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A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA L'ORDRE ÉCONOMIQUE CONSTITUTIONNELLE À LA LUMIÈRE DU PRINCIPE DE LA LIBRE CONCURRENCE Erica Ludmila Cruz Barros RESUMO Uma análise da ordem econômica em todas as Constituições Brasileiras mostra as diferentes faces do Estado, em cada período, desvendando como o Estado Brasileiro disciplinava juridicamente as relações econômicas e, por fim, revela a importância de tais normas estarem consagradas em nível constitucional. O presente artigo ainda analisa a ordem econômica constitucional disposta na Constituição de 1988 frente ao princípio da livre concorrência, para isso, será demonstrado como o respeito a esse princípio traz benefícios não apenas para os agentes econômicos mais fracos, mas também, para toda a sociedade que terá uma maior quantidade de bens e serviços à sua disposição para escolher o que julgar de melhor qualidade. PALAVRAS-CHAVES: ORDEM ECONÔMICA, LIVRE CONCORRÊNCIA, AGENTES ECONÔMICOS RESUME Une analyse de l’ordre économique en toutes les constitutions brésiliennes montre les différentes facettes de l’Etat, à chaque période, démontrant comment l’Etat brésilien disciplinait juridiquement les relations économiques et, enfin, révèle l’importance de la place de ces normes au niveau constitutionnel. Cet article porte aussi sur une analyse de l’ordre économique constitutionnelle contenue dans la Constitution de 1988, face au principe de la libre concurrence. À cet effet, ce travail démontrera comment le respect à ce principe apporte de bénéfices non seulement pour les agents économiques les plus faibles, mais également, pour toute la société qui ait une plus grande quantité de biens services à sa disposition pour que pour choisir ce lequel il juge de meilleure qualité. MOT-CLES: ORDRE ÉCONOMIQUE, LIBRE CONCURRENCE, AGENTS ÉCONOMIQUES 2687

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A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA

L'ORDRE ÉCONOMIQUE CONSTITUTIONNELLE À LA LUMIÈRE DU PRINCIPE DE LA LIBRE CONCURRENCE

Erica Ludmila Cruz Barros

RESUMO

Uma análise da ordem econômica em todas as Constituições Brasileiras mostra as diferentes faces do Estado, em cada período, desvendando como o Estado Brasileiro disciplinava juridicamente as relações econômicas e, por fim, revela a importância de tais normas estarem consagradas em nível constitucional. O presente artigo ainda analisa a ordem econômica constitucional disposta na Constituição de 1988 frente ao princípio da livre concorrência, para isso, será demonstrado como o respeito a esse princípio traz benefícios não apenas para os agentes econômicos mais fracos, mas também, para toda a sociedade que terá uma maior quantidade de bens e serviços à sua disposição para escolher o que julgar de melhor qualidade.

PALAVRAS-CHAVES: ORDEM ECONÔMICA, LIVRE CONCORRÊNCIA, AGENTES ECONÔMICOS

RESUME

Une analyse de l’ordre économique en toutes les constitutions brésiliennes montre les différentes facettes de l’Etat, à chaque période, démontrant comment l’Etat brésilien disciplinait juridiquement les relations économiques et, enfin, révèle l’importance de la place de ces normes au niveau constitutionnel. Cet article porte aussi sur une analyse de l’ordre économique constitutionnelle contenue dans la Constitution de 1988, face au principe de la libre concurrence. À cet effet, ce travail démontrera comment le respect à ce principe apporte de bénéfices non seulement pour les agents économiques les plus faibles, mais également, pour toute la société qui ait une plus grande quantité de biens services à sa disposition pour que pour choisir ce lequel il juge de meilleure qualité.

MOT-CLES: ORDRE ÉCONOMIQUE, LIBRE CONCURRENCE, AGENTS ÉCONOMIQUES

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1. INTRODUÇÃO

A finalidade da ordem econômica é organizar e regulamentar as atividades econômicas, mas para isto, é imprescindível que alguns princípios sejam obedecidos não apenas pelo Estado como pelos agentes privados.

Existiu uma época em que a participação do Estado na economia era vista pelos particulares como algo negativo, ou uma forma de atrapalhar o livre desenvolvimento do mercado, nesses tempos acreditava-se que a concorrência era regulada por regras naturais e sempre alcançava o equilíbrio. Contudo, as crises econômicas advindas do liberalismo clássico ensinaram aos países que o Estado pode ajudar nas relações de mercado sem, contudo, comprometer a economia.

Dito isso, a “intervenção” não precisa ser encarada como sinônimo de intromissão, contudo, como uma maneira aconselhável do Estado evitar abusos por parte dos agentes privados detentores de maior poder econômico e também como uma forma de garantir a concretização da tão sonhada justiça social. Diminuir a distância entre os indivíduos e buscar condições dignas para todos, é um dos fundamentos da ordem econômica atual.

Uma análise da ordem econômica em todas as Constituições Brasileiras mostra as diferentes faces do Estado, em cada período, revelando como o Estado Brasileiro disciplinava juridicamente as relações econômicas e, por fim, mostra a importância de tais normas estarem consagradas em nível constitucional. Todavia, será com o estudo da ordem econômica prevista na Constituição de 1988 que se poderá ter uma visão clara de todo o avanço no tratamento das atividades econômicas até os dias de hoje.

Por fim, a proposta desse trabalho é analisar a ordem econômica constitucional à luz do princípio da livre concorrência, para isso, será demonstrado como o respeito a esse princípio traz benefícios não apenas para os agentes econômicos mais fracos, mas também, para toda a sociedade.

2. ORDEM ECONÔMICA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

A ordem econômica faz parte da ordem jurídica e demonstra, com suas normas, como o Estado organiza a economia. Foi em 1917 com a Constituição Mexicana, que uma ordem econômica, pela primeira vez, foi regulada, embora existissem normas econômicas em algumas constituições, ainda não eram organizadas, ou seja, não estavam dispostas visando alcançar alguma finalidade.

O certo é que a Constituição Federal deve trazer em seu conteúdo normas capazes de legitimar a intervenção do Estado na economia, reprimindo abuso de alguns particulares e criando condições para que outros interessados consigam ingressar no mercado econômico. No Brasil a Constituição de 1934 trouxe pela primeira vez uma disposição

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de normas intituladas da “Ordem econômica e social”, contudo, como já foi exposto, isso não significa que nas anteriores não houvesse normas com conteúdo econômico.

É de grande valia o estudo das normas econômicas nas Constituições Brasileiras, afinal, tal tarefa, apesar de árdua, desvenda as faces do Estado diante da economia desde a primeira constituição brasileira.

2.1 A Constituição de 1824

Originou-se a Constituição de 1824 influenciada pelo constitucionalismo histórico do século XIX, movimento que tem em seu cerne, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual por sua importância foi adotada na parte do preâmbulo da Constituição Francesa de 1791.[1] Ora, o absolutismo do ponto de vista ideológico, era o oposto do constitucionalismo que proclamava o limite da atuação Estatal frente às liberdades individuais.

Em 1822 houve a declaração de independência, a nação encontrava-se, pelo menos do ponto de vista formal, livre e soberana. Era normal e esperado que no bojo da Constituição existisse uma tendência liberal, em virtude do desejo dos portugueses em se inserirem nos quadros do liberalismo econômico que seduzia o mundo. [2]

O fato é que uma Constituição liberal tem de dispor de um conjunto de normas jurídicas capazes de garantir uma esfera de liberdade incompatível com as determinações de um Estado absolutista. Aqui os indivíduos passavam de meros súditos a detentores ou titulares de direitos. Contudo, ainda havia muito para se avançar, pois até mesmo a escravidão permaneceu viva na sociedade e na Constituição.

Sem dúvida, é totalmente contraditório que uma Constituição com propostas liberais, exclua determinada parcela de indivíduos da cidadania. Existem inúmeras razões éticas para condenar a escravidão, mas também, razões econômicas, afinal, os escravos não recebem salário em razão do trabalho que desempenham, logo, sem remuneração ficavam impossibilitados de atuarem no mercado. “Nesse marco, o trabalho escravo era uma barreira para a consolidação de um mercado de consumidores para uma sociedade liberal democrática”.[3]

No que tange a ordem econômica, a Constituição de 1824 não trouxe título ou capítulo para discipliná-la, contudo, há certas normas que tinham por finalidade regular relações econômicas. Tratando dos direitos individuais dispostos constitucionalmente, João Bosco enumera alguns que possuem reflexos econômicos:

a transcendência e inviolabilidade dos direitos individuais ou naturais têm como conseqüências a plenitude do direito de propriedade, a liberdade de indústria e comércio, a abolição das corporações de ofício, a garantia do direito de propriedade sobre os inventos, como se infere da leitura do art. 179, parágrafos 22, 24, 25 e 26.[4]

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Enfim, o liberalismo parece ter sido de grande inspiração para a Constituição do Império, momento em que cabia ao Estado apenas assegurar que as leis naturais de mercado se desenvolvessem, quando muito, sua intervenção se limitava a afastar os embaraços que comprometiam o ritmo natural da economia.[5]

2.2 A Constituição de 1891

Em 15 de novembro de 1889, com o decreto n. 1 foi proclamada de forma provisória a República, fato este que se deu em decorrência da perda de prestígio do regime monárquico. Pode-se afirmar que a Primeira República consolidou, de fato, o liberalismo no Brasil.

A Constituição da República permaneceu em vigor até 1930, quando não teve forças contra a Revolução liderada por Getúlio Vargas.[6] Sobre a Carta de 1891, algumas observações ainda podem ser feitas:

Apesar ou por causa do aparente sucesso dessa atuação solitária do seu “elaborador maior”, a verdade é que, decorridas duas décadas da sua promulgação, já se tornava evidente que a Constituição de 1891 não dispunha de força normativa suficiente para ordenar o processo político, do que resultou o surgimento de insatisfações generalizadas, tendentes à aboli-la ou, no mínimo, a reformá-la profundamente.[7]

Se o federalismo dos Estados Unidos da América trouxe ao Brasil a sede de mudança na órbita política, em termos econômicos, pouco foi modificado, visto que a ideologia do liberalismo continuou a dominar o texto constitucional. O Direito de propriedade estava protegido pelo art. 72, § 17 da Constituição de 1891[8], e em razão deste direito, outros como a liberdade de indústria e comércio, o direito sobre os inventos industriais, a propriedade das marcas de fábrica, também eram tutelados. [9]

2.3 A Constituição de 1934

Depois da primeira guerra mundial, vários países pelo mundo sentiram a necessidade da existência de um Estado que é muito mais do que mero observador das leis naturais de mercado. A intervenção torna-se imperiosa para reprimir os abusos por parte daqueles que conseguiam se estabelecer no mercado. Pela primeira vez o constituinte brasileiro se preocupou em dedicar um título às relações econômicas, assim, do artigo 115 ao artigo 143, foram estabelecidas normas jurídicas para regular e disciplinar a “Ordem Econômica e Social”.

Paulo Bonavides e Paes de Andrade tecem um interessante posicionamento sobre a Carta de 1934, que muito fala sobre o espírito dessa Lei:

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Em rigor a organização dos poderes não rompera com os fundamentos liberais da tradição nacional, mantendo como órgãos da soberania, dentro dos limites constitucionais, os três poderes clássicos da teoria de Montesquieu, independentes e coordenados entre si, vedando inclusive a delegação de suas atribuições... Quanto aos direitos e garantias individuais, mantiveram-se basicamente o de nossa tradição liberal, havendo até aperfeiçoamento com respeito à proteção dos direitos líquidos e certos contra atos manifestamente inconstitucionais ou ilegais de qualquer autoridade, instituindo-se para tanto uma nova figura processual: o mandato de segurança... Mas não padece dúvida que a tônica da Constituição de 34 recaiu sobre o Estado Social. O novo pacto, sobre declarar a inviolabilidade do direito à subsistência, já não mantinha com as outras constituições o direito à liberdade em toda a sua plenitude, senão que ao garanti-lo assinalava que ele não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo, sujeitando-o assim às limitações que a lei determinasse. [10]

Vários dispositivos demonstram uma tendência democrática nessa constituição, pode-se citar o voto das mulheres[11], a preocupação do poder público com os padrões de vida nas diferentes regiões do país[12], a regulamentação de normas trabalhistas de ordem constitucional[13], entre outros.

Ainda sobre a ordem econômica e social disposta na Constituição tinha por fim também assegurar a existência digna de todos, e possibilitar a liberdade econômica. De acordo com os mandamentos constitucionais, era possível a União monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, desde que houvesse regulamentação legal e interesse público.[14]

2.4 A Constituição de 1937

Conhecida como a Polaca, por ser inspirada na Constituição Polonesa, a Constituição de 1937, trazia uma clara manifestação de poder autoritário concentrado nas mãos do Chefe do Executivo no art. 180: “Enquanto não se reunir o Parlamento nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União.” Ora, como o parlamento esteve fechado, cabia a Getúlio Vargas disciplinar de forma autoritária o curso que o Estado deveria seguir, sem que houvesse qualquer controle sobre os decretos-lei que expedia.

Existia o título dedicado “A Ordem Econômica”, disposto do art. 135 ao art. 155. A intervenção do Estado foi positivada constitucionalmente no art. 135,[15] contudo, durante o Estado Novo, Getúlio Vargas gozou de plenos poderes, o que tornou a maioria dos dispositivos constitucionais meras folhas de papel sem nenhuma aplicabilidade.

2.5 A Constituição de 1946

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Em 1945 Getúlio Vargas teve de enfrentar o desafio de redemocratizar o país, visto que o Brasil esteve na Segunda Guerra apoiando os aliados contra as ditaduras nazi-facistas. O certo é que após a segunda guerra, o autoritarismo tinha que ceder seu lugar agora fracassado para os ideais democráticos.

A Lei Constitucional 9, de 28.02.1945 foi uma das primeira atitudes do presidente, com esse instrumento legal vários artigos da Constituição até aquele momento vigente, tiveram que ser modificados, “a fim de propiciar aquele desiderato, mediante a eleição direta do Presidente da República e do Parlamento.”[16]

Essa Constituição tinha uma essência liberal, contudo, o liberalismo de 1946 era diferente, tratava-se de um “novo liberalismo”, pois levava em consideração fatores sociais que antes eram negligenciados, além disso, a autonomia da vontade recebe limitação de outros institutos de direito privado, tais como o contrato e a propriedade.[17]

Contemplou um título para a ordem econômica e social e reservou artigos para os direitos do trabalhador, legislação previdenciária, estabeleceu a percentagem de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão ou em setores da indústria e do comércio, tornou livre a associação sindical, reconheceu a greve como um direito regulado em lei.[18]

2.6 A Constituição de 1967 e A Emenda Constitucional n.1, de 1969

Foi uma Constituição bastante influenciada pela Constituição de 1937, sua característica marcante está na clara preocupação em manter a segurança nacional.

Dos artigos 157 ao artigo 166, tratou da ordem econômica e social. O art. 157 afirma que a justiça social é a finalidade da ordem econômica e elenca os seguintes princípios: livre iniciativa, valorização do trabalho como condição de dignidade humana, função social da propriedade, harmonização e solidariedade entre os fatores de produção, desenvolvimento econômico, repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

Os comentários a seguir são de José Afonso da Silva:

é menos intervencionista do que a de 1946, mas em relação a esta, avançou no que tange à limitação do direito de propriedade, autorizando a desapropriação mediante pagamento de indenização por títulos da dívida pública, para fins de reforma agrária. Definiu mais eficazmente os direitos do trabalhadores.[19]

Posteriormente, a Emenda Constitucional n. 1 de 1969, que substituiu a Constituição de 1967, inseriu o princípio da expansão das oportunidades de emprego produtivo.[20]

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2.7 A Ordem Econômica na Constituição de 1988

Foram estudadas até aqui as disposições referentes ao ordenamento jurídico econômico desde a Constituição do Império de 1824, chega, portanto, o momento oportuno para analisar a ordem econômica disposta na Constituição Federal de 1988.

O título VII da Constituição de 1988 trata “Da Ordem econômica e financeira”, que aparece definida do art. 170 ao art. 192. Afirma o art. 170 que a ordem econômica está fundada na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, como forma de se assegurar a existência digna para todos. Isso significa que a ordem econômica brasileira está consagrada em um regime capitalista, que admite a livre iniciativa e dá prevalência a valorização do trabalho humano sobre todos os outros valores da economia de mercado.[21]

Mas como se consegue assegurar a todos uma existência digna conforme os ditames da justiça social? Seria essa a finalidade da ordem econômica, mas também, o grande desafio a ser enfrentado. Justiça social não é atingida quando há grande desigualdade no nível social dos indivíduos. Com efeito, onde reina a fome, a miséria, a mortalidade infantil, o desemprego e a violência, estar-se ainda bem longe de uma existência digna para todos.

O art. 170 indica os princípios a serem observados pela ordem econômica, são estes: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte. A doutrina adverte que esses não são os únicos princípios informativos da atividade econômica, além desses, existem outros que podem ser citados, a exemplo dos art. 218 e art. 219. [22]

A soberania que a Lei Maior trata no art.170 é a soberania econômica, que tem o papel de complementar a soberania política, disposta no art. 1°, I, consagrada como fundamento do Estado democrático de Direito. Ademais, é muito difícil que haja observância das normas estabelecidas na ordem econômica, quando o país tem uma dívida externa crescente e seus laços de dependência financeira apenas se estreitam com as nações mais ricas.

Na ordem econômica de 1988, talvez a idéia central e predominante, que revela o perfil econômico do Estado, esteja no art. 173, esse dispositivo afirma que as atividades econômicas serão desenvolvidas pelo setor privado, salvo quando for autorizado ao Estado explorá-las diretamente, que só será permitida nos casos de segurança nacional ou interesse coletivo na forma da lei. Ainda o §4° do artigo estabelece que a lei puna o abuso do poder econômico que vise à dominação de mercado, à eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

3. A IMPORTÂNCIA DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

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A intervenção do Estado na ordem econômica como agente normativo e regulador, precisa ser compreendida como indispensável para garantir o desenvolvimento da democracia nos termos da Constituição Federal de 1988, afinal, não se pode ter liberdade e igualdade quando a iniciativa privada distancia os indivíduos economicamente, o que impede a concretização da justiça social.

Na prática, esperar por condições ideais de mercado para que haja a atuação da “mão invisível” organizando a economia e auto-regulando o mercado, como teorizou Adam Smith, é uma utopia dentro do modelo capitalista, já que é possível ao detentor dos meios de produção encontrar fórmulas para burlar a livre concorrência e ainda cometer abusos frente ao poder econômico.

Como já foi explicada anteriormente, a ordem econômica é um conjunto de normas jurídicas pelas quais o Estado pretende organizar as atividades econômicas. Portanto, para que as atividades econômicas realizem-se nos moldes constitucionais, existem determinados princípios que servem de vetores para o Estado e os particulares que atuam no mercado. Ademais, o mercado não é uma instituição natural, que funciona com perfeição mesmo com a ausência de regramentos, tal concepção desvirtua a sua real configuração, visto que o mercado é uma instituição jurídica, dependente de um conjunto de normas postas pelo Direito para discipliná-lo. Ora, são exatamente essas normas de direito que garantirão segurança jurídica e previsibilidade econômica, condições que permitem a própria existência do mercado.[23]

O termo “intervenção” remete o leitor, a princípio, à idéia de “invasão”, “intromissão”, mas não deve ser essa a noção a ser considerada como ponto de partida quando o assunto é a intervenção do Estado na economia. Com efeito, a postura ativa do Estado no sentido de intervir formalmente na economia, terá de estar vinculada à concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, estes que estão enumerados no art. 3° da CF, como sendo: I) construir uma sociedade livre, justa e solidária, II) garantir o desenvolvimento nacional, III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, IV) promover a dignidade de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Para Eros Grau intervenção em seu sentido forte significa a atuação do estado em atividades que são dedicadas ao setor privado, enquanto o termo atuação do Estado se refere à ação do Estado em áreas não apenas dedicadas aos particulares, como nas atividades que lhe cabem propriamente desempenhar.[24]

A Constituição de 1988 determina que a intervenção do Estado na ordem econômica se dará apenas de forma subsidiária, nesses termos, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado acontecerá em regime excepcional, ou seja, apenas quando for necessária aos imperativos da segurança nacional ou existir relevante interesse coletivo (art. 173, CF).[25] No que tange ao exercício dos serviços públicos (atividades que cabem a princípio ao Estado), os particulares apenas em regime de excepcionalidade, quando o Estado os autoriza, podem executá-los, mas com os particulares não fica a titularidade dos serviços. Também há outras atividades em que o Estado não desenvolve com exclusividade, tais como, educação, saúde, previdência social, assistência social, logo, nada impede que tais atividades sejam também desempenhadas por particulares.[26]

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Ainda é tarefa do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercer, de acordo com os ditames legais, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este indicativo para o setor privado e determinante para o setor público (art. 174 da CF). Atuar como agente normativo é trazer para a esfera da ordem econômica as normas jurídicas com o fim de regulá-la. Quando o Estado fiscaliza evita que certos particulares, detentores de maior poder econômico, ajam no mercado de maneira abusiva e em prejuízo de terceiros; na atividade de planejamento cabe ao Estado definir metas a serem cumpridas e, por fim, quando incentiva cria condições favoráveis para que os particulares atuem no mercado econômico.

No que se refere à atuação do Estado como agente regulador, argumenta José dos Santos Carvalho Filho, que essa postura do Estado não descaracteriza a sua qualidade interventiva, pois esta continuará a acontecer por meio da disposição de normas que, como finalidade principal, buscam gerir a atividade dos particulares para que não atuem de forma abusiva. “Desse modo, podemos caracterizar a função do Estado-Regulador como intervenção direta no domínio econômico”. [27]

Enfim, a intervenção do Estado nas atividades econômicas não pode ser vista como uma invasão na esfera individual, pensamento este presente naqueles que não enxergam às desvantagens e os abusos que são gerados dentro de um regime puramente liberal, ao contrário, a intervenção do Estado na ordem econômica deve permitir o desenvolvimento nacional e a concretização da justiça social.

4. O PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA

O princípio da livre iniciativa está disposto no art. 1°, IV como fundamento do Estado Democrático de Direito, e também no art. 170, caput, ao lado da valorização do trabalho humana, como forma da ordem econômica assegurar a todos a existência digna. Vista como direito subjetivo econômico a livre iniciativa permite ao particular lançar-se no mercado, fazendo circular bens e serviços, contudo, não se trata de princípio absoluto, pois é limitado por outros princípios de ordem constitucional, tais como: princípios da livre concorrência, justiça social, proteção ao meio ambiente, direito do consumidor.

É legítimo ao Estado em prol da justiça social e do bem-estar coletivo impor limitações à livre iniciativa, mas essas limitações não são realizadas apenas pelo Estado. A atividade econômica escolhida pelo particular por razões lógicas precisa estar de acordo com os anseios dos consumidores, ou seja, dar-se-á ao consumidor aquilo que ele espera ou o que ele pode se interessar em obter. Outro fator que pode ser visto como limitação à livre iniciativa é o desenvolvimento do poder econômico privado, na medida em que gera a concentração de empresas e dificulta a entrada de outros agentes econômicos com pequenas iniciativas.[28]

O princípio da livre iniciativa pode ser analisado em relação ao direito de liberdade. São palavras de Eros Grau sobre o referido princípio:

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Considerada desde a perspectiva substancial, tanto como resistência ao poder, quanto como reivindicação por melhores condições de vida (liberdade individual e liberdade social e econômica), descrevo a liberdade como acessibilidade a alternativas de conduta e de resultado. Pois não se pode entender como livre aquele que nem ao menos sabe da sua possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento – aí a sensibilidade; e não se pode chamar de livre, também, aquele ao qual tal acesso é sonegado – aí a acessibilidade.[29]

Sem dúvidas, a liberdade de lançar-se no mercado desenvolvendo uma atividade econômica para fazer circular bens e serviços e alcançar prosperidade, é uma das maneiras do ser humano encontrar a realização pessoal, por isso, o princípio da livre iniciativa também tem uma próxima ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana.

5. O PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA

O princípio da livre concorrência aparece como princípio da ordem econômica na Constituição (art. 170, IV). Tal princípio pode ser entendido como um dos instrumentos legais para trazer a todos uma existência digna, na medida em que possibilita uma melhor distribuição de renda, impedindo que a concentração de riquezas esteja restrita nas mãos de poucos privilegiados.

A livre concorrência só acontece quando há livre iniciativa, mas o contrário nem sempre é observado, afinal, mediante o exercício da liberdade econômica, os agentes econômicos sentindo-se “livres”, podem se valer de métodos abusivos e desleais para obterem lucros.

Luiz Roberto Barroso assegura que o princípio da livre concorrência como derivado do princípio da livre iniciativa revela a opção brasileira por uma economia de mercado. Além disso, o autor adverte que para que haja melhores preços e uma melhor qualidade dos serviços ou produtos, é importante que de um lado fique os consumidores e do outro os agentes econômicos competindo no mercado, estes que devem limitar a sua atuação dentro de um comportamento ético, sem cometerem abusos ou atitudes anticoncorrenciais, do contrário se sujeitam as penas do Estado.[30]

Quando a livre concorrência é protegida pelo Estado, não se estar somente protegendo o mercado, por conseguinte, um dos grandes beneficiados é o consumidor, que terá uma maior quantidade de bens e serviços à sua disposição para escolher o que julgar de melhor qualidade. Até mesmo os preços não são ditados pelas empresas “dominantes”, e sim, pelo mercado. O mercado ideal onde há concorrência, é também impessoal, os grandes empresários não ditam as regras de mercado, visto que o mercado não é concentrado nas mãos de poucos poderosos.

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Cita-se as observações de Luciano Sotero Santiago, ao afirmar que a proteção da livre concorrência também se dá por razões de ordem pública:

O excesso de concentração de poder econômico privado, decorrente da diminuição ou ausência de livre concorrência, é prejudicial à sociedade, pondo em risco às instituições democráticas, pois aquele poder tem a capacidade de influenciar nas políticas econômicas do Poder Executivo, nas elaborações de lei pelo Poder Legislativo e nas decisões do Poder Judiciário. Além de, sempre, conseguir influir nos processos eleitorais, definindo quem se elege.[31]

Com efeito, quando o Estado regula a concorrência, significa que criará condições para que uma empresa de pequeno porte encontre chances e meios para sobreviver no mercado, igualmente, é também reprimir “o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (art. 170, §4º, CF). Outro fator positivo da regulação da concorrência, é que sem esta, ficaria muito fácil aos agentes econômicos com maior poder econômico, expulsarem do mercado empresas menores, ora, na verdade, as pequenas empresas não teriam nenhuma chance ou de ingressar ou de permanecer no mercado. Importante lembrar que essas empresas de pequeno porte, empregam um número considerável de pessoas, logo, a “valorização do trabalho humano” também está presente na Constituição e sem dúvida, é uma maneira do indivíduo exercer a sua dignidade, pois o trabalho é uma das condições que permitem aos seres humanos sentirem-se realizados.

A livre concorrência como característica do liberalismo permite aos consumidores a opção de movimentarem-se no mercado escolhendo produtos ou serviços que julguem de melhor qualidade, em contraposição, os agentes econômicos capazes de agir com maior dedicação e empenho, ou seja, os mais talentosos, podem melhor destacar as suas atividades e colocar-se em um patamar mais elevado do que os demais, atraindo um maior número de consumidores e alcançando prosperidade econômica. [32]

No regime capitalista é esperada a diferenciação econômica entre as empresas, afinal, nem todos os empresários investem da mesma maneira nos meios de produção ou administram suas empresas da mesma maneira, por conseguinte, é louvável que esse destaque aconteça em razão do trabalho árduo e dedicação do agente econômico. Só pode existir livre concorrência quando existe poder econômico por parte dos agentes que atual no mercado, logo, a Constituição Federal não nega a existência do poder econômico, nesse sentido são as palavras do eminente doutrinador José Afonso da Silva: “A Constituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira anti-social. Cabe, então, ao Estado intervir para coibir o abuso”.[33]

Não se pode punir o empresário que a custa de trabalho árduo e dedicação destaca-se dos demais, aliás, tal possibilidade é permitida dentro do sistema capitalista, que aplaude a livre iniciativa e a fomenta, o que é reprimível é que o poder econômico seja utilizado de maneira desleal para expulsar os demais concorrentes do cenário social em flagrante desrespeito ao ordenamento jurídico.

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Alguns autores consideram o conceito de livre concorrência como sendo de caráter instrumental, significando:

o princípio econômico segundo o qual a fixação dos preços das mercadorias e serviços não deve resultar de atos cogentes da autoridade administrativa, mas sim do livre jogo das forças em disputa de clientela na economia de mercado. Houve, por conseguinte, iniludível opção de nossos contribuintes por dado tipo de política econômica, pelo tipo liberal do processo econômico, o qual só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio Estado, quer do embate de forças competitivas privadas que pode levar a formação de monopólios e abuso do poder econômico visando um aumento arbitrário do lucro. [34]

Ora, no sistema capitalista a escolha de como produzir, quando produzir e para quem produzir é exclusiva do empresário, acontece que essa escolha sofrerá influências do mercado, razão pela qual, pode-se defender uma liberdade relativa, já que não há uma liberdade plena no capitalismo.[35]

Por fim, o lucro é a inspiração e a razão de trabalho dos agentes econômicos. O lucro seria o fim, no qual são empregados diversos meios para que seja conquistado, contudo, o que se quer coibir ou mesmo prevenir não é esse fim, mas os meios desleais que visam à dominação do mercado e a perda da possibilidade dos consumidores escolherem entre os serviços e produtos que julgarem de melhor qualidade.

5.1 O Caráter Positivo da Proteção da Livre Concorrência na Constituição Federal

A proteção da livre concorrência na Constituição Federal não tem um caráter eminentemente repressivo, do contrário, possui uma postura positiva, na medida em que não nega a existência do poder econômico e fomenta à livre iniciativa no setor privado, muitas vezes através de incentivos econômicos e fiscais destinados a determinados agentes econômicos.

A livre concorrência antes mesmo de beneficiar às inúmeras empresas do setor privado, beneficia à sociedade, na medida em que desconcentra o poder econômico e oferece maior número de opções aos consumidores. Tutelar a concorrência é permitir que novos agentes possam entrar e permanecer no mercado, sem a criação de barreiras.[36]

Discussões surgem no sentido da intervenção do estado como forma de regular a concorrência ferir o princípio da igualdade, mas essas críticas não procedem. É fato que a Constituição Federal também protege à igualdade, mas a igualdade elevada a nível constitucional está muito além de propiciar um tratamento isonômico a todos, do contrário, tratar com igualdade é visualizar as diferenças, ou seja, é tratar cada um na medida das suas desigualdades. Ademais, essas intervenções do Estado são bem-vindas, afinal, são concretizadas como meio de se atingir justiça social.

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5.2 Os riscos da Inobservância do Princípio da Livre Concorrência

Admite-se que tanto o Estado quanto os agentes econômicos do setor privado podem desrespeitar o princípio constitucional da livre concorrência. Ora, o Estado não o observa quando tem o dever de intervir para garantir a fluência do mercado, enquanto o empresário desrespeita o princípio da livre concorrência na medida em que com práticas desleais e abusivas dificulta a permanência ou impede o ingresso no mercado de outros agentes econômicos.

O art. 173, §4° da Constituição Federal determina que: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário do lucro.” Nesse parágrafo nota-se o papel do Estado, por meio da lei, é de impedir as condutas desleais que possam surgir para desvirtuar o princípio da livre concorrência.

Há quem acuse o constituinte de imprecisão ao situar esse dispositivo no art. 173, visto que o “caput” trata da exploração direta de atividade econômica pelo Estado, que só será permitida quando for necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. Dessa forma, melhor seria que a norma figurasse em artigo próprio, em razão do seu valor dentro do ordenamento jurídico constitucional.[37]

Temos um regime de economia de mercado, certamente se o empresário tivesse toda a liberdade para buscar sua realização, dificilmente levaria os meios em consideração para alcançar o fim, ou seja, o lucro. O abuso do poder econômico quando evitado impede que os consumidores terminem arcando com o ônus de um mercado concentrado nas mãos de poucos agentes onde há dominação e preços altos.

Nem sempre o empresário com maior poder econômico utiliza-se de preços altos, às vezes, é exatamente o contrário, ou seja, o empresário não interioriza os custos da produção no preço dos produtos, deixando-o com valor inferior ao que foi produzido. Essa prática é conhecida como dumping e a princípio, seduz inúmeros consumidores em decorrência dos preços muito baixos para o mercado. O problema é que depois de dominar o mercado, o agente econômico irá aumentar o preço de maneira absurda, causando danos às vezes irreparáveis se o dumping não for reprimido a tempo.

Outra razão para se prevenir abusos no mercado vem da experiência, esta demonstra que os maiores detentores de poder econômico conseguem até mesmo influenciar a política do lugar onde atuam. Tal fato é uma ameaça para um regime democrático, devendo ser evitado.[38]

6. CONCLUSÃO

A evolução da “ordem econômica” nas cartas constitucionais exposta nesse trabalho mostrou de forma breve, mas precisa, a face da regulação da econômica pelo Estado Brasileiro até os dias de hoje.

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Ademais, pode-se com segurança afirmar que, na Constituição de 1988, a maior finalidade da ordem econômica é assegurar a todos uma existência digna, como forma de promover a justiça social. Nesses termos, é incompatível com a idéia de justiça social o aumento do desemprego, da fome, da miséria, da violência. Tais dados revelam a distância entre os indivíduos, obstáculo que ainda precisa ser superado.

Ora, as leis existem para a sociedade. A regulamentação em nível constitucional das normas econômicas de nada serviria se não tivesse como fim, melhorar a qualidade de vida das pessoas, trazendo bem-estar a todos. Com efeito, a ordem constitucional atual é fundada no trabalho humano e na livre iniciativa, afinal, difícil seria alcançar a realização pessoal quando os seres humanos estão distantes do trabalho ou não gozam de liberdade para atuar no mercado.

A idéia de que a concorrência encontra nas leis naturais de mercado um equilíbrio é utópica, afinal, é normal dentro de um regime capitalista que o detentor de poder econômico busque maiores lucros, e nem todos vão agir em obediência aos princípios jurídicos, por isso, faz-se indispensável à intervenção do Estado na ordem econômica para facilitar e permitir que todos os interessados no mercado possam desenvolver as suas atividades econômicas.

Enfim, é preciso ficar claro que a livre concorrência é bem-vinda em um país capitalista, afinal, é por meio dela que se destacam os empresários mais dedicados, que investem nos meios de produção e conquistam a confiança de um maior número de consumidores. Contudo, a livre iniciativa não é um princípio absoluto, sendo limitada pelo princípio da livre concorrência, para evitar que comportamentos abusivos prejudiquem empresários, consumidores e a própria sociedade.

REFERÊNCIAS

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[1] FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 101.

[2] FILARDI, Felice Valentino. Revista Eletrônica de Direito da UCB, A História das Constituições Brasileiras frente à evolução da ordem econômica. Disponível em: <http://www.castelobranco.br/pesquisa/vol4/pdfs/REVISTA_ELETRONICA_DE_DIREITO_DA_UCB-A_HISTORIA_DAS_CONSTITUICOES_BRASILEIRAS_FRENTE_A_EVOLUCAO_DA_ORDEM_ECONOMICA.pdf.>. Acesso em: 03 de dez. 2008.

[3]Ibid.

[4] FONSECA, João Leopoldo. op.cit. p104.

[5] FONSECA, João Bosco Leopoldino da. op. cit. p.106.

[6] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. p. 164.

[7] MENDES, Gilmar Ferreira. Op.cit. p. 165.

[8] Dispõe o art. 72, §17 da Constituição de 1891: “ O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.”

[9] FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Op. cit. p. 107.$

[10] BONAVIDES, Paulo, ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil, Brasília, Senado Federal, 1989. p.326.

[11] Art 108 - São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei

[12] Art. 115, Parágrafo único - Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões da País.

[13] Art. 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.

[14] Art 116: Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as

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indenizações, devidas, conforme o art. 112, nº 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes locais.

[15] Art 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta.

[16] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.84.

[17] MASSO, Fabiano Del. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 41.

[18] FERREIRA, Waldemar Martins. História do Direito Constitucional Brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2003, p. 174-175.

[19] SILVA, José Afonso da. op.cit. p. 87.

[20] FONSECA, João Bosco Leopoldino da. op. cit. p. 122.

[21] SILVA, José Afonso da. op.cit. p. 788.

[22] Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

[23] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37.

[24] GRAU, Eros Roberto. op. cit. p.94.

[25] Art. 173: Ressalvados os casos previstos nessa Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

[26] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 782-783.

[27] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 785.

[28] SILVA, José Afonso da. op.cit. p. 795.

[29] GRAU, Eros Roberto. ob.cit. p. 201.

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[30] BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e o limite à atuação estatal no controle dos preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 14, junho/ agosto, 2002.Disponível na Internet em: http://www.direitopublico.com.br/pdf_14/DIALOGO-JURIDICO-14-JUNHO.

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[31] SANTIAGO, Luciano Sotero. Direito da Concorrência: doutrina e Jurisprudência. Salvador: Juspodium, 2008. p.31.

[32] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 458.

[33] SILVA, José Afonso da. op.cit. p. 795.

[34] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. p. 1358

[35] DEL MASSO, Fabiano. Direito Econômico. p.8.

[36] SANTIAGO, Luciano Santero. op.cit. p. 44.

[37] FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. op.cit. p. 138.

[38] FONSECA, Rodrigo Garcia. O poder econômico no mercado e o seu controle na legislação antitruste. Revista de Informação Legislativa. Brasília a 41, n.164, out./dez.2004. p.107

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