A NATUREZA JURÍDICA DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS DO ... · entendiam a ação era um...
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A NATUREZA JURÍDICA DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS DO
ADVOGADO PÚBLICO
Resumo: O presente artigo visa a analisar a prerrogativa da advocacia pública
relativamente aos honorários advocatícios sucumbenciais, explicitada no Novo Código de
Processo Civil, analisando os interesses as relações jurídicas relevantes ao processo judicial
no qual a Administração Pública seja parte.
I. INTRODUÇÃO
Com o Novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei federal nº 13.105/2015,
ficou evidente que os titulares da verba honorária são os advogados públicos. Entretanto,
ainda se observa algum ceticismo quanto a essa prerrogativa, em virtude do desconhecimento
de sua natureza, de seus pressupostos e de seus efeitos. O objetivo do presente estudo é trazer,
sem exaustão, fundamentos para esclarecer o justo destino da verba honorária decorrente dos
processos em que se sagra vencedor o Poder Público.
II. A AÇÃO, O PROCESSO E AS RELAÇÕES JURÍDICAS NELE FORMADAS
A inafastabilidade da tutela jurisdicional é direito fundamental. A norma do art. 5º,
XXXV, da Constituição da República é uma promessa que o constituinte fez ao indivíduo de
que poderá contar com um órgão imparcial, para fazer valer seus interesses jurídicos. É por
meio do processo que o interessado aciona o Estado-juiz.
Processo é a forma pelo qual a jurisdição atua em sua missão institucional no exame
da ação. Norma processual é regulação da tutela jurisdicional, sendo por ela disciplinados os
direitos, ônus, faculdades, deveres e sujeições dos sujeitos de direito no âmbito do processo.
As regras processuais são criadas em atenção às peculiaridades da relação jurídica de direito
material a ser resolvida. A mera constatação de que existem regras processuais e regras de
direito material implica a conclusão de que existem, num processo, mais de uma relação
jurídica.
O Brasil e os povos que adotaram o sistema romano-germânico, inicialmente,
entendiam a ação era um desdobramento do direito material. Entretanto, não é errado afirmar
que, a partir do afastamento da teoria imanentista, que vinha consagrada no Código Civil
Brasileiro de 19161, o Direito Processual exsurge como ciência autônoma em relação ao
1 Art. 75. A todo o direito corresponde uma ação, que o assegura.
estudo das normas de direito material. Hodiernamente, a doutrina aceita que o processo
contém mais de uma relação jurídica, todas elas inconfundíveis entre si, inobstante tenham
diversos pontos de contato e, até, finalidades consoantes. A esse respeito, cumpre registrar
alguns pontos relevantes da gênese do estudo do processo.
Registra a doutrina que, na Europa, o estudo da ação, ou do direito de ação, sofreu
uma inflexão a partir da conhecida polêmica entre Bernhard Windscheid e Theodor Muther.
Havia, até então, uma compreensão no sentido de que a ação seria a persecução, em juízo, do
mesmo direito material2. Essa noção resultava da influência de institutos do Direto Romano.
Windscheid realizou profunda análise da actio romana e chegou à conclusão de que ela seria o
que se passou a chamar modernamente de pretensão.
Já Muther, teria vislumbrado a existência de um direito contra o Estado e que isso
implicava o direito subjetivo de se obter do juízo o que chamava de “fórmula”3. A esse
respeito, ensina-nos MARINONI, que “existiriam, portanto, dois direitos, sendo o direito
privado o pressuposto do direito contra o Estado. Os dois direitos coexistiriam, ainda que o
direito contra o Estado existisse para proteger o direito privado4”, citando Muther5. O foco de
ambos os autores era o Direito Romano e, ao que parece, a controvérsia entre um e outro tinha
por base o que a ordem jurídica romana conferia ao indivíduo. Segundo Windscheid, a actio
seria a pretensão como resultado de uma lesão e, para Muther, o direito subjetivo que poderia
ser perseguido em juízo.
Dessa polêmica, passou-se a conceber uma separação entre o direito material e o
direito processual. Dali em diante, a ação passou por diversas reflexões, mormente para se
explicar o fundamento das sentenças de improcedência. Concluiu-se, ao fim, que existiria um
direito de ação material, consistente no direito de se exigir ou de se obter uma providência (ou
prestação) em virtude de uma previsão do direito material, mas que, além desse direito, ao
indivíduo seria assegurado o direito de agir no plano processual, de maneira independente da
incidência da norma substancial por ele invocada na causa.
Ainda nesse tema, houve estudos de grande relevância por parte de Degenkolb, de
Plósz e de Mortara, sendo de relevo notar que a doutrina de Chiovenda atribui a Adolf Wach o
mérito de melhor destacar a existência da autonomia do direito de agir em relação ao direito
substancial. Com base nessas lições, chegou-se à moderna concepção de que existiria um
2 “Actio autem nihil aliud est quam jus persequendi judicio qud sibi debentur” (Digesto, 44.7.52pr)3 Segundo Marinoni, essa “fórmula” consistiria naquilo que hodiernamente se chama de tutela jurídica (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, Volume 1, Teoria Geral do Processo, 7ª Ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 171).4 Ob. Cit., p. 172.5 A obra de Muther seria a “Sobre la doctrina de la actio romana, del derecho de acionar actual, de la litiscontestatio y de la sucessión singular em las obligaciones. Polémica sobre la actio. Buenos Aires: Ejea, 1974”, apud MARINONI, ob cit. p. 508.
direito de ação contra o Estado. Passou-se a compreender que uma das formas de
manifestação do poder estatal seria a incumbência de dizer o direito do caso concreto (função
jurisdicional), sendo que “o direito de ação não tem qualquer dependência do
reconhecimento do direito material e, assim, é um direito de agir abstrato”6.
Ainda que o grande avanço doutrinário tenha ocorrido no continente europeu, houve o
desenvolvimento de importantes trabalhos sobre a ação ainda no começo do século XX no
Brasil, por obra de João Monteiro, que “vislumbrou a teoria da ação como direito abstrato,
hoje geralmente aceita mas que entre nós estava muito longe de ser a moda (a teoria civilista
da ação, tradicionalmente prestigiada, erra dogma então)”7. Ao final de longo período de
tempo, mesmo em território nacional, passou-se a conceber que o direito de ação não poderia
se esgotar na mera relação jurídica entre credor e devedor.
Em juízo, portanto, agora se concebe a existência de outras relações entre os atores
processuais. Assim, a ação passou a ser compreendida em seu plano material, como a
pretensão, e em seu plano adjetivo, como o direito à tutela jurídica. Vale o registro de Pontes
de Miranda:
“Quando cobro, amigavelmente, ou dou ao banco para cobrar, ou digo que tenho, ou vou teração contra alguém, essa ação é a actio romana, que ainda está em nós e existirá em nósenquanto o direito, a cuja concepção ela corresponde, existir. Note-se que não surge sempreoutra relação jurídica, de direito material ou processual, que acaso sobrevenha, tem outracausa, que se há de estudar”8.
À guisa de sumarização, transcreve-se a atual compreensão do direito de ação nas
lições de Fredie Didier Jr.:
“Ação como direito autônomo em relação ao direito material. Ação, neste sentido, seria odireito de provocar a jurisdição, direito ao processo, direito de instaurar a relação jurídicaprocessual. Trata-se da pretensão à tutela jurídica, que se exerce contra o Estado para queele preste justiça. Os autonomistas dividiam-se entre os ‘abstrativistas’, que consideravamque o direito de ação era abstrato, pois existiria sempre, pouco importa o resultado da causa(existência ou não do direito material), e os ‘concretistas’, para quem, embora autônomo, odireito de ação só existiria se o autor tivesse o direito material. A concepção abstrativistaprevaleceu, embora com o tempero que lhe foi ministrado pela concepção eclética deEnrico Tulio Liebman9”.
Do direito de ação nasce o processo, afinal, a ação provoca a jurisdição pelo processo.
E é por meio do processo que a interpretação judicial floresce. Assim, cumpre realizar outra
digressão sobre a noção do processo como meio de manifestação da jurisdição e resultado do
6 Conclusões de Eduardo Couture, apud MARINONI, ob. Cit. p. 178. Ainda que muito festejadas as lições de Couture, suas conclusões acerca do direito de ação parecem não prevalecer integralmente, ao menos no Brasil, pois não seria esta um corolário do direito de petição, conforme analisa a doutrina nacional mais recente, no sentido de que não “tem procedência a doutrina da ação como manifestação do direito de petição, porque tal remédio constitucional visa a levar aos órgãos públicos representações contra abusos do poder e porque não configura, com a mesma clareza do direito de ação, o dever deresposta do Estado” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 19ª Ed.. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 254).7 CINTRA, et alii. Ob. Cit., p. 125.8 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo I, 5ª Ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. XIX.9 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1., 9a. Ed.. Salvador: JusPodivm, 2008, p.167-168.
direito de ação. Se não se pode negar que a ação volta-se também contra o Estado-juiz, que
terá de dar uma solução ao pedido do autor, por certo, não se pode negar certa bilateralidade
no instituto da ação, na medida em que ela repercutirá efeitos em face da esfera de interesses
de um indivíduo inconfundível com o autor ou com o Estado-juiz, qual seja, o réu10.
Hoje, sabe-se que “o processo é a atividade para a estrutura temporal e a eficácia da
relação jurídica processual: vai da petição inicial ao último ato que diz respeito à relação
jurídica processual”11. Aliás, não se confunde processo com procedimento, uma vez que este
“é a forma do processo, o seu rito, a sua estruturação exterior”12. Mas até que se refinasse a
compreensão de cada conceito, muitas tintas foram vertidas.
Ora, o conceito de processo também passou por diversas releituras ao longo dos
séculos. Com o desdobramento do conceito de ação em seu plano formalístico, foi necessário
evoluir o conceito do processo judicial, até então concebido unicamente como procedimento.
Ora, já que uma violação a direito subjetivo gera uma pretensão e que essa pretensão pode ser
exercida judicialmente, há que se conceber o processo tanto como o resultado do direito do
autor contra o Estado, que prestar-lhe-á a tutela jurisdicional, quanto como um meio pelo qual
a jurisdição se manifestará em face de outro sujeito, o réu.
Com efeito, retornando-se aos períodos mais remotos dos estudos da ciência jurídica
europeia na matéria, cumpre referir que a doutrina é quase unânime ao atribuir a Oskar von
Bülow13 os louros pela gênese de uma nova escola de pensamento focada no estudo da relação
processual. Este festejado autor teria sistematizado a ciência processual, pois lograra bem
distinguir a relação de direito material, que se discute no processo, da relação de direito
processual, que envolve a forma do debate entre os litigantes em juízo. O ponto principal do
destaque de sua obra teria sido discriminar a relação substancial e a relação processual quanto
aos sujeitos, quanto ao objeto e quanto aos pressupostos. Foi o grande expositor moderno da
teoria da relação processual.
Como em Direito toda grande descoberta advém de críticas e embates doutrinários,
James Goldscmidt, outro autor alemão, teria discrepado de Bülow ao defender a tese do
processo como situação jurídica. Goldschmidt vislumbra o processo como uma situação
10 Sobre a bilateralidade, vale o registro: “a demanda inicial apresenta-se, pois, como o pedido que uma pessoa faz ao órgãojurisdicional de um provimento destinado a operar na esfera jurídica de outra pessoa. Dá-se a esse fenômeno o nome de bilateralidade da ação, que tem por consequência a bilateralidade do processo” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 19ª Ed.. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 271).11 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo I, 5ª Ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. XXIII.12 MIRANDA, ob. Cit., p. XXIII.13 Registra-se que a concepção do processo como uma relação jurídica remonta ao tempo dos Comentaristas – escola que sucedeu a dos glosadores – , não sendo originária dos estudos de Bülow, uma vez que este apoiou-se nas lições de Bulgaro deSassoferato, formulada ainda no Século XII (CINTRA, et alii, ob. Cit. p. 280).
dinâmica do direito subjetivo versado, sendo dispensável a existência de uma relação jurídica
processual (ou de uma nova relação jurídica além daquela mantida entre as partes do litígio),
para que o juiz conheça da demanda. A aplicação do direito pelo Estado-juiz decorreria do
direito público que impõe a este a tarefa de administrar a justiça.
Mas os postulados de Goldschmidt não foram integralmente aceitos, apesar de muito
contribuírem na parte conceitual da novel disciplina jurídica processual. Ou seja, seus
contributos envolveram as definições de possiblidades, expectativas, perspectivas e ônus. Boa
parte das críticas à tese deste processualista dizem respeito ao viés argumentativo, pautado
mais pela exceção do que pela regra de cada processo; ao fato de existirem não uma mas
diversas situações processuais, bem como; à conclusão de que o resultado questionado do
processo diz com a matéria de fundo (o direito material) e não com as normas do
procedimento.
Ainda no tocante à natureza do processo, cabe salientar também a tese do processo
como procedimento em contraditório, esta mais recente e produto dos estudos de Elio
Fazzalari. Segundo esta corrente de pensamento, haveria um “módulo processual”
consubstanciado num procedimento que se realiza em contraditório, o que exige a
participação dos afetados pelo provimento jurisdicional na dialética constitucionalmente
garantida. Ou seja, a atividade processual se desenvolveria com a manifestação dos atores
processuais, em concretização do contraditório (em posição simétrica ou em paridade dos
interessados no resultado da atividade jurisdicional), pois seria essa participação que
legitimaria ou democratizaria o exercício da jurisdição.
Não por outra razão, o pensamento de Fazzalari é analisada por Marinoni:
A teoria de Fazzalari tem dois problemas. Em primeiro lugar não se preocupa com o direitoao procedimento adequado à tutela do direito ou com a necessidade de o procedimento estaratento às necessidades do direito material, o que é obviamente imprescindível para alegitimidade do processo. Ademais, sequer passa perto do problema da legitimidade daatuação jurisdicional que assevera os direitos fundamentais diante da decisão da maioriaparlamentar, circunstância que também reflete sobre o direito ao procedimento adequado àtutela do direito material, já que, por exemplo, a falta de técnica processual adequada podeser suprida judicialmente com base no direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (art.5º, XXXV, CF).14
Bem se vê, portanto, que, dentre inúmeras marchas e contramarchas, há certo consenso
no sentido de que as relações de direito material que embasam a pretensão deduzida em juízo
e as relações de direito processual, que dão forma ao debate daquela questão em juízo, são
inconfundíveis. Válido, nesse jaez, retornar a Pontes de Miranda: “cumpre, assim, que não se
14 Ob. Cit. p. 442
confundam a relação jurídica processual, o processo, e as diversas relações e situações
processuais nascidas durante o processo”15.
Em suma, tanto pelo enfoque da ação quanto pela análise do processo, a doutrina dos
dias de hoje aceita que as relações jurídicas de direito material não se confundem com aquelas
formadas no âmbito do procedimento judicial. Ou seja, com a autonomia do Processo Civil
como ciência, se descobriu que, no processo, as relações jurídicas desdobram-se para além
daquilo que decorre da mera pretensão resistida ou da questão de fundo debatida.
Todo esse escorço fez-se necessário para se demonstrar que, da atividade processual, é
possível o surgimento de uma nova relação jurídica entre os atores do processo. Nova relação,
pois antes do litígio formalizado em juízo, inexistia. As normas processuais do regime
sucumbencial, portanto, criam um direito subjetivo, no bojo do processo, que pode se estender
para além do próprio procedimento.
E, como se passou a compreender que, no processo, há diversos sujeitos e múltiplas
relações jurídicas, ao cabo da atividade processual, é possível que dela resultem novos direitos
e obrigações inconfundíveis com o vínculo material que se analisou entre autor e réu. Isto é,
além da pretensão deduzida em juízo, é possível que a lei autorize ou crie novas relações
jurídicas entre autor e réu após o processo, ou entre Estado-juiz e uma das partes, ou, ainda,
direitos e obrigações envolvendo outros atores processuais.
No ponto que interessa, quando a lei processual determina a responsabilidade de uma
das partes pelo pagamento das custas, ela cria, com sua incidência, uma relação jurídica nova
entre o credor das custas e seu devedor. O mesmo ocorre quanto à verba honorária, seja do
advogado, do perito ou de outro auxiliar do juízo. Esses direitos e obrigações resultantes da
atividade processual não se confundem com o eventual vínculo entre as partes originárias do
litígio nem com as relações mantidas entre as partes e seus respectivos advogados.
Numa conclusão parcial, pode-se sumarizar o ponto nas seguintes assertivas: a relação
de direito material entre o eventual credor e seu alegado devedor não se confunde com as
relações formadas no bojo da demanda por força de normas de direito processual, pois,
formada a demanda judicial, outras relações jurídicas nascem entre os sujeitos do processo
(parte demandante, parte demandada e seus representantes, em especial).
III. OS INTERESSES EM DEBATE NO PROCESSO E OS INTERESSES
FORMADOS EM RAZÃO DO PROCESSO
15 Ob. Cit. p. XX.
Em regra, o Judiciário atua na solução de conflitos acerca dos quais a autocomposição
naufragou. O conflito será pacificado pelo Estado-juiz por meio do processo. É importante
distinguir, assim, a figura do Estado-juiz da do Estado-parte na demanda judicial.
Como parte num processo, a Administração Pública busca tutelar o interesse público
mais afeto a si própria, afinal, ela é dotada de personalidade jurídica inconfundível com a de
seus administrados. Essa pessoa da Administração ostenta interesses próprios que podem vir a
colidir, entretanto, com terceiros. É aí que se torna imperioso separar o público do privado e
as partes de seu julgador.
Para que seja justa a decisão, o julgador (o Estado-juiz) deve ser sujeito imparcial e
desinteressado diretamente no efeito pretendido por um jurisdicionado. O julgador tem
interesse na justiça, que se concretizará dando a cada um o que lhe é devido. Daí a
impossibilidade de o ordenamento tratar da mesma forma a pessoa política em juízo e a
pessoa julgadora da causa. Quando o Estado atua na sua função jurisdicional, os interesses da
Administração não podem ter o condão de influenciar o julgador de maneira diversa da que
este analisaria os interesses do particular. Eis o crene da independência jurisdicional. Não
haveria isonomia se o Estado, pela figura do juízo a si vinculado, desestabilizasse a balança
pelo motivo de o Estado-Administração figurar num dos polos do processo.
Ora, o processo é o meio pelo qual a jurisdição atua em colaboração com as partes
litigantes. Enquanto órgão jurisdicional, o Estado é provido de uma entidade autônoma e
dissociada dos interesses das partes, ainda que, dentre elas, esteja a Administração Pública.
Sem essa separação institucional, não haveria equidistância nos processos em que fosse parte
o ente público. É cediço que a quebra na imparcialidade gera um grave prejuízo à decisão
justa. Daí a relevância da tripartição orgânica dos poderes de normatizar, de executar e de
julgar, estando, este último, inobstante integrado ao Estado, completamente dissociado de
qualquer outro interesse senão o de aplicar o direito.
De outro giro, quando há razões ponderosas de interesse público que não podem ser
auto executadas pela Administração Pública, a tutela jurisdicional é postulada por ninguém
menos que o próprio Poder Público. Esse Estado-parte na demanda, é a personificação do
órgão incumbido das funções administrativas (não necessariamente o Poder Executivo),
atribuição diversa da jurisdicional ou legiferante. Ocorre que, enquanto sujeito de direito
diverso e inconfundível com o da parte contra a qual se demanda (ou contra a qual e é
demandado), o ente público terá para si assegurada a representação judicial prestada por
advogado, a fim de restar atendida a capacidade postulatória e a defesa judicial de seus
interesses. No outro lado da relação processual estará a parte contrária, também, em regra,
contando com advogado. O causídico da primeira é o advogado público, mas seu labor pouco
difere do da segunda.
Não convém aqui, descer às particularidades de conflito processual entre entidades da
mesma administração pública nem aos casos em que o advogado daquele que litiga contra a
Administração é um defensor público ou causídico fornecido pelo Estado. O que importa é
referir que, em juízo, os interesses do ente público estarão em pé de igualdade, no que toca ao
tratamento (resguardadas as prerrogativas conferidas pelo Sistema), em relação aos interesses
da parte contrária.
Por isso que, nesse debate paritário, a defesa do ente público operar-se-á não por um
mero servidor, mas por um advogado comprometido com a causa do interesse público. Não
será o interesse público por si só (o que é função típica do Ministério Público), mas o
interesse ligado a uma política pública, uma ação de Estado, um ponto ligado intimamente
com os interesses que a sociedade tem por bem defender de maneira corporificada da
Administração. Essa defesa técnica em juízo, tem, na essência, o ministério da advocacia,
ainda que exercida por um agente público de carreira. Cabe aqui, a feliz síntese de Guilherme
Valle Brum:
Os advogados, com o intuito de convencer o juiz, tentam construir, na petição inicial, umsilogismo, encaixando os fatos subjacentes à lide em uma nome, oferecendo o queconsideram a melhor interpretação tanto desta como daqueles. Apresentam – para usar aexpressão de Atienza – “argumentos a favor de” sua interpretação das premissas e daconclusão, mas a forma, a moldura –agora, na expressão de MacCormick – é silogística.Claro que a justificação dessa lógica dedutiva será “duvidosa”, mas a dúvida decorreprecisamente do necessário caráter interpretativo do Direito,, em razão do qual os atoresjurídicos devem demonstrar argumentativa mente que suas propostas de formação dosilogismo são mais convincentes porque mais justas, e são mais justas porque são maiscoerentes, consistentes e produzem as melhores consequências16.
Ora, já que o Ordenamento traz soluções muitas vezes não rígidas, dado que a todo
novo conflito não previsto originariamente pelo direito posto deve ser dada uma resposta
jurisdicional, é imperioso ter, na defesa judicial do Poder Público, um agente capacitado na
ciência jurídica e comprometido na defesa dos interesses de titularidade da Administração.
Em outro estudo, o autor supracitado conclui:
Assim, os interesses da sociedade individualmente considerados, podem ser tutelados poradvogados privados. Os interesses da sociedade considerada como um todo (difusamente)ou de certos segmentos seus devem ser providos pelo Ministério Público. Os interesses dasociedade entregues legal e constitucionalmente à Administração das entidades federadasdevem ser defendidos pela Advocacia Pública. Os interesses da sociedade vinculados àspessoas carentes devem ser protegidos pela Defensoria Pública.17
Ora, a Advocacia pública é a atividade jurídica prestada às entidades do Poder Público.
Compreenda-se a Administração Pública em suas diversas manifestações da personalidade de
16 BRUM, Guilherme Valle. Uma teoria para o controle de políticas públicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 83.17 BRUM, Guilherme Valle. Advocacia de Estado e dificuldade contramajoritária: repensando a independência funcional dosadvogados públicos. Disponível em http://anape.org.br/site/category/teses2009/page/12/ <acesso em 08/08/2016>
direito público. Por mais redundante que isso possa parecer, o constituinte brasileiro teve o
cuidado de deixar bem claro que a representação judicial e a consultoria jurídica incumbem ao
advogado público18. No bojo de um processo judicial é muito feliz a síntese de que à
Advocacia de Estado compete “a defesa do interesse público, enquanto interesse institucional
do Estado ou da pessoa administrativa19”.
Ainda, no ministério da advocacia aos entes públicos, não se pode mais baralhar as
funções do Ministério Público com as dos advogados públicos, inobstante o idêntico assento
constitucional nas funções essenciais à justiça, ao lado da Defensoria Pública e da Advocacia
(a única função não objeto de provimento por cargo público – peculiaridade que não a
diminui). Como foge ao escopo do presente estudo, desnecessário frisar que as políticas
públicas, o combate à corrupção e a consultoria jurídica são claros exemplos não exaustivos
das atribuições da advocacia de Estado. Entretanto, para fins de atuação processual, sua
identificação veio a ser facilitada com o Novo CPC, que dedicou título à função em testilha
(arts. 182 a 184). Vê-se, aí, que ressalvadas algumas prerrogativas do advogado público, sua
atuação, em essência, difere muito pouco da de um advogado privado. Ambos laboram na
construção de argumentos jurídicos aptos a sustentar o silogismo favorável a seu constituinte.
Ora, mesmo existindo traços sensíveis de distinção entre a advocacia privada e a
advocacia pública, é certo que são elas verdadeiros ramos de um mesmo tronco, o da
advocacia, ou seja, da atividade de, em juízo, tomar partido da pessoa constituinte com base
no ordenamento aplicável à pretensão posta em debate. Daí que certas prerrogativas lhes são
comuns. A mais sensível delas, no aspecto diretamente remuneratório, diz com a percepção de
honorários advocatícios.
A lei processual, de maneira até redundante, positiva a regra sucumbencial no sentido
de que quem paga honorários é o vencido e que os honorários serão pagos ao advogado.
Depois repete a mesma ideia, destacando que os honorários são um direito do advogado e que
o advogado público os perceberá. Por mais de uma via, o CPC quer que todos os advogados
percebam seus honorários. Ele consigna, portanto, pelo menos três comandos que só a
confusa jurisprudência formada anteriormente consegue explicar. As dúvidas sobre sua
aplicação, portanto, têm de sair de cena.
No processo judicial em que a Administração Pública é parte, sua representação faz-se
por intermédio de seus advogados – por isso públicos – os quais ostentam prerrogativas tanto
de advogados quanto as que o regime institucional lhes conferir. No seio dos debates
18 Arts. 131 e 132 da CRFB/88.19 SESTA, Mario Bernardo. Advocacia de Estado: Posição Institucional. In. Revista de Informação Legislativa. Ano 30, n. 117, (jan.-mar 1993), p. 202.
processuais, haverá a formação de relações jurídicas inteiramente novas e dissociadas do
alegado vínculo de direito material entre as partes do litígio. Em razão do labor do causídico
que ganha a causa de seu constituinte, o vencido pagar-lhe-á honorários sucumbenciais. Não
importa o resultado do processo em sentença procedente ou não, definitiva ou terminativa.
Pela provocação do Estado-juiz num regime de três partes (autor, juiz e réu), forma-se nova
relação entre o advogado do vencedor e o perdedor, conforme haja capacidade postulatória
reservada a profissional da advocacia no rito.
Vimos, acima, que esse laço de direito material entre as partes do litígio pode até não
existir (como na sentença declaratória negativa). Porém, após a demanda judicial, exsurgem
direitos das partes e direitos de seus representantes, além de outros que cada caso concreto
pode ensejar (direito dos peritos, despesas processuais, efeitos reflexos sobre terceiros), desde
que respaldados no Ordenamento. Havendo sucumbência, em sua acepção ampla do termo,
pelo trabalho jurídico, o advogado passa a ter direito à verba honorária sucumbencial fixada
pelo juízo contra o sucumbente.
No processo, portanto, em que haja a sucumbência, anexa a ela haverá a formação de
um direito do advogado do vencedor de ser remunerado diretamente pela parte sucumbente.
Caso a parte vencedora execute o perdedor pelos honorários, deverá, sem delongas, transferir
o produto ao seu titular, no caso, seu advogado. O mesmo deve ocorrer nas demandas em que
a Administração seja parte, justamente porque, em juízo, ela é tratada como um litigante
privado, ressalvadas as prerrogativas conferidas pela mesma legislação que intitula a
Advocacia Pública no direito aos honorários sucumbenciais.
Em suma, quando a Administração obtém decisão favorável, o mérito pelo êxito jaz
sobre o trabalho da Advocacia de Estado, pois, sem ele, diante da inércia jurisdicional, seria
menos provável a decisão em favor do ente público, mormente nos tempos atuais, em que se
agravam os efeitos das omissões do Poder Público em juízo. Além disso, os modernos ideais
de colaboração entre as partes confluem no interesse do próprio ordenamento em ver a
Administração Pública não só representada, mas bem defendida pela Advocacia de Estado.
Tanto é assim que o atual Diploma Processual menciona a representação judicial dos entes
públicos em diversos trechos, o que inocorria com o código revogado.
À guisa de conclusão parcial, constata-se que os interesses debatidos na demanda
antes clamam pela retribuição processual do patrono, em caso de êxito, do que repelem tal
ideal, pois é sobre a argumentação jurídica vertida por profissional da advocacia que repousa
a decisão justa, aquela haurida na dialética das teses parciais. Aqui, nada de diferente sói
ocorrer quando atuar a Advocacia Pública.
IV. OS BENS JURÍDICOS E SUA QUALIFICAÇÃO EM PRIVADOS E EM
PÚBLICOS
Um bem não muda suas propriedades físicas ao se tornar público ou privado.
Ontologicamente a coisa será sempre a mesma coisa, quer ostente a natureza de bem público
ou privado. As variantes à natureza jurídica do bem, portanto, quanto à sua natureza pública
ou privada, operam-se apenas no plano ideológico. O ponto de toque para qualificar um bem
como público ou privado é a sua sujeição.
Nesse sentido, dispõe o Código Civil:
Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas dedireito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a quepertencerem.
Apesar de criticável20 a opção pelo enquadramento de um bem como público a
depender de seu proprietário, a lei civil deixa claro que a regra de um bem é ser privado,
ressalvados os casos em que será público. A doutrina sempre examinou os bens de acordo
com a forma pela qual a propriedade é exercida.
Vale destacar que o mero critério do proprietário é insuficiente para qualificar o
patrimônio em público ou privado, como bem apontou o Conselho da Justiça Federal, na IV
Jornada de Direito Civil, por meio do Enunciado nº. 28721. Ocorre que, ainda que não encerre
a questão, é necessária a incidência de certos elementos ao caso em análise, para se aferir a
natureza pública de um bem. Com efeito, como bem aponta a doutrina administrativista, é a
afetação ao domínio público que poderá dotar um bem de natureza pública ou privada. Um
bem será público ou privado, portanto, de acordo com a finalidade para a qual é empregado.
Esse dogma viabiliza que um bem de titularidade privada seja tratado como público (como é o
caso dos bens delegatários de serviço público, desde que afetados ao serviço).
As verbas públicas destinam-se a custeio da atividade administrativa. Segundo a
doutrina, “bens públicos são os bens jurídicos atribuídos á titularidade do Estado,
submetidos a regime jurídico de direito público, necessários ao desempenho das funções
públicas ou merecedores de proteção especial22”. É, portanto, a íntima relação do bem e de
20 É o que aponta a doutrina administrativista sobre o artigo 98 do Código Civil: “O dispositivo tem redação esdrúxula (já que uma pessoa jurídica estatal com estrutura de direito privado não é considerada como pessoa jurídica de direito público)(...). De todo modo, esse dispositivo propicia que sejam considerados como bens públicos também aqueles de titularidade dos sujeitos administrativos com personalidade de direito privado”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 10ª Ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1.112)21 “O critério da classificação de bens indicado no CC 98 não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo ainda ser classificado como tal o bem pertencente a pessoa jurídica de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços públicos”.22 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 10ª Ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1.111.
sua finalidade aos anseios do interesse público que atrairão o regime especial de direito
público.
Com efeito, desde há muito se discrepa o bem público do privado “no modo diverso
pelo qual se exerce sobre eles o direito dos respectivos proprietários23”. Sabe-se que os bens
públicos “destinam-se especialmente à execução dos serviços públicos e, por isso mesmo, são
considerados instrumentos desses serviços24”. De igual forma, a doutrina publicística registra
que “os bens públicos são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de Direito
Público (...), bem como os que, embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à
prestações de um serviço público25”.
Nesse sentido de qualificação do bem em público ou privado, cabe destacar que, já que
o ponto de vista é meramente ideológico, é forçoso constatar que o regime jurídico aplicável a
cada bem pode sofrer alterações ao longo do tempo, a depender das peculiaridades de cada
caso. Então, ressalvados os bens essencialmente públicos26, um bem pode ter seu regime de
direito privado transmudado para o direito público, quando passar ele a sofrer a afetação ao
interesse público. Isso ocorre com a aquisição do bem privado pela Administração, para fins
de consecução de um interesse da sociedade. Um aparte: quando o bem do Poder Público
passa ao domínio privado, parece incontestável que seu regime jurídico passa a ser de direito
privado, desde que essa transferência dominial não se vincule a um serviço público
desempenhado por esse particular.
A Administração corriqueiramente altera o regime jurídico de um bem privado para
público, quando adquire material de consumo para suas repartições, quando desapropria
imóveis para realização de obras públicas ou quando confisca terras empregadas para fins de
cultivo ilegal de plantas psicotrópicas, exemplificativamente. Ou seja, os bens podem ser
adquiridos pela Administração com base em regras de direito privado ou de direito público27.
A aquisição pode ser por ato de vontade bilateral ou sem o consentimento daquele que perde a
propriedade, como os casos de usucapião, de desapropriação, de confisco constitucional ou de
pena de perdimento. Daí que se pode considerar como formas de aquisição da propriedade de
23 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, Vol I, 11ªa Ed.. Rio de Janeiro: Editor Francisco Alves, 1956, p. 300.24 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 32ª Ed.. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 520.25 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 25ª Ed.. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 897.26 Seriam os bens cuja propriedade é pública desde o início, mormente quando por decisão constitucional, como, por exemplo, o mar territorial, os terrenos de marinha, os potenciais de energia hidráulica (CRFB/88, art. 20, VI, VII, VIII), dentre outros.27 Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery dissertam: “A aquisição de bens públicos pode se operar pelas formas usuais, previstas no direito privado, e por formas especiais, previstas em normas de direito público: a) compra (...); b) doação (...); c) permuta (...); d) desapropriação; e) usucapião (...). Ocorre também quando há perdimento de bens, nos termos do CF 243” (Constituição Federal Comentada, 5ª Ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 422-423”.
bens pelo Poder Público: o contrato (de compra e venda, permuta ou doação) ou disposição
testamentária; a herança jacente (caso se trate de ente público municipal ou distrital); a
usucapião; a desapropriação; a pena de perda de bens (que pressupõe ilícito e tem natureza de
sanção), ou; o confisco constitucionalmente válido (como nos casos de cultivo de plantas
psicotrópicas ou nos casos determinados pela legislação penal). Foras dessas hipóteses, é
praticamente inválida a aquisição do bem ou direito pelo Poder Público.
Ora, o bem público é aquele sobre o qual a Administração Pública exerce seus direitos
de propriedade28 para fins de consecução de um objetivo público presente ou futuro. Essa
assertiva não é tranquila na doutrina, porém é a que melhor explica o conceito de bem
público. De certa forma, será público o bem que pertença ao Poder Público. O exercício dessa
potestade, entretanto, sofre algumas influências do regime de direito público29 (leia-se: difere
do regime de propriedade privada, sem, contudo, se desnaturar a noção de propriedade).
Outras derivações do exercício do poder sobre bens que não pertençam ao ente público apenas
se fundamentam na função social da propriedade em seu ponto de toque com o interesse
público ou da coletividade, aqui se enquadrando as limitações administrativas (excluindo-se a
desapropriação e outras modalidades supressivas da propriedade alheia).
Em arremate, muito se fala da propriedade estatal como resultado de seu domínio
eminente30. Ocorre que os tempos são outros. Essa teoria deita raízes no período anterior ao
Estado de Direito. Justen Filho registra que “não se pode admitir, perante o vigente regime
constitucional, o domínio eminente do Estado sobre os bens privados31”. Daí que não basta
28 “Bens públicos são os bens integrantes do patrimônio do Estado, havendo corrente doutrinária, que não prevaleceu noBrasil, que sustentou que o vínculo existente entre o Estado e os bens públicos (...) não era exatamente de propriedade, jáque não dotado de exclusividade. Seriam bens da coletividade difusamente considerada e apenas administrados pelo Estado.Foi MAURICE HAURIOU que demonstrou que se tratava mesmo de propriedade, mas de uma propriedade pública, que, naessência, não é distinta da propriedade privada, mas é dotada de peculiaridades em razão da afetação dos bens a certosusos da coletividade. Em outras palavras, no Direito Administrativo a propriedade tem sentido mais amplo, abrangendo nãoapenas aqueles bens suscetíveis de posse exclusiva pelo seu titular, como também aqueles que são de uso coletivo ”(ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 470).
29 Válidos, portanto, os registros: “Na época contemporânea, no início deste século, os autores, liderados por Maurice Hauriou, passaram a afirmar a tese da propriedade administrativa sobre o domínio público, mas uma propriedade regida pelo direito público. Ela tem pontos de semelhança e diferença com a propriedade privada: assim é que a administração exerce sobre os bens de domínio público os direitos de usar ou de autorizar a sua utilização por terceiros; o de gozar, percebendo os respectivos frutos, naturais ou civis; o de dispor, desde que o bem seja previamente desafetado, ou seja, desdeque o bem perca a sua destinação pública. Por outro lado, a Administração sofre certas restrições também impostas ao particular (como transcrição no Registro de Imóveis), além de outras próprias do direito público (como as normas sobre competência, forma, motivo, finalidade, etc.); e dispõe de prorrogativas que o particular não tem, como poder de polícia queexerce sobre seus bens. Em razão disso, foram afastadas as doutrinas que viam na propriedade do Estado um direito de propriedade privada ou que negavam a existência desse direito em relação aos bens de domínio público” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 18ª Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 582-583).30 É o que consta da doutrina tradicional: “O domínio eminente é o poder político pelo qual o Estado submete à sua vontadetodas as coisas de seu território. É uma das manifestações da Soberania interna; não é direito de propriedade. Como expressão da Soberania Nacional, não encontra limites senão no ordenamento jurídico-constitucional estabelecido pelo próprio Estado. Esse domínio alcança não só os bens pertencentes às entidades públicas como a propriedade privada e as coisas inapropriáveis, de interesse público” (MEIRELLES, Ob. Cit. p. 490-491).31 Ob. Cit. p. 1.120.
que exista certa predisposição política, no sentido de haver interesse do ente público por um
bem ou direito alheio, para que isso baste à sujeição de tal ativo à condição de propriedade
pública. Muito pelo contrário. A nova ordem constitucional brasileira repele o arbítrio32.
Em suma, o que o interesse público autoriza é a restrição ao uso da propriedade ou as
excepcionais hipóteses de supressão da propriedade privada previstas constitucionalmente.
Nenhuma dessas hipóteses, portanto, serviria para se justificar que o ente público ao qual se
vincule a advocacia pública pudesse restringir a integral percepção da verba honorária. Ou
seja, para que a verba honorária passe ao patrimônio do ente público, seria necessário
identificar um fundamento jurídico que amparasse a operação. Não há, dessa forma, justo
título da Administração sobre a verba honorária de sua advocacia pública, ressalvadas as
espécies tributárias incidentes na forma do ordenamento, que também repele o confisco.
Como visto, o Código Civil, ao disciplinar os bens, não chegou a regulamentar o
conceito de bem público. Entretanto, positivou a classificação dos bens públicos em três
categorias. Desnecessário repetir que os bens públicos se qualificam em de uso comum do
provo, de uso especial e dominicais. Ocorre que enquadrar a verba honorária nessas categorias
é atividade interpretativa praticamente impossível, ao menos se pautado o intérprete pela
sinceridade argumentativa. Assim, o conceito de bem público é de todo inaplicável aos
honorários sucumbenciais da Advocacia Pública, não existindo respaldo constitucional, legal
ou dogmático que viabilize qualquer conclusão impeditiva da imediata incidência da norma
processual de impõe o percebimento da verba honorária pelos advogados públicos.
Se a Carta Magna não impôs aos honorários sucumbenciais da advocacia pública o
regime de direito administrativo ou financeiro ou não os intitulou ao Poder Público, não será a
lei infraconstitucional que o fará validamente. E, nessa quadra, vê-se que a norma posta
disciplina justamente o contrário ao conferir titularidade dos advogados sobre a verba
honorária e ao impor a percepção aos procuradores públicos. Se não é direito ou interesse do
Poder Público nem pode servir de fonte de custeio da máquina, parece inegável a natureza
privada dos honorários da advocacia pública. Viu-se, acima, o que não pode ser. Vejamos o
que deve ser.
V. DA NATUREZA DA VERBA HONORÁRIA DA ADVOCACIA PÚBLICA E DE
SEU REGIME JURÍDICO
32 O arbítrio, isto é, o exercício do poder sem amparo jurídico, aliás, já era combatido pela doutrina antiga: “domínio eminente é um poder sujeito ao Direito; não um poder arbitrário” (BASAVILBASO, Benjamin Villegas. Derecho Administrativo. Buenos Aires: 1952, IV/13, Apud, MEIRELLES, Hely Lopes, Ob. Cit. p. 491).
É cediço que a verba honorária é uma prerrogativa da advocacia. Também é consabido
que o Estatuto da OAB, Lei federal nº 8.906/94, não distingue advogado público de advogado
privado. Sabe-se que a Ordem dos Advogados do Brasil, aliás, funciona como órgão de classe
de toda a advocacia brasileira, a ela estando vinculados tanto os advogados públicos quanto os
privados. O Estatuto da OAB assegura o direito do advogado à percepção de honorários
advocatícios.
O advogado, ao patrocinar as causas exitosamente, tem o direito subjetivo de receber a
verba honorária sucumbencial, nos termos da lei. Isso implica a conclusão de que os
honorários advocatícios são um crédito do advogado, como esclarece explicitamente o Novo
Código de Processo Civil, positivação resultante da jurisprudência majoritária. Não há mais
dúvida, na codificação processual, que a verba honorária não pertence à parte, mas a seu
causídico. O mesmo ocorre com a advocacia pública. Analisemos a verba honorária.
Os honorários advocatícios são devidos ao profissional do Direito regularmente
habilitado perante o órgão de classe e que ministra a advocacia. Divide-se33 tal verba em
honorários advocatícios contratuais e honorários advocatícios sucumbenciais. Os primeiros
decorrem de ajuste entre o interessado (cliente) e o advogado e são pagos independentemente
da propositura de ação judicial, daí o termo honorários contatuais. São tipicamente
resultantes da assessoria, da diretoria ou da consultoria jurídicas e, por isso, o cliente ou a
parte que contrata o profissional é o responsável por seu pagamento. Também é comum a
contratação de advogado para o fim específico de propositura de uma ação judicial, sendo que
o que é pago para que seja aforada a demanda também se inclui no conceito de honorários
contratuais.
O pagamento torna-se devido pela prestação do serviço da melhor maneira possível,
independentemente do êxito para com a pretensão do cliente (obrigação de meio). Ou seja, se
houver contratação de advogado para a elaboração de um instrumento contratual, mesmo que
não chegue a ser assinado o contrato pelas partes por motivo desentendimento, o profissional
do direito será credor de seu cliente quanto aos honorários se tiver dedicado seu múnus
profissional ao estudo das pretensões e à eventual elaboração da minuta do instrumento. Para
os honorários contratuais, sequer é necessária a existência de uma parte contrária, como sói
ocorrer no caso dos atos unilaterais de vontade.
Já os honorários advocatícios sucumbenciais são os valores que decorrem de um
processo judicial. Sua previsão consta da lei adjetiva de maneira cogente, que ou os fixa em
33 Não há distinção entre uma espécie e outra para fins de seu enquadramento em verbas de natureza alimentar: STF, RE 470407, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 09/05/2006, DJ 13-10-2006 PP-00051 EMENT VOL-02251-04 PP-00704 LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 253-264 RB v. 18, n. 517, 2006, p. 19-22.
abstrato34 ou determina o sua fixação, no caso concreto, pelo juiz de acordo com as balizas
normativas35. O débito quanto aos honorários sucumbenciais independe da vontade da parte
que os deve, como ocorre com os honorários contratuais. A responsabilidade pelo pagamento
dos honorários sucumbenciais é da parte derrotada em uma demanda judicial. A
sucumbência, para a lei, como visto acima, é tanto a hipótese de a parte restar vencida (aquela
que perde a causa) quanto responsabilizada pela necessidade da demanda judicial, podendo
ser tanto o autor (que formula pedido improcedente ou rejeitado sem análise de mérito)
quanto o réu (que resistiu a uma pretensão autoral antes do processo judicial). Ou seja: o
perdedor da causa pode ocupar tanto o polo ativo quanto passivo da relação processual,
bastando que tenha dado causa ao processo no qual, em regra, não obteve êxito, no todo ou
em parte.
Nesses casos, o vencido será responsabilizado pelo pagamento dos honorários
sucumbenciais ao advogado de seu oponente. O devedor dos honorários sucumbenciais será,
portanto, a parte em posição oposta à vencedora na relação processual. O débito de
honorários sucumbenciais, nessa linha, decorre da causalidade. Sua razão de ser decorre do
fato de, em regra, ser necessária a representação processual por meio de advogado. Um
aparte: caso a demanda seja proposta e liminarmente rejeitada ou julgada improcedente
independentemente de citação da parte contrária (improcedência liminar), não terá havido
angularização processual, sendo, em tese, descabido falar, nessa sentença, em condenação em
verba honorária, inobstante se tenha parte sucumbente. Mas esses casos são exceções
irrelevantes à presente análise.
Voltando aos casos em que há contraditório, cabe destacar que, se, de um lado, para os
honorários sucumbenciais, é essencial que o devedor dessa verba seja a parte contrária e
sucumbente, de outro, como evidente, o credor dos honorários não é mais a parte vencedora,
mas seu advogado. É que pelo trabalho do advogado é que a parte vence a demanda. Nada
mais, justo, portanto, que aquele que labora para a concretização da justiça seja remunerado
pelo causador da situação anterior de injustiça. Ou seja, quem dá causa a um processo
responde pelo pagamento dos honorários sucumbenciais ao advogado da parte contrária. O
credor desses honorários, quer se trate o vencedor de pessoa jurídica de direito privado, quer
se trate de pessoa jurídica de direito público, é sempre o advogado.
34 Como nos casos dos arts. 523, §1º; 701 e 827 do NCPC.35 Como nos casos do art. 85, §2º e §3º do NCPC.
A Lei federal 8.906/9436 reconhece ambas as figuras de honorários advocatícios
contratuais e sucumbenciais, inclusive destacando que é o advogado o titular de tal verba
honorária37. Aliás, mesmo nos casos em que o advogado mantenha vínculo de emprego com a
parte vencedora da demanda, segundo o Estatuto da OAB, pertencerão ao causídico os
honorários de sucumbência38. A titularidade do advogado, agora, sobre a verba honorária
sucumbencial (leia-se: processual) veio expressa no Novo Código de Processo Civil39 e em
consonância com a regra geral estatutária. E o novo CPC foi enfático para com as pretensões
da advocacia pública40.
A lei processual e o Estatuto da OAB, quanto à positivação dos honorários
sucumbenciais, pretenderam conferir caráter de meritocracia, estimulando que o profissional
do direito atinja a finalidade colimada por seu constituinte. Não basta a boa prestação do
serviço advocatício. Terá o causídico o direito aos honorários contratuais se assim ajustar com
seu cliente, ainda que este venha a sucumbir na demanda. Mas, caso sagre-se vencedor na
demanda, terá o advogado deste litigante, o direito de receber honorários advocatícios pagos
pelo sucumbente, ou seja, pela parte contrária à que venceu a causa.
É fora do processo que os advogados públicos se distinguem dos privados, não
endoprocessualmente (ressalvadas as prerrogativas do advogado público outorgadas em razão
dos interesses que ele defende). Extraprocessualmente, somente o advogado público mantém
relação jurídico-estatutária com a destinatária do múnus advocatício. Por essa relação com o
Poder Público, somente esse causídico especial tem direito à retribuição pecuniária paga sob a
forma de subsídio, consoante previsão no art. 135 e no inciso XI do artigo 37 da Constituição
da República. Pelo exercício do cargo, o advogado público é remunerado por subsídio pago
pelo ente público, independentemente de êxito judicial ou mesmo de um processo judicial.
Mas não se imagine que as atribuições da advocacia pública se limitam ao patrocínio jurídico
das causas em que seja parte a Administração.
Ou seja, o subsídio cumpre certo papel equiparável ao dos honorários contratuais,
num paralelo com a relação entre advogado privado e seu cliente particular. Quem custeia os
36 Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial. (destaquei)37 Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor. (destaquei)
38 Art. 21. Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência sãodevidos aos advogados empregados. (destaquei)
39 Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. (...) § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. (destaquei)40 Art. 85, § 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei. (destaquei)
subsídios dos advogados públicos é o erário, daí sendo necessária a previsão legal específica
para sua fixação e limitação. Esse gasto administrativo com o pagamento dos advogados
públicos é qualificado como despesa pública41 e deve ser objeto de especial atenção
orçamentária. Mas essa contraprestação serve ao desempenho de diversas atribuições dos
procuradores públicos, não só as tarefas reservadas à advocacia, nem à atuação judicial.
Por isso é que o subsídio não se confunde com honorários advocatícios. Na função de
autoridade processante em processo administrativo disciplinar, no controle interno da
Administração, na representação em determinado órgão colegiado, o advogado público pode
vir a exercer funções não exclusivas de advogado sem que as leis locais prevejam outras
formas de remuneração pelo serviço desempenhado. Nesses casos é possível que a
remuneração por subsídio seja a única contraprestação. Enfim, o advogado público exerce
diversas funções que, muitas vezes, não são exclusivas da advocacia, daí sendo imperiosa a
existência de verba remuneratória diversa da dos honorários advocatícios.
Então, não se pode crer que o subsídio faz as vezes da verba honorária extraprocessual
paga aos advogados privados. Tanto é assim que nem todo o agente público remunerado por
subsídio é advogado. E não convém rechaçar o pagamento do subsídio cumulado com o dos
honorários sucumbenciais (que pressupõem atividade processual do advogado público). Sem
prejuízo de, eventualmente, a lei prever que o advogado público possa vir a perceber
honorários contratuais (na atividade de elaboração de minutas de editais de concurso público
ou de certame licitatório, de conferência de requisitos legais nas diversas modalidades de
contratação pública, no controle da dívida ativa, na consultoria jurídica, na participação em
banca de concurso público, etc), certo é que o NCPC não anula a juridicidade de remuneração
do advogado público por subsídio e não inviabiliza que a remuneração por subsídio seja
cumulada com a dos honorários sucumbenciais. Trata-se, aliás, de prestigiar a incidência
imediata do NCPC, seja com base no Estatuto da OAB, seja com base na analogia da Lei
federal nº 13.327/201642.
Fala-se em juridicidade na percepção dessa verba, com esteio na atual compreensão do
princípio da legalidade. Desde que a percepção de honorários pelos advogados públicos não
41 A doutrina ensina: “despesa pública é a soma dos gastos realizados pelo Estado para a realização de obras e para a prestação de serviços públicos” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Tributário e Financeiro, 13ª Ed.. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.193).
42 Art. 27. Este Capítulo dispõe sobre o valor do subsídio, o recebimento de honorários advocatícios de sucumbência eoutras questões que envolvem os ocupantes dos cargos: I - de Advogado da União; II - de Procurador da Fazenda Nacional;III - de Procurador Federal; IV - de Procurador do Banco Central do Brasil; V - dos quadros suplementares em extinçãoprevistos no art. 46 da Medida Provisória n o 2.229-43, de 6 de setembro de 2001. Art. 28. O subsídio dos ocupantes doscargos de que trata este Capítulo é o constante do Anexo XXXV desta Lei. Art. 29. Os honorários advocatícios desucumbência das causas em que forem parte a União, as autarquias e as fundações públicas federais pertencemoriginariamente aos ocupantes dos cargos de que trata este Capítulo. (destaquei)
contrarie as balizas do Estatuto da OAB, está resguardada a juridicidade de tal pagamento.
Ora, o princípio da juridicidade é a manifestação da velha legalidade na visão
neoconstitucionalista43 do Direito. Ou seja, legalidade não é mais somente aquilo que a lei
disponha expressamente, mas aquilo que não contrarie o espírito da lei. Mormente em se
tratando de verba privada, onde a legalidade incide de maneira diversa, não se pode prestigiar
uma interpretação literal do NCPC para fins de se viabilizar a concretização da prerrogativa
da advocacia pública quanto aos seus honorários. Afinal, mesmo em direito público se
compreende diversamente o conteúdo da legalidade44 no Estado Democrático de Direito.
Ora, as demais carreiras jurídicas apresentam inúmeros exemplos de que o subsídio
não implica a obrigatoriedade de apenas uma espécie remuneratória como contraprestação ao
agente público dele beneficiário Em brilhante trabalho, Eduardo Cunha da Costa analisou o
sistema estipendial de subsídio dos agentes públicos e constatou que o ditame constitucional
que refere como “parcela única” a verba paga sob essa rubrica, em verdade, pretende uma
sistemática contraprestacional “muito mais enxuta (e deveras o é), não consistente ele em um
instituto incompatível com as conquistas e garantias dos trabalhadores45”. Com efeito, o
ilustre jurista constata a validade de pagamento de diversas outras parcelas remuneratórias
àqueles que recebem subsídio. Cita como exemplo os honorários pagos por participação em
Banca Examinadora ou pelo magistério (art. 11 da Res/CNJ nº 159, de 12/11/2012), os
prêmios de produtividade e os jetons pagos a Ministros e Secretários de Estado pela
participação em Conselhos ou junto ao TSE.
Além desses incontestáveis casos válidos de acréscimo remuneratório ao subsídio,
poder-se-ia também indicar o pagamento da gratificação de acúmulo de jurisdição da
magistratura federal, objeto de instituição pela Lei federal 13.093/2015 e de regulamentação
pela Res/CJF nº 341, de 25/03/2015. Também poderia ser incluída, na espécie, a gratificação
43 Luis Roberto Barroso explica: “Supera-se, aqui, a idéia restrita de vinculação positiva do administrador à lei, na leitura convencional do princípio da legalidade, pela qual sua atuação estava pautada por aquilo que o legislador determinasse ou autorizasse. O administrador pode e deve atuar tendo por fundamento direto a Constituição e independentemente, em muitoscasos, de qualquer manifestação do legislador ordinário. O princípio da legalidade transmuda-se, assim, em princípio da constitucionalidade ou, talvez mais propriamente, em princípio da juridicidade, compreendendo sua subordinação à Constituição e à lei, nessa ordem” (Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, n. 11, p. 21-65, out./dez. 2005).44 São as lições de Alexandre dos Santos de Aragão: “O princípio da legalidade administrativa significa, então, nessa acepção, que a Administração Pública, ao contrário do particular, que pode fazer tudo o que a lei não proíba, só pode fazer aquilo que a lei (aqui entendida de forma larga, como ordenamento jurídico) esteie. A lei não precisa preordenar exaustivamente toda a ação administrativa, bastando para ela fixar os parâmetros básicos que a Administração Pública deve observar ao exercer os poderes por ela conferidos. E, em casos bem extremos, não pode ser descartada a possibilidade de a Administração Pública atuar, inclusive, restringindo direitos e criando obrigações, direta e exclusivamente por força danecessidade de preservar valores e princípios constitucionais” (Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 62).45 COSTA, Eduardo Cunha da. Da percepção dos honorários de sucumbência pelos Procuradores do Estado: compatibilidade e eficácia. ESAPERGS, Porto Alegre-RS: 06 maio 2016. Disponível em: <http://www.esapergs.org.br/site/arquivos/artigo_1463067163.pdf>. Acesso em: 07/08/2016
por representação na Justiça Eleitoral, objeto da Lei 8.350/91. Dessa forma, inconteste que o
regime de subsídio admite outras parcelas remuneratórias, sendo que a verba honorária pode
ser paga aos advogados públicos sem prejuízo de sua estrutura remuneratória.
Ora, a atividade do advogado, tanto público quanto privado, em juízo, vem
regulamentada pela lei processual, cuja competência legislativa é da União46 e não dos demais
entes federados (aos quais apenas cabe a legislação sobre procedimentos). Nesse diapasão,
disciplinando a relação jurídica estabelecida entre os atores do processo, a lei federal atribui,
expressamente, ao advogado público a titularidade dos honorários advocatícios arbitrados em
causa na qual seu constituinte não seja sucumbente. E não foi a primeira vez que a lei federal
intitulou o advogado da verba honorária. Assim já fazia o Estatuto da OAB, norma reitora da
profissão de advogado, outra competência privativa da União.
Cumpre gizar, destarte, que quaisquer advogados públicos, sejam eles federais ou
estaduais são, expressamente, os destinatários da verba que a parte contrária à Administração
Pública vencedora na causa pagará a título de honorários sucumbenciais no bojo da relação
processual. E, aqui, não há qualquer prejuízo do ente público, pois ele, com a decisão
favorável, já teve assegurado o que lhe era de direito por obra de seu causídico. Se o ente
público também recebesse os honorários, haveria injusto enriquecimento da parte e subversão
total do regime sucumbencial nesse ponto.
É, portanto, do processo (ou da atividade processual), como relação jurídica
autônoma, em contraponto à relação estatutária mantida entre Administração e seu
representante judicial, que se origina o direito subjetivo do advogado aos honorários. Ou seja,
não é a norma estatutária (que conforma a relação direta da Fazenda Pública com seu
representante) quem cria o direito aos honorários sucumbenciais. Ao revés. É a norma
processual quem o faz.
A verba honorária sucumbencial, portanto, é liquidada – não criada47 – pela decisão
judicial por imposição legal. A sentença (ou a interlocutória) declara o crédito de honorários,
fixando-o em moeda ou em parâmetro contábil. Essa imposição, como vimos, tem assento em
regra processual, mas tem natureza de direito subjetivo do advogado contra aquele que perde
a causa. Ademais, as conclusões da doutrina antiga se basearam na dicotomia entre direito
público e direito privado. Acontece que, em sendo parte o Estado numa demanda processual,
46 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;47 Daí porque se entende mui acertada a crítica de Pontes de Miranda: “não se pode aceitar a concepção da sentença como lex specialis, que concretize a lex generalis das regras de direito material (assim sustentava Oskar Bülow, Prozesseinreden, 33); nem sequer como “vontade concreta da lei”, à maneira de Giuseppe Chiovenda. O que faz a sentença continuar a lei é a unicidade da fonte (estatais ambas) e o serem ambas acontecimentos jurídicos, fatos da vida jurídica do grupo social. Qualquer concepção que vá mais longe peca por ignorância da distinção entre incidência e aplicação” (Ob. Cit. p. XXVII).
muitas vezes o que se discute em sede material é de índole eminentemente de direito público,
como numa cobrança tributária48. Isso, no entanto, não embaraça a conclusão de que existe de
mais de uma relação jurídica no âmbito do processo. Muito pelo contrário. Ainda que não seja
bastante o critério do direito público ou privado para discriminar as relações entre autor e réu
das relações entre credor e devedor, foi esse divisor de águas que iluminou a descoberta de
um vínculo diverso no âmbito do processo.
Assim, considerando a autonomia, como salientado acima, entre as relações de direito
material e as de direito processual, a relação jurídica do advogado no que toca ao seu direito
sobre a verba sucumbencial não se confunde com o vínculo por ele mantido com seu
constituinte. No caso do advogado privado, sua contratação pelo constituinte terá caráter de
direito privado, pois será regida, no plano material, pela norma de direito civil quanto à
liberdade de contratar das partes e os efeitos obrigacionais dela decorrentes.
Já quanto aos advogados públicos, a relação de direito material mantida com a
Administração Pública nascerá das normas específicas estabelecidas pela entidade competente
para regulamentar a esta peculiar modalidade de agente público. Ainda que se trate de norma
de direito público, essa relação direta do Poder Público com seu representante judicial não
tem natureza processual, pois até independe do processo para tal. Já na relação do advogado
público no tocante à verba honorária sucumbencial o Poder Público é um terceiro, pois quem
a custeia é a parte sucumbente. E essa relação não pode ser objeto de regulamentação pelos
estados-membros ou pelos municípios, ainda que tal vínculo se origine de processo nos quais
eles sejam parte.
Então, fica evidenciado que o crédito de honorários sucumbenciais tem como fonte a
norma de direito federal, pois somente à União pode legislar sobre direito processual. Se o
NCPC tivesse se utilizado de outros verbos, seria, em tese, possível que o direito aos
honorários sucumbenciais pudesse ser objeto de ajuste entre as partes. Mas não foi o que
aconteceu, pois os dispositivos são peremptórios, ostentando densidade normativa bastante à
incidência imediata.
O que se constata é que o crédito do advogado, público ou privado, contra seu
constituinte tem por base norma eminentemente substancial. Nesses casos, identifica-se a
relação direta do constituinte com seu causídico como fenômeno ontologicamente diverso dos
48 Novamente, a densidade dos ensinamentos de Pontes de Miranda tem lugar: “A relação jurídica processual é sempre de direito público, embora possa ser (e, na maioria das espécies, o seja) somente de direito privado a relação jurídica que é objeto da demanda (res in iudicium deducta)”. E, mais adiante: “O processo é apenas a aplicação do direito por um órgão do Estado, o que só por si demonstra que aplicação e processo não são coextensivos. O credor que se paga com dinheiro do devedor que estava em suas mãos nem por isso deixa de aplicar o direito. O devedor que, instado, ou não, pagou, também o aplicou. No fundo, só existe, como diferencial, o elemento autoritativo. Fora daí, cairíamos em distinção entre ideia e realidade do processo”. (Ob. Cit. ps. XXII e XXVIII.).
casos em que se discute o crédito de honorários sucumbenciais. Isso pelo fato de, como visto,
as relações jurídicas estabelecidas entre credor e devedor da verba sucumbencial se
originarem por ocasião do processo. No êxito judicial do Poder Público, a relação processual
que surge entre o vencido e o advogado público decorrerá da condenação daquele como
sucumbente. Esse vínculo creditício (relativo aos honorários sucumbenciais) entre o litigante
perdedor e o representante judicial da Administração não se confundirá com o vínculo entre a
Administração e seu procurador público (que intitula o procurador de seu direito ao subsídio).
São duas as relações, portanto, nesse caso.
Tanto os honorários contratuais quanto o subsídio são pagos em razão do vínculo
direto entre cliente e advogado. Situação diversa acontece com os honorários sucumbenciais,
que nascem justamente onde não existe, antes do processo, relação material do devedor dessa
verba com o titular dela: o advogado da parte vencedora. Como se disse, a verba
sucumbencial é custeada pela parte sucumbente de forma a remunerar não seu advogado nem
a parte contrária, mas o causídico da parte contrária e vencedora. Aqui, a advocacia pública
se aproxima da advocacia privada.
Quando o Poder Público sucumbe na demanda, ele também paga os honorários
sucumbenciais aos advogados da parte contrária. Nunca se pretendeu conferir, sobre esse
débito, uma natureza pública. Ora, é evidente que o titular do crédito de honorários é o
advogado da parte que litigou e ganhou a causa contra a Administração Pública. Nessa
hipótese, a Fazenda Pública remunerará seu advogado exclusivamente por subsídio, pagando,
também, os honorários sucumbenciais do advogado da parte contrária que lhe moveu e
ganhou uma causa. O crédito do advogado privado contra o Poder Público sucumbente, nessa
demanda, também tem natureza privada, pois pertence à pessoa do advogado. Por ser titulado
por uma pessoa não-pública, e por não se destinar ao custeio ou ao patrimônio de nenhum
ente público, nenhum crédito de honorários pode ser considerado uma verba pública.
O mesmo ocorrerá, portanto, quando o advogado público lograr ganho de causa para
seu constituinte. Pois, ao final, incumbirá à parte sucumbente, pagar os honorários
advocatícios sucumbenciais ao procurador do ente público vencedor. Por isso é que não há
prejuízo ao erário no pagamento dessa verba. E, aqui, o subsídio pago pela Administração é
ainda mais merecido, pois ela não só obteve os serviços advocatícios de seu procurador, mas
os colheu de forma exitosa em um processo judicial.
Há, também, uma terceira hipótese que confirma todo o asseverado, qual seja, na
hipótese de litigarem duas Fazendas Públicas. Nesse terceiro caso, os honorários continuarão
ostentando natureza privada, pois pertencem ao advogado público, decorrendo da relação
processual. Ainda que seja o erário, portanto, o responsável pelo pagamento desses
honorários, como o credor é pessoa a si não vinculada, não estará comprometendo suas
rubricas de despesa com pessoal, pois não se tratará de um gasto com pessoal ativo ou inativo,
decorrente de cargo, função ou emprego público. É mera despesa com o processo judicial.
Dessa forma, ainda que se qualifique como uma despesa do ente público, o pagamento
dos honorários advocatícios tem balizamento processual e, por isso, não pode sofrer limitação
por lei local ou por razões orçamentárias. Com efeito, é o regime processual que regula o
pagamento das verbas honorárias pelo sucumbente e não a vontade da parte. E a base
normativa para que o advogado público perceba o crédito de honorários sucumbenciais é,
justamente, a lei processual e a lei regulamentadora da profissão de advogado. Ou seja, esse
crédito decorre do processo e da prerrogativa de advogado; pressupõe êxito no labor do
causídico e, em regra, não será pago pela Fazenda Pública (ao menos não o será no bojo da
relação com seus servidores públicos). É por isso que deve ser atendido o comando
imperativo do Novo CPC não pretendeu que se pagasse uma gratificação ou vantagem, pelo
erário, aos procuradores públicos. Ao revés. A norma processual indicou o patrimônio da parte
que litiga contra o ente público como responsável pelo custeio da verba honorária.
Perpassados esses fatos, assaz óbvios, mister salientar que os honorários advocatícios
não podem ser considerados verbas públicas, pois, sob qualquer viés, não pertencem à parte à
qual se vincula o advogado, mas ao próprio advogado. Ou seja, quando a Fazenda Pública
ganha a causa, é seu causídico quem tem de perceber os honorários e não o ente político.
É por isso que os honorários advocatícios sucumbenciais não podem consistir em
receita pública. Não podem estar previstos em leis orçamentárias como destinada ao
patrimônio público, pois não é este o comando da lei processual. Como vimos, somente a
União pode tratar da matéria processual. Ela o fez e outorgou aos advogados públicos a
titularidade sobre a verba honorária. Qualquer valor que seja pago à Fazenda a título de verba
honorária sucumbencial deve ser repassada integralmente e sem demora a seus titulares. Aliás,
o Direito Financeiro conhece bem a categoria dos valores que são recebidos pela Fazenda sem
que sejam a ela destinados ou por ela titularizados. Se não for definitiva a entrada, não será
receita pública49.
49 “Todo e qualquer dinheiro que ingressa nos cofres públicos, seja a que título for, denomina-se entrada. Alguns autoresfalam de ingresso (entradas provisórias), distinguindo-a da entrada. (...) Nem todo o ingresso, todavia, constitui-se emreceita. Há entradas que ingressam provisoriamente nos cofres públicos. Daí as entradas provisórias. (...) Sendo assim, vê-seque há relações do Estado que operam ingressos, mas se destinam a pagamento posterior. Logo, não há ingresso definitivo(...) Ao lado das entradas provisórias, há as definitivas, ou seja, as que advêm do poder constritivo do Estado sobre oparticular, sejam independentes de qualquer atuação (imposto), sejam dela dependentes (taxa) ou em decorrência darealização de obras públicas (contribuição de melhoria), nos exatos termos do art. 145 da CF, bem como as multas. Pode-sedizer o mesmo das contribuições previstas no art. 149. Tais entradas são definitivas. Daí tomarem o nome de receita. Emsuma, há entradas provisórias e entradas definitivas, denominadas receitas” (OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de
Verbas públicas são bens de titularidade da Administração Pública, pois a ela se
destinam, qualificando-se como receita pública, uma vez que o ingresso é definitivo. O
destino desses bens da Administração será definido pelo seu programa orçamentário. Um bem
é classificado como público ou privado quanto à sua titularidade e quanto ao regime de sua
utilização, como visto acima. Um bem será público ou privado, portanto, de acordo com a
finalidade para a qual é empregado. As verbas públicas destinam-se a custeio da atividade
administrativa. Relembre-se que desde a Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB) a titularidade da
verba honorária não mais é da parte, mas de seu causídico.
Agora, ao referir o Novo Código de Processo Civil que os advogados públicos
perceberão honorários advocatícios, não pretende a ordem jurídica brasileira a criação de uma
gratificação ou despesa pública a cargo das Administrações às quais se vincule essa carreira
de Estado. Com efeito, se o pleito corporativo, em sede legislativa, fosse para uma
gratificação do advogado público, estar-se-ia criando nova espécie remuneratória – o que,
inobstante possível, não foi o que se fez. O ordenamento brasileiro bem conhece e distingue o
pagamento de gratificação ao servidor público do direito aos honorários advocatícios.
As gratificações dos servidores públicos integram a política remuneratória de pessoal,
devem ser previstas em ato normativo do ente ao qual se vinculam os beneficiários, além de
ser exigida a previsão orçamentária para a realização da despesa pública. Por óbvio, seu
pagamento pressupõe o vínculo direto da Administração com o servidor, o que não ocorre no
caso da verba honorária do advogado público. Nessa linha, verifica-se que os honorários
sucumbenciais não se prestam a servir à coletividade, sob pena de violação, a um só tempo,
tanto do Novo CPC quanto do Estatuto da OAB. Numa primeira análise, quanto ao titular, já
se exclui a verba honorária do conceito de bem público pelo fato de tal verba ser percebida
pelo advogado público e não pela Fazenda Pública. Ou seja, o dono dos honorários é a
pessoa do advogado e não a parte. Como visto acima, não existe distinção da verba honorária,
para fins de titularidade, entre o advogado público e o advogado privado. Ambos os
advogados são os sujeitos de direito quanto à dívida de honorários paga pelo sucumbente,
conforme o caso. Não há relação material, antes do processo, entre quem paga os honorários
sucumbenciais e quem os recebe. Há, pois, um pagamento cruzado na relação processual
quanto à verba de sucumbência: o perdedor deve ao advogado da parte contrária, não a seu
patrono.
Numa segunda análise, quanto ao regime jurídico, de igual forma, a verba honorária
escapa ao conceito de bem público, pois não se presta a remunerar o pessoal da administração
Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 95-96- destaques no original)
pelo serviço público, mas, ao contrário, para estimular o advogado na sua atuação profissional
contenciosa em prol da justiça. Não se olvide que o advogado, público ou privado, exerce
função essencial à justiça, conforme dispõe o Capítulo IV do Título IV da Carta da República.
Quanto aos efeitos do regime jurídico aplicável à verba honorária sucumbencial, com
base em todas as premissas acima destacadas, é possível concluir que não é necessária a
existência de lei formal para que se aplique o §19 do artigo 85 do Novo Código de Processo
Civil, uma vez que o Estatuto da OAB ostenta densidade normativa suficiente a determinar
que o advogado perceba a verba honorária.
Além disso, como a titularidade da verba é privada, ela não se enquadra no conceito de
receita pública50,, nem de despesa com pessoal, não podendo sofrer restrições orçamentárias,
sendo certo que eventual entrega honorários a fundo ou conta do Poder Público terá mera
natureza de ingresso ou entrada não definitiva, devendo ser pago ao seu titular sem delongas.
Ainda, nesse diapasão, é despicienda a previsão no orçamento da pessoa jurídica de direito
público para que seu advogado público tenha o direito à verba honorária.
Como se não bastasse, descabe falar em teto remuneratório em matéria de honorários
advocatícios, uma vez que não incide o dispositivo do art. 37, XI da Carta Magna. Como
cediço, a norma constitucional atinente ao teto remuneratório pretende conter a despesa
pública. A disposição em testilha tem evidente conteúdo moralizador, na medida em que
estabelece parâmetros objetivos intransponíveis ao aumento da despesa com pessoal. Nesse
sentido, cumpre relembrar que quem arca com o pagamento dos honorários advocatícios é a
parte sucumbente e não a Administração.
Por outra via: não é o Erário que figura como fonte de custeio da verba honorária, mas,
justamente, a parte que litiga com ele, daí sendo inútil falar em teto para contenção de uma
despesa que não é pública. Isso sem falar nas exceções que a jurisprudência concebeu, o que é
de se aplaudir, considerando, muitas vezes, a existência de mais de um vínculo de acumulação
de cargo validamente51, a inadmissibilidade de fixação de teto remuneratório diverso entre as
carreiras da magistratura nacional52, a impossibilidade de a nova composição constitucional de
50 Conceitua Aliomar Baleeiro que a “receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquerreservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo” (UmaIntrodução à Ciência das Finanças. 15ª Ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2002).51 STJ - RMS 38.682/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2012, DJe 05/11/2012.52 STF - ADI 3854 MC, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2007, DJe-047 DIVULG 28-06-2007 PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007 PP-00022 EMENT VOL-02282-04 PP-00723 RTJ VOL-00203-01 PP-00184.
pagamentos afetar o patamar dos proventos de aposentadoria53, dentre outros fatores que só o
caso concreto pode descortinar.
Os honorários advocatícios somente seriam públicos se o ordenamento permitisse sua
afetação ao patrimônio público54. Isso pressuporia que a Administração Pública seria sua
titular. Ou seja, para tal, seria imperiosa a existência de norma que autorizasse ao Poder
Público a se apropriar de uma coisa privada, tornando-a pública e pondo-a a uso público. Em
se tratando de dinheiro55 ou de crédito, entretanto, inexiste lei que autorize a Administração
Pública trazer os honorários de seu advogado para o erário ou para uso de uma coletividade.
É fundamental destacar que os honorários advocatícios, hodiernamente, são expressos
em moeda ou pecúnia, mas mantém sua natureza creditícia. Daí que, de acordo com a
moldura normativa vigente, seria inegavelmente confiscatório eventual ato do Poder Público
que proíba, obste, retarde ou mitigue a distribuição da verba honorária sucumbencial entre os
seus procuradores. Isso pelo fato de os honorários pertencerem ao advogado, quer público,
quer privado.
Aliás, a distinção entre o crédito da parte e o crédito dos honorários advocatícios é tão
clara que existe, inclusive, súmula vinculante, para esclarecer a autonomia entre um crédito e
outro, mesmo contra a Administração Pública56. Como não se poderia olvidar,
independentemente do tipo de tutela postulada, o êxito da Administração na demanda enseja
um capítulo condenatório da parte contrária ao pagamento de honorários ao advogado
público. Essa decisão judicial, portanto, serve de título deste em face do litigante contra o
Poder Público. Qualquer cobrança havida pela Administração quanto à verba honorária de seu
causídico, dar-se-á por legitimação extraordinária, agindo ela em nome próprio na defesa de
direito alheio57.
Em arremate, cumpre gizar que o Estatuto da OAB aplica-se à advocacia pública,
afinal, foi necessário uma lei formal para expressamente afastar parte de sua incidência à
53 STF - MS 27565, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 18/10/2011, DJe-221 DIVULG 21-11-2011 PUBLIC 22-11-2011 EMENT VOL-02630-01 PP-00061.54 É o que registra a doutrina: “Como as coisas adquirem e perdem a qualidade de públicas. As coisas se tornam públicas por afetação ou destinação. A dominalidade cessa por degradação (a coisa se torna imprópria para o uso público), ou por desafetação (por ato do Estado ou da entidade a quem pertença a coisa)” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado, 10ª Ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 370).55 “Não se desapropria dinheiro, moeda corrente do País, por ser este o próprio meio de pagamento do bem expropriado” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 25ª Ed.. São Paulo: Malheiros, 2008, p.863).56 Súmula Vinculante 47: “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza”, Sessão Plenária de 27/05/2015, DJe nº 104 de 02/06/2015, p. 1. DOU de 02/06/2015, p. 1.57 Aqui, vale destacar o Enunciado nº 2 do I Fórum Nacional do Poder Público, realizado nos dias 17 e 18 de junho de 2016,em Brasília: “Fazenda Pública possui legitimidade extraordinária para discutir, recorrer e executar os honorários sucumbenciais nos processos em que seja parte”.
atividade de representação processual e consultoria jurídica da Administração Pública. Com
efeito, editando norma legal no afã de refrear a existência de determinadas vantagens laborais
aos casos de vínculo de emprego público para desempenho de atividades típicas de advogado
no âmbito da Administração Pública, a União editou a Lei federal nº 9.527/9758. Com ela,
excluiu a incidência do Capítulo V, Título I da Lei 8.906/94 a toda a Administração Pública,
seja de personalidade de direito público ou de direito privado. A norma restritiva limita a
incidência, por sua expressa indicação, do “Capítulo V – Do Advogado Empregado” aos casos
de advogado sujeito ao vínculo de emprego.
Ocorre que bem andou a indigitada lei federal ao não restringir a incidência à
Administração Pública em geral do “Capítulo VI – Dos Honorários Advocatícios”. Ora, neste
Capitulo VI é que estão inseridos os artigos 22 e seguintes, que disciplinam, justamente, a
titularidade e a percepção dos honorários advocatícios pelos causídicos. E o Estatuto da OAB,
como dito acima, não conhece distinção entre advogados públicos ou privados. Ademais,
relembre-se que o advogado público não se confunde com o advogado empregado por
expresso indicativo constitucional restringindo aos primeiros o regime estatutário ou do cargo
público. Nesse jaez, a Lei 9.527/97 veio apenas excluir do advogado que mantenha vínculo
empregatício com a Administração Pública a possibilidade de ajustar com sua constituinte os
honorários profissionais.
Saliente-se que, em outros entes, essa questão dos honorários advocatícios já colheu
frutos nos pretórios nacionais. À guisa de exemplificação, no Estado do Maranhão59, no
Município de São Paulo60 e no Distrito Federal61, já se apurou a natureza privada da verba e
que, por isso, não constituía receita (na apropriação) nem despesa (no pagamento) pública,
podendo ser distribuída a todos os integrantes da carreira, independentemente de específica
previsão orçamentária ou de remuneração por subsídio.
VI. CONCLUSÕES
Após todo o asseverado, é insofismável a conclusão de que os honorários
sucumbenciais se originam diretamente da lei que disciplina sua atuação profissional e da lei
58 Tal Diploma, na parte relevante, assim dispõe: Art. 4º As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.
59 TJMA, ADI 30721, Processo 0307212010, Relator Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, disponibilizado em DJE em 22/04/2013.
60 RE 225263 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Primeira Turma, julgado em 26/03/2002, DJ 26-04-2002 PP-00076 EMENT VOL-02066-02 PP-00375.
61 TJDFT, ADI nº 2014002016825-8, julgamento unânime de improcedência em 28/10/2014, disponibilizada em 03/11/2014.
que conforma as relações havidas em razão do processo. Nesse sentido, os honorários
sucumbenciais, não se distinguem do regime geral quanto à titularidade, caso a Administração
Pública seja parte, vencedora ou vencida. A verba é fixada pelo juízo em razão da causalidade
num processo judicial e em razão do labor do causídico. Como o processo dá causa a vínculos
obrigacionais novos, o capítulo condenatório na verba honorária, forma nova relação jurídica
entre o advogado da parte vencedora e o vencido. Além disso, independentemente da natureza
da parte ou do tipo de processo, a honorária terá ela sempre natureza privada, não se
admitindo que, sem expresso ato de vontade do advogado, possa a parte vencedora deles se
apropriar. Ademais, como se trata de verba privada, ela não pode constar como receita do
Poder Público nem ser enquadrada na categoria de despesa com pessoal, pois não é gasto da
Administração com seus servidores. Por fim, o NCPC é enfático ao pretender que todos os
advogados percebam a verba honorária, pois ela contribui bom a prestação advocacia, sob os
auspícios do modelo processual cooperativo.
VII. REFERÊNCIAS
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