A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein)

35

Transcript of A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein)

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 1/34

 

1\ Yneninaque era

uYnavez

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 2/34

 

2005, Editora Fundamento Educacional Uda

Dados Int.ernacionais de ceralogecao na Publlcacao (CIP)

(Comara srasuerra do Livre. SP, Brasil)

Klein, Sergio

SP

l . Literature infaruo-juvenil I. Titulo.

05-0334 CDD-028.5

Indices para cetalogo sistematico:

I. literatura infanto-juvcnil 028.5

2. Literaturajuvcnil 028.5

Pundacao Bibliotcca National

no Brasil per Bditora Pundameruo Educacional LIdo

Impressa no Brasil

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 3/34

 

Para Leticia,

men ina dos meus olhos.

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 4/34

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 5/34

 

f\. menina que era uma vez

Era Ulna vez uma men ina que adorava historias de era uma vez.

Bla se chamava Leticia, um nome que significa alegria. Mas Leticia nao

ficava multo alegre quando chegava ac fim de uma aventura, fechavao livro e olhava pcla jancla: Infelizmente. a historia nac continuava na

rua.

o que Leticia mais queria na vida era conhecer prtnctpes. bruxas.

fadas. dragoes, sapos e todos os bichos e espelhos tagarelas que existem

nas histor+as de era uma vez. Tarnbem adoraria conversar com urna

daquclas prtncesas de cabelos compridos e brilho nos olhos. que no ultimo

capitulo se casa com 0 pr incipe e vai curtir a lua-de-mcl na suite real

do castelo que fica no alto da colina. Mas 0 mundo-Ia-fora nao parecia

nem LIm pOLlCOencantado: os reis e rainhas moravam dentro das cartas

de baralho. no lugar dos castclos so havia prcdios e os dragoes foram

substit uldos por pit bulls Iuriosos.

Se ao menos os animais falasscm! Mas 0 unico que gostava de papa

era 0 papagaio da vizinha. De rnan ha bern cedo. quando ela seguia para

o jardim. a louro Ihe perguntava:

- Born dia. Rosa! Ja vai aguar as suas xaras?

Yeja voce que cotncfdencia: Rosa era 0 nome da vizi nha e tambem

das flores que tinha no jardim. A colncldencia 56 nfio era rnaior porque

Rosa nao gostava de vestidos cor-de-rosa. Alias, mania de vergonha de

usar vestido. Ela sc achava csquisita de rosto c desengoncada de corpo,

as pemas muito flnas. 0 pescoco meio torto, c a pele mats espinhentaque 0 caule das rosas. Eruao. preferia vestir roupas compridas. sern cor e

principalrnente scrn grace. para nao chamar a atencao de rungucrn.

Mas quem e que conscguc escaper da opiniao dos outros? Estou

falando dos meninos que jogavam bola

rua. Quando Rosa ia varrer a cakada. eles

apontavam 0 dedo c provocavam:

- Olha la a bruxa. genie! Sera que a

vassoura dela voa?

na @~ 0

~~

5

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 6/34

 

f\ . menina que era uma vez

,.

Rosa tinha todo 0direito de distribuir vassouradas. mas ela nao era

de briga e se limitava a baixar a cabeca. Depois de varrer a calcada, voltava

pra casa e se trancava no quarto e chorava ate ensopar a fronha e cair no

sana. Mas nem mesmo nos pesadelos a molecada the dava sossego.

Bruxa que e bruxa tern chapeu de cone com fivela, cabelo de

arame farpado, verruga na ponta do nariz comprido e uma gargalhada

de relampago prareado. E a Rosa, 0 que sera que tinha? Seu cabelo era

lisa e escorrido, preso com urn grampo sem enfeite, e no nariz s6 trazia

os 6culos de tartaruga. Nao estava acostumada a achar graca de nada - e

quando sorria punha a mao na boca. Como se mostrar os dentes fosse

Ialta de educaceo, imagine!

E bern verdade que gostava de cozinhar. mas em panelas de barro

inocentes. nao em caldeir6es enferrujados. Alem do mais, morria de

medo de ratos, baratas, morcegos, cobras e lagartos. enfim, de todosesses bichos gosmentos que as bruxas usam como ingredientes em suas

pocoes magicas e venenosas.

Havia outras vizinhas que - essas stm! - mcrcciam 0 apeJido de

bruxa. Como a Zefa da esqutna. voce ja ouviu falar?

Urn dia desses, Rosa estava fazendo urn bolo de

ameixa e na hora de mexer a masse descobriu que 0

fermenro tinha acabado. Como a mercearia ja estavafechada, ela foi ate 0 casarao da esquina para pedir

uma pitada de empresumo. A Zefa atcndcu a porta com

mau humor e a cabece cheia de rolinhos; em vez de

trazer fermento, encheu lima colher de sal e acabou

estragando 0 bolo da Rosa.

Esta aehando poueo? Entao, eu VOLI contar

outra: toda vez que Juvenal, 0 carteiro da rua, trazia

" 6

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 7/34

 

1\ men ina que era uma 'vez

uma correspondencie para a Zefa, ela batia 0 portae na cara dele e

entrava em casa resmungando e puxando os cabelos de arame farpado

e espremendo a verruga da ponta do nariz. Acontece que a Zefa nunca

recebia carta de namorado nem bilhete premiado nem convite parabatizado. Tudo 0que 0caia na caixa de correio cram contas e mais contas

para pagar, por Isso ela ficava furiosa e jogava 0 cachorro (urn pit bull

que cuspia fogo!) bem em ctma do carteiro.

Averruga que a Zefaespremia quando ficava braba era tao comprida,

mas tao, que ate parecia um nariz de reserva. Nao, nao, acho que lembrava

rnais 0 chifre de urn rtnoceronrc. Ou seria 0 focinho de urn dragao? 0

que eu quero dizer e que, tanto por fora quanro por dentro, a Zefa seriaa favorita para ganhar 0 concurso de bruxa da rua. Ninguem tlnha mais

talento para a maldade e a feiura, mas foijustamente com a Rosa que os

meninos cismaram de implicar.

Nern todos oS rneninoS.o Nando, que foi0 artilheiro do time

da rua, nunca teve coragem (quer dizer, a covardia) de chamar a Rosa de

bruxa. Toda vez que lia uma hist6ria de era uma vez, Leticia imaginava

que 0pnndpe tinha os olhos e os cabelos eo sorrtso do Nando. Pensando

bern, a imaginacao da Leticia estava com a razao. Ele podia nao ser urn

prtndpe. mas sabla controlar a bola sem deixar cair e por isso os colegas

lhe deram 0 apelido de rei. Isso mesmo, rei das embaixadas.

Leticia gostava de ler na janela, um olho no Iivro e outro la fora:

desse modo, podia se divertir com as hist6rias de era uma vez e ao mesmo

tempo acompanhar 0 futebol de rue. Ela sempre ficava aflita quando 0

prfncipe duelava com 0dragee ou 0Nando sofria faIta na entrada da area.

Entao, sentia cornichao no nariz (como se as sardas fossem pernilongos)

e mordla a ponta da trance. S6 relaxava na hera em que a lanca do

principe espetava 0 olho do dragao. E, e clare, depois que 0 Nando se

1 •

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 8/34

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 9/34

 

1\ mentna que ere urna -vez

levantava para cobrar a falta. mandava a bola no engulo e comemorava

a gol acenando para a janela.

Infelizmente esses gols term ina ram ... Eu disse que 0 Nando foi

o artilheiro do time, lembra? Repare no tempo do verba: foi. De uma

bora para outra. ele saiu da rua e do Iutebol c da vida da Leticia. Sumiuassim, sem dar notfcia, cndcrcco. telcfone OLi e-mail e quase marou a

familia de tristeza. Os pais acharam que 0menino tinha side sequestrado

e fica ram a espera do cantata dos bandidos. Mas ninguern ligou para

pedir resgaie. De nada adiaruou fazer queixa na pclfcia, botar aviso nos

jomais e espalhar retratos do Nando pclos pastes da cidade. E como se

a garoto tivesse cvaporado.

Apesar de tudo. Leticia nao perdeu a costume de ler pcrto da jancla:

enquanto urn olho acompanhava a hist6ria, 0 outro vigiava a esquina

para ver se 0 Nando voltava.

Teve urna vez quc a menina ouviu gntarta na rua e. por urn Instarue.

sentiu a coracao acelerado de esperance. Mas Io i alarme falso. Ao olhar

pela janela, ela descobriu que 0motivo da confusao era outro: parecc que

alguem fo! bater urn penatn. errou a pomaria e atirou a bola no jardim

da Rosa. Por azar, acertou uma rosetta.

Em vez de tocar a campai nha e pedir a bola de volta, os mcninospularam a rnuro e invadiram 0 jardim. Poi eruao que tiveram uma

surpresa: llll1 espinho da roseira tinha furado a bola. ~

A dona da casa abriu a porta e perguntou que

bagunca era aquela. Urn dos meninos enfiou 0dedo no _____

furo da bola e disse que por culpa da Rosa, quer dizer, \ r

da rosa da Rosa, eles nao podiam mais jogar futebcl. Ela

pen sou em responder que o jardim era inoeente, mas nao teve tempo de

defender as f1ores. Os garotos comecaram lim cochicho que foi ficando

mats alto e ganhou musica e vaias e assobios, rodos berrando BRU-XA!

BRU-XA! BRU-XA! e exigindo que Rosa fizesse alguma coisa ~

(quem sabe uma bru xariaP] para consenar a bola Iurada. ~

9

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 10/34

 

l\. meriina que era uma 'vez

o que I\.osa fez Ioi baixar a cabeca e ficar pensando, com saudade.

no carteiro da rua. Acho que eu me esqueci de contar que esta hist6ria tern

outra coincidencia: assim como Nando, Juvenal tambcm andava sumido.

Se bem que, para dizer a verdade, isso ja era esperado. Todos temiam que

mais cedo ou mais tarde ele se cansasse dos palavr6es, da cara amarrada

e da falta de educecao da Zefa, sem falar nas rnordldas do pit bull que ela

criava como um filho. Avizinhanca achava que Juvenal estava era Iugtndo.

isso sim, dal resolveu mudar de rue ou quem sabe abandonar 0 emprego.

S6 de se lembrar do carteiro, Rosa comecava a suspirar. Quando

passava em Irerue a casa dela. Juvenal nunca deixava de dar urn £116.Chegava assobiando. falava sobre 0 tempo, bebia urn dedo de cafe e as

vezes aceitava uns biscoitinhos. Ate que urn dia, na hora de partir, ele

enflou a mao na bolsa e tirou do fundo uma carta ... sem remetente!

Rosa mal esperou que 0 carteiro virasse as costas e mergulhou de

cabeca dentro do envelope. S6 que nao havia nenhuma assinatura, nem

mesmo as iniciais do auror. Apenas urn poem a de amor, urn corecao

espetado de flecha e uma pulga arras da orelha da Rosa.

Ou. talvez, duas pulgas. De urn lado, tinha a curiosidade de tentar

adivinhar quem seria 0prfncipe encantado que nao quisera se identiflcar

porque devia ser tfmido, coitado! Mas, arras da Dutraorelha. ficava a pulga

da irritacao: afinal de contas. per que 0 engracadinho do remetenre (por

mais rlmido que fosse) nao teve coragem de escrever 0pr6prio nome? E

se ele estiver gozando da rninha cara? E se for chato ou nervosinho ou

banguela ou nao gostar de cinema ou mascar chiclete de boca aberta ou

liver alergia a banho?

Ese 0 prfncipe, na verdade. for urn sapo?

Essas e outras perguntas ficaram batucando na cabeca da Rosa,

que (eve vontade de rasgar a carta em mil pedacinhos e reduzir aquele

atrevimento a urn punhado de confete, Mas a poesia era tao bonita - e

laO triste! -que ela guardou no fundo da gaveta. Urn envelope, pensandobern, nao ocupa muito espaco.

.. 10

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 11/34

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 12/34

 

. 1 \ menina que era UlTlO 'vez

NO dia scgutnre. chegou uma nova carte. COIll LUll poemn ainda

mais inspirado, depots mais uma e mais outra, ate que a gaveta ficou

pequena para abriga r taruos versos. Entao, foi preciso ocupar outras

gavetas C, em poucas semanas. as prateleiras do arrnario. a cuuoda. 0

criado-mudo e 0 bau. Quando nao havia mais mobilia disponfvel, os

envelopes se espalharam pelo chao, formando pilhas que subiam ate 0

teto e inundavam 0 quarto. Para Rosa s6 sobrou urn cantinho da cama ...

E olhe la!

A solucao scria fazer uma reforma na casa. talvez consuutr mais urn

quarto para dar lugar it biblioteca de canas. Mas Rosa acabou desistindo da

ideia. Parece que, com 0 surnlco do Juvenal, surniu tarnbcm a inspiracao

do admirador secreto. Desde 0 dia em que 0 carteirc abandoncu a rua.

nunea mais ehegou nenhuma carla nem bilhete nem telegrama nem verso

aoontmo. Rosa pen sou em pedir noucias ao novo carteiro. 0 Expedite,

Lim magricela que entregava de bicicleta a corrcspondcncia. jogando as

cartas e jornais por cima dos muros. Mas 0 rapaz vivia com prcssa e so

se comunicava buzinando.

o admiradar secreta nunca mandou urna foto; portaruo, nao

dava pra saber como ele era. Mas, mesilla SCIll ccnhccer 0 rosto. Rosa

podia apostar (int uicao ferninina. ora) que 0 autor daqucles pocmas ndo

perrnitiria que ela fosse chamada de bruxa pelos meninos da rua.

E pena que clc nfio cstava por perto no dia em que a roseira da

Rosa furou a bola da molecada. Sozinha no mcio do jardirn. cia cngoliu

a provocacao dos jogadores e se otereceu para cosrurar a bola. Acontece

que eles queriam voltar logo para a partida e nao tin ham paciencia de

csperar.

Um dos garotos dcseobriu urn sapo gordo no jardim. tcntando

bronzear a pele esverdeada. e saiu com a seguinte teoria:

• 12

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 13/34

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 14/34

 

I\. menina que era urn8 'vez

- Quem nao tern bola joga com sapo!

E deu a primeiro chute. 0 resro da turma invadiu 0 jardim e Hcou

chutando 0 sapo de urn lade para outro. Rosa bern que tentou ajudar 0

bicho, mas levou tanto ole da meninada que perdcu 0 f6lego e sentou-se nos degraus da varanda com cara de meu Deus, e agora>. Se ela nfio

tomasse uma providencia, 0 sapo iia acabar morrendo, e as meninos

ainda destruiriam 0 jardim.

Quem trouxe a solucao foi Leticia, A menina era muito eco16gica c

adorava usar camtsctas com estampas de tartarugas marinhas e micos-

le6es-dourados arneacados de exnnceo. Andar na rno da, po rem . nao basta

para salvar 0 planeta. Ela sabia disso e achava que a ecologia comeca

dentro de casa: antes de sair por aifazendc passeatas e carregando

can.azes contra a po lutceo am biental e a dcsu 'utcao da camada de ozon i o ,

era preciso cuidar dos animais de estimacao. como cachorros. gatos,

pci xe s ... e sapos.

Bspera af: sera que sapo e animal de estimacao?

Leticia achava que sim, pois saiu de u-as do livro e da janela eatravessou 0 quarto em disparada. Passou pela sala com tanta pressa

que derrubou a revista da mae, 0 controle remoto do pai e

a prato de setada que a cozinheira levava para a mesa, A

mae pediu ao marido que batxasse 0 volume da reve e

chamou a filha de volta, pais 0 almoco (com excecao

da salada) ja cstava servido. Mas Leticia 56 tinha fome

de aventuras.

Os jogadores estavam distratdos. chutando 0 pobre do sapo pelo

jardim, e nem viram Leticia entrar correndo. Rosa tambcm nao percebeu

quando a menina passou pcla garagem. seguiu ale as fundos da casa equase bateu a cabeca na gaioia do papagalo. Ele resolveu puxar assunto:

14

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 15/34

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 16/34

 

A . . meriina que er-aurna vez

- VOCepor aqui. Leticia?

o espanto virou gagueira:

- vo -vo ce fala?

- Mas e clare. Afinal. sou um papagaio.- E como e que voce sa be a meu nome?

- Voce tambem devia saber a nome do louro. A genre se conhece

ha tanto tempo ...

Leticia estava um pouco confusa, afinal de contas era a primeira

vez que fa lava com aquele papagaio - au com qualquer bicho. Sera que

as hist6rias de era uma vez podem escapar dos livros e acontecer no

mundo de verdade?

- Escuta aqui - disse Leticia, deixando a filosofia de lado -, voce

sabc onde a Rosa guarda a vassaura?

- E claro que a laura sabe.

- Bntao me conta.

- Pode ser... - resmungou a papagaio. - Mas tem uma condkao.

- 0 que e que voce quer? Fala logo.

- 0 louro quer beijo! 0 laura quer beijo!

- Como e que e? - Leticia riu do atrevimento.

- Um beijinho s6, 0que e que custa? 1 3 s6 Iazcr

um biquinho assim e ...

- Mas como voce pode pensar em beijo numa

hora dessas? 0 caso e de vida au morre! 0 coitado

do sapo esta I a no jardim. levando pont ape da

molecada, e eu precise de uma vassoura com

urgencia pra espantar aque1es vandalos.

- Tuda bern. nao precisa se estressar. 0 laura

vai dizer onde fica essa bend ita vassoura.

- Desembucha - Leticia ordenou.

- Primeiro 0 beijo.

• 16

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 17/34

 

A . menina que era urna -vez

Em vez de fazer biqutnho. Leticia mostrou os dentes e mordeu a

ponta da trance. 0 louro deve ter se senudo ameacado. porque apontou

a asa na direcao do quartinho de despejo.

La dentro, ela finalmente encontrou 0 que buscava: uma vassouracomprida e grossa, feita de urn tronco cheio de n6s e urn feixe de palha

amarrada com arame. Com aquela Janca nas rnaos, sentia-se preparada

para derrotar ate mesmo urn dragao. Seria muito rnais facil, porranto,

encarar dois timecos de futeboll

De volta ao jardim. Leticia ergueu 0 cabo da vassoura e num

minuto (talvez menos) varreu todos os jogadores. Alguns tentaram

resistir, mas foram beliscados pela piacaba e sairam correndo com a calca

rasgada e tapando a cueca com as rnaos.

Rosa ficou tao agradecida que nem sabia como agradecer:

- Gracas a voce, princesa - ela disse, segurando as maos de Leticia -,

o meu jardim esta salvo. Agora precisamos salvar 0 sapo.

Leticia achou graca das palavras de Rosa: tao esquisito ser chamada

de princesa!

As duas reviraram 0 jardim pelo avesso, procurando atras dos

cauies, embaixo das folhas e no meio da grama. mas s6 encontraram

minhocas e lesmas sonolentas. Ja estavam prestes a desistir quando Rosa

ouviu urn croac (ou coisa parecida) que vinha da varanda.Faltava descobrir a rraduceo de croae. Seria 0 pedido de socorro de

um sapo ou, sei Ia, 0 assoalho da casa rangendo? Rosa e Leticia foram

conferir 0 barulho. Ao chegarem a varanda, perderam a voz e a cor e

deixaram 0 queixo despencar.

Vocequer saber se elas acharam 0 sapo?

Bern, eu diria que ... mais ou menos. 0 que estava na varanda era

uma criatura imovel. ferida e amarrotada, que parecia mais uma bola

I7

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 18/34

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 19/34

 

- 1 \ rnerririaque era uma "'VeZ

murcha que urn sapo. Na pressa de fugir das vassouradas da Leticia, os

garotos jogaram 0 bicho pra cima e ele foi parar num canto da varanda.

Caiu de cara num vaso de cactos e mal tinha forces para gemer croae.

- E agora? - Leticia perguntou. - Sera que ele vai morrer?Jamais a Rosa imaginou que teria coragem de passar a mao num

sapo, mas de repente ela esqueceu 0 medo e 0 nojo e pegou 0 bicho no

colo. Poi exatamente isso 0 que eu disse: no colo! E eu ainda nao disse

tudo. Quando 0 sapo voltou a falar croac, Rosa achou que ele estivesse

agradecendo 0 carinho e ficou muito comovida - a ponto de lhe dar urn

beijo na testa fria e enrugada.

- Vamos la dentro - Rosa chamou Leticia, colocando 0 sapo no

capacho. - Temos que buscar esparadrapo pra fazer urn curativo.

Como e que urn pedaco de esparadrapo vaigrudar na pele

escorregadia de urn sapo? Leticia teve vontade de fazer essa pergunta,

mas mordeu a curiosidade da lingua e correu arras da Rosa. Elas foram

ate 0 armarinho do banheiro, escolheram alguns vidros de rernedio e

tubos de pomada e voltaram zunindo para a varanda.

Agora tin ham todos os ingredientes para Iazer 0 curativo. S6 0que

faltava era 0 sapo.

Pais e , 0 bicho havia desaparecido. E no lugar dele apareceu 0

Juvenal.Vocenao acredita? PoisRosae Leticiatambem duvidaram. Chegaram

ao cumulo de esfregar os olhos, como se fossem vitimas de uma miragem.

Mas os olhos nao mentem. 0 ex-carteiro da rua estava sentado no capacho,

com as pernas dobradas e abertas e as dedos da mao separados. Na mesma

posicao do sapo. E, 0 que e rna is estranho, com a pele toda machucada.

Assim que recuperaram 0 folego. Leticia e Rosa comecaram a falar

ao mesmo tempo:

19 ,.

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 20/34

 

1\ menina que era uma -vez

- 0 que voce esta fazendo ail

- Como e que se feriu desse jeito?

- Por que fugiu da nossa rua?

- Por acaso nao viu urn sapo?As perguntas deixaram Juvenal meio zonzo. Ajudado par Rosa e

Leticia, ele se levantou com dificuldade, espreguicou-se lentamente e

disse que nao tinha pedido demissso nem sumido da rua. Pelo contra rio,

durante tcdos aqueles dias esteve ali mesmo, na casa da Rosa, pulando

entre as folhas do jardim.

- Pulando? - Rosa nao estava entendendo nada. - Mas como e

que...

Juvenal aproveitou as rencenctas para revelar tad a a verdade.

Quer dizer, para ten tar revelar. No instante em que abriu a boca, ele

foi atropelado pelas palavras, todas querendo sair de uma s6 vez e se

espremendo na garganta. Resultado: acabou se engasgando, ficou com as

olhos vermelhos e sofreu urn ataque de tosse. Tudo a que conseguiu dizer

fol croac.. a que, pela sua cara de dar, podia ser traduzido como "ai"A dona da case correu a cozinha e trouxe urn capo de agua com

ecucar, mas nem assim Juvenal se animou a falar. Enquanto procurava

recuperar a voz, ele tirou do bolso e deu para Rosa uma carta.

Rosa ,

antigam en te havia alguns reis que m andavam eastigar as mensageiros

que traziam m as notic ias. E pelo visto a ZeJa da esqu ina reso lveu Jazer 0 mesmo

eom igo, em bora ela nao seja nenhum a ra inha. C d p ra nos, acho que essa m ulher

e um a bruxa . H oje eedo Jui the entregar a cotrespondincia (com certeza . a lgum a

eo nta ve ncid a} e p ed i q ue ela a ssin asse 0 re cib o. S ab e q ua lJ of a re sp os ta ? " Pn m eiro

venha tom ar um cafeeinho ." Eu aehei m eio esquisfto aquele convite . m as [iquei

sem grara de recusar. M ald ita hora! 0 prim eiro gole jd m e f e z passar m al. Senti

a lingua dorm em e. a cabeca rodopiou, e a i eu nda m e lem bro de m ais nada.

Q uando acordei. estava preso no pordo da casa , onde passei a noite ouvindo as

" 20

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 21/34

 

- A . menina que era uma vee

gargalhadas da bruxa . E la acabou de m e dizer que preparou um a pocdo m dgica e

va i m e transform ar num sapo. Pode ser que esteja inven tando essa am eafa s6 pra

m e assustar. P ar via das duvidas, eu reso lvi escrever esta carta . N do sei com o fazer

para en trega-la . m as espero que as m inhas palavras ... x i, a bruxa esta descendo asescadas do pordo . Acho m e/hor guardar a carta no balsa , m ais tarde eu continuo

escrevendo . Sera que sapo consegue segurar um a caneta?

A carta estava datada: 0 mesmo dia em que Juvenal havia

desaparecido! Rosa tomou 0 copo de agua com acucar das maos do

carteiro e bebeu tudo de urn s6 gole. Mas nem assim se aealmou:

- Quer dizer que voce e aquele sapo... sao a mesma pessoa?

- Ou 0mesmo bicho - respondeu Juvenal. tentando manter 0 born

humor.

Leticia tinha lido a carta junto com Rosa e queria mais detalhes

sobre a bruxaria:

- Como e que a Zefa fez pra te transformar em sapo?

- Ela me deixou sem com ida por uns dois ou tres dias e ai meofereceu um prato de sopa. Depois de algumas colheradas, fiquei verde

e arregalado e eomeeei a pular e gritar croae. A bruxa esfregou as maos

e dissc que aquilo era pra eu aprender a nunea mais the trazer uma

cobranca, Tambem falou que 0 feitico irla durar para sernpre, a nao

ser...

- Continua - Rosa implorou.

- Anao ser que eu ganhasse urn beijo- expJicou

Juvenai. - Mas quem e que teria coragem de botar

a boca num bicho tao gosmento?

Logo depois que se tornou sapo, Juvenal ficou

corn rnedo de virar ingrediente de pocao magica e

afundar para sempre no caldelrao da bruxa. Por tsso,

resolveu fugir do casarao e de pulo em pulo alcancouo jardim da Rosa. S6 entao se sentiu protegido.

21 ~

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 22/34

 

1\men ina que era urna 'vez

- Mas nao foi facil chegar aqui - ele disse. - Na hora de atravessar

a rua, quase fui atropelado pela bicicleta do novo carteiro.

Por falar em bicicleta, Rosa perdeu 0 equillbrio quando olhou

outra vez para a carta e reparou na caligrafia do Juvenal: a letra era amesma -mesmissima! - do admirador an6nimo que desenhava coracoes

trespassados de fleehas e criava versos de amor eterno.

- Entao e por isso - ela concluiu - que as suas cartas nao tinham

selo... Mas por que voce nunca me contou que era 0 poeta secreta?

Fazia apenas alguns minutos que Juvenal deixara de ser sapo,

portanto ainda estava meio verde - e cheio de manchas roxas, pintadas

pelos pontapes da molecada. Seu rosto, porem, ficou vermelho. Apesar

da timidez. ele tirou do bolso uma caixinha e entregou para Rosa.

- Economizei 0 dinheiro dos selos - confessou - para comprar isso

pra voce.

Juvenal respirou fundo e contou ate tres, tomando coragem para

pedir a mao da Rosa. Mas nao foi preciso falar nada. Quando abriu a

caixinha e viu 0 anel, ela abracou 0 poeta e respondeu que sim com urnbeijo.

E todos foram felizes para sempre,

Todos oS daiS, eis a que eu quero dizer. Porque a Leticia... Bern,

depois que 0Nando foi embora, a menina perdeu boa parte da aJegria que

carregava no nome. E certo que gostou de ver a Rosa e 0Juvenal juntos e

ate comentou que fazia questao de ser madrinha. Mas na verdade estava

triste. Quase ntnguem notou essa tristeza. mal disfarcada com urn sorriso

torto: Juvenal nao tirava as olhos da Rosa, que, por sua vez. estava muito

ocupada em adrnirar 0 anel de casamento. Teve uma criatura, porem.

que acompanhava cada gesto da Leticia e percebeu que ela se estorcavapara nao minguar 0 sorriso em careta.

.. 22

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 23/34

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 24/34

 

A. rnerriria que era uma vez

Lembra que a Leticia tinha Ide ate 0 quartinho de despejo, hi nos

fundos da casa da Rosa,para pegar uma vassoura e varrer os jogadores? Pois

quando ela voltou aojardim, 0papagaio voou etras. Empoleirado no muro,

eleviu os meninos serem expulsos e 0 sapo ganhar urn beijo e virar carteiroe entregar a carta e 0anel para Rosa. Assistiu a tudo isso em silencio, como

se estivesse no cinema, mas nao pede se conter diante do beijo do casal.

Num voo rasante, ele decolou do muro, aterrissou na varanda e foi

direto ao assunto:

- Leticia esta devendo urn beijo para 0 louro.

- Quem, eu? - Ela tentou desconversar.

- Voceprometeu urn beijo se 0louro contasse onde estava a vassoura.

E 0 louro veio cobrar a divlda.

Rosa tomou a defesa de Leticia e ordenou ao papagaio que voltasse

imediatamente para 0 poleiro, onde ja se viu?

o bieho nao se deixou intimidar:- 0 louro 56volta depois que ganhar urn beijo da Leticia.

Cansada de discutir, a menina suspirou e cedeu a insistencia. Afinalde contas, 0que pode haver de mais inofensivo que urn beijo? Era assim

que Leticia pensava quando se sentou nos degraus da varanda, curvou-se

sobre 0 papagaio e deu-lhe urn beijo no bico.

Mas parece que ela estava enganada.

o efelto do beijo foi uma explosao escandalosa, seguida de umanuvem de fumaca que deixou todo 0 jardim nublado. Juvenal e Rosa

tiveram sorte, pois estavam de maos dadas e dividiram 0 medo pela

metade. Leticia, em compensacao, aguentou 0 susto sozinha.

Quando a poluicao se dissipou, nao havia mais sinal do papagaio.

o unico louro na varanda era 0Nando.

- Nao me diga - gritou Leticia - que voce e 0 louro ... sao a mesma

pessoa!

- Ou 0 mesmo bicho - ele respondeu, sem a menor preocupaceode parecer original.

.. 24

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 25/34

 

i\menino que era urna 'vez

Nando contou que tambem tinha sido vjtlma das bruxarias da

Zefa. Ele estava passando em frente a casa da esquina quando viu uma

jabuticabeira carregada e dccidiu pular 0mum. Na ponta dos pes, invadiu

o quintal, insralou-se num galho confortavel e comecou a chupar e ouvirjabuticaba: tao born quanta a docura da fruta era 0 estouro da casca! 1a

dando dentadas e fazendo hummmmm e cuspindo sem dtrecao ...ate que,

sem querer, acertou urn caroco no cabelo de arame farpado da bruxa.

- Desce ja dal - Zefa berrou, ao olhar para cima e identificar 0

autor da chuva. - Quem e que te deu ordem pra roubar as minhas

jabuticabas?

Foi urn berro tao estrondoso que Nando despencou da arvore. Mas

o pior e que caiu de mau jeito e levou urn corte na perna.

Incapaz de satr correndo, s6 the restava conquistar a simpatia da

bruxa. Ele bern que tentou fazer gra<;a,alegando que nao estava roubando

as frutas. apenas fazia urn emprestimo e em seguida devolvia a casca e 0

caroco. Mas Zefanao tinha senso de humor. Nando contou piadas, recitou

trava-lmguas. propos charadas e inventou hist6rias e assobios que fariamqualquer urn se engasgar na risada. Menos a bruxa. Para dar uma li<;ao

no garoto, ela pensou em preparar aquela sopa que tlnha transformado

o carteiro em sapo. Mas de repente veio outra ideia:

- Voce fala dernals. moleque, Acho que tern mais vocacao pra

papagaio.

E foi correndo ao fogao. cozinhou urn sueo de raizes

amargas e deu para 0Nando beber. POl'causa da queda

da arvore, ele sentia muita dor na perna e imaginou

que estava tomando alguma especie de analgesico.

Quanta inocencia! Dab a instantes a boca virou bico, a

pele se cobriu de penas e a lingua tentou pedir socorro.

Mas 56 saiu currupaco!

Assim como Juvenal. Nando tratou de fugir docastelo da bruxa - ja pen sou se ela inventasse de fritar

25

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 26/34

 

J \ _ lnenina que era Ulna'vez

um blfe de papagaio? Ele sonhava em voar para a casa da Leticia e ficar

porla. a espera de um beijo, Nao havia outro jeiro, segundo a Zefa. de

desfazer aquele tipo de feitico.

Infelizmente a casa da Leticia njio tinha quintal e, para completar,tinha urn gato bastante implicante. Entao. 0 Nando firou hospedado

num poleiro da casa da Rosa, de onde podia ver a meru na ler

I~tstonas de era uma vez na janela.

- Eu senn tanto a sua falta - disse Leticia, cocando as

sardas do nanz e mordendo a ponta da trance. - Voce devla ter

me comado lSS0 antes

Ele respondeu com uma pergunta:

- E voce ia acreditar na palavra de um papagaio?

Leticia e Nando tambcm foram Iellzes para sempre. E resolveram

fazer uma festa para comemorar 0 fim do fetnco.

J\ ideia ganhou 0 apoio imediato do Juvenal, que queria esquecer 0

seu passado de sapo e sugeriu convidar a rua inteira. Rosa reagiu com

espanto:

- Convidar esses moleques? Mas eles chutaram 0 sapo, quer dizer.

chutaram voce. E ainda me xingaram de bruxa.

- A culpa nao e dos garoros, querida. Par Incnvel que pareca. a

culpada e a bola!

Agora eu pergunto: como e que uma bola podc ser responsavel pelo

comportamento dos jogadores? Se voce tambem acha estranho, en tao

esc ute a explicacao do Juvenal.

Na tarde em que ele foi captur ado pel a bruxa. os merunosr I 1 estavam jogando pelada na rua e arrernessaram a bola no quintal

~ da casa da esquma "'" flcou tao enfezada "" chegou a pegar urn

.. 26

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 27/34

 

J

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 28/34

 

f\ . meninil que era urnil 'vez

facao para picar a bola em pedacinhos. Mas, pensando melhor. achou

que seria mats divertido testar uma nova receita de bruxaria.

Juvenal estava preso no porao e viu tudo. Zefa tirou um pozinho

de dentro do sutif e. enquanto polvilhava a bola, soltou uma de suas

gargalhadas de relampago e recuou a seguinte maldicao:

Quem nesta b o la to ca r

v ai q ue re r fa ze r lr ap ar a

ate mesmo com quem ama

Q ualq uer qu e seja a placat .

a [utebol s6 tcm g ra fa

se esp inur sangue na gram a.

Rosa sacudiu a cabece. horrorizada com a possibilidade de futebol

virar arrna. Mas tambem sentia urn certo alivio: agora tinha a certeze de

que nao parecia uma bruxa. Se os mcninos cismaram de xinge-la. era s6

porque jogavam com uma bola enfetnceda. que transformava qualquer

craque num trapaceiro violerno.

Quando souberam da verdadc, as jogadores foram pedir desculpas

a Rosa e Juvenal e decidiram tomar lima atitudc contra as loucuras da

zcfe.

- Mas que atitude? - perguntou Leticia. - Fazel' 0 que contra essa

bruxa?

o silencio foi quebrada pelo Expedite, queapareceu na rua buzinando

a sua bicicleta apressadinha. Ao vel' 0 Juvenal, 0 novo carteiro freou

bruscamente e acabou derrubando algumas cartes.

- Par onde voce andou, Juvenal? Mas que surprcsat

Juvenal respondeu que havia tirado umas ferias forcadas e sc

agaehou para ajudar 0 Expedito a recolher a cor respondencia espalhada

pel a rua. Mas de repente encontrou um envelope que tinha como

destinatar ia a Zefa.

28

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 29/34

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 30/34

 

A . rneriirra que era urna "'VeZ

- Esta aqui - Juvenal sacudiu 0 envelope -, eu face questao de

entregar.

E partiu em direcao ao casarao da esquina, de maos dadas com

Rosa e seguido por Leticia, Nando, Expedite e os dois times completos,alent de vizinhos e curiosos. Tarnbern estavam presentes 0 pai e a mae

do Nando, que dancavam no meio da rua para festejar a volta do filho.

Acampainha da bruxa sernpre dava choque, par isso Juvena I tomou

o cuidado de bater palmas. A pequena multidao, no entanto, prefenu

vaiar.

o que a Zefamais detestava na vida era visita. Agora imagine umamultidao de visitas. Pior ainda: uma multidao de visitas gritando uuuuuu.

E, para engrossar 0 coro, 0 pit bull nao parava de latir.

A bruxa estava na cozinha. preparando urn caIdo fedorento para

combater celulite, quando comecou a confusao. Mais esquentada que 0

caldo, ela mandou 0 cachorro parar de cuspir fogo e foi conferir quem

revc a petulancia de fazer algazarra na sua esquina. Passou pela sala

atropelando os m6veis, derrubou a porta com um pontape e trovejou

uma gargalhada tao fone que muita gente olhou para 0 Cell, achando

que fosse chover.

E, de fato, 0 tempo fechou.

Ela carninhou ate 0 per tao e mandou os vizinhos de volta pra casa,

do contra rio transformaria todo 0mundo em estatua.

- Edesta vez - arneacou. apontando a unha comprida -0

beijo naoserve pra nada. Ainda nao existe antfdcro pra esse novo fetnco.

Foi a bruxa. no entanto, quem se transformou em estatual Quando

Juvenallhe entregou a tal correspondencla. Zefa olhou para 0 envelope e

ficou paralisada de pamco. Blaja havia topado com todo rlpo de bicho, dos

mais ferozes aos mais venenosos, inclusive alguns monstros mitoI6gicos.

Mas jamais podia imaginar que iria enfrentar 0 leao.

1 3 claro que nfio se tratava de uma fera qualquer. 0 leao que rugiu

para a bruxa foi 0 do imposto de renda: uma notiflcacao intimava a

.. 30

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 31/34

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 32/34

 

1\men ina que era uma vez

~contrtbuinte Maria Josefina Coroca Ranzinza Desafortunada das Dares

a pagar os ultimos anos de impostos soncgados. acrescidos de mu.lta e

juros.

Abanando-se com a notificacao. Zefa gaguejou umas palavrasesquisitas que nao produziram nenhum efeito magico. Parece que 0

Ieao tinha devorado as seus poderes. Ela assinou 0 recibo com a mao

tremula, refugiou-se no porao e tapou as orelhas com 0 rravcssctro. Mas

era impossfvel nao ouvir a musica, os brindes e os fogos... A festa se

espalhou pelo bairro e deixou a bruxa ainda mais infeliz.

Voce e eu. em cornpensacao, tivemos a mesma sorte da Leticia e

dos demais moradores da rua. N6s tambem fomos felizes para sempre

nesta hist6ria, que continua do outro lade da janela.

32

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 33/34

5/13/2018 A Menina Que Era Uma Vez (Sergio Klein) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-menina-que-era-uma-vez-sergio-klein 34/34

 

A paixao de Leticia eram os contos de fadas.

De tanto ler essas histories. ela acabou achando que a

realidade andava meio sem grat;:a. 0 tedio, porem, durou

pouco. A menina foi obrigada a mudar de opiniac quando

passou a conviver com as vizinhos: uma moca com nome

de flor que da um beijo no sapo de estimacao, uma bruxa

com cabelo de arame farpado e seu dragao pit bull, um

papagaio que sabe falar sem repetir, urn time inteiro de

futebol amaldicoado pela bola.

Sergio Klein mistura no mesrno caldeirao ingredientes

da prosa e da poesia, criando uma pocao magica que faz a

gente virar personagem. As historias nao estao apenas

nos livros, basta dar uma olhada ao redor.

Era uma vez a realidade ...

1\meninaque era

uma yez