A MULHER E A ARTE X SOCIEDADE PATRIARCAL · um ‘velho mestre’, e uma grande obra de arte era...
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ANA CRISTINA DA SILVEIRA
A MULHER E A ARTE
X
SOCIEDADE PATRIARCAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL- REI
São João del-Rei, 30 de junho de 2014
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Ana Cristina da Silveira Pedroso
Orientadora: Ms. Luciana Beatriz Chagas
A MULHER E A ARTE
X
SOCIEDADE PATRIARCAL
“Trabalho apresentado ao Curso de bacharelado em Artes Aplicadas com
Ênfase em Cerâmica, para conclusão do curso TCC”
São João del-Rei, 30 de junho de 2014
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AGRADECIMENTOS
À minha orientadora professora Ms. Luciana Beatriz Chagas pela
dedicação.
Aos professores Ms. Bruno Amarante, Ms. Kléber José da Silva, Dra. Zandra
Miranda, Ms. Cristiano Lima, Ms. Ricardo Coelho e Ms. Gedley Belchior por
partilhar o conhecimento.
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“A linguagem da história e da crítica da arte nem se quer
reconhecia as mulheres para que pudesse negá-las. Em
vez disso, ela presumia que as mulheres simplesmente
não precisavam ser consideradas. Um grande artista era
um ‘velho mestre’, e uma grande obra de arte era uma
‘obra prima’”
Michael Archer
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SUMÁRIO
1. JUSTIFICATIVA ....................................................................................................................... 9
2. REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................................ 12
2.1. Referências Artísticas .................................................................................................. 14
2.1.1. Cândido Portinari ................................................................................................ 14
2.1.2. Auguste Rodin e Emile Antoine Bourdelle .......................................................... 15
2.2. Referências Históricas ................................................................................................. 18
2.2.1. Artemísia Gentileschi .......................................................................................... 18
2.2.2. Judy Chicago ........................................................................................................ 20
2.2.3. Camille Claudel .................................................................................................... 21
2.2.4. Frida Kahlo ........................................................................................................... 23
2.2.5. Berthe Morisot .................................................................................................... 25
3. TRABALHOS ANTERIORES .................................................................................................... 27
3.1. Do processo criativo ao trabalho plástico. .................................................................. 27
4. JARDIM CERÂMICO.............................................................................................................. 39
4.1. Flores, uma intervenção poética ................................................................................. 39
4.1.1. Botão de Rosa ...................................................................................................... 44
4.1.2. Copo de Leite ....................................................................................................... 45
4.1.3. Hibiscus ............................................................................................................... 46
4.1.4. Flor selvagem ...................................................................................................... 47
4.1.5. Orquídea .............................................................................................................. 49
4.1.6. Margarida ............................................................................................................ 50
7
4.1.7. Rosa ..................................................................................................................... 52
4.1.8. Estrelítizia ............................................................................................................ 53
4.1.9. Orelha de Pau ...................................................................................................... 55
4.1.10. Amor Perfeito ...................................................................................................... 57
4.1.11. Flor Singela .......................................................................................................... 59
4.1.12. Tulipa ................................................................................................................... 61
4.2. Do tema ao processo criativo ...................................................................................... 62
5. METODOLOGIA .................................................................................................................... 66
5.1. Preparação da massa .................................................................................................. 66
5.2. Molde .......................................................................................................................... 67
5.3. Moldagem ................................................................................................................... 67
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 77
7. REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 79
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RESUMO
O trabalho aqui apresentado parte dos seguintes questionamentos sobre a representatividade das mulheres na história da arte. Por que há um número muito inferior de mulheres artistas na história da arte? Por acaso são menos talentosas que os homens? Onde elas estavam? Diante dessas indagações procurei saber como as obras de algumas artistas tinham conseguido alcançar o sucesso, ou ao menos, ser reconhecida. Em suas histórias de vida pudemos conhecer as barreiras impostas pela sociedade patriarcal e as batalhas que elas travaram contra essa tradição cultural. À vista disso, procurei homenagear as mulheres por meio de meus trabalhos, evidenciando com delicadeza a beleza singular, a feminilidade e a conquista da liberdade. Cada escultura em cerâmica da série Flores foi dedicada a uma personalidade feminina, com o intuito de ressaltar a fertilidade, em sentido simbólico, como propulsora da força germinativa de ideias.
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1. JUSTIFICATIVA A história da arte ocidental até o início do século XX foi construída por
trabalhos feitos na maior parte por homens e a presença da mulher artista é
pouco frequente. Diante disso, procurei entender o que causou essa
disparidade no ambiente artístico.
Segundo Virgínia Woolf, em Um Teto Todo Seu, o principal motivo disso foi a
barreira imposta pela cultura patriarcalista, que durante séculos tem negado à
mulher a participação fora das questões do lar.
As poucas mulheres artistas que tiveram seus trabalhos reconhecidos lutaram
contra convencionalismos sociais que tendiam a isolar a mulher no âmbito
privado. A luta feminina tomou mais força e notoriedade por meio dos
movimentos feministas no século XX.
A obra The Dinner Party (1974-1979), Figura 1, de Judy Chicago é uma das
referências desta pesquisa. Esse trabalho de Judy Chicago consiste em uma
grande mesa de jantar em formato de triângulo, contendo trinta e nove lugares,
com seus respectivos pratos e toalhas. Cada lugar é de uma personagem
histórica, e seus nomes estão bordados em relevo dourados nas toalhas. No
chão, escritos em tinta dourada sobre azulejos triangulares, estão os nomes de
outras 999 mulheres que destacaram na história da humanidade. Algumas
delas, como Artemísia Gentileschi, Figura 2, Hipácia de Alexandria, Figura 3, e
Virgínia Woolf, Figura 4, homenageadas em The Dinner Party também
embasam essa pesquisa.
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FIGURA 1
Judy Chicago. The Dinner Party ,1974–79. Técnica mista: cerâmica, porcelana, têxtil. Museu do Brooklyn,
Doação da Fundação Elizabeth A. Sackler, 2002.10. © Judy Chicago. Foto: Jook Leung
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FIGURA 2 FIGURA 3
FIGURA 4
FIGURAS 2, 3 e 4. Judy Chicago. The Dinner Party (Assentos de Artemísia Gentileschi, Hipácia de
Alexandria e Virginia Woolf), 1974–79. Técnica mista: cerâmica, porcelana, têxtil. Museu do Brooklyn,
Doação da Fundação Elizabeth A. Sackler, 2002.10. © Judy Chicago. Foto: Jook Leung
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
A base principal desta pesquisa é a obra literária de Virgínia Woolf, que trata do
universo feminino e das delimitações impostas em consequência da situação
cultural à qual a mulher foi submetida durante séculos. Incumbidas somente de
cumprir o papel de esposas, mães e donas de casa, ou seja, estavam sempre
em função do marido e da família. Era negado a elas o direito de desenvolver
atividades intelectuais e artísticas com fins comerciais, bem como construir
carreira profissional, segundo a pesquisadora e artista Flávia Leme, em sua
tese Mulheres Recipientes: Recortes Poéticos do Universo Feminino nas Artes
Visuais.(LEME, 2009, p.17)
Virgínia Woolf, em Um Teto Todo Seu, simula um caso problema, supondo que
se o grande dramaturgo Willian Shakespeare tivesse uma irmã tão talentosa
quanto ele, a garota seria amplamente repreendida pelos pais e fugiria de casa
a fim de ocupar um lugar no teatro. Porém encontraria somente abusos e não
reconhecimento de seu talento por ser mulher, seu fim seria o suicídio.
(WOOLF, 1985, p.63)
O filme Shakespeare Apaixonado dirigido por John Madden, conta uma história
mais feliz, não de uma Irmã de Shakespeare, mas de uma namorada. A moça
em questão se viu obrigada a se fantasiar de rapaz para ser aceita na peça.
Visto que, até mesmo os papéis femininos eram interpretados por homens,
sendo proibida a participação de mulheres no teatro. (MADDEN, 1998)
O poder do homem e a dominação sobre a mulher é herança histórica e tem
sido tema recorrente da literatura e do cinema. Razão e Sensibilidade, Orgulho
e Preconceito de Jane Austen, discorrem sobre a situação da mulher em frente
à sociedade tradicionalista da Inglaterra no século XIX.
A situação dos embargos sofridos pelas mulheres tem trazido prejuízos à arte e
à ciência, como é o caso de Hipácia de Alexandria. A cientista, filósofa e
astrônoma do século IV, foi assassinada pela ignorância dos cristãos, acusada
de criar conflitos entre duas figuras, o governador e o bispo. O conflito foi
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instigado por Hipácia ser uma mulher. A morte dela marcou a queda intelectual
de Alexandria. Carl Sagan, em sua obra Cosmos, especificamente no 13°
episódio da série televisiva “Cosmos” intitulado Quem Pode Salvar a Terra?
relata a triste história de Hipácia como grande perda para a humanidade.
(SAGAN, 1980)
Em algumas religiões a mulher é inferior ao homem. Por exemplo, no
cristianismo o livro de I Coríntios do Novo Testamento escrito por Paulo, a
mulher é ensinada a ficar calada na igreja, e se quiser saber algo, deve
perguntar ao seu marido em casa. (I CORÍNTIOS. 1999, p. 203)
Na Índia, segundo As Leis de Manu (livro sagrado), as mulheres devem
obediência aos maridos, na falta dele aos filhos homens. Segundo este texto
sagrado, as mulheres viúvas não podem casar novamente, no capítulo 5 verso
156-161 diz: “Uma viúva deve sofrer, ser moderada e casta. Esposa que segue
casta após a viuvez vai para o paraíso. Uma viúva infiel renasce no útero de
um chacal.” (MEHTA, 2005.)
O filme indiano Rio da Lua, de Deepa Mehta, conta a triste história das viúvas,
em especial a da personagem Chuyia, uma garota de 8 anos, que já é viúva e
nem sequer sabe quem era o marido, muito menos se lembra do casamento.
A pequena é levada pelo pai para uma casa de viúvas, lugar onde as mulheres
nessa condição ficam até o final de seus dias. Kalyani, uma jovem viúva com
quem Chuyia fez amizade, ousa desafiar as regras imposta às viúvas de se
manterem castas quando se apaixona por um jovem. Kalyani tem um final
infeliz, suicida-se ao saber que não casará. O rapaz, que era um jovem
diplomado, questiona a situação imposta pelas famílias às viúvas, pois
segundo a lei, podem se casar novamente. Ele enxerga mais longe, afirmando
que o principal motivo das mulheres serem enviadas a essas casas é
meramente econômico. Os ricos não querem dividir a herança, enquanto os
pobres querem se livrar de uma boca para sustentar.
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2.1. Referências Artísticas 2.1.1. Cândido Portinari
Os estudos produzidos por Cândido Portinari para o grande painel Guerra e
Paz me impressionou pelo nível de expressividade. A guerra não é
representada por soldados em campo de batalha, mas expressa pela dor da
mãe pela morte do filho. A paz se faz presente por meio das alegres e
inocentes brincadeiras de criança.
A imagem abaixo, Figura 5, foi tirada durante minha visita ao Cine Theatro
Brasil Vallourec na Praça Sete em Belo Horizonte durante a exposição Guerra
e Paz- Portinari em 2013. O estado de angústia representado por esse estudo
me tocou profundamente, pois lembra a dor e o abandono sofrido, não só por
esta mulher, mas também por muitas outras.
.
FIGURA 5
Cândido Portinari: Estudo para Guerra e Paz, lápis sobre papel
15
2.1.2. Auguste Rodin e Emile Antoine Bourdelle
A representação escultórica do corpo humano, o movimento e as torções
exploradas por Rodin e Bourdelle em suas obras influenciaram diretamente
meu trabalho. Nas obras desses artistas são recorrente a representação da
ternura, sensualidade, dor e sofrimento por meio dos movimentos.
FIGURA 6
Auguste Rodin; Eve against a Pillar; Bronze; 42 x 12 x 12 cm (JARRASSÉ, Dominique. p.95)
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FIGURA 7
Auguste Rodin; Kneeling Fauness; 1880; Bronze 57 x 22 x 28 cm; Museu Rodin, Paris (JARRASSÉ,
Dominique. p.100)
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FIGURA 8
Emile Bourdelle; São Sebastião; Bronze – 70 x 35 x 30 cm; 1883; Coleção Dufet-Bourdelle, Paris
(PINACOTECA do Estado de São Paulo. 1998, p.31)
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2.2. Referências Históricas
As artistas Artemísia Gentileschi, Judy Chicago, Frida Kahlo, Camille Claudel e
Berthe Morrisot tiveram seus nomes lembrados e seus talentos reconhecidos.
Sendo mulheres, passaram por privações e quebraram tabus.
2.2.1. Artemísia Gentileschi
Artemísia Gentileschi 1593-1652, artista italiana do século XVII, teve o apoio de
seu pai e também pintor Orázio Gentileschi para dedicar-se à arte. Abusada
sexualmente pelo professor de pintura Agostino Tassi, sofreu o impacto de ter
a sua reputação manchada, vítima das fofocas que a tomavam por uma mulher
promíscua. A condenação de Tassi só aconteceu após um logo processo.
Artemísia casou contra sua vontade com um amigo dos pais para limpar a
honra da família. O casamento durou dez anos e resultou em duas filhas, que
também se tornaram pintoras. Com a separação, ela se tornou chefe de sua
casa e desfrutou de mais liberdade.
Artemísia foi a primeira mulher a ser aceita na Academia de Belas Artes de
Florença, em 1616. As Academias não aceitavam mulheres em razão da
presença de modelo nu masculino durante as aulas.
Durante sua vida ela teve seu trabalho reconhecido. No entanto, após sua
morte grande parte foi atribuída ao seu pai e outros artistas seguidores de
Caravaggio, o que fez com que seu nome fosse esquecido. Segundo a
historiadora Mary Garrard, ela “sofreu uma negligência que é impensável para
um artista de seu calibre”. (GARRARD, 1993, apud Museu do BROOKLYN)
É recente a consagração de Artemísia como grande representante da arte de
personagens bíblicos sob uma perspectiva feminina, segundo informação
contida na página da web do Museu do Brooklyn.
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A temática de Artemísia é forte, com a presença de agressividade, como se
quisesse mostrar a sua angústia através de seus quadros. Seu foco está em
heroínas bíblicas, como exemplo a obra Judith decapita Holofernes.
FIGURA 9
Artemísia Gentileschi. Judith decapita Holofernes, 1612-1621; Galleria Degli Uffizi, Florença
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2.2.2. Judy Chicago
Judy Chicago é artista, autora, educadora, feminista e intelectual. Lutou contra
o preconceito à arte feminina, ligada aos trabalhos manuais, como a cerâmica,
o bordado e a tapeçaria. O trabalho de Judy Chicago The Dinner Party é uma
reunião dessas técnicas, produzido durante quatro anos por um grupo reunido
pela artista, e que era composto em maior parte por mulheres, a fim de
valorizar a arte tida como feminina, resultando numa grande mesa triangular
com 39 lugares, nomeados com personagens femininas históricas. No total,
1038 mulheres são homenageadas.
Judy Cohen adicionou Chicago ao nome, em homenagem à sua cidade, em
detrimento de carregar um sobrenome que determinava ser dominada pelo
sexo oposto (do pai ou do marido).
FIGURA 10
Judy Chicago, The Dinner Party, 1974-1979, Porcelana, cerâmica, têxtil; Museum Brooklyn. Foto: Jook
Leung (BROOKLYN Museum)
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2.2.3. Camille Claudel
Camille Claudel, escultora francesa, nascida em 1864.
Ainda menina, encantava o pai Louis Prosper com pequenas esculturas bem
realistas, o talento precoce agradava-o levando a não medir esforços para que
filha tivesse instrução na arte. Quem não via com bons olhos era a mãe, sua
filha deveria ser educada para ser dona de casa, e não exercer uma profissão
masculina, segundo ela, um mero capricho cedido pelo pai.
Mesmo sob a censura da mãe, assistia às aulas de Alfred Boucher na
Colarossi Academy. Por intermédio de seu mestre conheceu Rodin, por quem
devotaria seu amor. Foram dez anos junto à Rodin, seu trabalho se
assemelhava ao do mestre, a ponto de confundir a identificação.
A ruptura se dá quando percebe que nunca terá Rodin como marido. Continua
freneticamente sua produção em meios aos delírios e a solidão. Na obra O
Destino, Camille expressa literalmente esse abandono, onde uma mulher de
joelhos estende as mãos para uma figura masculina que a deixa, levado por
outra mulher, representada pela morte.
FIGURA 11
Terceira Idade ou O Destino, 1899, bronze, Museu Rodin
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A vida de Camille estava conturbada, tinha poucos trabalhos encomendados,
estava com sintomas de esquizofrenia, denominado na época por delírio
psicótico. Em todo o momento achava que iam roubá-la e copiá-la. Destruía
suas obras e as enterrava.
Com a morte do pai, a artista tem uma crise histérica e termina em um
manicômio, onde passa o fim de seus dias, abandonada pela própria família.
Mesmo tendo recuperado em grande parte sua saúde mental, sua mãe insiste
em deixá-la internada.
Foram longos trinta anos de exílio, onde Camille não produziu mais, sua alma
estava presa, e ela não via razão para criar. E terminou assim a grande
escultora, pouco compreendida pela sua época.
Hoje, parte dos trabalhos produzidos por Camille estão junto ao seu grande
mestre e amante no Museu Rodin. (RODIN Museu)
FIGURA 12
A valsa, 1889-1905, bronze fundido, Museu Rodin
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2.2.4. Frida Kahlo
Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderon nasceu em 6 de julho de 1907 no
México.
Desde menina, acompanhava o pai em seu estúdio de fotografia, foi lá que ela
começou a desenvolver a prática da pintura. Seu pai não via mal nenhum em
sua filha interessar-se pela atividade artística. Foi dele que Frida recebeu todo
seu apoio.
A vida de Frida Kahlo foi o retrato da dor e do sofrimento. Passou por uma
paralisia infantil, que a deixou manca, e em 1925 um acidente que mudou para
sempre sua vida.
O choque entre ônibus - em que ela viajava - com um bonde, a feriu
gravemente. Sofreu várias fraturas, escoriações e teve seu corpo perfurado por
uma barra de ferro. Várias cirurgias foram necessárias, e, além disso, ela foi
obrigada a usar permanentemente um colete de gesso.
Durante seu período de convalescência, presa a uma cama, começa a pintar
freneticamente. O tema era o autorretrato porque o que ela mais conhecia, era
a si mesma. Segundo a artista, pintava porque se sentia só.
O casamento de Frida com Diego Rivera, um famoso pintor muralista do século
XX, foi marcado por infidelidades. Diego era 21 anos mais velho e um
tremendo mulherengo. Porém a tristeza maior de Frida era não ter filhos, sofreu
vários abortos resultados da seqüela do acidente que sofrera em 1925.
Frida Kahlo usava cores fortes a fim de representar sua vida tumultuada por
dores físicas e dramas emocionais. Em seus quadros, é constante a
representação do sofrimento.
A obra O Veado Ferido, Figura 13, é mais uma das representações da dor
física que acompanhava a artista e foi realizado depois de uma das cirurgias.
Nessa obra, o veado, mesmo aparentando ferido por várias lanças, segue em
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pé, firme e ereto, com se nada pudesse detê-lo. É também a imagem
verdadeira da forte personalidade de Frida e de sua constante superação.
FIGURA 13
Frida Kahlo, O Veado Ferido.1946,óleo sobre masonite; Coleção Particular
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2.2.5. Berthe Morisot
Berthe Morisot, nascida na França em 1841, filha de funcionário de alto nível
do governo, pode receber educação artística com grandes mestres, como
Geoffrey-Alphonse Chocarne, Joseph Guichard e Camille Corot.
Durante o século XIX, as mulheres tinham instruções sobre arte apenas para
entretenimento, não lhes era permitido para exercerem como profissão.
O talento de Berthe e de suas irmãs não passou despercebido para Corot, que
certa vez escreveu uma carta à mãe delas que dizia:
Com personalidades como suas filhas, o meu ensino irá torná-las pintoras, e não talentos amadores menores. Você sabe o que isso significa no mundo da grande burguesia em que faz parte, seria uma revolução? Diria mesmo uma catástrofe. (Higonnet, 1991, p. 19 Tradução minha)
Berthe conheceu vários artistas em suas viagens, posou como modelo para o
pintor Édouard Manet, através dele conheceu seu irmão Eugène Manet, com o
qual acabaria por se casar.
Embora em época em que mulheres artistas não eram bem vindas, Berthe
conseguiu seu espaço e alcançou sucesso participando do grupo de
impressionistas, era a única mulher da equipe.
Seu trabalho na maioria das vezes retratava cenas domésticas. O Berço,
Figura 14, representa a doçura e o amor maternal através delicadeza dos
personagens e a sutileza das cores e pincelada.
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3. TRABALHOS ANTERIORES
3.1. Do processo criativo ao trabalho plástico.
O jogo de xadrez, Figura 15, produzido durante a disciplina de Plástica e
Design foi inspirado no movimento Art Noveau, em especificamente no artista
Alphonse Mucha, nesse trabalho se nota a influência por movimento e torções.
O jogo de Xadrez foi selecionado para a exposição Xeque no Centro Cultural
Yves Alves na cidade de Tiradentes em 2013.
FIGURA 15
Jogo de Xadrez, 2011-2013; cerâmica de alta temperatura: 1280°C, madeira; Acervo Pessoal. Foto:
Ana Cristina
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Os trabalhos desenvolvidos durante a disciplina Modelagem do Corpo Humano
trouxeram o gosto pelo realismo, sendo também presente o movimento através
das torções.
FIGURA 16
Bela Adormecida, 2012; cerâmica de alta temperatura: 1280°C, queima à lenha;
Acervo Pessoal. Foto: Ana Cristina
Os trabalhos seguintes produzidos durante essa disciplina foram tomando
proporções exageradas. A obra abaixo tem mãos enormes.
FIGURA 17
R Coelho, 2012; cerâmica de alta temperatura: 1280°C, queima à lenha;
Acervo Pessoal. Foto: Ana Cristina
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A escultura Retrato de Mulher, Figura 18, também realizada durante a
disciplina de Modelagem do Corpo Humano fez parte da exposição de Arte
Moderna de nome Retratos da curadoria do professor Cristiano Lima.
Realizada durante a I Semana Acadêmica de Artes Aplicadas no Campus
CTan em maio de 2014. Ocasião em que recebeu o nome Retrato de Mulher.
Pés e mãos têm proporções diferentes, um pé grande e uma mão grande para
dar equilíbrio visual e ressaltar a importância desses membros. O pé é o apoio
do nosso corpo, é ele que nos leva onde queremos. A mão é que acolhe,
acaricia e nos alimenta.
FIGURA 18
Retrato de Mulher. 2012; cerâmica; dimensões: 21 x 20 x 17 cm, queima em forno à lenha, alta
temperatura, esmalte marrom.
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Vejo semelhança entre Retrato de Mulher, Figura 19, e a obra Abaporu, Figura
20, de Tarsila do Amaral quando a proporção dos pés e o alongamento do
corpo.
FIGURA 19
Retrato de Mulher. 2012; cerâmica; dimensões: 21 x 20 x 17 cm, queima em forno à lenha, alta
temperatura, esmalte marrom.
FIGURA 20
Amaral, Tarsila do. Abapuru, 1928; óleo sobre tela. 85x73cm; Fundación Costantini; Reprodução
fotográfica Rômulo Fialdini (ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural)
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O ventre, Figura 21, peça produzida para a disciplina História da Cerâmica
Artística é junção da figura humana ao utilitário, tendo como resultado uma
peça decorativa e utilitária.
A mão sobre o ventre representa a fertilidade feminina.
FIGURA 21
O ventre. 2012; cerâmica de baixa temperatura; dimensões: 25x25cm
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A torção se fez presente também durante os trabalhos realizados durante a
disciplina de Desenho Técnico e Metodologia do Projeto. Foi sugerida a
montagem de uma prancha de ambientação, Figura 22, através de recortes em
revistas, colei imagens que me agradava, sem nem sequer saber o porquê
daquelas figuras.
A partir da prancha de ambientação iria criar peças. Então fui procurar entender
a escolhas das imagens. O que significava? O que me atraía nelas? O que
poderia ser usado para modelar as peças?
Levei algum tempo analisando as figuras, veio a surpresa: estavam todas
ligadas. Representava o movimento, as torções, os traços finos e delicados. As
próprias frases sugeriam movimentos.
FIGURA 22
Prancha de Ambientação, 2012; colagem sobre papel cartão
As peças realizadas foram uma luminária de parede, Figura 23, um alimentador
de pássaro, Figura 24, e um vaso, Figura 25.
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FIGURA 23
Luminária. 2012, cerâmica; dimensões: 30 x 22 x 15 cm, espessura 1,3 cm,
queima em forno à lenha, alta temperatura, cone 10 (1300°C), esmalte
marrom
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FIGURA 25
Vaso. 2012; cerâmica; dimensões: 20 x 16 x
12 cm, espessura: 0,7 cm; queima em forno à
lenha, alta temperatura, esmalte marrom
FIGURA 24
Alimentador de Pássaros. 2012; cerâmica;
dimensões: 30 x 25 x 12cm, espessura: 1,3cm;
queima em forno à lenha, alta temperatura,
cone 10 (1300°C); esmalte marrom
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Hoje, analisando a Prancha de Ambientação de 2012 vejo além. Não são
somente as torções que estão presentes. O universo feminino renasce em
todas as figuras, desde a simples flor no
cabelo à face sem traços, que guarda a
delicadeza e a feminilidade. O vento que
acaricia o rosto como um acalanto à
explosão do vulcão. A dualidade de
emoções continua ainda no redemoinho do
liquidificador, Figura 26, à frase ao lado
esquerdo que diz “somos livres pra sonhar,
deixa levar... solta no ar!” indicada na seta
em vermelho
FIGURA 26 Recorte da Prancha de Ambientação
Para a exposição Devoções de Nhá Chica, realizada no Museu de Arte Sacra
de São João del-Rei esculpi a representação de Nossa Senhora da Conceição,
Figura 27 e 28, a peça foi inspirada na Vênus de Botticelli, destaca o
movimento e a torção do corpo.
FIGURA 27 e 28. Vênus. 2013; cerâmica
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Até mesmos nas peças modeladas a partir de placas na disciplina de
Modelagem e Conformação Cerâmicas, Figura 29, é presente o movimento por
meio de torção.
FIGURA 29
Porta sabonete líquido. 2012; cerâmica
Em 2013, sob orientação de Kléber José da Silva, professor do curso de Artes
Aplicadas modelei uma peça maior do que as anteriores. A proposta seria
trabalhar o tema Asas para uma futura exposição em conjunto com outros
alunos do curso.
Pensei em algo que dialogasse com o tema. Asas me sugeria liberdade,
leveza, viagem. Naquele momento pensei em algo que remetesse a uma
viagem, não em seu sentido figurado, mas em algo psicológico.
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A peça resultante desse tema foi a escultura de uma mulher que folheava um
grande livro, sentada sobre ele, aludindo a viagem através do conhecimento.
O título dessa obra me veio somente agora em 2014, em homenagem à grande
cientista de Alexandria, Hipácia.
FIGURA 30
Estudo realizado a partir de modelo vivo
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FIGURA 31
Hipácia, ainda em etapa de modelagem.
Hipácia não resistiu a primeira queima, em que chamamos de queima de
biscoito. Durante a queima que realizamos a gás, ela veio a estourar. Teve
fraturas nas pernas e ombros, que podem estar ligadas à velocidade da subida
da temperatura ou mesmo a bolhas de ar que poderiam estar na parede da
peça. Este ainda não será o fim, pois pretendo restaurá-la a frio com o auxílio
de cola rápida tipo gel. Depois será encerada com betume e posteriormente
polida com escova ou pano macio.
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4. JARDIM CERÂMICO
A série Flores, surgiu na disciplina de Processos Alternativos em Cerâmica, a
partir da proposta de criar um conjunto de flores para uma intervenção em
frente a igreja São Francisco, prevista para o dia 26 de julho de 2014 em São
João del-Rei,. O projeto recebe o nome de Jardim Cerâmico e tem como
organizadores Kléber José da Silva e Cristiano Lima, ambos professores do
curso de Artes Aplicadas da Universidade Federal de São João del-Rei, UFSJ.
4.1. Flores, uma intervenção poética
Flor é um tema recorrente na arte, como história da humanidade e da vida
cotidiana.
No Egito era de comum uso de flores nos sepultamentos, cerimônias religiosas,
banquetes e até eram oferecidas como presente aos visitantes. No Japão é
presente nas cerimônias religiosas. Na Idade Clássica, se fazia presente nos
capitéis Coríntios junto às folhas de acanto. No estilo gótico mostrava sua
graça nas rosáceas que iluminavam as gigantescas catedrais, no Barroco se
mostrou junto aos detalhes decorativos num estilo que primava a
grandiosidade, o movimento e a contorção das formas.
As flores presente na Art Nouveau, as belas formas orgânicas exploradas por
Alphonse Mucha encantaram a Europa. As cores suaves, a leveza e o
movimento dos traços e a mulher como tema central recorrente na obra de
Mucha é presente influência na minha série Flores.
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FIGURA 32
Alphonse Mucha,Cartaz Bières de la Meuse, litogravura. 1987(FOUNDATION Mucha)
FIGURA 33
Alphonse Mucha, Monaco-Monte Carlo, litografia. 1897 (FOUNDATION Mucha)
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Penso, não somente como símbolo de beleza e feminilidade, mas vejo
também a flor como fertilidade ligada ao mágico ciclo da vida. Assim como foi
considerada mágica a mulher na pré-históricas. Pois tinham o poder de gerar
filhos.
Durante muito tempo a mulher fora venerada, estava ligada diretamente a
fertilidade, a germinação da terra e a maternidade. Era a Grande Mãe.”São
lhes prestada honra por sua qualidade de dar e manter a vida: do seu ventre
surge o grande mistério, e tudo volta a ela.” (Getty.1997 p.5 apud LEME. 2009
p. 35)
O homem ainda não entendia o seu papel na geração dos filhos, viviam todos
juntos e as crianças eram filhas de todos, como numa grande família. No
período Neolítico, quando começou a domesticar animais, passa-se a observar
que as fêmeas que estavam apartadas dos machos, não geravam.
Logo o homem percebe que ele faz parte da geração dos filhos. O pior é que
começam a pensar que eles são os únicos responsáveis, as mulheres passam
a ser são consideradas como meros recipientes que carregam o filho. Seu
papel passa ser a da procriadora e mantedora dos herdeiros do patriarca. A
figura da Grande Mãe, a deusa passa a dar lugar ao patriarca, o deus
masculino.
A mulher do papel da grande mãe passa a ser inferiorizada, a origem da
mulher passa a ser ligada ao homem, como no cristianismo e na mitologia
grega.
Na mitologia grega a mulher foi criada por Zeus para vingar de Prometeu que
entregou o fogo aos homens, visto assim como castigo. Os cristãos acreditam
na criação da mulher através da costela de Adão, o primeiro homem. Sendo
assim dependente dele. Eva, a mulher de Adão, come do fruto proibido e dá ao
marido, por isso ambos são amaldiçoados. Ela com dores de parto e ele com o
castigo do trabalho para sustentar a família. Eva, a primeira mulher, carrega em
si o peso do pecado.
42
A imagem da grande mãe só aparece tempos depois na figura da Virgem
Maria, a mãe do filho de Deus. A devoçaõ à mãe de Cristo é tradição nas
culturas cristãs e tema recorrente na obras de arte. Representada na maioria
das vezes com olhar terno voltados para o filho.
Na obra Mãe e filho - Subsistência, Figura 34, de minha autoria, destaco
também a beleza do encanto materno. A mãe olha ternamente o filho
adormecido.
FIGURA 34
Ana Cristina, Mãe e filho – Subsistência. Concurso de Presépio 2013 (foto com recorte, peça em
ponto de osso)
Todos os esforços para se obter igualdade com o sexo oposto vem sendo
compensados lentamente. A ideia de fragilidade e incapacidade feminina está a
cair. As mulheres já não são somente as donas de lares, já conquistaram o
mercado de trabalho –não em todas as culturas- e ocupam altos cargos antes
legados somente aos homens.
O projeto Jardim Cerâmico a meu ver celebra a maravilha da vida através do
momento mágico e efêmero representado por 300 flores, de vários estilos e
43
personalidades. Que ficarão expostas somente um dia, quem passar por lá terá
a oportunidade de levar por um valor simbólico (quinze reais) a que flor que
agradar. Esse valor será a semente, que junta a todas a outras serão doadas à
instituição de caridade.
Cada flor criada para esse projeto, guarda uma personalidade, um modo
diferente de ser.
44
4.1.1. Botão de Rosa
A primeira flor da série, é o Botão de Rosa, Figura 35 e 36, a intenção é
remeter à menina moderna, ainda adolescente. Desabrochando para a vida,
cheia de sonhos, desejos. Ela é uma menina cheia de atitude, tem os pés
descalços e a saia remete a leveza do seu caminhar.
O movimento dos pés denota o espírito inquieto, assim como a escultora
Camille Claudel fora em sua época.
FIGURAS 35 e 36
Botão de Rosa. 2014; cerâmica, 2 vistas
45
4.1.2. Copo de Leite
A flor Copo de Leite, Figuras 37, 38 e 39, representa a mulher mãe, aquela
que cuida, nutre e amamenta os filhos. Ela é também a mulher recatada.
FIGURAS 37, 38 e 39
Copo de Leite. 2014; cerâmica; 3 vistas
46
4.1.3. Hibiscus
O Hibiscus, Figuras 40, 41 e 42, representa a mulher livre do convencionalismo
da moda, ela usa um body estilo anos 60 e chinelos confortáveis aos pés.
Frida Kahlo é um exemplo dessa mulher que não se importa com a opinião
alheia e tem estilo próprio.
FIGURAS 40, 41 e 42
Hibiscus. 2014; cerâmica; 3 vista
47
4.1.4. Flor selvagem
O movimento pétalas ressalta a luta, o espírito inquieto e a personalidade
forte das mulheres. A Flor Selvagem, Figuras 43, 44 e 45, homenageia Camille
Claudel, sua coragem e determinação para dedicar ao que mais gostava, a
escultura. Mesmo a contragostro da mãe, por se tratar de ser um trabalho
ligado ao gênero masculino.
A flor selvagem foi inspirada no trabalho da artista Aliny Mirely, Figura 46, que
tem por temática as flores do campo.
48
FIGURAS 43, 44 e 45
Flor Selvagem. 2014; cerâmica; 3 vistas
FIGURA 46
Aliny Mirely. Flor do Mato; 2014; cerâmica
49
4.1.5. Orquídea
A sensibilidade e a delicadeza feminina é representada pela Orquídea, Figuras
47, 48 e 49, lembra-me a obra de Berthe Morisot, em que as cenas domésticas
são trabalhadas com sutil tonalidades
e graciosa pincelada.
FIGURAS 47, 48 e 49
Orquídea. 2014; cerâmica; 3 vistas
50
4.1.6. Margarida
A margarida é uma flor que adapta a vários tipos de solo. A obra Margarida,
Figura 50, 51 e 52, representa a capacidade da mulher em contornar os
problemas da vida. Assim como Frida Kahlo, é o exemplo de superação, essa
artista teve uma vida cercada de dor e sofrimento, mas nunca deixou de lutar.
Pintava seus quadros até mesmo quando estava presa a uma cama.
A bota é para dar a segurança de que pode caminhar em qualquer solo, pois
seus pés estão protegidos.
Margarida, foi a única das 12 flores da série que teve fratura em uma das
pétalas. Fiz uma colagem a frio para a junção das partes, talvez seja também
por esse detalhe que eu tenha relacionado com o nome de Frida, em referência
ao acidente que ela sofrera.
52
4.1.7. Rosa
A Rosa, Figuras 53, 54 e 55, é uma flor delicada, mas com espinhos.
Representa as mulheres que desafiaram a sociedade patriarcal. Artemísia
Gentilesch lutou para que seu talento fosse reconhecido, numa época em que
o gênero masculino dominava o mercado de arte. Os espinhos são os anos em
que a obra de Artemísia ficou esquecida. A Rosa também remete ao Barroco,
movimento do qual ela fazia parte.
Figuras 53, 54 e 55. Rosa. 2014; cerâmica; 3 vistas
53
4.1.8. Estrelítizia
A Estrelítzia, Figuras 56, 57, 58 e 59, é uma representação que sugere a ideia
de mulher leve, livre e solta, o chinelo dá liberdade para o caminhar. Judy
Chicago é a Estrelítzia, pois deixa de lado o sobrenome do pai, afim de não
carregar sobre si o domínio masculino. Sua identidade é a cidade Chicago,
essa que leva junto ao seu nome.
55
4.1.9. Orelha de Pau
Eva, a primeira mulher segundo o livro de Gênesis, tem sua origem a partir da
costela de Adão. Ou seja, só depois do homem é que ela vai existir, denotando
aí sua dependência. A orelha de pau depende de outro organismo para surgir,
a árvore.
A obra Orelha de Pau, Figuras 60, 61 e 62, representa a mulher que ainda
carrega sobre si o domínio do gênero masculino.
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4.1.10. Amor Perfeito
O Amor Perfeito é representado por uma grávida, considero a gestação o
momento mágico na vida de uma mulher. A obra Amor Perfeito, Figuras 63, 64 e
65, é também a síntese do Jardim Cerâmico, pois é a flor fertilizada, símbolo da
vida e da geração dos frutos.
Essa flor, como diz o nome, carrega dentro de si o amor perfeito, o da mãe e o
filho.
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4.1.11. Flor Singela
A Flor Singela, Figuras 66, 67 e 68, é uma homenagem a todas as mulheres.
Os pés apoiados um sobre o outro representa conforto, tranquilidade,
segurança e confiança.
61
4.1.12. Tulipa
A Tulipa, Figuras 69 e 70, é a única que está calçando sapatos de salto alto,
símbolo da elegância feminina. Relaciona a uma mulher moderna que trabalha
e cuida da casa. Representa os obstáculos vencidos e a conquista da
igualdede entre gênero no mercado de trabalho.
Figuras 69 e 70, Tulipa. 2014; (argila em ponto de couro); 2 vistas
62
4.2. Do tema ao processo criativo
As imagens seguintes é o início do processo de desenvolvimento do tema para
o projeto.
Figura 71. Estudos de copo de leite e tulipa. Desenho a lápis sobre papel, 2014
63
Figura 72. Estudo para rosa e estrelítzia. Desenho a lápis sobre papel, 2014
Figura 73. Estudo para flores sintetizadas. Desenho a lápis sobre papel,
2014
64
Nas figuras de 71 a 73 estava pensando em flores e sustentação no vergalhão,
detalhes estéticos e harmônicos. Mas o resultado ainda não me agradava,
parecia que faltava algo para completar essas formas. Na figura 74 começo um
ensaio com inspiração na figura humana. Mas é no inverter da figura 74 que
veio a idéia, o vestido lembrava uma flor desabrochando, Figura 75.
Figura 74. Estudos sugerindo formas humanas
Figura 75. Recorte da figura 74 invertida, detalhe da saia sugerindo
uma flor.
65
A partir dessa observação, Figura 76, inseri a imagem da mulher dentro da flor,
como se as pétalas fossem a saia.
Figura 76
Logo no início da modelagem das peças, me veio à mente, a noiva do artista
da cidade de Cunha, Luciano Almeida.
66
5. METODOLOGIA
5.1. Preparação da massa
Foi trabalhada uma série de 12 peças com
aproximadamente 25 cm de altura. O
material utilizado para modelagem das
quatro primeiras foi argila reciclada. As
outras 8 foram modeladas a partir de uma
massa de paperclay1.
O paperclay foi feito com caixa de ovos
picada e argila reciclada.
Pesei 20 gramas de papel seco de caixa de
ovos e adicionei 1,5 litros de água.
Figura 77, liquidificador doméstico
Em um liquidificador doméstico, Figura
77, coloquei o papel e a água e bati por 3
minutos em velocidade baixa.
Coloquei para escorrer em uma peneira,
Figura 78, e deixei até sair o excesso de
água.
Depois de escorrida a água, a polpa de
papel pesava 255 gramas, adicionei 3400
gramas de massa de argila.
1 Massa cerâmica feita a partir de argila e papel moído.
Figura 78, peneira
67
Sovei a mistura de polpa de papel e argila até que ficasse homogênea. Depois
disso, a massa já estava pronta pra modelagem.
Dessa receita, pode se dizer que, a proporção de polpa de papel é 7,5 % da
massa da argila.
5.2. Molde Para que a produção fosse mais rápida, preparei um molde de gesso para a
reprodução das pernas. O molde tem 30 cm, Figura 79, é leve e possibilita ser
apertado com as mãos para a melhor junção das duas partes.
Figura 79. Molde em gesso com 2 tacelos.
5.3. Moldagem A moldagem é feita por prensagem, Figura 80. Primeiro abre-se uma placa com
o auxílio de um rolo de macarrão.
Figura 80, abertura de placa
68
Em seguida, Figura 81, a placa é
colocada sobre o molde e prensada
com o auxílio dos dedos.
Figura 81, prensagem.
Depois que as placas de argila já foram
prensadas sobre as duas partes do molde,
Figura 82, retira-se o excesso com o auxílio
de uma espátula.
Figura 82
Com o auxílio de um fio de corte, Figura
83, retira-se o restante das sobras de
argila.
Figura 83
Com uma escova são feitas hachuras nas
duas partes do molde, Figura 84, para
evitar trincas nas áreas de junção durante
secagem e a queima.
Figura 84
69
Feita a junção do molde, Figura 85,
aguarda-se dez minutos para
desmoldar.
Figura 85
Abre-se o molde e retira a peça,
Figura 86.
Figura 87
A peça recém saída do molde, Figura 87, deve ser apoiada para evitar
deformação.
Figura 86
70
Se após colocar a peça na vertical, Figura 88, e ela se manter estável, já esta
no ponto para acabamento.
Com o auxílio de um fio de corte, Figura 89,
retiro as sobras.
Depois de retirar as arestas,
modelo os pés, Figura 90.
Figura 90
Figura 88 Figura 89
71
Já modelada, Figura 91, coloco para
descansar sobre o apoio de
espumas ou pedaços de argila.
A peça é colocada em um suporte com um pino,
Figura 92, para manter a peça em pé e evitar que
ela se mova durante a modelagem.
A peça já está preparada para
receber as pétalas, Figura 93.
Figura 93
Figura 91
Figura 92
72
Para aperfeiçoar a produção e reduzir o tempo de trabalho, trabalhei junto as
três últimas peças da série. Deixei uma peça já desmoldada descansando e
outra dentro do molde enquanto preparava as pétalas da peça da direita,
Figura 94.
Recortei as pétalas, Figura
95, uma a uma de uma
placa de argila.
Figura 95
Figura 94
73
Hachurada as duas partes, pétala e peça, juntam-nas e coloca um apoio, que
deverá ficar até que a fique firme.
Cada pétala adicionada é apoiada com espuma ou argila, Figuras 96 e 97.
Colocada a terceira pétala,
modelei a beirada das
pétalas e com o auxílio de
uma espátula foi feito os
detalhes.
Figura 96 Figura 97
Figura 98
74
É necessário fazer pequenos furos
com o auxílio de uma agulha, no
caso, usei um arame. Os furos
devem atravessar a peça.
Essa prática evita que a peça
estoure durante a queima, pois se
houver alguma bolha de ar na parede
da peça, ela irá sair.
Depois tampei os furos com uma
espátula até deixar a superfície lisa,
Figura 100.
A peça nesse ponto está pronta pra
aplicar o engobe. Apliquei a cor
marrom só nas pernas, para aproveitar o contraste da cor natural da argila
Figura 100
75
Para a segunda flor, as pétalas já estavam
descansando sobre um molde, Figura 101.
Figura 101
Retirei do molde e fiz um furo
circular no centro da flor, Figura
102.
Figura 102
Cortei um pedaço do corpo da peça, Figura
103.
Figura 103
Hachurei e juntei o corpo à flor,
acomodei as pétalas com espuma e
deixei para secar, Figura 104.
Figura 104
76
Depois da peça seca, foi para o forno elétrico para a queima. A temperatura
atingida foi 980°C, Figura 105.
Figura 105, Margarida. 2014, cerâmica
77
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise da história de vida das artistas, podemos perceber que:
Artemísia Gentileschi, Frida Kahlo, Berthe Morisot e Camille Claudel tiveram o
apoio do pai. Desse modo, vemos que dependeram do aval masculino para
que seguissem a carreira de artistas. Ressalto ainda que se fosse a mãe que
as autorizasse, correriam o risco de serem impedidas pela figura do pai. Nota-
se que o peso poder do gênero masculino foi o fator determinante para que
tivessem oportunidades no mundo das artes.
Artemísia era filha do pintor Orázio Gentileschi e Frida Kahlo filha de um
importante fotógrafo, ambos ligados ao meio artístico, fato que considero
importante na decisão do apoio do pai. Se eles não tivessem algum interesse
em arte as apoiariam?
Nota-se também que as origens para a dominação masculina é derivada da
queda do matriarcado. Nessa época a figura da mulher estava relacionada à
magia, ao encantamento da fertilidade e da reprodução. Sendo assim,
consideradas deusas.
É totalmente estranho imaginar que a mulher de deusa foi considerada bruxa e
queimadas em fogueiras.
Finalizamos, deixando aqui para nosso leitor a fala da artista Mary Beth
Edelson, citada pelo historiador Michael Archer, em Uma História Concisa da
Arte Contemporânea:
“Os símbolos arquétipos ascendentes do feminino desdobram-se hoje na psique da Mulher Comum moderna. Eles abrangem as multiplas formas da Grande Deusa. Retornando através dos séculos, tomamos as mãos de nossas Irmãs Ancestrais. A Grande Deusa, viva e sã, levanta-se para anunciar aos patriarcas que seus 5000 anos estão no fim. Aleluia! Aqui vamos nós.” ( EDELSON, apud ARCHER. 2001 p. 94)
78
Obras Futuras
O trabalho plástico ainda desdobrará em uma próxima série em que irá ser
explorado o movimento e as torções a fim de representar a dor e o sofrimento
que as mulheres tem sido submetidas há séculos.
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7. REFERÊNCIAS
Livros e Catálogos
GÊNESIS. Português. In: Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Geográfica, 1999. Cap. 2:22-23, p. 4.
I CORÍNTIOS. Português. In: Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Geográfica, 1999. Cap. 14:34-35, p. 203.
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: Uma História Concisa; tradução Alexandre Krug, Valter Lellis Siqueira. São Paulo; Martins Fontes; 1ª edição. 2001 p.94
HIGONNET, Anne. Berthe Morisot. New York; Ed. Harpe Collins. 1991
JARRASSÉ, Dominique. Rodin, A Passion for Movement. Ed Pierre Terrail
PINACOTECA do Estado. Antoine Bourdelle Esculturas. São Paulo; Imprensa Oficial. 1998. 3000 exemplares
WOOLF, Virgínia. Um teto todo seu. 2ª ed. Rio de Janeiro; Ed. Nova Fronteira. 1985. 152p.
Teses
LEME, Flávia. Mulheres Recipientes: Recortes poéticos do universo feminino nas Artes Visuais. 2009 342f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Universidade do Estado de São Paulo. UNESP. Disponível em: <http://www.ia.unesp.br/Home/Pos-graduacao/Stricto-Artes/dissertacao_flavia_lemealmeida.pdf> Acesso em: 05 de junho de 2014.
Filmes
ORGULHO e Preconceito. Direção: Joe Wright. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Paul Webster. Intérpretes: Keira Knightley; Matthew Macgagen; Brenda Blethyn e outros. Roteiro: Deborah Maggarch. Reino Unido: Universal Studio, 2005. DVD. Cor. 129 min
RAZÃO e Sensibilidade. Direção: Ang Lee. Intérpretes: Kate Winslet; Emma Thompson; Hugh Grant; Alan Rickmsn e outros. Roteiro: Emma Thompson. Reino Unido: 1995. Cor. 136 min.
80
SHAKSPEARE Apaixonado. Direção: John Madden. Intérpretes: Gwyneth Paltrow; Joseph Fiennees; Jud Dench; Geoffrey Rusch: Tom Wikinson e outros. Roteiro: Marc Norman; Tom Stoppard. Reino Unido: 1998. Cor. 123 min.
RIO da Lua. Direção: Deepa Mehta. Produção: David Hamilton. Intérpretes: Seema Biswas; Lisa Ray; John Abraham e outros. Roteiro: Deelpa Meheta. Canadá/India: 2005. Cor. 117 min.
SAGAN, Carl. Cosmos. Quem pode salvar a terra? Direção: Adrian Malone. Produção: Carl Sagan Productions. Apresentador: Carl Sagan. 1980. 13º Episódio. Série (60min). Disponível em: < http://youtu.be/xh0RHQzjZKU> Acesso em: 02 de junho de 2014.
Websites
BROOKLYN Museum. Disponível em <http://www.brooklynmuseum.org/eascfa/dinner_party/place_settings/artemisia_gentileschi.php> acesso em 20 de junho de 2014
BROOKLYN Museum. Disponível em <http://www.brooklynmuseum.org/eascfa/dinner_party/teachers/Dinner_Party_Edu_resources.pdf> acesso em 20 de junho de 2014
RODIN Musée. Disponível em <http://www.musee-rodin.fr/en/rodin/educational-files/rodin-and-camille-claudel>acesso em 21 de junho de 2014
QUEM foi Frida Kahlo. Época Cultura. Disponível em:< http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT512470-1661,00.html > acesso em 21 de junho de 2014.
CONHEÇA O Veado ferido de Frida Kahlo. Universia Brasil. 2013. Disponível em <
http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2013/07/02/1034150/conheca-veado-ferido-frida-kahlo.html> acesso em 22 de junho de 2014
ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Artes Visuais. Disponível em: < http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=obra&cd_verbete=3386&cd_obra=1628&> acesso em 21 de junho de 2014
FOUNDATION Mucha. Disponível em <http://www.muchafoundation.org/gallery/themes/theme/advertising-posters/object/52> acesso em 25 de junho de 2014