A INTELIGÊNCIA PARA A PSICOMETRIA -...

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A INTELIGÊNCIA PARA A PSICOMETRIA (INTELLlGENCE FOR PSYCHOMETRY) RESUMO Este artigo procura descrever o conceito da in- teligência na psicometria. A psicometria ou abordagem psicométrica, segundo Ancona-Lopes (1987), teve seu início no fim do século XIX com Francis Galton e Herbert Spencer. Neste momento, a psicologia apre- senta uma necessidade de medidas quantitativas, refle- xo da postura científica positivista. "A necessidade de medidas quantitativas era conseqüência da influência da postura científica em relação ao mundo inanimado e àfisica, cuja suposição básica era que qualquer coi- sa que exista, existe numa determinada quantidade e pode ser medido" (ANCONA-LOPES, 1987). Deste modo, tentava-se aplicar, na psicologia, o mesmo mé- todo utilizado nas ciências naturais. Partindo deste pressuposto, características psicológicas poderiam ser descritas e mensuradas dentro do rigor científico e com o auxílio da estatística. A psicometria apresentou im- portante contribuição para a avaliação da inteligência através dos testes psicométricos de inteligência. Palavras-chave: psicologia; inteligência; psicometria; construção de testes. ABSTRACT This article tries to describe the concept of intelligence in psychometry. Psychometry or psychometric treatment, according to Ancona-Lopes (J 987), began at the end of the XIX century with Francis Galton and Herbert Spencer. At present, psychology needs quantitative measures reflecting a scientific positivist posture. "The needfor quantitative measures was a consequence of influence of the scientific posture TANIA VICENTE VIANA 1 RAIMUNDO BENEDITO DO NASCIMENTO 2 in relation to the inanimate world and tophysics, whose basic supposition was that any thing that exists, exists in a certain amount and it can be measured" (ANCONA- LOPES, 1987). In this way, it tried to apply, in psychology, the same method used in the natural sciences. Starting from this presupposition, psychological characteristics could be described and mensured with scientific rigour with the aid of statistics. Psychometry made an important contribution in evaluating intelligence through the psychometrics tests of intelligence. Key words: psychology; intelligence; psychometry; construction of tests. Um conjunto de fatores exerceu influência na construção dos testes em psicologia. Dentre eles, Anastasi (1977) ressalta o tratamento humano das do- enças mentais e os trabalhos dos psicólogos experimen- tais, ambos no século XIX. O interesse pelo tratamento humano dos doentes mentais deparou-se com a neces- sidade de um critério uniforme para a identificação e classificação de cada caso. Somente com o diagnóstico correto, poder-se-ia proporcionar o tratamento adequa- do aos pacientes. Nesta época, surge, então, o interesse pela identificação das diferenças e pela classificação. Os psicólogos experimentais do século XIX não se interessavam pela mensuração de características in- dividuais; ao contrário, buscavam a uniformidade, as descrições generalizadas do comportamento humano. Contudo, seus estudos em laboratório sobre os estímulos sensoriais, dentro do rigor do método científico, in- fluenciaram a natureza dos primeiros testes psicológi- cos, que são caracterizados por testes sensoriais. A preocupação com condições padronizadas de observa- I Especialista em Psicologia e Mestranda em Avaliação Educacional - Departamento de Fundamentos da Educação - Universidade Federal do Ceará. Coordenador do Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida Psicoeducacional - Departamento de Fundamentos da Educação - Universidade Federal do Ceará. • ='"' - E DEBATE' FORTALEZA· ANO 21 • NQ 37 • p. 96-100 • 1999

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A INTELIGÊNCIA PARA A PSICOMETRIA(INTELLlGENCE FOR PSYCHOMETRY)

RESUMOEste artigo procura descrever o conceito da in-

teligência na psicometria. A psicometria ou abordagempsicométrica, segundo Ancona-Lopes (1987), teve seuinício no fim do século XIX com Francis Galton eHerbert Spencer. Neste momento, a psicologia apre-senta uma necessidade de medidas quantitativas, refle-xo da postura científica positivista. "A necessidade demedidas quantitativas era conseqüência da influênciada postura científica em relação ao mundo inanimadoe àfisica, cuja suposição básica era que qualquer coi-sa que exista, existe numa determinada quantidade epode ser medido" (ANCONA-LOPES, 1987). Destemodo, tentava-se aplicar, na psicologia, o mesmo mé-todo utilizado nas ciências naturais. Partindo destepressuposto, características psicológicas poderiam serdescritas e mensuradas dentro do rigor científico e como auxílio da estatística. A psicometria apresentou im-portante contribuição para a avaliação da inteligênciaatravés dos testes psicométricos de inteligência.

Palavras-chave: psicologia; inteligência; psicometria;construção de testes.

ABSTRACTThis article tries to describe the concept of

intelligence in psychometry. Psychometry orpsychometric treatment, according to Ancona-Lopes(J987), began at the end of the XIX century with FrancisGalton and Herbert Spencer. At present, psychologyneeds quantitative measures reflecting a scientificpositivist posture. "The needfor quantitative measureswas a consequence of influence of the scientific posture

TANIA VICENTE VIANA 1

RAIMUNDO BENEDITO DO NASCIMENTO 2

in relation to the inanimate world and tophysics, whosebasic supposition was that any thing that exists, existsin a certain amount and it can be measured" (ANCONA-LOPES, 1987). In this way, it tried to apply, inpsychology, the same method used in the naturalsciences. Starting from this presupposition,psychological characteristics could be described andmensured with scientific rigour with the aid of statistics.Psychometry made an important contribution inevaluating intelligence through the psychometrics testsof intelligence.

Key words: psychology; intelligence; psychometry;construction of tests.

Um conjunto de fatores exerceu influência naconstrução dos testes em psicologia. Dentre eles,Anastasi (1977) ressalta o tratamento humano das do-enças mentais e os trabalhos dos psicólogos experimen-tais, ambos no século XIX. O interesse pelo tratamentohumano dos doentes mentais deparou-se com a neces-sidade de um critério uniforme para a identificação eclassificação de cada caso. Somente com o diagnósticocorreto, poder-se-ia proporcionar o tratamento adequa-do aos pacientes. Nesta época, surge, então, o interessepela identificação das diferenças e pela classificação.

Os psicólogos experimentais do século XIX nãose interessavam pela mensuração de características in-dividuais; ao contrário, buscavam a uniformidade, asdescrições generalizadas do comportamento humano.Contudo, seus estudos em laboratório sobre os estímulossensoriais, dentro do rigor do método científico, in-fluenciaram a natureza dos primeiros testes psicológi-cos, que são caracterizados por testes sensoriais. Apreocupação com condições padronizadas de observa-

I Especialista em Psicologia e Mestranda em Avaliação Educacional - Departamento de Fundamentos da Educação - UniversidadeFederal do Ceará.Coordenador do Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida Psicoeducacional - Departamento de Fundamentos da Educação -Universidade Federal do Ceará.

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ção, como a instrução e o ambiente, é mantida pelostestes até hoje.

Alguns nomes ficaram registrados no históricodos testes psicológicos por sua contribuição à cons-trução dos testes e pelo conceito de inteligência como qual trabalhavam. Francis Galton, biólogo inglês,foi responsável pelo início da aplicação de testes, osquais refletiam a influência das pesquisas sensoriais.Galton acreditava numa estreita correlação entre acapacidade de discriminação sensorial e a capacidadeintelectual. Segundo Anastasi (1977)," Galton acredi-tava que os testes de discriminação sensorial poderi-am servir como processos de aferição do intelecto deuma pessoa". Quanto maior a capacidade de discrimi-nação, mais inteligente é a pessoa e vice-versa. Seri-am, portanto, categorias diretamente proporcionais.

O termo teste mental, contudo, é utilizado pelaprimeira vez na literatura psicológica, pelo psicólogoamericano James McKeen Cattell, num artigo escritopor ele em 1890. Cattell apresentava a mesma visão deinteligência defendida por Galton, fundamentada na ca-pacidade de discriminação sensorial.

Opondo-se contra os testes da época e sua respec-tiva visão de inteligência, Binet e Henri criticam a natu-reza sensorial dos testes e a sua concentração emhabilidades simples e especializadas. Binet elaborou umaescala, em colaboração com Simon, para avaliar a inteli-gência de crianças, conhecida como escala Binet-Sirnon.Este trabalho foi realizado devido à convocação de Binetpelo governo francês para fazer parte de uma comissãodestinada a estudar processos de educação para criançassubnormais, alunas das escolas de Paris.

A escala Binet-Sirnon ou escala de 1905 conti-nha 30 problemas, organizados em ordem crescente dedificuldade, determinada empiricamente.Apesar de con-ter testes perceptuais e sensoriais como era comum naépoca, havia uma quantidade de conteúdo verbal muitomaior do que a de outros testes. Observa-se, em Binet,uma compreensão mais abrangente da inteligência, que,além da discriminação sensorial, envolveria funçõescomo julgamento, compreensão e raciocínio.

A escala de 1905 foi revisada, compondo a esca-la de 1908: o número de testes foi aumentado e algunstestes foram excluídos. O fato de maior relevância, con-tudo, foi que todos os testes foram agrupados em níveisde idade e o resultado poderia ser apresentado comoIdade Mental, ou seja, a que idade de crianças normaiso resultado correspondia.

Em 1911 a escala é novamente revisada, semmaiores modificações fundamentais. A escala é ampli-ada para adultos. É o ano da morte de Binet.

Uma das revisões mais conhecidas da escala deBinet foi feita nos Estados Unidos sob a direção de L.M. Terman em 1916, na Universidade de Stanford. Nesta

revisão, conhecida como escala Stanford-Binet, o con-ceito quociente de inteligência Ql é utilizado pela pri-mehavez.

OS TESTES PSICOMÉTRICOS

Os testes psicométricos, influenciados pelopositivismo, seguem um rigor tanto na sua constru-ção, como na sua aplicação e avaliação. Para a suaconstrução, são utilizados procedimentos estatísticos,onde procura-se observar, dentre outros fatores, se oteste mede realmente o que se propõe a medir, se ositens são adequados ao tipo de teste, se o teste apre-senta estabilidade temporal. O procedimento de apli-cação deve ser uniforme. A avaliação do teste requercomparação dos resultados brutos com medidas re-lativas.

Partindo deste rigor estatístico e científico quecaracteriza os testes psicométricos, Anastasi (1977)apresenta a seguinte definição: "Um teste psicológi-co é, fundamentalmente, uma medida objetiva e pa-dronizada de uma amostra de comportamento". A suafunção básica, de acordo com a autora, seria medirdiferenças entre indivíduos ou entre as reações domesmo indivíduo em diferentes ocasiões. Almeja,ainda, a objetividade, no sentido de que a avaliaçãodo teste não sofra interferência da subjetividade doexaminador.

Para a avaliação do teste, a autora enfatiza a ne-cessidade de compreensão de todo o processo de cons-trução do teste:

E uma avaliação e interpretação adequada dosresultados de testes devem depender em últimaanálise, de um conhecimento de sua constru-ção, do que se pode esperar de sua aplicação,assim como de suas peculiares limitações(Anastasi, 1997).

De um modo geral, o processo de construção doteste, requer que as condições abaixo sejam atendidas.

• Padronização• Precisão• Validade• Normas

Um teste psicométrico precisa ser padronizado,preciso, válido e normalizado. A padronização refere-se à uniformidade tanto da aplicação como da avalia-ção do teste. A instrução deve ser sempre a mesma; oambiente de aplicação deve ser adequado, sem muitaestimulação visual ou sonora; o teste é corrigido a par-tir de tabelas dadas, independendo, portanto, da subje-tividade do avaliador.

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A precisão representa a estabilidade temporal deum teste ou sua consistência. Se, ao realizar um testenuma semana, o resultado é QI = 100 e, após um mês, oresultado é de um QI = 100, o teste não apresenta con-sistência ou estabilidade temporal. A validade expres-sa o grau em que o teste mede, realmente, o que sepropõe a medir. Se for um teste de raciocínio espacial,por exemplo, deve conter itens apropriados, relaciona-dos ao raciocínio espacial.

As normas permitem a interpretação dos resultadosdos testes, através da comparação com os resultados daamostra de padronização utilizada para construir o teste.

o resultado de um indivíduo pode ser avaliadoapenas através da comparação com os resulta-dos obtidos por outros. Como o seu nome indi-ca, uma norma é a realização normal ou média(ANASTASI, 1977).

Observamos, então, que um teste psicométricosegue um rigor científico na sua construção. Almeja seruma medida objetiva de uma amostra de comportamen-to e deve ser padronizado, preciso, válido e normalizado.

o CONCEITO DE INTELIGÊNCIANA PSICOMETRIA

Havia não apenas uma, mas várias idéias sobre oque seria a inteligência. Ela tanto era concebida comouma capacidade geral, ou como capacidades diferencia-das. Na tentativa de organizar as idéias existentes sobrea inteligência, Spearman (in: Ancona-Lopes, 1987) ela-borou o seguinte modelo de classificação para as teo-rias de inteligência vigentes, organizando-as de trêsmodos, a saber:

• Teoria monárquica da inteligência:Conceberia a inteligência como uma capacidade

geral, onde um fator geral de inteligência seria igual-mente importante em todas as tarefas cognitivas.

• Teoria oligárquica da inteligência:Acreditaria que a inteligência seria composta não

apenas de um, mas de vários fatores ou capacidadescom influência aproximadamente igual.

• Teoria anárquica da inteligência:A inteligência também seria composta de vários

fatores ou capacidades, mas, para cada tarefa, haveriauma inteligência específica.

O termo fator de inteligência, na psicometria,decorre de um procedimento estatístico utilizado paraidentificar a presença de elementos comuns nos testes

de inteligência, quais seriam e qual o peso de cada umdeles nos diferentes testes. Este procedimento é conhe-cido como análise fatorial. A variável psicológica cor-respondente ao fator matemático da análise fatorial ficouconhecida como fator psicológico.

Spearman (in: Ancona-Lopes, 1987) utilizou aanálise fatorial para determinar os fatores presentes nostestes. Sua intenção era a de reduzir os dados encontra-dos em um número mínimo de fatores mentais signifi-cativos. Deste modo, isolou dois fatores: um geral oufator g e um específico ou fator e, formulando a teoriabifatorial da inteligência.

Segundo esta teoria, o fator g seria um fator co-mum a todas as habilidades humanas e o fator e seria ofator requisitado a partir da peculiaridade de determi-nada atividade. Os dois fatores estariam presentes emtodas as atividades, mas um ou outro, dependendo dasituação, poderia predominar. Qualitativamente,Spearman definiu o fator g como a energia mental, pre-sente em todas as operações psíquicas. Seria intra-indi-vidualmente constante e inter-individualmente variável.Haveria tantos fatores específicos quantas fossem ashabilidades do sujeito. De modo qualitativo, os fatoresespecíficos seriam os instrumentos através dos quais aenergia mental operaria. Estes fatores poderiam se com-binar para a realização de determinadas tarefas, consti-tuindo fatores grupais.

Como o fator g seria intra-individualmente cons-tante, qualquer pessoa nasceria com um nível predeter-minado de inteligência que permaneceria constante aolongo do desenvolvimento.

Thurstone (in: Ancona-Lopes, 1987) concebe ainteligência como um composto de capacidades men-tais primárias. A inteligência seria composta das seguin-tes capacidades: numérica, visual (espacial), dememorização, de compreensão verbal, de fluidez ver-bal, de indução, de rapidez da percepção, de flexibili-dade da percepção. Tais capacidades mentais variariamtanto inter como intra-individualmente.

Thurstone (in: Ancona-Lopes, 1987) tambémacreditava em capacidades intelectuais gerais, mas es-tas subjazeriam às capacidades mentais primárias. Acapacidade geral poderia explicar as correlações exis-tentes entre as primárias.

Ancona-Lopes (1987) ressalta que o caminho per-corrido pela psicometria não foi o de elaborar primeiroum conceito de inteligência para depois construir ins-trumentos para sua mensuração: ao contrário, mediu pri-meiro para depois tentar definir o que seria inteligência.E, segundo a autora, a psicometria falha em formularum conceito único de inteligência.

Como vimos, a abordagem psicométrica partiudos testes mentais para examinar asfunções in-

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telectuais e tentar descobrir a natureza últimada inteligência. Recorreu à análise fatorial paratentar determinar as correlações entre as ca-pacidades intelectuais, chegando a várias teo-rias que não resolveram oproblema inicial, queera o de se saber se a inteligência era uma ca-pacidade mental geral ou várias capacidadesespecificas independentes. Fornecem, entretan-to, muitos conhecimentos a respeito das dife-renças individuais e da estrutura dascapacidades (ANCONA-LOPES, 1987).

A autora salienta, portanto, que a maior con-tribuição da psicometria seria o estudo das diferen-ças individuais e da sua mensuração. Não sepreocupa, assim, com a gênese do funcionamentocognitivo como Piaget.

Deste modo, observa-se que os testes psicoló-gicos sofreram influência do tratamento humano à do-ença mental e dos psicólogos experimentais, ambosno século XIX. O tratamento humano adequado ne-cessitava de um diagnóstico correto, capaz de dife-renciar ou classificar a patologia. Os psicólogosexperimentais realizaram estudos sobre a capacidadede discriminação sensorial a partir do rigor do métodocientífico que influenciaram a natureza dos testes empsicologia. Os primeiros testes continham muitos tes-tes sensoriais e o próprio conceito de inteligência ado-tado relacionava-se à capacidade de discriminaçãosensorial: quanto maior a capacidade de discrimina-ção, mais inteligente.

Alguns nomes contribuíram de modo decisivopara a construção dos testes. Galton iniciou a aplica-ção dos testes. Cattell utilizou o termo teste mentalpela primeira vez na literatura psicológica. Ambos,Galton e Cattell, acreditavam que a capacidade dediscriminação sensorial era diretamente proporcio-nal ao intelecto. Binet constrói uma escala de inteli-gência rica em conteúdos verbais. Para Binet, ainteligência iria além da capacidade sensorial, abran-gendo julgamento, compreensão e raciocínio. A es-cala de Binet sofre revisões: na última feita por Binet,em 1911, os resultados são apresentados em IdadeMental e na revisão de Terman, em 1916, os resulta-dos são apresentados em QI.

Ancona-Lopes (1987) ressalta que foram criadosmuitos testes para medir inteligência mas que haviapouca preocupação com a teoria, com o conceito deinteligência. Com o tempo, a necessidade de uma fun-damentação teórica foi se tomando cada vez maior.Foram realizados congressos para buscar-se uma de-finição do conceito de inteligência utilizado nos testes,mas não foi possível a definição de apenas um conceitode inteligência.

AVALIAÇÃO ATRAVÉS DOS TESTESPSICOMÉTRICOS

Para a interpretação do resultado dos testes, re-corremos ao processo de normalização ou às normasdos testes. De acordo com Anastasi (1977), as normasfornecem os dados que permitem comparar o resultadode determinado sujeito com os resultados obtidos naamostra de padronização.

No processo de construção dos testes, utiliza-se -uma amostra de padronização. A amostra de padroni-zação é uma amostra grande e representativa do tipo desujeito para o qual o teste foi planejado. Este grupo ser-ve para estabelecer as normas, ou a realização da amos-tra de padronização. Esta realização indica queresultados encontram-se na média ou acima e abaixodela. Deste modo, é possível identificar-se as diferen-ças, função dos testes psicométricos.

Qualquer resultado só pode ser interpretado emrelação a uma norma. Um resultado bruto isolado nãotem sentido algum. Portanto, ele é transformado em al-guma medida relativa, o que permite posicioná-lo emrelação à amostra de padronização. Podemos encontrarmedidas relativas como:

• Idade• Percentil• Resultados Padrão

Nos resultados por idade, encontramos a idademental, conceito já referido na escala de Binet de 1908.A idade mental corresponde a resultados da amostra depadronização. Por exemplo, se uma criança de 7 anosde idade obtém um resultado equivalente ao obtido porcrianças de 5 anos, sua idade cronológica é 7, mas suaidade mental seria de 5 anos de idade.

Do conceito de idade mental, foi derivado o con-ceito de quociente de inteligência ou QI, onde divide-se a idade mental pela idade cronológica. Para evitarnúmeros quebrados, multiplica-se a fração por 100,isto é,

1MQ1=-xl00

1C '

onde,QI, é o quociente de inteligência;1M, é a idade mental;Ie, é a idade cronológica.

Logo, se a idade mental equivale à idade crono-lógica, o QI será igual a 100, que corresponde à média.

Outra medida relativa utilizada na avaliação do-testes é o percentil. O percentil indica a posição do .

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divíduo na amostra de padronização em termos de por-centagem de pessoas. O percentil 50 corresponde àmediana e nos informa que 50% das pessoas da amos-tra de padronização conseguiram este resultado. Opercentil30 corresponde a 30% das pessoas da amostrade padronização e assim por diante.

Os resultados padrão representam a distância doindivíduo em relação à média através do desvio-padrão.Um exemplo de resultado padrão é o z, que é encontra-do pela diferença entre o resultado bruto e a média, di-vidida pelo desvio-padrão do grupo normativo ouamostra de padronização.

X-Mz=---DP ,

onde,X é o resultado bruto;M é a média do grupo nonnativo;DP é o desvio-padrão do grupo nonnativo.

Se o resultado bruto for igual à média, o resulta-do é zero. z = zero, indica resultado igual à média. Se zfor positivo, o resultado encontra-se acima da média ese for negativo, encontra-se abaixo.

Em suma, a avaliação dos testes psicológicosrecorre a procedimentos estatísticos, através da com-paração dos resultados brutos com as normas, ou seja,com a realização do grupo de padronização. Para estacomparação, os resultados brutos são transformadosem medidas relativas como: idade, percentil e resul-tados padrão. A psicometria, através deste artifício,preocupa-se com a objetividade da avaliação, demodo que a subjetividade do avaliador não interfirano resultado.

CONCLUSÃO

A psicometria proporciona um método de avali-ação da inteligência amplamente respaldado pelo mé-todo científico, entendido de modo positivo, ou seja,com a preocupação de medir, de quantificar própria dométodo utilizado nas ciências naturais. Os testespsicométricos de inteligência, do modo como estãoestruturados, permitem a identificação das diferençasindividuais, sendo adequados sempre que este tipo deidentificação for necessário.

O histórico dos testes de inteligência revela, con-tudo, que, antes de se definir um conceito de inteligên-cia, a inteligênciajá estava sendo medida: o conceitoveio num momento posterior. Deste modo, houve umamaior preocupação metodológica do que conceituaI.Este fato aliado ao uso indiscriminado dos testes acar-retaram o descrédito dos testes psicométricos.

A psicometria não se preocupa com a gênese dainteligência, que é estudada por autores como Piaget eVygotsky, proporciona um modo de avaliação descon-textualizado, ou seja, fora da realidade do sujeito, comocritica Gardner. Portanto, para uma compreensão rela-tiva à gênese da inteligência e para uma avaliaçãocontextualizada, a psicometria mostra-se inadequada,sendo melhor recorrer aos autores acima citados.

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