À LUZ DOS ASPECTOS HISTÓRICOS DO PERÍODO DE 1920...

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Ariana Aparecida Alves R.A. 001200500386 8º semestre O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA DE 1932 À LUZ DOS ASPECTOS HISTÓRICOS DO PERÍODO DE 1920-1935 Bragança Paulista 2008

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Ariana Aparecida Alves

R.A. 001200500386 8º semestre

O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA DE

1932 À LUZ DOS ASPECTOS HISTÓRICOS DO PERÍODO DE

1920-1935

Bragança Paulista

2008

Ariana Aparecida Alves

R.A. 001200500386 8º semestre

O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA DE

1932 À LUZ DOS ASPECTOS HISTÓRICOS DO PERÍODO DE

1920-1935

Monografia apresentada à disciplina Trabalho de Conclusão de Curso, do Curso de Pedagogia da Universidade São Francisco, sob a orientação da Profª. Ms. Liana Eppinghaus Barbalho da Silva Teles, como exigência parcial para conclusão do curso de graduação.

Bragança Paulista

2008

ALVES, Ariana Aparecida. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 à luz dos aspectos históricos do período de 1920-1935. Monografia defendida e aprovada na Universidade São Francisco em 17 de Dezembro de 2008 pela banca examinadora constituída pelos professores: Profª. Ms. Liana Eppinghaus N. da Silva Teles USF – orientadora Profª. Dra. Maria de Fátima Guimarães Bueno USF – examinadora

Dedico este trabalho ao meu Deus e a todos os

educadores que assim como eu, acreditam que

através da educação podemos construir um mundo

mais humano e melhor.

AGRADECIMENTOS

A realização deste Trabalho de Conclusão de Curso só foi possível pelo concurso de

inúmeras pessoas. A todas estas manifesto minha gratidão e de modo particular:

ao Senhor por sempre trilhar comigo, dando-me força, disposição e orientação para

prosseguir mesmo quando tudo parecia que não daria certo,

ao professor José Dujardis da Silva, pelas indicações e empréstimos de livros,

contribuindo muito para o concurso deste trabalho,

à minha orientadora, Profª. Ms. Liana Eppinghaus Barbalho da Silva Teles pelo

cuidado e zelo nos atendimentos, por sua perseverança e por sempre apresentar-se disposta a

ajudar e auxiliar,

à minha avaliadora, Profª. Dra. Maria de Fátima Guimarães Bueno que

carinhosamente aceitou o convite de me avaliar e principalmente por suas aulas inesquecíveis,

que despertaram em mim o interesse pelo tema,

às minhas amigas de universidade, em especial à minha amiga-irmã Letícia Becker

que me sempre esteve (e está) ao meu lado, me incentivando, me fortalecendo e

acompanhando cada trecho deste trabalho, tornando-se assim essencial em minha caminhada.

ao meu futuro esposo, Alexsandre Junior Cabral, por seu carinho e dedicação, pelas

imensas vezes que compreendeu minha ausência, sendo em todos os momentos um guerreiro

em minha vida,

à minha família, em especial à minha irmã Juliana Alves, que compreendeu minha

ausência em uma das principais fases de sua vida, a gestação e nascimento de minha sobrinha

Ana Luísa,

aos meus pais Antonio e Elza que sempre acreditaram e me impulsionaram para

vencer todos os obstáculos em minha vida, sem vocês eu não teria força para chegar até aqui!

Talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor, mas lutamos para que o melhor fosse feito. Não somos o que deveríamos ser, não somos o que iremos ser, mas, graças a Deus, não somos o que éramos!

(Martin Luther King)

ALVES, Ariana Aparecida. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 à luz dos aspectos históricos do período de 1920-1935. 2008. 65f. Monografia - Curso de Pedagogia da Unidade Acadêmica da Área de Ciências Jurídicas, Humanas e Sociais da Universidade São Francisco, Bragança Paulista.

RESUMO

Este estudo iniciou-se a partir de curiosidades que surgiram no decorrer de minha caminhada universitária, sobre como em diversos períodos da história brasileira os fatos históricos influenciaram a educação. Para tanto, buscou-se responder se os aspectos históricos podem influenciar a educação de dada sociedade e em determinada época. Delimitou-se para pesquisa o período de 1920 a 1935, apontando como objeto de estudo um dos documentos mais importantes do meio educacional dessa época, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932”. O estudo partiu da coleta de dados sobre o contexto histórico do período proposto. Em seguida, realizou-se a análise do Manifesto de 1932, documento assinado por diversos intelectuais da época. Ao final, propõe-se a análise se os fatos históricos pesquisados influenciaram a educação da época, mediante o estudo do Manifesto de 1932.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 08

2. CONTEXTO HISTÓRICO DO PERÍODO DE 1920 A 1935..................................................................... 10

2.1 República Velha (1889-1930) ............................................................................................................... 10

2.2 Os tenentes e suas revoltas .................................................................................................................... 10

2.2.1 Primeira Revolta Tenentista: Os Dezoito do Forte ......................................................................... 11

2.2.2 Segunda Revolta Tenentista - A Revolta de 1924 ........................................................................... 11

2.2.3 Terceira Revolta Tenentista - A Coluna Prestes ............................................................................. 12

2.3 O Cangaço - “Lampião” ........................................................................................................................ 12

2.4 A Semana de Arte Moderna (1922) ...................................................................................................... 13

2.5 Crise de 1929 ......................................................................................................................................... 14

2.6 A Revolução de 1930 ............................................................................................................................ 14

2.7 O Governo Provisório (1930-1934) ...................................................................................................... 16

2.8 As reformas no Ensino .......................................................................................................................... 17

2.9 Revolução Constitucionalista e a Constituição de 1934 ....................................................................... 18

2.10 A educação no contexto de 1920 a 1935 ............................................................................................. 18

3. O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA DE 1932 ................................................. 23

3.1 Gênese do Manifesto de 1932 ................................................................................................................ 25

3.2 Ideais e repercussão do Manifesto .......................................................................................................... 28

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................................... 34

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................ 37

ANEXO I ......................................................................................................................................................... 40

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1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa iniciou-se a partir de curiosidades que surgiram no decorrer de minha

caminhada na universidade a respeito de como em épocas diversas a educação foi pautada e

como as pessoas envolvidas com o universo educacional manifestaram seus ideais e projetos

em favor desta educação.

Ao estudar a educação, pode-se verificar como a cultura de dada sociedade está sendo

construída, pois a educação é parte de um fenômeno histórico e dinâmico (TEIXEIRA, 1976).

Assim, compreende-se a importância de uma análise histórica de como a educação em nosso

país desenvolveu-se, a fim de se analisar em que medida os aspectos históricos influenciam a

educação.

Portanto, analisar a educação de hoje, à luz dos aspectos históricos de determinada

época é fundamental, considerando que o homem é um ser histórico, conforme Aranha,

Pensar o passado não deve ser compreendido como exercício de saudosismo, mera curiosidade ou preocupação erudita. O passado não é algo morto: nele estão as raízes do presente. É compreendendo o passado que podemos dar sentido ao presente e elaborar o futuro (1989, p.12).

A autora confirma a idéia de que é preciso retornar às raízes históricas para

compreensão do presente, ou seja, retornar à história a fim de se compreender o modelo

educacional de hoje e dessa forma propor mudanças significativas para o futuro.

De acordo com Nunes (2003, p.11) “a memória constitui a nossa identidade, porque o

que nos faz diferentes uns dos outros é a nossa própria história”. Nesse sentido, reafirma-se a

questão de que o homem enquanto sujeito histórico e que possui uma identidade única,

somente poderá compreender seu presente, através da análise de fatos passados.

O modelo educacional de nossa época, geralmente não leva em consideração a história

do educando enquanto sujeito histórico, acabando por transformar-se em máquina reprodutora

de “cabeças pensantes”, pois, por meio de sua prática, acaba moldando o educando conforme

os padrões e necessidades da sociedade atual, sem que esse chegue à emancipação do sujeito.

Reafirma-se a necessidade de se compreender como o momento histórico pode

significar fator decisivo na construção da educação em cada sociedade e época, para

desenvolvermos um novo olhar para o futuro de nossa educação, conforme Manacorda e Lo

Monaco (2004, p.360),

...a exigência de uma escola que, de lugar de separação e de privações, se transforme num lugar e numa época de plenitude de vida. Mas tudo isto nos

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lembra que não é só a escola, seja ela qual for, a educar, mas a vida inteira em sua plenitude...

Quem sabe, por meio da compreensão de nosso passado educacional, possamos

corrigir o caminho trilhado para a educação atual. Com novas propostas e projetos que

possamos contribuir para o desenvolvimento de uma escola capaz de produzir no aluno o

prazer de viver, de existir enquanto pessoa humana, que não busca apenas a formação

intelectual, mas sim a formação humana, concebendo o educando como um todo.

Diante do quadro apontado acima, o presente trabalho tem como objetivo responder se

os aspectos históricos vivenciados por dada sociedade e em determinada época, podem

influenciar a educação.

Para responder a estas questões, este trabalho delimitou para estudo a educação no

período da história brasileira de 1920 a 1935, utilizando como método a pesquisa

bibliográfica. Propõe-se uma análise da educação brasileira nesse período, abordando qual o

debate educacional existente nessa época. Em seguida, verificaremos de que maneira esse

momento histórico influenciou para o lançamento de um documento muito pesquisado no

meio educacional, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932”, composto por

um grupo de intelectuais que manifestavam seu projeto para a educação da época.

Para tanto, alguns autores que tratam sobre a História da Educação Brasileira foram

estudados, dentre eles pode-se destacar: Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, que

discorrem sobre a educação brasileira no período proposto para este trabalho; Paulo

Ghiraldelli Júnior que faz um trajeto sobre a história da educação no Brasil; Carlos R. Jamil

Cury, que traz uma discussão sobre ideologia e educação brasileira; obras de Marcos Cezar de

Freitas, organizador de diversas obras da Coleção de Estudos CDAPH; bem como outras

obras da coleção como as de José Gondra, Ana Maria Magaldi e Cláudia Alves, que discutem

sobre a educação no Brasil relacionando história, cultura e política. Além disso, utilizamos as

obras das autoras Libânia Nacif Xavier e Maria do Carmo Xavier que desenvolvem um estudo

sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932.

O presente trabalho está estruturado em três partes: no primeiro capítulo apresentam-

se os aspectos do contexto histórico do período de 1920 a 1935 em âmbito nacional. No

segundo capítulo o objetivo é abordar como o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de

1932 foi gerado e concebido. E por fim, apresentamos as considerações finais.

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2. CONTEXTO HISTÓRICO DO PERÍODO DE 1920 A 1935

O período de 1920 a 1935 foi marcado por profundos acontecimentos de ordem

política e cultural que trouxeram um novo rumo à história de nosso país, principalmente à

nossa educação. A seguir apresenta-se um breve contexto histórico desse período, em relação

à política e cultura nacionais.

2.1 República Velha (1889-1930)

Essa foi a primeira fase republicana, e o aspecto que mais sobressai é o fato de que a

política esteve inteiramente denominada pela oligarquia cafeeira, em cujo nome e interesse o

poder foi exercido. Segundo Koshiba e Pereira (1984, p.219) ao longo da República Velha ou

Oligárquica1, o Brasil conheceu uma seqüência de treze presidentes.

De acordo com Fausto (1986, p.13) o principal objetivo da oligarquia cafeeira “era o

de assegurar a manutenção dos preços do café em mil-réis, em um nível elevado e estável”,

conseqüência direta da posição política extremamente poderosa dessa oligarquia.

2.2 Os Tenentes e suas Revoltas

Na década de 1920 ocorreu a 2ª questão militar da história do Brasil, sendo que a

primeira levou à Proclamação da República e a segunda levou à Revolução de 1930. A

segunda questão, assim como a primeira, reporta-se a uma série de atos de indisciplina

cometidos por oficiais do Exército, seguidos de punições que geraram novas indisciplinas.

Ocorreu então, um choque entre o poder civil e o poder militar, o qual chamou-se tenentismo,

pois os que se revoltaram eram cadetes, tenentes e capitães do Exército (PILETTI, 1996).

Conforme o autor, pode-se elencar alguns dos fatores que geraram descontentamento:

o Exército estar abandonado, não havia material e o governo só atribuía missões humilhantes

aos militares, como depor os governadores que não se enquadravam na política dominante. Os

jovens oficiais influenciados pelas idéias industrialistas e nacionalistas que se desenvolveram

no Brasil, após a Primeira Guerra Mundial, começaram as revoltas. 1 República Velha ou Oligárquica é a denominação convencional para a história republicana que vai da proclamação (1889) até à ascensão de Getúlio Vargas em 1930.

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O que os tenentes pretendiam basicamente, era moralizar a vida política do país,

deixando de ser capangas das oligarquias, por isso, lutaram contra a corrupção eleitoral,

promovendo várias revoltas contra o poder civil. Suas idéias demonstravam elementos

progressistas ao defender o voto secreto e reformas no ensino como princípios para a

reconstrução da sociedade, porém, idéias conservadoras ao acreditar que o povo brasileiro

deveria ser comandado por pessoas mais capazes, pois acreditavam que o povo era

despreparado e inculto (PILETTI, 1996).

2.2.1 Primeira Revolta Tenentista: Os Dezoito do Forte

Na campanha eleitoral de 1921, Artur Bernardes foi o candidato do governo à

presidência, o qual saiu amplamente vencedor, como sempre acontecia com o candidato da

situação. Um fato ocorrido foi que durante a campanha, foram enviadas ao jornal Correio da

Manhã algumas cartas ofensivas ao Exército e ao marechal Hermes da Fonseca, assinadas por

Artur Bernardes, porém, assinaturas falsificadas, o que só se descobriu mais tarde (ibid).

Conforme Piletti (1996), o Clube Militar decidiu impedir a posse de Bernardes, então

os tenentes planejaram derrubar o presidente Epitácio Pessoa através de um golpe que seria

dado nos quartéis. Em 5 de julho de 1922, os quartéis seriam tomados pelos tenentes, que

exigiriam a renúncia do presidente, mas no dia marcado só a Escola Militar e o Forte de

Copacabana se levantaram. Cercados pelas forças leais do governo, não tiveram alternativa a

não ser entregar-se, entretanto, dezessete tenentes e um civil resolveram enfrentar o governo

oligárquico e saíram do Forte de Copacabana caminhando pela praia. Na ocasião, foram

atacados e só dois sobreviveram: Siqueira Campos e Eduardo Gomes.

2.2.2 Segunda Revolta Tenentista: A Revolta de 1924

Em 5 de julho de 1924, novamente os tenentes se revoltaram contra o governo da

República, mas desta vez em São Paulo. Comandada pelo general Isidoro Dias Lopes, a

revolta teve a participação de numerosos tenentes, dentre eles Eduardo Gomes, sobrevivente

da primeira revolta e Juarez Távora (PILETTI, 1996).

Segundo o autor, os rebeldes ocuparam a cidade por vinte e três dias, de forma que

conseguiram influenciar outros estados surgindo assim outros motins, como Rio Grande do

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Sul, Pernambuco, Pará, Amazonas e Sergipe. O autor menciona ainda, que o exército legalista

bombardeou os quartéis que haviam aderido à revolta, fazendo com que os tenentes partissem

para Foz do Iguaçu, no Paraná, onde se uniram aos oficiais gaúchos, formando a Coluna

Prestes.

2.2.3 Terceira Revolta Tenentista: A Coluna Prestes

De acordo com Piletti (1996) a coluna guerrilheira dos tenentes, saindo de Alegrete,

no Rio Grande do Sul, recebeu o reforço dos oficiais paulistas. Eles percorreram

aproximadamente 25 mil quilômetros de território brasileiro. Essa terceira revolta travou mais

de cem combates durante dois anos e meio (1924 a 1927), sendo comandada pelo capitão Luís

Carlos Prestes. A Coluna Prestes era formada por um núcleo fixo de trezentos militares, mas

chegou a contar com mais de 1,5 mil guerrilheiros.

O autor menciona ainda, que inicialmente nem mesmo os governos de Artur Bernardes

e Washington Luís conseguiram vencer a Coluna Prestes, embora tenham recebido ajuda do

cangaceiro Lampião. Mas após inúmeros combates os guerrilheiros não conseguiram derrotar

as tropas governamentais, retirando-se para a Bolívia. No entanto, pode-se dizer que a Coluna

Prestes significou para a história brasileira, um dos maiores esforços militares com o intuito

de se depor um governo (ibid).

2.3 O Cangaço - “Lampião”

O período de 1920 a 1935 foi marcado também pela presença de Virgulino Ferreira da

Silva, mais conhecido como o Lampião - “Rei do Cangaço”. Lampião chefiou o principal

bando de cangaceiros do Nordeste, entre 1920 e 1938. Filho de uma família de lavradores e

pequenos criadores, nasceu por volta o ano de 1900 em Serra Talhada, sertão de Pernambuco

e entrou para o cangaço devido ao conflito entre sua família e uma outra, ligada à oligarquia

cafeeira (PILETTI, 1996).

Em 1919, seu pai foi morto pela polícia, ocasião que fez com que Lampião reunisse os

seis irmãos menores, mandando com que um de seus irmãos cuidasse das quatro irmãs e de

um outro irmão menor (DÓRIA apud PILETTI, 1996).

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Conforme Piletti (1996), Lampião e os dois irmãos mais velhos partiram para o

cangaço, percorrendo os estados nordestinos e fazendo justiça com as próprias mãos, até que

em junho de 1938, seu esconderijo foi revelado à polícia pelo comerciante Pedro Cândido,

após sofrer torturas. A tropa da polícia, agindo de surpresa, massacrou o pequeno grupo de

onze cangaceiros: Lampião, Maria Bonita, Enedina, Luís Pedro, Caixa de Fósforos, Elétrico,

Mergulhão, Sexta-Feira, Diferente, Cajarana e um outro, o “Desconhecido” conforme,

Mortos, os cadáveres foram saqueados e decapitados e as cabeças colocadas, como troféus, em latas de querosene com água e sal grosso. Após terem ficado em exposição no quartel da polícia de Maceió, foram finalmente levadas para o Instituto Antropológico e Etnológico da Bahia, onde, mumificadas pelo processo egípcio, passaram a fazer parte do Museu Nina Rodrigues, lá permanecendo até serem enterrados muitos anos mais tarde (DÓRIA apud PILETTI, 1996, p.228).

2.4 A Semana de Arte Moderna (1922)

Pode-se dizer que o rompimento com a estética tradicional da arte ocorreu em 1922,

com a Semana de Arte Moderna (o Modernismo). De acordo com Koshiba e Pereira (1984) a

Semana correspondeu às profundas transformações por que passou a sociedade brasileira,

onde a tradicional oligarquia agrária era ainda dominante, apesar do surto industrial e da

urbanização.

Conforme o autor, o movimento de 1922 representa o mais radical esforço de atualizar

a linguagem cultural procurando dar conta da nova realidade que estava se implantando, e

precisamente nesse contexto torna a nova elite intelectual em formação, extremamente

sensível às revoluções estéticas que estão ocorrendo na Europa.

Pode-se dizer que o “movimento de 1922 não é apenas uma revolução estética, mas

também uma crítica global às estruturas mentais das velhas gerações e um esforço de penetrar

mais fundo na realidade brasileira” (BOSI apud KOSHIBA e PEREIRA, 1984, p.234).

Todavia, a data chave que marca o confronto entre o velho e o novo é 1917, com a

exposição das pinturas de Anita Malfatti, em São Paulo. Enfim, a Semana tem um significado

simbólico: “o momento da ruptura dos antigos padrões estéticos e a afirmação de uma nova

sensibilidade criativa” (ibid, p.235).

Assim, entre a semana de 11 a 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São

Paulo, com a participação de artistas que representavam as mais modernas correntes artísticas,

ocorreu o grande evento destinado a marcar época, a Semana de Arte Moderna. Em seguida

ao lançamento da Semana, aparecem também revistas críticas, as quais procuram dar ao

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movimento uma feição teórica: a revista Klaxon, mensário de arte moderna e a revista

Estética (KOSHIBA e PEREIRA, 1984).

2.5 Crise de 1929

Torna-se importante abordar um fato ocorrido internacionalmente. Segundo Vicentino

(1995), durante os anos 20 a produção industrial e agrícola dos Estados Unidos ampliara-se

progressivamente, porém, sem que ocorresse o mesmo aumento de consumo, devido o poder

aquisitivo da população não ter acompanhado o crescimento da produção e oferta de

mercadorias. Isso resultou numa crise de superprodução, a qual ficou conhecida como a crise

de 1929.

O autor propõe que internamente houve a quebradeira de empresas em outubro de

1929, o que gerou desemprego e corte das importações e empréstimos internacionais. Sendo a

principal alavanca do comércio internacional, com a economia norte-americana em crise,

irradiou-se a desorganização econômica por quase todo o mundo, gerando falências e 40

milhões de desempregados. A economia brasileira também sofreu com a crise, conforme

Vicentino (1995, p.75),

A crise de 1929 foi um desastre para a economia brasileira, já que os Estados Unidos era o principal comprador de café e financiador da produção cafeeira. Além de diminuir as aquisições do produto, a crise fez com que o preço despencasse no mercado externo e também bloqueou a disponibilidade de capitais para manter a política de empréstimos do Brasil. Tornava-se inviável a tradicional política de valorização do café.

Segundo o autor, à crise econômica aliava-se a crise política desencadeada por

Washington Luís quando negou-se a apoiar o candidato mineiro que deveria substituí-lo,

optando por apoiar o paulista Júlio Prestes, rompendo-se assim a política do café-com-leite2.

2.6 A Revolução de 1930

De acordo com Fausto (2000, p.319) “os desentendimentos começaram quando, de

forma surpreendente, Washington Luís insistiu na candidatura de um paulista à sua sucessão,

2 Segundo Fausto (2000) a política do café-com-leite exprime a idéia de que nesse período, uma aliança entre São Paulo e Minas comandou a política nacional, porém, a realidade era outra. Para entendê-la é preciso olhar mais de perto as relações entre a União e os 3 estados: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

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o candidato Júlio Prestes”. De acordo com o autor, a atitude de Washington Luís levou

mineiros e gaúchos a um acordo. O autor menciona que em meados de 1929, após várias

conversações lançaram as candidaturas de Getúlio Vargas à presidência e de João Pessoa à

vice-presidência, formando ao mesmo tempo a Aliança Liberal, em nome da qual fariam a

campanha.

Fausto menciona ainda, que o programa da Aliança Liberal “refletia as aspirações das

classes dominantes regionais não associadas ao núcleo cafeeiro e tinha por objetivo

sensibilizar a classe média” (ibid). Além disso, a Aliança defendia a necessidade de se

incentivar a produção nacional em geral e não apenas o café, combatia os esquemas de

valorização do produto em nome da ortodoxia financeira e por isso mesmo não discordava

nesse ponto da política de Washington Luís. Conforme o autor (ibid),

Propunha algumas medidas de proteção aos trabalhadores, como a extensão do direito à aposentadoria a setores ainda não beneficiados por ela, a regulamentação do trabalho do menor e das mulheres e aplicação da lei de férias.

Em meio à campanha eleitoral, explodiu a crise mundial de 1929 deixando a

cafeicultura em uma situação difícil. Com isso, surgem desentendimentos entre o setor

cafeeiro e o governo federal (FAUSTO, 2000).

Entretanto, nas eleições de 1º de março de 1930, o candidato eleito foi Júlio Prestes.

Os velhos líderes gaúchos, como Borges de Medeiros, tendem a aceitar o resultado, porém,

um forte inconformismo toma conta de políticos despontando Osvaldo Aranha, Lindolfo

Collor, entre outros, unindo a estes os tenentes Juarez Távora e Miguel Costa (KOSHIBA,

1984).

Segundo Fausto (2000) um grave acontecimento vem enfim precipitar a Revolução, o

assassinato de João Pessoa. No dia 3 de outubro de 1930, toda a oposição se une e um

movimento militar tem início no Rio Grande do Sul e no nordeste, sob a liderança de Juarez

Távora, tendo início então a rebelião.

A Revolução de 1930 significou a tomada direta de poder conforme palavras de

Fausto,

Os vitoriosos de 1930 compunham um quadro heterogêneo, tanto do ponto de vista social como político. Eles tinham-se unido contra um mesmo adversário, com perspectivas diversas: os velhos oligarcas, representantes típicos da classe dominante de cada região do país, desejavam apenas maior atendimento à sua área e maior soma pessoal do poder, com um mínimo de transformações; os quadros civis mais jovens inclinavam-se a reformular o sistema político e se associaram transitoriamente com os tenentes (2000, p. 326).

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Pode-se dizer que, a partir de 1930, ocorreu uma troca da elite do poder, em que

caíram os quadros oligárquicos tradicionais e subiram os militares, os técnicos diplomados, os

jovens políticos e os industriais (FAUSTO, 2000).

Conforme Vicentino (1995, p.82) a Revolução de 1930 “pôs fim à dominação da

oligarquia cafeeira e instalou no poder uma coalizão de forças que aglutinava diferentes

setores da sociedade brasileira”. O autor afirma que a Junta Pacificadora, que derrubou

Washington Luís, entregou o poder, em caráter provisório, a Getúlio Dornelles Vargas, que,

entretanto, permaneceu até 1945.

2.7 O Governo Provisório (1930-1934)

Ao assumir o poder em 1930, Getúlio Vargas suspendeu a Constituição em vigor,

fechou o Congresso Nacional, as assembléias estaduais e municipais e nomeou pessoas de sua

confiança para o governo dos estados (os interventores). Pretendia, assim, estabelecer um

controle total sobre o aparelho do Estado (VICENTINO, 1995).

Entretanto, o núcleo tenentista, aos poucos, foi sendo marginalizado, conforme

Koshiba (1984, p.254),

Nos fins da década de 1930 será neutralizado pelo crescente prestígio que Vargas concede aos militares legalistas, opondo-o à tendência radical dos “tenentes”.

Segundo o autor, o Governo Provisório tende a não solucionar os conflitos, pois

Getúlio não atendeu as reivindicações dos “tenentes” que defendiam medidas econômicas

nacionalistas, como a nacionalização dos bancos estrangeiros, das riquezas minerais etc.

Já no plano político, apóiam um esquema de poder francamente ditatorial,

organizando-se em clubes políticos dos quais se destaca o “Clube 3 de Outubro”. Tão pouco

as aspirações da oligarquia territorial são atendidas: esta reivindica o imediato retorno à

normalidade constitucional com a realização de eleições que supostamente a recolocaria no

poder (KOSHIBA, 1984).

O Governo Provisório em 1930 cria o Ministério de Educação e Saúde que no início

da República, pode ser considerado como um acidente episódico e anos mais tarde constituiu-

se em um dos ministérios mais importantes no governo de Vargas (AZEVEDO, 1976).

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2.8 - As Reformas no Ensino

Em 1928 ocorre no Distrito Federal uma reforma no ensino público3. O movimento de

reformas ocorridas no Distrito Federal, de acordo com Azevedo (ibid, p. 166) deve ser

analisado “no complexo de suas causas, ligações e conseqüências e, portanto, como um dos

aspectos e umas das fases do processo revolucionário que se desenvolvia no país, desde 1922,

e que devia desfechar na revolução de 30”.

Ainda segundo o autor,

Pode-se admitir que a reforma de 1928, tenha sido, como já se escreveu, “um movimento ideológico de grande envergadura que abriu para o país e para o problema da educação nacional perspectivas inteiramente novas, colocando o Brasil na corrente de idéias defendidas pelas maiores figuras de filósofos e técnicos de educação” (AZEVEDO, 1976, p.166).

Outra importante reforma ocorrida foi a de Francisco Campos em Minas Gerais.

Conforme Azevedo (ibid, p. 169) para Francisco Campos “sanear e educar o Brasil constituía

o primeiro dever de uma revolução que se fez para libertar os brasileiros”.

Sua primeira reforma foi a do ensino superior, que Francisco Campos reorganizou em

novas bases e com grande segurança. A parte central dessa reforma traçada no decreto nº

19.851 de 11 de abril de 1931 é o estatuto das universidades brasileiras, em que se adotou

“como regra de organização do ensino superior da República o sistema universitário”.

Em 18 de abril de 1931, assinava o chefe do Governo Provisório, por proposta de

Francisco Campos, o decreto nº 19.890 que imprimiu ao ensino secundário a melhor

organização que já teve entre nós, elevando-o de um simples curso de passagem ou de

instrumento de acesso aos cursos superiores, a uma instituição de caráter eminentemente

educativo (AZEVEDO, 1976, p. 170).

O autor menciona ainda que após esse decreto o curso secundário foi aumentado para

sete anos e dividido em duas partes: a primeira, de cinco anos, a comum e fundamental, e a

segunda, constituída de um curso complementar, de dois anos, destinada a uma adaptação dos

estudantes às futuras especializações profissionais.

Conforme Vidal e Paulilo (2003) as diversas e sucessivas reformas executadas na

capital brasileira entre 1922 e 1935 serviram para ligar a questão da escola nova há um

conjunto de enunciados pedagógicos (e técnicos). O objetivo era interferir no modelo 3 Decreto nº 3.281, de 23 de janeiro de 1928, que reformou o ensino público no Distrito Federal e decreto nº 2.940, de 22 de novembro de 1928, que regulamentou a lei básica (Regulamento do Ensino), prevendo nos seus 764 artigos, “todos os detalhes de uma obra orgânica, cuja estrutura o torna um verdadeiro código de educação”.

18

educativo brasileiro, alterando as ações da escola, pela renovação de materiais, métodos,

relações professor-aluno, tempos e espaços, atribuindo novos significados ao lugar social da

instituição escolar, pelo intento da educação integral e da escolarização da sociedade.

Outras reformas estaduais ocorridas no ensino foram as de Sampaio Dória em São

Paulo (1920), Lourenço Filho no Ceará (1923), Anísio Teixeira na Bahia (1925), Carneiro

Leão em Pernambuco (1930), Lourenço Filho em São Paulo (1930), Pereira de Medeiros no

Rio Grande do Norte (1925) e Lisímaco da Costa no Paraná (1923)4.

2.9 Revolução Constitucionalista e a Constituição de 1934

No dia 09 de julho de 1932 explode a revolta constitucionalista de São Paulo. De

acordo com Pedro e Lima (1996) na ocasião os paulistas denunciaram o governo federal como

inconstitucional, e afirmaram ser preciso elaborar uma nova constituição para o país voltar à

normalidade. Mas São Paulo não teve a adesão esperada de outros Estados quando, depois de

três meses de combate, suas forças se renderam. Apesar dos paulistas terem sido derrotados, a

idéia constituinte vingou.

Em 1933 ocorreram as eleições para a Assembléia Constituinte, sendo que nessa

eleição o voto foi secreto e até mesmo as mulheres votaram, duas novidades em relação às

eleições da República Velha.

No dia 16 de novembro de 1934 foi publicada a nova Constituição do país, que

confirmava o voto secreto e o voto feminino, nacionalizava as riquezas do nosso subsolo que

passavam a pertencer a União. Os Estados mantinham a sua autonomia, mas não podiam mais

contrair empréstimos no exterior. As associações sindicais e profissionais passaram a ter

existência legal (PEDRO e LIMA, 1996).

2.10 A educação brasileira no contexto de 1920 a 1935

Segundo Lourenço Filho (1978, p.19) a partir de meados do século XVIII o processo

educacional começou a ser modificado, a princípio de forma lenta e, mais tarde de modo

rápido, em numerosos países, sobretudo naqueles em que mais inovaram os modos da 4 GHIRALDELLI JR, Paulo. Pedagogia e Luta de Classes no Brasil (1930-1937). São Paulo: Humanidades, 1991, p. 52.

19

produção pela indústria. A formação escolar tornou-se necessária não só a pequenos grupos

de crianças e jovens, mas à maior parte da população.

Ocorre então, conforme menciona o autor, um considerável aumento no número de

escolas na maioria dos países, pela extensão de certas idéias políticas e necessidades

econômicas. Apesar desse aumento de escolas não ocorreram de imediato, mudanças na

forma de trabalho escolar.

Lourenço Filho (ibid, p.20) confirma esse fato,

Nos graus inferiores, continuaram os alunos a aprender os rudimentos da leitura, escrita e aritmética; nos demais, a memorizar lições que muitas vezes não chegavam a compreender o conteúdo. De modo geral, a ordem nas classes era obtida sob temor de castigos, inclusive castigos físicos.

Segundo Teixeira (1976) na República existiam poucos “colégios” secundários e

algumas poucas escolas superiores profissionais que dirigiam-se à elite, e um ensino primário

sem ordem e de proporções reduzidas, destinado a maior parte da população. Para o autor, na

década de vinte, ocorreu o primeiro conflito real de conceitos e de padrões educacionais,

quando descobriu-se a simples idéia de alfabetização, agitando assim os debates educacionais

instaurados na época. Por essa razão, o então governador de São Paulo, Washington Luís,

adotou oficialmente no Estado líder da União o mito da pura e simples alfabetização, com a

reforma em que reduziu o período do ensino primário de cinco para três anos.

De acordo com Xavier (2002, p. 63) “a Educação Nova fundada no princípio da

vinculação da escola com o meio social, surge orientada por uma nova ética das relações

sociais caracterizadas pelos valores da autonomia, do respeito à diversidade, igualdade e

liberdade, solidariedade e cooperação social”.

Crescendo em número e capacidade de matrícula, difundindo-se pelas cidades e os

campos, a escola passava a admitir clientela da mais variada procedência, condições de saúde,

diversidade de tendências e aspirações. Os procedimentos didáticos que logravam êxito com

certo número de crianças, de igual modo não serviam a outras (FILHO, 1978, p. 21).

Conforme o autor, passou-se então a procurar entender as crianças no ato de aprender,

em circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis, segundo as condições individuais de

desenvolvimento. A descoberta dessas condições daria objeto a estudos de grande alcance.

A renovação escolar nesse período partiu de uma aprofundada investigação sobre a

natureza do homem e suas condições de formação individual, para ampliar-se numa

compreensão das formas da existência coletiva, mais favoráveis a esse objetivo fundamental

(LOURENÇO FILHO, 1978, p. 33).

20

O ensino passava a ser visto como instrumento de construção política e social e a

educação passou a propor-se como, problema integral da cultura (ibid, p. 23).

As primeiras escolas novas, surgiram em instituições privadas da Inglaterra, França,

Suíça, Polônia, Hungria e outros países, depois de 1880, já no Brasil as tentativas de

renovação ocorreram somente a partir da década de 20.

Na década de 20, os sinais da deficiência do modelo educacional, revelam-se de dois

modos, de acordo com Teixeira (1976, p. 67),

Pela evasão escolar e pela impaciência de obter educação complementar. Na evasão, manifesta-se a decepção do aluno, que não via utilidade na educação puramente formal que lhe ministravam; na impaciência por educação secundária, em continuação, manifesta-se a decepção do que logrou ajustar-se ao tipo de ensino formal que acaba por compreender que só dele poderia se aproveitar se prosseguisse no mesmo sentido, até o curso secundário.

O autor acima cita que até as décadas de 20 e 30, duas escolas coexistiram, uma que

oferecia ensino para a “elite”, a chamada “classe dirigente” e outra que oferecia ensino a

chamada “classe dos dirigidos”. Numa das escolas se pretendia educar a mente e em outra as

mãos, como na sociedade em que vivemos hoje, onde algumas pessoas servem para trabalhar

e produzir e outras apenas gozam e contemplam. Mas ao final dessa década inicia-se uma

“revolução” brasileira, quando a nação passou a elaborar fórmulas próprias para a solução dos

seus problemas (também próprios).

Azevedo (1976, p.153) considera que,

...num ambiente de agitação de idéias, de transformações econômicas e de expansão dos centros urbanos, que se iniciou no planalto e no litoral, para se propagar pelas principais cidades do país, o movimento reformador da cultura e da educação.

Conforme Azevedo (1976) a partir daí várias reformas começaram a surgir: em 1920

reforma empreendida por Antônio de Sampaio Dória conduzindo uma campanha contra

velhos métodos de ensino; em 1921, Armanda Álvaro Alberto funda a Escola Regional de

Meriti no Estado do Rio de Janeiro; em 1924, Lourenço Filho pensa na reforma do ensino

primário; a reforma de 1928, no Distrito Federal, que inaugurou efetivamente uma nova

política de educação no Brasil, entre outras.

Até 1925, o ensino brasileiro caracterizava-se por um ensino primário de razoável

organização, embora de proporções reduzidas, atendido em sua maior parte pela pequena

classe média do país, seguido do ensino secundário, predominantemente de organização

privada, e de algumas poucas escolas superiores divididas entre o patrocínio oficial e o

21

privado. O Estado e o Poder Público mantinham o ensino primário, escolas-padrões de ensino

secundário, escolas técnico-profissionais, destinadas aos poucos elementos do povo que

atendiam ao ensino primário, e algumas escolas superiores profissionais (TEIXEIRA, 1976).

Segundo o autor, até 1930 a educação média com preocupação popular era chamada

técnico-profissional, compreendendo escolas de ofício, escolas normais, escolas comerciais e

escolas agrícolas.

Conforme Fausto (2000, p.336) “os vencedores de 1930 preocuparam-se desde cedo

com o problema da educação”. O objetivo principal destes vencedores era o de formar uma

elite mais ampla, intelectualmente mais bem preparada.

Assim, a política educacional ficou nas mãos de jovens políticos mineiros, cuja

carreira se iniciara na velha oligarquia de seu Estado, e tomou outros rumos a partir de 1930.

O Estado organizou a educação de cima para baixo, mas sem envolver uma grande

mobilização da sociedade e sem promover formação escolar totalitária que abrangesse todos

os aspectos do universo cultural (FAUSTO, 2000).

De acordo com o autor, a ação do Estado no setor educativo relacionou-se

intimamente com movimentos na sociedade, envolvendo educadores e a elite cultural, sendo

que esses movimentos que vinham da década de 1920, ganharam maior ressonância após a

Revolução de 1930 quando duas correntes básicas opostas aparecem, a dos reformadores

liberais e a dos pensadores católicos.

Azevedo (1976, p.172) aponta,

...as idéias mais ardentemente combatidas pelos católicos que definiram a sua posição em face do Estado e da escola oficial, foram a da laicidade do ensino, a da co-educação dos sexos e a do monopólio da educação pelo Estado.

Confirmando isso, Fausto (2000) menciona que a Igreja Católica enfatizava o papel da

escola privada e defendia o ensino religioso tanto na escola privada como na pública, sendo

que na pública era em caráter facultativo e diferenciado segundo o sexo. O pressuposto era de

que meninos e meninas deveriam receber educação diferente, pois destinavam-se a cumprir

tarefas diversas, na esfera do trabalho e do lar.

O autor aborda ainda, que os educadores liberais sustentavam o papel primordial do

ensino público e gratuito, sem distinção de sexo. Propunham o corte de subvenção do Estado

às escolas religiosas e a restrição do ensino religioso às entidades privadas mantidas pelas

diferentes confissões.

22

O ponto de vista dos reformadores liberais foi expresso no Manifesto dos Pioneiros da

Escola Nova, ou simplesmente, Manifesto da Escola Nova (ANEXO I), lançado em março de

1932, o qual será discutido no segundo capítulo deste trabalho.

23

3. O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA DE 1932

Desde o início da história humana o homem manifesta suas vontades e idéias seja de

forma verbal, escrita ou visual, isso é algo intrínseco ao homem. Manifestar-se, também faz

parte de uma larga tradição em torno da causa educacional no Brasil, conforme Gondra (2004,

p.17) “manifestações em torno da causa educacional remontam ao período da colonização,

avançando pelo tempo da monarquia, chegando ao período republicano”.

Dessa forma, pode-se dizer que a área educacional no Brasil, desde muito cedo foi

palco de manifestações, as quais produziram na sociedade da época um determinado

resultado.

De acordo com Houaiss, um manifesto é “uma declaração pública e solene, na qual um

governo, ou um partido político, um grupo de pessoas ou uma pessoa expõe determinada

decisão, posição, programa ou concepção” (2001, p. 1837). Assim, pode-se dizer que um

manifesto, pode ser considerado um documento no qual estão transcritas, mesmo que de

forma não explícita, posições ideológicas. Complementando, Cury amplia o significado ao

termo manifesto,

...a palavra vem do latim manifestus: manus significando posto ao alcance da mão e apanhado em flagrante. O adjetivo festus possui o sentido de alegre, festivo, mas também o de público, ou seja, aproxima o significado de festa do de coletivo. O termo latino manifestus, por sua vez, deriva do grego, significando aquilo que está patente ou descoberto (2004, p. 117).

Segundo Xavier (2004, p. 23), os manifestos “são sempre a formalização de um rito de

transição, sua intenção é fazer uma declaração pública de doutrinas ou propósitos de interesse

geral, marcar uma mudança, inaugurar um novo momento”.

Após breve explanação sobre o ato de manifestar-se, enfocamos diretamente o objeto

de estudo deste capítulo, ou seja, a análise de um dos manifestos mais pesquisados no campo

educacional ao longo destes anos: o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932.

Tendo surgido a partir de um clima de conflito presente nas décadas de 20 e 30, o

Manifesto foi um documento dirigido ao povo brasileiro e ao governo, sendo considerado por

muitos pesquisadores como um marco na educação da década de 30. Quem sabe, o assunto

desse documento possa nos mostrar como os fatos históricos contribuíram para o lançamento

desse manifesto e quais foram os efeitos dele para a época de estudo proposta.

Pode-se dizer que este documento é o fundador do debate que esteve presente na

montagem do sistema público de ensino no Brasil. Para Azevedo (1976) o manifesto em

24

questão analisa o problema da educação nacional sob diversos aspectos, nele se definem

princípios e são traçadas as diretrizes nacionais de um programa geral de educação.

O Manifesto expressa a herança de um movimento que se colocou à frente da luta e

debate em torno da democratização do acesso à educação, apesar de não aceito por todos no

campo educacional da época. Assinado por 26 intelectuais compromissados com as questões

da educação, seus idealizadores atribuíram à escola pública a única forma de democratizar o

acesso à educação.

Foram signatários do Manifesto: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço

Filho, Afrânio Peixoto, Paschoal Lemme, Roquete Pinto, Cecília Meireles, Hermes Lima,

Nóbrega da Cunha, Edgar Süssekind de Mendonça, Armanda Alvaro Alberto, Venâncio

Filho, C. Delgado de Carvalho, Frota Pessoa, Raul Briquet, Sampaio Dória, Noemy Silveira,

Atílio Vivacqua, Júlio de Mesquita Filho, Mario Cassanata, A. Almeida Júnior, J. P.

Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Paulo Maranhão, Garcia de Rezende, Raul Gomes

(XAVIER, 2002, p.8).

Para entender a repercussão do Manifesto em nível nacional, é preciso voltar-se para

algumas questões que, desde o período da colonização brasileira, por exemplo, foram

decisivas e marcantes no processo de construção educacional no país.

O catolicismo marcou profundamente os acontecimentos durante a colonização no

Brasil, pois a cultura religiosa era estabelecida por aqueles que estavam no poder. Conforme

Fausto (2000, p.60) “a religião do Estado era a católica e os súditos, isto é, os membros da

sociedade, deveriam ser católicos”.

Além disso, pode-se observar que nesse período, havia uma divisão de tarefas e

deveres entre Estado e Igreja,

Ao Estado coube o papel fundamental de garantir a soberania portuguesa sobre a Colônia, dotá-la de uma administração, desenvolver uma política de povoamento, resolver problemas básicos, como o da mão-de-obra, estabelecer o tipo de relacionamento que deveria existir entre Metrópole e Colônia. Nesse sentido, o papel da Igreja se tornava relevante. Como tinha em suas mãos a educação das pessoas, o “controle das almas”, na vida diária, era um instrumento muito eficaz para veicular a idéia geral de obediência e, em especial, a de obediência ao poder do Estado (ibid, p. 60).

Dessa forma, percebe-se que a religião sempre foi fator decisivo na construção

cultural, abrangendo todos os campos da sociedade, política e inclusive ao da educação. É de

suma importância frisar esse aspecto da História brasileira, pois questões religiosas farão parte

das discussões do Manifesto de 1932.

25

Desde a colonização brasileira, a Igreja Católica era a responsável por “educar” a

nação, pois o catolicismo era a religião oficial. Ao longo dos anos as relações entre Estado e

Igreja foram sofrendo mudanças e a partir de 1870 a união entre “o trono e o altar” passou a

significar fonte de conflito (FAUSTO, 2000).

O Manifesto surge em um momento onde redefiniam-se diversos setores nacionais,

inclusive o setor educacional, conforme Xavier (2002, p. 15),

A “gênese do Manifesto ocorreu em um momento de redefinição do campo educacional como área de política setorial do Estado Nacional e também como espaço de atuação de uma fração da elite intelectual”.

Para os pioneiros, a condição essencial para a construção da sociedade moderna seria a

implantação da Educação Nova. Além disso, o texto do Manifesto fazia um balanço da

situação educacional da República Velha com a seguinte avaliação,

Onde se tem que procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins da educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas da educação (XAVIER, 2002, p.41).

Pode-se dizer, que o manifesto é considerado como um marco no qual, todos os

demais acontecimentos significativos para a história da educação brasileira serão registrados e

datados (XAVIER, 2002).

3.1 Gênese do Manifesto de 1932

Nos anos vinte, a Associação Brasileira de Educação, conhecida como ABE, foi o

principal canal de veiculação dos ideais dos movimentos de renovação educacional brasileiro.

Em dezembro de 1931 entre os dias 13 e 20, ocorreu a IV Conferência Nacional de Educação,

a qual daria início a uma série de debates em torno da causa educacional, resultando no

lançamento do Manifesto de 1932 (CARVALHO, 2002).

Alguns movimentos começaram a surgir a partir das produções de intelectuais como

Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho como as reformas no ensino,

ocorridas em diversos estados brasileiros, inspirados pelas idéias escolanovistas e que foram

os principais precursores do Manifesto de 1932.

A IV Conferência Nacional de Educação apresentou como tema principal, “As grandes

diretrizes da Educação Popular no Brasil”, e como teses especiais tratou de assuntos como

26

intervenção federal na difusão do ensino primário, técnico, normal e profissional e a

elaboração das estatísticas escolares. Dirigida por Fernando de Magalhães, contou com a

participação ativa do então ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos, o qual

enfatizava que a Educação deveria ser vista como objeto da verdadeira democracia,

simbolizando fator de progresso (CARVALHO, 2002).

A autora menciona ainda que não só o ministro Francisco Campos, mas todo o

governo buscava uma forma para a reconstrução nacional. Durante a Conferência, o

presidente Getúlio Vargas em seu discurso, solicitou aos conferencistas que colaborassem

com o governo provisório auxiliando na definição da política educacional, buscando a

“fórmula mais feliz” para a unidade da educação nacional, não importando o meio. O

presidente, prometendo que disponibilizaria recursos e amparo administrativo sob sua chefia,

teceu as seguintes considerações,

Estais agora aqui congregados, sois todos profissionais e técnicos. Pois bem: estudai com dedicação, analise com interesse, procure encontrar a fórmula mais feliz da colaboração do Governo Federal com os demais estados - que tereis na atual administração todo amparo ao vosso esforço. Buscai por todos os meios a fórmula mais feliz que venha estabelecer em todo o nosso grande território a unidade da educação nacional, por que tereis assim, contribuído com esforço maior do que se poderia avaliar para tornar mais fortes, mais vivos e mais duradouros os vínculos da solidariedade nacional (CUNHA apud XAVIER, 2002, p. 19).

O Governo pretendia dessa forma, incumbir um grupo de intelectuais a pensar numa

proposta educacional para o Brasil, de forma, que este grupo teria o total apoio de sua

administração. Faz-se necessário mencionar que meses antes de ocorrer a Conferência, o

governo getulista havia realizado reformas do ensino superior, secundário e comercial, além

de ter incluso o ensino religioso nas escolas públicas, primárias e de ter criado o Conselho

Nacional de Educação. Esta situação teria provocado o conflito entre leigos e católicos,

impossibilitando que os educadores presentes na conferência atendessem ao aparente apelo do

governo (CUNHA apud XAVIER, 2002).

Conforme o autor, um impasse acaba por ser gerado na Conferência, após relato de

Nóbrega da Cunha, futuro signatário do Manifesto, fazendo com que a Associação Brasileira

de Educação (ABE) recuasse à solicitação do governo. Nóbrega colocava em dúvida a

capacidade dos participantes da IV Conferência de cumprir a tempo uma solicitação de

tamanha importância, por outro lado, afirmava a autonomia da ABE ante ao poder político,

fazendo o seguinte questionamento:

Como poderia a Conferência, nesta altura de seus debates, reorganizar-se para atender ao Governo? Terá a Conferência coragem para jogar fora as

27

suas teses, abandoná-las a fim de dar novo rumo aos seus trabalhos? Creio que não (CUNHA apud XAVIER, 2002, p. 20).

Com isso, Nóbrega da Cunha buscava garantir ao grupo de educadores envolvidos

com a renovação educacional, o monopólio da interlocução com o governo transferindo para

apenas aquele grupo, a incumbência de responder à solicitação de Getúlio Vargas dirigida a

todos os educadores participantes da IV Conferência Nacional de Educação. Por meio de um

requerimento, Nóbrega conseguiu obter do presidente da Conferência, Fernando Magalhães, a

incumbência de redigir um manifesto, o qual serviria de base para o governo e de tema para o

Congresso técnico. Mais tarde, ele transferiu essa incumbência para Fernando de Azevedo,

dizendo que ele deveria aceitá-la em nome do Governo, da imprensa e do povo (XAVIER,

2002).

Pode-se considerar, portanto, que o Manifesto simbolizava uma estratégia de poder,

pois reafirmava princípios de um grupo que reivindicava para si a liderança na condução do

processo de modernização do país, que de certa forma teria seus interesses alcançados (ibid).

Para se compreender a importância que o Manifesto recebeu na época, cabe apontar o

fato de que aderir ao documento poderia significar “a possibilidade de ser visto como um

membro de um grupo de reconhecida competência nos assuntos da administração da instrução

pública e, de forma mais ampla, no campo intelectual” (XAVIER, 2004, p. 28).

Porém, o documento em questão não foi aceito por unanimidade no meio intelectual:

Monteiro Lobato contestava o texto de Fernando de Azevedo e Carneiro Leão, responsável

pela Reforma da Instrução Pública do Distrito Federal que antecedeu à de Fernando de

Azevedo, recusava-se a assiná-lo. Já os intelectuais Armanda Álvaro Alberto e Edgar

Süssekind de Mendonça, apesar de terem algumas restrições quanto ao papel centralizador

que o Manifesto incubia ao Estado, assinaram o documento, talvez porque naquele momento,

para eles o que mais importava era a luta pela renovação educacional (XAVIER, 2004).

Fernando de Azevedo, o redator do Manifesto, considerou o projeto proposto no

documento como a única forma de se modernizar o país, reconstruindo a educação nacional,

já a Igreja Católica o concebeu como prova de um crime contra a pátria (XAVIER, 2002).

No entanto, nesse período não bastava apenas um bom projeto para que a

modernização ocorresse, pois segundo Xavier,

Modernizar significava alterar estruturas arraigadas no sistema educacional que refletiam, em grande parte, o poder exercido pela Igreja Católica sobre a educação escolar e a formação espiritual do povo brasileiro desde o período colonial (2002, p. 36).

28

Sendo assim, o Manifesto encontrava a sua frente um árduo campo de batalha, pois

seus ideais iam contra a cultura religiosa, predominante nos diversos setores nacionais,

principalmente na educação.

O Manifesto era tido como um texto que buscava “redescobrir” o Brasil utilizando a

educação a fim de se vencer o atraso. Ele apontava um Brasil que deveria deixar de ser um

espaço geográfico de “colonizadores” e tornar-se o espaço de um novo tempo histórico,

defendendo que essa transformação deveria ocorrer com o apoio de uma escola pública,

unificada, cabendo ao Estado promovê-la e financiá-la (CURY, 2004). Conforme Azevedo (apud XAVIER, 2002, p. 58), o Manifesto marca “a passagem da

fase de agitação na arena dos debates para a dos inquéritos e investigações, e desta, para o

contato áspero com a realidade através de vigorosas iniciativas”. Assim, para o redator, o

Manifesto inaugurava o último momento em que se tornara possível formular um plano

nacional de reconstrução educacional.

3.2 Ideais e repercussão do Manifesto

O documento em tela formulava um Programa Nacional de Educação, apresentando

um conjunto de medidas práticas pelas quais se pretendia fundar um novo sistema educacional

(único), sob os princípios de base científica, responsabilidade do Estado (gratuidade e

obrigatoriedade), laicização do ensino e da co-educação, introduzindo valores incomuns na

estrutura educacional da época (CURY, 2004).

Segundo Ghiraldelli Jr. (1991), os princípios de laicidade, gratuidade, obrigatoriedade

e a co-educação estariam relacionados ao “direito biológico”. Sobre o princípio de laicidade, o

autor considera que o Manifesto pretendia expulsar o “dogmatismo sectário” da escola, pois o

educando estaria sendo desrespeitado ao ter que participar de uma crença religiosa que não

fosse a sua.

Ainda segundo o autor, sobre o princípio da gratuidade, pode-se dizer que o Manifesto

o defendia baseado na democracia, de forma que todos tivessem o acesso à educação. Quanto

a obrigatoriedade, o documento visava proteger o menor de 18 anos, que pertencendo a uma

sociedade capitalista, poderia sofrer com a exploração deste sistema e por fim, a co-educação

buscava unificar a escola, de forma que não houvesse tratamento desigual para os sexos.

A aplicação do conhecimento científico aos estudos pedagógicos, ao planejamento

educacional e à administração do ensino escolar, segundo Xavier, apresenta-se no texto do

29

Manifesto como “a expressão intelectual da progressiva onda de secularização e

racionalização da cultura e como condição essencial para a constituição da sociedade

moderna” (2002, p. 57). Pode-se dizer, que modernizar era fator essencial para reconstrução

nacional, no ponto de vista dos pioneiros. Nesse momento, é importante abordarmos sobre o

fator da modernização, que nas décadas de 20 e 30, esteve presente em todos os debates

educacionais. De uma forma geral, pode-se dizer que,

A modernidade compromete, no seu processo, toda a sociedade, ampliando o raio de expressão de todas as classes, revitalizando e removendo seus papéis sociais, enquanto que a modernização, pelo seu toque voluntário, se não voluntarista, chega à sociedade por meio de um grupo condutor, que, privilegiando-se, privilegia os setores dominantes. Na modernização não se segue o trilho da “lei natural”, mas se procura moldar, sobre o país, pela ideologia ou pela coação, uma certa política de mudança (FAORO apud XAVIER, 1999, p. 21).

De acordo com o autor, entende-se do Manifesto que não se tratava de um documento

ingênuo, com apenas “boas” intenções, pois suas discussões ultrapassavam os limites do

educacional. Tratava-se de um grupo de intelectuais, que mediante suas idéias tentavam

conduzir a nação à modernização utilizando-se da educação como meio. O Manifesto

simbolizava um avanço para a cultura nacional, conforme aponta Mendonça,

...o esforço empreendido pela intelligentsia brasileira nas décadas de 20 e 30 de “estruturar o campo cultural” significava a possibilidade de criar instituições modernas, abertas ao espírito de renovação e de pesquisa, e, num outro registro, instituições capazes, também, de tirá-la do isolamento, de difundir sua mensagem e de criar um mercado, não necessária ou exclusivamente no sentido econômico do termo, mas também no sentido de um lugar onde se intercambiam idéias (1997, p. 157).

Quanto aos valores propostos no Manifesto, o grupo responsável por seu lançamento,

pareceu em alguns momentos não partilhar dos mesmos projetos, percebe-se em alguns

momentos idéias contrapostas.

Anísio Teixeira influenciado pela tese escolanovista, acreditava que a escola deveria

ser democrática, única, responsável por diminuir as desigualdades sociais provocadas pelo

sistema capitalista. Além disso, defendia uma escola renovada, com intuito profissionalizante,

regionalizada e controlada pela comunidade, aberta a todas as camadas e classes sociais no

sentido de possibilitar a construção de uma nova sociedade (GHIRALDELLI JR, 1991).

Segundo Xavier (1999), a regra de ouro da educação para Anísio Teixeira, consistia

em garantir a autonomia das instituições de ensino.

Já para Fernando de Azevedo, a escola deveria ser formadora de elites, organizando os

indivíduos na sociedade conforme suas aptidões. Para ele, a escola deveria possibilitar

30

mobilidade social, tornando-se assim democrática, mobilidade esta que seria baseada na

competência do indivíduo e não nos privilégios de sangue (GHIRALDELLI JR, 1991).

Além disso, para Fernando de Azevedo, o ensino universitário era o ponto principal do

projeto de constituição cultural, pois o projeto de construção da nação brasileira ocorreria por

meio, de um processo de seleção das elites e da associação entre elites intelectuais e Estado na

condução das massas (XAVIER, 1999).

Enquanto Anísio Teixeira se pautava nas teorias de Dewey, Fernando de Azevedo

buscou entrelaçar princípios pedagógicos deweyanos com a sociologia de Émile Durkheim e

de Pareto (GHIRALDELLI JR, 1991).

Mas apesar das diferenças existentes no grupo dos inovadores, algo há de incomum no

ideário dos intelectuais, o tema da Escola Nova que recebeu notável importância no texto do

Manifesto, sendo definido seu papel da seguinte forma,

A Educação Nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de servir não aos interesses de classe mas, aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano de solidariedade, de serviço social e cooperação. A escola tradicional, instalada para uma concepção burguesa, vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia isolada e estéril, resultante da doutrina do individualismo libertário, que teve aliás o seu papel na formação das democracias e sem cujo assalto não se teriam quebrado os quadros rígidos da vida social (AZEVEDO apud XAVIER, 2002, p. 63).

Percebe-se, portanto, a imagem que o documento imprimia sobre a importância e

necessidade da implantação da Educação Nova. Fernando de Azevedo, constantemente

frisava o papel reconstrutor que o Manifesto possuía, distinguindo a escola antiga da escola

moderna, conforme proposto no Manifesto,

A escola antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as outras instituições sociais, se sucederá a escola moderna aparelhada de todos os recursos para estender e fecundar a sua ação na solidariedade com o meio social, em que então, se tornará capaz de influir, transformando-se num centro poderoso de criação, atração e irradiação de todas as forças e atividades educativas (AZEVEDO apud XAVIER, 2002, p. 64).

A escola nova era apresentada como a possibilidade de reparação de um passado

educacional de abandono e escassez de iniciativas no que se refere especialmente à instrução

pública (VIDAL e FARIA FILHO, 2003).

31

O Manifesto defendia a aplicação da ciência e da técnica no que se referia ao ensino e

a pesquisa educacional, valorizando assim o educador enquanto possuidor de um papel social

e político (XAVIER, 1999).

Porém, o Manifesto apesar de seu caráter inovador para a década de 30, veiculava

idéias exclusivas e preconceituosas ao considerar a educação como direito biológico,

conforme aponta Veiga,

A idéia de educação como direito biológico foi forjada no interior dos debates e discussões a respeito dos problemas raciais, das ações médicas e sanitaristas da virada do século e foi detectada muito bem pelos educadores do movimento escolanovista na década de 1920. Os princípios de integração social, de fundamentação liberal, foram constituídos com base na ênfase no “direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral” - escola para todos, comum e igual, mas resguardando as diferenças relacionadas a aptidões psicológicas e físicas. Buscava-se uma inversão, da escola produtora das diferenças econômicas para a produção de diferenças de escolarização, por meio da seleção de alunos em suas aptidões individuais (2004, p. 75).

A atividade científica para ser frutífera, conforme Xavier (1999, p.28) deveria ser

“desenvolvida pelas elites letradas, mas esta só teria sua eficácia garantida na medida em que

promovesse uma mudança na mentalidade coletiva”. Assim, percebe-se o caráter elitista que

possuía o Manifesto; se por um lado buscava reconstruir a educação nacional, por outro, esta

reconstrução ocorreria direcionada para grupos distintos.

O Manifesto combatia a “educação elitista e acadêmica tradicional, que se achava sob

o monopólio da Igreja” (ARANHA, 1989, p. 245). Percebe-se que ao combater a educação

imposta pela Igreja, o Manifesto acaba por impor um outro tipo de educação, fundada no

direito biológico, a qual fazia uma seleção prévia dos indivíduos.

A autora afirma ainda, que o documento provocou os ânimos e a reação dos católicos

conservadores que consideravam a educação cristã como a verdadeira educação, iniciando-se

assim um período de tensão entre o grupo dos liberais e dos católicos.

O documento criticava a subordinação da educação pública brasileira aos interesses

político-partidários, bem como a interferência da Igreja Católica nas questões ligadas ao

ensino. Confirmando isso, podemos destacar um trecho do Manifesto,

A função educacional não pode ser exercida senão por grupos especializados, no seu próprio campo de ação e por meio de agentes e instituições adequadas, de acordo com os interesses gerais e, portanto, do Estado (AZEVEDO apud XAVIER, 2002, p. 65).

Dessa forma, percebe-se que o campo educacional, torna-se nesse período como um

campo de batalha; por um lado verifica-se a presença do grupo dos pioneiros preocupados em

32

defender uma “modernização nacional” que só ocorreria mediante a reconstrução educacional,

e por outro, a presença do grupo católico disposto a combater esses ideais inovadores que

apontavam contra seus princípios.

Pode-se dizer que foi a partir dos anos 20 que a Igreja engajou-se na luta pela

preservação e ampliação de seus espaços no campo político e cultural e, em particular, na

esfera do ensino. Com o lançamento do Manifesto viu-se ameaçada frente às idéias

escolanovistas, procurando então recuperar sua influência na educação do povo brasileiro,

iniciando a luta contra o ensino leigo intensificando-se a pressão para que o ensino religioso

fosse introduzido nas escolas públicas (XAVIER, 1999).

A autora afirma ainda que para o grupo católico, o Manifesto era anticatólico, pois

pretendia impedir a Igreja de exercer qualquer intervenção pública na educação do povo. Já

para o grupo dos pioneiros da educação nova, a defesa de um sistema de ensino público,

gratuito e laico, desencadeou um conflito inevitável com as lideranças ligadas à Igreja

Católica.

Para os pioneiros a ciência era a chave do progresso da humanidade, já para o grupo

dos católicos, a religião é que significava fator de ordem indispensável ao progresso. Segundo

Xavier, Tristão de Athayde, acusava o Manifesto de ser anticristão, pois este negava a

supremacia da finalidade espiritual. Além disso, acusava o documento de ser antinacional, por

desprezar a tradição religiosa do povo brasileiro e antiliberal porque baseava-se no

absolutismo pedagógico do Estado e na negação da liberdade de ensino (XAVIER, 2002).

Pode-se considerar que o Manifesto despertou diversas opiniões e sentidos, de um lado

o grupo dos pioneiros (liberais) e de outros o grupo da elite católica. Enquanto para o primeiro

grupo o Manifesto significava a arma de combate para a reconstrução educacional, para o

outro, significava uma “monstruosidade” à nação.

A posição dos idealizadores do Manifesto pode ser compreendida com a análise do

seguinte trecho,

Se o impulso que [o Manifesto] imprimiu ao movimento de renovação educacional, pelo estudo de nossos problemas educacionais, não forem detidos ou entravados, mais do que têm sido pela inércia conservadora, pode-se alimentar a esperança de um triunfo sobre a estagnação e a rotina e de uma nova era de grandes realizações no plano educacional no Brasil (AZEVEDO apud XAVIER, 2004, p. 24).

Fernando de Azevedo demonstra com suas palavras que o Manifesto significa uma

nova era para a educação brasileira, ele enfatizava que o documento era o caminho para a

modernização do país. Menciona também que essa modernização ocorreria se o grupo

33

conservador não tentasse deter a repercussão deste Manifesto, mais do que já estavam

atuando.

Se para o redator do texto, o Manifesto era a saída para a modernização, para o grupo

dos conservadores, possuía caráter destruidor,

Se as idéias contidas nesse infeliz Manifesto lograrem um dia execução neste pobre Brasil, indefeso ao assalto das ideologias mais mortíferas, se for justificada a “serena confiança na vitória definitiva de nossos ideais de educação” que esses sectários ostentam, ter-se-á perpetrado entre nós o mais monstruoso dos crimes contra a nacionalidade (ATHAYDE apud XAVIER, 2004, p. 24).

Segundo Ghiraldelli Jr. (1991) Tristão de Athayde chegou a escrever que o Manifesto,

ao defender uma escola pública obrigatória, gratuita e laica, desonrava os princípios cristãos,

pois retirava das mãos da família a educação dos filhos, destruindo assim os princípios de

liberdade de ensino.

Referindo-se à questão do Estado, pode-se dizer que este, manteve-se aparentemente

neutro. Nas condições em que se encontrava o sistema de ensino da década de 20, não poderia

atender a todos os pedidos dos envolvidos com o campo educacional sem negociar as

reformas previstas com a Igreja Católica (XAVIER, 1999).

O presidente Vargas, mostrando certa neutralidade na disputa da renovação

educacional, tentou em seu governo controlar as duas grandes tendências do pensamento

educacional instalado na década de 20: a dos liberais e a dos conservadores (GHIRALDELLI

JR., 1991).

Segundo Xavier (1999), a modernização empreendida pelo Estado durante a Era

Vargas, configurou-se em um modelo centralizador e padronizador, isso resultou da

racionalização administrativa implementada durante a década de 30.

Enfim, a defesa dos princípios de laicidade, gratuidade e co-educação, tornaram-se

assunto nos debates educacionais surgidos após o lançamento do Manifesto, chegando aos

debates que precederam a Constituição de 1934 (XAVIER, 2002).

34

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou responder se os aspectos históricos vivenciados por uma

sociedade em determinada época, podem influenciar a educação. Também se propôs a

verificar em que medida as pessoas envolvidas com a educação no período proposto,

manifestaram seus ideais e projetos em torno da causa educacional no país.

O estudo centrou-se na pesquisa do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de

1932, que marcou o momento em que o Brasil se reorganizava após a Revolução de 30. Para

tanto, partiu-se da coleta de dados de fatos históricos, delimitando a pesquisa de dados do

período de 1920 a 1935 e utilizou-se como método a pesquisa bibliográfica, a fim de se

entender a gênese do Manifesto e também a sua repercussão.

A pesquisa justifica-se pela necessidade que há do educador compreender como

ocorreu a construção da educação em nosso país em diversos períodos cronológicos, para

quem sabe, assim ter subsídios para poder entender o sistema educacional de hoje e propor

mudanças significativas.

Como objeto de estudo, elegeu-se um dos documentos mais pesquisados até hoje, o

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932. Encabeçado por diversos intelectuais,

sendo alguns deles Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, e Nóbrega da Cunha, o Manifesto

ganhou uma repercussão que atingiu diversos campos da sociedade. O título dado ao

Manifesto “A Reconstrução Educacional no Brasil: O Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova de 1932” demonstra a função que o documento concedia aos educadores, que era de

reconstruir a educação no país por um grupo específico, os pioneiros.

Conforme o enfoque do primeiro capítulo deste trabalho, as décadas de 20 e 30 foram

marcadas por um contexto de disputas e conflitos. Na área da política, ocorre uma transição

de poderes, passando da República Velha para a Era Vargas. A primeira, ligada à cultura da

oligarquia cafeeira, se estende de 1889 a 1930, quando Getúlio Vargas assume o poder.

As Revoltas Tenentistas marcam a década de 20, sendo que estas revoltas ocorreram

devido aos descontentamentos dos militares. Para eles o Exército estava abandonado, não

havia material para uso e constantemente tinham de passar por situações humilhantes em suas

funções. Por meio das revoltas, pregavam o voto secreto e defendiam reformas no ensino,

com idéias progressistas, apesar de acreditarem que o povo era inculto e deveria ser dirigido

por pessoas mais capazes. Nesse contexto, percebe-se alguns dos primeiros movimentos uma

transformação nacional, que poderia ocorrer se a questão do ensino fosse repensada.

35

Em 1922 ocorre a Semana de Arte Moderna, que representou um esforço para se

romper com as estruturas mentais das velhas gerações, dando abertura aos intelectuais que

inspirados por mudanças ocorridas na Europa, começaram a movimentar-se pela reconstrução

educacional.

No âmbito internacional, estoura a Crise de 1929 que abalou os Estados Unidos e

afetou a economia brasileira. A crise foi gerada por uma superprodução no país, em que os

consumidores não acompanharam esse crescimento, gerando prejuízo na produção.

Ao mesmo tempo em que problemas econômicos assombravam o Brasil, conflitos

internos resultariam na Revolução de 30. Ajuntando grupos políticos com tendências diversas,

a Revolução que significou uma troca de poder, mostrou-se como um ato de domínio da

cultura e da educação.

Em 1930, como resultado da Revolução, Getúlio Vargas, assume o Governo

Provisório que se estenderia até 1934. Além de nomear pessoas de suas confiança como

interventores dos estados, ele suspendeu a Constituição em vigor, produzindo assim um total

controle sobre o aparelho do Estado, incitando grupos a se manifestarem contra.

Ao longo das décadas de 20 e 30, várias reformas estaduais foram empreendidas, a fim

de se reajustar o ensino da época. Já em 1932, ocorre em São Paulo a Revolução

Constitucionalista que solicitava uma nova Constituição. Apesar dos manifestantes não terem

conseguido a vitória, suas idéias vingaram para outros setores da sociedade.

Nesse mesmo ano, o governo Vargas, aproveitando-se de um encontro na Associação

Brasileira de Educação onde diversos intelectuais se encontravam reunidos, solicitou que com

urgência fosse elaborada uma proposta para a reconstrução do país, que só ocorreria por meio

da educação. Porém, esse mesmo governo manteve-se aparentemente “neutro”, conciliando

seu apoio aos grupos distintos (pioneiros e católicos), mas sem deixar de pensar nos interesses

do Estado.

O grupo de intelectuais propõe por meio do Manifesto, um conjunto de medidas que

deveria ocorrer para que a modernização vingasse no país. A educação era o meio pelo qual se

alcançaria essa modernização, portanto, o Manifesto de 1932 analisa o problema da educação

nacional e define princípios e diretrizes nacionais de um programa geral de educação.

A geração de pioneiros, conforme eles mesmos se autodenominaram, teria buscado

construir instituições adequadas à realidade com o intuito de forjar o povo, pois este ainda não

estava politicamente construído. Esta tarefa se confundia com a instauração de uma cultura

capaz de assegurar a unidade da nação.

36

Os intelectuais ao longo dos anos 20 e 30 acreditavam e partilhavam da idéia de que a

sociedade seria transformada por meio da reconstrução educacional. Pode-se observar que

esta idéia esteve presente em todo o contexto histórico da década de 20, pois foi tema de

diversos conflitos ocorridos.

Já o grupo dos conservadores, segundo vários autores consultados para a pesquisa,

manteve-se firme contra o Manifesto, pois para eles significava uma afronta à sua crença.

Esse posicionamento negativo do grupo católico se deve ao fato, de que se o projeto do

Manifesto fosse cumprido, eles perderiam o controle sob a educação e assim sob a nação.

Percebe-se ao longo das décadas de 20 e 30, que os conflitos ocorridos e as mudanças

propostas tinham como fim último reconstruir a nação por meio da educação. Compreende-se

pelas leituras realizadas, que os fatos históricos de determinada sociedade influenciam a

educação, pois ela é concebida paulatinamente e de acordo com o contexto em que está

inserida.

Após as análises realizadas, compreende-se que o Manifesto significou um documento

de ordem política, que visava instituir uma “modernização nacional” com objetivos e fins que

aparentemente denominavam-se comuns. Porém, ao analisar o projeto contido no documento,

percebe-se que apesar de inovador, não conseguiu romper com o preconceito social e racial

presente na época, pois alguns de seus ideais, baseados no escolanovismo, veiculavam idéias

que levavam a exclusão à escola.

Assim pudemos verificar que os fatos históricos contribuem para a formação da

educação de dada sociedade, pois ela é parte integrante da sociedade, que vai sendo

construída dia após dia, conforme o cenário político, cultural e social.

O Manifesto, por sua vez, significou um primeiro passo na reconstrução educacional,

que não significa que pode ser considerado como modelo educacional, pois muitos critérios

educacionais mencionados no documento, não apontavam para uma melhor educação para

todos, e sim para uma elite previamente definida.

Espera-se que a leitura deste trabalho, possa significar uma oportunidade para os

educadores refletirem sobre a realidade educacional de sua época, analisando-a à luz dos

aspectos históricos que dão sentido ao presente, assim como a realização desta pesquisa

contribuiu para minha formação de educadora.

37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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38

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______. O Manifesto dos pioneiros da educação nova como divisor de águas na história da educação brasileira. In: XAVIER, Maria do Carmo (Org). Manifesto dos Pioneiros da Educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

39

______. Para além do campo educacional: um estudo sobre o manifesto dos pioneiros da educação nova (1932). Bragança Paulista: EDUSF, 2002.

40

ANEXO I

41

A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL:

AO POVO E AO GOVERNO5

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade

ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos

planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país

depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de

produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à

invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma

sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao

estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas

econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no

mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de

continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das

necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A

situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente

arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os

seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em

ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem

despojadas de seus andaimes...

Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que

de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da

determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto

técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta

de espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse

empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e

discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de

uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura. Nunca

chegamos a possuir uma "cultura própria", nem mesmo uma "cultura geral" que nos

convencesse da "existência de um problema sobre objetivos e fins da educação". Não se podia

5 Fonte: A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL: AO POVO E AO GOVERNO. Disponível em: http://escolanova.net/pages/manifesto.htm. Acesso: 28 de out. 2008.

42

encontrar, por isto, unidade e continuidade de pensamento em planos de reformas, nos quais

as instituições escolares, esparsas, não traziam, para atraí-las e orientá-las para uma direção, o

pólo magnético de uma concepção da vida, nem se submetiam, na sua organização e no seu

funcionamento, a medidas objetivas com que o tratamento científico dos problemas da

administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais

eficazes para a realização da obra educacional.

Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de educação;

mas, trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão interessado na determinação

dos fins de educação, quanto também dos meios de realizá-los. O físico e o químico não terão

necessidade de saber o que está e se passa além da janela do seu laboratório. Mas o educador,

como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as

profundidades da vida humana e da vida social não devem estender-se além do seu raio

visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases,

para perceber, além do aparente e do efêmero, "o jogo poderoso das grandes leis que

dominam a evolução social", e a posição que tem a escola, e a função que representa, na

diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se têm essa

cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e ampliar o seu horizonte

mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo,

para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da

educação; se tem um espírito científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de

investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a

situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos

processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos na

administração dos serviços escolares.

Movimento de renovação educacional

À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é que se gerou,

no Brasil, o movimento de reconstrução educacional, com que, reagindo contra o empirismo

dominante, pretendeu um grupo de educadores, nestes últimos doze anos, transferir do terreno

administrativo para os planos político-sociais a solução dos problemas escolares. Não foram

ataques injustos que abalaram o prestígio das instituições antigas; foram essas instituições

criações artificiais ou deformadas pelo egoísmo e pela rotina, a que serviram de abrigo, que

43

tornaram inevitáveis os ataques contra elas. De fato, porque os nossos métodos de educação

haviam de continuar a ser tão prodigiosamente rotineiros, enquanto no México, no Uruguai,

na Argentina e no Chile, para só falar na América espanhola, já se operavam transformações

profundas no aparelho educacional, reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades

lucidamente descortinadas? Porque os nossos programas se haviam ainda de fixar nos quadros

de segregação social, em que os encerrou a república, há 43 anos, enquanto nossos meios de

locomoção e os processos de indústria centuplicaram de eficácia, em pouco mais de um

quartel de século? Porque a escola havia de permanecer, entre nós, isolada do ambiente, como

uma instituição enquistada no meio social, sem meios de influir sobre ele, quando, por toda a

parte, rompendo a barreira das tradições, a ação educativa já desbordava a escola, articulando-

se com as outras instituições sociais, para estender o seu raio de influência e de ação?

Embora, a princípio, sem diretrizes definidas, esse movimento francamente renovador

inaugurou uma série fecunda de combates de idéias, agitando o ambiente para as primeiras

reformas impelidas para urna nova direção. Multiplicaram-se as associações e iniciativas

escolares, em que esses debates testemunhavam a curiosidade dos espíritos, pondo em

circulação novas idéias e transmitindo aspirações novas com um caloroso entusiasmo. Já se

despertava a consciência de que, para dominar a obra educacional, em toda a sua extensão, é

preciso possuir, em alto grau, o hábito de se prender, sobre bases sólidas e largas, a um

conjunto de idéias abstratas e de princípios gerais, com que possamos armar um ângulo de

observação, para vermos mais claro e mais longe e desvendarmos, através da complexidade

tremenda dos problemas sociais, horizontes mais vastos. Os trabalhos científicos no ramo da

educação já nos faziam sentir, em toda a sua força reconstrutora, o axioma de que se pode ser

tão científico no estudo e na resolução dos problemas educativos, como nos da engenharia e

das finanças. Não tardaram a surgir, no Distrito Federal e em três ou quatro Estados as

reformas e, com elas, as realizações, com espírito científico, e inspiradas por um ideal que,

modelado à imagem da vida, já lhe refletia a complexidade. Contra ou a favor, todo o mundo

se agitou. Esse movimento é hoje uma idéia em marcha, apoiando-se sobre duas forças que se

completam: a força das idéias e a irradiação dos fatos.

Diretrizes que se esclarecem

Mas, com essa campanha, de que tivemos a iniciativa e assumimos a responsabilidade,

e com a qual se incutira, por todas as formas, no magistério, o espírito novo, o gosto da crítica

44

e do debate e a consciência da necessidade de um aperfeiçoamento constante, ainda não se

podia considerar inteiramente aberto o caminho às grandes reformas educacionais. É certo

que, com a efervescência intelectual que produziu no professorado, se abriu, de uma vez, a

escola a esses ares, a cujo oxigênio se forma a nova geração de educadores e se vivificou o

espírito nesse fecundo movimento renovador no campo da educação pública, nos últimos

anos. A maioria dos espíritos, tanto da velha como da nova geração ainda se arrastam, porém,

sem convicções, através de um labirinto de idéias vagas, fora de seu alcance, e certamente,

acima de sua experiência; e, porque manejam palavras, com que já se familiarizaram,

imaginam muitos que possuem as idéias claras, o que lhes tira o desejo de adquiri-las... Era

preciso, pois, imprimir uma direção cada vez mais firme a esse movimento já agora nacional,

que arrastou consigo os educadores de mais destaque, e levá-lo a seu ponto culminante com

uma noção clara e definida de suas aspirações e suas responsabilidades. Aos que tomaram

posição na vanguarda da campanha de renovação educacional, cabia o dever de formular, em

documento público, as bases e diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo,

perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm mantendo desde o início das

hostilidades contra a escola tradicional.

Reformas e a Reforma

Se não há país "onde a opinião se divida em maior número de cores, e se não se

encontra teoria que entre nós não tenha adeptos", segundo já observou Alberto Torres,

princípios e idéias não passam, entre nós, de "bandeira de discussão, ornatos de polêmica ou

simples meio de êxito pessoal ou político". Ilustrados, às vezes, e eruditos, mas raramente

cultos, não assimilamos bastante as idéias para se tornarem um núcleo de convicções ou um

sistema de doutrina, capaz de nos impelir à ação em que costumam desencadear-se aqueles

"que pensaram sua vida e viveram seu pensamento". A interpenetração profunda que já se

estabeleceu, em esforços constantes, entre as nossas idéias e convicções e a nossa vida de

educadores, em qualquer setor ou linha de ataque em que tivemos de desenvolver a nossa

atividade já denuncia, porém, a fidelidade e o vigor com que caminhamos para a obra de

reconstrução educacional, sem estadear a segurança de um triunfo fácil, mas com a serena

confiança na vitória definitiva de nossos ideais de educação. Em lugar dessas reformas

parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade, na estreiteza crônica de tentativas

empíricas, o nosso programa concretiza uma nova política educacional, que nos preparará, por

45

etapas, a grande reforma, em que palpitará, com o ritmo acelerado dos organismos novos, o

músculo central da estrutura política e social da nação.

Em cada uma das reformas anteriores, em que impressiona vivamente a falta de uma

visão global do problema educativo, a força inspiradora ou a energia estimulante mudou

apenas de forma, dando soluções diferentes aos problemas particulares. Nenhuma antes desse

movimento renovador penetrou o âmago da questão, alterando os caracteres gerais e os traços

salientes das reformas que o precederam. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira

renovação educacional, quando a revolução estalou. Já tínhamos chegado então, na campanha

escolar, ao ponto decisivo e climatério, ou se o quiserdes, à linha de divisão das águas. Mas, a

educação que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma social, não pode, ao

menos em grande proporção, realizar-se senão pela ação extensa e intensiva da escola sobre o

indivíduo e deste sobre si mesmo nem produzir-se, do ponto de vista das influências

exteriores, senão por uma evolução contínua, favorecida e estimulada por todas as forças

organizadas de cultura e de educação. As surpresas e os golpes de teatro são impotentes para

modificarem o estado psicológico e moral de um povo. É preciso, porém, atacar essa obra, por

um plano integral, para que ela não se arrisque um dia a ficar no estado fragmentário,

semelhante a essas muralhas pelágicas, inacabadas, cujos blocos enormes, esparsos ao longe

sobre o solo, testemunham gigantes que os levantaram, e que a morte surpreendeu antes do

cortamento de seus esforços...

Finalidades da educação

Toda a educação varia sempre em função de uma "concepção da vida", refletindo, em

cada época, a filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela estrutura da

sociedade. E' evidente que as diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada

terão respectivamente opiniões diferentes sobre a "concepção do mundo", que convém fazer

adotar ao educando e sobre o que é necessário considerar como "qualidade socialmente útil".

O fim da educação não é, como bem observou G. Davy, "desenvolver de maneira anárquica as

tendências dominantes do educando; se o mestre intervém para transformar, isto implica nele

a representação de um certo ideal à imagem do qual se esforça por modelar os jovens

espíritos". Esse ideal e aspiração dos adultos toma-se mesmo mais fácil de apreender

exatamente quando assistimos à sua transmissão pela obra educacional, isto é, pelo trabalho a

que a sociedade se entrega para educar os seus filhos. A questão primordial das finalidades da

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educação gira, pois, em torno de uma concepção da vida, de um ideal, a que devem

conformar-se os educandos, e que uns consideram abstrato e absoluto, e outros, concreto e

relativo, variável no tempo e no espaço. Mas, o exame, num longo olhar para o passado, da

evolução da educação através das diferentes civilizações, nos ensina que o "conteúdo real

desse ideal" variou sempre de acordo com a estrutura e as tendências sociais da época,

extraindo a sua vitalidade, como a sua força inspiradora, da própria natureza da realidade

social.

Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe

define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação

nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha

estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida.

Desprendendo-se dos interesses de classes, a que ela tem servido, a educação perde o "sentido

aristológico", para usar a expressão de Ernesto Nelson, deixa de constituir um privilégio

determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para assumir um "caráter

biológico", com que ela se organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o

indivíduo o direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais, independente

de razões de ordem econômica e social. A educação nova, alargando a sua finalidade para

além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função

social, preparando-se para formar "a hierarquia democrática" pela "hierarquia das

capacidades", recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades

de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim

de "dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu

crescimento", de acordo com uma certa concepção do mundo.

A diversidade de conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de classes e, em

parte, da variedade de conteúdo na noção de "qualidade socialmente útil", conforme o ângulo

visual de cada uma das classes ou grupos sociais. A educação nova que, certamente

pragmática, se propõe ao fim de servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do

indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o

seu ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade,

de serviço social e cooperação. A escola tradicional, instalada para uma concepção burguesa,

vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia isolada e estéril, resultante da doutrina do

individualismo libertário, que teve aliás o seu papel na formação das democracias e sem cujo

assalto não se teriam quebrado os quadros rígidos da vida social. A escola socializada,

reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o trabalho como a

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melhor maneira de estudar a realidade em geral (aquisição ativa da cultura) e a melhor

maneira de estudar o trabalho em si mesmo, como fundamento da sociedade humana, se

organizou para remontar a corrente e restabelecer, entre os homens, o espírito de disciplina,

solidariedade e cooperação, por uma profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro

estreito dos interesses de classes.

Valores mutáveis e valores permanentes

Mas, por menos que pareça, nessa concepção educacional, cujo embrião já se disse ter-

se gerado no seio das usinas e de que se impregnam a carne e o sangue de tudo que seja objeto

da ação educativa, não se rompeu nem está a pique de romper-se o equilíbrio entre os valores

mutáveis e os valores permanentes da vida humana. Onde, ao contrário, se assegurará melhor

esse equilíbrio é no novo sistema de educação, que, longe de se propor a fins particulares de

determinados grupos sociais, às tendências ou preocupações de classes, os subordina aos fins

fundamentais e gerais que assinala a natureza nas suas funções biológicas. É certo que é

preciso fazer homens, antes de fazer instrumentos de produção. Mas, o trabalho que foi

sempre a maior escola de formação da personalidade moral, não é apenas o método que

realiza o acréscimo da produção social, é o único método susceptível de fazer homens

cultivados e úteis sob todos os aspectos. O trabalho, a solidariedade social e a cooperação, em

que repousa a ampla utilidade das experiências; a consciência social que nos leva a

compreender as necessidades do indivíduo através das da comunidade, e o espírito de justiça,

de renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes "valores permanentes" que elevam a alma,

enobrecem o coração e fortificam a vontade, dando expressão e valor à vida humana? Um

vício das escolas espiritualistas, já o ponderou Jules Simon, é o "desdém pela multidão".

Quer-se raciocinar entre si e refletir entre si. Evita de experimentar a sorte de todas as

aristocracias que se estiolam no isolamento. Se se quer servir à humanidade, é preciso estar

em comunhão com ela...

Certo, a doutrina de educação, que se apóia no respeito da personalidade humana,

considerada não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não poderia ser acusada de

tentar, com a escola do trabalho, fazer do homem uma máquina, um instrumento

exclusivamente apropriado a ganhar o salário e a produzir um resultado material num tempo

dado. "A alma tem uma potência de milhões de cavalos, que levanta mais peso do que o

vapor. Se todas as verdades matemáticas se perdessem, escreveu Lamartine, defendendo a

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causa da educação integral, o mundo industrial, o mundo material, sofreria sem duvida um

detrimento imenso e um dano irreparável; mas, se o homem perdesse uma só das suas

verdades morais, seria o próprio homem, seria a humanidade inteira que pereceria". Mas, a

escola socializada não se organizou como um meio essencialmente social senão para transferir

do plano da abstração ao da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-as

intensamente, essas virtudes e verdades morais, que contribuem para harmonizar os interesses

individuais e os interesses coletivos. "Nós não somos antes homens e depois seres sociais,

lembra-nos a voz insuspeita de Paul Bureau; somos seres sociais, por isto mesmo que somos

homens, e a verdade está antes em que não há ato, pensamento, desejo, atitude, resolução, que

tenham em nós sós seu princípio e seu termo e que realizem em nós somente a totalidade de

seus efeitos".

O Estado em face da educação

a) A educação, uma função essencialmente pública

Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o

Estado que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus

graus e manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado

a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais. A educação que é uma das

funções de que a família se vem despojando em proveito da sociedade política, rompeu os

quadros do comunismo familiar e dos grupos específicos (instituições privadas), para se

incorporar definitivamente entre as funções essenciais e primordiais do Estado. Esta restrição

progressiva das atribuições da família, - que também deixou de ser "um centro de produção"

para ser apenas um "centro de consumo", em face da nova concorrência dos grupos

profissionais, nascidos precisamente em vista da proteção de interesses especializados", -

fazendo-a perder constantemente em extensão, não lhe tirou a "função específica", dentro do

"foco interior", embora cada vez mais estreito, em que ela se confinou. Ela é ainda o "quadro

natural que sustenta socialmente o indivíduo, como o meio moral em que se disciplinam as

tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e continuam a entreter-se as suas

aspirações para o ideal". Por isto, o Estado, longe de prescindir da família, deve assentar o

trabalho da educação no apoio que ela dá à escola e na colaboração efetiva entre pais e

professores, entre os quais, nessa obra profundamente social, tem o dever de restabelecer a

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confiança e estreitar as relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas

forças sociais - a família e a escola, que operavam de todo indiferentes, senão em direções

diversas e ás vezes opostas.

b) A questão da escola única

Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral,

cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano

geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos os seus graus,

aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições de inferioridade

econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais.

Chega-se, por esta forma, ao princípio da escola para todos, "escola comum ou única", que,

tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer quaisquer restrições, em países em que

as reformas pedagógicas estão intimamente ligadas com a reconstrução fundamental das

relações sociais. Em nosso regime político, o Estado não poderá, de certo, impedir que, graças

à organização de escolas privadas de tipos diferentes, as classes mais privilegiadas assegurem

a seus filhos uma educação de classe determinada; mas está no dever indeclinável de não

admitir, dentro do sistema escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha

acesso uma minoria, por um privilegio exclusivamente econômico. Afastada a idéia do

monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado, pela sua situação financeira

não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e em que, portanto,

se torna necessário estimular, sob sua vigilância as instituições privadas idôneas, a "escola

única" se entenderá, entre nós, não como "uma conscrição precoce", arrolando, da escola

infantil à universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível

a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas

antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que,

nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual

para todos.

c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação

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A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos princípios em

que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da

educação de todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou crenças), como do

reconhecimento do direito biológico que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que

coloca o ambiente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo

sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da personalidade em formação, à

pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de propaganda de seitas e

doutrinas. A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio

igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por

um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em

condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar o ensino obrigatório, sem torná-lo

gratuito. A obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem em

relação ao ensino primário, e se deve estender progressivamente até uma idade conciliável

com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos, é mais necessária ainda "na sociedade

moderna em que o industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam e violentam a

criança e o jovem", cuja educação é freqüentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos

pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas. A escola unificada não permite ainda,

entre alunos de um e outro sexo outras separações que não sejam as que aconselham as suas

aptidões psicológicas e profissionais, estabelecendo em todas as instituições "a educação em

comum" ou coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de igualdade e envolvendo todo o

processo educacional, torna mais econômica a organização da obra escolar e mais fácil a sua

graduação.

A função educacional

a) A unidade da função educacional

A consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade e

obrigatoriedade, consagrados na legislação universal, já penetrou profundamente os espíritos,

como condições essenciais à organização de um regime escolar, lançado, em harmonia com os

direitos do indivíduo, sobre as bases da unificação do ensino, com todas as suas

conseqüências. De fato, se a educação se propõe, antes de tudo, a desenvolver ao máximo a

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capacidade vital do ser humano, deve ser considerada "uma só" a função educacional, cujos

diferentes graus estão destinados a servir às diferentes fases de seu crescimento, "que são

partes orgânicas de um todo que biologicamente deve ser levado à sua completa formação".

Nenhum outro princípio poderia oferecer ao panorama das instituições escolares perspectivas

mais largas, mais salutares e mais fecundas em conseqüências do que esse que decorre

logicamente da finalidade biológica da educação. A seleção dos alunos nas suas aptidões

naturais, a supressão de instituições criadoras de diferenças sobre base econômica, a

incorporação dos estudos do magistério à universidade, a equiparação de mestres e

professores em remuneração e trabalho, a correlação e a continuidade do ensino em todos os

seus graus e a reação contra tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital,

constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a aplicação do princípio

unificador que modifica profundamente a estrutura intima e a organização dos elementos

constitutivos do ensino e dos sistemas escolares.

b) A autonomia da função educacional

Mas, subordinada a educação pública a interesses transitórios, caprichos pessoais ou

apetites de partidos, será impossível ao Estado realizar a imensa tarefa que se propõe da

formação integral das novas gerações. Não há sistema escolar cuja unidade e eficácia não

estejam constantemente ameaçadas, senão reduzidas e anuladas, quando o Estado não o soube

ou não o quis acautelar contra o assalto de poderes estranhos, capazes de impor à educação

fins inteiramente contrários aos fins gerais que assinala a natureza em suas funções

biológicas. Toda a impotência manifesta do sistema escolar atual e a insuficiência das

soluções dadas às questões de caráter educativo não provam senão o desastre irreparável que

resulta, para a educação pública, de influencias e intervenções estranhas que conseguiram

sujeita-la a seus ideais secundários e interesses subalternos. Dai decorre a necessidade de uma

ampla autonomia técnica, administrativa e econômica, com que os técnicos e educadores, que

têm a responsabilidade e devem ter, por isto, a direção e administração da função educacional,

tenham assegurados os meios materiais para poderem realizá-la. Esses meios, porém, não

podem reduzir-se às verbas que, nos orçamentos, são consignadas a esse serviço público e,

por isto, sujeitas às crises dos erários do Estado ou às oscilações" do interesse dos governos

pela educação. A autonomia econômica não se poderá realizar, a não ser pela instituição de

um "fundo especial ou escolar", que, constituído de patrimônios, impostos e rendas próprias,

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seja administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos

próprios órgãos do ensino, incumbidos de sua direção.

c) A descentralização

A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado,

no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica

um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a

necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências regionais.

Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que

pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina federativa

e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a República, uma

obra metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de completa eficiência, tanto

em intensidade como em extensão. À União, na capital, e aos estados, nos seus respectivos

territórios, é que deve competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais

fixados na nova constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e deveres, os

fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo Ministério da Educação, caberá

vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo executar as orientações e os rumos gerais

da função educacional, estabelecidos na carta constitucional e em leis ordinárias, socorrendo

onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural dos Estados e

intensificando por todas as formas as suas relações espirituais. A unidade educativa, - essa

obra imensa que a União terá de realizar sob pena de perecer como nacionalidade, se

manifestará então como uma força viva, um espírito comum, um estado de ânimo nacional,

nesse regime livre de intercâmbio, solidariedade e cooperação que, levando os Estados a

evitar todo desperdício nas suas despesas escolares afim de produzir os maiores resultados

com as menores despesas, abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos

em criações e iniciativas.

O processo educativo

O conceito e os fundamentos da educação nova

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O desenvolvimento das ciências lançou as bases das doutrinas da nova educação,

ajustando à finalidade fundamental e aos ideais que ela deve prosseguir os processos

apropriados para realizá-los. A extensão e a riqueza que atualmente alcança por toda a parte o

estudo científico e experimental da educação, a libertaram do empirismo, dando-lhe um

caráter e um espírito nitidamente científico e organizando, em corpo de doutrina, numa série

fecunda de pesquisas e experiências, os princípios da educação nova, pressentidos e às vezes

formulados em rasgos de síntese, pela intuição luminosa de seus precursores. A nova

doutrina, que não considera a função educacional como uma função de superposição ou de

acréscimo, segundo a qual o educando é "modelado exteriormente" (escola tradicional), mas

uma função complexa de ações e reações em que o espírito cresce de "dentro para fora",

substitui o mecanismo pela vida (atividade funcional) e transfere para a criança e para o

respeito de sua personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do problema da

educação. Considerando os processos mentais, como "funções vitais" e não como "processos

em si mesmos", ela os subordina à vida, como meio de utilizá-la e de satisfazer as suas

múltiplas necessidades materiais e espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o

conceito funcional da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao

intercâmbio de reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida própria, generosa e

bela de criança, seja levada "ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando

o trabalho e a ação convém aos seus interesses e às suas necessidades".

Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências

exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a atividade que

está na base de todos os seus trabalhos, é a atividade espontânea, alegre e fecunda, dirigida à

satisfação das necessidades do próprio indivíduo. Na verdadeira educação funcional deve

estar, pois, sempre presente, como elemento essencial e inerente à sua própria natureza, o

problema não só da correspondência entre os graus do ensino e as etapas da evolução

intelectual fixadas sobre a base dos interesses, como também da adaptação da atividade

educativa às necessidades psicobiológicas do momento. O que distingue da escola tradicional

a escola nova, não é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a

presença, em todas as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira

condição de uma atividade espontânea e o estímulo constante ao educando (criança,

adolescente ou jovem) a buscar todos os recursos ao seu alcance, "graças à força de atração

das necessidades profundamente sentidas". É certo que, deslocando-se por esta forma, para a

criança e para os seus interesses, móveis e transitórios, a fonte de inspiração das atividades

escolares, quebra-se a ordem que apresentavam os programas tradicionais, do ponto de vista

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da lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com a "lógica psicológica", isto é, com a

lógica que se baseia na natureza e no funcionamento do espírito infantil.

Mas, para que a escola possa fornecer aos "impulsos interiores a ocasião e o meio de

realizar-se", e abrir ao educando à sua energia de observar, experimentar e criar todas as

atividades capazes de satisfazê-la, é preciso que ela seja reorganizada como um "mundo

natural e social embrionário", um ambiente dinâmico em íntima conexão com a região e a

comunidade. A escola que tem sido um aparelho formal e rígido, sem diferenciação regional,

inteiramente desintegrado em relação ao meio social, passará a ser um organismo vivo, com

uma estrutura social, organizada à maneira de uma comunidade palpitante pelas soluções de

seus problemas. Mas, se a escola deve ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a

comunidade as atividades manuais, motoras ou construtoras "constituem as funções

predominantes da vida", é natural que ela inicie os alunos nessas atividades, pondo-os em

contato com o ambiente e com a vida ativa que os rodeia, para que eles possam, desta forma,

possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com as aptidões e possibilidades. "A vida da

sociedade, observou Paulsen, se modifica em função da sua economia, e a energia individual e

coletiva se manifesta pela sua produção material". A escola nova, que tem de obedecer a esta

lei, deve ser reorganizada de maneira que o trabalho seja seu elemento formador, favorecendo

a expansão das energias criadoras do educando, procurando estimular-lhe o próprio esforço

como o elemento mais eficiente em sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e

todas as atividades pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso

material e espiritual da sociedade de que proveio e em que vai viver e lutar.

Plano de reconstrução educacional

a) As linhas gerais do plano

Ora, assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação ou processos de

que necessita o indivíduo para o seu desenvolvimento integral, ficam fixados os princípios

científicos sobre os quais se pode apoiar solidamente um sistema de educação. A aplicação

desses princípios importa, como se vê, numa radical transformação da educação pública em

todos os seus graus, tanto à luz do novo conceito de educação, como à vista das necessidades

nacionais. No plano de reconstrução educacional, de que se esboçam aqui apenas as suas

grandes linhas gerais, procuramos, antes de tudo, corrigir o erro capital que apresenta o atual

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sistema (se é que se pode chamar sistema), caracterizado pela falta de continuidade e

articulação do ensino, em seus diversos graus, como se não fossem etapas de um mesmo

processo, e cada um dos quais deve ter o seu "fim particular", próprio, dentro da "unidade do

fim geral da educação" e dos princípios e métodos comuns a todos os graus e instituições

educativas. De fato, o divorcio entre as entidades que mantêm o ensino primário e profissional

e as que mantêm o ensino secundário e superior, vai concorrendo insensivelmente, como já

observou um dos signatários deste manifesto, "para que se estabeleçam no Brasil, dois

sistemas escolares paralelos, fechados em compartimentos estanques e incomunicáveis,

diferentes nos seus objetivos culturais e sociais, e, por isto mesmo, instrumentos de

estratificação social".

A escola primária que se estende sobre as instituições das escolas maternais e dos

jardins de infância e constitui o problema fundamental das democracias, deve, pois, articular-

se rigorosamente com a educação secundária unificada, que lhe sucede, em terceiro plano,

para abrir acesso às escolas ou institutos superiores de especialização profissional ou de altos

estudos. Ao espírito novo que já se apoderou do ensino primário não se poderia, porém,

subtrair a escola secundária, em que se apresentam, colocadas no mesmo nível, a educação

chamada "profissional" (de preferência manual ou mecânica) e a educação humanística ou

científica (de preponderância intelectual), sobre uma base comum de três anos. A escola

secundária deixará de ser assim a velha escola de "um grupo social", destinada a adaptar todas

as inteligências a uma forma rígida de educação, para ser um aparelho flexível e vivo,

organizado para ministrar a cultura geral e satisfazer às necessidades práticas de adaptação à

variedade dos grupos sociais. É o mesmo princípio que faz alargar o campo educativo das

Universidades, em que, ao lado das escolas destinadas ao preparo para as profissões chamadas

"liberais", se devem introduzir, no sistema, as escolas de cultura especializada, para as

profissões industriais e mercantis, propulsoras de nossa riqueza econômica e industrial. Mas

esse princípio, dilatando o campo das universidades, para adaptá-las à variedade e às

necessidades dos grupos sociais, tão longe está de lhes restringir a função cultural que tende a

elevar constantemente as escolas de formação profissional, achegando-as às suas próprias

fontes de renovação e agrupando-as em torno dos grandes núcleos de criação livre, de

pesquisa científica e de cultura desinteressada.

A instrução pública não tem sido, entre nós, na justa observação de Alberto Torres,

senão um "sistema de canais de êxodo da mocidade do campo para as cidades e da produção

para o parasitismo". É preciso, para reagir contra esses males, já tão lucidamente apontados,

pôr em via de solução o problema educacional das massas rurais e do elemento trabalhador da

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cidade e dos centros industriais já pela extensão da escola do trabalho educativo e da escola

do trabalho profissional, baseada no exercício normal do trabalho em cooperação, já pela

adaptação crescente dessas escolas (primária e secundária profissional) às necessidades

regionais e às profissões e indústrias dominantes no meio. A nova política educacional

rompendo, de um lado, contra a formação excessivamente literária de nossa cultura, para lhe

dar um caráter científico e técnico, e contra esse espírito de desintegração da escola, em

relação ao meio social, impõe reformas profundas, orientadas no sentido da produção e

procura reforçar, por todos os meios, a intenção e o valor social da escola, sem negar a arte, a

literatura e os valores culturais. A arte e a literatura tem efetivamente uma significação social,

profunda e múltipla; a aproximação dos homens, a sua organização em uma coletividade

unânime, a difusão de tais ou quais idéias sociais, de uma maneira "imaginada", e, portanto,

eficaz, a extensão do raio visual do homem e o valor moral e educativo conferem certamente à

arte uma enorme importância social. Mas, se, à medida que a riqueza do homem aumenta, o

alimento ocupa um lugar cada vez mais fraco, os produtores intelectuais não passam para o

primeiro plano senão quando as sociedades se organizam em sólidas bases econômicas.

b) O ponto nevrálgico da questão

A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições

escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária) aos

quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. É uma

reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo

espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um

apelo, dos jardins de infância à Universidade, não à receptividade mas à atividade criadora do

aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à Universidade, com escala pela educação

primária (7 a 12) e pela secundária (l2 a 18 anos), a "continuação ininterrupta de esforços

criadores" deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de

sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição

ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa, e experiência), que

segue o espírito maduro, nas investigações científicas. A escola secundária, unificada para se

evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de

cultura geral (3 anos), para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de

preponderância intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e

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matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ramificada

por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais,

decorrentes da extração de matérias primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca) da

elaboração das matérias primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos

elaborados (transportes, comunicações e comércio).

Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média (burguesia), enquanto

a escola primária servia à classe popular, como se tivesse uma finalidade em si mesma, a

escola secundária ou do 3º grau não forma apenas o reduto dos interesses de classe, que

criaram e mantêm o dualismo dos sistemas escolares. É ainda nesse campo educativo que se

levanta a controvérsia sobre o sentido de cultura geral e se põe o problema relativo à escolha

do momento em que a matéria do ensino deve diversificar-se em ramos iniciais de

especialização. Não admira, por isto, que a escola secundária seja, nas reformas escolares, o

ponto nevrálgico da questão. Ora, a solução dada, neste plano, ao problema do ensino

secundário, levantando os obstáculos opostos pela escola tradicional à interpenetração das

classes sociais, se inspira na necessidade de adaptar essa educação à diversidade nascente de

gostos e à variedade crescente de aptidões que a observação psicológica regista nos

adolescentes e que "representam as únicas forças capazes de arrastar o espírito dos jovens à

cultura superior". A escola do passado, com seu esforço inútil de abarcar a soma geral de

conhecimentos, descurou a própria formação do espírito e a função que lhe cabia de conduzir

o adolescente ao limiar das profissões e da vida. Sobre a base de uma cultura geral comum,

em que importará menos a quantidade ou qualidade das matérias do que o "método de sua

aquisição", a escola moderna estabelece para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o

ensino se diversifica, para se adaptar já à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à

variedade de formas de atividade social.

c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no Brasil

A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das

profissões "liberais" (engenharia, medicina e direito), não pode evidentemente erigir-se à

altura de uma educação universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais a sua

finalidade estritamente profissional e sem abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as

profissões que exijam conhecimentos científicos, elevando-as a todas a nível superior e

tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a todas. Ao lado das faculdades

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profissionais existentes, reorganizadas em novas bases, impõe-se a criação simultânea ou

sucessiva, em cada quadro universitário, de faculdades de ciências sociais e econômicas; de

ciências matemáticas, físicas e naturais, e de filosofia e letras que, atendendo à variedade de

tipos mentais e das necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se

reorganizarem, um campo cada vez mais vasto de investigações científicas. A educação

superior ou universitária, a partir dos 18 anos, inteiramente gratuita como as demais, deve

tender, de fato, não somente à formação profissional e técnica, no seu máximo

desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em todos os ramos de conhecimentos

humanos. Ela deve ser organizada de maneira que possa desempenhar a tríplice função que

lhe cabe de elaboradora ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora de

conhecimentos (ciência feita) e de vulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições de

extensão universitária, das ciências e das artes.

No entanto, com ser a pesquisa, na expressão de Coulter, o "sistema nervoso da

Universidade", que estimula e domina qualquer outra função; com ser esse espírito de

profundidade e universalidade, que imprime à educação superior um caráter universitário,

pondo-a em condições de contribuir para o aperfeiçoamento constante do saber humano, a

nossa educação superior nunca ultrapassou os limites e as ambições de formação profissional,

a que se propõem as escolas de engenharia, de medicina e direito. Nessas instituições,

organizadas antes para uma função docente, a ciência está inteiramente subordinada à arte ou

à técnica da profissão a que servem, com o cuidado da aplicação imediata e próxima, de uma

direção utilitária em vista de uma função pública ou de uma carreira privada. Ora, se, entre

nós, vingam facilmente todas as fórmulas e frases feitas; se a nossa ilustração, mais variada e

mais vasta do que no império, é hoje, na frase de Alberto Torres, "mais vaga, fluida, sem

assento, incapaz de habilitar os espíritos a formar juízos e incapaz de lhes inspirar atos", é

porque a nossa geração, além de perder a base de uma educação secundária sólida, posto que

exclusivamente literária, se deixou infiltrar desse espírito enciclopédico em que o pensamento

ganha em extensão o que perde em profundidade; em que da observação e da experiência, em

que devia exercitar-se, se deslocou o pensamento para o hedonismo intelectual e para a

ciência feita, e em que, finalmente, o período criador cede o lugar à erudição, e essa mesma

quase sempre, entre nós, aparente e sem substância, dissimulando sob a superfície, às vezes

brilhante, a absoluta falta de solidez de conhecimentos.

Nessa superficialidade de cultura, fácil e apressada, de autodidatas, cujas opiniões se

mantêm prisioneiras de sistemas ou se matizam das tonalidades das mais variadas doutrinas,

se tem de buscar as causas profundas da estreiteza e da flutuação dos espíritos e da

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indisciplina mental, quase anárquica, que revelamos em face de todos os problemas. Nem a

primeira geração nascida com a república, no seu esforço heróico para adquirir a posse de si

mesma, elevando-se acima de seu meio, conseguiu libertar-se de todos os males educativos de

que se viciou a sua formação. A organização de Universidades é, pois, tanto mais necessária e

urgente quanto mais pensarmos que só com essas instituições, a que cabe criar e difundir

ideais políticos, sociais, morais e estéticos, é que podemos obter esse intensivo espírito

comum, nas aspirações, nos ideais e nas lutas, esse "estado de ânimo nacional", capaz de dar

força, eficácia e coerência à ação dos homens, sejam quais forem as divergências que possa

estabelecer entre eles a diversidade de pontos de vista na solução dos problemas brasileiros. É

a universidade, no conjunto de suas instituições de alta cultura, prepostas ao estudo científico

dos grandes problemas nacionais, que nos dará os meios de combater a facilidade de tudo

admitir; o ceticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por falta de espírito de

síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno das idéias; a ignorância "da mais humana

de todas as operações intelectuais, que é a de tomar partido", e a tendência e o espírito fácil de

substituir os princípios (ainda que provisórios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos

desesperados.

d) O problema dos melhores

De fato, a Universidade, que se encontra no ápice de todas as instituições educativas,

está destinada, nas sociedades modernas a desenvolver um papel cada vez mais importante na

formação das elites de pensadores, sábios, cientistas, técnicos, e educadores, de que elas

precisam para o estudo e solução de suas questões científicas, morais, intelectuais, políticas e

econômicas. Se o problema fundamental das democracias é a educação das massas populares,

os melhores e os mais capazes, por seleção, devem formar o vértice de uma pirâmide de base

imensa. Certamente, o novo conceito de educação repele as elites formadas artificialmente

"por diferenciação econômica" ou sob o critério da independência econômica, que não é nem

pode ser hoje elemento necessário para fazer parte delas. A primeira condição para que uma

elite desempenhe a sua missão e cumpra o seu dever é de ser "inteiramente aberta" e não

somente de admitir todas as capacidades novas, como também de rejeitar implacavelmente de

seu seio todos os indivíduos que não desempenham a função social que lhes é atribuída no

interesse da coletividade. Mas, não há sociedade alguma que possa prescindir desse órgão

especial e tanto mais perfeitas serão as sociedades quanto mais pesquisada e selecionada for a

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sua elite, quanto maior for a riqueza e a variedade de homens, de valor cultural substantivo,

necessários para enfrentar a variedade dos problemas que põe a complexidade das sociedades

modernas. Essa seleção que se deve processar não "por diferenciação econômica", mas "pela

diferenciação de todas as capacidades", favorecida pela educação, mediante a ação biológica e

funcional, não pode, não diremos completar-se, mas nem sequer realizar-se senão pela obra

universitária que, elevando ao máximo o desenvolvimento dos indivíduos dentro de suas

aptidões naturais e selecionando os mais capazes, lhes dá bastante força para exercer

influência efetiva na sociedade e afetar, dessa forma, a consciência social.

A unidade de formação de professores e a unidade de espírito

Ora, dessa elite deve fazer parte evidentemente o professorado de todos os graus, ao

qual, escolhido como sendo um corpo de eleição, para uma função pública da mais alta

importância, não se dá, nem nunca se deu no Brasil, a educação que uma elite pode e deve

receber. A maior parte dele, entre nós, é recrutada em todas as carreiras, sem qualquer

preparação profissional, como os professores do ensino secundário e os do ensino superior

(engenharia, medicina, direito, etc.), entre os profissionais dessas carreiras, que receberam,

uns e outros, do secundário a sua educação geral. O magistério primário, preparado em

escolas especiais (escolas normais), de caráter mais propedêutico, e, as vezes misto, com seus

cursos geral e de especialização profissional, não recebe, por via de regra, nesses

estabelecimentos, de nível secundário, nem uma sólida preparação pedagógica, nem a

educação geral em que ela deve basear-se. A preparação dos professores, como se vê, é

tratada entre nós, de maneira diferente, quando não é inteiramente descuidada, como se a

função educacional, de todas as funções públicas a mais importante, fosse a única para cujo

exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação profissional. Todos os

professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos estabelecimentos de

ensino secundário, devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos

cursos universitários, em faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e

incorporadas às universidades. A tradição das hierarquias docentes, baseadas na diferenciação

dos graus de ensino, e que a linguagem fixou em denominações diferentes (mestre, professor

e catedrático), é inteiramente contrária ao princípio da unidade da função educacional, que,

aplicado, às funções docentes, importa na incorporação dos estudos do magistério às

universidades, e, portanto, na libertação espiritual e econômica do professor, mediante uma

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formação e remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com a eficiência no trabalho,

a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores.

A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da função

educativa, mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a

vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional,

uma compreensão recíproca, uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas

aspirações e nos ideais. Se o estado cultural dos adultos é que dá as diretrizes à formação da

mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação unitária da mocidade, sem que

haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de transmití-la. Nós não temos o

feiticismo mas o princípio da unidade, que reconhecemos não ser possível senão quando se

criou esse "espírito", esse "ideal comum", pela unificação, para todos os graus do ensino, da

formação do magistério, que elevaria o valor dos estudos, em todos os graus, imprimiria mais

lógica e harmonia às instituições, e corrigiria, tanto quanto humanamente possível, as

injustiças da situação atual. Os professores de ensino primário e secundário, assim formados,

em escolas ou cursos universitários, sobre a base de uma educação geral comum, dada em

estabelecimentos de educação secundária, não fariam senão um só corpo com os do ensino

superior, preparando a fusão sincera e cordial de todas as forças vivas do magistério. Entre os

diversos graus do ensino, que guardariam a sua função específica, se estabeleceriam contatos

estreitos que permitiriam as passagens de um ao outro nos momentos precisos, descobrindo as

superioridade em gérmen, pondo-as em destaque e assegurando, de um ponto a outro dos

estudos, a unidade do espírito sobre a base da unidade de formação dos professores.

O papel da escola na vida e a sua função social

Mas, ao mesmo tempo que os progressos da psicologia aplicada à criança começaram

a dar à educação bases científicas, os estudos sociológicos, definindo a posição da escola em

face da vida, nos trouxeram uma consciência mais nítida da sua função social e da estreiteza

relativa de seu círculo de ação. Compreende-se, à luz desses estudos, que a escola, campo

específico de educação, não é um elemento estranho à sociedade humana, um elemento

separado, mas "uma instituição social", um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições

necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a adolescência e a mocidade, de

conformidade com os interesses e as alegrias profundas de sua natureza. A educação, porém,

não se faz somente pela escola, cuja ação é favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida

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pelo jogo de forças inumeráveis que concorrem ao movimento das sociedades modernas.

Numerosas e variadíssimas, são, de fato, as influências que formam o homem através da

existência. "Há a herança que a escola da espécie, como já se escreveu; a família que é a

escola dos pais; o ambiente social que é a escola da comunidade, e a maior de todas as

escolas, a vida, com todos os seus imponderáveis e forças incalculáveis". Compreender,

então, para empregar a imagem de C. Bouglé, que, na sociedade, a "zona luminosa é

singularmente mais estreita que a zona de sombra; os pequenos focos de ação consciente que

são as escolas, não são senão pontos na noite, e a noite que as cerca não é vazia, mas cheia e

tanto mais inquietante; não é o silêncio e a imobilidade do deserto, mas o frêmito de uma

floresta povoada".

Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada, na sua ação

educativa, pela pluralidade e diversidade das forças que concorrem ao movimento das

sociedades, resulta a necessidade de reorganizá-la, como um organismo maleável e vivo,

aparelhado de um sistema de instituições susceptíveis de lhe alargar os limites e o raio de

ação. As instituições periescolares e postescolares, de caráter educativo ou de assistência

social, devem ser incorporadas em todos os sistemas de organização escolar para corrigirem

essa insuficiência social, cada vez maior, das instituições educacionais. Essas instituições de

educação e cultura, dos jardins de infância às escolas superiores, não exercem a ação intensa,

larga e fecunda que são chamadas a desenvolver e não podem exercer senão por esse conjunto

sistemático de medidas de projeção social da obra educativa além dos muros escolares. Cada

escola, seja qual for o seu grau, dos jardins às universidades, deve, pois, reunir em tomo de si

as famílias dos alunos, estimulando e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da

educação; constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relação constante com as

escolas; utilizando, em seu proveito, os valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais

da coletividade e despertando e desenvolvendo o poder de iniciativa e o espírito de

cooperação social entre os pais, os professores, a imprensa e todas as demais instituições

diretamente interessadas na obra da educação.

Pois, é impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra educacional,

sem se rasgarem à escola aberturas no maior numero possível de direções e sem se

multiplicarem os pontos de apoio de que ela precisa, para se desenvolver, recorrendo a

comunidade como à fonte que lhes há de proporcionar todos os elementos necessários para

elevar as condições materiais e espirituais das escolas. A consciência do verdadeiro papel da

escola na sociedade impõe o dever de concentrar a ofensiva educacional sobre os núcleos

sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a imprensa, para que o esforço da

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escola se possa realizar em convergência, numa obra solidária, com as outras instituições da

comunidade. Mas, além de atrair para a obra comum as instituições que são destinadas, no

sistema social geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve utilizar, em seu proveito, com a

maior amplitude possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema

e o rádio, com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia, acudiu à obra de educação e cultura

e que assumem, em face das condições geográficas e da extensão territorial do país, uma

importância capital. À escola antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu

exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as

outras instituições sociais, se sucederá a escola moderna aparelhada de todos os recursos para

estender e fecundar a sua ação na solidariedade com o meio social, em que então, e só então,

se tornará capaz de influir, transformando-se num centro poderoso de criação, atração e

irradiação de todas as forças e atividades educativas.

A democracia, - um programa de longos deveres

Não alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades de toda a ordem que

apresenta um plano de reconstrução educacional de tão grande alcance e de tão vastas

proporções. Mas, temos, com a consciência profunda de uma por uma dessas dificuldades, a

disposição obstinada de enfrentá-las, dispostos, como estamos, na defesa de nossos ideais

educacionais, para as existências mais agitadas, mais rudes e mais fecundas em realidades,

que um homem tenha vivido desde que há homens, aspirações e lutas. O próprio espírito que

o informa de uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases científicas, e que

seria, em outros países, a maior fonte de seu prestígio, tornará esse plano suspeito aos olhos

dos que, sob o pretexto e em nome do nacionalismo, persistem em manter a educação, no

terreno de uma política empírica, à margem das correntes renovadoras de seu tempo. De mais,

se os problemas de educação devem ser resolvidos de maneira científica, e se a ciência não

tem pátria, nem varia, nos seus princípios, com os climas e as latitudes, a obra de educação

deve ter, em toda a parte, uma "unidade fundamental", dentro da variedade de sistemas

resultantes da adaptação a novos ambientes dessas idéias e aspirações que, sendo

estruturalmente científicas e humanas, têm um caráter universal. É preciso, certamente, tempo

para que as camadas mais profundas do magistério e da sociedade em geral sejam tocadas

pelas doutrinas novas e seja esse contato bastante penetrante e fecundo para lhe modificar os

pontos de vista e as atitudes em face do problema educacional, e para nos permitir as

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conquistas em globo ou por partes de todas as grandes aspirações que constituem a substância

de uma nova política de educação.

Os obstáculos acumulados, porém, não nos abateram ainda nem poderão abater-nos a

resolução firme de trabalhar pela reconstrução educacional no Brasil. Nós temos uma missão

a cumprir: insensíveis à indiferença e à hostilidade, em luta aberta contra preconceitos e

prevenções enraizadas, caminharemos progressivamente para o termo de nossa tarefa, sem

abandonarmos o terreno das realidades, mas sem perdermos de vista os nossos ideais de

reconstrução do Brasil, na base de uma educação inteiramente nova. A hora crítica e decisiva

que vivemos, não nos permite hesitar um momento diante da tremenda tarefa que nos impõe a

consciência, cada vez mais viva da necessidade de nos prepararmos para enfrentarmos com o

evangelho da nova geração, a complexidade trágica dos problemas postos pelas sociedades

modernas. "Não devemos submeter o nosso espírito. Devemos, antes de tudo proporcionar-

nos um espírito firme e seguro; chegar a ser sérios em todas as coisas, e não continuar a viver

frivolamente e como envoltos em bruma; devemos formar-nos princípios fixos e inabaláveis

que sirvam para regular, de um modo firme, todos os nossos pensamentos e todas as nossas

ações; vida e pensamento devem ser em nós outros de uma só peça e formar um todo

penetrante e sólido. Devemos, em uma palavra, adquirir um caráter, e refletir, pelo

movimento de nossas próprias idéias, sobre os grandes acontecimentos de nossos dias, sua

relação conosco e o que podemos esperar deles. É preciso formar uma opinião clara e

penetrante e responder a esses problemas sim ou não de um modo decidido e inabalável".

Essas palavras tão oportunas, que agora lembramos, escreveu-as Fichte há mais de um

século, apontando à Alemanha, depois da derrota de Iena, o caminho de sua salvação pela

obra educacional, em um daqueles famosos "discursos à nação alemã", pronunciados de sua

cátedra, enquanto sob as janelas da Universidade, pelas ruas de Berlim, ressoavam os

tambores franceses... Não são, de fato, senão as fortes convicções e a plena posse de si

mesmos que fazem os grandes homens e os grandes povos. Toda a profunda renovação dos

princípios que orientam a marcha dos povos precisa acompanhar-se de fundas transformações

no regime educacional: as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam

pela educação, e é só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como um princípio

de desagregação moral e de indisciplina, poderá transformar-se numa fonte de esforço moral,

de energia criadora, de solidariedade social e de espírito de cooperação. "O ideal da

democracia que, - escrevia Gustave Belot em 1919, - parecia mecanismo político, torna-se

princípio de vida moral e social, e o que parecia coisa feita e realizada revelou-se como um

caminho a seguir e como um programa de longos deveres". Mas, de todos os deveres que

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incumbem ao Estado, o que exige maior capacidade de dedicação e justifica maior soma de

sacrifícios; aquele com que não é possível transigir sem a perda irreparável de algumas

gerações; aquele em cujo cumprimento os erros praticados se projetam mais longe nas suas

conseqüências, agravando-se à medida que recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso

e mais grave é, de certo, o da educação que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de

seus destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a identidade

da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a consciência humana.

Assinam o Manifesto:

1. Fernando de Azevedo 2. Afrânio Peixoto 3. A. de Sampaio Doria 4. Anísio Spinola Teixeira 5. M. Bergström Lourenço Filho 6. Roquette Pinto 7. J. G. Frota Pessôa 8. Julio de Mesquita Filho 9. Raul Briquet 10. Mario Casassanta 11. C. Delgado de Carvalho 12. A. Ferreira de Almeida Jr. 13. J. P. Fontenelle 14. Roldão Lopes de Barros 15. Noemy M. da Silveira 16. Hermes Lima 17. Attilio Vivacqua 18. Francisco Venâncio Filho 19. Paulo Maranhão 20. Cecília Meirelles 21. Edgar Sussekind de Mendonça 22. Armanda Álvaro Alberto 23. Garcia de Rezende 24. Nóbrega da Cunha 25. Paschoal Lemme 26. Raul Gomes