A Nova Classe Média como Conceito e Projeto Político

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    Rio de Janeiro, 2013

    1 EDIO

    Organizao Dawid Danilo Bartelt

    A NOVA CLASSE MDIANO BRASIL COMO CONCEITOE PROJETO POLTICO

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    Bartelt, Dawid Danilo (org.)

    A Nova Classe Mdia no Brasil como Conceito e Projeto Poltico. Dawid Danilo

    Bartelt (org). Rio de Janeiro: Fundao Heinrich Bll, 2013. - 184 p.;15,5 cm x 22,0 cm

    ISBN 978-85-62669-10-1

    1. Bartelt, Dawid Danilo. 2. Classe mdia Brasil. 3. Aspecto Poltico.

    4. Cidadania. 5. Sade. 6. Educao. 7. Gnero.

    I. Ttulo.

    CDD 320.981 (verso 1.10 CD)

    Editor e organizadorDawid Danilo Bartelt

    Assistente de edioManoela Vianna

    RevisoHelena Costa

    Projeto grficoInventum Design

    Impresso

    Grfica MinisterTiragem1000 exemplares

    Esse livro foi financiado com recursos da Fundao Heinrich Bll. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.

    FUNDAO HEINRICH BLLRua da Glria, 190/701 - GlriaCEP 20.241-180 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

    Tel. 55 21 3221 9900 Fax 55 21 3221 [email protected]

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    INTRODUO

    * Para um presidente como Lula, pouca coisa poderia servir melhor comolegado do seu governo do que o de ter criado uma Nova Classe Mdia(NCM), ainda mais em um pas emergente com uma longa tradio deextrema desigualdade. Por isso no pode surpreender o fato de, nos go-vernos Lula e Dilma, ter sido construda uma narrativa que organiza os

    ganhos reais dos salrios de pessoas de baixa renda no Brasil e os avanosnas polticas sociais sob este ttulo. Fica logo evidente que se trata menosde um fato sociolgico e mais de um projeto de estratgia e marketing po-lticos. Por isso, a retrica e as artes aritmticas das classicaes de rendaque o acompanham no apenas fazem sentido como so estratgicas. Naera ps-ideolgica, o poder poltico se realiza no centro; ocupar o meioentre os extremos, pois o centro da sociedade garante a hegemonia e aluta polarizada, no. Na Europa, os grandes partidos outrora identica-dos como de direita ou de esquerda se movimentam rumo ao centro,

    declarando direita e esquerda como margens da sociedade, territrio ide-olgico dos de ontem. No Brasil, j assistimos a embates polticos por estaclasse; o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertou o seu partido,o PSDB, para no perder tempo em brigar com o PT pela hegemonianos movimentos sociais e junto ao povo. O esforo em ampliar e conso-lidar a base eleitoral deve-se focar na NCM1.

    No ano de 2012, houve interessante juno de fatos, formando umaofensiva de marketing na construo de uma viso sobre a NCM brasileira:

    t%VBTOPWFMBTEB57(MPCPFYJCJSBNQFMBQSJNFJSBWF[B/PWB$MBT-se Mdia ou Classe C como protagonistas Cheias de Charme eAvenida Brasil, ocupando, concomitantemente e durante meses,os horrios das 19 e das 21 horas.

    1 Fernando Henrique Cardoso: O Papel da Oposio, em: Revista Interesse Nacional, 02.04.2011. Disponvel em:

    . Acessado em: 24.06.2013.

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    t0FDPOPNJTUBFiQBJEB$MBTTF$w.BSDFMP/FSJMBOPVTFVMJWSPw"Nova Classe Mdia: o lado brilhante da pirmide, que recebeu altaateno nacional e at internacionalmente.

    t"MNEJTTP UPSOPVTF EJSFUPSEP *OTUJUVUPEF1FTRVJTB &DPONJDBAplicada (IPEA), rgo-chave na concepo e divulgao de polti-DBTFDPONJDBTFTPDJBJTEPHPWFSOP

    t'PJMBOBEPPQSPKFUPi7P[FTEB$MBTTF.EJBwQFMB4FDSFUBSJBEF"T-suntos Estratgicos da Presidncia da Repblica (SAE), apoiado pela$BJYB&DPONJDB 'FEFSBM $POGFEFSBP /BDJPOBM EB *OETUSJB Fpelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento.O trabalho de Neri, na maior parte enquanto economista destacado

    EB'VOEBP(FUMJP7BSHBTUPSOPVTFSFGFSODJBQSJODJQBMEPEFCBUFOP

    Brasil, que j originou pelo menos quatro livros um mais armativo, deBolvar Lamounier e Amaury Souza2, e trs mais crticos, ainda que dengulos diferentes, de Marcio Pochmann3 e os dois livros organizados e es-critos por Jess Souza4, sendo que esses dois autores contriburam para estapublicao. Alm disso, principalmente no ano de 2012, surgiram vriosartigos sobre o tema, alm de colunas e artigos na mdia impressa e online.

    No bastassem as manifestaes que tomaram conta das ruas brasileirasem junho de 2013, o tema est mais do que posto. Sua relevncia consiste,entre outras coisas, no fato de que atravs dele se discute os rumos e as prio-

    ridades polticas do desenvolvimento da sociedade brasileira no futuro pr-ximo. Por isto, estamos lanando a presente publicao. Ela procura reunir,de forma mais sistemtica, vozes crticas ao que deve ser concebido comoum projeto poltico de grande porte que precisa, urgentemente, de anlisemais profunda. Podemos armar que esta Nova Classe Mdia est, hoje, deforma aguda, subdeterminada, no apenas sociolgica e empiricamente, mastambm ideolgica e politicamente. E as manifestaes de Junho tm indica-do fortemente que a narrativa ligada Nova Classe Mdia est se esgotando.

    Sociologicamente, as classes mdias fazem parte das pesquisas sobre as

    elites da sociedade. Ainda que Neri tenha dito

    5

    que o seu uso do termo no

    2 LAMOUNIER, Bolvar e Souza, Amaury: A classe mdia brasileira: ambies, valores e projetos de sociedade,

    Campus/CNI, 2010

    3 POCHMANN, Marcio: Nova classe mdia? O trabalho na base da pirmide social brasileira, Boitempo, 2012.

    4 406;"+FTTFUBMJJ"SBMCSBTJMFJSBRVFNFDPNPWJWF6'.(406;"+FTTFUBMJJ0TCBUBMIBEPSFT

    #SBTJMFJSPT/PWBDMBTTFNEJBPVOPWBDMBTTFUSBCBMIBEPSB6'.(

    5 Em conversa com o autor desta introduo, mas tambm na p. 83 do seu livro A Nova Classe Mdia (2012)

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    seria sociolgico e se referia ao fato da Classe C estar no meio das cincoclasses de renda por ele aplicadas, e, portanto uma classe mdia, clara eintencional a referncia classe mdia tradicional, enquanto categoria socio-

    lgica. De fato, no fosse a fora propagandstica do governo e suas institui-es publicitrias e cientcas incumbidas para tal m, este livro talvez nemprecisasse ser publicado, de to bvio e evidente a crtica que constata: umaclasse que dispe de entre 1.200 e 5.174 R$6 de renda familiar, visto o nvel decusto de vida nas grandes cidades, no constitui uma nova classe mdia. Masa vantagem deste projeto poltico chamado Nova Classe Mdia (NCM) que ele nos compele, enquanto cidados e observadores atentos s mudanasdinmicas da sociedade brasileira, a reetir novamente sobre o que constituie deveria constituir uma classe mdia-base de uma sociedade moderna mais

    justa e igualitria e quais seriam o papel e as obrigaes que o Estado, orga-nizador e regulador da sociedade moderna, deve assumir.As anlises desta publicao se dividem em duas sees principais, di-

    retamente interligadas, e ainda apresentam dois textos que se referem dimenso internacional do debate.

    A

    Com dados da Pesquisa de Oramentos Familiares, Celia Lessa Kerstenet-zkye Christiane Ucha demonstram atravs de pesquisa detalhada que, em

    termos de condies dos domiclios e de acesso a crdito, seja em termos dechances de vida grau de escolaridade, acesso a plano de sade, etc os inte-grantes desta classe de renda esto longe de corresponder promoo socialque lhes foi atribuda; a maioria deles pode ser de fato considerada pobre sobqualquer critrio que leve em considerao adequao nos nveis de bem--estar. As insucincias so tamanhas que na opinio das autoras pelo menosparte da NCM tem apenas chances limitadas para progresso social.5SBCBMIBOEPDPNEBEPTEP*OTUJUVUP#SBTJMFJSPEF(FPHSBBF&TUBUTUJ-

    DBT*#(&Waldir Quadros, Denis Maracci Gimenez e Dav Jos NardyAntunes, ao destacar os mritos e progressos da poltica de incluso sociale aumento real da renda durante os anos 2000, concluem que a Classe Cno deve ser chamada de classe mdia. A Nova Classe Mdia brasileiraUFSJBTJEPQSPEVUPEP.JMBHSF&DPONJDPEVSBOUFBEJUBEVSBNJMJUBS-POHF

    6/FSJ4FHVOEPEBEPTBUVBJTEB'VOEBP(FUMJP7BSHBTFTUFTWBMPSFTGPSBNBKVTUBEPTQBSB3F

    R$7.475,00, v. 6

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    do padro de consumo dos norte-americanos, sem as benesses do WelfareState FVSPQFVFMBTFNPOUPVDPNPDMBTTFTPCSFPEJOBNJTNPFDPONJDPFa profunda desigualdade social daquela poca. A classe C, no entanto, esta-

    ria longe dos padres e estilos de vida desta NCM como a grande novidadedo sculo XX. Os auxiliares de escritrio, vendedores, garons, professoresprimrios, policiais, auxiliares de enfermagem, constituindo uma classeNEJBCBJYBwQFMPTUFSNPTEP*#(&iUNDBSODJBTEFUPEPUJQPOPTFNrelao aos padres de ocupao, rendimentos e consumo. Mas tambmdas condies para educar os lhos, de sade, de transporte, de moradia, desegurana pblica. Isto revela a distncia entre a vida da nova classe mdiado sculo XX e a dos anos 2000.

    Lucia Cortes aponta para a necessidade de uma distino regional e en-

    tre os meios urbano e rural: R$ 4.561,00 ao ms para uma famlia que vivena metrpole de So Paulo pode signicar uma vida mais restrita do queR$ 1.064,00 para outra famlia que vive numa cidade de interior. Indepen-dentemente da regio, passar um ms com renda per capita de R$ 290,00- limite da classicao da SAE no autoriza nenhuma anlise a concluirque essa pessoa tenha um padro de vida de classe mdia. Como a maioriados autores, Cortes reclama da unidimensionalidade da anlise. O nvel derenda seria varivel importante, mas deveria estar articulado ao acesso abens culturais, segurana nas relaes laborais e maior participao na vidacoletiva que permita uma convivncia com reduo dos riscos e vulnerabi-lidades. Classe mdia signicaria, anal, ter acesso a todo um conjunto defatores sociais, polticos e culturais que permite viver com segurana, maiorconforto e acesso vida coletiva e ao espao pblico.

    nesta linha que a anlise de Jess Souza adiciona dimenses impor-tantes anlise da classe mdia. Criticando a cegueira do economicismo,Souza demonstra que as vantagens estratgicas da classe mdia tradicio-nal no se materializam apenas pela renda maior, mas pelo capital social ecultural que detm e que os trabalhadores batalhadores da Classe C notm, e menos ainda os da chamada por ele de ral, classe mais empobre-cidas da sociedade. Eles carecem de relaes sociais que ajudem no mundosocial e prossional, de tempo para estudar, de competncias sociais comodisciplina e autocontrole, indispensveis para ser bem-sucedido no capi-talismo moderno, e at de uma autopercepo como dignos e, portanto,portadores de direitos. No entanto, no h classe condenada para sempre,arma Jess Souza, e de fato os batalhadores tm obtido algum sucesso.

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    O autor enfatiza, entretanto, que no se pode falar da sociedade brasileirade hoje sem reconhecer que esta classe continua sendo sistematicamenteexplorada, profundamente dominada e socialmente humilhada.

    O aumento substancial da renda das classes baixas no equivalenteBVNBTVCTUBODJBMSFEVPEBEFTJHVBMEBEFOP#SBTJM0OEJDF(JOJCBJ -xou efetivamente no Brasil, ainda que de um nvel obsceno a um nvelainda intolervel, mas ele mede a distribuio de renda por salrios eremuneraes monetrias numa sociedade e no inclui a propriedade imobiliria e fundiria, principalmente; fonte da riqueza da classe m-dia alta e alta no Brasil. As polticas distributivas atuam sobre os efeitose no sobre as causas das desigualdades estruturais. Isto nos remonta aopapel do Estado (e no apenas do governo) no Brasil: um Estado sem

    cidados, onde direitos se transformaram em privilgios de poucos, naanlise de Sonia Fleury. Mudanas estruturais deveriam comear peloaumento da produtividade industrial e do emprego formal. Ao disso-ciar a anlise da ascenso da classe C das condies de emprego e tra-balho opera-se uma descontextualizao de cunho poltico e ideolgico,que impede a tematizao da superexplorao e endividamento dessapopulao. Como pano de fundo da modernizao conservadora, apesquisadora identica uma fetichizao da ecincia do mercado,que substituiu a fetichizao do poder do Estado correspondente ao

    projeto nacional desenvolvimentista. Quem no teve vez nesta troca foio Estado democrtico fortalecido. Ou seja, nestas polticas sociais pri-vatizadas e mercantilizadas, a democracia uma determinante ausente.

    Na narrativa analisada, o consumo funciona como elemento constitu-UJWPEB/$.%FGBUPDPNPEFNPOTUSB&MJBOB7JDFOUFPDPOTVNPUFNsido constitutivo tambm para a classe mdia tradicional, como elementode distino social, criando um estilo de vida e assim um diferencialque os pobres no podiam ter. No mundo moderno, este tipo de consu-mo muito mais que a satisfao de necessidades. Consumo constri,confere e corrobora identidade social. A NCM aspira igualar-se ao idealde estilo de vida construdo pela narrativa e que confunde cidadania econsumo. Mas o seu novo consumo casa prpria, carro, eletrodoms-ticos, viagens de avio etc. - tambm no deixa de ser, para a nova clas-TFFNFSHFOUFwDPNPBEFOPNJOB&MJBOB7JDFOUFBDPOSNBPEFVNBconquista na luta dura de sair da pobreza para uma vida melhor. Por isso,este consumo lhe , literalmente, to caro.

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    B

    A questo da democracia faz a ponte para a segunda seo do livro. Estapergunta pelos parmetros, implicaes e lacunas da NCM enquanto

    projeto poltico. So anlises a partir da teoria poltica, da anliseideolgica e principalmente da perspectiva dos direitos, da cidadaniae do gnero. Para tal m, a Fundao Heinrich Bll convidou nestaseo, alm dos acadmicos, autoras e autores de organizaes no-governamentais parceiras que trabalham diariamente na tarefa deconsolidao da democracia e garantia de direitos para todos.

    Se existe um projeto poltico vinculado inveno e propagao da/$.EFWFTFEJ[FSRVFGBMUBPVUSPQSPKFUPQPMUJDPFFDPONJDP&TUFseria em torno da obrigao do Estado de criar um projeto em benefcio

    da incluso poltica e da efetivao da cidadania, dos direitos polticos,TPDJBJTFDPONJDPTFDVMUVSBJTEFQFTTPBT"RVFTUPSBDJBMQPSFYFNQMPFTUFNCVUJEBOBSFQSFTFOUBPEPNBSLFUJOHDPNPOBDBSUJMIB7P[FTda Classe Mdia. O que signica o projeto da NCM dentro do racismo epatrimonialismo existente no Brasil, ainda no foi discutido.

    Discutir o projeto da NCM discutir a questo, que Brasil estamosconstruindo, pondera Cndido Grzybowski. Apropriando-se de umconceito de Andr Singer, aponta para o reformismo fraco atual. O PTainda faria diferena no cenrio poltico nacional e internacional, mas re-

    nunciou a ser fora transformadora. O debate est focado no crescimen-to. Pouco se discute alternativas ao crescimentismo, ao desenvolvimentohabitual que segue produtivista e consumista. O assim chamado novodesenvolvimentismo tem produzido uma NCM na perspectiva do con-sumo, mas no das mudanas estruturais necessrias. A questo socialtende a dominar os debates sobre a destruio ambiental, apesar desta,em nome do desenvolvimento social, ser grave.

    Os textos de Amelie Cohn, Lgia Bahia e Claudio Salm tm na edu-cao e na sade o seu foco especial. Para Cohn, numa sociedade de-

    mocrtica faz diferena se os processos so organizados por normas decomportamento, onde indivduos se orientam pela narrativa do consu-mo, criando identidades plagiadas, ou por formas de integrao queGB[FNDPNRVFPJOEJWEVPCVTRVFiEFGPSNBBVUOPNBFDPOTDJFOUFJO-tegrar-se na sociedade buscando dela participar e nela se inserir de formasustentada, o que vai muito alm dos limites estreitos, mas impiedosos, domercado. No Brasil assiste-se terceira gerao de privatizao dos ser-

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    vios de educao e sade. uma ironia, armam Bahia e Salm, mas,em que pese a forte retrica antiliberal, foi nos governos Lula que mais seconsolidou a sade e a educao como business. As consequncias so,

    por um lado, que se privatiza e individualiza os riscos sociais e apela-seaos indivduos para procurarem solues de mercado gastando recursosprprios. Uma outra consequncia da privatizao , paradoxalmente,a sobrecarga dos servios pblicos estatais, porque os planos e segurosprivados de sade se tornam cada vez mais precrios, ao mesmo tempoem que aumentam os preos. O que est em jogo para a NCM e a socie-dade brasileira como um todo, , nas palavras de Cohn, um padro desociabilidade e insero social, [...] regido por contratos de solidariedadeTPDJBMRVFQPSTVBWF[TFUSBEV[FNFNQPMUJDBTFDPONJDBTFTPDJBJTRVF

    tenham maiores ou menores efeitos redistributivos.Outra implicao diz respeito ao papel das mulheres nesse novo de-bate. O que o aumento da renda, sobretudo das mulheres, signica emUFSNPTEFBVUPOPNJBFEJNJOVJPEBTBTTJNFUSJBTFDPONJDBTFTPDJBJTentre mulheres e homens? Alm das mulheres formarem o novo exrcitodo batom, multiplicando os gastos para produtos de beleza no pas, mu-lheres e homens desta classe se diferenciam, em termos de renda, benef-cios, posio familiar, universo de valores, educao etc., fazendo com quehaja necessidade de formular polticas especcas em termos de gnero.

    Raa e gnero so duas dimenses importantes que esto ausentes naconcepo poltica da NCM, mas ainda presentes no padro de discrimi-nao e dominao das classes dominantes tradicionais: Para emergir, aNova Classe Mdia se escora na velha e injusta diviso sexual e racial dotrabalho, reproduzindo condies de vulnerabilidade na vida das mulheres,analisa Nina Madsen. Injustamente, so elas [as mulheres] que assumemquase que solitariamente as tarefas de cuidados (com as crianas, com asidosas e idosos) e que muitas vezes trabalham gratuitamente para manter ospequenos empreendimentos familiares, que ampliam a renda familiar. Paraascender a esse padro de nova classe mdia, nem as polticas pblicas, nemo mercado de trabalho, muito menos o trabalho domstico, tm oferecidosuporte para as trabalhadoras desse estrato social aliviarem a sobrecarga dosafazeres domsticos e familiares que suportam.

    Diversos autores tm apontado para a tendncia de conservadorismoinerente NCM e, ligada a esta, a sua proximidade com e sobrerrepresen-tao nas igrejas evanglicas, especialmente nas neopentecostais. Para estes

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    grupos religiosos, a salvao, entendida tambm como prosperidade mate-rial, j no postergada para a vida alm da morte, ela se d no cotidiano eno hoje, como lembra Marilene de Paula. A Teologia da Prosperidade tem

    uma forte dimenso material e concreta de construo de futuro, uma ticaprotestante imediatista, apta para a NCM, alm das igrejas oferecerem espa-os de sociabilidade, remediando de certa maneira a falta de relaes sociaispela qual aponta Jess Souza. Na anlise da autora, o forte relacionamentoentre evanglicos e a numerosa NCM ganha dimenso poltica a partir domomento que tm um projeto poltico, o que inegvel e se estende almda bancada religiosa, segunda maior do Congresso.

    Fecha esta seo um ensaio de Ivo Poletto que contrape s necessida-EFTEPDBQJUBMoIFHFNOJDBTOBTFTGFSBTFDPONJDBTFTPDJBJTEP#SBTJMFEP

    mundo as necessidades humanas e da terra. Nesta perspectiva, continuainegvel que milhes de brasileiros precisam chegar ao mercado para sa-tisfazer as necessidades bsicas e que, portanto as polticas de aumento dopoder de compra dos mais pobres so corretas. No entanto, para o autor adignidade e a cidadania dos subprivilegiados no podem ser realizadas pelasua incluso no mercado capitalista, mas s com a construo de outro tipode sociedade, que organize a produo e a distribuio dos bens assim comoas relaes entre as pessoas e entre os povos, e entre seres humanos e meioambiente de forma diferente. Eles tm necessidade de mais alimentos, masno dos produtos envenenados do agronegcio; tm direito moradia, masno com os limites e a baixa qualidade das construdas pelas empresas doQSPHSBNBA.JOIB$BTB.JOIB7JEBUNEJSFJUPBPUSBCBMIPFSFOEBRVFgaranta sua autonomia, coisa que a sociedade capitalista jamais admitir.

    CO livro termina com dois textos que transcendem o olhar sobre o Brasil.Conforme dito no incio desta introduo, Marcio Pochmann, antecessorde Marcelo Neri no posto do diretor do IPEA, tem sido um dos protago-nistas do debate sobre a NCM. Em sua contribuio para esta coletnea,analisa a classe mdia global. Restringindo a sua anlise explicitamente aocritrio monetrio (rendimento familiar de 10 a 100 dlares dirios), vuma forte concentrao da classe mdia na sia, enquanto a participaodos EUA e da Europa do Norte na classe mdia global tem cado. No en-tanto, alerta que com as transformaes nos pases emergentes, que ape-sar de no terem completado a sua industrializao j saltam na sociedade

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    ps-industrial, de servios, pode se tornar sem efeito a aplicao simplis-ta do conceito tradicional de classe, sobretudo de classe mdia ancoradano critrio de rendimento. O caso do Brasil conrma esta observao.

    Desde uma perspectiva comparativa entre o Brasil e Portugal, o professorportugus Elsio Estanque lembra que quase a metade dos empregos cria-dos em 2009 foram de at 1,5 salrios mnimos. Ou seja, muito mais prxi-mo do limiar da misria do que de uma classe mdia. No Brasil, os salriosdas mulheres so em mdia 30 por cento mais baixo que os dos homens!Em Portugal esta taxa de discriminao de gnero tambm alta: 21 porDFOUP0OEJDF(JOJRVFNFEFBEJTUSJCVJPEFSFOEBOVNQBTUFNDBEPno Brasil, mas ainda altssimo, em absoluto e em relao a Portugal (0,54versus 0,33, em 2009). O projeto desenvolvimentista nesse momento goza

    de grande credibilidade, escreve o autor, poucas semanas antes dos protestosde massa. Por isso, a imaginria NCM, uma classe de trabalhadores aindapouco qualicados, exorbita os seus consumos precrios submetida pelamiragem discursiva da mdia e do poder vigente, para satisfao de credorese alguns agiotas ligados ao mundo da nana e do crdito. Um segmentoda classe trabalhadora que, sendo atomizado e individualizado pelo consu-mismo, torna-se politicamente inofensivo e indiferente ao coletiva. Aocontrrio disto, em Portugal, a classe-mdia-que-no-chegou-a-ser estariase desfazendo. Os trabalhadores de servios e da administrao pblica que

    chegaram a adotar comportamentos e subjetividades tpicos do velho ethosda classe mdia contam entre os perdedores da grande crise na Europa. Aclasse mdia assalariada se reproletarizou. Isto teria despertado esses setorespara a ao coletiva, visvel nas manifestaes desde 2011. Estanque vislum-bra a possibilidade um novo sujeito da transformao social no seu pas.

    Esta publicao foi concebida e os seus artigos escritos antes da eclosodos protestos de massa nas cidades brasileiras, em junho de 2013. Estes talvezno criem um novo sujeito de transformao social, mas eles vm como umaconrmao das crticas reunidas nesta publicao. Parece que a prpriaclasse mdia acordou para o fato que a narrativa governamental-miditicatem pouca substncia, est ameaada at no seu teor consumista limitado etem lacunas e, por isso j no goza de to grande credibilidade. No por 20centavos, por direitos, foi um dos lemas populares dos protestos.

    Este livro se realizou atravs do trabalho de muita gente, mas vale des-tacar aqui a cooperao com Eduardo Fagnani e Silvio Caccia Bava. Edu-ardo, professor de economia da Universidade Estadual de Campinas, me

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    convidou a participar do importante espao de articulao crtica, por elecriado e j renomado no meio acadmico, da Plataforma Poltica Social Agenda para o Desenvolvimento (www.plataformasocial.net.br), qual

    est associada cerca da metade dos autores desta coletnea. Ele apoiou oprojeto desde o incio. Silvio, coordenador-executivo de longos anos doInstituto Plis, enriqueceu o processo da concepo com valiosos con-selhos e idias, provenientes do trabalho precursor que ele realizou, en-quanto editor-chefe, na revista Le Monde Diplomatique do Brasil.

    A Fundao Heinrich Bll no Brasil agradece tambm a todas as au-toras e todos os autores que investiram tempo e energia nas suas valiosasanlises, fazendo com que este livro chegue ao pblico como uma contri-buio sobre o presente e os rumos da sociedade brasileira. , ao menos,

    a esperana e convico da Fundao Heinrich Bll, que v no fortaleci-mento da democracia e de uma sociedade baseada na garantia dos direitose de maior justia social e ambiental a sua tarefa, no Brasil e no mundo.

    Dawid Danilo BarteltDiretor da Fundao Heinrich Bll no Brasil

    Julho de 2013

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    NOVA CLASSEMDIA: ALCANCE,FALHAS EBENEFCIOS DEUM CONCEITO

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    16 . EM BUSCA DA NOVA CLASSE MDIA

    1 As autoras agradecem os comentrios de Jaques Kerstenetzky, Dawid Bartelt e Antonio Kerstenetzky.

    2 Professora titular do Departamento de Cincia Poltica da UFF e diretora do CEDE/UFF.

    3 Doutoranda em Economia da UFF e pesquisadora do CEDE/UFF.

    MORADIA INADEQUADA,

    ESCOLARIDADEINSUFICIENTE, CRDITOLIMITADO: EM BUSCA DANOVA CLASSE MDIA1

    Celia Lessa Kerstenetzky2 e Christiane Ucha3

    A queda da desigualdade na distribuio da renda no Brasil, aumen-tando a renda dos mais pobres em proporo maior do que a dos maisricos e diminuindo a pobreza no pas, parece fato estabelecido. Entre osanos de 2003 e 2011, cerca de nove milhes de domiclios, mais de 30milhes de pessoas, ultrapassaram a linha de pobreza equivalente a um

    quarto do salrio mnimo (ver anexo). Em trabalho anterior (KERSTE

    NETZKY E UCHA, 2012), levantamos a seguinte questo: do pontode vista da estrutura social, para que condio e posio social teriammigrado essas pessoas? Estariam formando uma nova classe mdia?

    Apesar de certo nmero de autores e formuladores de polticas p-blicas armarem que sim, a resposta no parece simples. Em primeirolugar, para alm da discusso sobre os processos formativos de classese relaes sociais, h diferentes denies e modos de medir posiessociais, e, em qualquer caso, h amplo consenso quanto a ser a rendaauferida pelas famlias um critrio claramente insuciente e a necess-ria adoo de critrios sociolgicos. Em segundo lugar, haveria que seavaliar a estabilidade e sustentabilidade das novas posies atingidas,

    *

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    diante de legados materiais e simblicos, alm de riscos bvios, como,por exemplo, a situao dos chefes de domiclio no mercado de trabalhoPVDPOKVOUVSBTFDPONJDBTBEWFSTBTRVFDBODFMBTTFNGSHFJTHBOIPT

    Nosso trabalho se prope a investigar pelo crivo do estilo de vida,marcador privilegiado pela sociologia de Bourdieu (1978), o perl so-DJPFDPONJDPEPTEPNJDMJPTRVFQFMPDSJUSJPEFSFOEBUNTJEPJEFO-ticados como integrantes de uma nova classe mdia, para examinar ajusteza da classicao. A traduo da sociologia de Bourdieu em indi-cadores estatsticos apresenta imensos riscos, no disso que se trata.Preferimos armar que tomamos inspirao nessa forma especca dereconstruo do mundo social para enquadrar informaes estatsticasdisponveis com o objetivo de obter um retrato qualicado do estrato

    social que desejamos conhecer, que contribua para responder nossa per-gunta. Com esse propsito, examinamos dados da Pesquisa de Ora-NFOUPT'BNJMJBSFT10'*OTUJUVUP#SBTJMFJSPTEF(FPHSBBF&TUBUTUJ-DB *#(&EFVNBCBTFEFEBEPTQPVDPFYQMPSBEBQPSRVFbastante complexa, mas que traz informaes detalhadas sobre o perlTPDJPFDPONJDPEPTEPNJDMJPTCSBTJMFJSPTFEFTFVTNFNCSPTJOEJWJEV -ais. Em relao ao trabalho anterior (KERSTENETZKY e UCHA, op.cit.), no qual j havamos iniciado a explorao dessa base, neste artigo,no apenas atualizamos os clculos, como apresentamos novos resulta-

    dos que buscam captar uma ideia de sustentabilidade das novas posiesTPDJPFDPONJDBTBMDBOBEBTQPSNFJPEFJOEJDBEPSFTEFFEVDBPEBTcrianas e jovens nesses domiclios. Nossas observaes, com base naperspectiva sociolgica adotada e nas informaes obtidas, no conr-mam o diagnstico otimista de insero dos menos empobrecidos naclasse mdia e apontam, de modo particularmente preocupante, para asainda escassas oportunidades de realizao abertas para os lhos dessasfamlias menos empobrecidas.

    No restante deste artigo, reproduzimos a lgica para a escolha dosmarcadores, a metodologia e os resultados (atualizados) apresentadosBOUFSJPSNFOUFFN6DIBF,FSTUFOFU[LZPQDJUQBSBPFTUJMPEFWJEBda chamada nova classe mdia, nas sees 1 e 2; na seo 3, apresenta-mos resultados inditos de indicadores educacionais para os lhos des-ses domiclios; e na seo 4, conclumos com algumas reexes sobreoportunidades para a interveno pblica.

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    MARCADORES DE CLASSE MDIA CONSIDERANDOA PERSPECTIVA DE RENDA E ESTILO DE VIDA4Neri (2011), em estudo recente sobre o que denomina a nova classe m-

    dia brasileira, arma que este segmento aquele que aufere em mdiaa renda mdia da sociedade, ou seja, a classe mdia no sentido esta-tstico (p.83). Com base na renda domiciliar total, a nova classe mdiabrasileira estaria compreendida na faixa entre R$ 1.200,00 e R$ 5.174,00(p.27), situando-se entre os estratos de renda acima dos 50% mais po-bres e abaixo dos 10% mais ricos.

    Atualizamos a faixa estabelecida pelo autor para R$ de janeiro de 2013, demodo a manter o mesmo valor real. A nova faixacou entre R$ 1.315,00 e R$1BSBPCTFSWBSNPTPQFSMTPDJPFDPONJDPEPTEPNJDMJPTOPJOUF -

    rior desse estrato, combinamos marcadores selecionados como distintivos daclasse mdia na literatura consultada5 com a disponibilidade de informaesna POF e assim selecionamos preliminarmente os seguintes marcadores6:casa prpria com padres elevados de habitao7; acesso ao crdito; educaouniversitria e demanda privada por bens providos pelo Estado. A inclusodeste ltimo marcador segue percepo generalizada de que o consumo deservios sociais no setor privado (especialmente, educao privada e plano desade) singulariza a classe mdia no Brasil, uma vez que aqui os servios so-ciais pblicos, apesar de universais, so insucientes e insatisfatrios. Por trs

    desses marcadores est a intuio de Bourdieu de que classe mdia signi

    cano exatamente um padro de consumo, mas um estilo de vida, que envolvediferenciao/distino: morar bem, ter uma educao distintiva, consu-mir servios de qualidade, ter acesso a capitais, entre outros. A seleo dasvariveis resultou da combinao entre os marcadores e as informaes dis-ponveis na base de dados, neste estgio preliminar de nossa pesquisa. Futu-ramente, pretendemos incluir indicadores de mercado de trabalho e itens deconsumo de bens e servios de modo a compor palheta mais matizada dosvrios recursos disposio desse estrato social.

    4Esta e a prxima sees encontram-se fortemente apoiadas em KERSTENETZKY E UCHA, 2012.5 NERI (2008, 2010 e 2011), SOUZA e LAMOUNIER (2010) e 0%06()&35: (1998).

    6/BUFTFEFEPVUPSBEPEF$ISJTUJBOF6DIBPSJFOUBEBQPS$FMJB-FTTB,FSTUFOFU[LZFNBOEBNFOUPPVUSPTNBSDB-

    dores sero includos de modo a explorar ao mximo o potencial de informaes da POF.

    7 Para melhor compreenso destes padres, ver SOUZA e LAMOUNIER (2010, pgs. 33, 35).

    8 Foram utilizados somente os domiclios nos quais h apenas uma unidade de consumo, que correspondem a 99,7%

    dos domiclios da POF.

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    Assim, com base em informaes disponveis e marcadores selecio-OBEPTPQFSMTPDJPFDPONJDPFTQFSBEPEPTEPNJDMJPTCSBTJMFJSPTRVFesto localizados no intervalo de renda de R$ 1.315,00 a R$ 5.672,00, para

    que sejam includos na classe mdia sociolgica, casa prpria com pa-dres de habitao elevados, com chefes com acesso a crdito, detento-res de educao universitria e planos privados de sade, cujos lhos emidade escolar frequentam escolas particulares (ainda no tnhamos estainformao em nosso trabalho anterior). Trata-se, na realidade, de indi-cadores mnimos, pois no temos informao sobre a qualidade e o graude distino conferido pelo acesso a recursos e servios.

    METODOLOGIA, APRESENTAO E ANLISE DOS RESULTADOS

    Metodologia e base de dadosA unidade de anlise, seguindo o trabalho de Neri, a renda domiciliartotal e a base de dados a POF 20082009. Como j mencionado, so exa-minados aqueles domiclios que esto situados no intervalo de renda de R$1.315,00 a R$ 5.672,00, com valores de renda domiciliar total, atualizadospara janeiro de 2013. Para tanto, foi utilizado o ndice Nacional de PreosBP$POTVNJEPS"NQMP*1$"FTUJNBEPQFMP*#(&6NBWF[EFUFSNJOB-dos aqueles domiclios que devero ser analisados, examinamos os diversos

    aspectos presentes nas caractersticas fsicas de tais unidades e nos atributosdos chefes do domiclio, de modo a responder se os domiclios no intervalode renda mencionado podem ser tipicamente considerados de classe m-dia. Desse modo, associamos marcadores a variveis e para cada uma delasidenticamos uma pergunta na POF, conforme a tabela 1 abaixo.

    Tabela 1:Marcadores, variveis e proxies utilizados

    MARCADORES VARIVEIS PROXIES

    Casa prpria

    Condio de ocupao

    do domiclio

    Padres elevados dehabitao

    At dois moradorespor dormitrio

    Pelo menos dois banheiros

    Quantidade de moradorespor dormitrio do domiclio

    Quantidade de banheirosdo domiclio

    Acesso ao crdito*Carto de crditoCheque especial

    Tem carto de crditoTem cheque especial

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    ResultadosOs domiclios localizados no intervalo de renda que corresponde as-sim chamada nova classe mdia equivalem a 55% dos domiclios dopas. Correspondem a 31,5 milhes de domiclios, onde vivem 38 mi-lhes de crianas e jovens9, a maior parte dos quais cheados por ho-mens de cor branca. Esse que o segmento majoritrio na distribuio

    da renda brasileira abriga uma forte desigualdade em seu interior, compredominncia de domiclios nas faixas de renda inferiores. Conformenos deslocamos de nveis mais baixos de renda em direo aos demais,a participao masculina (de 69% a 74%) e a predominncia de brancosentre os chefes (de menos de 47% a mais de 63% na ltima faixa) seintensicam, enquanto diminui a presena de crianas e jovens. Esseresultado relevante, pois remete pouco discutida questo da hetero-HFOFJEBEFTPDJPFDPONJDBEFTTFFTUSBUPEFSFOEBRVFDPNPWFSFNPTcombina domiclios ainda pobres, com as conhecidas caractersticas

    cumulativas da pobreza, com outros com padro de vida distintivo.Apresentamos, na tabela 2, um retrato sinttico da assim chamadanova classe mdia (NCM, daqui para diante), segundo os marcadoresselecionados. Conforme geralmente esperado em domiclios de classemdia, na maioria dos domiclios observados a casa prpria e noh adensamento de moradores. Porm, ao contrrio do esperado, so-mente 23,6% destes domiclios possuem pelo menos dois banheiros;35,1% dos chefes do domiclio possuem carto de crdito; 17,1% pos-suem cheque especial; 28,7% possuem plano de sade, 7,8% possuemeducao superior e 82% dos lhos que estudam esto na rede pblica.De acordo com estes resultados, a expressiva maioria dos domicliosda NCM no apresenta um ou mais dos critrios que compem o perlestipulado da classe mdia.

    *Atributos relacionados ao chefe do domiclio

    Educao universitria* Educao superiorCurso mais elevado

    que frequentou

    Demanda privada por bensprovidos pelo Estado*

    Plano de sadeFilhos na escola particular

    Tem plano de sadeFrequenta escola particular

    9 Indivduos na condio de lho na famlia com faixa etria de 0 a 29 anos.

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    Buscando examinar a heterogeneidade de padres de vida da NCM,segmentamos a renda do grupo em trs faixas de igual amplitude(R$1.315-R$2.768; R$2.768-4.220; R$4.220-5.678). De fato, observamos

    que enquanto menos de um quarto dos domiclios apresentam pelo me-nos dois banheiros, o mesmo acontece em apenas 15,6% dos domicliosna faixa inferior e 45,4 % na faixa mais prxima do limite superior dointervalo. O acesso ao crdito, que baixo em todas as faixas, especial-mente baixo na faixa inferior onde apenas 27,3% tm carto de crdito emenos de 10%, cheque especial, ao passo que na faixa mais prxima dolimite superior do intervalo, 54% dos chefes possuem carto de crdito(mas, pouco mais de 36% tem cheque especial). Como vimos, poucos soos chefes de domiclio que dispem de educao superior, e at mesmo

    na faixa mais prxima do limite superior do intervalo, o percentual caem torno dos 17%. O acesso a planos de sade tambm limitado em to-das as faixas, mas especialmente restrito na faixa inferior, abaixo de 20%,enquanto atinge 52,6 % na faixa de renda superior. Quanto frequnciados lhos rede privada de ensino, oscila entre pouco mais de 11% entreos mais pobres e 36% no estrato superior de renda, evidenciando algumadiferenciao, mas tambm que os domiclios ao longo de todo o estratoda NCM so majoritariamente usurios da escola pblica.

    Tabela 2: Per

    l observado dos domiclios* e dos chefes de domiclio da NCM(R$ 1.315,00 - R$ 5.672,00**), por faixa de renda - Brasil - 2008 e 2009

    VARIVEISR$1.315,00

    ATR$5.672,00

    R$1.315,00AT

    R$2.768,00

    R$2.768,00AT

    R$4.220,00

    R$4.220,00AT

    R$5.672,00Quant % Quant % Quant % Quant %

    Casa prpria 21.4 68.1 12.8 67.8 5.7 68.5 2.9 69.2

    At 2 moradorespor dormitrio

    Pelo menos 2banheiros

    26.1

    7.5

    83.1

    23.6

    15.2

    3.0

    80.7

    15.6

    7.2

    2.6

    85.8

    30.7

    3.7

    1.9

    88.6

    45.4

    Tem cartode crdito

    Tem cheque especial

    10.8

    5.3

    35.1

    17.1

    5.0

    1.8

    27.2

    9.5

    3.6

    2.0

    43.2

    24.6

    2.2

    1.5

    54.1

    36.4

    Tem plano de sade 9.0 28.7 3.6 19.2 3.2 38.0 2.2 52.6

    Pelo menos educaosuperior***

    2.5 7.8 0.7 3.6 1.0 11.4 0.8 19.4

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    A surpresa ainda maior diante do inesperado. De fato, buscandoBQVSBSPGPDPTPCSFBTDBSBDUFSTUJDBTTPDJPFDPONJDBTEB/$.DPN -putamos diretamente a presena de atributos que se esperariam ausentesnesse segmento. Na tabela trs abaixo, possvel observar que 75% dasunidades residenciais possuem apenas um banheiro e que ainda muitasdelas 390 mil no dispem de nenhum. surpreendente ainda quemais de 50% dos chefes de domiclio possuam apenas ensino fundamen-tal completo ou incompleto, o primeiro ciclo da educao bsica, noapresentando um dos critrios exigidos pelo sistema educacional do pas

    para o acesso educao superior. Finalmente, outro dado espantoso naanlise de um segmento social do qual a educao universitria smboloidentitrio, mais de 10% dos chefes de domiclio so analfabetos.

    Quando observamos a distribuio de atributos entre diferentes nveis derendimentos da NCM, notamos que os atributos inesperados esto desigual-mente dispersos entre as faixas de renda (tabela 3). Entre os domiclios locali-zados na faixa inferior de renda (60% do total), mais de 80% possuem apenasum banheiro e aproximadamente 2% no dispem de banheiro algum, en-quanto mais de 19% apresentam adensamento de moradores por dormitrio.Ainda nessa faixa de renda, mais de 50% dos chefes possuem apenas edu-cao fundamental e quase 14% so analfabetos. Por outro lado, e no outroextremo da distribuio que concentra 13% dos domiclios, surpreendenteconstatar que mais de 50% dos domiclios apresentem um banheiro apenas,enquanto em mais de 500 mil residncias haja adensamento de moradorespor dormitrio. Tambm causa surpresa observar que mais de 38% desteschefes mais ricos tm apenas educao fundamental e 3% so analfabetos!

    Caractersticasdo chefe

    do domiclio

    Sexo masculino 22.2 70.7 13.1 69.4 6.0 72.0 3.1 73.6

    Cor branca 16.4 52.0 8.9 47.0 4.8 57.4 2.7 63.5

    Cor parda 12.1 38.3 8.1 42.7 2.8 33.3 1.2 28.7

    Cor preta 2.6 8.4 1.7 9.0 0.7 7.9 0.3 6.5

    Fonte: elaborao prpria a partir de dados da POF 2008

    * Em milhes

    **3FOEBEPNJDJMJBSUPUBMDPNWBMPSFTFN3DPSSJHJEPTBWBMPSFTEFKBOFJSPEFKBOFJSP*1$"*#(&

    *** Curso mais elevado que frequentou, considerando diferentes categorias, tais como tecnolgico superior, su-

    perior, especializao superior e mestrado e doutorado

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    Tabela 3:Perl inesperado dos domiclios** e dos chefes de domiclio da NCM,

    por faixa de renda - Brasil - 2008 e 2009

    VARIVEISR$ 1.315,00

    ATR$ 5.672,00

    R$ 1.315,00AT

    R$ 2.768,00

    R$ 2.768,00AT

    R$ 4.220,00

    R$ 4.220,00AT

    R$ 5.672,00Quant % Quant % Quant % Quant %

    Pelo menos 3

    moradores por

    dormitrio

    5,3 16,9 3,6 19,3 1,2 14,2 0,5 11,4

    1 banheiro 23,6 75,1 15,6 82,5 5,8 68,8 2,2 54,5

    Sem banheiro 0,39 1,2 0,35 1,8 0,04 0,5 0,00 0,1

    No tem carto

    de crdito20,1 64,9 13,5 72,8 4,7 56,8 1,9 45,9

    No tem cheque

    especial25,7 82,9 16,8 90,5 6,3 75,4 2,6 63,6

    No tem plano

    de sade22,4 71,3 15,3 80,8 5,1 62,0 2,0 47,4

    Caractersticas do

    chefe do domiclio

    Anal

    fabetos3,2 10,2 2,6 13,6 0,5 5,8 0,1 3,3

    Antigo primrio* 7,7 24,5 5,0 26,3 2,0 23,4 0,8 18,2

    Antigo ginsio* 2,0 6,3 1,2 6,1 0,5 6,5 0,3 6,6

    Ensinofundamental* 6,5 20,7 4,5 23,9 1,5 17,5 0,5 13

    'POUFFMBCPSBPQSQSJBBQBSUJSEFEBEPTEB10'*#(&

    * Curso mais elevado que frequentou

    ** Em milhes

    Em sntese, as evidncias examinadas indicam que o perl da assimchamada nova classe mdia no exibe a maior parte dos critrios (aquiconsiderados como) distintivos de uma classe mdia. O perl observa-do da maior parte de seus domiclios : casa prpria sem adensamentode moradores, contendo, porm, apenas um banheiro, com chefes semcarto de crdito, cheque especial, plano de sade ou educao superior,com lhos na rede pblica de ensino. Surpreende ainda que na assimchamada nova classe mdia haja muitos domiclios com adensamentoe sem banheiro, que uma proporo signicativa dos chefes tenha cursa-do apenas o ensino fundamental e muitos deles sejam ainda analfabetos.

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    Os resultados tambm mostram que este segmento no homogneo,muito embora a maioria dos domiclios se localize no lado esquerdo dadistribuio na faixa de renda mais baixa. Assim sendo, especialmente

    nesse segmento, escasso o acesso a formas de crdito como carto oucheque especial, acesso este que pressupe justamente certo nvel de ren-da. Do ponto de vista de outro elemento que ao lado do crdito tambmpoderia alavancar o lado do produtor, a educao, os dados indicam queas realizaes so particularmente decientes. Considerando ainda que,nesse segmento em particular, os chefes de domiclio no dispem de pla-no de sade e seus lhos utilizam a escola pblica, tambm permaneceem xeque a condio de consumir servios de melhor qualidade no setorprivado, que assinalaria o lado do consumidor de classe mdia. Ade-

    mais, mesmo entre os domiclios situados nas faixas superiores de renda,BTDPOEJFTTPDJPFDPONJDBTTPEFTGBWPSWFJTEFVNMBEPFEFPVUSPEmbora rendimentos mais elevados estejam associados ao acesso a crdi-to e aquisio de planos de sade, prevalece a utilizao da escola pblicapor parte dos lhos e a baixa escolarizao dos pais. Conrmando a sus-peita sociolgica, a renda uma aproximao inadequada para o estudodesse estrato social que se caracteriza preocupantemente por uma fortedesigualdade nos baixos padres de vida e oportunidades.

    E AS NOVAS GERAES?Enquanto os resultados quanto a marcadores de estilo de vida dos chefesde domiclio so pouco alentadores, indicando que se est bem distante doque seria esperado de integrantes da classe mdia, poderia ser o caso de snovas perspectivas de renda terem correspondido oportunidades que esta-riam sendo colhidas principalmente pelos lhos desses chefes, indicando apresena de transformaes estruturais importantes que se manifestariamno tanto nesta gerao, mas nas chances de vida das novas geraes.

    Para observarmos se este teria sido o caso, concentramos nossa aten-o nos indivduos designados como lhos dos chefes de domiclio nafaixa etria de zero a 29 anos da NCM. Para essas crianas e jovens pas-samos a observar a frequncia escola, a fase do ciclo escolar em que seencontravam, o eventual abandono escolar, alm da utilizao das redesprivada e pblica de ensino.

    Crianas e jovens esto fortemente concentrados nas famlias maispobres da NCM (a primeira faixa de renda): de um total de 38 milhes

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    delhos, mais de 22 milhes se concentram nesse estrato. Consideradosem conjunto, aproximadamente 67% dos lhos da NCM frequentam aescola, enquanto pouco mais de 11% nunca frequentaram e outros 21%

    frequentaram, mas no frequentam mais. Entre os que frequentam,predomina o grupo de crianas entre 7 e 15 anos. Dos que nunca fre-quentaram, a esmagadora maioria formada por crianas pequenas deat trs anos de idade que nunca frequentaram creches10; entre os quefrequentaram e no frequentam mais esto sobrerrepresentados os jo-vens de 19 a 29 anos. Chama a ateno entre os que frequentam, comoj mencionado, que uma vasta maioria est na escola pblica. Na tabela4, abaixo, podemos observar a utilizao diferenciada das redes pblicae privada pelos trs segmentos de renda.

    Tabela 4: Frequncia escola dos lhos das famlias da NCM, por faixa de

    renda - Brasil - 2008 e 2009

    SEGMENTOS DE RENDA REDE PARTICULAR REDE PBLICAQuant % Quant %

    R$ 1.315,00 at R$ 5.672,00 4,5 17,8 20,9 82,2

    R$ 1.315,00 at R$ 2.768,00 1,8 11,4 13,7 88,6

    R$ 2.768,00 at R$ 4.220,00 1,5 23,0 5,0 77,0

    R$ 4.220,00 at R$ 5.672,00 1,3 36,0 2,3 64,0

    'POUFFMBCPSBPQSQSJBBQBSUJSEFEBEPTEB10'*#(&

    10 O Plano Nacional de Educao 2001-2010 estabelecia como meta para o ano de 2010 o atendimento de 50%das crianas de at trs anos em creches. Entre os pases desenvolvidos, est se formando um consenso quanto importncia da educao infantil desde a tenra infncia, justicada por razes de variada natureza, mas, sobretudo,QPSNFMIPSBSBTDIBODFTEFWJEBEBTDSJBOBTEFGBNMJBTNBJTQPCSFTFDPNFTDBTTBQSPWJTPEFDBQJUBMDVMUVSBM7FSBrespeito, E41*/("/%&34&/, 2009. Entre os pases em desenvolvimento, j se dissemina a retrica da prioridade proviso pblica de creches (na Amrica Latina, Chile e Uruguai j apresentam investimentos signicativos).

    O exame detalhado dos indicadores referentes aos lhos que frequen-tam e queles que abandonaram a escola revela situaes perturbadoras.

    Quando observamos os lhos que frequentam a escola, o quadro oseguinte: a frequncia de crianas de at 3 anos de idade educao in-fantil de apenas 20%, sendo inferior a 20% na primeira faixa de rendae pouco superior a isso nas duas faixas sucessivas. Quanto s crianascom idades entre 7 e 15 anos, a frequncia superior a 97% em todasas faixas de renda. Juntamente com a educao infantil, so as faixas

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    26 . EM BUSCA DA NOVA CLASSE MDIA

    FAIXAETRIA

    CURSO QUE FREQUENTA (%)

    Educaoinfantil

    Alfabetizaocrianas

    Alfabetizaoadultos

    EnsinoFunda-mental

    EJAFunda-mental

    Ensinomdio

    EJAmdio

    Pelomenos

    superior

    O A 3

    ANOS20,5 0,3 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

    4 A 6

    ANOS51,1 7,0 0,0 23,6 0,0 0,0 0,0 0,0

    7 A 15ANOS 0,4 0,5 0,0 89,0 0,4 8,2 0,0 0,0

    16 A 18

    ANOS0,0 0,0 0,1 14,8 1,7 53,0 1,4 3,8

    19 A 29

    ANOS0,0 0,0 0,3 2,0 0,6 9,4 0,9 15,5

    'POUFFMBCPSBPQSQSJBBQBSUJSEFEBEPTEB10'*#(&

    etrias seguintes as mais preocupantes. Apenas 75% dos jovens entre16 e 18 anos frequentam a escola, muitos ainda no ensino fundamental,situao mais comum na faixa mais baixa de renda (mais de 20%). J

    entre os mais velhos, de 19 a 29 anos, apenas pouco mais de 15% fre-quentam o ensino superior (o dobro dos pais, mas ainda uma proporomuito baixa de participao), condio que separa dramaticamente osmais pobres dos menos pobres: 9% na primeira faixa e 30% na ltima.Mais de 45% desses jovens esto no ensino mdio enquanto outros 18%continuam no ensino fundamental (44% e 22% entre os mais pobres e40% e 9,5% entre os menos pobres).

    Tabela 5: Faixas etrias dos lhos das famlias da NCM por curso que frequen-

    tam - Brasil - 2008 e 2009

    Quando nos voltamos para observar o grupo dos que frequentaram aescola, mas no frequentam mais, chama a ateno o abandono maciopor parte dos jovens entre 19 e 29 anos (mais de 68%), principalmenteno ensino mdio (45%, percentual que cai para 40% na ltima faixa derenda), mas tambm no fundamental (18%, oscilando entre 23% entreos mais pobres e 9,5% entre os menos). Entre os adolescentes de 16 a 18anos, a evaso alcana cerca de um quarto deles, sobretudo no ensinomdio, com pouca variao entre as faixas de renda.

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    EM BUSCA DA NOVA CLASSE MDIA . 27

    Tabela 6: Faixas etrias dos lhos das famlias da NCM segundo o ltimocurso frequentado - Brasil - 2008 e 2009

    FAIXAETRIA

    NO FREQUENTA - LTIMO CURSO QUE FREQUENTOU (%)

    Educaoinfantil

    Alfabetizaocrianas

    Alfabetizaoadultos

    EnsinoFunda-mental

    EJAFunda-mental

    Ensinomdio

    EJAmdio

    Pelomenos

    superior

    O A 3

    ANOS1,6 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

    4 A 6

    ANOS2,1 0,1 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0

    7 A 15

    ANOS0,0 0,0 0,0 1,0 0,0 0,1 0,0 0,0

    16 A 18

    ANOS0,0 0,0 0,0 9,6 0,4 14,1 0,2 0,2

    19 A 29

    ANOS0,0 0,0 0,1 17,0 1,1 44,2 1,3 6,2

    'POUFFMBCPSBPQSQSJBBQBSUJSEFEBEPTEB10'*#(&

    Em sntese, as oportunidades para os lhos superarem limitaes deseus pais nos domiclios da NCM parecem escassas. Do desenvolvimen-to infantil educao de adolescentes e jovens, elas esto extremamentecomprimidas: a esmagadora maioria das crianas pequenas e dos jovens,

    alm de uma proporo signi

    cativa de adolescentes, simplesmente estofora da escola. Em relao a adolescentes e jovens que escaparam dessepredicamento, o teto de realizao educacional, na melhor das hipteses, o ensino mdio. A exceo cabe s crianas entre 7 e 15 anos, quase 90%das quais, contudo, frequentam a rede pblica cujo desempenho mdio ainda deciente. Provavelmente, muitas delas estaro destinadas evasono ensino mdio e a um mercado de trabalho precrio, que as remune-rar mal. Como esse estrato social conta fundamentalmente com a pro-viso pblica de educao, seja em termos de quantidade seja em termosde qualidade, encontra-se sujeito nas condies atuais a decientes opor-tunidades sociais, as quais dicilmente catapultariam as novas geraespara a to sonhada classe mdia.

    CONCLUSESSeja em termos de condies atuais dos domiclios seja em termos de chan-ces de vida para seus lhos, os brasileiros abrigados sob a classicao de

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    membros da nova classe mdia ainda esto longe de corresponder pro-moo social que lhes foi atribuda: a maioria deles pode ser de fato con-siderada pobre sob qualquer critrio que leve em considerao adequao

    nos nveis de bem-estar. Moradias inadequadas, escolaridade insuciente,acesso limitado a crdito nas condies habitualmente disponveis para aclasse mdia e uso incipiente de servios sociais privados permitem prevero limitado horizonte para progresso social por parte desse segmento quepor outro lado abocanhou e segue abocanhando ganhos de renda. Clara-mente a promoo de fato dessas famlias classe mdia depende de quepossam acessar bens e servios de qualidade, o que no conseguem exclusi-vamente por meio de seus rendimentos (mesmo no caso em que seus em-pregos e rendimentos no sofram descontinuidade). Classic-los na classe

    mdia ignorar o fato ordinrio de que a pobreza (assim como a riqueza)VNGFONFOPNVMUJEJNFOTJPOBMFEFRVFMJOIBTEFQPCSF[BEFSFOEBTPdenidas muito frequentemente em funo do oramento pblico, e nodas reais necessidades das famlias. Mais gravemente, pode importar na ilu-so de que este um problema social devidamente solucionado.

    Uma via de fuga poderia estar aberta para os lhos se disposio delesestivessem oportunidades sociais efetivas, como a educao de qualidade,que permitissem melhorar suas chances de vida para alm da melhoranos rendimentos das famlias decorrentes de uma melhor situao no mer-

    cado de trabalho para os pais. Contudo, o futuro parece ameaado. J semDPOUBSDPNiDBQJUBJTwQSFDJPTPTBDVNVMBEPTQPSTVBTGBNMJBTFDPONJDPTculturais, sociais), crianas pequenas no tm acesso a oportunidades ex-ternas de desenvolvimento infantil; adolescentes e jovens, boa parte delesfora da escola, tm como limite de realizao o ensino mdio. Por outrolado, a progresso das faixas inferiores de renda em direo ao limite supe-rior da NCM permite prever uma melhora no acesso ao crdito e a planosde sade (aprofundando, contudo, o racionamento do SUS para os maispobres). Porm, a educao pblica segue sendo a opo majoritria e asrealizaes educacionais dos lhos ainda so muito precrias mesmo entreos mais bem aquinhoados.

    Que implicaes principais para ainterveno pblica podemos destacar?O foco no incremento da renda e na capacidade de pagamento de bens so-ciais privados pode parecer uma sada razovel do ponto de vista da polti-

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    ca pblica, e pode ser uma razo por trs da celebrao prematura da emer-gncia de uma nova classe mdia. Contudo, h que se avaliar a capacidadede bens sociais privados reverterem em oportunidades e chances de vida

    efetivas para esses estratos sociais, dados os relativamente baixos nveis derendimentos que ainda alcanam. Em parte em funo disso, investimen-tos pblicos macios em servios sociais que impliquem em aumento daproviso e principalmente da qualidade parecem essenciais para o alcancede melhores posies sociais para esse signicativo contingente de brasilei-ros, dentro do qual se encontra connado o Brasil do futuro 38 milhesde crianas e jovens, boa parte dos quais apenas acima do limiar da pobre-[B0TCFOFGDJPTFDPONJDPTTPJOFTUJNWFJT%PQPOUPEFWJTUBEFKVTUJBsocial, esses investimentos so uma bela oportunidade de promoo social

    com um mnimo de segregao de bem-estar, isto , sem apoio excessivo nacapacidade de pagamento dos indivduos para a realizao de bem-estar, oque tem sido um dos mais importantes motores da desigualdade social nassociedades contemporneas. Finalmente, so a semente do apoio polticocrucial para a construo de uma sociedade mais solidria11.

    117FSKERSTENETZKY, 2012 para o desenvolvimento dessas ideias.

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    ANEXOFigura 1: Quantidade de domiclios com rendimento domiciliar per capita infe-

    rior e superior linha de pobreza Brasil 2003 a 2011

    33.835.9 37.8 38.5

    39.4 40.8 41.642.8

    7.88.66.7 6.2 5.36.1 5.2 4.3

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    45

    50

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011

    Abaixo da l inha da pobreza Superam a l inha da pobreza- 1 segmento

    'POUFFMBCPSBPQSQSJBBQBSUJSEFEBEPTEBT1/"%TEFB*#(&-JOIBEFQPCSF[B3

    BUVBMJ[BEBQBSBWBMPSFTEFKBOFJSPEF1BSBUBOUPGPJVUJMJ[BEPP*/1$*#(&&TUBMJOIBGPJFTUBCFMFDJEBDPOTJ -

    derando o trabalho de Homann (2007: 98-99).

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    EM BUSCA DA NOVA CLASSE MDIA . 31

    BIBLIOGRAFIA

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    renda no Brasil, de 1995 a 2005, e delimitao dos relativamente ricosem 2005. In: BARROS, Ricardo Paes de...[et al.] (Orgs.). Desigualdade derenda no Brasil: uma anlise da queda recente (volume1). Braslia, IPEA,2007. Disponvel em: Acessado em: 20 de de-zembro 2011.

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    dos pobres3JPEF+BOFJSP'(7*#3&$14%JTQPOWFMFNIUUQwww.fgv.com.br>. Acessado em: 20 de dezembro. 2010.

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    32 . SOMOS UM PAS DE CLASSE MDIA?

    AFINAL, SOMOS UM PAS

    DE CLASSE MDIA?MERCADO DETRABALHO, RENDA ETRANSFORMAES

    SOCIAIS NO BRASILDOS ANOS 2000

    Waldir Jos de Quadros1, Denis Maracci Gimenez2, Dav Jos Nardy Antunes3

    EVOLUO RECENTE E INTERPRETAESA discusso recente sobre a nova classe mdia no Brasil bastante oportunae deve ser estimulada, pois coloca em evidncia as grandes mudanas sociaisPDPSSJEBTBQBSUJSEBSFUPNBEBEPDSFTDJNFOUPFDPONJDPNBJTBDFMFSBEPOPgoverno Lula (2003-2010). Parte dos analistas enfoca a elevada gerao denovas oportunidades ocupacionais e a melhora nos rendimentos das pessoasj ocupadas; outros enfatizam a emergncia de exuberante contingente de no-vos consumidores e a rpida expanso do consumo das camadas populares.

    Pretendemos, neste texto, realizar uma breve reexo sobre o ocor-rido e sobre a questo da classe mdia, com o intuito de contribuir parao entendimento da emergncia da classe C ou da assim chamada novaclasse mdia dos anos 2000 no Brasil. Evidentemente, preciso consi-

    1 Professor associado colaborador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit)/Instituto de

    Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP).

    2Professor da Faculdade de Campinas (Facamp) e pesquisador colaborador do CESIT/IE/UNICAMP.

    3 Professor da FACAMP.

    *

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    SOMOS UM PAS DE CLASSE MDIA? . 33

    derar o longo perodo de estagnao dos anos 1980 e 1990, que levou manuteno de elevados nveis de misria e pobreza e ao atroamento daclasse mdia4. Este quadro sombrio, de alto desemprego e queda sistem-

    tica dos rendimentos, foi profundamente modicado com o crescimentoFDPONJDPNBJTFMFWBEPBJOEBRVFUBYBTJOGFSJPSFTTIJTUSJDBT80) e s dos pases emergentes e da Amrica Latina nos anos 2000.

    Ao longo do governo Lula, viu-se progressiva reativao do mercado deUSBCBMIPGPSNBMEBTPQPSUVOJEBEFTEFOFHDJPTFEPUSBCBMIPBVUOPNPmelhor remunerado, reforada pela expanso do crdito ao consumo e pelapoltica de aumento real do salrio mnimo, que tambm se reetiu nosbenefcios previdencirios e assistenciais vinculados5 .

    A forte gerao de empregos na base do mercado de trabalho e nos seg-

    mentos intermedirios inferiores, com sensvel e contnua melhora em seusrendimentos, foi marcante neste novo momento, com grande impacto sobrea populao de baixa renda. Os departamentos de marketing das grandes em-presas, desdens dos anos 1990, j percebiam as potencialidades dos consumi-dores de baixa renda. Com o avano social recente, tal estratgia se fortaleceu.

    Para melhor compreender as mudanas na estrutura social, utilizamosuma metodologia de estraticao social adequada tanto realidade brasilei-ra como s caractersticas dos inquritos domiciliares do Instituto BrasileiroEF(FPHSBBF&TUBUTUJDB*#(&"EFOJPEPTQBESFTEFWJEBOPGPJ

    efetuada por critrios puramente estatsticos, mas pela sociologia do trabalho:as linhas de corte so determinadas pelas ocupaes que se pretende captar.A alta classe mdia o topo da estrutura social, dado que as pesqui-

    sas no captam adequadamente a representao social dos ricos incluiocupaes tpicas, denidas aprioristicamente, inspiradas no socilogoamericano Wright Mills6. So mdicos, professores do ensino superior,engenheiros, empresrios etc.

    O mesmo procedimento foi adotado para a mdia e a baixa classemdia. A ltima camada, composta pelos miserveis, foi formada portodas as pessoas ocupadas que recebiam menos que o salrio mnimo.A penltima, a massa trabalhadora, engloba os trabalhadores pobresque se encontram entre os miserveis e a baixa classe mdia.

    4(*.&/&;

    5QUADROS (2008); QUADROS (2010) e QUADROS (2011).

    683*()5.*--4

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    34 . SOMOS UM PAS DE CLASSE MDIA?

    A evoluo da estraticao dos ocupados, indicativo das oportuni-dades individuais (Tabela 1), mostra expressiva reduo daqueles que seencontravam na situao de miserveis, com a correspondente expanso

    da massa trabalhadora (pobre), mas, sobretudo, da baixa classe mdia (re-mediada). A mobilidade menor na mdia classe mdia e inexistente naBMUBDMBTTFNEJBPRVFSFFUFVNQBESPEFDSFTDJNFOUPFDPONJDPDPNlimitada gerao de empregos privados e pblicos de melhor qualidade.

    Tabela 1: Brasil, Pessoas Ocupadas, 2000-2010

    ESTRATOS SOCIAIS2000 2010

    N Pessoas (mil) % N Pessoas (mil) %

    Alta Classe Mdia 4.803 7,3 6.396 7,4

    Mdia Classe Mdia 6.215 9,5 9.223 10,7

    Baixa Classe Mdia 16.486 25,1 31.246 36,2

    Massa Trabalhadora 18.214 27,8 26.649 30,9

    Miserveis 19.912 30,3 12.840 14,9

    Total 65.630 100,0 86.354 100,0

    Da perspectiva das pessoas ocupadas de uma mesma famlia, classi-cadas pelo membro melhor remunerado metodologia mais sensvel mobilidade social (Tabela 2), a melhora ntida, com grande reduona quantidade de indivduos nos estratos inferiores e com crescimentoexpressivo nos superiores.

    Tabela 2: Brasil, Pessoas Ocupadas - Membro Melhor Situado, 2000-2010

    ESTRATOS SOCIAIS2000 2010

    N Pessoas (mil) % N Pessoas (mil) %

    Alta Classe Mdia 7.706 11,7 11.584 13,4

    Mdia Classe Mdia 8.904 13,6 15.095 17,5

    Baixa Classe Mdia 20.633 31,4 36.727 42,5

    Massa Trabalhadora 16.780 25,6 18.643 21,6

    Miserveis 11.606 17,7 4.305 5,0

    Total 65.630 100,0 86.354 100,0

    'POUF*#(&

    'POUF*#(&

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    ESTRATOS SOCIAIS2000 2010

    N Pessoas (mil) % N Pessoas (mil) %

    Alta Classe Mdia 15.879 9,4 20.648 10,8

    Mdia Classe Mdia 19.568 11,5 28.166 14,8

    Baixa Classe Mdia 47.124 27,7 73.125 38,3

    Massa Trabalhadora 41.513 24,4 49.560 26,0

    Miserveis 45.789 27,0 19.255 10,1

    Total 169.873 100,0 190.756 100,0

    'POUF*#(&

    ESTRATOS SOCIAIS 2000 2010N Pessoas (mil) % N Pessoas (mil) %

    Alta Classe Mdia 9.240 5,4 11.420 6,0

    Mdia Classe Mdia 25.666 15,1 37.495 19,7

    Baixa Classe Mdia 36.930 21,7 53.407 28,0

    Massa Trabalhadora 44.525 26,2 55.935 29,3

    Miserveis 53.512 31,5 32.499 17,0

    Total 169.873 100,0 190.756 100,0

    'POUF*#(&

    Examinando o comportamento da famlia como um todo, incluindotambm os membros no ocupados (Tabela 3), percebe-se que o perl so-cial do conjunto da populao menos favorvel do que o agregado fami-

    liar dos indivduos ocupados. Entretanto, a estrutura social mantm-se emcondies superiores em relao dos indivduos tomados isoladamente.

    Tabela 3: Populao do Brasil - Membro Melhor Situado, 2000-2010

    A estraticao das famlias, a partir do membro melhor situado e ajusta-da pela renda per capita (Tabela 4), se torna um bom indicador de qualidadede vida ao contemplar o nmero de membros da famlia. O perl social

    signi

    cativamente menos favorvel, h menos pessoas na camada superior,mas ocorre forte expanso da mdia classe mdia e da baixa classe mdia.

    Tabela 4: Populao do Brasil - Membro Melhor Situado Ajustado pelaRenda Per Capita, 2000-2010

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    36 . SOMOS UM PAS DE CLASSE MDIA?

    Todas as tabelas tm em comum a inequvoca melhora dos padres devida das camadas inferiores e um avano importante nas camadas superio-SFTOPRVFUBOHFTGBNMJBT"WPMUBEPDSFTDJNFOUPFDPONJDPPTBVNFO -

    tos do salrio mnimo e os avanos das polticas sociais devem ser reconhe-cidos como decisivos para tal transformao.Pesquisadores de instituies ociais que, desde a dcada de 1990,

    se identicavam com a focalizao das polticas sociais recomendadapelo Banco Mundial e instituies ans, tambm apontaram grandereduo da misria e a emergncia de uma nova e pujante classe mdia.Mas seu foco doutrinrio nos miserveis gera uma estrutura socialcom uma classe mdia superdimensionada, determinada por uma linhade corte bastante baixa.

    Um exemplo disto o fato de 64% das empregadas domsticas, piso domercado de trabalho urbano, serem includas na classe mdia; outro 54%dos chefes de famlia sem escolaridade ou com fundamental incompletoserem de classe mdia7. Estes pesquisadores sempre argumentaram que aspolticas focalizadas no s bastavam como seriam as mais ecientes parareduzir a misria e a desigualdade social.

    A melhora recente atribuda ao programa Bolsa Famlia e aos avanosna educao, a despeito de os programas focalizados terem sido criados nosanos 1990 e de os supostos avanos educacionais continuarem no mesmo

    ritmo da dcada passada. As novidades do governo Lula, o expressivo cres-DJNFOUPFDPONJDPFBDPOUOVBFMFWBPSFBMEPTBMSJPNOJNPTPDPMP-cados em segundo plano por estes analistas.

    Outros entusiastas da nova classe mdia exaltam as virtudes do neo-liberalismo. Defendem a aceitao do crescimento possvel mesmo quebaseado na desindustrializao, na reprimarizao das exportaes eno consumo de massa atendido por importaes. Esta a matriz dainterpretao dos analistas conservadores que se dizem identicadoscom a justia social. Com forte penetrao nos meios de comunicao,confundem a opinio pblica proclamando que viramos um pas declasse mdia.

    Comemoram, sem maiores qualicaes, a classe mdia das emprega-das domsticas e dos analfabetos, a menor desigualdade social e a quedada pobreza. Mas escondem o impacto do crescimento acelerado e a neces-

    7 1"&4%"3304(304/&3QBTTJN

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    SOMOS UM PAS DE CLASSE MDIA? . 37

    sidade da reindustrializao e da reestruturao do setor pblico que, aosuprir as carncias histricas da educao, sade, segurana, habitao etc.,tambm resultaria na ampliao de uma verdadeira classe mdia.

    CLASSE MDIA EVOLUO HISTRICAAdemais, v-se que a viso conservadora possui diversos problemas:considerar esta importante mudana ocorrida no governo Lula como aemergncia de uma nova classe mdia , do nosso ponto de vista, ina-dequada. Isto porque o conceito de nova classe mdia, introduzido porWright Mills nos anos 19508, se referia expanso do emprego de cola-rinho branco tpica da estrutura ocupacional da grande empresa da IIRI o que condiz com a utilizao, por parte de muitos autores, desta

    denio no estudo do Brasil dos anos 1960 e 1970.Quanto mais desenvolvido o pas e melhor sua estrutura ocupacio-nal, maiores tendem a ser as boas oportunidades disponveis s pessoas e maior sua classe mdia-alta. O emprego o alicerce da insero doindivduo em sociedades como a brasileira e, depois da propriedade, a base da desigualdade social; portanto, a gerao de bons empregos fundamental para o desenvolvimento social.

    A estrutura ocupacional, portanto, delimita os espaos para a lutados indivduos por mais dinheiro, melhores empregos e ascenso so-

    cial. Isto signi

    ca que uma grande classe mdia um indicador dosmais relevantes do bem-estar social e do desenvolvimento materialalcanado por determinada sociedade.

    Evidentemente, o mercado no funciona livremente, como defendemmuitos economistas, que no consideram o Estado como parte constituinteEBFTUSVUVSBFDPONJDBFTPDJBMEPDBQJUBMJTNPNPEFSOP 9. A ao ou o con-sentimento do Estado, dentro de determinada conformao material, tam-CNUFNQBQFMEFDJTJWPOBFTUSVUVSBPFDPONJDBTPDJBMVSCBOBPDVQB-cional. E, por conseguinte, na desigualdade, na pobreza, na melhora social.0DSFTDJNFOUPFDPONJDPFMFWBEPDPOEJPsine qua non para a ex-

    panso desta camada, que pode assumir diversas formas: a classe m-dia dos anos 1970 era diferente da classe mdia dos anos 2010 de umadeterminada forma no Brasil, de outra nos EUA. Por exemplo, os EUA

    883*()5.*--4$PQDJU"JEFJBEFOPWBDMBTTFNEJBTVSHFFNDPOUSBQPTJPBOUJHBDMBTTFNEJBEPTQFRVF-

    nos proprietrios e prossionais liberais dos EUA de ns do sculo XIX.

    9 SHONFIELD (1968(1965)).

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    38 . SOMOS UM PAS DE CLASSE MDIA?

    da dcada de 1930 foram transformados pela interveno estatal da eraRoosevelt. Mas o novo mundo de auncia do white collardos anos 1950e 1960 conviveu com a persistncia da pobreza e da limitada proteo

    social num quadro estrutural de desigualdade social, poltica, racial etc.10

    /B&VSPQB0DJEFOUBMPDSFTDJNFOUPFDPONJDPEPT5SJOUB(MPSJPTPT os anos de 1945 a 1975, articulado ao desenvolvimento das estruturasestatais de proteo social, criou uma nova classe mdia bastante diferente.A busca do pleno emprego num Estado de Bem-Estar Democrtico gerouum cidado de classe mdia com renda disponvel pouco superior da basedo mercado de trabalho, com reduzida capacidade de diferenciao do con-sumo e cercado de ampla proteo social11.

    O processo de constituio da nova classe mdia no Brasil ocorreu

    EVSBOUFP.JMBHSF&DPONJDPRVFQSPNPWFVBFYQBOTPEPFNQSFHPurbano baseado nas novas ocupaes de colarinho branco. Ao mesmotempo, ampliaram-se o leque salarial e o consumo de bens e servioscomo forma de diferenciao social. Sem contar com a alta renda percapita e o elevado padro de consumo dos norte-americanos, tampou-co com as benesses do Welfare State europeu, a brasileira foi montadaTPCSFPEJOBNJTNPFDPONJDPFBQSPGVOEBEFTJHVBMEBEFTPDJBMRVFnos marcava quele momento.

    Cardoso de Mello & Novais mostram que o padro de vida da nova classe

    mdia bene

    cia-se muitssimo dos servios baratos (...). Esse tipo de explora-o dos serviais pela nova classe mdia reduz seu custo de vida e torna o diaa dia mais confortvel do que o da classe mdia dos pases desenvolvidos12.$PNBSFPSHBOJ[BPEFHSBOEFTQSPQPSFTEBTFTUSVUVSBTFDPO-

    micas e sociais dos pases centrais a partir de meados dos anos 1970, asituao se transformou radicalmente graas III Revoluo Industrial, volta da dominncia nanceira, crise de superacumulao inevitvelaps dcadas de crescimento acelerado, guinada neoliberal e aos ques-tionamentos ordem social vigente na Golden Age.

    Estas profundas transformaes foram fruto do sucesso do capitalis-mo sob a hegemonia americana. Agora, o emprego pblico deixou de ser

    10("-#3"*5)

    11MYRDAL (1962(1960)).

    12$"3%040%&.&--0/07"*4QQ

    13ROSE (1985).

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    SOMOS UM PAS DE CLASSE MDIA? . 39

    14 Sobre as transformaes no mercado de trabalho e o avano da desigualdade nos pases desenvolvidos, ver

    ANTUNES (2011).

    a vlvula de escape que havia sido durante o perodo anterior, quandogerava ocupaes de nvel superior para uma populao crescente queno encontraria espao no setor privado cada vez mais eciente e pro-

    dutivo13

    . Num momento em que a informtica reduziu drasticamente asoportunidades de ocupao para os setores mdios.O operrio foi substitudo por mquinas informatizadas e o emprego

    industrial deixou, denitivamente, de ser central. Mas o maior impactodas tecnologias de informao se deu nas grandes estruturas burocrti-cas. Se antes a secretria era decisiva para o funcionamento do escritrio,o computador a substituiu com grande ecincia; se o bancrio era essen-cial para o funcionamento da economia capitalista, ele foi rapidamenteTVCTUJUVEPQPSDBJYBTFMFUSOJDPTDPNQVUBEPSFTDFMVMBSFTFUD

    "QPMBSJ[BPEPNFSDBEPEFUSBCBMIPWJSPVBUOJDBEBFTUSVUVSBPFDPONJDBFTPDJBMEPTQBTFTSJDPT%FVNMBEPPTSJDPT FCFNFN-pregados no topo da sociedade; de outro, a massa crescente de pessoass quais resta apenas servir aos de cima. Nesse mundo de desigualdadesocial crescente, os mais ricos ampliam seu conforto contratando novosserviais nica e funcional alternativa ao avano do desemprego14.

    A classe mdia passa a ser a do trabalhador dos servios s pessoas,de renda instvel, vida precria e que trabalha o mximo que pode. Nocaso brasileiro, ainda deve-se acrescentar a precariedade da educao,

    sade, transporte etc. A polarizao o resultado lgico de uma econo-mia globalizada da III Revoluo Industrial em que o Estado, marcadopelo neoliberalismo, se retrai, desregulando as nanas, reduzindo oemprego pblico, a progressividade dos impostos e o gasto social.

    Logo, dentro deste contexto que devem ser observadas as im-QPSUBOUFTUSBOTGPSNBFTFDPONJDBTF TPDJBJTSFDFOUFTOP#SBTJM"subida da renda e do salrio mnimo, o aumento do emprego formal,o acesso ao crdito, a melhora do padro de consumo so fatos impor-tantssimos, que demonstram a relevncia da retomada do crescimen-UPFDPONJDPBDFMFSBEPQBSBPFOGSFOUBNFOUPEBBJOEBHSBWFRVFTUPsocial no Brasil.

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    AFINAL, SOMOS UM PAS DE CLASSE MDIA?A classe C, smbolo do crescimento recente, est longe dos padres e estilosde vida que caracterizavam a nova classe mdia como a grande novidade

    do sculo XX. A classe mdia baixa auxiliares de escritrio, vendedores,garons, professores primrios, policiais, auxiliares de enfermagem etc. tem carncias de todo tipo, no s em relao aos padres de ocupao,rendimentos e consumo. Mas tambm das condies para educar os lhos,de sade, de transporte, de moradia, de segurana pblica. Isto revela a dis-tncia entre a vida da nova classe mdia do sculo XX e a dos anos 2000.

    Portanto, no se pode deduzir da estrutura de consumo ou de rendi-mentos a estrutura de classes de uma sociedade capitalista moderna. Nemdenir o Brasil como um pas de classe mdia a partir desses critrios,

    sem considerar o desenvolvimento capitalista, a estruturao da socieda-de e os padres e estilos de vida historicamente constitudos.O crescimento dos estratos do meio da distribuio de renda tambm

    no nos dene como uma sociedade de classe mdia, j que isto expres-saria grave rebaixamento de expectativas. Professores do ensino pblicofundamental, auxiliares de escritrio, atendentes de enfermagem e outrostrabalhadores que, se escaparam da pobreza mais degradante, levam umavida de grandes diculdades. A baixa classe mdia, construda por critriosestatsticos, engloba dois teros das empregadas domsticas, o que revela

    a incoerncia desta metodologia. No desconhecemos as melhorias nasremuneraes das empregadas domsticas e dos inmeros trabalhadorespopulares, mas isto no os coloca como membros tpicos da classe mdia.

    Nos meios governamentais so frequentes as manifestaes a respei-to da sociedade de classe mdia, o que politicamente compreensvel.Entretanto, tal postura pode conduzir a certo conformismo que dese-duca politicamente a sociedade. Podemos imaginar que os srios cons-USBOHJNFOUPTFDPONJDPTUBNCNFTUFKBNOBPSJHFNEFTUBBUJUVEFPVainda que se trate de uma forma de se beneciar do reconhecimentotrazido pela auncia de amplos segmentos populares, para ganhar tem-po e acumular fora para enfrentar os enormes desaos de uma efetivareestruturao industrial, tecnolgica e dos servios pblicos.

    De toda maneira, se com a crise nanceira internacional no nal dogoverno Lula os segmentos desenvolvimentistas ganharam maior espa-o, no governo Dilma que os avanos em questes cruciais so maissignicativos: forte reduo em todo o espectro de taxas de juros, defesa

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    do cmbio, poltica industrial associada ao pr-sal e aos investimentosem infraestrutura, medidas iniciais de proteo indstria frente con-corrncia predatria dos importados etc.

    No Brasil dos anos 2000, alm daqueles que desconsideram a urgn-cia de tais avanos estruturais, temos os que buscam minimizar os pro-gressos e se alinham com a oposio poltica ao governo, sem interesseem reconhecer seus sucessos. De nossa parte, buscamos um ponto devista crtico, capaz de reconhecer os progressos, mas tambm de iden-ticar seus limites, contribuindo para o avano rumo a uma sociedademais igualitria e auente, nos marcos de um padro de desenvolvi-mento material, ambiental e socialmente sustentvel.

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    CLASSES MDIAS E

    AS DESIGUALDADESSOCIAIS NO BRASIL

    Lucia Cortes da Costa1

    *No Brasil a construo das referencias e da identidade de classe desenvol-veram-se num contexto histrico marcado pela profunda desigualdadeTPDJBMFDPONJDBQPMUJDBFDVMUVSBM0TUSBCBMIBEPSFTGPSBNTVCNFUJEPTa um processo de escravido que perdurou por mais de trs sculos. Flo-restan Fernandes (1986) analisou as mudanas de uma ordem estamentalpara um sistema de classes no Brasil. Para ele, o ciclo de revoluo bur-guesa levou o senhor rural a ter maior autonomia na gesto da economiado pas aps a independncia, mas manteve inalterada a estrutura socialIFSEBEBEBDPMOJB"CBJYBPVOFOIVNBNPCJMJEBEFTPDJBMOVNBTPDJF-dade com concentrao da propriedade privada e das rendas, elitizaodo poder poltico, determinou a enorme desigualdade social.

    O modelo de desenvolvimento dependente e perifrico, em que a in-dustrializao se fez pactuando com o latifndio, impediu uma reformasocial. A criao de uma classe operria urbana se deu aps a abolioda escravido, sem alterar a estrutura de concentrao da propriedade edo poder poltico. A formalizao dos direitos civis no Brasil republica-no serviu para sedimentar a desigualdade entre os segmentos das classessociais. Como cidado desprovido da efetividade dos direitos, grandeparte dos trabalhadores ocuparam as piores colocaes no mercado detrabalho assalariado que estava sendo formado. O trabalhador negro,livre da condio de escravido, mas sem qualicaes para enfrentar asFYJHODJBTEFVNNFSDBEPEFUSBCBMIPFNGPSNBPOPQEFDPNQF-

    1 "TTJTUFOUFTPDJBMF#BDIBSFMFN%JSFJUP1SPGFTTPSBEB6&1(13%SB4FSWJP4PDJBMQFMB16$41QFTRVJTBEPSBprodutividade CNPq.

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    tir com o trabalhador imigrante que, com a ajuda decisiva do governo,aportava no pas para trabalhar no cultivo do caf e depois na indstria. bom lembrar que os imigrantes tambm enfrentaram pssimas condi-

    es de trabalho e vida no pas, zeram greves histricas em 1917-18 emSo Paulo, buscaram formas cooperativas de produo rural para fugirdo regime de colonato. A concentrao da propriedade rural, legitimadacom a Lei das Terras, de 1850, impediu a formao de pequenas pro-priedades rurais aps a abolio da escravido. O latifndio a marcade uma sociedade desigual.

    Homens e mulheres de diferentes etnias, ndios, negros e caucasianosformaram a populao brasileira. Passando de uma sociedade estamentalde senhores e escravos para uma de patres e empregados, numa econo-

    mia que no generalizou o assalariamento, manteve um contingente detrabalhadores precariamente inseridos no mundo do trabalho. Os pros-sionais liberais, comerciantes e funcionrios pblicos, ligados por razesEFJOUFSFTTFTFDPOEJFTEFTPCSFWJWODJBTFMJUFTQPMUJDBTFFDPONJDBTno formaram alianas com as classes populares. No pas a reduzida classemdia assumiu um perl conservador, o medo da proletarizao foi umamlgama para sua vinculao com os valores difundidos pelas elites eco-ONJDBTFQPMUJDBT

    Com a modernizao da economia, a industrializao favoreceu a de-

    sigualdade entre os segmentos da classe trabalhadora ao inserir na prote-o do direito trabalhista, previdencirio e na sade pblica, o trabalha-dor urbano, excluindo o rural e o domstico. A carteira de trabalho e ovnculo de emprego eram o passaporte para acesso cidadania social. Naquesto de gnero, homens e mulheres no tiveram igualdade de acessoe remunerao no mercado de trabalho e na participao poltica. A de-sigualdade de classe articulou-se dominao masculina na sociedade.

    Apesar das desigualdades estruturais, houve mobilidade social no pe-rodo de 1930-1980. Esta se deu a partir da dinmica do mercado de tra-balho ao expandir o emprego na indstria e favorecer o acesso proteosocial pblica (sade, previdncia, crdito imobilirio e educao) para otrabalhador urbano e sua famlia. Dois fatores de distribuio de rendas, omercado de trabalho e as transferncias pblicas vinculadas previdnciasocial, favoreceram a ampliao da classe mdia no pas. No entanto, me-tade da populao trabalhadora estava vinculada ao setor informal, servi-os domsticos e rural, excluda da proteo social pblica e com insero

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    precria no mercado de trabalho. Esse quadro de desigualdades forouum debate poltico que culminou na luta contra a ditadura (1964-84) e nadefesa da democracia.

    Ao nal da dcada de 1980, a luta pela ampliao dos direitos de cida-dania revelou a crtica histrica desigualdade promovida pelo processo deindustrializao que se deu no modelo concentrador de rendas e da proprie-dade. A Constituio Federal de 1988 estabeleceu os direitos sociais comodireitos fundamentais, art. 6 e 7 e, a seguridade social como um campointegrado pelos direitos sade, em carter universal, previdncia no mo-delo contributivo e a assistncia social, ligada a avaliao da necessidade. NoFOUBOUPEPQPOUPEFWJTUBEBFDPOPNJBPQSPDFTTPDSOJDPEFJOBPFBSFEVPOPDSFTDJNFOUPFDPONJDPBHSBWPVBTDPOEJFTEFWJEBEBTDMBT-

    ses trabalhadoras e reduziu a capacidade scal do Estado limitando os gas-tos e investimentos pblicos. A dvida pblica (interna e externa) colocou aQPMUJDBFDPONJDBEPQBTTPCPDPOUSPMFEFPSHBOJTNPTJOUFSOBDJPOBJTPFMI e Banco Mundial). O pas viveu um movimento contraditrio em quea democracia poltica se deu num contexto de agravamento das desigualda-des sociais. Aps o restabelecimento do Estado democrtico de direito noBrasil, em 1988, as expectativas forjadas na luta poltica contra a ditadurarevelaram um desencanto da populao com as possibilidades de uma re-forma social capaz de reduzir as desigualdades sociais e formular um novo

    projeto de desenvolvimento nacional.Com a crise da dcada de 1990, houve reduo dos postos de trabalhona indstria e o processo de mobilidade social perdeu dinamismo. A clas-se mdia sofreu o impacto da reduo do salrio real, o desemprego atin-giu principalmente os jovens. O controle da inao com o Plano Real, apartir de 1994, favoreceu a retomada do crdito no mercado interno. Noentanto, a necessidade de gerar supervits primrios e as elevadas taxasde juros reduziram os investimentos e favoreceram a especulao nan-DFJSBDPNJNQBDUPTOFHBUJWPTOPFNQSFHP"BCFSUVSBFDPONJDBGBWPSF-DFVVNQSPDFTTPEFEFTJOEVTUSJBMJ[BPWFMBEBPDSFTDJNFOUPFDPONJDPcou abaixo da mdia histrica do pas com elevao no desemprego, oque se reetiu numa crise do poder de organizao e presso poltica dossindicatos. Houve retrocesso nos direitos do trabalho e precarizao nasrelaes de emprego. De 1995 a 1999 foram diversicados os regimes detrabalho assalariado, com contratos por tempo determinado e por jorna-da parcial de trabalho, exibilizadas as regras para demisso de trabalha-

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    dores, todas essas medidas foram adotadas com o objetivo de reduzir oscustos com o trabalho (POCHMANN, 2008)."T JEFJBT OFPMJCFSBJT PSJFOUBSBN BT QPMUJDBT FDPONJDBT F TPDJBJT

    houve, apesar da conquista de direitos sociais na Constituio federal de1988, um processo de focalizao das polticas sociais, a renda passou aser o critrio denidor para identicao dos ndices de pobreza. Dessecontexto, a resposta do governo para a reduo da pobreza no pas levoua criao de programas de transferncia de rendas, inicialmente com valegs e bolsa escola, para em 2003 ser unicado no programa Bolsa Famlia.Num contexto em que o mercado de trabalho reduziu a capacidade dedistribuir rendas, o governo passou a promover medidas focalizadas detransferncia de rendas para os mais pobres. Assim, manter o consumo

    foi traduzido como lutar contra a pobreza. Pobreza e consumo no soconceitos idnticos e no se pode tomar um pelo outro.

    O BRASIL NO SCULO XXI: UM PAS DE CLASSE MDIA?Aps a trgica poltica neoliberal da dcada de 1990, houve mudanas noquadro poltico com a eleio de Lula em 2002. O pas retomou o crescimentoFDPONJDPBQBSUJSEFBVYJMJBEPQPSVNBDPOKVOUVSBFYUFSOBGBWPSWFMcom aumento do preo e do volume de exportao das commodities. As re-laes comerciais com China, ndia, Rssia, frica do Sul e com os parceiros

    do Mercosul reduziram (um pouco) a importncia dos Estados Unidos paraas exportaes do pas. Houve uma retomada na estruturao da mquinaadministrativa com abertura de vagas em concursos para a administraofederal e autarquias pblicas, repondo o quadro do funcionalismo. O setorprivado, incentivado pelas polticas pblicas, especialmente pelo PAC (Pro-grama de Acelerao do Crescimento) passou a investir e ampliar as vagasde emprego. Para os setores mais pobres houve incremento nos programasassistenciais, as transferncias de renda favoreceram o consumo, com im-pactos positivos no comrcio, especialmente nos pequenos municpios emque as transferncias da previdncia e da assistncia social constituem-se emimporta