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BRUNA SIMÕES LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A DEFESA COLETIVA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR MESTRADO EM DIREITO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA SÃO PAULO – 2012

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BRUNA SIMÕES

LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A DEF ESA

COLETIVA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

MESTRADO EM DIREITO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

SÃO PAULO – 2012

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BRUNA SIMÕES

LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A DEF ESA

COLETIVA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

Dissertação apresentada à banca examinadora da Faculdade de

Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de mestre em Direito das

Relações Sociais, sob orientação da Professora Doutora Patrícia

Miranda Pizzol.

São Paulo

2012

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BRUNA SIMÕES

LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A DEF ESA

COLETIVA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

Banca Examinadora

________________________

________________________

________________________

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Aos meus queridos pais,

Teresa e Saul, pelo apoio

e dedicação de toda uma vida

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO______________________________________________________________ 4

1 – Direito do Consumidor: Breve Histórico______________________________ 5

1.1 O Desenvolvimento do Direito do Consumidor no Mundo_________________ 10

1.1.1 Revolução Industrial e desenvolvimento das relações mercantis____ 12

1.1.2 Resolução 39/248 da Organização das Nações Unidas____________ 13

1.1.3 Proteção ao consumidor nos Estados Unidos____________________ 15

1.1.3.1 A Class Action Norte-Americana____________________________16

1.1.4 Proteção ao consumidor na Europa___________________________ 30

1.2 O Desenvolvimento do Direito do Consumidor no Brasil________________ 36

1.2.1 Evolução Legislativa________________________________________ 36

1.2.2 O Direito do Consumidor e a Constituição Federal ______________ 40

1.2.3 Dispositivos Constitucionais de Defesa do Consumidor ___________46

1.2.4 O Código de Defesa do Consumidor e Política Nacional de Relações de

Consumo_________________________________________________ 48

1.2.5 A tutela coletiva das relações de consumo______________________ 53

2 – A tutela dos direitos metaindividuais do consumidor e as previsões

legislativas__________________________________________________________56

2.1 Código de Defesa do Consumidor e Diferenciação dos Direitos Coletivos Lato

Sensu______________________________________________________________58

2.1.1 Direitos Difusos _________________________________________________ 58

2.1.2 Direitos Coletivos ________________________________________________ 59

2.1.3 Direitos Individuais Homogêneos____________________________________62

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2.2 Formas de Defesa do Consumidor em Juízo no Código de Defesa do

Consumidor_____________________________________________________ 64

2.2.1 Microssistema das Ações Coletivas ________________________________ 66

2.2.2 Disposições Processuais _________________________________________ 67

2.3 Legitimidade para Ações Coletivas Envolvendo Relações de Consumo ______ 70

2.3.1 Legitimados e os princípios da Constituição Federal __________________ 77

2.3.2 Natureza Jurídica da legitimidade _________________________________ 80

2.3.3 Necessidade de pertinência temática ________________________________82

3 – Defensoria Pública e Legitimidade para Defesa de Interesses Coletivos de

Direito do Consumidor_____________________________________________ 86

3.1 Defensoria Pública e seu papel constitucional____________________________ 92

3.1.1 Função Essencial à Justiça_______________________________________ 94

3.1.2 Defensoria Pública e Efetivação da Dignidade da Pessoa Humana________96

3.1.3 Defensoria Pública e Assistência Jurídica e Judiciária_________________ 100

3.2 Lei Complementar 80/94___________________________________________ 104

3.3 Conceito de Hipossuficiência_________________________________________ 108

3.3.1 Hipossuficiência Econômica_______________________________________ 109

3.3.2 Hipossuficiência Jurídica_________________________________________111

3.3.3 Hipossuficiência Organizacional___________________________________ 113

3.3.4 Vulnerabilidade no Código de Defesa do Consumidor_________________ 115

3.4 Defesa de Direito Individual Homogêneo do Consumidor e grupos não

hipossuficientes economicamente ____________________________________ 117

3.5 Defesa de Direitos Difusos do Consumidor ____________________________ 119

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3.6 Consumidores Superendividados ____________________________________ 119

3.7 Litisconsórcio ____________________________________________________ 121

CONCLUSÃO _____________________________________________________________125

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________________________________127

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Defensoria Pública do Estado de São Paulo pela oportunidade que me

foi concedida.

Ao Professor Doutor Antonio Carlos da Ponte por todo apoio e acompanhamento

durante meus estudos.

Agradeço à Professora Doutora Patrícia Miranda Pizzol pelas aulas de Direito

Processual Civil na graduação e pela dedicada orientação neste mestrado.

Ao meu noivo Rodrigo pelo incentivo.

Ao meu irmão Saul por saber que sempre posso contar com ele.

Aos meus amigos Débora, Tiago e Glauber pela paciência durante a finalização

deste trabalho.

.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo uma análise da legitimidade ativa para a

defesa de direitos coletivos do consumidor, especialmente sobre a legitimidade da Defensoria

Pública. A dissertação pretende estudar quais os limites da Defensoria Pública na defesa

desses direitos, bem como o fundamento para a sua atuação.

Iniciaremos com um breve histórico do direito do consumidor no mundo para

posteriormente analisar o desenvolvimento e as disposições constitucionais e legais sobre a

matéria no direito brasileiro. Faremos uma diferenciação entre os direitos chamados de

coletivos latu sensu e a análise de algumas das disposições processuais específicas do

processo coletivo.

Será então analisado o papel da Defensoria Pública no Estado Democrático de

Direito e a sua importância para o efetivo acesso à justiça. Verificaremos as disposições legais

que regulamentam a Defensoria Pública e sua atuação, bem como o conceito de

hipossuficiência.

Ao final, serão analisadas as hipóteses de cabimento da atuação da Defensoria Pública

na defesa do direito do consumidor e ainda questões referentes ao litisconsórcio, à defesa de

direitos difusos e aos superendividados.

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ABSTRACT

This work has as its purpose to analize the defense of the consumers rights by all

institutions, especially by the Public Defender. This dissertation intends to study the limits of

this defense by the Public Defender, as well as the foundation of its work.

We will initiate with a brief history of the consumers rights around the world to

then study the development and the constitutional dispositions of this subject in Brazilian law.

There will be pointed out the difference between the collective rights in its broad sense and

the analysis of some specific procedure disposals of the collective process.

We will show the importance of the Public Defense on the Democratic State

based on the Law and its roll on the access to justice. Then it will be studied the law that rules

the Public Defender institution and the concept of disadvantaged.

In the end we will analyze the hypothesis that the Public Defender may defend the

rights of the consumers and some depositions regarding diffuse rights, co-parties on a process

and the rights of the over debt consumers.

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INTRODUÇÃO

A Defensoria Pública como função essencial à justiça surgiu, no Brasil, com a

Constituição Federal de 1988. Além de sua importante função de proteção ao direito

individual daqueles que não possuem condições de contratar um advogado particular, surgiu a

possibilidade de sua atuação também no que tange à proteção dos direitos coletivos.

Com o advento da Lei n° 11.448 de 2007, que textualmente estabeleceu a

legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ações coletivas, iniciou-se a

discussão sobre quais seriam os limites dessa atuação.

Este trabalho pretende discutir os limites da defesa de direitos coletivos lato sensu

pela Defensoria Pública, com ênfase na proteção do direito do consumidor. Pretendemos

ainda estabelecer a importância dessa defesa, mas sem menosprezar a principal função da

Defensoria Pública, que, a nosso ver, continua a ser a defesa individual dos cidadãos

necessitados nos termos do artigo 5°, LXXIV, da Constituição Federal.

Neste sentido, serão trazidas as discussões sobre o conceito de hipossuficiência e

a posição da doutrina e da jurisprudência sobre o assunto. Há de se discutir não só a

possibilidade de a Defensoria Pública atuar em situações em que não se trate de

hipossuficiência econômica, mas também quais disposições processuais das demandas

coletivas se aplicam à Defensoria Pública, como o caso do litisconsórcio.

A escolha do tema justifica-se em razão da novidade da atuação da Defensoria

Pública na tutela coletiva, especialmente nos Estados em que esta foi criada recentemente. A

Defensoria Pública, ao nosso ver, encontra-se em um momento de afirmação enquanto

instituição jurídica fundamental e necessita estabelecer claramente seus limites de atuação

para manter-se fiel ao seu designo constitucional de trazer acesso à justiça.

Evidentemente, não pretendemos esgotar o tema, que ainda é novo e duvidoso em

muitos aspectos, mas apenas colaborar com a discussão trazendo alguns elementos que

consideramos relevantes.

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1 – DIREITO DO CONSUMIDOR : BREVE HISTÓRICO

O direito nasce da necessidade de organização social. Assim, conforme as

sociedades foram se desenvolvendo, novas regras de direito vão surgindo para regular as

novas relações sociais.

Nas palavras de Miguel Reale:

Podemos dizer, sem maiores indagações, que o direito corresponde à exigência

essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade

poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade. É a razão

pela qual o grande jurista contemporâneo, Santi Romano, cansado de ver o direito

concebido apenas como regra ou comando, concebeu-o antes como realização de

convivência ordenada.1

Para Tercio Sampaio Ferraz Jr, aquilo que denominamos direito é, na verdade, o

reconhecimento de ideais e que, não raras vezes, não coadunam com aquilo que verificamos

na conduta social. O autor defende ser o direito um conjunto de contradições e coerências

extremamente complicado para aqueles que não são estudiosos do tema.

Para o autor, o direito tem o condão de proteger a sociedade da arbitrariedade

estatal, mas, ao mesmo tempo, regulamenta a vida social e protege os mais desfavorecidos.

Entretanto, o direito ainda pode ser utilizado pelos detentores do poder como forma de

dominação social para fazer valer apenas aquilo que os convém. A dificuldade do linguajar do

direito e de suas normas e procedimentos o afastam do conhecimento geral, de forma que

apenas uma parcela da sociedade tem a possibilidade de real acesso ao direito e a todas as

suas entrelinhas.2

Na evolução da história do Direito, este passou a ser considerado uma ciência e

uma técnica destinadas a trazer paz social.3

1 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 6ª edição, São Paulo, Ed. Saraiva, 1979, p. 2.

2 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão e dominação, 3ª edição, São

Paulo, Atlas, 2001, p. 31-32.

3 IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito, 4ª edição, Rio de Janeiro, Rio, 1983, p. 15.

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O jurisconsulto Celso, do período clássico do direito romano, formulou uma

definição de direito, citada por ULPIANO (Digesti, 1, 1, 1pr.), que ficou célebre: jus

est ars boni et aequi. Isto é: o direito é a arte do bem e do equilíbrio.4

Nas sociedades primitivas, o direito estava fundado no princípio do parentesco.

Assim, o que determinava as relações sociais era o grau de parentesco e todas as divergências

eram resolvidas pelo chefe do clã. O chefe da família era o legislador e o juiz. A pouca

complexidade das relações e, especialmente, a ausência de escrita sustentavam este modelo.

Nesse período, podemos afirmar que a violação às regras eram aplicadas com

rigor excessivo, sem qualquer proporcionalidade entre a conduta do infrator e a pena que lhe

era imposta.5

As normas eram passadas por gerações através dos costumes. Nesse período as

famílias eram nômades e costumavam deixar os locais assim que não fosse mais possível

explorar a terra ou caçar animais.

A partir do momento em que o homem aprendeu a criar animais para seu

consumo, embora ainda nômades, as famílias passavam mais tempo juntas, pois não havia a

necessidade de caça. Isto trouxe desenvolvimento tecnológico e, com o passar do tempo, as

pessoas passaram a controlar as pastagens, de forma que as mudanças não eram mais

constantes6.

Com a fixação das famílias em um território, surgiu o conceito de propriedade,

que era defendida com a própria vida. Assim, começam a surgir as civilizações da

Antiguidade Clássica, como a egípcia, a babilônia, a grega e a romana, esta última pela qual o

direito é influenciado até os dias de hoje.7

Evidentemente, o princípio do parentesco não conseguiu perdurar com o início do

desenvolvimento das cidades, e foi abandonado para dar lugar às regras gerais e válidas para

todos que viviam dentro da comunidade, independentemente da família.8

4 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, v. I, 3.ed. p. 63.

5 LOUREIRO Filho, Lair da Silva. Introdução ao Direito, 1. ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, p. 16.

6 ibidem, p. 17.

7 ibidem, p. 18.

8 ibidem, p. 15.

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O Direito Romano, passou por três fases. A pré-clássica, em que as regras eram

aplicadas pelos jurisconsultos, que criavam a lei a ser aplicada de acordo com base nos

costumes e nas regras escritas existentes. A fase clássica, em que o papel principal era

desempenhado pelo pretor urbano, que interpretava as normas do ius civile. Na fase pós-

clássica o direito passa a ser elaborado quase exclusivamente pelo Estado, como ocorre nos

dias de hoje9.

Assim descreve José Carlos Moreira Alves:

Como já vimos, nos dois períodos anteriores – o pré-clássico e clássico – a atuação

do Estado, na criação do direito, era, a princípio, diminuta, e só gradativamente vai

crescendo. Assim, na época pré-clássica o Estado só tem ingerência nela através de

poucas leis, e a maioria das normas jurídicas decorre do costume ou da interpretatio

dos juristas; no período clássico, durante o final da república e o início do

principado, destaca-se o ius honorarium, e apenas quando os imperadores, através

de constituições imperiais, começam a ditar normas jurídicas é que o Estado passa a

atuar decisivamente na elaboração do direito, entrando as demais fontes em

decadência. No período pós-clássico, conclui-se essa evolução passando o Estado,

quase exclusivamente, a elaborar o direito e desaparecendo a distinção entre ius

civile, o ius honorarium e o ius extraordinarium (este em virtude de a cognitio extra

ordinem tornar-se o processo comum, em substituição ao formulário).10

Com a queda de Roma e o início da Idade Média, altamente influenciada pela

Igreja Católica, o direito era visto como dogma. Foi nessa época que a ciência jurídica passou

a ser estudada na universidade e os livros eram a fonte de autoridade. Nessa época surgiu o

Direito Canônico11.

O direito feudal era baseado em normas que definiam as relações de respeito,

dominação e exploração fundadas na relação entre o senhor feudal e seus vassalos. O direito

se fundava em dois princípios, as leis de aplicação pessoal e o direito costumeiro de um dado

território.

9 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano, v. 1, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1971, p. 86.

10 ibidem, p. 86-87.

11 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada: Teoria Geral das Ações Coletivas, 2.

ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, p. 38-39.

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Já o direito canônico era responsável por decidir questões do bem-estar das almas

e pressionava as cortes para aplicarem também o direito canônico a todas as disputas.12

A partir do Renascimento o direito foi perdendo seu caráter sagrado e ético e

passou a ser visto como algo técnico e que deveria seguir um sistema. A ascensão da

burguesia e a necessidade de criação de leis que se adequassem aos seus negócios separaram o

direito da religião e deram início ao direito moderno.13

Na Era Moderna, o direito passou a ser escrito e a teoria clássica da divisão dos

poderes da sociedade separou a política do direito. A neutralidade do Poder Judiciário e a lei

escrita como principal fonte do direito surgiu nessa época.

Na classificação elaborada por Norberto Bobbio14, com o Estado moderno surge a

mudança no modo de encarar a relação política, que anteriormente centrava-se na figura do

soberano, e agora considera o cidadão e seus direitos. Para o autor, os direitos do homem

surgem de uma inversão de perspectiva, entre o Estado e os cidadãos, e não mais entre súditos

e soberanos.

Reconhecendo com isso que os direitos do cidadão de um Estado cederão espaço

para o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo, como na Declaração Universal dos

Direitos do Homem. Bobbio15 classifica os direitos em quatro gerações: Primeira Geração

(representada pelos direitos civis; as primeiras liberdades exercidas contra o Estado), Segunda

Geração (representada pelos direitos políticos/sociais; direitos de participar do Estado),

Terceira Geração (econômicos, sociais e culturais; e a mais importante seria aquele

representado pelos movimentos ecológicos) e Quarta Geração (exemplificada pela pesquisa

biológica, defesa do patrimônio genético etc.).

Os direitos de Primeira Geração, também chamados de direitos individuais,

nasceram em decorrência da necessidade de autonomia e defesa que surgiu exatamente na

12

LOUREIRO Filho, Lair da Silva, op. cit., 18.

13 TIGAR, Mochael E., Lew, Madaleine R. O direito e a ascensão do capitalismo, 1. ed., Rio de Janeiro, Zahar

editores, 1978, p. 57.

14 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 10. ed., Rio de Janeiro, Campus, 2004.

15 ibidem, p. 62.

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época da Revolução Francesa, em que os revolucionários queriam um freio para a atuação

estatal.16

A Segunda Geração de direitos humanos, também chamada de direitos sociais,

nasceu em razão da pobreza que assolou as cidades da Europa Ocidental. Os Estados, no

século XIX, passaram a interferir na dinâmica do trabalhador com o empregador, para garantir

minimamente seus direitos.17

Os direitos de Terceira Geração surgiram com a globalização e a superação do

isolamento entre os países.

Paulo Bonavides defende ainda os direitos de quarta geração:

São os direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito de informação e o

direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta ao futuro,

em sua dimensão máxima de universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se

no plano de todas as relações de conveniências.18

O direito do consumidor, como direito difuso, surge como um direito de Terceira

Geração:

O surgimento dos grandes conglomerados urbanos, das metrópoles, a explosão

demográfica, a revolução industrial, o desmesurado desenvolvimento das relações

econômicas, com a produção de consumo em massa, o nascimento dos cartéis,

holdings, multinacionais e das atividades monopolísticas, a hipertrofia da

intervenção do Estado na esfera social e econômica, o aparecimento dos meios de

comunicação de massa, e, com eles, o fenômeno da propaganda maciça, entre outras

coisas, por terem escapado do controle do homem, muitas vezes voltaram-se contra

ele próprio, repercutindo de forma negativa sobre a qualidade de vida e atingindo

inevitavelmente os direitos difusos. Todos estes fenômenos, que se precipitaram

num espaço de tempo relativamente pequeno, trouxeram a lume a própria realidade

dos interesses coletivos, até então existentes de forma “latente”, despercebidos.19

16

BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 79.

17 ibidem, p. 62.

18 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 25. ed., São Paulo, Malheiros, 2010, p. 525.

19 FERRAZ, Antonio Augusto Camargo; MILARÉ, Édis; NERY Junior, Nery. A ação civil pública e a tutela

jurisdicional dos interesses difusos, São Paulo, Saraiva, 1984, p. 75.

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Assim, o direito do consumidor surge em decorrência da evolução das cidades, da

indústria e do comércio. O reconhecimento pela sociedade de que o consumidor estava

vulnerável em termos educacionais, informativos, materiais e legislativos ocasionou a criação

de uma legislação protetiva em diversos países do mundo.20

Nos próximos capítulos mostraremos, de forma concisa, a evolução do direito do

consumidor no mundo e no Brasil.

1.1 O Desenvolvimento do Direito do Consumidor no Mundo

O direito do consumidor teve origem nos principais países capitalistas do mundo,

tais como os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, entre outros. Há quem defenda que o

direito do consumidor poderia até mesmo ser encontrado em ordenamentos da antiguidade,

como o Código de Hamurabi, de Manu e na Grécia Clássica.21

No Código de Hamurabi, poderíamos citar a regra n° 233, que estabelecia que o

arquiteto que viesse a construir uma casa com paredes defeituosas estaria obrigado a

reconstruí-la.22

Na Grécia antiga, por sua vez, a Constituição de Atenas de Aristóteles possuía a

seguinte previsão:

20

“A proteção do consumidor é um desfio da nossa era e representa, em todo o mundo, um dos temas mais atuais do direito. Não é difícil explicar tão grande dimensão para um fenômeno jurídico totalmente desconhecido no século passado e em boa parte deste. O homem do século XX vive em função de um modelo novo de associativismo: a sociedade de consumo (mass consuption society ou Konsumgesellschaft), caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como pelas dificuldades de acesso à justiça. São esses aspectos que marcam o nascimento e o desenvolvimento do Direito do Consumidor como disciplina jurídica. A sociedade de consumo, ao contrário do que se imagina, não trouxe apenas benefícios aos seus atores. Muito ao revés, em certos casos, a posição do consumidor, dentro deste modelo, piorou em vez de melhorar. Se antes fornecedor e consumidor encontravam-se em situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor (fabricante, produtor, construtor, importador ou comerciante) que, inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, ‘dita as regras’. E o direito não pode ficar alheio a tal fenômeno (GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 6).

21 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor, 10. ed., ed. Atlas, São Paulo, 2010, p. 2.

22 ANTONIO, Klausner Eduardo. Direitos do Consumidor no Mercosul e na União Européia: Acesso e

Efetividade, 1. ed., Juruá, Curitiba, 2009, p. 38.

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São também designados por sorteio os fiscais de mercado, cinco para o Pireu e cinco

para a cidade; as leis atribuem-lhes os encargos atinentes às mercadorias em geral, a

fim de que os produtos vendidos não contenham misturas nem sejam adulterados;

são também designados por sorteio os fiscais das medidas e os pesos em geral, a fim

de que os vendedores utilizem os corretos. 23

Entretanto, tais disposições, em verdade, devem ser caracterizadas como de direito

civil, administrativo e comercial. O direito do consumidor só aparece na história a partir da

Revolução Industrial, que deu origem à sociedade capitalista e às relações entre fornecedores

e consumidores:

No entanto, não podemos considerar estas disposições, que poderíamos classificar

como de direito civil, comercial ou administrativo, como direito do consumidor no

sentido de formarem um corpo específico de regras, ou pertencentes a um

microssistema, de componentes normativos unidos por uma filosofia e princípios

próprios, especialmente dirigidos à proteção do consumidor. Essas normas tratavam

o consumidor como qualquer outro contratante civil ou comercial, dentro da

filosofia e dos princípios pertinentes à matéria à qual se vinculam.24

No liberalismo do século XIX poderia se falar em soberania do consumidor.

Nessa época, havia concorrência e os mercados funcionavam como um livre e equilibrado

sistema de oferta e procura. A relação entre consumidores e fornecedores era mais próxima e

os consumidores, ainda que individualmente, tinham efetivo poder sobre os fornecedores.25

Entretanto, como veremos no capítulo a seguir, a revolução industrial alterou essa

dinâmica, e os consumidores perderam esta influência.

1.1.1 Revolução Industrial e desenvolvimento das relações mercantis

O direito do consumidor surgiu, efetivamente, com a Revolução Industrial. O

liberalismo político e econômico que determinava as políticas estatais passou, em certo

23

ARISTÓTELES. Constituição de atenas. São Paulo: Hucitec, 1995. p. 103-247.

24 ANTONIO, Klausner Eduardo, op. cit. p. 40.

25 RIOS, Josué. A defesa do consumidor e o direito como instrumento de mobilização social. Mauad, Rio de

Janeiro, 1998, p. 8.

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momento, a não mais satisfazer as necessidades da sociedade, que precisava de outra forma de

tornar a relação entre os consumidores e fornecedores mais equitativa e justa.26

Com o desenvolvimento das indústrias, surgiram o consumo de massa, os

contratos de adesão e a sociedade capitalista. Com este desenvolvimento, as regras de direito

civil e comercial não bastavam para regular a sociedade, pois as relações de consumo

deixaram de ser entre pequenos comerciantes e os moradores da região para serem entre

grandes indústrias de conglomerados com um sem-número de pessoas:

A desigualdade dos contratantes e a necessidade de proteção estatal ao cidadão,

especialmente na fiscalização de bens que inundavam um mercado em expansão –

inicialmente para assegurar a saúde da população que podia correr riscos diante do

produto sem qualidade, e numa segunda fase tendo em vista a preservação dos

direitos do consumidor decorrentes das relações contratuais desequilibradas –

levaram à adoção de medidas de proteção ao consumidor, especialmente nos Estados

Unidos da América e posteriormente por todo o mundo.27

Para José Geraldo Brito Filomeno, o movimento consumerista teria surgido com o

movimento sindical nos frigoríficos de Chicago, fundando-se a “Consumer League” em

1981.28

A sociedade de consumo se desenvolveu especialmente após a Segunda Guerra

Mundial nos países de primeiro mundo. Esse período foi denominado de época de ouro da

defesa do consumidor e foi protagonizado por dois importantes momentos: o discurso do

presidente Kennedy ao Congresso Nacional dos Estados Unidos e a criação da International

Organization of Consumers.29

Importante ressaltar que o desenvolvimento da tecnologia e dos transportes

colaborou muito para a massificação das relações. A tecnologia desenvolveu formas de

comunicação antes inexistentes entre países e os transportes passaram a permitir um

intercâmbio de mercadorias com uma velocidade e volume nunca antes vistos.

26

ANTONIO, Klausner Eduardo, op. cit., p. 41.

27 ibidem, p. 39.

28 FILOMENO, José Geraldo Brito, op. cit., p. 4.

29 SODRÉ, Marcelo Gomes. A Construção do Direito do Consumidor, Atlas, São Paulo, 2009, p. 22.

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Na sociedade atual, globalizada pela internet, redes sociais e a possibilidade de o

consumidor comprar produtos e serviços em qualquer lugar do mundo sem sair de sua

residência, os países passaram a enfrentar o problema da internacionalização dos conflitos

entre consumidores e fornecedores.30

Com a massificação da sociedade e das relações entre os consumidores e as

empresas, torna-se necessária a mudança do trato entre os consumidores e fornecedores.31

1.1.2 Resolução 39/248 da Organização das Nações Unidas

A proteção do consumidor, como princípio universal e direito fundamental do

homem, foi reconhecida no ano de 1973 na Comissão de Direitos Humanos nas Nações

Unidas. Posteriormente, já em 1985, a ONU editou a Resolução n° 39/248. A resolução foi

editada pela assembleia geral das nações unidas no dia 16 de abril e estabelece normas gerais

para a proteção do consumo.32

A Resolução em sua introdução faz menção à resolução do conselho do ano de

1981 e tem como objetivo estabelecer normas de proteção ao consumidor, levando-se

especialmente em consideração as necessidades dos países em desenvolvimento:

Recalling Economic and Social Council resolution 1981/62 of 23 July 1981, in

which the Council requested the Secretary-General to continue consultations on

30

“A vulneralibidade do consumidor diante do fornecedor é ainda mais evidente nas relações de consumo internacional, que constituem um risco para este consumidor. Esse consumo possui especificações peculiares que o tornam especialmente problemático quando presentes.”(KLAUSNER, Eduardo Antônio, op. cit.).

31 “Mudam-se também as estratégias de defesa dos indivíduos lesados. As lesões em massa produzem efeitos

individuais (os direitos subjetivos sobrevivem), mas o encaminhamento passa a ter de se estruturar coletivamente – nisso residirá a sua força. Se o Sr. X reclama a uma entidade de defesa do consumidor a respeito da dificuldade de “engatar a primeira” no seu carro, tem-se de pensar sempre que isso pode ser sinal de um problema generalizado. Se o problema do Sr. X for encaminhado sob outra perspectiva, estaremos tratando o consumidor como comprador convencional, sob uma ótica equivocada, como se o negócio tivesse sido realizado com um fornecedor ocasional, e não com um ator da produção em massa. Mais: a grande empresa poderá até demonstrar boa vontade em resolver a reclamação do nosso Sr. X, repassaria o ônus para os seus preços livres, para os consumidores, e assim estaria reforçado o seu esquema lesivo à coletividade, em publicações de órgãos de defesa do consumidor poderia até aparecer como uma empresa que resolve cem por cento das reclamações recebidas; com isso, o “prejuízo” poderia ser contabilizado como inteligente estratégia de marketing.” (RIOS, Josué, op. cit., p. 29).

32FILOMENO, José Geraldo Brito, op. cit., p. 5-6.

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consumer protection with a view to elaborating a set of general guidelines for

consumer protection, taking particularly into account the needs of the developing

countries, Recalling further General Assembly resolution 38/147 of 19 December

1983, Noting Economic and Social Council resolution 1984/63 of 26 July 1984:

1. Decides to adopt the guidelines for consumer protection annexed to the

present resolution;

2. Requests the Secretary-General to disseminate the guidelines to

Governments and other interested parties;

3. Requests all organizations of the United Nations system that elaborate

guidelines and related documents on specific areas relevant to consumer protection

to distribute them to the appropriate bodies of individual States.33

Em verdade, a resolução traz uma política de proteção do consumo destinada aos

Estados Unidos, tendo em conta seus interesses e necessidades em todos os países,

especialmente aqueles em desenvolvimento. Verifica-se a preocupação de proteger o

consumidor com relação à sua saúde e segurança, além da imposição de os países formularem

uma política pública de proteção ao consumidor.

Em âmbito regional, a ONU ainda aprovou as recomendações e conclusões do

Seminário Regional Latino-americano e do Caribe sobre a proteção do consumidor, de forma

a adaptar as diretrizes da Resolução para a situação dos países da região. 34

33

Extraído do site das Nações Unidas, em http://www.un.org/documents/ga/res/39/a39r248.htm: “Considerando a resolução econômica e social n° 62 de 1981 de 23 de julho de 1981, na qual o Conselho requereu ao Secretário Geral da Organização para dar continuidade à consulta sobre o direito dos consumidores com o objetivo de elaborar um conjunto de orientações para a proteção do consumidor, levando-se em consideração principalmente as necessidades dos países em desenvolvimento, Considerando ainda a Resolução n° 38/147 da Assembleia Geral de 19 de dezembro de 1983:

1 – Decide adotar as normas gerais de defesa do consumidor anexadas à presente resolução;

2 – Requer que o Secretário Geral divulgue referidas regras para os governos e demais partes interessadas;

3 – Requer a todas as organizações do Sistema das Nações Unidas que apliquem as regras gerais e documentos relacionados em áreas específicas de relevância na proteção do direito do consumidor e que as distribuam para os países.” (tradução livre)

34 idem.

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1.1.3 Proteção ao consumidor nos Estados Unidos

As primeiras legislações de direito do consumidor surgem nos Estados Unidos,

sobretudo após 1962, quando, conforme dito acima, o então presidente John Kennedy, em

discurso no Congresso, apontou os aspectos mais importantes na questão de proteção ao

consumidor. Tais diretrizes serviriam, mais tarde, como base do reconhecimento jurídico

universal.35

Em 1872 foi editada a Sherman Anti Trust Act, conhecida como Lei Sherman,

cuja finalidade era reprimir as fraudes praticadas no comércio, além de proibir comerciais

desleais como, por exemplo, a combinação de preço e o monopólio. Esta esfera protetiva foi

ampliada no ano de 1887, em que foi criada uma comissão regulamentadora e fiscalizadora do

tráfico mercantil entre os Estados da Federação36.

Além de leis estaduais sobre o tema, foi no início do século XX que o movimento

de proteção ao consumidor voltou a ter força nos Estados Unidos. Em 1906, o Congresso

Americano aprovou The Pure Food and Drug Act, que impedia os fornecedores de vender

comida e remédios adulterados, e estabeleceu regras específicas sobre a disposição de datas

de vencimentos e funcionalidades dos produtos.37

Juntamente com o Meat Inspector Act, o governo americano assegurou a

responsabilização de qualquer pessoa que violasse a qualidade da comida e dos medicamentos

utilizados pelos consumidores.

Ainda no início do século XX, os Estados Unidos criaram o Federal Trade

Comission e o Food and Drug Administration, órgãos governamentais regulatórios em favor

dos consumidores.38

Os Estados Unidos até hoje são considerados o país com a legislação

consumerista mais avançada e protetiva do mundo.

O direito coletivo nos Estados Unidos, especialmente o direito do Consumidor, é

protegido através das chamadas class actions, conforme veremos a seguir:39

35

SODRÉ, Marcelo Gomes, op. cit., p. 22.

36 Disponível em http://www.law.cornell.edu/wex/Antitrust

37 Disponível em http://www.fda.gov/RegulatoryInformation/Legislation/default.htm

38 “Proteção do Consumidor, um estudo comparativo internacional”, Fundação Getúlio Vargas, Núcleo de

Pesquisa e Publicações, disponível em bibliotecadigital.fgv.br. Acesso em 22 de fevereiro de 2012.

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1.1.3.1 A Class Action Norte-Americana

No caso do direito processual coletivo, o direito comparado é fundamental,

especialmente ao direito norte-americano das denominadas class actions, que foram a base do

direito coletivo brasileiro.40

A tutela coletiva possui o condão de efetivar três importantes objetivos: promover

a economia processual, o acesso à justiça e a aplicação voluntária e autoritativa do direito

material.41

Outros objetivos podem ser atribuídos às ações coletivas, porém, pode-se afirmar

que os três acima especificados são os mais importantes e serão estudados a seguir42.

a) economia processual

No direito americano, a economia processual e a eficiência processual são valores

essenciais. As ações coletivas permitem que inúmeras ações individuais sejam substituídas

por uma única. As ações coletivas também trazem economia financeira, uma vez que os

custos da demanda são rateados entre todo o grupo43.

Para o réu, a demanda coletiva também é mais eficiente, pois, se julgada

improcedente, impede decisões contraditórias. Se procedente, o réu economizará com o custo

de contratação de advogados em inúmeras demandas individuais.

A economia processual coletiva, no entanto, possui um lado negativo para o réu.

Neste sentido, ensina Antonio Gidi:

39

DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. 1.ed., São Paulo. Saraiva, 2001.

40 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo, 2. ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2011, p.

59.

41GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de tutela coletiva dos direitos: Ações coletivas em uma

perspectiva comparada, Revista dos tribunais, São Paulo, 2007, p. 25.

42 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no Direito Comparado e Nacional, 2. ed., São

Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 26.

43 GIDI, Antonio. op. cit., p. 26.

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A ação coletiva viabiliza a tutela de um grande número de interesses individuais em

uma única ação. Embora o procedimento coletivo tenha um custo apenas

marginalmente superior ao de uma ação individual, a sentença coletiva tem um valor

geometricamente potencializador, de acordo com o número de membros do grupo. A

desproporção entre o baixo custo do processo e o alto valor da sentença faz com que

mesmo uma ação com uma pequena possibilidade de vitória seja economicamente

viável para o grupo, e extremamente perigosa para o réu. A situação de desigualdade

entre as partes persiste, mas agora de forma invertida; a empresa ré passa a estar em

situação de desvantagem: deixa de ser opressora para ser oprimida.44

Não obstante a desvantagem apontada, que decorre da própria natureza das coisas,

as ações coletivas são extremamente benéficas ao sistema, pois, além da economia e

celeridade processual, trazem a segurança jurídica por evitar decisões contraditórias.

b) acesso à justiça

As class actions são fundamentais para a efetivação do acesso à justiça. Por meio

delas demandas que dificilmente chegariam ao Poder Judiciário são propostas. Tal

importância é facilmente verificada nos casos, por exemplo, ligados ao direito do consumidor.

Muitas das regras estabelecidas para os fornecedores de produtos e serviços são

diariamente desrespeitadas sem que haja qualquer punição. Isto porque o prejuízo causado ao

consumidor é de pequena monta ou até mesmo imperceptível diretamente45.

Nessas hipóteses, apenas em raríssimos casos o consumidor irá buscar o

cumprimento da regra judicialmente porque economicamente inviável e a eventual

procedência na demanda não traria qualquer prejuízo ao réu.

Este cenário é alterado quando a demanda é proposta por um legitimado em favor

de centenas ou milhares de pessoas. Ainda que individualmente a demanda não seja eficiente,

coletivamente ela pressiona o réu a adotar as medidas adequadas.

Outros exemplos de acesso à justiça proporcionado pelas class actions são a

defesa de interesses de pessoas que dificilmente teriam condições de sequer conhecer o seu

44

GIDI, Antonio, op. cit., p. 28.

45 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro, um novo ramo do Direito processual,

São Paulo, Saraiva, 2003, p. 60.

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direito, como o caso das crianças, e ainda a de interesses de pessoas que não podem enfrentar

diretamente o autor da conduta, como no caso de as ações trabalhistas.

Assim, é evidente que a utilização das class actions é de suma importância para

que haja um equilíbrio entre os indivíduos e o governo ou grandes empresas.

Há de se noticiar, no entanto, o entendimento de Takeshi Kojima de que estas

demandas servem apenas para tratar de forma coletiva um conflito que sempre foi coletivo.46

Ousamos discordar deste último posicionamento na medida em que os conflitos

podem ser tratados de forma individual e a utilização da demanda coletiva foi a opção dos

autores. Assim, no nosso entender, não se pode falar que o conflito sempre foi coletivo, pois,

se assim o fosse, não poderia existir a possibilidade de optar por não participar do resultado da

demanda (opt-out).

c) efetivação do direito material47

A existência das class actions ameaça a impunidade das empresas que, em razão

da alta lucratividade, deixam de cumprir as regras estabelecidas. Em razão da possibilidade de

punição, a class action estimula o cumprimento voluntário das regras e obrigações.

A sentença da class action pune ainda de forma coletiva, uma infração coletiva,

reforçando a autoridade dos Estados e colaborando na construção de políticas públicas.

A decisão em demanda coletiva dá ao Poder Judiciário a exata dimensão de sua

decisão, podendo ser avaliados pelo julgador todos os aspectos do conflito, trazendo uma

maior possibilidade de a sentença ser, de fato, benéfica à sociedade.

Este estímulo ao cumprimento voluntário das leis é denominado nos Estados

Unidos de derrence. Isto significa o estímulo ao cumprimento voluntário do direito através de

incentivos e punições.48

No Brasil, podemos citar como exemplo de derrence, as multas administrativas

que podem ser aplicadas nos termos dos artigos 55 e seguintes do Código de Defesa do

Consumidor.

46

Apud, GIDI, Antonio. op. cit., p. 33.

47 ibidem, p. 34.

48 GIDI, Antonio, op. cit., loc. cit.

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A class action norte-americana deriva do instituto inglês denominado Bill of

Peace. Na Inglaterra, os tribunais de direito não permitiam o litisconsórcio voluntário fundado

somente nas questões comuns. Já o tribunal de equidade (que possuía a função de regular

situações que o direito não disciplinava de forma adequada) permitia a existência do

litisconsórcio facultativo.49

As cortes de equidade serviam para evitar a multiplicidade de procedimentos e

passaram a exigir que todos os interessados na lide interviessem no processo, sob pena de

extinção. A decisão vinculava todos os interessados.

Com o passar dos anos, verificou-se que esta obrigatoriedade de intervenção trazia

prejuízos às partes e à justiça. A intervenção de todos os interessados prejudicava o

andamento do processo, e a falta de intervenção impedia a prestação jurisdicional.

Para evitar esses inconvenientes, as cortes inglesas criaram o Bill of Peace ações

representativas para os casos em que o grupo era tão numeroso que o litisconsórcio fosse

impossível ou impraticável. Estas ações faziam coisa julgada erga omnes, vinculando todos os

membros do grupo.50

Os Estados Unidos, colônia da Inglaterra, adotaram o mesmo sistema jurídico dos

tribunais de direito e de equidade:

O direito norte-americano, como se sabe, faz parte do sistema de common Law,

estando, por conseguinte, bastante calcado nos precedentes judiciais, embora o

direito escrito, assim como em outros países, venha assumindo paulatinamente um

papel de crescente relevância. 51

Com a independência americana, foi criado o sistema jurídico federal. A primeira

lei sobre a matéria, em âmbito federal, foi editada em 1845 e denominada de rule 48. Esta

regra sofreu uma modificação em 1912 e foi rebatizada de regra 38. Somente em 1938, com a

edição do Federal Rules of Civil Procedure, que a regra sobre a class action assumiu

relevância, pois passou a ser adotada pela Suprema Corte.52

49

MANCUSO, Rodolfo de Camargo, op. cit., p. 31.

50 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit., p. 31.

51 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 58.

52 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. 1. ed. São Paulo. Saraiva, 2001, p. 124.

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Nessa época, a doutrina e a jurisprudência conheciam três tipos de class actions,

dependendo do direito a ser tutelado e dos efeitos do julgamento: (a) a verdadeira class

action, em que o direito era absolutamente comum a todos da classe; (b) a class action

híbrida, em que o direito era comum em razão de várias demandas sobre a mesma matéria; e,

finalmente, a class action não autêntica, ou seja, quando uma questão comum de fato ou de

direito, afetando diversos direitos de várias pessoas que se reúnem para demandar.53

A sentença fazia coisa julgada somente para os membros da classe tanto na ação

denominada verdadeira como na híbrida. No caso da demanda não autêntica, a sentença

apenas teria efeitos para as partes intervenientes.

Somente com a edição da rule 23 as ações coletivas com pretensões indenizatórias

(class action for damages) foram permitidas nos Estados Unidos. Em 2005, a rule 23 sofreu

uma alteração, determinando a competência da Justiça federal para o julgamento de todas as

class actions de alto valor.54

No âmbito federal, a class action americana é regulada pela regra 23 do Federal

Rules of Civil Procedure. Por esta regra, para qualquer demanda deste tipo devem estar

presentes concomitantemente sete requisitos55:

1. Haver uma classe; para a existência de uma classe não há necessidade de

que todos os seus membros sejam previamente identificados ou

identificáveis no princípio do processo. Significa apenas que os contornos

gerais desta classe sejam delineados para ser possível identificar se o

indivíduo faz ou não parte desta classe. Este requisito tem a finalidade de

identificar aqueles que devem ser intimados sobre a existência da demanda,

ou seja, indenizados no caso de alguma condenação em dinheiro.56

2. O candidato a representante da classe ser membro dela; normalmente, um

único autor pode exercer a representação da classe, mas em algumas

situações a jurisprudência exige um número maior de representantes, como

53

ibidem, p. 27.

54 ibidem, p. 125.

55 ibidem, p. 30

56 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 70.

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forma de assegurar uma adequada e justa defesa dos interesses e membros

ausentes. Na class action norte-americana, o efeito da sentença transitada

em julgado atinge todos os membros da classe, independentemente de seu

resultado. Por esta razão, é exigido que o representante tenha seu próprio e

individual interesse na lide, de forma que o resultado também o atinja. É de

fundamental importância a verificação de que não haja conflito de interesses

entre o representante e sua classe. Quando determinado que não há

adequada representação, pode ocorrer a intervenção de outro membro da

classe que seja moral e economicamente mais idôneo. A classe pode ser

ainda dividida em subclasses, cada qual com o seu representante. A

verificação da representatividade adequada é tão relevante que pode ser feita

inclusive após o trânsito em julgado da sentença.57

Importante ressaltar ainda que na class action, caso seja verificado que em algum

momento durante a demanda houve inadequação da atuação do representante, o indivíduo não

sofrerá os efeitos da coisa julgada e poderá rediscutir a matéria em novo processo.

Com a suspeita de inadequação do representante, este deverá depor em juízo e a

defesa procurará provas dessa inadequação. O representante deve conhecer profundamente os

fatos e documentos dos autos e não apenas aqueles relacionados com o seu direito. O

representante deve estar disposto a pagar as despesas do processo, que poderá vincular os

bens processuais.

A classe pode também figurar no polo passivo da demanda, situação em que será

nomeado um representante dos demais. O nomeado pode recusar o cargo, mas o juiz pode

mantê-lo.

3. A classe ser tão numerosa que a reunião de todos os membros seja

impraticável; não é necessária a demonstração de impossibilidade de

reunião, mas de uma acentuada dificuldade ou inconveniência.58 A class

action deve trazer efetiva economia judicial. Se a controvérsia pode ser

57 Ibidem, p. 73

58 DINAMARCO, Pedro da Silva. op. cit. p. 125.

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resolvida eficazmente por meio de ações individuais, não haveria motivos

para se processar a class action. Não há um número mínimo de associados.

Assim, nos casos em que as pretensões individuais sejam de pequeno valor, é muito

provável que o requisito seja considerado presente pelo juiz, uma vez que não é de

se esperar que todos os interessados queiram ou possam se envolver no litígio

individualmente ou em litisconsórcio. Se, ao contrário, o valor das pretensões

individuais justifica economicamente a propositura de ações individuais ou a

intervenção e o grupo não for muito numeroso, o litisconsórcio de todos os membros

do grupo será possível e o requisito não será considerado presente.59

4. Haver questões de fato ou de direito comuns a todos os membros da classe

representada, ou seja, as pessoas representadas devem ter o mesmo

interesse.

5. Os pedidos ou defesas dos litigantes serem idênticos aos pedidos e defesas

da própria classe.

6. Estar configurada a representatividade adequada, ou seja, o autor deve ser

capaz de defender adequadamente os interesses dos membros da classe que

estejam ausentes no processo; este requisito exige que os pedidos e defesas

dos litigantes sejam idênticos aos pedidos ou defesas da própria classe. E,

finalmente:

7. Estar configurada alguma das hipóteses estabelecidas nas alíneas da lei

federal que será analisada adiante.

Além das regras federais, os Estados possuem regras próprias paras as class

actions. Em alguns Estados são exigidos requisitos mais brandos para a propositura das

demandas, como a necessidade de se tratar de uma classe numerosa e a verificação de que a

via administrativa será mais célere que a individual.60

Preenchidos todos os requisitos, é emitido um class certification, que define os

limites da classe e o objeto da demanda, além de apontar o representante adequado. Este class

59

GIDI, Antonio. op. cit., p. 75.

60 DINAMARCO, Pedro da Silva. op. cit., p. 126.

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certification permite que o autor prossiga com a demanda, sem ele o processo deverá seguir a

linha tradicional, ou seja, individual.

A verificação dos pressupostos de admissibilidade da class action, e

consequentemente, concessão dos certifications é realizada na primeira oportunidade após o

ajuizamento da demanda. O juiz ou tribunal pode designar uma audiência prévia para formar

seu convencimento sobre a conveniência da certificação. Existe ainda a possibilidade de em

uma ação individual, em que no decorrer do processo se verifique tratar de direito de classe,

seja requerida a certificação para prosseguir como demanda coletiva.61

A decisão de conceder ou não o certification é condicional e pode ser revogada a

qualquer momento em decorrência de fato superveniente. Contra tal decisão não há recurso,

pois pela legislação dos Estados Unidos apenas as sentenças estão sujeitas a recursos.

A negativa do certification por falta de representante adequado ou de advogado

suficientemente qualificado não impede a possibilidade de sua obtenção por outro

representante. Tanto o autor como o réu podem requerer o certification, assim como este pode

ser concedido de ofício pelo juiz.

Interessante notar que na class action americana a capacidade, a experiência na

matéria discutida nos autos, a reputação profissional e a dedicação do advogado do

representante também são fiscalizadas em razão da proteção dos interesses dos ausentes.

A jurisprudência costuma proibir que os associados sejam sócios ou associados da

firma que patrocina a causa. Com o tempo a jurisprudência americana passou a admitir que

associações promovessem a class action. No entanto, ainda não se pacificou o entendimento a

respeito da necessidade de a associação ter de demonstrar a existência de danos próprios ou se

basta que um de seus associados tenha sofrido. Em alguns casos tem se admitido a propositura

de class action por agências governamentais.

O direito americano ainda atribuiu o controle de cumprimento de determinadas

leis (consumidor, direitos civis etc.) aos próprios beneficiários, e não somente através do

controle estatal. Essa concepção deu origem ao private attorney general litigation, ações de

interesse social (que no Brasil seriam atribuídas ao Ministério Público) propostas diretamente

pelas pessoas que tiveram os seus direitos violados.

61

ibidem, p. 128-129.

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24

O Ministério Público nos Estados Unidos não tem legitimidade para a defesa de

interesses difusos e coletivos.

A regra 23 do Federal Rules of Civil Procedure estabelece três espécies de class

action. São situações fáticas e jurídicas diferentes que são denominadas pressupostos de

desenvolvimento. Para desenvolver-se como uma class action é indispensável, além de

preencher os requisitos já explicitados, que a demanda se encaixe em uma das três hipóteses a

seguir62:

1. A demanda pode ser processada como class action se, além dos

preenchimentos dos requisitos, o ajuizamento de ações individuais por ou em

face de membros do grupo faça surgir o risco de que as respectivas sentenças

nelas proferidas imponham ao litigante contrário à classe comportamento

antagônico ou tais sentenças prejudiquem ou tornem extremamente difícil a

tutela dos direitos de parte dos membros da classe estranhos ao julgamento.

Esta hipótese prevê duas preocupações distintas: o prejuízo do litigante contrário e

com os membros da classe que não integrarem a relação processual.

A preocupação com sentenças antagônicas impede que determinado litigante

tenha de pagar indenização para os membros de uma classe e saia vencedor em relação aos

outros membros. Dá-se tratamento idêntico a todos os membros da classe.

A segunda hipótese impede que o julgamento de uma demanda individual possa

causar prejuízo a quem não é parte na lide. O exemplo mais significativo é a existência de

várias demandas individuais em face de um fundo limitado. Os primeiros litigantes teriam seu

direito indenizado enquanto os demais não conseguiriam receber.63

2. A class action também pode se desenvolver quando o litigante contrário à

classe atuou ou recusou-se a atuar de modo uniforme perante todos os

membros da classe. Nesta hipótese a sentença final imporá à parte um

provimento mandamental para que todos os membros da classe sejam tratados

de forma igualitária. Esta class action é frequentemente utilizada para a

proteção de direitos civis e de outras garantias constitucionais. Nesta class

62

ibidem, p. 149.

63 GIDI, Antonio. op. cit., p. 146.

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action não é admitido pedido de caráter patrimonial. Aproxima-se, portanto, da

ação civil pública para a proteção de direitos difusos.64

3. A última hipótese de class action em âmbito federal é considerada a mais

controvertida e a mais frequente. É denominada de class action for damages. O

fundamento da class action será o tribunal entender que as questões de direito e

de fato comuns aos componentes da classe ultrapassem as questões meramente

individuais e, neste caso, a class action constituirá uma tutela mais adequada

para o correto e eficaz deslinde da controvérsia. Para chegar a esta conclusão,

no caso concreto, o tribunal deverá analisar o interesse individual dos membros

do grupo no ajuizamento ou na defesa da demanda separadamente, a extensão

do conteúdo das demandas já ajuizadas por ou em face dos membros do grupo;

a conveniência da reunião das causas e a dificuldade do processamento da

demanda na forma de class action.65

A defesa do consumidor está inserida na hipótese desta alínea.

Nas class actions americanas os interessados, ou seja, os membros do grupo

devem ser intimados da existência da demanda. A intimação, se possível, deverá ser pessoal.

Os custos com a intimação são do representante da classe, e se este não tiver condições

econômicas de intimar todos os membros do grupo, este deverá desistir da class action.66

Para todas as classes certificadas pela regra 23, alínea b1 ou b2, o tribunal deverá

direta e apropriadamente notificar a classe representada. Para qualquer classe

certificada pela regra 23, alínea b3, o tribunal deverá notificar diretamente a todos os

membros da classe da maneira mais apropriada possível diante das circunstâncias,

incluindo a notificação individual de todos os membros que puderem ser

identificados por um esforço razoável. A notificação deve ser clara e concisa, com

linguagem de fácil entendimento e conter: (i) a natureza da ação; (ii) a definição da

classe certificada; (iii) os pedidos da classe, questões ou defesas; (vi) que qualquer

pessoa da classe poderá atuar no processo mediante advogado se assim o quiser; (v)

que o tribunal excluirá da classe qualquer membro que solicitar a sua exclusão; (vi)

64

ibidem, p. 153.

65 Ibidem, p. 161.

66 DINAMARCO, Pedro da Silva. op. cit., p. 154.

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26

o período e a forma para a solicitação da exclusão e; (vii) os efeitos vinculantes da

decisão nos membros da classe de acordo com a regra 23.67 (Tradução Livre)

A intimação deve ser realizada ainda que por amostragem, e é indispensável,

especialmente na terceira hipótese de class action, já analisada. Isto ocorre porque ninguém

pode ser condenado a perder um direito sem que suas razões possam ser expostas para o

tribunal.

Outra finalidade desta intimação é permitir que o interessado opte por não fazer

parte do processo, denominado como opt-out. Para realizar a manifestação, esta deve ser feita

tempestivamente, ou seja, não pode ocorrer em qualquer momento do processo. Exercido o

opt-out, o representando não será beneficiário se a sentença for procedente. Esta opção de sair

da demanda somente é admitida na hipótese de ações indenizatórias, previstas na terceira

hipótese das class actions. Nas duas primeiras hipóteses este direito não é facultado aos

membros da classe.

O autor que arcar com o custo da intimação dos interessados será devidamente

reembolsado pela outra parte no caso de procedência da demanda. O dinheiro é recuperado do

chamado class recovery, ou seja, aquilo que foi recuperado pela classe.68

Na hipótese da alínea 2, ou seja, a class action que tem como objetivo um

provimento mandamental para o órgão contrário à classe, e ainda na alínea 1, ou seja, a class

action com fundamento na divergência de sentenças ou prejuízo de terceiros, não há

obrigatoriedade de intimação de todos os membros da classe, pois estes não podem exercer o

opt-out. O juiz, no entanto, pode determinar a cientificação dos ausentes através de um

comunicado geral.69

67

Federal Rules Of Civil Procedure, Rule n° 23, C: (2) Notice. (A) For (b)(1) or (b)(2) Classes. For any class certified under Rule 23(b)(1) or (b)(2), the court may direct appropriate notice to the class. (B) For (b)(3) Classes. For any class certified under Rule 23(b)(3), the court must direct to class members the best notice that is practicable under the circumstances, including individual notice to all members who can be identified through reasonable effort. The notice must clearly and concisely state in plain, easily understood language: (i) the nature of the action; (ii) the definition of the class certified; (iii) the class claims, issues, or defenses; (iv) that a class member may enter an appearance through an attorney if the member so desires; (v) that the court will exclude from the class any member who requests exclusion; (vi) the time and manner for requesting exclusion; and (vii) the binding effect of a class judgment on members under Rule 23(c)(3).

68 DINAMARCO, Pedro da Silva. op. cit., p. 156.

69 GIDI, Antonio. op. cit. p. 231.

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A class action americana, ao menos em tese, pode ter um representante da classe

como autor ou como réu na demanda. A defendant class action, ou seja, aquela em que a

classe é ré, é pouco comum nos tribunais americanos. Isto porque seria extremamente difícil a

caracterização da representação adequada, requisito fundamental para uma class action.

De todo modo, ao selecionar um representante para o réu, o juiz deverá verificar

se ele tem recursos suficientes para manter uma tutela adequada.70

No sistema norte-americano comum, grande parte da disputa judicial é realizada

fora dos tribunais, inclusive a produção de provas. Ao juiz caberia o papel de apenas dirigir o

encontro entre as partes e ao tribunal verificar quem está com a razão. Assim, o processo nos

Estados Unidos tem nítido caráter privatístico.

Entretanto, a tutela de interesses coletivos em geral trouxe a necessidade de

transformação do papel do juiz. A class action somente se torna um instrumento valioso se

acompanhado de adequado controle público.

O juiz, nas class actions, possui poderes considerados excepcionais para o sistema

americano. Os principais poderes do juiz na class action são: a análise de admissibilidade e de

adequada representação do processo; a possibilidade de determinar que uma demanda

individual se converta em class action, se assim exigir o interesse público; delimitar o objeto

da demanda ou cindi-la em diversos processos; adotar as medidas para evitar repetições

inúteis; determinar a intimação dos membros da classe; autorizar a desistência, renúncia e

transação, fixação de multas diárias para o cumprimento das decisões.71

A sentença na class action pode ser de obrigação de fazer e não fazer, com

sanções para o caso de inadimplemento ou condenação de reparação de danos, dependendo da

hipótese de cabimento.

Nos Estados Unidos é prevista a figura do fluid recovery, assim como no direito

brasileiro. Por esta forma de reparação de danos, n direito norte-americano, é fixado um valor

aproximado do prejuízo causado aos indivíduos não identificados e o valor é destinado a um

fundo de reparação do bem lesado.

No Brasil esta reparação de danos é prevista no artigo 100 do Código de Defesa

do Consumidor. Para que haja a possibilidade desta execução, deverão estar presentes três

70

ibidem, p. 390.

71 ibidem, pág. 129.

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aspectos: a necessidade de sentença condenatória genérica em direitos individuais

homogêneos; o prazo de um ano contado do trânsito em julgado da sentença e por fim que a

situação de fato indique uma vantagem patrimonial para o condenado ponderando-se a

quantidade de execuções individuais realizadas e a extensão do dano causado.72

A coisa julgada na class action, conforme já explicitado acima, é uma exceção à

regra de que a coisa julgada é somente entre as partes litigantes no processo. O julgamento

favorável ou desfavorável à classe será diretamente eficaz a todos aqueles que o tribunal

declarar como integrantes do grupo.

Por fim, no direito norte-americano não há isenção de custas do processo, o que

significa que todo o valor gasto com o processo será custeado pelo autor. Não existindo

condenação em custas e honorários, tanto o advogado do auto como a recuperação do dinheiro

gasto com o processo serão ressarcidos com a condenação da outra parte ao pagamento de

indenização.73

O direito brasileiro tenta, de alguma forma, obter os mesmos parâmetros do

direito norte-americano no que se refere à legitimidade e ao processamento das ações

coletivas. É impossível traçar uma linha de comparação retilínea, porque de um lado um

sistema de commom Law e de outro civil Law. Nos Estados Unidos os problemas que surgem

no exame de uma ação coletiva são solucionados pelo próprio juiz. Este poder não faz parte

de nosso sistema jurídico. Não obstante as diferenças entre o sistema jurídico brasileiro e o

americano, é evidente que o direito brasileiro, no que tange à tutela coletiva, possui grande

influência do sistema norte-americano.

A class action for damages, já analisada, mostrou-se particularmente relevante

para a experiência brasileira, porque dela derivou nossa inspiração para a tutela coletiva de

interesses individuais homogêneos. Conforme ensina Ada Pelegrini Grinover: a prevalência

das questões comuns sobre as individuais, que é condição de admissibilidade no sistema da

class action for damages norte-americana, também o é no ordenamento brasileiro, que só

possibilita a tutela coletiva dos direitos individuais quando estes forem homogêneos:

72

RODRIGUES, Marcelo Abelha. “Ponderações sobre a Fluid Recovery do artigo 100 do CDC”. In MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias, Processo Civil Coletivo, São Paulo, Quartier Latin, 2005, p. 463-464.

73 ibidem, pág. 363.

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Essa origem comum, como lembra Kazuo Watanabe, ao contrário da relação jurídica

base dos direitos coletivos stricto sensu, não é preexistente à lesão, e sim fruto da

própria lesão ao bem jurídico objeto do direito. Além disso, não significa,

necessariamente, uma unidade factual e temporal, bastando que os danos tenham

como causa fatos dotados de homogeneidade.74

O sistema norte-americano ainda influenciou o direito brasileiro na divulgação

para a propositura da ação para os interessados, previsão do artigo 94 do CDC. A previsão do

direito brasileiro não é tão extensa como no sistema norte-americano, pois lá a previsão é de

intimação pessoal e os indivíduos podem optar por não participar da demanda.

Ao nosso ver a previsão do direito norte-americano tem mais efetividade que a

previsão do direito brasileiro, pois aqui informação sobre a existência da demanda é realizada

por publicação no Diário Oficial, o que acaba por não atingir a maioria da população.

A defesa de direitos difusos e coletivos no sistema brasileiro não tem a mesma

influência do sistema norte-americano que no caso dos direitos individuais homogêneos, uma

vez que, conforme já discutido, não há legitimação do Ministério Público para a defesa de

direitos difusos ou coletivos stricto sensu.

O direito americano não possui previsões como as do art. 82, I, II e III do Código

Brasileiro de Defesa do Consumidor ou do art. 5º, caput, da Lei da Ação Civil

Pública, legitimando o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e

entidades de órgãos da administração pública a propor ações coletivas em benefício

da comunidade. Isso seria, até certo ponto, incompatível com a ideologia

extremamente liberal, não paternalista e privatista em vigor nos Estados Unidos.75

Outra grande influência do sistema americano no brasileiro é a previsão do fluid

recovery. Este instituto foi criado pelo direito norte-americano para os casos em que o

ressarcimento deve ser para milhares de membros da classe, cujas identificações individuais

se tornassem impossíveis. Nestes casos, o juiz, desde logo, já estabeleceria o valor da

condenação total.

74

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Coord. Ada Pellegrini Grinover. 5. ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária: 1998, p. 626-629.

75 GIDI, Antonio. op.cit., p. 124.

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30

O condenado depositaria o dinheiro da condenação neste fundo, cujo objetivo

seria a reparação do dano causado. Este fundo existe no direito brasileiro como o fundo de

defesa dos direitos difusos. E sua precisão está no artigo 100 do CDC.

Conforme explicitado acima, no direito brasileiro este fundo é residual, ou seja,

somente haverá a condenação para o fundo, no caso dos direitos individuais homogêneos,

caso o número de interessados’ em executar individualmente não represente o real dano

causado.76

No direito americano o fundo é o principal destinatário das condenações das ações

coletivas. No Brasil o fundo também recebe os valores decorrentes de indenizações pagas por

demandas de direitos difusos e coletivos stricto sensu.

1.1.4 Proteção ao consumidor na Europa

Podemos dizer que o movimento de defesa dos direitos coletivos na Europa

iniciou-se com os movimentos sindicais.77

Hoje, na União Europeia, a noção de consumidor é dada pela convenção de

Bruxelas assinada em 1968. Por esta convenção, o consumidor é o contratante adquirente de

bens e serviços, no sentido amplo destas palavras, de um fornecedor/empresário, com o

propósito de satisfazer uma necessidade própria e particular como destinatário final e em

termos de consumo privado. Assim, na definição da União Europeia, não se classifica como

consumidor aquele que adquire bens ou serviços para uma necessidade comercial ou

profissional.78

Na Espanha o direito do consumidor está previsto também na constituição. Já no

artigo 1° temos a previsão de tutela do consumidor. No artigo 51 existe a previsão da

obrigatoriedade de o Poder Público garantir a defesa do consumidor, sua segurança, saúde e

legítimo interesse econômico:

76

GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito Processual, 1. ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 140.

77 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 9.

78 KLAUSNER, Eduardo Antonio. op. cit., pág. 71.

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31

Artículo 51:

Los poderes públicos garantuzarán lá defensa de los consumidores y usuários,

protegiendo, mediante procedimientos eficaces, lá seguridad, la salud y los legitimos

interesses económicos de los mismos. [...] los poderes públicos promoverán la

información y la educación de los consumidores y usuários, fomentarán sus

organizaciones y oirán a éstas em lãs cuestiones que puedan afectar aquéllos em los

términos que la ley establezca.79

Na Espanha não há demanda de indenização por direitos individuais homogêneos,

nos moldes da class action for damages americana. Não existe ação coletiva com pedido de

indenização nem mesmo para direitos difusos.

A lei n° 20 de 1984 é considerada a mais avançada no que se refere aos direitos

coletivos80. Trata-se da lei de proteção aos consumidores que estabelece a legitimação das

associações para a propositura de ações versando sobre interesses gerais dos consumidores.

Tal diploma ainda prevê a possibilidade de tutela de interesses difusos.

As associações, para terem legitimidade, devem estar inscritas no Ministério de

Consumo, além de estarem representadas no Conselho de Consumidores e Usuários.

A Constituição Espanhola, no artigo 125, prevê a possibilidade de ação popular. A

demanda popular pode ser utilizada, inclusive, para impugnar decisões administrativas que

importem em prejuízo ao meio ambiente.

A Constituição Portuguesa também traz previsões constitucionais de defesa do

consumidor, incumbindo ao Estado a necessidade de priorizar a garantia de defesa dos

consumidores. O país ainda tem como objetivo da política comercial a defesa dos

consumidores, bem como estabelece no corpo constitucional os principais direitos do

consumidor.81

79

O artigo 51 da Constituição Espanhola pode ser visto pelo site http://pt.scribd.com/doc/2411565/Constitucion-de-Espana. “Os poderes públicos garantirão a defesa dos consumidores e usuários, protegendo, mediante procedimentos eficazes, a segurança, a saúde e os legítimos interesses econômicos destes. 3. Os poderes públicos promoverão a informação e a educação dos consumidores e usuários, fomentarão sua organização e ouvirão a estas organizações de consumidores nas questões que possam afetar a estes nos termos que a lei estabeleça (tradução livre).

80 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional, 2ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 152.

81 Para mais informações, além dos artigos 60, 81 e 99, ver o site www.parlamento.pt.

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Portugal não dispõe de um eficiente sistema processual de proteção aos interesses

difusos e, consequentemente, muitas vezes carece de um ente representativo permanente.

A principal forma de defesa de interesses coletivos em Portugal é a ação popular,

legitimando qualquer cidadão no gozo de seus direitos civis e políticos e as associações e

fundações defensoras do interesse em causa. Os titulares dos interesses em causa devem ser

intimados, podendo intervir no processo a título principal ou pedir sua exclusão dessa

representação para não estarem sujeitos aos efeitos da sentença.82

Existia um projeto de lei para dar legitimidade ao Ministério Público para a defesa

de interesses difusos, mas este foi rejeitado. Os principais defensores dos direitos coletivos

são as associações, que podem intervir inclusive na definição política no que se refere ao meio

ambiente e aos direitos dos consumidores.83

Na doutrina italiana existe ainda uma grande divergência entre a classificação dos

direitos coletivos. Não há a classificação dos chamados direitos individuais homogêneos, mas

apenas coletivos e difusos. Para alguns autores, a diferença entre direitos difusos e coletivos

está no fato de o direito coletivo se referir a um grupo organizado, semelhante à classificação

do direito coletivo no Brasil84.

Para outros, no entanto, o fundamental é a indivisibilidade do bem objeto do

interesse e sua utilização por uma pluralidade de pessoas. Os principais teóricos do direito

coletivo na Itália foram Mauro Cappelletti e Vincenzo Vigoriti.85

No direito italiano os direitos difusos e coletivos também podem ser classificados

como direito subjetivo semelhante ao direito individual, ou seja, conforme a doutrina

processual tradicional ou ainda como tertium genus, permitindo sua tutela pelo contencioso

administrativo no lugar da via jurisdicional tradicional86.

82 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional, 2ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 136.

83 DINAMARCO, op. cit., p. 32

84 ALMEIDA, Gregório Assagra, op. cit. p. 106.

85 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional, 2ª edição, São

Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 103.

86 ESTAGAN, Joaquín Silguero apud. ALMEIDA, Gregório Assagra, op. cit. p. 107

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Em razão das divergências conceituais, há certa dificuldade em efetivar esses

direitos, pois há divergência sobre a legitimidade ativa para o comparecimento em juízo ou

administrativamente para a defesa desses direitos87.

A jurisprudência italiana tem negado a efetividade do direito sob dois

fundamentos distintos: ou negam a jurisdição de qualquer juiz sobre a controvérsia pela

impropriedade absoluta da demanda quando o autor se afirma titular de um interesse que não

admite tutela; ou nega a legitimação para agir quando o autor ajuíza a ação, em nome próprio,

mas na defesa de um interesse alheio fora das hipóteses excepcionalmente admitidas.88

Em conclusão, no sistema italiano não há legislação específica ou apropriada para

as ações coletivas e a defesa dos interesses coletivos. Não há um microssistema similar ao

brasileiro, existindo apenas propostas doutrinárias para a solução do problema89.

Na França existe a necessidade de se enquadrarem os interesses coletivos no

sistema processual. No sistema processual francês, para o ajuizamento da demanda é

necessária a alegação de um direito, bem como de um interesse, legitimidade e capacidade. O

interesse deve ser legítimo, atual, pessoal e direto. Estas características dificultavam a

propositura de demandas por associações e sindicatos, pois todos estes requisitos também

eram necessários para o ajuizamento de demandas referentes a direitos coletivos90.

Em 1913 houve a primeira decisão de Corte Superior Francesa estabelecendo a

possibilidade de ajuizamento de demandas por sindicatos sempre que demonstrado o prejuízo

aos interesses coletivos da profissão que representavam. Tais pedidos, no entanto, não

poderiam ser confundidos com os direitos gerais, representados pelo Ministério Público.

Como o direito francês não distinguia claramente o direito coletivo do interesse geral, houve

em verdade uma restrição à tutela coletiva pelos entes sociais.

Na França, a tutela dos direitos coletivos pelas associações e sindicatos se dá tanto

na esfera cível como na esfera penal. O direito do consumidor é tratado de forma especial na

França, através da Lei do Comércio e Artesanato, que estabelece em seu artigo 46 que as

87

TOMMASEO, Ferruccio. Appunti di diritto processuale civile. 3ª edição, Torino, Giappichelli, 1995, p. 187.

88 MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela Inibitória (individual e coletiva), 2ª ed., São Paulo, Ed, Revista dos

Tribunais, São Paulo, 2000, p. 236.

89 LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 54.

90 ALMEIDA, Gregório Assagra, op. cit. p. 111

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associações que têm por objeto estatutário a defesa dos interesses dos consumidores podem,

se autorizadas para este fim, exercer perante todas as instituições as ações cíveis relativas aos

fatos que produzam um prejuízo direto ou indireto ao interesse coletivo dos consumidores.91

A legislação francesa ainda exige que a associação comprove um número mínimo

de 1.000 (mil) membros para a legitimidade de propor a demanda coletiva.92 É admitido ainda

o ressarcimento individual derivado de ações coletivas, bem como a defesa de outros

interesses coletivos, como o meio ambiente.

Como se vê, a defesa dos interesses coletivos na França está limitada à atuação das

associações, como parte civil, nas ações civis (action civile). Embora não haja norma

geral permissiva, a legislação francesa vem ampliando gradativamente as hipóteses

legais neste sentido.93

Já na Alemanha não há instrumentos processuais específicos para a tutela de

direito coletivo. A doutrina alemã sustenta o caráter comum dos interesses coletivos partindo

do pressuposto da existência de homogeneidade de interesses entre uma pluralidade de

indivíduos. A doutrina frequentemente trata os interesses coletivos como interesse público94.

Na Alemanha a tutela dos direitos supraindividuais se dá pela legitimação das

associações para a propositura da chamada ação associativa, mas esta tutela refere-se apenas

ao chamado direito individual homogêneo95.

A Inglaterra, país berço da common law, é de grande importância para a

efetivação dos direitos coletivos.

A class action norte-americana, grande influência no direito brasileiro como

veremos a seguir, derivou do instituto inglês denominado Bill of Peace, procedimento que

surgiu no século XVII, onde se admitia a representação para tutelar interesses coletivos

91

MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 150-151.

92 Lei 546 de 1º de julho de 1972.

93 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 151.

94 ALMEIDA, Gregório Assagra, op. cit. p. 115

95 ibidem, p. 119.

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perante a Jurisdição de Equidade. O Bill of Peace se desenvolveu a partir da ideia de interesse

comum, em que a coisa julgada abrangia o interesse de todos os membros de uma classe96.

Hoje na Inglaterra existem dois tipos de demanda coletiva: a primeira,

denominada de representative action, possibilita que um ou mais indivíduos possam

representar um grupo de que fazem parte para a defesa de um interesse comum. A coisa

julgada, nesta demanda, abrange os representantes e os representados.

A outra forma de demanda coletiva, denominada relator action, possibilita que

um indivíduo que não tem legitimidade para a defesa de um interesse difuso requeira ao

Procurador Geral do Ministério Público autorização para o ajuizamento da demanda97.

Em ambos os casos não há a possibilidade de reparação de danos individuais, mas

apenas o direcionamento da condenação a fundos de recuperação do bem lesado.98

A União Européia possui grande interesse em aumentar a proteção ao direito de

seus consumidores sem, entretanto, desrespeitar as grandes diferenças dos países que fazem

parte da comunidade. Três frentes são abordadas para a efetivação dessa proteção: a criação

de uma estrutura executiva, de uma estrutura judiciária e, finalmente, o estabelecimento de

regras mínimas a serem aplicadas em todos os países.99

Não obstante encontrarmos a proteção ao direito do consumidor em todos os

países da União Europeia, tal proteção ainda está voltada à proteção individual. A Europa

ainda não possui tradição em defesa de direitos de forma coletiva, existindo algumas

previsões esparsas nos ordenamentos.

1.2 O Desenvolvimento do Direito do Consumidor no Brasil

No Brasil, desde os tempos do império podíamos notar uma pequena preocupação

com o comprador:

96

MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, op. cit. p. 38

97 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris

Editor, 1998, p. 140.

98 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. ibidem, p. 38-57.

99 SODRÉ, Marcelo Gomes, op. cit., p. 139.

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Avançando mais ainda o relógio da história encontramos o nosso monumental

Código Comercial de 1950 – que de tão glorioso se recusa a morrer. Neste Código

dos comerciantes (lato sensu), corporativismo originário da idade medieval, por

exemplo, o art. 210, cujo teor é proteger o comprador dos vícios ocultos da coisa

vendida.100

O próprio Código Penal de 1940 (artigo 175) e o antigo Código Civil de 1916

continham discreta proteção do consumidor. Já a constituição de 1934 trouxe proteção à

economia popular, além da proibição da usura pelo Decreto-Lei n° 869 de 1938.

No Brasil, o processo de industrialização teve início no final do século XIX e teve

seu auge somente na década de 1970. Esta época foi chamada de “milagre brasileiro” em

razão do grande crescimento econômico alcançado.101

Esta época também marcou o início da proteção do consumidor no Brasil, e

começou a realmente ser discutida a futura legislação de proteção do consumidor, conforme

veremos a seguir.

1.2.1 Evolução Legislativa

No ano de 1971, no Rio de Janeiro, foi encaminhado o projeto de criação do

Conselho de Defesa do Consumidor. Este conselho tinha como função a regulamentação de

políticas de defesa do consumidor, bem como estabelecer padrões de segurança para produtos,

entre outras coisas. Este projeto não foi levado adiante e foi considerado inconstitucional pela

Comissão de Constituição de Justiça da época. Nesse mesmo ano, tentou-se novamente a

criação de um órgão nacional de defesa do consumidor que seria ligado ao Ministério da

Indústria e Comércio102.

Em 1976, após inúmeras pressões da sociedade civil, o Governo do Estado de São

Paulo criou o Sistema Estadual de Defesa do Consumidor. Este sistema tinha como objetivos

definir a política estadual de proteção ao consumidor, administrar as políticas públicas

100

AMARAL, Luiz Otávio. História do Direito do Consumidor no Brasil: 20 anos do Código de Defesa do Consumidor. Estudos em Homenagem ao Prof. Geraldo Brito Filomeno. São Paulo, Atlas, 2010, p. 485.

101 RIOS, Josué. op. cit., p. 42.

102 RIOS, Josué. op. cit., p. 44.

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relacionadas ao direito do consumidor, entre outras funções. Este órgão foi ainda fortalecido

pela Lei Estadual n° 1.903, que colocou como atribuições, ainda, o atendimento direto da

população e o ajuizamento de medidas judiciais em favor dos consumidores.103

Essas novas atribuições dadas ao órgão ficaram a cargo do Procon (Grupo

Executivo de Proteção ao Consumidor).

O Procon acabou influenciando a criação de órgãos semelhantes em outros

Estados da Federação:

É importante salientar que foram ouvidos os reclamos dos órgãos e entidades ligados

à área de defesa e proteção ao consumidor, não tendo sido fácil o caminho trilhado

pelo “movimento consumerista brasileiro” que, embora incipiente e atrasado com

relação ao do primeiro mundo, como já salientado linhas atrás, ganhou pertinácia. Já

ao ensejo do IV Encontro Nacional das Entidades de Defesa do Consumidor,

realizado em 1985 no Rio de Janeiro, tiraram-se propostas concretas no sentido de

incluírem, no texto constitucional então vigente (Emenda Constitucional n° 1, de

1969), mediante emenda, dispositivos claros a respeito da defesa do consumidor,

como dever do Estado e direito da população.104

Somente no ano de 1985 o Brasil passou a ter um órgão federal de proteção ao

consumidor, denominado de Conselho Nacional de Defesa do Consumidor. Tal órgão foi

criado pelo decreto n° 91.469 e posteriormente extinto e substituído pelo Sistema Nacional de

Defesa do Consumidor. Este Conselho era integrado pela sociedade civil e tinha como função

assessorar o Presidente da República na elaboração de uma política nacional de defesa do

consumidor. O conselho foi de grande importância para o desenvolvimento do tema em

âmbito nacional.105

Ainda no ano de 1985 surgiu a lei da ação civil pública que, embora não trate

exclusivamente de direito do consumidor, trazia disposições sobre o tema.106 O CNDC

103 ibidem, p. 48-49.

104 FILOMENO, José Geraldo Brito. op. cit., p. 8-9.

105 AMARAL, op. cit. p. 487.

106 Citamos o passo: “Art. 1º: Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de

responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: ll - ao consumidor” .

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encomendou um documento para juristas elaborarem uma primeira formulação de política

nacional de defesa do consumidor.

Segundo Luiz Otavio de Amaral, este documento preconizava que:

uma política efetiva de proteção aos direitos do consumidor não pode e não deve ser

entendida como uma ação contra as forças de produção e distribuição. Ela deve

representar, em verdade, uma salutar busca de equilíbrio de justiça social, com um

incisivo respeito aos direitos humanos e deve se dirigir, punitivamente, apenas

àqueles que violem estes ideais.107

O documento elaborado pelos juristas estabelecia que a política nacional de defesa

do consumidor deveria ter três níveis de orientação: o pedagógico, o jurídico e o de

coordenação administrativa.

O objetivo pedagógico seria a conscientização da coletividade quanto à

possibilidade de organização entre si, bem como quanto à necessidade de uma informação

adequada para que os consumidores façam as melhores escolhas de produtos e serviços, de

modo a obterem o maio benefício econômico possível.

De acordo com o autor Luiz Otávio de Amaral, a orientação pedagógica ainda

possibilitaria que: “o consumidor possa exercer seu real e importante papel de market maker,

ou seja, regulador livre de mercado”.108

A orientação de coordenação administrativa se refere ao campo governamental da

proteção do consumidor. O objetivo desta orientação seria a reordenação dos órgãos oficiais

de defesa do consumidor. O documento encomendado pelo CNDC demonstrava que os

órgãos governamentais de defesa do consumidor estavam dispersos e desconectados. Essa

dispersão traz esforços repetidos de órgãos governamentais, sendo necessária sua interligação

e aproximação.

Por fim, o documento trazia orientação jurídica:

O Jurídico: que envolva a edição de lei geral de proteção ao consumidor, com a

ordenação dos diplomas legais em vigor e o aditamento de novas normas, onde se

tracem princípios e regras que garantam, em definitivo, a plena proteção dos

107

op. cit., pág. 485.

108 AMARAL, Luiz Otávio, op. cit., p. 485.

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consumidores; princípios e regras que definam a responsabilidade de produtores e

distribuidores. Que protejam os indivíduos contra práticas comerciais abusivas; que

reprimam as fraudes e abusos contra a própria saúde e segurança dos consumidores;

que, afinal, garantam a estes de modo eficaz, e sem onerosas controvérsias, o

ressarcimento devido.109

A partir do CNDC surgiram ainda as propostas de introduzir o direito do

consumidor na Constituição Federal, bem como o Anteprojeto de Código de Defesa do

Consumidor.

A Constituição Federal de 1988 tutelou o direito do consumidor, especialmente

nos artigos 5º, XXXII, 129 e 48 do ADCT, conforme analisaremos abaixo.

Finalmente, em 9 de agosto de 1990, o Congresso Nacional aprovou o projeto de

lei constitutivo do Código de Defesa do Consumidor: “A nova legislação correspondeu, no

fundamental, às expectativas dos consumidores, que logo em seguida mobilizaram-se pela

sua aplicação, com grande apoio da opinião pública.”110

O Código de Defesa do Consumidor, em vigor até os dias de hoje, trouxe o

regramento não só para a proteção do consumidor de forma individual, mas também as

normas para a proteção da coletividade.

Ainda nas palavras de Luiz Otavio Amaral:

Fruto de amplo e franco processo de prévia discussão e de um raro consenso

parlamentar, o nosso CDC é a culminância formal (a real tem sido sua plena eficácia

social) não de uma tendência passageira, como uma moda, mas de uma nova ordem

econômico-jurídica que se prenuncia. A economia capitalista, como qualquer outro

tipo de economia, possui a sua ordem jurídica específica, ou seja, aquela parte do

direito que tem por objeto regular as relações econômicas e isso nem sempre do

modo mais justo para ambas as partes. Com efeito, os clássicos direitos

fundamentais de natureza econômica, o da propriedade e o da livre empresa, já não

são direitos individuais a serviço de interesses pessoais, individuais apenas, já não

109

AMARAL, Luiz Otávio, op. cit., p. 485.

110 RIOS, Josué. op. cit. p. 64.

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são fins em si mesmos, senão meios para fins mais justos e humanos: o bem-estar

social.111

O Código de Defesa do Consumidor trouxe inúmeras inovações para o direito do

consumidor no Brasil, tanto do ponto de vista do direito material como do direito processual,

conforme veremos a seguir.

1.2.2 O Direito do Consumidor e a Constituição Federal

A Constituição tem o papel de estabelecer a estrutura do Estado e sua organização

interna, a forma de aquisição de poder e suas limitações, além de fixar os fundamentos dos

direitos econômicos, políticos, sociais e culturais.

O termo constituição, derivado do direito Romano, designava as manifestações

normativas do grau mais alto, derivado da vontade do príncipe.

Modernamente, o sentido da palavra constituição foi alterado. A constituição,

hoje, significa a parte essencial da organização política do Estado112.

Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

No esquema liberal, portanto, a Constituição é acima de tudo a garantia dos direitos

fundamentais do homem. É uma construção imaginosa e hábil, a garantia destes

direitos contra o Estado ao mesmo tempo que a Lei Magna desse Estado,

estabelecendo em linhas nítidas e inflexíveis a sua organização fundamental.

Dois aspectos, assim, se entrelaçam na Constituição. Por um lado, esta imprime no

Estado a reta organização, a qual deverá impedir o abuso, isto é, a violação pelos

órgãos estatais dos direitos do homem. Por outro lado, esta reta organização põe o

Estado a serviço da finalidade que o legitima, a defesa desses direitos na vida social

cotidiana.113

111

AMARAL, Luiz Otávio. op. cit., p. 495.

112 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e Branco; GONET, Paulo Gustavo. Curso de

Direito Constitucional, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 13.

113 In Estado de Direito e Constituição, 4. ed., Saraiva, p. 18-19.

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Durante um largo período de tempo, acreditava-se que a Constituição Federal

somente trazia regras gerais do Estado, que deveriam ser efetivadas através de normas

infraconstitucionais, ou seja, as leis ordinárias e complementares. Assim, era muito comum a

interpretação das normas relativas a determinado direito ser realizada somente através das leis

ordinárias e principais.

Entretanto, até mesmo em função da estabilidade política vivida pelo Brasil e a

concretização do Estado Democrático de Direito, paulatinamente esta forma de interpretação

do direito está sendo alterada114.

Hoje predomina o entendimento entre os juristas de que as normas devem sempre

ser interpretadas de acordo com a Constituição Federal e que os princípios estabelecidos na

Constituição não são de natureza programática, mas efetivos comandos com aplicabilidade

imediata.115

Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet

Branco defendem até mesmo a existência de um princípio da interpretação conforme a

Constituição:

o princípio da interpretação conforme a Constituição consubstancia essencialmente

uma diretriz de prudência política ou, se quisermos, de política constitucional, além

de reforçar outros cânones interpretativos, como o princípio da unidade da

Constituição e o da correção funcional. Com efeito, ao recomendar – e nisso se

resume este princípio –, que os aplicadores da Constituição, em face de normas

infraconstitucionais de múltiplos significados, escolham o sentido que as torne

constitucionais e não aquele que resulte na declaração de inconstitucionalidade, este

cânone interpretativo, ao mesmo tempo que valoriza o trabalho legislativo,

aproveitando ou conservando as leis, previne o surgimento de conflitos, que se

tornariam crescentemente perigosos caso os juízes, sem o devido cuidado, se

pusessem a invalidar os atos da legislatura.116

114

In A força normativa da constituição, tradução Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris

Editor, 2001, P. 13.

115 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; DUARTE, Francisco Carlos. Hermenêutica e Argumentação

Neoconstitucional, ed. Atlas, São Paulo, 2009, p. 22.

116 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e Branco; GONET, Paulo Gustavo. Curso de

Direito Constitucional, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 119.

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No sentido da interpretação das leis conforme a Constituição Federal,

recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu:

Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO,

NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU

RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE

OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO

CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-

DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art.

1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE

DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO

DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA

ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO

PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO

FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-

POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA

SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA

DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA

PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita

em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de

preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir

frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio

normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como

saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver

juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”.

Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio

da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da

consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da

proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O

concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais.

Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade

constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. (...) 6.

INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE

COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO

CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO

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FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação

em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não

resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de

“interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em

causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública

e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de

ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união

estável heteroafetiva. (ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal

Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011

EMENT VOL-02607-01 PP-00001).117

Cresce o entendimento, no sentido da teoria de Konrad Hesse118, de que as normas

constitucionais possuem força normativa. Desta forma, para chegar-se à norma jurídica

aplicável a determinado caso concreto deve-se ter como pressuposto o exame da Constituição

Federal.

Nas palavras de Nelson Nery:

Caso a lei infraconstitucional esteja em desacordo com o texto constitucional, não

deve, por óbvio, ser aplicada. Comprovada a divergência: a) se norma legal tiver

sido editada antes da Constituição Federal, terá ocorrido o fenômeno da não

recepção, pela nova ordem constitucional, da lei com ela incompatível; b) se a

norma legal tiver sido editada depois do advento da Constituição Federal, será

inconstitucional e não poderá ser aplicada para a solução do caso concreto: estará

sujeita à declaração, in concreto ou in abstrato dessa referida inconstitucionalidade.

Esta é a razão pela qual todos devem conhecer e aplicar o Direito Constitucional em

toda a sua extensão, independentemente no ramo do direito infraconstitucional que

esteja sendo examinado.119

No mesmo sentido, temos o entendimento de Candido Rangel Dinamarco:

117

Disponível no site www.stf.jus.br.

118 In A força normativa da constituição, tradução Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris

Editor, 2001.

119 NERY JR.,Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 8. ed., Revista dos Tribunais, São

Paulo, 2004, p. 36.

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Não foi por mero acaso que logo em seguida se manifestou de modo muito forte o

engajamento de parte da doutrina brasileira às propostas da escola instrumentalista e

às ondas renovatórias por ela posta em destaque, com preocupações pelo

atendimento aos portadores de pretensões de baixo valor econômico, pela tutela

coletiva – ao meio ambiente, aos consumidores ou a comunidades integradas em

grupos associativos – pela efetividade da tutela jurisdicional, pelos escopos sociais

do processo, pelo acesso à justiça como um valor a ser a todo custo postulado pela

ordem processual e, enfim, pela implantação de um sistema de processo justo e

équo.120

Constitucionalmente, o direito do consumidor somente passou a ter menção

expressa na Constituição Federal de 1988. Nas constituições anteriores, a proteção do direito

do consumidor se deu apenas de forma indireta, com a proteção da economia popular e a

repressão ao abuso do poder econômico.

A constituição de 1988 trouxe grande avanço para a proteção e defesa do direito

do consumidor, pois o trouxe para o patamar de direito constitucional, além de trazer grandes

avanços na tutela de direitos difusos e coletivos.121

No conceito clássico de liberdades públicas, estas tinham o caráter negativo, ou

seja, demonstravam os campos em que o Estado não podia agir, ficando a carga dos

indivíduos.

Conforme ensina José Cretella Junior, as liberdades públicas são: “Faculdades de

autodeterminação individuais ou coletivas, declaradas, reconhecidas e garantidas pelo

Estado, mediante as quais os respectivos titulares escolhem modos de agir, dentro dos limites

traçados previamente pelo poder público.”122

Entretanto, este conceito de liberdades públicas acabou sendo enfraquecido com o

desenvolvimento político, econômico e cultural dos Estados. Atualmente, o conceito de

liberdades públicas engloba aquelas prestações que devem ser realizadas pelo Estado:

A evolução histórica demonstra que o indivíduo julgou insuficiente a garantia dos

direitos contra o Estado, (expressão, liberdade de domicilio, liberdade de sigilo de 120

DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.1, 6. ed., Malheiros, São Paulo, 2009, p. 287

121 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, op. cit., p. 57.

122 CRETELLA JR., José. Enciclopédia Saraiva de Direito, n° 49, pág. 436-454, 1977.

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correspondência), necessitando de uma atuação efetiva do Estado, exigindo dele

uma prestação positiva. Desde os primeiros momentos do entusiasmo revolucionário

de 1789, até os nossos dias, a idéia de liberdades públicas sofreu grande alteração.

Ao lado, portanto, das liberdades negativas (comportamentos garantidos, sem a

ingerência do Estado), convivem as liberdades positivas (obrigação do Estado de

comparecer para a prestação de certas tarefas). 123

O direito do consumidor está dentro das liberdades positivas que necessitam de

atuação direta do Estado.

Alexandre de Moraes ensina que:

tratando-se da novidade constitucional em termos de direitos individuais, o inciso

XXXII do artigo 5º da Constituição federal de 1988 demonstra a preocupação do

legislador constituinte com as modernas relações de consumo, e com a necessidade

de proteção do hipossuficiente economicamente. A inexistência de instrumentos

eficazes de proteção ao consumidor para fazer valer seus direitos mais básicos,

como, por exemplo, a saúde o transporte, a alimentação, fez sua defesa ser erigida

como um direito individual, de modo a determinar-se a edição de norma ordinária

regulamentando não só as relações de consumo, mas também os mecanismos de

proteção e efetividade dos direitos do consumidor.124

Assim, temos que, pela Constituição Federal atual, o direito do consumidor se

insere no conceito de direito fundamental e deve ser protegido pelo Estado.

1.2.3 Dispositivos Constitucionais de Defesa do Consumidor

O inciso XXXII do artigo 5° da Constituição Federal diz textualmente que dentro

dos deveres do Estado está a defesa do consumidor. De acordo com o entendimento atual de

que as normas constitucionais não são meramente programáticas, mas autoaplicáveis, desde

1988 o Brasil contaria com a previsão de defesa ao direito do consumidor.

123

ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência, 3. ed., Brasília, Corde, 2003, p.63.

124 In Direitos Humanos Fundamentais, teoria geral: comentários aos artigos 1° e 5° da Constituição da

República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 187-188.

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O artigo 170 da Constituição Federal também prevê a defesa do consumidor, na

medida em que estabelece que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho, na

livre iniciativa e assegurara a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Nos incisos que estabelecem quais são esses ditames, temos o inciso V, qual seja, a defesa do

consumidor:

Ao garantir aos consumidores sua defesa pelo Estado, criou a Constituição

uma antinomia necessária em relação a muitas de suas próprias normas,

flexibilizando-as, impondo em última análise, uma interpretação relativizada dos

princípios em conflito, que não mais podem ser interpretados de forma absoluta ou

estaríamos ignorando o texto constitucional.125

Para José Afonso da Silva, a importância da presença do direito do consumidor na

ordem econômica:

Realça de importância, contudo, sua inserção entre os direitos fundamentais, com o

que se erigem os consumidores à categoria de titulares de direitos constitucionais

fundamentais. Conjugue-se isso com a consideração do artigo 170, V, que eleva a

defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica. Tudo somado,

tem-se o relevante efeito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal

necessárias a assegurar a proteção previstas. Isso naturalmente abre larga brecha na

economia de mercado, que se esteia, em boa parte, na liberdade de consumo, que é a

outra face da liberdade do tráfico mercantil fundada na pretensa lei de oferta e de

procura.126

O autor ainda afirma que a defesa do consumidor atende a uma dupla função:

em primeiro lugar, razões econômicas derivadas das formas segundo as quais se

desenvolve, em grande parte, o atual tráfico mercantil; e em segundo lugar, critérios

que emanam da adaptação da técnica constitucional ao estado de coisas que hoje

vivemos, imersos que estamos na chamada sociedade de consumo. Em que o “ter”

125

Marques, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3. ed., São Paulo, RT, 2010, p. 66.

126 In Curso de direito constitucional Positivo, 31. ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 262

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mais do que o “ser” é a ambição de uma grande maioria de pessoas, que se satisfaz

mediante o consumo.127

Por fim, no artigo 150, §5º, da Carta Magna, existe a previsão de que todas as

esferas de Poder Público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) devem esclarecer

seus consumidores sobre impostos que recaem sobre os produtos e serviços.

Nas disposições transitórias da Constituição Federal (artigo 48), existia a previsão

de ser elaborado um Código de Defesa do Consumidor, que hoje é a lei 8.078 de 1990.

Importante ressaltar ainda que a Constituição Federal trouxe a previsão da Defesa

dos Interesses Difusos e Coletivos.

Adolfo Mamoru Nihiyama defende que a previsão de proteção ao direito do

consumidor é clausula pétrea na Constituição Federal.128 Sendo considerada como cláusula

pétrea, qualquer emenda constitucional do Poder Constituinte reformador com a tendência de

abolir ou prejudicar os interesses do consumidor seria inconstitucional.

Assim, podemos afirmar que a defesa dos interesses difusos e coletivos e

especialmente a defesa dos direitos dos consumidores chegaram ao Brasil, efetivamente, com

a Constituição Federal de 1988.

A defesa do consumidor pelo Estado é de fundamental importância, e não

obstante as legislações que temos até hoje, resta claro que as relações de consumo ainda são

vistas como relações de particulares, quando na verdade deveriam ser vistas como exercício

de cidadania e, como tal, merecedoras de toda a proteção estatal:

Nesse quadro, as relações de consumo continuam sendo vistas como relações

consumidor-empresa, incluindo a prestação de serviço público mediante preço. Mas

a luta pela melhoria das relações de consumo transcende o seu âmbito, para alcançar

o controle/fiscalização do Estado, no que pertinente às questões de consumo, sem

que isso deva implicar, necessariamente, a participação política na esfera do Poder

Estatal. Em lugar de militantes consumeristas candidatarem-se a cargos eletivos,

127

ibidem, p. 263

128 A proteção do consumidor esta consagrada no art.5°, inciso XXXII, como um direito e garantia individual,

não podendo, portanto, ser abolida mediante Emenda Constitucional. A vedação abrange a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da defesa do consumidor ou outro direito e garantia individual; basta apenas que haja proposta de emenda que tenda a abolir aquele princípio (NIHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 131-132).

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talvez seja mais producente fiscalizar a atuação dos parlamentares em matéria

relativa à defesa do consumidor; em lugar de integrarem órgãos de fiscalização ou

de defesa do consumidor, criados pelo Poder Executivo, mais importante é

cobrar/fiscalizar a atuação destes organismos.129

A constituição fez surgir o Direito Constitucional do Consumidor, que se

configura como direito fundamental e princípio da ordem econômica e, como tal, justifica a

intervenção na autonomia da vontade e na atividade econômica de particulares.

1.2.4 O Código de Defesa do Consumidor e Política Nacional de Relações de

Consumo

Os artigos 4° e 5° do Código de Defesa do Consumidor estabelecem as regras da

Política Nacional de Relações de Consumo.

As normas previstas do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor visam

atender às necessidades dos consumidores no que se refere aos seus direitos básicos de

segurança, saúde e proteção econômica:

O objetivo importante desta política é também a postura do Estado de garantir

melhoria na qualidade de vida da população consumidora, quer exigindo o respeito à

sua dignidade, quer assegurando a presença no mercado de produtos e serviços não

nocivos à vida, à saúde, à segurança dos adquirentes e usuários, que, por fim,

coibindo os abusos praticados e dando garantias de efetivo ressarcimento, no caso de

ofensa aos seus interesses econômicos.130

Já as normas previstas no artigo 5º do Código de Defesa do Consumidor

estabelecem os princípios que devem reger as relações de consumo no país, além de prever os

instrumentos que serão utilizados pelo Poder Público para a implantação desta política.

Os princípios em que deve se fundamentar a Política Nacional de Relações de

Consumo seriam131: a vulnerabilidade do consumidor; a presença do Estado; a harmonização

129

RIOS, Josué, op. cit., p. 37.

130 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7. ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 16.

131 ibidem, p. 17.

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de interesses (de consumidores e fornecedores); coibição de abusos (praticados pelo mercado

de consumo); incentivo ao autocontrole (entre fornecedores e consumidores sem a intervenção

do Estado); conscientização dos fornecedores e consumidores (de seus direitos e deveres) e;

melhoria dos serviços públicos.

A vulnerabilidade é o princípio básico das relações de consumo. Este princípio

visa efetivação da garantia da igualdade entre consumidores e fornecedores. A

vulnerabilidade do consumidor pode ser técnica, jurídica e fática.

Assim ensina José Geraldo Brito Filomeno:

No âmbito da tutela especial do consumidor, efetivamente é ele sem dúvida a parte

mais fraca, vulnerável, se se tiver em conta que os detentores dos meios de produção

é que detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como

produzir e para quem produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucros.132

Sobre a vulnerabilidade no Código de Defesa do Consumidor trataremos no item

3.3.4.

Sobre a necessidade de verificação da vulnerabilidade técnica, fática ou jurídica

assim já se manifestou a jurisprudência:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO

INDENIZATÓRIA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. APLICAÇÃO DO CDC.

POSSIBILIDADE. Verificada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica do

profissional que adquiriu aparelho para utilização em seu trabalho, cabe a

flexibilização do conceito de consumidor, autorizando-se a aplicação das normas

consumeristas. Nesse passo, de se observar que o CDC pretendeu facilitar a defesa

do consumidor em juízo, consubstanciada na prerrogativa exclusiva de propositura

da ação em seu foro de domicílio, regra de ordem pública e especial, o que não veda

a possibilidade de demandar em foro estabelecido pelas regras gerais de

competência do CPC. In casu, os autores ajuizaram o feito no foro de seu domicílio,

fazendo uso de prerrogativa que lhe foi concedida pela legislação consumerista,

sendo o juízo a quo competente para julgar o feito. AGRAVO DE INSTRUMENTO

PROVIDO, em decisão monocrática. (Agravo de Instrumento Nº 70043713080,

132

FILOMENO, José Geraldo Brito. op.cit., p. 74.

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Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Balson Araújo,

Julgado em 07/07/2011).133

Nas palavras de Cláudia Lima Marques:

Considere-se, pois, a importância desta presunção de vulnerabilidade jurídica do

agente consumidor (não profissional) como fonte irradiadora de deveres de

informação do fornecedor sobre o conteúdo do contrato, em face hoje da

complexidade da relação contratual conexa e de seus múltiplos vínculos cativos (por

exemplo, vários contratos bancários em um formulário, vínculos com várias pessoas

jurídicas em um contrato de planos de saúde) e da redação clara deste contrato,

especialmente o massificado e de adesão.134

A ação governamental, prevista no inciso II, a, do artigo 4º é o controle

administrativo realizado pelos Procons e pelo Departamento de Proteção e Defesa do

Consumidor, órgão ligado ao Ministério da Justiça.

A possibilidade de tutela administrativa do direito do consumidor é de suma

importância, vez que em muitas oportunidades esta é a única forma de contato do consumidor

com as entidades de sua defesa. Neste sentido, temos:

Cuida-se de dotar o consumidor de instrumentos legais e administrativos que

possam propiciar a sua defesa em qualquer canto do território nacional. É, às vezes,

o primeiro e único contato do consumidor com os órgãos e entidades encarregados

de sua defesa, principalmente nos Municípios distantes das Capitais dos Estados”135.

Já o fomento das associações representativas foi fortificado com a possibilidade

de estas representarem coletivamente os consumidores nas ações civis públicas.

O Código de Defesa do Consumidor prevê ainda o princípio da confiança. Esta

previsão garante a ideia de proteção do mercado de consumo e cria uma garantia legal de que

o Estado deverá promover padrões de qualidade e segurança para os produtos. 133

Disponível no site www.tjrs.jus.br

134 Op. cit., p. 198.

135 ALMEIDA, João Batista, op. cit. p. 26

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51

O inciso IV do artigo 4° prevê ainda a necessidade de harmonização dos

interesses de consumidores e fornecedores. No entendimento de José Geraldo Brito Filomeno,

esta harmonização se dará especialmente por três grandes instrumentos.136

O primeiro instrumento seria, ao lado de outras técnicas de marketing, o

aperfeiçoamento dos Serviços de Atendimento ao Consumidor. Estes serviços estabelecem

uma relação entre o consumidor e o fornecedor que vai além do momento do consumo e

permitem que o consumidor tenha suas dúvidas e reclamações atendidas pelo próprio

fornecedor, sem a necessidade da intervenção de qualquer terceiros nessa relação.

Outro instrumento importante para esta harmonização seriam as convenções

coletivas de consumo, previstas no artigo 107 do CDC. Esta provisão tem como objetivo

dirimir conflitos tanto para os consumidores como para os fornecedores.

O último instrumento mencionado pelo doutrinador seria a efetiva prática de

recall. O recall chama os consumidores para o reparo de algum defeito ou vício no produto

adquirido. Esta prática está prevista no artigo 10 e parágrafos da lei n° 8.078/90.

João Batista de Almeida critica a redação do artigo 10 do CDC. Para o autor a

simples previsão do recall não é suficiente para impedir danos ao consumidor, pois o alerta

deve, necessariamente, ser seguido do reparo.137

O código apresenta ainda a obrigatoriedade de todos (Estados e fornecedores e

entidades privadas de defesa do consumidor) de educação e informação com relação aos

direitos do consumidor:

Não apenas a área privada está obrigada a prestar serviços eficientes e seguros ao

seu usuário. Também a área pública, oficial, deve ter o compromisso de prestar

serviços públicos igualmente seguros e eficientes, que não atentem contra a vida, a

saúde e a segurança do consumidor. Ante o reconhecimento da alta precariedade

com que são prestados os serviços públicos, notadamente os de transporte e saúde, é

feita recomendação aos governos no sentido de racionalizá-los e de melhorá-los, o

que se enquadra no objetivo maior de proteger o consumidor e melhorar-lhe a

qualidade de vida.138

136

Op. cit., p. 81-85

137 ALMEIDA, João Batista, op. cit, p. 97.

138 ALMEIDA, João Batista, op. cit, p. 21.

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52

O artigo 5º do CDC traz a intervenção estatal para as relações de consumo.

Quanto à finalidade da intervenção estatal, como defende Cláudia Lima Marques:

Realizar o objetivo político de proteção dos consumidores não é tarefa fácil, assim

que os instrumentos para esta realização têm de ser vários e abrangentes,

assegurando desde o acesso à justiça (I) com uma defensoria pública (Estadual e da

União) ativa e demais formas de assistência jurídica, um Ministério Público atuante

e especializado (II), policiais e delegacias especializadas (III), organização e

manutenção dos importantes Juizados Especiais de Pequenas Causas, hoje estaduais,

federais, cíveis e criminais (IV), assim como apoio às associações de Defesa do

Consumidor (V), hoje reunidas no Fórum das Entidades Civis de Defesa do

Consumidor. 139

Este artigo prevê várias entidades e políticas públicas que deverão fomentar a

proteção do direito do consumidor no país. Evidentemente, o artigo não encerra as

possibilidades de política pública para a execução da Política Nacional do Direito do

Consumidor. Trata-se de rol exemplificativo.

Assim, explica José Geraldo Brito Filomeno:

Pelo que já ficou assentado, a chamada “filosofia de defesa do consumidor” funda-

se basicamente em uma diretriz que tem como alvo as boas relações de consumo,

objetivo este que é atingido mediante a utilização de certos instrumentos colocados à

disposição do consumidor. Tais instrumentos, não exclusivos uns com relação aos

demais, mas alternativos, muitas vezes, devem ser encarados como um verdadeiro

leque de opções que o consumidor deve ter sempre a sua mão, e, à sua conveniência

e oportunidade, escolher o que esteja mais de acordo com a sua necessidade e em

decorrência de um impasse verificado em dada relação de consumo.140

Assim, tanto a Constituição Federal, conforme acima exposto, como o Código de

Defesa do Consumidor estabelecem a proteção aos direitos do consumo como política pública

do Estado brasileiro.

139

Op. cit., p. 200.

140 Op. cit. p. 190.

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53

1. 2.5 A tutela coletiva das relações de consumo

A defesa coletiva de direitos tem importância fundamental na efetivação do

preceito constitucional do acesso à justiça.

O acesso à justiça, segundo Mauro Cappelletti, é o “sistema pelo qual as pessoas

podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado.

Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível para todos; segundo, ele deve produzir

resultados que sejam individuais e socialmente justos.”141

No inicio, o acesso à proteção judicial significava o direito de propor e contestar

ações.

Nas palavras de Paulo Cezar Pinheiro Carneiro:

Embora o acesso à justiça pudesse ser um direito natural, os direitos naturais não

necessitavam de uma ação dos Estados para a sua proteção. Esses direitos eram

considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não

permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia

passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para

reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente.142

Entretanto, com o desenvolvimento dos Estados e da sociedade, especialmente

com a Revolução Industrial, o Estado foi se transformando e as relações entre as pessoas se

tornando mais complexas. Essas relações passaram a ser coletivas e não mais individuais, de

forma que até mesmo a visão de direitos humanos se transformou.

A necessidade de processos coletivos não é nova, pois as lesões a direitos

metaindividuais sempre ocorreram. A diferença na atualidade é que as relações se expandiram

e as lesões se multiplicaram.

Os danos decorrentes das relações de consumo, considerados individualmente,

muitas vezes são de pequena monta e não justificam, do ponto de vista econômico, que o

consumidor vá a juízo pleitear este direito.

141

CAPPELLETTI; Mauro, GARTH; Bryant Garth. Acesso à justiça, tradução Ellen Gracie Northfleet, Sérgio Antonio Fabris Editor, p. 26.

142 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais civeis e ação civil pública. Uma

nova sistematização da Teoria Geral do Processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 26.

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Mauro Cappelletti e Bryant Garth, no livro Acesso à justiça, já dispunham as

dificuldades de efetivação de direitos difusos do consumidor:

Interesses “difusos” são interesses fragmentados ou coletivos, tais como ambiente

saudável, ou a proteção do consumidor. O problema básico que eles apresentam –

razão de sua natureza difusa – é que, ou ninguém tem direito a corrigir a lesão a um

interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é

pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação. A recente manifestação do

Professor Roger Perrot sobre consumidores descreve com agudeza o problema dos

interesses difusos.143

Tal situação dificulta o acesso à justiça da parte lesada e acaba trazendo um

enriquecimento ilícito do fornecedor.

A tendência é que o causador da lesão disponha de mais recursos materiais e

humanos e, portanto, em tese, se apresente mais bem preparado para o embate,

provido que estará para a contratação de profissionais de qualidade e para a

produção de provas que lhe sejam favoráveis – desigualdade que se mostra ainda

mais gritante se o lesado não possui de recursos próprios para custear a sua defesa,

tendo em vista as limitações materiais dos órgãos encarregados da assistência

judiciária gratuita.144

Entretanto, se considerarmos os danos de forma coletiva, somando-se todas essas

pequenas quantias, teremos uma quantia relevante, tanto do ponto de vista do ressarcimento,

como no sentido de coibir novas práticas por parte do fornecedor.

Assim, a proteção coletiva do direito do consumidor não só serve como efetivação

do acesso à justiça, mas também pode garantir a importância política de determinadas causas

sem valor econômico a serem apuradas individualmente, como no caso de propaganda

enganosa ou abusiva.

As ações coletivas ainda têm o condão de garantir a economia processual e

judicial. Diante do grande número de processos e da pulverização de decisões judiciais, os

143

CAPPELLETTI; Mauro; GARTH, Bryant, op. cit., p. 26.

144 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, op. cit., p. 29.

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tribunais ficam lotados de demandas semelhantes, sem que haja uma solução definitiva para o

caso, pois cada um que se sente lesado deve ajuizar demanda própria.

Outro fato de grande importância das ações coletivas é a garantia da igualdade e

da segurança jurídica:

Com a multiplicação de ações individuais, que tramitam perante diversos órgãos

judiciais, por vezes espelhados por todo o território nacional, e diante da ausência,

nos países de civil law, do sistema vinculativo de procedentes (stare decisis), os

juízes chegam, com freqüência, a conclusões e decisões variadas e até mesmo

antagônicas. Não raramente essas decisões de variado teor acabam por transitar em

julgado, diante da não-interposição tempestiva de recurso cabível ou pelo não-

conhecimento deste em razão de outra causa de inadmissibilidade.145

As ações coletivas, por englobarem o direito de todos aqueles que poderiam ser

beneficiados individualmente, trazem uma só sentença, com o mesmo conteúdo para situações

idênticas, privilegiando a segurança jurídica.

As ações coletivas garantem ainda a igualdade das partes no processo, porque

embora formalmente esta sempre deva existir, o fato é que, na prática, em razão dos recursos

financeiros e materiais, há uma grande divergência entre os litigantes.146

As ações coletivas tiveram grande desenvolvimento a partir de seu surgimento na

Inglaterra e nos Estados Unidos.

Atualmente, existe uma nova forma de se ver o direito coletivo, como aquele que

ultrapassa a fronteira de um só país. Esta tem sido uma preocupação da União Europeia e uma

tendência mundial.147

145

ibidem, p. 35.

146 A possibilidade de os interesses e direitos lesados serem defendidos concomitantemente fez com que a

correlação de forças entre os litigantes seja redimensionada em benefício da parte individualmente fraca, mas razoavelmente forte quando agrupada, levando por terra, assim, a política maquiavélica da divisão para reinar. (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, op. cit., p. 36)

147 KLAUSNER, Eduardo Antonio, op. cit., p. 43.

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2 – A Tutela dos Direitos Metaindividuais do Consumidor e as Previsões

Legislativas

Pode-se afirmar que a Lei da Ação Civil Pública, antes mesmo do Código de

Defesa do Consumidor, já previa a possibilidade de as associações de direito do consumidor,

bem como os entes de direito público, obter a condenação dos fornecedores em dinheiro e à

obrigação de fazer.

Entretanto, esta lei não tratava especificamente dos casos de direito do

consumidor, e a matéria só foi realmente abordada com a entrada em vigor do Código148.

A importância da tutela metaindividual do consumidor reside, entre outras razões,

no fato de organizar os interesses de toda a coletividade e permitir a efetiva defesa dos

interesses do consumidor, seja no âmbito difuso, coletivo ou individual homogêneo.149

O artigo 2°, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor traz a previsão

da coletividade do consumo.150

Ao proteger a coletividade de consumidores, o Código privilegia a tutela coletiva

dos direitos.

Neste sentido, temos o entendimento de José Geraldo Brito Filomeno:

Dessa forma, além dos aspectos já tratados em passos anteriores, o que se tem em

mora no parágrafo único do artigo 2° do Código do Consumidor é a universalidade,

conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou

categoria deles, e desde que relacionados a determinado produto ou serviço. Tal

perspectiva é extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna,

por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então nocivos,

beneficiando-se, assim, abstratamente, as referidas universalidades ou grupo de

consumidores aos devidos instrumentos jurídico-processuais para que possam obter

148

FILOMENO, José Geraldo Brito, op. cit. p. 403.

149 Outra barreira se relaciona precisamente com a questão da reunião. As várias partes interessadas, mesmo

quanto lhes seja possível organizar-se e demandar, podem estar dispersas, carecer da necessária informação ou simplesmente serem incapaz de combinar uma estratégia comum (Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. cit.. pág. 27)

150 Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervido nas

relações de consumo (Código de Defesa do Consumidor, artigo 2º, § único).

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a justa e mais completa possível reparação dos responsáveis, circunstâncias essas

pormenorizadamente previstas a partir do artigo 81 e seguintes.151

Como já tratado neste trabalho, a importância da proteção ao direito do

consumidor de forma coletiva implica sua efetiva proteção, já que, em muitos casos, a lesão

ao direito do consumidor não é economicamente relevante para que individualmente esta

lesão seja amparada pelo Poder Judiciário.

A previsão do Código de Defesa do Consumidor contida no artigo 2º, bem como as

disposições dos artigos 81 e seguintes trouxeram a possibilidade e a forma pela qual os

consumidores podem ser coletivamente defendidos.

No esteio das transformações da tutela processual ocorridas no direito brasileiro a

partir da década de 1980, sobretudo com a edição da lei de Ação Civil Pública, o

CDC amplia o modo de proteção desses direitos conforme a sua extensão dos

direitos lesionados, se individualmente considerados ou em grupo. Neste sentido é

que, ao dispor sobre a defesa do consumidor em juízo, o Código de Defesa do

Consumidor o faz considerando todos os modos de tutela processual do consumidor.

Privilegia com isso a efetividade da proteção do consumidor, a qual envolve tanto

mecanismos que garantam a soberania e aplicabilidade das decisões judiciais quanto

à facilitação de acesso à justiça pelos consumidores.152

Assim, pode-se afirmar que a efetiva tutela coletiva do direito do consumidor

iniciou-se com a promulgação e entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor.

2.1 Código de Defesa do Consumidor e Diferenciação dos Direitos Coletivos

Lato Sensu

O Código de Defesa do Consumidor trouxe para o ordenamento brasileiro uma

definição sobre os direitos metaindividuais, também chamados de interesses coletivos lato

sensu.

151

FILOMENO, José Geraldo Brito, op. cit., p. 39.

152 BENJAMIN, Antonio Herman V., Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto, 10. ed., v. 2, Rio de Janeiro, Forense, 2011, p. 1297.

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Ao classificar esses direitos, o Código diferenciou os interesses verdadeiramente

coletivos daqueles que assumem a dimensão coletiva somente quanto ao modo de postular em

juízo.

2.1.1 Direitos Difusos

Os direitos difusos, classificados no artigo 81, I, do Código de Defesa do

Consumidor, são os que possuem o caráter mais amplo de transindividualidade. Esses

interesses não pressupõem qualquer vínculo associativo entre os indivíduos. A relação entre

eles decorre exclusivamente de uma situação de fato, e seu sujeito é indeterminável.

Rodolfo de Camargo Mancuso classifica os direitos difusos da seguinte forma:

(...) a fim de que a tutela dos interesses difusos se faça eficazmente, é preciso

prosseguir nessa linha evolutiva, tendente a reconhecer o interesse processual a

partir da necessidade de tutela a interesses legítimos e socialmente relevantes,

quando se trate de ações com finalidade metaindividual. Com isso se dispensará o

penoso recurso de se tentar aproximar os interesses difusos dos direitos subjetivos,

poupando-se, outrossim, as dificuldades ulteriores que soem advir das construções

jurídicas que se estabelecem a partir de analogia extensiva com categorias “afins”.153

Já Cláudia Lima Marques descreve os direitos difusos da seguinte forma:

Interesses ou direitos difusos constituem categoria unitária própria no universo

conflituoso dos interesses supraindividuais. De origem essencialmente processual,

são os que têm como titulares grandes parcelas de pessoas não representadas

adequadamente por porta-vozes unívocos e individualizados. Possuem como traço

característico a dificuldade de organização de seus titulares para carrear recursos ou

influências proporcionais e compatíveis com o número e fragilidade dos sujeitos

que, em tese, seriam beneficiados pela atividade organizada e pela regulamentação

que, pela superação da dispersão, busca-se alcançar. Enquanto no interesse público a

organização dos sujeitos titulares é totalmente prescindível, gozando seus

pressupostos de unanimidade social, no caso dos interesses ou direitos difusos, uma

postura organizativa, embora essencial, é subotimal, de difícil realização. É incorreto

igualá-los, seja uma mera justaposição de interesses individuais com pontos em

153

MANCUSO, Rodolfo de Camargo, op.cit., p.50

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comum, seja em sentido oposto, a interesses públicos eventualmente fragmentados.

Em tal categoria, está em jogo ente diverso – numérica e qualitativamente – da mera

soma dos interesses individuais dos sujeitos envolvidos.154

Os direitos difusos, por serem caracterizados como aqueles em que os titulares são

indetermináveis, são aqueles referentes a toda coletividade. No caso do direito do consumidor,

podemos citar como hipóteses de violação do direito do consumidor a publicidade enganosa e

a colocação no mercado de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde e

à segurança dos consumidores.155

2.1.2 Direitos Coletivos

Direitos coletivos stricto sensu são definidos no artigo 81 do Código de Defesa do

Consumidor como: “os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo,

categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação

jurídica base”.156

Aos direitos coletivos se caracterizam, assim, pela possibilidade de identificação de

seus titulares, que são organizados por uma classe e formalmente representados por um

determinado organismo.

De acordo com Antonio Herman V. Benjamin os direitos coletivos teriam as seguintes

características: transindividualidade real ou essencial restrita, determinabilidade dos sujeitos,

divisibilidade externa e indivisibilidade interna, disponibilidade coletiva e indisponibilidade

individual, relação jurídica base, irrelevância da unanimidade social, organização ótima viável

e reparabilidade indireta.157

154

BENJAMIN, Antonio Herman V., op. cit., p. 1300-1301.

155 WATANABE, Kazuo, op. cit., p. 72.

156 Artigo 81, parágrafo único, II.

157 Op. cit., p. 1302-1303.

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A transindividualidade do direito coletivo seria restrita na medida em que esta se

refere apenas aos membros do grupo ou categoria, e não a todas as pessoas como no direito

coletivo.

A determinabilidade dos sujeitos decorre justamente da transindividualidade

restrita, já que é possível identificar cada um dos membros do grupo ou categoria.

Além da possibilidade de determinação dos titulares do direito, é importante

ressaltar que estes podem abrir mão de seu direito individualmente, mas nunca do direito do

grupo. Outra característica importante dos direitos coletivos stricto sensu é a relação jurídica

base.

De acordo com Kazuo Watanabe:

Essa relação jurídica base é preexistente à lesão ou à ameaça de lesão do interesse ou

direito do grupo, categoria ou classe de pessoas. Não há relação jurídica nascida da

própria lesão ou da ameaça de lesão.158

Desta forma, não existindo relação jurídica entre os titulares do grupo

anteriormente ao fato lesivo ou à ameaça de lesão, não seria possível se falar em direitos

coletivos.

Sobre a relação jurídica base, assim já decidiu a jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA PARA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMAS OU DE

VERSÃO DESTE COM PADRÃO DE QUALIDADE SUPERIOR E PEDIDO DE

CONDENAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE A UNIÃO FISCALIZAR ESTAS

INSTITUIÇÕES DE ENSINO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO

PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO.

1. A jurisprudência desta Corte vem se sedimentando em favor da legitimidade

ministerial para promover ação civil pública visando a defesa de direitos individuais

homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando na presença de relevância

social objetiva do bem jurídico tutelado (a dignidade da pessoa humana, a qualidade

ambiental, a saúde, a educação, para citar alguns exemplos) ou diante da

massificação do conflito em si considerado. Precedentes. 2. É evidente que a

Constituição da República não poderia aludir, no art. 129, II, à categoria dos

158

ibidem, p. 73.

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interesses individuais homogêneos, que só foi criada pela lei consumerista. Contudo,

o Supremo Tribunal Federal já enfrentou o tema e, adotando a dicção constitucional

em sentido mais amplo, posicionou-se a favor da legitimidade do Ministério Público

para propor ação civil pública para proteção dos mencionados direitos. Precedentes.

3. No presente caso, pelo objeto litigioso deduzido pelo Ministério Público (causa de

pedir e pedido), o que se tem é o pedido de tutela de um bem indivisível de todo um

grupo de consumidores, de tutela contra exigência dirigida globalmente a todos os

alunos: a suposta ilegalidade ou abusividade da prestação pecuniária para expedição

de diplomas ou de versão deste com padrão de qualidade superior, bem como o

pedido de condenação à obrigação de a União fiscalizar estas instituições de ensino.

Assim, atua o Ministério Público em defesa do direito indivisível de um grupo de

pessoas determináveis, ligadas por uma relação jurídica base, circunstâncias

caracterizadoras do interesse coletivo a que se refere o art. 81, parágrafo único, II, da

Lei n. 8.078/90. E o art. 129, inc. III, CR/88 é expresso ao conferir ao Parquet a

função institucional de promoção da ação civil pública para a proteção dos interesses

difusos e coletivos. 4. Já a pretensão ressarcitória, que, in casu, trata-se de típico

direito individual homogêneo, pretendida pelo recorrido por meio da ação civil

pública, em contraposição à técnica tradicional de solução atomizada, justificar-se-ia

por dizer respeito à educação, interesse social relevante, mas sobretudo para evitar

as inumeráveis demandas judiciais (economia processual), que sobrecarregam o

Judiciário, e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas. 5. É

patente a legitimidade ministerial, seja em razão da proteção contra eventual lesão

ao interesse coletivo dos consumidores, seja em decorrência da necessidade de

defesa de direitos individuais homogêneos com relevância social objetiva e capazes

de gerar inumeráveis demandas judiciais incongruentes. 6. Recurso especial não

provido. (STJ, Resp 1185867/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL

MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2010, DJe 12/11/2010).159

Os direitos coletivos, conforme veremos a seguir, se diferenciam justamente dos

direitos individuais homogêneos pela existência de relação jurídica base entre seus titulares e

a divisibilidade do objeto em litígio.

159 Disponível no site www.stj.jus.br.

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2.1.3 Direitos Individuais Homogêneos.

Os direitos individuais homogêneos, previstos no artigo 81, parágrafo único, III,

do Código de Defesa do Consumidor são aqueles em que os titulares são determinados e a

ligação entre eles é apenas em decorrência de um interesse de origem comum.

De acordo com Kazuo Watanabe, as características fundamentais do direito

individual homogêneo são a homogeneidade e a origem comum.160

Essa origem comum pode ser próxima ou remota em razão de um ponto de fato ou

de direito:

Próxima ou imediata, como no caso de uma queda de avião, que vitimou diversas

pessoas; ou remota, mediata, no caso de um dano à saúde, imputado a um produto

potencialmente nocivo, que pode ter tido como causa próxima as condições pessoais

ou o uso inadequado do produto. Quanto mais remota for a causa, menos

homogêneos serão os direitos.161

Ainda sobre a origem comum, de se ressaltar que os direitos individuais

homogêneos devem trazer predominância das questões comuns. Caso não haja a prevalência

de questões comuns, não será direito individual homogêneo162.

Sérgio Shimura163 defende que os direitos individuais homogêneos são uma

categoria autônoma de direitos. Este também é o entendimento de Fredie Didier e Hermes

Zaneti:

A importância desta categoria é cristalina. Sem sua criação pelo direito positivo

nacional não existiria a possibilidade de tutela coletiva de direitos individuais com

natural dimensão coletiva em razão de sua homogeneidade, decorrente da

massificação/padronização das relações jurídicas e das lesões daí decorrentes. A

160

ibidem, p. 76.

161 ibidem, p. 76.

162 ROCHA, Luciano Velasque. Ações Coletivas. O problema da legitimidade para agir, Rio de Janeiro,

Forense, 2007, p. 61.

163 In Tutela coletiva e sua efetividade, São Paulo, Método, 2006, p. 30.

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63

ficção jurídica atende a um imperativo do direito, realizar com efetividade a Justiça

frente aos reclames da vida contemporânea.164

No tópico acima, ao analisarmos os objetivos da class action norte-americana,

apontamos a economia processual. A defesa coletiva dos direitos individuais homogêneos

privilegia justamente este objetivo. Ademais, através desta defesa é possível o ajuizamento de

demandas em que o valor a ser ressarcido para o consumidor é pequeno quando

individualmente considerado, mas relevante se considerado de forma coletiva.

Importante consignar que o Anteprojeto de Código Modelo de Processos

Coletivos para Ibero-América165 estabelece em seu artigo 2º, §1º, que os direitos individuais

homogêneos seriam aqueles com predominância de questões comuns sobre as individuais e

ainda acrescentam a necessidade de utilidade da ação coletiva no caso concreto166.

No caso da legislação brasileira, a utilização da demanda coletiva para solucionar

demandas relacionadas ao direito individual homogêneo, em nossa opinião, independe da

demonstração de utilidade da ação coletiva no caso concreto. Esta opção é dada ao autor da

demanda, que poderá intentar demanda individual, coletiva, ou ainda em litisconsórcio.

Em nosso entendimento, a necessidade de demonstração da utilidade no caso

concreto é contrária ao próprio objetivo de efetivação do acesso à justiça.

Por fim, doutrinadores como Teori Albino Zavaski entendem que os direitos

individuais homogêneos não são direitos coletivos, mas direitos individuais tratados

coletivamente.

Na essência e por natureza, os direitos individuais homogêneos, embora tuteláveis

coletivamente, não deixam de ser o que realmente são: genuínos direitos subjetivos

individuais. Essa realidade deve ser levada em consideração quando se busca definir

e compreender os modelos processuais destinados à sua adequada e mais efetiva

defesa.167

164

Op. cit., pág. 76.

165 Para mais informações: http://www.mpcon.org.br/site/portal/jurisprudencias_detalhe.asp?campo=2897.

166 Mais informações em www.pucsp.br/.../codigomodelo, acesso em 22 de fevereiro de 2012.

167 In Processo coletivo. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4. ed., São Paulo, Revista dos

Tribunais, 2009, p. 47.

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Mesmo existindo divergências sobre a classificação de direitos individuais

homogêneos, se direitos coletivos ou individuais tratados coletivamente, importante foi o seu

reconhecimento pelo legislador, possibilitando a sua defesa em juízo através das ações

coletivas.

2.2 Formas de Defesa do Consumidor em Juízo no Código de Defesa do

Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor, juntamente com os dispositivos da Lei de

Ação Civil Pública, constitui um microssistema de processo coletivo no Direito Brasileiro.

Isto significa dizer que estas normas regem todas as ações de caráter coletivo.

Estes microssistemas evidenciam e caracterizam o policentrismo do direito

contemporâneo, vários centros de poder e harmonização sistemática: a Constituição

(prevalente), o Código Civil, as leis especiais. Pensar em recodificar significa

imaginar uma função residual aos Códigos que não seja fechada em si mesma, uma

função que contribua para a harmonização dos microssistemas com a Constituição,

bem como para a preservação dos valores jurídicos comuns na elaboração de novos

microssistemas.168

A jurisprudência também reconhece a existência deste microssistema:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO

CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA

DEFESA DE INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.

ARTS. 127 E 129, III E IX, DA CF. VOCAÇÃO CONSTITUCIONAL DO

MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

DIREITO À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RELEVÂNCIA

PÚBLICA. EXPRESSÃO PARA A COLETIVIDADE. UTILIZAÇÃO DOS

INSTITUTOS E MECANISMOS DAS NORMAS QUE COMPÕEM O

MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. EFETIVA E ADEQUADA

PROTEÇÃO. RECURSO PROVIDO. (...) 5. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil 168

DIDIER, Fredie Jr; ZANETI, Hermes Jr., Curso de Direito Processual Civil, v.4, Processo Coletivo, 4ª edição, Salvador, 2009, p. 46.

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Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do

denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos

coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do

Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade

Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os

instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de “propiciar sua

adequada e efetiva tutela” (art. 83 do CDC). 6. Recurso especial provido para

determinar o prosseguimento da ação civil pública. (REsp 695.396/RS, Rel. Ministro

ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe

27/04/2011).169

O Código de Defesa do Consumidor trouxe inúmeras inovações para o Direito

Processual Coletivo e hoje é a sua principal fonte. A principal preocupação do legislador, ao

estabelecer disposições processuais no Código de Defesa do Consumidor, foi a facilitação da

judicialização dos conflitos.

Justamente por isso, a preocupação do legislador, nesse passo, é com a efetividade

do processo destinado à proteção do consumidor e com a facilitação de seu acesso à

justiça. Isso demandava, de um lado, o fortalecimento da posição do consumidor em

juízo – até agora pulverizada, isolada, enfraquecida perante a parte contrária que não

é, como ele, um litigante meramente eventual – postulando um novo enfoque da par

condicio e do equilíbrio das partes, que não fossem garantidas no plano meramente

formal; e, de outro lado, exigia a criação de novas técnicas que, ampliando o arsenal

de ações coletivas previstas pelo ordenamento, realmente representassem a

desobstrução do acesso à justiça e o tratamento coletivo de pretensões individuais

que isolada e fragmentariamente poucas condições teriam de adequada condução.170

No item a seguir veremos as principais disposições processuais trazidas pelo

Código de Defesa do Consumidor.

169

Disponível no site www.stj.jus.br.

170 GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit., p. 2.

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2.2.1 Microssistema das Ações Coletivas

Os diplomas que regem as ações coletivas no Brasil devem ser considerados como

um todo, ou seja, os diplomas devem ser integrados formando um microssistema,

especialmente no que se refere aos dispositivos da Lei de Ação Civil Pública e do Código de

Defesa do Consumidor.

Embora estes dois diplomas acima citados sejam os mais importantes deste

microssistema, podemos citar ainda como componentes a Lei de Ação Popular, o Estatuto da

Criança e do Adolescente, as disposições sobre Mandado de Segurança Coletivo e a Lei de

Improbidade Administrativa.

No sentido de que os diplomas legais que regem os direitos coletivos formam um

microssistema171, temos:

Note-se por ser uma característica pouco comum, que o microssistema coletivo tem

sua formação marcada pela reunião intercomunicante de vários diplomas,

diferenciando-se da maioria dos microssistemas que, em regra, recebem apenas

influência de normas gerais. Por exemplo, a Lei n° 8.245/91 (exemplo de diploma

extravagante nas relações entre locador e inquilino de imóveis) possui diálogo com o

Código Civil (CC), o Código de Processo Civil (CPC) e, obviamente, a Constituição

Federal (CF). Com efeito, a concepção do microssistema jurídico coletivo deve ser

ampla, a fim de que o mesmo seja composto não apenas do CDC e da LACP, mas de

todos os corpos legislativos inerentes ao direito coletivo, razão pela qual o diploma

que compõem o microssistema é apto a nutrir carências regulativas das demais

normas, pois, unidas, formam um sistema especialíssimo.172

Este microssistema significa que todas as normas a eles pertencentes devem ser

aplicadas a todos os processos que tratam de direitos coletivos. Neste sentido, podemos

defender, por exemplo, que a inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º, VIII, do Código

de Defesa do Consumidor deve ser aplicada em qualquer espécie de processo coletivo, ainda

171

“O CDC não traz todas as disposições atinentes ao nosso processo coletivo e é importante para a finalidade que atende o processo coletivo que busquemos integrar, no que existe de positivo, os diversos diplomas que referem sobre as ações coletivas.”(DIDIER, Fredie Jr., ZENETI, Hermes Jr.,op.cit., p. 50).

172 MAZZEI, Rodrigo Reis. “Ação Popular e o microssistema da tutela coletiva”, In MANOEL Jr., Luiz

(Coord.), Ação popular – aspectos controvertidos e relevantes – 40 ano da Lei 4717/65. São Paulo, 2006.

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que não se trate de matéria de direito do consumidor. A este microssistema serão aplicadas,

subsidiariamente, as normas do Código de Processo Civil. 173

Todo o desenvolvimento e a promulgação cada vez maior de legislações

privilegiando a defesa coletiva de direitos deram início a um movimento pelo reconhecimento

do Direito Processual Coletivo como um novo ramo do direito processual. Embora exista um

modelo ibero-americano de código de processo coletivo, este ainda não foi implantado no

Brasil.174

2.2.2 Disposições Processuais

As disposições processuais referentes aos processos coletivos são muito discutidas

tanto na doutrina como na jurisprudência. Conforme já explanamos acima, nossa opinião é no

sentido de que toda a legislação referente a direitos coletivos forma um microssistema.

Por não ser o escopo deste trabalho, nos limitaremos apenas a citar alguns dos

dispositivos processuais mais importantes sobre as demandas coletivas, sem, contudo,

pretender esgotar um tema que traz intensas divergências.

O Código de Defesa do Consumidor ampliou a legitimidade para a propositura de

ações coletivas como até então estava disposto na Lei de Ação Civil Pública. Entretanto, com

o advento da Lei 11.448/2007 ampliou novamente este rol.

O artigo 83 do CDC estabelece a possibilidade de utilização de qualquer tipo de

demanda para a defesa do direito do consumidor. Assim, ao lado das ações coletivas, são

admitidas todas as ações previstas no ordenamento nacional.

O CDC estabelece como sendo competente o domicílio do consumidor para as

ações individuais de responsabilidade civil (art. 101, I); veda a denunciação da lide (art.88);

isenta as ações coletivas do adiantamento de custas e emolumentos (art. 87) e regulamenta o

andamento de ação individual ante as ações coletivas.

Outro aspecto relevante a respeito das demandas coletivas está na fixação da

competência175. Primeiramente, existem doutrinadores que defendem que a competência

173

LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 137-138.

174 GRINOVER, ADA Pellegrini. “Rumo a um Código Brasileiro de Processo Coletivos”, In: Processo Civil

Coletivo, Quartier Latin, São Paulo, 2005, p. 723.

175 Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

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estabelecida no artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor é funcional176, enquanto outros

defendem que a competência apenas territorial.177

Com todo o respeito às opiniões contrárias, parece-nos que se trata

verdadeiramente de competência funcional. Trata-se, no caso, de competência absoluta para o

local em que ocorreu o dano.

Uma inovação importante trazida pelo Código de Defesa do Consumidor foi a

possibilidade de sentença condenatória genérica (art. 97).

Por serem o objeto material da presente ação direitos individuais homogêneos, a

sentença condenatória deve ser sempre genérica; caso contrário, não teria sentido,

tendo em vista a divisibilidade dos direitos e interesses presentes na espécie, a

existência de formas de tutelas coletivas para estas hipóteses. 178

Justamente em razão da previsão de sentença genérica, o CDC trouxe a forma de

liquidação individual dos danos por habilitação dos consumidores lesados (art.82).

Os artigos 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor trazem ainda as

disposições referentes à coisa julgada no processo coletivo.

A coisa julgada nas demandas coletivas que tratam de direito difuso e coletivo

possuem o regime secundum eventum probationis, ou seja, a coisa julgada se forma somente

se houver esgotamento das provas. Assim, caso a demanda seja julgada improcedente por

insuficiência de provas, outro legitimado, ou o mesmo, desde que apresente novas provas,

poderá repropor a demanda.179 No caso dos direitos difusos a coisa julgada terá efeito erga

omnes, enquanto no caso de direitos coletivos a coisa julgada terá efeito ultra partes.

I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

176 PIZZOL, Patricia Miranda. A Competência no processo civil. São Paulo, Malheiros, 2003.

177 JÚNIOR, Américo Bedé Freire. “Pontos nervosos da tutela coletiva: legitimação, competência e coisa

julgada”, In: Processo Civil Coletivo, Quartier Latin, São Paulo, 2005.

178 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro, um novo ramo do Direito

processual, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 374.

179 DIDIER JR, Fredie; ZANETTI JR, Hermes. op. cit., p. 356.

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No caso de demandas tratando de direito individual homogêneo, o resultado da

demanda coletiva terá efeito erga omnes somente se julgada procedente, com o intuito de

beneficiar todas as vítimas do evento danoso. Trata-se de transporte in utilibus da coisa

julgada coletiva para o plano individual. 180O CDC prevê ainda que aquele que possui uma

demanda individual deverá pedir a suspensão desta para se beneficiar da demanda coletiva.

Por fim, existe um aspecto processual relevante no Código de Defesa do

Consumidor que não está em sua parte processual, mas dentro das regras de direito material

previstas no artigo 6º, VIII.

A inversão do ônus da prova é uma das características mais importantes da tutela

do direito do consumidor, seja ela individual ou coletiva.

A regra da distribuição do ônus da prova do CDC não segue a mesma sistemática

do Código de Processo Civil.

O artigo 333 do Código de Processo Civil estabelece que o ônus de afirmar e

provar se distribui entre as partes, de modo que cada uma é responsável por provar os fatos a

ser considerados pelo juiz.

O CDC, por outro lado, estabelece a possibilidade de inversão do ônus da prova

(art. 6º, VIII). Esta inversão é realizada pelo magistrado, levando em consideração dois

requisitos alternativamente: verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência do

consumidor.

Note-se que a partícula “ou” bem esclarece que, a favor do consumidor, pode o juiz

inverter o ônus da prova quando apenas uma das duas hipóteses está presente no

caso. Não há qualquer outra exigência do CDC, sendo assim facultado ao juiz

inverter o ônus da prova inclusive quando esta prova é difícil mesmo para o

fornecedor, parte mais forte e expert na relação, pois o espírito do CDC é justamente

facilitar a defesa dos direitos dos consumidores e não o contrário, impondo provar o

que é, em verdade, o risco profissional ao – vulnerável e leigo consumidor.181

Entretanto, o entendimento de que a inversão do ônus da prova necessita de

apenas um dos dois requisitos não é pacífica na doutrina: “Temos, portanto, que, para que a

180

ibidem, p. 360.

181 MARQUES, Cláudia Lima. op. cit., p. 258.

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inversão do ônus da prova seja autorizada, tanto a afirmação precisa ser verossímil, quanto

o consumidor precisa ser hipossuficiente.” 182

Parece-nos que o melhor entendimento é aquele que mais beneficia o consumidor,

ou seja, ficando comprovado um dos requisitos, seria possível a inversão do ônus da prova.

2.3 Legitimidade para Ações Coletivas Envolvendo Relações de Consumo

A legitimidade é a qualidade para estar em juízo, como demandante ou

demandado, com relação a determinado conflito trazido ao exame do juiz. A legitimidade é

um dos requisitos de admissibilidade para o julgamento do mérito da demanda.

De acordo com José Carlos Barbosa Moreira:

Para todo e qualquer processo, considerado em relação à lide que por meio dele

busca compor, cria a lei, explícita ou implicitamente, um esquema subjetivo

abstrato, um modelo ideal, que deve ser observado na formação do contraditório.

Esse esquema é definido pela indicação de determinadas situações jurídicas

subjetivas, às quais se costuma chamar de situações legitimantes.183

A situação legitimante é aquela que se verifica no processo concreto, e sua

verificação depende de uma conexão entre o direito material e os sujeitos processuais.

A legitimidade, conforme dispõe o artigo 3° do Código de Processo Civil, pode

ser ordinária, ou seja, quando a própria pessoa vai a juízo defender seus interesses, ou

extraordinária, hipótese em que a lei autoriza que um terceiro vá a juízo defender o direito de

outrem.

O legitimado extraordinariamente também é chamado de substituto processual.

Nas palavras de Candido Rangel Dinamarco:

A condição de parte no processo habilita o substituto a atuar segundo suas próprias

vontades e escolhas, sem vínculo às do substituído. Para tanto, ele propõe a demanda

inicial ou oferece contestação (mas são pouco freqüentes os casos de legitimidade

182

GIDI, Antonio. Aspectos da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor 13/14, São Paulo: RT, Jan-mar. 1995.

183 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Aprimoramentos para um estudo sistemático da legitimação

extraordinária. Revista dos Tribunais, v. 404, p. 9-10.

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extraordinária passiva), formula pedidos e requerimentos ao longo do procedimento,

recorre, etc. como parte que é, tem todos os ônus inerentes a essa condição, inclusive

o de realizar preparos de custas. Se o resultado do processo lhe for desfavorável,

arcará ele próprio com a obrigação final de pagar todas as despesas processuais e

honorários advocatícios da sucumbência.184

No âmbito das ações coletivas, existe grande divergência sobre a classificação da

legitimidade.

Isto porque:

À vista da complexidade dos direitos transindividuais, os ordenamentos jurídicos

legitimam uma nova modalidade de atuação processual, através da figura da

legitimidade coletiva. Ao legitimado para a invocação da tutela coletiva é conferido

o poder de agir em defesa dos direitos de um grupo, uma classe, ou mesmo de toda a

sociedade. Ao contrário do que ocorre na defesa de direitos meramente individuais,

a atuação deste legitimado repercutirá não apenas em sua esfera jurídica, mas

também e principalmente na esfera jurídica de todos os titulares dos direitos que se

encontrem em jogo naquele processo. É que o regime da coisa julgada nas demandas

coletivas em muito se distancia daquele presente do direito processual individual,

em que, de um modo geral, apenas as partes litigantes são atingidas pela eficácia da

decisão final. Por isso, a legitimação coletiva deve ser amplamente justificada por

fundamentos que autorizem a propositura, por alguns, de ações que visem tutelar

direitos de toda uma coletividade.185

No que tange aos direitos difusos e coletivos, Sérgio Shimura186 e Kazuo

Watanabe187 defendem que a legitimidade de cada um dos órgãos previstos no artigo 5º da lei

da Ação Civil Publica é ordinária, já que agem como legitimidade para a condução autônoma

do processo no que tange aos direitos difusos e coletivos. Já no que se refere aos direitos

184

In Instituições de direito processual civil, v.2, 6. ed., Malheiros, São Paulo, 2009.

185 GUEDES, Clarissa Diniz. “A legitimidade ativa na ação civil pública e os princípios constitucionais”, In

MAZZEI, Rodrigo; Nolasco Rita Dias, Processo civil coletivo, p. 111.

186 SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade, Método, São Paulo, 2006.

187 WATANABE, Kazuo. “Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para agir”, In GRINOVER,

Ada Pellegrini, A tutela dos interesses difusos. São Paulo, Max Limonad, 1984.

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individuais homogêneos, Sérgio Shimura também defende que a legitimidade é

extraordinária:

O legitimado não está defendendo direito alheio em nome próprio, porque não se

pode, rigorosamente, identificar o titular do direito. Não se cogitaria, por exemplo,

de ação judicial proposta pelos “lesados pela poluição”, pelos “consumidores de

propaganda enganosa”, como classe ou grupo de pessoas. A lei elegeu alguém para a

defesa de direitos porque seus titulares não podem fazê-lo individualmente. 188

Os autores que defendem a legitimação ordinária para os direitos difusos e

coletivos explicam que a defesa dos interesses coletivos coincide com a defesa do próprio

interesse da entidade.

Hugo Mazzilli entende que a legitimidade é sempre extraordinária, ou seja, tanto

para os direitos difusos e coletivos como para os direitos individuais homogêneos. Para este

autor, ainda que os legitimados ajam de forma autônoma, os interesses da coletividade serão

atingidos,189com ele também está Rodolfo Camargo Mancuso.190

Este também é o entendimento de Pedro Dinamarco:

De acordo com a classificação idealizada por José Carlos Barbosa Moreira e aceita

pela doutrina especializada, há duas espécies de legitimidade extraordinária: a

autônoma e a subordinada. A primeira caracteriza-se pela independência do

substituto em relação à pessoa que ordinariamente seria legitimada e em posição

análoga à que caberia a esta se estivesse em juízo. Já na subordinada, a presença do

legitimado ordinário (e eventualmente outra pessoa que detenha a legitimidade

extraordinária mais ampla para aquele processo) é essencial e uma vez por este

ajuizada a demanda, reconhece-se aos titulares de situações subjetivas diversas a

188

SHIMURA, Sérgio, op. cit.

189 “Ainda que proceda em parte esta argumentação (legitimação ordinária), em nosso atendimento, não se

explica satisfatoriamente a questão. Na verdade, identifica-se na ação civil pública ou coletiva a predominância do fenômeno da Legitimação Extraordinária ou da Substituição Processual, pois este fenômeno processual só não ocorreria se o titular da pretensão processual estivesse agindo apenas na defesa de interesse material que ele alegasse ser dele próprio. Mas na ação civil pública ou coletiva, os legitimados ativos, ainda que ajam na forma autônoma e possam também defender interesses próprios, na verdade estão a buscar em juízo mais que a só proteção de interesses próprios”. (MAZZILLI, Hugo Nigro, A defesa dos interesses difusos em Juízo, Saraiva, 17ª Edição, São Paulo, p. 61)

190 Op. cit., p. 425.

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possibilidade de participarem dela, assumindo posições acessórias, ao lado do autor

ou do réu. No caso da ação civil pública, o substituto pode ajuizar a demanda, tendo

os mesmos ônus e deveres processuais de qualquer parte, respondendo inclusive

pelas eventuais custas e despesas processuais, apesar de não significar

necessariamente que ele possa realizar todas as atividades de parte, pois

ordinariamente ele não pode confessar, renunciar e em geral dispor sobre o direito

em discussão. Assim, trata-se de legitimidade extraordinária autônoma.191

Para os autores que defendem a legitimidade autônoma para condução do

processo, esta seria aplicável para as ações fundadas em direitos coletivos e difusos. No caso

das ações coletivas fundadas em direito individual homogêneo, haverá substituição

processual, ou seja, a legitimidade, no caso, é extraordinária.

Para Nelson Nery, os institutos tradicionais do Processo Civil não devem ser

utilizados na análise do processo coletivo. Entre as classificações que entende não se

prestarem às ações coletivas, está a da legitimidade:

Parcela da doutrina ainda insiste em explicar o fenômeno da tutela jurisdicional dos

interesses e direitos difusos pelos esquemas ortodoxos do processo civil. Tenta-se

justificar a legitimação do Ministério Público, por exemplo, como extraordinária,

identificando-a com a do fenômeno da substituição processual. Na verdade, o

problema deve ser entendido segundo as regras de legitimação para a causa com as

inconvenientes vinculações com a titularidade do direito material invocado em juízo,

mas sim à luz do que na Alemanha se denomina de legitimação autônoma para a

condução do processo, instituto destinado a fazer valer em juízo os direitos difusos,

sem que se tenha de recorrer aos mecanismos do direito material para explicar

referida legitimação.192

A legitimação autônoma para a condução do processo nasceu na Alemanha em

1970 através de Walter Hadding193. Esta classificação tinha como objetivo explicar a

legitimidade dada pelas associações e ao concorrente na lei de concorrência.

191

Op. cit., p. 205-206.

192 Op. cit., p. 357

193 ROCHA, Luciano Velasque. Ações coletivas. O problema da legitimidade para agir . Rio de Janeiro, Forense,

2007, p. 132.

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A classificação como legitimação autônoma para a condução do processo, de fato,

nos parece mais adequada no que se refere aos direitos coletivos e difusos. Com relação ao

direito individual homogêneo trata-se, de fato, de legitimação extraordinária. O direito

processual coletivo possui nuances e princípios que o afastam do processo civil comum.

Assim, a nosso ver, a aplicação de institutos tradicionais, como a legitimidade

extraordinária, não se adéquam satisfatoriamente ao estudo dos direitos coletivos.

Corroborando nosso entendimento temos:

Ocorre que, enquanto no sistema da tutela individual de direitos a legitimidade

guarda relação estrita com a titularidade do direito material, quando se esta diante

das ações coletivas, como visto anteriormente, nem sempre será possível identificar

o titular do direito sub judice, o que acaba implicando uma ruptura do conceito até

então trazido pela doutrina quanto à classificação da legitimidade em extraordinária

e ordinária. Assim, não parece ser possível adotar uma classificação que tem como

elemento diferenciador a titularidade do direito tutelado num sistema em que tal

titularidade não é sempre aferível, como é o caso das demandas coletivas.194

Por fim, salientamos que Humberto Dalla Bernadino de Pinho195 defende que a

legitimidade é a legitimidade política, em razão do próprio interessado não ter legitimidade

para a propositura da demanda.

Importante ressaltar ainda que a legitimidade para as ações coletivas possuem

outras classificações.

A legitimidade ativa no Código de Defesa do Consumidor e nas ações coletivas é

considerada disjuntiva, concorrente e exclusiva.196 Disjuntiva em razão de os legitimados

poderem ajuizar a ação individualmente, ou seja, sem a presença dos demais. A legitimidade é

concorrente porque qualquer dos legitimados pode propor a demanda.

A legitimidade é ainda exclusiva, pois somente aqueles elencados na lei podem

propor as ações coletivas.

194

SPALDING, Alessandra Mendes. Legitimidade ativa nas ações coletivas, Juruá, Curitiba, 2006, p. 57.

195 In A Legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de Ações Civis Públicas: primeiras impressões e

questões controvertidas, disponível em http://www.humbertodalla.pro.br/arquivos/a_legitimidade_da_dp_para_propor_acp.PDF. Acessado em 13 de fevereiro de 2012.

196 ALMEIDA, Gregório Assagra de, op. cit., p. 501.

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Por fim, atualmente, muitos doutrinadores como Ada Pellegrini Grinover, Antonio

Gidi197, e Fredie Didier198 defendem que, além da legitimidade, o sistema brasileiro deveria

prever a representação adequada.

Vê-se daí que o ordenamento brasileiro não é infenso ao controle da legitimação ope

judicis, de modo que se pode afirmar que o modelo do direito comparado, que

atribui ao juiz o controle da “representatividade adequada” (Estados Unidos da

América, Código de Modelo para Ibero-América, Uruguai e Argentina), pode ser

tranquilamente adotado no Brasil, na ausência de norma impeditiva.199

Este instituto, derivado da class action norte-americana, conforme vimos no item

1.3.1 deste trabalho, difere da legitimidade, na medida em que coloca requisitos de ordem

subjetiva e objetiva para autorizar que determinado ente ajuíze uma ação coletiva.

A análise da representatividade adequada seria feita em uma fase posterior à

análise da legitimidade.

A análise da legitimação coletiva (e, por conseqüência, da representação adequada)

dar-se-ia em duas fases. Primeiramente, verifica-se se há autorização legal para que

determinado ente possa substituir os titulares coletivos do direito afirmado e

conduzir o processo coletivo. A seguir, o juiz faz o controle in concreto da

adequação da legitimidade pra aferir, sempre motivadamente, se estão presentes os

elementos que asseguram a representatividade adequada dos direitos em tela. 200

197

“Apesar não estar expressamente previsto em lei, o juiz brasileiro não somente pode, como tem o dever de avaliar a adequada representação dos interesses do grupo em juízo. Se o juiz detectar a eventual inadequação do representante, em qualquer momento do processo, deverá proporcionar prazo e oportunidade para que o autor inadequado seja substituído por outro, adequado. Caso contrário, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito. Se o juiz, inadvertidamente, atingir o mérito da causa, a sentença coletiva não fará coisa julgada material e a mesma ação coletiva poderá ser reproposta por qualquer legitimado. Esta proposta, porém, não é de lege ferenda, mas de lege lata. Ou seja, é independente de reforma legislativa. Basta um juiz competente e interessado” (GIDI, Antonio, op. cit., p. 117).

198 DIDIER, Fredie Jr; ZANETTI, Hermes Jr., op. cit., p. 208.

199 GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit. p. 3-12.

200 DIDIER, Fredie Jr; ZANETTI, Hermes Jr, op. cit. p. 208.

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Didier e Zaneti201 entendem que a representatividade adequada no direito brasileiro

hoje já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, mas com o nome de pertinência

temática.202

Em sentido contrário à existência da representatividade adequada no direito

nacional:

Dessa forma, entre nós não existe um verdadeiro requisito da representatividade

adequada para que os legitimados possam ajuizar ação civil pública, ao contrário do

que sustentam alguns doutrinadores.203

A nosso ver, a pertinência temática não se confunde com a representatividade

adequada, uma vez que esta última implica uma análise subjetiva e objetiva daquele que

propôs a ação coletiva.

Enquanto a representatividade adequada seria o controle judicial, caso a caso, se o

legitimado teria o direito de conduzir o processo, a pertinência temática, que será analisada

em outro item, leva em consideração a coletividade ou o direito que está sendo representado.

Embora a existência da representatividade na doutrina brasileira seja controversa e

claramente minoritária, não se pode negar que seria importante a existência de controle da

representatividade nas ações coletivas, como forma de garantir efetivamente a proteção dos

direitos transindividuais.

2.3.1 Legitimados e os princípios da Constituição Federal

Em razão da importância da legitimidade para atuar em favor dos direitos

transindividuais, os legitimados devem estar amparados por um profundo estudo

constitucional que justifique a sua legitimidade.

O direito brasileiro conferiu legitimidade para propor ação civil pública a entes que,

em virtude de sua posição na sociedade e de suas atribuições constitucionais, 201

ibidem, p. 208.

202 Mais informações no site ww.stf.jus.br, RE 195.056-1/PR.

203 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública, op. cit., p. 201.

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revelam-se, a princípio, capazes de superar todos os entraves à defesa de direitos

consolidados pelo Estado Democrático de Direito, denominados direitos

fundamentais de 3ª geração, sem que isso ocasione ofensa às garantias preexistentes,

conquistadas pelo Estado Liberal (direitos fundamentais de primeira geração) e pelo

Estado Social (direitos fundamentais de segunda geração). Ainda assim, a

necessidade de exercer o controle sobre a legitimidade das normas (constitucionais e

infraconstitucionais) que estabelecem a legitimação para agir é constantemente

ditada pelo contexto em que se insere o ordenamento e pelas circunstâncias de cada

hipótese concreta.204

São legitimados para a propositura de ação civil pública em defesa de direito

coletivo do consumidor o Ministério Público, a Defensoria Pública; a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios; a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de

economia mista; a associação que, concomitantemente, esteja constituída há mais de um ano e

que o objeto da ação tenha relação com suas finalidades institucionais.205

204

SPALDING, Alessandra Mendes, op. cit., p. 115.

205 Artigo 5º, Lei 7.347/85: Art. 5º: Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I - o Ministério Público;

II - a Defensoria Pública;

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

§ 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

§ 4° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

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O artigo 129, III, da Constituição Federal estabelece a propositura da ação civil

pública como uma das atribuições institucionais do Ministério Público. Desta forma,

evidenciando uma situação em que seja necessária a propositura da demanda, o Ministério

Público tem o dever de agir.

Não se admite, identificando uma hipótese em que deva agir, recuse-se a fazê-lo:

nesse sentido, sua ação é um dever. Com efeito, bem apontou Calamandrei que, se o

Ministério Público adverte ter sido violada a lei, não se admite que, por razões de

conveniência, se abstenha de acionar ou intervir para fazer com que se restabeleça a

ordem legal.206

Nos casos relacionados a direitos individuais homogêneos entende-se que a

legitimidade do Ministério Público deve ser ligada a direitos indisponíveis ou socialmente

relevantes. Neste caso, O Ministério Público, verificando a lesão destes direitos, também

estaria obrigado a propositura da ação civil pública207.

Mesmo nas ações em que não atua como autor, o Ministério Público deverá atuar

como fiscal da lei, sendo responsável por dar andamento ao feito em caso de abandono de

outro legitimado.

A legitimidade da Defensoria Pública será tratada nos capítulos seguintes.

O artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 5º da Lei de Ação

Civil Pública (Lei n° 7.347/85) preveem uma ampla legitimidade dos entes públicos para a

tutela dos direitos coletivos. Evidentemente tais órgãos somente podem atuar de acordo com

suas funções institucionais. Assim, um ente público de defesa do consumidor poderá ajuizar

demanda em defesa dos consumidores.

Se nenhum nexo mantém, porque os consumidores pertencem a outro Município ou

Estado diverso, evidentemente a legitimação ad causam não lhes diz respeito.

§ 5° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei.

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

206 MAZZILLI, Hugo Nigro. op. cit, p. 81.

207 SPALDING, Alessandra Mendes. op. cit. P. 129.

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Todavia, se os interesses ameaçados ou lesados guardam ligação com vários

Municípios, qualquer um deles poderá tomar a iniciativa da demanda. O mesmo

ocorre com os Estados, cuja atribuição mais significativa é relativa aos interesses

regionais, estaduais e interestaduais. Em linha de princípio, a União deverá se

preocupar com os interesses de âmbito nacional, mas nada obsta que adote a

iniciativa da tutela de interesses locais ou regionais, mormente na omissão dos

demais co-legitimados.208

O CDC e a lei de ação civil pública estabelecem ainda a legitimidade de órgãos

descentralizados dos Estados, como as autarquias. Este inciso fundamenta a atuação dos

Procons.

São legitimadas ainda as associações civis, sindicatos e partidos políticos. A

Constituição Federal, art. 5º, XXI, admite que as associações, quando autorizadas, ajuízem

ações de caráter coletivo em favor de seus filiados. Esta autorização pode ser dada em

assembleia geral ou constar de seus estatutos. 209

O CDC estabelece que as associações terão legitimidade se estiverem constituídas

há mais de um ano e o objeto da demanda estiver em consonância com suas finalidades.

O requisito da pré-constituição pode ser afastado de acordo com o §1º do artigo

82 do CDC quando se trata de manifesto interesse social ou pela dimensão jurídica do dano,

ou pela relevância do bem jurídico.

Sobre a possibilidade de afastar a pré-constituição, assim já entendeu a

jurisprudência:

EXTINÇÃO DO PROCESSO – AÇÃO COLETIVA – Pretensão à declaração do

correto índice aplicável às cadernetas de poupança, no período de junho a

julho/1987 (Plano Bresser) – Hipótese em que o processamento da ação foi

indeferido, por ilegitimidade ativa da autora, por se tratar de associação constituída

há menos de um ano – Incorreção – Hipótese em que diante do interesse social e da

relevância do objeto da lide, consistentes na defesa de direito coletivo e de direitos

individuais homogêneos, admite-se a dispensa dos requisitos de pré-constituição,

conforme dispõem o § 4S do art. 52 da Lei 7.347/85 e o § 1 do art. 82 do Código de

Defesa do Consumidor – Extinção do processo afastada, para que o feito tenha

208 WATANABE, Kazuo. op. cit., p. 94.

209 Mazzilli, Hugo Nigro. op. cit., p. 274.

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regular prosseguimento – Recurso provido para este fim. (APL 7178363400 SP,

Relator(a): Rizzatto Nunes, Julgamento:13/08/2008, Órgão Julgador: 23ª Câmara de

Direito Privado, Publicação:20/08/2008).210

A legitimação dos sindicatos e partidos políticos está incluída na legitimidade das

associações.

Pelo rol do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Ação Civil Pública,

podemos concluir que a intenção do legislador é de ampliar ao máximo os legitimados à

propositura de ações coletivas.

2.3.2 Natureza Jurídica da legitimidade

Segundo a teoria da legitimidade ad causam elaborada por Giuseppe

Chiovenda211, esta seria uma condição da ação, ou seja, é uma condição para obter uma

sentença favorável.

Para este autor, a legitimidade, sendo condição da ação, não teria relação com a

existência do processo, mas com a titularidade desta demanda.

Por esta premissa, não seria necessário se falar em legitimidade, uma vez que a

legitimidade se confunde com a titularidade do direito material, ou seja, só seria legitimado

aquele que tem o direito ao bem da vida.

Outra teoria sobre a natureza jurídica da legitimidade foi a explanada por Enrico

Redenti212. Para este autor, a legitimidade não se tratava de condição da ação ou pressuposto

processual, entendida a condição da ação como aquela em que o autor teria somente se

obtivesse uma sentença de procedência.

Este autor criou um gênero intermediário em que colocava a legitimidade ad

causam como condição para uma decisão de mérito.

Esta teoria não foi muito desenvolvida pelo autor, e acabou sendo substituída,

como veremos a seguir.

210

Para mais informações, ver o site www.tj.sp.gov.br

211 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, 3. ed., São Paulo, 1969.

212 REDENTI, Enrico. Diritto Processuale Civile, 2. ed., 1959-1954.

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Por fim, temos a doutrina de Enrico Tullio Liebman213, em que o conceito de

legitimidade ad causam é uma condição da ação. Entretanto, para este doutrinador, condição

da ação é a condição de existência do processo, e não tem relação com a sentença de

procedência ou procedência do mérito.

Na teoria de Liebman214, a ação poderia existir mesmo quando o autor não tiver o

direito que pleitear o direito em juízo; mas só existirá quando o autor preencher determinadas

condições que permitam ao juiz julgar a causa. Estas condições seriam a possibilidade jurídica

do pedido, o interesse de agir e a legitimidade para a causa, ou seja, o autor e o réu são os

titulares do direito pleiteado na ação.

Esta teoria de Liebman é a adotada pelo Código de Processo Civil brasileiro, não

obstante criticada por alguns autores, como Celso Agrícola Barbi215 e Humberto Teodoro

Junior:

A lição, data maxima venia, impregna-se excessivamente do conteúdo da relação

jurídica material deduzida em juízo, e não condiz com a idéia de direito autônomo e

abstrato que caracteriza, modernamente, a ação como o direito à composição da

lide.216

No caso dos direitos coletivos, aqueles que defendem que a legitimação é para a

condução autônoma do processo, a natureza jurídica da legitimidade não seria de condição da

ação, como para aqueles que defendem que a legitimidade é extraordinária ou ordinária.

Neste caso, a natureza jurídica seria de um conceito puramente processual, sem

qualquer ligação com o direito material. Isto significa afirmar que, ao contrário do que

213

LIEBMAN, Enrico Tulio. Manuale di Diritto Processuale Civile, ristampa da 2. ed., 1966, v. 1, n° 14, p.42.

214 idem.

215 “É discutível o acerto dessa orientação, de um Código adotar uma teoria da ação, quando é sabido que

nenhuma das teorias até hoje construídas está isenta de críticas irrespondíveis. A construção de Liebman, apesar de sua engenhosidade, não resiste a uma análise mais aprofundada. Basta apresentar a mesma crítica que se fez à teoria civilista e à teoria de Chiovenda, com ligeiras modificações: quando o juiz, depois de ter sido desenvolvida larga atividade jurisdicional, conclui que o autor não tem direito de ação, porque falta uma daquelas três condições, como se explica a movimentação da maquina estatal por quem não tinha o direito de ação?” (BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao Código de Processo Civil, 13. ed., Forense, p. 15)

216 TEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v.1, 51. ed., Forense, Rio de Janeiro, 2010, p.

73.

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82

acontece na legitimidade dos processos individuais, a legitimidade para os processos coletivos

não deriva de uma relação entre a parte legítima e o direito invocado, mas sim de uma escolha

do legislador sobre quem serão os legitimados.

2.3.3 Necessidade de pertinência temática

O artigo 5°, inciso V, b, estabelece a necessidade de as associações comprovarem,

além do requisito temporal, que o objeto relacionado à demanda coletiva proposta esteja

dentro de suas finalidades institucionais.

O artigo 82, III, do Código de Defesa do Consumidor estabelece ainda que

somente possuem legitimidade para atuar em favor da tutela do direito do consumidor as

entidades e órgãos da administração direta ou indireta que sejam especificamente destinados à

Defesa do Consumidor.

A tal necessidade a doutrina deu o nome de pertinência temática.

Para Teori Albino Zavaski tais exigências se referem ao interesse de agir.217 O

entendimento é acompanhado por Hugo Mazzili218.

Interesse de agir, no sentido de adequação, como nos casos das ações coletivas,

significa: “que o Estado condiciona o exercício da atividade jurisdicional, em cada caso, à

utilidade do provimento desejado possa trazer ao seu escopo na atuação da vontade concreta

da lei, bem como à justiça da sujeição da parte contrária aos rigores de cada tipo de

processo.”219

Tal requisito se aplicaria a todos os legitimados para a propositura da ação

coletiva, ou seja, todos deveriam demonstrar a pertinência entre o escopo de suas atividades e

o pedido da ação coletiva.

Entendemos ser razoável tal entendimento, visto que, para a melhor defesa dos

interesses coletivos em jogo, é fundamental que o legitimado tenha conhecimento e

identificação com o tema a ser defendido em juízo.

217

In Processo Coletivo, 4. ed., Revista dos Tribunais.

218 MAZZILI, Hugo Nigro, op. cit.

219 PASSOS, José Joaquim Calmom,. Comentários ao Código de Processo Civil, 9. ed., v.3, Forense, Rio de

Janeiro, 2008.

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83

A classificação da pertinência temática na doutrina não é pacífica. Gregório

Assagra de Almeida entende que a pertinência temática é condição da ação na modalidade

legitimidade:

A pertinência temática, especialmente em sua dimensão mais restrita ou específica,

decorre da relação de conformidade ou de adequação que deve existir entre o direito

ou interesse coletivo em sentido amplo que se pretende que seja tutelado

jursidicionalmente e os fins institucionais do representante adequado arrolado pelo

legislador como legitimado ativo coletivo. Portanto, a pertinência temática, nesta

dimensão mais específica, é forma de aferição concreta que recai sobre a atuação do

ente coletivo dentro das finalidades institucionais. Assim, trata-se de conceito

relacional e transitivo que precisa de complemento: tem pertinência temática para

que?220

Discutiu-se já na doutrina que o Ministério Público também deveria demonstrar o

interesse social no que tange aos direitos individuais homogêneos. Com relação a este tema,

existem três correntes.

Hoje, majoritariamente, tanto a doutrina como a jurisprudência entendem pela 1ª

corrente, que defende a legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ações

relativas a direitos individuais homogêneos sejam eles indisponíveis ou não.

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA

DA COFINS E DO PIS AOS CONSUMIDORES DOS SERVIÇOS DE

TELECOMUNICAÇÃO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

NATUREZA DA AÇÃO CONSUMERISTA.

1. Cinge-se a controvérsia à legitimidade ativa do Ministério Público Federal para

ajuizar ação civil pública questionando a legalidade do repasse do custo de PIS e

COFINS aos usuários de serviços de telecomunicações. 2. O Ministério Público está

legitimado a promover ação civil pública ou coletiva, não apenas em defesa de

direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também de seus direitos

individuais homogêneos. Precedentes: Resp 769.326/RN, Rel. Min. Herman

Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15.9.2009, DJe 24.9.2009 ; REsp

220

ALMEIDA, Gregório Assagra, op. cit., p. 118.

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700.206/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 9.3.2010, DJe

19.3.2010. Agravos regimentais improvidos.221

Esta linha defende a teoria de que os direitos individuais homogêneos, em razão

de pertencerem a um grupo de pessoas, são uma subdivisão dos direitos coletivos e, assim,

podem ser amplamente tutelados pelo Ministério Público.222

Outra linha, restritiva, entende que a legitimidade do Ministério Público para a

atuação em interesses individuais homogêneos dependeria de lei própria, já que o artigo 129

da Constituição Federal utiliza a expressão “outros interesses”. Estes interesses deveriam ser

definidos por lei própria, pois o dispositivo não seria autoaplicável.223

Entretanto, existe ainda uma a posição minoritária, com alguma relevância de que

o Ministério Público no sentido de que deve ser demonstrado o relevante interesse social para

justificar a atuação do Ministério Público.224

Tal teoria, denominada de teoria eclética, é assim definida por Teori Albino

Zavaski:

E a terceira linha de entendimento é a de que a legitimidade do Ministério Público

para tutelar em juízo direitos individuais homogêneos se configura nas hipóteses em

que a lesão a tais direitos compromete também interesses sociais relevantes. O

assento normativo da tese pode ser buscado no artigo 127 da CF, que trata da tutela

de interesses sociais ou, ainda, no art. 129, III, que prevê ação civil pública em

defesa de patrimônio social.225

Parte da doutrina, como Miguel Reale, Adilson Abreu Dalari e Ives Gandra

Martins226, entende ainda que a Constituição Federal apenas autorizou o Ministério Público a

221

AgRg no AgRg no REsp 1167377 / SC AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2009/0224774-9, Rel. Min Humberto Martins, DJE 03/05/2011.

222 Zavaski, Teori Albino, op. cit., p. 216.

223 ibidem, p. 217.

224 DIDIER, Fredie Jr., ZANETI, Hermes Jr., op. cit., p. 336

225 Op. cit., 219.

226 Apud. GODINHO, Robson Renault. “O Ministério Público e a tutela jurisdicional coletiva do direito dos

idosos”, In MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias, Processo Civil Coletivo, São Paulo, Quartier Latin, 2005.

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defender direitos difusos e indisponíveis. Para estes autores a defesa de direitos individuais

homogêneos é inconstitucional.227

Em nosso entendimento e coadunando com o já exposto neste trabalho, a

legitimidade do Ministério Público deve ser ampla, pois as legislações relacionadas a direitos

transindividuais devem ser interpretadas de forma ampliativa.228

O Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo editou a

Súmula 07, estabelecendo a legitimidade do Ministério Público para a defesa de interesses

individuais homogêneos. De acordo com o fundamento da súmula, o Ministério Público

estaria apto a atuar nos casos de direitos indisponíveis ou ainda nos casos em que seu objeto

abranja a sociedade como um todo. Três direitos principais foram destacados: quando houver

violação de direito constitucional, quando o número de lesados dificultar ou inviabilizar a

tutela de interesses individuais e, por último, quando a defesa dos interesses individuais

homogêneos tiver por objetivo, ainda que indireto, manter a ordem jurídica em vigor.229

Assim, entender pela limitação da atividade do Ministério Público, limitação não

expressa em lei, fere toda a lógica do sistema coletivo.

As associações possuem legitimidade para qualquer tipo de direito

transindividual, seja ele coletivo, difuso ou individual homogêneo. A lei estabelece apenas

dois requisitos para conferir legitimidade, a pertinência temática, ou seja, que o objeto da

demanda tenha fundamento nos objetivos da associação e que sua constituição tenha ocorrido

há mais de um ano. Conforme já afirmado neste trabalho, este requisito da pré-constituição

pode ser dispensado.

A legitimidade dos entes estatais, bem como da União, Estados, Distrito Federal e

Municípios, também deve vir acompanhada do respeito à territorialidade e da pertinência com

suas funções.

Com relação ao interesse de agir da Defensoria Pública, a problemática também

reside nas causas de interesse individual homogêneo. Este tópico será analisado no subtítulo

de grupos não vulneráveis economicamente.

227

GODINHO, Robson Renault. “O Ministério Público e a tutela jurisdicional coletiva do direito dos idosos”, In MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias, Processo Civil Coletivo, São Paulo, Quartier Latin, 2005.

228 Vide artigos 127 e 129, §1º da Constituição Federal, artigo 82 do CDC, artigo 5º da LACP e artigo 25 da

LOMP.

229 Ver mais informações no site http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/conselho_superior/sumulas

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3 – Defensoria Pública e Legitimidade para Defesa de Interesses Coletivos de

Direito do Consumidor

A legitimidade da Defensoria para tutelar coletivamente o direito do consumidor

está legalmente prevista pela Lei n° 11.448/2007.

Antes mesmo da entrada em vigor de referida legislação, a Defensoria Pública já

possuía esta legitimidade.

Isto porque o artigo 82, III, do Código de Defesa do Consumidor prevê como

legitimado: “As entidades e órgãos da administração direita e indireta, ainda que sem

personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos

protegidos por este código”.

Não obstante esta previsão não estar presente na Lei de Ação Civil Pública antes

da promulgação da lei 11.228/2007, o entendimento majoritário na doutrina230 e na

jurisprudência é que, conforme visto acima, por se tratar de um microssistema de ações

coletivas, as previsões de uma lei se aplicam às demais formas de tutela de direito coletivo,

exceto se vedado expressamente na lei que o regula.

Assim, a previsão de entidades da administração direta, ainda que sem

personalidade jurídica prevista no Código de Defesa do Consumidor, também autorizava o

ajuizamento de ação civil pública por estas entidades.

O objetivo do legislador foi sempre o de extensão da legitimidade para a

propositura da demanda.231

230

LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 136 e ainda SOUZA, José Augusto Garcia de. “A legitimidade da defensoria pública à luz do princípio da generosidade”. In: Em defesa de um novo sistema de processos coletivos, estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover.Saraiva, 2010, p. 327/328; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. “O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos e a Legitimidade da Defensoria Pública para as Ações Coletivas”. In: A Defensoria Pública e os Processos Coletivos, comemorando a Lei Federal 11.448 de 15 de janeiro de 2007, Rio de Janeiro, 2008, p. 61/62.

231 Por outro lado, a ampliação da legitimação à lei de Ação Civil Pública representa poderoso instrumento de

acesso à justiça, sendo louvável que as iniciativas das demandas que objetivam tutelar interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos sejam ampliadas ao maior número possível de legitimados, a fim de que os chamados direitos fundamentais de terceira geração – os direitos de solidariedade – recebam efetiva e adequada tutela.(Ada Pellegrini Grinover em parecer encomendado pela Associação Nacional de Defensoria Públicas, http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/542_ADI3943_pareceradapellegrini.pdf).

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87

Assim, sendo a Defensoria Pública entidade da administração direta sem

personalidade jurídica, sua legitimidade já estava prevista em lei, mesmo antes de ser

expressamente mencionada.

Pela legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de demandas

coletivas, antes mesmo da lei 11.448/2007:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE DA

DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 134

DA CF. ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL. ART. 5º, XXXV, DA

CF. ARTS. 21 DA LEI 7.347/85 E 90 DO CDC. MICROSSISTEMA DE

PROTEÇÃO AOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA DA

DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA

RECONHECIDA ANTES MESMO DO ADVENTO DA LEI 11.448/07.

RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA DO DIREITO QUE SE PRETENDE

TUTELAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A Constituição Federal estabelece no art. 134 que “A Defensoria Pública é

instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação

jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º,

LXXIV”. Estabelece, ademais, como garantia fundamental, o acesso à justiça (art.

5º, XXXV, da CF), que se materializa por meio da devida prestação jurisdicional

quando assegurado ao litigante, em tempo razoável (art. 5º, LXXVIII, da CF),

mudança efetiva na situação material do direito a ser tutelado (princípio do acesso à

ordem jurídica justa).

2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio,

possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de

proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se comunicam

outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, a Lei da

Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar

direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser

utilizados para “propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art. 83 do CDC).

3. Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de que “A nova ordem

constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de

tutela dos interesses transindividuais”(REsp 700.206/MG, Rel. Min.LUIZ FUX,

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88

Primeira Turma, DJe 19/3/10),a ação civil pública é o instrumento processual por

excelência para a sua defesa.

4. A Lei 11.448/07 alterou o art. 5º da Lei 7.347/85 para incluir a Defensoria Pública

como legitimada ativa para a propositura da ação civil pública. Essa e outras

alterações processuais fazem parte de uma série de mudanças no arcabouço jurídico-

adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a

efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF.

5. In casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública bastaria o comando

constitucional estatuído no art. 5º, XXXV, da CF.

6. É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a

legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na

defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo

do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se

pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a

dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos

fundamentais.

7. Recurso especial não provido.232

Processo civil. Ação civil pública. Interesses individuais homogêneos. Cobrança de

laudêmio na hipótese de alienação onerosa do domínio útil dos imóveis aforados no

Município de Nova Friburgo. Defensoria Pública. Legitimidade. Artigo 5º, II da Lei

nº 7.347/85, com redação determinada pela Lei nº 11.448/2007. Artigo 4º, VII da LC

n° 80/94. Legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública para

tutela de direitos individuais homogêneos. Conforme se depreende do previsto nos

artigos 5º, LXXIV e 134 da CRFB/88, a insuficiência de recursos somente é exigida

para que a Defensoria atue em causas individuais. Exigir comprovação da carência

de recursos de cada interessado na hipótese de ação coletiva afronta o princípio da

razoabilidade. Sentença cassada. Recurso provido.(TJRJ, Apelação n° 0001180-

86.2010.8.19.0037, VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL, 08/06/2011).233

232

Recurso Especial n° 1196515/MG, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJE 02/02/2011.

233 Ver www.tjrj.jus.br.

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Desta forma, concluímos pela legitimidade da Defensoria Pública para a proteção

dos direitos coletivos, especialmente os do consumidor, desde a entrada em vigor do Código

de Defesa do Consumidor.

Entendemos que o grande diferencial, e aquilo que justifica a defesa de direitos

coletivos pela Defensoria Pública, é justamente a proximidade com a população,

especialmente com as pessoas mais carentes e com maior dificuldade de levar suas demandas

para a justiça.

O grande objetivo da Defensoria Pública, a nosso ver, e conforme já ressaltado

neste trabalho, é o atendimento individual da população mais carente, no sentido de promover

o verdadeiro acesso à justiça.

Entretanto, ao notar-se um grande número de demandas sobre o mesmo tema, é

importante que a Defensoria Pública tenha a legitimidade para ajuizar as demandas coletivas

para que estas beneficiem até mesmo aqueles que sequer possuem conhecimento e condições

de chegar até o atendimento individual da Defensoria Pública.234

É inegável que a Defensoria Pública é o ente estatal com maior acesso aos grupos

menos favorecidos da sociedade e que, portanto, pode ajuizar demandas coletivas referentes a

temas caros a esta população e que sequer seriam conhecidos por outros legitimados,

inclusive no caso do Ministério Público.

Neste sentido, temos:

(...) A Constituição Federal impõe, sim, que os Estados prestem assistência

judiciária aos necessitados. Daí decorre a atribuição mínima compulsória da

Defensoria Pública, não, porém, o impedimento a que seus serviços se estendam ao

patrocínio de outras iniciativas processuais em que se vislumbre interesse social que

justifique esse subsídio estatal (Adin n° 558-8 RJ, RTJ 146/435).235

No mesmo sentido temos a opinião de Fábio da Costa Soares, que afirma: 234

“De fato, é preciso notar que a grande maioria da população brasileira não dispõe de condições financeiras para arcar com o pagamento de custas e honorários advocatícios, o que inviabiliza o ajuizamento de ações caso não seja garantida a assistência jurídica. Assim, mesmo no conceito mais restrito de acesso à justiça, como possibilidade de se chegar ao Judiciário, a assistência jurídica se mostra indispensável, devendo ser considerada, outrossim, a desinformação de tais pessoas e sua dificuldade de reconhecer a existência de um direito tutelável juridicamente” (Britto, Adriana. “E evolução da Defensoria Pública em direção à tutela coletiva”. Em A Defensoria Pública e os Processos Coletivos, ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2008, p. 8).

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É dizer o hipossuficiente é titular do direito à proteção judiciária adequada

(CRFB/88, art. 5º, XXXV) de acordo com a natureza dos direitos que titulariza

(individuais ou enquanto integrantes da sociedade ou de um grupo), assim como tem

a seu dispor a instituição que foi criada para a defesa integral de todos os seus

interesses. Assim, se, em determinada hipótese, o processo coletivo revela-se o

instrumento mais adequado à proteção dos direitos e interesses dos necessitados

(embora não exclusivo destes), tem a Defensoria Pública legitimidade para sua

deflagração, na forma dos arts. 5º, XXXV e LXXIV, e 134 da Lei Maior.236

Importante ressaltar que a previsão legal trazida pela lei 11.488/2007 está sendo

questionada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público através da Ação

Direta de Inconstitucionalidade n° 3.943, cuja relatora é a Ministra Carmem Lúcia e aguarda

julgamento237.

Por esta Adin, a Conamp alega que a concessão da legitimidade para a Defensoria

Pública afetará as atribuições do Ministério Público e que: “a Defensoria Pública pode,

somente, atender aos necessitados que comprovarem individualmente, carência financeira”.

Afirma ainda o texto da Ação Direita de Inconstitucionalidade: “Aqueles que são

atendidos pela Defensoria Pública devem ser, pelo menos, individualizáveis, identificáveis,

portanto, não há possibilidade alguma de a Defensoria Pública atuar na defesa de interesses

difusos, coletivos ou individuais.”

Com a devida vênia, discordamos do posicionamento adotado. Primeiro, as

atribuições do Ministério Público em nada seriam afetadas na medida em que, conforme visto

no item IV deste trabalho, a legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública é

concorrente.

Ademais, o próprio artigo 129 da Constituição Federal estabelece que a

legitimação do Ministério Público não é exclusiva.238 Sobre outro argumento utilizado, de que

somente caberia à Defensoria Pública o atendimento individual dos necessitados, assim se

manifestou Ada Pelegrini Grinover: 236

SOARES, Fabio da Costa. “Acesso do hipossuficiente à justiça: A Defensoria Pública e a tutela dos direitos coletivos lato sensu dos necessitados”. In: QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati de (org.). Acesso à Justiça. Rios de Janeiro, Lumen Juris, 2002, p. 96.

237 Ver www.stf.jus.br.

238Artigo 129, §1º, da Constituição Federal: a legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, segundo o disposto nesta constituição e na lei.

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Saliente-se, ainda, que a necessidade de comprovação da insuficiência de recursos se

aplica exclusivamente às demandas individuais, porquanto nas ações coletivas, esse,

resultará naturalmente do objeto da demanda – o pedido formulado. Bastará que haja

indícios de que parte ou boa parte dos assistidos seja necessitada. E, conforme

decidiu o TRF 2ª Região, nada há nos artigos 5º, LXXIV, e artigo 134 da CF que

indique que a defesa dos necessitados só possa ser individual. Seria até mesmo um

contrassenso a existência de um órgão que só pudesse defender os necessitados

individualmente, deixando à margem a defesa de lesões coletivas, socialmente muito

mais graves.239

Como analisaremos a seguir, a lei complementar 80/94, que disciplina a

Defensoria Pública, prevê como função institucional da Defensoria Pública tanto defesa de

dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, como a defesa do direito do

consumidor nos termos do artigo 5°, LXXIV, da Constituição Federal.

Assim, no nosso entender, hoje a legitimidade da Defensoria Pública, além de

reconhecida doutrinariamente, também foi reconhecida pela legislação pátria de forma

expressa.

A nova redação do artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública, 240 determinada pela lei n°

11.448/2007, prevê expressamente a Defensoria Pública entre os legitimados para a

propositura da ação civil pública. Atende assim: a) a evolução da matéria,

democratizando a legitimação, conforme posicionamento aqui defendido; b) a

tendência jurisprudencial que se anunciava. Além disso, a redação do dispositivo

ficou mais clara. É norma louvável, que, além de prestigiar essa importantíssima

instituição, estimula a tutela de direitos coletivos, imprescindível para o correto

equacionamento da crise que assola o Poder Judiciário.

A legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de ações coletivas

abrange tanto o direito difuso como o coletivo e o individual homogêneo.

Defendendo a legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de

demandas coletivas, nos parece que a mesma legitimidade o órgão teria para execução

coletiva e liquidação de sentenças coletivas e de termo de ajustamento de conduta.

239

Op. cit., v.2, p. 82

240 DIDIER JR, Fredie ; ZANETI JR; Hermes, op. cit., p. 213

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Evidentemente tal legitimidade deve ser analisada também sob o ponto de vista de pertinência

conforme os requisitos que serão analisados a seguir.

Portanto, parece-nos, superada a questão da legitimidade, devemos nos ater à

discussão da pertinência temática, conforme analisaremos a seguir.

3.1 Defensoria Pública e seu papel constitucional

A Defensoria Pública teve na Constituição de 1988 seu papel definido como a

instituição do Estado responsável pela promoção da defesa e assistência jurídica dos

necessitados, nos termos do artigo 5º, LXXIV.

Tal previsão constitucional demonstra que a Defensoria Pública foi a escolha do

Constituinte Originário para a garantia de acesso à justiça dos necessitados. A partir da

Constituição Federal de 1988, o Estado passa a ter a obrigação de criar e manter a Defensoria

Pública como instrumento da população carente para o acesso ao controle jurisdicional. 241

Antes da atual constituição, esta assistência poderia ser prestada por advogados

pagos pelo Estado ou por entes estaduais.

Tal entendimento já foi assim esposado:

A atual Lei Maior não se limitou a consignar o dever de prestação da assistência

judiciária. Ela deixa claro a quem compete fornecê-la. Isto é feito pelo art. 134 e seu

parágrafo único, que deixa certa a existência de uma defensoria pública no nível da

União e do Distrito Federal, que será organizada pela primeira, assim como a

existência das defensorias nos Estados submetidas a normas gerais de nível

federal.242

Assim, a nosso ver, a Constituição, hoje, não admite outro modelo, patrocinado

pelo Estado, de prestação de assistência jurídica aos necessitados que não através da

Defensoria Pública.

241

BURGER, Adriana Fagundes; BALBINOT, Christine. “A Dimensão Coletiva da Atuação da Defensoria Pública a partir do Reconhecimento de sua legitimidade ativa para a propositura de ações transindividuais. In: A Defensoria Pública e os Processos Coletivos, ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2009, p. 34.

242 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, ed. Saraiva, 2. ed., São Paulo, 2001, p. 376-

377.

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O artigo 134 da Constituição Federal traz a Defensoria Pública como função

essencial à justiça, além de estabelecer, nos parágrafos 1º e 2º as garantias de inamovibilidade

e, no caso das Defensorias Públicas Estaduais, a independência funcional e administrativa.

Importante ressaltar que o papel da Defensoria Pública, como veremos a seguir,

não está adstrito a sua atuação perante o Poder Judiciário. O artigo 134 da Constituição

Federal, ao estabelecer que cabe à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em

todos os níveis, amplia seu espectro de atuação, de forma que lhe incumbe a orientação e a

defesa dos necessitados não apenas judicialmente, mas também extrajudicialmente.

A essencialidade da Defensoria Pública é destacada por Guilherme Braga Peña de

Moraes ao afirmar que: “através da assistência jurídica que desenvolve, corresponde a um

elo de ligação entre a sociedade e o Estado, sem estar vinculada a interesses políticos”.243

José Augusto Garcia de Souza afirma:

Nunca foi irrelevante, à evidência, o papel da Defensoria Pública dentro do Estado

brasileiro. Em um solo tão desigual, a instituição destinada a materializar a

assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (Constituição art. 5º, LXXIV,

c/c o art. 134 “caput”) deve ser considerada autêntica cláusula pétrea constitucional,

eis que essencial à concretização dos objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil (Constituição art. 3º). Em especial, a Defensoria serve à tutela

dos direitos fundamentais, pois trabalha com quem mais carece – e se vê

injustamente esbulhado – desses direitos.244

Não obstante o comando constitucional, a Defensoria Pública ainda não está

instalada em todos os Estados da Federação e em alguns sua atuação ainda é insuficiente por

falta de recursos materiais e humanos.

Em São Paulo a Defensoria Pública foi instituída somente em 2006 pela lei

estadual 988/06 e hoje conta com apenas 500 Defensores Públicos para todo o Estado.

No Paraná e em Santa Catarina sequer existe Defensoria Pública.

243

MOARES, Guilherme Braga Peña. Assistência Jurídica Defensoria Pública e o acesso à jurisdição no Estado Democrático de Direito, ed. Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 1997, p. 42.

244 SOUZA, José Augusto Garcia de. “A Legitimidade da Defensoria Pública à luz do Princípio da

Generosidade”. In: Em defesa de um novo sistema de processos coletivos, estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover, Saraiva, 2010, p. 321.

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É imprescindível para o efetivo acesso à justiça e a efetivação do princípio da

igualdade que a Defensoria Pública seja fortalecida e presente e que os Estados cumpram os

ditames constitucionais.

3.1.1 Função Essencial à Justiça

A Defensoria Pública está incluída no capítulo Constitucional das funções

essenciais à justiça. Evidentemente, sua criação esta intimamente ligada ao efetivo acesso à

justiça pelos mais necessitados.

O acesso à justiça deriva do princípio da inafastabilidade da jurisdição,

consubstanciado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Tal previsão, que existe

na ordem constitucional brasileira desde a Constituição de 1946, consagra de forma clara a

proteção judicial efetiva.

Isto significa que a Constituição Federal prevê a necessidade de garantia de uma

ordem jurídica justa, com a constante busca de superar qualquer obstáculo que venha impedi-

lo.

O papel da Defensoria Pública no Estado Democrático de Direito brasileiro é de

garantir a efetivação do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição e,

consequentemente, de colaborar na efetivação dos objetivos fundamentais da República

previstos no artigo 3°, I, da Constituição Federal, quais sejam: construir uma sociedade livre,

justa e solidária.

Com efeito, a assistência jurídica parece ser indispensável mesmo no conceito mais

restrito (formal) de acesso à justiça como possibilidade de se chegar ao Judiciário.

Uma vez que a exigência de pagamento de custas e honorários advocatícios tornaria

inviável o ajuizamento de ações pela maior parte da população de nosso país, que

não dispõe de condições financeiras para arcar com tais despesas. Isso sem contar

com a desinformação de tais pessoas, e de sua dificuldade até mesmo para

reconhecer a existência de um direito tutelável judicialmente.245

245

BRITO, Adriana. A Evolução da Defensoria Pública em Direção à Tutela Coletiva. A Defensoria Pública e os Processo Coletivos, 2ª Tiragem, Lumen Júris, p. 2

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Segundo os ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho, deve-se distinguir o

direito à proteção jurídica e o direito de defesa. Para o autor, o direito à proteção jurídica é

aquele que qualquer titular de um direito fundamental o de exigir do Estado que o

proteja perante agressões de outros cidadãos; um direito fundamental de defesa é um

direito cujo conteúdo se traduz fundamentalmente em exigir que o próprio Estado

(poderes públicos) se abstenha de intervenções coactivas na esfera jurídica do

particular.246

Podemos afirmar, portanto, que o direito dos cidadãos carentes à atuação da

Defensoria Pública poderia ser enquadrado tanto como um direito à proteção jurídica, pois

sem uma assistência técnico-jurídica de qualidade o cidadão não terá condições efetivas de se

proteger contra os outros cidadãos, como um direito fundamental de defesa, pois é esta

mesma assistência que coibirá os abusos do Estado.

A atuação das Defensorias Públicas é fundamental para que, de fato, seja

alcançado o princípio da igualdade previsto no caput do artigo 5° da Constituição Federal.

Neste sentido, temos:

Com a implantação integral das Defensorias Públicas, a assistência jurídica deixará

de ser secundarizada, pois as suas atividades, finalmente, serão executadas por um

órgão próprio, cuja atribuição maior será a defesa e orientação dos seus usuários. Na

Defensoria, encontramos uma arena no interior da qual a assistência jurídica poderá

ser apropriada pelos cidadãos como um dos mecanismos de exercício da cidadania.

Contudo, não basta simplesmente implantar a Defensoria; é, antes e acima de tudo,

indispensável que a população, como um todo, reivindique o funcionamento deste

órgão. Trata-se de uma luta política em prol da igualdade substancial, que jamais

será minimamente conquistada enquanto alguns continuarem conhecendo o

judiciário apenas na posição de réus do processo penal e outros abdicarem dos seus

direitos por falta de meios materiais para exercê-los. 247

246

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Estudo sobre direitos fundamentais, 2. ed.,. Coimbra.

247 GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa. Assistência jurídica pública, direitos humanos e políticas sociais,

ed. Juruá, 2. ed.

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O objetivo ou finalidade principal da Defensoria Pública é, portanto, garantir a

eficácia do princípio constitucional da igualdade material e não apenas formal.248

Constitucionalmente, a Defensoria Pública é o órgão do Estado responsável pela

efetivação da proteção jurídica da população carente. Sem proteção jurídica efetiva, não se

pode falar em dignidade da pessoa humana, pois, para sua existência, é imprescindível o

acesso à justiça.

Esta proteção efetiva deverá se dar no âmbito individual principalmente, mas sem

dúvida também em âmbito coletivo.

3.1.2 Defensoria Pública e Efetivação da Dignidade da Pessoa Humana

A dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1°, III, da Constituição Federal

é um dos fundamentos da República e que engloba todos os demais direitos fundamentais.

Segundo José Afonso da Silva:

O conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que

tenha em contato o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer

idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido de dignidade humana

à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos

sociais, ou invocá-la para construir uma teoria do núcleo da personalidade

individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana.249

A dignidade da pessoa humana, conforme descrita acima, é o mais importante dos

direitos e, a nosso ver, corresponderia na teoria de Kelsen à norma hipotética fundamental.

Pela teoria de Hans Kelsen:

O processo da fundamentação normativa da validade conduz, porém,

necessariamente, a um ponto final: a uma norma suprema, generalíssima, que já não

é fundamentável, à chamada norma fundamental, cuja validade objetiva é

pressuposta sempre que o dever – ser que constitui o sentido subjetivo de quaisquer

atos é legitimado como sentido objetivo de tais atos. Se fosse de outra maneira, se o

248

MORAES, Guilherme Braga Peña de. Assistência jurídica, defensoria pública e o acesso à jurisdição no Estado democrático de direito, Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 1997, p. 43.

249 In Curso de Direito Constitucional Positivo, pág. 155.

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processo da fundamentação normativa da validade, tal como processo da explicação

causal – que, de acordo com o conceito de causalidade, não pode levar a nenhum

termo, a nenhuma causa última –, fosse sem fim, a pergunta de como devemos atuar

permaneceria sem resposta, seria irrespondível. Consideramos um determinado

tratamento de um indivíduo como justo quando este tratamento corresponde a uma

norma tida por nós como justa. A questão de saber por que é que consideramos esta

norma como justa conduz, em última análise, a uma norma fundamental por nós

pressuposta que constitui o valor de justiça.250

Consideramos a dignidade da pessoa humana a norma hipotética fundamental

porque, em verdade, não se trata de um direito, já que intrínseco ao ser humano e

independente de fixação estatal. Neste sentido, ressaltamos as palavras de Ingo Wolfgang

Sarlet:

De outra parte, ao destacarmos o reconhecimento da dignidade da pessoa humana

pela ordem jurídica positiva certamente não se está afirmando – como já

acreditamos ter evidenciado – que a dignidade da pessoa humana (na condição de

valor ou atributo) exista apenas onde e à medida que seja reconhecida pelo Direito.

Todavia, do grau de reconhecimento e proteção outorgado à dignidade da pessoa

humana por cada ordem jurídico-constitucional e pelo Direito Internacional,

certamente irá depender sua efetiva realização e proteção, de tal sorte que não é por

menos que se impõem uma análise do conteúdo jurídico, ou assim preferimos, da

dimensão jurídica da dignidade no contexto da arquitetura constitucional pátria,

designadamente, a forma jurídica que lhe é outorgada na condição de norma

fundamental.251

O princípio da dignidade da pessoa humana é repetido no artigo 170 da

Constituição Federal, que também coloca a proteção ao direito do consumidor como um dos

requisitos necessários para a existência digna.

A interpretação da defesa do consumidor deve girar em torno do princípio da

dignidade da pessoa humana que, como visto, é um dos princípios fundamentais da

República Federativa do Brasil. A dignidade da pessoa humana está interligada às

250

KELSEN, Hans. O Problema da Justiça, Martins Fontes, pág. 15.

251 SARLET, Ingo Wolfgang. A dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal

de 1988, Livraria do advogado, 9ª edição.

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liberdades públicas em sentido amplo, impondo-se ao Estado uma atuação para a

proteção de certos grupos, classes ou categoria de pessoas.252

A dignidade da pessoa humana, como valor e não norma, somente pode ser

realmente protegida e efetiva se os cidadãos possuírem consciência de seus direitos e

maneiras de acesso à justiça.

Evidentemente não existe proteção de dignidade se o povo não possui condições

de lutar por seus direitos, seja por desconhecê-los, seja por não ter acesso ao Poder Judiciário.

É nesta medida que a Defensoria Pública é uma das maneiras de o Estado realizar a dignidade

da pessoa humana.

Sobre o caráter essencial de o indivíduo ser socialmente consciente e responsável

para a existência digna, temos:

Não se pode olvidar, neste contexto, que a dignidade da pessoa humana, na sua

condição de princípio fundamental e na sua relação com os direitos e deveres

fundamentais (sem prejuízo de assumir, também nesta perspectiva, a condição de

regra jurídica, impositiva ou proibitiva de determinadas condutas, por exemplo)

possui uma dupla dimensão (jurídica) objetiva e subjetiva, que, por sua vez, pelo

menos segundo a tradição jurídico-constitucional germânica, largamente difundida

também entre nós, guarda relação com os valores fundamentais de uma determinada

comunidade. Alias, os princípios e direitos fundamentais são, neste sentido,

expressão jurídico-constitucional (mediante incorporação ao direito positivo, na

condição de direito objetivo) de uma determinada ordem de valores comunitária, não

podendo ser reduzidos a direitos (posições subjetivas) individuais. Também por esta

razão, (mas não exclusivamente), é que a dignidade da pessoa, do indivíduo, é

sempre a dignidade do indivíduo socialmente situado e responsável, implicando

deveres fundamentais conexos e autônomos.253

Para o indivíduo ser socialmente consciente e responsável de suas obrigações e

direitos, efetivando-se a dignidade da pessoa humana, não há dúvida sobre a necessidade de

252

NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do Consumidor, Atlas, 2. ed.

253 SARLET, Ingo Wolfgang, A dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de

1988, 9. ed., Livraria do advogado, p. 86-87.

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educar-se o povo em direitos, tarefa institucional da Defensoria Pública, conforme disposto no

artigo 4°, parágrafo 3°, da Lei complementar 80/90 que institui das Defensorias Públicas.254

A Defensoria Pública, além de função essencial à justiça, também está entre as

liberdades públicas positivas, conceito já tratado neste trabalho. Isto porque o efetivo acesso à

justiça só se dá com a atuação positiva do Estado na criação e no fortalecimento da

Defensoria Pública.

É evidente que não se pode falar em proteção e efetivação de dignidade sem o

acesso à justiça e este sem a Defensoria Pública.

Sobre a tarefa do Estado de promover por ações positivas temos:

Em outras palavras – aqui considerando a dignidade como tarefa – o princípio da

dignidade da pessoa humana impõe ao Estado, além do dever de respeito e proteção,

a obrigação de promover as condições que viabilizam e removem toda a sorte de

obstáculos que estejam a impedir as pessoas de viverem com dignidade. Da dupla

função de proteção e defesa segue também o dever de implementar medidas de

precaução procedimentais e organizacionais no sentido de evitar uma lesão da

dignidade e dos direitos fundamentais, ou, quando isto não ocorrer, com o intuito de

reconhecer e fazer cessar (ainda que para efeitos simbólicos), ou, de acordo com as

circunstâncias, minimizar os efeitos das violações, inclusive assegurando a

reparação do dano.255

A instituição estatal, no Estado Democrático de Direito em que vivemos,

responsável por assegurar que violações à dignidade da pessoa humana sejam reparadas e

interrompidas, é o Poder Judiciário, mas, para que ao menos para a população

economicamente desfavorecida chegue até este Poder, é necessária a Defensoria Pública.

3.1.3 Defensoria Pública e Assistência Jurídica e Judiciária

No Código de Hamurabi já existia a previsão de tratamento especial para os

carentes de recursos, uma vez que não se permitia aos mais fortes oprimir os mais fracos.

254

Art. 4º. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico.

255 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 132-133.

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100

Nos tempos primitivos toda a Justiça era gratuita já que aplicada por juízes

patriarcais. Em Roma, quando a justiça começou a ser remunerada, Constantino estabeleceu o

patrocínio gratuito dos necessitados256.

Assim, durante todo o desenvolvimento dos países e da sociedade foram mantidas

formas de proteção dos necessitados.

No Brasil, as ordenações Filipinas foram a origem na assistência judiciária, já que

o patrocínio por advogados dos necessitados foi criado em 1870 pelo Instituto dos Advogados

Brasileiros257. Durante muito tempo a assistência judiciária foi considerada como caridade, o

que, a nosso ver, é um equívoco.

Frise-se que, desde o início e até a constituição de 1988, a assistência era apenas

judiciária ou judicial, ou seja, se limitava à atuação no âmbito dos processos. Nos

ensinamentos de Mauro Cappelletti e Bryan Garth, esta defesa seria a primeira e a segunda

onda do acesso à justiça.258

Na primeira onda, os Estados proveram os mecanismos de defesa dos carentes por

advogados patrocinados pelo Estado.

A segunda onda seria a preocupação com o patrocínio das causas relacionadas aos

direitos difusos das partes desfavorecidas economicamente.

A terceira onda de acesso à justiça é justamente o que hoje prevê a Constituição

Federal.

O novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo. Essa

“terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por

meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no

conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados

para processar e mesmo prevenir disputas na sociedade moderna. Nós denominamos

“o enfoque do acesso à Justiça” por sua abrangência. Seu método não consiste em

abandonar as técnicas das duas primeiras ondas da reforma, mas tratá-las como

apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso. 259

256

GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa, op. cit., p. 28-29.

257 ibidem, p. 60/61.

258 CAPPELLETTI, Mauro; BRYAN Garth, op. cit.

259 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. citada, p. 67-68.

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101

O artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal estabelece que o Estado prestará

assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Tal

previsão trouxe grande alteração no âmbito à prestação de assistência judiciária.

Nas palavras de Barbosa Moreira:

A mudança do adjetivo qualificador da “assistência”, reforçada pelo acréscimo do

“integral”, importa notável ampliação do universo que se quer cobrir. Os

necessitados fazem jus agora à dispensa de pagamentos e à prestação de serviços não

apenas na esfera judicial, mas em todo o campo dos atos jurídicos. Incluem-se

também na franquia: a instauração e movimentação de processos administrativos,

perante quaisquer órgãos públicos, em todos os níveis; os atos notariais e quaisquer

outros de natureza jurídica, praticados extrajudicialmente; a prestação de serviços de

consultoria, ou seja, de informação e aconselhamento em assuntos jurídicos.260

Na atualidade, a assistência jurídica pública é um dos direitos fundamentais do

homem e, ao mesmo tempo, é política pública positiva, na medida em que cabe ao Estado

garantir, por intervenção direta, a prestação do serviço público de defesa e orientação jurídica

aos que não puderem arcar com os custos do processo.

A atual constituição inovou no trato jurídico da assistência social que, hoje, nos

termos das prescrições da Nossa Carta Maior, é caracterizada como política pública,

a ser implantada de modo descentralizado e democrático. A assistência jurídica, por

isso mesmo, recebeu novo tratamento na atual Constituição: primeiro porque passou

a ser atribuição do Estado prestá-la através das Defensorias Públicas da União,

Estados, Distrito Federal e até dos Territórios; segundo, porque assistência jurídica

tornou-se, por força do artigo 134 da Constituição Federal de 1988, uma das

mediações da assistência social e, por via reflexa, das nossas políticas públicas

(...).261

Importante ressaltar que o conceito de hipossuficiente econômico previsto na lei

que regulamenta a assistência judiciária não se confunde com a hipossuficiência necessária

para o atendimento pela Defensoria Pública.

260

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo in temas de direito processual civil, Saraiva, p. 356

261 GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa, op. cit., p. 77.

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102

O artigo 4º da lei 1.060 de 1950 estabelece que terá direito à assistência judiciária

gratuita aquele que assim o declarar, mediante simples afirmação na própria petição inicial.

Para ser beneficiário do atendimento da Defensoria Pública, no entanto, é

necessária a realização de avaliação econômico-financeira, em que o cidadão deverá

comprovar sua renda familiar, bem como a existência de patrimônio móvel ou imóvel.

Os valores considerados para que o cidadão possa ser considerado usuário da

Defensoria Pública variam de acordo com cada Estado da Federação.

Apenas para exemplificar, no Estado de São Paulo, em regra, são atendidas

famílias que possuem renda familiar de até três salários mínimos mensais e não possuam bens

móveis ou imóveis em valor superior a 5.000 UFESP262. Já no Estado do Rio de Janeiro não

existe limitação de renda, mas a pessoa deverá comprovar a impossibilidade de arcar com os

custos de um advogado.

Ressalte-se que mesmo pessoas que não são atendidas por Defensoria Pública

podem ser beneficiárias da justiça gratuita, já que se trata de situações distintas.

O beneficiário da justiça gratuita pode ajuizar demanda sem o pagamento das

custas judiciais e honorários da parte contrária, mas nada impede que contratem advogados

particulares. Por outro lado, os usuários da Defensoria Pública devem comprovar ainda não

ser possível o pagamento de advogado.

Atualmente, existem na Câmara dos Deputados dois projetos de lei que se

referem à assistência judiciária. Os Projetos de lei 540/2011 e 118/2011263 estabelecem,

respectivamente, a possibilidade de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita

no decorrer do processo e a inexigibilidade da declaração para aqueles que comprovem renda

inferior a dois salários mínimos.

Ambos os projetos aguardam análise das comissões temáticas e, na realidade, não

trazem grandes inovações, já que a assistência judiciária pode ser concedida no decorrer do

processo em razão do disposto no artigo 6° da lei 1.060/50.

No sentido de restringir o direito à assistência judiciária gratuita, existe ainda o

Projeto de Lei n° 717/2011264. Referido projeto estabelece a necessidade de comprovação de

262

Resolução n° 89 de 8 de agosto de 2008 do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

263 Ver no site www.camara.gov.br.

264 Mais no site www.camara.gov.br

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renda de até dois salários mínimos, isenção de imposto de renda ou ainda pertencer a algum

programa de transferência de renda do governo.

Nas demais hipóteses, o benefício da assistência judiciária seria concedido

parcialmente e o requerente deverá comprovar com documentos a sua renda e a

insuportabilidade dos custos processuais.

O projeto prevê um procedimento em apartado para a concessão da assistência

judiciária com a intimação da Fazenda Pública, ou daquele que suportará a isenção para

manifestação.

Por fim, o projeto estabelece que a comprovação de renda pode ser suprimida por

declaração assinada por Defensor Público de que a parte preenche os requisitos da lei.

Tal projeto em nada influencia o atendimento do cidadão pela Defensoria Pública,

uma vez que inexiste vinculação do atendimento pela Defensoria Pública com o benefício da

justiça gratuita, conforme acima explicitado.

A nosso ver, no entanto, uma vez aprovado nos termos em que se encontra,

padece de inconstitucionalidade, na medida em que traz uma limitação de renda que não

existe na Constituição Federal.

A norma do artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal é uma norma de eficácia

plena, eis que não traz em seu bojo a necessidade da edição de qualquer outra norma. Para

José Afonso da Silva, os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal são todos de

eficácia plena:

Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos aplicadores da

Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e a aplicabilidade

imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais: individuais, coletivos,

sociais, de nacionalidade e políticos, de tal sorte que só em situação de absoluta

impossibilidade se há de decidir pela necessidade da normatividade ulterior de

aplicação. 265

Desta forma, e inclusive considerando o previsto no artigo 60, §4°, da

Constituição Federal que determina que sequer emenda constitucional pode ser editada com o

intuito de restringir ou abolir direitos fundamentais, parece-nos que referido projeto de lei, ao

265

Op. cit., pág. 467

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estabelecer parâmetros rígidos e específicos para a concessão da assistência judiciária, fere o

direito constitucional do acesso à justiça e da assistência jurídica gratuita.

3.2 Lei Complementar 80/94

A lei complementar n° 80 de 1994, com as reformas trazidas pela Lei

Complementar n° 132 de 2009, organiza as Defensorias Públicas Estaduais, a Defensoria

Pública do Distrito Federal e Territórios e a Defensoria Pública da União.

O artigo 4º da referida lei traz como função institucional da Defensoria Pública:

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar

a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando

o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;

VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e

individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV

do art. 5º da Constituição Federal;

A lei complementar, a exemplo do que já trazia a alteração da lei de Ação Civil

Pública, prevê a atuação da Defensoria Pública na defesa dos direitos difusos, coletivos e

individuais homogêneos.

Nota-se que em ambos os incisos tratando-se da defesa de interesses coletivos a

legislação se refere aos necessitados, sem, no entanto, especificar o que seriam necessitados.

A lei complementar da Defensoria Pública não estabelece quais são os parâmetros

de atendimento que as Defensorias Públicas devem seguir. Neste sentido, o artigo 1º da lei

complementar 80/94 fundamenta a autuação da Defensoria Pública: “a defesa, em todos os

graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e

gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da

Constituição Federal”.

Ainda no que se refere à atuação da Defensoria Pública, o artigo 4º, IV, estabelece

a existência do princípio do Defensor Natural, o que significa que o usuário do serviço da

Defensoria Pública tem o direito de ser atendido pelo Defensor Público anteriormente

designado com base em critérios objetivos. Assim, diante da previsão legal expressa do

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defensor Natural, entendemos que este artigo se aplica ao caso de qualquer demanda a ser

patrocinada pela Defensoria Pública, incluindo-se os casos de demandas coletivas.

A Defensoria Pública é dotada de três princípios institucionais, de acordo com o

artigo 3º da Lei 80/94. São a unidade, indivisibilidade e independência funcional. A unidade

significa que a Defensoria Pública representa um todo orgânico, permitindo que um Defensor

Público possa substituir o outro sem prejuízo da validade deste. A indivisibilidade impede que

a Defensoria Pública seja fracionada e a independência funcional permite que a Defensoria

Pública seja autônoma perante todos os outros órgãos estatais, podendo agir sem qualquer

interferência política.

A independência da Defensoria Pública em relação à interferência política está

expressa em diversos artigos da Lei complementar. O artigo 4°, parágrafo 2º da lei estabelece,

por exemplo, que as funções institucionais da Defensoria Pública poderão ser exercidas,

inclusive, em face de pessoas de direito público.

A independência da Defensoria Pública é fundamental para que seja atingido seu

objetivo constitucional de acesso à justiça, já que muitas das demandas da população mais

carente, sejam elas individuais ou coletivas, têm como réu justamente as pessoas de direito

público que falham ao prestar seus serviços266.

Pela redação dada à Lei 80/94 verifica-se que o legislador ordinário entende que a

defesa dos direitos individuais e dos coletivos pela Defensoria Pública possui a mesma

importância.

A lei complementar n° 80/94 estabelece ainda a organização da carreira da

Defensoria Pública dos Estados, Distrito Federal, Territórios e da União.

O artigo 4º, V, da Lei dispõe sobre a possibilidade de a Defensoria Pública atuar

em favor de pessoa jurídica. Este artigo está sendo questionado pela Ação Direta de

Inconstitucionalidade n° 4636267, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados

do Brasil. Defende o Conselho Federal da Ordem dos Advogados que a Defensoria Pública

apenas pode atuar em favor dos necessitados, ou seja, pessoas físicas que comprovem a

insuficiência de recursos. Em realidade, os artigos questionados por referida ação foram

trazidos pela Lei complementar n° 132/2009.

266 MORAES, Guilherme Braga Peña, op. cit. p. 46.

267 Ver www.stf.jus.br.

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106

A mesma Ação Direita de Inconstitucionalidade questiona o parágrafo 6° do

artigo 4º da Lei 80/94. Tal dispositivo legal determina que a capacidade postulatória dos

Defensores Públicos decorre, exclusivamente, da posse no cargo. Este dispositivo esta sendo

impugnado com o fundamento de que os Defensores Públicos são essencialmente advogados,

e que, portanto, sua capacidade postulatória derivaria da inscrição dos quadros da Ordem dos

Advogados do Brasil.

Parece-nos que ambos os questionamentos não possuem embasamento jurídico.

Primeiramente porque pessoas jurídicas podem ser necessitadas economicamente, como nos

casos de associações sem fins lucrativos e empresas individuais. A Constituição Federal

garante o acesso de todos à justiça e excluir a possibilidade de atendimento das pessoas

jurídicas não coaduna com o mandamento constitucional.

Evidentemente esta autuação deve ser embasada pela razoabilidade e a aferição,

no caso concreto, que de fato se trata de pessoa jurídica sem condições de arcar com os custos

de advogado. Eventuais abusos por parte do Defensor Público do caso ou da pessoa física a

ser atendida deverão ser reprimidos pelo Poder Judiciário e a Corregedoria da Defensoria

Pública correspondente.

Com relação à capacidade postulatória, entendemos que, de fato, decorre da posse

do cargo de Defensor Público. A atuação dos Defensores Públicos em processos judiciais se

dá em decorrência da aprovação em concurso de provas e títulos, e não da inscrição na Ordem

dos Advogados do Brasil.

Não bastasse, ao Defensor Público é vedado o exercício da advocacia privada pela

Constituição Federal em seu artigo 135. A Defensoria Pública é uma carreira jurídica do

Estado com prerrogativas e deveres próprios, e não uma atividade autônoma como a dos

advogados. Assim, em nosso entendimento, melhor seria que, após a aprovação em concurso

público e posse no cargo os Defensores Públicos, tivessem sua inscrição na Ordem dos

Advogados do Brasil suspensa.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4636 está pendente de julgamento e

seu relator é o Ministro Gilmar Mendes Ferreira.

Conforme dito acima, a Lei complementar n° 132/2009 trouxe inúmeras

mudanças para a lei n° 80/94. Alterações estas há muito esperadas.

Além de ser a entidade que presta advocacia aos pobres, a Defensoria Pública

transformou-se em uma grande agência nacional de promoção da cidadania e dos

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direitos humanos voltada para quem mais necessita de cidadania e direitos humanos.

Além disso, desmanchou-se de vez o exacerbado individualismo que sempre

acompanhou os caminhos da instituição, passando a prevalecer filosofia bem mais

solidarista.268

Por fim, os artigos 5º, b, artigo 16º, artigo 53º, b, artigo 63º e artigo 107º da Lei

Complementar n° 80/94 estabelecem a possibilidade de a Defensoria Publica atuar por meio

de núcleos especializados. Referidos núcleos, que são criados dentro do âmbito de cada

Defensoria Pública, são especializados em determinado assunto relacionado com as

atribuições funcionais da Defensoria Pública e possuem ênfase na atuação de formulação de

política pública e defesa de direitos coletivos lato sensu.

Esta previsão demonstra claramente a intenção do legislador ordinário de

fomentar a atuação coletiva pela Defensoria Pública.

3.3 Conceito de Hipossuficiência

O artigo 5°, inciso LXXIV, estabelece que o Estado prestará assistência jurídica

gratuita para aquele que comprovar insuficiência de recursos. Já o artigo 134 da Constituição

Federal estabelece que a Defensoria Pública será a instituição responsável pela orientação

jurídica dos necessitados, nos termos do artigo 5°, LXXIV.

Assim, discute-se na doutrina se o papel da Defensoria Pública na defesa dos

interesses dos necessitados se limitaria aos que possuem insuficiência de recursos

econômicos.

Ada Pellegrini Grinover entende que o papel da Defensoria ultrapassa a defesa

dos economicamente necessitados.

Da mesma maneira deve ser interpretado o inc. LXXIV, do artigo 5º da CF: O

estado prestará assistência jurídica, integral e gratuita aos que comprovarem

insuficiências de recursos. A exegese do termo constitucional não deve limitar-se

268

SOUSA, José Augusto Garcia de Sousa. “A legitimidade da Defensoria Pública à luz do Princípio da Generosidade”. In: Em defesa de um novo sistema de processos coletivos, Saraiva, São Paulo, 2010, p. 323.

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108

aos recursos econômicos, abrangendo recursos organizacionais, culturais e

sociais.269

É evidente que o papel primordial da Defensoria Pública é o atendimento daqueles

que não possuem condições de arcar com os custos de advogado. Porem, a própria lei que

organiza a Defensoria Pública, Lei complementar 80/94, prevê hipóteses em que a Defensoria

Pública atuará a despeito da condição financeira do beneficiário, como nas hipóteses de

processo criminal, curadoria especial e juizados especiais.

Conforme visto acima, a lei 80/94 prevê ainda a possibilidade de a Defensoria

Pública atuar em favor da pessoa jurídica, conforme disposto no artigo 4°, V.270

Verifica-se que no processo penal o réu não pode ser processado sem ter defesa

técnica em razão da relevância que uma condenação trará não só ao direito de ir e vir do réu

nos casos de pena privativa de liberdade, como na sua esfera do direito da personalidade. Esta

situação justifica a atuação da Defensoria Pública ainda que não comprovada sua insuficiência

de recursos.

O fundamento para estas previsões legais reside no fato de que nestas situações o

beneficiário, independentemente da situação financeira que ostenta, está em condição de

desigualdade com o outro polo da demanda.

Como fundamento para a atuação da Defensoria Pública em casos que

ultrapassam a defesa do necessitado em direito individual, estuda-se qual seria a amplitude do

significado necessitado estabelecido pela Constituição Federal.

Desta forma, para se delimitar a atuação da Defensoria Pública no âmbito do

consumidor, algumas diferenças entre as hipóteses de hipossuficiência merecem ser

apontadas, como veremos a seguir.

269

GRINOVER, Ada Pellegrini. “Assistência judiciária e acesso à Justiça”, In Novas Tendências do Direito Processual, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1996, p. 116.

270 Este artigo é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4636 proposta pelo Conselho Federal da

Ordem dos Advogados do Brasil em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

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3.3.1 Hipossuficiência Econômica

Considera-se hipossuficiente econômico aquele que não possui condições

financeiras de arcar com os custos de um processo ou de advogado, nos termos da lei

1.060/50.

A lei, anterior à Constituição Federal, não traz parâmetros objetivos de quem

poderia ser considerado hipossuficiente econômico, bastando para tanto a declaração de

pobreza assinada pelo autor ou réu da demanda.

A lei 80/94 também não define o hipossuficiente econômico, de forma que as

regras de atendimento são definidas pelas Defensorias Públicas de cada Estado.

Conforme já afirmamos neste trabalho, algumas Defensorias Públicas possuem

limite baseado na renda mensal e nos bens declarados pelo potencial usuário, como o caso do

Estado de São Paulo271. Outras Defensorias, no entanto, não possuem limite de renda

previamente estabelecido, sendo analisada a situação do usuário no caso concreto, como

ocorre na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.272

Importante salientar que mesmo nos Estados onde existe o limite de renda para o

atendimento, este pode ser alterado levando-se em conta a situação do usuário no caso

concreto.

Em 2008 foi elaborado um documento na XIV Conferência Judicial Ibero-

americana, denominado Regras de Brasília.

Por este documento, considera-se vulnerável:

Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que, por razão da

sua idade, género, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais,

económicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em exercitar

com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo

ordenamento jurídico; (4) Poderão constituir causas de vulnerabilidade, entre outras,

as seguintes: a idade, a incapacidade, a pertença a comunidades indígenas ou a

minorias, a vitimização, a migração e o deslocamento interno, a pobreza, o género e

a privação de liberdade. A concreta determinação das pessoas em condição de

271

Para mais, ver o site http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/default.aspx?idPagina=3092.

272 Para mais, ver o site http://www.portaldpge.rj.gov.br/Portal/conteudo.php?id_conteudo=23.

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vulnerabilidade em cada país dependerá das suas características específicas, ou

inclusive do seu nível de desenvolvimento social e económico.273

Assim, nota-se que nem mesmo no plano internacional há uma definição objetiva

de quem seriam os hipossuficientes econômicos a serem atendidos pela Defensoria Pública.

Muitos autores, entre os quais podemos citar Gregório Assagra de Almeida274 e

Teori Albino Zavaski275, entendem que a Defensoria Pública somente poderia atuar em favor

dos economicamente carentes, ou seja, que comprovem a insuficiência de recursos

financeiros.

Neste sentido, temos ainda a doutrina de José Geraldo Brito Filomeno:

O certo é que as “defensorias públicas” efetivas, criadas pela Constituição Federal e

disciplinadas pela Lei Complementar n° 80/94, constituem-se em importantes

instituições para o bom equacionamento das “relações de consumo”, mas de caráter

individual, e principalmente na tutela dos interesses dos consumidores carentes, já

que, consoante expressamente delineado pelo art. 134 da Constituição da República.

A “Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado,

incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos

necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV. 276

Este, no entanto, não é o entendimento de toda a doutrina e jurisprudência, que

defendem que, assim como nos casos previstos na Lei Complementar n° 80/94, a defesa dos

direitos coletivos lato sensu pela Defensoria Pública deveria abarcar todas as formas de

hipossuficiência, como veremos a seguir.

273 Disponível em: http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/0/100%20Regras%20de%20Acesso%20%C3%A0%20Justi%C3%A7a.pdf.

274 ALMEIDA, Gregório Assagra de, op. cit.

275 ZAVASKI, Teori Albino. op. cit.

276 Op. cit., p. 120.

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3.3.2 Hipossuficiência Jurídica

Dentre as variantes da definição de hipossuficiência podemos destacar a

existência de um grupo de pessoas a serem classificada como hipossuficientes jurídicos.

Alexandre Câmara277 exemplifica como hipossuficiente jurídico aquele que,

possuindo recursos financeiros, ajuíza demanda de valor irrisório no Juizado Especial Cível.

Em audiência, a parte contrária estará representada por advogado, e a parte autora, não. Caso

o autor optasse por contratar advogado, este perderia o irrisório benefício econômico com a

demanda. Entende Alexandre Câmara que, neste caso, o autor da demanda poderia utilizar a

Defensoria Pública por se tratar de hipossuficiente jurídico.

Ada Pellegrini Grinover278 defende a mesma existência do hipossuficiente jurídico

e justifica que esta visão mais ampla do necessitado justifica a atuação da Defensoria Pública

nos casos relacionados ao processo penal e de curadoria especial em que não há distinção de

renda.

Esta definição nos parece válida para a justificativa de atuação da Defensoria

Pública nos casos de processo penal e curadorias, mas não deve ser aplicada nos casos de

demandas cíveis de partes presentes. Isto porque a atuação da Defensoria Pública nestes casos

não implica isenção de pagamento de custas e honorários para as partes, seja o réu no

processo criminal, seja o réu curatelado.

A Defensoria Pública pode pedir fixação de honorários para o réu em processo

criminal que comprovadamente possuía recursos financeiros para arcar com o pagamento de

advogado. No mesmo sentido, a Defensoria pode pleitear fixação de honorários nos casos de

atuação como curador especial para que o próprio usuário da Defensoria Pública arque com o

valor em razão da não caracterização da hipossuficiência econômica.

Neste sentido temos a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

A nomeação de Defensor Público como Curador Especial, sem que tal fato lhe retire

o direito ao recebimento de honorários advocatícios – uma vez que o munus público

do curador não se confunde com assistência judiciária –, que deverão ser adiantados

277

CÂMARA, Alexandre Freitas. “Legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar Ação Civil Pública: um possível primeiro pequeno passo em direção a uma grande reforma”, In: A Defensoria Pública e os Processos Coletivos, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2009, p. 48.

278 GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit., p. 246.

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pela parte autora, que, por sua vez, caso vença a demanda, poderá cobrá-los dos

réus. (REsp 957.422 – RS, d.j 13 de dezembro de 2007 - Inteligência do art. 9, II, c/c

19, § 2º, do CPC.)

Aqueles considerados juridicamente hipossuficientes que não sejam também

economicamente hipossuficientes deverão suprir a deficiência jurídica através da contratação

de um advogado.

Para as causas de pequeno valor, o legislador criou o Juizado Especial através da

Lei 9.099/95, cujo objetivo é justamente que a pessoa possa levar a juízo causas de pequeno

valor sem que para tanto tenha de despender recursos com advogado.

Desta forma, em nosso entender, o conceito de hipossuficiência jurídica como

exposto não pode fundamentar a atuação da Defensoria Pública.

Adriana Britto279, citando José Augusto de Sousa, afirma que outro possível

conceito de hipossuficiente jurídico seria aquele que não pudesse arcar com os custos de um

processo sem prejuízo de sua família. Este conceito manteria o necessitado jurídico atrelado à

condição econômica sem, no entanto, estabelecer limite específico de renda.

O conceito acima se identifica com o hipossuficiente econômico, que conforme

tratado no item acima não possui um significado fechado, mas é baseado em parâmetros a

serem escolhidos pelas Defensorias Públicas. Entendemos que a impossibilidade de arcar com

as despesas processuais e honorários sem o prejuízo de sua subsistência é um parâmetro mais

adequado para o atendimento da Defensoria Pública, seja no âmbito individual seja no

coletivo.

3.3.3 Hipossuficiência Organizacional

O hipossuficiente organizacional difere do hipossuficiente econômico. É

considerado hipossuficiente organizacional aquele que se enquadre em situação de

vulnerabilidade na sociedade.

Nos dizeres de Ada Pellegrini Grinover:

279

BRITO, Adriana, op. cit., p. 17.

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existem os que são necessitados no plano econômico, mas também existem os

necessitados do ponto de vista organizacional. Ou seja, todos aqueles que são

socialmente vulneráveis: os consumidores, os usuários de serviços públicos, os

usuários de planos de saúde, os que queiram implementar ou contestar políticas

públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio

ambiente etc.280

A utilização deste conceito de hipossuficiente, que amplia o entendimento

tradicional do artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal sem dúvida amplia o rol de

possibilidade de atuação da Defensoria Pública tanto no âmbito das ações coletivas como nos

casos de demandas individuais.

Importante ressaltar que, não obstante o relevante papel que a Defensoria

Pública exerce no âmbito coletivo, sua principal função é a atuação individual. Assim, a

ampliação de um conceito para atendimento interfere diretamente na questão individual e

deve ser implementada apenas se esta atuação não prejudicar o atendimento da grande maioria

de seus usuários.

A nosso ver, se aplicado para as demandas coletivas o conceito de

hipossuficiência organizacional, o mesmo conceito deve ser utilizado no atendimento

individual sob pena de violação do princípio da igualdade. Não seria possível usar critérios

diferenciados para o usuário que pretendesse uma ação individual e para aquele que trouxesse

uma demanda individual mas que o Defensor Público vislumbrasse uma demanda coletiva.

Deve se considerar ainda que a hipossuficiência organizacional não é um conceito

objetivo, e que pode trazer grandes problemas em sua aferição no caso concreto. Ao contrario

da hipossuficiência econômica, em que é possível, ainda que apenas como regra geral,

determinar-se quem objetivamente se encaixa em um parâmetro, a hipossuficiência

organizacional não nos traz esta possibilidade.

Neste sentido, Humberto Dalla Bernardino de Pino questiona: “Afinal de

contas, o que é necessidade organizacional? Como pode ser aferida? Quais os parâmetros

280

GRINOVER, Ada Pellegrini. “Parecer sobre a legitimidade da Defensoria Pública para propor Ação Civil Pública”. Disponível em: www.anadep.org.br. Acesso em 14.02.2012.

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114

para tanto? E se houver discordância entre o Juiz e o Defensor Público acerca da presença

deste requisito?” 281

Parece-nos que a falta de uma definição objetiva dos parâmetros da necessidade

organizacional inviabiliza a atuação da Defensoria Pública.

A título de exemplo, não nos parece razoável que a Defensoria Pública possa, por

exemplo, defender coletiva ou individualmente os direitos de consumidores segurados de

planos de saúde de alto custo, ou ainda consumidores de carros de luxo ou apartamentos que

sequer possam ser financiados pelo sistema financeiro de habitação.

Adotando a ideia de defesa de hipossuficientes organizacionais, enquanto

consumidores, estes estariam na condição de vulneráveis e poderiam ser atendidos pela

Defensoria Pública. Ademais, este conceito, nos parece, se confunde com o conceito de

vulnerabilidade trazido pelo artigo 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor. Ora, se a lei já

prevê um tratamento processual diferenciado para os consumidores em razão da

vulnerabilidade, não deve ser duplamente beneficiado pela mesma situação.

Assim, poderá ser beneficiado pela atuação da Defensoria Pública e pelo

tratamento diferenciado dado pelo Código de Defesa do Consumidor aquele que

concomitantemente estiver na situação de hipossuficiente econômico e for consumidor.

Desta forma, parece-nos mais correto que o conceito de hipossuficente a ser

adotado pela Defensoria Pública seja o econômico.

3.3.4 Vulnerabilidade no Código de Defesa do Consumidor

Conforme já asseverado acima, o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor

estabelece o princípio da vulnerabilidade do consumidor.

Esta vulnerabilidade pode ser considerada fática, técnica ou ainda jurídica.

A vulnerabilidade técnica caracteriza-se pela ausência de conhecimento do

consumidor com relação às características específicas dos produtos e serviços que está

adquirindo.282

281

PINHO, Humberto Dalla Bernardino de. “A legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ações civis públicas: primeiras impressões e questões controvertidas”. In: A Defensoria pública e os processos coletivos, Lumen Juris, 2009, p. 169.

282 MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor: o princípio da vulnerabilidade no

contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 115

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115

Nos dias atuais esta vulnerabilidade é infinita, pois todos os dias novas técnicas

são descobertas e aplicadas em produtos e serviços.

A vulnerabilidade jurídica refere-se à ausência de assistência legal e da maior

dificuldade de levar a violação de seus direitos à justiça. Neste sentido:

Além destas considerações há de ser dito que os danos enfrentados isoladamente

pelos consumidores quase sempre ficaram sem preparação, quer porque pequenos se

individualmente considerados, quer por motivos econômicos, já que o consumidor

geralmente não possui recursos para a contratação de advogados e para pagar as

despesas processuais. Aliás, neste último item salta aos olhos a franca superioridade

dos fornecedores, que possuem, em seus estabelecimentos, departamentos jurídicos

organizados e de bom nível técnico, o que faz aumentar ainda mais a situação de

inferioridade do consumidor, a justificar-lhe a tutela.283

Por fim, a vulnerabilidade fática se caracteriza pela superioridade econômica que

o fornecedor impõe ao consumidor que com ele contrata.284

A vulnerabilidade, seja de qualquer um dos tipos acima descritos, é presumida no

Código de Defesa do Consumidor.Neste sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça:

PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO.

CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.

CABIMENTO. AGRAVO. DEFICIENTE FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO.

AUSÊNCIA DE PEÇA ESSENCIAL. NÃO CONHECIMENTO. RELAÇÃO DE

CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. DESTINAÇÃO FINAL FÁTICA E

ECONÔMICA DO PRODUTO OU SERVIÇO. ATIVIDADE EMPRESARIAL.

MITIGAÇÃO DA REGRA. VULNERABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA.

PRESUNÇÃO RELATIVA. A jurisprudência consolidada pela 2ª Seção deste STJ

entende que, a rigor, a efetiva incidência do CDC a uma relação de consumo está

pautada na existência de destinação final fática e econômica do produto ou serviço,

isto é, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido

e qualquer atividade produtiva desempenhada pelo utente ou adquirente. Entretanto,

283

ALMEIDA, João Batista de. op. cit., p. 26.

284 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno. Código de defesa do

consumidor, 3. ed., ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010, p. 198.

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o próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra, com fulcro no art. 4º, I, do

CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do produto

ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial,

haja vulnerabilidade de uma parte frente à outra. Uma interpretação sistemática e

teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida

do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à

presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o

próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua

hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de

defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. Em suma,

prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige

destinação final fática e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de

vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às

atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista

quando comprovada, pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa

jurídica. Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do

legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de

uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de

fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária.

Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de

vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele

negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A “paridade de

armas” entre a empresa-fornecedora e a empresa-consumidora afasta a presunção de

fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma

mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em

determinadas relações de consumo e em outras não. Recurso provido. (RMS

27.512/BA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em

20/08/2009, DJe 23/09/2009).

Não obstante o reconhecimento da presunção de vulnerabilidade do consumidor,

entendemos, conforme já defendido acima, que esta vulnerabilidade, por si só, não autoriza o

atendimento do consumidor pela Defensoria Pública, de forma que este deverá também

demonstrar a sua hipossuficiência econômica.

O Código de Defesa do Consumidor ao estabelecer regras mais favoráveis ao

consumidor já supre, ao menos em tese, a deficiência que o consumidor teria em relação ao

fornecedor. Assim, não se justifica o atendimento pela Defensoria Pública como mais uma

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117

forma de beneficiar o consumidor, exceto se, além de vulnerável, este também for

hipossuficiente.

3.4 Defesa de Direito Individual Homogêneo do Consumidor e grupos não

hipossuficientes economicamente

Conforme já defendemos em todo o trabalho, entendemos que a Defensoria

Pública não possui legitimidade para atuar em favor de consumidores que não sejam

hipossuficientes economicamente.

Entretanto, a nosso ver, isto não significa que a Defensoria Pública não possa

patrocinar demandas coletivas que, reflexamente, beneficiem pessoas não vulneráveis

economicamente.

Vale ressaltar que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça ampliou seu

conceito de necessitado, reconhecendo a legitimidade da Defensoria Pública para a defesa de

grupos não hipossuficientes:

A Constituição Federal, em seu art. 134, reza que “a Defensoria Pública é

instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação

jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º,

LXXIV”. A expressão “necessitados” deve ser interpretada de maneira mais

ampla, não se restringindo, exclusivamente, às pessoas economicamente

hipossuficientes, que não possuem recursos para litigar em juízo sem prejuízo

do sustento pessoal e familiar, mas sim a todos os socialmente vulneráveis.(...)

A meu sentir, a relação contratual que se estabelece entre as agravantes e aqueles

que utilizam seus serviços é de natureza consumeirista, incidindo, portanto, as regras

contidas no Código de Defesa do Consumidor, não tendo o condão de afastar essa

feição o fato de o litígio envolver o repasse do PIS e da COFINS. Ressalto que as

agravantes/demandadas – NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES S/A e

EMPRESA BRASILEIRA DE TELECOMUNICAÇÕES S/A – EMBRATEL –

inequivocamente aliaram esforços para explorarem no mercado, conjuntamente, um

mesmo produto, qual seja, NET FONE VIA EMBRATEL. O serviço oferecido pela

primeira é prestado pela segunda, circunstância, por si só, que determina a

legitimidade para integrarem o polo passivo da relação processual.

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118

Assim, considerando que a Constituição Federal atribui ao Estado a promoção, na

forma da lei, da defesa do consumidor (art. 5º, XXXII), reconhecendo a Defensoria

Pública como instituição essencial à função jurisdicional (art. 134), inconteste a

legitimidade para integrar o polo ativo em ações que visem à defesa de interesses

coletivos (fls. 614-615).

Assim, a legitimidade da Defensoria Pública existe para demandas que,

comprovadamente, beneficiem pessoas hipossuficientes economicamente, sem que,

contudo, estas sejam as únicas beneficiadas. (AResp/RS n° 50.212, Relator: Mi.,

Heman Benjamin, 2ª Turma, DJU 24.10.2011)

No caso concreto tratava-se de demanda contra empresas de internet que

repassavam a cobrança de PIS e Cofins para seus consumidores. Parece-nos legítima a

atuação da Defensoria Pública no caso, mas por fundamento diverso do apontado no acórdão.

Isto porque atualmente a internet de banda larga é uma realidade para as classes

menos abastadas da população brasileira. De acordo com a classificação do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a classe C brasileira é composta de famílias que

ganham de R$ 1.200,00 a R$ 5.174,00.285 Deste percentual, 55% possui acesso à internet.

Esta classe, em seus patamares mais baixos, encaixa-se nos padrões de atendimento da

Defensoria Pública e é consumidora de internet.

Por esta razão e reforçando o nosso entendimento, a legitimidade da Defensoria

Pública estaria fundamentada no fato de existirem, dentro dos consumidores a serem

beneficiados, aqueles que também se encaixam na qualidade de hipossuficientes econômicos.

3.5 Defesa de Direitos Difusos do Consumidor

A Defensoria Pública está legitimada a defender interesses difusos do

consumidor. Tratando-se de direitos difusos, em que seus titulares são indetermináveis e que,

portanto, abrangem pessoas economicamente hipossuficientes.

Conforme já tratado neste trabalho, os direitos difusos são denominados direitos

de terceira geração e fazem parte do rol de direitos fundamentais do ser humano. Assim, a

285

Mais no site www.ibge.gov.br

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119

Defensoria Pública, respeitando sua missão constitucional de efetivação dos direitos

fundamentais, possui legitimidade para tal atuação.

Interessante ressaltar o posicionamento de Guilherme José Purvin Figueiredo286.

Para o autor, nos casos de demandas de direitos difusos, é possível a existência de conflitos

entre os direitos fundamentais e que, neste caso, a Defensoria Pública, como Instituição do

Estado, deve considerar o interesse deste.

O autor entende, por exemplo, que a Defensoria Pública não poderia defender o

direito à moradia em local destinado à preservação do meio ambiente. Entendemos da mesma

forma. Ao litigar em favor de direitos difusos, deve a Defensoria Pública sopesar os direitos

fundamentais de todos os lados, não atuando de forma simplista.

3.6 Consumidores Superendividados

A doutrina hoje trata do surgimento de uma nova classe de consumidores, os

denominados superendividados. O superendividamento é a “impossibilidade global do

devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e

futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e alimentos)”.287

O superendividamento pode ser ocasionado por atividade do endividado, ou seja, por

acúmulo de dívidas por ele contraídas ou pelo que a doutrina denomina de endividamento

passivo, em que uma causa alheia à vontade do consumidor (desemprego, doença etc..)

causou drástica redução de sua receita.

Este grupo de consumidores, em qualquer dos casos, e que não necessariamente

são hipossuficientes economicamente, mas no momento não tem condições de sequer arcar

com as dívidas que contraíram, poderia contar com o atendimento da Defensoria Pública, seja

no âmbito individual, seja no âmbito coletivo.

286

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Legitimidade Ativa da Defensoria Pública em Ações Civis Públicas. Ed, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2008.

287 MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli. Direitos do consumidor endividado, Revista dos Tribunais, p. 14.

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120

Nestes casos, trata-se de hipótese de hipossuficiente econômico, já que o

endividado, sem acesso à crédito, não tem condições de arcar com os custos processuais ou

com os honorários de advogados.

Conforme já explicitado no item sobre hipossuficiência econômica, não existe

uma definição legal objetiva e concreta estabelecendo quais seriam os parâmetros para se

classificar um hipossuficiente econômico. Assim, em nosso entendimento, os

superendividados se classificam como hipossuficientes econômicos e devem ser atendidos

pela Defensoria Pública.

Os autores que entendem pela pertinência do atendimento dos

superendividados pela Defensoria Pública alegam ainda que, uma vez se tratando de ente

legitimado para a propositura de ação civil pública em favor destes consumidores, seria

possível a realização de ajustamento de conduta:

verificando, então, que vários consumidores estão sofrendo lesão por parte de um

fornecedor, o defensor público convocará as partes interessadas, antes da propositura

de ação judicial, a fim de verificar a possibilidade de celebração do compromisso de

ajustamento. Celebrado o acordo, este terá eficácia de título executivo extrajudicial,

ou seja, permitirá, no caso de descumprimento de suas condições, o ajuizamento de

ação de execução, a qual também poderá ser promovida pela Defensoria Pública.288

Parece-nos que os consumidores endividados nos moldes aqui tratados serão de

fato, e ainda que temporariamente, pessoas com insuficiência de recursos econômicos, o que

autoriza o atendimento pela Defensoria Pública tanto na esfera individual e, principalmente,

na esfera coletiva.

Importante ressaltar que os problemas relacionados ao superendividamento são

essencialmente individuais, pois cada indivíduo deve comprovar sua boa-fé e sua situação de

endividamento. Entretanto, para se obter reais resultados, são necessárias negociações

coletivas com os credores para que estes entendam a real situação dos consumidores e

proponham soluções para a resolução do problema.

288

CONSALTER, Rafaela.”Novas tendências da atuação da Defensoria Pública na defesa do consumidor necessitado” In Direitos do consumidor endividado, RT, pág. 364.

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Do ponto de vista coletivo a verificação do superendividamento pode dar enseja a

elaborações de termos de ajustamento de conduta para os credores para que estes

reestabeleçam o equilíbrio das relações contratuais com os consumidores.

3.7 Litisconsórcio

Podemos definir a figura do litisconsórcio como a possibilidade de mais de um

demandante no polo ativo ou mais de um demandado no polo passivo de um processo.289

O litisconsórcio pode ser classificado como inicial e ulterior, dependendo do

momento em que é formado no processo; e ainda como necessário e facultativo, dependendo

da exigência, ou não, de sua formação.

Os litisconsortes podem ser tratados de forma uniforme, no caso do litisconsórcio

unitário ou de formas diversas, no caso do litisconsórcio simples.290

O litisconsórcio a ser utilizado nos casos de defesas de direitos coletivos é o

litisconsórcio facultativo. O litisconsórcio facultativo é aquele admissível, mas não exigido

por lei.

O litisconsórcio facultativo ativo formar-se-á segundo a vontade exclusiva dos

diversos sujeitos que optem por reunir-se para demandar em conjunto; o passivo,

pela opção do autor em relação aos sujeitos que pretenda ter como réus em sua

demanda. Desde que configurada alguma das hipóteses do artigo 46 do Código de

Processo Civil, a facultatividade do litisconsórcio é uma inerência da liberdade de

agir e da amplitude da garantia constitucional do direito de ação.291

Nas ações coletivas, o litisconsórcio, além de facultativo, pode ser ulterior, na

medida em que qualquer dos legitimados para a propositura da ação poderá se habilitar no

processo para defender os interesses em discussão.

289

NERY JR.,Nelson; ANDRADE NERY; Rosa Maria. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 324.

290 JOÃO, Ivone Cristina de Souza João. Litisconsórcio e intervenção de terceiros na tutela coletiva (ênfase nas

relações de consumo e nos direitos individuais homogêneos), Fiuza, São Paulo, 2004, p. 85.

291 DINAMARCO, Candido Rangel. Instituição de Direito Processual Civil, v. 2, 6. ed., Malheiros, São Paulo,

2009.

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Sobre este litisconsórcio, assim ensina o Professor Candido Rangel Dinamarco:

Nos casos em que a lei dá legitimidade a mais de um sujeito para estar em juízo

como parte na defesa de interesse alheio (substituto processual – supra 548), admite-

se que ingressem novos legitimados, como litisconsortes ulteriores dos que

propuseram a demanda inicial. Esta intervenção não altera o objeto do processo,

porque todos eles são substitutos processuais de um substituído só e a demanda que

vêm sustentar é a mesma que já estava pendente desde a propositura da demanda

inicial. Por isso, não havendo tumultos de monta, aconselha-se maior liberdade de

sua admissão no processo. O único que ele tem a provar, além do que outros já

precisavam fazer, é a sua própria legitimidade.292

O litisconsórcio nas ações coletivas está expresso no artigo 5º, § 2º, da lei de Ação

Civil Pública. Já o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor prevê a legitimidade para a

ação civil pública como concorrente e disjuntiva. Isto significa dizer que cada legitimado

poderá ajuizar uma ação autônoma ou em litisconsórcio com os demais legitimados

Importante ressaltar que, para Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, o

litisconsórcio entre colegitimados ocorreria somente no momento do ajuizamento da

demanda, sob pena de ferir-se o princípio do juiz natural. Para estes autores, na junção de

demandas no caso de ingresso posterior de legitimado, este seria admitido como assistente

litisconsorcial e não como litisconsorte.293 Assim, admitido como assistente litisconsorcial, o

legitimado não estaria na mesma condição de litisconsorte, não podendo dispor da demanda

ou mesmo aditar o pedido inicial.294

Tanto o litisconsórcio como a assistência litisconsorcial são plenamente possíveis

com relação a outras Defensorias Públicas. Este litisconsórcio é facultativo. Entendemos, no

caso, que, com relação ao litisconsórcio entre Defensoria Pública, deve ser aplicada,

analogicamente, a mesma disposição do Ministério Público.

292

idem.

293 NERY JR, Nelson; ANDRADE NERY; Rosa Maria. op. cit., p. 326.

294 MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit. p. 298.

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O artigo 113 do Código de Defesa do Consumidor, bem como o artigo 5º, §5º da

Lei de Ação Civil Pública, admite a possibilidade entre os Ministério Públicos, o que, a nosso

ver, deve ser aplicado à Defensoria Pública.

O artigo 3° da lei complementar 80/90 estabelece que a Defensoria Pública tem

como princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Por esta previsão, entende-se que a divisão da Defensoria Pública é apenas

administrativa, ou seja, para possibilitar o exercício de suas atribuições institucionais.

Assim, em verdade, a discussão sobre o litisconsórcio entre a Defensoria Pública

resume-se sobre quem representaria a Defensoria Pública, seja na justiça estadual, seja na

justiça federal.

As regras processuais sobre representação não se prestam a atender os casos de

representação de órgãos do Estado. No entendimento de Nelson Nery Junior, esta

representação seria denominada de representação institucional ou estrutural295.

Esta representação seria aferida com base nas normas organizadoras da

instituição. No entendimento do doutrinador citado, no caso do Ministério Público, não

existiria impedimento legal de que o Ministério Público Estadual intentasse demanda em

qualquer Estado da federação, bem como perante a justiça federal.

Propõe o autor que o ideal seja a obediência aos critérios de territorialidade, ou

seja, que o Ministério Público do Estado ajuíze demandas apenas no Estado e o federal nos

casos de competência da justiça federal.

Conforme já defendido acima, entendemos, portanto, que as mesmas regras

devem ser aplicadas à Defensoria Pública, de forma que a Defensoria Pública Estadual

poderia intentar demanda na Justiça Federal, bem como a Defensoria Pública da União

poderia ajuizar demanda frente à Justiça Estadual.

Este também é o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli:

Ademais, se constituísse violação ao princípio federativo o fato de órgãos

autônomos de Estados diversos se litisconsorciarem, então, por identidade de razões,

295

Op. cit., p. 243.

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e, por absurdo, seria impossível o litisconsórcio entre os próprios Estados-membros

e entre estes e a União.296

Com relação às demais previsões do litisconsórcio, entendemos serem aplicadas

todas as demais previsões dos artigos 48 e 49 do Código de Processo Civil.

Desta forma, quanto ao litisconsórcio facultativo, cada litigante será considerado

individualmente e as omissões e atos de um não prejudicarão ou beneficiarão os demais.

296

Op. cit., p. 303-304

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125

CONCLUSÃO

Verifica-se que o direito do consumidor no mundo passou a desenvolver-se após a

Revolução Industrial. O direito do consumidor tem grande importância para a sociedade atual,

mormente porque vivemos em uma sociedade em que o consumo faz parte do cotidiano de

todos, independentemente de classe social.

No Brasil, a Constituição de 1988 deu ao direito do consumidor status

constitucional e o Código de Defesa do Consumidor trouxe importantes inovações e uma

política nacional para as relações de consumo.

Uma importante forma de defesa do consumidor é a defesa dos direitos difusos,

coletivos e individuais homogêneos através de demandas coletivas. Neste sentido, verificamos

que as demandas coletivas, que possuem, no Brasil, grande influência das class actions norte-

americanas, ampliam as possibilidades de acesso à justiça, bem como trazem segurança

jurídica e economia processual.

Podemos dizer que ampliam as possibilidades de acesso à justiça não só porque

todos podem ser beneficiados de uma sentença, mas principalmente porque levam ao Poder

Judiciário abusos perpetrados por fornecedores que individualmente seriam economicamente

irrelevantes e, portanto, dificilmente seriam coibidos.

Justamente visando à ampliação do acesso à justiça para aqueles que possuem

menos recursos financeiros e conhecimento de seus direitos é importante a legitimidade da

Defensoria Pública para a defesa de direitos coletivos de consumidores.

Conforme exposto em todo o trabalho, acreditamos, no entanto, que tal

legitimidade deve ser adstrita a casos em que efetivamente haja benefício para os

economicamente necessitados, pois esta é a função dada pela Constituição Federal à

Defensoria Pública. É importante, a nosso ver, que a Instituição, que ainda é nova em grande

parte dos Estados da Federação, firme-se na defesa desta parcela da população e não se perca

com demandas que claramente não atendem seus ditames constitucionais.

A Defensoria Pública é um importante instrumento para a efetivação do princípio

da igualdade e da inafastabilidade do poder jurisdicional, mas não é a única e deve se ater às

suas funções precípuas, ou seja, a defesa do cidadão carente.

A nosso ver, a defesa dos direitos coletivos desta parcela da população é de

extrema importância, especialmente porque a Defensoria Pública possui acesso a esta parcela

marginalizada dos cidadãos como nenhuma outra instituição do Estado.

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126

Isto não significa que sua legitimidade para a propositura de ações coletivas seja

de somenos importância, pelo contrário, sua importância na defesa coletiva dos direitos da

população marginalizada é tão grande que não deve ser ofuscada por tentativas de ingressar

em ramos que não são de sua especialidade.

A especialização conduz à excelência e assim deve ser pautada a atuação da

Defensoria Pública na defesa do direito coletivo do consumidor. A dedicação integral aos

produtos e serviços destinados à população economicamente hipossuficiente permitirá que

grande parte das lesões a este grupo de pessoas, que já sofre com a falta de informação e de

conhecimento, seja coibida, efetivando-se, verdadeiramente, o acesso à justiça.

Como legitimada para a propositura de demandas coletivas, à Defensoria Pública

são aplicáveis todas as disposições do microssistema das demandas coletivas, incluindo-se a

possibilidade de litisconsórcio entre as Defensorias Públicas.

Importante ressaltar que em se tratando de demanda coletiva em que a Defensoria

Pública possua legitimidade para atuação esta deve ser obrigatória e não facultativa, nos

mesmos termos que defendemos sobre a atuação do Ministério Público. Parece-nos claro que

a função da Defensoria Pública para a proteção dos direitos coletivos da população carente é

uma determinação constitucional e obriga a sua atuação, respeitada a independência funcional

dos Defensores Públicos.

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