A Moral e Outras Formas de Comportamento Humano

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A Moral e Outras Formas de Comportamento Humano (Adolfo Sánchez Vasquez) 1. Diversidade do Comportamento Humano À diferença do animal, o homem se encontra numa variedade de relações com o mundo exterior (transforma-o materialmente, conhece-o, contempla-o esteticamente, etc). Seu comportamento variado e diverso corresponde, por sua vez, à variedade e diversidade das suas necessidades especificamente humanas. O animal vive as suas relações com o mundo exterior segundo um repertório único e imutável; o homem, entretanto, ainda que nas fases mais inferiores do seu desenvolvimento social comece com uma relação pobre e indiferenciada, na qual se confundem trabalho, arte, conhecimento e religião, enriquece aos poucos a sua conduta com vários modos de comportamento que, com o tempo, adquirem feições próprias e específicas. Assim, constitui-se um comportamento prático-utilitário, graças ao qual o homem transforma praticamente a natureza com o seu trabalho para produzir objetos úteis; pode-se também distinguir uma relação teórico- cognoscitiva, que desde as suas origens está em função das exigências dessa transformação prática e pela qual o homem capta o que as coisas são; temos também um comportamento estético quando o homem se expressa, exterioriza ou se reconhece a si mesmo, ora na natureza que existe independentemente dele, ora nas obras de arte que são suas criações. Deve-se salientar também um comportamento religioso, no qual o homem se relaciona indiretamente com o mundo através de sua vinculação (ou religação) com um ser transcendente, sobrenatural ou Deus. Esta diversidade de relações do homem com o mundo acarreta também uma diversidade de relações dos homens entre si: econômicas, políticas, jurídicas, morais, etc. Por isso, podemos falar também em diversos tipos de comportamento humano que se evidenciam na economia, na política, no direito, no trato social e na moral. Todas estas diversas formas de comportamento — tanto com o mundo exterior quanto entre os próprios homens — supõem um mesmo sujeito: o homem real, que diversifica assim o seu comportamento de acordo com o objeto com o qual entra em contato (a natureza, as obras de arte, Deus, os outros homens, etc.) e de acordo também com o tipo de necessidade humana que procura satisfazer (produzir, conhecer, expressar-se o comunicar-se, transformar ou manter uma ordem social determinada, etc.). Porque são próprias de um mesmo sujeito — que cria material e espiritualmente — as formas mencionadas de comportamento estão relacionadas entre si, mas as formas concretas assumidas pela sua relação — entre a arte e a religião, entre a moral e a economia ou entre o direito e a política, por exemplo — dependem das condições históricas concretas. Estas condições determinam qual é o tipo de comportamento humano dominante nesta ou naquela sociedade ou numa época determinada; quer dizer, se é a religião, a política, etc., embora o que sempre domine, em última instância, seja o 1

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A Moral e Outras Formas de Comportamento Humano (Adolfo Snchez Vasquez)1.Diversidade do Comportamento Humano

diferena do animal, o homem se encontra numa variedade de relaes com o mundo exterior (transforma-o materialmente, conhece-o, contempla-o esteticamente, etc). Seu comportamento variado e diverso corresponde, por sua vez, variedade e diversidade das suas necessidades especificamente humanas. O animal vive as suas relaes com o mundo exterior segundo um repertrio nico e imutvel; o homem, entretanto, ainda que nas fases mais inferiores do seu desenvolvimento social comece com uma relao pobre e indiferenciada, na qual se confundem trabalho, arte, conhecimento e religio, enriquece aos poucos a sua conduta com vrios modos de comportamento que, com o tempo, adquirem feies prprias e especficas. Assim, constitui-se um comportamento prtico-utilitrio, graas ao qual o homem transforma praticamente a natureza com o seu trabalho para produzir objetos teis; pode-se tambm distinguir uma relao terico-cognoscitiva, que desde as suas origens est em funo das exigncias dessa transformao prtica e pela qual o homem capta o que as coisas so; temos tambm um comportamento esttico quando o homem se expressa, exterioriza ou se reconhece a si mesmo, ora na natureza que existe independentemente dele, ora nas obras de arte que so suas criaes.

Deve-se salientar tambm um comportamento religioso, no qual o homem se relaciona indiretamente com o mundo atravs de sua vinculao (ou religao) com um ser transcendente, sobrenatural ou Deus. Esta diversidade de relaes do homem com o mundo acarreta tambm uma diversidade de relaes dos homens entre si: econmicas, polticas, jurdicas, morais, etc. Por isso, podemos falar tambm em diversos tipos de comportamento humano que se evidenciam na economia, na poltica, no direito, no trato social e na moral.

Todas estas diversas formas de comportamento tanto com o mundo exterior quanto entre os prprios homens supem um mesmo sujeito: o homem real, que diversifica assim o seu comportamento de acordo com o objeto com o qual entra em contato (a natureza, as obras de arte, Deus, os outros homens, etc.) e de acordo tambm com o tipo de necessidade humana que procura satisfazer (produzir, conhecer, expressar-se o comunicar-se, transformar ou manter uma ordem social determinada, etc.). Porque so prprias de um mesmo sujeito que cria material e espiritualmente as formas mencionadas de comportamento esto relacionadas entre si, mas as formas concretas assumidas pela sua relao entre a arte e a religio, entre a moral e a economia ou entre o direito e a poltica, por exemplo dependem das condies histricas concretas. Estas condies determinam qual o tipo de comportamento humano dominante nesta ou naquela sociedade ou numa poca determinada; quer dizer, se a religio, a poltica, etc., embora o que sempre domine, em ltima instncia, seja o comportamento humano exigido pela necessidade vital e inadivel de produzir os bens necessrios para subsistir, ou seja, a estrutura econmica No se pode, pois, estranhar que devido s peculiaridades de uma sociedade ou de uma poca determinada, a arte se relacione mais com a religio, com a poltica ou com a moral. Ou que a moral esteja em mais estreita relao com a Poltica, como foi na Antiguidade o caso de Atenas; a poltica com a religio, como acontecia na Idade Mdia; ou que a moral suplante a economia como acontece na sociedade burguesa, na qual as virtudes econmicas se transformam em virtudes morais.

Somente o estudo concreto das diferentes formas de comportamento humano no seu desenvolvimento histrico relativamente autnomo, assim como nas suas relaes com a estrutura social, na qual se integram, pode-nos dizer como e porque circulam entre si as diversas formas de conduta humana e como e porque uma delas desempenha, numa determinada fase, o papel principal.

No momento, cabe-nos somente examinar, em termos gerais, qual a distino, nesse quadro geral de relaes mtuas, entre o comportamento moral e outras formas fundamentais do comportamento humano, como o religioso, o poltico, o jurdico ou legal, o trato social e o terico-cognoscitivo ou cientfico. Vejamos, por conseguinte, separadamente, as relaes entre a moral e a religio, a moral e a poltica, a moral e o direito, a moral e o trato social e a moral e a cincia.2.Moral e ReligioNum sentido amplo, pode-se entender por religio a f ou a crena na existncia de foras sobrenaturais ou num ser transcendente e sobre-humano, todo-poderoso (ou Deus), com o qual o homem est em relao ou est religado. Do ponto de vista das relaes entre o homem e a divindade, a religio se caracteriza: a) pelo sentimento de dependncia do homem com respeito a Deus; b) pela garantia de salvao dos males terrenos que a religio oferece ao homem no outro mundo. Esta caracterizao aplicada, sobretudo, ao cristianismo significa: 1) a afirmao de Deus como verdadeiro sujeito e a conseqente negao da autonomia do homem; 2) a transposio da verdadeira libertao do homem para um mundo transcendente, ultraterreno, que somente se pode alcanar depois da morte. Se a religio oferece num alm a salvao dos males deste mundo, significa que reconhece a existncia real desses males, isto , a existncia de uma limitao ao pleno desenvolvimento do homem e, neste sentido, a expresso da misria real. Por outro lado, prometendo este desenvolvimento na outra vida, significa que, tambm nesta forma, a religio no resigna com os males deste mundo e lhes d uma soluo, ainda que num mundo ultraterreno, colocado alm do mundo real: neste sentido a religio o protesto contra a misria real. Quando se perde de vista que inclui um protesto contra o mundo real, a religio se transforma num instrumento de conformismo, resignao ou conservadorismo: isto , de renncia luta para transformar realmente este mundo terreno. E tal a funo que a religio desempenhou historicamente durante sculos, colocando-se, como ideologia, a servio da classe dominante.Mas no foi assim nas suas origens, quando nasceu como religio dos oprimidos dos escravos e dos libertos - em Roma. E, em nossos dias, est adquirindo fora dentro cristianismo uma tendncia que remonta at suas origens e se afasta da tradio conformista que, durante sculos, forneceu um fundamento teolgico aos sistemas econmico-sociais dominantes (escravido, feudalismo e capitalismo), para solidarizarem com as foras que lutam por uma transformao efetiva do mundo humano real.

Quando se fala de relaes entre a moral e a religio, preciso lembrar as consideraes anteriores. Tendo-as presentes, podemos sublinhar que a relao entre ambas as formas de comportamento humano ocorre na medida em que: a) a religio inclui certa forma de regulamentao das relaes entre os homens, ou seja, certa moral. No cristianismo os mandamentos Deus so, tambm, preceitos ou imperativos morais; b) a religio se apresenta como uma garantia do fundamento absoluto (Deus) dos valores morais, assim como da sua realizao no mundo. Sem religio, portanto, no h moral.

A primeira tese a religio inclui certa moral - confirmada historicamente tanto pelo comportamento religioso dos homens como pelo seu comportamento moral.

Uma moral de inspirao religiosa existiu e continua a existir, embora de acordo com as formas efetivas que a religio e, em particular, o cristianismo adotou seja preciso reconhecer que a moral que se apresentava como crist era classista, isto , a servio dos interesses e valores da classe social dominante.

No que diz respeito segunda tese Deus como garantia da moral pode-se afirmar que, segundo ela, a falta deste fundamento ou garantia acarretaria a impossibilidade da moral. Nas palavras seguintes do romancista russo Dostoievski, inmeras vezes citadas, expressa-se condensadamente esta posio: Se Deus no existisse, tudo seria permitido. No haveria, pois, uma moral autnoma, que tivesse seu fundamento no homem: poder-se-ia afirmar somente a moral que tivesse o seu centro ou a sua fonte em Deus.

Pois bem, como demonstra a prpria histria da humanidade, a moral no somente no se origina da religio, mas tambm anterior a ela. Durante milnios, o homem primitivo viveu sem religio, mas no sem certas normas consuetudinrias que regulamentavam as relaes entre os indivduos e a comunidade e, ainda que em forma embrionria, j tinham um carter moral. Por conseguinte, do fato que a religio implique numa certa moral e que, para essa, Deus seja a garantia dos valores morais e da realizao da moral, no segue que a moral no seja possvel sem a religio. A religio no cria a moral, nem a condio indispensvel em qualquer sociedade para ela. Mas, evidentemente, existe uma moral de inspirao religiosa que desempenha tambm a funo de regulamentar as relaes entre os homens em consonncia com a funo da prpria religio. Assim, os princpios bsicos desta moral amor ao prximo, respeito pessoa humana, igualdade espiritual de todos os homens, reconhecimento do homem como pessoa (como fim) e no como coisa (meio ou instrumento) constituram, numa determinada fase histrica (particularmente na poca da escravido e na servido feudal), um alvio e uma esperana para todos os oprimidos e explorados, aos quais se negava aqui na terra amor, respeito, igualdade e reconhecimento. Mas, ao mesmo tempo, as virtudes dessa moral (resignao, humildade, passividade, etc.), por no contriburem para a soluo imediata e terrena dos males sociais, serviram para manter o mundo social que as classes dominantes estavam empenhadas em sustentar. Mas a reviravolta que comea a esboar-se na nossa poca dentro do cristianismo e especialmente dentro do catolicismo ps-conciliar , no sentido de que os cristos se orientem mais para este mundo e para o homem, participando inclusive com os no-crentes na transformao real dele, imprime uma nova feio moral de inspirao religiosa. Esta dupla orientao para o mundo real e para o homem permite que as velhas virtudes resignao, humildade, conformismo,

etc. cedam lugar a outras vinculadas com o esforo coletivo para a emancipao efetiva neste mundo real. De outro lado, a moral crist assim renovada coexiste com a moral de outros homens e se guiam por princpios e valores exclusivamente humanos, to , com a moral de indivduos ou povos que revelam altas qualidades morais sem que o seu herosmo, solidariedade, esprito sacrifcio, etc., brotem de um estmulo religioso.

Vemos, pois, que, embora a moral imprima um carter peculiar regulamentao moral das relaes entre os homens, no se confirma, nos nossos tempos, a tese de que sem religio soobraria a vida moral. Se o comportamento moral e o religioso articulavam-se historicamente, e articulam-se ainda em nossos dias, com as particularidades que assinalamos, no se deduz que a moral precise permanecer necessariamente dependente da religio. Se no passado Deus era o fundamento e a garantia da vida moral, hoje so cada dia mais numerosos os que procuram no prprio homem o seu fundamento e a sua garantia.

3.Moral e PolticaEnquanto a moral regulamenta as relaes mtuas entre os indivduos e entre estes e a comunidade, a poltica abrange as relaes entre grupos humanos (classes, povos ou naes). A poltica inclui tambm a atividade das classes ou dos grupos sociais atravs das suas organizaes especficas partidos polticos orientada para consolidar, desenvolver, derrubar ou transformar o regime poltico-social existente. Na poltica, expressa-se abertamente a atitude dos grupos sociais determinada por diversos interesses e particularmente pelos econmicos - com relao conquista ou conservao e exerccio do poder estatal. A poltica abrange, portanto, a atividade dos grupos sociais que tende a conservar a ordem social existente, a reform-la ou a mud-la radicalmente, tanto quanto a atividade que o prprio poder estatal desenvolve na ordem nacional e internacional. A atividade poltica implica, tambm, na participao consciente e organizada de amplos setores da sociedade; disto decorre a existncia de projetos e programas que fixam os objetivos mediatos e imediatos, bem como os meios ou mtodos para realiz-los. Desta maneira, sem excluir que ocorram tambm atos espontneos dos indivduos ou dos grupos sociais, a poltica uma forma de atividade prtica, organizada e consciente.

Os sujeitos ou agentes da ao poltica so os indivduos concretos, reais, mas enquanto membros de um grupo social determinado (classe, partido, nao).

Atuando politicamente os indivduos defendem os interesses comuns do grupo social respectivo nas suas relaes com o Estado, com outras classes ou com outros povos. Na poltica, o indivduo encarna uma funo coletiva e a sua atuao diz respeito a um interesse comum. Na moral, pelo contrrio, ainda que o coletivo sempre esteja presente, porque o indivduo nunca deixa de ser um ser social, o elemento ntimo, pessoal, desempenha como j assinalamos - um papel importante; de fato, nas suas relaes morais com os demais, o individuo age como tal, isto , tomando decises pessoais, interiorizando as normas gerais e

assumindo uma responsabilidade pessoal. Ainda que as normas morais que regulamentam os atos do indivduo, num sentido ou no outro, possuam um carter coletivo e no propriamente individual, o indivduo que deve decidir pessoalmente isto , livre e conscientemente se as cumpre ou no e assumir respectiva responsabilidade pela deciso tomada. A atividade poltica ultrapassa este plano pessoal, e, embora, em ltima instncia sejam os indivduos reais os que tomam parte conscientemente na poltica, seus atos individuais somente adquirem sentido poltico na medida em que se integram na ao comum ou coletiva do grupo.

Vemos, portanto, que a poltica e a moral se distinguem: a) porque os termos das relaes que ambas estabelecem so distintos (grupos sociais num caso; indivduos no outro); b) pela maneira distinta com que os homens reais (os indivduos) se situam numa e noutra relao; c) pela maneira distinta com que, numa e na outra, articula-se a relao entre o individual e o coletivo.

Poltica e moral so formas de comportamento que no podem identificar-se. Nem a poltica pode absorver a moral, nem esta pode ser reduzida poltica. A moral possui um mbito especfico no qual a poltica no pode interferir. Culpar um inocente no somente injusto mas moralmente reprovvel, embora um Estado o faa por razes polticas. Da mesma maneira, a agresso contra um pas pequeno e soberano um ato imoral, ainda que o agressor trate de justific-lo politicamente (pelo interesse da sua segurana nacional). Mas, por sua vez, a poltica possui um campo especfico que a impede de ser reduzida a um captulo da moral. Da decorre a necessidade de que ambas as formas de comportamento humano mantenham uma relao mtua, mas conservando, ao mesmo tempo, suas caractersticas especficas, isto , sem que uma absorva a outra ou a exclua por completo.

A este propsito, examinaremos duas posies extremas pobre as relaes entre a poltica e a moral, as quais nos permitiro situar ambas em seu verdadeiro terreno. Uma a do moralismo abstrato; a outra, a do realismo poltico.

O moralista abstrato julga os atos polticos com um critrio melhor, moralizante. Por conseguinte, somente aprova os atos que possam ser realizados por meios puros, que no perturbem a conscincia moral ou satisfaam plenamente as boas intenes ou as exigncias morais do indivduo. Uma expresso histrico-concreta desta atitude poltica moralizante foi, no sculo passado, a dos socialistas utpicos (Saint-Simon, Owen, Fourier, etc.), que pretendiam transformar radicalmente a ordem social imperante apelando para a persuaso individual, para a conscincia moral ou para os coraes dos empresrios, a fim de obter desta maneira uma ordem social e econmica baseada numa justa distribuio da riqueza. Expresso desta atitude moralizante igualmente a que julga o trabalho de um governante to-somente por suas virtudes ou vcios pessoais e pe as esperanas de transformao poltica na moralizao dos indivduos, sem compreender que no se trata de um problema individual, visto que a possibilidade de que as suas qualidades morais positivas ou negativas desenvolvam-se ou sufoquem depende de uma determinada estrutura poltico-social.

Este moralismo abstrato leva a uma reduo da poltica moraL Como leva, tambm, impotncia poltica na ao ou diante da impossibilidade prtica de efetuar esta reduo condenao ou renncia poltica para refugiar-se na esfera pura e privada da moral. Desta maneira, segue-se que o preo que o moralista abstrato deve pagar por sua atitude , do ponto de vista poltico, sumamente alto: a impotncia poltica ou a renncia ao.

Vejamos, agora, a posio oposta no que diz respeito s relaes entre poltica e moral, ou seja, a do chamado realismo poltico. A tendncia legtima para fazer da poltica uma esfera especfica, autnoma, evitando limit-la aos bons desejos ou intenes do poltico, culmina na chamada poltica realista, na procura de certos efeitos a qualquer preo, sejam quais forem os meios aos quais se deva recorrer, com a conseqente excluso da moral, por julgar-se que o seu domnio especfico a vida privada. Esta separao absoluta da poltica e da moral, no terreno das relaes internacionais, conduz ao predomnio do egosmo nacional sobre qualquer outro motivo e justificao de qualquer meio para satisfaz-lo: a agresso, o engano, a presso em todas as formas, a violao de compromissos assumidos, etc. O realismo poltico pretende assim subtrair os atos polticos a qualquer avaliao moral, em nome da legitimidade dos fins.

Os dois modos de conceber as relaes entre a poltica e a moral, o moralismo abstrato e o realismo poltico, correspondem a uma dissociao entre a vida privada e a vida pblica, ou tambm fragmentao do homem real entre o indivduo e o cidado, que caracteriza a sociedade moderna. A esta ciso corresponde, no plano ideolgico e poltico, a ciso que, de formas distintas, exigida pelo moralismo abstrato e pelo realismo poltico. O primeiro concentra a ateno na vida privada e, por conseguinte, na moral, compreendida essa, por

seu turno, como uma moral privada, intimista, subjetiva; a poltica interessa enquanto podem-lhe ser aplicadas as categorias morais. A no ser assim, mais vale refugiar-se na vida privada e, para manter limpas as mos e a conscincia, renunciar poltica. Mas, como j assinalamos, esta atitude leva impotncia poltica ou ao abstencionismo poltico, com a agravante de que assim se contribui objetivamente para que prevalea outra poltica que pode afirmar-se exatamente no terreno favorvel da impotncia e da absteno.

O realismo poltico igualmente a expresso da dissociao do individual e do coletivo ou da vida privada e da vida pblica. Mas, neste caso, a ateno se fixa na vida pblica, na correspondente ao poltica, deixando que a moral opere exclusivamente no santurio ntimo da conscincia. Esquece-se assim que a moral efetiva, como j notamos, um fato social e que, portanto, no pode ser considerada como um assunto totalmente privado ou ntimo. uma forma de regulamentao das relaes entre os homens que cumpre uma funo social e que, por isto mesmo, no pode ser separada da poltica. Num sentido ou noutro, a poltica afirma ou nega certa moral, cria condies para o seu desenvolvimento e, na realidade, no pode subtrair-se a uma certa avaliao moral. Mas, de outro lado, a poltica, para ser eficaz, necessita assegurar o consenso mais profundo dos cidados, e, neste sentido, necessita lanar mo da moral.

Precisamente porque o homem um ser social, obrigado a se desenvolver sempre individual e socialmente, com seu interesse pessoal e coletivo, no pode deixar de atuar, ao mesmo tempo, moral e politicamente. Moral e poltica esto numa relao mtua. Mas a forma concreta que assume esta relao (de excluso recproca ou de concordncia) depender do modo como, efetivamente, na sociedade, operam as relaes entre o individual e o coletivo, ou entre a vida

privada e a vida pblica.

O homem no pode renunciar moral, porque esta corresponde a uma necessidade social; assim tambm pelo menos num futuro previsvel no pode renunciar poltica, porque essa responde igualmente a uma necessidade social. Mas, numa sociedade superior, suas relaes devem caracterizar-se por sua concordncia, sem abdicar do seu mbito respectivo. Por conseguinte, nem renncia poltica em favor da moral, nem excluso da moral em favor da poltica.4.Moral e Direito

De todas as formas de comportamento humano, o jurdico ou legal (direito) o que mais intimamente se relaciona com a moral, porque os dois esto sujeitos a normas que regulamentam as relaes dos homens.Moral e direito tm em comum uma srie de caractersticas essenciais e, ao mesmo tempo, diferenciam-se por outros traos especficos. Em primeiro lugar, vejamos os elementos comuns a ambas as formas de comportamento.

1)O direito e a moral regulamentam as relaes de uns homens com outros por meio de normas; postulam, portanto, uma conduta obrigatria e devida. Nisto se parecem tambm, como veremos, com o trato social.

2)As normas jurdicas e morais tm a forma de imperativos; por conseguinte, acarretam a exigncia de que se cumpram, isto , de que os indivduos se comportem necessariamente de uma certa maneira. Nisto se diferenciam, das normas tcnicas que regulam as relaes dos homens com os meios de produo no processo tcnico, que no possuem esta forma de imperativos.

3)O direito e a moral respondem a uma mesma necessidade social: regulamentar as relaes dos homens visando a garantir certa coeso social.

4)A moral e o direito mudam quando muda historicamente o contedo da sua funo social (isto , quando se opera uma mudana radical no sistema poltico-social). Por isto estas formas de comportamento humano tm carter histrico. Assim como varia a moral de uma poca para a outra, ou de uma sociedade para outra, varia tambm o direito.

Examinemos agora as diferenas entre o direito e a moral.

1)As normas morais se cumprem atravs da convico ntima dos indivduos e, portanto, exigem uma adeso ntima a tais normas. Neste sentido, pode-se falar de interioridade da vida moral. (O agente moral deve fazer suas ou interiorizar as normas que deve cumprir). As normas jurdicas no exigem esta convico ntima ou adeso interna. (O sujeito deve cumprir a norma jurdica, ainda que no esteja convencido de que justa e, por conseguinte, ainda que no adira intimamente a ela). Pode-se falar, por isto, da exterioridade do direito. O importante, no caso, que a norma se cumpra, seja qual for a atitude do sujeito (voluntria ou forada) com respeito a seu cumprimento.

Se a norma moral se cumpre por razes formais ou externas, sem que o sujeito esteja intimamente convencido de que deve atuar de acordo com ela, o ato moral no ser moralmente bom; pelo contrrio, a norma jurdica cumprida formal ou externamente, isto , ainda que o sujeito esteja convencido de que injusta e intimamente no queira cumpri-la, implica num ato irrepreensvel do ponto de vista jurdico. Assim, pois, a interiorizao da norma, essencial no ato moral, no o , pelo contrrio, no mbito do direito.

2)A coao se exerce de maneira diferente na moral e no direito: fundamentalmente interna na primeira e externa no segundo. Isto significa que o cumprimento dos preceitos morais garantido, antes de tudo, pela convico interna de que devem ser cumpridos. E ainda que a sano da opinio pblica, com a sua aprovao ou desaprovao, leve a atuar num certo sentido, no comportamento moral se requer sempre a adeso ntima do sujeito. Nada e ningum nos pode obrigar internamente a cumprir a norma moral. Isso quer dizer que o cumprimento das normas morais no garantido por um dispositivo exterior coercitivo que possa prescindir da vontade. O direito, pelo contrrio, exige tal dispositivo, isto , um organismo estatal capaz de impor a observncia da norma jurdica ou de obrigar o sujeito a comportar-se de certa maneira, embora esse no esteja convencido de que assim deve comportar-se devendo assim, se necessrio, passar por cima de sua vontade.

3)Deste modo distinto de garantir o cumprimento das normas morais e jurdicas se deduz, tambm, que as primeiras no se encontram codificadas formal e oficialmente, ao passo que as segundas gozam desta expresso formal e oficial em forma de cdigos, leis e diversos atos do Estado.

4)A esfera da moral mais ampla do que a do direito. A moral atinge todos os tipos de relao entre os homens e as suas vrias formas de comportamento (assim, por exemplo, o comportamento poltico, o artstico, o econmico, etc., podem ser objeto de qualificao moral). O direito, pelo contrrio, regulamenta as relaes humanas mais vitais para o Estado, para as classes dominantes ou para a sociedade em seu conjunto.

Algumas formas de comportamento humano (criminalidade, malandragem, roubo, etc.) caem na esfera do direito enquanto violam normas jurdicas e na da moral enquanto infringem normas morais, O mesmo se deve dizer de certas formas de organizao social como o matrimnio, a famlia e as respectivas relaes (entre os cnjuges, os pais e os filhos etc.). Outras relaes entre os indivduos, como o amor, a amizade, a solidariedade, etc., no so objeto de regulamentao jurdica, mas somente moral.

5)Dado que a moral cumpre como j assinalamos uma funo social vital, manifesta-se historicamente desde que o homem existe como ser social e, portanto, anteriormente a certa forma especfica de organizao social (a sociedade dividida em classes) e organizao do Estado. Dado que a moral no exige a coao estatal, pode existir antes da organizao do Estado. O direito, ao contrrio, por depender necessariamente de um dispositivo coercitivo externo de natureza estatal, acha-se ligado ao aparecimento do Estado.

6)A distinta relao da moral e do direito com o Estado explica, por sua vez, a distinta situao de ambas as formas de comportamento humano numa mesma sociedade. Dado que a moral no depende necessariamente do Estado, pode-se verificar numa mesma sociedade uma moral que se harmoniza com o poder estatal vigente e uma moral que entra em contradio com ele. No se d a mesma coisa com o direito, porque, como depende necessariamente do Estado, existe somente um direito ou sistema jurdico nico para toda a sociedade, ainda que este direito no conte com o apoio moral de todos os seus membros. Conclui-se, portanto, que na sociedade dividida em classes antagnicas existe somente um direito porque existe somente um Estado , ao passo que coexistem duas ou mais morais diversas ou opostas.

7)O campo do direito e da moral, respectivamente, assim como a sua relao mtua, possuem um carter histrico. A esfera da moral se amplia s custas do direito, medida em que os homens observam as regras fundamentais da convivncia voluntariamente, sem necessidade de coao. Esta ampliao da esfera da moral com a conseqente reduo da do direito , por sua vez, ndice de um progresso social. A passagem para uma organizao social superior acarreta a substituio de certo comportamento jurdico por outro, moral. De fato, quando o indivduo regula as suas relaes com os demais no sob a ameaa de uma pena ou pela presso da coao externa, mas pela ntima convico de que deve agir assim, pode-se afirmar que nos encontramos diante de uma forma de comportamento moral mais elevada. V-se, assim, que as relaes entre o direito e a moral, historicamente mutveis, revelam num certo momento tanto o nvel alcanado pelo progresso espiritual da humanidade,quanto o progresso poltico-social que o torna possvel.

Em concluso: a moral e o direito possuem elementos comuns e mostram, por sua vez, diferenas essenciais, mas estas relaes, que ao mesmo tempo possuem um carter histrico, baseiam-se na natureza do direito como comportamento humano sancionado pelo Estado e na natureza da moral como comportamento que no exige esta sano estatal e se apia exclusivamente na autoridade da comunidade, expressa em normas e acatada voluntariamente.

5.Moral e Trato Social

comportamento normativo no se reduz moral e ao direito. Existe tambm outro tipo de comportamento normativo que no se identifica com o direito e com a moral, e que abrange as vrias formas de saudao, o modo de uma pessoa dirigir-se a outra, de atender a um amigo ou a um convidado em casa, de vestir com decoro, etc., bem como as vrias manifestaes de cortesia, o tato, a fineza, o cavalheirismo, a pontualidade, a galanteria, etc. Trata-se, como vemos, de um sem nmero de atos, regidos pelas respectivas regras ou normas de convivncia que cobrem o vasto setor muito extenso na vida cotidiana - os convencionalismos sociais ou o trato social.

Alguns destes atos como, por exemplo, a saudao, as visitas de cortesia, o uso do tratamento de respeito com pessoas mais velhas, o uso do tu entre jovens, colegas e companheiros de trabalho, tirar o chapu num lugar reservado, etc. se regem por regras que passam de uma sociedade outra atravs do tempo e so comuns a diversos pases e diferentes grupos sociais. Apesar disto, as manifestaes concretas do trato social mudam historicamente e inclusive, numa mesma poca, de um pas para outro e de uma classe social para outra. Assim, por exemplo, na Idade Mdia a aristocracia feudal possua suas prprias maneiras que se consideravam de bom tom ao passo que os de baixo, a plebe, tinha as suas.

As regras geralmente aceitas costumam ser, no trato social, as da classe ou do grupo social dominante. Por esta razo, quando novas foras sociais impugnam o domnio das classes sociais j caducas ou buscam expressar seu no conformismo com a velha sociedade, recorrem tambm a uma deliberada violao das regras aceitas do trato social para evidenciar assim o seu protesto ou descontentamento. Deste modo procedia, por exemplo, o burgus do sculo XVIII na Frana com relao s boas maneiras da nobreza; e assim procediam tambm, no sculo XIX, os artistas bomios ou malditos, quando mostravam o seu desprezo para com o mundo social prosaico e utilitrio em que viviam, no somente atravs de sua arte (exatamente com a arte pela arte), mas tambm atravs de seu desalinho no vestir.

Detenhamo-nos agora, brevemente, nas relaes entre a moral e o trato social, especificando aquilo que une e aquilo que distingue as duas formas de comportamento humano.

1)Como o direito e a moral, o trato social cumpre a funo de regulamentar as relaes dos indivduos, regulamentao que contribui como a das demais formas de comportamento normativo para garantir a convivncia social no quadro de uma ordem social determinada.

2)As regras do trato social como as normas morais se apresentam como obrigatrias e o seu cumprimento consideravelmente influenciado pela opinio dos demais. Contudo, por mais forte que seja esta coao externa, nunca assume um carter coercitivo.

3)Como acontece na moral, o trato social no conta com um dispositivo coercitivo que possa obrigar a cumprir as suas regras ou normas, inclusive contra a vontade do sujeito. Estas, por exemplo, exigem que se responda saudao de um conhecido ou que se ceda o lugar a um ancio, mas nada e ningum pode obrigar a cumprir esta obrigao por fora. Isso do quer dizer que este no cumprimento fique impune, dado que a opinio dos outros o sanciona com a sua desaprovao.

4)As regras do trato social como as do direito exigem o reconhecimento, a adeso ntima ou seu sincero cumprimento por parte do sujeito. Ainda que se possa dar regra uma ntima adeso, o trato social constitui essencialmente um tipo de comportamento humano formal e exterior. Por sua exterioridade, pode entrar em contradio com a convico interna, como acontece quando se cumprimenta cortesmente uma pessoa que interiormente se detesta. Por esta razo, quanto mais externo e formal o trato social, tanto mais insincero, falso ou hipcrita pode se tornar. Esta a razo por que, na avaliao do comportamento do indivduo, desempenha um papel inferior ao da moral.

Em resumo: trato social constitui um comportamento normativo que procura regulamentar formal e exteriormente a convivncia dos indivduos na sociedade, mas sem o apoio da convico e adeso ntima do sujeito (caracterstica da moral) e sem a imposio coercitiva do cumprimento das regras (inerente ao direito).

6.Moral e Cincia

O problema das relaes entre cincia e moral pode ser colocado em dois planos:

a)com relao natureza da moral - neste plano, trata-se de determinar se cabvel falar-se em carter cientfico da moral; b) com relao ao uso social da cincia - neste plano, cabe falar no papel moral do homem de cincia ou da atividade do cientista.

J abordamos a primeira questo quando definimos a tica como cincia da moral.

Insistindo naquilo que j notamos, acrescentaremos agora que as cincias so um conjunto de proposies ou juzos sobre aquilo que as coisas so: enunciam ou indicam aquilo que alguma coisa . Seus enunciados no tm um carter normativo, isto , no indicam o que alguma coisa deve ser. Como cincia, a tica tambm um conjunto de enunciados a respeito de um objeto especfico, ou do setor da realidade humana que chamamos moral. Deste objeto da tica, como j vimos, fazem parte as normas e os atos morais que se conformam com elas. A tica nos diz o que a norma moral, mas no postula ou no estabelece normas; estuda um tipo de conduta normativa, mas no o terico da moral, e sim o homem real que estabelece determinadas regras de comportamento. Sublinhado isso, evidente que a moral nos seus dois planos: ideal e real, normativo e factual no cincia, j que possui uma estrutura normativa. A moral satisfaz a necessidade social de regulamentar de certa maneira as aes dos indivduos numa dada comunidade: no , portanto, a necessidade de aprender o que algo , ou seja, de conhec-lo, o que determina a existncia da moral. A moral no conhecimento ou teoria de algo real, mas ideologia, ou seja, conjunto de idias, normas e juzos de valor juntamente com os atos humanos respectivos que servem aos interesses de um grupo social.

A moral, pois, tem por base determinadas condies histricas e sociais, assim como determinada constituio psquica e social do homem. Cabe tica examinar as condies de possibilidade da moral e, neste sentido, pode ser til prpria moral. Com efeito, uma moral baseada numa abordagem cientfica dos fatos morais, e que, por conseguinte, tome em considerao as possibilidades objetivas e subjetivas da realizao que o conhecimento tico lhe pode mostrar, no ser certamente cientfica por sua estrutura j que esta ser sempre normativa , mas poder sem dvida basear-se no conhecimento cientfico que lhe proporcionado pela tica e, com ela, pela psicologia, pela histria, pela sociologia, etc., isto , pelas cincias que estudam a realidade humana. Desta maneira, sem deixar de ser ideologia, a moral poder relacionar-se no pela sua estrutura, mas pelo seu prprio fundamento com a cincia.

A segunda questo refere-se ao contedo moral atividade do cientista; ou seja, irresponsabilidade moral que assume: a) no exerccio da sua atividade, e b) pelas conseqncias sociais da mesma. No primeiro caso, o cientista deve apresentar uma srie de qualidades morais cuja posse garanta uma melhor realizao do objetivo fundamental que norteia a sua atividade, saber: a procura da verdade. Entre estas qualidades morais, caractersticas de qualquer verdadeiro homem de cincia, figuram sobretudo a honestidade intelectual, o desinteresse pessoal, a deciso na defesa da verdade e na crtica da falsidade, etc. Mas, em nossa poca, que se distingue pela enorme elevao do papel da cincia no progresso tecnolgico, o contedo moral da atividade cientfica se concretiza e se enriquece ainda mais. A cincia se torna cada vez mais uma fora produtiva e, ao mesmo tempo, uma fora social. Mas o uso da cincia pode trazer grandes bens ou espantosos males para a humanidade. Aplicada com finalidades blicas, pode transformar-se numa gigantesca fora de destruio e de extermnio em massa. Por to, no casual a ateno que os departamentos militares de algumas potncias dispensam aos estudos cientficos, nem que os pases menos desenvolvidos estejam sujeitos a um verdadeiro saque de seus crebros melhores.

Enquanto a cincia no sendo ideolgica por sua estrutura pode estar a servio ou dos fins mais nobres ou dos mais prejudiciais para o gnero humano, o cientista no pode permanecer indiferente diante das conseqncias sociais do seu trabalho, isto , diante do uso que se faa de suas investigaes ou descobertas. Assim pensaram muitos dos grandes homens da cincia de nossa poca, encabeados pela maioria dos prmios Nobel, quando se opuseram ao emprego das bombas atmicas e de hidrognio e ao uso destruidor de muitas descobertas cientficas.

A cincia sob este aspecto (isto , pelo seu uso, pelas conseqncias da sua aplicao) no pode ser separada da moral. Mas deve ficar claro que a sua qualificao moral no pode dizer respeito ao seu contedo prprio e interno, j que a investigao cientfica como tal moralmente neutra. As consideraes morais, neste terreno, perturbariam a objetividade e a validade das proposies cientficas e a transformariam em mera ideologia. Mas se a cincia como tal no pode ser qualificada moralmente, pode s-lo, no entanto, a utilizao que dela se faa, os fins e os interesses a que serve e as conseqncias sociais da sua aplicao. Sob este aspecto, o homem de cincia no pode ficar indiferente finalidade social da sua atividade e, por isto, deve assumir uma responsabilidade moral, sobretudo quando se trata de investigaes cientficas cujo uso e conseqncias so de vital importncia para a humanidade. Assim pensam hoje os grandes cientistas que se interessam pelos problemas morais colocados pela sua prpria atividade, corroborando desta maneira a opinio de que a cincia no pode deixar de estar relacionada com a moral.

In: VSQUEZ, Adolfo Snchez tica, Rio, 1998, Civilizao Brasileira. Pg. 68-86