A Oração da Coroa - Demóstenes

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A ntes de tudo, faço votos a todos os deuses para que o . mesmoafetoquesemprenutripelaCidadesemanifes- te, de vossa parte, a meu respeito neste debate. Em seguida (e isto sumamente vos interessa, interessa à vossa piedade e à vossa glória) faço votos para que isto vos inspirem os deuses: que, seguindo a ordem de exposi- ção dos meus argumentos, aos quais prestareis ouvidos be- nignos, não vos conformeis com os conselhos do meu ad- versário, mas com as leis juradas, que reclamam, além de outras atitudes justas, ainda a de ouvir com imparcialida- de ambas as partes. E que tal imparcialidade não consista apenas em recu- sar qualquer preconceito e em prestar igual benevolência a ambas as partes; mas, ao contrário, em não deixar que qual- quer dos dois contendores se utilize da ordem e da defesa como melhor lhe convenha e lhe agrade. Ora, nesta luta, sob dois aspectos, estou em condições de inferioridade diante de Ésquines (1);mas sob dois aspec-

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Antes de tudo, faço votos a todos os deuses para que o. mesmoafetoque semprenutripelaCidadesemanifes-te, de vossa parte, a meu respeito neste debate.

Em seguida (e isto sumamente vos interessa, interessa

à vossa piedade e à vossa glória) faço votos para que istovos inspirem os deuses: que, seguindo a ordem de exposi-ção dos meus argumentos, aos quais prestareis ouvidos be-nignos, não vos conformeis com os conselhos do meu ad-versário, mas com as leis juradas, que reclamam, além deoutras atitudes justas, ainda a de ouvir com imparcialida-

de ambas as partes.

E que tal imparcialidade não consista apenas em recu-sar qualquer preconceito e em prestar igual benevolência aambas as partes; mas, ao contrário, em não deixar que qual-

quer dos dois contendores se utilize da ordem e da defesacomo melhor lhe convenha e lhe agrade.

Ora, nesta luta, sob dois aspectos, estou em condiçõesde inferioridade diante de Ésquines (1);mas sob dois aspec-

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tos que em nada diminuem a minha honorabilidade; e umé que não luto no mesmo pé de igualdade, visto que arriscoperder a vossa benevolência, e em tal hip6tese, mesmo quefosse repetida a acusação que me' é feita, eu não levaria amelhor. Mas não desejo, no início de minha oração, afIr-mar coisas que, por molestas, possam indispor-me desvan-tajosamenteemfacedeum homem que acusapor acusar, sem

nada a perder. O outro aspecto pelo qual me encontro emcondição desfavorávelem relação a Ésquines, nesta causa,é que todos os homens, por natureza, ouvemcom algumpra-zer quem acusa e injuria a outrem, e com hostilidade os quese louvam a si mesmos. Ora, dessas duas coisas, a que agra-da aos ouvintesé concedidaaomeu adversário,e a outra que,por assimdizer, toma a todos desabridos, é reservada a mim.Por outro lado, se, preocupado com isso, silenciasse sobreas coisas que empreendi no meu governo, daria a entenderque me faltam argumentos com que destruir as acusações eque não posso apresentar as razões com que espero ser hon-rado. Mas se devo examinar, e o deverei, as coisas que fIz

e administrei, como não ser obrigado, freqüentemente, a fa-lar de mim mesmo?

Diligenciarei, de qualquer forma, tudo fazer usando damáxima moderação. De resto, se em parte a questão por simesma exige que eu fale de minha conduta, é naturalmenterazoávelque a culpa disso caiba ao adversário, que primeiroempreendeu o debate.

Penso, 6 atenienses, que v6s todos admitis ser esta cau-sa comum a mim e a Ctesifonte (2), e que, não menos quea ele, deva interessar-me.

Pois bem, ser despojado, por exemplo, de todos os ha-veres, é coisa dolorosa e dura, principalmente se isso nosé feito por inimigo. Contudo, coisa mais dura e dolorosa éperder a vossa benevolência e a vossa simpatia; como, ao con-trário, conquistá-Iaé a maior de todas as riquezas.

Masvistoque a lutadecorreentreestascontingências,

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peço e exortoque v6s todos imparcialmenteme presteis aten-ção, enquanto me defendo da acusação diretamente, segun-do o que as leis impõem; as leis que S610n, instituindo-asab antiquo, achava que deviam ter autoridade, não s6 pelofato de serem escritas, mas por se tornarem tais pelo jura-mento dos jufzes. Nem as fez S610n(3), acredito, por faltade confiança que em v6s tivesse, mas por ter visto que não

é possívelao quereladoevitarumacertaluz desfavorável,pelasmaldades que, à primeira impressão, lhe atribuem as acu-sações e as calúnias do querelante. Realmente, ao querelan-te já confere vantagem o simples fato de falar em primei-ro lugar; a menos que cada um dos que entre v6s terão quejulgar a causa, reverenciando os deuses, acolha desapaixo-nadamente, também, as justas razões do que falar por últi-mo, e se faça comum e imparcial ouvinte de ambas as par-tes, assim dispondo o ânimo para formar um juízo serenoem torno de qualquer questão.

Estando hoje, ao que me parece, para relatar toda a mi-

nha vida privada e os neg6cios que administrei por delega-ção da comuna, desejo invocar de novo os deuses e rogar-lhes, na vossa presença, antes de mais nada, que a mesmabenevolênciaque sempre demonstrei para com a Cidade meseja concedida. Depois, desejo pedir aos numes que tudo oque possa ser útil à gl6ria da comuna e à religião, tudo vosseja dado observar no exame desta causa.

Se Ésquines, pois, houvesse tratado apenas da matériasobre que versa a acusação, também a ela restringiria a mi-nha defesa, sem mais nada.

Mas depois que gastou não poucas palavras para discor-

rer sobre outras coisas e esvaziou um saco de mentiras con-tra mim, creio, 6 atenienses, necessário e justo ao mesmotempo falar antes disto, rapidamente, a fim de que nenhumde v6s, desviadopor argumentosestranhos à causa, ouçacomsentimentos de aversão quanto dejusto eu tenha a dizer rela-tivamente ao que se prende mais de perto à acusação.

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No que toca à minha vida privada, deduzireis das coisasfrancas e sinceras que vos exporei quantas calúnias injurio-sas Ésquines vomitou.

Se me souberdes, na minha vida privada, tal como És-quines me descreveu (pois jamais vivi em outra parte senãoem meio a vós)não tolereis a minha palavra, nem se euhou-vesse administrado admiravelmente os negócios públicos;insurgindo-vos desde já, condenai-me. Mas se me reconhe-ceis como homem alguma qualidade, embora não eminente,e tendes no devido apreço cada um dos meus parentes, seme julgais muito superior a ele e de família mais notável,em tal caso não lhe presteis fé nem mesmo nas outras coi-sas, pois é evidenteque de igualmodo em tudo o mais men-tiu; concedei-me também agora a benevolência de que medestes prova em várias lutas e em todos os tempos.

Mas tu, ó Ésquines, sempre tão malicioso, imaginastecom toda a candura que, deixando de relatar o que fiz e ad-ministrei, fosse pressuroso recolher as tuas injúrias.

Não furei isso: eu não sou tão ingênuo.Examinareia mi-nha administração,quecobristede mentiras e calúnias, e des-ses teusfuriosos insultos,impunementevomitados,fureimen-ção, por último, se aqueles a quem incumbe julgar odesejarem.

Muitassão, pois, as medidasque Ésquinesincrimina,e por algumas,dessas as leis infligemseverase extremaspunições.

Mas a lutapresente,o adversárioa conduznabase deinvectivas,de ultrajes,de insolências,procurandoatirar-melama à face; e a sua arengatransbordade tais sujeiras.

Pelasacusaçõese culpasenunciadas,severdadeiras,nãopoderiaa Cidadeinfligirpenaadequada;nemmesmoapro-ximada.

Não é, por Deus,nemdireito,nempolítico,ó atenien-ses, impedirque se compareçaperanteo povoe se tenhao

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livre uso da palavra, mas direito não é também abusar-se dodireito da palavra, tornando-o fundamento de maledicênciae de rancor.

, Mas sendo tão importantes os fatos emvirtude dos quaisEsquines me aponta como um desfrutador da pátria, comoafIrma com tanta ênfase em longos e demorados discursos,devia ele valer-se das leis constituídas, se realmente acredi-tava que eu cometeraerros merecedoresde denúncia, e, ..

denunciando-me, mostrar em juizo, perante vós, onde esta-vam esses erros. E se acreditava que eu ordenava providên-cias contrárias às leis, devia acusar-me como réu por tê-Iasviolado.

Não devia perseguir Ctesifonte em meu lugar; e se mehouvesse mostrado criminoso em face das leis, não deviaacusar-me por esta forma indireta.

Se de fato via nessas medidas, pelas quais tanto se afa-diga e me calunia, ou se via em quaisquer outras, que eu voshavia, ó atenienses, prejudicado, não era às leis que deviarecorrer diretamente?Não são os processos e os tribunais quecominam severase gravespunições?De tudo isso lhe eradadovaler-se, e se tal houvesse feito e agido com tal moderação,então teria sido coerente consigo mesmo; e a acusação se si-tuaria em seu legítimoterreno. .

E somente agora e depois de se esquivar ao confrontodos fatos nos tribunais, agora, depois de tanto tempo, comum libelo constituído de motejos, de injúrias, surge aqui afim de representar esta comédia.

Acusa-me, dessa forma, cita em juízo Ctesifonte, semaludir à verdadeira inimizade que nutre por mim, a qual pre-side a toda esta controvérsia, finge querer destruir a reputa-ção de um terceiro para melhor ferir a minha. Em favor deCtesifonte, além do mais, atenienses, parece-me que se po-deria dizer, com muita razão, ainda isto: que deveríamos li-quidar a nossa inimizade entre nós dois, e não, evitando aluta aberta, e recíproca, procurar assestar golpes a um es-

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tranho. De fato, é uma enorme injustiça. Pelo que eu disse,qualquer pessoa poderá verificar que todas as acusações ar-ticuladas por Ésquines não têm fundamento algum, nem dejustiça, nem de verdade.

Desejo também esmiuçaruma por uma essas acusações,e, principalmente, os pontos de vista referentesà paz e à em-baixada que Ésquines adulterou contra mim, atribuindo-me

as culpas de Fil6crates (4).E é, 6 atenienses, necessário recordar como estavamos

neg6cios naquele tempo, a fim de que, de acordo com ascir-cunstâncias de então, examineis as coisas uma por uma.

Enquanto fervia a guerra focense (nãopor culpa minha,pois então nem ao menos estava no governo), as condiçõesvos aconselhavam a salvação dos focenses, embora julgás-seis infame o que eles faziam; por outro lado, gozáveiscomas adversidades dos tebanos; éramos raivosamente contraeles, e aliás não sem razão e equidade, porque dos felizesacontecimentos de Leutra (5) não se aproveitaram com

moderação.Em seguida, todo o Peloponeso se dividiu em fações;

nem os que odiavam os lacedemônios eram tantos que pu-dessem abatê-Ios; nem os que primeiro comandavamjuntoaos lacedemônios podiam apossar-se da cidade; e entre es-ses e entre todos os outros povos reinavaa desordem e umatal ou qual indefinÍvel confusão.

Filipe (6), vendo as coisas nesse pé, pois não estavamocultas, liberalizando dinheiro aos traidores de cada um da-queles povos, a todos acirrou e se insinuou entre eles. De-pois, quando os demais fracassavam e perdiam a cabeça,ele se fortalecia e prosperava em detrimento de todos. Eos tebanos, naquela época importunos e atualmente des-venturados (como os que se atribulam pelo prolongamen-to da guerra), haviam posto de manifesto a todos que ne-cessitariam refugiar-se entre v6s. Filipe, para que isto não

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se desse, nem se coligassem as cidades, prometeu-vos paze socorro àqueles.

Realmente, que poderia melhor fazer o jogo de Filipedo que encontrar-vos, quase espontaneamente, dispostos a vosdeixar enganar? Ajudou-o o que eu não sei como chamar,se pusilanimidade ou ignorância, ou uma e outra coisa aomesmo tempo, dos outros gregos, os quais, enquantosusten-

táveis uma guerra longa e incessante, e pelo bem comum,como os fatos tornarampatente, não vos auxiliaramnem comdinheiro, nem com pessoas, nem de qualquer outro modo.Contra esses gregos com razão e justiça, ficastes irritados,e com issodestes tréguas a Filipe. Por tal motivo, isto é, pornão terdes recebido auxílio dos gre$os, então foi negociadaa paz, não por culpa minha, comoEsquines caluniosamenteafirmou. E quem indagar, diretamente, verificará que os er-ros e os tributos decorrentes daquele tratado de paz forama causa das condições atuais.

De tudo isso faço diligentediscriminaçãoe falopor amorda verdade.

Se algum desacerto relevante se verifica em tais fa-tos, por ele não posso ser responsabilizado. Quemprimeirofalou e fez menção da paz foi Aristodemo, o comediante,e quem o sucedeu e juntamente com ele, para tal fim, dei-xou corromper-se com dinheiro foi Fil6crates, habitante deAgnúsia, s6cio teu, 6 Ésquines, não meu, não, 6 mentiro-so, embora estoures de raiva. E os que infalivelmente an-daram em alguns neg6cios (deixo de entrar em especifica"-ções por ora) foram Éubulo e Cefisofonte. Eu jamais quissaber disso. 1bdavia, embora assimse tenhampassado as coi-sas, assim, segundo a pura verdade demonstrada, Ésqui-

nes chega a tal pontode desonestidadeque ousa dizer que .

eu, além de ter sido o autor da paz com Filipe, também im-pedi que a Cidade, em pública assembléia, concluísse pazcom os gregos. E depois... oh! que nome te dar, nome querealmente te assente?

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Em alguma parte em que estiveste. 6 Ésquines. quandoeu procuravadotar a cidade com empreendimentotão impor-tante. uma aliança tão benéfica. acaso em algumaparte mos-traste a tua imaginação?Em que momento protestaste? Deu-se acaso a hip6tese em que. subindo à tribuna. denunciasseso que agora me atribuis? E se eu houvesse feito cambalachocom Filipe para impedir a aliança com os gregos. não te ca-

bia calar. mas gritar. protestar e anunciá-lo aos quatro ven-tos. Jamais o fizeste. não; ninguém ouviu de tua boca esseprotesto. Não se mandou embaixada a nenhum povogrego;mas todos em parte se haviam levantado; nem Ésquines. arespeito desta questão. se preocupou em dizer coisa queprestasse.

Além disso. tambémcalunia a Cidadecom as suas men-tiras. Porque se. ao mesmo tempo. convidastes os gregospa-ra a guerra e enviastes embaixadores a Filipe para negociara paz. realizastes coisas dignas não de Atenas ou de homenshonestos. mas de Euribates. Mas a verdade não é esta. nãoé. Para que. com que escopo. visando a que lucros chamas-

tes os gregos em tal momento? Para terdes paz? Mas paztinham-na todos. Ou para a guerra? Mas deliberastes a paz.Torna-seclaro. pois. que eu não fui nem inspirador nem au-tor da primeira paz. nem das outras coisas mentirosas inven-tadas por Ésquines; tanto assim que desaba o edifício de suaargumentação.

Negociada a paz pela Cidade. atentai para o que cadaqual de n6s escolheu para fazer. pois com isso também ve-reis quem era o protetor de Filipe e quem se esforçava emvosso benefício e pelo interesse de Atenas.

Poisbem. no Senadoeu propus que os embaixadoresna-

vegassem o mais depressa possível para os lugares em quejulgassem achar-seFilipe. e quedele recebessemosjuramen-tos. Mas eles não quiseram aceitar as medidas que lhes pro-pus. E daí. 6 atenienses. que conseqüências poderiam de-correr? Dir-vo-las-ei eu. A Filipe era sumamente útil e a v6sbastante pernicioso que se demorassem os juramentos. E

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Filipe da MacedlJnia

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.. .

por quê?Porque, agistes para que viesse a paz, desarmastestodo o exército, e Filipe, ao contrário, com respeito aos ar-mamentos, especialmente em todo aquele período de tempo,desenvolviagrande atividade, achando, como realmente era,que, ocupando terras de Atenas antes de feitos os juramen-tos, poderia conservá-Iasem segurança, na expectativade queninguém, em virtude de tais conquistas, romperia o tratado

de paz.

Isso prevendo e calculando, 6 atenienses, decretei quese navegassepara os lugares onde estivesse Filipe, a fim deconseguirmos o mais rapidamente possível os juramentos;assim, os trácios, vossosaliados,conservariamas regiões queultimamenteFilipe talou, isto é, Serria, Mirtes e Ergisca, im-pedindo os juramentos que ele as invadisse e evitando que,com a ocupação dos lugares mais favoráveise bem situados,se estabelecesse como dono da Trácia; ou que, com abun-dância de dinheiro e de soldados, estendesse mais agilmente

as mãos às outras províncias.Pois Ésquines não alude a este meu decreto, nem o re-

pete; e me critica por eu haver achado, no Senado, que de-veríamos receber os embaixadores. Mas que desejavaque eufIzesse?Que aconselhassea repulsadaquelesquetinhamvindopara tratar convosco?

Ou desejavaque eu exigissedo empresário que não con-cedesse um lugar para eles, no teatro?

Mas, apesar das minhas sanções, com dois 6bolos te-riam eles, da mesma forma, livre o ingresso. Convinha-

me, acaso, fiscalizar as coisas miúdas e de pouca impor-tância da Cidade e vender a pátria, como a venderam osoutros?

Eia, tomai e lede estemeu decreto, sobre o qual Ésqui-nes, muito de indústria, silenciou.

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Decreto

"Ao tempo emque Mnesífilo era arconte, noúltimo diadomês Hecatombeon,no comandoa tribo de Pandionile,De-m6stenes, filho de Dem6stenes PMneo, disse:

"Visto que Filipe, tendoenviado os embaixadores, acei-tou o pacto a respeito da paz, decidiram o Senado e o povo

dos atenienses que, para conduzir a termo o tratado de pazaprovado na primeira assembléia, se elegessem entre todosos gregos cinco embaixadores, e que estes, sem mais demo-ra, navegassempara terras estrangeiras, para onde lhes pa-recesse que estivesse Filipe, e que com a maior presteza re-cebessem os juramentos relativos aos pactos por ele firma-dos com o povoateniense, nele compreendendo, igualmen-te, os aliados de ambas as partes.

"Foram eleitosos seguintesembaixadores:Éubulo,Ana-fístio; Ésquines, Cotocide; Cefisofonte, Ranúsio;oDem6cra-tes, Flieu; Cléon, Cotocide".

Decretei, então, as referidas providências, e mais o queera útil à Cidade, e não o que Filipe ambicionava, mas osembaixadores, esses distintos cavalheiros, as executaram aseu modo, demorando-se meses e meses na Macedônia, atéque Filipe regressou da Trácia, depois de a haver submeti-do, e isso quando seria possível em dez dias, e mesmo emtrês ou quatro, aportar ao Helesponto e, de posse dos jura-mentos, salvar essas terras, antes de serem dominadas. Selá estivéssemos, Filipe não as teria invadido,ou, quandome-nos, receberíamos os seus juramentos; então, ficaria sem apaz, e não com uma e outra coisa, isto é, com a paz e comas terras.

A primeira fraude de Filipe, pois, e o primeiro subornodesses homens corruptos que foram os cinco embaixadoresnesse caso da embaixada, ocorreram desta forma. É por es-semotivo que confesso a minha consternação e a disposiçãode combatê-los, como então, agora e sempre.

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Há uma outra perversidade recente na série das suas in-ramias, perversidade maior ainda do que essa que acabo dereferir; examinai-a.

Depois que Filipe jurou a paz, tendo antes ocupado aTrácia, por culpa daqueles que julgaram inútil o meu decre-to, comprou os embaixadores, para que não deixassem a Ma-

cedônia enquanto não houvesse preparado o necessário paraa expedição contra os focences.

Em conseqüência disso, não dando eles aviso de que Fi-lipe estavapara embarcar e fazia os aprestos de guerra, nãosaístes a campo, nem suspeitastes da urgência de fechar oporto, como no passado, navegando com as trirremes paraas Term6pilas (7). Essas notícias, com os informes que osembaixadoresmandaram, propositalmentetardios, chegaram-vos quando Filipe já estavadentro das Term6pilas, e a v6snada mais restava a fazer.

Filipe, assim, ocupou essas terras antes da paz, temen-

do que deliberásseis socorrer os focences antes que ele osdestroçasse,perdendo uma boa oportunidade. Subornou comdinheiro, para os seus desígnios, a Ésquines, essemiserável,e, não mais comos outros embaixadores, mas a s6s com ele,o induziu a dizer-lhe e detalhar-lhe informações, em virtudedas quais tudo se perdeu.

E advirto e peço, 6 atenienses, que atentai bem, duranteo desenvolvimento do processo, que se Ésquines não hou-vesse incriminado nada de estranho à causa, também eu na-da diria a respeito. Mas como ele me atirou golpes e injúriasde toda sorte, vejo-me obrigado, com relação a essas duasimputações, a formular uma breve resposta.

Quais foram, pois, as suas palavras de então, palavrasque tudo prejudicaram?

Disse que não devíamos nos impressionar com a entra-da de Filipe em Pilo; que faria tudo quanto desejásseis ouachásseis conveniente: esperar três ou quatro dias, até que

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Filipe se tomasse amigodos seus inimigose inimigodos seusamigos. As zombarias, (continuouÉsquines)não consolidamas amizades (continuou escandindoos vocábuloscom osten-siva gravidade) mas são os fatos que nos prestam auxílio; einteressa a Filipe, aos focences e a v6s todos, igualmente,livrarem-se da crueldade e opressão dos tebanos.

Alguns concidadãos sorviam de bom grado essas pala-

vras pelo 6dio que então alimentavamcontra os tebanos. Masque aconteceu, depois disso, inesperadamente?

Aconteceu que os focenses pereceram e as suas cidadesforam desmanteladas; v6s, tranqüilos e fiados emÉsquines,desocupastes os campos, e ele disso se aproveitou; acon-teceu que Atenas ganhou a inimizade dos tebanos e dos tes-sálios, recolhendo Filipe os seus sufrágios.

E para provar que tudo ocorreu por esta forma, lede-meo decreto de Calístenes (8) e a carta de Filipe; ap6s tudo fi-cará claro; lede-me:

Decreto

"Sob o comando de Mnesífilo, reunida por deliberaçãodo Senado, na assembléia dos capitães e dos prítanes (9) naúltima década domês Memacterion, Calístenes, filho de Eo-tônio Falereu, disse: "Nenhum ateniense, sob qualquer pre-texto, pernoite no campo, mas na cidade ou no Pireu, comexceção das pessoas designadas para as guarnições. E quecada qual semantenha no posto que ocupa, dele não se afas-

tando nem de dia nem de noite. E aquele que transgredir es-te decreto será sujeito às penas de alta traição, salvo se ale-gar em defesa qualquer prova de legítimo impedimento. Ecom relação ao impedimento, são juízes o chefe do exército,o administrador e o chanceler do Senado. Transporte-se coma maior rapidez tudo o que estiver nos campos: o que se

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encontraraquémdecentoe vinteestádios,transporte-sepa-ra Atenase para o Pireu; e o que estiver além de cento evinteestádios,transporte-separaEliusis,File, Afidna,Ra-nuntee Súnio.AssimfalouCalístenesFalereu".

Firmastesapazcomaspromessasdessebeloacordooufoi antesesse vendidoque vosanuncioutais coisas?

Ora, lede a carta que Filipe escreveuposteriormente.

Carta

"Filipe, rei dos macedônios, ao Senado e ao povoateniense.

"Saudações.

"Já deveis saber que marchamos através das Term6pi-Ias e submetemos as regiões da F6cida, e que nas cidadesque se entregaram voluntariamente instalamos guarnições;destruímos inteiramente as que se rebelaram, conquistando-as e submetendo-as pela força. Sabendo que vos aparelhaispara socorrer os focenses, eu vos escrevo a fim de que nãomais penseis em combater por eles. Parece-me não ser umaatitude correta, ap6s ter concluído de pleno acordo a paz,ainda marchardes contra mim, isso quando os focenses nãoestavamcompreendidos nos nossos tratados comuns. Assim,desobedecendo aopacto, nada ganhareis, a não ser o despri-mor de serdes os primeiros a cometer uma injustiça".

*

* *

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Na carta a vós endereçada, a v6s, seus aliados, ele reve-la e indica o seguinte: "Eu" - diz - "fIz issocontra a von-tade dos atenienses e apesar deles; assim, o rigor, 6 teba-nos e tessálios, devereis ter os atenienses por inimigos econfIar emmim"; não quehaja escritomaterialmente assim,mas foi o que quis dizer, segundo o que se lê nas entre-linhas.

Com isso, Felipe avançoumuito na obra de conquistados tessálios e dos tebanos, fazendo com que não prevísseisnem observásseis os acontecimentos futuros, antes deixandoque ele de tudo se assenhoreasse.

Daí, as desventuras que aqueles infelizesatualmente ex-perimentam. E o homem que foi o cúmplice de Filipe, quecooperou para o seu prestígio, que em Atenas anunciou fal-sas notícias, fazendo tudo por impingi-Ias, esse homem équem agora se comisera das desgraças dos tebanos e as nar-ra como fatos dignos de lástima: ele, o autor dessas desgra-ças, das desgraças dos focenses, e de todas quantas os gre-gos sofrem.

Mas é bem possível, 6 Ésquines, que lamentes o tristecaso dos tebanos e não tenhas realmente compaixão deles,pois possuis vastos domínios e campos agrícolas na Be6cia;ao passo que eu me alegro intimamente por ter sido citadoem juízo por quem tantas infâmias cometeu.

A vossa benevolênciapermitiu que eu entrasse no exa-me de questões que talvez fosse melhor examinar mais tar-de, e assim volto a demonstrar que os golpes dos traidoresforam a causa das atuais calamidades.

E que aconteceu depois que fostes enganados por Fili-pe, por culpa daqueles que vos faltaram com a verdade, edepois que enganados foram os infelizes focenses, que vi-ram destruídas as suas cidades?

Os desprezíveis tessálios, e os tebanos, mal aconselha-dos, julgaram Filipe amigo, benfeitor e patrono (não viam

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nomundo senão ele); não toleravamas advertênciasde quemse aventurasse a dizer qualquer coisa em contrário.

E vós, esperando com inquietação os acontecimentos,apesar de muito contrariados, vos mantínheis em paz; poisnão havia resolução que pudésseis tomar. E os outros gre-gos, mistifIcadoscomo v6s e fraudados nas suas esperanças,guardavam uma atitude de expectativa, eles que, há muito,sofriam os danos da guerra. É sabido que Filipe devastouasterras dos ilírios e dos tríbalos, e ainda submeteu algunsdospovos gregos, conseguindo forças grandes e numerosas. Equando alguns cidadãos, Ésquines inclusive, se dirigiram aFilipe e por ele se deixaramcorromper, poder-se-iadizer quetinham a guerra às portas todos os povos que Filipe hostili-zava. Que não se recorde disto, é outra coisa, com a qualnada tenho; eu previaesses revesese protestavaem vossapre-sença, e sempre, aonde quer que fosse mandado. E as cida-des se arruinavam; pois as pessoas incumbidas das magis-traturas e os encarregados da direção dos neg6cios públicos

eram subornados com presentes e corrompidos com dinhei-ro. Os cidadãos, pois, parte por imprevidência, parte por in-cúria e dominados pelo ócio cotidiano, os cidadãos priva-dos, digo, tendo embora o senso do peso de uma situaçãopenosíssima, julgavam entretanto, por seu lado, que a cala-midade, ameaçando os demais, não cairia sobre eles e quepoderiam gozar os seus bens em segurança, durante o tempoque lhes aprouvesse.

Em seguida, creio eu, a plebe comprou pelo preço delargae intempestivaindolênciaa perdada liberdade, e os che-fes de governo, que pensavamemvender, alémda liberdade,

todoo resto, excetoa si mesmos, não notaram que se tinhamvendido a si mesmos em primeiro lugar. Os seus corrupto-res, em lugar de amigose bonshóspedes, como entãoos cha-mavam quando deles se benefIciavam, começaram a tratá-los como aduladores e inimigos dos deuses, e o mais que nomesmo sentido lhes ocorresse. Porque ninguém, 6 atenien-

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34 . A Oração da Coroa

ses, procurando valer-sede um traidor, lança fora o seu di-nheiro; depois de se apossar das coisas que compra, não sevale mais do conselho do mercenário: se assim fosse, nin-guém seria mais felizdo que os traidores. Mas tal não acon-tece. Como então? Oh, a coisa é bem diversa!

Depois que os ambiciosos de domínio se tornam donose déspotas dos Estados, das coisas e dos traidores que a elesse venderam, oh, então! então o déspota, conhecedor da vi-leza de seus agentes, retira-Ihes a confiança, atirando-os fo-ra como limões espremidos.

Se já passou o tempo em que ocorreram esses fatos, otempo de sabê-Ios é sempre palpitante para os homens deresponsabilidade.

Até quando foi Lastenes chamado amigo? Até trair.Olin-to (10). E Timolau? Até destruir Tebas (11). E foram expul-sos, injuriados, e os males que sofreram todo o mundo os

conhece. E o que não padeceram Aristrato em Sicione e Pe-rilau em Mégara? Não foram banidos?

Pode-se ver claramente, pois, que o cidadão que se em-penha ardorosamente em defender a pátria, e a prestigia,opondo-se aos traidores e mercenários, - a ti e teus sequa-zes, Ésquines, - esse mesmo cidadão não pode evitar a prá-tica de certas patifarias. Pode-se observar que, apesar de se-rem muitosos que seopõem a essas maquinações, os nossostraidores se acham sãos, salvos e recompensados; na verda-de, eles estariam destruídos pela mão dos pr6prios corrup-tores se, por via da traição, houvessem conseguido plena-

mente os seus intentos.

Em relação aos fatos então ocorridos eu tenho a dizerainda, embora ache o que eujá disse mais do que suficiente.Mas a culpa é de Ésquines que, vomitando sobre mim umamal digerida mistura de calúnias e infâmias, criou-me a ne-

Demóstenes, Roma, Vaticano.

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cessidadede defender-meperante os homens novos,não con-sumados na arte da administração pública. Mas é possívelque não vos impressioneis, mesmo sem o meu depoimento,cientes da venalidade do meu adversário. E isso apesar deele chamar amizade e hospitalidade a essa venalidade e ain-da há pouco se ter expresso da seguinte forma: "Dem6ste-nes me exprobraa hospitalidadeque Alexandreme concede".

Eu exprobrar-te a hospitalidade de Alexandre?Onde a alcançaste? E como a mereceste?

Não te posso chamar nem h6spede de Filipe, nem ami-go de Alexandre; não sou nenhum insensato, a menos queos ceifeiros e os que fazem os mais baixos serviços salaria-dos possam também chamar-se amigos e hóspedes dos res-pectivospatrões. Mas a questão não está nestes termos, não;ela é bem outra. Estipendiado de Filipe chamei-te antes, eestipendiado de Alexandre te chamo agora, e assim te cha-mam os atenienses. E se o duvidas, interroga-os; mas o me-

lhor é que eu o faça por ti. Atenienses, atenienses, parece-vos que Ésquines seja um lacaio ou um h6spede de Alexan-dre?... Ouve o que respondem.

Contudo, desejo ainda, com referência à mesma acusa-ção, defender-me e examinaros atos que pratiquei, a fim deque, embora Ésquines os conheça, ouça entretanto as razõespelas quais digo ser justo me seja concedida a honra da co-roa proposta e outras ainda maiores.

Tomai e lede.

Ato de Acusação

"Sob o comando de Queronides, no sexto dia de Elafe-bolion, Ésquines, filho de Atrometo Cotocide, apresentouqueixa, por contravenções, contra Ctesifonte, filho de Le6s-

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tenes Anatlístio, por haver este escrito um decreto ilegal. Odecreto diz ser convenientecoroar Demóstenes, filho de De-móstenes Peaneo, comuma coroa deouro, no teatro por oca-sião das festas de Baco (12), quando se representam as no-vas tragédias. Diz ser conveniente que o povocoroe Demós-tenes, filho de Demóstenes Peaneo com uma coroa de ouropor causa da virtude e da afeiçãoqueconstantementedemons-

tra por todos os gregos e pelo povo ateniense, por causa doseu valor, e porque invariavelmentepratica e diz coisas óti-mas para o povo, alegrando-sequando faz aquiloque aomes-mo povopossa ser útil. Ésquines apresenta queixa, alegandoque todas essas afirmações do decreto são mentirosas e emoposição às leis; não permitindo as leis, antes de mais nada,que falsos documentos sejam postos nos arquivos do Estadoe se coroe a quem é obrigado a prestação de contas (e De-móstenes o é, na sua qualidade de inspetordos trabalhos dasmuralhas e de superintendente dos espetáculos públicos); enão permitem as leis, outrossim, que se proclame a coroa

no teatro durante a festa de Baco, enquanto se representamas novas tragédias, no caso de o Senado conceder a coroa,deve ser proclamada na corte e se a mesma for concedidapela Cidade, na assembléia de Pnice.

"A pena por estes crimes é de cinqüenta talentos. Teste-munhas para o ato de acusação':Cefisofonte,de Cefisofonte,Ranúsio, e Cléon, de Cléon Cotocide".

*

* *

As partes do decreto que ele incrimina são, pois, estas,e eucom elas mesmasprovarei a regularidade dos meus atose o direito que tenho de defender-me.

A Oração da Coroa . 39

Seguindo a ordem obedecida pela acusação, falarei detodas as várias partes da mesma, uma por uma, nada omi-tindo, no que estiver em mim.

Quanto a haver eu feito e dito coisas boas, quanto à mi-nha alegria na ação, quanto aos louvores que isso provoca,creio que o julgamento resultados meus atos no governo.Noexame destes se constatará se Ctesifontepropôs e decretoua meu respeito coisas verdadeiras e convenientes ou menti-rosas. E quanto à omissão deCtesifonte, que não teria acres-centado ao decreto, falando de mim, estas palavras: "e sóse coroedepois queDemósteneshaja feitoa prestaçãode con-tas, não antes"; quanto a querer que o coroamento se realizeno teatro, eu penso que essas questões devem também serligadas aosmeus atos no governo, a saber: sou digno da co-roa e da respectiva proclamação, ou não o sou, embora jul-gue que deveriam ser indicadas, igualmente, as leis que per-mitissem a acusação de tais fatos.

Por estemodo pretendo fazer a defesa, e assim relatareias medidas que pus em prática.

Sendo muitos os ministérios do governo, escolhi o dosnegócios interiores, pois que,'partindo deste, tenho a possi-bilidade de apresentar certas provas.

Contudo, sobre o que Filipe usurpou e conquistou, an-tes que eu estivesse no governo e ocupasse a tribuna, nãofalarei; isto não me concerne. Mas sobre outros problemas,relacionadoscom aminhaadministraçãoe desdequemeopusa Filipe, sobre esses chamarei a vossa atenção; disso tudoprestarei contas. E começo.

Filipe teve muita sorte, ó atenienses; teve a sorte de en-contrar entre os gregos, não entre alguns apenas, mas entretodos igualmente, uma tlorescência de traidores, de vendi-dos e de inimigos dos deuses, em tal quantidade, como nun-ca se teve notícia. Comprando-os, teve companheiros e as-

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40 . A Oração da Coroa

sistentes; e, sendo más as relações entre os gregos que seachavam agitados, ele ainda mais os acirrou, enganando auns, corrompendoa outros, de todas asmaneiras; e issoquan-do todos tinham o mesmo interesse: impedir que Filipe setornasse grande. Estando os gregos em tal situação, desco-nhecedores que eram dos infortúnios que se vinham avolu-mando e subindo, convém indagar, 6 atenienses, o que de-

víeis fazer, v6s e Atenas, exigindo de mim as razões de de-terminadas providências, já que eu me colocara, spontepro-pria na direção dos neg6cios políticos.

Conviria acaso, 6 Ésquines, que Atenas, postergando osentimento e a pr6pria dignidade, bandeando-se para os la-dos dos tessálios e dos d610pes,contribuísse para que Filipeconquistasseo domínio dos gregose destruísse os feitosmag-níficos e os direitos dos seus maiores? Ou conviria, ao con-trário, que a Cidade não o admitisse, como coisa desonrosa,que realmenteera?A repúblicadeveria, acaso, semmanchar-se nas infâmias,esperar indolenteos infortúniosquehá muito

previa e que pareciam inevitáveisse alguém não se desse aotrabalho de conjurá-Ios?

De bom grado pergunto ao meu acusador de que ladodeveria estar a Cidade. Do lado dos que eram responsáveispelas infelicidades e vergonhas dos gregos, com os quais sepoderia dizer que estavamtambém os tessálios, ou do ladodos indiferentes, dos que não se importavam com os fatosocorridos, na esperança de lucros privados, entre os quaispodemos pôr os messênios e os argivos?

Mas alguns destes, ou melhor, todos, não opinaram co-

mo n6s. Porquese Filipe, depoisda suavitória, locomovendo-se rapidamente, se houvesse afastado, e ap6s se tranqüilizas-se, sem molestar nem os seus aliados, nem a nenhum outropovogrego, os que a ele se opusessem poderiam merecer al-gum vitupério e repreensão. Mas se ameaçavaa dignidade,a hegemonia, a liberdade de todos e até as administrações,

A Oração da Coroa . 41

como não escolher? entre os diversos alvitres o mais digno,pondo em prática as minhas sugestões?

Mas volto ao argumento.

Que devia dizer Atenas, 6 Ésquines, ao ver que Filipeprocurava chamar a si o comando e o domínio dos gregos?Ou que devia (isto também tem grande importância) fazer

ou propor em Atenas, eu, que sabia, desde o dia em que su-bi a esta tribuna, haver a pátria combatido sempre pela he-gemonia, pela dignidade e pela fama, haver ela gasto, pelahonra e pelos interessesde todos,emdinheiro e pessoas,maisdo que gastaram, sozinhos ou reunidos, todos os demais po-vos gregos? Por outro lado que atitude deveria eu assumir,eu que via Filipe, contra o qual lutávamos pela hegemoniae pelo poder, perder um olho, espedaçar um ombro, mutilaruma mão e uma perna, prontoa cedertodasas partesdo corpoque a sorte lhe tivesse querido arrancar, mas disposto a vi-ver no futuro com gl6ria e com honra?

Certamente, ninguém teria ousado pensar que na almade Filipe, educado em Péla (13),obscura e pequena terra (aomenos então), germinaria a magnanimidadede aspirar ao co-mando de todos os gregos. E ninguém poderia imaginar queFilipe presumisse que nos vossos espíritos, 6 atenienses, acujos olhos se apresentam, de todos os ângulos, espetáculostestemunhando a virtude dos vossos antepassados, pudesseencontrar guarida a baixeza de ceder-lhe voluntariamente amercadejada liberdade. Ninguém teria ousado afirmá-Io.

Restava, portanto, e era ao mesmo tempo necessário,combatê-Iopelas injustiças que contra v6s praticava. Isto fa-

zeis v6s desde o princípio, como era natural e justo, e istodecretei e ordenei durante o tempo em que estive no gover-no; sim, eu o afirmo.

E que me cumpria fazer? Não aludirei, 6 Ésquines, aAnfípolis, a Pidna, Potidéia ouHaloneso (14).Não recorda-

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42 . A Oração da Coroa

rei nenhum desses lugares. Quanto a Serria e Dorisco, à de-

vastação de Pepareto e a todos os outros danos sofridos en- ~,tão pela Cidade, disso tudo que aconteceu, quero fingir que

I

não me lembro, não obstante afirmares que eu, dizendo taiscoisas, acirrava o 6dio contra Éubulo, Aristofonte e Di6pi-tes, aos atos dos quais, e não aos meus, se referiam os de-cretos,ao contráriodoquedizes,Ésquines,tu quefalascom .

malícia o que te agrada. Mas, por enquanto, com referênciaa isto, guardarei silêncio.

Filipe, apoderando-seda Eubéia e construindo trinchei-ras para se fortificar em torno à Ática; atacando os me-garenses, ocupando Oréu, derrocando Portmo; impondo,como tiranos, Filistides em Oréu e Clitarco na Erétia; sub-metendo o Helesponto, assediando Bizâncio, e, entre ascidades gregas, algumas destruindo e em oQtrasprovocan-do o pânico; Filipe, fazendo todas essas coisas, cometiainjustiças, rompia os pactos, desfazia a paz? Sim ou não?

Se não se pretendia impedir que a Grécia caísse nasgarras dos ladrões, enquanto nela estivessem e vivessem osatenienses, foram vãos os meus discursos e em vão se ator-mentou a Cidade, que seguiu os meus conselhos; e assu-mo a responsabilidade de todos os erros e abusos come-tidos.

Mas se, ao contrário, urgia que alguma força a tanto seopusesse, que povo, além do ateniense, poderia chamar asi a execução do empreendimento?Pois bem, dirigi no meugoverno essas iniciativas, e vendo Filipe submeter todos os

povos, combati-o, aconselhando a resistência ao invasor. Efoi Filipe quem rompeu a paz, 6 Ésquines, e não a Cida-de.

Eis os decretos e a carta de Filipe relativos a tais fatos;lede-os por ordem, e ver-se-á a causa do que houve.

A Oração da Coroa . 43

Decreto

"Sob a presidência de Neoc1es,correndo o terceiro mêsático, na assembléia reunida pelos capitães, Éubulo, filho deMnesiteo, de Cíprio, disse:

"Depois que os capitães anunciaram na assembléia que

o nossoalmiranteLeodamante, e os vinte navioscomele cap-turados na Macedôniapelo almirantede Filipe, Amintas (15),o qual os conservava, a ele e aos seus navios, sob boa guar-da, os capitães e os estrategas se interessaram em que o Se-nado se reunisse e escolhesse embaixadores a serem envia-dos a Filipe, os quais, a ele se apresentando, negociassema libertação do almiranteLeodamante, dos vinte navios e dasgalés. Que lhe dissessem que se Amintas houvesse feito oque fIZerapor ignorância, o povo ateniense não atiraria ne-nhuma culpa sobre Filipe, mas se faltara de qualquer modoàs ordens de seu rei, se reservariam o direito de aplicar-lheo castigo segundo a gravidade da falta. No caso de não se

ter verificado nem uma nem outra coisa, o que dera as or-dens, ou que as recebera, agira contra a justiça, e então aquestão seria levada ao Conselho, a fim de que o povo ate-niense,dela tomandoconhecimento,deliberasseo que achasseconveniente".

*

* *

Foi Éubulo, e não eu, quem redigiu esse decreto, e de-cretos, por seu turno, também foram propostos por Aristo-tante, Egesipo, Aristofantenovamente,e aindaFil6crates,Ce-lisofonte e muitos outros. Decreto meu não houve um s6.

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44 . A Oração da Coroa

Leia-semaiso seguinte:

Decreto

"Sob a presidência de Neoc1es,por deliberação do Se-nado, no último dia de Boedromion, presentes os prítanese os capitães, conhecidas que foram na assembléia as ordensdo povono sentido de se escolherem embaixadores a seremenviados a Filipe e com ele tratarem da devolução dos na-vios, foram os embaixadores eleitos pelo voto e a eles con-fiada a referida incumbência. Foram escolhidos: Cefisofon-te, filho de Cléon de Anaflisto; Dem6crito, de Demofontede Anagirúsio; Polícrito,de Apemantes Cotocide. Isto se de-creta sob o governoda tribo de Hipotoontide, com a presen-ça de Aristofonte, de Colito".

Pois bem, assim como exibo este decreto, assim mos-tres tu, também, 6 Ésquines, que foi um decreto meu queprovocou a guerra.

Mas não o farás porque se o pudesses seria a primeiracoisa que apresentarias.

Nem Filipe me responsabiliza pela guerra, mas por ou-tras coisas. Ora, lede a sua carta.

Carta

"Filipe, rei dos macedônios, ao Senado e ao povoateniense.

" Saudações.

A Oração da Coroa . 45

"Apresentaram-se à minha presença, de vossa parte, osembaixadores Cefisofonte,Dem6crito e Polícrito, que trata-ram da devolução dos navios, dos quais era comandanteLeodamante.

"Para resumir, dais a impressão de que sois vítima deuma enorme ilusão, se julgais que eu não sabia que os na-vios enviados com o pretexto de transportar trigo do Heles-ponto a Lenos tinhamna verdade por mira levar socorros aosselimbrianos, que eu assediava, povo esse não compreendi-do nos pactos comuns de aliança firmados entre n6s. E estatraiçoeira missão foi confiada ao almirante, não sem a inter-venção do governo ateniense, mas com o placet de algunschefes e de outros que atualmente não se acham nos cargospúblicos, mas que desejam a qualquer preço que os atenien-ses, em vez da amizade que ora têm por mim, empreendama guerra, desejando eles muito mais pôr em prática tais in-tentos do que enviar socorros aos selimbrianos. Pensam quetal objetivo seja vantajoso, ao passo que eu acho que não é

útil nem a v6s, nem a mim."Contudo, devolvo os navios que foram aprisionados,

e se de ora emdiante não permitirdes que os vossoscapitãesadministrem com intuitos malévolos, também eu me esfor-çarei por conservar a paz. Desejo-vos felicidades".

*

* *

Nestedocumento,nãofoi escritoo nomede Dem6ste-nes, nemexisteacusaçãoalgumacontramim.

Ora, por que nunca, ao culparos demais, Filipe fazreferênciaaos meus atos?Porque, acusando-os,ver-se-ia

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46 . A Oração da Coroa

obrigado a recordar as pr6prias injustiças, visto que eu, quea elas me rebelei, a elas estou indissoluvelmente ligado.

Em primeiro lugar, decretei que se mandassem os em-baixadores ao Peloponeso, assim que Filipe por lá se insi-nuou; em seguida, decretei que fossemmandadospara a Eu-béia, quando Filipe procurava dela se apoderar; depois, não

decretei mais embaixadas, mas, diretamente,uma sortida so-bre Oréu e Erétria, quando ele nomeou tiranos para as cida-des cretenses. Mais tarde, expedi uma frota, graças à qualo Quersoneso, Bizâncio e todos os outros aliados foram sal-vos. Daí, haverdesrecebido, da parte daquelespovos que so-correstes, as coisas mais ambicionadas: elogios, fama, hon-ras, coroas, gratidões.

Dos povos que foram vítimas de injustiças, os que entãovos obedeceram conseguiram salvar-se; e, aqueles que nãoderam importânciaàs vossassugestõestiveramquerecordar-semais tarde, muitas vezes, do que lhes predissestes, e pensar

que não s6 éreis benevolentes para com eles, mas tambémprofetas e homens avisados; pois tudo o que predissestesaconteceu.

A verdade é que Filistidesteria gastomuitodinheiroparadominar Oréu, o mesmo teria feito Clitarco para ter a Eré-tria, e o pr6prio Filipe estaria disposto a desembolsar umabela quantia a fim de que essas terras tomassem o seu parti-do contra v6s; nas outras regiões, procurava evitar sindicân-cias e todo e qualquer inquérito sobre as injustiças que co-metera; tudo isso ninguém o ignorava, e tu, 6 Ésquines, me-

nos do que ninguém. Os embaixadores que então chegaramda parte de Clitarco e de Filistides se detiveram, 6 Ésqui-nes, em tua casa, e tu os hospedaste: hospedaste os que aCidade repeliu como inimigos e proponentes de coisas des-leais; e eram teus amigos.

Assim mesmo nada conseguiram; e espalhas calúnias

A Oração da Coroa . 47

contramim, dizendoqueeu silencioa respeitopor ter sidosubornadoe quesei represarasminhasqueixasdiantede al-gumaliberalidade.

Ah!certamentenãofazesassim!Gritas,tu quegozasdeequívocasriquezas, nem deixariasde gritar se os juízes,desmascarando-te,não te reduzissemao silêncio.

Poisbem, a despeitodosmeusadversários,v6sme co-roastes;Aristônicoemitiu ao seu decretoos mesmoscon-ceitosde Ctesifonte;a coroafoiproclamadano teatro,sendo-me notificadaessaproclamação;e em todasessascircuns-tâncias Ésquines não protestou, nem acusou o autor dodecreto.

Mas tomaie ledeo decretode que falo.

Decreto

"Sob a presidência de Queronides, filho de Hegemon,nos fins de Gamelion, no tempo em que estava no governoa tribo de Leontide, Aristônico de Frearria disse: Conside-rando que Dem6stenes, filho de Dem6stenes Peaneo, nume-rosos e assinalados serviços prestou não s6 ao povoatenien-se, como a muitos confederados, e já no passado, já no tem-po presente, prestou auxílios valiosos com a expedição de

decretos, libertandoalgumascidadesda Eubéia; considerandoque persevera em ser afeiçoado aos atenienses, e com a pa-lavra e com a ação procura o que possa ser útil ao seu pr6-prio povoe aos outros gregos; considerando tudo isso, o po-voateniensejulga dejustiça elogiarDem6stenes, filho deDe-m6stenes Peaneo, e coroá-lo com uma coroa de ouro, fa-

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48 . A Oração da Coroa

zendo a proclamaçãorespectivano teatro por ocasião das fes-tas de Baco, enquanto se representem asnovastragédias; queda proclamação se encarregue a tribo então no poder e o di-retor do teatro. Isto disse Aristônico de Frearria".

Há entre vós quem. saiba que por causa deste decretoocorreu algode injurioso ou de ridículo à Cidade, coisa que

atualmente Ésquines diz acontecer se eu for coroado? Maseia! Se a proposta for razoável, embora nova, se a julgardesoportuna, rendei-Ihe a devida homenagem, e se a julgardeso contrário, criticai-a.

Eu, então, não encontrei crítica, nem castigos, mas fa-vores. Isso porque, desde os tempos em que ocorreram taisfatos, foi geralmente admitido que tenho procurado o bemcoletivo, valendo-me tanto da palavra como das disposiçõesnas assembléias deliberativas, seja mandando pôr em práti-ca as coisas decididas, seja fazendo com que daí decorres-sem honrarias para a Cidade, para mim, para todos; sejaofe-recendo sacrifícios aosdeuses, seja determinandoprocissões;coisas todas vantajosíssimas para vós.

Depois que Filipe foi expulso da Eubéia por vós, coma ajuda das vossas armas e graças aos meus esforços, me-diante a minha política e os meus decretos (digo-o mesmoque haja quem estoure de raiva), ele voltou a cogitar de ou-tro estratagema para prejudicar a Cidade.

Vendoque importávamosgrande quantidade de trigo detodos os outros Estados, e desejando ter o monopólio de ce-reais, veioà Trácia, na época em que os bizantinoseramseus

aliados, e convidou-os para uma coligação destinada acombater-vos.Mas como eles não lhe quiseramaceitar a pro-posta e lhe dissessem que com tal acordo não firmariamnenhuma aliança (e diziam a verdade), Filipe, cavandotrin-cheiras e montando máquinas de guerra, assediou a sua ci-dade.

Dem6stenes, orador e homem

polttico ateniense (384-322 a.c.),

Museu do Louvre, Paris.

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Nesses acontecimentos, o que a vós cumpria fazer nãoo perguntarei, pois é claro para todos.

Mas quem levou socorros aos bizantinos e os salvou?

Quemfoi queimpediu, naquelaépoca, queo Helespontocaís-

se em mãos estrangeiras? Vós, e quando digo vós, digo Ate-

nas. E quem, sinceramente, sem parcimônia, dedicou pala-

vras, escritos, ações, e toda a sua pessoa, às necessidadesda Cidade? Eu. Dispensais naturalmente, que eu vos acen-

tue, com a palavra, o quanto isso tudo foi útil, pois tendesa experiência dos próprios fatos.

A guerra que então se verificou, além de trazer-vosboa

reputação, vos engrandeceu com tudo o que diz respeito àvida com abundância e com bons mercados, e com vanta-

gens sobre as presentes condições de paz, que esses hones-

tos cidadãos procuram manter, em prejuízo da pátria, pelassuas esperanças criminosas. Mas esperamos que se desilu-

dam, e, desejosos de prosperar, gozeisdaquelesbens que pe-

distes aos numes; daquelesbens que ambicionamos, e de queeles não partilharão.

Mas a respeito, há ainda os deçretos referentes às co-

roas dos bizantinos e dos períntios, com as quais, pelos mo-tivos neles aduzidos, também Atenas foi coroada.

Decreto dos Bizantinos

"Sob opontificadodeBosfórico,por deliberaçãodoSe-nado, Damagetotevepermissãode falar na assembléia,edisse:

"Considerandoque o povoateniense,nos tempospas-sados, foi semprebenévolopara com os bizantinose seus

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52 . A Oração da Coroa

aliados, e para com os períntios, povo afim, que lhes pres-toumuitose assinaladosserviços;considerandoquenas atuaiscircunstâncias, enquanto Filipe, o macedônio, saíra a campocontra a terra e a cidade, com prejuízo dos bizantinos e dosperíntios, devastandoas terras e destruindoos bosques, o povoateniense prestou aos primeiros o auxílio de 120 navios, ede trigo, e de flechas, auxílio que os subtraiu de gravesperi-

gos e mantém de pé as instituições pátrias, as leis e os mo-numentos; o povo bizantino e o dos períntios decidem daraos atenienses o direito de contrair matrimônios no seu Es-tado, de adquirir a sua cidadania, de possuir terras e bensde raiz, de ter os primeiros assentos nas lutas públicas, osprimeiros lugaresnos festins,no Senado,nas assembléiaspo-pulares e nos templos; e os ateniensesque desejarem habitara cidade bizantina são exoneradosde qualquer imposto; e de-cide o povobizantino colocar três estátuas sobre o B6sforo,da altura de 16cúbitos (16),as quais representem a coroaçãodo povo ateniense por parte dos bizantinos e dos períntios;

e que se mandem mulheres às solenidades das festas ístmi-cas, neméias, olímpicas e píticas, e sejam anunciadas as co-roas no lugar em que foi coroado por n6s o povo ateniense,a fim de que todos os gregos conheçam a virtude dos ate-nienses e a gratidão dos bizantinos e dos períntios".

Leia-se, também, o decreto referente às coroas que re-cebemos dos quersonesitas.

Decreto dos Quersonesitas

"Os quersonesitas, que habitam Sesto, Eleunto, Maditoe Alopeconeso, mandam ao Senado e ao povoateniense umacoroa de ouro do peso de 60 talentos, e erigem um altar àGratidão e ao povoateniense, por haver propiciado asmaio-

A Oração da Coroa . 53

res vantagensaos quersonesitas,livrando-osde Filipe erestituindo-lhesa pátria, as leis, os templose a liberdade.E em todos os temposfuturosnão deixaremosde guardarreconhecimentoe de lhe fazer todo o maior bem que pos-samos".

Isto votaram os quersonesitas em assembléia popular.

Assimo meugovernonão s6 concorreu para que o Quer-soneso e Bizâncio se salvassemcomo para que o Helespontodeixasse então de cair nas mãos de Filipe; e não s6 fez comque, por tais motivos, Atenas fosse homenageada, mas tor-nou conhecida de todos os povos a gl6ria da Cidade e a per-fídia de Filipe. Ele, aliado que era dos bizantinos, foi vistopor todos assediar a sua cidade: e que outra açãomais opro-briosa e celerada do que estapoderia haver?E v6s que, comrazão, poderfeis ter contra aquele povo muitos e justos res-sentimentospelas ações infamesque contra vÓspraticou, em

outros tempos, não s6 não abandonastesaqueles de quem so-frestes tantas injustiças, mas ainda fostes manifestamente osseus salvadores; com isto, recebestes de todos fama e con-sideração.

E todos sabem que fostes coroados pelos esforços dosque estavamno governo; mas que a Cidade haja sido coroa-da graças a qualquer outro, conselheiro ou orador que fosse,e não a mim, ninguém o poderá afirmar.

Entretanto,para investigarse em virtudeda aventuracomos eubeus e os bizantinos resultará qualquer coisa de preju-

dicial contra v6s, para ter ocasião de demonstrar que as acu-sações de Ésquines lançadas contra aqueles doispovoseramcalúnias, e nada mais do que invençãopura e simples, (o quepenso que sabíeis), e também para ter meios de provar quese tudo fosse verdade, deveríamos, quando não por outromotivo, aomenos por interesse vosso, tratar os neg6cios co-mo eu os tratei, e não de outra forma, desejo recordar um

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54 . A Oração da Coroa

ou dois dos fatos nessa época ocorridos na Cidade; e sereibreve.

O cidadão, em particular, e o Estado devem semprepro-curar, como escola para o futuro, inspirar-se nos exemplosdas mais belas ações do passado.

Ora, ao tempo em que os lacedemônios dominavam a

terra e o mar, ocupando, ao redor, com magistrados e guar-nições, toda a Ática, isto é, Negroponto 1ànagagra, toda aBe6cia, Mégara, Engina, Cleona e as outras ilhas, v6s ate-nienses, então, não tendo Atenas nem navios, nem fortifica-ções, fostes em socorro deHaliarto e, em seguida, não mui-tos dias depois, de Corinto, esquecendo as muitas injúriasrecebidas dos coríntios e dos tebanos durante a guerra decé-lica. Sim, 6 Ésquines, os atenienses, então, nem por sonhose lembraram dessas injúrias, embora vissem que não luta-vam para pagar benefícios ou que o faziam sem correr peri-go. Com tudo isso, não expulsaramos fugitivos a que deram

asilo; ao contrário, com bela e magnânima deliberação, poramor de gl6ria e de honras, desejaram aventurar-se às em-presas perigosas.

A todos os homens, mais cedo ou mais tarde, chega amorte, mesmo aos que vivem encerrados num ângulo dacasa; e convém que os homens tentem os belos empreen-dimentos, com o gozo de íntimas satisfações; mas que este-jam sempre preparados para suportar as adversidades comânimo viril.

Isto faziam os vossosmaiores, isto fazíeis v6s, embora

envelhecidos:vósque, semconsideraçõesegoísticas,semser-des amigos dos lacedemônios, tendo mesmo a nossa cidade írecebido deles muitos e gravesdanos, empreendestes, entre-tanto, a sua defesa contra os tebanos, os quais enfrentastesno dia em que, vencedores em Leutra, castelo dos lacede-mônios, se dispunham a destruí-Io. E não vos deixastes ate-

A Oração da Coroa . 55

morizar, 6 atenienses, pela fama e furça que tinham entãoos tebanos; e não procurastes examinarcontra homens de quefeitio e de que precedentes havíeis de lutar.

Mostrastes dessa maneira, a todos os gregos, que, se al-guns deles vos ofenderam, deixais a manifestação de vosso

agastamento para outras ocasiões, por outras causas; e quesabeis lutar, na hora do perigo, pela sua salvação e liberda-de, sem conservar rancor ou dar importância aos agravosrecebidos.

E não vos comportastes dessa forma unicamente nessaocasião, mas também quando os tebanos usurparam a Eu-béia. Então, igualmente, não ficastes inertes, nem guardas-tes lembrança do que sofrestes dos lacedemônios Temisone Teodoro (17).Pelo contrário, v6sos socorrestes em sua em-presa, havendo espontaneamente oferecido para a sua defesa

os chefes dos navios então nomeados pela primeira vez emAtenas, um dos quais fui eu.

Mas, por ora, não me alongareisobre este fato.

Salvandoa ilha, praticastesuma boa ação; mas uma açãomagnífica praticastes quando, senhoresda população e da ci-dade, as restituístesàqueles que haviamagido incorretamen-~epara convosco, não dando grande importância aos agra-vos recebidos nas negociações em que se empenhara a vossafé.

Ora, muitíssimas outras coisas podendo dizer, as silen-cio; silencio sobre as guerras navais, as expediçõesdos exér-citos de terra que, de tempo a estaparte, se verificaram:guer-ras e expedições que Atenas empreendeu pela salvação e li-herdade dos gregos.

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56 . A Oração da Coroa

Refletistes certamente na alta posição moral em que se

colocara Atenas, que nunca deixou de lutar pelo interesse de

outros povos, e com o mesmo empenho com que haveria lu-tando pelo seu pr6prio interesse; que, pois, deveria eu orde-nar e aconselhar se fIZesse?

Deveria acaso exacerbar rancores contra os que deseja-

vam salvar-se, ou procurar pretexto para que tudo se des-mantelasse?

Não me haveriam com justiça, assassinado, se me em-

penhasse, mesmo que fosse simplesmentecom a palavra, em

ofuscar as gloriosas tradições da Cidade? Não desejarfeis,

sei bem, uma tal atitudedeminhaparte. Se quisésseisassumi-

Ia, quem vo-la poderia impedir? Mas não era possível: pes-

soa alguma que sustentasse opinião contrária poderia viverem Atenas.

Assim, desejo referir-me aos interesses que sucessiva-

mente administrei e v6s, com a vossaperquirição, vereis de

novoqual era o melhor caminho que, para o bem da Cidade,se poderia palmilhar.

Vendo, 6 atenienses, a vossa marinha reduzida a nada,

os ricos contribuindocomexíguostributos, arruinadosos pro-

prietários médios e pequenos, e assim, privada a Cidade das

suas rendas, sancionei uma lei em virtude da qual os ricos

fossem obrigados a pagar o justo, os pobres fossem alivia-dos da opressão, e, o que a tornavade suma utilidade, facul-

tasse à Cidade os meios de prontos armamentos.

Acusadode contravençõesàs leis, compareci à vossapre-

sença, fui absolvido, e o querelante, a quem foram negadosos sufrágios, retirou-se envergonhado.

Pois bem, que importância julgais que os chefes das si-

morias (tanto os segundos como os terceiros em importân-cia) me ofereceram a fim de que eu deixasse de sancionar

A Oração da Coroa . 57

essa lei, ou, quandomenos, sobjuramento, fizesse com que

a sua execução fosse diferida?

Tantodinheiro,6 atenienses,queme envergonhode odizer.

E isto os ricos faziam com razão; porque, segundo os

termosQasleis precedentes, lhes era dado fazer o serviço dosnavios sempre em número de dezesseis, e repartir a despe-

sa, - que se reduzia assim a pouco mais de nada, - em

dezesseis partes, com maior gravame dos cidadãos pobres.Pelo teor da minha lei, ao contrário, todo rico deveria con-

tribuir namedida das suas posses; demaneira que se tornas-

se comandantede dois naviosaqueleque antescontribuíacom

uma décima sexta parte apenas emum único navio; deveriarevestir-se do título de comandante de navio, e não mais

limitar-seà posição de simples contribuinte; tanto assim, quenão houve coisa que esses ricos não fizessempara que a mi-

nha lei fosse posta de lado, e eles deixassem de ser obriga-dos a fazer o que era devido.

Ora, lede-metodoo decrétoemvirtudedo qual, acusa-do, compareciemjuízo; em seguida,a regulamentaçãodalei precedentee a da minhalei.

Decreto

"Sob a presidência de PolicIes, aos seis do mês Oedro-

mion, sendo o turno da tribo de Hipotoontide, Dem6stenes,

filho de Dem6stenes Peaneo, apresentou uma lei referente

aos chefes das tribos, para substituir a lei precedente, por

efeitoda qual poderia haver quotização entre os comandan-

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58 . A Oração da Coroa

tes dos navios. E o Senado e o povo aprovaram a lei de De-

m6stenes. Pátrocles Filiense apresentou queixa contra De-m6stenes por contravenção às leis, mas, não havendoconse-

guido o número exigido de votos, pagou, a título de multa,

a soma de cinqüenta dracmas".

Lede-me agora a bela regulamentação da lei antiga.

Regulamentação

"São destinados a todos os navios, dezesseis chefes ti-

rados entre os contribuintes das milícias, da idade de 25 a

40 anos, os quais concorrerão para as despesas em partesiguais".

Depois dessa regulamentação, veja-se a da minha lei.

"Serão eleitos os comandantes dos navios, um por cadanavio, se as suas possibilidades, conforme o cálculo feito,

forem de dez talentos. Mas se as possibilidades forem orça-das em soma maior, um apenas fará o serviço até em três

navios, a lancha inclusive, segundo o que for calculado. Eos que tiverem possibilidades inferiores a dez talentos, se-

gundo o mesmo sistema, se quotizarão na despesa e no ser-

viço de um navio, até perfazer os dez talentos".

Parece-vosque eu ajudei pouco os vossos pobres e que

os ricos nada haveriam gasto para se esquivarem ao que era

justo?Vanglorio-menão apenaspor havercuidado dessascoi-sas; por, acusado, haversido absolvido; mas tambémpor ha-ver sancionadouma lei útil, e da sua utilidadehaverdado '

provas com os fatos.

Com efeito: durante todo o período da guerra, executa-

das que foram as expedições da frota, nenhum comandan-

A Oração da Coroa . 59

te de navio jamais apresentou uma petição em que se disses-

se prejudicado por esta lei; nenhum, desprovido de meios

para continuar viagem, se demorou no porto de Muniquia;

nenhum foi preso pelos que superintendem os comandantes

de navio; nenhum navio da Cidade, abandonado às pr6prias

forças, pereceu, ou encalhou, pela impossibilidade de sair

do porto; ao passo que sob as leis precedentes todos esses

graves inconvenientesmuito freqüentemente se repetiam. E

a razão consistia no fato de o serviço estar nas mãos dos po-

bres, entre os quais havia muita falta de recursos.

Eu transferi dos pobres para os ricos o comando dos na-

vios, e então se verificou tudo quanto relato.

Naturalmente, mereço também alguns elogios, porque

de todas as resoluções administrativas a que presidi, advie-

ram à Cidade, a um tempo, reputação, honra e força. Na mi-

nha política nada houve à base de calúnias, de favoritismo

e de malevolência; nem nada de baixo e de indecoroso para

a Cidade.

Mostrarei, pois, que adotei esse sistema não s6 nas re-soluções administrativas internas da Cidade, como nas refe-

rentes aos vossos compatriotas.

Na Cidade, os favoresdos ricos não se antepuseram aos

direitos das massas, nem nas relações com os outros gregos

(atento como sempre estiveao que fossede interessecomum

a todos eles), cobicei as dádivas de Filipe.

*

* *

Ora, penso que me resta agora falar a respeito do edi-

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60 . A Oração da Coroa

tal da minha coroa e da prestação de contas, julgando haverdemonstrado suficientemente que sempre fiz por v6s o maisque pude e sempre diligenciei e me inclinei a prestar-vosserviços. .

Muito menos omito os fatos mais salientes que concer-nem ao governo e a mim, pessoalmente, e creio que devo,antes de tudo, responder por ordem a todos os termos de acu-sação; em seguida, suponho que, embora nada declare comreferência a outras soluções administrativas, cada um de v6spossui sobre o assunto a mesma convicção que eu.

Nos discursos em que Ésquines, a torto e a direito pro-nuncia a respeito de leis contrárias aos estatutos, creio que,como eu, não havereis encontrado fundamento algum, e as-sim argumentarei sobre dados justos e inteligíveis.

Estou tão longede dizer que não sinto o dever"dapres-tação de contas, sobre que se baseiam as calúnias de Ésqui-

nes, que não hesito emdeclarar quetoda a minha vidapres-ta contasde quantosempreendimentosleveia efeitoentrev6s.

Mas sobre o que, espontaneamente, dei de minha bolsaao povo, digo que não sou obrigado a aludir, nem pessoa al-guma o saberia, fosse embora, admitamos, um dos arcon-tesoQue lei, iníqua e bárbara, poderia negar reconhecimen-to a quem dispõe dos pr6prios bens e realiza obras filantr6-picas e munificentes, lançando-os às mãos de seus detrato-res, instituindo-os fiscais da prestação de contas daquilo quedoou?

Não há no mundo uma lei semelhante.Mas se Ésquines acha que existeuma tal lei, que a apre-

sente, e eu me darei por satisfeito, calando-me.

Mas não é possível. Insinuando que eu dei dinheiro en-quanto fui encarregado dos fundos das festas públicas, diz:"Dem6stenes foi elogiado por coisas de que deve ainda

A Oração da Coroa . 61

contas". Mas eu não fui elogiado por coisas de que fosse obri-gado a prestar contas; fui elogiadopela minhaespontâneadoaçãode dinheiromeu, 6 caluniador!

"Mas tu, 6 Dem6stenes- acrescentaele- eras aindafiscaldo serviçodasmuralhasdaCidade".E por issomere-cidamenteobtiveelogios,porqueproviàs despesasdasmu-

ralhas, saldando-asno erário como meu crédito.O quese administraé sujeitoa examese justificações,

mas é justo que o donativodespertegratidãoe louvores.

Eis o crime de que Ésquinesme acusa.

*

* *

Demonstrarei ainda, ligeiramente, o que é estatuído pe-las leis e pelos nossos costumes em casos idênticos ao meu,de concessão de coroas, a serem proclamadas no teatro. Emoutros tempos, Náusicles (18)foi muitas vezes coroado, en-quanto exerceu as funções de capitão, por aquela beneme-rência que ele pôs em prática com os seus pr6prios recur-sos. Em seguida,Diotimoe Caridemoforamcoroadosquandofizeramumdonatim de broquéis.Depois disso,o nossoNeop-t61emo,havendo presidido a muitas obras públicas, recebeumuitas honras pelos gastos que pessoalmente fez. E, de fato,

seria doloroso que não fosse permitido a quem ocupa qual-quer cargo, em virtude dopr6prio cargo, fazer doações à Ci-dade. E pior seria ainda que o doador, pelos donativos quefez, em vez de obter gratidão, fosse sujeito a prestação decontas. E como prova de que o que digo é verdadeiro, to-mais os decretos baixados por mim, e lede:

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62 . A Oração da Coroa

Decreto

"Sob a presidência de Demônico Filiense, a Tl de Oe-dromion, por deliberaçãodo Senado e dopovo,Cálias Frear-ria disse: que o Senadoe o povohaviamdecididocoroar Náu-sicles, diretor da casa de armas, porque, quando 200 hopli-tas (19)se achavam em Imbros em socorro dos atenienses,

habitantes daquela ilha, não podendo Fílon, que fora eleitoadministrador, navegarpor causa das tempestades e pagar ossoldados, com os próprios recursos fez os gastos e não pe-diu reembolso ao povo".

"E disse Cálias que o Senado e o povohaviam decididopor isso oferecer a Náusicles uma coroa, e que a proclama-ção fosse feita nas festas de Baco, quando da representaçãodas novas tragédias".

Outro Decreto

"Por deliberação do Senado, disse Cálias Frearria en-tre os senadores em assembléia: Considerando que Caride-mo, comandantedoshoplitas,mandadopara Salamina,e Dio-timo, comandantedos cavaleiros,proveramde 800broquéis,com recursos próprios, alguns soldados espoliados de suasarmas na batalha que se verificou nas proximidades do rio,o Senado e o povo resolveram coroar Caridemo e Diotimocom coroas de ouro e proclamar a coroa nos jogos gimni-cos (20), por ocasião das festas em honra de Minerva e nasfestasde Baco, quando da representação das novastragédias.

Outrossim, decidiram o Senado e o povo que os censores,os senadores e os diretores dos jogos providenciem a respei-to da coroação".

*

* *

A Oração da Coroa . 63

TantoCaridemocomo Diotimo,ó Ésquines, estavamsu-jeitos à prestação das contas referentes aos negócios do car-go que ocupavam; mas não o eram pela causa que motivoua sua coroação. Nem eutambém o sou, porque, achando-mena mesma situação, tenho os mesmos direitos.

Fiz donativos: por isso fui elogiado, não sendo obriga-do a prestar contas da doação que fiz.

Administrei:e do queadministreidei explicações,masnãodo que espontaneamentegastei.Mas, por Júpiter,poracasoabuseidospoderesquemeforamatribuídos?E tu, És-quines,queestavaspresentequandoos questoresmechama-ram a contas,por que não me acusaste?

Pois bem, a fim de que vejais que o próprio Ésqui-nesprovaque eu fui coroadopor atosde que não era obri-gadoa prestarcontas,tomaie ledena íntegrao decretoqueredigi.

Mas, dos tópicos do decreto que deixa de acusar, ressal-tará que ele mente nos tópicos que acusa. Lede:

Decreto

"Sob o comando de Euticles, a 29 do corrente Pianep-sion, sob o turno da tribo Enéia, Ctesifonte, filho de Leóste-nes, Anaflisto, disse: Considerando que Demóstenes, filhode Demóstenes Peaneo, provedor dos consertos das mura-lhas, quando nessa atividade, empregou 10talentos do pró-priobolso, depois fez o donativode 180minas para os sacri-rrcios a todos os sacerdotes da tribo, o Senado e o povo

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64 . A Oração da Coroa

ateniense resolvem elogiar Dem6stenes, filho de Dem6ste-nesPeaneo,comorecompensapelassuasvirtudesepeladefe- .

rência que sempre teve, em todos os tempos, pelo povo ate-niense, e coroá-Io com uma coroa de ouro; que a coroa se iproclameno teatro,duranteas festasde Baco,por ocasião !

de se representarem as novas tragédias, e que da proclama-ção se encarregue o diretor dos jogos".

Portanto, sobre os donativos que fiz, nada podes dizer:maso queo Senadodeclaraquemetocacomorecompensa.pelos meus pr6prios gastos, eis o que discutes. Enquanto ad- :mitesqueaceitarcoisasdoadasé legal,aomesmotempoafir- .

mas que prestar homenagens por isso é contrário às leis. Nahip6tesede haverapenasum homemverdadeiramenteiní- '

quo, inimigo dos deuses, e delator, que outro poderia ser se- .nãoess~ '

E quanto a conferir a coroa no teatro, basta lembrar queinúmeras vezes foi ela proclamada em favor de outras pes-

soas, e que eu mesmo, em outros tempos, fui muitas vezescoroado.

Mas, por Júpiter, és assimmesquinho e insensato, 6 És-quines, que não percebes que, em essência, a coroa, parao coroado tem o mesmo valor em qualquer lugar que sejaproclamada? Não sabes que o edital da proclamação se rea-liza no teatro para facilidade do povo?Sim, porque os espec-tadores que ouvem são levados à emulação e a prestar servi-ços à Cidade, e, mais do que os coroados, louvam os que,conferindo a coroa, atestam o seu reconhecimento. Por issoa Cidade sancionou esta lei. Tomai-a e lede.

L e i"De todas as coroas, que forem votadas por cada bur-

go, no mesmo se fará a proclamação, excetose o Senado

A Oração da Coroa . 65

ou OpoVOdecretam e proclamam as coroas, porque neste casoserãoproclamadasno teatro,nas festasDionisíacas".

Ouve,Ésquines,o queclaramentediz a lei: "excetoseo Senadoou o povodecretameproclamamas coroas".As-sim, miserável,de queme calunias?Que estratagemasin-

ventei?Por quenãopurgasocérebrocomheléboro?Nãoteenvergonhasde manipularum processo,não contra iniqüi-dadescometidas,maspormera inveja,emparte falsifican-do as leis, em parte as escondendo,as leis que se deviamcitarna íntegraaosque,sobcompromissosolene,devempro-nunciaro julgamento?

Depoisde praticartais infãmias,commuitasfrioleiras,tu te vestescomummodelodemocrático,como se os bonsdemocratasse devessemreconhecerpelaspalavrase nãoporfatos e pelos seus atos de governo.Em seguida, cospes

sentenças,gritandodesesperadamente,comoos charlatãesde feira, coisas que se ajustama ti e aos de tua espécie enão a mim.

Alémdisso,6 atenienses,euachoqueas invetivasrans-formama acusaçãonisto: em golpespelos quaishá penasnas leis; encerraminjúriasque,pelasuanatureza,se pare-cem com as que habitualmenteos inimigos se atiramreciprocamente.

Parece-me, contudo, que os nossos antepassados não ins-tituíram este tribunal para que, em assembléia, nos insultás-semos uns aos outros, mas para que indagássemos se há pessoaque de qualquerformahaja prejudicadoa Cidade.

Ésquines, entretanto, sabendo tudo isso, preferiu articu-lar vilanias em lugar de acusações.

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66 . A Oração da Coroa

Certamente, aqui, também, onde ele tem tanta razão comono resto, é justo que não nos demoremos.

Prosseguireicom uma interrogaçãoa Ésquines.

És considerado, Ésquines, inimigo meu ou da Cidade?

Inimigo meu; é claro.Ora, tu, segundoas leis, se euhouvessecometidoini-

qüidades,por essaspr6prias iniqüidadespoder-me-iaster feitopunir, assim, deverias entrar no mérito da questão; não nosprocessos, não nos decretos, nem em outros julgamentos.

Mas, ao contrário, precisamente onde eu era inatacável Isegundo todas as leis, por força do tempo,pelas prescrições,

Ielo fato de já haver sidojulgado várias vezes e nunca rece-bido condenação, - sendo aliás considerado um beneméri-

to por haver,mais oumenos implicitamente,contribuído comas minhas ações de governo à gl6ria da Cidade, - precisa-mente nesse terreno me acusaste.

Não percebes nisso tudo que és inimigo dos atenienses,embora simules ser apenas inimigo meu? Depois que o im-parcial e sacrossanto votojá pronunciado pelos juízes se pa-tenteou a todos, convém, ao que me parece, e como é dajus-tiça, que eu force a minha índole, que nada tem demaligna.Para desencardir-me dos vitupérios vomitados por esse ho-mem, e para justificar-me perante as suas imposturas; não

posso calar, com relação a ele, aquilo que é estritamente ne-cessário. Sim: é necessário que demonstre que espécie deindivíduo é esse, que se entrega à tarefa leviana de denegrira outrem; e que demonstre que ,sortede argumentos empre-ga, afirmando coisas que ninguémousaria articular emmeiode homens de bem.

A Oração da Coroa . 67

Se, emvez deste palhaço, orador de vilanias e do estofodos intrigantes,os meus acusadoresfossemEaco, Minos, Ra-damanto (21),creio que nenhumdeles diria o que ele disse,nem usaria expressões tão banais, berrando como um trá-gico nas catástrofes: "á terra! 6 sol! 6 virtude!", e invo-cando "a ciência, pela qual se distingue o bem do mal";

todas as coisas enfáticas que certamente ouvistes sair da suaboca.

Mas tu, imundo, e todos os teus, que tendes de comumcom a virtude? E que discernimento tendes do que é beloe bom, e do que o não é? Onde e como te tornaste capaz desemelhantesdistinções?E que direito tens de recordar a edu-cação?Entre os que realmente são educados, não há um quepudesse dizer as vilanias que disseste, mas, ao contrário, to-do aquele que as ouvisse de outra pessoa que não tu, de-la se envergonharia. Os que, como tu, não têm educação,

mas por falta de pudor e de senso moral entretanto fingemde tê-Ia, esses s6 podem, quando falam, cansar o auditó-rio e perante ele trair-se como mal-educados que realmentesão.

Ora, tendo bastante o que falar sobre ti e os teus, estou,entretanto, hesitante sobre por onde deva começar, e o quemencionar em primeiro lugar.

Devo recordar, primeiramente, que Tromes, teu pai, comgrossos pedaços de madeira aos pés, servia em casa de ÉI-

pias, que ensinavao alfabetojunto do templo de Teseu? Ouque tua mãe, entregando-se a diuturnos amores nos p6rticospúblicos, junto a Calamita, criou-te como um insigne his-trião?Mas isso todo o mundo sabe, sendo desnecessário queeu o repita.

Ou direi que o flautista das galés, Formion, escravo de

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68 . A Oração da Coroa

Díon, de Frearria, tirou tua mãe daquele honrado ofí-cio?

Mas, por Júpiter, dizendo o que és, receio dar a enten-der que ando escolhendo argumentos, que se desfazem naminha boca. Contudo, continuarei a fazer referência à vidapassada de Ésquines, já que ele não pertence à plebe, na quala sorte quis que vivesse, mas àquela ínfima escória que aprópria plebe despreza.

Porque ele, de algumtempo a estaparte... que digo?não

de ontem,mas de agora, se tornounobree orador, e, com I

o acréscimo de duas sílabas, chamou a seu pai, em vez de ITromes, Atrômetro, e com dignidade soleníssima chamouGlauotéia, a suamãe, a qual todos sabem que era alcunhadade Empusa, alcunha que lhe foi dada porque ela se entrega.,.va a todos, pronta a submeter-se a qualquer exigência. E naverdade, que outra razão poderia motivar-lhe tal nome!

Entretanto, tão ingrato e pérfido ele é por natureza que,liberto e enriquecido pelos atenienses, de escravoe mendigoque era, não sónão foi reconhecido, como, vendendo-se, di- \rigiu os negócios de Estado de forma a prejudicá-Ios. '

Não lembrarei as ocasiões em que possa haver dúvidasobre se ele discursou ou não a favor da Cidade; lembrarei,isto sim, o que for evidente aos olhos de todos, as ocasiõesem que ele pugnou inteiramente pelos interesses do inimigo.

Realmente, quemdesconhecequeAntifonte, queprome-tera a Filipe incendiar os estaleiros, exiladopelos vossos po-pulares, tornou à Cidade?

Ele se escondera no Pireu, e, preso por ordens minhas,foi citado perante a assembléia; Ésquines, o pérfido, esgoe-

A Oração da Coroa . 69

lando-se para sustentar que a medida era uma tirania na re-pública, que eu ultrajava os cidadãos infelizes e invadia assuas habitações sem autorização, fez com que Antifonte re-cobrasse a liberdade.

Se, conhecido o fato, e dada a vossajustiça, em circuns-tâncias difíceis, o Areópago (22)não perseguisse aquele pa-

tife e, deitando-lhe as mãos, não o arrastasse perante vós,ele escapulindo-se haver-se-ia livrado das penas graças aonosso precioso orador. E vós condenastes Antifonte à mor-

te, de~ois de torturá-Io, o que era justo fosse feito tambémcom Esquines, seu digno patrono.

Entretanto, o Areópago, conhecendo os fatos, e vendoque em assembléia popular havíeis escolhido Ésquines ora-dor do templo de Delfos, com a mesma negligência com quedescurastes tantos interesses públicos, o Areópago, dizia, aoqual vos solidarizastes e destes mandato para tratar da ques-

tão, subitamente o repeliu como traidor, nomeando Hipéri-des em seu lugar.

Isto foi sacrossantamentevotadosobre as aras, e essemi-serável não recebeu um voto.

Como prova de que digo a verdade, existem os fatos.

Testemunhas

"Atestam em favor de Demóstenes, a respeito de tudoque disse, as seguintes testemunhas: Cálias Suniense, ZenoFiliense, CleoneFalério, Demônico Maratônio, as quais afir-mam que, tendo o povo eleito Ésquines orador no templo

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Delfos perante os anfitriões, n6s, presidindo o conselho, jul-gamos ser Hipérides o mais digno de falar pela Cidade; eHipérides foi nomeado".

Ora, quando Ésquines estavaprestes a tomar a palavra,o Senado o afastou e, em seu lugar, nomeou um outro. Foiquando seprovouser ele traidor emalévolo.Mas, hápor aca-

so, entre os crimes que me são injustamente atribuídos, umda espécie desse que recordei, cometido por Ésquines, en-tão jovem dissoluto?

Mas lembrar-vos-ei ainda outros fatos.

Quando Filipe despachou Píton Bizantino, e da parte detodos os seus aliados mandou aqui embaixadores a fim deenvergonharem a nossa Cidade e mostrarem que ela não ti-nha razão, eu não me calei diante de Píton, que falava comtanta virulência contra v6s, nem vos dei por vencidos;erguendo-me, eu o contradisse, e não traí os direitos.da Ci-dade; provei à evidência que Filipe era injusto de tal forma,

que os seus pr6prios aliados, levantando-se, deram francossinais de admiração. Ésquines estavado lado de Filipe e de-punha contra a pátria; falsos testemunhos eram os seus.

Mas isto não lhe bastou. Depois, foi surpreendido emcompanhia de Anaxino, emissário de Filipe, a caminho dacasa de Tráson. Ora, ele, que se fazia acompanhar e se en-tendia com quem tinha sido enviado pelo inimigo, ele tam-bém era espião por ingênitaduplicidade e inimigo da pátria.E a prova da verdade da minha afirmação reside no que de-claram as testemunhas do fato.

Testemunhas

"Teledemo,filhode Cléon,Hipérides,filho de Cales-cro, Nicômaco,filhode Diofantes,testemunhampara De-m6stenesque Ésquines, filho de AtrômetroCotocide, se

A Oração da Coroa . 71

dirigira de noite à casa de Tráson e fizera acordos com Ana-xino,o qualera espiãode Filipe.Este testemunhofoi feitosob Nícias, a 3 de Hecatombeon".

Podendoalegar outras coisascontra Ésquines, as si-lencio,contudo.Maso certoé que os fatosocorreramas-

sim.Deveria citar ainda casos semelhantes a este, pelos quais

se veria que Ésquines estavaa serviço do inimigo, ao mes-mo tempo que me atirava toda sorte de calúnias. Mas v6s,generososcomo sois, não tendesgeralmentedestes fatos lem-brança precisa, nem os julgais com o rigor que merecem.V6s, ousarei dizer, por não sei que leviano hábito, consentisque o primeiro recém-chegado arme insídias e mova calú-nias contra os que defendemmedidas úteis para a república,como se vos importassemmenos as vantagensda Cidade que

o passatempo e a complacência com que ouvis as injúriasqueos oradores públicos reciprocamente se atiram. Tantoas-sim que parece ser mais fácil e seguro alcançar lucros, aoserviço dos inimigos, do que, no exercício de um cargo, go-vernar pelo vosso bem.

E não é coisa iníqua (6 terra! 6 deuses!) haver Ésquines,antes da guerra, prestado assistência a Filipe? A infelicidadeé da pátria.

Mas, se desejais, perdoai-Ihe ainda isso.

Mas, mesmo depois que Filipe depredou os nossos na-vios, devastando o Quersoneso e marchando sobre a Ática,tanto assim que, não havia mais dúvida, a guerra estavaimi-nente, esse péssimo comediante não pôde demonstrar o queteria feitopelo vossobem. Nãopôde, porqueo bem não existe;assim como não existe nenhum decreto seu sobre qualquer

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providência útil à Cidade. Mas se afirma que uma boa açãoou um bom decreto seu existe, que o mostre dentro do espa-ço de tempo que me foi concedido para falar. Mas não hánada. Ele não pode escapar deste dilema: ou, não tendo na-da a exprobrar-me pelo que então fiz, silencia e não apre-senta decreto além dos meus, ou, tendo por mira o interesse

dos inimigos, deixa de apresentar soluções e propor medi-das melhores.

Nas ocasiões em que se dispunha a praticar as suas ini-qüidades, não discursava e propunha decretos?

Então, ninguémfalavamaisdo que ele.

Entretanto, a Cidade devia desmascarar de todas asma-neiras o que ele perpetrava de inconfessável. Entre os atosque praticou, 6 atenienses, basta um para encher as medi-

das; para justificá-lo, esvaziouum saco de palavras, torcen-do a verdade para apresentar a seu modo os éditos dos 16-crios e anfissenses. Mas não o conse5l1iu,não o conseguiu!Não, absolutamentenão!Não te limpastedas indecênciasco-metidas então, 6 Ésquines, nem jamais poderás urdir menti-ras suficientes para reabilitar-te.

E chamo à vossa presença, 6 atenienses, todos os deu-ses e as deusas todas que protegem a terra ática, e em pri-meiro lugar ApoIo Pítio, que é o patrono da Cidade; a todosdirijo esta súplica: se vim a v6s para dizer a verdade, e se

na assembléia,então,sem reticências,disse a verdade, quandoesse celeradose envolveunos negóciospúblicospela primeiravez, (logo percebi o que ele visava), que me concedam for-tuna e prosperidade; mas se, por inimiZadeou animosidadepessoal, o acuso de falsas culpas, que os numes me privemde todos os bens.

A Oração da Coroa . 73

Por que impreco, e me inflamo assim tão fortemente?

Porque, não obstante possuir os documentos deposita-dos no Arquivo, com os quais darei demonstração cabal dequanto afirmo, e saber que vos lembrais dos acontecimentospassados, temo, entretanto, que esse homem seja considera-

do menos criminoso do que o exigem as suas iniqüidades.Estas se verificaram, emprimeiro lugar, quando ele fez

com que perecessem os desventurados focenses, mandandofalsas notícias de F6cida a Atenas.

Na verdade,enquantoferviaa guerra de Anfissa, queabriua FilipeasportasdaEubéia,ondefoi eleitochefedosEstadosanfitiônicos,guerraqueprovocoua ruínade todaaGrécia,Ésquines,então- umhomemapenas- agiucomofautordas maioresdesventuras.

Nessas circunstâncias, protestando e gritando energica-mentena assembléia: "Tu, Esquines, promcaste a guerra an-fitiônica", parte dos que tinham assento no Conselho, porhaveremsidoconvidadospor ele,não medeixaramfalar;parteestranhavae achavaque eu, por inimizade pessoal, lhe esta-va movendo uma infundada imputação.

Mas ouvi agora, 6 atenienses, já que, então, fostes im-pedidos de ouvi-lo, qual a natureza daquelas tramas, e o mo-tivo por que foram maquinadas e levadas a efeito.

Vereiscomoforambemurdidas;sereisesclarecidospe-la históriados fatos e observareisque habilidadeera a deFilipe.

Filipe prosseguia na guerra contra v6s, e dela não desis-tiria enquanto não houvesse feito os tebanos e os tessálicos

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74 . A Oração da Coroa

inimigos da nossa cidade. Mas, não obstante os vossos es-trategos o combaterem sem perícia e com dificuldade, a pr6-pria guerra e os particulares 1hecausaram uma infmidade dedesgraças. Nem os produtos do país ele podia exportar, nemimportar coisa alguma do que necessitava.

No mar, não estavaem me1horescondições do que v6s,nem 1he seria possível vir à Ática se não o acompanhas-sem os tessálios e os tebanos não o houvessem deixado pas-sar.

E ele teve que sofrer graves danos, embora com vanta-gens na guerra, quaisquer que fossem os capitães que paralá mandásseis (não desejo insistir neste ponto), danos nãomenores que os nossos, pela pr6pria natureza do terreno emque agia e pelos nossos recursos comuns.

Se, pelos seus rancores pessoais, ele pensasse em per-suadir os tessálios e os tebanos e se levantarem contra vós,ninguém o atenderia. Mas se, ao contrário, pretextando de-fender os seus interessescomuns, se elegesse chefe, mais fa-cilmente conseguiria vantagens, demovendo-osde suanega-tiva. Pois bem, a que estratagema recorreu? Peço-vos aten-ção; é portentoso.

Diligencioupara queos anfitiões(23) aceitassema guerrae a confusão reinasse entre eles, pois assim, pensava, os tes-sálios e os tebanos fariam o que ele pretendesse.

Achavaque, se envolvesse no neg6cio alguns dos seusembaixadoresou qualquerdos seus aliados,a trama seriades-coberta, alarmando os tebanos e os tessálios. Mas se o seuagente fosse um ateniense, um enviado vosso, de v6s, seusadversários, com a sombra de tal emissário, pensava, habil-mente se cobriria. Foi o que aconteceu. E como Filipe rea-

Demóstenes e a posteridade.

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A Oração da Coroa . 77

.. .

lizou os seus desígnios?Comprou Ésquines. E lembro que,enquanto ninguém desconfiava da intriga, nem dela se pre-catava, como habitualmente acontece entre v6s, este último,proposto como representante junto aos anfitiões, e obtidostrêsou quatrovotosde maioria, foi proclamado no cargo semmaisaquela. Investidoda autoridadeda república, entrou emcontato com os anfitiões, no sentido de dar cumprimento aosseus objetivos inconfessáveisde homem vendido. Desempe-nhou-se da tarefa esvaziando um saco de grandes palavrasespeciosas e contando mentiras relativas à origem sagradada regiãodaCirréia. Assim, induziuos legados,homens inex-perientes, seduzidospelasbelas frasese imprevidentesdo fu-turo, os induziu, repito, a uma invasãodaqueles campos, osquais os 16crios diziam pretender cultivar como terra pr6-pria, e que, segundoÉsquines, pertenciamao sacerd6cio.Al-cançou os seus desígnios sem o menor protesto dos 16crioscontra n6s, ao contrário do que afirmaÉsquines, mentirosa-

mente, nos comícios. Na verdade, os 16crios não poderiamobter sentença contra Atenas sem antes citá-Ia em juízo.Quem, pois, a citou? Em que ocasião?Aponta-nos, Ésqui-nes, alguémque o saiba. Mas não o poderás, pois te servistede um pretexto vão e mentiroso.

No momento em que os anfitiões, dando cumprimentoàs deliberações votadas, percorriam aquela terra, os 16criosse precipitaram sobre eles, armados com as suas flechas, fe-rindo e aprisionando alguns legados. O incidente provocou<lcusaçõese a declaraçãode guerra, escolhendo-seCotifopara

comandantedo exércitodos anfitiões.Mas comoalgunsdestesainda não estivessempresentes e outros, já presentes, nadadeliberassem, certos tessálios e representantes de outras ci-uades, corrompidos e desonestos, nomearam chefe a Filipenuma assembléia seguinte, recorrendo a pretextos aparente-mente plausíveis.

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Disseram, por exemplo, que os atenienses deviamcon-tribuir com dinheiro e soldados mercenários, punindo aque-les que a isso se recusassem: no caso contrário, s6 restavaescolher Filipe como chefe. Para que mais palavras? Assimfoi coonestada a fraudulenta eleição de Filipe para chefe dosanfitiões.

Depois disso, mobilizandorapidamente o exércitoe pre-parandoo ataquede Cirréia, deixando,à suapassagem,muitassaudaçõesaoscirreuse aos16crios,FilipeocupouaElatéia. .

Ora, se os tebanos, assim que viram o fato, não houves-(semmudadode opiniãoe se solidarizadoconosco,a ruína, \

comoa enchentede um rio, se extravasariasobre Atenas.

Masos tebanos,então,impediramrapidamenteestaca- I

Iamidadee a desviaram,sobretudo,6 atenienses,pelabene-!

volência de algum deus para conosco, e também, na medidaem que istodependedopoder deumhomem, graçasaosmeus'esforços.

Lede estes éditos, e as datas em que cada um deles foibaixado, lede a fim de que vejais quantos estratagemas essacabeçaceleradaconcebeu, sem receberos castigosmerecidos.

"Pontificando Clinágoras na assembléia da primavera"os magistrados e os membros e todo o corpo dos anfitiões.resolveram que (depois que os anfissenses invadiram a terrasagrada, nela fazendosemeadurae apascentandoos rebanhos)os magistrados e os anfitiões se dirigissem aos lugares refe-ridos e assinalassem com pedra os seus limites, proibindoque os atenienses os invadissem futuramente".

,Outro Edito

"Sendo sacerdote Clinágoras, na assembléia que se rea-lizounasTerm6pilas,na prImavera, osmagistrados,os mem-

A Oração da Coroa . 79

bros e o corpo dos anfitiões, considerando que os habitantesde Anfissa invadirama terra sagrada, lavrando-ae nela apas-centandoos seus rebanhos, e, depois disso lhes ter sido proi-bido, o fizerem com as armas, atacandoo ConselhoComumdos Gregos, ferindomesmo alguns, resolveram mandar Co-tifo, da Arcádia, eleito capitão supremo dos anfitiões, como

embaixador a Filipe, o macedônio, a fim de lhe pedir quedefenda ApoIo e os anfitiões e não permita que fiquem im-punes as ofensas feitas ao nume pelos anfissenses, e lhe co-municarque para tantoos gregose os Estadosque fazempartedos anfitiõeso elegeramcapitão,complenospoderes".

Observai tambémasdatas em que estes éditosforam bai-xados, pois nesse período de tempo Ésquines representou asua comuna na Assembléia dos Anfitiôes. Lede.

Datas

"Sendo arconte Mnesítides, nomês de Antesterion, dia16".

Apresento agora a carta que Filipe, na época em que ostebanos não o hostilizavam,mandou aos seus aliados daMo-réia, (24) a fim de que por ela vejais claramente que os ver-dadeiros objetivos dos manejos de Filipe, - a maquinaçãocontra a Grécia, os tebanos e contra v6s em particular, -

estavamocultos, fingindo ele que executavao que combina-ra com os anfitiões, nas comunas...

E era Ésquines quemlhe davaa possibilidadede tais sub-terfúgios e pretextos.

Lede.

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80 . A Oração da Coroa

Carta

"Filipe, rei dos macedônios, aos magistrados da Mo-réia, aos conselheiros e outros aliados, saudações. Visto queos lócrios, chamados ozolos, habitantes de Anfissa, ofende-ram o templo de ApoIo, situado emDelfos, e com as armas .nas mãos despojam a terra sagrada, eu desejo convoscode-fender o nume e punir os que profanaram o que é veneradoentre as gentes. Assim, maréhai ao meu encontro, à Fócida,com as armas e víverespor quarentadias, durante o mês Leo,como nós o chamamos, ou Boedromion, como dizem os ate-nienses, e Panemo os coríntios. E os que não cooperaremem massa serão considerados como elementos inimigos, de.conformidade com as prescrições dos nossos comuns acor-dos. Saúde". .

*

* *

Como vedes, ele omite os seus motivos pessoais e se abri-ga à sombra dos interesses dos anfitiões. Pois bem, quemlhe preparou o terreno?Quem lhe deu esses pretextos?Quemfoi o principal causador dos infortúnios ocorridos? Não foiÉsquines, por acaso?

Masindoalém,ó atenienses,é precisodizerquea Gré-.cia não sofreu infortúnios semelhantes de um homem ape-fnas, mas de muitose indignoshomensde todas ascondições,;"ó terra!ó numes!" Entre tantos, porém, há um que eu, pa-ra dizer a verdade sem ambages, não me envergonharia dequalificar como peste comum de todos os povos, regiões,.

A Oração da Coroa . 81

cidades, arruinados após esses acontecimentos. Refiro-me aÉsquines, que, depois de semeada a má semente, foi causada má colheita.

Admira-me que, tendo-o visto, não o tenhais abomina-do logo; a não ser que, pelo que parece, uma trevadensa voshaja ocultado a verdade.

Esmiuçando as infâmias cometidas por Ésquines contraa própria pátria, tenho oportunidade de relatar a minha ad-ministração e desmascarar as más ações dos traidores. Pormuitos motivos deveis atender às minhas palavras, especial-menteporque seria indecoroso,ó atenienses,que eu houvessesuportado por vós o suor de tantas fadigas, e não estivésseisdispostos nem mesmo a ouvir-me.

Eu assistia, pois, a este espetáculo: via os tebanos, eigualmentevós, também, em facedos que, previamente cor-rompidos nas respectivas cidades, aderiam a Filipe, - coisa

que, sob todos os aspetos, era sumamente perigosa, exigin-do previdentevigilância,- via, digo,os tebanos,e presu-mivelmentevós, permitir que Filipe se fizesse cada vezmaisforte.

Via-vosdescuidados, sem atentardes em um só dos seusatos, hostilizando-vose indispondo-vosreciprocamente. QuefIzentão?Para afastaras inimizades,veleisemprepelos vossosinteresses, refletindonão apenas com o meu raciocínio, masde acordo com Aristofontee Éubulo, eles também, como eu,empenhados em restabelecer a concórdia e a aliança entre

vós e os tebanos. E a verdade era que, discordando freqüen-temente a respeito deoutros assuntos, sobre isto, Aristofontee Éubulo eram de um só parecer.

E tu, raposamanhosa, que osperseguiste quando vivos,ora que estão mortos, não te envergonhas de os acusar. Notocante aos tebanos, vós me reprovastes, mas muito mais

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82 . A Oração da Coroa

a eles do que a mim, e com razão, porque aprovaram essaaliança antes mesmo que eu o fizesse.

Mas volto ao assunto e digo que, depois que Ésquinesprovocoua guerra de Anfissa, e,juntamentecomos seuscom-panheiros, a inimizade com os tebanos, aconteceu que Fili-

pe marchou contra nós; era a isso mesmo o que eles visa-vam, quando instigavamuma cidade contra a outra; e se nãohouvéssemospercebidoem tempoa manobra, a desgraçaviria Isobre nós.

Assim, levaramas coisas até a beira do abismo. E pelosdecretos e respostas seguintes, vereis em que condições vosencontráveis em face uns dos outros.

Tomai os decretos e lede.

Decreto

"Sob o comando de Heropito, a 20 do findante Elafe-bolion, com o turno a tribo de Erecteide, por deliberação doSenado e dos capitães:

"Considerando que Filipe ocupou as cidades vizinhas,e, o que mais importa, dispôs-se a entrar na Ática anulandoos nossos pactos, procurando faltar aos juramentos e acor-dos, violando os recíprocos vínculos de fé, resolveram o Se-nado e o povoenviar-lhe embaixadores, os quais tenham por Imissão expor-lhe as nossas razões, exortá-Io antes de tudoa conservar conosco a concórdia e os acordos e, quando me-nos, dar tempo à Cidade para deliberar, negociando as tré-guas até o mês de Thrgelion.

A Oração da Coroa . 83

"O Senado escolheu os seguintes embaixadores: Simo,Anagirásio; Eutidemo, Fliásio e Bolágoras, de Alopécia".

Outro Decreto

Sob o arconte Heropito, ao findar o mês Muniquion, pordeliberação do comandante do exército:

"Considerando que Filipe se esforçapor nos afastar dostebanos e se empenha também em marchar com todo o seuexército contra lugares assaz vizinhos da Ática, violando as-sim os pactos que firmou conosco, resolveram o Senado eo povomandar ao mesmoum arautoe embaixadores,os quaisrequeiram e o convidem a negociar as tréguas, a fim de que

o governo resolva o que tem a fazer; declarem, outrossim,que, enquanto as coisas permanecerem nos limites em quese acham, decidimos não tomar atitudes hostis.

"O Senado escolheu os seguintes embaixadores: Near-co, filhode Sosinomo,Policrates,filhode Epifron; eleitoarau-to, pelo povo,Eunono,Anaflístio".

Agora, as respostas.

Resposta aos Atenienses

"Filipe, rei dos macedônios, ao Senado e ao povo dosatenienses, saudações. Não ignoro as disposições que, des-de o começo, alimentastes a meu respeito, desejando captar

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84 . A Oração da Coroa

a aliança dos tessálios e dos tebanos, e também a dos be6-

cios, e o empenho que nisto pusestes. Mas animados aque-

les povospor justas reflexões,e não querendo sobrepor a suavontade ao vosso arbítrio, firmes na defesados seus interes-

ses, v6s, com novoplano, me mandastes embaixadores e um

arauto, a fim de me lembrarem os pactos e me pedirem tré-

guas, isso quando não fustes ofendidos por n6s de forma al-guma. Ouvidos os embaixadores,concordocomas coisas so-

licitadas e estou pronto a firmar as tréguas, uma vez que de-

porteis os que não vos aconselharam de modo correto,

julgando-os dignos de merecido castigo.

"Desejo-vos saúde".

Resposta aos Tebanos

"Filipe, rei dos macedônios, ao Senado e ao povo dos

tebanos, saudações. Recebivossa carta, com a qual me lem-

brais a conc6rdia e a paz.

"Pelos seus termos, notoque os ateniensesdesenvolvem

junto a v6s todos os esforços no sentido de que deis o vossoconsentimento a tudo o que pedirem.

"Antes, eu vos censurava por estardes dispostos a acre-

ditar nas suas promessas e a segui-los nos seus desígnios.

Mas, entendendo, agora, que desejais viver em paz conos-co, em vezde endossardes as segundas intenções de outrem,

com issome alegroe vos louvo,especialmenteporque, a res-

peito, deliberastes o que oferece maior segurança e vos tor-

na amigos nossos; de resto, tereis não poucas vantagens se

permanecerdes firmes nas deliberações tomadas.

A Oração da Coroa . 8S

"Desejo-vos saúde".

Fomentada a hostilidade entre as duas cidades, graças

à ação insidiosa dos traidores, Filipe, ensoberbecido com os

decretos e respectivas respostas, avançoucom o seu exército

e ocupou Elatéia, julgando que, na emergência, não conse-

guiríamos a aliança dos tebanos.

Todos se lembram do tumulto verificado então na Cida-

de; entretanto, ouvi alguns epis6dios necessaríssimos.

Era de noite, e veio um mensageiro anunciar aos sena-

dores que Elatéia havia sido tomada.

Diversaspessoas, quejantavam, levantaram-seafoitamen-

te e expulsaram os mercadores das praças, queimando-lhes

as barracas; outros chamaram a palácio os capitães; outros

reclamaram a presença do trombeteiro: a Cidadeestavacheiade rumor.

No dia seguinte, ao amanhecer, alguns senadores reuni-ram o conselho na sala real, e acorrestes à assembléia; antes

que esta discutisse e deliberasse, todo o povose aglomeraraem torno da tribuna.

E veio o Senado. Os senadores contaram o que lhes ha-

viam sido anunciado. Depois que se introduziu o mensagei-

ro, e que este falou, o pregoeiro perguntou: "Quem quer a

palavra?" Masninguémse apresentou.O pregoeirofezmuitasvezes a mesma pergunta; ninguém, como antes, se levantou,

embora estivessempresentes todos os capitães, todos os ora-

dores, e a pátria, com grito uníssono, reclamasse alguém que

discursasse pela sua salvação. Participei do mesmo grito; e,de fato, o que o arauto, de acordo com as leis, anuncia, deve

ser considerado um grito de toda a pátria.

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86 . A Oração da Coroa

Mas se fosse necessário que os que desejavam a salva-ção da pátria se manifestassem, todos os presentes, v6s e osoutros gregos, teriam subido à tribuna. Todos, eu sei que to-dos a desejavam salva.

Se, para salvá-Ia, fosse necessário que falassem osmaisricos da Cidade, sei que os Trezentos (25) teriam falado; ese necessáriofosseque falassemos queconjugavamestasduasqualidades, a de beneméritos da pátria e a de abastados, seique então teriam falado os que, ap6s os fatos ocorridos, fi-zeram largos donativos à Cidade; pois, ao fazer as suas mu-nificentes doações, foram levados aomesmo tempo pela be-nevolência e pela riqueza.

Mas, como era natural, as circunstâncias, naquele dia,reclamavamnão s6 a pessoa rica e benemérita, mas tambéma pessoa que houvesse seguido o desenvolvimentodos neg6-cios desde o início, conhecendo os fins a que Filipe visavaao praticar tais ações. Quemnão soubesse, quemnão distin-guisse isso de hámuito, embora rico e benemérito, nadamaisdo que os outrospoderia fazer deútil, nem se achavaem con-dições de dar conselhos.

Nesse transe, portanto, fui eu quem, apresentando-me,disse as coisas que importavamaocaso. Agora vos peço quepresteis atenção,por dois motivos;o primeiro é para que ve-jais que, entre os oradores e os governantes, conservando-me firme e presente nos perigos, não desertei o meu posto,e, em meio ao esfuriar dos espantosos acontecimentos, coma palavra e com os atos, indiquei o que se devia fazer emnosso interesse; o segundo motivo porque, gastando poucotempo, v6s vos tornaríeis para o futuro mais experientes emtodos os ramos da administração.

Declarei, então, que desconheciam as condições do mo-

A Oração da Coroa . 87

mentoos que tanto temiam a aliança dos tebanos com Feli-pe. Eu sei bem, observei, que se, por desgraça, assim fosserealmente, teríamos sabidoqueFilipe se encontravanão ape-nas emElatéia, mas às nossas portas. Tinha plena convicçãode que ele tentava captar a simpatia dos tebanos. Mas, sejacomo for, (disse então), ouvi-me. Os tebanos que Filipe po-de subornar comdinheiroe bebidas,já subornou;mas aquelesque desde o começo lhe foram adversos, esses ainda adver-sos lhe são presentemente, e a ele se opõem; nem ele possuimeios de conq~istá-Ios.

Ora, que deseja Filipe, e com que objetivo ocupouElatéia?

Estendendo naquela cidade, nas vizinhanças de Tebas,um exércitobem armado, deseja (disse) agitar os seus ami-gos e torná-los animosos; procura atemorizar os tebanos queo hostilizam, a fim de que lhe concedam sob a ação do me-do e da violência o que presentemente lhe negam. Se n6s,portanto, dizia, na situaçãoatual, tomarmos o partido de nosmostrarmos ofendidos com os tebanos, qualquer que seja oato iníquo que hajam praticado, tratando-os como inimigos,faremos antes de mais nada o que Filipe deseja; temo, as-sim, que abracem a sua causa os que presentemente lhe sãoadversos, e todos, de unânime acordo, batalhando por ele,irrompam na Ática... Se me derdes ouvidos e fizerdes pon-derado exame, não debate acadêmico, sobre o que alego, te-rei ânimo de expor o que me parece devermosexecutara fimde conjurar um perigo iminente para a Cidade. Que fazer,portanto?

Antes de tudo, dissipar as presentes apreensões, em se-guida, mudar de tática, e avisar os tebanos de que se achammuito perto de terríveis acontecimentos, sendo os mais ex-postos ao perigo. Com a partida para Elêusis de jovens

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88 . A Oração da Coroa

destros na guerra e de cavaleiros, mostrareis estardes em ar-

mas, comsoldadosvossos,a fimde queos vossospartidá- ,rios emTebas possam francamente fazer valer os seus direi- !tos sem serem subjugados. Os amigosque vos restam emTe- ;bas devem ver que, assim como o exército de Filipe está pronto !

a socorrer em Elatéia os que lhe venderam a pátria, assim :

também estais dispostos a defender os que desejam lutar pe- tIa liberdade. Proponho em seguida (disse ainda) a eleiçãode dez embaixadores, que se tornem, juntamente com os ca-pitães, árbitros absolutosda expediçãoe domomento emqueela devapôr-se emmarcha. Mas, chegados os embaixadores!a Tebas, como deverão dar cumprimento à sua incumbên- .cia? Sobre este ponto (disseainda) prestai-me muita atenção. \Digo que devem agir do seguintemodo: Não pedir nada aos;tebanos, eis que isso, em tais circunstâncias, lhes seria umdeslustre, mas avisá-Iosde que serão socorridos se o deseja- :rem. Assim ajam os embaixadores, eis que os tebanos se

achamnos perigosextremose somosmaisprevidentesdo queeles. Se aceitarem a nossa proposta e nos derem razão, dis-poremos as coisas como melhor nos parecer, e com decorodigno da Cidade as poremos em execução. Na hipótese con-trária, os tebanos assumirão a responsabilidadedos erros emque incorrerem, não havendonada de vergonhosoou de hu-milhante para o que houvermos praticado.

Apóshaverfrancamenteexplicadoistoaos atenienses,desci da tribuna. E asminhaspalavras,que todosaprova-ram e às quais ninguémse opôs, nãomelimiteia pronun-ciá-Ias; sancionei-asem seguida, executei-aspessoalmen-te comoembaixador,e comoembaixadornãodeixeideper-suadiros tebanos;não,não!Docomeçoaofim, lembrando-meconstantementedo quedissera,consagrei-mesemreser-va à vossa defesa, enquantoos perigospairavamsobre aCidade.

A Oração da Coroa . 89

Apresento-vos o decreto que então baixei.

Mas antes, ó Ésquines, quero que me digas qual o nomeque mereces e que mereço, pelas nossas ações naquele dia.Injuriandoe mordendo, nas tuas invectivas,chamaste-meBa-talo (26). E pretendesque fuste,não apenasum herói de farsa,

mas um daqueles heróis ilustres que se recordam no teatro:não sei... um Cresofonte, um Creonte, ou aquele Enomauque, há tempos, na tua interpretação, maltrataste na cena deColito?Pois bem, naquele dia, eu, Peaneo, eu, Batalo, sen-do de fato mais digno, fui mais útil à pátria do que tu, Eno-mau de Cotocide.

Nunca servistepara coisa alguma; eu, cumpri tudo o quecompete a um bom cidadão.

Mas, vamos, lede o decreto.

Decreto de Demóstenes

"Sob o comandodeNausicles,tendoo turno a tribodeEantide,no décimosextodia de Sciroforion,Demóstenes,filho de DemóstenesPeaneo,disse:

"Filipe, o macedônio, mostra a sua disposição de vio-

lar os pactos depaz, firmados por ele com o povoateniense,no passado, anulando os juramentos e os direitos sagradosde todos ospovosgregos. Ele ocupa as cidades que realmentelhe pertencem, também algumas daquelas que os ateniensesjá conquistaram com as armas. Não tendo recebido nenhu-ma ofensa dos atenienses, procede no momento, apesar dis-so, com crueldade e violência. Instalouguarnições em algu-

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90 . A Oração da Coroa

mas cidades gregas, requisitando-lhes o erário; submetendooutras, desmantela-as, e em outras, em vez de gregos, põebárbaros a morar; deita asmãos ímpias até nas coisas sagra-das e nos sepulcros, não desmentindo os costumes da suapátria e a sua índole; usando imoderadamente dos seus êxi-tos atuais, esquece-se de que, de pequeno e aventureiro vul-

gar que era, se tornou inesperadamentegrande. O povoate-niense, enquantoo viu ocupar as cidades bárbaras e as suasregiões, ainda tolerou a sua prepotência. Mas, agora, vendoque ele ultraja algumas cidades gregas, que a outras amoti-na, julga ser coisa indigna da glória dos seus maiores nãopreocupar-secom a sortedospovosoprimidos.Por todas estasrazões, o Senado e o povoateniense, erguendopreces e imo-lando vítimas aos deuses e aos heróis tutelares da Cidade eda terra, seguindo o exemplo dos seus antepassados, que ti-nham mesmo emestimamais altaa liberdade dos gregos quea da pátria nativa, deliberam aprestar duzentos navios, comum almirante que os guie através das Termólinas; e que umcapitão e um comandantede cavalariaconduzamfora, a Elêu-sis, forças de infantes e de cavalos. O Senado e o povo ate-niense, ademais, determinam que se expeçam embaixadoresaos outros gregos, e antes de tudo aos tebanos, pelo fato deFilipe estar muito próximo do seu território. Que os embai-xadoresexortemos tebanosa não se assustaremabsolutamente

com Filipe, eis que os atenienses garantirão a própria liber-dade e a dos outros gregos; que lhe dêem amplas garantiasde que o povode Atenas, sem conservar rancores pelos pos-sívesdesentendimentosqueexistiramnopassadoentreas duascidades, os socorrerá com milícias, dinheiros, flechas e ou-

tras armas, certo, como está, desta verdade, que é belo lutar,mesmo entre os gregos, pela hegemonia, mas que sofrer opeso do comando estrangeiro e ser por ele privado da liber-dade, seria coisa indigna das glórias helênicas e das suas tra-dicionais virtudes. Ademais, o povo ateniense observa queo povotebano não lhe é estranho, nem por afinidade de ori-

A Oração da Coroa . 91

gem, nem por descendência; e recorda ainda, os benefíciosfeitospelos seus antepassadosaos antepassadosdos tebanos;pois que, sendo os filhos de Hércules privados da autorida-de pátria pelos peloponésios, os atenienses a restabeleceram,vencendo com as armas os que tentaram atacar os primei-ros, dando asilo a Édipo e aos que foramderrotados com ele;contamos, ainda, muitos outros atos generosose famosos fei-tos em prol dos tebanos. Por isso, o povoateniense, dispostoa auxiliar o povotebano e os outros gregos, delibera, e o Se-nado ratifica, concluir com ele uma aliança e um pacto derecíproca fidelidade e troca de juramentos.

"Embaixadores: Demóstenes, filho de DemóstenesPea-neo; Hipérides, filho de Cleandro, de Sfeta, Mnesítides, fi-lho de AntífanesFlearria, Demócrates, filho de Sófilo, Mien-se, Calaescro, filho de Diotino, Cotocide".

*

* *

Eram boas as nossas relações com os tebanos, antes deos traidores arrastarem as duas cidades à inimizade, ao ódio,à desconfiança.

Este decreto, porém, dissipou então, como névoa, o pe-rigo que nos ameaçava.

Todo cidadão honesto devia, evidentemente aprovar, enão contrapor-se às deliberações votadas.

O conselheiro e o traidor, sendo em tudo dissemelhan-tes, principalmente nisto diferem: o conselheiro manifesta

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92 . A Oração da Coroa

a sua opinião antes que ocorram os fatos, e se apresenta co-mo abonador daqueles que nele confiam, pronto a tudo: àsurpresa dos acontecimentos, ao que quer que sobrevenha;o traidor ao contrário, calando quandoé preciso falar, se qual-quer coisa de sinistro ocorre, então desaprova, se encoleri-za, vomita contumélias. Para um homem que se interessasse

pelo bem da Cidade e pela justiça, como disse, era aqueleo momento de falar. Mas eu chego a fazer maiores conces-sões, e afirmo que se alguém, mesmo agora, estiver em con-dições de indicar qualquer medida mais acertada, ou, em su-ma, se puder ajuntar qualquer medida às que eu então ado-tei, confessarei logo ter agido mal.

Mas sustento, também, que se alguém soubesse de me-didas aconselháveisentão,as mesmasnãome deviamserocul-tadas. Mas se não existe,nem existia,e não s6 não existehoje, masnão existirájamais alguémnas condiçõesreferi-das, - emtal caso,pergunto,quedeviafazerum conselhei-ro?Nãoseriapor acasoescolhero expedientequelhepare-cesse maispossívele eficaz?

Isto fiz eu, 6 Ésquines, depois que o pregoeiro interro-gou: "quem quer falar?" e não "quem quer acusar o prop6-sito de fatos passados", e nem: "quem quer tornar-se fiadordo futuro?".

A esse tempo, estavasmudo na assembléia; eu me apre-sentava e falava. Masjá que não o fizeste então, demonstraagora que razões era preciso encontrar, ou que ocasiões pro-pícias à Cidade foram por mim desprezadas; que alianças,que empreendimentos eu devia aconselhar. Na verdade, to-dos se desinteressamdo passado, e emrelação a ele ninguéminterpela uma assembléia, ao passo que o futuro ou o pre-sente exigem a ação dos mais avisados.

A Ol"ação da Coroa . 93

Então, cabia-me prever o que parecesse uma calamida-de no futuro, o que tivesse probabilidade de acontecer pro-ximamente e já nos preocupasse; não me cabia caluniar osthtosconsumados. O êxito de todas as ações humanas se ve-rifica segundo os desejos da divindade. Mas as advertênciasdos conselheiros informam quais são esses desejos.

Não me acuses,pois, pelo fatode Filipeter vencidoahatalha,eisquetais sucessosestavamnas mãosdosnumes,não nas minhas.

Demonstra-me,antes,quenãofiztudoo queé dafacul-dadede um discernimentohumano,empregandoequidadee diligências,alémdas minhasforças;quepratiqueiaçõespouco decentes, e não inevitáveis, e indignas da Cidade; acusa-me depois.

Caíraum raio e desabarauma tempestade,superioresnãos6 às nossasforças,masàsde todosos gregos;quede-víamosfazer?

O caso se parece com o de um nauta, que, depois deaprestar e prover um barco de tudo o que fosse indispensá-vel, colhido mais tarde pela borrasca, verificasse que a en-xárcia e as velas estavam aquém das necessidades ou se ti-nham tornado inteiramente imprestáveis, mas que fosse, en-tretanto, responsabilizado pelo naufrágio.

Assimcomoo nautapoderiaalegar: "não erapossívelgovernaro navio", assimeu poderiadizer: "não erapossí-veldominara situaçãoe dirigir a sorte, pois a sortedirigea todos".Refletee consideraque, seunidoscomos tebanosnalutaodestinoassimdispôsascoisas,quenãoaconteceriasenem mesmoeles estivessemao nosso lado, mas do ladode Filipe, que para atraí-Ios,tantonos acusava?

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94 . A Oração da COl'oa

Se, com a sua marcha de três jornadas sobre a Ática,tantosperigose temoresempolgavama Cidade, quenão acon-teceria se a calamidadeatingissequalquerlugarda nossaterra?

Sabes que uma, duas ou três jornadas oferecem meiospara a salvaçãoda Cidade, istoé, a possibilidadede nos apres-

tarmos comcertovagar,de nos movermosemmassa, ganhan-do tempo e terreno. Naquela época, é imperioso dizê-Io, abenevolênciade algum deus nos livroudos males que, certa-mente, experimentaríamos,se da aliança com os tebanos, queme exprobras, não tivéssemosfeitoum broqueIpara a Cidade.

Mas eu falo é a vós, juízes, aos que, fora, nas imedia-~ções estão a ouvir, visto que para esse homem desprezível.bastariaum bem curto e claro discurso. '

Então, deviaster falado,ó Ésquines, se, entre os demais,

tinhas o privilégio de conhecer as coisas que estavam paraacontecer, no tempo em que a Cidade deliberava a respeito.

Mas se não as previstee a tua ignorânciaera comoados demais, comose explicaqueme acuses, quandoeu éque possoacusar-te?

Fui melhor cidadão do que tu com relação a esses fatos;a outros por ora não aludo; enquanto eu me consagrava aoque me parecia de utilidade a todos, não recuando diantedosperigos pessoais, não apresentaste sugestões úteis visto que

em tal caso não teriam aceitado as minhas; nem as minhasaceitando praticaste coisa alguma de aproveitável.Demons-tras haver feito apenas o que o homem mais estúpido e maisadversofaria, diantedos fatos;tantoassimque, enquantoArís-trato, em Naxos, e Aristolau, em Tasso, ambos capitães ini-migos da nossa cidade, citam em juízo os amigos dos ate-nienses, tu, Ésquines, em Atenas, acusas Demóstenes.

A Oração da Coroa . 95

Mas dize-me, não éjusto que perca, e não que conserveo direito de acusar os demais quem adquiriu crédito com asdesgraças dos gregos? Como é possível que quem haja aufe-rido proveitos com as circunstâncias favoráveisaos inimigosda pátria possa ser-lhe afeiçoado?

Manifestas, também, na tua atitude, Ésquines, o que fa-zes e administras e, vice-versa, o que não administras.

Estamos tratando de assuntode interesse?Poisbem, És-quines cala; acontece algum desastre, sobrevém algum con-tratempo?Eis Ésquines a vociferar, em contorções, como osmembros de um corpo enfermo, que se agitamtambém, comuma recrudescência da dor.

, Mas, já que Ésquines alude muito aos acontecimentospassados,quero tambémcontaralguns, emboraincríveis.

E ninguém, por Júpiter, se admire da minha prolixida-de; antes, considere com benevolência o que digo; pois sea todos fossem evidentes as coisas do futuro, e todos as co-nhecessem, tu, também, Ésquines, ashaveriaspr~vistoe ates-tado gritando, e gritando muito alto, tu, que, absolutamente,não calarias; nem a cidade seria surda às tuas admoestações,se verdadeiramente tivesses no devido apreço a glória dosantepassados e dos pósteros.

Agora se vê que os empreendimentosfalharam, coisaqueacontecea todososhomens, quando, contrariamente aos seusdesígnios, intervêmos desejosda divindade. Mas, então, sen-do a Cidade digna de hegemonia sobre os gregos, trairia atodos se renunciasse a essa primazia em proveito de Filipe.

Se, por tua culpa, a Cidade se mostrasse indiferente, fu-gindo à luta em defesada sua dignidade, por ti mercadejada,

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96 . A Oração da Coroa

pela conservação da qual os antepassados não se recusarama nenhumperigo, qualquer que ele fosse, quem, 6 Ésquines,não cederia ao prurido de te escarrar na face?Na tua face,entende, não na minha, nem na da Cidade.

Como sustentaríamos o olhar dos forasteiros que che-gam, se no pé em que estavam as coisas, Filipe, graças àstuas venais maquinações, se elegesse chefe e senhor de to-dos? Com que cara reconheceríamos esses adventícios se apeleja contra as manobras inconfessáveisde Filipe fusse ini-ciada pelos outros sem a nossa participação, e se a Cidadepreferisse o que mais preferiu, isto é, uma ingl6ria seguran-ça aos riscos de magnânimos empreendimentos?

Quemhá entre os helenos e os bárbaros que ignore que,com muita satisfação da parte dos tebanos e daqueles lace-demônios, já antes poderosos, assim como da parte do reida Pérsia, teria sido facultada a Atenas a posse do que qui-sesse e a conservação do que já possuía, sob a condição dese adaptar à discrição de outrem e de lhe ceder a hegemoniasobre os gregos?

Mas isso não estava, como é natural, nos costumes pá-trios dos atenienses; não lhes era tolerável; nem a sua índo-le, nem ninguém poderia jamais, em tempo algum, persua-dir a Cidade que, aderindo aos poderosos, se submetesse aum cômodo servilismo.

Ela, para conquistar o primeiro posto, a honra e a gló-

ria, afrontou em todos os tempos todos os perigos.

E isso considerais sagrado, e tão condizentecom os vos-sos costumes, que ainda hoje são cultuados os antepassadosque agiram por tal forma. É natural. Quem não admirariaa virtude daqueles homens que, percorrendo mares, terras

A Oração da Coroa . 97

e cidades, sofreram reveses, mas não se humilharam diantede imposiçõesestranhas?Temístocles(7]), quelhesdavaessesconselhos, foi eleito almirante, mas Cirsilo, que procuravainduzi-Ios à ingl6ria capitulação, foi lapidado; e não somen-te ele; suamulhertambémfui lapidadapelasesposasdos guer-reiros de Atenas.

Os atenienses de então não procuravamnem o capitão,nem o orador, com os quais pudessem acomodar-se fulgada-mente na escravidão; julgavam que a vida s6 era digna deser vivida com a liberdade, que a deviamnão apenas ao seupai e à sua mãe, mas também à pátria. De fato, que diferen-ça daí decorre? Esta: quem devea vida apenas aos seus pais,espera a morte que o destino lhe reserva; mas quem julgadever a vida também à pátria, para não vê-Ia escrava, se vo-tará à morte, e reputará mais terríveis do que esta os ultrajese as humilhações que a Cidade deva tolerar na escravidão.

Mas se eu me arrogasse presunçosamente o direito dedizer que tive necessidade de estimular-vos a albergar senti-mentos dignos dos vossosmaiores, não haveria razões senãopara me censurardes. Mas, ao contrário, eu afirmo que taissentimentos são ingênitos em vós, e demonstro que a Cida-de, antes de mim, tinha também estes sentimentos.

Mas isso não me proíbe de dizer que igualmente tomeiparte nos serviços realizados em cada ramo da administra-ção e não me impede de proclamar que Ésquines, tudo acu-sando, querendo que vos comporteis asperamente para co-

migo, como se eu fosse causa de temores e perigos para aCidade, se empenha emprivar-medapresentee legítimahon-raria, e a fraudar-vospara sempre de merecidos encômios.Semecondenardescomohomem quenão haja feito tudoparagovernar-vosbem, darei a entender que fostes v6s que co-metestes os erros, e não que estes aconteceram pelas adver-

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98 . A Oração da Coroa

sidades da sorte. Mas não é assim, não é; não foi erro en-frentar os perigos pela liberdade e salvação de todos. Não!e invocoo testemunho dos antepassados que enfrentaram osperigos emMaratona, e aqueles quedesbarataramfileiras emPlatéia, e os que emmar combateram em Salamina, e Arte-mísio, e muitos varões insignes que jazem nos monumentos

públicos, aos quais a Cidade, julgando-os dignos da mesmahonra sem distinção, 6 Ésquines, erigiu o sepulcro; e desejoacentuarquenão s6aosqueforamfelizese saíramvencedores.

E com razão. O que homens probos deviam fazer, todoseles igualmente fIzeram.

Mas a sorte, que a divindade reservou a cada qual, estativeram que sofrer.

E tu, odioso e imundo, desejando privar-me da honrae das distinções concedidas pelos meus concidadãos, me re-

cordas com grande luxo de palavras os troféus, as batalhas,os antigosfeitos,tudo o que nadatinha a ver com estedebate.

Mas eu, 6 comediantede feira, eu que aconselhavaa Ci-dade a conservar a hegemonia, que opinião devia seguir aosubir à tribuna? A opinião de quem insinuava coisas indig-nas dos atenienses?Em tal caso, com muita razão, eu deviater sido morto. Não deveis, 6 atenienses, julgar com o mes-mo ânimoos atosprivados e os atosdo governo.O que acon-tece no comércio da vida cotidiana deveser julgado segundoas disposições do c6digo ordinário, à luz dos fatos; mas os

neg6cios políticos se julgam, sobretudo, tendo-se por nor-mas os postulados dos nossos maiores.

E cadaum de v6sdevepensarque, juntamentecom aordeme a obrigaçãode servir,o homemdeEstadoassumetambémo dever sacrossantode respeitaro sentimentoda

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A Oração da Coroa . 101

.. .

Cidade. Quando, portanto entrardes a julgar os neg6cios pú-

blicos, deveis ter isto em conta se pretenderdes empreender

medidas dignas de Atenas.

Mas, tratando de feitos dos nossos antepassados, silen-

ciei sobre certos decretos e acontecimentos. Volto,pois, ao

ponto inicial da digressão.

Quando chegamos a Tebas, encontramos os embaixado-res de Filipe, dos tessálios e dos outros aliados; os nossos

amigosestavamatemorizados,e animososos amigosde Filipe.

Como prova de que não o digo por meu interesse pes-

soal, eis a carta que n6s, embaixadores, então, redigimos

prontamente.

Mas esse homem se vale de uma monstruosa calúnia

quando afirma que, se alguma coisa indispensável foi feita,

não fui o seu autor,mas a boa sone; que, pelo contrário, sou

eu a causa de todas as desgraças.

Pelo que parece, segundo a sua opinião, não concorripara os êxitos que dependeram da palavra e dos conselhos,

eu, orador e conselheiro; ao passo que, nos reveses estraté-

gicos e militares, a culpa foi toda minha.

Poderia haver caluniador mais pérfido e mais inepto do

que esse?

Eis a carta:

Carta dos Embaixadores Atenienses

(omitida no texto)

Reunidaquefoi,pois,a assembléia,apresentaram-semprimeiro lugaros embaixadoresdos aliados, que se senta-ram nas cadeirasque lhes cabiam.

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102 . A Oração da Coroa

Levantando-se, discursaram, alongando-sebastante noslouvores a Filipe, não sem atirar acusações contra v6s, e fa-zendo menção de medidas que, segundo eles, teríeis tomadocontra os tebanos.

Em conclusão, desejavam apresentar agradecimentos aFilipe pelas iniciativas com que haviam sido beneficiados;mas, a prop6sitodas mssas providências,falavamdo seguintemodo: ou dar passagem aos macedônios, ou irromper comeles contra a Atica. E afirmavam que, aceitas as sugestões,passariam da Ática para a Be6cia, animais, escravos e ou-tros bens; ao contrário, seguindo os nossos conselhos, essesmesmos bens seriam devastados na Be6cia pela invasãoguerreira.

Além disso, muitosoutros argumentosaduziram,visandotodos ao mesmo fim.

E terei prazer em vos expor,uma por uma, as razõescom que os combatemos.

Mas temo que, tratando-se de sucessos passados, de fa-tos já submersos no tempo, julgueis inútil o seu exame.

Ouvi, em todo o caso, o que pleiteamos junto aos teba-nos e o que a isso responderam. Tomai a resposta e lede.

Resposta dos TebanosDepoisda minhacarta, pois, os tebanosvosconvida-

rama lá ir. Fostese os socorrestes.Eles estavamindefesos,pois se achavamausentesa sua infantariae os seuscavalei-ros; para ser breve,omitooutrosfatospara s6 recordara

A Oração da Coroa . 103

confiantefamiliaridadecom quevos acolheramna cidade,nas casas, ao ladodos seusfilhose de suasmulheres;emmeio a tudo o que têm de mais caro, alojaramas vossasmilícias.

E os tebanos, naquele dia, diante de todo o mundo, vosfizeram três elogios belíssimos: um pela coragem, outro pe-

la justiça, e o terceiro pela moderação.

Preferiramlutar convoscoa lutar contrav6s,e tiverammaisconfiançaem v6sdo que emFilipe,julgandoquepe-díeis coisasmais razoáveisdo que as que ele pedia.

Mostravamconfiar plenamentena vossamoderação, dei-xando ao vosso arbítrio as pessoas que, na sua nação e entretodos os povos, são conservadas na mais ciosa guarda: ascrianças e as mulheres.

Comisso evidenciaram,6 atenienses,os bons sentimentosquenutrema vossorespeito.De fato,quandoem Tebasa nossainfantaria, nenhumtebano, nem mesmo injustamente,formu-lou a menor queixa, tanto vos mostrastes moderados. E nasduas vezes em que sa{stesa campo para a luta, com eles, -luta que se travou, de uma feita, às margens do rio, e de ou-tra, no inverno,não somente vosmostrastes intimoratos,masainda admiráveis pela disciplina, pelos aprestos de guerra,pela animação; tanto que a1cançastesaltos elogios, fazendo-se entre v6ssacrifíciose procissõesaos deuses.

E de bom grado perguntarei a Ésquines se, quando isto

se verificavae Atenas se mostravacheia de júbilo, de pane-gíricos e do eco das aclamações, ele sacrificava e se alegra-va com os demais; ou se, aflito, gemente e encolerizadocomos êxitos comuns, se consumia, trancado em sua casa. Senesses momentos festivosestevepresente e se rejubilou comos demais, não comete uma indignidade, ou antes, um sa-

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104 . A Oração da Coroa

crilégio,se a aliançaque,diantedos deuses,já considerouexcelente,agorapretendecondenarcomo execrável?

Se não esteve presente, se se constemou com os fatosque os seus concidadãos festejaram, não merece mil vezeso último suplício?

Leiam-se os seguintes decretos:

Decretos dos Sacrifícios(omitidos no texto)

Nós, pois, executávamosos sacrifícios e os tebanos re-conheciam dever-nos a sua salvação. Assim, dando cumpri-mento às minhas sugestões, quando parecia que precisáveisde socorros estranhos, justamente então, pela atitude dos te-banosparaconvosco,vosencontrastesemcondiçõesde prestarajuda aos estranhos.

Mas vereis, pelas cartas de Filipe enviadas ao Pelopo-neso, quantas queixas então formulou, como ficou conster-nado com tais acontecimentos.

Tomai e lede essas missivas, a fim de ver o que fizerama minha constância, e as peregrinações, e os meus padeci-mentos, e os muitos decretos que esse homem agora critica.

Antes de mim, ó atenienses, muitos de vós foram ora-dores célebres e grandes, tais como Calistrato, Aristofonte,Céfalo, Trasfbulo, e muitos outros; entretanto, nenhum de-les jamais se consagrou inteiramente à Cidade, de maneiraconstante. Quem sancionava decretos, não aceitava embai-xadas; quem agia em embaixadas, não sancionavadecretos.

A Oração da Coroa . 105

Todos se reservavam a alguns vagares, e, sobrevindo qual-

quer ameaça, tinhamao menoso seu refúgio.

Mas como?Alguémpoderia dizer: tu te exaltastantopelaforça e pela coragem, como sehouvesses feito tudo sozinho.Não digo tal coisa: digo, isto sim, ter tido a convicção de

que, sendo grande e iminente o perigo para a Cidade, nãodeveria ter descanso, nem atenções para a minha segurança

particular. E compreendi que quem quer que desejasse cum-prir os seus deveres para com a pátria, sem nada descurar,não teria abastança.

Persuadira-me, quanto aosmeus atos, injustificadamentetalvez, mas em todo o caso me persuadira, de que ninguémque sancionassedecretospoderia sancioná-Iosmelhor do queeu, que ninguém agiria com mais rigor, que embaixador al-gum se desempenharia de embaixada com maior dedicação

e justiça do que eu.Por isso me envolviem todosos negóciospúblicos.

Agora,lede as cartasde Filipe.

Carta

(omitida no texto)

A minhapolítica, ó Ésquines,conservouFilipe a dis-tância.Elelevantouessaacusaçãoquese lê na suacarta,ele,que, antesdestashumildespalavras,com imensasoberbia,atirara tantasinsolênciascontraAtenas.

'.

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106 . A Oração da Coroa

Com razão, portanto, fui coroado pelo povo; tu estives-

te presente, e não protestaste. Compreende-se, também, queDiondas, meu acusador, não haja conseguido então o núme-ro legal de sufrágios.

Leiam-se os decretos abaixo, que seguiramos seus trâ-

mites e não foram impugnados.

Decretos

(omitidos no texto)

Esses decretos, ó atenienses, contêm asmesmas sílabas

e as mesmas letras que, antes, Aristônico grafou, e agora onosso querelado Ctesifonte reproduziu.

Ésquines não os impugnou, nem sozinho, nem com ou-tras pessoas que o hajam impugnado.

Assim, dado que agora me acuse por futos verdadeiros,devia então condenar não a mim, mas a Demômeles e Hipé-rides, que sancionaram os decretos.

E por quê? Porque nos é lícito, hoje, invocaro exemplodaquelesdoispredecessores, reportando-nosàs sentençasdostribunais e ao silêncio de Ésquines, que nada alegounaquela

época. Mais tarde, sancionei decretos idênticos, e teria po-dido observar que as leis proíbem se levantemquestões so-bre casos julgados e aduzir muitos outros argumentos.

Então, a questãose haveriadefinidopor si mesma.

A Oração da Coroa . 107

Mas não era possível, creio, fazer o que é possível pre-sentemente: desentranhar, através dos velhos tempos, entremuitos decretos, os que ninguém previa, nem teria podi-do imaginar que hoje se citassem como exemplos. Nem en-tão era praticávelo que assistimos hoje, isto é, que alguém,mudando o tempo e as razões, e substituindo a verdadepor mentiras, viesse aqui explorar as lições de emocionan-tes sentenças.

Isso não era possível; as discussões a respeito se pode-riam fazer, isto sim, quando a verdade fosse mais acessível,num momento emque os fatos ainda fossem recentes e, em-bora recuados do alcance de nossos dedos, se estampassemvivamente na nossa memória.

Não foi o que se deu: Ésquinesevitoua seu tempoasprovasinerentesà questão,e agorase levantapara acusar-me; trata-se, segundopensa, de uma disputa acadêmica,

nãodeumexamedasnossasadministrações;rata-sedeumaapreciaçãosobre ninharias,e não sobre fatosde utilidadepública.

Segue, depois, sofismando, dizendo que não nos devepreocupar a opinião que trazemosde casa para a assembléia.Afirma que, assim como só damos quitação a um devedorapós escrupulosa verificação das suas contas, assim, no pre-sente debate, só deveis decidir segundo os luminosos argu-mentos do seu verbo.

Observai, a propósito, quanto é falaz e precário tudo oque não estejade acordo com as normas dajustiça; com esteexemplo prático, Ésquines indiretamente confessa terdes aconvicção de que eu falo pelo bem da pátria e ele a favorde Filipe. Realmente, se não tivésseis uma opinião diferentesobre nós dois, não procuraria fazer-vos mudar de atitude.

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108 . A Oração da Coroa

E queele não falacom equidade,pugnandopara quemu-deis de opinião a meu respeito, eu o mostrarei rapidamente,mas não fazendo contas (nada têm a fazer aqui os cálculosaribnéticos), mas lembrando-vos alguns fatos sucintos. E vós,que estaisa ouvir na dupla qualidadede juízes e testemu-nhas, decidireisa pendência.

Asminhas providências evitando que os tebanos e Fili-pe invadissema nossa terra - coisa que todo o mundo pre-via, - fizeram com que os primeiros, formando conosco,conservassem o segundo a distância; em lugar de ser a Áticao teatro da guerra, fizeram com que ela se ferisse a 700 está-dios longede Atenas, nos limitescom a Be6cia; evitaramqueos corsários da Eubéia se metessem em depredações, con-correndo para que, durante toda a campanha, a Ática nomartivessepaz; evitando queFilipe, depois de ocupar Bizâncio,conquistasse o Helesponto, fizeram com que os bizantinos,coligados conosco, combatessem contra ele.

Parece-te, pois, que o cálculo desses fatos seja igual aode uma contazinha de aritmética? Parece-te que esses docu-mentos podem ser destruídos, sem que a hist6ria os registre?

Não aludo, de resto, à crueldade de Filipe para com ospovos que tiranizou, crueldade que não nós, mas outros ex-perimentaram. Não aludo, igualmente, à amizade que, paraencobrir os seus intuitos, fingia nos dedicar, amizade de quecolheste os frutos muito habilmente.

Não hesito em dizer que, para se julgar imparcialmenteum orador, não se deveria fazer o que fizeste, isto, inventarexemplos e contradizer circunstâncias, atos e palavras. Real-mente, se é certo, certíssimo, que a sorte dos gregos depen-deu muito do fato de eupronunciar tais e tais palavras, e nãooutras, ou de estender a mão mais para cá do que para aco-

A Oração da Coroa . 109

lá, SÓte restava, rigorosamente, procurar nos próprios fatosqual era o ambiente da Cidade, quais as forças de que podiadispor quando assumi os encargos da administração, quaisas forças que obtive, quando no poder, e em que condiçõesse achavam os adversários. Se, pois, eu houvesse levado aCidade a piores condições, se tivesse havido prejuízos por

minha causa, deveria prová-Io; mas, se, pelo contrário, euhouvesse prestadobenefíciosà Cidade, deveriasvolver as ca-lúnias contra ti mesmo.

Mas visto que fugistedesta indagação,farei minha atarefa.

E observareisse me sirvodevidamenteda palavra.

A Cidade tinha os ilhéusao seu lado. Não todos, contu-do, mas os mais fracos; nem Quios, nemRodes, nem Corei-ra, estavam conosco. O dinheiro do erário montava a cerca

de quarenta talentos; além dos nossos, não havia outros ho-plitas e cavaleiros. Mas o pior e que mais do que tudo favo-recia os inimigos era que estes haviam habilmente feito osconfmantes se inclinaremmais para a inimizade do que paraa amizade, em relação a nós: assim os megaréus, os teba-nos, os eubeus.

A situação de Atenas era absolutamenteesta, e ningUémpoderia narrá-Ia de outra forma.

Agora, atentai para a situação de Filipe.

Antes de tudo, Filipe colhia em suas mãos as rédeas dopoder de todos os povos aderentes, o que, no que toca a umaguerra, é o que mais importa; alémdisso,os inimigostinhamas armas em suas mãos; Filipe dispunha de dinheiro, e faziao que entendia, sem depender de curadores, nem precisar

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110 . A Oração da Coroa

aconselhar-se em público, sem estar exposto aos caluniado-res, nem sujeito às acusações de haver violado as leis, semser obrigado a prestar contas, senhor, como era, sem discre-pância, déspota e chefe de tudo e de todos.

Na luta contra ele (éjusto que se considere isto) eu era

senhor de quê? De nada.

Mesmo a faculdade de discursar, que era a única de queeu dispunha, v6s a havíeis concedido, igualmente, aos agen-tes de Filipe.

E, fazendo o jogo do inimigo, não deixáveis a assem-bléia sem terdes aprovado as vantagensde que esses agentesdesfrutavam em relação a mim, e tais vantagens eram mui-tas, ocorresse o que ocorresse; contudo, em meio a condi-ções tão desvantajosas, eu consegui a aliança dos eubeus e

corcírios, povosentre os quais foramrecrutados 15.000peõese 2.000 cavaleiros, destinados a engrossar o exércitoda Ci-dade. E com essa coligação, arrecadei a maior soma de di-nheiro que me foi possível.

Se desejas discutir, afirmando ser escassa, 6 Ésquines,a contribuição que nos prestaram os tebanos, os bizantinose os eubeus, ou se aludes à proporção de defesa, que cabiaa cada aliado, ignoras, antes de mais nada, que nos tempospassados,quandoemcombatea frotados antigosgregos, numtotal de trezentos navios, destes, duzentos e oito eram dados

por Atenas.

Nem Atenas, por tanto dispêndio naval, foi prejudica-da, nem se deve acusar os que a aconselharam na ocasião,nem dar ao casomaior importância; isto seria desonroso.An-tes, renderam-se graças aos deuses, porque nos perigos co-

A Oração da Coroa . 111

muns, que ameaçaram os gregos, a Cidade concorreu como dobro sobre todos os demais. Ora, observa um pouco, És-quines, que não procuras emvão agradar os atenienses, cen-surando o que eu fiz.

Com que fim criticas as medidas decorosas que preci-samos levar a efeito, quanto tu, então presente na Cidade eno Conselho,não fIZestenenhumaproposta, aceitávelou não?Com que fim, dize, se não ignoras que, nas circunstânciasem quese achavaaCidade, então, devíamosempreender,nãoo que se quisesse, mas o que as condições permitissem?

PorqueFilipe, que, à porfia, compravae davapronto asiloàspessoas expulsas por n6s, estavamuitodisposto a comprá-los ainda por preço maior.

Mas, se ainda assim sou acusado, que não diriam os trai-dores se eume perdesse, se observando sutilezas e minúcias,

as cidades houvessemdefeccionadoe aderido a Filipe, se ele,com um golpe de mão, se houvesse apoderado da Eubéia,de Tebas e de Bizâncio?Ter-se-iam expressadomais ou me-nos assim:

"Os povos que desejavam a nossa aliança foram derro-tados, de tal forma que Filipe, por intermédio dos bizanti-nos, se tornou dono do Helesponto e do comércio de cereaisdos gregos; por intermédio dos tebanos, insuflou uma guer-ra exterminadora e grave na Ática; e o mar se tornou inave-gável pela ação dos piratas vindos da Eubéia".

Não diriam isto, e muitasoutras coisasmais?

Maléfico, 6 atenienses, maléfico é o caluniador, sempreinvejoso, e derrotado nas controvérsias. E tal é esse homún-culo, essa raposa, que, desde os seus primeiros dias, nada

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112 . A Oração da Coroa Tfez de útil e bom; é esse comedianteno corpo e na alma; Ié esseque,há tempos,foium grosseiroEnomau,oradordei 'farsa apontado a dedo.

A tua habilidade oratória, Ésquines, que proveito.traz "

para a pátria?

Fazes como o médico que, diante dos enfermos empe-

rigo de vida, não falasse nem indicasse por meio de que re-médios poderiam escapar à morte, mas que, depois do seutrespasse, na cerimônia do enterro, acompanhando-os ao ce-mitério, dissesse assim: se estes homens tivessem feito isto I

e mais isto, não teriammorrido! II

Assim, depois das desgraças, vens tagarelar a respeito! iE achasterhavidoporminhaculpaaderrotacampal,daqual i'

te orgulhas,quandodeveriaschorar,6 celerado!"

I

E v6s,6 atenienses,refletique de partealgumaaonde \

fui comoembaixadorvolteidesonrado:dos entendimentoscom os enviadosde Filipe, da Tessália, da Ambrácia, da llÍ-ria, do encontro com o rei da Trácia e de Bizâncio; de partealguma, em nenhuma ocasião, e muito menos, ultimamente,de Tebas. Nos assuntos em que eu derrotavaos embaixado-

res pela palavra, Filipe, precipitando-se, anulava as minhasvitórias com as armas.

De mim, pois, 6 Ésquines, exigesque preste contas dasoperaçõesmilitares, e não te envergonhasde censurar-mesar-donicamente por desídia, pretendendo que uma pessoa ape-nas, eu, armado com a palavra unicamente fosse mais fortedo que o exército de Filipe?

Como és mesquinho!

A Oração da Coroa . 113

Procede, antes, a um exame completo dos fatos pelos1uaiSum orador deve responder; não fugirei ao debate.

Quais são, pois, os assuntos cuja responsabilidade cabeno orador? Ele deve ver as coisas antes que os outros,compreendê-Ias, e disso avisar os demais. Foi precisamente

o que fIz. O seu dever é reduzir àsmínimas proporções, on-de quer que estejam, as lentidões, os titubeios, as imperí-cias, as emulações e os erros inevitáveis,de todas as classes.Depois, concorrer para a conc6rdia, a fraternidade, o empe-nho de praticar as coisas devidas.

E tudo isso foi feitopor mim, e ninguémprovaráque,de minhaparte, nesse sentido,eu haja descuradoalgumacoisa.

Se alguém, pois, quem quer que fosse, perguntasse co-

mo e por que Filipe conseguiu, apesar da minha resistência,a maior parte dos seus objetivos, eupoderia responder: como exército, com dinheiro e subornando os homens encarre-gados da nossa administração.

Eu não era déspota,nem generalde exército;assim, pois,com relação a tais argumentos, deixo de dar explicações.

Quantoa mim,venciFilipe; e a minhavitóriaestá emque não me deixeicorromperpelo dinheiro.Assimcomoquemofereceopreçodosubornovencequemo recebe,quem

se recusaa recebê-Io,nem se deixasubornar,vencequemofereceo preço da corrupção.

Foi, pois, devido aos meus esforços que a Cidade dei-xou de ser vencida.

! Asmedidasquepusemprática,asquaisdevempersua-I--I

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114 . A Oração da Coroa

dir os homens honestos a me julgarem com equidade, são,além de outras semelhantes, as que referi.

Mas repetirei o que todos vós sabeis.

o povo,logo depois dabatalha de Queronéia (28), com-preendeu e viu no pélago dos próprios perigos e temores tu-do o que eu fizera. Contudo, não era de estranhar-se que asmassascometessempara comigoalguma ingratidão.Elas, en-tretanto, aprovaram, pela salvação da Cidade, todas as mi-nhas decisões e providências tomadas relativamente à guar-nição, isto é, a distribuição das guardas, às trincheiras, àsordens para reforma das muralhas, coisas que, mediante osmeus decretos, se levaram a efeito.

Em seguida, o povo, tendo que nomear as pessoas in-

cumbidas da compra de trigo, indicou-me, entre os demais,como intermediário.

Após, os que tinham interesse em prejudicar-me entra-ram a conspirar, atirando-me acusações, processos por pres-tação de contas, libelos e todas as torpezas. E, no começo,nãofaziamistoabsolutamentede rostodescobertoe emno- I

mepróprio, mas por intermédiode outras pessoas, à sombradas quaisjulgavampoder ocultar-se.Certamentevos lembraisde que, nos primeiros tempos, eu era arrastado às citações "no tribunal. Os tais mascarados se valeram, contra mim, da 'arrogância de Sósicles, da calúnia de Filócrates, da loucurade Diondas e Melano, e, em suma, coisa algumaque servis-

/

se de instrumento contra mim eles deixaram de tentar. Mas,principalmentepor desejodos deuses e, depois,por vossa '

intervenção e dos outros gregos, saí absolvido de todas es-sas acusações. E com razão. Os veredictos se baseavam naverdade e honravamosjuízes quejuraram e julgaramde acor-do com a santidade do juramento.

A Oração da Coroa . 115

E Ofato de, acusado, vós me terdes absolvido e negadosufrágios aos querelantes, declarandodesde então que eu mecomportara otimamente, e, denegrido, o fato de eu ter saídopuro das denúncias, mostraram que eu sempre falei e escre-vi de conformidadecom as leis. Corroborando asminhas de-

liberações, que subscrevestes, afIrmastes que eram excelen-tes, e que eu sempre agira de maneira correta, inacessívela qualquer forma de corrupção.

Dadas essas circunstâncias, que nome convinha, ou quenome era justo que Ctesifonteme desse? Não seria, por aca-so, o nome que o próprio povo me escolhera? Ou o nomecom que mehonraram osjuízes, adstritos aojuramento? Nãoseria o nome que a verdade, por todos reconhecida, me im-pusera, isto é, o honesto nome de Céfalo (29)?

Concedo, dirá Ésquines, mas a glória de Céfalo, o nos-so velho e magnânimo concidadão, consiste em não haversofrido nunca, em sua vida, acusação alguma! Por Júpiter,feliz dele, respondo-lhe eu. Mas por que há de ser conside-rado réu aquele que sai luminosamente limpo de acusaçõesinjustas, cujo pretenso crime nunca foi provadQ,unicamentepelo fato de haver sido acusado muitas vezes?

De resto, ó atenienses, em face de Ésquines e em pre-sença da glória de Céfalo, eu tenho bem o direito de falar.

Tantomais que Ésquines nunca ousou apresentar contramim, diretamente, queixa alguma, nem nunca me citou pe-rante o tribunal; de modo que fui reconhecido por ele comohomem em nada menos merecedor do que Céfalo.

Qualquerpessoapoderiaver, em tudo, a iniqüidadeea invejadeÉsquines,masnãomenosnaquiloqueeleafirmacom relaçãoà fortuna.Eu reputoabsolutamenteinsensato

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116 . A Oração da Coroa

homem que, sendo um simples mortal censura a fortuna deum semelhante.

o homem que sejulga felize em 6timas condições, nãosabe se nesse estado permanecerá até à noite; assim, comopoderá discorrer convenientemente,e com fundamento,a res-

peito, exprobrando a fortuna de outro homem?Mas vistoque Ésquines,além de outrosargumentos,trata

da fortuna, em estilo pomposo e arrogante, observai, 6 ate-nienses, que raciocinareisobreo assuntocom muitomais ver-dade e senso mais humano do que ele.

Eu vejo propícia a sorte de Atenas, e tal vo-la vaticina

também o oráculo de Júpiter Dodoneu; mas a sorte da hu- imanidade,aquelaqueorapredomina,eua vejodifícile grave. ,_

Quem, entre os gregos e os bárbaros, no tempo presen- i

te, já não experimentou infinitas desgraças? Portanto, haverescolhido a solução mais honrosa e condições melhores queas dosoutrosgregos,- os quaispresumiamque no isola- ,

mento encontrariam a felicidade - eis o que ponho entre as

I

coisas venturosas de Atenas. E o fato de haver lutado com .dificuldades e não conseguir tudo, segundo as nossas aspi-rações, considero como a porção que nos coube das desven-turas de todo o gênero humano!

Mas a sorte das pessoas, a minha e a de qualquer de n6s,penso que deve ser procurada no campo das coisasprivadas.

Peço que nas indagaçõessobre a fortuna se proceda as-sim; e foi feita honesta e justa pesquisa, segundo o que meparece e a v6s também. Mas Ésquines afirma que a fortunadas pessoas, a minha em particular, é de maior importânciado que a fortuna da cidade; diz, por outras palavras, que a

A Oração da Coroa . 117

minha parte, pequena e insignificante, vale mais do que aparte geral e coletiva.

Ora, como isso pode acontecer?

Masse insistesem inquirirda minhafortuna,6 Ésqui-nes,começapor compará-Iacoma tua, e se descobriresquea minhaé menordo que a tua, cessaos teus insultos.Fazea tuadevassadesdeo princípio.E, por Júpiter,ninguémmeacusedepecarporjatância.Porqueeuconsideroum insanoquem espezinhaa pobreza, e se desvanecepor viver naabastança.

As injúrias e as difamações deste importuno, contudo,me obrigam a tratar dessa questão; fá-Io-ei, todavia, com amoderação necessária, e o mais rápidamente possível.

A mim também, 6 Ésquines, me foi dado, quando crian-

ça, freqüentar uma escola consentânea com a minha condi-ção; possuía o que deve possuir quem deseja, a coberto daindigência, evitar os atos vergonhosos; quem, saindo da in-fância, pode fazer coisas como as quejá têm merecido a mi-nha atenção, isto é, ocupar cargos públicos, comandar na-vios, pagar tributos, não recuar diante de nenhuma liberali-dade, pública ou privada, mas, ao contrário, tornar-se útilà Cidade e aos amigos.

Quando tive acesso aos cargos públicos, a mim me to-cou dirigir importantes ramos da administração, e de tal for-ma que, muitas vezes, fui coroado pela pátria e por vários

outros povos gregos.

Mesmo os meus adversários evitavamnegar a honesti-dade dos meus atos. Foi assim auspiciosa a minha sorte; po-dendo dizer outras coisas, não o faço, temendo que me cen-sureis por vangl6ria.

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118 . A Oração da Coroa

Mas tu, homem, sublime, tu que desprezas os demais,examina, confrontando-a com a minha, qual tem sido a tuafortuna. Quando criança, fuste criado na miséria; moravascom teu pai na casa do senhor; moías a tinta, limpavascoma esponja os bancos, varrias a escola, tendo a vida do servo,não do menino livre.

Homem feito, lias as f6rmulas à tua mãe, que se inicia-va nos ritos eleusinos; ajudavasnos baixos serviços do ceri-monial, e, de noite, vestias os iniciados com a pele de gamo,enchias-lhes as taças, lavando as pessoas que saíam da ex-piação sagrada, esfregando-as com lama e farelo, até que,limpas do sacrifício, ordenavas que dissessem: "eu me li-vrei do mal e encontrei o bem". Era certo que ninguém sa-beria berrar como tu. Eu o creio! E como duvidar disso, semesmo agora, quando falas, gritas esgoeladamentecomo umpossesso?Taiseram as tuas ocupaçõesnoturnas. De dia, con-duziaspelas estradasas tribos que se dirigiama Baco,co-roadas de funcho e de álamo. Erguias sobre a cabeça,irritando-ascoma mão,serpentezinhasda ilhadeParos,co-mo se fossemanéisde Erinite,e gritavas:"Evoé, Saboé";dançavas,gritandoainda:"Hies, ates, ateshies". Assim,chefede coro, condutor, portador da hera e do cesto sagrados, erassaudado pelos velhos, recebendo como pagamento por taisincumbências, broas, bolos e pastéis. Diante desses prêmios,quem, realmente,deixariade considerara tuasortemuitoboa?

Depois que te inscreveste no alistamento do povo, nãose sabe como, e nem me preocupo em indagá-lo, depois que

aí te inscreveste, digo, logo te entregaste à mais nobre dascarreiras, a trabalhar como copista e criado de um leguleio.Mas desde que deixaste tal ofício, ap6s lançar mão de todosos expedientes, fazendo tudo o que atribuis aos demais, nãodesmentiste,por Júpiter,nenhumdos teusméritosprecedentescom a vida que então levaste.Alugando-te aos histriões de-

A Oração da Coroa . 119

nominados "OSsuspirosos", a Similo e S6crates, executavasno teatro os papéis de terceira importância. Roubavasfigos,cachos deuvas e azeitonas nos pomares alheios, mais do queo faria um vendedor de frutas; e recebeste mais lesões doque v6s, 6 atenienses, nas batalhas emque estivestes empe-rigo de vida.

Era implacável e sem quartel a guerra de batatas que osespectadores moviamcontra os comediantes; nesses comba-tes, recebestemuitasferidas, e comrazão: zombavasdosque,medrosamente, fraquejavam na prova de tais experiências.

Mas deixandode lado tais epis6dios, cuja causa alguémpoderia atribuir à pobreza, cingir-me-ei aos pontos censurá-veis dos teus costumes.

Ingressando no governo (deu-te na veneta fazê-lo tam-bém), o teu sistema, durante o tempo em que a pátria se en-controu em pr6speras condições, foi levar um vida de lebre,receando e tremendo sempre, esperando o castigo por cul-pas de que tinhas a consciência pesada; quando a pátria cor-reu perigo, e os teusconcidadãos sofreramduros reveses, to-dos te viram ufano. Que pena merece um homem que se ale-gra com a morte de milhares de patrícios?

Silencio, entretanto, sobre muitas outras coisas que po-deria dizer a respeito.

Porque eu não acho conveniente expor todas as tuas ações

vergonhosase infames,mas somenteas que o pudor meconsente.

Agora, confrontaa tua e a minha vida, 6 Ésquines,confronta-asserenamente,e nãocom6dio.Perguntaemse-guida aos ouvintesqual das duas escolheriam.

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120 . A Oração da Coroa

Ensinavas a soletrar, eu freqüentava a escola; iniciavasnos ritos sagrados, eu fui iniciado; trabalhavas como copis-ta, eu falavanas assembléias; representavasnos teatros, nosúltimos papéis, eu era espectador; eras vaiado, eu vaiava; fa-zias política em favor dos inimigos, eu a fazia pela pátria.

Deixo o resto: agora, sou julgado por haver merecido

a coroa, e a opinião geralé queprocediacorretamente;quantoa ti, hoje, vê-sebem que não passas deum caluniador. Estásnesta dúvida: se te convém insistir na acusação, ou dela de-sistir, por não receberes a quinta parte dos votos necessáriospara vitória na pendência. Não vês?Com essabela sorte con-fessas que a minha é miserável.

Isto exposto)vou ler os testemunhos dos meus serviçospúblicos. E tu, Esquines, recita-nos também aqueles versosque estropeavas no teatro:

Eis-me. Deixei das trevas o recinto.

Ou ainda:

Sabei que a meu pesar vos anuncio1Hste destino.

Ah! Triste destino te dêem tambémtodos os deuses, co-mo péssimo cidadão e comediante digno de frutos podres!

Eis os testemunhos.

Testemunhos

(omitidos no texto)

Assimaginos negóciosque interessamà Cidade.

Navidaprivada,senemtodossabeisquefuisemprebe-nevolentee popular,acessívelaos necessitados,calareiso-

Ii

A Oração da Coroa . 121

bre os meus atos, nem apresentarei a respeito nenhum teste-munho. E... deixaria de informar que resgatei alguns cida-dãos em poder dos inimigos e que dotei os filhos de muitos,se tais fatos não fossemdo vosso conhecimento. Penso maisou menos do seguinte modo: quem recebe benefícios, develembrar-se sempre deles, mas quem os faz deve esquecê-loslogo, se deseja o primeiro agir como homem de bem, e nãoagir o segundo como homem de espírito acanhado.

Lembrar-se ao beneficiadoo bem que lhe foi feito,lançando-lhono rosto, é o mesmoque o não ter feito.

Não aludirei a essas coisas, nem me deixarei arrebatarpelo ímpeto da palavra; de qualquer modo me satisfaço coma opinião que se tenha sobre a minha esposa, nesse particular.

E quero, pondo de lado os assuntos privados, tratar umpouco mais dos assuntos de interesse público.

Podem-se contar nos dedos, ó Ésquines, as pessoas que,sob o sol, entre os gregos e os bárbaros, escaparam à tiraniade Filipe, depois à de Alexandre; admito, entretanto, que aminha ventura ou desventura, como quiseres chamá-Ia, hajasido a causa de todas as desgraças.

Mas se as pessoasque nuncame viram ou ouviramaminhavoz,têmtambémsofridoindividualmentemuitosaci-dentes;se nãosóosparticulares,mastambémcidadesintei-ras, e asnações,padeceramcrueldades,nãoé por acasomais

justo e verdadeiroatribuirmosa causade tais calamidadesà sorte comum,a uma fatal influência,que torceuo cursodos acontecimentos?

Esquecendo essas razões, acusas-me, por haver dirigi-do o leme do governo, em condições tão desfavoráveis, e

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122 . A Oração da Coroa

acusas sabendo que uma parte dos ultrajes alcança a todos,e ainda mais a ti.

Se eu agisse comoditador,decidindoos assuntospor mi-nha conta, deveriam os outros oradores censurar-me.

Mas se estivesse presenteem todos os comícios, se a Ci-dade ordenava sempre que se decidisse em comum o que eraútil fazer-se, e se todos, inclusive tu, julgaram 6timas, en-tão, as deliberações tomadas, praticas injustiças e perfídias,estigmatizando agora essas atitudes contra as quais nadaalegaste.

Então, embora não alimentasses afeiçõespor mim dian-te da oportunidade dos meus atos, me concedeste, entretan-to, as recompensas devidas, isto é: esperanças, admirações,honras; mas asconcedeste vencido pela luz da verdade e pornão teres melhores sugestões a apresentar.

Vejo, contudo, obedecido entre todos o seguinte crité-rio: somente pelas leis, mas pela pr6pria natureza, que pre-zo e castigo para ele; alguém se engana, incide em erro in-voluntariamente:perdão, e nãocastigo; alguém, sem agir malnem praticar desacertos, consagrando-se ao que parece serútil à coletividade, não alcança, juntamente com os demais,certos objetivos: não é justo que seja censurado ou vilipen-diado; justo é que se lamente a sorte comum.

Taiscoisas são postas nesses termos não somente pelasleis, mas pela pr6pria natureza, que assim as determina comnormas espontâneas e com os costumes humanos.

Ésquines de tal forma superou todos os homens em tor-peza e calúnia, que chega a me acusar por aquelas mesmascoisas que menciona como desventuras inelutáveis.

A Oração da Coroa . 123

Por eu ter-vos dito tudo com o coração nas mãos, comsinceridade e para o vosso bem, ele vos sugeriu que me evi-tásseis e odiásseis, a fim de que não fôsseis seduzidos e en-ganados, aplicando-meas pechas de capcioso, charlatão, tra-paceiro e outros nomes que tais, como se, por alguém dizercontra um segundoos epítetosadequadosa si mesmo, as coi-

sas devessem ser como ele quer, e como se os ouvintes nãotivessem que atentar para a espécie de homem que esses epí-tetos pronuncia.

Mas já sei que todo o mundo conhece o meu acusador,e julga tais qualificativosmuito mais aplicáveis a ele do quea mim.

E também sei que a minha eloqüência... mas fico poraqui. A eloqüência dos oradores depende, em grande parte,das disposições favoráveisque os ouvintes tenham em rela-ção a ele. Tanto é assim que, pelo acolhimento que lhe fizer-des e pela benevolênciaque lhe concederdes, se poderá aqui-latar da eficiência da sua palavra.

Se existe,pois, tambémemmim, algumaeloqüência,todoo mundosabequea tenhoexercitado,nosneg6ciospú-blicos, comona vidaprivada, emvossobenefício,e nuncacontrav6s; e a eloqüênciadeÉsquinestem sidoexercitadaemsentidocontrário,não s6falandoemfavordos inimigos,mas tambémcontraquemquer queo molestee ofendaumpouco.

o orador, se é um cidadão honesto, não pode pretenderque os juízes, que se apresentam no tribunal para decidir asquestões de interesse coletivo, aprovem a ira e a animosida-de, nem outras paixões idênticas, que o possam haver inspi-rado. O orador movidopor essas paixões não deve vir à vos-sa presença, e convém, antes, que não as tenha em seu tem-

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124 . A Oração da Coroa

peramento, e se delas não puder despojar-se inteiramente, 1

1

.

ao menos se expresseda maneira mais branda e sóbria I

possível. I

\Em que caso é necessário, pois, que o homem de gover-

no e o orador desenvolvam o máximo de energia?

Nos casos graves em que a Cidade corra algum perigoe em que o povoesteja diante dos inimigos; inflamar-se, en-tão, é próprio do orador e do cidadão honesto e bom.

Ésquines, não me havendo nunca pedido satisfações, emseu próprio nome ou em nome daCidade, por qualquer erroadministrativoou delitopessoal, ao suscitare moveresta acu-sação, esforçando-se tanto, a pretexto da coroa e dos louvo-res públicos que me foram tributados, revela os seus mausinstintos, o seu rancor, a sua inveja e aviltamento.

InvestircontraCtesifunterenunciandoà lutacomigo,paraassim ferir-me indiretamente, é gesto que em si encerra to-das as baixezas.

Tambémme parece, ó Ésquines, que empreendeste estadisputa para dar uma certa prova de eloqüência e declama-ção, não para vingar alguma injustiça.

Mas o que dá prestígio ao orador não é a retórica vazia,nem o tom de voz, mas a proteção dos interesses do povo,o ódio e o amor ao que a pátria ama e odeia. I

Quem tem o espírito assim, dirá todas as coisas que vi-jamao bem coletivo. .

Mas quem favoreceos que ameaçam a Cidade, não for-ma com o povo, nem com ele divide os cuidados do interes-se público.

A Oração da Coroa . 125

Mas - não vês?- eu me dispus a defender a causa dosatenienses e não pleiteei regalias pessoais. Fizeste outro tan-to? Mas como? lU, que logo depois da batalha foste embai-xador de Filipe, - o qual era nesse tempo o causador dosinfortúnios de Atenas - e assim agiste depois de haver ante-riormente recusado sempre esse cargo, coisa aliás que todo

o mundo conhece?

Quem engana a Cidade?

Não é por acaso quem dissimula o seu pensamento? Econtra quem o arauto, com justiça, atirou as suas maldições?Não foi por acaso contra Ésquines? E que maior ofensa sepoderia fazer a um orador do que a de confundi-lo por falarde um e modo e pensar de outro?

Foste, assim, desmascarado.

E aindate exauresa gritare ousas ergueros olhos aosatenienses?

Achas,talvez, que eles não sabemquemés?

Ou pensas, porventura, queo sono e o esquecimentoem-polgaram a todos, de tal forma que se deslembram das pala-vras que pronunciaste aopovonas vésperasda guerra, quan-do juravas e protestavas sacramentalmente que entre tu e Fi-lipe não havia nenhuma ligação, mas que eu, por inimiza-de pessoal, te imputava essa culpa, culpa de todo insubsis-

tente?

Tendo notícia da batalha, porém, já não te preocupastecom o que antes falaste; imediata e furiosamente confessastehaver entre ambos amizade e hospitalidade,coonestandocomtais eufemismos a traição e a traficância que exercitavas.

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126 . A Oração da Coroa

Com efeito, por que legítimo e plausível motivo seriaFilipe hóspede e conhecido de Ésquines, dele, do filho deGlaucotéia,a tocadorade timbales?Eu nãoo explicosenão I

por isto: fostepagopara combatera causados atenienses. f

Mas embora hajas sido assim, patentemente, desmasca- I

rado como traidor, tornando-se delator de ti mesmo, me in-jurias e exprobras delitos de que poderias ser responsabili-zado por todo o mundo.

A Cidade, ó Ésquines,muitos,esplêndidose grandes em-preendimentos se propôs e levou a efeito, por meu intermé-dio, e disso não se esqueceu.

E a provado quedigo existe.

Tendo o povo de eleger quem deveria fazer o elogio fú-nebre dos mortos em combate, fato esse ainda recente, não

foi a ti, para issoproposto, que ele elegeu, apesar da tua be-la voz; nem foi Demades, que havia pouco atuara como me-diador nas conclusões da paz; nem foi nenhum de vós; ele-geu a mim.

Tu e Pitoclesvoserguestesdesbragadae despudorada-menteparafalaraopovo,- "ó Júpiter,ó deuses!",- e im-putasteso que tambémagorame imputas,atirando-mein-sultos; o povo, com uma votaçãoainda mais esplêndida,elegeu-mede novo.Não ignorasa causadessapreferência,mas em todoo casoeu a lembrarei.

Os ateniensesconheciam, por um lado, a minha dedica-ção e o zelo que eu dispensavaaos negóciospúblicos, e, poroutro, a iniqüidade tua e de Pitocles.

Osmesmos fatos que negaste, quando o Estado navega-

A Oração da Coroa . 127

vade velas pandas, os admitiste nos momentos emque a pá-tria se desgraçou.

Os atenienses, entretanto,consideraram como velhosini-migos seus, - antes ocultos, mas então desmascarados, -os que, aproveitando-se das calamidades comuns, procura-ram realizar equívocos objetivos.

Em seguida, decidiram que a pessoa indicada a fazer oelogiofúnebre dos combatentes,celebrando-lheso valor,nãopoderia haver estado sob o mesmo teto, nem de acordo comos que lutaram contra eles. Acharam que a pessoa que lá,entre os inimigos, festejara e erguera hinos pelo infortúniodos gregos, participando do tripúdio dos autores da carnifi-cina, aqui, de regresso, não poderia ser homenageada; e nãoquiseram que o discurso fúnebre fosse proferido por quemderramasse lágrimas de crocodilo, mas por quem verdadei-ramente sentisse no fundo do coração a tristeza comum.

Esse pesar, os atenienseso sentiam em simesmos, o ob-servavam em mim, mas não o viam nos dois traidores.

Tal a razãopor que elegerama mim, e não a Ésquinese seus comparsas.

Não era só o pom que pensavaassim, pensavam-no,tam-bém, os pais e irmãos dos extintos, eleitos para representa-rem as honras fúnebres.

Devendo organizar o banquete fúnebre, organizaram-noemminha casa, não na casa doparente mais próximo deumadas vítimas, como é hábito em tais casos. E foram justos.Por parentesco, os representantes estavamligados aos defun-tos mais do que eu; mas nenhum deles tinha laços mais es-treitos do que eu com os mortos em conjunto.

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128 . A Oração da Coroa

De fato, quem mais do que ninguém houvesse deseja-do a salvação dos atenienses, a sua entrada em porto segu-ro, diante do desastre que os atingiu (e oxalá não o tivésse-

mos que lamentar), deveria ter a parte maior das aflições I"comuns. \

Eis as inscrições que, por deliberação popular, a Cida-de gravouemhonra dos mortos; espero que tumesmo vejasa tua calúnia, a tua perversidade, a tua infâmia condenadasnessa glorificação dos her6is.

Inscrições

"Estes, longedos seus lugaresnativos, emcombate, em-punharam as armas e abaterama insolência dos adversários.Mas, lutando com valor que causava espanto, não salvarama vida; Plutão, árbitro da pugna, os arrastou consigo parao interior da terra. Caíram por amor dos gregos, negando-sea dobrar o pescoço sob o jugo e sofrer a vergonha da escra-vidão. O solo pátrio acolhe no seu seio os corpos dos valen-tes, pois assim o quer a vontade de Júpiter.

"Somente osnumes são infalíveis;aosmortaisnãoé dadofugir ao seu destino".

Ouves, Ésquines? Nas inscrições também se diz: "So-

mente os numes são infalíveis". Elas não atribuem aos con-selheirosde Estado,mas aos deuses, a faculdadede mer comque os combatentes saiam vitoriosos. Assim, por que me in-jurias, 6 execrado,por essasdesventurasguerreiras, com aná-temas que, segundo espero, os numes desviarão sobre a tuacabeça e as dos teus partidários?

A Oração da Coroa . 129

Esse homem ainda alegamuitasoutras inverdades;maisdo queas inverdades,espanta-me,contudo,que, aomer men-ção dos desastres ocorridos à Cidade, não os lamente, comotodohonesto cidadão, nem dê sinal de sofrimento. Pelo con-trário, esgoelando-se alegremente, demonstrando a potênciade sua laringe, procurou meios de acusar-se. Assim, provou

que, naquelas deploráveiscontingências, nãoparticipava ab-solutamente das dores comuns. Quem afirma interessar-sepelas leis e pelo governo, como ele, na falta de outra coisa,deve ao menos afligir-se com os acontecimentos tristes ealegrar-se com os acontecimentos felizes, de acordo com ossentimentos do povo; nos negócios que dizem de perto coma vida da coletividade, não deve bandear-se para o inimigo.

É o que dizes haver feito, atribuindo-me a culpa de to-dos os males públicos; entretanto, 6 atenienses, desde tem-pos remotíssimos, não a contar do meu governo, nem poriniciativaminha, sempre socorrestes os gregos. Aliás, se ad-mitirdes que foi por minha causa que vos opusestes ao do-mínio tentado contra os gregos, me concedereis honra maiordo que todas as honras juntas que houvésseis concedido aoutras pessoas. Mas nem me arriscarei a essa vangl6ria -agiria mal - nem o permitiríeis.

Se Ésquinesquisessefazerjustiça, nãoarticulariaesselibelopor animosidadecontramim, infamandoa maisbeladas vossasobras.

Mas para que me ocupo em exprobrar-lhe essas calú-

nias se outras mais atrozes ele urdiu e apresentou? A pessoaque ousa acusar-me, "6 terra! 6 numes!", de conluios comFilipe, de que não seria capaz?

Aliás, se devêsseis indagar, para esclarecimento da ver-dade, - admitindo que não se aceitasse uma mentira ou um

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130 . A Oração da Coroa

libelo, por simples inimizade, - se devêsseis indagar, digo,

quais as pessoas que o povo poderia, em boa justiça, casti- igar pelos acontecimentosdesastrosos,constataríeisque em , I

todasas cidadesatingidasatuarampessoasidentificadascom IJ

esse homem, e não comigo. ~

Essas pessoas, no tempo emque os êxitosde Filipe eramfracos e limitadíssimos e eu vos exortavae aconselhavacomotimismo, traíam por torpe cobiçaos interessespúblicos, en-ganando e corrompendo os próprios patrícios, até reduzi-losà escravidão. Daoco, Cineas, Trasideo, traíram os tessálios;Cércidas, Hierônimo e Eucálpidas, os arcádios; Mirtes, Te-ledamo e Mnasea, os argivos; Euxíteo, Cleótimo e Aristec-mo, os eleatas; Néon e Traslaco, filhos de Filíades, despre-zado pelos deuses, traíram os messênios; Aristrato e Epica-res, os siciônios; Dinarco e Demarato, os coríntios; Pteodo-ro, Elixo, Perilao, os megareus; Timolao, Teogiton e Ane-metas, os tebanos; Hiparco, Clitarco e Sisístrato, os eubeus.

Mas se eu for dizer o nome de todos os traidores, o dia nãome bastará.

Esses furam, ó atenienses, os que, nas respectivas ter-ras, davamos mesmos conselhos que os seus comparsas sus-surravamjunto a vós; todos homens celerados e aduladores,espíritos endemoninhados, que contribuíram para a ruína daprópria pátria; homens quevenderama consciência,primeiroa Filipe, depois a Alexandre; homens para quem a felicida-de consiste na orgia e na torpeza; homens que subvertem aliberdade e o senso moral, que se rebelam à idéia de qual-

quer sacrifício - senso moral que para os primeiros gregosconstituía a base e o termo de todos os bens. Dessa vergo-nhosa e famigeradaconjura, dessa infâmia, ou antespara nãofazer ironia, dessa traição à liberdade dos gregos, a Cidade,graças à minha obra de governo, saiu incontaminadaperantetodo o mundo, e incontaminado saí eu perante v6s.

A Oração da Coroa. 131

E depois, Ésquines, perguntas a que recompensas me jul-go com direito?

Digo-te que, embora subornados todos os que ocupavamo governo entre os gregos, primeiramente por Filipe, e ulti-mamente por Alexandre, não me seduziram, entretanto, nem

a lisonja das palavras, nem a grandeza das promessas, nemas esperanças, nem os temores, nem outra coisa qualquer.Nenhuma corrupção me levou a trair o que eujulgava neces-sário e razoável para a pátria. Nunca vos aconselhei, 6 ate-nienses, como esses traidores, dobrando-me, como asbalan-ças, ao peso do ouro; opinei sempre com espíritojusto, retoe incorruptível. Tendo a superintendência dos negócios po-líticos mais importantes do meu tempo, a todos encaminheide forma salutar e com equanimidade.

Eis por que não posso deixar de merecer homenagens.

E as fadigasno trabalhodas muralhase dos bastiões,de quete lembras,reputo-asdignasde reconhecimento lou-vor.E por quenão?Entretanto,separo-asdas minhasobrasde governo.Nãomureia Cidadecompedrae tijolo,nemdes-tas benemerênciasme vanglorio.

Se quiseres examinar as minhas furtificações, encontra-rás cidades, bairros e portos, navios, cavalos e soldados nu-merosos que combateram pela república.

Eis as muralhasque ergui em defesada Ática, dentro

das possibilidadesdo esforçohumano;comelasfortifiqueia terra, e não apenaso circuitodo Pireu e da Cidade.

Não fui vencido pelos argumentos de Filipe, nem pelassuas maquinações; mas a fatalidade venceu os capitães e oexército dos aliados.

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132 . A Oração da Coroa

E prestai atenção.

Que devia fazer, no interesseda república, o homem ho-nesto que governassecom toda a prudência, alegria ejustiça?

Não seria acaso defender a Ática, com a Eubéia pelo la-do do mar, e com a Be6cia pelo lado do continente? No Pe-loponeso, resistir aos seus vizinhos? Não devia um chefe degoverno, porventura, providenciar para que os víveres fos-sem transportados ao longo da costa dos países não hostisaté o Pireu?

Não convinha, por um lado, com o envio de socorrose as providências tomadas, conservarmos os territórios quepossuímos, isto é, Proconeso, Quersoneso, Tenedo, e, poroutro lado, captarmos a amizade e a aliança de Bizâncio, deÁbidos e da Eubéia?

Não deveríamos, acaso, destruir as furças mais impor-tantes que estavamcom o inimigo e dar à Cidade as que lhefaltavam?

Thdo isso foi efetuadopelos meus decretos e atos de go-verno. E se alguém, 6 atenienses, presa de inveja, quiser fa-zer uma devassa a respeito, apurará que essas medidas fu-ram aconselhadas com retidão e realizadas esplendidamentecom toda a justiça; que não foi descurada, nem desconhe-cida, nem negociada por mim a sua oportunidade; que na-da, nada que estivesse ao alcance de um homem foi esque-

cido..

Que culpa cabe a Dem6stenes se o poder de qualquerdivindade, ou dos fados, ou a imperícia dos capitães, ou amaldade dos traidores, ou o concurso de todas essas adver-sidades, falsearam tudo, até sobrevir a desgraça?

A Oração da Coroa . 133

Se, como eu, no meu posto, tivesse havido um homemem cada uma das demais cidades gregas, ou antes, se a Tes-sália e a Arcádia tivessem um homem, um homem, apenas,que pensassecomo eu, de ninguém, - nem dos gregos além,nem dos gregos aquém das Term6pilas - proviriam as pre-sentes desventuras; livres e autônomos, sem desconfianças,

seguros, felizes, habitariam as suas pátrias e, graças a mimsobretudo, por tão grandes benefícios, renderiampreito a vóse aos demais atenienses.

A fim de que se veja que, temendo as mordidas da inve-ja, uso palavras muito inferiores aos fatos, leia-se em voz al-ta o número dos socorros efetuados em virtude dos meusdecretos.

Números de Socorros

(omitidono texto)

Assim é que procede, 6 Ésquines, um homem honesto,um homem que, alcançados os seus objetivos, tenha o direi-to de colocar-se entre as grandes figuras, e que, se não forfeliz, devaao menos merecer consideração. Culpa, se as hou-ver, caberá apenas à sorte, que foi árbitra dos acontecimen-tos. Mas, por Júpiter, o cidadão honesto não se esquiva aosdeverespara com a Cidade, não se coloca ao serviço dos seus

inimigos, não lhes dá possibilidade de ação contra os inte-resses da pátria. Sem denegrir os que lutaram pelo bem co-letivo, sem ligar às ofensas pessoais, sem guardar rancores,o bom cidadão jamais se acomoda numa tranqüilidade per-niciosa, faustosapor fora e pútrida por dentro, como faz És-quines freqüentemente.

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134 . A Oração da Coroa

Decerto, existe uma tranqüilidade salutar e útil à Cida-de, a qual gozaiscom placidez. Mas dessa tranqüilidade nãoparticipam homens como este. Longe disso. Afastado da po-lítica, quandolhe convém, (e isto fazconstantemente)espreitao momento emque a fadigavos invadaao ouvirdes qualquerorador prolixo e maçante; quando ocorre qualquer revés de

fortuna (acidenteshumanosnuncafaltam), ei-Io, também, queirrompe do seu repouso comoum tufão.Declamandoe amon-toando sentenças e discursos, pronuncia-os, escandindo aspalavras, de um s6 fôlego, sem nenhum proveitoe serventiaalém do desprazer que causa a algunscidadãos e a vergonhaque causa a todos.

Ora, esta ênfase oratória, esta solicitude, 6 Ésquines, seprocedessemde um amigosincerodapátria, de alguématentoaos seus sentimentos, dariam nobres frutos, esplêndidos evantajosos, isto é, subsídios de dinheiro, incremento do co-mércio, criação de boas leis, resistência aos inimigos decla-

rados. Porque todas essas coisas sebuscavamem outros tem-pos, e todohomem de bem tinha ocasiões de se fazer presta-dio. Mas nada incrementaste, em nada apareceste, nem emprimeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto ou sexto lugar;em suma, emnada a que a Cidade devesse o seu progresso.

Que aliança, por teus esforços, se verificou na Cidade?

E que socorro ou novotítulo de benemerênciaou degl6ria?

Que embaixada ou serviço, que dignificassem a Cida-de? Que instituto melhoraste, entre os nossos patrícios, en-tre os gregos ou entre os estrangeiros? Que navios? Que ar-mas? Que estaleiros? Que muralhas? Que esquadrões? Emque, entre todas as coisas, foste útil? Que auxílio de dinhei-ro, comunal ou governativo, arranjaste para os abastados e

A Oração da Coroa . 135

os pobres?Nenhum.Masdizes: "Se nãocontribuícomosrecursos do meu bolso, promovi, porém, os donativospúblicos".

Respondo: Onde?Quando?Oh! éso mais iníquodos ho-mens! Ao tempo em que todo o mundo discursava desta tri-

buna, contribuindo com dinheiro para a salvação da pátria,- ultimamente ainda, para conservar o seu cargo, Aristôni-co doou uma soma reunida com esforço - nem mesmo, en-tão, deste um 6bolo que fosse. E não eras pobre! Pobre, tu,que düs bens de Fílon, teu sogro, herdaste mais de cinco ta-lentos? (30) Não recebeste, também, dois talentos angaria-dos entre os chefes das tribos, para os quais trabalhaste nosentido de se revogarem as leis sobre a tetrarquia? Mas vistoque, ao encadear os meus argumentos, concluída uma razão,outra razão me acode logonascida da primeira, levando-mea digressões, procuro encerrar aqui esteponto do debate. Fi-ca em todo caso bem claro que não fui por pobreza que dei-xaste de fazer donativos, mas para não desagradar os teuscorreligionários, para os quais continuavas a ser uma espé-cie de colher na panela de todos os seus cozidos.

Quando, pois, te apresentas generoso e radiante?

Quandodesfavorecesa causa dos atenienses; nessas oca-siões pompeias a voz sonora; com a mem6ria feliz, até pa-reces um consumado ator, um trágico famoso, um Te6-crines (31).

Celebras os varões ilustres dos tempos passados. E fa-zes bem.

Contudo, não é justo, 6 atenienses, que no culto que pro-fessais pelos mortos beneméritos eu seja colocado em con-fronto com eles, eu, ainda vivo entre v6s.

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136 . A Oração da Coroa

Sabeis que os vivos estão sujeitos aos arreganhos da in-veja e queos invejososenaltecemos mortos, mesmo quandoestes foram seus inimigos.

Assim, devo acaso ser julgado em confronto com os queviveram antes de mim? Não, jamais! Não é justo, nem há

termo de comparação, 6 Ésquines; que eu seja julgado emparalelo contigo, ou com qualquer outro que queiras, entreos teus comparsas, que estão vivos. Serámais belo e honro-so para a Cidade, como homenagem aos nossos antepassa-dos, pelos seus serviços (serviços na verdade imensos e su-periores a qualquer palavra de admiração), será mais beloe honroso, digo, desmerecer as boas ações presentes, ou, aocontrário, permitir que os beneméritos participem das hon-ras e do carinho dispensados aos antigos benfeitores?

E seme é lícito também dizê-Io, os meus atos de gover-no, a quemos considerar devidamente,se inspiraramnospro-pósitos dos antigos varões; quantoà tua política, foi em tudoidêntica à dos seus caluniadores. É inegávelque, também notempo dos nossos maiores, havia pessoas que, denegrindoos seus contemporâneos, louvavamos antigos em relação aeles, praticando atos reprováveis, iguais aos que praticas.

Dizes que em nada sou parecido com os nossos ante-passados? E tu, Ésquines, por acaso és? Sê-Io-á o teu irmãoou qualquer dos oradores de hoje? Certamente que não.

Masvamos,6 egrégiocidadão,confrontaum vivocom I.

outro vivo e com os seus congêneres, como se faz em rela-ção às outras coisas; assim, confrontam-se os poetas com ospoetas, os cantores com os cantores, os atletas com os atle-tas. Filamon não voltou sem coroa da arena de Olimpo, efoi coroado e proclamado vencedor, embora menos capaz doque Glauco,ou do que Caristo,e algunsoutros atletas do

A Oração da Coroa. 137

tempo antigo,justamente porque lutoumelhor do que os de-mais que desceram com ele para a liça.

Ora, coloca-medefronteaos oradoresatuais, defrontea ti, defronte a qualquer outro que queiras; não excluoninguém.

Não excluo ninguém entre os que se apresentaram co-migo, quando da discussão sobre os interesses da Cidade,numa polêmica apaixonada sobre quem seria o mais dedica-do à pátria. Eu apresentei largas sugestões, que prevalece-ram sobre as dos demais, tanto que todas as medidas adota-das o foram segundo os meus decretos, as minhas leis, asminhas embaixadas; nenhum desses traidores participou dequalquer negociação a não ser para nos prejudicar.

Mas depois que os inimigos, para nossa desgraça, to-maram a ofensiva, e já não se reclamavamconselheiros, masservos obedientes,gente pronta a alugaros seus serviços con-tra a pátria, cortesãos de Filipe; então, não antes, compare-ceste, e mais os teus partidários; compareceste, grande e im-ponente, exibindo equipagensde luxo e nutridos cavalos.Eu,ao contrário, vivia modestamente, mas tinha o que não ti-nhas, a estima dos atenienses.

Duas qualidades, 6 atenienses, deve possuir o cidadãomorigerado, qualidades que a inveja não poderia arrancar-lhe. São elas: nos cargos públicos, o propósito de conservarà Cidade a grandeza civil e hegemonia, depois, em todas as

oportunidades e empreendimentos, o afeto constante pelopovo.

Para isso, basta a natureza humana, mas para forçar osacontecimentos,para dominá-Ios,misterse fazumaoutra na-tureza, superior a nós.

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138 . A Oração da Coroa

Quanto à primeira natureza, facilmente verificareis queem mim é pertinaz. Observai, atenienses! Jamais diminuiuemmim a amizade por vós, nem quando fui arrastado ao tri-bunal por esse homem; nem por ameaça ou intrigas; nemquando fui obrigado a reptar os celerados.

Eu mepropus, desde o começo, um sistema de governo

justo e reto, istoé, promovera dignificação,o poderio,a glóriada pátria. São coisas que me propus realizar.

Nos felizes sucessosdo inimigo, não me lanço pela pra-ça, radiante e jubiloso, a anunciar boas notícias, na esperan-ça de que sejam difundidas. Não caminho trêmulo e suspi-roso, curvo para a terra, nos felizes sucessos da Cidade, co-mo fazem esses ímpios, que a dilaceram, sempensar que seestão também dilacerando.

Eles volvemos olhos para o estrangeiro, e os fatos des-favoráveisaos gregos, nos quais Filipe se porta com felicida-

de, esses atos enaltecem, afirmando que devemos fazer asmais ativas diligências para que os mesmos se repitam.

Não, absolutamente não, ó numes!Nenhum de vós con-sinta nessas infâmias!Antes demais nada, infundi a tais ho-mens espírito e melhor discernimento; e, a nós, para o futu-ro, concedei uma garantia mais segura e uma rápida liberta-ção dos perigos iminentes.

Notas

(1) Ésquines - Orador e político ateniense, de grande beleza físi-ca. Viveu de 389 a 314a.C. De origem modesta, seus atritose suas polêmicas com Demóstenes simbolizama diferença en-tre a peble e a aristocracia de Atenas, diferença essa que setomou particularmente manifesta por ocasião da guerra comFilipe daMacedônia - a plebe (Ésquines) entregando ou ven-

dendo a pátria ao estrangeiro, e a aristocracia (Demóstenes)perguntando-se como, escravizada, receberia os forasteiros acampeã da liberdade helênica.

(2) Ctesifunte - Políticoateniense.Propondo,apósa batalhadeQueronéia(338a.C.), que Atenasconferissea Demóstenesumacoroa de ouro como recompensa aos serviços que este presta-ra à cidade, foi acusado e processadopor Ésquines. Defendeu-oDemóstenesna Ol'Ofãoda Coroa,absolvendo-oe fazendocon-denar o acusador (330 a.C.).

(3) Sólon - Um dossetesábiosdaGrécia.LegisladordeAtenas, e presumívelcriadordo Areópago.(638-558a.C.).

(4) Filócrates - Ateniense do século IV a.C. Enviado com \Una

embaixada a Filipe da Macedônia, vendeu-se ao rei, assinan-do uma paz desastrosa para Atenas, que perdeu Anfípolis ePotidéia.

(5) Batalhade Leutra (371a.C.). Os tebanos, comandadospor Epa-minondas, dizimaram os espartanos.

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140 . A Oração da Coroa

(6) Filipe 11daMacedônia reinou de 359 a 336 a.C. Submeteu to-da a Grécia e dispunha-se a passar à Ásia quando foi assassi-nado por Pausânias. Continuou sua obra seu filho Alexandreo Grande.

(7) Tennópilas - DesfIladeiro situado entre o Eta e o golfo Me-líaco. Famoso em virtude da batalha que aí se travou em 480a.C. entre os trezentos espartanos de Leônidas e os invasorespersas.

(8) Calístenes - Filósofogrego. Morto comoconspirador no ano328 a.C. por se recusar a adorar Alexandre o Grande.

(9) Prítanes - Membrosdo Pritaneuou Senadoda antigaAte-nas. Eram em número de 50.

(10) Lastenes - Entregou Olinto, cidade da Calcídia colonizadapor Atenas, a Filipe 11da Macedônia (348 a.C.), não conse-guindo Demóstenes com seus três discursos chamados Olin-tianas que os atenienses fossem em seu socorro.

(li) Tebas foi destruída no ano 335 a.C. por Alexandre o Grande,por traição de Timolau.

(12) Baco (em Roma)ou Dionísios (na Grécia) era o deus do vi-nho da fábula. As festasem sua honra, que com o tempo de-

generaram em orgias e assassinatos, chamavam-se dion{siasou dionis{acas na Grécia e bacanais em Roma.

(13) Péla - Antiga capital da Macedônia.(14) Anfípolis, Pidna, Polidéia, Haloneso - Cidades da Macedô-

nia e da Calcídia habitadas por atenienses, que Filipe tomouou destruiu devido à traição de Fil6crates.

(15) Amintas - O braço forte deFilipe na campanha de conquistada Grécia. Houve, com o mesmo nome, oito reis naMacedô-nia, um dos quais o pai de Filipe.

(16) Cúbito - Medida correspondente ao comprimento do ossodo mesmo nome.

(17) Refere-seao governode tirania e perseguição impostopor Es-parta a Atenasapós a guerra doPeloponeso, de que a primei-

ra saiu vencedora.(18) Náusicles - Políticoateniense elogiado por sua boa adminis-

tração da cidade.(19) Hoplitas - Soldados de infantaria da antiga Grécia, pesada-

mente arnlados.

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(20) Jogos gúnnicos - Jogos de combate entre atletas.

(21) Eaco, Minos, Radamanto - Os três juizes do inferno, segun-do a fábula.

(22) Are6pago- O supremo tribunaldaantigaAtenas.Compunha-se de 31membros (arcontes) eleitos entre os cidadãos de me-lhor nascimento, mais instruídos e de maior talento.

(23) Anfitiões - Delegadosàsanfitiôniasouassembléiasemquese reuniam, na Grécia antiga, os representantes dos diversosPovos helenos, confederados pelo culto ou por interessescomuns.

(24) Peloponeso- 1àmbémchamadoMoréia. Penínsulameridio-nal da Grécia ligada ao continente pelo istmo de Corinto.

(25) A aristocracia do ouro ateniense.

(26) Batalo - Protótipo do mau cidadão e do traidor da pátria.

('2:7)Temístocles- Célebreestadistae generalatenienseque sal-vou a Grécia do domínio dos persas desbaratando-Ihes a es-quadra na batalha de Salamina (533-470 a.C.).

(28) Batalha de Queronéia - Travadaemagostode 338a.C., en-tre macedônios, e atenienses e tebanos coligados. Venceram

os macedônios, que dizimaram obatalhão sagrado.

Quero-néia marca a vitória final de Filipe e o início do domínio ma-cedônio na Grécia.

(29) Céfalo - Orador, historiador e estadista ateniense, famosopor sua dedicação à causa pública.

(30) Talento- Medida de peso. O talento de dinheiro correspon-dia ao valor de '2:7quilogramas de prata.

(31) Teócrines - Poeta e ator grego do século IV a.C.

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Notícia Biográfica

Demóstenes, o maior dos oradores gregos e um dos mais notá-veis da história da civilização, teria nascido em Atenas em

384-383 a.c. e se suicidado em Caláwia a 14de outubro de 322.

Sua vida, como a da maior parte das ~rsona1idades da antiguida-de, é historicamente muito nebulosa. É lenda que desde menino,natureza franzina e delicada, sentia grande atração pelas artes eletras, dedicando-se com paixão ao estudo dos poetas e oradores.Iseu, Polícrates e Platão teriam sido seus mestres. A brilhante au-todefesa de Calistrato de Afidna no tribunal de Atenas tê-Io-ia de-cidido a abraçar a carreira oratória. De dicção difícil, porém, quase

gago, passava horas e horas discursando ao mar com seixos na bo-ca. Em 354 a.C. teria pronunciado o primeiro discurso: Contraa lei de Septinas. Seguiram-se: - Contra Tunácrates, ContraCâ-non, ContraArist6crates, Fil(picas, Olintianas, Pela liberdadedosródios, Sobre a paz, Sobre a questão do Quersoneso, Oração daCoroa, etc. Muitas obras que lhe são atribuídas, como Er6ticos,e inúmeros ex6rdios e cartas foram declaradas apócrifuspela crí-tica moderna.

Demóstenes fui sobretudo orador político. É em sua obra-prima, as Fil(picas - série de quatro orações de combate, proferi-das em 351-340a.C. contra FilipedeMacedônia, que queria fazer-secoroar rei da Grécia - que revela seus excepcionaisdons de

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14 . A Oração da Coroa

orador, de político e de psicólogo. Vencidosos atenienses, a des-

peito da veementecampanhadeDemóstenes, propõe Ctesifuntelheseja conferida uma coroa de ouro como recompensa aos serviçosprestados à pátria. Ésquines, porém, outro grande orador, opõe-see acusa Ctesifonte e Demóstenes. Demóstenes sai a campo (330a.c.) e profere brilhante autodefesa e contra-acusação a Ésquines,a famosa Or~ão da Coroa.