A INDÚSTRIA DE CALÇADOS DE BIRIGUI: origem ... · Mapa 1- Distribuição do emprego na produção...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA Campus de Presidente Prudente A INDÚSTRIA DE CALÇADOS DE BIRIGUI: origem, reestruturação produtiva e formação de uma economia de aglomeração Elaine Cristina Cicero Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Spósito. Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia - Área de Concentração: Geografia Econômica, para obtenção do Título de Mestre em Geografia. Maio 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA

Campus de Presidente Prudente

A INDÚSTRIA DE CALÇADOS DE BIRIGUI:

origem, reestruturação produtiva e formação de uma

economia de aglomeração

Elaine Cristina Cicero

Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Spósito.

Dissertação de Mestrado elaborada junto

ao Programa de Pós-graduação em

Geografia - Área de Concentração:

Geografia Econômica, para obtenção do

Título de Mestre em Geografia.

Maio – 2011

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II

C568

Cicero, Elaine Cristina

A Indústria Calçadista de Birigui: origem, reestruturação

produtiva e formação de uma economia de aglomeração/

Elaine Cristina Cicero. – Presidente Prudente – SP, 2011

170 f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual

Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2011

Orientador: Eliseu Savério Sposito

1. Indústrias de Calçado. 2. Reestruturação Produtiva.

3.Origem da Indústria Calçadista. 4. Economias Externas.

5. Birigui – Sp. I. Título. II. Universidade Estadual Paulista.

Faculdade de Ciências e Tecnologia.

CDD: 338.4

Ficha Catalográfica elaborada por Érica Conceição Cicero, CRB: 9/8206

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IV

Dedicatória

o Zé...

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V

De tudo ficaram três coisas...

A certeza de que estamos começando...

A certeza de que é preciso continuar...

A certeza de que podemos ser interrompidos

antes de terminar...

Façamos da interrupção um caminho novo...

Da queda, um passo de dança...

Do medo, uma escada...

Do sonho, uma ponte...

Da procura, um encontro!

(Fernando Sabino)

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VI

Agradecimentos

É muito bom poder agradecer, logo nas primeiras páginas deste trabalho, a todas

as pessoas que de alguma forma estiveram presentes, ao longo do caminho longo,

que percorri para chegar até aqui.

Primeiramente, agradeço ao meu orientador, Professor Eliseu, pela orientação,

pelas conversas, pela paciência e por todo apoio e compreensão que sem dúvidas

foram imprescindíveis para que este trabalho pudesse ser terminado.

Aos professores do Departamento de Geografia da FCT, em especial à Carminha e

ao Arthur.

Aos professores Everaldo e Luciano Furini, pela leitura atenta e pelas

contribuições no exame de qualificação. Um agradecimento particular ao professor

Everaldo, pelas conversas e pelas dicas e contribuições durante a disciplina

Economia Urbana.

Às funcionárias do programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT.

À Unesp, pela experiência acadêmica e humana e por tudo que uma instituição

republicana oferece.

À Fapesp, pela bolsa concedida durante o mestrado e à todos integrantes do

Projeto Temático: O mapa da indústria no início do século XXI, pelas reuniões e

discussões onde tive oportunidade de aprender muito.

Ao Professor Mário Tarumoto do Departamento de Estatística da FCT, pelo auxílio

inicial com a amostragem.

A todos empresários e funcionários das empresas que abriram suas portas e

responderam pacientemente nosso questionário. Um agradecimento particular ao

proprietário da empresa Marc’Elsse, pela disponibilidade e pela atenção oferecida.

A todos os colegas do Gasperr pelo convívio, pelas discussões e trocas de

experiências.

Aos amigos e colegas que conheci na FCT: Anderson, Alex, Carla, Vitor, Leda,

Izide, Clóvis, Igor, Antonio, Adilson Bordo, Agda, Aline, Elias, Leandro e Adriano

Amaro. Ao Gilmar e a Paula pelos toques com a cartografia (a responsabilidade é

toda minha).

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VII

Aos amigos, que conheci durante a Graduação, e que deixaram saudades: Nizete,

Tiago Trindade, Domenico, Rodrigo Botucatu, Rosângela, Patrícia Lima, Thaís Eboli

e Márcio Bredariol.

À Denise e ao Edilson, pelas conversas, por todo apoio e pelas contribuições

durante o desenvolvimento desta pesquisa.

À Ana Paula, pelas inúmeras vezes que me ouviu e me incentivou.

A minha irmã, Érica, pela amizade e cumplicidade. “Força na peruca!”

Aos meus avós, Nico, Ivone e Alzira, é muito bom receber o carinho de vocês.

Aos tios e trabalhadores das fábricas de calçados, Lú, Marli e Zé Zago, pelas

informações preciosas. As tias, Quel e Maria Inês e ao Zé Roberto, pela

disponibilidade e pelo apoio “logístico” em Birigui.

Ao Sr. Ovídio e Dona Lourdes, pelo carinho paternal.

Aos cunhados: Ligia e Lorgio, por presentear a família com a chegada do

Fernandinho, nosso fofo, fonte inesgotável de energia e alegria; e ao Eder e

Denise, pelo apoio.

Às tias adotivas, Conceição e Têre, pelo carinho e pelas palavras de apoio.

À Cláudia e ao Alexandre, pelas nossas discussões sempre muito boas e pelas

conversas sempre muito divertidas.

À Ana Cláudia, pelas longas conversas, pelos conselhos e pela disponibilidade em me

ouvir nos momentos mais difíceis.

À Patrícia de Jesus, pelo exemplo de força e determinação, pelas palavras amigas e

pelo incentivo.

Aos amigos de Maringá, Zé Henrique, Carla, Marivânia, Simone, Michèle, Cris,

Oigres, Ana Flávia, é muito bom ter vocês por perto!

Ao “cumpadre” Tadeu pelas prosas, sendo a última recheada com um bom requeijão

mineiro.

À Miriam, por me ajudar a entender o mundo com um olhar diferente.

Ao Márcio e a Letícia, amigos e irmãos, presentes nos momentos mais difíceis,

compartilhando alegrias e tristezas. É impossível encontrar palavras que exprimam

minha gratidão.

Ao Zé, por tudo! Por me ajudar a fazer...dos momentos difíceis, uma motivação

para seguir em frente.

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VIII

SUMÁRIO

Índice......................................................................................................................... VIII

Lista de Mapas ......................................................................................................... IX

Lista de Figuras ........................................................................................................ IX

Lista de Gráficos ...................................................................................................... IX

Lista de Tabelas ....................................................................................................... X

Lista de Quadros ...................................................................................................... X

Lista de Caixas ......................................................................................................... X

Resumo .................................................................................................................... XI

Abstract .................................................................................................................... XII

Introdução ................................................................................................................ 1

Cap. 1- As tendências do processo de reestruturação produtiva e suas

particularidades na indústria calçadista de Birigui .................................................. 8

Cap. 2- Das primeiras fábricas à aglomeração produtiva do calçado 65

Cap. 3 – A aglomeração produtiva de Birigui ......................................................... 100

4- Considerações Finais ........................................................................................... 140

5- Bibliografia........................................................................................................... 145

6- Apêndices ............................................................................................................ 150

Anexo A ................................................................................................................... 169

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IX

ÍNDICE

Introdução ........................................................................................................ 1

Cap. 1- As tendências do processo de reestruturação produtiva e

suas particularidades na indústria calçadista de Birigui ................................... 8

1.1 - A crise econômica nos anos 1970 ............................................................. 8

1.2 - Mudanças no papel do Estado e as normatizações do território ............. 12

1.3 - Reestruturação produtiva no Brasil e seus rebatimentos na

indústria calçadista............................................................................................ 17

1.4 - Queda no número de trabalhadores .......................................................... 20

1.5 - Novas formas de organização da produção? ............................................. 23

1.5.1- Modelagem: concepção do calçado ........................................................ 27

1.5.2- Almoxarifado .......................................................................................... 28

1.5.3- Sessão do Corte ....................................................................................... 30

1.5.4 - Couro ou sintético? ................................................................................ 33

1.5.5- Pesponto .................................................................................................. 35

1.5.6- Etapas finais: montagem, acabamento e expedição ................................ 41

1.5.7- Controle da produção e da qualidade ...................................................... 46

1.6 - O setor calçadista no Brasil e as estratégias espaciais da indústria

calçadista de Birigui .......................................................................................... 48

Cap. 2- Das primeiras fábricas à aglomeração produtiva do calçado .............. 65

2.1 - O setor industrial em Birigui .................................................................... 66

2.2 - Fatores que explicam o surgimento da indústria de

calçados .............................................................................................................. 70

2.3 - Das primeiras fábricas à consolidação da especialização produtiva ........ 75

2.4 - Desconcentração industrial no Estado de São Paulo ................................ 86

Cap. 3 – Aglomeração produtiva e os fluxos de matérias primas .................... 100

3.1- Por que as atividades econômicas tendem a se aglomerar? ....................... 101

3.2 - Vantagens da localização das empresas em Birigui segundo o porte ....... 106

3.3 - A presença de micro e pequenas empresas fabricantes de calçados ......... 109

3.4 - A presença do trabalho informal: os trabalhadores a domicílio e as

bancas................................................................................................................. 114

3.5 - A Presença de mão-de-obra especializada ................................................ 117

3.6 - A localização das fábricas e o ambiente construído .................................. 121

3.7- Empresas correlatas e de apoio e os fluxos de matérias-primas

e insumos...................................................................................................... 129

4- Considerações finais .................................................................................... 140

5- Referências bibliográficas ........................................................................... 145

6- Apêndices ..................................................................................................... 150

A- Modelo de questionário aplicado nas empresas ........................................... 151

B- Entrevista com o Secretário de Gabinete do município de Birigui 158

C- Entrevista com Diretor do Departamento de

Desenvolvimento |Industrial............................................................................... 165

Anexo A ............................................................................................................ 169

A - Alíquotas do Simples Federal ....................................................................... 170

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X

LISTA DE MAPAS

Mapa 1- Distribuição do emprego na produção de calçados de materiais

sintéticos – 2009.......................................................................................... 52

Mapa 2- Distribuição do emprego na produção de calçados de couro –

2009.............................................................................................................

52

Mapa 3- Distribuição do emprego na produção de tênis de qualquer

material – 2009............................................................................................

52

Mapa 4- Distribuição do emprego na produção de calçados de materiais

não especificados anteriormente – 2009........................................................

52

Mapa 5- Distribuição do emprego na fabricação de partes para calçados –

2009..............................................................................................................

52

Mapa 6- Distribuição do emprego no setor de calçados – 2009................... 52

Mapa 7 – Brasil: emprego e estabelecimentos na indústria de calçados ...... 54

Mapa 8 – São Paulo: emprego a indústria de calçados – 1985/2008 ............ 96

Mapa 9 – Número de estabelecimentos do ramo calçadista no Estado de

São Paulo – 1985/2008 .............................................................................. 97

Mapa 10 – Localização das fábricas de calçados – Birigui – SP – 2010 ... 123

Mapa 11 – Localização das fábricas de calçados pesquisadas e mudanças

de endereço - Birigui – SP – 2010 ............................................................... 125

Mapa 12 – Importações do município de Birigui-SP – 2007........................ 137

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Sequência da produção na organização por mini-fábricas .......... 43

Figura 2 – Localização dos municípios do Estado do Mato Grosso do Sul

com unidades produtivas de empresas de calçados sediadas em Birigui –

SP – 2010 .................................................................................................. 60

Figura 3 – Relações verticais de subcontratação .......................................... 113

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Número de empregados na indústria de calçados Birigui-

SP/1985 a 2009 ......................................................................................... 21

Gráfico 2 - Tipo de material usado na fabricação do calçado ....................... 35

Gráfico 3 – Número de empregados por setor de atividade econômica –

Birigui – SP/2008 ...................................................................................... 66

Gráfico 4 – Número de empregados por ramo de atividades no setor

industrial - Birigui-SP/ 2008 ..................................................................... 67

Gráfico 5 – ICMS Arrecadado na Indústria no município de Birigui-SP-

2009 .......................................................................................................... 68

Gráfico 6 – Número de indústrias de calçados em Birigui-SP ................... 84

Gráfico 7 – Vantagens da localização das empresas em Birigui segundo o

porte ............................................................................................................ 107

Gráfico 8 – Relações de cooperação segundo o porte das empresas .......... 109

Gráfico 9 – Número de estabelecimentos industriais do ramo calçadista em

Birigui - SP 110

Gráfico 10 – Motivos da mudança de endereço no município (%) ............. 124

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XI

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Participação dos principais estados produtores de calçados, em

percentual, no valor da transformação industrial .......................................

53

Tabela 2 – Número de fábricas de calçados instaladas em Birigui – 1958 a

1979...........................................................................................................

80

Tabela 3 – Produção de calçados em Birigui (em pares) e percentual

exportado – 1985/ 1989 ............................................................................

85

Tabela 4 – Brasil, regiões e estados selecionados: distribuição espacial da

indústria de transformação /1970-1990

90

Tabela 5 – Participação das Regiões Administrativas, em percentual, no

total de estabelecimentos da indústria ........................................................

93

Tabela 6 – Participação das Regiões Administrativas, em percentual, no

Valor Adicionado Fiscal da Indústria ........................................................

94

Tabela 7 – Rendimento médio do emprego formal por setores de atividade

econômica- Birigui, Região Administrativa de Araçatuba e Estado de São

Paulo...........................................................................................................

116

Tabela 8 – População ................................................................................. 119

Tabela 9 – Importações em 2007: principais empresas e valor das

exportações ................................................................................................

136

Tabela 10 – Exportação 2007: principais empresas, valor das exportações

e participação nas exportações do município – Birigui- SP .......................

138

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Empresas Pesquisadas................................................................. 7

Quadro 2 - Fabricantes de insumos e matéria-prima localizados em

Birigui, citados pelas empresas pesquisadas – 2009 ..................................... 133

Quadro 3 - Empresas que comercializam componentes e máquinas para a

fabricação do calçado- Birigui-SP-2009 ....................................................... 134

Quadro 4- Município de localização dos fabricantes de matérias-prima e

insumos citados pelas empresas pesquisadas – Estado de São Paulo – 2009 135

LISTA DE CAIXAS

Caixa 1 – Trabalho de Campo: roteiro metodológico ................................ 5

Caixa 2 – Condições de trabalho nas fábricas de calçado .......................... 63

Caixa 3 – Elaboração cartográfica ............................................................. 127

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XII

RESUMO

A INDÚSTRIA DE CALÇADOS DE BIRIGUI: ORIGEM, REESTRUTURAÇÃO

PRODUTIVA E FORMAÇÃO DE UMA ECONOMIA DE AGLOMERAÇÃO

As transformações nos processos de trabalho, no consumo, nas configurações

geográficas e no papel do Estado no final do século XX, abrem para uma nova fase do

modo de produção industrial, na medida em que altera os pressupostos fordistas de

produção. Para lidar com estas transformações, as empresas industriais passaram por

processos de reestruturação produtiva, que envolveu as formas de organização da

produção, as relações de trabalho, as estratégias espaciais, o papel do Estado etc. Esta

pesquisa analisa as particularidades do processo de reestruturação produtiva na indústria

de calçados do município de Birigüi-SP e constata que o mesmo esta permeado por

mudanças inspiradas no modelo toyotista e por permanências do modelo de produção

anterior. Da mesma forma, buscamos entender como surge a indústria calçadista em

Birigui bem como suas articulações com o processo de desconcentração industrial no

Estado de São Paulo. A história do desenvolvimento industrial na cidade mostrou que se

trata de um caso típico de industrialização endógena, porém articulado com o processo

de interiorização das atividades econômicas no estado. Por último, verificou-se o

desenvolvimento industrial da cidade foi acompanhado pela presença de economias

externas, de localização e urbanização.

Palavras-Chave: Indústria de calçados, Reestruturação produtiva, Origem da indústria

calçadista, Economias de Aglomeração, Birigui-SP.

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XIII

ABSTRACT

THE SHOE INDUSTRY IN BIRIGUI-SP: ORIGIN, PRODUCTIVE

RESTRUCTURING, AND THE FORMATION OF AN AGGLOMERATION

ECONOMY

The transformations in the working processes, in consumption, in geographical

configurations, and in the role of the State at the end of 20th century, open a new phase

of the industrial mode of production as they are changing the fordist premises about

production. In order to deal with these transformations, industrial enterprises passed by

processes of productive restructuring that embraced the organization of production,

labor relations, spatial strategies, the role of the State, and so on. This dissertation

analyses the particularities of the process of productive restructuring in the shoe

industry of Birigui-State of São Paulo, Brazil. We jumped to the conclusion that this

process is permeated by changes inspired by toyotist model and by features of the old

model. Another goal of this work was to understand how shoe industry begun at the

city, and the connections of this economic activity with the process of industrial

deconcentration in the state of São Paulo. Our historical research showed that the

industrial development of the city is a typical case of endogenous industrialization

articulated, however, with the process of interiorization of economic activities at the

State of São Paulo. Finally, we verified that the city‟s industrial development was

followed by the presence of external economies of location and urbanization.

Keywords: Shoe industry; Productive restructuring; Economies of agglomeration;

Origins of shoe industries; Birigui, São Paulo, Brazil.

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2

Introdução

Apreender e pensar as transformações no atual período não se constitui numa

tarefa fácil, tanto pela complexidade em que se apresentam, como pelas multiplicidades

de enfoques, convergentes e divergentes, presentes na literatura sobre o assunto. Em

nossa pesquisa, entendemos que o atual período se explica por uma série de crises no

capitalismo que transformaram a forma de organização da produção e da sociedade. No

início dos anos de 1970 a economia e a sociedade passam por uma dessas crises,

comprometendo o modo de organização vigente – o fordismo na esfera produtiva e o

estado do bem-estar social na esfera política, nos países centrais. A resposta a esta crise

implicou em mudanças nos processos de trabalho, consumo, configurações geográficas,

nas práticas estatais, nos hábitos e costumes da sociedade de um modo geral.

Nas empresas, os reflexos desta crise implicaram: na intensificação do controle

do trabalho; na adoção de estratégias que aceleram o tempo de giro do capital; em uma

intensa mudança tecnológica e desenvolvimento da automação; na busca de novas

linhas de produto e nichos de mercado; na dispersão geográfica para zonas de fácil

controle do trabalho; em fusões de empresas etc. Houve uma intensificação da divisão

técnica e espacial do trabalho, com a anexação de novos espaços ao circuito espacial da

produção e do consumo, baseada numa lógica de expansão territorial capitalista para

obtenção de novas condições de acumulação e reprodução do capital. No Brasil, este

processo foi verificado com maior intensidade a partir da década de 1990, no contexto

de abertura comercial e financeira do país.

A partir deste período, nota-se uma valorização dos espaços caracterizados pela

aglomeração de empresas especializadas, que apresentariam vantagens competitivas

com relação às empresas localizadas em pontos isolados. Parte-se do pressuposto que a

concentração geográfica de uma mesma atividade no local cria vantagens que não se

restringem à redução dos custos de produção, visto que se verifica nestes locais a

produção de externalidades, ou seja, vantagens advindas da presença concentrada de

mão-de-obra especializada, presença de fornecedores e prestadores de serviço, no qual a

troca constante de conhecimentos cria uma ambiente propicio à inovação.

Em diversos países se ampliaram os estudos sobre este tipo de organização

espacial de empresas, principalmente a partir dos estudos de Becattini (1994) sobre as

aglomerações industriais do norte da Itália, identificadas pelo autor como distritos

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3

industriais marshallianos. No Brasil também se desenvolveu o conceito de Arranjo

Produtivo Local (APL), presente na literatura desde a década de 1990, que

resumidamente, é caracterizado pela concentração de uma atividade econômica

específica, em que a proximidade física entre empresas, a presença de mão-de-obra

especializada, de sindicatos, de agentes econômicos e políticos, de faculdades e centros

de pesquisa, criariam economias de localização.

Diante do exposto, o objetivo principal desta pesquisa foi entender como se

forma uma aglomeração industrial especializada na produção de calçados infantis num

centro urbano distante fisicamente dos tradicionais centros industriais do Estado de São

Paulo e como tais empresas responderam às mudanças ocorridas no padrão de

desenvolvimento do capitalismo. Não nos propomos, nesta pesquisa, a aprofundar o

conceito de APL, mas sim, entender como os fatores produtivos localizados nestes

espaços proporcionam vantagens comparativas às empresas presentes na aglomeração.

Assim, na primeira parte do trabalho nos dedicaremos e entender quais as

características do processo de reestruturação produtiva no setor calçadista de Birigui,

em cada uma das etapas do processo produtivo do calçado no chão da fábrica, desde o

almoxarifado à expedição do calçado para o mercado consumidor. Seguindo este

roteiro, consideramos possível apresentar o atual estágio de uma indústria de bens de

consumo não durável, voltada principalmente à produção de calçados infantis,

contemplando as atuais formas de organização da produção, assim como, as estratégias

espaciais das empresas.

Na segunda parte nos dedicaremos a entender como surge e se consolida a

aglomeração produtiva do calçado em Birigui, buscando elementos que nos ajude a

explicar o surgimento da indústria calçadista na cidade. Cabe lembrar que, para entender

este processo, é necessário abordar alguns aspectos da industrialização no município e

sua articulação com a industrialização no Brasil e no Estado de São Paulo. Nossa

indagação central se refere ao desenvolvimento de uma aglomeração produtiva do setor

calçadista, num município distante das tradicionais zonas industriais no Estado de São

Paulo.

Na terceira parte nos propomos a entender quais os fatores ou princípios da

economia espacial, que nos ajudam a explicar as economias externas presentes num

agrupamento geográfico de indústrias de um mesmo ramo produtivo, e como as

empresas aí localizadas se apropriam destas vantagens. A presença destes recursos e

fatores produtivos criados ao longo do tempo na aglomeração industrial de Birigui

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4

permitem às empresas aí localizadas, usufruírem de vantagens específicas presentes no

local. Além destas relações de produção que se estabelecem no espaço de forma

horizontal, buscamos entender também, as relações verticais que este espaço estabelece

com outros pontos fisicamente distantes. A partir dos fluxos de matérias-primas e

insumos das empresas de calçados, estabelecemos uma comparação dos dados atuais

com os dados coletados por Zampieri (1976) no início da década de 1970, numa

tentativa de identificar as mudanças e as permanências, com relação a estes fluxos,

verificadas a partir da nova divisão territorial do trabalho que se delineou a partir da

referida década.

Para obtenção dos dados utilizados na pesquisa foram realizadas visitas e assim

como a aplicação de um questionário nas empresas. Os procedimentos metodológicos

para obtenção destes dados estão descritos na caixa de texto 1.

Por último, cabe destacar que esta pesquisa é parte integrante de um projeto

temático intitulado “O novo mapa da indústria no início do século XXI”, financiado

pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e coordenado

pelo Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito. Sendo assim, os objetivos e as hipóteses aqui

levantadas estão diretamente relacionadas ao referido projeto.

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5

Caixa 1- Trabalho de Campo: roteiro metodológico

Inicialmente, buscamos saber a quantidade de empresas1 sediadas no município

e mais precisamente, a quantidade de empresas por porte, que têm como atividade

principal a fabricação de calçados. Apesar de o enquadramento jurídico quanto ao

tamanho das empresas, estar pautado muito mais em função de sua receita bruta anual,

já que este é o critério em diversos programas de crédito do governo federal em apoio às

pequenas e microempresas, utilizamos em nosso trabalho a classificação para a indústria

definida pelo IBGE, que leva em conta o número de pessoas empregadas declaradas

pela empresa em 31 de dezembro do ano de referência. Esta escolha se deve ao fato de

não dispormos do número de indústrias de diferentes portes presentes no município2,

classificadas a partir da receita bruta anual, e também, porque a única fonte de dados

sobre o tamanho das empresas por município, disponibilizada pelo Ministério do

Trabalho e Emprego na base de dados da RAIS (Relação Anual de Informações

Sociais), apresenta o número de empresas em cada atividade segundo a quantidade de

pessoas ocupadas e não de acordo com o faturamento de cada empresa. Sendo assim,

consideramos: Microempresa- até 19 empregados; Pequena empresa- de 20 a 99

empregados; Empresa de médio porte- de 100 a 499 empregados; Empresa de grande

porte- mais de 500 empregados.

Segundo dados da RAIS/2008, existem em Birigui 286 empresas do ramo

calçadista, sendo que 144 são microempresas, 117 são empresas de pequeno porte, 21

empresas de médio porte e quatro empresas de grande porte. A partir desses dados,

definimos uma amostragem baseada numa metodologia estatística de amostragem

estratificada, sendo que o porte da empresa foi considerado como estrato, e chegamos a

um tamanho amostral de 95 empresas. Posteriormente, relacionamos as 95 empresas

que seriam visitadas de forma aleatória.

As dificuldades que nos deparamos com a ida a campo nos levaram a construir

outra estratégia metodológica. Uma das dificuldades se refere ao formato do

questionário, que além de extenso é composto por inúmeras questões abertas, o que

tornou o preenchimento demorado. A elaboração do questionário foi norteada tendo em

1 Em nossa pesquisa entendemos por empresa a unidade jurídica caracterizada por uma firma ou razão

social que engloba o conjunto de atividades econômicas exercidas em uma ou mais unidades locais. A

unidade local é definida como o espaço físico, geralmente uma área contínua, onde uma ou mais

atividades econômicas são desenvolvidas, correspondendo a um endereço de atuação da empresa. As

empresas podem atuar em um único local/endereço ou em mais de um. (Série de Relatórios

Metodológicos nº 26 da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE- pág. 12. In:

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/industria/pia/empresas/2007/srmpiaempresa.pdf

(acessado em 26/06/2010).

2 Na lista de indústrias fornecida pela prefeitura não consta a especificação do porte da empresa em todos

os estabelecimentos.

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6

vista as perguntas centrais de nossa pesquisa, ou seja: compreender as especificidades

da aglomeração industrial do setor calçadista em Birigui no contexto da reestruturação

produtiva, levando-se em conta a participação de diferentes agentes nas relações que se

estabelecem ao longo do processo produtivo; compreender a conformação do circuito

espacial produtivo do calçado, assim como, as estratégias espaciais das empresas

industriais; entender como o espaço produtivo em questão, apresenta fatores

aglutinadores que auxiliam na explicação deste arranjo produtivo a importância da

indústria calçadista na formação dos empregos e sua influência no movimento de

população entre os municípios da região; identificar e localizar os principais “parceiros”

da indústria de calçado, no contexto da rede de relações que se estabelecem ao longo do

processo produtivo; aprofundar nossa compreensão sobre as mudanças organizacionais

adotadas pelas indústrias de calçado, na busca pela adaptação às novas tecnologias.

Nesse sentido, elencamos oito temas de interesse e elaboramos as questões a partir

destes temas, num total de 104 questões abertas e fechadas. Porém, diante dos nossos

objetivos, o questionário se constituiu muito mais por questões abertas que visaram o

entendimento de processos do que por questões fechadas.

Outra dificuldade, bastante presente, se refere ao acesso a essas empresas, já que

não houve muita disponibilidade por parte da maioria das empresas em nos receber e

responder ao questionário. Devido à demora no atendimento e às vezes que esperamos

em vão, o andamento do Trabalho de Campo se tornou extremamente lento, tornando

inviável a visita às noventa e cinco empresas. Por outro lado, algumas empresas

abriram, literalmente, suas portas e nos proporcionou uma riqueza imensa de detalhes,

inclusive com visitas guiadas contemplando todo o processo produtivo do calçado, ou

seja, da concepção ao produto pronto.

Diante deste cenário, ao invés de buscar atingir a meta de 95 questionários

aplicados, privilegiamos a qualidade das informações, sem nos preocupar com o tempo

de visita em cada empresa. Por isso norteamos nosso trabalho, buscando atender 4

critérios que consideramos principais:

o primeiro é a necessidade de contemplar em nossa pesquisa empresas de

todos os portes, da microempresa à empresa de grande porte, pois

entendemos que a dinâmica interna dessas empresas são bastante

distintas;

o segundo foi aproveitar os momentos em que nos deparamos com

empresas mais dispostas a responder nossos questionamentos;

o terceiro e mais pragmático, foi a disponibilidade das empresas em nos

receber;

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7

o quarto critério foi o da repetição dos dados, ou seja, durante a tabulação

notamos que muitas informações começaram a se repetir sucessivamente,

o que nos leva a crer que acrescentaríamos poucas informações caso

aumentássemos nossa amostra.

A aplicação dos questionários ocorreu entre os meses de abril e maio de 2009

alcançando um total de trinta empresas sendo: dez microempresas; doze empresas de

pequeno porte; seis empresas de médio porte; duas empresas de grande porte.

Compreendemos que assim é possível contemplar a diversidade de empresas e a

complexidade de processos que apesar de relacionados, não ocorrem da mesma forma

entre empresas de portes diferentes.

O quadro 1 apresenta a lista das empresas pesquisadas com o nome, porte,

origem do capital e quantidade de funcionários.

Quadro 1- Empresas pesquisadas

Empresa Porte Origem do capital

Número de trabalhadores

Homens Mulheres Total

Bical G local 520 400 920

Tiptoe G local 510 1190 1700

Ortopasso M local 230 420 650

Finobel M local 43 60 103

Via Ápia M local 20 63 83

Pinókio M local 5 95 100

J&B M local 70 160 230

Sonho de Criança M local 60 150 210

Via Birigui EPP local 26 46 72

MZ Kid EPP local 12 30 42

R.E. EPP local 7 63 70

G.L. Chideroli EPP local 5 63 68

Nilberto Garcia EPP local 3 2 5

Só Baby EPP local 20 30 50

Thiox EPP local 20 20 40

Cal Life EPP local 36 81 117

Calçados Sposito EPP local 7 31 38

L.A. Silva Cracco EPP local 20 14 34

Edna Ap. B. Pereira EPP local n.i. n.i. 84

Biri EPP local 8 18 26

Calçados Tainá ME local 15 20 35

R.M. Pardo ME local 10 4 14

Gracinha ME local 3 8 11

R. Sartori ME local 18 0 18

Marc‟Elsse ME local 20 10 30

V.L.R. Guilherme Silva ME local 41 49 90

Clipassos ME local 7 5 12

Bergo & Martins ME local 6 4 10

Camila Peres ME local 4 4 8

Pep Keno ME local 6 5 11

Fonte: Pesquisa de campo. Data: Abril e maio de 2009

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CAPÍTULO 1- AS TENDÊNCIAS DO PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO

PRODUTIVA E SUAS PARTICULARIDADES NA INDÚSTRIA CALÇADISTA

DE BIRIGUI

Neste capítulo, vamos nos dedicar a descrever, no intuito de elucidar, as

características da indústria de calçados de Birigui, assim como o processo produtivo do

calçado no chão da fábrica, desde o almoxarifado à expedição do calçado para o

mercado consumidor. Nossa opção em apresentar, logo no primeiro capítulo, como está

organizada a indústria de calçados de Birigui, justifica-se pelo fato de considerarmos

que o conhecimento sobre o interior de uma fábrica de calçado e as etapas do processo

produtivo auxiliam a compreensão dos temas que trabalharemos adiante.

Seguindo este roteiro, consideramos possível apresentar o atual estágio de uma

indústria de bens de consumo não durável, voltada principalmente à produção de

calçados infantis, dialogando com a literatura que trata dos processos de reestruturação

produtiva, ocorrido no Brasil a partir da década de 1990, e as atuais formas de

organização da produção. Tendo em vista nosso objetivo, cabe entendermos os aspectos

mais significativos da reestruturação industrial e entender a repercussão deste novo

ambiente econômico na indústria calçadista de Birigui. Para isso, abordamos aqui

alguns aspectos presentes na literatura sobre o assunto, buscando relacioná-los com os

dados que obtivemos em nossa pesquisa.

1.1. A crise econômica nos anos 1970

Apreender e pensar as transformações no atual período não se constitui numa

tarefa fácil, tanto pela complexidade em que se apresentam, como pela multiplicidade

de enfoques, convergentes e divergentes, presentes na literatura sobre o assunto.

Entendemos que o atual período se explica por uma série de crises no capitalismo que

transformaram a forma de organização da produção e da sociedade. No início dos anos

de 1970 a economia e a sociedade passam por uma dessas crises, comprometendo o

modo de organização vigente – o fordismo na esfera produtiva e o estado do bem-estar

social na esfera política, nos países centrais. A resposta a esta crise implicou em

mudanças nos processos de trabalho, consumo, configurações geográficas, nas práticas

estatais, nos hábitos e costumes da sociedade de um modo geral.

O acirramento da crise deveu-se à impossibilidade do modelo de

desenvolvimento fordista dar conta das contradições próprias do sistema capitalista,

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resumidamente, trata-se de um problema de rigidez do modelo de produção e no modo

de regulação do capitalismo vigente no período fordista (HARVEY, 2003, 135).

Segundo Lipietz e Leborgne (1988, p.12) um modelo de desenvolvimento deve

apresentar a conjunção de três aspectos diferentes, a saber: um paradigma tecnológico

ou modelo de industrialização que oriente uma forma específica de organização do

trabalho; um regime de acumulação, referente à estrutura macroeconômica formada por

um conjunto de princípios que traduzem a compatibilidade entre as transformações nas

normas de produção e as transformações nas normas de uso do produto social; um modo

de regulação que designe um conjunto de normas implícitas e de regras institucionais

capazes de ajustar comportamentos e ações individuais aos princípios coletivos.

Partindo deste pressuposto, os autores argumentam que se tratou de uma crise do

próprio paradigma industrial, marcada pela desaceleração da produtividade e da

lucratividade e a conseqüente crise do emprego e do Estado-providência. Considera-se

que este período de mudanças está inserido num movimento histórico do capitalismo

que se revela em ciclos de crise e de acumulação, e que a cada nova crise acirram-se as

lutas competitivas, o que por sua vez leva a novos ajustes socioeconômicos. O novo

cenário que emerge desta crise é marcado por profundas mudanças, dentre elas a

ampliação da competição e adoção de estratégias de organização empresarial com o

objetivo de minimizar os efeitos da crise por meio da redução dos custos de produção,

da precarização das relações de trabalho, da incorporação de inovações nos produtos e

nos processos produtivos e de mudanças na organização espacial das firmas.

Para Chesnais (1996, p.300), a sustentação do modelo fordista de produção por

25 anos esteve baseada em três formas institucionais básicas. A primeira delas foi a

presença de uma política salarial capaz de manter a estabilidade social e assegurar a

produção e o consumo em massa. Nas palavras do autor,

o sistema soube gerar por meio dos elementos constitutivos da relação

salarial fordista, um nível de emprego assalariado suficientemente

alto e suficientemente bem pago para preencher as condições de estabilidade social e, ao mesmo tempo, criar os traços necessários à

produção de massa (isto é, assegurar o fechamento macroeconômico)

(p.300).

A segunda está relacionada à criação de um ambiente monetário estável, com

taxas de câmbio fixas e com subordinação do capital monetário ao capital industrial. A

mais importante, segundo o autor, foi a existência de Estados nacionais dotados de

instituições fortes e capazes de disciplinar o capital privado, e de recursos que

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permitiam uma intervenção mais direta na economia, com investimentos capazes de

suprir deficiências setoriais e de fortalecer a demanda. Essas formas sociais foram

comprometidas e o contrato social orquestrado pelo “Estado providência” passou a ser

considerado, num contexto de liberalização da economia, como um entrave ao capital.

A partir de então, a desregulamentação financeira e a liberalização econômica

com as facilidades para a mobilidade do capital industrial, gerou destruição de postos de

trabalho na indústria, principalmente nos países de industrialização mais antiga, e

corrosão do salário real. De acordo com Chesnais:

os efeitos das mudanças tecnológicas recentes, em termos de

destruição de postos de trabalho, muito acima dos postos de trabalho

que cria, não podem ser dissociados da quase total mobilidade de ação que o capital recuperou, graças à liberalização do comércio

internacional e à liberdade de estabelecimento e de remessa de lucros

(1996, p. 301).

Por isso, para o autor, a mundialização do capital implicou em queda no

consumo doméstico, gerado pela diminuição nos postos de trabalho e nos salários, e

pelo aumento significativo de capital em investimentos financeiros em detrimento dos

investimentos industriais.

Em perspectiva um pouco diferente, Harvey (2003) retoma três elementos

propostos por Marx, que são invariantes ao modo de produção capitalista e que

possibilitam uma interpretação de como o modelo de produção fordista entre em crise, a

saber: a) o capitalismo é orientado para o crescimento, pois este é essencial para a

obtenção do lucro; b) o crescimento em valores reais se apóia na exploração do trabalho

vivo na produção, por isso o controle do trabalho é vital para a continuidade do sistema;

c) as mudanças tecnológicas e organizacionais têm papel-chave no capitalismo, visto

que são imprescindíveis no controle dos mercados de trabalho e essencial para a

produção de lucros. Neste sentido, para o autor, as estratégias adotadas como saída para

a crise, durante os períodos de superacumulação3, devem ser entendidas como formas de

manutenção dos elementos supracitados.

Uma dessas estratégias, adotada especialmente por grandes firmas, é a

localização de suas atividades mais simples ou com pouco valor agregado em áreas

periféricas, tanto em cidades pequenas ou áreas rurais, como nos países

3 Segundo Harvey (2003) “uma condição generalizada de superacumulação seria indicada por capacidade

produtiva ociosa, um excesso de mercadorias e de estoques, um excedente de capital-dinheiro (talvez

mantido como entesouramento) e grande desemprego. As condições que prevaleciam nos anos 30 e que

surgiram periodicamente desde 1973 têm de ser consideradas manifestações típicas de

superacumulação (p.170).

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subdesenvolvidos com o objetivo de reduzir custos de produção. Na história de

desenvolvimento do sistema capitalista, a diferenciação espacial ganha conteúdos

específicos, mas de um modo geral, se configura em uma das estratégias mais

duradouras de contenção ou administração das crises cíclicas do capitalismo.

Para o autor, foi principalmente com o deslocamento espacial e temporal que o

regime fordista de acumulação resolveu o problema da superacumulação no decorrer do

longo período de expansão do pós-guerra; como exemplo cita a criação de “novos

centros geográficos de acumulação – ao sul e oeste dos Estados Unidos, Europa

Ocidental e Japão – e, em seguida, um conjunto de países recém-industrializados”

(Harvey, 2003, p.173 e 174). Ao considerar que a origem da crise do fordismo foi um

problema de superacumulação, explica que a expansão do capital para outros países se

configurou numa estratégia de contenção da crise.

Sob este ponto de vista, a estagnação do modelo de produção estaria ligada

muito mais ao esgotamento da capacidade de expansão geográfica do capital e diante

desta situação, a acumulação flexível se enquadraria como uma saída para a crise por

meio da combinação de duas estratégias de lucro, a saber: através da mais-valia

absoluta, transferindo capital corporativo de regiões de altos salários para regiões de

baixos salários, aumento das horas de trabalho e piora do padrão de vida através da

erosão do salário real; através da mais-valia relativa com a mudança organizacional e

tecnológica como forma de lucro temporário para empresas inovadoras e redução dos

custos dos bens que definem o padrão de vida do trabalhador.

De um modo geral, trata-se de um período marcado pela racionalização,

reestruturação e intensificação do controle do trabalho; pela adoção de estratégias que

aceleram o tempo de giro do capital; por uma intensa mudança tecnológica e

desenvolvimento da automação; pela busca de novas linhas de produto e nichos de

mercado; pela dispersão geográfica para zonas de fácil controle do trabalho, fusões etc.

No que se refere a este último item, houve uma intensificação da divisão técnica e

espacial do trabalho, com a anexação seletiva4 de novos espaços ao circuito espacial da

produção e do consumo, baseada numa lógica de expansão territorial capitalista para

obtenção de novas condições de acumulação e reprodução do capital.

Neste contexto de mundialização do capitalismo, Sposito (2002) chama atenção

para o processo de multinacionalização ou internacionalização das grandes empresas

4 Muitos países ainda se encontram a margem deste processo.

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que ultrapassam fronteiras e se deslocam de um território a outro de acordo com seus

interesses, de forma que se perde a referência sobre a nacionalidade ou identificação da

empresa com seu país de origem. Argumenta que:

Essa identificação foi se tornando difícil, de tal forma que

atualmente, nos balanços de firmas, nas classificações que

aparecem em revistas e jornais, fala-se em controle acionário

brasileiro ou nacional, estatal e estrangeiro. Assim, não se

preocupa mais com a origem do capital, mas com a

territorialização do controle acionário das firmas (p. 103).

O espaço social criado por estas oscilações, incertezas, transformações na

organização industrial, na vida social e política torna visível o aumento do poder

político e econômico das grandes corporações que consolidam seu espaço de ação para

além das fronteiras nacionais. Segundo Arroyo (2010):

[...] o poder de mudança tecnológica e de transformação institucional

dos grandes grupos econômicos aumenta significativamente a partir da intensidade dos processos de fusão, aquisição e associação de

empresas ocorridas nas últimas décadas (p.35).

Neste sentido, as novas tecnologias de informação exercem um papel

fundamental na medida em que possibilitam a conexão de lugares distantes, permitindo

que as etapas do processo produtivo se realizem em países diferentes.

1.2. Mudanças no papel do Estado e as normatizações do território

Na nova ordem, que emerge da mundialização da economia, as relações entre

estados estariam diluídas em favor de conexões que agora se estabeleceriam entre

economias regionais distantes entre si. A partir da nova divisão territorial do trabalho,

que emerge neste contexto, as “especializações territoriais produtivas” ganham

importância particular, dado ao arranjo de objetos e fatores técnicos, históricos e sociais,

presentes no lugar, voltados à produção especializada de determinado bem. Como

apontam Santos e Silveira (2004, p.135-136),

O relativo barateamento dos transportes, que viabiliza o deslocamento

de insumos e produtos acabados, a existência de maquinário, a

informação especializada e convergente, a presença de força de trabalho treinada, a força de interesses e reivindicações surgidas de

um trabalho comum constituem, entre outras, as condições técnicas –

e não mais naturais – que determinam as especializações territoriais.

São os fatores técnico-sociais de localização no período contemporâneo.

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Como observaram Caravaca e Mendez (1996), a reestruturação produtiva

iniciada na década de 1970 nos países desenvolvidos, foi acompanhada por uma onda

neoliberal no plano político-institucional que se constituiu em um novo marco no que

diz respeito às políticas de intervenção, às prioridades e às formas de intervenção do

Estado. O que se observa, no âmbito das políticas territoriais, é o fomento à

competitividade entre os lugares – em detrimento de políticas que objetivem a equidade

no território –, acompanhado do aumento de competências designadas aos governos

regionais e locais.

Singer (2001) aponta que as políticas estatais de viés keynesiano, postas em

prática nos países centrais após a Grande Depressão dos anos 1930, entraram em

declínio nas últimas décadas do século XX, quando volta “a prevalecer a idéia de que os

mercados se equilibram em pleno emprego, que as pessoas sem trabalho se encontram

voluntariamente nessa situação porque não aceitam a remuneração oferecida pelo

mercado de trabalho” (p.112). Do ponto de vista ideológico, os Estados nacionais

deveriam diminuir sua participação como regulador da economia e das relações de

trabalho e sobre o planejamento e criação de políticas que promovam o

desenvolvimento econômico. Pela argumentação de alguns autores o Estado nacional

seria grande demais para dar conta da diversidade dos problemas na escala local (como

nas cidades) e pequeno demais diante do grande capital transnacional. Benko (2001),

por exemplo, defende que com as mutações na geopolítica das condições de produção,

de competição e de interdependência, ocorridas desde a década de 1970, houve um

“deslizamento de escala”, que segundo o autor:

Trata-se de uma recomposição dos espaços: os espaços

clássicos - nos quais os sistemas econômico, social e político

evoluíram praticamente ao longo de todo o século - estão se

deslocando ao mesmo tempo para cima e para baixo. Na escala

superior, constata-se a criação ou o reforço dos blocos

econômicos, inicial e, freqüentemente, sob a forma de mercados

comuns, evoluindo, em seguida, rumo a espaços política e

economicamente unidos como é o caso da Europa; o

deslocamento rumo ao patamar inferior da escala caracteriza-se

pelo reforço das unidades territoriais em nível regional5 (p.7).

Discordamos da visão apresentada por Benko, pois a nosso ver, os Estados

nacionais podem ter mudado de papel, mas sua importância como escala mediadora

5 Devido às diversas definições e usos do conceito de região, consideramos necessário esclarecer que ao

citar o “nível regional”, o autor está se referindo a escala local ou infranacional.

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entre o global e o local se manteve. Há que se considerar que o comando exercido pelo

Estado-nação pode ter mudado de conteúdo, talvez pela adoção de diretrizes político-

econômicas diferentes daquelas de viés keynesiano predominantes no período fordista.

Porém, isso não significa que esta escala de poder e, portanto, de análise dos processos

sócio-econômicos, políticos e espaciais, tenha perdido importância. Apesar da “onda-

neoliberal” que acompanhou as transformações verificadas a partir da década de 1970,

verificou-se que na prática, o ideal de Estado neoliberal “puro” não se sustenta. Existem

inúmeros exemplos que mostram que as regras de mercado não são capazes de

promover um ambiente de estabilidade econômica propícios aos empreendimentos

capitalistas, muito menos de promover a equidade social. Harvey (2008, p. 80-81)

aponta que é difícil definir o “caráter” do Estado na era da “neoliberalização”, visto que

as práticas estatais apresentam distorções e em alguns casos até reverte a teoria

neoliberal. O autor cita que mesmo o ex-presidente Bush que defendia o livre mercado e

o livre comércio, impôs tarifas ao aço, por conta de interesses eleitorais em Ohio; outro

exemplo é a proteção à agricultura nacional verificada nos países europeus.

Cabe entender, portanto, quais os reflexos desta mudança do papel do Estado, no

que se refere ao modo de regulamentação da economia. De um modo geral, os processos

econômicos e políticos desencadeados pela crise em diversos países, geraram medidas

desregulamentadoras nas políticas cambiais, na movimentação dos fluxos de capitais e

diminuição das restrições ao comércio internacional. As mudanças incluem novas

formas de regulação estatal, implicando na diminuição dos gastos públicos, da

participação do Estado na produção por meio de privatizações e de reformas nas

políticas sociais e no mercado de trabalho (medidas flexibilizadoras). O padrão de

organização capitalista que emerge deste novo cenário é marcado pelo acirramento da

competição em escala global e de maior instabilidade para as atividades produtivas e

para o capital financeiro.

É no contexto de agravamento da crise fordista nos anos 1970, com os

decorrentes ajustes socioeconômicos, que se instaura uma disputa por parte das grandes

empresas, pelo poder econômico e político dos Estados nacionais. Dessa forma, para

Cano e Fernandes (2005) “a superação da crise implica, assim, a instauração de novos

arranjos institucionais que propiciarão as condições necessárias para o exercício da

hegemonia pelos grupos econômicos vencedores” (p.256). O resultado dos novos

arranjos institucionais que dão as condições de reprodução para o sistema econômico se

reflete em mudanças na organização da produção, nas relações de trabalho, nos padrões

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de reprodução social e “novos arranjos espaciais” decorrentes de uma nova hierarquia

político-econômica, o que por sua vez, não implica em dizer que o Estado nacional

tenha perdido importância. Trata-se de uma nova divisão territorial do trabalho que se

realiza mundialmente, graças às novas tecnologias, em que o Estado-nação não exerce

mais um papel de liderança nos processos de desenvolvimento, mas de regulador deste

movimento (SPOSITO, 2002, p. 110). Compans (2005) afirma que:

A formação de redes planetárias de atividades e de mercados funcionando como unidade operativa em tempo real, a

interdependência crescente das relações internacionais e a

hipermobilidade adquirida pelo capital – cujos fluxos ignorariam cada vez mais as fronteiras político-administrativas – teriam supostamente

solapado a capacidade de regulação dos Estados nacionais (p.45).

Santos (2004, p.231 e 232) ao analisar a inserção do espaço nacional na

economia internacional, explica que o atual poder político e econômico das grandes

corporações que atuam em escala global, leva a crer que o Estado tenha se tornado

desnecessário e até mesmo um equívoco. Contudo, a emergência dessas grandes

organizações com alcance global, torna o papel do Estado ainda mais indispensável, já

que a intensificação da divisão territorial do trabalho, com o processo produtivo

tecnicamente fragmentado e geograficamente espalhado, aumenta a exigência de formas

novas e mais elaboradas de controle e cooperação.

No atual período, as medidas de apoio ou coerção exercidas pelo Estado são

fundamentais para o sucesso dessas empresas que competem em nível global. Há uma

nova divisão internacional do trabalho criada por essas empresas transnacionais que se

superpõe muitas vezes de forma conflitiva, a divisão internacional do trabalho modelada

pelos Estados (ARROYO, 2010).

Um exemplo são as medidas protecionistas que os Estados adotam com taxações

sobre importação de determinados produtos. Em 2008, a Associação Brasileira das

Indústrias de Calçados (Abicalçados) fez um pedido de investigação sobre a prática de

dumping dos fabricantes de calçados chineses, junto à Câmara de Comércio Exterior

(Camex), que não só confirmou a prática, como requisitou junto a Organização Mundial

do Comércio (OMC) o direito de adotar medidas antidumping, passando a cobrar uma

alíquota de importação de U$ 12,47 (dólares americanos) sobre cada calçado

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importando da China. Atualmente, a alíquota cobrada é de U$ 13,85 (dólares

americanos) e terá vigor de cinco anos a contar a partir de 20106.

No entanto, o campo de forças é bem mais complexo e a força política dos

grandes grupos econômicos rivaliza com o poder do Estado nação: os fabricantes de

calçados das marcas globais que mantém sua produção predominantemente em território

chinês, como Nike e Puma (americanas), Adidas (alemã) e Asics (japonesa) se uniram e

formaram uma entidade própria (Abramesp) no intuito de combater as medidas

antidumping7. Alegando que tais medidas não fazem a diferenciação necessária dos

tipos de calçados, conseguiram junto à OMC, restringir as medidas antidumping

brasileiras a alguns tipos de calçados, excluindo da lista de calçados com taxação sobre

importação, os destinados a práticas esportivas que são justamente suas especialidades.

É interessante notar que, nos trâmites desta negociação em escala global, as empresas

proprietárias das marcas supracitadas não precisaram recorrer aos Estados nacionais de

seus países de origem e nem ao Estado chinês onde estão sediadas, para se beneficiarem

da influência política de um Estado-nação. O que se traduz numa diminuição da

capacidade de negociação e controle dos governos nacionais, frente aos grandes grupos

transnacionais. Por outro lado, apesar da existência de um organismo internacional

como a OMC, chamado para mediar a negociação entre os produtores de calçados

brasileiros e as citadas empresas, verifica-se que a sobrevivência dos produtores

nacionais de calçados está atrelada às regras que são estabelecidas em escala nacional,

como por exemplo: a política de câmbio adotada pelo país, que influencia diretamente

nos valores de importação e de exportação; as taxações à importação de determinados

produtos que são produzidos em território nacional, como exemplificou o caso descrito

acima. Por estes e outros motivos, reiteramos que a escala nacional de poder mantém

sua importância no período atual, como escala de análise dos processos, assim como

instância de regulação do território.

Ora, cabe verificar os impactos destas transformações em escala nacional e as

particularidades que o processo de reestruturação produtiva assume no setor calçadista

de Birigui.

6 Informações coletadas na página do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior In:

http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1268055864.pdf. Resolução nº 14, de 03 março de 2010.

7 Revista Exame/Economia de 09/09/2009.

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1.3. Reestruturação produtiva no Brasil e seus rebatimentos na indústria

calçadista

As transformações na economia e na política brasileira entre as décadas de 1980

e 1990, desencadeadas pela abertura comercial e liberalização financeira que se

consolida no governo de Fernando Henrique Cardoso, inseriram o Brasil na competição

global e engendraram mudanças em todo território nacional.

Ao contrário do que aconteceu em nosso país, a década de 1980 (conhecida

como a “década perdida” no Brasil) se caracterizou por um grande avanço da indústria

em países de industrialização já consolidada na época, mas também e principalmente,

em alguns países de industrialização recente na Ásia. O processo de reestruturação

produtiva ocorrido na década de 1990 no Brasil se insere num contexto de mudança

estrutural na política e na economia, com a liberalização comercial, desregulamentação

econômica e desestatização de empresas, criando um novo ambiente competitivo, em

que a indústria brasileira chega defasada do ponto de vista tecnológico (Kupfer, 2004,

p.92). É neste contexto de abertura da economia brasileira que se iniciam uma série de

mudanças técnicas e organizacionais na indústria brasileira, para se manterem

competitivas diante deste novo cenário econômico e político.

De acordo com Kupfer, até 1994 as indústrias promoveram um ajuste defensivo

por meio de um enxugamento de custos, principalmente, com a redução do número de

trabalhadores e terceirização de atividades. A partir de 1994, com a criação do Plano

Real, tem início um período de acirramento da competitividade para a indústria

brasileira. Segundo Kupfer (2002) ainda:

Câmbio valorizado e taxas de juros elevadas, dois dos pilares da

gestão macroeconômica do plano de estabilização, e a antecipação do término do cronograma de redução tarifária para dezembro de 1994,

com a adoção da Tarifa Externa Comum do Mercosul, foram os

principais traços do novo regime competitivo implantado no país.

Essas medidas equivaleram, na prática, a um aprofundamento do grau de exposição internacional da indústria brasileira, dando início à fase

de ultra-abertura que perdurou até a desvalorização cambial do início

de 1999 (p.93).

Os impactos da abertura comercial e a ausência de políticas industriais voltadas

à indústria nacional implicaram em déficit na balança comercial brasileira já em 1995.

Os dados sobre exportação de calçados do Brasil mostram que em 1993, antes do Plano

Real e do câmbio valorizado, o país exportou US$ 1,8 bilhão, sendo que em 1999 as

exportações atingiram apenas US$ 1, 278 (Secex).

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18

A abertura comercial desenfreada e a entrada dos países asiáticos no setor

calçadista impactaram principalmente o segmento de calçados esportivos, de plástico ou

borracha. Como mostram os dados apresentados por Garcia (2001) a importação de

calçados no Brasil em 1989 foi US$ 13,6 mil, já entre os anos de 1995 a 1997 a

importação salta para mais de US$ 200 mil, deste total, aproximadamente 50% são de

calçados esportivos. O autor ainda explica que as grandes marcas de calçados esportivos

conhecidos internacionalmente, como a Nike, já estavam inseridas no mercado nacional

desde a década de 1980, por meio de licenciamento ou subcontratação de empresas

nacionais. No entanto, houve uma mudança de estratégia destas empresas após a

abertura comercial, passando a importar o calçado de unidades produtivas localizadas

nos países asiáticos, onde o custo de produção era e é muito mais vantajoso para as

empresas. Um dado interessante para termos a dimensão do quão contrastante são os

custos de produção de calçados nos países asiáticos em comparação com outras áreas

produtoras, é o custo médio da mão-de-obra por hora de trabalho: em 1996 o custo nos

Estados Unidos era de US$ 9,41 e na Itália era de US$ 14,99, já na Indonésia era de

US$ 0,19, no Vietnã US$ 0,24 e na China US$ 0,508 por hora trabalhada.

A forte oscilação nas exportações de calçados na década de 1990 fez com que

muitas empresas, que antes destinavam maior parte da sua produção ao mercado

externo, adaptassem a sua produção ao mercado interno, que além de menos seletivo e

competitivo se encontrava em expansão. Houve também no período um aumento da

exportação de calçados para os países da América do Sul, principalmente para

Argentina, Bolívia, Paraguai e Chile (Garcia, 2001, p.122).

Percebe-se também neste período uma diminuição da presença estatal no setor

industrial acompanhado pelo avanço da presença de empresas multinacionais,

principalmente em ramos industriais de maior conteúdo tecnológico. De fato, a ausência

de políticas estatais voltadas para o desenvolvimento de setores estratégicos e a abertura

comercial promovida pela reforma política, implicou em aumento significativo da

importação em setores com maior conteúdo tecnológico. Segundo dados apresentados

por Ribeiro e Pourchet (2002) apud Kupfer (2002) o coeficiente9 de importação de

equipamentos eletrônicos, por exemplo, saltou de 13,9% em 1990 para 122,7% em

8 Publicado na Gazeta Mercantil, baseado em relatório da Footwear Industries of America (Dez. 1996) e

consultado em artigo publicado pelo BNDES sobre o comércio exterior do Complexo Coureiro-

Calçadista publicado em 22/01/2002. 9 Relação entre valor das importações e valor da produção (Kupfer, 2004, p.98).

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19

2001. Rizzo (2004) relata que a facilidade para importação verificada no período, levou

empresas de Birigui, como a Popi e a Kiuty, a promover uma renovação de seu

maquinário, sendo que esta última adquiriu seis maquinas injetoras de solados no ano de

1991.

Uma parte das máquinas empregadas na fabricação do calçado em Birigui é

fabricada fora do país10

, principalmente nos países asiáticos, tanto por empresas com

origem no próprio continente, como por empresas de outros países que mudaram sua

planta produtiva para a China em busca de redução dos custos de produção. As

principais empresas fornecedoras internacionais são: a Sagitta, de origem italiana,

especializada na fabricação de máquinas de chanfrar, máquinas de costura, máquinas

para rebites e ilhoses; a Singer, especializada na fabricação de máquinas de costura e

bordado, com origem nos Estados Unidos, mas atualmente sua planta industrial está

localizada na China; a Pfaff, especializada na fabricação de máquinas de costura e

bordado, de origem era alemã, mas assim como a Singer transferiu sua planta industrial

para a China; a Barudan, de origem chinesa, e a Tajima, de origem japonesa, ambas

especializadas em máquinas de bordar; a Taking, de origem taiwanesa, especializada em

máquinas de costura em geral.

Os fabricantes de máquinas nacionais estão localizados principalmente no Rio

Grande do Sul e na cidade paulista de Franca, que por terem se consolidado como uma

aglomeração industrial do setor calçadista desde a década de 1950 – período em que a

política industrial brasileira e as dificuldades para importação, geralmente induziam o

desenvolvimento em território nacional de toda a cadeia produtiva11

– apresentam uma

maior variedade de indústrias correlatas e de apoio do que as verificadas em Birigui.

Desses fabricantes, a maior parte está no Rio Grande do Sul e se desenvolveram para

atender as demandas por máquinas dos fabricantes de calçados na região do Vale dos

Sinos, como dito anteriormente, que já se destacavam na produção nacional de calçados

desde a década de 1950. No Rio Grande do Sul, os principais fabricantes e fornecedores

de máquinas para a produção de calçados de Birigui são: a empresa Pipe Variani,

fabricante de máquinas rebitadeiras e máquinas de pregar botões que está localizada em

Caxias do Sul; a empresa Tecnomaq, fabricante de máquinas para costura ensacada

10

As informações aqui expostas foram coletadas em entrevista na empresa Fromaq, fornecedora de

máquinas e equipamentos para as fábricas de calçados de Birigui. 11 “Cadeia produtiva é o conjunto de etapas consecutivas pelas quais passam e vão sendo transformados e

transferidos os diversos insumos (Kertsnetzky e Prochnik, 2002, p. 23).”

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20

(usada para unir o cabedal à palmilha), balancins, esteiras, prensa “sorveteira”, forno

para reativação da cola etc., que está localizada em Farroupilha; a empresa Sazi,

fabricante de máquinas (fornos) para secar e reativar cola, prensas tipo “sorveteira”,

esteiras, conformadores de contraforte etc., também está localizada em Farroupilha; a

empresa Kehl, fabricante de pantógrafos para corte computadorizado, máquina de

reativar cola, máquina de chanfrar etc., que está localizada em Novo Hamburgo; a

empresa Klein, fabricante de balancins, máquina de chanfrar, máquina de alta

freqüência etc., também localizada em Novo Hamburgo.

Apenas duas empresas localizadas em Franca foram citadas pelos entrevistados:

uma delas é a Ivomaq, empresa especializada na fabricação de máquinas de costura e a

outra é a Poppi, uma empresa especializada na fabricação de balancins e máquinas de

conformar contraforte e biqueira. A tendência mais comum, mesmo entre as empresas

brasileiras, é importar as máquinas produzidas na China e em Taiwan, imprimir o nome

de suas empresas nas mesmas e distribuir para os produtores de calçados nacionais. Este

é o caso, por exemplo, da empresa Lanmax localizada em São Paulo. Apenas a marca é

brasileira, mas as máquinas de pesponto que comercializa são todas importadas da

China.

1.4. Queda no número de trabalhadores

Acompanhando a queda nas exportações, Kupfer (2004, p.94-95) aponta que a

partir da década de 1990 passou a haver um descompasso entre a evolução da produção

física e o número de trabalhadores empregados na indústria, ou seja, enquanto a

produtividade da indústria crescia a quantidade de emprego seguia retraindo. Segundo o

autor, esse avanço da produtividade industrial verificado na referida década se deveu

apenas em parte pela renovação de maquinário ou processos produtivos que naquele

momento se encontravam defasados. Boa parte do ganho de produtividade se deveu ao

aumento significativo das importações de insumos e bens intermediários e a interrupção

da produção de certos bens com emprego de tecnologias mais sofisticadas, o que

contribuiu para a desestruturação da matriz industrial brasileira. Devido ao

rebaixamento das tarifas de importação, a compra no exterior de bens de consumo não

durável, como o calçado, também foram bastante significativas no período. A

importação de calçados e de partes de calçados salta de US$ 25.847 em 1990, para US$

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21

211.528 em 1996, sendo que deste montante quase 60% eram de calçados provenientes

da China, Indonésia e Hong Kong (SECEX).

Os dados apresentados no gráfico 1 mostram que após o ano de 1994 (ano de

edição do Plano Real) houve uma forte queda no número de empregos formais na

indústria calçadista de Birigui. Em 1994 o número de empregados na indústria de

calçados era de 13.634, já no ano de 1995 este número cai para 8.923 empregados, o

que significou uma queda de quase 35% do total de empregos de um ano para o outro.

Essa redução foi confirmada em nossa pesquisa de campo, visto que 19 empresas12

(63% do total) afirmaram ter diminuído o número de trabalhadores, sendo que as

motivações apontadas foram as seguintes: a crise ocorrida na década de 90 com a

abertura comercial e financeira do país, apontada por 6 empresas; a sazonalidade do

mercado de calçados, apontada por 5 empresas; 1 empresa subcontratada atribuiu a

diminuição à dependência à empresa-mãe (empresa subcontratante); 1 atribuiu a

diminuição a problemas financeiros particulares da empresa; e, por fim, a crise

deflagrada no mercado imobiliário dos Estados Unidos em 2008, apontada também por

6 empresas. Somente a empresa Bical13

, iniciou o ano de 1995 com 2.452 empregados e

em dezembro do mesmo ano, empregava apenas 1.119 trabalhadores, ou seja, houve

uma redução de mais de 50% do total de trabalhadores da empresa. A explicação para

esta redução segundo nosso entrevistado foi a necessidade de “enxugar” o quadro de

funcionários devido ao período de recessão econômica vivido pelo país e pela

conseqüente queda nas encomendas.

12 Das 11 empresas que afirmaram não ter diminuído o número de trabalhadores, mais da metade foram

fundadas a partir do ano 2000.

13 Cicero, Elaine C. Um análise da indústria de calçados de Birigui no contexto de flexibilização

produtiva. 2007 (116 p.) Monografia (Bacharelado) Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade

Estadual Paulista, Presidente Prudente.

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22

Cabe aqui fazermos um breve parêntese, sobre a repercussão da crise de 2008 no

setor calçadista de Birigui. Os dados do gráfico confirmam a redução do número de

trabalhadores em 2008 constatada também em nossa pesquisa de campo. No entanto, a

rápida recuperação já verificada em 2009 mostra que a crise não teve uma repercussão

acentuada no setor calçadista. Aliás, apesar dos alardes feitos pelos meios de

comunicação brasileiros, os dados atuais da economia mostram que a repercussão desta

crise no país, foi bem menor que o anunciado. Recentemente, foi publicada uma matéria

no jornal Folha da Região14

intitulada: “Sobra emprego na indústria calçadista”; o

assunto, como podemos perceber pelo título, foi a falta de mão-de-obra nas fábricas de

calçados de Birigui. De acordo com o que foi noticiado, a medida adotada pelos

representantes da Fiesp e do Sindicato Patronal, para solução do problema será visitar as

cidades da região, propondo parcerias com as prefeituras para treinamento de mão-de-

obra, como mostra o trecho a seguir: “A proposta da federação nesse projeto é buscar

trabalhadores em cidades que ficam a até 70 quilômetros de Birigui. As visitas devem

iniciar dentro de duas semanas e será feita pelo próprio Nakad, que estará acompanhado

do presidente do Sinbi (Sindicato das Indústrias do Calçado e Vestuário de Birigui),

Sérgio Gracia, e do diretor da escola do Senai de Birigui, Hélio Hideyo Uichiyama”

(Folha da região, Caderno Cidades, página A7, do dia 11 de fevereiro de 2011). De

acordo com o diretor do Departamento de Ação Regional da Fiesp e ex-presidente do

14 Folha da região, Caderno Cidades, página A7, do dia 11 de fevereiro de 2011.

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000

Emprego

Gráfico 1- Número de empregados na indústria de calçados

Birigui-SP/1985 a 2009

Fonte: RAIS/MTE.

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23

Sindicato Patronal, Samir Nakad, a cidade de Birigui está vivendo um “apagão” de

mão-de-obra já que não se encontra nem jovens para contratação como aprendiz. A falta

de mão-de-obra é tanta, que ao invés do trabalhador ir até a empresa a procura de

emprego, as empresas é que contratam carros de som para anunciar as vagas de

emprego nos bairros da cidade15

. Por estes dados, não nos parece que estamos diante de

um cenário de crise econômica, visto que o aumento da demanda por mão de obra

sinaliza para o crescimento do setor calçadista16

.

1.5. Novas formas de organização da produção?

Diferentemente do que ocorreu no ano de 2008, a década de 1990 representou

realmente um momento de crise para a indústria de calçados brasileira. Com a entrada

dos calçados asiáticos no mercado internacional, as indústrias brasileiras produtoras de

calçados adotaram várias estratégias para lidar com um ambiente de competição

acirrada. No que diz respeito à produção, as estratégias consistiram basicamente na

adoção de novas formas de organização da produção, com intensificação da

racionalização dos processos produtivos, renovação do maquinário e incorporação de

novas tecnologias e expansão das práticas de subcontratação ou, terceirização da

produção.

De um modo geral, essas novas práticas de organização da produção e controle

do trabalho tiveram como influência o modelo japonês difundido inicialmente pela

empresa automobilística Toyota, por isso “toyotismo” e cujos pressupostos vinham se

difundindo no país desde a década de 1980 (Navarro, 2006, p.216). A empresa

organizada pelos princípios toyotistas, diferentemente da indústria fordista, deveria

“combinar as exigências de qualidade e quantidade, contrapondo-se à especialização

proposta pelo taylorismo, através da polivalência, da rotação de tarefas e do trabalho em

grupo (Navarro, 2006, p.216).” Além disso, a produção deveria ser voltada para o

atendimento de pedidos, ou seja, um modelo de “produção enxuta”, organizada pelo

sistema just in time – forma de organização da produção para que a empresa produza

somente o necessário para o atendimento de pedidos – e kanban – que consiste num

15 Presenciamos um anuncio deste tipo durante nosso trabalho de campo, e confirmamos com os

moradores locais que esta prática é recorrente.

16 No início do mês de março de 2011 foi divulgado pelo Governo Federal que o crescimento do PIB

brasileiro em 2010 foi de 7,5%, o que vem corroborar, de modo inequivocável, a superação da crise

financeira de 2008.

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sistema de informações que alimenta o just in time, controlando a quantidade de

produção em cada etapa do processo. No que se refere ao controle da qualidade nas

práticas referentes a este modelo cada trabalhador deve cuidar da qualidade do que esta

produzindo. Há ainda os CCQs (Círculos de Controle da Qualidade) em que os

trabalhadores se reuniriam teoricamente de forma voluntária, para buscar soluções para

os problemas relativos à produção (Navarro, 2006, p. 217). Como veremos pelo

exemplo das indústrias de calçados de Birigui, as mudanças referentes ao modo de

organizar a produção no interior da empresa foram de certa forma, influenciadas pelo

modelo de produção japonês, mas os resultados destas mudanças na prática mesclam as

formas antigas com a adoção de alguns princípios do referido modelo.

A despeito das diferenças entre os padrões tecnológicos e as formas de

organização da produção no interior da empresa e independentemente do segmento de

mercado em que atuam (calçados masculinos, femininos, infantis, de maior ou menor

preço), é nítida a intensificação da prática de subcontratação de partes do processo

produtivo pelas empresas fabricantes de calçados no Brasil (Navarro, 2006; Reis, 1994;

Garcia, 2001). Como aponta Garcia (2001) a exemplo dos processos de

desverticalização verificado em empresas que atuam internacionalmente, algumas

empresas brasileiras vêm tentando

[...] desfazer-se de todos seus ativos produtivos, concentrando suas atividades na concepção do produto e na gestão de seus ativos

comerciais, especialmente a marca e os canais de comercialização,

além da coordenação da cadeia produtiva. (...) As grandes empresas calçadistas internacionais, em geral, não possuem unidades de

fabricação de mercadorias, subcontratando todas as etapas do

processo de produção de calçados. São responsáveis apenas pelo

gerenciamento da marca e da cadeia de produção, comercialização e distribuição. Mantêm, dessa forma, ativos essenciais como a marca e

a capacidade de gerenciamento de toda a cadeia de valores, o que as

permitem comandar o processo e se apropriar de boa parte dos benefícios gerados ao longo da cadeia (p.125-126).

Os processos de horizontalização das empresas, assim como as formas de

flexibilização do processo produtivo, juntamente com a fragmentação do espaço físico

da produção, têm gerado formas desregulamentadas de trabalho e a conseqüente

diminuição do trabalho estável e formalizado, típico do modelo fordista/taylorista de

produção (Antunes e Alves, 2004, p. 336-334).

A terceirização da produção é ainda mais intensa em aglomerações espaciais de

empresas, onde a presença de empresas de menor porte e do trabalho informal e

especializado em uma etapa do processo produtivo facilita a subcontratação por parte

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25

das empresas maiores. Na indústria de calçados de Birigui encontramos uma

multiplicidade de formas relações de trabalho, desde o operário com contrato de

trabalho formal interno à indústria, até uma série de relações que são estabelecidas em

torno do processo de terceirização da produção, acentuado sobremaneira a partir da

década de 1990. A justificativa na maioria das vezes é a necessidade pela busca de

qualidade, produtividade e competitividade, que neste caso, são conseguidas a custo da

precarização das relações de trabalho e do repasse a terceiros dos riscos e ajustes da

produção decorrentes de uma possível oscilação da demanda. No que diz respeito às

formas de terceirização da produção, estão envolvidos no processo: as micro e pequenas

empresas terceirizadas e especializadas em uma etapa do processo produtivo, como o

pesponto ou a montagem, ou esporadicamente, empresas contratadas para realizar mais

de uma etapa do processo produtivo; os trabalhadores a domicílio na maioria das vezes

informais; trabalhadores autônomos; as bancas17

.

É importante lembrar que a externalização da produção não é um fato novo na

indústria calçadista, já que o trabalho domiciliar e a presença de bancas são anteriores às

mudanças ocorridas com o processo de reestruturação produtiva nos anos 1990. A

diferença é que anteriormente o trabalho domiciliar era restrito a algumas etapas do

processo produtivo, sendo mais comuns, trabalhos manuais e mais demorados como a

confecção de enfeites, o recorte das arestas do forro e a costura manual (necessários

apenas em alguns modelos específicos de calçado). O que há de novo nos últimos anos

é a multiplicidade das formas de terceirização da produção e a intensidade com que

passou a ser adotada pelas empresas.

Podemos perceber a partir das características presentes na indústria calçadista de

Birigui, como o processo de reestruturação produtiva e a busca por competitividade

inspirada no modelo japonês de produção, o toyotismo, ganha no Brasil características

peculiares.

Enquanto a tendência geral das empresas seria a busca pela externalização da

produção, ou seja, repassar a terceiros algumas ou até mesmo todas as etapas do

processo produtivo, a Kiuty, como citado18

, promove a internalização de uma etapa do

processo produtivo, já que a aquisição das injetoras tinha como objetivo a produção dos

17

As bancas, também conhecidas como ateliês, são subcontratadas pelas empresas de calçados,

principalmente para a execução da etapa do pesponto. As relações de subcontratação serão

aprofundadas no capítulo 3.

18 Cf.: Página 31.

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26

solados para calçados no interior da empresa. É oportuno ressaltar, portanto, que o

processo de reestruturação produtiva apresenta características particulares que variam

de acordo com as condições políticas e econômicas do país, o setor da economia

(indústria, comércio e serviços), as particularidades do processo produtivo entre outros

fatores. Além disso, nem todas as estratégias para redução de custos de produção

adotadas por uma empresa no atual período, devem ser lidas, objetivamente, como uma

tentativa de aproximação ao modelo toyotista de produção.

Brito (2002) explica que o re-investimento do lucro gerado por uma empresa

pode implicar, dependendo dos seus objetivos, em imobilizar capital promovendo uma

diversificação da produção por meio de integração vertical, ou seja, “a empresa assume

o controle sobre diferentes estágios (ou etapas) associados à progressiva transformação

de insumos em produtos finais (p.313).” No caso da produção de solados por uma

empresa cuja atividade principal é a produção de calçados, implica em dizer que esta

empresa promoveu uma “integração para trás”, ou seja, entrou em estágios anteriores do

processo de produção. Em termos de ganhos para empresa, esta estratégia pode

significar, por exemplo, a possibilidade de ganhos de eficiência, isto é, o processo de

integração pode significar a geração de economias de escala e de escopo.

Navarro (2006) chama a atenção para o fato de que muitas vezes uma simples

mudança, ou a adoção de uma das técnicas que compõem o modelo de produção

japonês, são alardeadas como se a empresa tivesse passado por um intenso processo de

reestruturação com a adoção completa do referido modelo. Sendo assim, partimos do

pressuposto que os desdobramentos do processo de reestruturação produtiva, em suas

diversas facetas (organização da produção, relações de trabalho, estratégias empresariais

etc), não se manifestam da mesma forma em toda a estrutura produtiva, mas guarda

peculiaridades intrínsecas a cada setor da economia, em particular a cada ramo

industrial, ao espaço geográfico no qual se insere e aos atores (agentes) envolvidos.

Esta reestruturação produtiva na indústria calçadista de Birigui demanda, então,

um aprofundamento da análise deste processo, coisa que faremos a seguir, tentando

explicar as principais etapas de produção do calçado – da modelagem à expedição – e

como tal processo de reestruturação produtiva se manifesta em cada uma dessas etapas

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27

1.5.1. Modelagem: concepção do calçado

A etapa de concepção do calçado é a que precede todas as outras executadas no

chão de fábrica. Os profissionais desta área definem o estilo, o modelo a ser produzido,

assim como os materiais que irão compor o calçado. De acordo com Navarro (2006),

devido à intensificação da competitividade após a década de 1980, a modelagem do

calçado ganhou posição estratégica na linha de produção.

Geralmente, as empresas possuem uma equipe de profissionais especializados

em modelagem, bem como uma série de equipamentos e ferramentas necessárias para a

elaboração, no entanto, principalmente as micro e pequenas empresas, muitas vezes não

desenvolvem seus próprio modelos: ou copiam de outras marcas mais conhecidas

realizando algumas adaptações; ou simplesmente executam o modelo requerido pelo

comprador, o que ocorre principalmente quando se trata de calçados para exportação ou

para atender pedidos específicos de redes de lojas; ou contratam o serviço de modelistas

autônomos. Os modelos de calçados recebem muita influência dos grandes centros que

“ditam a moda” internacionalmente, principalmente na Europa e nos Estados Unidos.

Como relatado por Rizzo (2004, p.23) em entrevista com os proprietários da Bical, os

profissionais da modelagem viajam para estes países, trazem as principais tendências e

adaptam ao padrão brasileiro. Além disso, existe um site pago mensalmente, com

centenas de fotos de vitrines de toda Europa.

Conforme informações que obtivemos na Bical, é na etapa de concepção que se

define as facas necessárias para a confecção de cada modelo, as matrizes para injeção

do solado, os enfeites e os materiais necessários à fabricação.

Nos últimos a modelagem do calçado incorporou novas tecnologias como o

sistema CAD/CAM. Cabe ressaltar, que o uso deste recurso não é generalizado nas

empresas, já que é encontrado com maior freqüência nas empresas maiores; as empresas

menores, na maioria dos casos, ainda operam com os recursos tradicionais. Pelo sistema

CAD/CAM, o desenho do calçado é desenvolvido no computador por meio de um

software e em seguida, os dados são transmitidos para o sistema CAM que possibilita o

corte dos moldes em papelão nas diferentes numerações (conferir fotos 1 e 2). Com

esses moldes são confeccionados os primeiros pares para apresentação nas feiras

(Francal, CouroModa, etc). Caso o modelo seja aprovado nas feiras, ou seja, caso a

empresa receba pedidos para o modelo desenvolvido, aí então são encomendadas as

facas e matrizes em empresas especializadas, para a confecção do calçado na linha de

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produção. A partir daí, a empresa estabelece por meio de um software chamado PCP

(Programação e Controle da Produção) a quantidade de matéria-prima necessária para a

produção de cada modelo, estabelecida por sua vez, com base nos pedidos recebidos dos

compradores, e repassada para o setor de compras da empresa19

.

Foto 1: Sistema CAD/CAM na Bical Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 2: Trabalhadores no almoxarifado Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

1.5.2. Almoxarifado

Trata-se da sessão onde as matérias-primas são recebidas, conferidas

(quantidade, cor, tipo e qualidade) e encaminhadas pelos trabalhadores responsáveis

para o beneficiamento (dublagem, estamparia, etc) ou, quando se trata de materiais que

não carecem de beneficiamento, seguem diretamente para a sessão do corte. Cabe

destacar que o beneficiamento dos materiais é praticamente todo terceirizado, sendo

realizado por empresas prestadoras de serviço localizadas na cidade. Entende-se por

beneficiamento de materiais alguns processos como: dublagem (aplicação de um forro

de reforço no avesso de materiais que compõem o cabedal do calçado, como couro,

sintético e tecidos); estamparia (ou serigrafia, que consiste em estampar imagens ou o

nome da empresa em peças que compõem o calçado); o polytron20

, que consiste em

imprimir relevo ao material, geralmente de uma ou duas peças que compõem o calçado,

como demonstram as fotos 3, 4, 5.

A partir dos pedidos recebidos pela empresa, são geradas fichas onde estão

especificados o modelo, as cores e a quantidade de pares a ser produzida em cada

19 A descrição aqui contida está baseada em dados que coletamos na empresa Bical.

20 A máquina recebe este nome porque a empresa (de capital nacional) fabricante da máquina de alta

freqüência utilizada no processo tem o nome de Polytron, atualmente existem outras marcas no

mercado, mas esta é a mais antiga e a mais utilizada.

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numeração. Todo o material necessário para a confecção do calçado se encontra

armazenado no almoxarifado e de lá é encaminhado para a sessão do corte dos

materiais. Estas fichas são geradas a partir de pedidos dos compradores, ou seja, as

empresas operam no sistema just in time, produzindo o que já está vendido, sem ter

grandes estoques de calçados prontos.

Foto 3: Peças nos moldes para

receber relevo. Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 4: Máquina de alta-

frequência operando. Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 5: Peça do calçado com

relevo. Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

No que se refere ao estoque de matéria-prima nota-se uma diferença

significativa quando é considerado o porte da empresa: 78% das microempresas e 62%

das empresas de pequeno porte não fazem estoque de matéria-prima, compram apenas o

material necessário para atender aos pedidos; entre as empresas de porte médio e grande

a situação se inverte, já que 83% das empresas de porte médio e 100% das empresas de

grande porte estocam o mínimo de matéria-prima necessária. Neste caso, a presença

intensiva de fornecedores de matéria-prima na cidade favorece especialmente as

empresas pequenas, que possuem menor capacidade de compra e de prover um estoque

mínimo de materiais, recorrendo sempre que necessário aos fornecedores mais

próximos.

Foto 6: Estoque de materiais na Marc‟Elsse Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 7: Método de controle de estoque

computadorizado na Bical Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

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30

A constatação durante nossa pesquisa, de que a proximidade de fornecedores é

mais importante para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, corrobora

nossa argumentação – a presença de fornecedores foi apontada como vantagem para a

localização em Birigui por 47% das empresas de pequeno porte e por 50% das

microempresas, já entre as empresas maiores, apenas 17% das empresas de médio porte

e nenhuma empresa de grande porte citaram este fator como vantagem. Podemos

afirmar que a presença de fornecedores em Birigui representa uma economia de

aglomeração, visto que, caso os fornecedores estivessem localizados em pontos mais

distantes, a empresas seriam obrigadas a prover um estoque mínimo de materiais para

que não haja comprometimento de seu funcionamento por falta de matéria-prima.

Nota-se que a organização e o controle da compra de materiais e da geração das

fichas citadas acima, não ocorrem da mesma forma em todas as empresas, havendo uma

variação no método e na tecnologia aplicada para tanto. A variação ocorre

principalmente em função do porte das empresas, porém, isso não quer dizer que uma

empresa de pequeno porte não incorpore tecnologia ou novos métodos de organização

da produção.

1.5.3. Sessão do Corte

A sessão do corte, como o próprio nome diz, é onde os materiais são cortados

para compor as partes do calçado. Essa etapa do processo produtivo pode ser realizada

manualmente, com o corte do material por meio de um bisturi e um molde da peça a ser

cortada, ou, utilizando-se uma faca no formato do molde e o balancim (máquina de

cortar) como mostram as fotos 8 e 9 abaixo, este último método é o mais usado

atualmente. O trabalhador responsável pelo corte é o cortador e sua função consiste em

cortar as partes que compõem o calçado, desde o forro, espumas, couro, materiais

sintéticos, etc. Na pesquisa de Zampieri (1976) realizada no início da década de 1970,

há somente o registro do corte manual do material, visto que essa era a forma

predominante utilizada na época.

De acordo com os pedidos registrados nas fichas, o cortador seleciona no quadro

de facas as que correspondem ao modelo requerido, em seguida posiciona o material

sobre o banco do balancim e dispõe a faca sobre o material. A divisão do trabalho

interna à sessão do corte pode seguir outros parâmetros, como na empresa Marc‟Elsse

onde a divisão é estabelecida de acordo com o tipo de material e faca utilizada.

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31

A disposição das facas deve atentar para o máximo proveito do material e evitar

as partes deterioradas, comuns principalmente no couro. Posteriormente, para que o

material seja cortado, a parte móvel da prensa do balancim desce sobre as facas,

ocorrendo o assim o corte das peças. Depois de cortadas as peças são separadas e

encaminhadas em caixas com suas respectivas fichas para a sessão do pesponto para a

confecção do cabedal.

Foto 8: Faca para o corte das peças do calçado Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 9: Trabalhador operando balancim Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

As fotos 10 e 11 apresentam os dois modelos de balancim utilizados, o primeiro

é o modelo maior, com capacidade para cortar grandes quantidades de material de uma

só vez e, devido ao seu custo elevado, é encontrado geralmente nas empresas maiores.

O balancim ponte adentrou as fábricas de calçados de Birigui de forma mais intensa, a

partir da década de 1990, no contexto de reestruturação produtiva. Por sua prensa ter

maior capacidade de pressão e se elevar a uma altura maior que o balancim

convencional, (por isso é mais utilizado para cortar materiais mais espessos como as

espumas) possibilita o corte de uma quantidade maior de material, sem o aumento do

número de trabalhadores, representando, portanto, para a empresa, economia de tempo e

de mão-de-obra. O segundo modelo apresentado é o mais comum e por apresentar um

preço inferior ao primeiro é encontrado em praticamente todas as empresas que abrigam

esta etapa do processo produtivo.

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32

Foto 10: Trabalhador operando o balancim

ponte Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 11: Mulheres operando o balancim Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Em nível tecnológico mais avançado, Navarro (2006) destaca o uso de

computadores para a programação (no sistema CAD) do corte a laser ou a jato d‟água,

usados principalmente para os materiais que apresentam maior uniformidade que o

couro. Essa tecnologia, segundo a autora, está presente na produção de calçados no

exterior desde a década de 1980, mas no Brasil, seu uso é mais recente. Em nossa

pesquisa, não encontramos em Birigui nenhuma empresa que disponha desta tecnologia

na sessão do corte.

Cabe ressaltar, ainda, que a função de cortador é a mais bem remunerada no

chão de fábrica, já que exige muita habilidade e qualificação, principalmente quando se

trata do corte do couro que ainda mantém um caráter mais artesanal (Garcia, 2001,

p.25). Isso se explica como ressalta Navarro (2006, p.236), pelo fato de que o couro não

apresenta uniformidade, podendo haver variação da coloração, da textura ou da

espessura, além de alguns defeitos provenientes da criação e abate do gado, por esses

motivos, exige maior atenção na hora do posicionamento das facas. Além disso, deve-se

atentar para a direção das fibras para que o couro não se rompa durante a montagem do

calçado.

A função de cortador é ocupada tradicionalmente por homens, porém, nos

últimos anos o número de mulheres na sessão do corte tem aumentado. Os primeiros

balancins utilizados nas fábricas eram de acionamento mecânico, cuja operação exigia

muita força física, e por isso, eram operados majoritariamente por homens. Atualmente,

os balancins são de acionamento hidráulico e, portanto, não exigem tanta força em seus

manuseios.

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33

1.5.3. Couro ou sintético?

Diferentemente da indústria calçadista de Franca, em Birigui há o predomínio de

calçados de materiais sintéticos. Evidentemente, este dado não é aleatório, já que o

material sintético oferece inúmeras vantagens ao fabricante, quando comparado ao

couro.

Primeiramente, é preciso saber o que é calçado produzido com material

sintético. Conforme Reis (1994, p.90) na prática a definição de material sintético não é

muito precisa na indústria calçadista, o autor adverte que

(...) a palavra sintético foi usada para descrever praticamente qualquer

material – com exceção do couro – utilizado na confecção de

cabedais. Na ausência de uma definição exclusiva para o setor calçadista, os diferentes estudos, e até mesmo seus técnicos limitam-

se a uma lista de materiais assim denominados e utilizados na

composição do sapato, em partes como cabedal, forro e solado.

Geralmente os chamados sintéticos são materiais compostos por poliuretano

(PVC) que além de apresentar atualmente uma aparência muito parecida a do couro são

muito mais baratos. Em nossa pesquisa tentamos especificar com um pouco mais de

precisão os materiais utilizados na fabricação do calçado, e excluímos o tecido da

definição de “material sintético”. Houve dificuldade por parte dos entrevistados em

diferenciar os tipos de materiais sintéticos, ou até mesmo em considerar a quantidade de

calçados produzida somente com tecido, visto que, como afirmou Reis, a palavra

“sintético” dá nome a todos os outros materiais excluindo o couro. Como é possível

perceber pelo gráfico abaixo, apenas 3% das empresas produzem calçados em couro,

11,5% utilizam materiais mistos (num mesmo calçado pode haver peças em couro e

sintético) e 12,5% utilizam tecido na composição do calçado. Já a produção de calçados

sintéticos é bem superior, englobando 73% das empresas. Rizzo (2004) com base em

dados da RAIS, afirma que em Birigui o número de trabalhadores na produção de

calçados em couro entre os anos de 1994 e 2000 não superou 9% do total. Dessa forma,

apesar da pequena diferença entre estes dados e os que coletamos em campo (se

considerarmos a produção de calçados em sintético e em tecido), podemos afirmar que a

produção de calçados em Birigui utiliza majoritariamente materiais sintéticos.

No que diz respeito à produção de calçados no Brasil, segundo Reis (1994) a

partir da década de 1970 é possível perceber duas tendências: uma delas é a produção de

calçados em couro para exportação e a outra, á a produção de calçados em material

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sintético (borracha, tecido e plástico) para atender ao mercado interno. Vedovotto

corrobora com esta afirmação ao explicar, em entrevista realizada por Rizzo (2004,

p.40), que a escolha do material sintético pelas indústrias de calçados de Birigui, está

relacionada à necessidade de se produzir um calçado de baixo custo para atender a

demanda do mercado interno, caracterizado pelo baixo poder aquisitivo do consumidor.

No entanto, de acordo com os dados apresentados por Rizzo21

(2004) não foi fácil a

aceitação do material sintético pelas primeiras fábricas de calçados que iniciaram sua

produção com calçados em couro e que já estavam relativamente consolidadas neste

seguimento. A mudança ocorreu de forma gradual: a primeira parte do calçado a mudar

de couro para sintético foi o solado; em seguida o forro; a maior resistência por parte

destes primeiros empresários foi em aceitar a fabricação do cabedal em material

sintético. No entanto, a concorrência com as novas empresas que já iniciaram sua

produção utilizando o material sintético e por isso produziam um calçado com menor

custo, levou estas primeiras empresas a adotarem o sintético de forma mais

generalizada.

Além disso, houve uma mudança no padrão de consumo de calçados no Brasil,

motivada principalmente pela inserção do modelo de tênis chamado “Quichute”,

produzido pela São Paulo Alpargatas, que além de ser resistente tinha um preço inferior

aos calçados de couro produzidos no Brasil.

De qualquer forma, são inúmeras as vantagens do material sintético em relação

ao couro no processo produtivo. Além da exigência de maiores habilidades para o corte

do couro, este não possibilita a sobreposição de várias camadas de materiais para o corte

de várias peças de uma só vez, é necessário que se corte uma a uma, atentando para os

possíveis defeitos que o material pode apresentar. Como explica Garcia (2001) existe

um problema relacionado ao fornecimento do couro no Brasil, já que este:

é um subproduto da produção de gado para corte, realizada de

maneira extensiva, essa prática gera a perda da qualidade do

couro ainda no pasto, em virtude da ação de carrapatos e das

marcas das cercas de arame farpado. Muitas vezes, até a

marcação do gado indicando o proprietário é aplicada em local

inadequado. Além disso, o setor de curtumes, responsável pelo

tratamento do couro, também apresenta problemas de

defasagem tecnológica, o que acaba se refletindo na qualidade

da matéria-prima (p.118).

21 Afirmações baseadas em entrevista realizada com João Fiorotto, um dos primeiros fabricantes de

calçados de Birigui, proprietário da empresa.

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Por isso, além de ter um custo inferior ao do couro, a uniformidade encontrada

nos materiais sintéticos possibilita maior agilidade no corte do material, já que, como

foi dito anteriormente, possibilita a sobreposição de materiais e, além disso, dispondo de

tecnologias mais avançadas, o corte do sintético pode ser realizado por um sistema

computadorizado (CAD/CAM), representando por isso redução nos custos de produção.

Além dessas vantagens ligadas ao processo produtivo do calçado, cabe ressaltar

que a resistência do couro é muito superior a do material sintético e por isso, a

durabilidade do calçado sintético se torna inferior à do couro, o que implica em aumento

do consumo de calçados.

Gráfico 2 - Tipo de material usado na fabricação do calçado

(%)

Pesquisa de Campo Data: 05/2009

Elaboração: Elaine Cristina Cicero

Por outro lado, algumas empresas fundadas na “era do calçado sintético” voltam

às origens e tornam a produção de calçados infantis em couro um nicho de mercado

explorado, por exemplo, pela empresa TokPé. Não tivemos a possibilidade de visitar a

empresa, mas em visita à loja da fábrica percebemos que os modelos fabricados são

todos em couro e seguem um padrão de modelagem mais clássico22

, diferente do padrão

“modinha”, seguido por grande parte das empresas.

1.5.5- Pesponto

A seção do pesponto é onde as peças que compõem a parte superior do calçado

(cabedal) são coladas e costuradas. Trata-se da seção que emprega o maior número de

22 Modelos de calçados infantis consolidados há muito tempo no mercado, como o modelo de sapato

estilo “boneca”.

3%

73%

12,50%

11,50%

couro

sintético

tecido

misto

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funcionários composta tradicionalmente por mulheres. Esta etapa do processo produtivo

se refere basicamente à confecção do cabedal do calçado, juntando por meio de colagem

e posterior costura, as peças que foram cortadas. Como demonstram as fotos 12 e 13, as

peças são primeiramente coladas ao cabedal pela auxiliar de pesponto, para que não se

movam durante a costura, e posteriormente, são costuradas pelas pespontadeiras. Trata-

se de uma etapa minuciosa do processo produtivo, em que é exigida muita habilidade e

rapidez de quem a desempenha, podendo levar mais de um ano para que se forme uma

pespontadeira experiente.

Foto 12: Auxiliar de pesponta passando cola

nas peças Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 13: Costura de uma das peças que

compõem o cabedal Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Assim como na organização de toda a fábrica, o layout da seção do pesponto é

orientado seguindo o fluxo da produção, ou seja, o posicionamento das máquinas e

mesas de trabalho é estabelecido de forma a tornar o mais próximo possível as

sucessivas etapas do processo produtivo. Em alguns casos, para que não haja

interrupção no trabalho da pespontadeira ou da coladeira de peças e diminuição da sua

produtividade, o transporte do calçado ou de suas partes no interior da empresa é

realizado por funcionários contratados especificamente para esta função, reduzindo

assim, o tempo ocioso de cada trabalhador.

Zampieri (1976) relata que, na década de 1970, as esteiras rolantes percorriam

todas as sessões e seu uso era regra nas grandes unidades fabris de produção em série.

Algumas fábricas utilizaram por um tempo a esteira elétrica nesta seção; no entanto, a

exigência de produtividade imposta pela esteira implicou em perda de qualidade para o

produto e por este motivo, as esteiras elétricas não são comuns nesta etapa produtiva.

Segundo relato do entrevistado na Ypo, a partir da década de 1990 a esteira elétrica foi

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retirada do pesponto e a empresa passou a organizar a fábrica em sessões. Essa mudança

ocorreu pela necessidade de maior agilidade e adequação da fábrica à diversidade de

modelos que a empresa passou a produzir. De fato, em várias fábricas nos foi relatado

que, devido à produção de diferentes modelos ao longo do ano, – como as botas no

inverno e as sandálias no verão – o layout do pesponto está em constante mudança para

que não se prejudique o fluxo da produção.

A organização da produção na seção do pesponto pode seguir tanto princípios

tayloristas, com as linhas de produção, como princípios da produção flexível, com as

células ou grupos de trabalho.

No primeiro caso, há uma intensa e rígida divisão do trabalho interna à seção,

em que o funcionário se especializa na costura ou colagem de uma única peça que

compõe o calçado. Na linha de produção do pesponto pode haver, por exemplo, um

pespontador especializado somente na costura da taloneira, outro em pregar a língua do

tênis, outro em costurar a biqueira na máquina de duas agulhas, enfim, um funcionário

para cada etapa do pesponto.

Nos moldes da “forma flexível” de organização da produção e do trabalho –

posta em prática nas fábricas de calçado principalmente a partir da década de 1990 no

bojo do processo de reestruturação produtiva – há a composição de células ou grupos de

trabalho em que é exigida do trabalhador a execução de várias tarefas. Em algumas

fábricas, como nas empresas Bical e Marc‟Elsse23

, cada célula de produção é composta

por duas pessoas: uma auxiliar de pesponto, responsável pela colagem das peças, e uma

pespontadeira, responsável pela costura de todas as peças do calçado (conferir foto 14).

Essa forma de organizar a produção, segundo nosso entrevistado na Bical, proporciona

vantagens para a empresa na medida em que facilita o controle da qualidade, já que se

torna fácil identificar o funcionário responsável pela confecção de determinada ficha.

Além disso, a ausência de um ou outro funcionário não compromete tanto o andamento

da produção, como comprometeria numa linha de produção. Há também outros casos

em que os grupos ou células são mais numerosos (conferir foto 15), havendo dessa

forma, maior divisão do trabalho interna ao grupo, como pudemos verificar na empresa

Tip Toe.

23 Nosso entrevistado na Marc‟Elsse chamou de mini-células quando se referiu a organização do pesponto

na empresa, já que cada célula é formada por apenas duas pessoas.

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Foto 14: Célula do pesponto com duas

trabalhadoras Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 15: Célula de pesponto mais numerosa Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

No entanto, não constatamos, nas fábricas de calçados de Birigui, a presença

somente de uma ou outra forma de organização, o que percebemos é uma mescla de

formas de organização taylorista e flexível. Mesmo quando a produção é organizada em

células ou grupos de trabalho, não se verifica a presença de trabalhadores

“polivalentes”. Há uma divisão mínima do trabalho em que a funcionária que cola as

peças não poderia, eventualmente, ocupar o posto de pespontadeira.

Na Bical, por exemplo, cada célula é composta por duas pessoas, uma coladeira

de peças e uma pespontadeira. Todo o processo de colagem e costura de cada ficha é

realizado numa única célula, ou seja, a coladeira de peças colará todas as peças do

calçado e pespontadeira costurará todas as peças do calçado. Assim como a Bical, na

empresa Marc‟Elsse cada célula do pesponto é formada por duas pessoas, a

pespontadeira e a coladeira de peças. No entanto, cada célula é responsável por uma

etapa do processo de costura, ou seja, em uma célula será colada e costurada a biqueira,

na outra a taloneira, e assim por diante. Percebemos que nesta última empresa, o layout

do pesponto é organizado em linha de produção composta por células de trabalho.

Para a costura do calçado são utilizadas máquinas “coluna” (como na foto 14),

com uma ou duas agulhas, e a máquinas planas, como para costura em “zigzag” e

“overlock”. Pudemos verificar que houve incorporação de tecnologias mais recentes,

como: máquinas de costura com maior tração; máquinas de costura com comando

numérico, com a possibilidade de programação da quantidade e da largura dos pontos,

assim como, da velocidade em que a máquina deve operar; máquinas com o corte

automático da linha; máquinas para costurar zíper.

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A cola usada para a colagem das peças era armazenada anteriormente numa

bobina, com capacidade aproximada de 300 mililitros, havendo, portanto, necessidade

de recarregá-la várias vezes ao dia. Pudemos notar que aqui também houve

incorporação tecnológica, neste caso bastante simples e de baixo custo. Tanto as micro-

empresas como as empresas de grande porte, adotaram o uso de um dispositivo em que

não há a necessidade de reabastecimento. Como nota-se pelas fotos 14 e 15, coloca-se

um suporte para a lata de cola com capacidade para 10 litros, junto à mesa de trabalho e

conecta-se a ela uma mangueira com um dispositivo que libera a cola conforme o

comando da pessoa que a opera. Conforme o relato dos entrevistados, a nova técnica

permitiu ganho de produtividade através da diminuição da porosidade do processo

produtivo, já que agora, não é necessário que o trabalhador saia de seu posto várias

vezes ao dia para reabastecer a bobina de cola.

Em nível técnico mais avançado, encontramos a máquina de costura

computadorizada, introduzida pela primeira vez em Birigui na década de 1990 pela

empresa Bical. Como se pode notar pela foto 16, a máquina costura é conectada a um

computador onde se programa a operação que deverá ser realizada pela máquina.

Segundo relato do nosso entrevistado na Bical, esta máquina24

de tecnologia israelense,

foi introduzida pela empresa num contexto de mudanças estruturais pelas quais a

empresa estava passando. Vale ressaltar que o uso desta máquina não é difundido entre

as empresas de Birigui, a maior parte do pesponto continua sendo realizado pelas

máquinas tradicionais.

Foto 16: Máquina de costura computadorizada Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 17: Máquina de bordar computadorizada Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

24 Máquina da marca Orissol.

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Na categoria dos enfeites para calçados, a utilização de bordados nos modelos

tem levado muitas empresas a adquirirem máquinas de bordar computadorizadas (como

na foto 17), que apesar de não estar especificamente relacionada à parte de costura do

calçado, estão geralmente próximas ou ligadas à seção do pesponto. Apesar de não ter

um preço muito acessível, estão presentes em diversas empresas, independentemente do

porte – encontramos exemplares destas máquinas, tanto na Tip Toe e Bical, empresas de

grande porte, como na Calçados Gracinha, uma empresa de pequeno porte. Já que estas

máquinas permitem a programação para o bordado de diferentes figuras, a empresa

pode prestar serviços às outras empresas que não a possuem, garantindo assim um

maior retorno do investimento.

A demora no processo de aprendizagem e a baixa remuneração da pespontadeira

em comparação com a função de auxiliar do pesponto (coladeira de peças) tornam

escasso o número de profissionais especializados. Presenciamos durante nossas visitas à

cidade veículos circulando nos bairros anunciando as ofertas de empregos das fábricas

de calçados. De fato, para 63% das empresas há falta de mão-de-obra em Birigui sendo

que a maior dificuldade está em encontrar profissionais do pesponto. O principal motivo

apontado pelos entrevistados é a falta de interesse do trabalhador em aprender a função,

no entanto, ao indagarmos alguns trabalhadores e a presidente do sindicato, obtivemos a

informação de que a diferença de salário entre a pespontadeira e a auxiliar não torna

vantajoso o primeiro posto, que além de exigir mais habilidade causa maior desgaste

físico. Segundo informações do Sindicato dos Sapateiros de Birigui, no ano de 2009, o

salário de uma pespontadeira variava de R$ 700,00 a R$ 830,00, enquanto que o salário

de um auxiliar variava de R$ 540,00 (o piso salarial da categoria) a R$ 625,00.

Além disso, algumas empresas praticam diferentes salários entre as

pespontaderias. A diferença salarial pode estar relacionada com o tempo de serviço,

experiência ou, se o trabalhador aprendeu a função dentro da própria empresa, levará

um tempo até atingir o salário máximo pago àquela função. Por exemplo, na Bical a

classificação é de pespontadeira A, B e C. O fato é que muitas vezes o trabalhador pode

passar um longo período ganhando como pespontadeira C e atingir as mesmas metas

que uma pespontadeira A.

O desgaste físico do trabalhador foi em parte minimizado com a intervenção do

Sindicato dos Trabalhadores para que as empresas adotassem cadeiras ergonômicas no

chão de fábrica. Anteriormente, principalmente as pespontadeiras, tinham que utilizar

almofadas improvisadas para melhorar o conforto do assento e se posicionar numa

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altura mais confortável, se adaptando a altura da mesa e da máquina. Há casos em que o

desgaste físico é maior, como nos relatou a presidente do Sindicato, em que os

trabalhadores operam as máquinas de costura em pé, ou seja, durante toda a jornada de

trabalho, o trabalhador apóia o peso do corpo em uma perna e com a outra controla o

pedal da máquina. Este modelo de máquina não foi encontrado nas fábricas de Birigui,

os exemplos citados pela nossa entrevistada são de empresas do Rio Grande do Sul.

1.5.6. Etapas finais: montagem, acabamento e expedição

Depois de costuradas todas as peças que compõem o cabedal, a próxima etapa

do processo produtivo é a montagem. É nesta etapa que o calçado ganha forma,

inicialmente com a união do cabedal a uma palmilha montados em uma fôrma similar

ao formato do pé (como mostram as fotos 18 e 19), e posteriormente, é passada uma

cola da área que receberá o solado. Em algumas empresas o solado é produzido

internamente, como na Bical, na Sonho de Criança, na Tip Toe, entre outras. Na maioria

dos casos o solado é comprado de outras empresas (fornecedoras na cidade), visto que o

alto custo da aquisição e manutenção das injetoras não permite que empresas de

pequeno porte a adquiram.

A montagem é uma das sessões que concentra um maior número de máquinas, a

principal delas é a esteira elétrica, difundida em praticamente todas as empresas. Como

pudemos perceber, o layout da produção é organizado basicamente em formato de linha,

com as máquinas e os funcionários posicionados em volta da esteira, de acordo com as

etapas do processo de montagem do calçado.

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Foto 18: Esteira elétrica em funcionamento Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 19: Esteira elétrica em funcionamento Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Como dito anteriormente, a organização em forma de mini-fábricas passou a ser

adotada a partir da década de 1990 e com isso, essa nova forma de organização da

produção pode incluir também a seção de montagem como é o caso da empresa Sonho

de Criança. Nesta empresa, a produção é organizada em mini-fábricas, sendo que em

três delas contém as sessões de pesponto montagem e expedição. Cada uma destas mini-

fábricas é responsável pela produção de uma linha (como por exemplo, sandálias

infantis, tênis para bebês etc) de calçado produzido pela empresa. Neste tipo de

organização, há maior possibilidade de controle da qualidade, já que se trata de

unidades fabris menores no interior da fábrica com exclusividade na produção de

determinados modelos (Sposito e Cicero, 2009, p.264).

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Figura 1- Sequência da produção na organização por mini-fábricas25

Organização: Elaine Cristina Cicero

As incorporações de tecnologia para montagem do calçado mais recente são:

“forno” e “geladeira” para ativação da cola, segundo relato do nosso entrevistado na R.

Sartori, anteriormente era preciso que o calçado ficasse secando vinte e quatro horas

após a colagem, no entanto agora, com a utilização do forno para acelerar o processo de

secagem da cola e da prensa “sorveteira” que realiza a fixação da sola do calçado

através de prensagem envolvente, não é mais necessário que se aguarde o tempo de

secagem normal. Além de aumentar a agilidade no processo produtivo, a reação

desencadeada pela exposição a diferentes temperaturas (quente e frio) aumenta a

resistência da colagem do solado.

25 Figura já publicado em: SPOSITO, E. S. & CICERO, E. C., Arranjo Produtivo local e eixo de

desenvolvimento: o caso de Birigui-SP. In: SILVEIRA, M. R.; LAMOSO, L. P.; MOURÃO, P. F. C.

(Org.) Questões nacionais e regionais do território brasileiro. São Paulo: Expressão Popular, 2009, [p.

245-275].

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Foto 20: Forno para ativação da cola Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 21: Máquina para moldar o bico do

calçado Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

É importante lembrar que muitas vezes as novas tecnologias não chegam ao

chão de fábrica contemplando todos os requisitos de segurança para o trabalhador.

Segundo o relato da presidente do sindicato dos trabalhadores, Milene Rodrigues, no

início de sua utilização, a prensa “sorveteira”, que prensa e resfria o calçado depois da

colagem da sola, apresentava um sério risco ao trabalhador. Segundo nossa entrevistada,

nos primeiros modelos dessa máquina não havia fechamento do compartimento onde o

calçado é prensado e por isso, ao aproximar a face do local de abertura um trabalhador

teve seus dentes arrancados pela forte sucção exercida pela máquina. Atualmente, como

podemos perceber pela foto 22, o compartimento onde o calçado é prensado recebeu

uma tampa móvel, para que a máquina seja acionada somente após o fechamento do

compartimento. O problema residia na falta de segurança dessas máquinas, algo que foi

identificado e solucionado somente depois que ocorrem alguns acidentes, enquanto que

o quesito segurança deveria estar presente já nos seus projetos haja vista que serão

operadas por pessoas.

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45

Foto 22: Prensa “sorveteira” Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Depois de montado o calçado segue para a etapa de acabamento, onde será

realizado: o encosto da sola, a extração da forma, a limpeza, os retoques e as revisões.

Dependendo do modelo do calçado e do tipo de material utilizado no cabedal e no

solado do calçado, o acabamento pode incluir outras etapas. Em calçados fabricados em

couro, por exemplo, pode haver a necessidade de lichamento da sola, pintura do couro,

envernizamento etc. Quando o calçado tem um solado sintético – o que corresponde à

grande maioria dos calçados produzidos em Birigui – depois de prensado segue

diretamente para o plancheamento, onde será limpo e encaixotado.

Foto 23: Expedição do calçado Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 24: Calçado embalado para expedição Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

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Como podemos observar pelas fotos 23 e 24, depois de receber o acabamento o

calçado é encaixotado, primeiramente em caixas individuais e posteriormente em caixas

de papelão coletivas, e separados em lotes de acordo com os pedidos registrados nas

fichas. Estas caixas coletivas são retiradas na seção da expedição, pelas transportadoras

que encaminharão os calçados ao mercado consumidor.

1.5.7. Controle da produção e da qualidade

Todas as empresas têm um modo de realizar o controle da produção, desde a

simples conferência pelo encarregado até o uso de softwares que possibilitam a

programação e o controle do que é produzido. Como foi relatado, durante as visitas nas

fábricas, a maioria das empresas só produzem calçados para estocar em períodos de

capacidade ociosa. Com a diminuição de pedidos que ocorre sazonalmente, nos

períodos de mudança de estação climática – geralmente entre os meses de janeiro e

fevereiro e junho e julho – as empresas aumentam seu estoque para não parar de

produzir. No entanto, os modelos de calçados produzidos nestes períodos não são

escolhidos aleatoriamente e sim tendo em vista uma previsão de venda de determinado

modelo, baseada nas vendas realizadas no ano anterior.

A quantidade da produção diária é estabelecida por meio de metas a serem

atingidas, o que pode variar de acordo com o tamanho das empresas. Cada seção possui

um mural onde serão anotadas basicamente, a quantidade de pares que deve ser

produzida diariamente e a quantidade produzida. Nota-se que o detalhamento do

controle por meio do mural pode variar de empresa para empresa, dependendo do modo

de organização interna. A produção pode ser anotada no final do dia, no final de cada

turno (manhã e tarde), a cada duas horas ou até de hora em hora. É comum o uso da

cronometragem na definição das metas diárias de produção. Algumas empresas como a

Ortopasso, a Biri e a Thiox, afirmaram realizar a cronometragem, ou seja, as medições

do tempo de cada operação do processo produtivo, e com base nestes dados estabelecem

uma estatística da capacidade produtiva da empresa e as metas a serem atingidas. A

rotina de coleta dos dados da produção é realizada conforme o tempo e a quantidade de

produção estabelecida pelas empresas. Verifica-se que há desde empresas que

estabelecem metas a serem alcançadas diariamente até empresas que estabelecem metas

a serem alcançadas de hora em hora. Na empresa Pinókio, por exemplo, a coleta dos

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dados de produção é feita de formas diferentes para cada seção: na seção de corte é

realizada diariamente e no pesponto e montagem de hora em hora.

Como podemos notar, trata-se de uma técnica tipicamente fordista-taylorista de

racionalização da produção por meio da cronometragem das operações.

O detalhamento das informações presentes nestes murais pode apresentar desde

a produção da seção (corte, pesponto, montagem), de uma célula do pesponto ou de uma

das esteiras da montagem – como mostra a foto 26 –, até a produção individual de cada

trabalhador – como mostra a foto 25.

Foto 25: Exposição no mural das metas e do

desempenho da produção de cada trabalhador

Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Foto 26: Exposição no mural das metas e do

desempenho da produção na montagem Elaine Cristina Cicero Data: maio de 2009

Percebemos que estes quadros funcionam também como uma forma de coação

aos trabalhadores. Na foto 25, podemos perceber que no topo das colunas onde estão

anotados os nomes de cada um dos trabalhadores, sua a produção, suas faltas e seus

índices de retrabalho, tem uma frase que diz: “Assim sou eu”. Pelas informações que

obtivemos, além da exposição num mural para que todos possam ver o desempenho de

cada operário, assim como suas ausências, a empresa emitia uma avaliação sobre tal

desempenho atribuindo uma “carinha” com expressão alegre para os trabalhadores bem

avalizados, uma “carinha” sem expressão de alegria ou tristeza para os desempenhos

considerados medianos e uma “carinha” com expressão de tristeza para os trabalhadores

que não atingiram as metas estabelecidas. Este procedimento não durou muito tempo,

visto que os trabalhadores logo manifestaram sua insatisfação diante deste grau de

exposição, o que levou os dirigentes a não mais relacionar o desempenho dos

trabalhadores com possíveis estados emocionais.

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Apenas cinco empresas informaram utilizar softwares para realização do

planejamento e controle da produção. Na empresa Sonho de Criança é utilizado o

SysCall, um software que alimentado com a quantidade de pedidos da empresa, gera

relatórios com fichas com quantidades, numeração e modelos que deverão ser

produzidos.

O controle da qualidade, na maioria das fábricas é realizado pelas revisoras (ou

revisores), responsáveis por conferir a quantidade de pares das fichas e a identificar

possíveis defeitos no processo de produção e nos materiais utilizados. Em algumas

empresas esta tarefa é realizada tanto no final da etapa de costura do calçado, quanto ao

final do processo de montagem, no entanto algumas mantêm a revisão apenas após a

montagem. A tendência é que a qualidade seja assegurada por todos os trabalhadores

durantes o processo produtivo, visto que não se verifica mais em algumas empresas a

função de revisora.

1.6. O setor calçadista no Brasil e as estratégias espaciais da indústria calçadista

de Birigui

Guardadas as especificidades de cada período, a diferenciação espacial e o

deslocamento de empresas não é uma característica intrínseca ao atual estágio do

capitalismo. Esta foi uma estratégia muito usada pelas empresas no período fordista,

porém, com as mudanças verificadas no papel dos Estados, este tipo de estratégia ganha

feições novas. Em razão das novas tecnologias e das necessidades de ajustamento das

empresas, tornou-se viável a fragmentação do processo produtivo em pontos distantes

do globo, permitindo às grandes corporações escolherem a parcela dos territórios que

oferecem um maior número de vantagens.

O surgimento de uma nova divisão internacional do trabalho teve rebatimentos

no território brasileiro, tanto na sua estrutura produtiva como na distribuição das

atividades industriais. Frente à abertura comercial e desregulamentação financeira

ocorrida no país na década de 1990, com o aprofundamento de sua inserção global, as

empresas criaram estratégias para se manterem competitivas. A deslocalização

industrial foi verificada em diversos setores da indústria, como uma forma de aumentar

ou manter sua taxa de lucro frente ao aumento da competitividade.

Desde a década de 1980, a descentralização política e o aumento do

protagonismo dos governos locais estiveram na agenda das reformas neoliberais do

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setor público em diversos países; para a América Latina este processo representou

também, a superação dos governos autoritários precedentes. No que se refere ao

processo de redemocratização no Brasil, a Constituição de 1988 representou um

aumento significativo da participação dos estados e municípios na receita total

disponível: a parcela dos municípios aumentou de 9,5%, em 1980, para 16,9%, em

1992, enquanto para os estados passou de 24,3% para 31,0%, no mesmo período. A

receita tributária disponível (já contabilizando as transferências) dos municípios elevou-

se de 2,5%, em 1980, para 4,1% do PIB, em 1990 (Rolnik e Somekh, 2000, p.83-84). A

descentralização política no Brasil apresentou dois movimentos concomitantes: o

processo de redemocratização do país, em que a descentralização foi entendida como

uma forma de tornar o governo mais acessível ao cidadão; e a reforma apenas do ponto

de vista gerencial da gestão pública, em que a descentralização representaria maior

eficiência dos governos locais.

De acordo com Bacelar (2000, p.76), diferentemente do padrão dominante no

Brasil nas décadas anteriores, em que se buscava a montagem de uma base econômica

que operasse essencialmente no território nacional e quando a desconcentração das

atividades esteve na pauta de políticas públicas implementadas pelo Estado, a partir da

década de 1990 o foco passa a ser a inserção do país na economia mundial marcada pela

retração do papel do Estado, tanto na atividade de suas estatais como na de políticas

regionais para diminuição das desigualdades inter-regionais.

Diante do vácuo político deixado pelo Estado no que diz respeito a políticas

nacionais de desenvolvimento regional verifica-se que, nos últimos anos, os Estados

passaram a praticar a renúncia fiscal em grande escala, numa tentativa de atrair novos

investimentos. Para Melo (1996):

A magnitude dessa “renúncia fiscal” e o que ela representa

como mecanismo diminuidor da carga tributária agregada, a importância do ICMS (que representa quase um terço da receita

tributária do país), além da impossibilidade de formulação de

uma política de desenvolvimento regional por parte do Governo

federal, apontam para a irracionalidade coletiva desse tipo de situação (p.17).

Parte relevante da guerra fiscal no Brasil tem a ver com a disputa por projetos

industriais de origem externa, sendo os mais conhecidos aqueles da indústria

automobilística. A abertura ensejou a condição econômica para a escalada da guerra

fiscal, na medida em que atraiu um fluxo crescente de capitais internacionais em busca

de oportunidades de investimento no país.

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Tendo em vista esse dado, cumpre analisar alguns aspectos relacionados à

reestruturação produtiva, privilegiando as estratégias de deslocalização das empresas

industriais, particularmente do setor calçadista.

O aumento da competição de outros países, principalmente dos asiáticos, com o

calçado brasileiro é visível desde os anos de 1980. No entanto, tal processo foi agravado

desde o Plano Real (1994), devido principalmente, às políticas de câmbio e de juros.

Junte-se a isso o aumento da oferta internacional de calçados, com a entrada de novos

países produtores, como China, Indonésia e Tailândia e com a criação do Nafta,

aumentando a exportação de calçados do México para os Estados Unidos, até então,

principal país importador dos calçados brasileiros e teremos um quadro totalmente novo

no comércio internacional do calçado.

Por isso, a busca por redução de custos de produção foi o principal motivo que

levou ao deslocamento de fábricas – em particular das que tinham boa parte de sua

produção voltada para o mercado externo –, principalmente das regiões Sul e Sudeste,

para o Nordeste, com destaque para os Estados do Ceará e da Bahia. Para compreender

essa tendência de transferência de plantas produtivas para o Nordeste, cumpre entender

como se distribui a produção de calçados no Brasil.

A distribuição da atividade calçadista no território brasileiro seguiu o padrão

concentrado de distribuição da indústria verificado no país, principalmente durante as

décadas de 1960 e 1970. Período em que as regiões produtoras do Vale dos Sinos no

Rio Grande do Sul e de Franca no Estado de São Paulo já haviam se consolidado como

as mais importantes do país.

Pelos mapas 1 ao 6, que ilustram a distribuição do emprego no Brasil, de acordo

com o tipo de material utilizado na fabricação do calçado em 2009, percebemos que: o

principal Estado produtor de calçados sintéticos é o Ceará, que emprega mais de 30 mil

trabalhadores, seguido pelos Estados de São Paulo (com 6.550 empregos) e pelo Rio

Grande do Sul (com 5380 empregos); o principal estado produtor de calçados em couro

é o Rio Grande do Sul, que emprega quase 82 mil trabalhadores, seguido pelos Estados

da Bahia, São Paulo e Ceará com aproximadamente 30 mil empregados cada um; na

produção de tênis de qualquer material, o principal estado produtor é também o Rio

grande do Sul com 5.632 empregados, seguido pelos Estados de Minas Gerias (com

quase 3.500 empregados) e São Paulo (com 2666 empregados); na produção de

calçados de materiais não especificados anteriormente, o principal estado produtor é

Minas Gerias, com mais de 10 mil empregados, seguido pelos Estados do Rio Grande

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do Sul (com quase 9.000 empregados), de São Paulo (com quase 7.500 empregados) e

da Paraíba (com quase 6.500 empregados); na produção de partes para calçados o estado

que mais emprega é o Rio Grande do Sul, com quase 10 mil trabalhadores, seguido

pelos Estados de São Paulo (com pouco mais de 3.500 empregos), Bahia e Minas Gerais

(com aproximadamente 2.000 empregos cada um). O mapa 6 mostra que o maior

número de empregos no setor calçadista brasileiro é oferecido pelo Estado do Rio

Grande do Sul, também maior produtor de calçados em couro, que pelas

particularidades deste tipo de material (com etapas da produção realizadas quase que

artesanalmente), exige maior emprego de mão-de-obra para fabricação. Este estado

também se destaca no número de estabelecimentos industriais26

, visto que possui 3.702

empresas e corresponde a 34,9% do setor no Brasil, e é responsável por 56,3% das

exportações do setor, US$ 765,8 milhões de dólares em 2009. Apesar da distribuição de

unidades produtivas em vários municípios, o Rio Grande do Sul concentra seus

principais pólos calçadistas em cidades localizadas no Vale do Rio dos Sinos; Vale do

Paranhana, Vale do Taquari e Serra Gaúcha.

26 A fonte dos dados referentes ao número de estabelecimentos e ao número de empregados foram

consultados em: MTE/ RAIS:EST; MTE/RAIS – 2008. Os dados sobre o valor das exportações são da

SECEX/MDIC – 2009. Quanto ao tipo de calçado produzido, as informações são da Abicalçados.

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Tabela 1 – Participação dos principais estados produtores de calçados, em percentual,

no valor da transformação industrial

UF 1996 2000 2004 2007

Rio Grande do Sul 57,72 54,51 39,24 34,55

São Paulo 20,53 13,34 21,34 13,31

Ceará 6,85 12,30 17,59 19,41

Minas Gerais 4,89 3,04 4,01 4,53

Paraíba 3,59 4,67 4,30 6,24

Santa Catarina 0,81 0,99 1,28 1,89

Bahia 0,53 3,83 5,35 10,38

Mato Grosso do Sul 0,18 0,53 0,87 1,09 Fonte: IBGE, Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) = 19 Preparação de

couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados

Apesar da perda de participação no VTI do setor de calçados entre os anos de

1996 a 2007 – como podemos notar pelos dados da tabela 1 –, da perda de número de

empregos e de estabelecimentos industriais entre os anos de 1985 e 2008 – como

podemos notar pelo mapa 6 – o Rio Grande do Sul ainda é o principal estado produtor

de calçados do país.

O Estado de São Paulo concentra três importantes aglomerações de indústrias

calçadistas: Franca que abriga o maior número de fabricantes de calçados masculinos do

país; Birigui, como a principal produtora de calçados infantis; e a cidade de Jaú que vem

se destacando pela fabricação de calçados femininos. O estado é o segundo em número

de estabelecimentos, possui 3.083 empresas, no entanto, conforme os dados

apresentados na tabela 1 e no mapa 7, houve uma queda na participação do estado tanto

no que se refere à quantidade de empregos, quanto ao valor da transformação industrial.

Em 1996 o estado era responsável por 20,56% do VTI no setor calçadista brasileiro e

em 2007 reduz sua participação para 13,31%; no que se refere à quantidade de

empregos, entre os anos de 1985 e 2008, houve uma redução de quase 20 mil postos de

trabalho.

Em contrapartida, os dados sobre emprego apresentados nos mapas 1 ao 6 e na

tabela 1, mostram que o Ceará foi o estado que apresentou maior crescimento, tanto do

número de empregados quanto da participação no VTI do setor no Brasil. Em 1985 o

número de empregados no setor calçadista no Ceará não chagava a 1.500, já em 2008

este número salta 49.832, ou seja, houve um aumento de mais 97% do número de

empregados. O mapa 7 mostra que o Ceará é o estado que tem o maior número de

empregados na produção de calçados sintéticos no país e segundo dados da

Abicalçados, sua produção se concentra na fabricação de chinelos, sandálias e sapatos

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Mapa 7

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de plástico ou borracha. É perceptível, pois, que o número de estabelecimentos

industriais em comparação ao número de empregados ao VTI na produção de calçados,

não expressam a importância que este estado adquiriu na produção de calçados

brasileira nos últimos anos. Isso se explica pela presença de grandes plantas industriais

de empresas como Grendene, Dakota, Vulcabrás, Paquetá do Nordeste etc, transferidas

principalmente das regiões Sul e Sudeste27

. Destaca-se no estado o Polo Calçadista do

Cariri, formado pelas cidades de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha. As exportações

em 2009 corresponderam a US$ 294,3 milhões, (21,6% do total exportado pelo Brasil)

mais que o dobro da exportação paulista, que foi de US$ 118,9 milhões,

correspondendo a 8,7% da exportação brasileira.

O Estado da Bahia também tem ganhado importância na produção de calçados

no Brasil nos últimos anos. Como podemos notar pelo mapa 7, assim como no Estado

do Ceará, o número de estabelecimentos industriais na Bahia não é muito significativo,

já que possui apenas 138 empresas. No entanto, o número de empregados, que era de

pouco mais de 500 em 1985, chega a 31.500 em 2008. A participação do estado no VTI

da indústria de calçados também aumentou, passando de 0,53% em 1996 para 10,38%

em 2007, se aproximando do valor alcançado pelo Estado de São Paulo. As exportações

da Bahia em 2009 foram de US$ 69 milhões, aproximadamente 5% do Brasil. As

principais regiões produtoras são: Feira de Santana, Alagoinhas, Cruz das Almas,

Itabuna, Vitória da Conquista e Ilhéus.

Ainda na Região Nordeste do país, outro estado que aumentou sua participação

na produção nacional de calçado foi a Paraíba. Apesar da participação deste estado ser

em menor proporção que os Estados do Ceará e Bahia, conforme a tabela 1, a Paraíba

quase dobrou sua participação no VTI na produção brasileira de calçados, passando de

3,59% em 1996 para 6,24% em 2007. Podemos observar também pelo mapa 7, que este

estado não apresenta um número significativo de estabelecimentos industriais do setor

calçadista – apenas 126 empresas, mas que empregam 12.350 trabalhadores (uma média

de 98 empregados por estabelecimento, enquanto, no Estado de São Paulo a média é de

16 empregados por estabelecimento). As principais cidades produtoras são: Campina

Grande, Patos, João Pessoa, Santa Rita, Bayex, Guarabira, Catolé do Rocha e Sousa.

Em comparação com os dados apresentados até aqui, sobre a participação dos

estados no VTI na produção brasileira de calçados, Santa Catarina e Minas Gerais foram

27 Para maiores informações consultar PEREIRA JÚNIOR (2005) e BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n.

15, p. 63-82, mar. 2002.

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os estados que menos apresentaram mudanças nos últimos anos. Como podemos

observar pelos dados da tabela 1, o Estado de Minas Gerais perdeu participação no VTI

entre os anos de 1996 e 2000, reduzindo sua participação de 4,89% para 3,04%. Ele

apresentou um aumento da sua participação no VTI a partir de 2004 aumentando sua

participação para 4,53% em 2007, mas como podemos ver, sem recuperar a participação

que atingia em 1996. Já o numero de estabelecimentos industriais passou de 833 em

1985 para 1689 em 2008. O aumento foi verificado também no número de empregados,

que quase dobrou entre os anos de 1985 – quando havia 13.921 empregados nas

indústrias de calçados mineiras – e 2008, quando este estado chegou a empregar 26.325

trabalhadores. Por fim, a produção de calçados no Estado de Minas se concentra

principalmente no centro produtor de Nova Serrana, que emprega 18.000 trabalhadores,

mas é também verificada em menor quantidade nas cidades de Uberlândia, Uberaba e

Belo Horizonte.

O Estado de Santa Catarina também apresentou uma pequena variação de sua

participação no VTI da produção brasileira de calçados, aumentando de 0,81% em 1996

para 1,89% em 2007. Como podemos verificar pelo mapa 7, apesar de apresentar

aumento no número de estabelecimentos industriais entre os anos de 1985 e 2008,

houve redução do número de empregados no setor calçadista de Santa Catarina. A

principal região produtora é o Polo Calçadista do Vale do Rio Tijucas, formado pelas

cidades de Tijucas, Canelinha, Nova Trento, Major Gercino e São João Batista – esta

última concentra o maior número de empresas (estima-se que 95% da produção é

voltada para o público feminino).

Como podemos perceber tanto pelos dados apresentados na tabela 1 como pelo

mapa 7, O Estado do Mato Grosso do Sul não apresenta valores significativos na

produção de calçados no Brasil, no entanto, resolvemos incluí-lo porque, como veremos

mais a frente, este estado tem se configurado numa alternativa de localização vantajosa

para os novos empreendimentos dos industriais de Birigui e por isso é de nosso

interesse constatar o crescimento da produção de calçados neste estado.

De um modo geral, os dados sobre o valor da transformação industrial (VTI) no

setor calçadista brasileiro revelam que enquanto os estados das regiões Sul e Sudeste

diminuíram ou mantiveram estagnadas suas participações neste indicador, os estados do

Nordeste, em particular o Ceará, apresentaram um aumento significativo de suas

participações. Porém, como podemos notar, apesar do deslocamento de inúmeras

empresas em direção ao Nordeste, o Estado do Rio Grande do Sul ainda se constitui no

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principal estado produtor de calçados no Brasil. Já o Estado de São Paulo perdeu seu

posto de segundo maior produtor de calçados do país para o Estado do Ceará, que

apesar de apresentar um menor número de estabelecimentos do que São Paulo, emprega

mais e apresenta maior participação no VTI do setor.

Nota-se pelo mapa 7 que quando comparamos o número de estabelecimentos

industriais no setor de calçados entre os anos de 1985 e 200828

não temos a dimensão da

desconcentração da indústria calçadista em direção ao Nordeste, visto que houve

aumento em todos os estados produtores, principalmente nas regiões Sul e Sudeste. No

entanto, quando comparamos o número de empregados, percebemos que houve

diminuição de empregos nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

Um dos motivos, como já observamos, foi a transferência de grandes plantas industriais,

principalmente, do Rio Grande do Sul e de São Paulo para o Nordeste, mas também,

pela tendência de reestruturação da grande empresa num processo de desintegração das

plantas industriais em unidades menores e pela contratação de outras empresas, em

geral de menor porte, para a realização de partes do processo produtivo, ou mesmo, para

produção do calçado por completo.

De acordo com Santos (2004), os novos subespaços apresentam condições

diferentes para a rentabilidade da produção, visto que cada combinação possui uma

lógica específica e autoriza formas de ação específicas a agentes econômicos e sociais

específicos. Explica que “os lugares se distinguiriam pela diferente capacidade de

oferecer rentabilidade aos investimentos. Essa rentabilidade é maior ou menor, em

virtude das condições locais de ordem técnica (equipamentos, infra-estrutura,

acessibilidade) e organizacional (leis locais, impostos, relações trabalhistas, tradição

laboral)” (p.247 e 248). Cabe ressaltar, conforme apresenta o autor, a importância da

formação socioespacial como mediadora entre o “Mundo e a Região, o Lugar”, e

explica que:

Mais do que a formação socioeconômica é a formação socioespacial que exerce esse papel de mediação: este não cabe ao território em si,

mas ao território e seu uso, num momento dado, o que supõe de um

lado uma existência material de formas geográficas, naturais ou transformadas pelo homem, formas atualmente usadas e, de outro

lado, a existência de normas de uso, jurídicas ou meramente

costumeiras, formais ou simplesmente informais (p.337).

28 Como os dados utilizados para elaboração do mapa foram coletados junto a RAIS, escolhemos o

primeiro e o último ano (1985 e 2008) com dados disponíveis.

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Nesse sentido, não só as normas referentes à legislação exercem poder de

regulação, mas a distribuição das infra-estruturas (como rodovias, ferrovias, portos,

aeroportos etc) também influencia as decisões de investimentos individuais. O que se

verifica, portanto, é a combinação de normas, da federação, dos estados e dos

municípios, contribuindo para que a guerra entre lugares ocorram nestas proporções. E a

diferença, que os lugares apresentam, na oferta de rentabilidade ao capital é resultante

tanto das diferenças de ordem técnica quanto de normas relativas à legislação e à

organização sindical dos trabalhadores.

Dentre os benefícios usufruídos pelos empresários que se instalam na região

Nordeste, destacamos os seguintes: isenção de 75% do imposto de renda por dez anos,

renovável por mais cinco; concessão de empréstimos com juros subsidiado; isenção de

ICMS; oferta de mão-de-obra de menor custo; fornecimento de infra-estrutura como a

própria área industrial, água, luz, energia, acesso rodoviário no portão da fábrica; além

do papel de instituições como o Senai para a formação de mão-de-obra. Segundo dados

do Relatório Setorial de Bens de Consumo Duráveis do BNDES (nº15, de março de

2002), mesmo que não houvesse incentivos fiscais só pelo custo reduzido da mão-de-

obra no Nordeste, o calçado fabricado na região teria uma redução de pelo menos 10%

em seu custo, se comparado ao produzido no Sul e no Sudeste. Enquanto a indústria de

calçados no Nordeste paga em média um salário mínimo ao trabalhador de “chão de

fábrica”, por exemplo, na região do Vale dos Sinos paga-se entre 2 e 2,5 salários

mínimos. A diferença aumenta quando se considera a formação de cooperativas de

trabalho, que é um modo de subcontratação de mão-de-obra sobre o qual não incidem

encargos trabalhistas. Da mesma forma, na aglomeração produtiva de Franca no Estado

de São Paulo, os reflexos deste processo têm sido notados principalmente no que diz

respeito ao número de empregados no setor.

Pereira Júnior (2005, p.71), ao analisar a industrialização em Horizonte-Pacajus,

município do Estado do Ceará, revela um claro exemplo da guerra fiscal assumida pelo

estado e seus municípios, materializada por meio de investimentos que migram do Sul

do país em busca de novos espaços de reprodução e acumulação. Nessa guerra pelos

investimentos, o autor chama a atenção para o papel dos municípios – considerando que

a industrialização se consolida no lugar – que incluídos nas práticas globais de

superlucro, se tornam uma parcela do espaço submetida às decisões tomadas por

articuladores distantes do lugar.

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59

Segundo dados do IBGE29

, quase metade dos 5.564 municípios brasileiros

concedeu à iniciativa privada, em 2006, algum tipo de incentivo para a instalação de

empreendimentos, assumindo custos na geração de emprego e renda. Dentre os

incentivos oferecidos, os mais comuns foram: cessão de terrenos e doação de terrenos,

realizadas por mais de 1.200 municípios; isenção de Imposto sobre Serviços (ISS),

concedida por 764 municípios; isenção parcial de Imposto sobre a Propriedade

Territorial Urbana (IPTU), concedida por 747 municípios; isenção de taxas, concedida

por 729 municípios; isenção total de IPTU, concedida por 722 municípios. Os dados

apresentados pelo IBGE também revelam que 62% dos municípios que adotaram tais

mecanismos em 2006, estão localizados nas regiões Sul e Sudeste. Além disso,

constatou-se que menos de 50% dos municípios com até 20 mil habitantes, ofereciam

vantagens, já os municípios com mais de 500 mil habitantes, a proporção era de 86,0%.

Nota-se que com essa disputa entre municípios para a atração de investimentos,

os governos locais no Brasil vêm assumindo atribuições, como a geração de emprego e

renda, não suportadas por seus orçamentos. Outro problema que podemos verificar é

que a prática de incentivos por parte dos municípios e das unidades da federação reforça

o padrão desigual da distribuição das atividades econômicas no território brasileiro.

Como nos mostram os dados, nas regiões Sul e Sudeste se encontram a maioria dos

municípios que oferecem incentivos, as duas regiões mais ricas do país – como veremos

no próximo capítulo, desde a década de 1970 a região sudeste, em particular o Estado de

São Paulo, tem diminuído sua participação na economia nacional, no entanto, conforme

dados do IBGE, em 2004 a região Sudeste ainda concentrava 54,9% do PIB nacional30

.

Em sintonia com o restante do Brasil, algumas empresas do município de Birigui

também se inserem neste processo incorporando, tanto no que diz respeito às políticas

dos governos locais como às decisões dos agentes econômicos, determinações que são

extrínsecas ao local. Empresários do setor industrial com empresas na região estão

pautando suas estratégias espaciais tendo em vista as vantagens advindas da redução dos

custos de produção, também por meio de incentivos fiscais, mão-de-obra barata e

fornecimento de infra-estruturas tanto dos governos municipais como dos estaduais, em

particular do Estado do Mato Grosso do Sul. Atualmente, este estado possui 26

estabelecimentos do ramo calçadista distribuídos entre os seguintes municípios:

29 Perfil dos municípios Brasileiros de 2006.

30 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais, Contas Regionais do Brasil

1985-2004.

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60

Aparecida do Tabuado com quatro estabelecimentos; Bonito com um estabelecimento;

Nova Andradina com um estabelecimento; Campo Grande com quatro

estabelecimentos; Mundo Novo com um estabelecimento; Paranaíba com 11

estabelecimentos; Selvíria com um estabelecimento; Três Lagoas com três

estabelecimentos. Estes estabelecimentos empregam juntos 1.420 trabalhadores. A

figura a seguir apresenta a localização destes municípios bem como as empresas de

Birigui que montaram unidade produtiva no Estado do Mato Grosso do Sul.

Conforme noticiado pelo jornal Folha da Região31

as prefeituras sul-

matogrossenses fazem um verdadeiro “corpo a corpo” nas tentativas de atrair

investimentos: enviam material de publicidade sobre os potenciais da localidade;

membros das prefeituras visitam pessoalmente os empresários e fazem suas propostas

para atraí-los para seu o município. Várias indústrias do ramo calçadista montaram

filiais no Mato Grosso do Sul, especificamente, nos seguintes municípios: Aparecida do

Taboado, Paranaíba, Selvíria e Três Lagoas32

. Como mostra a figura 2, esses municípios

31 Matéria de Alessandra Nogueira, publicada em 07/10/2005, caderno “Administração”, intitulada:

“Guerra fiscal entre SP e MS está acirrada.”

32 Outro município do sul do Mato Grosso do Sul, que tem atraído investimentos de empresas do

Noroeste do Estado de São Paulo, é Sidrolândia, que até o momento não possui nenhuma empresa de

calçados.

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61

se encontram nas margens de uma rodovia federal, a BR 158, o que facilita o acesso dos

caminhões que saem diariamente carregados de cabedais do calçado, para serem

montados nas unidades localizadas nos referidos municípios. Não é por acaso que tais

municípios foram escolhidos. Além das isenções fiscais e de taxas, de benefícios

advindos da redução do custo da mão-de-obra, do fornecimento de infra-estruturas

locais pelas prefeituras, nota-se que as infra-estruturas, no caso as rodovias, exercem

influência nas decisões de investimentos.

Algumas empresas instalaram unidades para a realização de todas as etapas do

processo produtivo do calçado. No entanto, as primeiras experiências apontaram para a

dificuldade em conseguir mão-de-obra especializada, principalmente para o pesponto.

Com isso, a maioria das empresas instalou unidades produtivas que realizam somente a

montagem do calçado, ou seja, os cabedais do calçado são produzido nas fábricas de

Birigui e transportados diariamente para as unidades do Mato Grosso do Sul para a

etapa de montagem do calçado. Com o calçado pronto para a comercialização, a

emissão de notas pelo Estado do Mato Grosso do Sul, rende aos empresários um

desconto de 80% no valor pago pelo ICMS. A redução dos custos de produção em

comparação com o Estado de São Paulo é tanta, que mesmo os custos para transportar

cabedais diariamente para a montagem no outro estado não se torna desvantajoso. Vale

ressaltar, que assim como ocorre no Nordeste, as ações do Senai no Mato Grosso do Sul

tem se direcionado para a criação de cursos – como o de Confeccionador Industrial de

Calçados criado em Três Lagoas – que atendam a demanda de mão-de-obra dos

empresários do ramo calçadista, criando assim, mais um atrativo para a instalação de

empresas do ramo no estado. Além do referido estado, o Nordeste também tem sido o

destino de algumas empresas de calçado de Birigui, como a Bical e a Klin, que

montaram unidades produtivas na Bahia.

Diante do exposto, chamamos a atenção para dois pontos: apesar das empresas

de calçado de Birigui montarem unidades produtivas em outros estados da federação,

nenhuma delas deixou de manter a sede da fábrica no município; apesar de se

beneficiarem das externalidades presentes na aglomeração (como presença de mão-de-

obra especializada e de empresas subsidiárias) , as empresas não deixam de incluir em

suas estratégias espaciais os potenciais de rentabilidade que cada estado da federação ou

município oferecem.

O que fica claro, neste processo, é que a falta de instrumentos legais capazes de

regular a prática de isenções tem criado o que Melo (1996) classificou como um

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verdadeiro hobbesianismo municipal. Nesse ponto, o Estado-nação é chamado a

assumir seu papel de regulador e normatizador do território.

Talvez seja uma limitação em se pensar o desenvolvimento apenas a partir da

escala local, visto que se perde a visão de totalidade integrada do território nacional,

correndo-se o risco de aumentar as disparidades entre as regiões brasileiras.

Concordamos com Bacelar (2000) ao afirmar que não cabe aos agentes privados pensar

nos espaços mais pobres e menos competitivos, cabe ao Estado nacional promover

“uma dinâmica regional mais harmônica, menos seletiva, integradora ao invés de

fragmentadora do País (p.83).” Acrescentamos, ainda, que a promoção de políticas

públicas que visem uma maior equidade entre as regiões e municípios brasileiros, deve

ser direcionada pelo Estado-nação. Como podemos perceber, as políticas de geração de

emprego e renda postas em prática por governos locais e estaduais, se resumiu na

maioria das vezes, em oferta de incentivos para atração de investimentos, o que por sua

vez, gerou no país uma disputa acirrada por tais investimentos entre os entes federativos

e os municípios brasileiros.

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63

Caixa 2: Condições de trabalho nas

fábricas de calçado

Ao percorrermos o chão das fábricas, que visitamos

durante nosso trabalho de campo, buscamos atentar

também, para as condições de trabalho nas

instalações. Logo na entrada nos deparamos com o

forte cheiro dos produtos químicos que são usados

na produção, como colas e solventes. Percebemos

também, que o barulho gerado principalmente pelos

motores das máquinas e pelas prensas dos

balancins, chegou a dificultar nossa comunicação

com os entrevistados.

Outra característica dos espaços destinados a

abrigar a produção de calçados em Birigui, é o forte

calor gerado por inúmeros fatores. Um deles é o

aquecimento gerado pelo funcionamento dos

motores das máquinas concentradas num mesmo

lugar, o que nos parece inevitável. Há, no entanto,

uma piora das condições térmicas nestes galpões

geradas pelas características da própria construção –

algumas registradas pelas fotos a esquerda –, como:

a ausência de janelas o que prejudica a circulação

de ar e por conseqüência gera aumento da

temperatura e do cheiro gerado pelo uso de

produtos químicos (colas, solventes); o tipo de

material utilizado na construção, verificamos que a

maioria dos telhados são de zinco ou telhas de

amianto, que expostos ao sol, aumentam ainda mais

o calor no interior das fábricas; o posicionamento

dos ventiladores, que como podemos observar pelas

fotos, são instalados próximos ao telhado,

empurrando o ar quente de volta para baixo.

Levando-se em conta que a temperatura em Birigui

pode ser superior a 40°C no verão, dá para imaginar

a falta de conforto térmico sentida nesses

ambientes. Segundo relato da Presidente do

Sindicato dos Sapateiros de Birigui, Milene

Fotos: Elaine Cristina Cicero Data: Maio de 2009

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2

Rodrigues, em períodos de calor intenso, houve

casos de desmaios de trabalhadores e por isso, o

Sindicato em parceria com o Ministério do

Trabalho vem propondo mudanças nas instalações-

como tipo de material utilizado nos telhados,

abertura de janelas, instalação de condicionadores

de ar - ou seja, medidas para tornar o ambiente de

trabalho menos sofrível para o trabalhador. Nas

palavras da presidente do Sindicato “queremos

levar para o chão da fábrica o conforto que o

pessoal da administração tem, já conseguimos um

avanço com a obrigatoriedade do uso de cadeiras

anatômicas na produção, e pretendemos dar

continuidade melhorando o conforto térmico dos

trabalhadores”.

Para amenizar a temperatura no interior da fábrica,

a Bical, instalou uma manta térmica na parte interna

do telhado, como mostra a foto acima. De acordo

com a legislação federal, as melhorias na estrutura

física da empresa e os investimentos em segurança

do trabalhador comprovados pela empresa,

permitem uma redução da alíquota de contribuição

paga pelo SAT (Seguro de Acidente de trabalho) à

Previdência Social. O governo

Foto: Manta térmica instalada pela Bical.

Elaine Cristina Cicero

Data: Maio de 2009

federal criou em 2003 o FAP (Fator Acidentário de

Prevenção) no intuito de incentivar as empresas a

promoverem melhorias nas condições de

salubridade do trabalhador. O incentivo se constitui

na redução de alíquotas para empresas que

comprovarem a realização de melhorias. A

iniciativa da Bical se insere num Programa de

Redução da Insalubridade realizado pela empresa,

para usufruir dos benefícios oferecidos pela

legislação.

Fonte: Anotações em Trabalho de Campo, Maio de 2009

Pesquisa em sites: http://www.ebah.com.br/fator-

acidentario-previdenciario-e-a-reducao-dos-acidentes-de-

trabalho-pdf-a61373.html

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CAPÍTULO 2- DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS À AGLOMERAÇÃO

PRODUTIVA DO CALÇADO

Neste capítulo nos dedicaremos a entender como surge e se consolida a

especialização territorial produtiva do calçado em Birigui, buscando elementos que nos

ajude a explicar o surgimento da indústria calçadista. Cabe lembrar que, para entender

este processo, é necessário abordar alguns aspectos da industrialização no município e

sua articulação com a industrialização no Brasil e no Estado de São Paulo.

Nossa indagação central consiste em entender como surge e se desenvolve uma

especialização produtiva do setor calçadista, num município distante das tradicionais

zonas industriais no Estado de São Paulo – o município se localiza a mais de 500 km da

cidade de São Paulo. O desafio que se coloca é o de explicar uma aglomeração espacial

de indústrias distante dos espaços de industrialização tradicionais, atentando como

destaca Selingardi-Sampaio (2009), para a complexidade e o caráter multidimensional

da realidade geográfica do Estado de São Paulo. Como demonstra a autora:

resultado de uma bem elaborada construção social, esse

território – ou grande “complexo de complexos territoriais

industriais” e ainda de outros modos de produção integradas e

não integradas – foi historicamente formado pela ação

articulada, convergente e/ou interativa de atores sociais e forças

atuantes em todas as escalas geográficas por meio de processos

sociais e econômicos diversos, entre os quais a industrialização

avulta, e até mesmo prevalece, em certos períodos. A mesma

construção social o transformou, gradativamente, em território

detentor de muitos ativos e recursos específicos, um verdadeiro

acervo de múltiplas especializações técnico-industriais e de

outras heranças sociocultural-industriais, preservadas e

compartilhadas (Selingardi-Sampaio, 2009, p.21).

Partindo destes pressupostos, nos propomos a entender a distribuição espacial da

indústria, especificamente o porquê da existência da aglomeração industrial de Birigui,

levando-se em conta a constituição histórica do espaço geográfico, as ações dos atores

sociais e a influência de processos sociais e econômicos nas diferentes escalas

geográficas. Partimos de algumas explicações bastante difundidas sobre a

industrialização no Brasil e no Estado de São Paulo a partir da década de 1950, para

compreender o contexto político e econômico no qual se insere nosso objeto de estudo e

de que forma tais explicações nos ajudam a entendê-lo.

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2.1- O setor industrial em Birigui

O município de Birigui está localizado na região noroeste do Estado de São

Paulo, especificamente, na Nona Região Administrativa sediada pelo município de

Araçatuba. O nosso recorte espacial se explica por uma especificidade muito marcante,

a saber: a presença de uma aglomeração de indústrias especializadas na produção do

calçado.

O levantamento dos dados sobre o setor industrial no município chama a atenção

por sua importância, tanto na geração de empregos, como na quantidade de

estabelecimentos existentes. Conforme os dados apresentados no gráfico 3, o setor

industrial é o que mais emprega, contabilizando dezoito mil empregos no ano de 2008.

Esse número representa 57% do total de empregos gerados no município, ou seja, o

setor industrial emprega mais do que todos os outros setores da economia juntos.

Fonte: RAIS 2008

A quantidade de estabelecimentos industriais também é bastante significativa,

apresentando um total de 765 estabelecimentos, inferior apenas ao número de

estabelecimentos comerciais. No entanto, o dado mais relevante é a representatividade

do ramo calçadista no total de estabelecimentos industriais e na geração de empregos no

município. Dos 765 estabelecimentos sediados em Birigui no ano de 2008, 320 são do

ramo calçadista; no que se refere à quantidade de empregos, dos 18.653 empregos na

indústria, de acordo com os dados apresentados no gráfico 4, quase 13.000 são

oferecidos pelo ramo calçadista. Os dados também são bastante significativos quando

18653

595

7459

5480

685

Gráfico 3 - Número de empregados por sertor de

atividade econômica - Birigui-SP/2008

Indústria

Agropecuária, extr.

Vegetal, caça e pesca

Serviços e Adm. Pública

Comércio

Construção civil

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comparamos o valor do ICMS (Imposto sob Circulação de Mercadorias e Prestação de

Serviços), entre os principais ramos industriais de Birigui: o ramo de couro e calçados,

como mostra o gráfico 5, é responsável por mais de 70% do valor total arrecado na

indústria e por mais de 50% do total do ICMS arrecado no município, o que nos dá a

dimensão da importância deste ramo na economia municipal. O restante da arrecadação

do ICMS é dividido entre os seguintes ramos: móveis 9%; vestuário e acessórios 5%;

produtos de metal 3,5%; papel e celulose 2%; produtos químicos 2%; máquinas e

equipamentos 1,3%; 3,5% em produtos diversos. Podemos perceber também que as

indústrias correlatas e de apoio à produção do calçado, como indústrias de papel e

celulose, produtos de metal e borracha e plástico, comparecem como setores

importantes tanto no número de empregados, quanto na arrecadação de ICMS.

12.759

1.109

1.076

814

575464

351

330

Couro e Calçados

Vestuário

Móveis

Celulose e papel

Produtos de Metal

Borracha e Plástico

Materiais Elétricos

Fab. Máq. e

Equipamentos

Gráfico 4 - Número de empregados por ramo de atividades no setorindustrial - Birigui-SP/ 2008

Fonte: RAIS 2008

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A importância do setor industrial em Birigui, também pode ser observada in

loco, em particular pelo ritmo que o trabalho nas fábricas imprime ao cotidiano da

cidade e pela presença marcante dos barracões fabris na paisagem. Logo no começo da

manhã (das seis às sete horas), a cidade tem suas ruas repletas de bicicletas33

de

trabalhadores a caminho das indústrias. Esta cena costumava se repetir na hora do

almoço e a tarde. Com o crescimento da cidade e o aumento da distância entre a casa e o

local de trabalho, o fluxo de bicicletas se tornou um pouco menor na hora do almoço, já

que muitos trabalhadores não se deslocam mais até suas residências para almoçar. Um

pouco mais cedo encontramos os ônibus repletos de trabalhadores dos municípios

vizinhos, e até dos mais distantes como Santópolis do Aguapeí, que saem de casa por

volta das quatro horas da manhã para trabalhar nas fábricas de Birigui, e só retornam às

suas casas à noite.

As sirenes das fábricas são ouvidas por toda parte, anunciando o início e o

término da jornada de trabalho. Essa rotina faz parte do cotidiano de Birigui. O ir e vir

de trabalhadores, as sirenes, os inúmeros galpões industriais, dentre outros elementos,

que compõem a paisagem desta cidade onde a principal atividade econômica é a

indústria de calçados.

33 O número de motocicletas também tem aumentado bastante nos últimos anos.

19.613.998

2.410.603

1.419.105

953.340553.709

551.801365.248 950.714

Couros e Calçados

Móveis

Vestuário e Acessórios

Produtos de Metal

Papel e Celulose

Produtos Químicos

Máquinas e Equipamentos

Diversas

Gráfico 5 - ICMS Arrecadado na Indústria no município de Birigui-SP- 2009

Fonte: RAIS 2008

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Tal quadro nos leva a entender como este setor se estruturou e quais os

principais fatores que contribuíram para a conformação da aglomeração produtiva do

calçado. Para isso, buscaremos analisar como a industrialização em Birigui se articula

com o processo de industrialização no Estado de São e no Brasil e de que forma as

iniciativas locais desencadearam um processo de especialização produtiva do calçado,

conformando posteriormente, uma aglomeração espacial de indústrias.

2.2- Fatores que explicam o surgimento da indústria de calçados

Como será melhor abordado adiante, as primeiras indústrias de calçados de

Birigui datam da década de 1950; porém, para compreendermos o surgimento desta

indústria é necessário abordarmos os processos e eventos relativos à industrialização no

município, no Estado de São Paulo e no Brasil, que de alguma forma podem ter

influenciado seu surgimento, mesmo os anteriores à referida década. Sobre o início da

industrialização no Estado de São Paulo desde o final do século XIX, a acumulação de

capital propiciada pela atividade agrícola, em particular pelo cultivo do café, e o papel

do imigrante europeu são dois fatores preponderantes em inúmeros estudos sobre este

processo. Por isso, consideramos importante entender de que forma os dois fatores

supracitados se articulam com o processo de industrialização em Birigui.

Em primeiro lugar, é importante atentar para alguns dados históricos acerca da

ocupação da região noroeste, particularmente do município de Birigui. As

características gerais da ocupação em seu início, no primeiro quarto do século passado,

revelam que, como em muitas cidades do interior de São Paulo, a ferrovia teve um papel

primordial na constituição do município. A Ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) parte de

Bauru em 1904, chega a Birigui em 1908 e atinge o rio Paraná em 1910. Foi por meio

da estrada de ferro que chegaram os primeiros moradores – época das demarcações de

terras, feita posteriormente por uma companhia de colonização inglesa. Segundo

Zampieri:

a ocupação de Birigui começa pelos pioneiros e a seguir por

uma companhia de colonização, a The San Paulo Land &

Lumber Company, possuidora de 60 mil alqueires, abrangendo

áreas de Penápolis a Araçatuba, e do Rio Tietê ao Rio Feio. Esta

companhia sediada em Birigui efetuou as vendas em toda a

região. Na afirmação de Monbeig, „a companhia visava à

especulação através da valorização de pequenos lotes, que

variavam de 10 a 20 alqueires, por meio de propaganda nas

plantações de Ribeirão Preto e arredores a assalariados italianos

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e filhos de italianos‟. A comercialização foi rápida, tanto assim

que „em 1922 já haviam sido vendidos 38.434 alqueires a

aproximadamente 2.032 sitiantes‟ e „em cinco anos, mais de

3000 famílias vieram a instalar-se. (ZAMPIERI, 1976, p.21).

Houve, assim, o predomínio de pequenas propriedades medindo de 10, 15 a 30

alqueires, que foram vendidas principalmente a colonos italianos. Com o passar dos

anos, chega-se a um número expressivo de pequenos proprietários e moradores que se

fixaram nestes pequenos lotes. Até o final dos anos 1920 a cultura predominante nas

propriedades rurais de Birigui era o café que, no entanto, com a queda nas exportações

durante a crise de 1929, outras culturas foram ganhando espaço, como o algodão, o

milho e o amendoim. Como destaca Selingardi-Sampaio (2009, p. 100):

além da ocupação agrícola e do povoamento; do parcelamento

fundiário e do parcelamento político-administrativo do território, vale lembrar que em sua difusão espacial pelo estado

paulista – grosso modo, de leste a sudeste para direções norte,

nordeste e oeste – a cultura do café foi imprimindo um uso até então inédito em grande parte do território, transformando um

meio “natural” em meio “técnico” e ocupando espaços vazios

de regiões cada vez mais interiores e, portanto, mais distantes

da capital e do porto de Santos.

Percebemos que, mesmo indiretamente, a cultura do café no interior do estado

criou condições que favoreceram o desenvolvimento da indústria, em que destacamos: a

construção das estradas de ferro e a constituição de núcleos urbanos; formação de mão-

de-obra assalariada; difusão da energia elétrica, necessária para as máquinas de

beneficiamento do café, dentre outros fatores.

O fracionamento da terra, presente nas primeiras propriedades, foi intensificado

em 1925 com a chegada dos japoneses, que se dedicaram intensivamente a produção do

algodão, ampliado ainda mais após a crise de 1929. Como mostra os dados do Censo

Agrícola de 1940, Birigui apresentava uma particularidade com relação ao tamanho das

propriedades rurais, com uma média de 48 ha por unidade agrícola, enquanto que

municípios vizinhos como Araçatuba e Lins, apresentavam uma média de 70 ha e 76 ha,

respectivamente.

De acordo com NEGRI (1987) a expansão da agricultura paulista na década de

1930, em particular da cultura do algodão no Oeste do estado, deve-se tanto pela

necessidade da indústria têxtil paulista quanto pelo aumento da demanda da matéria-

prima no mercado internacional, o que por sua vez possibilitou uma melhor ocupação da

região. O algodão, como aponta Cano (1998, p.77), tem seu preço ditado pela situação

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71

do mercado internacional e é exatamente no período de elevação de seu preço, durante a

Primeira Guerra Mundial, que a produção de algodão paulista experimenta um forte

crescimento.

Neste contexto de aumento da produtividade do algodão, instalam-se na região

empresas ligadas ao seu beneficiamento, sendo que em 1944 existiam em Birigui as

usinas de beneficiamento J. J. Abdalla (Carioba), a Brascott (incorporada pelo grupo

Esteves S/A, sediado em São Paulo), Cooperativa Sul Brasil, Anderson Clayton e a Biol

– Birigui Óleo Limitada, esta última criada em 1959. Vale ressaltar que o algodão

beneficiado por estas indústrias, eram enviados a São Paulo, Jundiaí, Americana e

Pirassununga por via férrea. Já o caroço era destinado à produção de óleo na Anderson

Clayton e, posteriormente, na Biol, ambas sediadas em Birigui. Somente a Sul Brasil

enviava o caroço, por via rodoviária, à fábrica de óleo Menu, localizada em Guararapes.

(ZAMPIERI, p. 56-57).

A concentração da atividade industrial no território paulista já se evidenciava em

1950, com destaque para o município de São Paulo que representava 51,66% do valor

da produção industrial no estado34

. Neste período, se constelavam três aglomerações

industriais: a primeira formada por São Paulo, Santo André, São Caetano do Sul, São

Bernardo do Campo, Mogi das Cruzes e Guarulhos; a segunda formada por Campinas,

Jundiaí, Piracicaba, Americana, Limeira, Araras e Rio Claro; a terceira era integrada

pelos municípios de Araraquara, Ribeirão Preto e São Carlos. Além dessas

aglomerações havia núcleos urbano-industriais dispersos (espacialidades industriais de

dispersão) – dentre eles Sorocaba, Marília, Barretos, Bauru, Presidente Prudente,

Rancharia, São José do Rio Preto, Araçatuba, Franca e Tupã – que, assim como as

referidas aglomerações, se situavam ao longo ou mesmo próximos às principais

ferrovias do estado. Na referida configuração da atividade industrial no Estado de São

em 1950, prevalecia a produção de gêneros tradicionais, como a produção de alimentos

e têxteis, e já apontava para uma imensa assimetria na distribuição das atividades no

espaço (Selingardi-Sampaio, 2009, p.51).

Nas duas aglomerações de indústrias e nos centros urbano-industriais

supracitados, a atividade industrial se desenvolveu preponderantemente de forma

endógena, porém, com uma estrutura produtiva menos complexa que as da capital do

34 Ao incluir alguns municípios contíguos ao município de São Paulo, como Santo André, São Caetano do

Sul , São Bernardo do Campo, Mogi das Cruzes e Guarulhos o valor da produção industrial desta

concentração espacial se eleva para 62,60% do total do estado (Selingardi-Sampaio, 2009, p.52).

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estado. De um modo geral, a produção industrial no interior era circunscrita ao

beneficiamento e transformação de produtos agrícolas, elaboração de bens de consumo

direto – como é o caso da produção de calçados em Franca – e a produção metal-

mecânica, principalmente para atender demandas da atividade agrícola e da construção e

manutenção das linhas férreas.

De acordo com Selingardi-Sampaio (2009) na década de 1950:

o estágio de desenvolvimento econômico-territorial então detido

pelas ATIs [aglomerações territoriais industriais] e centros

industriais dispersos do interior havia sido alcançado,

predominantemente, pela ação de forças locais e regionais, ou

historicamente já internalizadas, sendo restrito, pois, seu caráter

“reflexo”. Ainda, com outros conceitos, as aludidas áreas, como

horizontalidades, compartilhavam um acontecer solidário, de

tipos homólogo e complementar, sob o domínio de forças locais,

embora “externas” também pudessem atuar (p.64).

Neste período, Franca já se apresentava como um expressivo centro

especializado na produção de calçados, fato que nos serve como um exemplo

elucidativo de um núcleo urbano-industrial no interior do estado, em que os recursos

empregados na industrialização eram provenientes do local ou da região.

A instalação das grandes unidades industriais vindas de outras áreas do estado35

,

do país e de outros países (Anderson Clayton, a Matarazzo, a Sanbra e a Brazcott) –

forças externas ao local – é entendida por Negri (1994, p.88) como um dos primeiros

movimentos de descentralização e desconcentração36

em direção ao interior de

indústrias localizadas na capital. Selingardi-Sampaio (2009) compartilha da

conceituação proposta por Negri, no entanto ressalva ao afirmar que naquele período

houve apenas uma descentralização de indústrias motivada pela necessidade de

proximidade às fontes de matérias primas, como o algodão, o amendoim e o milho que

eram cultivados no interior do estado.

Cabe lembrar, que na década de 1950 o Brasil se encontrava num vultoso

processo de industrialização promovido pelo Estado desde a década de 1930, no

entanto, se inseria na divisão internacional do trabalho como um país periférico,

produtor e exportador de matérias-primas.

35 Para maiores informações cf. Negri (1987), Cano (1998), Selingardi-Sampaio (2009) .

36 Para o autor o processo de descentralização industrial implica em mudança física, parcial ou total, de

um estabelecimento industrial ou somente de sua produção de uma área para outra, já o processo de

desconcentração industrial implica em mudança no padrão de distribuição espacial das atividades,

como casos em que determinada área industrial perde importância com relação à outra. Dessa forma, o

processo de desconcentração industrial seria precedido pela descentralização industrial.

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73

Ao contrário destas indústrias que “vieram de fora”, atraídas pela necessidade de

proximidade às fontes de matéria-prima, podemos dizer que a indústria de calçados de

Birigui se forma majoritariamente com recursos endógenos.

No que diz respeito à formação dos capitais investidos no início da

industrialização no Estado de São Paulo, há diferentes visões na literatura sobre o papel

do complexo cafeeiro na formação dos capitais industriais. Por um lado, os autores

adeptos da teoria do capitalismo tardio37

defendem que o complexo cafeeiro exportador

tornou possível a formação de capital disponível para o investimento na indústria38

. Há,

ainda, os que defendem que as iniciativas de reversão do capital acumulado no café, em

capital industrial, partiram preponderantemente de imigrantes39

, reconhecendo a

existência de um “burguês imigrante”. Outros autores destacam o papel dos imigrantes

desprovidos de recursos, que trouxeram de seus países de origem o saber fazer técnico,

e com isso deram inicio às pequenas empresas artesanais e industriais, que em alguns

casos se tornaram grandes empresas posteriormente. (Selingardi-Sampaio, 2009, p. 106

a 107).

Neste contexto, se faz necessário abordar como as iniciativas e os fatores locais

e extra-locais nos ajudam a explicar a industrialização de Birigui. Uma primeira

explicação do surgimento da indústria de calçado em particular, foi dada por Zampieri

(1976), no qual aponta alguns fatores como: a presença do pequeno capital; a ação do

Banco do Brasil; a disponibilidade de mão de obra de origem rural; a rede rodoviária

existente.

O pequeno capital foi acumulado em transações comerciais, imobiliárias, de

atividades liberais, sendo que a maior parte era oriunda da zona rural. Neste ponto é

importante acrescentar, que o capital acumulado na agricultura não se restringe à cultura

do café. Como vimos anteriormente, principalmente a partir da década de 1930, o

algodão foi intensivamente cultivado nas lavouras do interior paulista, inclusive no

município de Birigui.

Um exemplo ilustrativo da união do pequeno capital foi a formação de uma casa

bancária, a Cooperativa de Crédito Agrícola-Banco de Fomento à Produção Ltda, em

1956. Em 1959 formou-se a Biol – Birigui Óleo Ltda., constituída pela união de três

37 Para maiores informações cf. Mello (1986); Singer (1983); Cano (1983).

38 Mamigonian (1976, p. 87-88) afirma que os fazendeiros do café, na maioria dos casos, acabaram

perdendo seus negócios industriais para os novos imigrantes.

39 Cf.: Prado Jr. (1966); Davidovich (1968).

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sócios locais. Essa iniciativa bem sucedida teve uma grande repercussão, mostrando a

viabilidade de implantação de indústrias e servindo de incentivo às posteriores

iniciativas. Outro exemplo de associação do pequeno capital ocorreu em 1962, com a

formação da Biferco – Birigui Ferro Ltda. Essa sociedade era constituída por 33 sócios

e revelou o modo como se poderia aglutinar o capital para a implantação de uma grande

empresa. Seguindo o exemplo de associação do pequeno capital, no entanto com um

número de sócios mais restritos, geralmente dois ou três, entre as décadas de 1950 e

1970 foram criadas 41 indústrias de calçados em Birigui.

Desde as primeiras implantações industriais na década de 1950 até o início da

década de 1970 o Banco do Brasil foi o principal agente local de assistência às

indústrias. Os benefícios promovidos pelo banco aos empresários foram no sentido de

oferecer facilidades na obtenção de empréstimos, o que repercutiu de maneira positiva,

principalmente na atividade calçadista.

Assim como em muitas cidades brasileiras, ao longo das décadas de 50 e 60 a

população rural de Birigui, e de alguns municípios próximos, veio a se concentrar na

cidade. De acordo com os censos demográficos de 1950, 1960 e 1970, a população

urbana de Birigui saltou de 12.550 habitantes para 27.330 habitantes, enquanto que a

população rural caiu de 18.468 habitantes para 7.887 habitantes. O que mostra uma

variação de mais de 100% nos dois casos. Atualmente de acordo com os dados do

Seade, a taxa de urbanização de Birigui ultrapassa 90%, o que revela a intensificação do

êxodo rural na segunda metade do século XX, aumentando a disponibilidade de mão de

obra na cidade.

No que diz respeito ao papel do imigrante na indústria de Birigui, Zampieri

(1976) chama a atenção para a predominância de italianos no município de Birigui –

33% do total da população40

; enquanto Birigui apresentava uma população de 1734

italianos, Araçatuba contava com 826, Lins com 961 e Penápolis com 784 – melhor

dizendo, com o dobro do número de pessoas de origem italiana quando comparado a

outros municípios da região. Por isso, Zampieri (1976) considera a predominância de

italianos se constitui num fator importante para entendermos o desenvolvimento da

indústria de calçados em Birigui, já que o mesmo não ocorreu nos outros municípios

citados: [...] possivelmente será uma das motivações (a maior quantidade de população

de origem italiana) e diretivas para a atividade industrial, tendo em vista seu espírito

40 Cf. Censo Demográfico de 1940, IBGE.

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inato de artesão (p.25).

É provável, como aconteceu nos casos de industrialização em outros centros

urbanos como Franca, que a presença de imigrantes europeus, no caso de italianos, seja

um elemento importante para explicar as iniciativas dos atores sociais em se dedicar a

uma determinada atividade produtiva, já que trouxeram consigo o saber fazer que,

potencialmente, poderia ser empregado na produção artesanal e industrial de bens ou ser

repassado localmente. Como veremos a seguir, no caso da indústria calçadista de

Birigui, os nomes dos primeiros empresários envolvidos na fabricação do calçado

sugerem uma origem estrangeira, porém, não somente de italianos como supôs

Zampieri. O primeiro empresário fabricante de calçados da cidade era de origem turca

(Avac Bedoian) e os primeiros empresários fabricantes de calçados infantis eram

descendentes de família portuguesa (Ramos Assumpção), sendo que estes últimos

formaram sociedade, posteriormente, com mais dois empresários descendentes de

italianos (Fiorotto).

2.3- Das primeiras fábricas à consolidação da especialização produtiva

No que se refere ao desenvolvimento da indústria calçadista, na década de 1940

havia em Birigui duas sapatarias voltadas à produção de botas, botinas e sapatões, a

primeira é a Sapataria e Selaria Noroeste instalada em 1941 e a Indústria de Calçados

Birigüiense instalada em 1947. Como dito anteriormente, a fábrica era de propriedade

de um turco chamado Avac Bedouian, que morou um período na cidade de São Paulo,

onde trabalhou em fábricas de calçados e aprendeu a profissão de cortador e modelista

e, posteriormente, abriu sua própria fábrica de calçados femininos na Rua 25 de Março.

Com o fechamento de sua fábrica, voltou a trabalhar como empregado e em 1946 migra

para Birigui a convite dos sogros, também turcos, que já moravam no município. Em

1947 Bedouian montou a Indústria de Calçados Biriguiense que fabricava calçados

masculinos e botinas (Vedovotto, 1996, p. 40-41).

Somente em 1958 foi instalada a primeira fábrica de calçados infantis na cidade,

a “Ramos & Assumpção”, que empregava seis trabalhadores. Os proprietários eram dois

irmãos da família Ramos Assumpção, de origem portuguesa, que aprenderam a

profissão de sapateiros na cidade de Gabriel Monteiro onde moravam e posteriormente

vieram trabalhar nas sapatarias de Birigui. Posteriormente, trabalharam com italianos na

cidade de São Paulo onde adquiriram o conhecimento sobre a produção de calçados

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infantis. Neste período perceberam que não havia muitas fábricas destinadas à produção

de calçado infantil e por este motivo, voltaram para Birigui e montaram a primeira

fábrica deste segmento na cidade41

. Devido às dificuldades em encontrar profissionais

especializados na região e pela falta de maquinas de pesponto, os calçados produzidos

por esta primeira fábrica eram cortados e pespontados por uma banca em São Paulo, e

somente depois de pronto é que o cabedal seguia para Birigui para ser montado e

receber o acabamento (Vedovotto, 1996, p.46; Zampieri, 1976, p. 106).

De acordo com Zampieri, a necessidade de aporte de capital para a empresa

levou os irmãos Assumpção a convidarem os irmãos Fiorotto para serem sócios da

empresa. A sociedade foi constituída com apenas um dos irmãos da família Fiorottto

(João Eupfrásio Fiorotto), e assim, a razão social da empresa muda para “Fiorotto e

Assumpção”.

Em 1961 ocorrem duas mudanças na empresa, primeiro com a entrada de outro

integrante da família Fiorotto e, posteriormente, no mesmo ano, com a saída de Antonio

Ramos Assumpção da sociedade. Com isso, a empresa muda novamente de razão social

e passa a se chamar “Indústria e Comércio de Calçados Fiorotto”, para somente em

1968 incluir em sua razão social a marca pela qual os calçados da empresa ficaram

conhecidos: “Popi Indústria e Comércio de Calçados Ltda”42

(Vedovotto, 1996, p.51).

Depois de deixar a sociedade da empresa “Fiorotto e Assumpção”, em 1962

Antonio R. Assumpção convida um comerciante da cidade, Raul Manhama Rahal, e

abre uma nova empresa de calçados com a marca Rassum. Com o crescimento da

empresa na década de 1980, Assumpção compra a outra parte da empresa, mudando sua

razão social para “Kiuty Indústria e Comércio de Calçados”43

.

Outro exemplo de empresa que iniciou suas atividades na década de 1960 é a

Bical, fundada por três sócios, sendo que um deles era o médico Sergio Clark Xavier

Soares e os outros dois eram seus concunhados, João Sanches Ortega e Manoel Ibanhez.

Devido às dificuldades financeiras da empresa os dois últimos resolveram sair da

sociedade, foi quando o médico resolveu convidar dois amigos (Antônio Liranço e

Antônio Osmar Taschim) que trabalhavam na empresa Popi – e por isso já possuíam

41 In: www.museubirigui.com.br

42 A composição da sociedade da empresa ainda muda novamente em 1977, mas com a entrada de outros

integrantes da família Fiorotto. Na década de 1990, a empresa passa por inúmeras dificuldades

financeiras e se torna prestadora de serviços de outras empresas e posteriormente encerra suas

atividades em 1995.

43 Esta empresa foi uma das maiores da cidade, mas atualmente entrou em falência.

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experiência sobre o funcionamento de uma fabrica de calçados – para compor a

sociedade da empresa (Zampieri, 1976, p. 110; Rizzo, 2004, 23-24).

Por estes primeiros exemplos, podemos notar que o saber fazer adquirido em

outras fábricas e a associação do pequeno capital, se constituem em dois elementos

fundamentais para a origem da indústria calçadista de Birigui. De certa forma, estes

exemplos bem sucedidos influenciaram as decisões posteriores dos novos empresários

do ramo. A história da maioria das empresas calçadistas da cidade reproduz a trajetória

descrita acima, qual seja: associação do pequeno capital e experiências de aprendizado

anteriores. Cabe ressaltar, que a inserção no mercado consumidor do calçado produzido

em Birigui se deveu tanto pela demanda por calçados infanto-juvenis verificada na

época, como pelo baixo preço praticado pelos empresários birigüienses. De acordo com

Zampieri (1976, p.97) o preço reduzido do calçado produzido em Birigui “foi

conseguido em função do baixo custo operacional, ou seja, base salarial mínima com

alta incidência de menores, simplicidade dos escritórios com um ou dois funcionários,

dedicação do industrial dirigindo e supervisionando todos os setores, baixo aluguel dos

imóveis” [...].

Diante das especificidades da indústria calçadista de Birigui, parece que a

explicação bastante difundida sobre a industrialização no Estado de São Paulo, em que o

capital oriundo da atividade cafeicultora seria o elemento propulsor do processo de

industrialização – com o capital acumulado na cafeicultura sendo convertido em capital

industrial – não elucida satisfatoriamente este caso específico. Primeiramente, porque os

industriais de Birigui não faziam parte da elite agrária do estado. Assim como os

industriais das fábricas de calçados de Franca, em Birigui os donos de fábricas são

conhecidos como “industriais de pés descalços” – uma ironia que faz referência a

origem social dos donos de fábrica. Além disso, o período em que surgem as primeiras

empresas de calçados em Birigui é posterior ao período de nascimento da indústria

paulista. Em segundo lugar, a característica quase artesanal da produção de calçados não

exige grande quantidade de capital para se iniciar a produção, o que possibilitou

posteriormente, a ex-funcionários da indústria de calçados se tornarem empresários.

Retomando o quadro geral econômico brasileiro, no final da década de 1950, o

governo de Juscelino Kubistcheck (1956-1960) implementou políticas estatais baseadas

no nacional desenvolvimentismo que deram impulso ao setor industrial do país,

principalmente ao setor de bens intermediários e à indústria de base, considerados os

setores capazes de dinamizar os outros setores industriais.

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Apesar de um crescimento inicial forte, principalmente nos primeiros anos da

década de 1960, o que se verificou foi uma oscilação entre crescimento forte e

desaceleração até o final da década de 70. Como sintetiza Selingardi-Sampaio (2009):

Focalizando, de início, alguns aspectos econômicos gerais, cabe

reconhecer que os anos 60 representaram um período de

alternância de eventos positivos e negativos na economia

brasileira. Os novos rumos traçados para o desenvolvimento

nacional e a industrialização, ao longo dos anos 50, conheceram

breves interrupções e crises de naturezas diversas, para depois

serem aprofundadas as orientações iniciais. Assim, o

crescimento econômico agregado ocorreu de forma

intermitente, segundo um ritmo marcado por descontinuidades,

que individualizaram movimentos cíclicos caracterizados por

duas fases ascendentes (1960-61 e 1968-70) e uma descendente

(1962-1967). Tomando-se a década como um todo, entretanto, o

crescimento econômico foi bastante positivo, com taxa média

de expansão do PNB e da indústria de 6,20% e 6,90%,

respectivamente. (p. 179)

Cabe ressaltar, que as taxas médias de crescimento na indústria de

transformação, entre os anos de 1966 a 1972, foram superiores nas categorias de bens de

consumo duráveis e bens de capital, como aponta Cano (1998):

Os ramos de bens de consumo não-durável – notadamente têxtil

e vestuário – foram os que maiores problemas sofreram neste

período. Sua recuperação só se inicia a partir de 1968, porém a

taxas menores. A diferenciação de produtos para atingir as

camadas de médio para alto nível de renda e os incentivos às

exportações constituíram dois fortes elementos para sua

recuperação (p.88).

Nas palavras de Selingardi-Sampaio (2009) com a ação do Estado nacional

visando projetos e objetivos a serem alcançados em médio e longo prazo:

a industrialização deixa de ser um “expediente ocasional”, para

se transformar em política consciente e efetiva conduzida pelo

Estado, por meio de vários projetos. Assim, ao longo dos anos

50 e, mais intensamente nas décadas de 1960 e 1970, quando se

impôs de maneira autoritária, o Estado autoconverteu-se em

agente orientador e regulador da atividade industrial e, dada a

notória escassez de capitais privados, ainda intensificou seu

desempenho como agente produtivo, ao tornar-se empresário

em alguns ramos de longa maturação, que demandam

investimentos em longa escala (p.141).

Com base na idéia de Estado promotor do desenvolvimento econômico é

possível compreender as políticas de incentivos e as facilidades de crédito para os

industriais, promovidos pelo governo brasileiro e que, de forma indireta, ajudam a

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explicar o aumento do número de indústrias de calçado no referido período. Como

reflexo dessa política, o Brasil tem um crescimento de sua economia e um aumento do

mercado consumidor. Além disso, a demanda no mercado interno pela produção de

calçado infanto-juvenil, também deve ser considerada um fator importante, já que a

maioria das fábricas nacionais se dedicavam à produção de calçado adulto.

Os dados sobre o número de indústrias de calçados mostram que a partir da

década de 1960, o crescimento experimentado pelas primeiras fábricas e as condições

políticas e econômicas do país, estimulou outras iniciativas empreendedoras. Segundo

Zampieri (1976), na década de 1960 foram criadas 34 novas empresas de calçados,

sendo que destas, 25 foram criadas entre os anos de 1968 e 1969. Há uma

discordância44

, com relação ao número de empresas, entre os dados coletados por

Zampieri (1976) e por Souza (2004), este que afirma terem sido criadas 20 empresas na

década de 1960. Apesar desta divergência ambos concordam que os anos de 1968 e

1969 foram os mais significativos da década. Segundo Souza (2004) as duas empresas

criadas em 1962 tiveram sua origem relacionada ao desmembramento de sociedade das

fábricas anteriores. De fato, a produção de calçados em pequena escala não exigia um

aporte muito alto de capitais, devido à baixa necessidade de máquinas e equipamentos,

ao processo produtivo quase artesanal e à possibilidade de iniciar a produção num

espaço físico de pequena dimensão. Esse aumento do número de empresas verificado na

década de 1960 é acompanhado por uma tendência nacional de dinamismo no setor

industrial.

Zampieri se refere ao final da década de 1960 como um momento de grande

euforia na cidade, quando se verifica uma verdadeira corrida para implantação de

fábricas de calçados em Birigui. Além do momento econômico favorável, como dito

anteriormente, os exemplos das primeiras fábricas que “deram certo” haviam criado no

local uma sensação de otimismo, ou seja, a crença de que novas iniciativas também

poderiam prosperar. O relato de Zampieri (1976) é bem elucidativo: “O otimismo surgiu

em função daquilo que se observava, visto que na cidade comentava-se abertamente os

dados da produção, do emprego ao elemento feminino e menores, da formação das

sociedades, geralmente composta de vários sócios, e dos aumentos efetuados

anualmente em área ocupada de cada unidade (p.111).”

44 Apesar de ambos terem consultado o cadastro de empresas da Prefeitura Municipal de Birigui.

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Nesse período de euforia, a formação de sociedades foi caracterizada pela

diversidade de origem dos integrantes, muitas vezes com integrantes que não tinham

nenhum conhecimento sobre o processo produtivo do calçado, como: sociedades

formadas por comerciantes ou profissionais liberais com maior capacidade financeira,

que se aliavam aos profissionais com conhecimento comercial no ramo calçadista, como

os casos da Rassum e Bical; sociedades formadas profissionais liberais que se uniam a

seleiros, sapateiros e viajantes vendedores de calçados, todos com partes iguais na

sociedade, como nos casos da Rinde e da Raquete; a união de profissionais liberais sem

conhecimento algum no ramo, como nos casos da Derly e da Clyfer; formação de

sociedades entre profissionais do ramo, modelistas e chefes de sessão, como nos casos

na Novita e da Ypo; iniciativas individuais com origem no desmembramento de

sociedade, como a nos casos da Sandra e da Ysbel; houve, também, iniciativas

individuais, como a Avac e a Slip (ZAMPIERI, 1976, p.115-116).

Tabela 2 – Número de fábricas de calçados instaladas

em Birigui – 1958 a 1979.

Ano Número de unidades fabris

instaladas 1958 1 1960 1

1962 2

1963 1

1966 3

1967 2

1968 6

1969 6

1970 2

1971 2

1972 2

1973 4

1974 5

1975 2

1976 6

1977 2

1978 6

1979 5

Fonte: Souza (2004) em pesquisa nos dados dos livros

de inscrição industrial, comercial e prestação de

serviços da Prefeitura Municipal de Birigui.

Com o aumento do número de indústrias de calçados verificado no final da

década de 1960, tem início o surgimento de empresas fornecedoras de matéria prima

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à produção do calçado. Na década de 1960, em função do aumento do número de

indústrias de calçados, surge em 1966, de acordo com Souza (2004):

a Cartonagem Invicta que produzia caixas de sapato individual e

coletiva. Em 1968 surgem mais duas empresas a Petrilli &

Oliveira, que fabricava artefatos de borracha, solas, solados,

bem como placas de neolite e de látex, e a indústria metalúrgica

Fiargo que produzia artefatos de metal, ilhoses e fivelas. Em

1969 surge a fábrica de saltos Pérola que fabricava saltos de

madeira para as empresas de calçados (p.5).

O crescimento do número de fábricas assim como de empresas fornecedoras tem

continuidade na década de 1970. Segundo dados do censo industrial do Estado de São

Paulo, surgiram 29 novas fábricas de calçados em Birigui, acompanhadas pelo

surgimento de outras empresas que davam suporte às fábricas de calçados, dentre elas: a

Cartonagem Birigui, a Indústria de Couros Atlântica, a Kicola Indústria Química, a

Quimisinos Indústria Química, a Saltos Montoro, a Saltos Lindesa e a Brasquímica,

todas na década de 1970 (SOUZA, 2004, p.60).

Na mesma época, já se destacavam no Brasil outros centros produtores de

calçado, sendo que alguns perduram até os dias atuais, são eles:

no Estado Rio Grande do Sul, destaca-se o pólo calçadista do Vale dos Sinos;

no Estado de São Paulo destacam-se a cidade de Franca, produtora de calçados

desde o século XIX; a própria cidade de São Paulo, que veio gradativamente,

perdendo sua participação no setor; a cidade de Jaú, que atualmente é

considerada um importante centro de produção de calçado feminino;

Outros Estados como Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro45

também se

destacavam, no entanto com uma produção ainda reduzida.

Como aponta Corrêa (2001), as especializações produtivas do Vale dos Sinos e

de Franca em escala menor, beneficiadas por incentivos às exportações, oferecidos pelo

BNDES, já exportavam boa parte da produção, principalmente, para os Estados Unidos.

Na década de 1970 no Brasil, o centro produtor de Franca se consolida como o maior

exportador de calçados masculinos em couro e o Vale dos Sinos como maior centro

exportador de calçados femininos do país. No mercado nacional, a crescente demanda

gerada pelo processo de urbanização, o crescimento experimentado pelo setor industrial,

juntamente com o aumento da demanda internacional, contribuiu para aumento do

45 Na época, o que hoje é o Estado do Rio de Janeiro era dividido em Estado da Guanabara e Estado do

Rio de Janeiro, sendo que a produção de calçado se concentrava no Estado da Guanabara. Cf.

ZAMPIERI, p. 77.

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número de estabelecimentos e de emprego na indústria calçadista brasileira (Navarro,

2006, p.141). No entanto, esse aumento se deveu muito mais a expansão nas

exportações que ao consumo no mercado interno. Na década de 1970 o

desenvolvimento econômico do país estava parcialmente voltado para fora, por isso, as

exportações de bens manufaturados apresentou um aumento significativo na balança

comercial brasileira: em 1972 o peso dos bens manufaturados na balança comercial do

país era 36,1% e o valor das exportações era de 1,44 bilhão de dólares; em 1984 esse

percentual para 66,3%, com o valor das exportações saltando para 17,9 bilhões de

dólares.

De acordo com Zampieri (1976, p.75-76), o aumento do consumo no mercado

interno durante a década de 1970, acompanhou apenas o aumento demográfico

verificado no país e o consumo per capta nacional não atingiu um par ao ano. Os dados

sobre as exportações de calçados no período mostram um elevado crescimento, visto

que em 1970 o país exportou 3,8 milhões de pares de calçados, contabilizando 8,3

milhões de dólares. No ano de 1979, o volume de calçados exportados aumentou para

41,9 milhões de pares, contabilizando 351,4 milhões de dólares46

. Este aumento se

deveu principalmente, à entrada do calçado brasileiro no mercado consumidor dos

Estados Unidos. Zampieri (1976, p.89) lembra que as exportações brasileiras na época

eram feitas, na maioria das vezes, por Trading Companies estrangeiras, como a

Sumitomo (japonesa) que realizava 85% das exportações de calçados do Rio Grande do

Sul e que devido a este fato, boa parte das divisas geradas pelo comércio exterior de

calçados na época, eram transferidas para fora do país47

.

As políticas de incentivos às exportações durante a década de 1970 tiveram

pouco impacto sobre a indústria calçadista de Birigui, que era voltada basicamente para

o mercado nacional. Uma pesquisa em jornais da época realizada por Souza (2004, p.

36) constatou que houve três registros de exportações realizados por empresas de

calçados de Birigui para o Canadá e Estados Unidos. Estas experiências não tiveram

continuidade devido a alguns obstáculos enfrentados por estas empresas no período. O

primeiro deles foi relativo às deficiências infra-estruturais em que se encontrava a

região, o que por sua vez, dificultava o contato com os escritórios de exportação

localizados na cidade de São Paulo. Como relata Souza, as ligações telefônicas

46 Fonte: Garcia (2001, p.117).

47 A informação dada pelo autor é baseada em uma matéria publicada no “Diário do Comércio e

Indústria” de 27/08/1973.

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83

demoravam mais de duas horas para serem completadas e tinham que ser feitas do

município de Coroados, a 10 km de Birigui. Percebemos que neste período, a

dificuldade em estabelecer relações com outros nós da rede urbana, gerada pelo baixo

desenvolvimento técnico em que se encontrava, não somente a região noroeste do

estado, mas como boa parte do território nacional, prejudicou a inserção no comércio

exterior do calçado produzido na cidade. Mesmo sendo a década de 1970 um período,

como destacam Santos e Silveria (2004), de irradiação do “meio técnico-científico-

informacional” – em que o “território ganha novos conteúdos e impõe novos

comportamentos, graças às enormes possibilidades de produção e, sobretudo, da

circulação dos insumos, dos produtos, do dinheiro, das idéias e informações, das ordens

e dos homens (p.52-53)” – como destacam os próprios autores, esta irradiação se

concentrou principalmente nas regiões Sul e Sudeste, visto que boa parte do território

nacional ainda estava à margem deste processo.

Além deste problema, houve a dificuldade em adaptar o calçado produzido em

Birigui aos padrões de modelagem requeridos pelo mercado estadunidense. De acordo

com Zampieri, diferentemente da modelagem brasileira que apresentava um padrão

mais curto e alto, a modelagem dos calçados nos Estados Unidos, obedeciam a um

padrão alongado e curto, o que dificultou a aceitação do calçado de Birigui no mercado

daquele país.

Os anos de 1980 foram os mais significativos para o desenvolvimento do ramo

calçadista da cidade. Até o ano de 1990, Birigui já contava com 166 estabelecimentos

produtores de calçados. A segunda metade da década de 1980 foi a mais importante,

como podemos notar pelo gráfico 6, o número de estabelecimentos mais que dobrou,

passando de 73 em 1985, para 166 em 1990, ou seja, 93 novos estabelecimentos em

cinco anos.

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84

Como se sabe, a década de 1980 é conhecida como a “década perdida” para a

economia brasileira. Neste período como aponta Singer (2001): no Brasil,

experimentamos uma estagflação de extraordinária intensidade. Enquanto caíam a

produção e o emprego, a massa salarial e o consumo, o custo de vida subia a

porcentagens de três dígitos ao ano (p.114). Com o fim do regime militar, José Sarney

assume a presidência da república e lança em 1986 o Plano Cruzado, introduzindo uma

nova moeda e congelando preços e salários. Este plano de estabilização econômica

cumpriu sua função por um curto período de tempo, visto que nos anos seguintes a

inflação retorna com mais força, chegando a superar 1000% ao ano. Esse período

inflacionário mais intenso durou aproximadamente sete anos, de 1987 a 1994, marcado

pela alta diária dos preços dos produtos, prejudicou intensamente o funcionamento da

economia do país (Singer, 2001, p.115).

Apesar da crise econômica vivida pelo país, de acordo com Reis (1994), durante

a década de 1980 a indústria de calçados foi um dos poucos segmentos industriais a

expandir, e segundo o autor, essa expansão se explica, principalmente pelo aumento das

vendas no mercado externo devido aos incentivos oferecidos pelo governo federal. No

final da década de 1980 o setor calçadista chega a exportar 170 milhões de pares, valor

que seria ultrapassado somente em 1993 quando as exportações chegaram a 201 milhões

de pares48

. De acordo com o autor, os incentivos às exportações era uma tentativa de

aumentar os superávits comerciais no intuito de corrigir desequilíbrios

macroeconômicos, gerados principalmente pelos altos juros incidentes sobre a dívida

48 Fonte: MDIC/SECEX.

0

50

100

150

200

250

300

350

1972 1985 1990 1995 2000 2005 2008

Gráfico 6- Número de indústrias de calçados em Birigui-SP

Nºde industrias de

calçados

Fonte: A fonte de informação do ano de 1972 é de Zampieri (1976).Os demais dados são

da RAIS (Relação Anual de informações Sociais) com registros a partir do ano de 1985.

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85

externa brasileira. Além das exportações, a indústria calçadista expandiu as vendas de

calçados no mercado nacional, no entanto, devido ao baixo poder aquisitivo da

população brasileira (e de outros motivos que já abordamos no capítulo anterior), a

produção para o mercado interno se concentrou em calçados alternativos (mais baratos),

como os de plástico, borracha, tecido e sintético.

Tabela 3 – Produção de calçados em Birigui (em pares) e percentual exportado –

1985/ 1989

1985 1986 1987 1988 1989

Produção de

calçados

17.781.510 25.292.100 20.405.900 21.426.195 30.000.000

Percentual

exportado

0,25 2,49 2,20 3 *

Fonte: Adaptada de Souza (2004), p. 57, com base em dados fornecidos pelo (SICVB) ao jornal “Diário

de Birigüi” de 05/07/1989.

*Informações não disponíveis

Como podemos perceber pelos dados expostos na tabela, no ano de 1986 (ano de

edição do Plano Cruzado) houve um crescimento de mais de 42% da produção com

relação ao ano anterior. Já no ano de 1987 a produção tem uma queda de quase 20%

com relação ao ano anterior. A crise econômica e a queda na produção tiveram

implicações no mercado de trabalho, tanto no total de empregos gerados pelo setor no

Estado de São Paulo – que em 1986 empregava 82.722 trabalhadores e sofre uma

redução de quase 25% deste total, chegando ao final de 1987 com 62.257 empregados –

quanto pelos empregos gerados em Birigui, que em 1986 empregava 9.753

trabalhadores, e chega ao final de 1987 com 8.028 trabalhadores, o que significou uma

redução de mais de 17% com relação ao ano anterior49

.

No entanto, apesar de se constituir um período de expansão nas exportações de

calçados no Brasil, fica claro pelos dados apresentados na tabela que a produção de

calçados de Birigui era voltada predominantemente ao mercado interno.

Dadas as características quase artesanais para se iniciar a produção de calçados –

o que se constitui na quase ausência de barreiras técnicas para entrada no setor, visto

que o início da produção não exige a mobilização de um grande montante de capital – e

o momento de expansão das vendas das empresas brasileiras para o mercado externo,

49 Fonte: RAIS/MTE, subsetores do IBGE.

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86

este momento pode ser caracterizado por uma significativa diminuição das barreiras à

entrada50

de novas empresas. Por outro lado, o fato de que a indústria de calçados no

Brasil é espacialmente bastante concentrada, com a formação de aglomerações de

empresas, – o que já se evidenciava em Birigui na década de 1980 – permite às

empresas nelas instaladas, usufruir de vantagens competitivas importantes, conseguirem

um desempenho produtivo superior, o que também se constitui num fator de redução às

barreiras de entrada de novas empresas, tanto às calçadistas quanto às empresas

correlatas51

(Garcia, 2001, p. 170).

Dando continuidade a nossa proposta de entender os fatores que nos ajudam a

explicar o surgimento e desenvolvimento da indústria de calçados de Birigui,

consideramos necessário reforçar que este processo, apesar de articulado com forças

atuantes em todas as escalas geográficas, foi desencadeado por fatores endógenos.

Donde convém atentar para o processo de desconcentração industrial no Estado de São

Paulo a partir da década de 1970, procurando mostrar como as características deste

processo reforçam nosso argumento.

2.4- Desconcentração industrial no Estado de São Paulo

Sabe-se que o processo histórico de desenvolvimento econômico brasileiro

apresentou um padrão de distribuição das atividades econômicas, fortemente

concentrado, em particular no Estado de São Paulo que na década de 1970 era

responsável por 39% do PIB nacional52

. Como dito anteriormente (primeiro item deste

capítulo), desde a década de 1950 é possível notar a concentração de indústrias em

certas áreas do estado, em particular na Região Metropolitana de São Paulo. A

aglomeração espacial de indústrias, portanto, é uma tendência verificada e constada por

inúmeros estudos sobre a industrialização paulista.

50 Kupfer (2002) explica que são muitos os enfoques sobre barreiras à entrada na Economia Industrial,

mas é possível identificar alguns pontos em comum, como a ênfase conferida ao longo prazo e à

concorrência potencial, que se constituem nas bases teóricas para a construção do conceito. O autor

define, em termos gerais, que as barreiras à entrada podem ser entendidas como “qualquer fator que

impeça a livre mobilidade do capital para uma indústria no longo prazo e, conseqüentemente, torne

possível a existência de lucros supranormais permanentes nessa indústria (p.112).”

51 A consolidação da aglomeração espacial de indústrias e a formação de economias de escala relativas à

proximidade física entre as empresas serão aprofundadas no próximo capítulo.

52 Fonte: IBGE, Anuário Estatístico, consultado em Diniz e Crocco (1996, p.82).

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87

Apesar de crescer a um ritmo menor que o setor industrial brasileiro, ao longo

dos anos 1970 a indústria paulista cresceu a um ritmo de 9,5% ao ano, com destaque

para a indústria mecânica, metalurgia, vestuário, calçados e artefatos de tecido.

Negri (1987) aponta que no primeiro ciclo da industrialização pesada, entre

1956-1962, houve uma intensificação da concentração da população, da indústria e dos

serviços na metrópole – entre as décadas de 1950 e 1960 a cidade de São Paulo era

responsável por mais de 50% do valor da produção industrial de todo o estado –, já no

segundo ciclo, entre 1968-1973, ocorreu uma relativa desconcentração da população e

da atividade urbana, tanto no setor industrial, como no de comércio e serviços – a partir

dos anos 1970 a participação da metrópole paulista no valor da produção industrial

reduziu para 43,65%, chegando na década de 1980 com 30,3%.

Negri reforça seu argumento ao constatar que o interior de São Paulo nos anos

1970 “foi responsável por 43,4% do acréscimo da PEA no setor secundário, caindo o

peso da metrópole na PEA estadual nesse setor para pouco mais da metade (56,6%)53

em 1980 (p.94)”. O crescente processo de urbanização e industrialização, dos anos 1950

a 1970, gerou um reordenamento na estrutura produtiva, assim como, na estrutura de

consumo de bens e serviços gerando uma nova divisão territorial do trabalho.

De acordo com Santos e Silveira (2004, p.106) nesta nova divisão territorial do

trabalho, a partir dos anos de 1970, a produção industrial se torna mais complexa e se

estende para outros pontos do país, principalmente nas regiões Centro-Oeste, Norte

(Manaus) e Nordeste. Em sintonia com tais mudanças, as áreas de industrialização já

consolidadas, como a Região Metropolitana de São Paulo, apresentam dinâmicas

diferentes da experimentada em períodos anteriores. Verifica-se, portanto, nas últimas

décadas um processo de desconcentração no Estado de São Paulo, caracterizado pela

dispersão de unidades industriais, tanto para o interior do estado como para outros

estados brasileiros, e por uma redução da participação da metrópole no setor industrial.

Alguns autores consideram que nas aglomerações espaciais de indústrias atuam

forças de atração (forças centrípetas) entendida como o poder de atração exercido pela

aglomeração, graças às possibilidades de apropriação por outras empresas das

economias externas (ou economias de localização, geradas pela proximidade física entre

empresas de um mesmo setor). No entanto, além das forças aglutinadoras, também estão

presentes as forças de repulsão (forças centrífugas), ou seja, forças capazes de expulsar

53 Até 1970 a Grande São Paulo detinha 64.7% da PEA no setor secundário (Negri, 1987, p.94).

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as atividades econômicas da aglomeração. Trata-se das “deseconomias” de

aglomeração, ou seja, a localização numa determinada área passa a gerar custos de

produção que superam as externalidades geradas pela aglomeração; tais “deseconomias”

podem se configurar em elevação dos custos de transporte, aumento dos preços de

aluguéis e imóveis, congestionamento, dentre outros fatores que contribuiriam para

desestimular a localização de empresas numa determinada área (Garcia, p.23; Azzoni,

1986).

De acordo com Selingardi-Sampaio (2009, p.51), “a concentração é a tendência

mais espontânea e dominante na relação da indústria com o espaço geográfico, em uma

primeira etapa, sendo o posterior embate entre forças centrípetas e centrífugas o fator

instalador, no território, da tensão dialética entre concentração e dispersão.” Cabe

entendermos, quais os reflexos do processo de desconcentração/descentralização

industrial da metrópole no processo de industrialização no interior paulista e como a

indústria calçadista de Birigui se insere neste processo.

Inúmeros fatores contribuíram para que, a partir da década de 1970, a metrópole

paulista diminuísse sua participação na produção industrial. O processo de

desconcentração espacial da indústria envolve alguns fenômenos que implicaram em

mudança na divisão territorial do trabalho no Brasil. Crocco e Diniz (1996) apontam

que “ocorreu um processo de reversão da polarização da Área Metropolitana de São

Paulo (AMSP), cuja participação no emprego e na produção industrial caiu de 34 e

44%, respectivamente, para 28 e 29%, entre 1970 e 1985. Entre 1985 e 1991 a AMSP

perdeu 155 mil empregos industriais (p.84).” No que diz respeito ao crescimento da

infra-estrutura, os autores apontam que: “A malha rodoviária pavimentada (federal e

estaduais), que era de 12.700km em 1960, subiu para 48.000km em 1970 e para,

aproximadamente. 130.000km em 1990 (p.85).” Da mesma forma, houve expansão na

frota de veículos, no número de terminais telefônicos e na capacidade de geração de

energia elétrica. Esse desenvolvimento da infra-estrutura, juntamente com o

crescimento urbano e o desenvolvimento de serviços mais modernos em diversas

cidades brasileiras proporcionou, segundo os autores, a criação de economias de

urbanização54

em centros urbanos mais distantes das áreas tradicionalmente

industrializadas, o que, por sua vez, facilitou a desconcentração industrial.

54 Como veremos no próximo capítulo, as economias de urbanização podem ser entendidas por tipos de

externalidades ou vantagens, próprias dos ambientes urbanos, envolvendo todas as atividades

econômicas e não especificamente um único setor produtivo (CAMAGNI, 2000, p.52).

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89

Outro ponto importante, é que a desconcentração industrial esteve na pauta da

política econômica, como por exemplo, com os incentivos fiscais para as regiões norte e

nordeste, particularmente por meio dos projetos relacionados com a SUDENE, SUDAM

e SUFRAMA55

. Em conjunto com a ampliação da infra-estrutura, aumento do número

de centros urbanos e da demanda industrial, nota-se também a partir da década de 1970

uma grande expansão das fronteiras agrícolas – principalmente com a produção de grãos

nos estados sulinos desde o final da década de 1960 e posteriormente na região centro-

oeste – e minerais – como é o caso do Complexo Carajás (CROCCO e DINIZ, 1996,

p.85).

Da mesma forma, Cano (1998, p. 325) também destaca alguns fatores,

determinantes segundo o autor, para explicar as causas da diminuição da produção

industrial na Grande São Paulo e o aumento da produção industrial no interior, são eles:

as políticas de descentralização dos governos de São Paulo proporcionadas por

investimentos em infra-estruturas, principalmente rodovias, e em centros de pesquisa;

políticas de incentivos dos governos locais (incentivos fiscais, distritos industriais,

fornecimento de infra-estruturas); os custos de concentração na Grande São Paulo e a

necessidade de expansão e reestruturação de grandes empresas que passaram a se

instalar principalmente no interior; os incentivos federais no interior, como a

implantação de duas refinarias da Petrobrás e os grandes centros de Pesquisa; em escala

nacional, o autor destaca as políticas de incentivo às exportações e o Pró-Álcool.

Sposito (2007) argumenta ainda que:

Motivados pela perda de competitividade, pela pressão social e

pelo nascente movimento ambientalista, o governo do estado e a

União criaram, a partir dos anos 1960, uma série de restrições à

instalação de novas plantas industriais na capital e sua região

metropolitana, incentivando a migração de indústrias para o

interior paulista e outras regiões do país, uma vez que a

concentração industrial foi identificada como uma das raízes

dos problemas urbanos da metrópole56

.

Nesse sentido, Santos e Silveira (2004) afirmam que diante da “reorganização

industrial da Região Concentrada, os estados sulinos e o interior do Estado de São Paulo

ganham com a emigração de estabelecimentos da Região Metropolitana de São Paulo,

55 SUDENE (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste), SUDAM (Superintendência para o

Desenvolvimento da Amazônia) e pela SUFRAMA (Superintendência para a Zona Franca de Manaus)

56 O artigo foi consultado no site http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-24569.htm, e por não apresentar

numeração de páginas neste formato nos limitamos a indicar a fonte e o ano de publicação.

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90

com a criação de novas indústrias e, paralelamente, com a concentração dispersão do

valor da transformação industrial (p. 109)”. Assim como os referidos autores, Crocco e

Diniz (1996) apontam que apesar de todos os incentivos para as regiões norte e nordeste

e da expansão da fronteira agrícola na direção centro-oeste, em âmbito nacional, a

desconcentração de indústrias se limitou a uma área que abrange do centro de Minas

Gerais ao nordeste do Rio Grande do Sul. Assim como no território nacional, o processo

de desconcentração industrial no Estado de São Paulo não abrangeu da mesma forma

todo o estado, visto que se concentrou no entorno da região metropolitana,

principalmente em direção às regiões de Campinas, Jundiaí, São José dos Campos e

Sorocaba.

Tabela 4 - Brasil, regiões e estados selecionados: distribuição espacial da indústria de

transformação /1970-1990

Regiões e Estados 1970 1975 1980 1985 1990

Nordeste (menos BA) 4,2 4,5 4,4 4,8 4,5

Bahia 1,5 2,1 3,1 3,8 4,0

Minas Gerais 6,4 6,3 7,8 8,3 8,7

Rio de Janeiro 15,7 13,6 10,2 9,5 9,8

São Paulo 58,1 55,9 54,4 51,9 49,2

A) Metrópole 43,4 38,8 34,2 29,4 26,2

B) Interior 14,7 17,1 20,2 22,5 23,0

Paraná 3,1 4,0 4,1 4,9 5,7

Santa Catarina 2,6 3,3 3,9 3,9 4,2

Rio Grande do Sul 6,3 7,5 7,9 7,9 7,7

Outros Estados 2,1 2,8 4,2 5,0 6,2

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Negri (1987, p.143) e IBGE/DEIND - Censo Industrial de 1985.

Selingardi-Sampaio (2009, p.236) aprofunda a abordagem sobre o processo de

industrialização no interior de São Paulo durante a década de 1970 e chama a atenção

para o caráter multifacetado deste processo, tanto no que refere à influência exercida

pela metrópole, quanto pela origem dos capitais empregados. A autora explica que a

instalação de fábricas novas no interior do estado – mesmo nos municípios mais

próximos da Região Metropolitana que receberam maior influência do processo de

desconcentração – é fruto de diversas iniciativas: investimentos diretos de empresas

multinacionais, tanto com sede gerencial na metrópole (como a Rhodia em Paulínea)

como implantações diretas, sem passagem prévia pela metrópole (como a Owens

Corning Fiberglass instalada em Rio Claro em 1969); investimentos diretos do governo

federal (como as unidades da Embraer em São José dos Campos); investimentos de

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empresas com sede em outros estados brasileiros (como a Hansen, conhecida como

Tubos e Conexões Tigre, com sede em Santa Catarina e instalada em Rio Claro em

1975); investimentos oriundos de São Paulo ou de sua Região Metropolitana, com

transferência total de uma unidade antes localizada na metrópole, incluindo nesta

transferência a sede administrativa (como a Sum Plásticos instalada em Sumaré em

1972) ou, com a instalação de uma nova fábrica com permanência da empresa anterior

na metrópole (como a Equipamentos Villares S.A. instalada em Araraquara em 1978);

combinações de investimentos de origem mista (com capitais estrangeiros e nacionais,

privados e estatais, como a Braspectina, em Limeira); investimentos de origem local e

regional.

Outros autores como Lencioni (2003) e Sposito (2007) também apontaram que a

industrialização já estava presente no interior do estado até antes da década de 1950.

Portanto, a industrialização no interior segundo os autores, não é um fato novo, o que há

de novidade é a importância industrial que este espaço assume nacionalmente. Este

último autor acrescenta, que

Se, por um lado, a região metropolitana perde unidades fabris

para o interior, o que caracteriza um processo de

desconcentração; por outro, esse processo segue a lógica

capitalista de caráter transnacional e configura um

redirecionamento das unidades produtoras para o interior do

estado, concentrando a tomada de decisões na capital, onde se

encontram os principais nós das redes de comunicações e os

serviços necessários para se desempenhar papel de comando nas

escalas estadual, nacional e na América Latina (Sposito, 2007).

Verifica-se que o processo de desconcentração industrial no estado foi

acompanhado por um processo de reconcentração das atividades de comando e gestão

na capital paulista. De acordo com dados publicados pelo Boletim Seade (nº 13, de

janeiro de 2011) em 2008, a capital paulista respondeu por 35,6% do PIB estadual e a

metade da riqueza produzida no estado concentrou-se em apenas seis municípios: São

Paulo, Guarulhos, Osasco, São Bernardo do Campo, Campinas e Barueri. Somente a

Região Metropolitana de São Paulo respondeu por mais da metade do PIB paulista

(57,1%).

Lencioni (1991) concorda com a posição de Azzoni (1987) de que a instalação

de unidades industriais fora da capital paulista não se configura em um processo de

desconcentração industrial, visto que as atividades de comando continuam concentradas

na Região Metropolitana.

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Araújo (2001) atribui essa desconcentração ao processo de reestruturação

produtiva acelerado no país desde a década de 1990, que além de não ter se

caracterizado por um processo de desindustrialização da metrópole, lhe agregou o papel

de maior centro financeiro e de serviços produtivos do país. Sposito (2004) acrescenta

que o processo de reestruturação verificado

nas últimas décadas não gerou uma divisão regional do trabalho

capaz de melhor distribuir espacialmente o conjunto das

atividades econômicas que movimentam mais capitais, geram

empregos melhor remunerados e precisam de modernização dos

meios técnico-científico-informacionais, bem como promovem

essa modernização (p.242).

As tabelas 5 e 6 apresentam a participação das Regiões Administrativas do

Estado de São Paulo no total de estabelecimentos da indústria e no valor adicionado

fiscal da indústria entre 1995 e 2008. Apesar de ambos apresentarem queda na região

metropolitana, reforçam a idéia de que apesar da desconcentração industrial a Região

Metropolitana de São Paulo ainda concentra quase metade dos estabelecimentos

industriais (46,44% em 2008). Verifica-se que a Região Administrativa de Campinas é a

que apresentou maior crescimento no referido período, visto que aumentou sua

participação, tanto no total de estabelecimentos industriais no estado de 16,52% em

1995 para 19,52% em 2008, quanto na participação no valor adicionado fiscal da

indústria que passou de 20,85% em 1995 para 26,95% em 2008. Segundo os estudos

sobre a desconcentração industrial no Estado de São Paulo, a cidade de Campinas foi

uma das que mais se beneficiou deste processo.

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Tabela 5 - Participação das Regiões Administrativas, em percentual, no total de

estabelecimentos da indústria no Estado de São Paulo

Regiões 1995 2000 2008

RM de São Paulo 54,06 49,34 46,44

RA de Registro 0,31 0,32 0,28

RA de Santos 1,76 1,29 1,22

RA de São José dos

Campos

2,94 2,98 3,25

RA de Sorocaba 5,11 5,72 6,03

RA de Campinas 16,52 18,61 19,52

RA de Ribeirão Preto 2,49 2,60 2,91

RA de Bauru 2,60 2,88 3,02

RA de São José do Rio

Preto

3,16 3,88 4,14

RA de Araçatuba 1,69 2,00 2,09

RA de Presidente

Prudente

1,64 1,70 1,64

RA de Marília 2,13 2,26 2,16

RA Central 2,68 2,81 3,09

RA de Barretos 0,60 0,66 0,67

RA de Franca 2,25 2,87 3,47

Fonte: Fundação Seade

Sposito (2006) contribui para o debate sobre a desconcentração industrial no

Estado de São Paulo, identificando um novo paradigma na distribuição das atividades

econômicas e dos recursos no território paulista, a saber: o paradigma dos eixos de

desenvolvimento. Com base nos dados sobre o total de empregos ocupados (empregos

com registro em carteira no setor privado) nas cidades do eixo São Paulo – São José do

Rio Preto, Matushima e Sposito (2002) observaram que as cidades do entorno

metropolitano e próximas a Campinas têm grande participação nos empregos ocupados

na indústria. Essa característica, segundo eles, demonstra que a dispersão industrial no

Estado de São Paulo segue os principais eixos rodoviários, em direção a Campinas,

chegando, no máximo, a centros que distam até 250 km da capital.

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Tabela 6 - Participação das Regiões Administrativas, em percentual, no Valor

Adicionado Fiscal da Indústria

Regiões 1995 2000 2008

Região Metropolitana de São Paulo 50,18 42,04 39,20

RA de Registro 0,17 0,21 0,22

RA de Santos 3,18 4,13 4,34

RA de São José dos Campos 8,84 13,72 9,13

RA de Sorocaba 5,42 5,17 5,96

RA de Campinas 20,85 23,12 26,95

RA de Ribeirão Preto 2,16 2,13 2,86

RA de Bauru 1,65 1,57 1,83

RA de São José do Rio Preto 1,28 1,41 1,94

RA de Araçatuba 0,93 0,99 1,14

RA de Presidente Prudente 0,57 0,53 0,75

RA de Marília 0,99 0,96 1,41

RA Central 1,95 2,06 2,08

RA de Barretos 0,68 0,80 0,97

RA de Franca 1,15 1,16 1,22

Total 100,00 100,00 100,00

Fonte: Fundação Seade

A Pesquisa Industrial Anual de 200357

, realizada pelo IBGE, mostrou que as

empresas industriais de alta intensidade tecnológica apresentam uma receita acima da

média, pois apesar de representarem menos de 10% do total de empresas, respondem

por mais de 30% do valor da transformação industrial total do país. Como podemos

notar, na Região Administrativa de Campinas, o valor adicionado fiscal na indústria

cresceu, percentualmente, o dobro do número de estabelecimentos industriais entre 1995

e 2008.

No que se refere aos estabelecimentos industriais do setor calçadista, como

podemos observar pelos mapas 8 e 9, verifica-se uma redução na participação da capital

paulista e Região metropolitana, tanto no que se refere ao número de estabelecimentos

quanto ao número de empregos entre os anos de 1985 e 2008. Em 1985 a cidade de São

Paulo empregava 8.609 trabalhadores, já em 2008 este número se reduz para 2.079

empregados. Como podemos verificar outros municípios do entorno como Suzano, São

José dos Campos, Moji Mirim e Jundiaí também apresentaram, em menor proporção,

uma redução no número de empregados no setor calçadistas entre os anos de 1985 e

57 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Coordenação da Indústria, Pesquisa Industrial Anual – Empresa-

2000-2003.

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95

2008. No entanto, a redução no número de estabelecimentos é mais perceptível na

cidade de São Paulo.

Em Franca, como podemos perceber pelos mapas 8 e 9, ao mesmo tempo em

que houve redução no número de empregos, houve aumento no número de

estabelecimentos industriais. A nosso ver, esta situação reflete o problema da guerra

fiscal – com a transferência de grandes unidades produtivas para a região Nordeste do

país, o que gerou uma diminuição na oferta de empregos em Franca – e da terceirização

da produção das grandes empresas para empresas de menor porte, como o caso da

empresa Agabê, já citado no capítulo anterior.

As aglomerações produtivas de Jaú e Birigui apresentaram crescimento tanto do

número de empregos quanto do número de estabelecimentos, o que nos remete ao nosso

questionamento inicial, sobre a relação do processo de desconcentração industrial com o

processo de industrialização de Birigui, ao que podemos perceber pelo exposto no item

anterior, a instalação de indústrias e de usinas de beneficiamento de produtos agrícolas,

no município de Birigui esteve num primeiro momento, relacionada a investimentos de

empresas nacionais e multinacionais (como a Anderson Clayton que se instalou no

município no início da década de 1940), em que a proximidade da matéria-prima, em

particular do algodão, foi o principal motivo para suas instalações. A partir da década de

1970, essas empresas já não operavam mais na cidade e a partir de então, Birigui se

insere na nova divisão territorial do trabalho como um centro produtor de calçados e

com um modelo de industrialização tipicamente endógena, ou seja, com indústrias

constituídas basicamente com capital local.

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96

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97

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98

Retomando o conceito de descentralização industrial proposto por Negri (1994),

em que envolve a mudança física, parcial ou total, de um estabelecimento industrial ou

somente de sua produção de uma área para outra, constatamos que a indústria de

calçados de Birigui não é fruto deste processo, nem do processo de desconcentração

industrial (LENCIONI, 1991). Podemos perceber pelo histórico das primeiras empresas

e das que vieram posteriormente, que as fábricas de calçados de Birigui são fruto de

iniciativas locais.

Selingardi-Sampaio (2009) corrobora nossa afirmação, ao identificar em 1996 a

presença de centros urbano-industriais isolados que apresentaram números

significativos no que diz respeito ao valor adicionado fiscal da indústria, mas que se

encontram distantes das “aglomerações territoriais de indústrias” no Estado de São

Paulo mapeadas pela autora desde 1950. Estão entre estes centros os municípios de

Marília, Araçatuba, Birigui, São José do Rio Preto, Catanduva e Franca, todos

representantes de especializações produtivas criadas e aperfeiçoadas endogenamente.

Nas palavras da autora:

Entendo que tais centros permanecem fora do alcance do poder

de atração industrial estendido da metrópole paulistana, nas

décadas de 1960, 1970 e 1980, em razão da grande distância

física existente (400 a 500 km) e, principalmente, da farta

ocorrência de centros urbanos-industriais populosos e bem

equipados, situados muito mais próximos, e/ou com melhor

acesso a referida metrópole (p.299).

É importante ressaltar mais uma vez que a desconcentração industrial na

metrópole paulista e a presença da indústria no interior do estado, não implicam numa

simples relação de causa e efeito. Como já destacamos anteriormente, há exemplos de

cidades, como é o caso de Franca, especializada na produção de calçados masculinos

adultos, em que a industrialização é fruto de investimentos locais ou regionais, se

configurando, portanto, numa industrialização tipicamente endógena. Já em cidades

como Campinas, mais próximas da Região Metropolitana de São Paulo, são mais nítidas

as influências do processo de desconcentração industrial, com transferência de unidades

produtivas antes localizadas na metrópole.

Selingardi-Sampaio (2009) aponta que os investimentos de origem local e

regional respondiam pelo maior número de fábricas instaladas no interior, ou seja, a

industrialização do interior do Estado de São Paulo ocorreu, em sua maior parte,

endogenamente. Com base em pesquisa realizada em seis municípios do interior

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99

paulista, Selingardi-Sampaio (2009) explica que na maioria dos casos tratava-se de

pequenos negócios iniciados por empresários, preponderantemente, de origem local, que

cresceram com o progresso geral do país e do Estado de São Paulo. A trajetória dos

primeiros empresários da indústria calçadista, juntamente com os dados que coletamos

em nosso trabalho de campo – em todas as empresas pesquisadas a origem do capital

empregado é local – nos permitem dizer em concordância com a constatação da autora,

que a indústria calçadista de Birigui, acrescenta mais um exemplo de uma cidade do

interior paulista que se industrializou endogenamente.

Por último, cabe ressaltar, que ao afirmarmos que a indústria de calçados de

Birigui é um caso de industrialização endógena, não excluímos a importância de outros

fatores, como o desenvolvimento das infra-estruturas técnicas em direção ao interior do

estado e o contexto de crescimento da indústria no país entre as décadas de 1950, 1960 e

1970. O que queremos afirmar, é que se trata de empresas criadas localmente e não de

investimentos oriundos de outras localidades.

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100

CAPÍTULO 3 – A AGLOMERAÇÃO PRODUTIVA DE BIRIGUI

No capítulo anterior tratamos da distribuição das atividades econômicas que são

reflexo da construção social e histórica do espaço e, portanto, refletem a atuação de

forças em todas as escalas geográficas – local, nacional e global – e que, por seu turno,

envolvem desde as ações individuais até os processos macroeconômicos. Como foi

visto, a partir da década de 1970 teve início um processo de desconcentração industrial

da metrópole paulista, redefinindo a divisão territorial do trabalho com impactos tanto

no Estado de São Paulo quanto em algumas regiões brasileiras. Nesta nova divisão

territorial que emerge a partir deste processo de desconcentração industrial, há uma

redefinição dos papéis tanto da Região Metropolitana de São Paulo – que passa a

concentrar, resumidamente, as funções de gestão, financeiras e as indústrias de maior

conteúdo tecnológico – quanto de outros centros urbanos no interior do estado e em

algumas regiões do país.

Mesmo que de forma tangencial, procuramos abordar no capítulo anterior as

motivações deste processo de desconcentração espacial no Estado de São Paulo, e

verificamos que são muitos os fatores que o desencadearam, como políticas públicas de

descentralização, deseconomias de aglomeração na capital paulista, mas também, as

estratégias espaciais das empresas frente às mudanças do modelo de produção fordista

para o modelo de produção flexível. Selingardi-Sampaio (2009) aponta que

historicamente o setor industrial apresentou uma tendência à localização no interior ou

próximo às aglomerações urbanas, o que garante economias externas de localização e

urbanização. Principalmente antes da mundialização da economia (até as décadas de

1970-1980), quando a localização das indústrias era predominantemente em grandes

cidades ou metrópoles, já que a produção nos moldes fordistas implica na concentração

e centralização em grandes proporções dos meios de produção, infra-estruturas, mão-de-

obra etc.

Pelos dados que apresentamos no capítulo anterior nota-se, que ao mesmo tempo

em que ocorria este movimento de desconcentração espacial em São Paulo,

desenvolviam-se outros centros urbanos no interior, especializados em determinada

atividade industrial, como são os casos de Birigui e Jaú, especializados na fabricação de

calçados infantis e femininos, respectivamente. Outro centro importante é Franca, que

apesar de na década de 1970 já apresentar importância nacional na produção de

calçados masculinos, teve um crescimento acelerado a partir da referida década.

Page 113: A INDÚSTRIA DE CALÇADOS DE BIRIGUI: origem ... · Mapa 1- Distribuição do emprego na produção de calçados de materiais ... Para lidar com estas transformações, as empresas

101

Nosso objetivo neste capítulo é buscar entender quais os fatores ou princípios

que nos ajudam a explicar as economias externas presentes num agrupamento

geográfico de indústrias de um mesmo ramo produtivo e como as empresas aí

localizadas se apropriam destas vantagens localizadas. Entendemos que as relações de

produção que se estabelecem ao longo do processo produtivo, não se restringem a escala

local, por isso, buscamos analisá-las abrangendo suas contigüidades e descontiguidades.

3.1- Por que as atividades econômicas tendem a se aglomerar?

Diversos autores se dedicaram a explicar as vantagens relativas à localização

concentrada de empresas, mas o trabalho de Marshall é reconhecido como um dos

primeiros e mais importantes estudos sobre o assunto. O autor foi um dos primeiros

teóricos que buscou entender os motivos pelos quais certas atividades, em particular as

industriais, tendem a se aglomerar. Ao analisar os distritos industriais na Inglaterra no

final do século XIX, Marshall (1984) constatou que as vantagens da produção em escala

são mais eficientes quando se trata de uma aglomeração de empresas similares. Além da

economia interna gerada pelo aumento da escala de produção, Marshall identificou

também a existência de ganhos externos obtidos pela concentração de muitas pequenas

empresas similares em determinadas localidades. Para o autor, as empresas localizadas

de forma aglomerada poderiam usufruir de externalidades positivas58

que não seriam

verificadas caso a empresa tivesse uma localização isolada. Essas economias podem se

expressar pela presença de mão-de-obra especializada, pela presença de uma série de

fornecedores e prestadores de serviço, pelas possibilidades de transmissão de

conhecimentos e novas tecnologias, pela presença de infra-estruturas como

fornecimento de energia e rede de transportes etc. Estes fatores de produção localizados

e compartilhados pelas empresas da aglomeração receberam a denominação de retornos

crescentes de escala (economias de escala).

Um pouco mais tarde, outros autores também se dedicaram a entender os fatores

locacionais relativos às aglomerações de indústrias e às vantagens competitivas

presentes nestes espaços. Alfred Weber (1969) reconheceu a presença de economias

geradas pela concentração de fábricas em determinados lugares denominando-as de

forças aglomerativas. Para o autor, a localização industrial é definida pelos seguintes

58 Garcia (2001) aponta que para expressar este tipo de economia identificada por Marshall, são usados vários termos, como: “economias externas marshallianas”,

“economias externas puras”, “externalidades incidentais”, entre outros termos.

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102

fatores: a renda, o transporte e o trabalho. Os trabalhos de outros teóricos sobre a

localização industrial seguiram a mesma corrente de pensamento de Marshall e Weber –

na economia neoclássica – como: Isard, Lösch, Christaller. As teorias sobre a

localização industrial construídas por estes autores partem do pressuposto de que o

espaço é homogêneo e se configura apenas em um custo a ser superado, por isso a

importância atribuída aos custos de transportes; a existência de livre competição, livre

mercado e de livre mobilidade dos fatores de produção – nesta perspectiva, uma

empresa irá se localizar num ponto onde obtenha maior lucro, que se traduziria num

ponto próximo ao mercado consumidor, onde seus concorrentes teriam maiores

dificuldades para entrar e onde a empresa teria menores custos de produção e

distribuição.

Como aponta Camagni (2000) (apoiado em Weber) de acordo com esta teoria, se

não houvesse economias de escalas, mas somente custos de transporte, a produção se

distribuiria no espaço de modo homogêneo, e se ao contrário, não houvesse custos de

transporte, mas somente economias de escala, a produção se concentraria em um único

lugar e seria transportada a cada um dos mercados consumidores independentemente da

distância. Como na realidade se verifica a presença de ambos os elementos, se verifica

um modelo de localização chamado pelo autor de “difusão concentrada”, caracterizado

pela presença de aglomerações de dimensões diferentes posicionadas a certa distância

umas das outras. Poderíamos inferir a partir da explicação de Camagni que as atividades

econômicas apresentam uma tendência a se concentrarem no espaço e que a distância

entre as aglomerações seriam balizadas por custos de transporte. Para que este

raciocínio funcione, é necessário que se tenha em vista alguns pressupostos, como: um

espaço homogêneo, com distribuição homogênea da população e da demanda por

produtos pelos indivíduos; a definição dos preços deve estar relacionada estritamente ao

preço franco fábrica mais o custo de transporte proporcional à distância.

Sabemos que estes pressupostos não se verificam na realidade, primeiramente,

pela existência de forças que atuam em outras esferas, para além das de mercado

consideradas pelos autores, como políticas públicas que podem induzir a localização de

empresas num determinado ponto, como verificamos no capítulo anterior. Outra

limitação que podemos apontar, é que com o desenvolvimento das novas tecnologias

nas últimas décadas, os custos de transportes não apresentam um peso tão significativo

nas decisões locacionais de indústrias. No entanto, como salienta Selingardi-Sampaio

(2009), foi a partir

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103

das Teorias de Localização Industrial que se projetou, de início, o

“braço” conceitual da Teoria da Aglomeração, por sua vez baseada

em três observações empíricas essenciais, transformadas em “verdades consagradas”: i) uma grande proporção (ainda que em linha levemente

descendente) da produção mundial de bens industriais continua sendo

originada em um número limitado de regiões com alta concentração fabril; ii) empresas com produções similares tendem a se localizar

juntas, em alguns lugares específicos; iii) esses padrões de distribuição

mostram tendência a se manter, através do tempo (p. 71).

Apesar das mudanças no sistema produtivo atual, verifica-se que a contribuição

destes autores foi importante para se compreender o papel dos fatores produtivos no

desenvolvimento de uma aglomeração espacial de indústrias e no desenvolvimento

econômico regional.

Nas últimas décadas a temática sobre aglomerações industriais ganham maior

espaço na literatura econômica e geográfica internacional, principalmente com os

autores: Allen Scott; Markussen; Paul Krugman; Michael Porter; Michael Storper;

Becattini; Camagni entre outros. Da mesma forma, no Brasil os estudos sobre as

aglomerações de indústrias também está na pauta de pesquisas desenvolvidas por alguns

autores de diversas áreas do saber, dentre os quais: Elson L. Pires; Wilson Suzigan;

Marco Crocco; Clélio C. Diniz dentre outros autores. De um modo geral, os estudos

sobre o assunto têm se dedicado a entender as vantagens competitivas geradas pela

proximidade física entre as indústrias, frente às transformações ocorridas no cenário

econômico e social nas últimas décadas.

Alguns autores, como é o caso de Krugmam, reconhecem que as externalidades

geradas pelas aglomerações de indústrias possuem um caráter “incidental”, ou seja, não

são geradas por ações indutivas. Dessa forma, não são enfatizadas as políticas públicas e

as ações dos atores (agentes) locais no intuito de gerar novas externalidades na

aglomeração. Para o autor, tratam-se de forças centrípetas ligadas exclusivamente a

regras de mercado, capazes de atrair novas atividades (como indústrias correlatas à

atividade principal) para a aglomeração (Suzigan, 2000; Garcia, 2001).

Por outro lado, Markusen critica as abordagens, tanto de economistas regionais

quanto de geógrafos, que excluem o papel desempenhado pelos atores nas aglomerações

industriais. A autora defende uma renovação à ênfase nos atores e no papel de suas

decisões individuais, como os empreendedores que decidem abrir uma firma, os

trabalhadores que decidem migrar em busca de trabalho, a atuação dos sindicatos etc.

(Markusen, 2005).

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104

Como vimos no capítulo anterior, desde o final da década de 1960, o aumento do

número de fábricas dedicadas à produção de calçado na cidade de Birigui foi

acompanhado pelo aumento do número de empresas fornecedoras ou de apoio a esta

atividade. Este crescimento se acentua na década de 1970 quando a formação de mão-

de-obra especializada e a instalação de um centro de treinamento59

fornecem indícios do

início da formação de economias externas na aglomeração industrial de Birigui. Aliás,

conforme a narração de Zampieri60

(1976) já citada anteriormente, sobre como a

atividade calçadista era comentada na cidade, nos parece bastante próximo do que

Marshall (1984) chamou de atmosfera industrial, já que para o autor, uma das

vantagens das aglomerações de indústrias é que:

Os segredos da profissão deixam de ser segredos, e por assim dizer, ficam soltos no ar, de modo que as crianças absorvem

inconscientemente grande número deles. Aprecia-se devidamente um

trabalho bem feito, discutem-se imediatamente os méritos de inventos e melhorias no maquinismo, nos métodos da organização geral da

empresa. (p.254).

Como podemos notar pelo que foi relatado por Zampieri, os exemplos bem

sucedidos de empresários do ramo calçadista na época, as possibilidades e as formas de

se organizar uma empresa, a possibilidade de exploração da mão-de-obra feminina e

infantil61

, já não se constituía em um “segredo” na cidade de Birigui, desde o final da

década de 1960. A partir daí, o desenvolvimento do setor industrial calçadista em

Birigui favoreceu a multiplicação de atividades correlatas ao setor, o que por sua vez,

possibilitou uma diluição de gastos e de riscos entre as empresas voltadas às diversas

etapas do processo produtivo de calçado.

Camagni (2000), buscando entender as causas da existência de modelos de

localização concentrados, explica que a aglomeração se constitui num elemento de

origem da cidade, ou seja, a cidade só existe porque foi mais vantajoso e eficiente para

os homens, gestar seus recursos pessoais, sociais, econômicos e de poder de modo

espacialmente concentrado. Esta vantagem da aglomeração se explica pela existência de

indivisibilidades ou, economias de escala. Nas palavras do autor:

59 Souza (2004, p.27). 60 “O otimismo surgiu em função daquilo que se observava, visto que na cidade comentava-se abertamente os dados da produção, do emprego ao elemento

feminino e menores, da formação das sociedades, geralmente composta de vários sócios, e dos aumentos efetuados anualmente em área ocupada de cada unidade

(Zampieri, 1976, p.111).” 61 Zampieri relata em sua pesquisa realizada no começo da década de 1970, que o emprego de menores de idade nas fábricas de calçados correspondia

aproximadamente a 30% da mão-de-obra total. Isso não era visto como um problema na época

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105

por razões de tipo tecnológico ou por efeito de mecanismos

estatísticos de interações entre os elementos de um sistema ou ainda

em dependência dos fenômenos econômicos de especializações funcionais – somente atingindo uma dimensão ou uma “escala”

suficiente de atividades é possível utilizar processos produtivos mais

eficientes, ou atingir a quantidade de energia necessária para possibilitar um processo químico-físico autopropulsivo, ou gerar

recursos suficientes para atingir um mercado distante ou para financiar

um grande projeto62

(p. 39).

Esta força gerada pela aglomeração só pode ser alcançada quando se atinge uma

escala mínima de atividades que torne viável, por exemplo, a existência de atividades ou

serviços mais especializados. Camagni ainda explica que as economias geradas por

modelo de localização concentrado, se apresentam de três formas, a saber: economias

internas à empresa – representadas pela economia de escala de tipo produtivo,

distributivo e financeiro; economias externas a empresa, mas internas à indústria, ou

economias de localização – geradas pela localização concentrada de empresas

pertencentes à mesma indústria ou setor produtivo; economias externas a empresa e a

indústria, ou economias de urbanização – trata-se de vantagens típicas de um ambiente

urbano, derivadas da presença de infra-estrutura genérica utilizada por todas as

indústrias e pela estreita interação entre instituições e atividades diferentes (Camagni,

2000 p.41).

Cumpre entender, neste momento, como essas economias podem influenciar

processos de especialização produtiva e quais os fatores produtivos que representam

economias externas de urbanização e localização presentes na aglomeração industrial de

Birigui, assim como os arranjos locais que envolvem tais fatores. Nesse sentido,

Camagni (2000, p.50) explica que as economias “externas” geram a concentração de

empresas e atividades diversas decorrentes das vantagens derivadas: exploração de um

“capital fixo social” localizado (infra-estrutura de comunicação, de transporte,

fornecimento de energia) ou de “recursos naturais” específicos; da presença de

indivisibilidades no fornecimento de bens ou serviços particulares, superáveis somente

na presença de um limiar mínimo de demanda (com a concentração de mais empresas

nasce por exemplo as condições para a produção local de certos inputs usados no

processo produtivo); a criação de “efeitos de sinergia” relevantes no melhoramento da

eficiência produtiva (efeitos de criação de uma cultura profissional ou gerencial, efeitos

62 “Per raggione de tipo tecnologico o per l‟effetto di mecanismi statistici d‟interazione fra i singoli elementi di un sistema o ancora in dipendenza di fenomeni

economici di specilizzazione funzionale – solo raggiungendo una dimensione o una “scala” efficienti di attivitá è possibile utilizzare processi produttivi più

efficienti, o raggiungere la quantità di energia necessaria per avviare un processo chimico-fisico auto-propulsivo, o generare risorse sufficiente per raggiungere um

mercato lontano o per finanziare um grosso progetto (Camagni, p.39).

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106

de imagem de mercado dos produtos de uma área, possibilidades de colaboração entre

empresas para a criação de serviços correlatos etc).

Reconhecendo que as atividades econômicas não se distribuem uniformemente

sobre o território, já que as vantagens proporcionadas por uma estrutura espacial

concentrada favorecem a existência de nós ou pólos de produção, cabe entender os tipos

de economia usufruída em um modelo concentrado. Não pretendemos aqui mensurar a

importância de cada um destes fatores na aglomeração de empresas de Birigui, pois

nossa proposta é entender como estes fatores proporcionam condições de produção no

local, que se configuram em vantagens competitivas, para as empresas aí localizadas.

Para isso, buscamos identificar dois tipos de economias geradas pela aglomeração

espacial de indústrias e pela aglomeração de atividades econômicas na cidade, são elas:

economias de localização e economias de urbanização.

3.2 - Vantagens da localização das empresas em Birigui segundo o porte

Neste item procuramos relacionar as vantagens e desvantagens da localização

em Birigui com o porte das empresas pesquisadas, para que possamos identificar se

estas vantagens e desvantagens se apresentam da mesma forma para empresas de

tamanhos diferentes. Como pode ser conferido no questionário presente no Apêndice A,

nas questões 2.4 e 2.5, procuramos não direcionar a resposta permitindo ao entrevistado

apontar livremente o que considera como vantagem ou desvantagem.

Como podemos perceber pelos dados expostos no gráfico 7, dentre as empresas

de médio e de grande porte a principal vantagem da localização em Birigui é o fato do

município ser reconhecido nacionalmente como “polo calçadista”, o que por sua vez

atrai fornecedores e compradores. Além disso, é como se a localização da empresa num

“pólo” calçadista garantisse um selo de qualidade ao seu produto, segundo o relato de

um empresário: “Estar em Birigui te abre portas”. Como estratégia de marketing, em

2003 o Sindicato das Indústrias do Calçado e Vestuário de Birigui anunciou um projeto

para registrar junto ao Instituto Nacional de Marcas e Patentes a denominação “Birigüi

– Capital Latino Americana do Calçado Infantil”, no entanto, ao que parece, o registro

ainda não foi efetivado, visto que não encontramos registro referente à Birigui em

consulta ao sítio do instituto (Souza, 2004; Rizzo, 2004). De qualquer forma, a

aglomeração produtiva de Birigui criou uma imagem de mercado, em que a

aglomeração é reconhecida pela especialização na produção de calçados infantis, o que

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107

por sua vez, como reconheceu os próprios empresários locais, se configura numa

vantagem relativa à localização no aglomerado.

Fonte: Trabalho de campo

Elaboração: Elaine Cristina Cicero

As relações de aprendizado foram citadas como vantagem por apenas uma

empresa de grande porte. Relacionando este dado com a questão referente ao

treinamento do trabalhador, verifica-se que apesar das instituições de ensino voltadas

para a qualificação da mão-de-obra para as fábricas de calçados de Birigui, 73% das

empresas treinam o trabalhador na própria empresa, ou seja, a aprendizagem ocorre

majoritariamente no “chão de fábrica” durante o processo produtivo.

A presença de mão-de-obra especializada se configura numa vantagem

importante para todas as empresas, sendo apontada por 50% das microempresas, das

empresas de médio porte e das empresas de grande porte e por 70% das pequenas

empresas. Vale ressaltar que a falta de mão-de-obra especializada foi citada por 50%

das grandes empresas e para as demais, em alguns momentos de pico da produção há

falta de trabalhadores de modo geral e em particular para a função de pespontadeira63

.

Como também já citado no capítulo 1, a presença de fornecedores na cidade se

configura numa vantagem importante principalmente para as empresas de pequeno porte

e para as microempresas, já que as empresas menores compram materiais em menor

63 Como já apontamos no primeiro capítulo, verificamos que a motivação principal para a falta de

pespontadeira é o baixo salário pago para os ocupantes deste cargo.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

ME EPP M G

Legenda

Gráfico 7- Vantagens da localização das empresas em Birigui segundo o porte

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108

quantidade, o que dificulta a compra direta em empresas fabricantes, tornando mais ágil

e fácil a compra junto aos fornecedores e representantes locais.

O apoio sindical não se apresentou como uma vantagem relevante, sendo

apontado por apenas 8% das empresas de pequeno porte e 17% das empresas de porte

médio.

A facilidade de acesso ao transporte foi indicado como vantagem apenas por

38% das microempresas, sendo que para 50% das empresas de grande porte e para 17%

das empresas de porte médio os custos com transporte foram apontado como uma

desvantagem.

Apenas 12% das microempresas afirmaram que não há nenhuma vantagem em

estar localizada em Birigui. Para as empresas produtoras de outros tipos de calçados,

como os feminino adulto, há falta de matéria-prima específica, já que a especialidade

dos fabricantes é a produção de calçados infantis.

No que se refere às relações de cooperação, procuramos não induzir a resposta

apresentando tipos de relação de cooperação, deixando os entrevistados responderem

livremente. Como podemos notar pelos dados presentes no gráfico 8, de um modo geral,

para 50% das empresas (independente do porte) não há nenhum tipo de relações de

cooperação com as demais empresas. Para 50% das empresas de grande porte há

cooperação apenas por meio da terceirização da produção. Para as empresas de porte

médio a cooperação se estabelece por meio da terceirização da produção (33%) e por

meio de trocas ou empréstimo de materiais. Entre as empresas menores é possível

identificar um maior número de relações de cooperação, sendo que tanto para as

microempresas quanto para as pequenas, a troca e empréstimo de materiais se

constituem na prática mais importante, sendo citada por 38% das microempresas e 30%

das empresas de pequeno porte; as relações de terceirização e troca de informação

foram citadas por 22% das empresas de pequeno porte e por 25% das microempresas; a

compra de materiais em conjunto foi citada por 12% das microempresas; e 12% das

microempresas eram terceirizadas.

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109

Fonte: Trabalho de campo

Elaboração: Elaine Cristina Cicero

3.3 - A presença de micro e pequenas empresas fabricantes de calçados

Quando relacionamos a quantidade de empresas fundadas por década com o

porte dessas empresas verificamos que as empresas maiores são as mais antigas, sendo

que as duas empresas de grande porte pesquisadas foram fundadas na década de 1960 e

50% das empresas de porte médio foram fundadas na década de 1980. Como pudemos

notar pelas informações contidas no sítio do Museu do Calçado de Birigui, a maioria

das empresas que hoje são de grande porte foram fundadas até a década de 1980, como

a Bical (1968), Tip Toe (1969), Pé com Pé (1980), Klin (1983), Pampili (1987), Brink

(1988), com exceção para a Kidy que foi fundada em 1990. Já as microempresas e as

empresas de pequeno porte foram fundadas majoritariamente a partir da década de

1990, sendo que apenas uma empresa de pequeno porte foi fundada na década de 1980.

Estes dados parecem óbvios quando se conhece a trajetória das indústrias de

calçados de Birigui, qual seja: começam como pequenas fábricas, com pouco

maquinário, poucos funcionários e vão crescendo ao longo do tempo. No entanto, os

dados apresentados no gráfico 9 revelam que apesar das empresas de pequeno porte

serem em maior número desde a década de 1980, a partir dos anos de 1990 o

crescimento das microempresas supera o das empresas de pequeno porte, passando de

11 empresas em 1985 para quase 180 em 2008.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

G M P ME

terceirização troca e empréstimo de material

troca de informação compra em conjunto

terceirizada Não há relações de cooperação

Legenda

Gráfico 8- Relações de cooperação segundo o porte das empresas

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110

Atualmente, como mostra o gráfico, mais de 50% do total de empresas do ramo

calçadista são de porte micro e 36,5% são empresas de pequeno porte, ou seja, quase

90% das empresas são EPP e ME. A massiva presença de empresas pequenas pode ser

explicada por dois motivos principais: o primeiro está relacionado ao processo de

intensificação da divisão do trabalho através da subcontratação de empresas para

realização de partes do processo produtivo ou da produção do calçado por completo

(desintegração vertical); o segundo está relacionado à fragmentação das empresas de

médio e grande porte criando novas razões sociais enquadradas como micro e pequenas

empresas, que são usadas para distribuir seu faturamento e, assim, poder usufruir do

regime tributário previsto pelo Simples Federal.

Neste sentido, a implantação de um regime tributário diferenciado para micro e

pequenas empresas, ou o Simples Federal, que data de 1999, também foi importante,

embora ele tenha passado por algumas modificações ao longo dos anos. Como é

possível conferir pelos dados expostos no Apêndice C, há uma alíquota estabelecida de

acordo com o faturamento da empresa, sendo que, quanto maior o faturamento, maior é

a alíquota paga64

. Observamos um exemplo desta estratégia em pesquisa65

concluída em

64 Segundo as definições previstas no Simples Federal, é considerada microempresa a pessoa jurídica que tenha receita bruta anual igual ou inferior a duzentos e

quarenta mil reais, já para se enquadrar como pequena empresa a pessoa jurídica deverá ter receita bruta anual superior a duzentos e quarenta mil e igual ou

inferior a dois milhões e quatrocentos mil reais. Por isso, as empresas criam outras razões sociais para dividirem suas receitas e se enquadrarem ao Simples

Federal. 65 Cf. CICERO, E. C. Eixo de desenvolvimento e arranjo produtivo local: o caso de Birigui-SP. Monografia, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de

Ciência e Tecnologia, Câmpus de Presidente 2007.

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

1985 1990 1995 2000 2005 2008

ME

EPP

M

G

Gráfico 9 -Número de estabelecimentos industriais do

ramo calçadista em Birigui - SP

Fonte: RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) Elaboração: Elaine Cristina Cicero

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111

2007, quando constatamos que a empresa Bical já estava organizada como um

agrupamento de empresas de pequeno porte e com isso, segundo informações coletadas

na época, a empresa conseguiu uma redução de 36% de suas obrigações tributárias. Esta

prática se disseminou entre as empresas da cidade sem implicar, na maioria dos casos,

em nenhuma reorganização do chão de fábrica.

Além da questão tributária, a intensa presença de micro e pequenas empresas na

aglomeração industrial de Birigui reflete a intensificação do processo de terceirização

da produção a partir da década de 1990, envolvendo, como dito no primeiro capítulo,

empresas, bancas, trabalhadores a domicílio e profissionais autônomos. Souza (2004)

identificou em pesquisa ao livro de registros e inscrição industrial da Prefeitura

Municipal de Birigui, que foi a partir de meados da década de 1990 que passou a

ocorrer registros de empresas com a denominação “indústria de calçados e

industrialização para terceiros”.

Em nossa pesquisa, visitamos algumas empresas e procuramos identificar como

se caracteriza as relações de subcontratação de empresas para produção de partes do

calçado. Tomaremos como exemplo as empresas R.M. Pardo, J&B e G.L. Chideroli,

pois foram nestas empresas que conseguimos um maior detalhamento de informações.

A R. M. Pardo é uma micro-empresa que não tem produção própria, é

subcontratada para a execução da etapa de pesponto de duas outras empresas: a Tainá e

Carrossel. Segundo nossa entrevistada, o material para a confecção do cabedal é

fornecido pelas empresas contratantes, que entregam na fábrica o material já cortado. A

empresa subcontratada efetua a compra somente das linhas, colas e solventes utilizados

para na etapa do pesponto. O controle da qualidade é realizado uma vez por semana por

um funcionário da empresa-mãe.

Ao questionarmos sobre as desvantagens de uma empresa subcontratada, a

proprietária nos relatou que a presença do trabalho informal em Birigui barateia o custo

da produção e prejudica as empresas que trabalham legalmente, visto que as bancas

podem praticar um preço inferior ao das empresas registradas, já que não pagam

impostos nem encargos trabalhistas. Além disso, há dificuldades para manutenção da

empresa devido à falta de garantias de que haverá uma regularidade de trabalho durante

todos os meses do ano. Assim como ocorre em relação às bancas e aos trabalhadores a

domicílio, a redução nas vendas e a conseqüente queda na produção se refletem

primeiramente no trabalho subcontratado.

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112

Assim como R. M. Pardo, a G. L. Chideroli é micro-empresa sem produção

própria e subcontratada para a execução da etapa do pesponto do calçado. As empresas

contratantes são a Kidy e a Tip Toe.

A J&B é outro caso de empresa subcontratada que também não tem produção

própria, mas diferentemente das duas primeiras, executa também o corte das peças que

serão pespontadas na empresa. As empresas contratantes são a Pampili e a Kidy, que

mantêm um funcionário na empresa somente para cuidar do controle da qualidade.

O proprietário nos relatou que é contratado de forma permanente e que a

vantagem de prestar serviço para duas empresas grandes está na segurança e na certeza

de que a empresa terá um retorno do que está sendo produzido, ou seja, o proprietário

não tem a preocupação com as vendas de sua produção. A desvantagem apontada se

refere ao vínculo de dependência com as empresas contratantes, conforme seu relato:

“se a empresa quebrar eu também quebro”.

A empresa R. E. também se constitui numa subcontratada destas duas empresas

(Pampili e Kidy) e assim como a J&B, executa tanto o corte quanto o pesponto do

calçado. Uma informação adicional relatada por esta última empresa subcontratada é

que o os cabedais produzidos na fábrica são encaminhados para as unidades produtivas,

das respectivas empresas contratantes, localizadas no Mato Grosso do Sul. Como já

apontamos no primeiro capítulo, as empresas locais que montaram unidade produtiva no

Estado do Mato Grosso do Sul, enviam parte dos cabedais produzidos para serem

montados naquele estado, para se beneficiarem das isenções fiscais.

Como representado pela figura 3, o que se verifica por estes exemplos, é que não

se tratam redes horizontais de empresas, mas sim de redes verticalizadas, em que as

empresas maiores comandam as relações de subcontratação.

Na aglomeração produtiva de Franca a terceirização da produção se encontra em

estágio mais avançado. Em 2008, a empresa de calçados Agabê anunciou a demissão de

485 funcionários de sua fábrica de Franca. A empresa que já empregou mais de três mil

funcionários mantém atualmente, uma unidade em Aracati no Ceará com

aproximadamente mil funcionários e segundo o anunciado pela assessoria de imprensa

da empresa, a causa da demissão se refere a uma mudança de gestão na unidade de

Franca. A empresa passará a “licenciar” seus produtos para as empresas menores de

Franca, num modelo parecido com o adotado pela empresa italiana Benetton. A Agabê

de Franca, portanto, cuidará apenas da gestão da marca e comercialização dos produtos,

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113

já que a produção será totalmente terceirizada. O fato interessante, é que esta empresa é

terceiriza pela marca italiana Hugo Boss66

.

Figura 3- Relações verticais de subcontratação

Org: Elaine Cristina Cicero

O exemplo de outra empresa, neste caso uma empresa que subcontrata outras,

evidencia que este processo de terceirização da produção com a descentralização das

etapas produtivas para outras fábricas, gera também uma maior especialização das

empresas envolvidas. A empresa R. Sartori subcontrata toda a etapa de pesponto dos

calçados produzidos pela empresa, mantendo no chão de fábrica apenas as etapas do

corte e da montagem. Um fato que nos chamou atenção nesta empresa, foi a presença de

maquinários modernos na sessão da montagem, que geralmente não encontramos em

outras empresas de pequeno porte. Nosso entrevistado relatou que o fato da empresa

subcontratar a etapa do pesponto, facilita a concentração de investimentos em

maquinários para as etapas de produção realizadas pela empresa.

Outro exemplo, neste caso de uma empresa subsidiária é o da M.A Enfeites. A

empresa adquiriu em 2009 uma máquina de corte a laser de material acrílico, mdf,

sintéticos e couros e ao mesmo tempo em que realiza o corte, realiza também vários

tipos de gravações, como feito pelas máquinas de alta frequência. Pelo seu alto custo,

não encontramos nenhum exemplar desta máquina nas empresas de calçados que

visitamos. Trata-se de uma máquina computadorizada que scannea a matéria-prima e

executa o corte automaticamente, com precisão milimétrica. De acordo com o relato do

empresário, publicado na página da Assintecal67

, este equipamento é o único modelo

66Notícia consultada em 06/02/2008, In: http://www.estadao.com.br/noticias/economia,fabrica-de-

calcados-de-franca-demite-485-pessoas. 67In: http://ww3.assintecal.org.br, publicado em: 16/12/2009.

Empresa subcontratante

Empresas subcontratadas

Profissionais a domicílio

Bancas

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114

fabricado no mundo dotado de visão artificial, que possibilita a intervenção do operador

somente para a programação dos parâmetros de economia de matéria-prima.

Neste caso, as economias de localização são consideradas economias de tipo

“pecuniário”, já que os processos de especialização entre diferentes empresas no interior

do ciclo produtivo podem implicar numa redução dos custos pagos pelos insumos

(Looty e Szapiro, 2002 p.55) Por conseguinte, esta eficiência conjunta se reflete em

vantagens de competitividade, o que pode elevar os casos de experiências de

crescimento e uma diminuição às barreiras de entrada, já que as vantagens localizadas

possibilitam a atração e criação de novas empresas (Camagni, 2000, p. 50).

Além disso, Camagni (2000, p.51) explica que a criação de uma cultura

industrial difusa, ou nas palavras de Marshall, de uma “atmosfera industrial”, pode

orientar tanto a escolha das combinações tecnológicas e organizativas mais eficientes,

como, determinar um processo inovativo mais rápido e uma difusão do progresso

técnico mais veloz no interior do distrito industrial. De certa forma, ocorre uma redução

das incertezas quanto aos investimentos em tecnologia e aos modos de organizar a

empresa, devido à intensidade dos contatos e de troca de informações no interior da

aglomeração, mas também pelas demandas por serviços especializados geradas pelo

volume de produção no interior da aglomeração.

3.4 - A presença do trabalho informal: os trabalhadores a domicílio e as bancas

A partir do relato de uma trabalhadora a domicílio que tivemos oportunidade de

entrevistar durante nosso trabalho de campo, pudemos entender um pouco como

funcionam os contratos informais entre estes profissionais e as empresas que os

contratam. Esta trabalhadora costura as palmilhas dos calçados em sua casa, com uma

máquina cedida pela empresa contratante, e para cada par de palmilhas costurado ela

recebe R$ 0,10. Sua produção diária varia entre 1.500 a 2.000 e para atingir esta

produção ela inicia sua jornada de trabalho às seis horas da manhã e segue trabalhando

até as nove horas da noite, com interrupção de uma hora e trinta minutos divididos entre

o período do almoço e do jantar, ou seja, apenas quarenta e cinco minutos para cada

uma das refeições, totalizando treze horas e trinta minutos de trabalho por dia. Esta

rotina é comum nos períodos de alta produtividade para a empresa, já nos períodos de

queda na produção, a empresa reduz a produção primeiramente dos subcontratados,

concentrando-a no chão de fábrica, onde estão os trabalhadores com contrato de

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115

trabalho formal e que recebem seus salários independentemente das variações de vendas

da empresa. Para essa trabalhadora, o trabalho a domicílio é compensador, como ela nos

relatou: Compensa trabalhar em casa, mesmo sem direitos, mesmo ficando o mês de

julho parada e sem ganhar. Na fábrica eu não ganhava nem R$ 800,00, em casa só nos

meses de janeiro e fevereiro deste ano eu recebi R$ 3.000,00 (R$ 1.500,00 ao mês).

Verificamos, portanto, que as empresas localizadas na aglomeração produtiva

de Birigui, além de contar com mão-de-obra especializada, contam também com uma

mão-de-obra disposta a abrir mão de seus direitos trabalhistas, trabalhar mais horas por

dia em troca de uma remuneração aparentemente melhor. A nosso ver, o baixo salário

pago pelas fábricas de calçados de Birigui (como já destacamos no primeiro capítulo)

contribui para a presença de trabalhadores dispostos a trabalhar na informalidade.

Os dados da tabela 7 corroboram nossa afirmação, visto que nos anos de 2000 e

2006 a média salarial para os empregos formais no setor industrial da cidade foi inferior

a todos os outros setores da economia. A média salarial do emprego formal no setor

industrial de Birigui, nos referidos anos, também foi inferior em comparação a média

salarial dos empregos formais em todos os outros setores da economia, inclusive o setor

industrial, tanto na Região Administrativa de Araçatuba, quanto no Estado de São

Paulo.

Em situação pior se encontram os trabalhadores das bancas subcontratadas pelas

empresas locais, que, assim como os trabalhadores informais a domicílio, estão na

ilegalidade. Dada a situação de ilegalidade deste tipo de subcontratação, nenhuma

empresa admitiu subcontratar este tipo de trabalho. A prefeitura municipal também não

tem controle da quantidade de bancas existentes na cidade. Devido à dificuldade de

acesso, não foi possível visitar nenhuma banca local, por isso, as informações aqui

relatadas se baseiam em conversas com algumas pessoas da cidade68

, em particular de

trabalhadores das fábricas que já há trabalharam em bancas e também com a presidente

do Sindicato dos Sapateiros de Birigui.

68 O fato de termos familiares na cidade trabalhadores das fábricas de calçados e bancas locais facilitou

nosso acesso às informações.

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116

Tabela 7- Rendimento médio do emprego formal por setores de atividade econômica-

Birigui, Região Administrativa de Araçatuba e Estado de São Paulo.

Birigui

Região

Administrativa de

Araçatuba

Estado de São Paulo

Setores da

economia 2000 2006 2000 2006 2000 2006

Agropecuária 605,43 771,96 639,03 786,75 606,97 701,54

Comércio 692,41 702,42 716,72 739,92 1.028,16 1.007,85

Construção

Civil 804,24 828,93 833,44 742,30 1.114,52 1.043,45

Indústria 601,89 666,92 719,93 741,40 1696,85 1698,00

Serviços 973,48 959,34 1.091,81 1.116,95 1.672,86 1557,85

Fonte: Fundação Seade/ Valores em reais correntes

Geralmente, as bancas se localizam em lugares improvisados, muitas vezes em

um cômodo da casa do dono da banca. A etapa de produção do calçado mais comum de

se encontrar nas bancas é o pesponto e a parte de enfeites dos calçados. Há também

bancas para o corte de material, no entanto é menos comum, visto que o balancim é uma

máquina pesada e na maioria das vezes as casas não têm estrutura para abrigar máquinas

deste porte.

No entanto, o modo como funciona o “arranjo produtivo” feito entre os donos de

banca e os donos de empresas é chamativo. Como no trabalho a domicílio, não há

nenhum acordo ou contrato que garanta uma quantidade mínima de trabalho que a

empresa deva repassar para as bancas. Por isso, as oscilações no mercado são sentidas

primeiramente pelos estes trabalhadores informais, como podemos notar pelo relato da

nossa entrevistada, no mês de julho quando tipicamente há queda na produção das

fábricas, ela não tem trabalho.

Os donos de banca são os articuladores entre a empresa e os trabalhadores

informais. São eles que retiram as partes de calçados correspondentes à etapa

terceirizada e repassam aos trabalhadores de sua banca. Como no trabalho a domicílio,

tanto o dono quanto os trabalhadores das bancas são remunerados de acordo com a

produção, já que a empresa paga por par produzido. Todavia, os trabalhadores de bancas

recebem ainda menos que os trabalhadores a domicílio, porque o dono da banca se

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117

constitui num “atravessador” que retém um percentual para si do valor pago pela

empresa por par produzido.

Como nos informou a presidente do Sindicato, Milene Rodrigues, de acordo com

a legislação trabalhista o dono de banca não é considerado como um empresário,

portanto, quem responde judicialmente por esta prática é o dono da empresa contratante.

Segundo seu relato, se um dono de banca deixa de pagar um funcionário, ou se por

acaso acontece um acidente com o trabalhador, o sindicato aciona a empresa-mãe, ou

subcontratante, que além de ser multada deve cumprir com todas as obrigações

trabalhistas. Apesar das fiscalizações feitas pelo sindicato em conjunto com os fiscais

do Ministério do Trabalho, a prática de subcontratação de bancas é muito comum nas

fábricas de Birigui. Vale ressaltar também, que as bancas não estão presentes somente

no município de Birigui. Na maioria dos municípios vizinhos, como Coroados, Bilac,

Buritama e Gabriel Monteiro, existem bancas subcontratadas pelas empresas de Birigui,

o que dificulta ainda mais a fiscalização.

3.5 - A presença de mão-de-obra especializada

No que se refere à presença de mão-de-obra especializada, encontram-se neste

fator economias externas (externalidades) tanto de localização quanto de urbanização.

Primeiramente, porque as empresas podem contar com a presença de trabalhadores

especializados nas diversas etapas do processo produtivo do calçado, como

pespontadeiras e montadores, assim como trabalhadores especializados em funções

gerenciais e administrativas.

A presença de mão-de-obra especializada representa economias para as

empresas localizadas em aglomerações produtivas, como a de Birigui, na medida em

que há uma redução de custos para a qualificação e o treinamento destes profissionais

que ocorrem na maioria dos casos de forma exógena. Isso ocorreria devido à presença

de instituições dedicadas ao treinamento da mão-de-obra, mas também, pela presença de

um grande número de profissionais que já possuem experiências de trabalhos anteriores

e, portanto já são especializados em determinada função.

Representa também economias de urbanização porque como aponta Camagni, a

cidade se configura numa “incubadora dos fatores produtivos”, visto que é na cidade

que se concentra a população e, portanto é onde estão concentrados os trabalhadores.

Além da presença de mão-de-obra especializada na cidade de Birigui, verifica-se um

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118

fluxo diário de trabalhadores das cidades da região, o que mostra que as economias

externas estão para além dos limites físicos da cidade. Não há registro do total de

trabalhadores de outros municípios que trabalham nas fábricas de Birigui e apesar de

tentarmos obter esta informação nas fábricas que visitamos, os entrevistados tiveram

dificuldade em informar o número de trabalhadores da empresa que residiam em outro

município. Souza (2004) relata com base em dados fornecidos pelo SICVB69

que em

2001 vinham diariamente trabalhar na cidade aproximadamente 2.800 trabalhadores. O

jornal Folha da Região70

publicou em 2007 uma pesquisa realizada pelo próprio jornal,

junto aos municípios da micro-região administrativa de Birigui, em que constata que

diariamente partem destes municípios aproximadamente 80 veículos entre ônibus,

micro-ônibus e vans, em direção ao município de Birigui. Segundo estimativas feitas

pelo número de assentos nos ônibus, esta população flutuante que viaja diariamente para

trabalhar já ultrapassou 3.000 pessoas. Durante nosso trabalho de campo, conversamos

com alguns motoristas destes ônibus e nos foi relatado que os veículos partem destas

cidades com um número de passageiros superior à capacidade do número de assentos. O

que supõe que o número estimado pode ser ainda maior, visto que muitos trabalhadores

acabam viajando em pé.

O crescimento do setor industrial desde a década de 1980 foi acompanhado pelo

aumento populacional na cidade. Como podemos observar pelos dados apresentados na

tabela 8, a taxa de crescimento populacional de Birigui superou a de Araçatuba,

principal núcleo urbano da região. A atração que a aglomeração de indústrias exerce na

região foi matéria no jornal O Estado de São Paulo por volta de 1990, quando

aproximadamente 2 mil famílias migraram para Birigui, fato este que foi retratado pelo

jornal como o fenômeno de “Birinópolis”, uma junção de Birigui com Rinópolis

(Vedovotto, 1996, p.33). Conferimos os dados populacionais de Rinópolis e de fato este

município vem perdendo população. Segundo dados do IBGE, na década de 1980 havia

no município de 15.227 habitantes, no último censo sua população não alcançou 10.000

habitantes.

69 Cabe ressaltar não obtivemos êxito nas tentativas de falar com os dirigentes do SICVB, nem

pessoalmente nem via e-mail. 70 Matéria publicada em 26/09/2008 e consultada no site: www.folhadaregiao.com.br/noticias.

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119

Tabela 8 - População

Município População

1980 1990 1 2000 2 2010 3

Araçatuba 128.867 156.197 1,93 169.087 1,19 178.927 0,71

Birigui 50.580 72.165 3,6 94.098 2,6 108.479 1,45

Fonte: Fundação Seade, 2010.

1-Taxa Geométrica de crescimento da população entre 1980-1991.

2- Taxa Geométrica de crescimento da população entre 1991-2000.

3- Taxa Geométrica de crescimento da população entre 2000-2010.

A atração de mão-de-obra exercida pelas fábricas de calçados de Birigui foi

notícia também no New York Times71

, intitulada “Por emprego, brasileiros abandonam

suas cidades.” A matéria relata o exemplo de um casal que residia na cidade de São

Paulo, e que decidiu mudar para Birigui, em busca de emprego nas fábricas de calçados

da cidade. Cabe ressaltar, que se trata de pessoas com formação em nível superior e que

migraram para a cidade para ocupar cargos administrativos. É assunto da mesma

matéria, a interiorização das ofertas de emprego no país, que de acordo com dados

publicados pelo Ministério do Trabalho, nos sete primeiros meses de 2004, mais de 70%

dos postos de trabalho gerados foram em pequenas e médias cidades do país. Assim,

além da formação de uma reserva de mão de obra especializada e uma acumulação

localizada de competência técnica através de processos de “aprendizagem coletiva”, a

aglomeração também atrai trabalhadores, especializados ou não, de outras localidades.

Cabe aqui fazer um parêntese, para lembrar que no começo da década de 1970,

quando a aglomeração de indústrias ainda estava se formando, o emprego de menores

de idade nas fábricas de calçados correspondia aproximadamente a 30% da mão-de-obra

total. O emprego de mão-de-obra infantil não era visto como um problema na cidade e

nem mesmo pelo próprio autor que relata o fato da seguinte forma:

A utilização de menores, em cerca de 30% da mão-de-obra, é outro

aspecto de fundamental importância desta atividade. O seu

aproveitamento vem de encontro aos anseios da cidade, que observa o menor sendo encaminhado no trabalho e no aprendizado, adquirindo

uma profissão. Com isto, definem-se faixas salariais, de acordo com a

capacidade de trabalho de cada um, permitindo o seu auxílio na

71 Título da matéria: For Jobs, Brazilians Forsake Their Cities, by Todd Benson, Publicado em 23 de

setembro de 2004.

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120

elevação da renda familiar e a sua fixação na cidade (Zampieri, 1976,

p. 205).

Em algumas fábricas o emprego da mão-de-obra de menores atingia até 65% do

total de empregados, como foi o caso das empresas Avac e Ibelca. O discurso era que

assim, se estava contribuindo para o futuro destes menores empregados e formando

mão-de-obra especializada para as fábricas da cidade. O fato é que o crescimento do

setor calçadista em Birigui, também ocorreu à custa da exploração da mão-de-obra de

menores e feminina, consideradas mais apropriadas para o trabalho nas fábricas devido

ao seu baixo custo. Atualmente, a ausência de menores na produção dos calçados se

tornou uma estratégia de marketing para as empresas, através de selos que atestam esta

ausência, como o Abrinq- Empresa Amiga da Criança e o Instituto Pró-criança de

Birigui.

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121

3.5 - A localização das fábricas e o ambiente construído

A paisagem de Birigui é marcada desde a década de 1980, quando o setor

calçadista se consolida na cidade, pela intensa presença da atividade industrial em meio

às casas e prédios comerciais. De um modo geral, conforme representado pelo mapa 10

as fábricas de calçados estão distribuídas de forma aleatória no tecido urbano,

apresentando, entretanto, alguns pontos de concentração.

Santos (2004) explica que o estudo da divisão territorial do trabalho pode ser

realizado de duas maneiras: a primeira se refere à análise das divisões do trabalho que

se sucederam no tempo, contemplando suas causas e conseqüências, assim como, os

lugares de sua incidência; a outra forma consiste no reconhecimento no espaço de

divisões do trabalho sobrepostas ao mesmo tempo. A nosso ver, esta última forma, nos

indica um caminho possível de explicação da distribuição das fábricas de calçados na

cidade de Birigui. Nas palavras do autor:

Lembremo-nos em primeiro lugar, de que cada momento histórico

muda a divisão do trabalho. É uma lei geral. Em cada lugar, em cada

subespaço, novas divisões do trabalho chegam e se implantam, mas sem exclusão da presença dos restos de divisões do trabalho

anteriores. Isso aliás, distingue cada lugar dos demais, essa

combinação específica de temporalidades (p.136).

É a permanência no espaço construído de restos de uma divisão do trabalho

anterior que Santos (2004) chama de rugosidades do espaço. Ao considerarmos o

espaço construído na escala da cidade, podemos notar na paisagem urbana de Birigui

como as permanências de uma divisão do trabalho anterior se combinam e influenciam

a divisão do trabalho atual. Claro que estão presentes na cidade outras atividades e

setores com suas lógicas próprias de localização, também influenciadas pelas

permanências da divisão do trabalho anterior, como é o caso da fábrica de móveis da

Fimap, que ocupa hoje um dos barracões pertencentes à antiga agroindústria Anderson

Clayton. No entanto, para nossa pesquisa interessa saber os fatores relacionados à

distribuição dos estabelecimentos industriais fabricantes de calçados na cidade.

Primeiramente, cabe lembrar, como já dito no capítulo anterior, que a presença

de indústrias no município de Birigui esteve relacionada, num primeiro momento, à

grandes instalações industriais de empresas ligadas ao beneficiamento de produtos

agrícolas (principalmente do algodão), como a Anderson Clayton e a Biol (as outras

agroindústrias, apenas beneficiavam a matéria-prima no município). Atualmente,

percebe-se que as instalações destas antigas agroindústrias e os armazéns localizados no

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antigo leito da ferrovia NOB (Noroeste do Brasil) abrigam hoje novas atividades, em

particular a indústria de calçados que é predominante na cidade.

Como podemos notar pelo mapa 10 alguns pontos de concentração de

estabelecimentos industriais fabricantes de calçados se constituem em locais onde

anteriormente funcionavam agroindústrias, como é o caso de parte do terreno que

pertenceu a Anderson Clayton, que foi loteado para a formação de três bairros: o Parque

Residencial Nelson Calixto; e os bairros Jardim Klayton e Vila Industrial localizados

mais ao sul da malha urbana que, como podemos perceber, abrigam inúmeras fábricas

de calçados. As instalações da antiga Biol, foi repartida formando um conjunto de box

que hoje abriga a Incubadora de Empresas do Sebrae. Verifica-se, também, que ao

longo do antigo leito da ferrovia NOB permaneceram alguns galpões típicos de estações

ferroviárias que atualmente também abrigam fábricas de calçados. Resumidamente,

tratam-se de exemplos de como o ambiente construído ao longo do tempo, reflete a

presença de divisões do trabalho anteriores e exerce influência na divisão do trabalho

atual: espaços que abrigaram a atividade ligada à agricultura no passado, hoje abrigam

inúmeras indústrias de calçados.

Além da influência de uma divisão do trabalho anterior, buscamos atentar

também para as características intrínsecas à indústria calçadista de Birigui. Para

entendermos a forma como está distribuída as fábricas de calçados na cidade, ao

observar os mapas 10 e 11, podemos relacionar a distribuição das fábricas com alguns

processos que fazem parte da história do setor calçadista na cidade.

Atualmente, as indústrias de calçado de Birigui encontram-se, em sua grande

maioria, ao redor do centro da cidade, apresentando em sua distribuição, algumas

especificidades que nos remete ao processo histórico e a gênese das indústrias de

calçado na cidade. Em sua origem, grande parte dessas indústrias começaram a operar

em instalações precárias, geralmente em casas que tiveram seus cômodos adaptados à

produção. Posteriormente, – conforme o desenvolvimento da empresa – ampliavam as

instalações com a anexação de terrenos ou casas vizinhas, até que a empresa acumulasse

o capital necessário para a construção de instalações adequadas ou tivesse condições

financeiras de alugar um barracão maior. Esse itinerário, seguido por muitas indústrias e

a ausência de um zoneamento específico na cidade para a localização da atividade

industrial, fizeram com que as fábricas se espalhassem por praticamente todos os bairros

da cidade, como podemos observar pelo mapa 10.

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123

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124

Como mostra o gráfico 10, constatamos em nossa pesquisa que o principal

motivo para mudança de endereço das fábricas de calçados é a necessidade por maior

espaço físico. Verificam-se basicamente, que as empresas suprem esta necessidade de

duas formas: uma delas é a aquisição de imóveis e terrenos vizinhos e contíguos à

empresa, como fez a Bical, que desde sua fundação na década de 1960 não mudou de

endereço, ampliondo suas instalações anexando áreas adjacentes à empresa; a outra

forma, é a construção de um novo prédio em outro ponto da cidade, como foi o caso da

empresa Tip Toe que nos últimos anos transferiu boa parte de sua atividade produtiva

do centro para as proximidades da rodovia Dep. Roberto Rolemberg, a NE da cidade.

Essa necessidade de expansão do espaço físico, suprida com os sucessivos

investimentos em instalações feitos pelas empresas ao longo dos anos, fez com que o

espaço construído da cidade se configurasse em uma economia de localização

específica da aglomeração industrial de Birigui. A disponibilidade de imóveis na

cidade, capazes de abrigar a atividade produtiva do calçado ou outras atividades,

possibilita às empresas (principalmente para micro e pequenas) que aluguem seus

galpões, sem ter assim, a necessidade de imobilizar parte de seu capital nas instalações

para iniciar a atividade produtiva ou mesmo ampliar seu espaço físico.

54

3

10

33

Gráfico 10- Motivos da mudança de endereço no

município (%)

Necessidade de maior espaço físico

Aquisição de prédio próprio

Outros motivos

Não mudaram

Fonte: Pesquisa de Campo Data: 05/2009

Elaboração: Elaine Cristina Cicero

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125

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126

Ao compararmos os pontos que localizam os antigos endereços das empresas

pesquisadas no mapa 11, com a distribuição das empresas no mapa 10, percebemos que

os antigos endereços das empresas pesquisadas já estão ocupados atualmente por outras

empresas. A empresa Thiox (nº15 na figura), por exemplo, ocupava o galpão que

atualmente abriga a empresa Camila Peres (nº29 na figura).

Percebe-se ainda, uma concentração de empresas no bairro Silvares (onde estão

localizadas as empresas, 3- Ortopasso, 4- Finobel-, 14- Só Baby, 17- Sposito) e em suas

proximidades. Zampieri (1976) já havia identificado em sua pesquisa que em 1972 o

bairro Silvares era um dos que abrigava um maior número de trabalhadores das fábricas

de calçados. O autor atribui este dado ao fato de que na época este bairro72

, vizinho à

área central da cidade onde se localizam a maior parte das fábricas de calçados,

abrangia uma área maior se comparado a outros bairros e, por isso, concentrava maior

população e continha, na época, duas fábricas de calçados.

Dessa forma, verifica-se que a distribuição das fábricas de calçados na cidade é

resultado de um processo histórico de construção do espaço, em que as lógicas de

divisões do trabalho anteriores influenciam e se combinam com as novas lógicas de

divisão do trabalho.

72 Juntamente com o bairro Silvares, Zampieri cita também o Bairro Alto, Vila Xavier e Santo Antonio.

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Caixa 3- Elaboração cartográfica

A base cartográfica utilizada para elaboração do mapa foi conseguida junto à

Prefeitura Municipal de Birigui. Realizamos algumas modificações, visto que para a

escala na qual pretendíamos trabalhar, a base continha informações em excesso (nome

de todas as ruas, divisão da malha urbana por setores, dentre outras informações). A

prefeitura também disponibilizou uma lista das indústrias de calçados cadastradas, com

razão social, endereço e telefone. Devido à impossibilidade de averiguar in loco cada

uma das indústrias relacionadas na lista, utilizamos algumas ferramentas alternativas

para atingir nosso objetivo. Com auxílio dos mapas presentes na lista telefônica do

município, juntamente com a relação das ruas e das coordenadas para a localização das

mesmas na malha urbana, foi possível localizarmos os endereços de cada uma das

indústrias relacionadas, em nossa base cartográfica. Para localizarmos com maior

precisão a posição das indústrias na rua, utilizamos ainda as imagens de satélite da

cidade de Birigui fornecidas pelo GoogleEarth, onde foi possível identificarmos a

posição mais provável da fábrica na rua. Como podemos notar pela imagem abaixo, é

possível distinguir os telhados de construções residenciais daqueles das construções

destinadas a abrigar uma atividade produtiva, por exemplo.

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Para traçarmos o antigo leito da Ferrovia Noroeste do Brasil na base cartográfica

de Birigui (que não estava presente na base fornecida pela prefeitura), nos baseamos nos

mapas apresentados por Zampiere (1976), com a malha urbana no ano 1972, onde o

autor localiza o leito da ferrovia cruzando a cidade. No entanto, com a expansão do

tecido urbano e com a cobertura dos trilhos com asfalto, atualmente não é mais possível

identificá-lo, a não ser pelo formato em curva de alguns quarteirões da cidade que

indicam que por ali passava a ferrovia.

O terreno pertencente à antiga agroindústria Anderson Clayton, foi identificado e

delimitado com a ajuda de informações coletadas junto à Prefeitura Municipal de

Birigui, mais especificamente, com o auxílio de um funcionário da Secretaria de Obras

do município, o Sr. Milton Nunes que nos forneceu as informações em detalhes.

Vale lembrar que para elaboração do mapa foi utilizado o software Corel

Draw®, visto que a base que nos foi fornecida não é geo-referenciada, por isso os

pontos localizados podem conter algumas distorções. Por outro lado, acreditamos que

com a utilização das ferramentas descritas acima foi possível manter o rigor das

informações representadas.

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129

3.6 - Empresas fornecedoras e os fluxos de matérias-primas e insumos

Nos itens anteriores, buscamos analisar as relações de produção que se

estabelecem horizontalmente, num espaço contíguo, mas que não se restringem aos

limites administrativos do município de Birigui. O fluxo diário de trabalhadores dos

municípios vizinhos; a presença de indústrias de calçados nos municípios da Região

Administrativa de Araçatuba; as relações de subcontratação tanto de empresas com

CNPJ como a subcontratação de trabalho informal que também extrapolam os limites

do município; enfim, os arranjos e as relações de produção possibilitados pela presença

de recursos e de diversos fatores produtivos localizados, se configuram em

interdependências que se estabelecem horizontalmente no espaço.

Neste sentido, a presença em Birigui de empresas fornecedoras deve ser

entendida num contexto maior de divisão territorial do trabalho. Como apontou Santos,

com o desenvolvimento das técnicas os lugares se especializaram, de forma que o lugar

não precisa mais produzir tudo o que necessita para o consumo local. Atualmente, ainda

segundo Santos (2008), a noção clássica de rede urbana passou a ser relativizada pois

uma cidade nem sempre pode não manter intercâmbios de compra e venda com as

cidades vizinhas, mas pode, por outro lado, manter este tipo de relação com outras

localidades distantes fisicamente. As novas tecnologias da comunicação e da

informação possibilitam a conexão imaterial entre pontos distantes, possibilitando à

estes locais, por vezes com uma estrutura urbana incompleta, o acesso à serviços

especializados, sem que com isso haja incidência de custos de transporte adicionais, ao

custo final do serviço ou produto.

Os dados que coletamos sobre os fluxos de matérias-primas e insumos, na

aglomeração produtiva de Birigui torna evidente que também perpassam por este espaço

produtivo relações que se estabelecem verticalmente, ou seja, entre espaços

descontínuos. De acordo com Santos (2001),

Enquanto as horizontalidades são, sobretudo, a fábrica da produção propriamente dita e o lócus de uma cooperação mais limitada, as

verticalidades dão, sobretudo, conta dos outros momentos da produção

(circulação, distribuição e consumo), sendo veículo de uma

cooperação mais ampla, tanto econômica e politicamente, como geograficamente (p.284).

Dessa forma, os circuitos da produção não se estabelecem apenas regionalmente,

visto que com as especializações regionais se verifica um aumento dos diversos tipos de

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fluxos, de diferentes intensidades e direções (Santos, 2008). De acordo com o autor, os

circuitos espaciais da produção correspondem às diversas etapas pelas quais passaria um

produto até o mercado consumidor. Analisar a espacialização da produção do calçado

não se constitui tarefa fácil, já que demandaria uma pesquisa mais aprofundada, com

dados mais abrangentes e detalhados, que nesta pesquisa não foi possível contemplar.

No entanto, os dados que conseguimos coletar em campo e numa fonte de dados

secundária (Secex) nos possibilita entender a dimensão e abrangência do circuito

espacial da produção do calçado de Birigui.

Para termos um critério de comparação, agregamos em nossa análise os dados

sobre a origem das matérias-primas e insumos usados na fabricação do calçado em

Birigui, coletados por Zampieri (1976) no início da década de 197073

. O que se busca é

identificar como as mudanças na divisão territorial do trabalho, verificadas

principalmente a partir da década de 1970, e as mudanças na produção do calçado

verificadas em Birigui ao longo dos anos, reordenaram os fluxos de matérias-primas e

insumos.

No início da década de 1970 o principal material utilizado na fabricação do

calçado em Birigui ainda era o couro, fornecido na maior parte, por curtumes

localizados no interior do Estado de São Paulo. Na pesquisa de Zampieri, todas as

empresas citaram como principais fornecedores os curtumes Leão e Cantagalo,

localizados no município de Penapólis, e o curtume Leal Figueiredo localizado em

Presidente Prudente. Em menor intensidade, havia outros municípios que também

forneciam couro para as fábricas de Birigui, dentre eles: Andradina, Campinas, São

Paulo, Lins, Catanduva, Fernandópolis, Franca, entre outros. Fora do Estado de São

Paulo também havia alguns fornecedores, sendo que os principais eram o Rio Grande

do Sul e Santa Catarina, seguidos por Minas Gerais, Bahia e Paraíba, estes últimos com

menor importância (Zampieri, 1976 p. 152).

Com exceção do couro que era majoritariamente proveniente do interior do

Estado de São Paulo, os outros insumos e matérias-primas utilizados pelas fábricas eram

originários da cidade de São Paulo, que na época ainda era um importante centro

produtor de calçados e por isso centralizava uma série de empresas fornecedoras,

73 Cabe ressaltar que assim como em nossa pesquisa, Zampieri relatou que houve dificuldade em coletar

os dados sobre o volume de matérias-primas e insumos, pois as empresas se limitaram a citar os locais de

origem e o nome das empresas fabricantes. No entanto, nem todas as empresas responderam este

questionamento, algumas por não saber e outras por que não acharam conveniente disponibilizar este tipo

de informação.

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atacadistas e depósitos dos principais fabricantes do país. Ora, mais de 30 anos depois,

nenhuma das empresas fornecedoras da cidade de São Paulo citadas por Zampieri,

foram mencionadas pelas fábricas em nossa pesquisa. No interior do estado, a cidade de

São José do Rio Preto, fornecia caixas de papelão ondulado (caixas coletivas), que na

época ainda não era fabricado em Birigui. A cidade de Franca nos anos 1970 já possuía

uma estrutura de atendimento às demandas locais e por isso fornecia vários produtos

para as fábricas de Birigui, dentre os quais: saltos de borracha fabricados pela

Amazonas e produtos químicos fabricados pela empresa Santa Mônica (haviam também

outras empresas fornecedoras de menor importância como a MSM fabricante de saltos

de borracha, a Noronha fabricante de colas e a Lustrofix fabricante de tintas).

Na cidade de Birigui haviam apenas quatro empresas fornecedoras que

fabricavam componentes para as fábricas de calçados, eram elas: a cartonagem Jofer; a

Pérola saltos de madeira; a Petrilli & Oliveira artefatos de borracha; a Fiargo produtora

de artefatos de metal (estas duas últimas empresas participavam com menor

importância). Entre os anos de 1966 a 1979, Souza (2004) identificou com base em

dados da prefeitura, que 12 empresas iniciaram a atividade de fornecedores de

componentes, máquinas e insumos para a indústria calçadista. De acordo com o autor,

três eram produtoras de colas e solventes (Kicola, Quimisinos e Brasquímica), duas

eram produtoras de saltos e solados (Saltos Lindesa e Saltos Montoro), uma fornecedora

de couro (Couros Atlântica) e um representante das máquinas POPPI de Franca (p.26).

Zampieri também identificou em sua pesquisa que de um modo geral, os

principais fornecedores das fábricas de Birigui se concentravam no Estado de São Paulo

numa distância máxima de 500 km. Neste sentido, convém destacar que mesmo os

curtumes da região Sul do país mantinham depósitos na capital paulista.

Como vimos no capítulo anterior, a década de 1980 foi a mais significativa para

a indústria de calçados de Birigui, o crescimento do número de estabelecimentos foi

acompanhado por um aumento no número de empresas fornecedoras, na maioria

representações de fabricantes de outras localidades. Das 41 empresas que iniciaram suas

atividades em Birigui na década de 1980, apenas 7 eram fabricantes de produtos

subsidiários, sendo 2 fabricantes de facas para calçados e 5 fabricantes de formas,

matrizes e injetados para calçados. Da mesma forma, na década de 1990 o número de

empresas se ampliou ainda mais, seguindo a mesma tendência da década anterior: a

maioria das empresas instaladas nesta década também era majoritariamente de

fornecedores (Souza, 2004, p. 46).

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Com efeito, pelo exposto, as economias externas geradas na aglomeração

produtiva de Birigui, pela especialização de empresas no interior do ciclo produtivo do

calçado, ocorreu muito mais pela presença de fornecedores e representantes de

fabricantes de componentes para calçados sediados fora do aglomerado.

Ao longo da pesquisa não foi possível identificar a quantidade de produto

comprados em cada empresa, por isso não definiremos aqui a densidade dos fluxos, mas

sim sua diversidade. De um modo geral constatamos que as origens dos produtos

comprados pelas empresas de Birigui são bastante diversas: 6 compram matérias-primas

e insumos somente na cidade, sendo que destas 3 são micro-empresas e 3 empresas de

pequeno porte; 2 compram na cidade e no Estado de São Paulo, ambas micro-empresas;

2 empresas compram na cidade e em outros estados, ambas empresas de pequeno porte;

10 compram na cidade, no Estado de São Paulo e em outros estados, sendo que destas, 6

são empresas de pequeno porte, 3 são micro-empresas e 1 empresa de médio porte; 3

compram na cidade, no Estado de São Paulo, em outros estados e em outros países,

destas, 1 é de grande porte (a outra empresa de grande porte não respondeu esta parte do

questionário) e duas são empresas de médio porte; o restante das empresas não

responderam ao questionamento, 3 porque são subcontratadas e praticamente não

compram material e 4 porque não quiseram responder.

Diante destes dados podemos apontar que: a) as empresas que restringem suas

compras somente às empresas fornecedoras localizadas na cidade são as empresas de

pequeno porte e as micro-empresas; b) as empresas de pequeno porte e as micro-

empresas não compram matérias-primas e insumos fora do país; c) quanto maior o porte

da empresa mais vasto é seu mercado de compra (os dados da tabela 9 sobre a

importação das empresas calçadistas corroboram nossa afirmação).

Em comparação com a década de 1970, verifica-se que houve um aumento

significativo das empresas fornecedoras, assim como de fabricantes74

, tanto no que diz

respeito à quantidade de empresas quanto na diversidade de produtos fabricados. Como

podemos ver pelo quadro 2, entre os fabricantes locais predomina a fabricação de

etiquetas, fivelas, , dublagens, alta freqüência, emborrachados, palmilhas, solados

injetados etc.

74 Estamos considerando como fabricantes todas as empresas que agregam valor a uma matéria-prima por

meio de transformação industrial.

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Quadro 2- Fabricantes de insumos e matéria-prima localizados em Birigui, citados

pelas empresas pesquisadas - 2009

Fabricantes em Birigui Matérias-prima e insumos

Alpem solados

Arco-Íris embalagens

Birikraft embalagens

Birimoldes biqueiras

Calmart (3)* palmilhas, espumas, tecido, não tecidos, EVA,

plantex (material para palmilhas) , dublagens

CCR emborrachados e alta frequência

Coletiva embalagens

Conforma palmilhas

EG injetados

Fiveltec (3)* fivelas e metais em geral e plásticos (enfeites,

fivelas, fechos etc)

Fortflex palmilhas

Injetar (2)* com filial em

Campina Grande-BA solados, cabedais, injetados e emborrachados

Irmãos Montoro saltos

JLM (3)* matrizes e injetados

JR (5)* dublagens

KL matrizes para injetados

Linhanil linhas

MA enfeites

Palmishoes palmilhas

Paquinho injetados

RA emborrachados

Sigma etiquetas Fonte: Dados coletados durante o trabalho de campo em maio de 2009.

*Número de vezes que foi citado.

Os representantes de produtos fabricados por empresas sediadas em outros

municípios, citados pelas empresas pesquisadas, estão apresentados no quadro. Em

consulta ao Guia Calçadista75

, a lista de fornecedores locais ultrapassou em 2010 o

número de 300 unidades. Cabe ressaltar que os tipos de empresas que compõem esta

lista é bastante diversificado, contemplando desde as transportadoras com escritório na

cidade até as empresas cujas atividades estão diretamente relacionadas à produção do

calçado. Confrontando esses dados com os apresentados por Zampieri no início da

década de 1970, não há dúvidas que houve um aumento da especialização na produção

75 Uma publicação anual, em forma impressa e eletrônica, mantida pelas empresas locais, In:

http://www.guiacal.com.br/fornecedores.htm.

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de calçados, não somente pelo aumento do número de empresas fornecedoras, mas

também, por todos os outros fatores apontados nos itens anteriores.

Quadro 3 - Empresas que comercializam componentes e máquinas para a fabricação

do calçado- Birigui-SP-2009

Representantes Produto comercializado

Alves componentes

Anderson componentes

BRC componentes

Broli componentes

Criléia componentes

FCC elastômeros termoplásticos

Flor de Lis componentes

Fromaq Máquinas, peças, assistência técnica

Galera componentes

Incal componentes

Jauplast componentes

José Bento Máquinas, metais e ferramentas

Stylo componentes Fonte: Trabalho de campo Data:maio de 2009.

No que se refere aos fornecedores localizados fora da aglomeração produtiva,

percebe-se que houve algumas mudanças e permanências referentes tanto à nova divisão

do trabalho, que vem se configurando desde a década de 1970, quanto às mudanças

referentes ao processo produtivo do calçado.

Como já vimos, o couro não é o principal material que compõe os calçados

fabricados em Birigui, mas a origem deste material não mudou muito, visto que os

municípios de Penápolis e Andradina continuam como os locais de origem dos

fornecedores. A mudança está na entrada do município de Bocaína e a saída do

município de Presidente Prudente.

Outro dado perceptível é que a aglomeração produtiva de Franca continua sendo

um ponto de origem dos fornecedores de insumos e matérias primas para as indústrias

de calçado de Birigui, com destaque para a empresa Amazonas que continua fornecendo

solados e colas para as empresas de Birigui.

No que diz respeito ainda às permanências de fornecedores, verifica-se que o

município de São José do Rio Preto continua como fornecedor de caixas de papelão.

Embora não constasse na pesquisa de Zampieri como uma região fornecedora de

matérias primas, a cidade de Jaú atualmente é um dos locais de aquisição de matérias

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primas para as fábricas de Birigui. Isso porque ela se transformou nas últimas décadas

numa aglomeração de indústrias especializada na produção de calçados femininos.

Quadro 4- Município de localização dos fabricantes de matérias-prima e insumos

citados pelas empresas pesquisadas – Estado de São Paulo – 2009

Município no

Estado de São

Paulo

Fabricante

Matéria-prima/insumo

Americana Tex Textil tecidos

Amparo Cifa Textil poliéster

Andradina - couro

Bariri - sintéticos

Bocaína DJ Couros Couro

Boracéia Sintex

(com representação em Birigui)

Sintéticos

Buritama - Materiais para cabedal

Campinas Coberplas (3)* Sintéticos

Cerquilho Cipatex (5)* Sintéticos

Embú das Artes Twiltex (2)* Sintéticos

Franca - caixas

Franca Hoëdic Biqueiras, palmilhas e

contrafortes

Franca Amazonas (2)* Solados e colas

Franco da Rocha Matec tecidos

Glicério - Material para cabedal

Itaquaquecetuba - solventes

Itatiba Cola, cola adesiva

Jacareí Freudenberg (Alemã) (2)* Entretelas e não tecidos

Jaú - Sintéticos

Jaú Solados Jauense (2)* solados

Jaú - caixas

Penápolis - couro

Pirapora do Bom

Jesus

Top Leather (2)* Sintéticos

Ribeirão Preto Metalúrgica Fage (2)* Fivelas, enfeites, máquinas

para passar resina e estufas

São José do Rio

Preto

- Caixas de papelão

São Paulo - Viés, velcro

São Paulo Coperplastic Sintéticos

São Paulo Plásticos Ivone (4)* Sintéticos Fonte: Trabalho de campo Data:maio de 2009.

- A empresa pesquisada não disponibilizou a informação.

* Número de vezes que a empresa foi citada.

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Além de Franca e Jaú, os municípios de Cerquilho, Campinas, Embu das Artes,

São Paulo, Pirapora do Bom Jesus também passaram a ser fornecedores de material

sintético para a indústria de calçados de Birigui.

Outros municípios do interior paulista também figuram pontualmente como

fornecedores para as indústrias de Birigui, a saber: Americana, Amparo,

Itaquaquecetuba, Itatiba, Jacareí e Ribeirão Preto.

Alguns municípios vizinhos, próximas a Birigui e pertencentes à região

Administrativa de Araçatuba, foram citados como locais de compra de materiais para

cabedal, mais especificamente: Buritama e Glicério. O que vem demonstrar mais uma

vez, que a especialização na produção de calçados se estende para além da cidade de

Birigui.

Como já comentamos no capítulo 2, na década de 1970 as empresas de Birigui

tinham dificuldades de estabelecer relações de compra e venda com outros países,

principalmente, por motivos de ordem técnica. Verifica-se que atualmente, elas

estabelecem relações de importação e exportação com vários países, mas que, no

entanto, estas relações estão restritas às empresas maiores. Como podemos observar

pelos dados expostos nas tabelas 9 e 10, todas as empresas que importaram ou

exportaram no ano de 200776

são empresas de médio e grande porte.

Tabela 9 - Importações em 2007: principais empresas, valor das importações e

participação nas exportações do município – Birigui-SP

Empresa US$ F.O.B Participação no total

do município (%)

Kidy 2.222.365 17,31

Tiptoe 1.821.315 14,19

Kollii‟s (Pampili) 1.381.747 10,76

Pé com Pé 1.368.132 10,66

Bical 1.307.021 10,18

Guimy 912.289 7,11

Ortopasso 762.909 5,94

Klin 578.004 4,50

Fonte: Secex/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

76 Mantivemos os dados sobre a balança comercial do município de Birigui no ano de 2007 porque os

dados publicados nos anos posteriores não disponibilizavam o nome das empresas e nem os valores que

cada uma exportou ou importou.

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Tabela 10 - Exportação em 2007: principais empresas, valor das exportações e

participação nas exportações do município – Birigui-SP

Empresa US$ F.O.B Participação no total

do município (%)

Klin 8.965.920 24,84

Bical 5.257.459 14,56

Kolli‟s (Pampili) 4.315.515 11,95

Kidy 3.236.046 8,96

Kiuty 3.099.646 8,59

Pé com Pé 1.782.575 4,94

Finobel 673.633 1,87

Sonho de criança 598.163 1,66

Ortopasso 518.616 1,44

Guimy 488.662 1,35

Brink 477.304 1,32

Tiptoe 363.891 1,01

Fonte: Secex/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

Outras empresas:

ITB equipamentos elétricos US$ 2.754.989

Kilbra Trading Equipamentos para Avicultura US$ 619.642

Jofer embalagens US$ 439.227

Semeali sementes híbridas US$ 437.800

Aquecedor solar Transsen US$ 382.519

No que diz respeito às importações, verifica-se que os principais produtos

importados estão relacionados ao processo produtivo do calçados, tanto de partes para

calçados quanto de componentes, são eles: borracha vulcanizada; calçados com a parte

superior em borracha; borrachas misturadas; calçados em material têxtil; policloreto de

vinila (material plástico mais conhecido como PVC, utilizado para a fabricação de

solados); diodos emissores de luz; teares circulares; parte superior do calçado. Como

podemos visualizar pelo mapa 12, os principais países com os quais as empresas de

calçados matem relações de importação são a China e o Uruguai.

Fica evidente, pelos conteúdos das importações, que as empresas de Birigui

importam tanto o calçado pronto, quanto a parte superior do calçado ou cabedal, e

apesar de não termos acesso ao conteúdo das importações por país, podemos deduzir

que estas são majoritariamente originárias da China. Poderíamos inferir a partir destes

dados que as empresas importam calçados prontos para revendê-los com suas marcas e

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que os cabedais importados são montados pelas empresas importadoras e vendidos com

suas respectivas marcas.

Verifica-se, portanto, que nem o processo produtivo do calçado se restringe mais

a escala local, na medida em que a etapa do pesponto do cabedal é realizada em outro

país e segue para ser montado em Birigui. O que demonstra, por seu turno, que a união

vertical dos lugares ocorre também por meio das relações de produção.

Novamente em comparação com os dados de fluxos apresentados por Zampieri

(1972) na década de 1970, nota-se que os fluxos relativos ao circuito espacial da

produção dos calçados de Birigui se tornaram mais diversificados e abrangentes. Se

antes as principais fontes de matérias-primas não ultrapassavam uma distância máxima

de 500 km, hoje as etapas da produção do calçado são realizadas em pontos distantes

fisicamente, neste caso envolvendo países em continentes diferentes.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do tema que procuramos analisar neste trabalho é possível pontuar

alguns aspectos que envolvem a indústria calçadista de Birigui, do chão da fábrica às

estratégias espaciais das empresas.

As transformações no sistema capitalista a partir da década de 1970

engendraram mudanças nas relações de trabalho, nas formas de organização da

produção, no papel do Estado etc. Quanto a este último, verifica-se que apesar do

modelo de Estado de viés keynesiano ter entrado em declínio a partir do referido

período, ele continua sendo a escala de mediação mais importante entre o global e o

local. Seu poder de regulação é agora tão, ou mais, importante quanto antes, visto que

com a globalização da economia, com o aumento da diversidade e intensidade dos

fluxos materiais e imateriais entre diferentes pontos do mundo, ou o que Santos (2004)

chamou de “alargamento dos contextos”, são necessárias normas e regras que dêem

conta de manter o funcionamento do sistema. A nosso ver, este papel cabe aos Estados-

nação.

No Brasil, o impacto das transformações decorrentes da mundialização do

capital e das mudanças nos processos de produção foi sentido com maior intensidade a

partir da década de 1990, quando houve a abertura comercial e financeira do país. No

setor calçadista nacional, a entrada de calçados da China, tanto no país quanto no

mercado de calçados internacional com preços inferiores aos praticados pelas empresas

brasileiras, ensejou um processo de reestruturação produtiva nas empresas nacionais,

com objetivo de encontrar novas estratégias para lidar com este ambiente de

competitividade acirrada.

A forma como esse processo se efetivou no setor calçadista apresenta

características peculiares, visto que em meio às mudanças, inspiradas no modelo de

produção japonês, conhecido como “toyotismo”, coexistem com as permanências de

inúmeros princípios fordistas. Constatamos, por exemplo, que houve incorporação de

novas e sofisticadas tecnologias, com a automação de determinadas etapas do processo

produtivo do calçado, mas constatamos, também, que a produção do calçado utiliza

mão-de-obra intensiva e que o trabalho manual está presente em praticamente todas as

etapas do processo produtivo. Na maioria dos casos, adotou-se parte dos princípios

“toyotistas” de produção, como as células, porém mesclados com princípios fordistas,

como a linha de produção. Outro ponto importante a ressaltar é que a subcontratação de

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trabalho informal, associada geralmente ao modelo japonês, já existia nas fábricas de

calçados de Birigui, anteriormente à década de 1990. A partir dessas constatações,

podemos afirmar que a análise do processo de reestruturação produtiva não ocorre da

mesma forma em todos os setores produtivos.

Além das novas estratégias internas que podem ser verificadas no chão da

fábrica, houve também mudanças nas estratégias espaciais das empresas, que passaram

a incluir em suas pautas de localização as vantagens e possibilidades de redução dos

custos de produção que cada lugar oferece. No Brasil, desde a década de 1990 verifica-

se, em território nacional, uma verdadeira “guerra fiscal” entre estados e municípios na

busca por atração de investimentos, reflexo do esvaziamento das políticas de

desenvolvimento regional lideradas pelo Estado-nação.

Pelos dados coletados junto ao IBGE constatamos que, proporcionalmente, os

municípios brasileiros que mais oferecem incentivos são os municípios maiores e que as

regiões que mais ofereceram isenções fiscais, em 2006, foram o Sul e o Sudeste, ou

seja, ofereceram maiores vantagens à atração do capital os lugares que já são

historicamente mais desenvolvidos. A nosso ver, na lógica da guerra fiscal os “espaços

luminosos” saem na frente, por isso, o Estado-nação é chamado mais uma vez para

corrigir as distorções próprias do sistema capitalista e promover, por meio de políticas

públicas, uma maior igualdade na distribuição dos recursos.

Como já apontamos no primeiro capítulo, em concordância com o exposto por

Bacelar (2000), não cabe aos agentes privados quaisquer preocupações com os espaços

mais pobres e menos competitivos; ao contrário, cabe ao Estado nacional promover uma

distribuição mais harmônica dos recursos. Da mesma forma, os governos locais e

estaduais não possuem autonomia suficiente para a geração de políticas de emprego e

renda. O que se percebe é que a disseminação da prática de isenções fiscais e outros

tipos de incentivos cria uma lógica fragmentadora entre as entidades federativas, na

medida em que as mesmas competem pela instalação de empresas em seus territórios.

Nesse sentido, as empresas de Birigui – ao contrário do que foi verificado na

indústria de calçados em escala nacional – não abandonaram sua localização de origem,

apenas montaram novas unidades produtivas no Nordeste, mas principalmente no Mato

Grosso do Sul. O que torna evidente que as vantagens de uma possível transferência das

unidades produtivas não superariam as vantagens presentes na aglomeração industrial

de Birigui.

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No Estado de São Paulo, a década de 1970 se constitui num divisor de águas

para a distribuição das atividades industriais. Inúmeros autores como Azzoni (1986),

Lencioni (1991), Negri (1994), Sposito (2007) e Selingardi-Sampaio (2009), entre

outros, trataram do processo de desconcentração industrial que ocorreu no estado a

partir da referida década. Por outro lado, como apontam os autores, houve uma

redefinição dos papéis da Região Metropolitana de São Paulo, que passou a concentrar

as funções de gestão, financeiras e as indústrias de maior conteúdo tecnológico.

Verifica-se que inúmeros fatores contribuíram para a dispersão das atividades

industriais da metrópole paulista, como o processo de reestruturação produtiva das

empresas que passaram a buscar localidades onde dispunham de menores custos de

produção; as políticas públicas de descentralização espacial das atividades industriais;

os custos de aglomeração na metrópole etc. Outro aspecto importante a se destacar é

que esta dispersão não abrangeu todo o estado de São Paulo, mas foi restrita aos

municípios localizados nas proximidades da metrópole paulistana. Em cidades mais

próximas à Região Metropolitana de São Paulo – como é o caso de Campinas – são

mais nítidas as influências do processo de desconcentração industrial, com transferência

de unidades produtivas antes localizadas na metrópole.

A interiorização das infra-estruturas (ferrovias, rodovias, linhas de telefone) para

o interior do estado, iniciada desde a expansão das plantações de café, se intensifica a

partir da década de 1970, quando o território ganha “novos conteúdos”, com ampliação

das possibilidades de produção e, por conseguinte, dos fluxos materiais e imateriais.

Ficou claro, pelos dados históricos sobre a instalação das primeiras fábricas de

calçados em Birigui, que se trata de mais um exemplo de cidade no interior paulista que

se industrializou endogenamente, ou seja, trata-se de uma industrialização fruto de

investimentos locais, o que não exclui a importância de forças que atuaram em outras

escalas e que influenciaram nas condições para seu desenvolvimento.

Dessa forma, a industrialização do interior paulista não se explica basicamente

pela transferência de unidades produtivas da capital do estado em direção ao interior,

mas por uma redefinição na divisão territorial do trabalho em que novos espaços se

industrializam e ganham importância. Neste caso, Birigui se insere, historicamente,

nesta nova divisão territorial do trabalho como uma aglomeração espacial de indústrias

especializadas na produção de calçados infantis.

Diante do exposto, no capítulo 3 nos propomos a entender a importância das

aglomerações produtivas (especializações territoriais produtivas) no atual período, como

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definiu Santos (2004), de alargamento dos contextos, em que o circuito espacial da

produção se materializa entre pontos fisicamente distantes.

Primeiramente, a partir de alguns fatores representativos de economias de

localização e urbanização, explicados por Camagni (2000), buscamos entender como as

empresas localizadas na aglomeração industrial do calçado em Birigui usufruem de

vantagens que não encontrariam caso se localizassem num ponto isolado. Percebemos,

assim, que ao longo do desenvolvimento da aglomeração de indústrias fabricantes de

calçados em Birigui, foram se formando recursos específicos ou o que Selingardi-

Sampaio (2009) chamou de ativos específicos, identificados em nosso trabalho como: a)

a presença de mão-de-obra especializada e de baixo custo; b) a formação de arranjos

produtivos, possibilitados pela presença de empresas especializadas em determinadas

etapas do processo produtivo e pelas relações de subcontratação e exploração de

trabalhadores mantidos na informalidade; c) a presença de infra-estruturas; d) a

presença de empresas correlatas à produção de calçados, entre outros fatores. Um

aspecto que ainda convém destacar é a presença de instituições como sindicatos,

faculdades e escolas técnicas, assim como a prefeitura municipal de Birigui, que atuam

de forma a aperfeiçoar os recursos já presentes no local. A prefeitura municipal, em

convênio com o SEBRAE, mantém no município uma Incubadora de empresas, onde os

microempresários, não somente do ramo calçadista, recebem instruções e apoio técnico

e administrativo do SEBRAE, além de subsídios para participação em feiras do setor.

Verificamos, também, que as relações de produção que se estabelecem

horizontalmente não se restringem aos limites físicos da cidade, visto que os municípios

da região, além de fornecer mão-de-obra para as fábricas de Birigui, já participam da

produção local do calçado abrigando fábricas, bancas e profissionais a domicílio,

aumentando o fluxo regional de pessoas e de mercadorias.

A análise dos fluxos de matérias-primas das fábricas de calçados mostra que

além das relações de produção que se estabelecem horizontalmente, as fábricas locais

mantêm relações verticais, de compra e venda com lugares distantes. Percebemos que

para o fornecimento de insumos e materiais para a fabricação de calçados, centros

urbanos mais distantes, como é o caso de Jaú e Franca, apresentam maior importância

do que o centro urbano de Araçatuba, que é mais próximo de Birigui e desempenha

papel de maior importância na rede urbana regional. Constatamos, ainda, que nem a

produção do calçado se estabelece apenas horizontalmente. Os dados sobre a

importação das fábricas de calçados mostraram que tanto calçados prontos quanto a

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parte superior do calçado (cabedal) são comprados da China para serem revendidos

pelas fábricas de Birigui. Verifica-se, assim, que no contexto de redefinições na divisão

territorial do trabalho, ocorridas a partir da década de 1970, as especializações

produtivas ampliam a densidade e diversidade dos fluxos atuais, graças às condições de

desenvolvimento das técnicas, (definido por Santos (2004) como meio técnico-

científico-informacional). Sendo assim, verifica-se que nem mesmo o processo

produtivo do calçado é realizado apenas localmente, pois os dados mostram as

importações realizadas pelas fábricas de Birigui. Os cabedais importados da China serão

montados e vendidos pelas fábricas de Birigui. Cabe perguntarmos se esta possibilidade

de estabelecer relações com outros centros produtores distantes fisicamente de Birigui é

possibilitada graças às economias externas presentes na aglomeração industrial. O fato é

que dentre as empresas que importaram e exportaram em 2007, nenhuma delas é de

pequeno porte ou micro-empresa, o que sugere que as economias internas à empresa,

relacionadas à escala de produção, são um elemento importante para se atingir mercados

mais distantes.

Por último, ressaltamos que tanto os dados que coletamos em campo quanto às

dinâmicas que envolvem a aglomeração industrial de Birigui não foram plenamente

abordadas nesta pesquisa; no entanto, deixaram inúmeros questionamentos que poderão

ser desenvolvidos em outro momento.

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Sites consultados:

http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1268055864.pdf. Resolução nº 14, de 03 março

de 2010

http://www.museubirigui.com.br

http://www.afoiceeomartelo.com.br/

http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios

www.ibge.com.br

www.seade.com.br

www.receita.fazenda.gov.br/publico/legislaçao/resoluçao/2008/resoluçaoCGSN/anexo2

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APÊNDICE A

Modelo de questionário aplicado nas empresas

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Campus de Presidente Prudente

Pesquisadora: Elaine Cristina Cicero

Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito77

1- Identificação

1.1- Nome da empresa:

1.2- Ramo:

1.3- Produção diária:

1.4- Porte:

1.5- Endereço:

1.6- Fone/fax:

1.7- Responsável pelas informações:

1.8- Data:

1.9- Origem do capital:

2- Aspectos locacionais

2.1 - Ano de fundação:

2.2 - Motivos para instalação da empresa no município:

a) familiar ( )

b) proximidade aos fornecedores de matéria prima ( ) Quais tipos?

Ex: atividade coureira na região (Araçatuba, Andradina, Castilho)

c) presença de mão-de-obra especializada ( )

d) incentivos fiscais oferecidos:

i. pelo município ( ) Quais

ii. pelo Estado ( ) Quais?.

iii. pela União ( ) Quais?

e) doação de terreno pela prefeitura ( )

g) exemplos bem sucedidos de empresas do ramo que se instalaram no município ( )

h) acessibilidade ao sistema de transportes ( )

i) outros motivos

2.3) A empresa tem filiais? ( )Sim ( )Não Se sim, em quais municípios?

2.3- Houve mudança de endereço da empresa no município? ( )Sim ( )Não

a) Qual motivo?

b) Ano da mudança?

c) Endereço anterior?

2.4- Quais as vantagens e desvantagens da empresa estar localizada em Birigui?

77 Faculdade de Ciências e Tecnologia/Seção de Pós-Graduação

Rua Roberto Simonsen, 305 CEP 19060-900 Presidente Prudente SP

Tel (18)3 229-5352 fax 18 223-4519 [email protected]

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a)Vantagens:

b)Desvantagens:

3- Relações de cooperação

3.1 - A empresa mantém relações de cooperação, alianças ou parcerias com outras

empresas?

( )Quantas ( 0)Não

a)Se sim, de que tipo?

b) Quais os ramos destas empresas?

c) Quais as vantagens e desvantagens?

Vantagens:

Desvantagens:

Fornecedores de matéria-prima e insumos:

3.2 - Na cidade: ( )Quantidade ( 0 )Não

a) Se sim quais os tipos?

b) Fornecedores que apenas comercializam:

c) Fornecedores que produzem:

3.3 - No Estado de São Paulo? ( )Quantidade ( 0 )Não

a)Se sim quais os tipos?

b) Em quais municípios?

c) Fornecedores que apenas comercializam:

d) Fornecedores que produzem:

3.4-Em outros Estados? ( )Quantidade ( 0 )Não

a)Se sim quais os tipos?

b)Em quais Estados?

c)Fornecedores que apenas comercializam:

d)Fornecedores que produzem:

3.5-Em outros países? ( )Quantidade ( 0 )Não

a)Se sim quais os tipos?

b)Em quais países?

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c)Fornecedores que apenas comercializam:

d)Fornecedores que produzem:

3.6-A empresa mantém algum tipo de parceria com universidades? ( )Sim ( )Não

a) Se sim, qual a finalidade e como funciona?

Fornecedores de máquinas e equipamentos

3.7-Na cidade: ( )Quantidade ( 0 )Não

a)Se sim quais os tipos?

b)Fornecedores que apenas comercializam:

c)Fornecedores que produzem:

3.8-No Estado de São Paulo? ( )Quantidade ( 0 )Não

a)Se sim quais os tipos?

b)Em quais municípios?

c)Fornecedores que apenas comercializam:

d)Fornecedores que produzem:

3.9-Em outros Estados? ( )Quantidade ( 0 )Não

a)Se sim quais os tipos?

b)Em quais Estados?

b)Fornecedores que apenas comercializam:

c)Fornecedores que produzem:

3.10-Em outros países? ( )Quantidade ( 0 )Não

a)Se sim quais os tipos?

b)Em quais países?

b)Fornecedores que apenas comercializam:

c)Fornecedores que produzem:

4- Exportação

4.1 - A empresa exporta? ( )Sim ( )Não

Se sim:

a)Para quais países?

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b) Percentual da produção que é exportada:

4.2 - Participa de algum consórcio de exportação? ( )Sim ( )Não

Se sim:

a)Qual?

b) Quantas empresas participam do consócio e qual o porte dessas empresas?

c)Qual a localização dessas empresas? ( ) no município ( ) em outros municípios;

quais?

4.2-Recebe algum tipo de isenção ou incentivo para exportação?

( )Sim ( )Não

Se sim, de que tipo?

5- Terceirização

5.1 - Quais atividades ou funções são realizadas ou contratadas de terceiros?

a)Serviços Município de localização da empresa

Serviços de transporte

Serviços de limpeza

Seleção e treinamento de mão-de-

obra

Serviço de segurança e vigilância

Assessoria jurídica

Serviço de contabilidade

Serviço administrativo

Venda e distribuição/exportação

b)Produção Município de localização da empresa

Manutenção de máquinas e

equipamentos

Fabricação de partes do calçado

Fabricação do calçado por completo

c) Outras atividades ou funções? Quais?

5.2 - A empresa é contratada por outras? ( )Sim ( )Não

Se sim:

a)É contratada:

( )por apenas uma empresa;

( )por várias empresas. Indicar quais as empresas contratantes e o município de

localização:

b) Periodicidade :

( )sazonalmente;

( )de forma permanente;

( )por empreita;

( )outra forma, especificar qual:

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c) Quais tarefas ou produtos são realizados pela empresa?

d) O material utilizado na produção por esta empresa:

( )é fornecido pela empresa subcontratante;

( )é em parte fornecido pela empresa subcontratante;

( )esta empresa compra seu próprio material;

( )outras formas. Quais?

5.3 - A empresa tem produção própria? ( )Sim ( )Não

Se sim, quais os principais mercados consumidores de seus produtos?

( )Birigui(....%);

( )Municípios próximos(....%) Quais?

( )Interior do Estado de São Paulo(....%);

( )São Paulo/Região Metropolitana(....%);

( )Outros estados (....%). Quais?

( )Outros Países (....%). Quais?

6- Trabalho e emprego

6.1- Qual o número de trabalhadores da empresa?

Homens: Mulheres:

6.2- Há familiares do proprietário que trabalham na empresa?

( )Sim ( )Não

Se sim, em quais setores?

6.3- Quais os requisitos da empresa para contratação de trabalhadores?

( )nível de escolaridade. Qual nível para cada função?

( )experiência. Quanto tempo e para quais funções?

( )outros. Quais?

6.4 - Há treinamento dos trabalhadores? ( )Sim ( )Não

Se sim:

( ) na própria empresa;

( ) pelo Sebrae ou Senai;

( ) outras formas de treinamento. Quais?

6.5- Há falta de mão de obra especializada no município? ( )Sim ( )Não

a) Se sim, para quais funções?

6.6- Houve diminuição no quadro de trabalhadores? ( )Sim ( )Não

Se sim, qual o motivo?

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6.7- Município de residência dos trabalhadores:

( )Birigui (....%) ( )Outros municípios (....%) Quais?

6.8- Há trabalhadores contratados por tempo determinado? ( )Sim ( )Não

6.9- Há diferenciação nos salários dos trabalhadores da produção? ( )Sim ( )Não

Se sim, para quais cargos?

6.10- Além dos trabalhadores regulares, a empresa subcontrata trabalho de outras

pessoas?

( )Sim ( )Não

Se sim:

a) O contrato é: ( )temporário ( )permanente

Por que?

b) Os subcontratados trabalham:

( )em suas casas no município;

( )em suas casas mas, em municípios vizinhos. Quais?

( )na própria empresa.

c) Quais as tarefas subcontratadas?

6.10- Há incentivos ou bonificação de acordo com o desempenho produtivo de cada

trabalhador? ( )Sim ( )Não

6.11- A empresa adotou o banco de horas? ( )Sim ( )Não

Por que?

7-Inovação

7.1- Quais as principais inovações implantadas pela empresa:

( ) inovação no produto. Especificar:

( ) inovação no processo produtivo. Especificar

( ) Pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Especificar

( ) Outras:

8- Organização da produção

8.1- Alguma vez a empresa mudou a forma de organização da produção? ( )Sim (

)Não

a) Ano da mudança:

b) Motivo da mudança:

c) Atualmente, qual(is) a(s) forma(s) de organização da produção(Ex: células de

produção, mini-fábricas, sessões, etc)? Especificar como funciona.

8.2- Como é realizado o controle da produtividade?

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8.3 A empresa utiliza a esteira elétrica? Se sim, em quais sessões?

8.4-Houve incorporação de novas tecnologias? Quais?

8.5-Há estoques de matérias-primas? De que tipo?

a) Quanto à aquisição de matérias-primas:

( ) é feita tendo em vista a produção anual;

( ) é feita tendo em vista a produção semestral;

( ) é baseada no tipo de produto para cada estação do ano;

( ) a matéria-prima é adquirida de acordo com a demanda por produtos;

( ) outra forma. Especificar:

8.6- Há estoque de produtos (calçado pronto para comercialização)?

( )Sim ( )Não

8.7- Como é definida a quantidade de produção de cada modelo de calçado:

( ) com base nas encomendas;

( ) com base na quantidade estocada;

( ) com base na sazonalidade do mercado nos anos anteriores;

( ) de outra forma. Qual?

8.8- Quantos modelos de calçado a empresa produz regularmente?

a) Qual o período de produção para cada modelo?

b) Há um modelo que seja o “carro chefe” da empresa? ( )Sim ( )Não

Se sim:

c) Há quanto tempo a empresa produz este modelo?

8.9- Tipo de calçado produzido:

( )Tênis infantil, numeração:

( )Sandália e sapato infantil, numeração:

( )Tênis adulto, numeração:

( )Sapatos ou sandálias adulto, numeração:.........................Fem.( ) Masc.( )

( ) Outros tipos de calçados, quais?

8.10- Tipo de material utilizado:

( ) couro, ...........% dos modelos;

( ) sintético, ................% dos modelos;

( ) tecido, .............% dos modelos;

( ) misto. .............% dos modelos;

8.11- Há algum tipo de controle de qualidade? ( )Sim ( )Não

a) Se sim, de que tipo?

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Apêndice B Entrevista com o Secretário de Gabinete do município de Birigui (Sr. Paulo Batista)

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Entrevista com o Secretário de Gabinete Paulo Batista

O Sr. poderia falar um pouco da sua trajetória política em Birigui?

Posso. Fui candidato a deputado estadual em 2002, em 2004 fui candidato a vice-prefeito na chapa do

Borini, vencemos as eleições, tivemos apoio do governo e hoje sou o Secretário de Gabinete.

O Sr. continua sendo do Partido dos Trabalhadores?

Não, deixei o Partido dos Trabalhadores em 2007, hoje sou do PMDB, o partido do prefeito. Até porque

você tem que ter uma filiação partidária; os ideais são os mesmos, isso a gente não meche, não é por causa do partido...

Quando o Sr. foi candidato a vice-prefeito na chapa do Borini, o fato de ainda pertencer ao Partido dos

Trabalhadores... (interrompida)

Em 2004 sim, foi uma parceria PT-PMDB; a gente combinou e eu sai candidato a vice, e tivemos juntos

por esse período.

E o fato de na época o Sr. estar no PT facilitou o acesso à “Brasília”?

Não, à Brasília é difícil, você tem que ter alguém o tempo todo cuidando das ações. Evidente que a gente

tinha alguns contatos com deputados do PT o que favorecia na questão de emendas parlamentares, uma

indicação ou outra até a gente consegue, mas em Brasília, se você tem acesso aos Ministérios, faz visitas constantes à pessoas que você tem contato, independente do partido você é atendido do mesmo jeito.

Então, não é porque do PT que facilitou. Facilitou porque Birigui recebeu emendas parlamentares dos

deputados e senadores do Partido dos Trabalhadores. E a gente tinha um certo contato com o Estado de

São Paulo, isso sim a gente conseguiu chegar mais próximo.

Gostaria que o Sr. comentasse um pouco sobre a lei de responsabilidade fiscal.

Na verdade, a lei de responsabilidade é feita para o mau administrador. O administrador honesto, correto,

não vai ter problema nenhum, porque já o normal dele aquilo ali. É um marco regulatório: até aqui você

pode, até aqui você não pode. Então, ajuda a disciplinar a gestão da coisa pública, porque agora você é

punido: é Ministério Público; é processo; caça prefeito; prende e tudo mais. Então, eu acho que é

importante a lei de responsabilidade, evidente que ela coloca alguns entraves, poderia ser mais flexível, mas, é lei. Tudo depende da interpretação do Judiciário, do Tribunal de Contas, mas de um modo geral,

ela é importante porque disciplina o funcionamento das Prefeituras. Até então, algumas preocupações não

existiam: o dinheiro era jogado no lixo, usado em qualquer lugar, de qualquer forma e nunca a saúde, a

educação, a assistência social eram contemplados. Sempre aquelas pontes, brejo, rua e o que é importante

mesmo, para a população ficava um pouco a desejar. E a lei de responsabilidade fiscal cria essa

obrigatoriedade de investimento. É o que a gente chama de dinheiro carimbado: se o dinheiro veio para a

Educação, você tem que investir em Educação. Não se pode pegar o dinheiro da Educação e passar para

outro lugar. O dinheiro da saúde: você não pode dizer que é para saúde e passar para outro lugar. Então, a

cobrança que lei de responsabilidade fiscal faz é importante. O que pertence a Prefeitura, pertence ao

povo e não a uma agremiação ou uma religião: isso não pode servir para a Igreja, não pode ser dessa

forma; não se pode emprestar veículo para ficar carregando terceiros, para serviço particular, é para

serviço público. Então, isso é importante: ela disciplina gente de má fé, que já pensa em usurpar do poder público, acaba nem entrando: - Isso vai dar errado, não posso fazer.

Penso que a lei de responsabilidade fiscal é importante para disciplinar a gestão. Agora quem já é correto

não tem problema nenhum. Reclama quem tem dificuldade de trabalhar correto.

A respeito do processo de descentralização política, do aumento do poder político dos municípios, que

está na pauta das discussões desde a constituição de 1988, a partir da sua experiência como vice-prefeito,

gostaria que o Sr. desse a sua opinião a respeito. O que pode realmente o poder local?

Na verdade a descentralização da gestão dos processos das esferas federal, estadual, que joga a

responsabilidade para o município, ela cria uma situação um pouco delicada: o município não tem, muitas

vezes, condições de gerenciar alguns processos. Cria-se a regra, coloca-se todos os problemas da regra e o

município que tem que cuidar. Por exemplo, o SUS, a responsabilidade da saúde no município é da Prefeitura, mas para isso ela tem que cumprir uma quantidade de regras que o próprio Ministério não

autoriza o a Prefeitura fazer. Então, é importante porque traz mais para perto da população a gestão dessas

situações, mas, por outro lado, dificulta porque você tem que buscar lá na frente, e a cidade pequena tem

que cumprir uma regra muito parecida com a cidade grande que muitos recursos, muitas possibilidades.

Então, a cidade pequena tem muita dificuldade. Aí resolve daquela forma: a cidade pequena compra uma

ambulância e leva a população para a cidade vizinha; compra um ônibus e leva os estudantes para a

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cidade vizinha; aí a cidade maior acaba ficando com o ônus regional e acaba angariando todos os

problemas. A descentralização é importante porque você areja, acaba esse negócio de que: impossível

discutir esse assunto com o prefeito, o prefeito está aberto sempre. Tem que ter sempre autorização da

câmara, então, acho que a descentralização é fundamental para o desenvolvimento, só que tem que criar

as condições para que isso efetivamente aconteça. Não dá para dizer: - Olha, você agora vai fazer isso,

então, vou te fiscalizar. E não dá as condições para andar. Essa é uma situação um pouco delicada, mas, o

Brasil está crescendo e acho que a gente ainda está aprendendo é muito novo tudo isso. A gente vai andar

um pouquinho, em alguns lugares com um pouco mais de rapidez, em outros um pouco mais devagar,

mas, é importante e com certeza vai dar certo. Quem tiver mais condições de caminhar se acerta mais rápido.

Outro ponto que eu gostaria de chamar atenção é o seguinte: temos ouvido muito o termo empreendedor e

isso se estende também para a administração pública, ou seja, os governos locais devem ser

empreendedores, capazes de articular os agentes em torno do desenvolvimento urbano. Qual sua opinião a

respeito disso?

Na verdade o governo tem essa função: articular a sociedade organizada e a desorganizada também, em

prol do bem público, para que entendam os processos dentro da gestão pública. Ocorre que aí, nós temos

o embate de primeira, com os interesses particulares. Nem todo mundo tem interesse que as coisas

funcionem como devem funcionar. Em outras situações você acaba batendo de frente com algumas leis.

Você fala de desenvolvimento urbano. Lei de meio ambiente. O que você pode e o que você não pode fazer? Aí vai muito da interpretação do Ministério Público, do Judiciário sobre a legislação ambiental e

sobre o que você está propondo. Então, sob o meu ponto de vista, o prefeito tem uma dificuldade imensa

em fazer essa articulação. A população não tem esclarecimento suficiente para entender os processos e

quem tem esse esclarecimento não tem interesse em participar porque tem outros interesses. Mas aí você

esbarra na questão educacional. Isso vai da educação do povo, se a gente conseguir que a educação seja

realmente universalizada, que todos tenham acesso. Com o tempo, uma geração talvez a gente consiga

começar a mexer nessas possibilidades. Por enquanto, nós temos pessoas de boa vontade que participam,

que querem ajudar, que querem entender, que participam dos Conselhos. Uma forma de trazer para

responsabilidade são os Conselhos Municipais de todos esses segmentos: do idoso, da mulher, da pessoa

com deficiência, do meio ambiente e tudo mais. Tem esses Conselhos, são pessoas que tem vontade, mas,

não tem esclarecimento. Então, depende muito do incentivo à educação para que as pessoas possam ter essa formação necessária para entender que é importante participar. E participar não significa levar

vantagem. Infelizmente, nós estamos no jeitinho brasileiro ainda: Ah, eu estou lá então eu vou dar um

jeito de arrumar não sei que...

Nós estamos no aprendizado. Os prefeitos têm essa função, muitas vezes não entendem isso no começo

da gestão, mas depois passam a compreender que eles têm essa função de articulador dos processos

sociais. Mas a população tem dificuldade para entender ela imagina que o prefeito é um pai, é mantido

pela prefeitura. O indivíduo tem um problema de água na casa dele, está com conta atrasada. Ele não vai

no Departamento de Água do Município para saber como vai resolver, ele vem aqui, quer sentar na frente

do prefeito e quer que o prefeito dê uma canetada e resolva o problema dele.

Uma política paternalista?

Sim, uma política paternalista. A população espera muito isso. E quando se toma uma postura de gestão diferente disso, tem um embate sério com a sociedade. Fazer as coisas como deve né?

Essas políticas de incentivo às indústrias para permanecerem nos municípios ou nos Estados, ou até se

mudarem para outros lugares, como faz o município de Três Lagoas e vários outros do Estado do MS, não

acaba sendo também uma política paternalista?

É, ela é prejudicial porque você busca o desenvolvimento, traz empresa para a cidade, às custas do erário

público. O Estado de MS tem uma regra de isenção fiscal, além disso, as prefeituras doam terrenos, doa

infra-estrutura, doa água, doa asfalto, e alguém tem que pagar essa conta. E acaba na conta do mais pobre,

com certeza. Isso é terrível, mas eu acredito que se a gente conseguir, se o Congresso Nacional conseguir

votar a reforma tributária e equalizar a situação, a gente resolve isso também. Por enquanto, a gente tem

que conviver com isso: -Olha, eu vou para sua cidade, mas eu preciso de um terreno de tal tamanho, eu preciso da estrutura tal,

tal e tal...e de isenção de imposto por tanto tempo.

Até essa empresa começar a trazer retorno pra a cidade, e não é só emprego direto que é retorno, tem que

entrar no processo produtivo. Infelizmente, o modelo de desenvolvimento que nós temos, alicerçado no

capitalismo, ele faz isso, ele é muito predador. Tem cidades que abrem suas portas e tudo mais. E vai

colher esses frutos muito longe e o ônus em um curto tempo. Então, o que precisa é de uma reforma

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tributária, aí então, todo mundo é igual. A gora, se a Prefeitura tiver condições, tudo bem. Se a Prefeitura

pode doar o terreno, ótimo. Mas a população não pode pagar por isso. Birigui tem um exemplo disso: A

Biopave, a usina de açúcar e álcool, veio se instalar na região e queira uma área do município de Birigui.

Não tinha condições, do jeito que eles queriam não tinham condições. Então, atravessaram o rio e foram

se instalar no município de Brejo Alegre. Porque o município atendeu todas as condições que eles

queriam.

E o que eles queriam? Terreno...?

Muita terra, e a um preço muito baixo. É evidente que o município de Birigui tem um custo de terra muito mais caro que o município de Brejo Alegre, porque nós temos uma estrutura muito melhor. E o que isso

acarreta: todos os problemas da indústria canavieira vêm para Birigui e os benefícios vão para Brejo

Alegre, porque é lá que é recolhido o imposto. Agora toda a questão de saúde dos trabalhadores, de

moradia para os trabalhadores, de escola para os trabalhadores, tudo isso acaba ficando para o município

de Birigui.

O Sr. considera Birigui uma cidade violenta?

Guardando as devidas proporções, Birigui tem um nível alto de violência, mas isso é fruto de um sistema

complicado: a gente não pode impedir que algumas coisas aconteçam, que algumas pessoas venham.

Quando descentralizou os presídios, essa região de São Paulo foi premiada com uma quantidade imensa

de presídios: Prudente, Araçatuba, Marília; e junto com isso vieram os problemas, das pessoas, dos grupos, das gangues, esse pessoal que tem que fazer a manutenção de quem está lá preso, os parceiros

próximos; isso acabou trazendo, trazendo não, mas incrementando a violência na região. A Secretaria de

Segurança do Estado não consegue amparar a comunidade, falta contingente, falta recurso, falta

formação. Então, Birigui especialmente, tem se tornado uma cidade com um nível de violência um pouco

mais especializada, com a formação de quadrilhas, infelizmente tem crescido. Tem se tornado um

chamariz, porque Birigui tem muito emprego, então as pessoas vêem para Birigui, com a desculpa do

emprego. Ficando no cinturão da cidade, no entorno da cidade e dando amparo a essas gangues que vêem

de fora. E passa a ser um apelo muito fácil para a juventude, infelizmente a marginalidade tem um apelo

muito bonito para o adolescente, para o jovem, da vida fácil, da liderança, de ser temido, de pertencer a

tal grupo. O que é muito comum você ouvir da juventude hoje: - Ah, eu faço parte do PCC hein!

Então, isso infelizmente tem crescido. Mas uma cidade de 100 mil habitantes é impossível que seja pacata como uma cidade de 5 mil. A esteira do desenvolvimento traz situações conflitantes.

E o fato de vir a Biopave para Brejo Alegre, os trabalhadores que trabalharam na construção da usina,

muitos vieram morar em Birigui e agora com o término da construção o que aconteceu?

Muitos foram embora, outros ficaram, a gente percebe isso por conta da demanda na assistência social. A

quantidade de recursos que é pedido para passagem para ir embora... Tem auxílio direto para cesta básica,

gás, dos que ficaram. Tem aumento do Bolsa Família dos outros processos de fomento, tem tido um

crescimento considerável. Birigui é uma das cidades que mais cresce “populacionalmente”, no Estado de

São Paulo. A gente cresce a um nível muito maior que os outros, isso desestrutura a cidade. Birigui, até

inicio da década de 80, a cidade tinha 40 mil habitantes, em 20 anos a população quase triplicou. Sem

contar a população flutuante, dos municípios vizinhos que vêm trabalhar aqui. Birigui recebe diariamente

quase 5 mil pessoas das cidades vizinhas. Trabalham, utilizam dos serviços e voltam para suas cidades, então, nesse ponto passa a ser uma cidade com uma situação um pouco delicada.

A que tipo de serviços o Sr. se refere?

Saúde, educação, assistência social. Para você ver: o Pronto Socorro Municipal atende em média 400

pessoas por dia e é inadmissível, PS é emergencial, até 100 pessoas tudo bem, porque tem a rede de UBS

(Unidade Básica de Saúde) que pode atender tranquilamente, mas acaba caindo tudo no OS. Então,

estrangula porque o pessoal que trabalha na cidade procura o OS. É delicado...

Em uma consulta que fiz aos dados do IBGE, eu vi que Birigui possui pouquíssimos leitos do SUS, se

não me engano são 12 femininos e 12 masculinos...

É que nosso hospital é muito pequeno, ele não é preparado para a cidade que tem.

Não. Eu fiquei imaginando: uma cidade com mais de 100 mil habitantes com apenas 24 leitos no total.

Pouquíssima coisa. Não sei se esses dados são atualizados, mas nós temos a Santa Casa que tem uma

intervenção da Prefeitura há 16 anos. O que é inconcebível, já é quase um hospital municipal. Mas nunca,

nesse período todo, houve um processo de expansão desse hospital. O modelo de atendimento do SUS é o

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primeiro ainda, não é a chamada gestão plena que dá mais condições para o hospital. Não tem condições

de atender, as situações mais crônicas vão para fora.

Então, Birigui por um lado recebe pessoas de outros municípios para ser atendidas no SUS do município

e os casos mais complicados vão para fora?

É Araçatuba, Rio Preto, na área de oncologia Barretos.

E o repasse das verbas do SUS para esses municípios? Apesar de Birigui receber pessoas de outros

municípios a verba... Vai para o outro.

E esses prefeitos investem em que? Em ambulâncias?

É fácil. Por exemplo, Coroados. O que é mais fácil para Coroados? Comprar uma ambulância e trazer

para Birigui. Resolveu o problema d saúde. Embora eles façam alguns procedimentos menores lá. Mas

não tem hospital, não tem nada: Gabriel Monteiro, Piacatu, Santópolis, acabam vindo para cá mesmo, não

tem jeito. Porque o PS aqui é grande, tem leitos para uma necessidade primeira de repouso, tem quartos

separados. Numa necessidade urgente, corre para o hospital, já está aqui do lado, ao passo que se ficar no

atendimento básico dessas cidades corre um risco muito grande.

Mas isso não é uma particularidade só daqui, da região. Não, isso é no Brasil inteiro. Infelizmente, é assim.

Eu tenho acompanhado um pouco em Maringá, como eu moro lá, a cidade recebe pessoas que vêm se

tratar, de vários municípios da região, então, foi feito um consórcio entre os municípios e uma parte da

verba do SUS desses municípios, é repassada para Maringá.

Tem o consórcio aqui. O consórcio são 11 municípios, como Birigui é maior paga 60% do consórcio, só

que ele não consegue utilizar 60%, então, ele acaba pagando para tratar os outros também. E esses 11

municípios têm uma parcela de contribuição no consórcio, mas é insuficiente. Saiu do consócio, quando

cai no hospital, cai no SUS e o SUS é do município de Birigui. Isso é fruto de um sistema delicado...

Mudando um pouco de assunto, o Sr. acha que é importante que haja uma diversificação das atividades econômicas no município, porque o predominante aqui no setor industrial é o ramo calçadista, o

metalúrgico, depois o moveleiro, se não me engano é nessa ordem, o Sr acha importante que haja uma

maior diversificação?

É importante porque quando num determinado segmento se esboça uma crise o outro comporta a

demanda e se a gente focar somente num determinado segmento de produção a gente acaba ficando numa

situação delicada. Birigui...ainda bem que nós estamos conseguindo diversificar já, tem vários segmentos

implantando em Birigui que já está começando a dinamizar um pouco mais a economia. Se ficar focado

só no calçado, a cada balançada do navio da crise Birigui corria para o canto. Então, hoje, a gente já

consegue perceber que mesmo com todo esse barulho de crise que tem, a cidade consegue se manter, está

caminhando..., a produção continua: a indústria moveleira está com problema mas a metal mecânica não;

aqui deu problema, na fábrica de calçado não deu; na industria de tecnologia não deu. Então, quanto mais

diversificar, melhor para a cidade, ela tem mais possibilidade de articular sua economia, ao passo que se ficar focado num determinado produto...

Como eu sou de Birigui, eu me lembro que houve dois momentos bem complicados aqui na cidade, um

foi na década de 80 e o outro na década de 90, com a abertura, a chegada dos produtos chineses. Houve

uma quebradeira, fechamento de muitas fábricas e demissões em massa e aí não só o município, mas todo

o país passou por um momento bem difícil.

É teve que reorganizar todo o sistema. Foi quando começou a surgir o sindicato das indústrias, para

rearticular toda a planta produtiva da cidade. Mas o trabalho tem sido esse e o prefeito Borini tem essa

preocupação também, de tentar diversificar o parque industrial para que a cidade possa crescer não

ancorada num só segmento. Agora nós temos a Escola Técnica Paula Souza aqui na cidade para dar

formação técnica, está sendo construído um Cefet que é um instituto federal de ensino na área técnica também, para poder qualificar melhor a mão-de-obra, preparar melhor as pessoas. Então, Birigui tem um

pouco essa vocação tecnológica, como um pólo tecnógico, então, a gente acha que isso vai caminhar para

uma boa saída.

Existe algum tipo de parceria com a Prefeitura...

Não, ainda não.

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163

O Sr. como vice-prefeito no primeiro mandato e agora como secretário de gabinete, quais foram as

principais mudanças?

O que mais mudou na cidade de Birigui foi o sentimento de que ela tem condições de caminhar com as

pernas próprias. Não dá mais para ficar reclamando de outros: um governo ajuda, o outro não ajuda. Deu

para perceber que o orçamento Borini cresceu. Embora seja um orçamento apertado a gente consegue

fazer muita coisa. Então, as pessoas começaram a entender que Birigui deu um salto de desenvolvimento

bastante grande nesse primeiro período do governo Borini. Várias frentes de trabalho foram abertas, por

exemplo: Birigui não cuida do esgoto, no governo Borini iniciou a construção da estação de tratamento do esgoto, já estamos na fase final. É uma obra de mais de 10 milhões, com pouquíssimo dinheiro do Estado

e do Governo Federal, mais é recurso próprio. O que mais mudou foi esse sentimento que dá para

administrar bem com o pouco recurso que tem e atender, principalmente, a classe mais desfavorecida.

Alguns programas sociais foram criados nas várias Secretarias, que favorecem justamente o pequeno,

aquele que precisa da distribuição de renda. Como você não consegue colocar dinheiro na mão das

pessoas, você tem que trabalhar para ela não gastar o pouco que ela ganha. Isso é uma coisa comum em

muitas cidades, mas aqui em Birigui nós implantamos em 2005. A questão do uniforme escolar, do

material escolar; aproveitamos que é uma cidade que tem indústria de calçados, tênis para a criança, meia.

Isso tem um resultado importante na questão da distribuição de renda, são aí 10 mil crianças e as famílias

têm um aporte de recursos maior no final das contas. O pai que precisa comprar material escolar no

começo do ano, comprar uniforme para o seu filho, roupa de frio, calçado para o seu filho ir para a escola, ele acaba tendo a qualidade de vida melhorada por conta desse recurso que ele economiza. E na área de

assistência social a mesma coisa: as oficinas que foram criadas; na saúde, descentralizar o atendimento e

abrir a UBS até as 10 da noite para poder atender a comunidade; a farmácia popular; na educação, a

qualificação das babás. Então, em todas as secretarias foram feitas ações para mostrar que: olha, nos

temos isso aqui, mas isso aqui nós vamos repartir para atender 110 mil pessoas. Nunca vai privilegiar um

só segmento, mas atender o máximo de pessoas que puder ser atendidas. Essa foi a mudança que a

população entendeu, e deu para ver que o pessoas entendeu isso, o pessoal percebeu, por conta do apoio

ao prefeito na reeleição. Birigui está para completar 100 anos nunca teve um prefeito reeleito, então, o

prefeito Borini foi o primeiro prefeito que foi reeleito. Então, deu para perceber isso. E também, nunca o

candidato que o prefeito indicava vencia as eleições. Isso não é só por conta de ser grandão, não é isso, é

que as pessoas perceberam que o modelo de gestão, isso é importante, é a visão de como deve ser a gestão da cidade. A grande transformação de Birigui é isso. O restante...construiu isso, construiu aquilo, não tem

jeito, isso tem que fazer mesmo.

Mas, por exemplo, o Crevellaro, que não é um bairro novo, só recebeu asfalto e uma via de ligação com a

cidade recentemente.

Você morava onde aqui em Birigui?

Morei um tempo no Silvares e depois no Jardim América, perto do aeroclube.

Então, o João Crevellaro, você não chegava no João Crevellaro, não tinha como chegar. Você tinha que ir

por trás ali do Jardim América, Quemil, Santana ali, tinha uma ruazinha de terra, invariavelmente ela

estava obstruída. Se você, viesse pela avenida que você chega no João Crevellaro hoje, se você fizer uma

visita lá você vai ver, aquela avenida não existia. Ali era uma cratera que começa aqui em cima no Mercado Paulista e ia até o Baixote (ribeirão). Era um buraco só. A entrada que tinha, a possibilidade era

pela Rua Tiradentes, mas era um caminhozinho só que tinha. Aliás, ali foi a primeira obra que o prefeito

fez. Fez a avenida de acesso ao João Crevellaro. Interligou ali os dois bairros, melhorou as vias, acertou

uma parte do asfaltamento do bairro que estava na terra, foi ampliação do conjunto. Isso só percebe de

entrada, isso não tinha, efetivamente não tinha. Você lembra aqui na Avenida João Cernack, no Gaiola

(açougue), a canalização aqui não existia. Ela vai continuar até lá na saída do Teresa Barbieri (Cohab).

Essa é uma obra que aparece rapidinho. O Pronto Socorro que está construindo anexo à Santa Casa: tinha

aquela coisa ridícula lá que o pessoal ficava jogado no corredor. Então, as pessoas começaram ver.

Escola: todas as escolas passaram por ampliação, a gente optou por ampliar as escolas e não construir. Por

quê? Porque a comunidade cresce. Não adianta construir escola nova onde não tem gente, então,

ampliamos todas as escolas. Foram construídas mais de 40 salas, uma escola de bom tamanho tem 10 salas. Então, nesses 4 anos foram construídas 40 salas, foram construídas 4 novas escolas. Construímos

creche lá no Jardim Colinas, não sei se você conhece lá pra cima?

Conheço.

Construímos uma creche anexo à escola e nessa creche a gente implantou um modelo diferente do que

tinha aqui. O diretor da escola é o diretor da creche. A criança está de manhã na escola, maternal e pré,

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ela vai para escola à tarde (acho que ele quis dizer creche à tarde); quem está indo na creche de manhã

vai para a escola à tarde; dobra o atendimento. A gente acabou de construir uma escola de período

integral no fundo Jardim Toselar; uma escola para atender 400 crianças do maternal até o quinto ano do

Ensino Fundamental; o dia todo com oficinas, com tudo o que precisa. Então, essas obras maiores... foi o

que o município percebeu que mudou na cidade. Isso quando acontece ninguém admite que volte atrás

mais, tem coisas que não tem como voltar atrás mais. Você pode até fazer outras coisas, mas menos do

que foi feito você não pode fazer.

Já comentamos um pouco sobre o crescimento da população, dos problemas urbanos derivados desse crescimento da população e como a Prefeitura tem dado conta dessas demandas...

É a Prefeitura tem que encontrar a melhor forma de organizar isso. É a pressão popular que faz você

moldar o atendimento, infelizmente é assim. A gente nunca consegue chegar antes, está sempre tentando

acomodar a demanda.

A Prefeitura já conseguiu encaminhar projetos, como de habitação, para angariar verbas do PAC?

No PAC no PAC mesmo, tem algumas coisas lá para construção de casas, casas de baixo custo, casas

para doar para a comunidade. Projeto de canalização do Biriguizinho.

Esse projeto recebeu verbas do PAC?

Não esse foi com verbas próprias. Mas nós encaminhamos agora para fazer uma parte nova. Na saída do BTC (antigo Birigui Tênis Clube, hoje sede do Sesc) tem um córrego que passa embaixo ali, foi

canalizado até a Rua São Paulo, agora o projeto nosso é canalizar da Rua São Paulo até a João Cernack

para que acabe as inundações na região e depois continuar a canalização da Egídio Navarro até o Teresa

Barbieri (do Biriguizinho), esse é dos pedidos e, um projeto grande que tem em Birigui, está no Plano

Diretor, é restabelecer a malha viária da cidade. Criar como se fosse uma avenida de contorno, para

disciplinar o trânsito da cidade, tem muito caminhão no meio da cidade, todo mundo entra atravessa a

cidade inteirinha para sair do outro lado, então, a gente quer criar uma nova possibilidade de transporte. E

a estação de tratamento de esgoto, que está na fase final, mas que precisa de recursos porque é um poço

sem fundo. Tem que estar sempre na ponta da tecnologia, caso contrário, você perde o controle

execucional . Quando foi aprovado você poderia fazer tratamento químico com os resíduos, hoje, você

tem que impermeabilizar o fundo com geomembrana. Fazer uma lagoa com geomembrana, você gastar uns 5, 6 milhões por lagoa e são 6 lagoas. Nós temos um outro projeto que é reordenar a distribuição de

água na cidade, nós temos hoje a captação de águas de superfície, mas tem dois poços profundos. No

poço profundo nós temos o problema com fluorose, a água tem um certo sabor. Então, a gente tem que

fazer adutoras para interligar a nossa captação com esses poços para melhorar a qualidade e o sabor dessa

água. Temos que melhorar isso. A rede de distribuição do centro é muito antiga, tem que refazer. O

Ministério das Cidades fez um projeto para Birigui de leitura de tudo isso, tem um custo de 40 milhões

para fazer esse projeto inteiro, então, tudo isso a gente está lutando no PAC para ver se a gente consegue.

E esse contorno viário poderia talvez, incentivar essas indústrias que estão no centro, porque ainda tem

muita indústria no centro da cidade, a sair...

A idéia é que no Portal da Pérola, no fundo do Portal da Pérola se abra um novo espaço para um Distrito

Industrial. Entra-se por ali, pela Avenida do Portal da Pérola, faz o contorno todo por traz da cidade. É isso.

Quando entrei no site da Prefeitura vi que o Sr. fez um mestrado em Políticas Públicas pela Unicamp,

qual foi o tema da pesquisa?

Foi sobre as faculdades isoladas.

Faculdades isoladas?

Na época eu era diretor da Fateb, eu estudei as faculdades isoladas a partir da participação dos órgãos

colegiados. Foi nessa área que a gente fez.

Então acho que podemos encerrar. Obrigada Secretário. Disponha.

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APÊNDICE C Entrevista com Diretor do Departamento de Desenvolvimento Industrial

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Entrevista com Diretor do Departamento de Desenvolvimento Industrial (Sr. Bini)

Qual sua vinculação com o setor industrial?

Trabalhei 23 anos na fábrica de meias Winston, no setor financeiro e como contador, e tem 10 anos como

coordenador do Projeto Incubadora de Empresas que abriga atualmente 11 empresas, então, minha vida

inteira ligada à indústria. Recebi uma oferta de uma empresa particular, para trabalhar no Financeiro,

fiquei 1 ano e recebi convite do Toninho para trabalhar aqui na Secretaria de Indústria e Comércio.

Sabia que o conhecia de algum lugar, estive na Incubadora em 2005 e conversei com o Sr.

Sim eu saí da Incubadora em fevereiro de 2008, agora voltei, entre aspas, um pedacinho aqui e um

pedacinho lá.

E a Incubadora funciona hoje, só com empresas do ramo calçadista?

Na realidade tem calçados, confecções e componentes também, tem serigrafia, silk, a tendência aqui é o

calçado, então a demanda maior é por calçado.

Então, o papel da incubadora é dar acessoria administrativa...

Ela dá condições para o empresário se tornar um empreendedor. Na realidade, fabricante tem bastante,

fabricar é fácil, ninguém ensina ninguém a fabricar, normalmente a pessoa aprende dentro da indústria, o problema é administrar. A maioria dos nossos empresários de Birigui são “chão de fábrica”, como nos

chamamos. O cara saiu do nada- de cortador, montador- juntou com mais outro e montou uma empresa,

então, normalmente ele não sabe administrar uma empresa. O papel da Incubadora é a capacitação dessas

pessoas, desses empresários, para se tornar empreendedor, porque não é fácil.

Como o Sr. define o perfil do empresário birigüiense?

É um empresário tradicional, um pouco resistente sim. Isso eu estou falando a partir da experiência de

Incubadora. Ele (empresário) nunca tem tempo para aprender, para fazer um treinamento, sempre está

cansado, acha os cursos cansativos... Então, se ele for ver bem, se não fizer isso não sobrevive. Ele quer

resolver o problema de produção, para isso ele tem tempo 24hs, se falar em administração ele cai fora.

Infelizmente, não tem essa cultura empreendedora. Agora, isso não é um problema só de Birigui, isso é uma cultura de modo geral.

Principalmente em ramos mais tradicionais, como o da confecção e calçados.

É, quem trabalha com software, emprega um pouco mais de tecnologia, a pessoa é mais preparada pra

isso, tem que fazer um curso, tem que ter uma faculdade. Mas até esses também são resistentes porque

acham que já sabem tudo, quando na realidade não sabem. A realidade é bem diferente da teoria, a teoria

é muito bonita, mas o dia-a-dia bem diferente, no dia-a-dia se testam todas teorias. (risos)

Tem se ouvido falar muito de parcerias entre empresas, de empresas que trabalham de forma cooperativa,

inclusive essa é uma das diretrizes do Sebrai. Nesse sentido, como o Sr. avalia a realidade das empresas

de Birigui?

Na Incubadora a gente incentiva essa prática. São empresas que estão todas juntas, no mesmo local... Mas não é fácil, as empresas são muito resistentes, não tem essa cultura de cooperativismo, aqui em Birigui.

Aqui é cada um por si e Deus para todos. Esta se tentando fazer isso através do Sindicato, do APL que

nós temos aqui na área de calçado, mas falta uma união dos empresários. Uma união para comprar tudo

junto, dividir os problemas, isso não tem. Eu não vejo essa união entre os empresários aqui.

E formas de compartilhar o conhecimento? Por exemplo: um empresário desenvolveu uma nova técnica

para a produção...(interrupção)

É difícil, eu não vejo isso aqui. Porque se ele desenvolveu aquilo, ele procura guardar - essa é minha

opinião particular- porque se ele não esconder aquilo, ele acha que está perdendo alguma coisa, porque a

idéia é dele, quando na realidade ele está ganhando. Porque o cara lança, o produto, daqui um mês está na

loja, todo mundo vai ver, então, é uma questão de tempo. E eu vejo uma certa resistência do pessoal em dividir o conhecimento com os outros, é muito individualista. Agora, nós temos essa cultura, é assim que

fomos criados, então, vai demorar para mudar isso, está dentro de nós. Então, quer dizer: eu inventei isso

e eu vou ganhar dinheiro com isso, não vou dividir com ninguém e pronto.

Então, o conhecimento e o desenvolvimento de uma nova técnica ou modelo é uma vantagem

competitiva?

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Competitiva dentro do mercado, isso. Não que ela não vai ser descoberta, mas se eu tiver um modo de

protelar essa descoberta do outro, eles acham que estão levando uma vantagem encima do concorrente. E

eu acho que não estou muito errado....

Quais são as diretrizes políticas da Secretaria para o setor industrial?

Bom, eu vim aqui para a Secretaria a pedido o Sr. Liranço e ele quer fomentar agora, o incentivo....Tem

incentivo? A gente pode ver alguma coisa, mas tem uma política assim: você vem aqui e vai ter isenção

de impostos, não muito dessa coisa em Birigui. Agora, nós estamos muito focados na linha de calçados,

não que não seja bom, é ótimo, só que também nós temos outros segmentos e isso tem que ser explorado. Temos indústria de móveis, metalurgia, confecções, então a gente tem que procurar fomentar isso.

Voltando no que a gente já falou, hoje o calçadista hoje, está bem mais unido. Tem o Sindicato, onde se

reúne, se discute, se fala. Quando tem algum problema, o empresário leva para lá, nem tudo se leva mas,

mas leva e o Sindicato procura resolver e compra mesmo a briga do pessoal (dos empresários). O que eu

vejo: móveis, metalurgia, confecções estão muito dispersos, cada um atira para um lado. Então, está na

hora da gente ajudar o pessoal a se unir, formando um APL, fazendo reuniões para ver se eles se

integram, porque eu não vejo essa união.

Então o Sr. acha importante que haja uma diversificação das atividades econômicas no município?

Sim, eu vejo que isso é necessário porque, por exemplo: se começa uma crise no setor de calçados, nós

temos metalurgia, móveis, confecções, elas estão aí. Se der uma crise no setor de calçados hoje, o que vai acontecer? Praticamente quebra. Birigui emprega, mão-de-obra direta, cerca de 20 a 23 mil pessoas só no

ramo calçadista, fora os agregados, componentes, essa história toda. Então você vê que o leque é grande.

A gente não pode ficar dependendo só... Vamos voltar um pouquinho lá atrás, na monocultura do café, o

que aconteceu com o Brasil? Quebrou. Deu a crise do café -aquela crise que eu não lembro o ano-

praticamente quebrou o país. Por quê? Porque só tinha um tipo de agricultura. Ninguém comprava mais

café, todo mundo jogou o café fora, todo mundo quebrou. Não é o caso de Birigui, mas, a gente tem que

diversificar o nosso tipo de indústria, justamente para ter mais opções de trabalho. E fugir um pouco dessa

tal crise que todo mundo fala, fala... mas a gente não pode depender de um setor só não. Não deve!

E a crise econômica que tanto tem se falado na mídia, o Sr. acredita que teve ou está tendo, um

rebatimento na economia local no que se refere a desemprego, diminuição das exportações...? Bom a exportação, para Birigui, está a um nível baixo desde a época da entrada da China. Então, já vem

num processo de baixa de exportações há algum tempo. Não vejo isso como uma conseqüência da crise,

não que não tenha influência, mas a conseqüência maior foi quando a China resolveu abrir para o

mercado e vender um monte de coisa barata aqui. Eu não vejo a crise afetando nossas exportações hoje.

As exportações caíram em virtude da entrada da China no mercado.

Eu não vejo essa... O sapato há uma sazonalidade nesses meses, pode ser que afetou, um pouquinho a

mais, um pouquinho a menos, em relações a essa tal crise, mas, é mais proveniente as sazonalidade do

sapato. No começo do ano, o sapato normalmente cai. Não estou vendo ainda, esse desemprego aqui, o

que temos é o normal, devido à sazonalidade do sapato. Temos que esperar um pouquinho, para ver o que

acontece e aí abrir uma frente. É muito recente.

Sei que tem o problema com a cana-de-açúcar a nível regional, mas eu não vejo essa tal crise afetando

diretamente o setor calçadista.

Como o Sr. avalia a política Estadual e Federal no que se refere ao desenvolvimento do setor industrial?

A maior dificuldade, tanto em nível estadual como federal, para as pequenas indústrias, é a burocracia.

Hoje em dia é muito burocrático para um micro-empresário abrir uma empresa, demora... E, também, vou

voltar a bater naquela velha tecla, os encargos são muito pesados. Então, eu vejo que a maior dificuldade

do empresário, hoje, é a quantidade de impostos que a gente paga.

Eu não vou falar muito da política em nível estadual e federal porque eu não tenho muito conhecimento,

não vou opinar para não falar besteira.

Voltando a questão dos incentivos fiscais, Birigui não oferece nenhum tipo de incentivo às indústrias?

Não, a gente não tinha um plano diretor na cidade e então, não tinha aonde mandar essas empresas, as empresas se instalavam em qualquer lugar. Agora já existe um plano diretor aprovado para a cidade, está

em fase de adaptações, e agente pretende definir áreas de zoneamento onde vão ser feitos mini-distritos,

onde serão feitos outros distritos, a gente está adotando isso aí. Agora dizer que existe uma política

dizendo:

- Venham para cá que vocês terão isenção de impostos. Isso a gente não faz. O que a gente as vezes pode

fazer é alguma parceria, algum comodato... se a gente tiver alguma área disponível para uma grande

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empresa dentro do distrito, a gente ceder. Mas isso tudo dentro do plano diretor, dentro do zoneamento

que a gente está fazendo. Políticas de incentivo assim:

-Vamos para lá que a gente vai ter um monte de regalias. Isso a gente não tem.

Os municípios vizinhos oferecem...(interrompida)

Mas, é mais concessão de áreas, as outras coisas dificilmente vão isentar.

Só no Estado do Mato Grosso do Sul que existe uma política estadual e municipal...(interrompida)

É uma política do Estado, principalmente em Paranaíba, Três Lagoas, que levam indústrias da gente aqui e oferecem isenção de ICMS, uma série de coisas, dá a área, ajuda a construir, sei lá... Têm uma política

muito agressiva, não sei até que ponto é vantajoso para o pessoal de lá. Mas, infelizmente, a gente perde

indústria pra lá, tanto Birigui quanto Araçatuba. Os caras oferecem vantagens que nós não temos, a nível

mais Estadual que municipal.

O Sr. tem conhecimento das empresas que saíram de Birigui e foram para MS?

Na verdade não saíram, só montaram filial. Têm interesses lá, o ICMS é menor que no Estado de SP, mas

que eu saiba, nenhuma empresa fechou aqui e abriu lá.

Nem nos municípios vizinhos?

Não sei, Araçatuba também, um tempo atrás, o pessoal andava reclamando também que perderam, perderam hein, indústrias pra lá. O que não foi o nosso caso, pelo menos, eu não tenho conhecimento

disso. Não é que fechou aqui e montou lá, deixaram de montar aqui para montar lá.

Nos municípios da região administrativa de Araçatuba, as empresas de calçado que montam filias, como

por exemplo: em Coroados tem fábrica de calçado; Santópolis, se não estou enganada, tem a Bout‟s. Seria

mais em busca de mão-de-obra?

É porque em Birigui tem um grave problema, a nível de calçado- voltamos a falar de calçado- as vezes

nós temos falta de mão-de-obra, então, o pessoal tem que procurar onde tem mão-de-obra. E as vezes é

muito mais vantajoso colocar uma empresa em Bilac, em Coroados ou Santópolis, porque ajuda o

município. É ruim para Birigui. Mas é bom para eles, a mão-de-obra fica mais próxima. E na realidade,

Birigui, hoje, recebe pessoas de tudo quanto é lado. É ônibus, e ônibus, e ônibus, chegando de manhã e saindo à tarde. O pessoal vem mesmo para trabalhar aqui. Acho que se montam lá quando não tem jeito

mesmo de suprir as necessidades aqui. É só uma questão de política...

Mesmo porque, eu acredito que por Birigui concentrar um ramo como o calçadista, têm várias empresas

subsidiárias, os serviços que estão disponíveis...(Interrompida)

Porque na realidade, o pessoal que monta lá, depende de Birigui. Hoje toda a cadeia produtiva do calçado

ela tem aqui dentro. Então, ela não é só a fábrica de sapato, atrás da fábrica tem que ter toda a cadeia

produtiva. Em Birigui tem tudo, então, ninguém sai daqui para montar uma empresa de componentes em

Coroados ou em Glicério, o pessoal vem tudo aqui. Bancos. Birigui, tem uma gama de bancos, que lá não

tem.

E indústrias de máquinas e equipamentos já tem em Birigui? Não, que eu saiba não. Tem só as representações do Rio Grande do Sul, de Franca .

Quanto a financiamentos, quais as principais linhas que atendem os empresários locais?

Tem diversas linhas, crédito tem bastante, o problema é a taxa de juros. E normalmente essas linhas de

crédito tipo PROGER, que é um dos juros mais baratos, subsidiados, o próprio BNDES, as vezes o

pequeno empresário não tem como utilizar porque eles também exigem garantia, e o pequeno empresário

não tem garantia. Ele não tem um bem para oferecer. Quando ele compra o maquinário e oferece o

próprio maquinário como garantia tudo bem, quando entras na parte de aval...

Então, o grande empresário...

O grande empresário tem mais condições de pegar juros subsidiados, menores, poruqe tem o que oferecer em garantia. Hoje em dia ninguém dá nada de graça, o banco quer alguma coisa em garantia. Ele não vai

pela cor dos seus lindos olhas verdes te dar cem mil reais sem ter alguma coisa como garantia. E o grande

empresário tem, ou o prédio, ou a fazenda, fica mais fácil. Não dá para falar que só tem dinheiro para os

grandes, é que os grandes chegam mais fácil.

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ANEXO A Alíquotas do Simples Federal

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Partilha do Simples Nacional – Indústria

Receita Bruta em 12 meses (em R$)

Alíquota IRPJ CSLL COFINS PIS/PASEP CPP ICMS IPI

Até 120.000,00 4,50% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 2,75% 1,25% 0,50%

De 120.000,01 a 240.000,00 5,97% 0,00% 0,00% 0,86% 0,00% 2,75% 1,86% 0,50%

De 240.000,01 a 360.000,00 7,34% 0,27% 0,31% 0,95% 0,23% 2,75% 2,33% 0,50%

De 360.000,01 a 480.000,00 8,04% 0,35% 0,35% 1,04% 0,25% 2,99% 2,56% 0,50%

De 480.000,01 a 600.000,00 8,10% 0,35% 0,35% 1,05% 0,25% 3,02% 2,58% 0,50%

De 600.000,01 a 720.000,00 8,78% 0,38% 0,38% 1,15% 0,27% 3,28% 2,82% 0,50%

De 720.000,01 a 840.000,00 8,86% 0,39% 0,39% 1,16% 0,28% 3,30% 2,84% 0,50%

De 840.000,01 a 960.000,00 8,95% 0,39% 0,39% 1,17% 0,28% 3,35% 2,87% 0,50%

De 960.000,01 a 1.080.000,00 9,53% 0,42% 0,42% 1,25% 0,30% 3,57% 3,07% 0,50%

De 1.080.000,01 a 1.200.000,00 9,62% 0,42% 0,42% 1,26% 0,30% 3,62% 3,10% 0,50%

De 1.200.000,01 a 1.320.000,00 10,45% 0,46% 0,46% 1,38% 0,33% 3,94% 3,38% 0,50%

De 1.320.000,01 a 1.440.000,00 10,54% 0,46% 0,46% 1,39% 0,33% 3,99% 3,41% 0,50%

De 1.440.000,01 a 1.560.000,00 10,63% 0,47% 0,47% 1,40% 0,33% 4,01% 3,45% 0,50%

De 1.560.000,01 a 1.680.000,00 10,73% 0,47% 0,47% 1,42% 0,34% 4,05% 3,48% 0,50%

De 1.680.000,01 a 1.800.000,00 10,82% 0,48% 0,48% 1,43% 0,34% 4,08% 3,51% 0,50%

De 1.800.000,01 a 1.920.000,00 11,73% 0,52% 0,52% 1,56% 0,37% 4,44% 3,82% 0,50%

De 1.920.000,01 a 2.040.000,00 11,82% 0,52% 0,52% 1,57% 0,37% 4,49% 3,85% 0,50%

De 2.040.000,01 a 2.160.000,00 11,92% 0,53% 0,53% 1,58% 0,38% 4,52% 3,88% 0,50%

De 2.160.000,01 a 2.280.000,00 12,01% 0,53% 0,53% 1,60% 0,38% 4,56% 3,91% 0,50%

De 2.280.000,01 a 2.400.000,00 12,11% 0,54% 0,54% 1,60% 0,38% 4,60% 3,95% 0,50%

Fonte: Receita Federal , In: www.receita.fazenda.gov.br/publico/legislaçao/resoluçao/2008/resoluçaoCGSN/anexo2.doc