) ......................................... Figura 15 - Corpo docente do 1 Grupo Escolar quando da aplicao de testes pela Secretaria de Educao (1938) ....................................................................................

    99 100

    101 Figura 16 Prof Maria Luiza Formozinho Ribeiro (1969) ......................................... 121 Figura 17- 3 Grupo Escolar de Presidente Prudente (1935) ...................................... 133 Figura 18 Planta do 3 Grupo Escolar de Presidente Prudente (1935) ..................... 134 Figura 19 Visita da professora Chiquinha Rodrigues s obras do prdio do 1 Grupo Escolar ..............................................................................................................

    137

    Figura 20 - Prdio do 1 Grupo Escolar recm-inaugurado (1938) ............................. 138

  • SUMRIO

    INTRODUO ......................................................................................................... 12

    CAPTULO 1 OS PRIMRDIOS DA EDUCAO EM PRESIDENTE PRUDENTE .................................................................................................................

    19 1.1 A filha dos coronis............................................................................................. 19 1.2 A escola primria graduada no Estado de So Paulo ............................................. 28 1.3 A educao em Presidente Prudente: das Escolas Reunidas ao Grupo Escolar ..... 37

    CAPTULO 2 A FEMINIZAO DO MAGISTRIO E A ESCOLA PRIMRIA GRADUADA PAULISTA NO FINAL DA PRIMEIRA REPBLICA ....................

    42

    2.1 A condio feminina na Primeira Repblica ......................................................... 43 2.2 O casamento perfeito das mulheres com o magistrio .......................................... 52 2.3 Professoras e educandas de Presidente Prudente .................................................... 2.4 Os Grupos Escolares no final da Primeira Repblica ............................................

    62 67

    CAPTULO 3 A LUTA PELA INSTALAO DO PRIMEIRO GRUPO ESCOLAR DE PRESIDENTE PRUDENTE ..............................................................

    76 3.1 A escola ambulante: um Grupo sem prdio ............................................................ 76 3.2 A cultura escolar ..................................................................................................... 89 3.2.1 A merenda ............................................................................................................ 92 3.2.2 Os uniformes ........................................................................................................ 95 3.2.2.1 O traje das professoras ...................................................................................... 101 3.2.3 O material escolar ................................................................................................ 103 3.2.4 Os castigos ........................................................................................................... 106 3.2.5 A Associao de Pais e Mestres .......................................................................... 108 3.2.6 Os hinos ............................................................................................................... 110 3.2.7 A declamao de poesias ..................................................................................... 112 3.3 Algumas contribuies das professoras primrias ................................................. 115 3.4 Os frutos da luta ...................................................................................................... 130

  • CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 140

    REFERNCIAS .......................................................................................................... 145

    ANEXOS ...................................................................................................................... 153

  • INTRODUO

    A presente pesquisa assim como outras muitas, que coletam dados para a esquematizao da histria da educao em mbito local certamente contribui para a uma melhor compreenso da histria da educao brasileira, na medida em que conhecendo as caractersticas locais, pode-se perceber o impacto das polticas e reformas adotadas em mbito estadual e nacional. No caso especfico deste trabalho, a sua relevncia se d, primeiramente, em funo de este ter resgatado a histria da implantao do primeiro Grupo Escolar da cidade de Presidente Prudente, contribuindo assim para a histria da educao brasileira e tambm para a preservao da memria da cidade, uma vez que foram coletados documentos e relatos das personagens que fizeram parte do contexto abordado.

    A pesquisa abordou a participao feminina no processo de implantao do Primeiro Grupo Escolar de Presidente Prudente e, ao visibilizar as contribuies das professoras primrias, o presente trabalho tambm se apresenta relevante na medida em que exibe a ao das professoras no contexto prudentino enquadradas no contexto mais amplo de feminizao do magistrio , dando provas de que, mesmo apesar das contingncias estabelecidas pelo gnero masculino, algumas mulheres conseguiram lutar, reivindicar e conquistar direitos.

    Neste sentido, esta pesquisa teve como objetivo apresentar e analisar a implantao do Primeiro Grupo Escolar e qual (quais) foi (foram) a (as) contribuio (contribuies) das professoras para construo da educao escolarizada e da edificao da escola primria graduada em Presidente Prudente, atravs da investigao do exerccio da funo docente quando da implantao dessa modalidade de escola na cidade, entre os anos de 1925 e 1938.

    Partimos da hiptese de que as professoras primrias de Presidente Prudente, estando inseridas no movimento mais amplo de feminizao do magistrio do incio do sculo XX, tiveram influncia1 direta no processo de implantao da escola primria graduada atuando dentro e fora dos limites dos muros escolares: internamente, atravs da prtica docente,

    Em relao s influncias exercidas pelas professoras atravs do trabalho docente, algumas anlises da

    feminizao do magistrio associam o trabalho das professoras passividade, anulando, deste modo, as aes das docentes. Nesta dissertao, porm, pautamo-nos pela posio de Almeida (1998 (b)), que nos indica que a questo da passividade merece, inclusive, um estudo parte, pois, em sala de aula emergem mecanismos de resistncia ao poder institudo que no pode deixar de ter considervel efeito transformador na prtica educativa. Essa resistncia tambm pode dar-se em outras instncias educativas atravs de posturas que vo de encontro autoridade escolar e podem interferir no pedaggico. Cf. ALMEIDA, Jane Soares de. Vestgios para uma reinterpretao do magistrio feminino em Portugal e Brasil. In: SOUZA, Rosa Ftima de; VALDEMARIN, Vera Teresa; ALMEIDA, Jane Soares de. O Legado Educacional do Sculo XIX. Araraquara: UNESP Faculdade de Cincias e Letras, 1998 (b), p. 169.

  • construindo cotidianamente a cultura escolar, e externamente, na reivindicao de melhorias nas condies das instalaes do grupo escolar.

    Quanto metodologia da pesquisa foi realizado, num primeiro momento, um levantamento em fontes bibliogrficas, de obras relativas condio social da mulher no Imprio e durante a Primeira Repblica; feminizao do magistrio; implantao da escola primria graduada no Estado de So Paulo; ao contexto poltico e educacional do final da Primeira Repblica e da dcada de 1930; e ao surgimento da cidade de Presidente Prudente. Feito esse levantamento, o passo seguinte compreendeu o estudo e a catalogao dessas obras atravs de fichamentos, delimitando assim o objeto de pesquisa e traando um panorama do contexto mais geral no qual as professoras de Presidente Prudente estavam inseridas. Num segundo momento teve incio a pesquisa em fontes documentais, ou seja, a anlise dos Livros de Exames finais, Livros de Visitas e Exames, Mapas de Movimento do pessoal, Relatrios de Inspeo Sanitria, Relatrios ao Diretor de Ensino, Relatrios dos trabalhos escolares e material jornalstico. Utilizamo-nos tambm de material iconogrfico2. Para tanto, foi realizada uma busca pela documentao referente implantao do 1 Grupo Escolar de Presidente Prudente na prpria instituio, no Museu Histrico e Arquivo Municipal Prefeito Antnio Sandoval Neto, no Arquivo Pblico do Estado de So Paulo e na imprensa, voltando sempre a ateno para a atuao das docentes.

    Deste modo, a compreenso das prticas sociais das professoras deve ser realizada a partir de suas associaes com o estudo da diversidade das vivncias sociais e culturais mais particulares e cotidianas dos sujeitos. Assim, interessou-nos entender como esse jogo de prticas ocorria no campo social da Repblica e, conseqentemente, no mbito individual, pois, mesmo pressupondo a fora das idealizaes coletivas, tambm se presume que as prticas sociais de cada sujeito ou grupo social devem ser remetidas e analisadas segundo as suas experincias particulares.

    Para isso, em uma terceira etapa de coleta de dados, tendo conseguido encontrar algumas personagens do contexto abordado na pesquisa, o procedimento eleito como recurso metodolgico foi a tcnica da entrevistas semi-estruturadas com os indivduos que fizeram parte, direta ou indiretamente, do contexto histrico considerado para a pesquisa na cidade de

    Uma dessas possibilidades exploradas nesta dissertao foi a fotografia. O material fotogrfico foi utilizado

    com a mesma finalidade empregada por Souza (2006), isto , as fotografias foram tomadas como vestgios do passado e como evidncia histrica. Aproveitando-se das imagens como forma de dar vivacidade ao trabalho e ilustrar melhor a poca retratada e as personagens deste contexto especfico, nesta pesquisa as imagens fotogrficas devem ser vistas como documentos que informam sobre a cultura, e tambm como uma forma simblica que atribui significados s representaes e ao imaginrio social. Cf. BORGES, Maria Eliza Linhares. Histria & Fotografia. Belo Horizonte: Autntica, 2005, p. 73.

  • Presidente Prudente. Atravs das narrativas, valiosas informaes que, muitas vezes no constam nos documentos, relatrios, livros ou jornais, podem ser obtidas.

    Diante disso, aproveitamo-nos da possibilidade aberta pelas novas abordagens da Histria, que permitiram o alargamento da noo de fontes histricas. Assim, no somente os documentos produzidos pelos rgos oficiais so fontes, como imperou por muito tempo na concepo positivista de pesquisa. A partir da Escola dos Annales a Histria teve as suas possibilidades de ao aumentadas, pois como nos aponta Michel de Certeau (1982), o historiador viu-se liberado para se utilizar de vrios objetos e transform-los em documentos.

    Tendo em vista que (...) lidamos muito mais com a construo masculina da identidade das mulheres trabalhadoras do que com a sua prpria percepo de sua condio social, sexual e individual. (RAGGO, 2000, p. 579), a opo metodolgica adotada neste trabalho se justifica ainda pela necessidade de conhecer a histria da educao vista por uma outra tica3, com o relato das mulheres que foram to negligenciadas na escrita da histria oficial e, sobretudo, pelas personagens que viveram e atuaram no perodo histrico por ns destacado para esta pesquisa.

    E, se esse projeto no conta com o relato das prprias professoras que trabalharam e ajudaram a construir a cultura escolar do 1 Grupo Escolar de Presidente Prudente, isto se deu apenas pelo fato de a distncia temporal inevitavelmente separar o entrevistador dos sujeitos (cerca de 70 anos!), o que impediu que o trabalho contasse com os preciosos depoimentos especficos das professoras. Mas a pesquisa conseguiu, apesar dessa distncia temporal, contar com o relato de outras mulheres que foram sujeitos desse contexto histrico e que vivenciaram de perto o nascimento da educao escolarizada da cidade de Presidente Prudente, qual sejam: as/os educandas/os.

    To importantes quanto as professoras foram as crianas, pois estas eram o alvo

    principal das vrias reformas educacionais procedidas nos 13 anos que o recorte dessa pesquisa abarca. As crianas tambm eram o alvo das prticas pedaggicas das professoras, sendo tambm personagens da construo da cultura escolar pela convivncia cotidiana nos espaos em que funcionou o 1 Grupo Escolar. Em funo de serem depositrias de tantas determinaes, as/os ex-educandas/os so essenciais para a reconstituio da cultura escolar que, no entendimento de Antonio Viao Frago (1995), abrange todos os elementos presentes (...) vrios novos historiadores esto preocupados com a histria vista de baixo; em outras palavras, com as

    opinies das pessoas comuns e com sua experincia da mudana social. (...) O movimento da histria-vista-de-baixo tambm reflete uma nova determinao para considerar mais seriamente as opinies das pessoas comuns sobre seu prprio passado do que costumavam fazer os historiadores profissionais. Cf. BURKE, Peter. Abertura: a nova histria, seu passado e seu futuro. In: BURKE, Peter (org.). A Escrita da histria: novas perspectivas. (Trad.) Magda Lopes. So Paulo: Ed. da Unesp, 1992, pp. 12-16.

  • na vida escolar, incluindo, portanto, tambm as prticas docentes. Assim, atravs dos relatos das/dos ex-educandas/os possvel remontar atuao das professoras, pois mesmo quando outras pessoas no estejam presentes entrevista propriamente dita, sua presena exterior invisvel pode ter influncia (THOMPSON, 1992, p. 161).

    A memria4 exerce um papel importante na pesquisa que se utiliza de relatos orais, uma vez que dela que se extraem as informaes, por vezes ainda no documentadas, da vivncia dos sujeitos nos primrdios do primeiro Grupo Escolar.

    Neste sentido, Ecla Bosi (1994) nos indica que o trabalho com pessoas idosas se apresenta frutfero, e expe o pensamento do socilogo francs Maurice Halbwachs5, que distinguia a memria do adulto da do idoso: para o primeiro a memria um momento de fuga, as lembranas da infncia no so utilizadas seno para uma ocasio de fuga da realidade; para os idosos, o exerccio de rememorar a infncia adquire o status de balano do tempo vivido, j que o estudo do cotidiano no mais lhe exige tantas tarefas como quando estava na vida adulta.

    H um momento em que o homem maduro deixa de ser um membro ativo da sociedade, deixa de ser um propulsor da vida presente de seu grupo: neste momento de velhice social resta-lhe, no entanto, uma funo prpria: a de lembrar. A de ser a memria da famlia, do grupo, da instituio, da sociedade (BOSI, 1994, p. 63).

    Deste modo, buscando remontar a trajetria das prticas escolares do gnero feminino nos primrdios da educao de Presidente Prudente, foram entrevistados 8 sujeitos6 que compartilharam da mesma espacialidade e da mesma temporalidade7, uma vez que

    4 De acordo com Jos Manoel Vieira Soares Resende (2009), a memria um facto, um instrumento utilizado

    pelos indivduos e pelos grupos para salvaguardarem o seu passado, isto , para lutarem contra o esquecimento, recolocando no presente as principais referncias transportadas pelas recordaes e tradies j ocorridas, e que se articulam com as idias e convenes presentes que, por sua vez, contribuem para reconstruir aquele mesmo passado. Cf. RESENDE, Jos Manoel V. S. O silncio das inocentes: o lugar simblico do corpo das professoras na produo social da memria e da revalorizao da profisso docente no Estado Novo. In: BRABO, Tnia Suely Antonelli Marcelino (org.). Gnero, educao e poltica: mltiplos olhares. So Paulo: cone, 2009. p. 201.5 Cf. HALBWACHS, Maurice. Les cadres socieux de la mmoire. Paris: Flix Alcan, 1925; HALBWACHS,

    Maurice. La mmoire collective. Paris: PUF, 1956.Foram entrevistadas 7 mulheres e 1 homem que concordaram em divulgar os seus nomes na dissertao: Elza

    Mascarenhas, Ygnez Portiolli Mazzaro, Olga Portiolli Furlanetti, Eivacyr Josephina Giglio Gomes, Hermnia Giglio Rocha, Lourdes Ferreira da Mota, Snia Prestes Csar e Irineu Rodrigues.As pocas possuem um determinado perfil histrico que, muitas vezes, fica diludo nas anlises

    macroestruturais e impedem o historiador de captar as diversas tonalidades das quais aquele perodo foi portador. Caminhar em meio microestrutura dos fatos cotidianos e das idias do dia a dia, expostas por sujeitos nicos, embora inseridos na coletividade e nela promovendo mudanas, viabiliza captar seus cdigos verbais e a expresso das suas mentalidades e como estas se construram na cotidianidade de suas existncias (ALMEIDA, 1998 (b), p. 124).

  • frequentaram a mesma instituio escolar, no contexto abordado nesta pesquisa. Buscou-se assim, extrair de seus relatos as caractersticas mais particulares de sua vivncia no grupo escolar, mincias do cotidiano, uma vez que este nos remete a um universo, onde os personagens transitam em um determinado momento de suas vidas, num dado espao fsico, em que o caminho traduz toda a sabedoria, a fora e a poesia da vida, e as manifestaes sociais e histricas de uma poca (TOFOLI, 2003, p. 81).

    Assim, procedemos s entrevistas baseados na teoria da Histria Oral8 e orientando-se, dentre outros autores, pela concepo elaborada por Paul Thompson (1992). Este autor nos indica que existem trs modos pelos quais a Histria Oral se constitui: o primeiro se caracteriza pela utilizao dos relatos da vida de um s sujeito; a segunda maneira de se construir a histria oral se d atravs da coletnea de histrias de vida; e a terceira forma denominada anlise cruzada, pois nela os relatos orais so utilizados como fontes de informao e so agregados a outros tipos de fontes.

    Foi aplicada a anlise cruzada nesta pesquisa, uma vez que utilizamos da histria oral temtica9, isto , inquirimos os sujeitos apenas sobre o seu perodo de vivncia no Grupo Escolar e no como ocorre na histria de vida, na qual o intento captar o relato de toda a vida do indivduo. Assim, tendo em vista os nossos objetivos e as fontes disponveis, seguimos a recomendao de Paul Thompson:

    (...) sempre que o objetivo primordial passe a ser anlise, a forma global j no pode ser orientada pela histria de vida como forma de evidncia, mas deve emergir da lgica interna de exposio. Em geral, isso exigir citaes muito mais curtas, comparando a evidncia de uma entrevista com a de outra, e associada evidncia proveniente de outras fontes (THOMPSON, 1992, p. 304).

    Buscou-se refazer o contexto histrico brasileiro, paulista e prudentino voltando as atenes para a atuao das mulheres na esfera pblica da sociedade, para a implantao da

    8 Assim como Verena Alberti (2005), entendemos a histria oral como sendo (...) um mtodo de pesquisa

    (histrica, antropolgica, sociolgica etc.) que privilegia a realizao de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, vises de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo. Como consequncia, o mtodo da histria oral produz fontes de consulta (as entrevistas) pra outros estudos, podendo ser reunidas em um acervo aberto a pesquisadores. Trata-se de estudar acontecimentos histricos, instituies, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, conjunturas etc. luz de depoimentos de pessoas que delas participaram ou os testemunharam Cf. ALBERTI, Verena. Manual de Histria Oral. 3 Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 18.9 A histria oral temtica utiliza-se de entrevistas temticas, e so assim denominados por se voltarem

    prioritariamente para o envolvimento do entrevistado no assunto em questo, so aquelas que versam prioritariamente sobre a participao do entrevistado no tema escolhido (ALBERTI, 2005, p. 20-37).

  • escola primria graduada e para as contribuies das professoras primrias nesse processo. Para tanto, a dissertao se estruturou em trs captulos.

    O primeiro captulo teve incio com a histria do surgimento da cidade de Presidente Prudente10 dentro do contexto da Marcha para o Oeste, a evoluo da especulao imobiliria e o coronelismo. Em seguida, analisamos o surgimento da escola primria graduada no Estado de So Paulo. A necessidade de educar a massa populacional, apoiada na crena de que o pas no poderia evoluir com uma populao ignorante, levou o Estado de So Paulo a padronizar e a racionalizar o ensino primrio criando, em 1893, os Grupos Escolares. Uma forma de modernizar a escola foi alterar o mtodo de ensino e, consequentemente, as atividades e os materiais. Por fim, analisamos o surgimento das primeiras iniciativas educacionais em Presidente Prudente, iniciando-se a partir de 1921 com a instalao das Escolas Reunidas e sua evoluo at vir a se tornar, em 1925, o 1 Grupo Escolar.

    No segundo captulo, mostramos que aps a Proclamao da Repblica no Brasil, o governo procurava modernizar o pas, e as mulheres se aproveitaram do momento para ganhar cada vez mais espao na esfera pblica. medida que, a sociedade burguesa se modernizava e se europeizava novos postos de trabalho eram abertos, os quais as mulheres tinham condies de ocupar, em especial o trabalho docente, fazendo com que a sociedade brasileira entrasse em conflito com a sua tradio, revelando uma posio dicotmica em relao ao trabalho feminino, pois a economia necessitava dele, mas a moral o restringia. Alm disso, os indivduos do gnero masculino que exerciam a funo docente e que nunca foram dignamente remunerados viam despontar a figura feminina buscando espao no nico canal que fora aberto s mulheres. Portanto, as professoras tiveram que lidar com todo o preconceito e misoginia de uma sociedade agrria e patriarcal, alm da resistncia exercida pelos profissionais do gnero masculino que viam na mulher uma concorrente em uma rea profissional j h muito combalida. Em seguida, mostramos que foi nesse contexto de

    dentro deste contexto da marcha do caf pelos espiges do extremo-oeste de So Paulo, tendo como amparo a Estrada de Ferro Sorocabana, que se coloca o aparecimento de Presidente Prudente. A busca de solos virgens para o caf, a especulao com terras e a colonizao pelo loteamento de grandes glebas resumem as caractersticas do povoamento da Alta Sorocabana. Os ncleos urbanos surgiram como postos de apoio para a explorao econmica da regio. A cidade de Presidente Prudente nasceu da reunio de dois ncleos urbanos criados para ampararem as vendas de terras feitas pelo Coronel Francisco de Paula Goulart e Coronel Jos Soares Marcondes, que foram os responsveis por sua fundao e sistemtica colonizao, respectivamente. Era preciso um centro de ligao entre o serto e o mundo povoado que ficava retaguarda, um local de estabelecimento de gneros e instrumental para o trabalho, onde se encontrasse escola, farmcia, mdico e hospital. Esses elementos seriam atrativos para a fixao de compradores de terras. Eis o fundamento bsico para o aparecimento da Vila Goulart e da Vila Marcondes, povoados que o municpio criado englobou na cidade de Presidente Prudente (ABREU, 1972, p.42-47).

  • feminizao do magistrio que as professoras chegaram a Presidente Prudente, e diante da falta de documentao a respeito da ao das docentes, recorremos aos relatos de algumas educandas, remontando assim um pouco da prtica das docentes atravs das diferentes lembranas que se fixaram nas memrias de cada uma. Finalizando o captulo, exposta a educao no mbito estadual, com o declnio do impulso inicial de construo de grupos escolares juntamente oligarquia na ltima dcada da Primeira Repblica, arrefecimento este motivado por diversos fatores, dentre eles a mudana de pensamento em relao eficcia das escolas que passou do entusiasmo pela educao para o otimismo pedaggico.

    No incio do terceiro captulo foi exibido um conjunto de reivindicaes de vrios membros da sociedade prudentina em prol de melhorias e de um prdio adequado para o grupo escolar, uma vez que a populao escolar aumentava exponencialmente, sem uma

    proporcional contrapartida financeira do Estado. Com isso, caracterizamos tambm a trajetria feita pelo grupo tendo que se instalar em prdios alugados e inadequados para fins educacionais. Tratamos tambm de caracterizar o cotidiano das prticas que compunham a cultura escolar atravs dos relatos das/dos ex-educandas/os. Assim, passamos anlise da atuao das docentes dentro e fora dos muros escolares, isto , apresentamos quais foram as contribuies das professoras para a construo da cultura escolar e para a conquista do prdio prprio para o grupo escolar. Por fim, so exibidos os frutos da luta que envolveu diversos indivduos e que ao fim resultou na edificao definitiva do Primeiro Grupo Escolar de Presidente Prudente.

  • CAPTULO 1 OS PRIMRDIOS DA EDUCAO EM PRESIDENTE PRUDENTE

    1.1 A filha dos coronis

    O ttulo atribudo a esse item pode suscitar dvidas em relao sua significao, mas de fato a cidade de Presidente Prudente nasceu da iniciativa de dois coronis. No que essa relao fosse amistosa, na verdade o convvio entre os fundadores da cidade era conflituoso em funo das disputas polticas, marcadas por posturas distintas: de um lado, a posio pioneira do Coronel Francisco de Paula Goulart11 que, mesmo sendo um vendedor de terras, almejava fazer daquele local uma cidade; e do outro, o Coronel Jos Soares Marcondes12, que via na Alta Sorocabana a rica possibilidade da especulao de terras.

    Inicialmente surgiram dois ncleos urbanos para respaldar a comercializao de terras pelos dois coronis. A propriedade do Cel. Goulart era denominada Pirap-Santo Anastcio e a gleba do Cel. Marcondes, Montalvo. Essas terras, de acordo com Abreu (1972), localizavam-se no extremo sudoeste paulista, entre os Rios do Peixe e Paranapanema.

    A Fazenda Pirap-Santo Anastcio pertencia famlia Goulart desde 1890, quando o pai do Cel. Goulart, Manoel Pereira Goulart, permutou aquela imensa propriedade com Joo Evangelista Alves de Lima e sua esposa Maria Cndida de Lima. Atravs de antigos registros em cartrios da regio, Abreu (1972) mostra que essas terras no pertenciam legalmente ao casal que as permutara, o que tornava invlida aquela transao, fato este que no incomodou nenhuma das partes envolvidas, posto que o negcio foi finalizado com xito.

    Podemos, entretanto, deixar essa questo da legalidade de lado, pois o que nos interessa, historicamente falando, que a Pirap-Santo Anastcio esteve nas mos da famlia

    Francisco de Paula Goulart, filho de Manoel Pereira Goulart e Militnia Cndida Marques, nasceu a 5 de fevereiro de 1879, no distrito de So Joaquim da Serra Negra, atualmente Alterosa-MG. Acompanhando seus pais, em 1880, mudou-se para o municpio de Campos Novos do Paranapanema. Participou de lutas polticas junto com o pai contra os poderosos de Campos Novos do Paranapanema, em funo de Manoel Pereira Goulart manter-se monarquista. Morreu com 89 anos, na cidade de So Paulo, em 26 de fevereiro de 1968. Cf. ABREU, Dires Santos. Formao histrica de uma cidade pioneira paulista: Presidente Prudente. Presidente Prudente: Faculdade de Filosofia, Cincias e Tecnologia, 1972, p. 45.12

    Jos Soares Marcondes nasceu em Barra Mansa-RJ, em 13 de fevereiro de 1880. Em 1919, iniciou os empreendimentos de colonizao em Presidente Prudente. Em 1920, fundou a Companhia Marcondes de Colonizao, Indstria e Comrcio. Era otimista, empreendedor e entusiasta. Nada o abalava. Diante de um fracasso, partia novamente para a luta. Falida a Cia. Marcondes em 1927, deposto da liderana poltica pela Revoluo de 1930, acometido por um derrame em 1931, ainda encontrou energia para montar com amigos uma sociedade para explorar mquinas de benefcio de caf e cereais. Morre pobre, em 1936, em So Paulo (ABREU, 1972, p. 47).

  • Goulart que nela promoveu o povoamento, e o aparecimento de Presidente Prudente (ABREU, 1972, p. 55).

    Com a morte de Manoel Pereira Goulart em 1909, sua esposa Militnia toma a dianteira do empreendimento da famlia. Na verdade, essa administrao j se dava desde a invalidao de Manoel Goulart, em 1891, em funo de este ter sido acometido por uma doena mental.

    Francisco de Paula Goulart que era o filho mais velho assessorava a sua me na venda das terras. Com a diviso do esplio13, Francisco aproveitou-se para comprar varias partes da Pirap-Santo Anastcio de seus irmos, construindo, desta forma, um patrimnio considervel. Somente anos depois, em 1917, a fim de iniciar a explorao de sua propriedade atravs das plantaes de caf e milho, foi que o Cel. Goulart resolveu viajar de Assis, onde residia, at as terras14 herdadas.

    Esse retorno, entretanto, no era desinteressado, uma vez que o Cel. Goulart j sabia que a construo de mais uma estao da Estada de Ferro Sorocabana seria realizada ali perto. Deste modo, aproveitou para visitar o local e chegando l, conheceu o engenheiro Joo Carlos Fairbanks, responsvel pela obra que se iniciaria, solicitando to logo ao mesmo que projetasse, em frente futura estao, um ncleo urbano15. O Dr. Fairbanks, entretanto, alegando estar totalmente absorvido nos trabalhos para a construo da estao, no atendeu ao pedido do Cel. Goulart, se limitando apenas a colocar dois piquetes a alguns metros distantes da futura estao frrea, na distncia de 26,40 metros um do outro, largura das futuras avenidas do ncleo ainda em mato apenas roado (ABREU, 1972, p. 61).

    Como o Dr. Fairbanks no pde projetar o ncleo urbano, o Cel. Goulart juntamente com o agrimensor Cssio Rawslton da Fonseca, encarregaram-se de traar as primeiras ruas, avenidas e quarteires16 daquela que, num futuro prximo, seria Presidente Prudente.

    No inventrio, a Fazenda Pirap-Santo Anastcio foi avaliada em 300:000$000, com uma rea de 90.000 alqueires mais ou menos, na situao de imvel pr-indiviso (ABREU, 1972, p. 58).

    De acordo com o Dr. Fairbanks, o ncleo urbano de Presidente Prudente teve incio com a locao, em plena mata virgem, do eixo atual da Avenida Antnio Prado, a 14 de setembro de 1917 Cf. FAIRBANKS, Joo Carlos. Os primrdios da regio da Alta Sorocabana. In: GOULART, Francisco de Paula. Bandeirante do Sculo XX Fundao de Presidente Prudente narrada pelo Fundador - 1917-1967. Caxias do Sul-RS: Grfica So Paulo das Edies Paulinas, 1967, p. 11.

    Inicialmente, contudo, a inteno do Cel. Goulart no era essa, como ele mesmo relata: No obstante, meu objetivo era mais a lavoura. Mas, segundo observei no percurso feito, resolvi prosseguir na colonizao h muito iniciada pelo meu Saudoso Pai. Neste caso, j pensei na organizao de certo Ncleo para a concentrao da futura populao por mim prevista (GOULART, 1967, p. 22).

    (...) o alinhamento dos quarteires compreendidos na rea entre as quatro avenidas originais da cidade, teve incio em novembro de 1918 sendo que primeiro houve mister derrubar-se a espessa floresta e plantou-se a rea, pois no havia plantao alguma ao ponto dos animais do servio da construo alimentarem-se exclusivamente das flhas de coqueiros (FAIRBANKS, 1967, p. 11).

  • Mediante minha previso ou resoluo, tratei eu mesmo de esboar o Ncleo como imaginei, o qual se comps de vinte e cinco quarteires de 88 por 88 metros, limitados por quatro Avenidas de vinte e seis metros e quarenta centmetros de largura. E cada quarteiro compondo-se de oito datas de 44 por 44 metros cada uma. O total da rea do Ncleo ou Quadra, como eu denominei, era de vinte e cinco quarteires, como ficou dito (GOULART, 1967, p. 23).

    Figura 01: Planta da Vila Goulart (1919).

  • Tendo sido estabelecida esta demarcao, Goulart improvisou um casebre no local e iniciou as vendas de terras. O Cel. Goulart estava muito empenhado nessa especulao imobiliria, e facilitava ao mximo as negociaes, criando lotes de diversos tamanhos, com diversos preos17, chegando, s vezes, a doar terrenos. Com isso, diversos indivduos foram atrados para a regio, tanto os que possuam dinheiro, quanto os aventureiros. Isto no o preocupava, pois acalentava esperanas de grandes lucros nas vendas dos lotes rurais. A cidade precisava crescer depressa para atrair e fixar compradores de terras (ABREU, 1972, p. 63).

    Em 19 de janeiro de 1919 foi enfim inaugurada a estao da Sorocabana, aumentando o trfego de compradores de terras na regio.

    Saindo de Botucatu, aonde os trilhos chegaram em 1889, a Alta Sorocabana constituiu uma das ltimas regies pioneiras de So Paulo. Passando por Piraju e Campos Novos, a ferrovia chegou a Presidente Prudente em 1919 e a Presidente Epitcio em 1922 (SOUZA, 2006, p. 106).

    Figura 02: A expanso da Estrada de Ferro Sorocabana.

    As ferrovias eram a expresso do desenvolvimento econmico paulista, uma vez que eram elas que transportavam o maior valor econmico de So Paulo: o caf. medida que a

    O prprio Coronel Goulart escreve que estabeleceu preos ao alcance de todos, em sendo de trinta mil ris (Ncr$ 30,00) para datas com frente das ruas, e de cinqenta mil ris (Ncr$ 50,00) com frente para as Avenidas, s que estabeleci condies para edificar logo (Goulart, 1967, p. 25).

  • ferrovia avanava, a estrutura que lhe dava suporte, outrossim, ganhava terreno e mo-de-obra era contratada para a sua construo e posterior manuteno. Esse foi o enredo do surgimento e/ou do desenvolvimento de vrias cidades e no Oeste paulista no foi diferente.

    A chegada da linha frrea visando o escoamento da produo cafeeira trouxe tambm indivduos interessados na comercializao de terras, em funo de sua abundncia no inexplorado Oeste paulista. Foi atravs dos trilhos que os interessados nas novas terras do Estado de So Paulo visitavam os lotes, os compravam, se estabeleciam e desenvolviam a regio.

    A regio do Oeste paulista foi privilegiada pela presena dos caminhos de ferro que aliceraram a expanso cafeeira, valorizaram as terras transformadas em mercadoria pela Lei de Terras de 1850, tornando a especulao imobiliria um outro bom negcio para os grandes fazendeiros (...). (POSSAS, 2001, p. 101)

    Deste modo, dentro do contexto dessa marcha para o Oeste paulista a chegada da linha frrea trouxe consigo tambm outra pea chave para o surgimento de Presidente Prudente: Jos Soares Marcondes.

    O Coronel Marcondes iniciou as suas atividades na Alta Sorocabana em 1919, como simples agente de negcios, vendendo terras do quinho de Dr. Amador Nogueira Cobra, no Montalvo, tendo obtido opo de venda de 4.700 alqueires. Para si prprio, adquiriu cerca de 500 alqueires, onde abriu uma fazenda denominada So Jos. Em1920, comprou tda aquela rea por 200.000$000. (ABREU, 1972, p. 69)

    Experiente, o Cel. Marcondes iniciou tambm a sua especulao imobiliria, vendendo lotes urbanos e rurais. Antevendo qual a finalidade seria atribuda s terras pelos futuros compradores, Marcondes procurou os servios de um agrimensor para preparar as mesmas para o plantio de caf. Este empenho do Coronel frutificou e as vendas se ampliaram significativamente, fazendo at com que fosse criada a Companhia Marcondes de Colonizao, Indstria e Comrcio, com sede em So Paulo, em pleno Largo do Caf.

    A forma empreendedora com que atuava o Cel. Marcondes denota bem a nova maneira de se lidar com as terras. Historicamente, as terras eram obtidas por seus proprietrios atravs de esplios ou de transaes individuais, quando houve a necessidade de se buscar novos terrenos para o plantio do caf no Estado de So Paulo, empreendedores, tal como o Cel. Marcondes, enxergaram a uma boa oportunidade de prosperar atravs da especulao imobiliria.

  • Para que a venda dessas terras pudesse ser facilitada, as companhias de colonizao mobilizavam todo um aparato comercial com investimento em publicidade18, transporte para os compradores e at a criao de ncleos urbanos com uma estrutura suficiente para abrigar quem aportasse naquelas terras desconhecidas.

    Figura 03: O mapa de So Paulo no ano de 1904 descrevia a regio do extremo-oeste do Estado como terrenos desconhecidos.

    assim que surge a Vila Marcondes e com ela completa-se o processo pioneiro que daria origem cidade de Presidente Prudente. Desse ponto em diante, as Vilas Goulart e

    Nos vages das estradas de ferro, havia cartazes que mostravam um trem saindo de um corte e entrando em um aterro. Junto aos trilhos, terras cheias de cafezais. Do lado, um homem forte, bigodudo, bem vestido, com corrente de relgio mostra, dizendo a um caipira: fique rico comprando terras na Alta Sorocabana. A Companhia Marcondes chegava a fretar vages da Sorocabana para trazer os compradores de terras. Um fato curioso, que mostra bem o nvel de comprometimento de Marcondes com a prosperidade de seus negcios foi a sua ida Itlia, mantendo inclusive contato com Mussolini em 1923, com vistas a trazer imigrantes para as suas terras, o que, no entanto, no se efetivou (ABREU, 1972).

  • Marcondes deram continuidade ao processo de crescimento tomando cada vez mais feies de uma cidade. Assim, em 1921, foi criado o distrito policial para dar segurana s duas Vilas, fato que elevou o status do povoado, mas ainda era pouco.

    O passo seguinte para se atrair mais compradores era a criao do municpio, iniciativa encabeada pelo entusiasmo do Cel. Goulart. Porm essa no seria uma tarefa simples, existia um jogo de interesses polticos e econmicos nos quais estavam envolvidas as cidades vizinhas. Exerceram, deste modo, uma forte oposio criao do municpio as cidades de Conceio do Monte Alegre e Campos Novos do Paranapanema, respaldadas pelo chefe poltico regional, Ataliba Leonel, pois este no via interesse na elevao do distrito policial ao status de municpio, j que a populao de eleitores ali existente no lhe era satisfatria.

    No entanto, o empenho do Cel. Goulart, atravs de sua amizade com o senador Dr. Abelardo Cerqueira Cezar, e se aproveitando do ensejo da visita do presidente Washington Lus Presidente Prudente, conseguiu contornar a situao de impedimento poltico elevao daquelas terras ao status de municpio. Assim, pela sano da Lei n 1798 de 28 de novembro de 1921, Presidente Prudente se tornou oficialmente um municpio do Estado de So Paulo.

    O nvo municpio possua uma rea de crca de 20.000 Km2 constituindo 8% da rea total do Estado. Estava coberta na sua maior parte por espssa mata virgem. O dorso da rea era percorrido pela Estrada de Ferro Sorocabana. Ao longo de seus trilhos, os povoados, ou melhor dizendo, as estaes, doze ao todo, algumas tendo em si embries de cidade. De maior destaque, s Indiana e Santo Anastcio. No momento da criao do municpio, a cidade de Presidente Prudente contava com 580 casas. Agora cabea poltica administrativa da regio, iria tomando cada vez mais a posio de Capital da Alta Sorocabana (ABREU, 1972, p. 93).

    Com a criao do municpio tiveram incio as disputas pelo poder. Inicialmente Marcondes e Goulart intentaram uma unio19 para formar um Diretrio Poltico, mas em funo de desentendimentos a ciso no tardou a acontecer. Deste modo, duas propostas de Diretrio foram submetidas Comisso Diretora do PRP (Partido Republicano Paulista), que no aprovou nenhuma. E as eleies se aproximavam com esse racha entre as faces

    Em seu livro, o Cel. Goulart descreve o seguinte episdio da tentativa de aliana proposta pelo Cel. Marcondes: (...) Marcondes me pediu certo particular o que aquiesci. Havendo-nos passado para a outra sala, eu e le. Ento le me mandou sentar, assentou em minha frente, fixando o olhar em mim, e disse : . E disse repetidas vzes: no ? no ? (GOULART, 1967, p. 33).

  • goulartistas e marcondistas, at que tendo sido realizada as eleies em dezembro de 1922, logo em janeiro de 1923 a primeira Cmara Municipal foi instalada, com a vitria de Goulart.

    O Cel. Marcondes, entretanto, no aceitando a situao e com o apoio de Ataliba Leonel, conseguiu instalar a sua Cmara Municipal. Essa dualidade de Cmaras perdurou at agosto, quando enfim foi oficializada somente a Cmara goulartista.

    O municpio entrou em normalidade administrativa em 27 de agsto de 1923, quando se instalou a definitiva Cmara Municipal, reconhecida legalmente pelo Tribunal de Justia do Estado de So Paulo. Aquela passou a ser a data oficial da instalao do municpio (ABREU, 1972, p. 215).

    O Cel. Goulart governou sem grandes oposies ao seu trabalho durante todo o seu mandato (1923-1925). Mas como ressalta o prprio Cel. Goulart, Jos Marcondes no foi como simples colonizador, mas com idias polticas, como logo se manifestou ou agiu e j se fazendo meu adversrio (GOULART, 1967, p. 26). Assim, no ano de 1925 foi a vez do Cel. Marcondes se eleger prefeito, bem como a todos os seus candidatos vereana, alm ainda de ascender presidncia do Diretrio Poltico do PRP. Para a complementao da hegemonia poltica, Marcondes conseguiu se livrar da tutela poltica de Ataliba Leonel, uma vez que Jlio Prestes, que era seu compadre, foi eleito presidente do Estado de So Paulo.

    Tal era a amizade entre Prestes e Marcondes, que com apenas um pedido do primeiro, velhos desafetos polticos poderiam se unir. O que de fato ocorreu em 1927, com a aliana entre os dois coronis de Presidente Prudente, apelidada de casamento dos coronis pela populao. Essa aliana proposta por Jlio Prestes conseguiu unir, pela primeira (e nica) vez as duas principais lideranas polticas, econmicas e sociais no Diretrio Poltico prudentino. Entretanto, trs anos foi o tempo de durao dessa unio, com o rompimento, em 1930, desse casamento pelo Cel. Goulart. E era natural que essa unio no duraria muito, afinal, ela sufocava intersses econmicos e polticos poderosos na medida em que ambos disputavam compradores para as suas terras e que a supremacia de um significava a vaidade ferida de outro (ABREU, 1972, p. 220).

    Todavia, considerando-se o todo da histria de Presidente Prudente, no exagero dizer que a cidade filha dos coronis, uma vez que alm de estes terem dado o passo inicial para o surgimento do municpio, eles, por tudo o que fizeram pelos habitantes/compradores de

  • suas terras, tinham uma atitude paternalista mesmo, que era afinal a marca do ttulo de Coronis20 que ora ostentavam por aclamao popular.

    A presena do Coronel Goulart, le prprio lavrador, era um estmulo moral para o combate. Seu prestgio de grande proprietrio resolvia questes entre os moradores, afugentava os valentes e os fora-da-lei que apareciam. Socorria nas doenas, atendia nas condies dramticas de crimes de toda a ordem, convocando as autoridades e apaziguando os nimos. O Coronel Marcondes, embora ausente, era representado pelo prestgio da Companhia Marcondes cujo armazm fornecia aos colonos e cujos prepostos os amparavam e atendiam. E quando de suas visitas, sua presena ruidosa, sempre cercando a comitiva, infundia a confiana na vitria sbre aqules dias duros de como. Deste forma, a liderana de Goulart e Marcondes era incontestvel. A poltica, no poderia, portanto, estar em outras mos. Era uma decorrncia natural do poder econmico, social e moral (ABREU, 1972, p. 82).

    Assim, o professor Dires Santos Abreu, em uma precisa anlise, nos mostra que alm de o processo de colonizao da Alta Sorocabana evidenciar a evoluo nas formas de especulao imobiliria, atravs das distintas posturas adotadas pelos dois coronis ao procederem colonizao de suas terras, o embrio da cidade teve, imprimido em si, as marcas pessoais da personalidade de cada um.

    A colonizao Goulart e a colonizao Marcondes, responsveis pelos dois ncleos originrios da cidade de Presidente Prudente, processaram-se por intermdio de dois tipos de empreendimento: o primeiro, individual, pessoal, sem planificao, sem capital seno a prpria terra herdada de uma poca em que tudo era desconhecido e se faziam grandes as posses, dependendo dos esforos e da boa vontade de um homem; era a continuao do esprito de pioneirismo do tempo de Jos Teodoro de Souza. O segundo, de carter empresarial, com maior suporte financeiro, ao invs da atitude passiva de esperar compradores, investia com estudada propaganda para a realizao dos negcios. Representava a segunda etapa do pioneirismo, a fase da especulao capitalista, das grandes companhias de colonizao. Embora de carter empresarial, a colonizao Marcondes no fugiu, porm, ao estilo pessoal de seu principal orientador, aventureiro e visionrio. Ambas foram marcadas pelas personalidades de seus proprietrios: Goulart, caboclo retrado, cauteloso, desconfiado; Marcondes, caboclo tambm, mas polido

    De acordo com Victor Nunes Leal, o coronelismo (...) um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder pblico, progressivamente fortalecido, e a decadente influncia social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras. No possvel, pois, compreender o fenmeno sem referncia nossa estrutura agrria, que fornece a base de sustentao das manifestaes de poder ainda to visveis no interior do Brasil. (...) e isto se explica justamente em funo do regime representativo, com sufrgio amplo, pois o governo no pode prescindir do eleitorado rural, cuja situao de independncia ainda incontestvel. Desse compromisso fundamental resultam as caractersticas secundrias do sistema coronelista, como sejam, entre outras, o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganizao dos servios pblicos locais Cf. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o municpio o regime representativo no Brasil. 2. ed. So Paulo: Alfa - Omega, 1975, p. 20.

  • pela vivncia nas cidades, extrovertido e ambicioso. Ambos aproveitaram a mar dos negcios que a marcha do caf pelos espiges proporcionava (ABREU, 1972, p. 80).

    Foi ento com a marca da modernidade representada pelos trilhos da Linha de Ferro Sorocabana, da passagem de antigas formas de especulao imobiliria para as mais modernas, que se deu o nascimento de Presidente Prudente. No obstante, mesmo tendo surgido acompanhando a velocidade inaugurada pelo sculo XX, foi concebida sob a gide do velho coronelismo21, prtica arraigada de tal maneira na sociedade prudentina que, mesmo no sculo XXI, ainda d mostras de vigorosidade.

    1.2 A escola primria graduada no Estado de So Paulo

    Essa foi a gente que anoiteceu na monarquia e amanheceu na repblica; gente sem cultura, quer artstica, quer cientfica, quer moral (CARDOSO, 1926, p.78).

    Com a modernizao do pas impulsionada pela Proclamao da Repblica, o modelo escolar bem como os mtodos de ensino deveriam, outrossim, se modernizar. A necessidade de educar a massa populacional, apoiada na crena de que o pas no poderia evoluir com uma populao ignorante, levou primeiramente o Estado de So Paulo a adotar medidas de padronizao e racionalidade do ensino primrio criando, em 1893, os Grupos Escolares.

    Nesse tempo o Estado de So Paulo despontava no cenrio nacional como uma nova potncia econmica, agraciada pelos lucros proporcionados pelo ouro verde. A educao foi eleita a pedra angular do desenvolvimento de uma nova nao e sua modernizao deveria ter como bases um novo modelo de escola e um novo modelo de ensino, que serviriam como estandarte da evoluo econmica do Estado em detrimento do restante do pas.

    Assim, pouco a pouco, a hegemonia do Estado de So Paulo passava a ser notada e sua legitimidade era atestada pelo sucesso do novo modelo escolar que se irradiava por toda a federao:

    O investimento bem sucedido e o ensino paulista logra organizar-se como sistema modelar em duplo sentido: na lgica que presidiu a sua

    Neste sentido, espantosa a contemporaneidade da afirmao feita por Victor Nunes Leal, em 1975: Essa estrutura continua em decadncia pela ao corrosiva de fatores diversos, mas nenhuma providncia poltica de maior envergadura procurou modific-la profundamente, como se v, de modo sintomtico, na legislao trabalhista, que se detm, com cautela, na porteira das fazendas. O resultado a subsistncia do coronelismo, que se adapta, aqui e ali, para sobreviver, abandonando os anis para conservar os dedos (LEAL, 1975, p. 256).

  • institucionalizao e na fora exemplar que passa a ter nas iniciativas de remodelao escolar de outros estados (CARVALHO, 2007, p. 225).

    O modelo escolar paulista comeou a ganhar traos institucionais de uniformidade a partir da Reforma Caetano de Campos. A estratgia utilizada para a uniformizao do ensino foi construir um Escola-modelo anexa Escola Normal. Com essa medida os/as futuros/as professores/as deveriam ver como as crianas eram ensinadas e, posteriormente, imitar tudo no seu trabalho docente.

    Para a direo da Escola-modelo foram contratadas professoras estrangeiras, dos Estados Unidos prioritariamente, onde o modelo e o mtodo preconizados j haviam surtido efeito.

    Para dirigir cada uma das sees da Escola-modelo, Caetano de Campos buscou profissionais com o domnio dos novos mtodos. Para tanto, foram contratadas as professoras Maria Guilhermina Loureiro de Andrade e Miss Marcia Browne. Ambas indicadas pelo professor Lane, diretor da Escola Americana, foram formadas nos Estados Unidos. (...) A Escola-modelo foi instalada inicialmente na Rua da Boa Morte, n 39, em um sobrado da Igreja do Carmo e inaugurada a 26 de junho de 1890. Comeou a funcionar com apenas duas classes com os primeiros anos de cada seo (SOUZA, 1998a, pp. 36-37).

    A idia de renovao da escola pelos republicanos no Estado de So Paulo se antecipava construo das modernas instalaes para a educao popular primria. A reforma da instruo pblica teve incio com a reforma da escola normal, pois era necessria a formao de professores/as que estivessem imbudos/as do esprito republicano de renovao da sociedade e com a conscincia de que uma nova civilizao nasceria pela educao, que era exatamente o seu encargo.

    Assentada no mtodo intuitivo de ensino, a Reforma pressupunha a existncia de professores/as formados/as sob a gide dos mais modernos mtodos de ensino, profissionais estes/estas que s poderiam ser encontrados fora do pas. Assim, Caetano de Campos preconizava a contratao de professores/as com conhecimento do mtodo intuitivo para lecionarem na Escola-modelo.

    Foi com a esperana depositada num mtodo que remetia prtica que a Escola-modelo foi criada: como um meio de experimentao do novo mtodo aprendido na Escola Normal e como centro legitimador e irradiador das prticas a serem adotadas em todas as escolas do Estado. Deste modo, o ensino intuitivo passou a ser obrigatrio.

  • No regulamento que for expedido para a execuo desta lei, sero minuciosamente especificadas em programas as matrias que constituem o ensino e a sua distribuio conforme o desenvolvimento intelectual dos alunos, observando-se com rigor os princpios do mtodo intuitivo (Lei 88, de 8/9/1892).

    Esse mtodo tambm era extensvel para as aulas que fossem ser ministradas em nvel primrio, pois ia ao encontro do empenho modernizador republicano. A principal crtica escola em tempos de modernizao da sociedade era que a sua ineficincia na formao causava o retardo econmico do pas, pois se os trabalhadores no eram formados adequadamente, estes no poderiam trabalhar na indstria uma vez que esta exigia um determinado nvel de conhecimentos tcnicos. Assim, a escola virou alvo da burguesia, que intentou implementar nesse espao privilegiado instrumentos que fizessem com que os indivduos que ali fossem formados, sassem nos moldes requeridos pelo capital.

    Uma forma de modernizar a escola foi alterar o mtodo de ensino e, consequentemente, as atividades e os materiais:

    (...) a chave para desencadear a pretendida renovao a adoo de um novo mtodo: concreto, racional e ativo, denominado ensino pelo aspecto, lies das coisas ou ensino intuitivo, que assim definido por um de seus elaboradores: Intueri, olhar; intuitus, observao (VALDEMARIN, 1998, p. 68).

    Neste contexto, o uso dos livros tambm passa a ser encarado de outro modo. Os livros passaram a ter uma utilidade diferente: se anteriormente Repblica eles eram o principal instrumento para aprendizagem dos/das educandos/as, no perodo republicano, com o mtodo intuitivo, eles se tornaram um instrumento de trabalho primordial para os/as professores/as.

    Esse novo mtodo era utilssimo para a burguesia, pois se assentava na observao e no trabalho. A observao visava o trabalho com a inteligncia da criana, estimulando a sua intuio e o trabalho que, na acepo froebeliana, objetivava aproximar as atividades exercidas pelas crianas s atividades do mundo adulto. Destarte, o mtodo intuitivo se encaixava perfeitamente no que propunha a burguesia ao estimular, desde cedo, o pensamento com vistas ao trabalho produtivo.

    Pode-se dizer ento que, pautado no empirismo, o mtodo intuitivo pretendeu dotar o saber escolar com a racionalidade cientfica, adequando-o erudio. O mtodo intuitivo colaborava tambm com a burguesia na medida em que moldava a sociedade e a cultura de acordo com os seus interesses, visando ao capital, uma vez que os saberes que a escola

  • veiculava eram selecionados pautados em uma ordem social e econmica, qual seja, a das elites (VALDEMARIN, 1998).

    O mrito que pode ser atribudo ao mtodo intuitivo, no que concerne especificamente educao, o de ter indicado a necessidade da criao de um modelo pedaggico dotado de intencionalidade e atento s condies sociais, culturais e econmicas do pblico a que atende.

    Somado formao de professores/as com modernos mtodos, tambm deveriam existir materiais adequados e prdios novos, que dessem respaldo criao da escola modelar.

    Tais dispositivos, materializados nas demonstraes de Escola Modelo e no exerccio da inspeo escolar, materializaram-se tambm nos Relatrios e Anurios do Ensino, como registro das prticas exemplares e do intento propagador e unificador da Diretoria da Instruo. Nessa estratgia republicana, o Grupo Escolar a instituio que condensa a modernidade pedaggica pretendida e o mtodo intuitivo a pea central na institucionalizao do sistema de educao pblica modelar (CARVALHO, 2007, p. 226).

    A Reforma da Instruo Pblica em So Paulo foi finalmente promulgada em 1892 atravs da Lei 88, de 8/9/1892, Decreto 114-B, de 30/12/1892, alterando alm do ensino primrio, o secundrio e o Normal. Em relao ao ensino primrio, ficou estabelecido que este deveria ser composto pelos cursos: preliminar, atendendo s crianas de 7 a 12 anos de idade em diferentes graus de aprendizagem, com aulas ministradas por professores/as normalistas, nas escolas preliminares; e complementar, que deveria ser ministrado nas escolas complementares para os/as educandos/as que tivessem concludo o curso preliminar, situava-se, portanto, no nterim entre o ensino primrio e o secundrio. Mas este curso complementar no logrou xito e logo em 1895 foi desvinculado do ensino primrio.

    A criao oficial dos Grupos Escolares se deu com a Lei n 169, de 7/8/1893, e Decreto 248, de 26/7/1894. Assim, no local onde existisse mais de uma escola o governo poderia reuni-las em um s prdio. Esse modelo de escola primria graduada j era corrente nos Estados Unidos e na Europa desde o final do sculo XIX e, assim como nesses pases, o Brasil o implantava com vistas ao atendimento das massas.

    A escola graduada fundamentava-se essencialmente na classificao dos alunos pelo nvel de conhecimento em agrupamentos supostamente homogneos implicando a constituio das classes. Pressupunha, tambm, a adoo do ensino simultneo, a racionalizao curricular controle e distribuio ordenada dos contedos e do tempo (graduao dos programas e estabelecimento de horrios), a introduo de um sistema de avaliao, a

  • diviso do trabalho docente e um edifcio escolar compreendendo vrias salas de aula e vrios professores. O modelo colocava em correspondncia a distribuio do espao com elementos da racionalizao pedaggica em cada sala de aula uma classe referente uma srie, para cada classe, um professor (SOUZA, 2006, p. 13).

    Foi somente aps o advento da Repblica que os governos estaduais responsabilizaram-se pela construo e manuteno dos prdios escolares. Esse carter institucional atribudo s escolas em funo destas existirem em um prdio estatal foi um fator de grande relevncia para a consolidao da escola pblica no Brasil (SAVIANI, 2004). Esperava-se, com isso, atender demanda por educao principalmente onde a populao fosse mais numerosa.

    Cada grupo escolar poderia comportar de 4 a 10 escolas isoladas e seria regido pela quantidade de professores referentes a agrupamentos de 40 alunos, contando tambm com adjuntos necessrios diretoria. Os alunos seriam distribudos em 4 classes, para cada sexo, correspondentes ao 1, 2, 3 e 4 anos do curso preliminar. Para a direo, o governo nomearia um professor da mesma escola diplomado pela Escola Normal. Nos grupos escolares poderiam funcionar no mesmo edifcio escolas do sexo masculino e do feminino, havendo completa separao dos sexos conforme prescrio legal (SOUZA, 1998a, p. 45-46).

    fato que os grupos escolares ofertaram o mesmo nmero de vagas para meninos e meninas, mas a co-educao ainda no era uma realidade. Mesmo com toda a onda modernizadora que a Repblica inaugurou, os sujeitos que implementaram as inovaes viviam em uma sociedade ainda marcada pela moralidade crist e transgredir certos dogmas ainda no era possvel.

    Contudo, a Reforma de 1892 representou um avano para a educao feminina, pois alm da maior oferta de vagas os contedos tambm se ampliaram para as meninas, apenas permanecendo diferenciadas as disciplinas de trabalhos manuais e a ginstica.

    A primeira reforma republicana da instruo pblica favoreceu o acesso das mulheres escola ao estabelecer a exigncia do Estado em criar instituies educativas para ambos os sexos com um nmero mnimo de alunos. Todavia, foram os Grupos Escolares, os estabelecimentos que propiciaram, efetivamente, o maior acesso das meninas escola ao estabelecer igual nmero de salas para ambas as sees. Tal princpio foi incorporado na concepo arquitetnica dos primeiros edifcios construdos no Estado de So Paulo para abrigar as escolas primrias compreendendo a simetria das plantas em alas especficas para meninos e meninas (SOUZA, 1998a, p. 47).

  • As inovaes no ensino e na estrutura fsica da escola surtiram o efeito desejado, uma vez que o modelo de escola primria graduada se consolidou e passou a ser o paradigma para todo o pas. Esse modelo alterou a cultura escolar, isto , (...) algumas prticas educativas e simblicas que possibilitaram escola primria paulista contribuir para a construo da nacionalidade e tornar-se guardi dos valores cvico-patriticos (SOUZA, 2006, p. 233). A suntuosidade dos prdios que passavam a agregar vrias escolas22 em um recinto comum possua um proposital apelo simblico que buscava, para alm da construo de edifcios, a inveno de uma tradio23.

    A instaurao de uma nova cultura escolar estava evidente, uma vez que tudo o que fora praticado antes da Repblica na educao brasileira estava em forte processo de mudana. A cultura material, sem dvida, foi o maior expoente de todo o processo de modernizao que dominava o pas. A escola no era mais apenas aquele espao unitrio no qual crianas de todas as faixas etrias ficavam sob a responsabilidade de um professor que emprestava a sua casa para tal finalidade. Com todo esse processo de renovao, mudanas conceituais tambm foram procedidas e algumas nomenclaturas foram alteradas, como o caso do agrupamento de vrias escolas que foi nomeado como Grupo Escolar, e a antiga noo de escola que passou a ser entendida como classe ou sala de aula do prdio escolar.

    As atividades dirias nos grupos escolares ocorriam no espao das salas de aula e dos galpes. Nas salas de aula de planta de desenho regular e moduladas, o mobilirio dos alunos era fixado no piso. No eram raras as salas com tablados para a professora. No galpo, espao sempre anexo ao edifcio principal, aconteciam as festas cvicas, quando toda a escola se reunia para ouvir os discursos, do diretor e de alguma professora, alusivos data e tambm as poesias pelos alunos mais competentes. Essa configurao do espao determinava uma forma especfica de ensinar e aprender: os alunos em dupla, sentados nas suas carteiras com cadernos e livros, e o professor soberano sobre o praticvel frente do seu principal instrumento de trabalho, o quadro negro. (BUFFA; PINTO, 2002, p. 52)

    Os espaos que atualmente conhecemos como salas de aula, no final do sculo XIX e incio do sculo XX eram denominados escolas. Desse modo, cabe aqui uma distino entre as diferentes nomenclaturas aplicadas a cada tipo de instituio escolar: Escola Isolada era aquele espao que abrigava apenas uma turma escolar; Escolas Reunidas era a denominao do agrupamento de mais de duas Escolas Isoladas, sem, contudo representar uma unicidade; Grupo Escolar era o espao organizado que poderia abrigar de quatro a dez escolas isoladas, que passaram a se denominar classes. O esprito que animou o grupo escolar foi inicialmente a reunio de escolas at consolidar uma certa unidade e organicidade que transformaria as escolas reunidas em classes e salas de aula e o grupo escolar numa escola primria una (SOUZA, 1998(b), p.49).

    Uma tradio inventada conjunto de prticas, normalmente reguladas por regras tcita ou abertamente aceitas; tais prticas de natureza ritual ou simblica visam inculcar certos valores e normas de comportamento atravs da repetio, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relao ao passado. Cf. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Orgs.). A inveno das tradies. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. (Coleo Pensamento Crtico; v. 55), p. 9.

  • A escola parte da estratgia burguesa para a educao do povo, buscando construir uma nova esttica atravs de mecanismos que exaltassem a existncia desta esttica que era construda no espao escolar, mas que deveria extrapol-lo atingindo a urbe. O objetivo era dar visibilidade modernidade, concretizar no espao urbano novas atitudes e valores a elegncia, os bons costumes, o patriotismo, a civilidade ... (VEIGA, 2007, p. 400).

    O trabalho para civilizar toda a populao era intenso e rduo, pois apagar velhos hbitos de vivncia adquiridos no Imprio no seria tarefa fcil. Uma sada para esse trabalho hercleo seria construir um modelo ideal de cidado e dissemin-lo como parmetro para toda a sociedade.

    Deste modo, o processo de valorizao da educao escolarizada pelo Estado vinha acompanhado da premncia de modernizao dos prdios, que tiveram que atender nova organizao da escola que passara a ser graduada. No seria possvel a construo de edifcios escolares somente levando-se em conta os aspectos tcnicos de uma obra, a opinio dos profissionais que ali atuariam deveria ser levada em conta.

    Esse processo ocorre em vrios pases europeus e tambm nos Estados Unidos onde o manual School Architecture, escrito por Henry Barnard, contribuiu para divulgar a nova concepo de que os prdios escolares deveriam ser cuidadosamente planejados com a participao de educadores. (BUFFA; PINTO, 2002, p. 33)

    A imagem veiculada era a de que esses prdios eram os espaos onde se formariam os novos cidados da ptria, portanto o edifcio do grupo escolar era revestido de uma simbologia de grandeza da Repblica. Todos os detalhes na construo desses prdios eram levados em conta e eram minuciosamente bem conjugados. assim que vemos caractersticas comuns entre os edifcios dos grupos no somente no que tange questo arquitetnica, mas tambm em relao sua localizao, sempre no centro das cidades, ao lado dos prdios mais importantes do poder pblico. Toda a sua imponncia exercia o papel simblico de distino dos demais edifcios privados, e igualdade em relao ao prdio da Prefeitura, ao da delegacia, ao do frum, mostrando que a educao figurava com a mesma importncia atribuda aos poderes pblicos.

    A seleo do terreno para a construo do edifcio escolar era criteriosa: quadras inteiras ou grandes lotes de esquina que proporcionassem uma visualizao completa do edifcio e permitissem mltiplos acessos. A entrada nobre, situada na fachada da escola, utilizada pelos alunos apenas em dias de festas, era secundada por entradas laterais separadas para meninos e meninas e de uso dirio. (BUFFA; PINTO, 2002, p. 44)

  • Com prtica de reunio das escolas isoladas para a formao dos grupos escolares, os/as docentes que l atuavam eram absorvidos/as sem a necessidade de concurso pblico e ganhavam o nome de adjuntos/as, nomenclatura esta que perdurou mesmo para os/as professores/as que posteriormente ingressaram mediante a realizao de concurso.

    No foi imediatamente que os grupos escolares fizeram desaparecer as escolas unitrias, que resistiram e coexistiram com os grupos. Porm, com a importncia que foi

    atribuda aos grupos escolares, as escolas isoladas no eram a preferncia dos/das normalistas. Destarte, visando evitar um esvaziamento das escolas isoladas, principalmente das rurais, o governo estabeleceu que quem desejasse ministrar aulas no grupo escolar deveria comprovar que havia lecionado por pelo menos dois anos em escola isolada.

    No era apenas a ideologia (docncia em p de igualdade com uma misso sacerdotal) que justificava o desejo de ser professor do grupo, pois alm desse relevante fator existia ainda a motivao salarial. Os grupos escolares pagavam melhor aos/s professores/as e os/as profissionais encontravam nesses prdios a vantagem de poder contar com a qualidade e as condies necessrias para o exerccio do magistrio. O prestgio social era um reforo da ideologia criada em torno do grupo escolar e dos/das profissionais que nele atuavam. Assim os/as professores/as, com todos esses incentivos, construram uma nova cultura escolar.

    Eles contriburam para a dignificao da profisso mestre, produziram prticas, modelaram estratgias de grupo, consolidaram um determinado modo de vida profissional alm de condutas e mentalidades. Nas salas de aula, nos corredores, nos ptios, na sala de professores, esses guardies da Repblica, os faroes da civilizao como se referia Caetano de Campos, foram tambm artfices da moral, dos valores cvicos e da civilizao. Mas tiveram que enfrentar dificuldades na construo do saber-fazer do ofcio de ensinar, tiveram que ser ou simular serem modernos, tiveram que enfrentar o grande desafio que consistiu nas novas relaes de poder engendradas na escola graduada. (SOUZA, 1998a, p. 54)

    Outra forma de se dotar os grupos escolares com ares de excelncia era a aplicao dos exames. A inteno em se realizar exames com um alto grau de dificuldade era exatamente criar um mecanismo que fizesse com que a escola fosse identificada como uma instituio de distino e respeito social. Para tanto, eram eleitas pessoas da sociedade para compor as bancas avaliadoras dos exames que deveriam ser pblicos e realizados como uma espcie de festa, uma celebrao da meritocracia.

  • A seletividade da escola pblica nascia na esteira da misso civilizadora. A escola para todos, ideal liberal democrtico, confrontava-se com as caractersticas da sociedade brasileira altamente hierarquizada e discriminadora, recm sada da monarquia e da escravido e pouco afeioada aos valores e cultura democrtica. (SOUZA, 2006, p. 70)

    Os festejos promovidos pelas escolas prestavam um duplo benefcio ao processo de construo de uma cultura cvica, pois ao mesmo tempo em que exaltavam os smbolos nacionais para toda a populao, legitimavam os grupos escolares como sendo os espaos mais adequados para o cumprimento da misso de educar a nao. Deste modo, era incumbncia dos grupos escolares a organizao desses (...) momentos especiais na vida das escolas e das cidades, momentos de integrao e de consagrao de valores o culto ptria, escola, ordem social vigente, moral e aos bons costumes (SOUZA, 1998b, p. 259).

    Como foi ressaltado anteriormente, o prdio do grupo escolar figurava nos centros das cidades entre as edificaes mais importantes, denotando que este possua a mesma importncia da prefeitura, da catedral, do frum ou da delegacia. Da mesma maneira que nessas instituies era necessrio um indivduo de pulso firme que as comandasse e respondesse pelas suas aes, igualmente o grupo necessitava de uma figura dessas. Deste modo, surge o diretor do grupo, que deveria comandar a instituio em todos os aspectos, desde a burocracia institucional do dia-a-dia, at responder ao governo estadual pelas aes da escola.

    Ao diretor foi atribuda a centralidade do poder, tudo o que dizia respeito organizao dos grupos deveria ser sua responsabilidade: a direo, a coordenao, a fiscalizao etc. O seu poder e influncia extrapolavam, s vezes, os muros escolares, pois a voz do diretor que era ouvida quando se tratava do tema educao, seja prestando contas s instncias de inspeo do Estado, seja para a sociedade como um todo atravs, muitas vezes, da imprensa.

    No obstante, existir um plano bem concatenado e com a clara inteno de disseminao da instruo pblica em nvel primrio, na prtica os grupos escolares paulistas no atendiam ao que propunham: o atendimento popular. Apesar do crescimento suntuoso da matrcula nas escolas isoladas e nos grupos escolares, a grande massa estava de fora desse montante:

    Apesar desse significativo crescimento o ensino primrio atingia menos da metade da populao em idade escolar. Em 1910, essa populao

  • compreendia 439.373 crianas entre 7 e 14 anos de idade. O total de matrculas nos estabelecimentos de ensino estaduais, municipais e particulares era de 146.167, isto , atingia apenas 33,3% dessa populao. (...) Pode-se dizer que os grupos escolares atenderam nas primeiras dcadas de sua implantao alunos provenientes das camadas populares, no entanto, daqueles setores melhor integrados do trabalho urbano. Deste contingente estavam excludos os pobres, os miserveis e os negros. (SOUZA, 1998a, p. 56-57)

    Deste modo a Primeira Repblica adentrava em sua ltima dcada, com a demanda por ensino aumentando e a amplitude de seu atendimento diminuindo. Em 1920 o Recenseamento Escolar, realizado durante o perodo em que Sampaio Dria foi Diretor da Instruo Pblica do Estado de So Paulo, apontava um quadro desanimador para as pretenses de se popularizar o ensino primrio, pois 67,9% da populao em idade escolar no frequentava a escola, o que se refletia no analfabetismo, outro grande problema combatido pelo Estado, que atingia na poca a impressionante marca de 74,2%.

    O projeto republicano paulista acertou ao pensar na renovao total da educao com novos prdios, novos mtodos, enfim, com a construo de uma nova cultura escolar. Entretanto, na prtica no foi possvel atender a toda a populao, pois questo da popularizao do ensino se interpunham barreiras financeiras. No era possvel a construo de grupos escolares em todos os lugares e com a alta qualidade que se esperava de tal modalidade de escola e, essas restries oramentrias se refletiam tambm nos grupos que j existiam, haja vista que estes tinham que lidar com a falta de materiais bsicos necessrios para pr em prtica o plano de uma educao com os mesmos mtodos ensinados pela Escola-modelo.

    1.3 A educao em Presidente Prudente: das Escolas Reunidas ao Grupo Escolar

    A expanso dos grupos escolares paulistas possui relao direta com o desenvolvimento dos municpios. medida que o caf avanava, linhas de trem eram instaladas para o escoamento da produo e as cidades surgiam acompanhando o ritmo desenfreado do desenvolvimento econmico. Destarte, no exagero dizer que a expanso do ensino acompanhou os rastros do caf e a marcha para o Oeste (SOUZA, 2006, p. 104).

  • Esse movimento de desenvolvimento do micro (municpios) em razo do macro (Estado de So Paulo) marcou a economia nos primeiros anos do sculo XX, afetando tambm a educao.

    Na maioria das cidades, as elites polticas e econmicas locais demandaram, exigiram, negociaram e patrocinaram a criao dessas escolas primrias modelares. A participao dos municpios foi grande oferecendo ao governo do estado prdios para o funcionamento da escola ou o terreno para a construo de edifcios ou at mesmo arcando com parte dos custos de manuteno. Em realidade, a gesto dos representantes locais junto aos setores polticos da administrao estadual envolvendo negociaes polticas (trocas de apoio e favores) foi um dos principais fatores determinantes no provimento, instalao e construo de escolas no estado de So Paulo ao longo do sculo XX. (SOUZA, 2006, p. 104)

    Em Presidente Prudente no foi diferente do restante do Estado. A primeira iniciativa em prol da educao na cidade que se tem registro foi o recenseamento executado pelo prprio fundador de Presidente Prudente, Cel. Francisco de Paula Goulart: Encontramos o prprio Cel. Goulart fazendo o recenseamento da populao em idade escolar 180 crianas para impressionar e pressionar as autoridades da poca (GRUPO ESCOLAR, 1975, p. 7).

    A prtica de reunio de escolas em um mesmo edifcio continuou a ser adotada, criando um outro tipo de escola primria denominada escolas reunidas. Embora reunidas, as escolas funcionavam independentes entre si, como isoladas. Mantendo diferenas salariais e uma organizao mais simplificada que os grupos escolares, tais escolas foram um expediente econmico utilizado pelo governo, uma forma de protelar a criao do grupo escolar na localidade. (SOUZA, 1998b, p. 50)

    Embora parecesse uma iniciativa positiva as Escolas Reunidas, estas estavam servindo como uma espcie de tapa buraco na instruo pblica estadual. O governo paulista estabeleceu normas para a criao dos grupos escolares, pr-requisitos mnimos para que se pudesse mudar de categoria (de Escola Reunida para Grupo Escolar) e, por conseguinte, receber maiores investimentos. O grupo escolar poderia comportar de 4 a 10 escolas isoladas e seria regido pela quantidade de professores referentes a agrupamentos de 40 alunos, contando com adjuntos necessrios a critrio da diretoria. Os alunos seriam distribudos em 4 classes, para cada sexo, correspondentes ao 1, 2, 3 e 4 anos do curso preliminar (SOUZA, 1998).

    No contexto do surgimento da primeira iniciativa escolar de Presidente Prudente, na dcada final da Primeira Repblica, o cenrio histrico mostrava que a construo das Escolas

  • Reunidas servia tambm ao projeto expansionista e pioneiro da criao do municpio prudentino. Isto porque, muito embora a iniciativa da construo de uma instituio escolar mostrasse uma preocupao do fundador da cidade com a educao escolar, denotava, igualmente, uma preocupao econmica (oferecendo educao para os filhos dos que comprassem as terras daquele lado da ferrovia Sorocabana) e poltica (aspirando a Cmara municipal).

    No livro que trata da histria da fundao de Presidente Prudente, escrito pelo prprio protagonista, o Cel. Francisco de Paula Goulart, este relata o aumento da populao24 no ano de 1920 e a sua preocupao em atender as necessidades que esse aumento acarretava.

    Tal foi o aumento da populao, que j cogitei das escolas, digo, da criao de escola para as crianas. Eu executando o recenseamento, consegui o nmero de cento e oitenta, nmero que apresentei ao professor Hulman, Diretor Geral do Ensino do Estado, que no s foram criadas as Escolas, como imediatamente reunidas em quatro classes, em sendo: duas masculinas e duas femininas. Dela fra nomeado Diretor, o professor Walfredo Arantes Caldas. Para tal objetivo muito me auxiliou o ento professor Victor Romano, Inspetor Escolar Estadual com sede em Assis, havendo me fornecido at uma cpia do mapa da circunscrio que compreendia aquela regio, o qual apresentei tambm ao j referido Diretor Geral do Estado, o ento Professor Hulman, completando assim o meu objetivo. (GOULART, 1967, p. 26)

    Deste modo, a primeira iniciativa escolar em Presidente Prudente se d pela iniciativa do prprio fundador da cidade e, no ano de 1921, as Escolas Reunidas j estavam em pleno funcionamento:

    So as ESCOLAS REUNIDAS, sob a direo do Professor Walfredo Arantes Caldas. Representam a dura conquista da cidade que marcava o seu 4 aniversrio. Al est a valente professora, pioneira do ensino em terras prudentinas. Seu nome? ANA ROSA PINHEIRO. Quantos alunos ela v? 41. Que dia ? 14 de setembro de 1921. (GRUPO ESCOLAR, 1975, p. 7)

    De acordo com o Livro de Atas de Promoes, no ano de 1922 as Escolas Reunidas j contavam com o trabalho do diretor, Walfredo Arantes Caldas e de trs professoras: Anna Rosa Pinheiro, Maria Ignez Bonatto Cepellos e Anna Camargo. No referido ano houve a matrcula de 203 crianas sendo 102 meninos e 101 meninas.

    De acordo com Abreu (1972, p. 81), o recenseamento oficial de 1920 apontava que os habitantes da zona urbana atingiam o nmero de 846 e o recenseamento escolar acusava 251 crianas de 5 a 12 anos de idade, nmeros superiores, portanto, queles anteriormente arrolados pelo Cel. Goulart em sua contagem, o que s reforava a necessidade do provimento do ncleo urbano com os servios escolares.

  • No ano de 1923, alm dos trabalhadores de outras regies do Estado que se instalavam em Presidente Prudente, um grande nmero de famlias de imigrantes na sua maioria espanhis, japoneses, portugueses e italianos, comeou a chegar cidade.

    Para atender essa demanda criaram-se mais 2 classes, passando a escola a ter, ento, 6 classes: 3 masculinas e 3 femininas. Assim mesmo, o nmero de alunos ainda era diminuto. Havia classes, por exemplo, com um total de 6 alunos (2 ano feminino e 1 B masculino Livro de atas e exames de 1923, p.2) e de no mximo 12 alunos (1 A feminino Livro de atas e exames de 1923). (RIBEIRO, 1999, p. 29)

    Em 1923 ainda, o nmero de crianas em idade escolar se amplia para 243, haja vista que a populao da cidade estava aumentando desde a chegada da Estrada de Ferro Sorocabana em 1919 (ABREU, 1972). Assim, houve a necessidade de se criar mais duas salas. Entretanto, mesmo com esse crescente nmero de estudantes, as Escolas Reunidas ainda no podiam se transformar um grupo escolar.

    Pelo regulamento de 1921 (Decreto n 3.356, de 31.05.1921) as escolas reunidas poderiam ser instaladas onde quer que houvesse 160 alunos num raio de dois quilmetros e os grupos, onde houvesse 400 alunos a serem matriculados. (SOUZA, 2006, p. 118)

    importante situar o aparecimento e consequente expanso das Escolas Reunidas de Presidente Prudente no contexto mais amplo do Estado de So Paulo. Assim, se por um lado a demanda por educao na recm fundada cidade era grande, tambm havia a conjuntura estadual de reformas da educao25 que favorecia a implantao e expanso dessa modalidade de escola.

    Pela primeira vez, desde a reforma republicana da instruo pblica realizada entre 1890 e 1896, foi interrompida a criao e instalao de grupos escolares. De outro modo, a poltica dos reformadores nos anos 20 orientou-se para a multiplicao das escolas reunidas priorizando a organizao e distribuio do ensino primrio nas vilas, distritos de paz e bairros populares dos ncleos urbanos. Assim, enquanto em 1920 havia 52 escolas reunidas em So Paulo, em 1924, o nmero total dessas escolas passou a computar 357 unidades. (SOUZA, 2006, p. 95)

    No final do ano de 1924, as Escolas Reunidas de Presidente Prudente contavam 6 classes e com uma alta procura pelos seus servios, com 194 crianas matriculadas (96

    25

    As reformas educacionais da dcada de 1920 sero discutidas no final do Captulo 2 (item 2.4).

  • meninos e 98 meninas) (SO PAULO, 1924). No final deste ano, acompanhando a troca das Reformas, com a exonerao de Sampaio Dria, Diretor Geral da Instruo Pblica do Estado de So Paulo e o consequente fim de sua reforma educacional, Presidente Prudente procurou se beneficiar da nova orientao educacional que se estabeleceria a partir do ano seguinte.

    Com a derrogao da Reforma de 1925, a antiga estruturao do ensino foi restabelecida: quatro anos de durao nos grupos escolares e trs anos nas escolas isoladas e reunidas. O grupo escolar voltou a ser priorizado nas polticas de expanso de vagas adotadas a partir de ento. A mudana de orientao foi notvel. Inmeras escolas reunidas foram convertidas em grupos escolares e muitas desmembradas em escolas isoladas. (SOUZA, 2006, p. 96)

    No ano de 1925, contabilizando 474 crianas matriculadas e aproveitando-se da conjuntura poltica, as Escolas Reunidas do um importante passo na histria da educao prudentina e por decreto de 22 de janeiro de 1925 essas escolas foram transformadas em grupo escolar e dessa data em diante a matrcula foi crescendo (...) (FOLHA DA SOROCABANA, 03/05/1931).

    Aps a instalao do grupo escolar um problema iria se tornar tema de vrias reivindicaes das autoridades locais e dos profissionais que atuavam naquele estabelecimento: a construo de um prdio adequado para abrigar o grupo escolar. Dessa maneira, defendendo a bandeira da construo de um prdio adequado para abrigar o Primeiro Grupo Escolar, alguns grupos sociais locais procuravam ganhar visibilidade, dentre estes, destacaremos nos captulos subsequentes, o das docentes do grupo escolar. Essas professoras, inseridas no contexto republicano e da feminizao do magistrio, deram importantes contribuies para a edificao to almejada, tal como era observado