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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A PENHORA DE QUOTAS NA EXECUÇÃO DE DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí ACADÊMICO: VILMAR OLAVO DE SOUZA São José (SC), novembro de 2004.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A PENHORA DE QUOTAS NA EXECUÇÃO

DE DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí

ACADÊMICO: VILMAR OLAVO DE SOUZA

São José (SC), novembro de 2004.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A PENHORA DE QUOTAS NA EXECUÇÃO

DE DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Professora MSc. Rosângela Barreto Laus.

ACADÊMICO: VILMAR OLAVO DE SOUZA

São José (SC), novembro de 2004.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A PENHORA DE QUOTAS NA EXECUÇÃO

DE DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA

VILMAR OLAVO DE SOUZA

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de

bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

São José, 12 de novembro de 2004.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________ Prof ª. MSc. Rosângela Barreto Laus - Orientadora

_______________________________________________________ Prof. MSc. Júlio Guilherme Müller - Membro

_______________________________________________________ Prof. Eduardo Beil - Membro

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Cresci admirando um certo ser, Imaginando um dia com ele parecer, Mistura de afeto, amor, respeito e idolatria, Via nele um herói, um companheiro e um menino. De olhar firme e sereno, De mãos calejadas e rosto bronzeado, Criança ainda, teve cedo que enfrentar só o mundo, Amor, fé e saudades moviam o seu coração. Pudera eu abraçar-te mais uma vez, De ti receber a benção e me sentir mais seguro, Comemorar contigo essa conquista, Trunfo da tua habilidade em nos ensinar a enfrentar à vida. Quisera eu chegar aos teus pés, Parecer contigo em educar teus netos, Doutor em tudo sem ao menos conhecer as letras, Meu herói, meu companheiro, meu menino, Meu Pai! Saudades ...

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AGRADECIMENTOS

A Deus, nosso Pai e Criador, por todas as graças concedidas, pela sua proteção

divina nos momentos de pranto e dor, e, sobretudo, pelo dom da vida que me deste e por me

fazer reconhecer que só por ela sofremos, choramos, somos felizes: muito obrigado meu

Deus, assim também, pelos momentos de perda e dor.

À minha mãe, pelo seu exemplo de vida, por nos ter colocado sempre à sua

frente, por seu testemunho de fé e pelo seu imenso amor.

Ao meu filho Lucas Henrique, verdadeiro anjo que sempre viverá em nós,

pelos momentos doces e felizes de sua convivência.

À minha filha Thayse e ao meu filho Davi Ricardo, pérolas preciosas em

minha vida, presentes divino e fruto de amor, pelos momentos que suportaram a minha

ausência e por sofrerem as angústias do tempo escasso.

À minha esposa Rosimere, alma gêmea e companheira de todas as horas, mãe

amável e compassiva, por todos os momentos que compartilhamos, pelo seu amor, carinho e

dedicação.

À minha orientadora Professora Rosângela Barreto Laus, pela sua vocação,

dedicação e contribuição a essa pesquisa, testemunho de que a qualidade de ensino e o

fortalecimento de instituições afins se promovem com o seu exemplo.

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“... os que madrugam no lêr, convem madrugar tambem no

pensar. Vulgar é o lêr, raro o reflectir. O saber não está na

sciencia alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas idéas

proprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante

a transmutação, por que passam, no espírito que os assimila. Um

sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas

transformador reflexivo de acquisições digeridas”.

Ruy Barbosa

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................10

1. DA EVOLUÇÃO DO DIREITO COMERCIAL AO SURGIMENTO DA

SOCIEDADE LIMITADA E A SUA INTRODUÇÃO NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO ................................................................................................13

1.1. O SURGIMENTO DAS SOCIEDADES LIMITADAS ..............................................15

1.2. INTRODUÇAO DAS SOCIEDADES LIMITADAS NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO....................................................................................................22

2. CONCEITOS E ELEMENTOS PREPONDERANTES DAS SOCIEDADES

LIMITADAS PARA O ESTUDO DA PENHORA DE QUOTAS....................................27

2.1. AFFECTIO SOCIETATIS .............................................................................................29

2.2. A PERSONALIDADE JURÍDICA E SEUS EFEITOS ...............................................30

2.3. CLASSIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS........................................34

2.3.1. Classificação em Relação à Responsabilidade dos Sócios ...................................36

2.3.2. Classificação em Razão da Natureza de seu Ato Constitutivo e da Dissolução

do Vinculo Societário .......................................................................................................36

2.3.3. Classificação em Razão do Grau de Dependência das Qualidades Subjetivas

dos Sócios ou da sua Estrutura Econômica.......................................................................37

2.4. DAS QUOTAS SOCIAIS.............................................................................................42

2.4.1. Quota Social: Conceito e sua Natureza Jurídica ...................................................43

2.4.2. Distinção entre Quota Social e Ação ....................................................................44

2.4.3. Cessibilidade das Quotas Sociais..........................................................................46

2.5. DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE.............................................................51

3. A PENHORABILIDADE DAS QUOTAS SOCIAIS ..................................................58

3.1. ETAPAS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO ..............................................................58

3.1.1. A Penhora como Instituto de Direito Público .......................................................59

3.1.2. A Penhora no Ordenamento Jurídico Brasileiro ...................................................61

3.1.3. Limitações à Penhora de Bens ..............................................................................64

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3.1.4. Avaliação dos Bens...............................................................................................67

3.1.5. Arrematação..........................................................................................................68

3.1.6. Remição ................................................................................................................72

3.2. A PENHORA DAS QUOTAS SOCIAIS NO DIREITO BRASILEIRO.....................73

3.3. A PENHORABILIDADE DAS QUOTAS SOCIAIS EX VI DO ARTIGO 1.026,

DO CÓDIGO CIVIL ............................................................................................................86

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................97

ANEXOS........................................................................................................................... 102

ANEXO I – JULGADOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL..............................103

ANEXO II – JULGADOS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA .......................105

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RESUMO

A penhorabilidade das quotas sociais em execução de dívida particular de sócio de

sociedade limitada é tema controverso perante a doutrina e os tribunais, envolvendo conceitos

e institutos conflitantes de direito comercial e de direito processual, onde se embatem

interesses antagônicos do credor, do devedor, dos demais sócios e da própria sociedade

empresária, pairando dúvidas sobre a sua admissibilidade, sobre a qual anteriormente

dominava o posicionamento contrário, mas que a partir da vigência do atual diploma

processual passou a ser majoritariamente admitida, em razão da prevalência da norma

processual pública sobre a convenção privada e da não existência de norma legal que a vede,

aprimorando-se com os novos procedimentos estatuídos pelo Código Civil, os quais permitem

ao credor fazer recair a execução sobre os lucros que ao sócio-devedor couber na sociedade

ou sobre a parte que lhe tocar em liquidação, mesmo que para isso tenha que requerer a

liquidação antecipada da quota, cabendo a incidência da penhora como o primeiro ato do

processo executivo, a fim de assegurar-lhe a efetividade.

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RESUMEN

La pignora de las cuotas sociales en la ejecución de la deuda privada del socio de la

sociedad limitada es tema polémico delante de la doctrina y de las cortes, envolvendo

conceptos y institutos conflictantes del derecho mercantil y del derecho procesal, donde si

confrontan intereses antagónicos del acreedor, del deudor, de los demás socios y de la

sociedad empresaria, pairando duda en su admisión, sobre la cual anteriormente dominó el

posición contraria, mas que la partir de la valedera del actual diploma procesal pasó la ser

acepta del manera mayoritaria, en la razón del predominio de la norma procesal pública sobre

la convención privada y de la no existencia de ley que la prohíba, si perfeccionando con los

nuevos procedimientos decretados por lo código civil, los cuales permiten que el acreedor

haga recaer la ejecución sobre los lucros que al socio-deudor caber en la sociedad o sobre la

parte que tocarlo en la liquidación, mismo que para esto tiene que requerir la liquidación

anticipada de la cuota, cabiendo la incidencia de la pignora como el primer acto del

procedimiento ejecutivo con el objetivo de asegurar la su efectividad.

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INTRODUÇÃO

A penhorabilidade das quotas sociais em execução de dívida particular de sócio de

sociedade limitada é motivo de enormes divergências perante a doutrina e os tribunais,

apresentando-se como um grande tema a ser enfrentado. Verdadeira celeuma jurídica é

travada, onde se embatem institutos e princípios de características distintas, envolvendo

razões plausíveis e contraditórias, perfilhando defensores em várias correntes.

Toda essa discussão não é recente. Liga-se aos parcos dispositivos do Decreto nº

3.708/19, os quais permitiam o entendimento majoritário da impenhorabilidade, suscitada pela

conjugação das normas processuais do antigo Código de Processo Civil com as normas do

também vetusto Código Comercial, em que se embatem interesses antagônicos, envolvendo o

credor, o devedor, os demais sócios e a própria sociedade.

Com a reforma processual de 1973 e o advento do atual diploma adjetivo, a

discussão sobre a penhorabilidade das quotas em execução de dívida particular de sócio

tomou novos rumos, e ao inverter o entendimento dominante insuflou ainda mais a polêmica,

que mesmo agora, apesar das novas normas no Código Civil, tende a permanecer, motivo da

incerteza da aplicação do artigo 1.026 às sociedades limitadas indistintamente, tal qual já

sugerem ecos dissonantes da recente doutrina.

A par desse processo dialético, a doutrina ou se manifesta pela impenhorabilidade

das quotas, por entender que estas constituem patrimônio da sociedade, portanto, distinto do

de seus sócios; ou pela sua procedência total, em face de que a quota representa um direito,

por isso, passível da constrição, não havendo qualquer restrição legal em sentido contrário,

mesmo porque, a arrematação necessariamente não atingiria o status socii naquelas

sociedades em que o intuitu personae for predominante; ou, ainda, pela sua possibilidade

apenas nos casos em que o contrato social permitir a livre cessibilidade das quotas, de

maneira a não contrariar as bases desse modelo empresarial em que predomina e coexiste o

intuitu personae com a affectio societatis. Nessa situação, a penhora recairia apenas sobre os

fundos líquidos que o sócio devedor possuir na sociedade, conforme determinava o artigo

292, do Código Comercial, diploma este, revogado na sua Parte Primeira, pelo artigo 2.045,

do Código Civil.

Paralelamente a essa discussão, em que se envolvem basicamente normas de direito

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comercial, estão as normas processuais que subordinam o caso ao interesse público, elevando

a discussão ao confronto entre normas de direito público e privado, em face da relação

obrigacional entre devedor e credor, que revela para o primeiro a responsabilidade patrimonial

de caráter material e processual, com a proposta de assegurar credibilidade a própria Justiça.

Por sua vez, as forças sócio-econômicas que dão sustentação à economia moderna

necessitam de regulamentação clara e precisa acerca das suas mais diversas atividades, a fim

de permitir a existência de mecanismos jurídicos capazes de garantir a satisfação de direitos e

acordos, proporcionando plena segurança jurídica.

Essa segurança jurídica deve servir a todos os pólos das relações negociais,

permitindo-lhes, de antemão, conhecer das garantias e das responsabilidades contratuais de

caráter público ou privado, e saber da exata medida da sua aplicação, considerada a

importância do empreendedorismo ao fomento econômico e, portanto, à economia moderna.

Dessa forma, as regras atinentes ao investimento de capital e a constituição de

sociedades devem ser claras e precisas, principalmente em relação às limitadas, por ser a

espécie societária mais disseminada e importante da economia nacional, que como aborda-se

neste estudo, carecem de melhor regulamentação e atenção do poder público, servindo como

exemplo dessa falta de definição, a própria penhorabilidade de quotas, já que, não raro,

verifica-se inserto em seus contratos sociais restrições a sua permissibilidade, fazendo crer ao

investidor-constituinte, a falsa idéia de garantia de impenhorabilidade do capital investido

contra credores particulares, quando, na verdade, vem se solidificando o entendimento

contrário pela penhorabilidade das quotas sociais, mais agora com as novas regras do Código

Civil.

Neste sentido, com base em pesquisa legal, doutrinária e jurisprudencial, tendo como

proposta oferecer uma visão geral e ampla sobre o tema, a investigação considerou a

interdisciplinaridade das normas e dos diversos aspectos fundamentais envolvidos, para

através do método dedutivo evidenciar as mais diversas semelhanças e conflitos existentes, de

modo a permitir a situação entre um ou outro posicionamento.

Inicialmente, estuda-se a evolução do direito comercial e o surgimento das

sociedades limitadas, evidenciando-se a sua origem, as suas características, os motivos que

levaram a sua instituição legal e as circunstâncias pelas quais esse tipo societário foi

introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, bem como, o estudo dos principais aspectos

das normas legais à época vigentes.

No segundo capítulo, concentram-se os conceitos e os elementos preponderantes das

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sociedades limitadas para o estudo da penhora de quotas, tratando-se, assim, da affectio

societatis; da personalidade jurídica das sociedades e os seus efeitos; da classificação das

sociedades empresárias e, em específico, das limitadas; do conceito e da natureza jurídica da

quota social, a sua distinção com a ação e os seus critérios de cessibilidade; bem como, sobre

as causas de dissolução parcial das sociedades, atualmente denominadas pelo Código Civil

como causas de resolução, ao que nelas se consubstanciará os efeitos da própria penhora de

quotas.

No terceiro momento, tratar-se-á da penhorabilidade das quotas sociais, onde,

primeiramente, será estudada a penhora e delineada a sua natureza de instituto de direito

público, tal qual a do próprio processo, ao qual, por essa razão e em face dos princípios da

teoria da dívida e da responsabilidade, está o devedor sujeito e subordinado.

A partir dessas análises, a pesquisa se voltará ao estudo das várias etapas do processo

de execução pertinentes, com especial atenção às limitações à penhora de bens, ao que então,

aprofundar-se-á no tema propriamente dito, investigando-se as mais diversas posições

doutrinárias e jurisprudenciais, reservando-se a última parte para a exploração das novas

modalidades de cobrança de dívidas particulares de sócio de sociedade limitada quando não

encontrados outros bens disponíveis deste, senão a quota social.

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1. DA EVOLUÇÃO DO DIREITO COMERCIAL AO SURGIMENTO DA

SOCIEDADE LIMITADA E A SUA INTRODUÇÃO NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

A história do direito comercial, classificada por CARVALHO DE MENDONÇA1 em

três períodos, antigüidade, idade-média e tempos modernos testemunha as mudanças e a

evolução do comércio, processo que ocorre simultaneamente à evolução social, determinando

a necessidade de adaptações legislativas frente aos novos paradigmas, por vezes necessárias a

sua regulamentação diante de práticas consolidadas, ou então, como mola propulsora de

avanços e novas conquistas sociais e econômicas.

Ao discorrer sobre essa evolução, trata do comércio praticado desde a antiguidade

pelos Assírios e os Gregos da Ásia Menor até as grandes expedições marítimas, e conclui que

o direito comercial surgiu “não como obra legislativa nem criação de jurisconsultos, porém,

como trabalho dos próprios comerciantes, que o construíram com os seus usos e com as leis,

que, reunidos em classe, elaboraram”. A partir daí, as compilações, surgindo então a ciência

do Direito Comercial e a formação de seus princípios fundamentais, consagrando-se esse

primado, nas palavras do mesmo autor, “aos jurisconsultos italianos dos séculos XVI e XVII,

que souberam imprimir aos estatutos, à jurisprudência e aos costumes a orientação

doutrinária”.

BORGES2, ao tratar do mesmo assunto, comenta que a transferência das atenções

comerciais do Mediterrâneo para as Américas faz surgir uma série de fatores, dentre eles, os

mais importantes, a desvalorização da moeda por conta da abundância do ouro e da prata

trazidos do novo mundo, criando condições ao desenvolvimento das operações bancárias; e o

surgimento das grandes companhias, suprindo a impotência dos Estados e dos indivíduos

frente aos altos custos da exploração das colônias e dos empreendimentos do grande

comércio.

Incisivamente, o ilustre doutrinador comenta que na Holanda, em Portugal, na França

e na Inglaterra, as companhias “constituíam verdadeiros estados dentro do Estado, tal o seu

prestígio e o seu poder, tanto econômico quanto político”, ilustrando como exemplo, que o

1 Cf. MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. v. 1. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1953, p. 51-63. 2 Cf. BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 30-31.

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domínio holandês no norte do Brasil foi obra da Companhia das Índias Ocidentais, a qual

tinha marinha e exército próprios, cabendo a ela nomear o governador-geral, Maurício de

Nassau, que nada mais era do que preposto da própria companhia.

Assevera, ainda, o mesmo autor3, que o Estado preocupado com esse poder paralelo,

por medida de salvaguarda e de defesa, instituiu políticas intervencionistas, acabando por

determinar a crescente nacionalização do direito comercial, como bem destaca, in verbis:

(...) com a formação e o robustecimento dos Estados monárquicos, sua autoridade legislativa centralizada passou a restringir a formação das normas costumeiras de direito comercial, dando lugar a uma legislação mais atenta aos interesses do Estado que aos dos comerciantes. O mercantilismo então dominante, multiplicando regulamento e restrições de toda ordem, impunha leis peculiares a cada Estado, determinando assim a crescente nacionalização do direito comercial.

BORGES4 lembra ainda que a etapa fundamental nesse processo foi o surgimento do

código comercial francês, em 1807, suprimindo as anteriores legislações e ordenações

existentes, isso ainda por conta da revolução de 1789, passando o direito comercial a ter um

caráter objetivo, rompendo, conforme suas ilustres palavras, “com a tradição que v ia nele o

direito de uma classe – o direito dos comerciantes, passando a ser unicamente o direito dos

atos do comércio, o qual adquire autonomia, desprende-se da pessoa do comerciante, objetiva-

se e passa a constituir a base do direito comercial”, influenc iando todos os códigos mercantis

daquela época, e assim se manifesta:

Nenhum ato será comercial porque praticado por um comerciante. Mas, ao revés, as pessoas serão comerciantes quando praticarem profissionalmente atos de comércio. Deslocou-se da pessoa para o ato a tônica do direito comercial.

A esse ponto, verificaram-se as necessidades e criou-se as bases para o surgimento

das sociedades limitadas, razão pela qual o presente levantamento histórico passará a se

preocupar apenas sobre as questões relativas a essas sociedades, apesar da crescente evolução

do direito comercial como um todo, principalmente nessa fase histórica.

Verifica-se, pois, que a evolução é imanente ao homem. Neste sentido, o

ordenamento jurídico haverá que estar sempre predisposto ao novo, caminhando ao lado da

sociedade, norteando as suas regras, mas sensível as suas aspirações. Assim é, e foi com a

3 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. p. 31. 4 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. p. 31-33.

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criação e a introdução das sociedades limitadas no ordenamento jurídico, motivada pela

necessidade de assemelhar-se à segurança jurídica conferida às grandes companhias,

fomentando o surgimento de pequenas sociedades, e com isso, a impulsão do próprio

comércio.

1.1. O SURGIMENTO DAS SOCIEDADES LIMITADAS

Controversa pela doutrina está a origem das sociedades limitadas, ora a atribuindo a

Inglaterra, em decorrência das chamadas private companies; ora a Alemanha, por conta da lei

promulgada em 20 de abril de 1892, a qual institui as sociedades de responsabilidade limitada

(gesellschaft mil beschräenkter haftung)5.

Afora essa controvérsia, estuda-se a evolução do comércio e das sociedades de

maneira a demonstrar as necessidades motivadoras do surgimento das sociedades limitadas e

das razões impulsionadoras do seu desenvolvimento, adotando-se, para tanto, o critério

temporal6.

5 FERREIRA, Waldemar Martins. Sociedades por quotas. 5. ed. São Paulo: Companhia Graphico-Editora Monteiro Lobato, 1925, p. 3-4; tratando do assunto, entende que as origens das sociedades limitadas devem ser atribuídas à Inglaterra, afirmando que “a circunstâ ncia de lhe terem dado os allemães outra estructura, adaptando-a e dando-lhe novos aspectos, não serve de mudar-lhe as origens”. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 7; comungando da mesma opinião, diz não restar dúvida de que a private company inglesa é historicamente anterior a lei sobre sociedade de responsabilidade limitada alemã, restando “evidente que o legislador alemão, conhecendo o êxito da exper iência inglesa e como idêntica situação se entremostrava em seu País, cuidou de incorporá-la à sua legislação, obviamente adaptando-a a seu sistema jurídico”. BULGARELLI, Waldirio. Sociedades Comerciais. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 116-117; também filiado a essa corrente, assevera que apesar do novo tipo societário ser regulado pelo legislador alemão, não tira o mérito do pioneirismo inglês. Assim, também, PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. v. I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 12-13; e FÁZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas. São Paulo: Atlas, 2003, p. 26-27. MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. v. I, 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 16-17; contrário a essa corrente, trata que “o precedente in glês não serve, assim, de argumento para tirar a característica histórica de obra meditada do legislador”, se rvindo seu exemplo, entretanto, “para d emonstrar que o problema econômico dos comerciantes do tipo médio existia nesse país, como existia em vários outros”. Da mesma opinião, REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1, 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 458; afirma que “essa láurea cabe ao direito germânico, que modelou um novo tipo de sociedade”. No mesmo sentido, BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. 5ª ed. p. 338; e CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 134. 6 Verifica-se que o surgimento e o desenvolvimento das sociedades limitadas decorreu dos anseios de uma classe de pequenos e médios comerciantes que pretendiam valer-se dos mesmos benefícios oferecidos às grandes corporações, sem, contudo, prender-se às inúmeras exigências formais de constituição. Essas necessidades foram sentidas a partir do próprio desenvolvimento das atividades comerciais nas mais diversas nações, muito embora cada qual em seu tempo conforme a sua fase evolutiva, mas, principalmente, pela influência da aplicação em outros países, favorecendo a proliferação do novo tipo societário. Diz-se critério temporal, por observar o curso da história desde o surgimento do novo tipo societário na Inglaterra, em 1855, apesar de suas diferenças em razão do direito costumeiro, passando pela sua regulamentação pela Alemanha em 1892, até a sua introdução

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Conforme já exposto, o código francês teve importância fundamental na

consolidação do Direito Comercial, ao extrair do comerciante para os atos de comércio o

papel principal de sua atenção. Entretanto, conforme lembra BORGES7, simultaneamente ao

seu grande êxito, o de atender aos interesses comuns do comércio de todos os países,

codificando um direito mercantil universal, encontrava-se o seu maior defeito, em face de

estar preso ao passado, nascendo velho, e por ter sido codificado no limiar da revolução

industrial, concebendo-se, portanto, com a incapacidade de reger as grandes relações de

comércio oriundas da navegação a vapor.

Por sua vez, CUNHA PEIXOTO8, comenta com detalhes o que vinha ocorrendo na

Inglaterra a partir do início do século XIX. Nessa época, toda a matéria comercial era

regulada pelo direito costumeiro, tradicional daquele país, estando as sociedades

fundamentadas em três princípios essenciais, segundo os quais, in verbis:

a) os sócios deveriam ser solidária e ilimitadamente responsáveis; b) um associado não podia transferir sua parte a terceiros sem o consentimento expresso dos demais companheiros; c) as sociedades não constituíam pessoas distintas da de seus membros, visto como só era admissível a criação de pessoas morais com a autorização expressa do legislador.

Ainda, segundo CUNHA PEIXOTO9, esse tipo de situação não convinha às grandes

empresas, aparecendo um novo tipo de sociedade constituída por um ato do Parlamento,

passando posteriormente essa outorga a ser feita pela Coroa, o qual lhe conferia personalidade

jurídica, limitava a responsabilidade dos sócios ao limite de suas ações e permitia a sua livre

transferência, passando a existir na Inglaterra junto às chamadas partnership, esse novo tipo

societário, denominado de acts of incorporation10.

legal pela França em 07 de março de 1925. Destarte, já em 1862, na França, as sensíveis diferenças do novo tipo societário inglês e suas vantagens causaram dificuldades às empresas francesas, quando em 30 de abril daquele ano uma convenção assinada com a Inglaterra permitiu as empresas inglesas operarem livremente no território francês, fazendo com que seu governo alterasse e adaptasse seu regime em 23 de maio de 1863, igualando, de certa forma, as diferenças existentes. Seguindo o curso da história, vê-se que o enrijecimento da legislação das sociedades anônimas alemãs faz apressar a adoção e regulamentação das sociedades limitadas em 1892 nesse país, e que mais tarde, após a adoção dessa legislação por outros países, e após, ainda, o fim da primeira Grande Guerra, com a restituição dos departamentos da Alsácia e Lorena, pela Alemanha à França, novamente este país voltou a sentir as diferenças da nova forma societária alemã, em razão das inúmeras empresas já constituídas nesses territórios, sendo forçado a adotar em definitivo as sociedades limitadas, ante ao clamor interno que as vantagens e benefícios dessa nova forma societária oferecia. 7 Cf. BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. p. 33-34. 8 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. v. 1. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 9. 9 Cf. PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 9-11. 10 Tipo simplificado da sociedade anônima.

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Em 1844, a partir de uma reforma substancial, foi abandonado na Inglaterra o

sistema tradicional, pelo que as sociedades passaram a adquirir sua personalidade jurídica e os

sócios a poder transferir as suas partes independente de lei ou de carta régia, bastando apenas

promover o registro num office especial de Londres, surgindo, assim, as sociedades chamadas

incorporated by registration11.

Importante lembrar, conforme descreve o ilustre doutrinador, que a intervenção

governamental para que se pudesse limitar a responsabilidade de seus membros continuou

indispensável até 1855, sendo que em 1862 todas as leis referentes à matéria foram

consolidadas no Companies Act.

Sobre o Companies Act, FRAN MARTINS12 descreve:

Segundo tal lei, a personalidade jurídica passou a ser adquirida pelas sociedades que fizessem seu registro em um dos três registros do Reino; e dotadas tais sociedades de personalidade jurídica, podiam os sócios limitar a sua responsabilidade.

No mesmo sentido, CUNHA PEIXOTO13 sintetiza bem a nova situação das

empresas após essa regulamentação, ao asseverar que:

O Companies Act de 1862 não fez nenhuma referência as partnerships; e, relativamente à responsabilidade dos sócios, dividiu as sociedades em ilimitadas e limitadas, sendo estas últimas de duas categorias: por ações – companies limited by shares, e por garantia – companies limited by garantee. Nas primeiras, que correspondiam a sociedade por ações nos outros países, o capital social era dividido em ações de valor igual e a responsabilidade de cada sócio limitava-se ao valor de sua subscrição; nas segundas, cujo capital podia ser ou não dividido em ações, os sócios, no caso de liquidação eram obrigados a pagar as dividas sociais, até um limite fixado anteriormente, isto é, por ocasião da formação da sociedade.

Ao prosseguir em seu comentário, o mesmo autor14 diz que a lei de 1862 propiciou

incremento às grandes companhias, acentuando, entretanto, “a inferioridade das partnerships,

que continuavam regidas pelo direito costumeiro inglês, provocando então, uma reação dos

negociantes, agrupados nestas sociedades, os quais passaram a transformá-las em

companhias”. Tais empresas, caracterizadas pela inexistência da subscrição pública e pelo

número limitado de sócios, bem como, em regra, pela proibição da livre cessão das ações,

11 Cf. . PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 10. 12 MARTINS, Fran. Sociedade por quotas no direito estrangeiro brasileiro. p. 26. 13 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 11. 14 Cf. PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 11-12.

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propagaram-se favorecidas pela jurisprudência e pelos costumes, provocando mais tarde, em

1900 e 1907, atos regulamentares que lhes deram vida legal, sendo tais sociedades conhecidas

como private companies em contraposição às grandes companhias, as chamadas public

companies.

O ilustre doutrinador15, ao concluir sobre o assunto afirma que:

(...) a private companies foi um desdobramento da sociedade anônima, mas pode assimilar-se à sociedade limitada do direito alemão e que, sem dúvida, influenciou o direito comercial de muitos países, onde se introduziu essa espécie de legislação.

Verifica-se, assim, a vantagem que esse novo tipo societário exercia sobre as

sociedades então existentes, prescindindo de autorização governamental para a sua

constituição, sendo tal diferença sentida pelos comerciantes franceses nos idos de 1862,

quando uma convenção assinada entre a França e a Inglaterra permitiu às sociedades inglesas

o direito de operar naquele país.

Sobre esse assunto, WALDEMAR FERREIRA16 faz as seguintes referências:

A esse tempo, uma convenção assignada entre a França e a Inglaterra, e concluída em 30 de abril de 1862, deu ás sociedades inglezas o direito de operar em França. Mas o comércio francez estava em situação inferior: as sociedades inglezas podiam organizar-se livremente. As francezas, não. Menos para dar uma satisfacção ás críticas que ao systema francez se faziam – e o reparo é de LYON CAEN ET RENAULT – que para permittir ao commercio francez luctar, com egualdade de armas, com o commercio inglez, a lei de 23 de maio de 1863 modificou, parcialmente, aquelle systema, estabelecido pelo código.

Modificou-se por essa razão a lei sobre as sociedades anônimas, dispensando de

autorização aquelas cujo capital não ultrapassasse a 20 milhões de francos, motivo pelo qual

passaram a ser chamadas de sociedades de responsabilidade limitada, o que, entretanto,

segundo o mesmo autor17, não a caracterizava perfeitamente, já que a responsabilidade era

igualmente limitada nas sociedades anônimas.

No entanto, essa diferença se mostrou tão forte, que, conforme comenta CUNHA

PEIXOTO18, antes dessa modificação, especuladores começaram a transportar-se para a

15 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 12-13. 16 FERREIRA, Waldemar Martins. Sociedade por quotas. p. 5. 17 Cf. FERREIRA, Waldemar Martins. Sociedade por quotas. p. 5. 18 Cf. PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 21.

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Inglaterra e “aí organizar soci edades que de inglesas só tinham o nome, já que seus membros

e capital eram franceses”, a fim de poder operar e competir igualmente no próprio território

francês.

Por sua vez, assim como na Inglaterra e na França, as necessidades do comércio

médio se estendiam por todas as nações. Razões bastantes determinavam a criação de um

novo tipo societário que se adequasse às pequenas e às médias atividades comerciais,

oferecendo mecanismos mais simples e as mesmas garantias dadas às grandes empresas, cujas

exigências de regulamentação causavam barreira instransponível, relegando o pequeno e o

médio comércio a constituir-se sem a limitação da responsabilidade dos sócios19.

Na Alemanha, outro fato importante foi a promulgação em 1884 da lei sobre as

sociedades anônimas (Aktiennovelle), apontada por CUNHA PEIXOTO20 como uma das mais

rigorosas da Europa, cuja rigidez contrastava com a flexibilidade do sistema inglês, tornando

ainda mais difícil a situação dos pequenos e médios comerciantes.

Segundo esse autor, essas novas dificuldades, somadas a rápida industrialização do

país no após-guerra de 1870-1871 com a França, recrudesce levantes acerca da ineficiência

dos tipos societários existentes, fazendo surgir uma nova forma de sociedade capaz de atender

“as necess idades dos agrupamentos, que necessitavam de grandes capitais, mas cujos

organizadores, sobre desejarem manter a direção efetiva, queriam limitar sua

responsabilidade”.

No mesmo sentido, FRAN MARTINS21 ao justificar o pioneirismo alemão em

relação à regulamentação legal das sociedades limitadas, relata que o grande incentivador do

movimento de criação da sociedade limitada alemã foi o Deputado Oechelhaeuser, sendo sua

ação decisiva para a promulgação em 20 de abril de 1892, da lei que institui a sociedade de

responsabilidade limitada (Gesellschadt mil beschräenkter Haftung), e assim se refere:

Enquanto na Inglaterra as private companies foram, primeiramente, organizadas pelos comerciantes, como sociedades de fato e sem personalidade jurídica, na Alemanha, sem que houvesse essa prática, procurou-se legislar sobre o assunto, traçando todas as normas necessárias para que a nova sociedade pudesse cumprir as suas finalidades econômicas, e, ao mesmo tempo, caracterizar-se, juridicamente, como uma sociedade autônoma dentro do quadro das sociedades comerciais.

19 Nesse sentido: MARTINS, Fran. Sociedade por quotas no direito estrangeiro brasileiro. p. 25-26; PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 13-15; REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 456-459; e, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 26-27. 20 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 13-14. 21 MARTINS, Fran. Sociedade por quotas no direito estrangeiro brasileiro. p. 18-19.

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Por sua vez, Villemor do Amaral22, pela mesma razão, destaca o pronunciamento do

ilustre deputado alemão defendendo a criação das sociedades limitadas, o qual, a época, assim

se manifestava:

(...) as formas de sociedades comerciais, atualmente em vigor no Império Alemão, não mais atendem às necessidades econômicas; é preciso que o princípio da responsabilidade limitada, que vivamente interessa à vida econômica, penetre nas sociedades de caráter individualista, em que diretamente colaboram o capital e a inteligência; com capital igual e atividade humana igual, as sociedades individualistas produzirão, incontestavelmente, valores superiores aos das sociedades coletivistas.

Após a sua instituição na Alemanha, as sociedades limitadas difundiram-se para

outros países, primeiramente para Portugal, em 1901; em 1906 para a Áustria, e em 1907,

conforme já descrito, para a Inglaterra, através do Companies Act, incluindo entre as

sociedades inglesas as chamadas private companies23.

Passados alguns anos e a guerra de 1914-1918, as sociedades limitadas foram

introduzidas no Brasil, através do Decreto nº 3.708 de 10 de janeiro de 1.919. O Brasil foi,

portanto, o quinto país a introduzir este novo tipo societário em seu ordenamento jurídico,

sendo que os aspectos relativos a sua introdução serão tratadas no item 1.2 (Introdução das

Sociedades Limitadas no Ordenamento Jurídico Brasileiro), a seguir.

A partir do Brasil, uma série de outros países passou a regulamentar a introdução

desse novo tipo societário em seus ordenamentos jurídicos, em face da sua importância e da

sua aceitação entre os povos.

Assim, as nações que experimentavam este novo tipo societário puderam sentir sua

grande importância e influência no desenvolvimento do comércio, fomentando o surgimento

de novas sociedades e o fortalecimento econômico.

A história é testemunha, tanto é assim, conforme bem destaca LUCENA24, que ao

término da Primeira Guerra Mundial, em 1918, os regramentos jurídicos dos departamentos

da Alsácia e Lorena25 restaram como corpos estranhos no sistema jurídico francês, já que nos

territórios então devolvidos haviam sido criadas centenas de sociedades de responsabilidade

22 Apud REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 458-459. 23 Cf. MARTINS, Fran. Sociedade por quotas no direito estrangeiro brasileiro. p. 19-21. 24 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 8-10. 25 Territórios tomados pela Alemanha durante a guerra franco-alemã de 1870-1871 restituídos após a 1ª Guerra Mundial.

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limitada nos moldes da lei alemã de 20 de abril de 1892, transformando-os em verdadeira

“ilha l egislativa”.

Assim, por conta desses territórios que não queriam abandonar as suas formas

societárias em razão das vantagens sobre os modelos então existentes na França, e pelo

clamor dos demais territórios que puderam sentir as suas vantagens e benefícios, o governo

francês foi forçado a introduzir as sociedades limitadas em seu ordenamento jurídico, o que

ocorreu em 07 de março de 1925.

Constata-se, pois, com base nesse breve escorço histórico, e conforme bem leciona

BULGARELLI26, que:

Os motivos que justificaram a criação (como obra racional, e tipo especifico pelo legislador alemão) ou o aparecimento (como forma costumeira, e como variante da sociedade anônima do direito inglês) da sociedade de responsabilidade limitada foram basicamente o de atender aos problemas acarretados pelo verdadeiro vazio que se criara entre a sociedade anônima (impessoal, e com evidentes dificuldades de constituição e formalidades custosas) e os demais tipos de sociedades, como as coletivas e as em comandita (com responsabilidade limitada – ao menos de um tipo de sócio, como na comandita – e com caráter pessoal bastante acentuado).

Por sua vez, em relação à limitação da responsabilidade, importante se faz destacar o

pensamento de CAMPINHO27, in verbis:

Como conceito, a limitação da responsabilidade, ao contrário do que muitos afoitamente possam vir a pensar, é fonte propulsora de desenvolvimento econômico e social, na medida em que propicia o exercício mais seguro da empresa e fomenta, via de conseqüência, a sua proliferação, gerando empregos, tributos e a produção de bens e serviços para a comunidade.

Desta forma, pôde o pequeno e o médio comércio dispensar-se das complexas

exigências para a constituição das grandes sociedades, assegurando-lhes, entretanto, o

princípio da limitação da responsabilidade dos sócios ao montante do capital investido,

minimizando, conforme descreve FAZZIO JÚNIOR28, “os riscos d ecorrentes do exercício da

empresa, em relação ao patrimônio particular dos sócios”, fomentando a atividade comercial e

o empreendedorismo, sendo esses os objetivos da sua criação.

26 BULGARELLI, Waldírio. Sociedades comerciais. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 117. 27 CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 137. 28 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 26.

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1.2. INTRODUÇÃO DAS SOCIEDADES LIMITADAS NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

Semelhante às outras nações, em face da evolução do comércio, da predominância da

existência de empresas de cunho pessoal e das dificuldades de constituição das sociedades

anônimas, o Brasil se vê na iminência de adotar um novo tipo de sociedade que permitisse

enfrentar tais situações, mesmo tendo, na época, instituído recentemente o Código Comercial

de 1850.

Sensível a essas circunstâncias, o Conselheiro José Thomaz Nabuco de Araújo, então

Ministro da Justiça (um brasileiro que viveu à frente de seu tempo), já em 1865 pretendia

adotar no Brasil as chamadas sociedades limitadas, semelhantes àquelas que existiam na

Inglaterra e na França. Por conta daqueles que achavam indispensável a autorização do

Governo para a constituição das empresas, o projeto de Nabuco de Araújo foi rejeitado pelo

Imperador, pelo que, a respeito dessa passagem, WALDEMAR FERREIRA29 assim se refere:

As Seções do Conselho de Estado (Justiça e Fazenda), de que faziam parte Pimenta Bueno (relator), Uruguay, Itaborahy e Manoel Felizardo, não querem o projeto: acham indispensável a autorização do Governo. Actualmente, dizem ellas, não ha fé, não ha crédito, não ha capitaes disponíveis, e o espírito das associações está desmoralizado, não pela dependência de autorização, sim pelos abusos de que ellas têm sido victimas e pelas perdas que tem ocasionado.

Comenta ainda, que “o effeito do projecto seria instaurar o regimen da libe rdade na

formação das sociedades anonymas”, portant o, criando as mesmas facilidades para a

constituição de sociedades já existentes na Inglaterra e França, razão pela qual atribui ser esse

projeto o precursor das sociedades limitadas no Brasil, pensamento não unânime entre a

doutrina, conforme trata FRAN MARTINS30, segundo o qual, devem-se procurar as suas

origens no projeto de Inglez de Sousa de 1912.

Sobre Inglez de Sousa, incumbido pelo Decreto nº 2.379, de 04 de janeiro de 1911,

de elaborar o projeto de reforma do Código Comercial; nele incluiu as sociedades limitadas,

justificando a inovação, segundo WALDEMAR FERREIRA31, referindo-se a tendência

limitadora da responsabilidade dos sócios da seguinte forma:

29 FERREIRA, Waldemar Martins. Sociedades por quotas. p. 2. 30 Cf. MARTINS, Fran. Sociedade por quotas no direito estrangeiro brasileiro. p. 245-256. 31 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1961, p. 393.

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(...) de modo a animar a concorrência das atividades e dos capitais do comércio, sem ser preciso recorrer a sociedade anônima, que melhor se reservará para as grandes empresas industriais, que necessitam capitais muito avultados e prazo superior ao ordinário da vida humana.

Inglez de Sousa, ao pretender introduzir as sociedades limitadas no Brasil, inspirou-

se na legislação e nos ótimos resultados apresentados pela sua introdução na Alemanha e

Portugal, fazendo, entretanto, referência a Nabuco de Araújo pela tentativa anterior. Tal

projeto de Código Comercial, submetido à apreciação do Congresso, ficou parado por longo

tempo, até que o Deputado Joaquim Luís Osório apresentou um novo projeto de lei, do qual, a

esse respeito, assim descreve FRAN MARTINS32:

(...) por longo tempo lá esteve sem que, afinal, fosse convertido em lei. E nesse meio tempo, em 20 de setembro de 1918, o Deputado pelo Rio Grande do Sul, Dr. Joaquim Luís Osório, catedrático da faculdade de Direito de Pelotas, apresentou a Câmara dos Deputados um projeto de lei, que tomou o n. 287, permitindo, além das sociedades de que tratam os arts. 295, 311, 315 e 317 do Código Comercial, poderem constituir-se sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, segundo as normas no mesmo projeto especificadas.

Por sua vez, o projeto do Deputado Joaquim Osório foi influenciado pelo capítulo III,

do projeto de Inglez de Sousa, e segundo comenta CUNHA PEIXOTO33, a justificativa do

Deputado gaúcho para a sua aprovação era “de que não se deveria esperar pela apr ovação do

projeto do Código Comercial, porque, pela complexidade desse corpo de leis, seu estudo seria

demorado, retardando, assim, a adoção desse tipo de sociedade no Brasil”, pelo que, então, o

projeto foi apresentado e convertido em lei rapidamente, sem qualquer emenda e discussão,

convertendo-se no Decreto de nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919.

A exposição de motivos do projeto nº 287, de 1918, transcrita por FRAN

MARTINS34, esclarece com detalhes os motivos da introdução das sociedades limitadas no

Brasil, dentre eles, que:

Essa forma de sociedade que o nosso Direito Comercial não conhece e que oferece ao desenvolvimento mercantil as possibilidades de um forte incremento das transações, nos ramos vários do comercio e da industria, pela segurança que o movimento dos capitais nela empregados não pode acarretar, para os sócios, outras responsabilidades senão a da formação

32 MARTINS, Fran. Sociedade por quotas no direito estrangeiro brasileiro. p. 270. 33 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 34. 34 MARTINS, Fran. Sociedade por quotas no direito estrangeiro brasileiro. p. 272-273.

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do capital pela integralização da quota a que cada um se obrigou, vem incontestavelmente alargar o campo de ação coletiva dos que têm recursos pecuniários e de crédito em condições de ser útil e eficazmente empenhados no giro dos negócios produtivos e remunerados, sem os riscos da ilimitada responsabilidade solidária (sem grifo no original). A limitação da responsabilidade é exceção que precisa ser provada de modo a evitar o engano dos estranhos que venham a contratar com a sociedade; essa prova faz-se pela publicidade, isto é, pelo arquivamento e publicação das restrições postas à regra geral de solidariedade e da ilimitação da responsabilidade dos coobrigados (sem grifo no original).

O Decreto nº 3.708 vigorou entre nós até 10 de janeiro de 2003, passando a

sociedade limitada a ser regulada pelo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002,

Livro II – Do Direito de Empresa, artigos 1.052 a 1.087.

A respeito do Decreto nº 3.708 e da entrada em vigor do Código Civil, COELHO35

assevera que:

A Lei das Limitadas era sucinta, o que lhe valeu até mesmo, críticas severíssimas de tecnólogos do direito societário (Martins, 1960:317). Nela, encontravam-se regras relativas à formação do nome empresarial, proibição de sócio de indústria, responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, responsabilidade do gerente, delegação de poderes de gerência, retirada do sócio dissidente, responsabilidade dos sócios pelas obrigações contrárias à lei ou ao contrato social e algumas outras de eficácia nenhuma. Como se pode perceber dessa pequena lista, grande parte das relações internas e externas da sociedade limitada não se encontrava disciplinada na lei de 1919, o que despertava a questão doutrinária acerca do arcabouço legislativo aplicável a esse tipo de sociedade empresária. Desse modo, enquanto vigorou a LL, a sociedade limitada se regia, nas matérias atinentes à constituição ou dissolução, pelo Código Comercial de 1850; nas demais, se omisso o contrato social, pela LSA. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2001, a questão da legislação aplicável às sociedades limitadas perde a complexidade doutrinária. (...) Quando omisso o Código Civil na disciplina desse tipo societário, a disciplina supletiva pode ser a da sociedade simples ou anônima, dependendo da vontade dos sócios.

A crítica de FRAN MARTINS36 a que Fábio Ulhoa Coelho se refere foi a seguinte:

No nosso diploma legal, a dificuldade reside na disparidade e falta de normas jurídicas uniformes de vários dos seus artigos, não existindo, na lei, continuidade de princípios que se liguem logicamente, dando unidade ao todo que é o instituto. Há, apenas, um conglomerado de dispositivos,

35 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA. v. 2, 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 367. 36 MARTINS, Fran. Sociedade por quotas no direito estrangeiro brasileiro. p. 317.

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reunidos apressadamente, muitos deles sem nenhum sentido lógico dentro do nosso sistema jurídico. E, acima de tudo, há uma falta absurda de detalhes que torna cansativo qualquer trabalho no sentido de conceituar esse tipo social tendo por base as características do instituto.

Anteriormente, da mesma opinião, WALDEMAR FERREIRA37 prevê o caos a partir

da concepção e aplicação do Decreto nº 3.708, e afirma que:

Promulgado e publicado, foi recebido com legítima surpresa, que se tornou maior diante da sua deficiência, que vai ser, evidentemente, um tormento para o comércio e para os tribunais, quando o tiverem de aplicar. Estamos a ver nele uma sementeira de decepções. E também de demandas (...).

Esse comentário de Waldemar Ferreira foi trazido também por LUCENA38, que a

despeito das correntes críticas do Decreto nº 3.708, ressalta os seus grandes méritos e afirma

que em seus longos anos de judicatura as demandas surgidas a respeito dessas sociedades não

eram numerosas, já que 97% das sociedades constituídas no país adotavam essa forma, e

assim se manifesta:

Nem hoje se pode dizer, passados oitenta e quatro anos (1919-2003), que foi o período de sua vigência, tenha o Decreto nº 3.708 se tornado um tormento para o comércio. O candente vaticínio não se confirmou. Parcas sendo suas disposições, tal acabou por resultar em benefício de larga expansão desse tipo societário, porquanto abriu ensanchas à fértil imaginação dos interessados, que assim puderam livremente moldar, segundo suas necessidades e conveniências, as sociedades que idealizavam.

Já em relação ao Código Civil, LUCENA39 faz-lhe duras críticas, e afirma que do

sentimento acima relatado não parecem os seus autores comungar, conforme se verifica:

Imposta a inevitável comparação entre o Decreto nº 3.708/19 e o novo Código, há de se concluir que, se foi aquele acoimado de atécnico e falto de regras indispensáveis, este, embora dotado de tecnicidade, não deixará de profligado como extremamente burocratizante da constituição e funcionamento das sociedades limitadas, assim eliminando uma das vantagens que levaram à criação e à ampla aceitação desse tipo societário.

Reforça seu posicionamento, quando cita críticas do Professor Afrânio de

37 FERREIRA, Waldemar Martins. Sociedades por quotas. p. 299. 38 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 29. 39 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 31.

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Carvalho40, in verbis:

As sociedades limitadas, ou sociedades por quotas, reguladas pelo Decreto nº 3.708, de 1919, ganharam tamanha voga no País, a ponto de depressa se tornarem as mais numerosas. Essa popularidade se explica pelo fato de conjugarem duas vantagens que atraem irresistivelmente as empresas de tipo pequeno e médio: a simplicidade com que se constituem e funcionam e a limitação da responsabilidade dos sócios ao capital social. Pois bem, o projeto ameaça por abaixo a magnífica simplicidade de constituição e funcionamento desse tipo societário tão bem aclimatado no País, propondo em seu lugar um modelo complexo (...).

Com as novas normas do Código Civil consolidou-se em seu Livro II, o Direito de

Empresa, passando as sociedades limitadas a serem regidas pelo disposto nos artigos 1.052 a

1.087, preservando-se, em geral, as características dessas sociedades, estabelecendo-se,

entretanto, novos critérios de aplicação e estrutura, dentre os quais, a regência supletiva pelas

normas da sociedade simples no caso de omissão do Código (artigo 1.053); as regras de

cessibilidade das quotas (artigos 1.057 e 1.058); a necessidade da deliberação dos sócios em

assembléia no caso de sociedades em que o seu número for superior a dez (artigo 1.072, § 1º);

o novo quorum para tomada de deliberações sociais (artigos 1.061, 1062 e 1.076); e as regras

para resolução e dissolução da sociedade (artigos 1.085 a 1.087), que implicam na aplicação

da regência supletiva das normas estatuídas para as sociedades simples, independente de

manifesta a opção pela regência supletiva da Lei do Anonimato.

40 Apud LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 31.

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2. CONCEITOS E ELEMENTOS PREPONDERANTES DAS SOCIEDADES

LIMITADAS PARA O ESTUDO DA PENHORA DE QUOTAS

Instituindo profundas mudanças à legislação comercial, o Código Civil consagrou

definitivamente entre nós a teoria da empresa, própria do direito italiano, passando a adotar os

institutos do empresário e das sociedades empresárias, abdicando, em sua essência, da teoria

dos atos do comércio do sistema francês, consolidando no seu Livro II, o Direito de Empresa.

Empresário, segundo o artigo 966, é “quem exerce profissionalme nte atividade

econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, sendo

necessária a sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, na forma dos artigos

967 e 96841, não se considerando como tal, “quem exerce profissão intelectual, de natureza

científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se

o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. A adoção desse instituto, faz

desaparecer do nosso ordenamento jurídico a figura do comerciante.

Segundo CAMPINHO42, “com a nova ordem consagrada em nosso d ireito positivo,

presencia-se o desaparecimento da clássica figura do comerciante”, absorvida pelo conceito

de empresário, que conduz a uma visão mais abrangente, de modo que, o empresário

“encampa não só o tradicional comerciante, modernamente chamado pel a doutrina de

empresário comercial, já na trilha da construção do Direito de Empresa, mas também algumas

das espécies de empresários civis, que exercem atividade econômica, na qual reside, nesse

gênero, a clássica sociedade civil com fim lucrativo”.

Dessa forma, segundo o mesmo autor, passarão a coexistir as sociedades

empresárias, que terão por objeto o exercício de atividade empresarial própria de empresário,

e as sociedades simples, as quais se reservarão às atividades que não de empresário.

Ao tratar desse assunto, LUCENA43 faz críticas a terminologia adotada pelo Código

Civil, segundo o qual, os termos adjetivos confundem a interpretação, já que conceitos

41 Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. Art. 968. A inscrição do empresário far-se-á mediante requerimento que contenha: I - o seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil e, se casado, o regime de bens; II - a firma, com a respectiva assinatura autógrafa; III - o capital; IV - o objeto e a sede da empresa. § 1o Com as indicações estabelecidas neste artigo, a inscrição será tomada por termo no livro próprio do Registro Público de Empresas Mercantis, e obedecerá a número de ordem contínuo para todos os empresários inscritos. § 2o À margem da inscrição, e com as mesmas formalidades, serão averbadas quaisquer modificações nela ocorrentes. 42 CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 3-4. 43 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 46-50.

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diferentes deveriam opor-se, o que não é o caso, haja vista que simples se contrapõe a

complexo, de modo que prefere denominá-las de sociedades empresárias e sociedades não-

empresárias, e, com base na sua adoção pelo Código Civil, as conceitua da seguinte forma:

... a sociedade empresária (...) é aquela que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro, ou seja a que tem por objeto uma atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 982 c/c o art. 966); e a sociedade simples é aquela que, embora tendo uma atividade econômica, não se conceitua como uma sociedade empresária (art. 982).

Por sua vez, CAMPINHO44 entende a denominação de simples foi atribuída por

conta da nomenclatura e do perfil que lhe foram dados pelo artigo 98245, e por sintetizar nesse

conceito as sociedades que adotarem forma de cooperativa, as que exerçam atividades

próprias de empresário rural, ou as que executarem atividades definidas por lei como não

empresariais (parágrafo único do artigo 966).

Verifica-se que as sociedades empresárias devem constituir-se segundo um dos cinco

tipos regulados nos artigos 1.039 a 1.092 (sociedade em nome coletivo, sociedade em

comandita simples, sociedade limitada, sociedade anônima ou sociedade em comandita por

ações), enquanto que a sociedade simples pode adotar um desses mesmos tipos, ou

subordinar-se às normas que lhe são próprias, conforme dispõe o artigo 983, pelo que se

conclui, assim como LUCENA46, que a sociedade limitada é tipo societário que pode ser

adotado tanto pela sociedade empresária quanto pela sociedade simples.

Conceituar a sociedade limitada, assim dita pela doutrina47, é tarefa árdua e

complexa. Conforme já exposto, o fator principal que levou a sua criação foi a necessidade

dos pequenos e médios comerciantes em tornar possível a constituição de sociedades com a

vantagem da limitação da responsabilidade do sócio em relação ao montante investido

(participação no capital), permitida outrora somente às sociedades anônimas, contudo, sem as

exigências e aspectos burocráticos que a essas são próprios. Para esse fim, conforme

demonstrado no capítulo anterior, e com vistas a impulsionar o desenvolvimento comercial e

44 Cf. CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 38-39. 45 Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. 46 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 106. 47 Nesse sentido: LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 67; REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial p. 455-456; BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais. p. 115; e, BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. p. 333.

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econômico, surgiram as sociedades limitadas.

BORGES48 expõe que sociedades limitadas “são aquelas nas quais todos os sócios

assumem, quer perante a sociedade quer perante terceiros, uma responsabilidade limitada”, de

modo que, no tratar de CAMPINHO49, cada sócio “é obrigado a entrar ap enas com o valor de

sua quota”, nada devendo à sociedade após a sua integralização. Todavia, continua o autor,

todos os sócios respondem solidariamente pela parte do capital não integralizado.

Firmados esses conceitos, tratar-se-á dos elementos preponderantes das sociedades

limitadas para o estudo da penhora de quotas, os quais, à luz da doutrina50, revestem-se como

características fundamentais das sociedades, em especial, das limitadas.

2.1. AFFECTIO SOCIETATIS

A affectio societatis, dita por REQUIÃO51, “é uma antiga e xpressão latina, usada por

Ulpiano, para distinguir a intenção de se associar em sociedade”, constituindo com a

pluralidade de sócios, em pressupostos de existência à formação e manutenção do contrato

social, haja vista que a não existência de um deles, conduz a sua dissolução.

Assim também trata COELHO52, e acrescenta que a época de Ulpiano, a affectio

societatis “realç ava a indivisibilidade da sociedade, em face da comunhão”, a qual hoje é

“entendida como a disposição dos sócios em manter o esforço ou investimento c omum”,

condição necessária à constituição da sociedade limitada, que tende a ser dissolvida, total ou

parcialmente, se esvaída.

Em que pese não ser a matéria pacífica, ou de pouca utilidade53, Fábio Konder

Comparato54, expressa idéia clara e abrangente do que seja a affectio societatis, conforme se

verifica abaixo:

A affectio societatis é, portanto, não um elemento exclusivo do contrato de sociedade, distinguindo-o dos demais contratos, mas um critério

48 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. p. 333. 49 Cf. CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 139. 50 Citadas em referências. 51 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 394. 52 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 390. 53 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 79, destaca as controvérsias existentes sobre os significados discrepantes da expressão, e expõe que parte da doutrina a considera como de pouca importância para o direito societário; tal qual a posição de COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 390. 54 Apud FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 80.

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interpretativo dos deveres e responsabilidades dos sócios entre si, em vista do interesse comum. Quer isso significar que a sociedade não é a única relação jurídica marcada por esse estado de ânimo continuativo, mas que ele comanda, na sociedade, uma exacerbação do cuidado e diligência próprios de um contrato bonae fidei. (...) Há, assim, dois elementos componentes da affectio ou bona fides societatis, representativos do duplo aspecto dessa relação: a fidelidade e a confiança. A fidelidade é o escrupuloso respeito à palavra dada e ao entendimento recíproco que presidiu à constituição da sociedade, ainda que o quadro social se haja alterado, mesmo completamente. Por outro lado, a confiança é também um dever do sócio para com os demais, dever de tratá-los não como contrapartes, num contrato bilateral em que cada qual persegue interesses individuais, mas como colaboradores na realização de um interesse comum.

Neste sentido, conforme ainda observa FAZZIO JÚNIOR55, esse animus traduz-se

no intento de constituir e manter a sociedade, concorrendo com riscos e sucessos de forma

comum, sendo requisito fático subjetivo da sua própria existência, elemento impulsionador

que consubstancia o dever de lealdade e coerência entre os comunheiros. É o querer ser sócio.

No entanto, continua o autor, a “ affectio societatis não é uma vocação ou um impulso

dignificante”, a ponto de “santificar o ânimo societário”. Trata -se de uma necessidade ou

utilidade para os sócios, que em conjunto, podem obter maior sucesso pela conjugação de

recursos financeiros e de ordem empreendedora, para que possam, sob o manto da

personalidade jurídica, proteger o patrimônio pessoal.

Com base nesse entendimento, conclui que: “ser sócio é mais seguro que t itularizar,

pessoalmente, o exercício da atividade econômica”, e que “a sociedade não deixa de ser um

pálio protectivo do sócio”, pelo que, “a pessoa jurídica é instrumental da vontade lícita da

pessoa natural”.

Ao tema, a sua condição de pressuposto de existência da relação social constitui

óbice a admissão da penhora da quota, por conta do entendimento de que a sua expropriação

permitiria o ingresso de estranhos ao quadro social, o que de todo, não é verdadeiro, conforme

se tratará especificamente nos itens 3.2 (A Penhora das Quotas Sociais no Direito Brasileiro) e

3.3 (A Penhorabilidade das Quotas Sociais ex vi do Artigo 1.026, do Código Civil).

2.2. A PERSONALIDADE JURÍDICA E SEUS EFEITOS

A personalidade jurídica das sociedades empresárias é conferida a partir do momento 55 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 79-81.

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da sua existência legal, na forma dos artigos 45, 985 e 1.150 do Código Civil56, as quais se

formam por um concurso de vontades individuais, tanto de pessoas naturais quanto de outras

pessoas jurídicas já constituídas, formando patrimônio próprio e com intento às finalidades a

que se propõe.

Assim, conforme expõe REQUIÃO57, a sociedade transforma-se em um novo ser,

distinto das pessoas que lhe constituíram, sujeito de direitos e obrigações, com patrimônio

próprio destinado a assegurar a sua existência e finalidade de criação, bem como, de primeiro

plano, a sua responsabilidade direta em relação a terceiros.

No dizer de COELHO58, “sociedade empresária é a pessoa jurídica que e xplora uma

empresa (...), em razão do princípio da autonomia da pessoa jurídica”, sendo o mais

importante fundamento para o direito societário. Com base nesse princípio, é que ela é

considerada um sujeito de direitos e obrigações, com vontades e objetivos próprios, distintos

dos seus sócios.

Contudo, conforme bem adverte REQUIÃO59, essa teoria cria uma série de

problemas, que se levada a efeito em todos os seus termos, poderia servir de escudo a fraudes,

devendo, dessa forma, não consistir em um direito absoluto60. Mais tarde, porém, ao

reafirmar a autonomia do patrimônio das sociedades em relação aos seus componentes,

assevera que negar essa autonomia é pôr abaixo a teoria da personificação jurídica.

Em seu ministério, COELHO61 trata com detalhes sobre a natureza e o conceito de

pessoa jurídica, discorre sobre as teorias pré-normativista e normativista62 para concluir que,

56 Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro. Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150). Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária. 57 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 372-373. 58 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 5. 59 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 376-380. 60 O autor aqui se refere a doutrina da superação da personalidade jurídica. 61 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 7-9. 62 Segundo COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 8; as teorias pré-normativistas “consideram as pessoas jurídicas seres de existência anterior e independente da ordem jurídica. Para os seus adeptos, a disciplina legal da pessoa jurídica é mero reconhecimento de algo preexistente, que a ordem positiva não teria como ignorar. Segundo entendem, além do ser humano, também elas se apresentam ao direito como realidades incontestáveis, como os reais sujeitos das ações dotadas de significado jurídico. De outro lado, encontram-se as

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no fundo, a despeito da autonomia e personalidade distinta conferidas, “o que está em jogo,

nas questões relativas as pessoas jurídicas, é sempre a distribuição de bens entre indivíduos”,

sendo a natureza desses entes uma “idéia”, ou seja, uma abstração utilizada na composição de

interesses.

Afinal, precede à sociedade o animus dos seus integrantes em compô-la. Nessa etapa,

afinam-se os anseios, verifica-se a forma, determina-se o investimento individual, a

responsabilidade e a participação nos resultados, dentre outros, compondo-se por um acordo

de vontades de pessoas individuais o modelo da sociedade a ser constituída, e que assumirá

personalidade jurídica a partir do seu registro.

A respeito dos efeitos da personalidade jurídica atribuída às sociedades empresárias

devidamente registradas, REQUIÃO63 ensina que a partir desse registro a sociedade

empresária:

a) Passa a ser considerada uma pessoa, sujeito capaz de direitos e obrigações. Assim

se refere o artigo 1º64, do Código Civil, ao tratar das pessoas indistintamente;

b) A ter individualidade própria, não se confundindo com a dos sócios que a

constituíram;

c) A adquirir autonomia patrimonial e seja sob qual for o tipo de sociedade com que

se constitui, responde ilimitadamente pelo seu passivo. No caso das sociedades

limitadas, a responsabilidade limitada é dos sócios em relação as suas quotas, não

da pessoa jurídica que tem responsabilidade ilimitada;

d) Sendo dona de si, pode modificar a sua estrutura, assumindo outra forma, permitir

o ingresso ou a retirada de sócios ou quaisquer outras faculdades delimitadas

pelos seus estatutos e leis normativas.

Acrescente-se a essa lista, a possibilidade de a sociedade empresária vir a praticar

qualquer outra circunstância permitida em lei, mas proibida em seu ato constitutivo, desde

que por deliberação societária vem a ser o contrato social alterado, conforme dispõe os artigos

1.071 e seguintes do Código Civil (Das Deliberações dos Sócios).

É claro que essa possibilidade resulta da comunhão de interesses dos sócios da

sociedade, os quais representam no ato a vontade da própria pessoa jurídica personificada. No

teorias normativistas sustentando o oposto, isto é, as pessoas jurídicas como criação do direito. Fora da previsão legal correspondente, não se as encontram em nenhum lugar”. 63 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 382. 64 Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

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entanto, o instrumento para o qual lhe valerá, será um compromisso individual de cada sócio

(alteração contratual realizado pela pessoa humana), a ser consentido segundo os seus

interesses particulares, quer repercutam em seu campo patrimonial ou não.

Neste sentido, coexiste a autonomia e a personalidade jurídica da sociedade

empresária com a existência física ou onipresente de seus sócios – seus mandatários ou

prepostos, já que podem agir indiretamente – pelo que, assim como já foi abordado no

primeiro capítulo, a instituição das sociedades é o instrumento jurídico criado pelo legislador

como forma de organizar legalmente a prática das atividades empresariais, em conformação

com os interesses de seus titulares e de seus credores, quer eles sejam públicos ou privados.

BORGES65, defensor ferrenho da teoria da personificação jurídica das sociedades, a

eleva em um nível de um ser onipotente, e considera a personalidade jurídica “como a

capacidade jurídico-patrimonial de que gozam os entes coletivos aos quais o direito reconhece

ou atribui uma existência diferente da das pessoas que as constituem”, e que os bens

provenientes dessas pessoas quando da sua constituição formam o fundo social, e sobre eles,

não terão mais os sócios qualquer direito de propriedade. Nesse raciocínio, desenvolve

exemplo comparando essa situação com a relação existente entre pai e filho, que no mínimo, é

digna de destaque:

Em relação à sociedade, gerada por eles, estão os sócios em posição semelhante à dos pais em relação ao filho. Embora gerado por eles, tem o filho sua personalidade própria, tendo ou podendo ter bens que são dele, e não dos pais. Falecendo o filho, sem descendentes, os pais recolhem-lhe a herança. Dissolvida a sociedade, morta a pessoa jurídica, seu patrimônio líquido é repartido entre os sócios, herdeiros que são daquela pessoa extinta. Em vida dela, porém, é inconfundível a existência, como inconfundível é o patrimônio da sociedade com o patrimônio ou com a existência dos sócios.

Todavia, não obstante seja essa assertiva importante para um melhor entendimento

do assunto, de todo ela não é verdadeira. O ilustríssimo autor, tão proficiente em seu

ministério, descurou-se em não considerar nesse exemplo, que a participação em uma

sociedade confere ao sócio o poder de ação sobre ela, poder esse decorrente do status socii,

que, no tratar de Carvalho de Mendonça66, é o direito pessoal de participar da administração

da sociedade diretamente ou através de preposto, influindo, portanto, nos seus rumos.

Assim, parafraseando-se o pensamento do digníssimo autor, poder-se-ia afirmar que

65 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. p. 267-266. 66 Apud LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 378.

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ao poder os sócios antecipar a morte da sociedade, partilhando entre si a herança (os sócios

podem extinguir a sociedade), poderia o pai, da mesma forma, antecipar a morte do filho para

com isso haver o seu quinhão hereditário? Parece que não. Entretanto, a julgar pelo poder que

tem o sócio de extinguir a sociedade, e querer comparar essa relação social com aquela

existente entre pai e filho, é o mesmo que admitir que o pai, igualmente, tudo pode, não fosse

o sofisma existente.

Assim, apesar das dificuldades de se conceituar o que seja “interesse social”,

impende admitir que a sociedade é um ser inanimado, que no afirmar de COELHO67, depende

e se vincula à vontade humana, quer seja ela a vontade de seus sócios ou de seus dirigentes, e

assim se manifesta:

Em primeiro lugar, é preciso recuperar que somente homens e mulheres têm interesse. Os demais seres com vontade que habitam o planeta não são capazes de racionalizá-la como os humanos; e interesse é a vontade racionalizada. As sociedades empresárias e as pessoas jurídicas em geral são, como já se assentou, meros conceitos. Idéias articuladas, que uma parcela dos homens e mulheres – a comunidade jurídica – desenvolve, com o objetivo de esclarecer a distribuição dos bens entre as pessoas (naturais).

Ao concluir seu entendimento, COELHO68 assevera que “nesse sentido, falar em

interesse social é uma metáfora. O que existe é o interesse dos sócios humanos, e nada mais”,

movidos por interesses convergentes e comuns, que, no entanto, assumem posições

antagônicas, em “especial quando se tr ata de repartir o dinheiro gerado pela atividade

desenvolvida em conjunto”.

2.3. CLASSIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

Em que pese a classificação em geral das sociedades, abordar-se-á o tema em vista

apenas daquelas consideradas importantes para esse estudo, de modo a demonstrar e permitir

a identificação dos motivos que levam a discussão sobre a possibilidade ou não da penhora de

quotas em razão da execução de dívidas particulares de sócio.

A classificação das sociedades, assim como a definição de seus aspectos conceituais,

é tema imprescindível para a definição e esclarecimentos sobre questões importantes, às vezes

67 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 358. 68 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 358.

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nebulosas, para o entendimento de certos institutos jurídicos. Nesse objetivo, a doutrina,

desde o princípio, debruça-se sobre conceitos, estabelecendo critérios diversos.

Importante lembrar que as normas legais estão em constante evolução, mas

intimamente ligadas ao passado. Por isso, abordou-se com detalhes no primeiro capítulo, a

evolução do direito comercial e o surgimento da sociedade por quotas de responsabilidade

limitada, atualmente denominada sociedade limitada.

Constatou-se, também, que de certa forma, o conservadorismo e o receio a novos

paradigmas protelaram o avanço e a introdução dessas sociedades, tão salutares para a

economia como têm demonstrado ser, isso por conta de não se querer libertar os

empreendedores dos vínculos patrimoniais ilimitados de responsabilidade perante os credores

da sociedade.

Sob essa ótica, constata-se que a doutrina ao conceituar e classificar as sociedades

levavam em conta realidades diferentes, segundo a época que refletiam, ao que se requer

especial atenção na interpretação de certos conceitos trazidos pela pesquisa. Como exemplo,

basta citar que até o advento das sociedades limitadas, as classificações se interpunham em

pólos opostos, distinguindo-se umas das outras em razão de características bastante díspares,

como são, ainda hoje, as diferenças entre as sociedades em nome coletivo e as sociedades

anônimas.

Portanto, a evolução do comércio, a intensificação das relações mercantis e o

surgimento do novo tipo societário vieram a reclamar novas formas de classificação, senão, ao

menos, dividir posicionamentos doutrinários, conforme será exposto, que ao certo, cada qual a

sua época, refletia a realidade predominante dos aspectos societários.

A grande divergência na classificação das sociedades limitadas diz respeito a

conceituá-la como sociedade de pessoas ou sociedade de capital. Essa divergência, alimentada

pelos caracteres componentes de sua instituição, guarda raízes nas suas origens, as quais, de

início, prestavam-se mais ao abrigo de pequenas sociedades, em que o aspecto pessoal sempre

foi preponderante, para fugir da responsabilidade ilimitada dos sócios.

Dentre os vários critérios utilizados pela doutrina, destacam-se aqueles que

consideram a classificação das sociedades em relação à responsabilidade dos sócios; em razão

da natureza de seu ato constitutivo e da dissolução do vínculo societário; e, em razão das

qualidades subjetivas de seus sócios ou de sua estrutura econômica.

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2.3.1. Classificação em Relação à Responsabilidade dos Sócios

Sob esse critério, as sociedades classificam-se em sociedades de responsabilidade

limitada ou de responsabilidade ilimitada.

São de responsabilidade limitada as sociedades limitadas e as sociedades anônimas; e

de responsabilidade ilimitada as sociedades em nome coletivo. Existem, ainda, as sociedades

em comandita por ações e as em comandita simples, que assumem um caráter misto, em que

apenas parte dos sócios assume responsabilidade ilimitada.

O foco da limitação da responsabilidade se refere ao sócio, e não à sociedade. A

sociedade quer seja constituída sob um ou outro tipo, terá sempre responsabilidade ilimitada

perante seus credores.

Ressalta-se também, que a responsabilidade patrimonial dos sócios é subsidiária,

segundo o que, seu patrimônio particular só responderá pela satisfação das dívidas da

sociedade, depois de exaurido todo o patrimônio social, conforme previsto no artigo 1.024, do

Código Civil69.

2.3.2. Classificação em Razão da Natureza de seu Ato Constitutivo e da Dissolução do

Vinculo Societário

Sob este prisma, as sociedades classificam-se em contratuais ou institucionais. Em

ambos os casos a sociedade se formará pela vontade dos sócios. A diferença é que, nas

sociedades contratuais a constituição se dará a partir de um contrato plurilateral70 entre os

sócios, e a sua regência observará também as normas legais e os princípios do direito

contratual. Já nas sociedades institucionais, o ato de sua criação não tem natureza contratual e

os seus critérios de organização, por submissão legal, ficam à margem da vontade das partes,

não recaindo sobre esse tipo de sociedade, a aplicação dos preceitos relativos à teoria geral

dos contratos.

69 Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. 70 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 371; esclarece com detalhes o que vem a ser a plurilateralidade do contrato, segundo o qual, não tem ela a ver com o número de partes, mas sim, com a “indeterminação do número, ou melhor, a po ssibilidade de participação de um número variável de partes. É ele aberto à adesão de novas partes. A circunstância de ser reduzido a dois o número de membros não tira ao contrato de sociedade o traço típico de plurilateralidade”. Referência ta mbém utilizada por LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 59-60.

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COELHO71, ao analisar os reflexos que esses dois tipos societários permitem, cita o

caso de um herdeiro de participação societária, e com base nesse exemplo esclarece bem as

diferenças. Segundo trata, na sociedade contratual (em que figuram as sociedades limitadas,

em nome coletivo e em comandita simples) o herdeiro não está obrigado a ingressar na

sociedade, assim como, se houver definição contratual, os demais sócios não são obrigados a

admiti-lo compulsoriamente. Opera-se, se for o caso, a dissolução parcial da sociedade. É que

nas sociedades contratuais, a constituição e a dissolução seguem normas semelhantes às do

regime jurídico dos contratos. Já nas sociedades institucionais (em que se situam as

sociedades anônimas e as em comandita por ações) isso não acontece. O herdeiro

necessariamente, a menos que renuncie a herança, passará a integrar o quadro de acionistas da

sociedade, podendo, se for o caso, alienar as suas ações sem nada interferir nos seus rumos.

Há que se destacar que na teoria contratualista, em que se situam as sociedades

limitadas, reside ponto fundamental a ser considerado ao entendimento de poder ou não a

quota ser penhorada, por conta de que a relação contratual existente impede o ingresso de

estranhos não desejados quando assim prever o contrato social, ao vedar a cessão de quotas

sem o consentimento dos demais sócios.

Nesse sentido, independente do caráter personalista ou capitalista que a sociedade

limitada possa vir a adotar, a relação que existe entre os sócios, entre os sócios e a sociedade e

aquela que existiu no ato da sua constituição, terá sempre natureza contratual, regendo-se pela

teoria geral dos contratos, consubstanciada no artigo 421, do Código Civil, segundo o qual, “a

liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

2.3.3. Classificação em Razão do Grau de Dependência das Qualidades Subjetivas dos

Sócios ou da sua Estrutura Econômica

Nesse critério de classificação, em que de um lado apresentam-se as sociedades de

pessoas, e de outro, as sociedades de capital, é que se encontram as maiores divergências. Não

em razão de conceituá-las, nisso há unanimidade, mas sim, em enquadrar a sociedade limitada

em um ou outro tipo, e, em decorrência desse enquadramento, entender ser possível ou não a

penhora, tal qual o disposto no item anterior.

Constata-se, também, que esse critério de classificação decorre da época em que

ainda não haviam as sociedades limitadas, em que de um lado existiam as sociedades de

71 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 26.

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pessoas, com responsabilidade ilimitada dos sócios, e de outro, as grandes companhias - as

sociedades anônimas de responsabilidade limitada. Assim, as sociedades eram de pessoas ou

de capital. Entretanto, entre esses pólos surgiu a sociedade limitada, um misto de sociedade

de pessoa e de sociedade de capital, podendo propender para um desses fatores segundo o seu

ato constitutivo.

A par dessas considerações, sob esse critério as sociedades atualmente de classificam

em: sociedades de pessoas, sociedades de capital e sociedades híbridas72.

As sociedades classificadas como de pessoas (intuitu personae), são aquelas em que

as qualidades subjetivas do sócio são imprescindíveis para a sua formação, quer seja em razão

dos atributos pessoais no que diz respeito às qualidades morais da pessoa humana, quer em

razão da capacidade e da especialidade empreendedora, quer seja, ainda, em razão do

relacionamento entre os comunheiros como condição necessária à conquista de um objetivo

comum. Assim a razão dessa classificação, que ancorada no manto da teoria contratualista73,

busca a preservação e a proteção do vínculo associativo aos interesses comuns dos sócios

como condição elementar de existência da sociedade.

Ao contrário, para as sociedades classificadas como de capital (intuitu pecunia), as

qualidades subjetivas dos sócios não importam. Interessa, apenas, a sua contribuição

pecuniária à formação do capital, podendo eles ingressar ou retirar-se livremente da

sociedade, transferindo sua participação societária sem comprometer a sua existência, a qual

não depende de suas qualidades subjetivas, mas do seu aporte de capital. É o que se verifica

nos ensinamentos de COELHO74, in verbis:

... nas sociedades em que prepondera o fator subjetivo, a cessão da participação societária depende da anuência dos demais sócios. Como os atributos individuais do adquirente dessa participação podem interferir na realização do objeto social, é justo e racional que o seu ingresso na sociedade fique condicionado à aceitação dos outros sócios, cujos interesses podem ser afetados. Já em relação às sociedades de capital, a regra é inversa, ou seja, o sócio pode alienar sua participação societária a quem quer que seja, independente da anuência dos demais, porque as características pessoas do adquirente não atrapalham, não têm como atrapalhar o desenvolvimento do negócio social.

72 LUCENA, José Waldecy Lucena. Das sociedades limitadas. p. 331-332; assim se manifesta, ao se referir às sociedades limitadas como terceira espécie situada entre as sociedades de capitais e as sociedades de pessoas. 73 Tratou-se dessa teoria no item 2.3.2, ao se abordar a Classificação em Razão da Natureza de seu Ato Constitutivo ou da Dissolução do Vínculo Societário. 74 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 24.

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O mesmo autor75 enfatiza a importância dessa distinção e adverte que ela “é útil, na

medida em que traz relevantes conseqüências para a equação dos interesses dos sócios”,

dentre elas, a possibilidade ou não da penhora da quota social. Justifica seu posicionamento,

porquanto entende que nas sociedades de pessoas, a penhora e as suas conseqüências –

ingresso de estranho na sociedade - resultariam na quebra da affectio societatis.

Quanto às sociedades limitadas, a dúvida que persiste em classificá-la em um ou

outro tipo reside na análise do seu ato constitutivo, em face de que os sócios ao contratarem

podem lhe imprimir caráter eminentemente personalista ou capitalista, ou, ainda, intermédio.

WALDEMAR FERREIRA76, em razão da responsabilidade solidária existente entre

os sócios quotistas, entende que “inequivocamente” a sociedade limitada é de natureza

personalista, não comportando outra classificação.

Da mesma opinião, Spencer Vampré77 aduz que a sociedade limitada é de pessoas,

em face de que “cada um dos sócios só responde, em princípio, pela quota que subscreveu e,

em caso de falência, pela integralização de todas as outras quotas não liberadas”; assim como

Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto78, que a define como sociedade de pessoas, mesmo

reconhecendo a dialética de seu caráter híbrido, em razão da qual, ela se “constitui intuitu

personarum, e que, conseqüentemente, a morte, a interdição e a falência de qualquer dos

sócios influi sobre os destinos sociais”.

Em sua obra, FRAN MARTINS destaca a posição desses doutrinadores,

contrapondo-os à corrente contrária79, para afirmar ao final o caráter misto indiscutível das

sociedades limitadas, porquanto adotaram princípios tanto das sociedades de pessoas quanto

das de capital. Das primeiras adotaram “princípios relativos à constituição , no caso um

contrato como base de sua formação (...), ou seja de acordo com as normas que concernem à

75 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 25. 76 Segundo FERREIRA, Waldemar. Tratado de sociedades mercantis. p. 649-650; “a solidariedade é atributo pessoal. Dá-se, em direito, a solidariedade, quando na mesma obrigação concorrem mais de um credor ou mais de um devedor, cada um com direito ou obrigado a dívida toda. A solidariedade é sentimento que pode ser simplesmente afetivo ou obrigacional. Solidarizam-se pessoas, naturais ou jurídicas. Capitais, não. Estes juntam-se, aglutinam-se, somam-se e podem formar massa homogênea de força expansiva imensa, de molde a mudar até o espírito da sociedade humana”. Com esse raciocínio o ilustríssimo autor se apresenta como defensor absoluto da natureza personalista da sociedade limitada, elevando-a, entretanto, a um grau de santificação. Em que pese a existência do caráter intuiu personae nas sociedades limitadas, a solidariedade, sozinha não se presta para definir-lhe. Afinal, a solidariedade existente ao instituto em tela se presta não para solidarizar a afetividade, e sim, para solidarizar (dividir, comprometer, garantir) a responsabilidade patrimonial de todos pela não integralização do capital social, conforme dispõe o próprio Código Civil. 77 Apud MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. p. 333-334. 78 Apud MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. p. 334. 79 MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. p. 335), cita Vilemor do Amaral, Noredino Silva, João Eunápio Borges e Júlio Santos Filho, os quais, apesar de reconhecerem o caráter pessoal das sociedades limitadas, as aproximam mais das sociedades de capitais.

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constituição das sociedades de pessoas”, adotando das segundas, os princípios da limitação de

responsabilidade dos sócios ao valor do capital.

Ao explorar o tema em relação à legislação estrangeira, em especial à alemã e à

francesa, FRAN MARTINS destaca análise de J. Rousseau80, que, segundo trata,

“acertadamente” pr oclama:

Em presença destas oposições de caracteres não é de se admirar que as tentativas que foram feitas para ligar as sociedades de responsabilidade limitada a uma categoria tenham ruído. Se vários autores se pronunciam ainda por uma categoria mais do que por outra, a maioria reconhece o caráter intermediário ou misto das sociedades de responsabilidade limitada.

No entanto, CAMPINHO81, com base na classificação das sociedades limitadas

dentre as contratuais, as classifica como de intuitu personae, já que se servem dos princípios

típicos das sociedades de pessoas a elas empregados pelo novo Código Civil, quais sejam, o

da instituição por contrato; da solidariedade entres os sócios; da necessidade de alteração do

contrato com a saída de sócios, da dissolução parcial pela quebra da affectio societatis, da

liquidação de quota pelo falecimento de sócios, se houver previsão, e do condicionamento à

cessão de quotas, para assim se manifestar:

No seu âmago, a sociedade limitada é uma sociedade de pessoa, sem descurar para o inconteste fato, como já se tinha no direito anterior, de que a lei permite que os sócios venham a ela conferir tonalidade tipicamente de capital, como ocorre na permissão para a livre cessão de quotas, o que, contudo, não lhe retira a essência personalista. (...) Todos esses princípios expressam elementos característicos das sociedades de pessoa, inexistentes nas sociedades tipicamente de capitais.

Constata-se, contudo, o seu caráter híbrido, “distinto, inclass ificável como sociedade

de pessoas ou de capitais”, mesmo para aqueles 82 que a classificam como de capitais, já que

admitem “ certos vínculos com as sociedades de pessoas”. LUCENA 83, ao manifestar-se dessa

forma, assevera que o que importa é o seu “elemento pr eponderante”, ou seja, o caráter que os

sócios lhe imprimem no ato de constituição.

80 Apud MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. p. 332. 81 CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 163. 82 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 58; aqui se refere a Georges Ripert e René Roblot e Philippe Merle, os quais, segundo trata, “contrariando a opinião geral que a considerar como uma sociedade híbrida, a integram, (...), na classe das sociedades de capitais”. 83 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 57-62.

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Da mesma forma, REQUIÃO84, apesar de classificá-las dentre as sociedades de

pessoas, reporta-se à faculdade que têm os sócios, na elaboração do contrato, de “dar -lhe um

caráter capitalístico, quando permitirem a cessão de quotas a estranhos, sem a necessária

anuência dos demais”; assim como, COELHO85, que da mesma forma reconhece que cabe aos

sócios imprimir-lhe o seu caráter, e que toda essa discussão “é relevante apenas na solução de

três questões: as condições para a cessão de quotas, a penhorabilidade destas e as

implicações do falecimento de sócio”. (sem grifo no original)

A respeito desse caráter que os sócios podem dar a sociedade limitada, LUCENA86

faz interessantes observações, as quais, confrontadas com o Código Civil e a adoção

majoritária do seu tipo no Brasil, acabam na prática assim se caracterizando.

Com esse raciocínio o autor insere dois novos conceitos, quais sejam: a “sociedade

limitada fechada”, em que os sócios lhe dão caráter personalista, e a “sociedade limitada

aberta”, constituída “sob as vestes de uma sociedade de capitais, com predomínio do intuitus

pecuniae, aproximando-se de uma sociedade anônima fechada”.

Resgata-se, assim, que até o advento das sociedades limitadas, as sociedades de

pessoas se constituíam intuitu personae em razão também da ilimitação da responsabilidade

dos sócios perante as dívidas da sociedade, o que lhe emprestava essa definição.

Neste sentido, BORGES87, inconformado com a discussão a respeito dessa

classificação, baseada em critérios subjetivos e vagos, assevera que a ela se deve incorporar o

critério da garantia oferecida pela sociedade aos credores, pelo que se verifica da sua obra,

segundo a qual, seriam:

... de pessoas, as sociedades cujas obrigações fossem garantidas não apenas pelo patrimônio social, mas pelo patrimônio individual de uma ou mais sócios; de capital aquelas em que, depois de integralizado o capital, nada possam os credores exigir de qualquer sócio, individualmente; o patrimônio social será a sua única garantia.

Esse detalhe, tão importante para a definição da estrutura da sociedade limitada entre

as de pessoa ou as de capital (já que no passado, onde está a origem, constituíam-se sob o

primeiro critério, como assevera BORGES88, “as sociedades em nome coletivo, as em

comandita, as de capital e indústria e as em conta de participação”, que se não em todo, 84 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 465-469. 85 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 370-374. 86 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 63-64. 87 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. p. 292. 88 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. p. 293.

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vinculavam o patrimônio pessoal ao patrimônio da sociedade), é refutado por PEIXOTO89,

segundo o qual, ao citar Carvalho de Mendonça e César Vivante, que comungam da mesma

opinião, considera terem partido de um ponto de vista não adotado pela maioria. Interessante,

porém, destacar a síntese feita por este autor a respeito do que pensa César Vivante:

... sustenta que a diferença entre a sociedade de pessoa e a de capital se encontra no fato de, nas primeiras, poderem os credores contar com o patrimônio de todos os sócios ou de alguns deles, e, nas segundas, estar a sua garantia limitada ao contrato social.

A esse propósito, PONTES DE MIRANDA90, apesar de ver nas sociedades limitadas

um “misto de sociedades de pessoas e de sociedades d e capitais”, entende que a sua

classificação deveria ser considerada entre “sociedades de pessoas e sociedades por ações”, já

que as limitadas se aproximam mais das sociedades anônimas em face da não

responsabilidade pessoal dos sócios pelo passivo social.

Por fim, ABRÃO91, ao concluir a sua análise a respeito dessa classificação, assevera

não ter ela hoje “utilidade” nem “atualidade” e a ssim se manifesta:

Não há sociedades sem pessoas, nem sem capital. O que sucede é que a velha figura da sociedade coletiva, na qual se empenhavam ilimitadamente os sócios com suas pessoas e patrimônios, com a ilimitação de sua responsabilidade, tornou-se obsoleta. Na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, a participação pessoal do sócio pode ser maior ou menor; na anônima, o empenho pessoal dos sócios pode ser dispensado, uma vez que os diretores podem ser alheios ao corpo social.

Contudo, a classificação das sociedades nesses dois grupos é tema relevante e levado

a efeito em razão das normas contratuais que sustentam a constituição das sociedades

limitadas, em que os sócios salvaguardando interesses mútuos, podem imprimir um caráter

personalista à sociedade em razão das qualidades subjetivas de seus constituintes.

2.4. DAS QUOTAS SOCIAIS

As quotas sociais, assim como as ações, formam o capital social da pessoa jurídica.

89 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 50. 90 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo XLIX. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. p. 361-362. 91 ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. 7ª ed. p. 30-36.

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Representam a contribuição de cada sócio na sua constituição, que, em decorrência desse

comprometimento patrimonial, passam a ter sobre a sociedade um direito da mesma espécie,

além do qual, também um direito pessoal.

Ao trazer o seu conceito e a sua natureza jurídica, a pesquisa permitirá a análise da

sua distinção com a ação, bem como, dos seus critérios de cessibilidade, onde se polarizam

controvérsias de cunho fundamental à elucidação do tema.

2.4.1. Quota Social: Conceito e sua Natureza Jurídica

Egberto Lacerda Teixeira92, citado por CAMPINHO, REQUIÃO e ABRÃO; define

quota como “a entrada, ou contingente de bens, coisas ou valores com o qual cada um dos

sócios contribui ou se obriga a contribuir para a formação do capital social”, limitando a

responsabilidade dos sócios por dívidas da sociedade ao seu valor, respondendo esses,

solidariamente entre si pela integralização do capital social, conforme determina o artigo

1.052, do Código Civil93.

A quota, individualmente, é uma parcela do capital social da sociedade, e sua

integralização pode ser em bens ou em dinheiro, ao que passam a integrar o patrimônio da

pessoa jurídica em decorrência da transferência da propriedade.

Por essa razão, a natureza jurídica da quota social é um direito de duplo aspecto:

patrimonial e pessoal, conferidos aos sócios pela participação e integralização do capital

social. O primeiro traduz-se no direito à percepção de lucros e no direito à partilha da massa

residual decorrente da liquidação. O segundo, revela-se no status de sócio, o qual assegura o

direito de deliberação, fiscalização e participação administrativa e política da sociedade94.

Por sua vez, WALDEMAR FERREIRA95 entende que a quota “é parte al íquota do

capital social”, e que, “fazendo parte do capital, a quota dele não se desintegra, mas ao

contrário nele se funde, deixando de pertencer ao sócio a fim de incorporar-se no cabedal

societário, uno e inteiriço”.

92 Apud CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 165; REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 478; ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p. 78-79. 93 Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. 94 Neste sentido: CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 166; DORIA, Dylson. Curso de direito comercial. p. 164-165; FAZZIO FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 134, e LUCENA, José Waldecy. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p. 310-313. 95 FERREIRA, Waldemar. Tratado de sociedades mercantis. p. 756-757.

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Ao se referir aos direitos dos sócios sobre elas, trata em somenos, e assevera que

“d ela não tem o sócio, em seu prol, nada mais que as cifras de seu montante, medida

dimensional para o exercício de seus direitos, no confronto com os demais sócios”.

LUCENA96, ao analisar a natureza jurídica da quota social perquire entendimento de

Pontes de Miranda semelhante ao de Waldemar Ferreira, e argúi que, “de conseguinte, ao

conferir bens a uma sociedade limitada, perde o sócio todo e qualquer direito sobre eles, dos

quais não é mais proprietário ou condômino97”. Cont udo, continua o autor, o sócio passa a ser

o titular da quota que subscreveu, exercendo sobre ela um direito patrimonial e pessoal.

2.4.2. Distinção entre Quota Social e Ação

Necessário para identificar a distinção entre quota e ação social é conceituar o que

seja ação. COELHO98 a define como “o valor mobiliário representativo de uma parcela do

capital social da sociedade anônima emissora que atribui ao seu titular a condição de sócio

desta”.

Da mesma forma, ao tratar de valor mobiliário, o define como “instrumento de

captação de recursos, para o financiamento da empresa, explorada pela sociedade anônima

que os emite, e representam, para quem os subscreve ou adquire, uma alternativa de

investimento”. 99

A par desses conceitos, importante se faz tratar das diferenças existentes entre

ambas, muitas vezes confundida uma com a outra, principalmente em decorrência dos usos e

costumes, que segundo REQUIÃO100, passaram a dar à quota social um caráter diferente do

proposto inicialmente pelo legislador.

Segundo o autor, “sem dúvida” a intenção do l egislador de 1919 foi de que cada

sócio possuísse apenas uma quota do capital originária da sociedade, instituindo que as quotas

primitivas seriam distintas das adquiridas posteriormente e pelo exercício da co-propriedade

entre os sócios.

No entanto, o fracionamento em inúmeras quotas prevaleceu, não causando 96 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 310-313. 97 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 311; ao tratar da perda dos bens que o sócio utilizou para integrar as suas quotas de capital, sejam eles bens ou dinheiro, comenta não haver dúvida que esses bens a partir desse momento passam a constituir propriedade da sociedade. Contudo, comenta o autor, cria-se uma relação entre o sócio e a sociedade, passando o primeiro a exercer um direito sobre ela. Nem poderia ser diferente. 98 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 82. 99 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 136. 100 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 477-478.

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problemas de ordem técnica, apenas tornando-se mais prático em relação à solução de casos,

como o de quota indivisa e sua cessão parcial, tanto que atualmente o Código Civil admite

essa solução no artigo 1.055101.

Mesmo assim, continua REQUIÃO102, o sistema de dividir o capital em quotas de

valor igual não a confunde com a ação. “Estas são representadas por certificados, que gozam

da natureza de título de crédito, favorecendo-se com o principio da cartularidade, que lhes

empresta a qualidade de cousas móveis. As quotas, ao revés, não são tituladas, não sendo

representadas em certificados”.

É o que trata também FRAN MARTINS103, quando ao se referir às ações, assevera

que “nestas os direitos do sócio estão incor porados em um título, na sua essência negociável,

sem que sua transmissão acarrete alteração no contrato social. Isso não acontece com as

quotas, tendo em vista as relações que ligam os sócios entre si e ao organismo social”.

Em que repousa a diferença, é inegável, que assim como investir na sociedade

anônima, adquirindo-lhe ações, também participar na sociedade limitada é investir no capital

e na atividade econômica. Porém, conforme trata COELHO104, quem adquire quotas não

contrata apenas com o alienante, mas também, com os outros componentes da sociedade.

Assim é que FAZZIO JÚNIOR105 declara haver distância entre uma e outra,

porquanto “as quotas não podem converter -se em entidade patrimonial autônoma e não

podem concretizar-se em valor mobiliário incorporado em um título de crédito”.

Trata, ainda o autor106, que para as ações o que lhe representa e confere valor

circulatório é um título, enquanto que para as quotas, ainda que documentadas, não há título

circulatório. Porém, reconhece a transmissibilidade acidental das quotas sociais e assim se

manifesta:

A transmissibilidade é propriedade essencial das ações, mas em relação às quotas é acidental (regra geral, de transferibilidade condicionada). As ações incorporam os direitos do sócio num título de crédito, documento autônomo. Nenhuma norma jurídica confere essa propriedade às quotas. (...) Na cessão de quotas, transferem-se os direitos de participação. Na transmissão de

101 Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. § 1o Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. § 2o É vedada contribuição que consista em prestação de serviços. 102 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 478. 103 MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. p. 674. 104 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 82. 105 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 134-135. 106 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 135.

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ações, transferem-se os direitos do título e o título. A cessão de quotas é contratual; a de ações é cambiária.

Em síntese, demonstradas as diferenças entre ambas, a polêmica sobre a

possibilidade de penhora da quota orbita na dificuldade da sua transferência (cessão), a qual,

por constituir parte do capital de uma sociedade limitada, requer, se houver previsão

contratual, o consentimento dos demais sócios, por isso, operando-se por um contrato;

enquanto que para a ação, essa transferência é livre, bastando para o seu titular a querer,

dependendo única e exclusivamente da sua vontade.

2.4.3. Cessibilidade das Quotas Sociais

A cessibilidade das quotas sociais prende-se às raízes do contrato social, instrumento

formador das sociedades limitadas, cujos pressupostos de existência são a pluralidade de

sócios e a affectio societatis, conforme descrito no item 2.1 (Affectio Societatis); e por estarem

as sociedades limitadas dentre as contratuais, poderem, os sócios, no ato de sua formação, ou

mesmo depois, mediante alteração contratual, estabelecer critérios próprios em relação à

cessão de quotas, segundo as suas conveniências.

Sob a égide do Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, a doutrina assumia

conclusões díspares por conta da sua omissão a esse respeito, tanto é que, WALDEMAR

FERREIRA107 entendia pela aplicação do artigo 334108, do Código Comercial, de que a quota

social era intransmissível, dependendo do “consenso unânime e irremovível” dos demais

sócios, não tendo validade, inclusive, a cláusula contratual que atribua essa faculdade à

maioria, por entender que se pelo dispositivo legal acima transcrito há um impedimento, esse

não pode ser alterado pela vontade das partes, somente por uma outra lei que a derrogue ou a

revogue.

REQUIÃO109 e FRAN MARTINS110, também entendiam pela intransmissibilidade

da quota social, contudo, apenas nos casos de omissão do contrato social. Do contrário,

havendo permissão e o consentimento unânime dos sócios, permitir-se-ia a cessão,

107 Cf. FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. p. 128. 108 Art. 334. A nenhum sócio é lícito ceder a um terceiro, que não seja sócio, parte que tiver na sociedade, nem fazer-se substituir no exercício das funções que nela exercer sem expresso consentimento de todos os outros sócios; pena de nulidade do contrato; mas poderá associá-lo a sua parte, sem que por esse fato o associado fique considerado membro da sociedade. 109 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 480-481. 110 Cf. MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. p. 653-654 e 663-664.

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facultando-se aos dissidentes a sua saída da sociedade, como prescrevia o artigo 15111, do

referido Decreto.

Em sentido oposto, DORIA112, assim como BORGES113, por analogia a interpretação

dos artigos 5º, 6º, 7º e 8º do Decreto nº 3.708114, entendiam ser a transferência totalmente

livre, e que a restrição à cessão de quotas a estranhos só ocorreria se expressa no contrato

social. Se omisso, asseverava DORIA, a oposição só poderia ocorrer “se manifestamente

inidôneo o adquirente”. Por sua vez, BORGES, mesmo entendendo que toda restrição deveria

figurar expressamente no contrato social, concordava que ela poderia decorrer da

interpretação conjunta de suas cláusulas, e, com isso, se fosse o caso, dependeria da maioria

para se operar a transferência.

Numa posição intermédia, PEIXOTO115 entendia que, nesse caso, o Decreto nº 3.708

afastava-se tanto da Lei das Sociedades Anônimas quanto do Código Comercial, para concluir

que a cessão dependia do consentimento da maioria dos sócios. Assim, independentemente de

omissão ou não do contrato social, a cessão poderia se operar pela observância desse quorum,

cabendo aos sócios que divergirem a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o

reembolso do valor do capital correspondente a sua parte na forma do artigo 15, do Código

Comercial.

Filiado ao pensamento de João Eunápio Borges, LUCENA116 assevera que, “a cessão

de quotas de sociedade de responsabilidade limitada é ius dispositivum, não iu cogens, sendo

livres os sócios para regularem sua transmissibilidade, segundo suas conveniências e 111 Art. 15 – Assiste aos sócios que divergirem da alteração do contrato social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado. Ficam, porém, obrigados às prestações correspondentes às quotas respectivas, na parte em que essas prestações forem necessárias para pagamento das obrigações contraídas, até a data do registro definitivo da modificação do estatuto social. 112 DORIA, Dylson. Curso de direito comercial. v. 1. 9. ed. atualizada. São Paulo: Saraiva: 1994. p. 206-207. 113 Cf. BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. p. 349-351. 114 Art. 5o Para todos os efeitos, serão havidas como quotas distintas a quota primitiva de um sócio e as que posteriormente adquirir. Art. 6o Devem exercer em comum os direitos respectivos os co-proprietários da quota indivisa, que designarão entre si um que os represente no exercício dos direitos de sócio. Na falta desse representante, os atos praticados pela sociedade em relação a qualquer os co-proprietários produzem efeitos contra todos, inclusive quanto aos herdeiros dos sócios. Os co-proprietários da quota indivisa respondem solidariamente pelas prestações que faltarem para completar o pagamento da mesma quota. Art. 7o Em qualquer caso do art. 289 do Código Comercial poderão os outros sócios preferir a exclusão do sócio remisso. Sendo impossível cobrar amigavelmente do sócio, seus herdeiros ou sucessores a soma devida pelas suas quotas ou preferindo a sua exclusão, poderão os outros sócios tomar a si as quotas anuladas ou transferi-las a estranhos, pagando ao proprietário primitivo as entradas por ele realizadas, deduzindo os juros da mora e mais prestações estabelecidas no contrato e as despesas. Art. 8o É licito ás sociedades a que se refere esta lei adquirir quotas liberadas, desde que o façam com fundos disponíveis e sem ofensa do capital estipulado no contrato. A aquisição dar-se-á por acordo dos sócios, ou verificada a exclusão de algum sócio remisso, mantendo-se intacto o capital durante o prazo da sociedade. 115 Cf. PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 213. 116 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 333-344.

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mediante condições e restrições que lhes aprouverem, as quais estipularão no contrato de

constituição da sociedade”. Justifica a sua posição , entendendo que o legislador brasileiro

adotou o modelo alemão da livre cessibilidade, e que se assim não o fosse, teria sido expresso,

da mesma forma como foi o legislador francês quando da adoção das sociedades limitadas.

Entendia, assim, que na omissão do contrato a cessão era livre.

Constata-se, pois, que as divergências havidas sobre a cessibilidade das quotas

sociais das sociedades limitadas, antes regulamentadas pelo Decreto nº 3.708, resultavam da

sua própria omissão. Atualmente, por força da aplicação do artigo 1.057117, do Código Civil,

essa discussão não tem mais razão de ser, visto que, se omisso o contrato, a quota social pode

ser cedida a estranho “se não houver oposição de titulares de mais de 1/4 (um quarto) do

capital social”.

De inteira liberdade contratual, conforme o disposto no artigo 1.057, podem, os

sócios adotarem a forma que melhor lhe convier sobre a cessibilidade de quotas, podendo

estabelecer critérios de consenso unânime ou a sua total liberdade, não encontrando nesse

último, nenhuma dificuldade para a solução de casos práticos de cessão, tal qual o intuitu

pecunia existente, pelo que, no tratar de LUCENA118:

Tudo depende, em suma, do intuitus personae, que presidiu a constituição da sociedade, e da affectio societatis, que aproximou os sócios e os levou, em recíproca confiança, a unirem seus bens e seus esforços na busca de um fim comum. Quanto mais intenso o intuitus personae, mais restringirão os sócios a cessibilidade das quotas sociais a estranhos. Ao contrário, se mais intenso o intuitus pecuniae, assim superando o intuitus personae, permitida será então, no contrato social, a cessão das quotas sociais a terceiros.

Permanecem, entretanto, as dificuldades sobre a solução a ser adotada nos casos em

que houver interesse na cessão de quotas e a oposição dos sócios, seja pela omissão do

contrato social, em que forem contrários mais de 1/4 dos sócios; seja quando o contrato social

dispuser de forma diferente, adotando, por exemplo, a necessidade de consenso unânime. E

neste sentido, o abalizado ensinamento de PONTES DE MIRANDA119 continua atual,

conforme de verifica:

117 Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes. 118 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 332-333. 119 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. p. 382.

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Se o contrato social não permitiu a transferência a terceiros, ou se exigiu pressupostos, e houve qualquer cessão a terceiro sem observância do contrato social (e. g., sem permissão unânime, se não há cláusula de transferibilidade), qualquer cessão, seja por instrumento público, seja por instrumento particular, teve por objeto o que não podia ter: é nulo. Devido à ineficácia, nem o cessionário adquire nem o cedente perde a titularidade dos direitos.

A analisar pela redação do artigo 1.057, do Código Civil, chega-se ao absurdo de

concluir que não há solução legal para o sócio minoritário em liberar-se do vínculo societário

em caso de oposição de mais de 1/4 dos membros da sociedade. Tanto é assim, que

LUCENA120 ao perscrutar a legislação francesa, comenta que, com base nesse diploma

estrangeiro, havendo essa recusa, devem os outros sócios adquirir as quotas ou indicar outros

adquirentes, questão que o Código Civil não se preocupou, ao que se manifesta:

A oposição criada pelo Código, formada por uma minoria (mais de um quarto), resulta em se obrigar um sócio, que não mais comunga da affectio societatis inicial, a permanecer ligado à sociedade contra sua vontade, e sem que se lhe outorguem meios de liberar-se.

Constata-se, pois, que nos dispositivos legais de regência das sociedades limitadas

não se encontra solução direta para os casos de saída voluntária de sócio, criando verdadeiro

embaraço para o minoritário; a resultar, talvez, na saída encontrada por FAZZIO JÚNIOR121,

onde pondera que apesar da incessibilidade, nada “impede quotistas representantes de mais de

3/4 do capital social modificar o contrato social, para tornar cessíveis as quotas assegurando-

se à minoria divergente o direito de recesso, com reembolso atualizado de sua parte-capital”;

ou, conformar-se com o que afirma COELHO122, de que “para se resguardar contra os abusos

do sócio majoritário, os minoritários devem estabelecer, ao negociar o ingresso na sociedade,

condições contratuais que supram a carência de garantias legais”, já que, conforme trata o

mesmo autor, o sócio minoritário “tem um único trunfo de que pode fazer uso, com vistas a

preservar os seus interesses na sociedade, e esse trunfo negocial só existe enquanto ele não

ingressa na sociedade: é a possibilidade de não ser sócio. (sem grifo no original)

Contudo, à luz da Constituição Federal, de acordo com o artigo 5º, inciso XX,

“ninguém p oderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”, da mesma forma

120 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 347. 121 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 142. 122 COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 86.

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que pela obediência das normas gerais do direito contratual e do principio da autonomia da

vontade, “ninguém pode ser obrigado a manter -se vinculado contra a sua vontade, por tempo

indefinido”. 123

Por isso, na omissão do Código Civil, não pode o sócio minoritário ser compelido a

permanecer na sociedade contra a sua vontade, conforme conclui LUCENA; nem esperar a

solução casual sugerida por FAZZIO JÚNIOR, essa sob a completa discricionariedade dos

sócios majoritários. A omissão deve ser suprida em face do que assegura a Constituição

Federal, mesmo que para tanto, faça-se necessário o uso do Poder Judicial, suscitando a

aplicação do seu artigo 5º, inciso XXXV124.

COELHO125, mesmo reconhecendo a fraqueza do sócio minoritário, expõe, diante da

lacuna, que a saída é a retirada, direito de recesso ou dissidência inerente à titularidade da

quota social, que permite ao sócio se desligar dos vínculos societários “por ato unilateral de

vontade”, impondo à pessoa jurídica “a obrigação de lhe reembolsar o valor da partic ipação

societária”.

Por conseqüência, se a sociedade limitada for por prazo indeterminado, aplicar-se-á o

disposto no artigo 1.029126, do Código Civil, podendo o sócio retirar-se da sociedade

mediante comunicação escrita aos demais sócios com antecedência mínima de sessenta dias;

não se aplicando esta solução quando a sociedade for por prazo determinado, em que não

pode o sócio desligar-se antes do prazo sem a concordância dos demais.

CAMPINHO127, ao tratar do recesso de sócio (capítulo 6.11.2) e da retirada de sócio

(capítulo 7.10.11), apresenta a mesma solução, e entende ser o artigo 1.029 “de apl icação

compulsória à sociedade limitada, visto sua implicação na resolução, ainda que parcial, do

contrato de sociedade em relação ao sócio dissidente”.

Ao perquirir-se sobre a saída voluntária de sócio, teve-se em vista demonstrar que o

contrato de sociedade não é realizado ad infinitum, e sim, enquanto perdurarem as razões que

o levaram a concebê-lo.

E neste sentido, da mesma forma que em seu alvitre o sócio não necessita do

consentimento dos demais sócios para exercer o seu direito de retirada, não seria crível ele, os

123 COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil. p. 102. 124 Art. 5º - (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 125 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil. p. 102-103. 126 Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa. Parágrafo único. Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade. 127 Cf. CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 124-126 e 217-221.

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demais sócios ou a própria sociedade, criar embaraços elisivos para dificultar ou impedir a

liquidação de quota em decorrência de penhora por dívida particular de sócio, ocultando-se

em face da autonomia patrimonial da sociedade, da affectio societatis, ou mesmo em face das

convenções privadas do contrato social, para impedir o direito de satisfação de crédito do

credor, mesmo porque, não pretenderá este ingressar na sociedade, apenas receber o seu

crédito.

2.5. DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE

A olhar para a personalidade jurídica das sociedades e elevá-la em um reino

absoluto, não como uma ficção jurídica, mas sim como um sujeito de direitos com poderes

autodeterminativos, portanto, dotado de vontades, é conferir-lhe capacidade animada e não

enxergar o braço do sócio em seus rumos. Afinal, a sociedade é um ser morto. Quem lhe dá

vida são os sócios.

Esse proêmio tem o propósito de motivar a reflexão sobre a idolatria feita por parte

da doutrina128, conforme se expôs nos itens 2.1 (Affectio Societatis); 2.2 (A Personalidade

Jurídica e seus Efeitos); e, 2.4.1 (Quota Social: Conceito e sua Natureza Jurídica), que eleva a

pessoa jurídica em um nível de divindade e inatingibilidade, para confrontar com o

ensinamento de COELHO, também transcrito no item 2.2, que ao tratar do interesse social

como uma metáfora, afirma não ter a pessoa jurídica vontade racionalizada. Para melhor

análise, transcreve-se novamente o que COELHO129 manifesta a respeito do interesse social:

Em primeiro lugar, é preciso recuperar que somente homens e mulheres têm interesse. Os demais seres com vontade que habitam o planeta não são capazes de racionalizá-la como os humanos; e interesse é a vontade racionalizada. As sociedades empresárias e as pessoas jurídicas em geral são, como já se assentou, meros conceitos. Idéias articuladas, que uma parcela dos homens e mulheres – a comunidade jurídica – desenvolve, com o objetivo de esclarecer a distribuição dos bens entre as pessoas (naturais). Nesse sentido, falar em interesse social é uma metáfora. O que existe é o interesse dos sócios humanos, e nada mais.

128 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. p. 106-109; é o maior defensor desta corrente, e ao discorrer sobre os efeitos da distinção entre a pessoa jurídica e seus membros, assevera ser ela “inteiramente distinta de seus sócios, investe-se de poder autodeterminativo, como senhora de seus direitos e escrava de suas obrigações”. 129 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 358.

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Exalte-se que a personificação jurídica das sociedades é um instituto de proteção ao

desenvolvimento econômico. Entretanto, mesmo possuindo a sociedade empresária

personalidade jurídica própria conferida, não significa estar ela dotada de poderes

autodeterminativos e vontade própria. A vontade é dos sócios ou prepostos representativos do

seu corpo dirigente. Tanto o é, que o Código Civil trata dos aspectos relativos à dissolução da

sociedade, parcial ou totalmente; coercitiva ou voluntariamente; por ato próprio ou de

terceiros, dependendo todos, do interesse humano dos sócios ou de terceiros interessados.

A permitir a dissolução, o Código Civil estampa como sujeito principal o sócio e não

o ente coletivo. É claro e de suma importância também os credores da pessoa jurídica,

principalmente nos casos de insolvência onde os sócios ficarão à míngua na apuração dos

haveres.

Contudo, o ponto a identificar sob a proposta da pesquisa é a possibilidade ou não da

dissolução parcial da sociedade por conta da penhora e da liquidação de quotas por dívida

particular de sócio, isso independente da discussão de ser ou não a quota um bem penhorável

sob a ótica do Código de Processo Civil, assunto a ser tratado oportunamente.

Segundo COELHO130, dissolução131 é um conceito ambíguo que comporta dois

sentidos: “em sentido amplo, significa o procedimento de terminação da pessoa jurí dica da

sociedade empresária, isto é, o conjunto de atos necessários a sua eliminação, como sujeito de

direito. (...) Em sentido estrito, a dissolução se refere ao ato, judicial ou extrajudicial, que

desencadeia o procedimento de extinção da pessoa jurídica”, e abrange três fases: a dissol ução

(em sentido estrito – ato ou fato desencadeante), a liquidação (solução das pendências

obrigacionais da sociedade) e a partilha (repartição do acervo entre os sócios).

Conforme o disposto no artigo 1.087, que remete para os artigos 1.044 e 1.030132, do

130 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 452. 131 Segundo COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 464; a partir da vigência das atuais normas do Código Civil, as hipóteses de dissolução parcial das sociedades limitadas passaram a ser reguladas sob o conceito de “resolução da sociedade em relação a um sócio”. Comenta que sob a égide do diploma substantivo anterior, o termo dissolução era criticado por parte da doutrina, em face da contradição entre as “idéias de dissolução e de parcialidade”, apesar de largamente utilizadas. A esse respeito, LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 707-708; esclarece que a idéia de dissolução parcial adveio do “interesse público na manutenção da empresa”, de modo a romper com a “concepção romanística de que a exclusão obrig aria necessariamente a dissolução da sociedade”, permitindo -se, dessa forma, a sua continuidade por deliberação dos demais sócios. Diante desse propósito, continua o autor, criou-se “mecanismos jurídicos tendentes à sua proteção, à sua defesa, à sua autotutela”, imprimindo, nas idéias de Miguel Reale, conotações de “caráter institucional” à sociedade, inst ituindo-se dessa forma o “princípio da resolução contratual” no Código Civil. 132 Art. 1.087. A sociedade dissolve-se, de pleno direito, por qualquer das causas previstas no art. 1.044. Art. 1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência. Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda,

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Código Civil; o autor identifica as seguintes causas de dissolução das sociedades:

a) Vontade dos sócios, dependente de aprovação de 3/4 do capital social,

necessariamente manifestada em assembléia ou reunião convocada para votar o

ato dissolutório, por força do artigo 1.076, I133;

b) Decurso do prazo determinado de duração, por força do artigo 1.033, I134;

c) Falência, conforme dispõe o artigo 1.044, hipótese de dissolução que

necessariamente será judicial;

d) Unipessoalidade, de acordo com o artigo 1.033, IV; e,

e) Irrealizabilidade do objeto social, segundo o disposto no artigo 1.034, II.

Ao lado dos casos acima, que implicam na dissolução total da pessoa jurídica,

existem as causas de dissolução parcial, que por força do princípio da preservação da

empresa, construído pela doutrina e pela jurisprudência a partir dos anos de 1960, recomenda

a dissolução parcial preservando o desenvolvimento da atividade econômica. Neste sentido,

com base nessa teoria, o magistrado procurará sempre que possível a sua aplicação.

A par dessa evolução o Código Civil consagrou algumas causas de dissolução

parcial, relacionadas por COELHO135, in verbis:

a) Exercício do direito de retirada: em face do princípio da autonomia da vontade,

nas sociedades limitadas por prazo indeterminado, pode o sócio desligar-se da

sociedade nos termos do artigo 1.029, assim como também, nos casos em que a

sociedade for contratada por prazo determinado, consoante o mesmo

mandamento, requerendo-se, entretanto, a aprovação da maioria na forma do

artigo 1.077136;

por incapacidade superveniente. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026. 133 Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061 e no § 1o do art. 1.063, as deliberações dos sócios serão tomadas: I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071. 134 Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II - o consenso unânime dos sócios; (...) IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias. 135 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 466-468. 136 Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

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b) Expulsão, nos casos de descumprimento dos deveres dos sócios; de ter o sócio a

sua quota liquidada a pedido de credor; de ter ingressado em falência; e, de ser

declarado incapaz (artigos 1.004137 e 1.030);

c) Morte de sócio, nos casos do artigo 1.028138; e,

d) Liquidação da quota a pedido do credor de sócio, por força do artigo 1.026139.

Pode, ainda, o contrato social prever outras causas de dissolução, conforme dispõe o

artigo 1.035140, que se contestadas, poderão ser verificadas judicialmente. Nesse ponto o

Código Civil foi óbvio.

Verifica-se do acima exposto, que no seu ministério, COELHO aplica

generalizadamente tanto dispositivos pertinentes às normas das sociedades limitadas quanto

das sociedades simples, o que, em princípio, parece confrontar com o artigo 1.053141, do

Código Civil, segundo o qual, a sociedade limitada reger-se-á supletivamente pela norma da

sociedade simples se omisso o contrato social, ou pelas normas das sociedades anônimas, se

esta for a opção.

Entretanto, há que se ressaltar que existem normas de aplicação geral, reclamando

para tanto, conforme expressa LUCENA142, a regra hermenêutica de que “uma norma jamais

há de ser interpretada isoladamente, mas sim dentro do sistema em que inserida, dadas a

unicidade e indecomponibilidade do ordenamento jurídico”. Impende, primus, que se socorra

às normas do Direito de Empresa inserida no Código Civil, somente alçando-se vôos em

outros terrenos pela manifesta incompatibilidade da integração da norma próxima.

Não bastasse o ensinamento de LUCENA, reveste-se o artigo 1.087, do Código

137 Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031. 138 Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: I - se o contrato dispuser diferentemente; II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido. 139 Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. 140 Art. 1.035. O contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas. 141 Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. 142 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 338.

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Civil, de natureza de aplicação geral a todas as sociedades limitadas, independente da norma

supletiva que a reja. Por sua vez, o referido dispositivo remete para o artigo 1.044 - de

aplicação às sociedades em nome coletivo (servindo-se aqui, para regular a dissolução por

falência), o qual também remete para o artigo 1.033, inserto no regramento das sociedades

simples (para tratar dos demais casos de dissolução da sociedade).

É certo que as normas do Código Civil ao fazer remeter-se aos artigos 1.044 e 1.033

para solução dos casos de dissolução total, também o faz para os casos de dissolução parcial

(se pode o mais pode o menos), aplicando-se os procedimentos ministrados por COELHO143

acima transcritos, haja vista que as enumerações por ele feitas implicam em dissolução

parcial, e por entender que as normas das sociedades simples além de se aplicarem

subsidiariamente, revestem-se também “de caráter geral para o direito das soci edades”.

CAMPINHO144 expressa esse mesmo entendimento, e afirma que mesmo omisso o

artigo 1.087 em relação a outras causas de dissolução, aplica-se integralmente às sociedades

limitadas o disposto nos artigos 1.034 e 1.035145, por serem de natureza contratual. No mesmo

sentido, FAZZIO JÚNIOR146, que, segundo trata, o Código Civil “não operou distinção entre

as causas ope juris e ex voluntate”.

Da mesma forma, o artigo 1.085147, ao possibilitar a exclusão de sócio por iniciativa

dos demais sócios, estatui em ressalva a sujeição da aplicação do artigo 1.030 às sociedades

limitadas em caráter geral. Em conexão com o artigo anterior, o Código Civil trata da

exclusão de sócio administrativa e judicialmente, bem como da exclusão de pleno direito de

sócio declarado falido ou daquele que tiver a sua quota liquidada na forma do artigo 1.026. É

o que prescreve o parágrafo único do próprio artigo 1.030.

Por sua vez, o parágrafo único do artigo 1.026 permite que o credor requeira a

liquidação da quota do sócio devedor (e não de toda a sociedade), cujo valor deverá ser

depositado em dinheiro. Esse depósito em dinheiro quem fará é a sociedade do qual o sócio

excluído fazia parte, devendo sê-lo feito com a devida constrição em reserva ao juízo da

execução em benefício do credor.

143 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 474. 144 Cf. CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 224-229. 145 Art. 1.034. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando: I - anulada a sua constituição; II - exaurido o fim social, ou verificada a sua inexeqüibilidade. Art. 1.035. O contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas. 146 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 288. 147 Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.

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Portanto, trata o artigo 1.085, de dispositivo legal de aplicação geral às sociedades

limitadas independente da norma de regência supletiva prevista no contrato social. Por essa

razão, ao determinar a aplicação às sociedades limitadas dos casos previstos no artigo 1.030,

também o faz indistintamente, trazendo consigo a aplicação do artigo 1.026, já que por força

dele é que ocorrerá a exclusão de pleno direito para o sócio que tiver a sua quota liquidada,

conforme previsão no parágrafo único do próprio artigo 1.030.

Assim, o artigo 1.026, e com ele, o artigo 1.031148, revestem-se de caráter geral de

aplicação às sociedades limitadas por força da determinação legal do artigo 1.085, bem como,

por força da regra hermenêutica de que a norma deve ser interpretada dentro do ordenamento

em que inserida, conforme já destacado por LUCENA149.

A esse respeito, COELHO150, contrariamente ao que assevera em relação ao artigo

1.087, que conduz a aplicação subsidiária das normas relativas às sociedades simples

independente da norma supletiva adotada para a sociedade limitada, entende que a exclusão

de pleno direito no caso de liquidação de quota a pedido de credor só é possível quando a

sociedade limitada adotar supletivamente a norma da sociedade simples. Admite, contudo,

indistintamente, a aplicação deste artigo quando se tratar de casos de falência e assim se

justifica:

Isto porque a liquidação da quota social a pedido de credor não está prevista nas regras do Código Civil específicas da sociedade limitada, mas, sim, em disposição atinente às sociedades simples (art. 1.026). Conseqüentemente, verifica-se uma omissão do capítulo das sociedades limitadas, e, neste caso, é aplicável o regime eleito pelos sócios no contrato social. Como a LSA não autoriza a redução do capital social para a satisfação do credor de acionista (o qual tem direito apenas a requerer a penhora judicial das ações do devedor e ressarcir-se mediante o produto da venda judicial destas), conclui-se que a sociedade limitada sujeita ao regime de regência supletiva da lei do anonimato não pode ser alcançada pela regra que determina essa particular hipótese de expulsão de pleno direito.

Em que pese o ensinamento do eminente doutrinador, necessário é admitir que nem

todas as sociedades limitadas que optarem pela regência supletiva da lei do anonimato tendem

148 Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. § 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. § 2o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. 149 Nota nº 139. 150 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 418-419.

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a se constituir intuitu pecunia, muito pelo contrário. O normal é que as sociedades, mesmo

adotando essa regência, imprimam em seus estatutos características intuitu personae (quando,

mesmo adotando a supletividade da Lei do Anonimato, prevejam em seu contrato social

restrições à livre cessibilidade das quotas, ou se omitam, simplesmente).

Nesses casos, a aplicar o que apregoa COELHO, a situação não se resolveria em

relação aos outros sócios, requerendo, para tanto, a força dos artigos 1.030 e 1.026.

Contudo, assegura o mesmo autor, para as sociedades limitadas que estiverem sob a

regência supletiva da Lei do Anonimato se aplica perfeitamente a penhora da quota,

conduzindo, ao invés da liquidação da quota a pedido do credor, à expropriação por força da

arrematação dos bens.

Constata-se, pois, que o Código Civil veio a estabelecer novos critérios para a

dissolução da sociedade, de importância capital para esse objeto de estudo, em especial,

quanto à dissolução parcial da sociedade limitada nos casos de liquidação de quota a pedido

do credor de sócio, a ser efetivada na forma do artigo 1.031, o que será abordado

especificamente no item 3.3 (A Penhorabilidade das Quotas Sociais ex vi do Artigo 1.026, do

Código Civil).

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3. A PENHORABILIDADE DAS QUOTAS SOCIAIS

Antes de enfrentar o tema propriamente dito, mostra-se imprescindível o estudo de

institutos, conceitos e processos a ele pertinentes, de modo que, primeiramente, tratar-se-á das

várias etapas do processo de execução, onde se demonstrará as raízes e os fundamentos da

execução e da penhora, de modo a revelar a sua natureza como instituto de direito público; os

conceitos e o princípio da responsabilidade patrimonial do devedor em face da sua relação

obrigacional, em que se revelam aspectos de natureza processual e material; a limitação dessa

responsabilidade patrimonial em face de bens considerados relativa ou absolutamente

impenhoráveis, para, a par dos efeitos que esses aspectos promovem, estudar a possibilidade

da penhora de quotas em execução de dívida particular de sócio de sociedade limitada,

quando a execução, na inexistência de outros bens do devedor, recair sobre a parte dos lucros

que a este couber na sociedade, bem como, sobre as próprias quotas sociais, quer seja pelas

vias da arrematação ou da liquidação de quotas, incidindo indistintamente a penhora como

medida de garantir a efetividade do processo executivo.

3.1. ETAPAS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

A execução por quantia certa contra devedor solvente consiste na expropriação de

bens do devedor a fim de satisfazer o direito do credor, conforme dispõe o artigo 646, do

Código de Processo Civil, que no tratar de THEODORO JÚNIOR151, reveste-se como sanção

pelo pagamento coativo através da “provocação do credor (petição inicial) e a convoca ção do

devedor (citação para pagar ou garantir a execução)”, envolvendo atos que integram o

procedimento consistente “na apreensão de bens do devedor (penhora), sua transformação em

dinheiro mediante desapropriação (arrematação) e entrega do produto ao exeqüente

(pagamento)”.

Cuida, assim, das três fases do processo de execução: a fase de proposição (petição

inicial), a fase de instrução (penhora e arrematação), e a fase satisfativa de entrega do produto

ao credor (pagamento).

151 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 173.

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3.1.1. A Penhora como Instituto de Direito Público

A penhora é o primeiro ato do processo executivo por quantia certa destinado a

definir/individualizar o bem do devedor que será submetido à expropriação judicial, tendo por

objetivo realizar a sanção contra o seu patrimônio, constituindo múnus público do Estado,

detentor do poder jurisdicional, sendo, conforme conceitua Liebman152, o ato “pelo qual o

órgão judiciário submete a seu poder imediato determinados bens do executado, ficando sobre

eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exeqüente”.

É, portanto, um instituto de direito público, e encontra raízes nos primórdios da

civilização, revelando-se como evolução da execução direta cometida pelo credor sobre o

devedor, incidente tanto sobre o patrimônio quanto sobre a sua pessoa e familiares, o que,

num primeiro passo evolutivo, a sanção passa a incidir apenas sobre o patrimônio do devedor,

permanecendo ainda o credor como agente direto da satisfação, para em seguida, noutra etapa,

passar esse encargo às mãos do Estado, para somente com a intervenção jurisdicional ser

possível a obtenção do direito pleiteado – a satisfação do crédito pelo credor através do

processo judicial153.

Essa evolução percorreu árduos caminhos sempre no sentido de suprimir das mãos

do credor o direito de per si promover a liquidação do crédito (autotutela), conduzindo a

execução às vias processuais, preservando-se, contudo, no tratar de AZEVEDO154, “a idéia de

que a essência da obrigação se situava no fato de que, em razão desta, podia alguém exigir de

outro que desse, fizesse, ou o indenizasse de algo”, surgindo, assim, a teoria da dívida e

responsabilidade, segundo a qual, a dívida assumida pelo devedor resulta-lhe a

responsabilidade patrimonial e o direito do credor na ação sobre o seu patrimônio; pelo que,

no afirmar de Alfredo Buzaid155, “a dívida é assim um vínculo pessoal; a responsabilidade um

vínculo do patrimônio. O devedor obriga-se. O seu patrimônio responde”.

Esse direito do credor, assim entendido por Alfredo Rocco156, era “um verdadeiro

direito de penhor” , contudo, despido dos contornos do penhor normal por não individualizar o

bem, mas efetivado pelo direito que consistia na persecução dos bens em geral, nascido junto

152 Apud MARMITT, Arnaldo. A penhora – doutrina e jurisprudência. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Aide, 1986. p. 7. 153 AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p.1-87; desenvolve nos sete primeiros capítulos de sua obra pesquisa detalhada do instituto da penhora, desde os seus idos remotos até a sua introdução no direito processual brasileiro, percorrendo sobre a sua evolução desde a ação primitiva do credor sobre a própria vida do devedor até a sua transformação em direito processual público. 154 AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 104 155 Apud AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 104-105. 156 Apud AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 105.

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com o crédito “desde o momento da assunção da dívida”.

Constata-se, pois, que a substituição do credor pelo poder jurisdicional mantém os

mesmos objetivos em sede de execução, e de nada resultaria houvesse a limitação à sentença

de mérito, sem permitir ou possibilitar o fim a que se destina, qual seja, o de ver atendido o

direito material quando resistido pelo devedor.

Com esse objetivo, o processo executivo é o instrumento pelo qual busca-se tornar

efetivo o direito material já reconhecido, concluindo-se com base na lição de Liebmann157,

que “a responsabilidade, ao invés de ser elemento da rel ação jurídica obrigacional, (...), é

vínculo de direito público processual, consistente na sujeição dos bens do devedor a serem

destinados a satisfazer o credor, que não recebeu prestação devida, por meio da realização da

sanção, por parte do órgão judiciário”.

Em seu ministério, AZEVEDO158 chama a atenção para a diferença entre “direito

(objetivo) material e o direito processual”; diferença essa que distingue e explica a relação e a

natureza jurídicas existentes na execução, que segundo trata, a questão está em identificar que

o direito material corresponde à obrigação do devedor para o credor, envolvendo direitos e

obrigações das partes; e que o direito processual é uma relação de poder conferida ao Estado

para atuação em concretizar a norma material, passando o devedor a um estado de sujeição,

conforme explica:

Agora, dada a função exercida pelo juiz e pelos seus órgãos delegados, ao poder deste não mais corresponde uma obrigação da parte, no sentido material que a palavra comporta, mas um estado de sujeição; se o devedor antes podia cumprir a obrigação, terá doravante de se sujeitar e de se submeter ao processo de execução, desde que neste estejam atendidos todos os seus pressupostos legais. Obrigação e sujeição: naquela, o vínculo imposto liga-se à vontade; nesta, isto não mais tem lugar, e o querer do devedor torna-se ineficaz perante aquele poder ao qual se encontra sujeito (...), e este poder não poderá ser afastado pelo devedor, a menos que ele se disponha a liquidar o débito ou acabe efetuando transação com o credor, de modo a conduzir o processo de execução a sua extinção.

Portanto, por ser a execução um instituto público de direito processual e valer-se da

penhora como meio de sua efetivação, consubstancia-lhe esse mesmo caráter, e através dela se

sujeita os bens alcançados a realizar o objeto da execução como função pública de dar

157 Apud AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 106. 158 AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 107.

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satisfação ao credor, que no tratar de Carnelutti159, “interesse que é público e de toda a

sociedade, no sentido de que, pelo processo, se faça justiça. Daí que importa a ambas as

partes, credor e devedor, e não só ao primeiro”.

3.1.2. A Penhora no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Ao se constituir como o primeiro ato executivo e coativo do processo de execução, a

penhora, conforme leciona MARMITT160, tem essencialmente duas finalidades: preparatória

da expropriação e conservativa dos bens individualizados, objetivando a garantia do crédito

do exeqüente, no que se refere ao seu pagamento integral (valor principal e acessórios).

Conforme trata o eminente autor, a primeira finalidade tem por objetivo “individuar e

apreender os bens sujeitos à constrição judicial, tornando-os indisponíveis e reservados para o

futuro ato expropriatório”, destacando e retirando bens que bastam do poder do devedor,

destinando-os à expropriação futura para satisfação do direito do credor.

A segunda finalidade visa manter os bens individualizados na mesma situação da

data do ato constritivo, confiando-os a um depositário fiel que tem o dever de zelar por sua

incolumidade, e evitar, assim, que sofram a ação do devedor no sentido de prejudicar a

execução.

Ainda, segundo o mesmo autor, a penhora caracteriza-se também pela sua

provisoriedade, tem “a função imediata de subordinar os bens aos fins da execução”,

alterando as condições jurídicas desses bens, que deixam de ser livres e desembaraçados,

tornando público esse ônus em relação às partes e a terceiros.

Em face das suas finalidades, a penhora gera uma série de efeitos, sob os quais

THEODORO JÚNIOR161 os analisa em três direções: perante o credor, perante o devedor e

perante terceiros.

Para o credor, entende que a penhora especifica os bens do devedor sobre os quais

exercerá o direito de realizar seu crédito, passando a gozar do direito de prelação e seqüela

perante os demais credores quirografários. Já, para o devedor, a conseqüência é a perda da

posse direta e da livre disponibilidade dos bens atingidos pela medida constritiva; e, perante

terceiros, em duas circunstâncias: quando o bem penhorado estiver na posse temporária de

159 Apud AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 117. 160 Cf. MARMITT, Arnaldo. A penhora – doutrina e jurisprudência. p. 12-13. 161 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. 2. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 181-183.

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terceiro, em que este fica obrigado, na condição de depositário, a respeitar o gravame judicial;

e em relação a qualquer terceiro no sentido de abster-se de negociar com o executado sob o

domínio do bem constritado, em face do efeito erga omnes da penhora, sob pena de ineficácia

dessa transação.

Sobre os efeitos da penhora, MARMITT162 também se manifesta e os classifica em

materiais e imateriais/processuais.

Por efeitos materiais, entende que a penhora imprime “ineficácia dos bens

penhorados, em relação ao exeqüente, independente do registro da penhora”, não

conquistando o credor nenhum direito sobre esses bens, a não ser com eles a garantia do

pagamento de seu crédito, na medida que despoja o devedor da posse direta dos bens

constritados.

Os efeitos processuais são a garantia do pagamento da dívida, através da segurança

do juízo e da eficácia da atividade executiva; o destaque e a reserva dos bens do patrimônio

do devedor para a garantia da satisfação do crédito, e a criação de preferência do exeqüente

sobre o produto da venda dos bens sobre outros credores, devendo, entretanto, esse direito ser

gerado antes de eventual insolvência do devedor, conforme disposto no artigo 612163, do

Código de Processo Civil (concurso universal de credores), não atingindo, dessa forma,

preferências fundadas em título anterior à penhora, segundo dispõe o artigo 958164, do Código

Civil (privilégios e direitos reais).

Proposta a execução nos termos do artigo 652165, do Código de Processo Civil, o

devedor será citado para, no prazo de vinte e quatro horas, pagar ou nomear bens à penhora,

medida que se não exercitada, cria para o executado o ônus de suportar a apreensão de seus

bens à garantia do juízo.

A nomeação dos bens será feita na forma do artigo 655166, devendo o executado

162 Cf. MARMITT, Arnaldo. A penhora – doutrina e jurisprudência. p. 17-18. 163 Art. 612. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados. 164 Art. 958. Os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais. 165 Art. 652. O devedor será citado para, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, pagar ou nomear bens à penhora. § 1o O oficial de justiça certificará, no mandado, a hora da citação. § 2o Se não localizar o devedor, o oficial certificará cumpridamente as diligências realizadas para encontrá-lo. 166 Art. 655. Incumbe ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a seguinte ordem: I - dinheiro; II - pedras e metais preciosos; III - títulos da dívida pública da União ou dos Estados; IV - títulos de crédito, que tenham cotação em bolsa; V - móveis; VI - veículos; VII - semoventes; VIII - imóveis; IX - navios e aeronaves; X - direitos e ações. § 1o Incumbe também ao devedor: I - quanto aos bens imóveis, indicar-lhes as transcrições aquisitivas, situá-los e mencionar as divisas e confrontações; II - quanto aos móveis, particularizar-lhes o estado e o lugar em que se encontram; III - quanto aos semoventes, especificá-los, indicando o número de cabeças e o imóvel em que se acham; IV - quanto aos créditos, identificar o devedor e qualificá-lo, descrevendo a origem da

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cumprir as exigências do artigo 656167, sob pena de não o fazendo permitir ao credor o direito

a essa nomeação na forma do artigo 657168, sendo que, somente depois de seguro o juízo

(efetivada a penhora em bens suficientes à execução), é que o devedor poderá apresentar

qualquer defesa de mérito ou processual, conforme determina o artigo 737, inciso I169.

Cumprida essa etapa, far-se-á a apreensão e o depósito dos bens na forma do artigo

664170 e seguintes do Código de Processo Civil, retirando-os do poder do devedor executado,

confiando-os a um fiel depositário (artigos 665 e 666171), que os guardará e administrará

segundo a ordem judicial, depósito esse, que no tratar de MARQUES172 “é elemento

indefectível da penhora e caracteriza, ainda, a perda da administração e disponibilidade da

coisa por parte do devedor”.

A penhora, como se verifica, é instrumento meio para garantir a satisfação do crédito

do credor exeqüente, ato jurisdicional do processo executivo previsto nos artigos 646173 e

seguintes do Código de Processo Civil, e estriba-se na responsabilidade patrimonial do

devedor pelas suas obrigações, segundo a qual, conforme tratado no item 3.1.1 (A Penhora

como Instituto de Direito Público), a dívida é um vínculo pessoal e a responsabilidade pelo

dívida, o título que a representa e a data do vencimento; V - atribuir valor aos bens nomeados à penhora. § 2o Na execução de crédito pignoratício, anticrético ou hipotecário, a penhora, independentemente de nomeação, recairá sobre a coisa dada em garantia. 167 Art. 656. Ter-se-á por ineficaz a nomeação, salvo convindo o credor: I - se não obedecer à ordem legal; II - se não versar sobre os bens designados em lei, contrato ou ato judicial para o pagamento; III - se, havendo bens no foro da execução, outros hajam sido nomeados; IV - se o devedor, tendo bens livres e desembargados, nomear outros que o não sejam; V - se os bens nomeados forem insuficientes para garantir a execução; Vl - se o devedor não indicar o valor dos bens ou omitir qualquer das indicações a que se referem os ns. I a IV do § 1o do artigo anterior. Parágrafo único. Aceita a nomeação, cumpre ao devedor, dentro de prazo razoável assinado pelo juiz, exibir a prova de propriedade dos bens e, quando for o caso, a certidão negativa de ônus. 168 Art. 657. Cumprida a exigência do artigo antecedente, a nomeação será reduzida a termo, havendo-se por penhorados os bens; em caso contrário, devolver-se-á ao credor o direito à nomeação. Parágrafo único. O juiz decidirá de plano as dúvidas suscitadas pela nomeação. 169 Art. 737. Não são admissíveis embargos do devedor antes de seguro o juízo: I - pela penhora, na execução por quantia certa. 170 Art. 664. Considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia. Parágrafo único. Havendo mais de uma penhora, lavrar-se-á para cada qual um auto. 171 Art. 665. O auto de penhora conterá: I - a indicação do dia, mês, ano e lugar em que foi feita; II - os nomes do credor e do devedor; III - a descrição dos bens penhorados, com os seus característicos; IV - a nomeação do depositário dos bens. Art. 666. Se o credor não concordar em que fique como depositário o devedor, depositar-se-ão: I - no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, ou em um banco, de que o Estado-Membro da União possua mais de metade do capital social integralizado; ou, em falta de tais estabelecimentos de crédito, ou agências suas no lugar, em qualquer estabelecimento de crédito, designado pelo juiz, as quantias em dinheiro, as pedras e os metais preciosos, bem como os papéis de crédito; II - em poder do depositário judicial, os móveis e os imóveis urbanos; III - em mãos de depositário particular, os demais bens, na forma prescrita na Subseção V deste Capítulo. 172 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. v. IV. 2. ed. São Paulo: Millennium, 1998. p. 251-252. 173 Art. 646. A execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor (art. 591).

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seu integral pagamento, um vínculo patrimonial, em que o devedor se obriga e o seu

patrimônio responde.

“Tal ato decorre do princípio da patrimonialidade da execução, previsto no artigo

591 do Código de Processo Civil, pelo qual todos os bens do devedor, presentes e futuros,

respondem pelo cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei” 174,

salvaguardando-se certos bens, ditos impenhoráveis, dialética maior desse objeto de estudo.

3.1.3. Limitações à Penhora de Bens

Conforme dispõe o próprio artigo 591175 do Código de Processo Civil, o princípio da

responsabilidade patrimonial do devedor não é absoluto, excetuando-se certos bens imunes à

penhora.

Essa limitação, segundo Rocco176, fundamenta-se em razões diversas de origem

ético-social, humanitária, política ou técnico-econômica, encontrando guarida nos artigos 649

e 650, do Código de Processo Civil, encontrando-se no primeiro dispositivo os bens

absolutamente impenhoráveis, e no segundo, em caráter relativo, os penhoráveis na falta de

outros bens, ao que também, MARMITT177, ao cuidar dos motivos que fundamentam essa

limitação, assim se manifesta:

A razão de tornar imunes à penhora certos bens, em caráter absoluto ou relativo, pode residir na inutilidade da constrição, por gravados com obstáculos legal os bens, impedindo a sua alienação; no fato de não ser justo despojar o devedor dos meios indispensáveis à subsistência, nem de coisas ou objetos que só para ele tenham valor de estimação; na intenção de não impedir o funcionamento normal de atividades socialmente necessárias.

Por sua vez, a penhorabilidade é regra e a impenhorabilidade é exceção. Por isso,

deve constar taxativamente na lei devido ao seu caráter excepcional178. É o que trata os artigos

648 a 650 do Código de Processo Civil, in verbis:

174 MARINHO, Márcia Cristina de Oliveira Ferreira. A penhora de quotas na sociedade por quotas de responsabilidade limitada. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2000. p. 31. 175 Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. 176 Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 188. 177 MARMITT, Arnaldo. A penhora – doutrina e jurisprudência. p. 195-196. 178 Neste sentido: ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002. p. 420; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 132; MARMITT, Arnaldo. A penhora – doutrina e jurisprudência. p. 196; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 188.

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Art. 648. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - as provisões de alimento e de combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família durante 1 (um) mês; III - o anel nupcial e os retratos de família; IV - os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de prestação alimentícia; V - os equipamentos dos militares; VI - os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VII - as pensões, as tenças ou os montepios, percebidos dos cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os provenientes de liberalidade de terceiro, quando destinados ao sustento do devedor ou da sua família; VIII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se estas forem penhoradas; IX - o seguro de vida; X - o imóvel rural, até um modulo, desde que este seja o único de que disponha o devedor, ressalvada a hipoteca para fins de financiamento agropecuário. Art. 650. Podem ser penhorados, à falta de outros bens: I - os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados a alimentos de incapazes, bem como de mulher viúva, solteira, desquitada, ou de pessoas idosas; II - as imagens e os objetos do culto religioso, sendo de grande valor.

A par dos dispositivos legais supra transcritos, imprescindível analisar com detalhes

o disposto nos artigos 648 e 649, inciso I, em face do entendimento de que as quotas sociais,

por requererem quorum deliberativo para a sua cessibilidade (que em certos casos, conforme

previsão contratual, pode requerer a unanimidade dos sócios), são consideradas bens

inalienáveis, e por isso, impenhoráveis.

Neste sentido tem se manifestado a jurisprudência pátria, conforme se verifica pelo

Acórdão ao Recurso Extraordinário do Supremo Tribunal Federal, de nº 34.680, de 28 de

maio de 1958, proferido pelo eminente Senhor Ministro Nelson Hungria, onde se estabelece a

necessidade “do consent imento dos titulares das demais quotas” para ser possível a penhora.

Assim também se manifesta o eminente Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, da

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar em 15 de dezembro de 2000, o

Recurso Especial de nº 148.947: “a tese que tenho sempre sustentado é a de que a penhora só

incidirá sobre o que é livremente cessível. Se não se pode dispor do bem, também não se pode

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alterar-lhe a titularidade, pela via forçada da alienação judicial”.

Com base nesses julgados e a par das restrições à penhora, verifica-se que o artigo

648 trata de casos expressos por lei, pelo que, conforme ensina AZEVEDO179, “a

inalienabilidade do bem fornece a tônica para a impenhorabilidade, mesmo porque aquela

primeira condição já o exclui da própria execução”, segundo reserva da própria lei, tal como

prevista nos artigos 1.711180 e seguintes do Código Civil, para o bem de família; e no seu

artigo 100181, para os bens públicos.

Portanto, continua o autor, em razão da ressalva insculpida no inciso I, do artigo 649,

podem os bens particulares serem gravados com a cláusula de inalienabilidade e

impenhorabilidade, “prática comum em doações e testamentos”, prevista no artigo 1.911 182,

do Código Civil.

Contudo, analisadas as exceções vislumbradas pelo Código de Processo Civil,

denota-se sensível diferença entre a inalienabilidade aqui preconizada, a qual leva a

impenhorabilidade, e a inalienabilidade pretendida em face dos critérios de cessibilidade das

quotas sociais estabelecidos em contrato social, tanto é que, conforme leciona ASSIS183, não

se revelaria lícito ao devedor subtrair qualquer bem da responsabilidade patrimonial por ato

unilateral seu. Se assim o fosse, facilmente o devedor se livraria de suas dívidas, lançando

mão voluntariamente dessa prerrogativa ludibriando a execução, e assim descreve:

... o direito brasileiro admite, no artigo 649, I, negócio jurídico entre o credor e o devedor tornando certo bem impenhorável na execução de determinado crédito. Mesmo projetando futura insatisfação do credor, ante a inexistência de outros bens penhoráveis, impera a liberdade de regramento das vontades, por tudo semelhante à inversa situação de predestinar bens, gravando-os com direito real de garantia, à solução da dívida.

Da lição do autor acima, extrai-se o entendimento de que no caso a restrição à

179 Cf. AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 132-133. 180 Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada. 181 Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar. 182 Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros. 183 ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. p. 417.

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execução decorre de ato entre devedor e credor em razão da liberdade de contratar. Dessa

autonomia de liberdade, conforme lembra, a percepção é mais clara quando o credor, por

convenção, se antecipa e grava com ônus os bens do devedor em garantia do crédito. Impera

entre ambos, a liberdade de contratar, o que não ocorre quando essa negociação é feita entre

comunheiros, excluindo seus bens de qualquer medida de afetação, ainda mais, com o

propósito de oposição erga omnes.

No mesmo sentido a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em voto do

eminente Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Acórdão ao Recurso Especial de nº

30.854, de 18 de abril de 1994, sentencia que o disposto no artigo 649, I, do Código de

Processo Civil, refere-se a “bens gravados com cláusula de inalienabilidade, nos moldes

fixados pela legislação civil”, não c abendo “dilargar as causas de sua instituição”,

principalmente em causa própria e em prejuízo de terceiros.

Constata-se, pois, o caráter excepcional da limitação da responsabilidade patrimonial

taxativamente descrito no Código de Processo Civil, assunto que necessariamente voltará a

ser abordado no item 3.2 (A Penhora das Quotas Sociais no Direito Brasileiro), em face da

sua essencial importância ao caso.

3.1.4. Avaliação dos Bens

Realizada a penhora, com exceção aos casos previstos no artigo 684184, proceder-se-á

a avaliação, que é o primeiro ato preparatório para a arrematação dos bens, e, segundo

Liebmann185, tem “a finalidade de tornar conhecido a todos os interessados o valor

aproximado dos bens que irão à praça”; fundamentando -se, conforme expõe ASSIS186, na

prerrogativa de que a “alienação coativa repousa na busca de preço ju sto”.

Essa avaliação será feita por perito nomeado pelo juiz, que deverá apresentar laudo

no prazo de dez dias, conforme estatui o artigo 681, ouvindo-se as partes, que poderão

concordar ou discordar do valor, podendo resultar em aumento ou diminuição da penhora na

forma do artigo 685187, a partir do que, cumpridas essas exigências, o juiz mandará publicar

184 Art. 684. Não se procederá à avaliação se: I - o credor aceitar a estimativa feita na nomeação de bens; II - se tratar de títulos ou de mercadorias, que tenham cotação em bolsa, comprovada por certidão ou publicação oficial; III - os bens forem de pequeno valor. 185 Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 214-215. 186 ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. p. 720. 187 Art. 685. Após a avaliação, poderá mandar o juiz, a requerimento do interessado e ouvida a parte contrária: I - reduzir a penhora aos bens suficientes, ou transferi-la para outros, que bastem à execução, se o valor dos penhorados for consideravelmente superior ao crédito do exeqüente e acessórios; II - ampliar a penhora, ou

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os editais de praça.

3.1.5. Arrematação

Em seu ministério, MARQUES188 define a arrematação como “a transferência coa cta

de bens penhorados mediante pagamento em dinheiro, para ulterior satisfação do exeqüente e,

eventualmente, de outros credores do executado que tenham ingressado na execução”.

Segundo THEODORO JÚNIOR189, costuma-se impropriamente tratá-la como venda

judicial dos bens penhorados, já que lhe falta o elemento consensual do proprietário,

característico da compra e venda, razão pela qual, segundo a “doutrina moderna”, a sua

classificação como de natureza contratual é incompatível; mesmo porque, apoiado na doutrina

de Paula Batista, entende ser a arrematação um ato processual de soberania do Estado,

portanto, ato de direito público executivo, pelo qual, semelhante à “desapropriação”, interfere

no domínio privado em face da necessidade pública de efetivar a sentença em seu cunho

satisfativo.

O objeto da arrematação, conforme assevera ASSIS190, “é a transmissão do dom ínio

da coisa penhorada a terceiro”, onde se busca a sua transformação em dinheiro para post erior

pagamento dos direitos do credor através de hasta pública, mediante praça, leilão ou pregão

da Bolsa de Valores, conforme preceituam os artigos 697 e 704191 do Código de Processo

Civil, e o inciso X192, da Resolução nº 238, de 24 de novembro de 1972, do Banco Central do

Brasil.

Seja em praça ou em leilão, a arrematação será sempre precedida de editais na forma

do artigo 686193, do Código de Processo Civil, reservando-se à praça para a alienação dos

transferi-la para outros bens mais valiosos, se o valor dos penhorados for inferior ao referido crédito. Parágrafo único. Uma vez cumpridas essas providências, o juiz mandará publicar os editais de praça. 188 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. p. 276. 189 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. 19. ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1999, p. 342-344. 190 Cf. ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. p. 735. 191 Art. 697. Quando a penhora recair sobre imóvel, far-se-á a alienação em praça. (...) Art. 704. Ressalvados os casos de atribuição de corretores da Bolsa de Valores e o previsto no art. 700, todos os demais bens penhorados serão alienados em leilão público. 192 Resolução BCB 238/72 – (...) X - Os agentes autônomos de investimento, como tais, desempenharão exclusivamente por conta e ordem das entidades credenciadoras as seguintes atividades: a) colocação ou venda de títulos e valores mobiliários registrados no Banco Central do Brasil, ou de emissão ou coobrigação de instituição financeira; b) colocação de cotas de fundos de investimento; c) outras atividades expressamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil. 193 Art. 686. A arrematação será precedida de edital, que conterá: I - a descrição do bem penhorado com os seus característicos e, tratando-se de imóvel, a situação, as divisas e a transcrição aquisitiva ou a inscrição; II - o valor do bem; III - o lugar onde estiverem os móveis, veículos e semoventes; e, sendo direito e ação, os autos do

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imóveis e o leilão para os móveis, podendo ocorrer, nos dois casos, duas licitações,

respeitando-se entre os dois pregões um intervalo variável entre o mínimo de dez e o máximo

de vinte dias, devendo-se, no primeiro, respeitar-se o valor da avaliação para o lanço mínimo,

e no segundo, por qualquer preço, exceto preço vil194.

Normalmente a arrematação é feita em dinheiro à vista, podendo, entretanto, na

forma do artigo 690195, ser feita a prazo de três dias mediante caução idônea, que poderá ser

real ou fidejussória, suspendo-se tal procedimento sempre que o produto da alienação dos

bens bastar para o pagamento do credor.

Na forma do artigo 693, “a arrematação constará de auto, que será lav rado em 24

(vinte e quatro) horas depois de realizada a praça ou leilão”, o qual, depois de assinado na

forma do artigo 694196, será considerado ato perfeito, acabado e irretratável, constituindo,

conforme leciona THEODORO JÚNIOR197, título de domínio sobre os bens adquiridos em

hasta pública, aperfeiçoando-se, em face dos modos de transferência do nosso ordenamento

jurídico, com a tradição ou com a transcrição no Registro Imobiliário segundo se tratar de

bens móveis ou imóveis. processo, em que foram penhorados; IV - o dia, o lugar e a hora da praça ou do leilão; V - menção da existência de ônus, recurso ou causa pendente sobre os bens a serem arrematados; VI - a comunicação de que, se o bem não alcançar lanço superior à importância da avaliação, seguir-se-á, em dia e hora que forem desde logo designados entre os 10 (dez) e os 20 (vinte) dias seguintes, a sua alienação pelo maior lanço (art. 692). § 1o No caso do art. 684, II, constará do edital o valor da última cotação anterior à expedição deste. § 2o A praça realizar-se-á no átrio do edifício do Fórum; o leilão, onde estiverem os bens, ou no lugar designado pelo juiz. § 3o Quando os bens penhorados não excederem o valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário mínimo, conforme o art. 275 desta Lei, será dispensada a publicação de editais, não podendo, neste caso, o preço da arrematação ser inferior ao da avaliação. 194 Segundo ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. p. 773-775; “em virtude de sua condição de conceito jurídico indeterminado, inexiste critério econômico apriorístico de que seja, afinal, preço vil. Deve o executado comprovar, que, na data da hasta pública, a coisa penhorada valia bem mais do oferecido”. Segundo trata, em doutrina às vezes se aponta o percentual de 60%, podendo haver vacilações, dependendo muito do caso concreto, em que deverá o órgão judiciário se manifestar, “buscando a devida proporção entre os dois princípios em conflito: o da economia (art. 620) e o da efetividade da tutela judiciária reclamada pelo credor”. Assevera, ainda, que em geral não se considera preço vil aquele superior a 80% da avaliação, patamar que entretanto não determina essa condição, de maneira que valores abaixo poderão perfeitamente atender aos objetivos da execução. 195 Art. 690. A arrematação far-se-á com dinheiro à vista, ou a prazo de 3 (três) dias, mediante caução idônea. § 1o - É admitido a lançar todo aquele que estiver na livre administração de seus bens. Excetuam-se: I - os tutores, os curadores, os testamenteiros, os administradores, os síndicos, ou liquidantes, quanto aos bens confiados à sua guarda e responsabilidade; II - os mandatários, quanto aos bens, de cuja administração ou alienação estejam encarregados; III - o juiz, o escrivão, o depositário, o avaliador e o oficial de justiça. § 2o O credor, que arrematar os bens, não está obrigado a exibir o preço; mas se o valor dos bens exceder o seu crédito, depositará, dentro em 3 (três) dias, a diferença, sob pena de desfazer-se a arrematação; caso em que os bens serão levados à praça ou ao leilão à custa do credor. 196 Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo escrivão, pelo arrematante e pelo porteiro ou pelo leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável. Parágrafo único. Poderá, no entanto, desfazer-se: I - por vício de nulidade; II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução; III - quando o arrematante provar, nos 3 (três) dias seguintes, a existência de ônus real não mencionado no edital; IV - nos casos previstos neste Código (arts. 698 e 699). 197 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 226-227.

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No primeiro caso, a tradição operar-se-á mediante cumprimento de mandado judicial

determinando ao depositário a entrega dos bens ao arrematante, e no segundo, expedir-se-á a

carta de arrematação que é o documento hábil a ser transcrito no Registro Imobiliário, assim

como é o traslado nos casos da escritura lavrada em Tabelionato.

Importante lembrar, conforme arrazoa THEODORO JÚNIOR198, que sobre os bens

arrematados não há lugar para a “reclamação contra eventuais vícios redibitórios 199”, já que

“o arrematante adquire a propri edade do bem praceado na situação em que ele se encontra;

diferente da evicção200, que incide na operação e responde por ela o executado, em face de

que seu patrimônio é garantia comum de todos os seus credores, mesmo porque, segundo

MARQUES201, “seria injusto que o bem arrema tado, não lhe pertencendo”, acabasse por

trazer mais prejuízo ao credor, enriquecendo o devedor à custa do pagamento de suas dívidas

com bens alheios.

Concluídos os procedimentos da arrematação, será feita a entrega do dinheiro ao

credor em pagamento de seu crédito, momento em que, no tratar de ASSIS202, a “terapêutica

expropriatória” alcança seu te rmo, conforme preceitua o inciso I, do artigo 708203, do Código

de Processo Civil, da mesma forma que pela adjudicação dos bens penhorados ou pelo

usufruto de bem imóvel ou de empresa.

Entretanto, diferente da arrematação em que o bem penhorado se transforma em

dinheiro para posterior pagamento ao credor, a adjudicação, segundo MARQUES204, “é ato

executivo de expropriação em que o credor figura como adquirente de bem ou bens

penhorados”, em que não há conversão desses bens em dinheiro, constituindo -se em ato

instrumental a partir do qual é atendida diretamente a pretensão do credor.

198 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 228-230. 199 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. v. 5. 2ª Parte. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 46; define vícios redibitórios “como defeitos ocu ltos da coisa que a tornam imprópria ao fim a que se destina, ou lhe diminuem o valor, de tal forma que o contrato não se teria realizado se esses defeitos fossem conhecidos” 200 RODRIGUES, Sílvio Rodrigues. Direito civil: dos contratos e das declarações da vontade. v. 3. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 113; aduz que ocorre a evicção “quando o adquirente de uma coisa se vê total ou parcialmente privado da mesma, em virtude de sentença judicial que a atribui a terceiro, seu verdadeiro dono”. Para MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. p. 55-56, a evicção decorre de que “o alienante é obrigado não só a entregar a coisa alienada, como também a garantir-lhe o uso e gozo”. No estudo da evicção, segundo esse mesmo autor, três são as pessoas que necessari amente aparecem: o evicto, que é o adquirente que vem perder a coisa adquirida; o alienante, que transferiu a coisa; e o evictor, que é o terceiro que move a ação e vem a ganhar a coisa total ou parcialmente em razão de motivo jurídico anterior. 201 Cf. MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. p. 295-297. 202 ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. p. 816. 203 Art. 708. O pagamento ao credor far-se-á: I - pela entrega do dinheiro; II - pela adjudicação dos bens penhorados; III - pelo usufruto de bem imóvel ou de empresa. 204 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. p. 300.

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No mesmo sentido, conforme leciona BAPTISTA DA SILVA205, a adjudicação “é a

aquisição do bem penhorado pelo próprio exeqüente, para satisfação de seu crédito”,

assemelhando-se “a uma dação em pag amento206”, se considerada sob o ponto de vista do

bem com que a obrigação é solvida. Dessa forma, “o credor que originariamente tinha

pretensão a haver pagamento em dinheiro, ao adjudicar o bem penhorado consente em receber

coisa diversa, em substituição da prestação que lhe era devida”.

Segundo ASSIS207, a adjudicação, abrange tanto bens móveis quanto imóveis, sendo

requisitos para a sua admissibilidade a não existência de terceiros interessados na

arrematação, a legitimidade do requerente e o oferecimento de preço não inferior ao edital208.

No entanto, essa medida não terá acolhida para a solução da execução de dívida

particular de sócio em relação a sua quota social. É que nesse caso estão envolvidos interesses

de terceiros, seja dos demais sócios ou da própria sociedade, em face da relação contratual

existente na sociedade, motivo pelo qual não são obrigados a admitir quem não o queira (no

caso o credor).

Contudo, em razão de parte da doutrina209 entender que a penhora da quota não é

possível por conduzir à intromissão de um estranho ao ninho societário, o que ocorreria se

levada à efeito a arrematação; estuda-se também o tema para se demonstrar que o objetivo do

credor não é tornar-se sócio da sociedade, substituindo o devedor. Se assim o fosse, caberia

também a adjudicação, e então sim, soaria estranha a medida por restar flagrante a sujeição de

terceiros a ato não quisto. Daí a confusão.

Entretanto, o interesse do credor é um só: ver liquidado o seu crédito. Não lhe

interessa atingir ou investir-se na qualidade de sócio. Interessa-lhe, apenas, o valor

patrimonial da quota social, mesmo que para isso, na insuficiência de lucros creditados ou a

serem creditados ao sócio-devedor, tenha que se promover a dissolução parcial da sociedade

(resolvê-la a um sócio, de acordo com a nova nomenclatura do Código Civil), assunto já

205 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. v. 2. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 108. 206 DINIZ, Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. v. 2. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 270; comenta que dação em pagamento “vem a ser um acordo liberatório, feito entre credor e devedor, em que o credor consente na entrega de uma coisa diversa da avençada”. Contudo, SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. p. 108, adverte que dação em pagamento e adjudicação não se confundem, porquanto a primeira trata de forma de extinção de pagamento negocialmente ajustada entre as partes, e a segunda, de transferência coativa do bem penhorado ao credor, “indiscutivelmente pertencente ao direito processual, cuja assimilação a categorias do direito privado é sempre nociva”. 207 Cf. ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. p. 835-836. 208 Art. 714. Finda a praça sem lançador, é lícito ao credor, oferecendo preço não inferior ao que consta do edital, requerer Ihe sejam adjudicados os bens penhorados. 209 Já apontada nos itens precedentes.

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abordado no item 2.5 (Dissolução Parcial da Sociedade), por conta da liquidação da quota a

seu próprio pedido, instituto novo do Código Civil, a inserir-se também no processo

executivo, conforme será estudado no item 3.3. (A Penhorabilidade das Quotas Sócias ex vi

do Artigo 1.026, do Código Civil).

3.1.6. Remição

A remição, conforme trata THEODORO JÚNIOR210, é um instituto liberatório

específico da execução por quantia certa e atua sobre a constrição patrimonial, devendo-se,

entretanto, atentar-se para a distinção entre a remição da execução, prevista no artigo 651211, e

a remição de bens, prevista no artigo 787212.

Ao distinguí-las, assevera que a remição da execução é “o resgate da dívida

exeqüenda, mediante pagamento ou depósito do principal, mais juros, custas e honorários

advocatícios, o que é motivo de extinção do processo executivo (art. 794, I213), e pode se dar a

todo tempo, antes da arrematação ou adjudicação dos bens penhorados (art. 651)”, podendo

ser exercitada tanto pelo devedor quanto por qualquer terceiro, interessado ou não (art. 304 do

Código Civil214).

Já em relação à remição de bens, o mesmo autor aduz que é forma “apenas de salvar

da alienação forçada a estranhos os bens penhorados”; o que no tratar de MARQUES 215, “é

instituto inspirado na eqüidade e estabelecido em favor e benefício do executado”, devendo

ser exercido no prazo de vinte e quatro horas que mediar entre a arrematação dos bens em

praça e a assinatura do auto, conforme dispõe o artigo 788, do Código de Processo Civil.

Neste sentido, conforme bem observa THEODORO JÚNIOR216, o Código

Processual de 1973 eliminou a controvérsia que existia sobre a possibilidade ou não de

renovação de penhora sobre a coisa resgatada, já que antes se permitia a remição de bens pelo

próprio devedor. Atualmente, essa possibilidade é facultada apenas aos seus parentes,

210 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 231. 211 Art. 651. Antes de arrematados ou adjudicados os bens, pode o devedor, a todo tempo, remir a execução, pagando ou consignando a importância da dívida, mais juros, custas e honorários advocatícios. 212 Art. 787. É lícito ao cônjuge, ao descendente, ou ao ascendente do devedor remir todos ou quaisquer bens penhorados, ou arrecadados no processo de insolvência, depositando o preço por que foram alienados ou adjudicados. Parágrafo único. A remição não pode ser parcial, quando há licitante para todos os bens. 213 Art. 794. Extingue-se a execução quando: I - o devedor satisfaz a obrigação 214 Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor. 215 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. p. 427. 216 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 232.

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restando para o devedor tão somente “o direito de remir a execução, o que se faz mediante

resgate integral da dívida e acessórios”. Não existe pois, para o devedor, a possibilidade de

remir o bem individualmente.

3.2. A PENHORA DAS QUOTAS SOCIAIS NO DIREITO BRASILEIRO

Divergente perante a doutrina e aos tribunais, a possibilidade da penhora de quotas

por execução de dívida particular de sócio de sociedade limitada apresenta-se como um

grande tema a ser enfrentado, verdadeira celeuma jurídica onde se embatem institutos e

princípios de características distintas, envolvendo razões plausíveis e contraditórias,

perfilhando defensores em várias correntes217.

Essa problemática, conforme lembra MARINHO218, não é recente. Liga-se ao antigo

Código de Processo Civil, que sob a sua vigência, prevalecia a tese da impenhorabilidade, isso

por força dos artigos 930, V, 93l, 942, XII e 943, II; conjugados com o artigo 292, do Código

Comercial, in verbis:

Código de Processo Civil de 1939: Art. 930. A penhora poderá recair em quaisquer bens do executado, na seguinte ordem: (...) – V – Direitos e ações. Art. 931. Consideram-se direitos e ações, para os efeitos de penhora: as dívidas vencidas, ou vincendas, constantes de documentos; ações reais, reipersecutórias, ou pessoais para cobrança de dívida; as quotas de herança em autos de inventário e partilha e os fundos líquidos que possua o executado em sociedade comercial ou civil. Art. 942. Não poderão absolutamente ser penhorados: (...) – XII – Os fundos sociais, pelas dívidas particulares dos sócios, não compreendendo a isenção os lucros líquidos verificados em balanço.

217 MARINHO, Márcia Cristina de Oliveira Ferreira Marinho. A penhora de quotas na sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p. 34-49; enumera três correntes: a primeira no sentido da absoluta impenhorabilidade em face do princípio insculpido no artigo 20, do Código Civil de 1.916, o qual dispõe que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros; a segunda corrente que julga possível a penhora por força de que a quota representa um direito, portanto prevista como tal no artigo 655, inciso I, do Código de processo Civil; e a terceira corrente, numa fase intermédia, que julga inconcebível a penhora em face das características da sociedade limitada, permitindo-se a penhora apenas dos fundos líquidos para efeito de responsabilização do quotista inadimplente. Da mesma forma, AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 158. 218 Cf. MARINHO, Márcia Cristina de Oliveira Ferreira. A penhora de quotas na sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p. 34-35. No mesmo sentido: ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora das quotas de sociedade de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 65. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 366-369.

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Art. 943. Poderão ser penhorados, à falta de outros bens: (...) – II – Os fundos líquidos que possuir o executado em sociedade comercial. Código Comercial: Art. 292. O credor particular de um sócio só pode executar os fundos líquidos que o devedor possuir na companhia ou sociedade, não tendo este outros bens desembargados, ou se, depois de executados, os que tiver não forem suficientes para o pagamento.

Por sua vez, o atual Código de Processo Civil omitiu qualquer disposição sobre a

vedação da penhora de quotas, ganhando força a doutrina sobre a penhorabilidade, contudo

mantendo antigos adeptos da tese contrária, principalmente junto ao Supremo Tribunal

Federal, por conta do laconismo219 do Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, da

aplicação subsidiária do Código Comercial e das características de formação das sociedades

limitadas.

Da mesma forma, apesar dos novos regramentos sobre o Direito de Empresa

introduzidos pelo atual Código Civil, permeiam ecos dissonantes220 sobre a nova construção

jurídica do tema, prenúncio de que a grande celeuma persistirá.

A par desse processo dialético, a doutrina se manifesta pela impenhorabilidade das

quotas, por entender que estas constituem patrimônio da sociedade, portanto, distinto do dos

sócios. Pela sua procedência total, em face de que a quota representa um direito, por isso,

passível da constrição, não havendo qualquer restrição legal em sentido contrário, mesmo

porque, a arrematação necessariamente não atingiria o status socii naquelas sociedades em

que o intuitu personae for predominante. Ou, ainda, pela sua possibilidade apenas nos casos

219 ABRÃO, Carlos Henrique Abrão. Penhora das quotas de sociedade de responsabilidade limitada, p. 43-47; manifesta que “o problema das lacunas jurídicas despertou de uma letargia a partir do século XIX, derivando-se com o positivismo jurídico, em face do estabelecimento de um sistema jurídico autônomo e diversificado”. Em seu estudo, afirma que o problema da lacuna não é característico da aplicação da lei ao caso concreto, porquanto à função judicial incumbe tão somente a integração de todo um sistema complexo, que no caso das sociedades limitadas, ocorre pelo seu dinamismo, contrário a rigidez de um ordenamento jurídico. Evidencia, portanto, lacunas no referido diploma legal, dentre elas a possibilidade de penhora das quotas de capital, razão pela qual assiste ao magistrado preencher aquela lacuna, orientando-se na criação de um novo direito a partir de normas implicitamente contidas no sistema, utilizando-se de “princípios básicos orientadores do nosso ordenamento jurídico”. 220 Para FÁZZIO JÚNIOR, Waldo Fazzio. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002, p. 46; “com o advento do CC de 2002, no silêncio do contrato social, a penhora de quotas não tem lugar”. Segundo trata, “é que nessa circunstância, a própria cessibilidade é mitigada por condição legal, qual seja, a anuência de três quartos social”, e “altera -se a situação reinante na sistemática anterior (...) em que ensejava a penhorabilidade. Em sentido contrário, LUCENA, José Waldecy Lucena. Das sociedades limitadas, p. 389; assevera que com a vigência do novo Código, não há mais razão para se contestar a penhorabilidade das quotas de sociedade limitada, bastando ao direito pretoriano adaptar-se à nova modalidade de liquidação da quota prevista no artigo 1.026.

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em que o contrato social permitir a livre cessibilidade das quotas, de maneira a não contrariar

as bases desse modelo empresarial em que predomina e coexiste o intuitu personae com a

affectio societatis, recaindo a penhora sobre os fundos líquidos, na forma do artigo 292, do

antigo Código Comercial221, dispositivo revogado pelo artigo 2.045, do Código Civil.

Em face das alterações legislativas que se sucederam ao longo do tempo,

especialmente pelas mudanças introduzidas pelo Código de Processo Civil a partir de 1973, e

agora, pelo Código Civil, a partir de 2003, importante lembrar que a pesquisa se baseou em

doutrina e jurisprudência desde os idos remotos, colacionando entendimentos que a época

foram manifestados, talvez em razão da própria legislação vigente, questão imprescindível a

ser considerada, tamanha seria a injustiça em friamente cotejá-los com o pensamento atual.

No entanto, constata-se a sua influência em relação à construção doutrinária atual, de

modo a manter perfilhados seguidores, os quais, conforme se tratará, ao defender os mesmos

caminhos, se apegam em outros princípios e conceitos, antes não enfrentados ou de tonicidade

menor, objetivando ancorar o mesmo ponto de vista.

Contudo, importante se faz destacar literalmente a construção doutrinária e

jurisprudencial anterior e cotejá-la com o embasamento legal atual, já que nelas encontram-se

os fundamentos ainda hoje presentes, os quais requerem análise de subsistência.

LUCENA222, ao tratar da penhorabilidade das quotas mostra seu inconformismo

com a posição de parte da doutrina e da jurisprudência, que, sob a égide do Código de

Processo Civil de 1939, apoiava-se em interpretação de dispositivos que não foram

preservados pelo diploma substitutivo de 1973.

Julgava então o autor, que com as novas disposições processuais a polêmica não

mais teria sustentação, permitindo-se claramente a penhora das quotas sociais. Entretanto,

pela constatação do contrário, inusitadamente se manifesta: “reabriram -se as disceptações” e

“os pregoeiros da impenhorab ilidade da quota social, já não mais podendo contar com os

dispositivos do revogado Código de Processo Civil de 1939, continuaram, no entanto,

221 ABRÃO, Carlos Henrique Abrão. Penhora das quotas de sociedade de responsabilidade limitada. p. 66; assevera que para saber o alcance e o significado das expressões contidas na antiga lei adjetiva (Código de Processo Civil de 1939) e no Código Comercial, é necessário distinguir os conceitos de fundos sociais, fundos líquidos e lucros líquidos. Por fundos sociais, entende ser a expressão terminológica que se refere “ao dinheiro que a sociedade usa no seu giro, incluindo os estoques, créditos, enfim, diz respeito ao complexo de bens que integram o ativo patrimonial da sociedade”. Fundos líquidos são o “saldo à disposição do sócio” e a “parte ou quota que na liquidação da sociedade for apurada.“Compreendem, portanto, os fundos todos os aportes que o sócio fizer à sociedade, o valor de suas quotas, distinguindo-se, por corolário, da noção de fundo social”. Lucros líquidos “dizem respeito àquelas quantias provenientes da op eração da empresa, verificadas em balanço, pertencentes ao sócio e que se encontram sob a guarda da sociedade comercial”. 222 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 369.

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apegados ao artigo 292, do Código Comercial, e ao argumento de que jamais se poderia

impor, a uma sociedade constituída intuitus personae, aceitasse a intromissão em seu seio de

um estranho não desejado, no caso o arrematante”.

Defensor ferrenho da penhorabilidade, o autor se manifesta inconformado com a

criatividade tergiversante da corrente contrária, passagem que faz lembrar os ensinamentos do

eminente professor Saul Steil223, muito utilizada em seu ministério, ao referir-se a casos de

múltiplas interpretações.

Segundo suas lições, o inconformismo de alguns sobre a força argumentativa de

entendimento contrário, embasado tanto quanto na mesma lei, é prova de quanto o Direito é

envolvente, a permitir que sob o mesmo caso e sob a mesma lei, depositem-se entendimentos

contraditórios, cada qual, expressando a sua verdade.

A esse ponto, o ilustre professor, em seu nobre e invejável estilo e sotaque ilhéus,

assim se manifestava: “por isso que o Direito é bon ito”, “força viva em constante evolução”,

ao que se acrescenta, matiz, mas berço e confluência das heterogeneidades, razão pela qual

evolui, ao que lhe serve de alimento, justamente essas ambigüidades.

Com essas palavras, o professor Saul instigava seus alunos à busca do contraditório e

exercê-la de forma ética segundo as crenças e a melhor interpretação da abstração legal ao

caso concreto. Iniciativa que em hipótese alguma, se pertinente, deveria deixar de ser

exercida. Afinal, conforme tratava, é assim que o Direito evolui na busca do maior grau de

Justiça, ao que parecem as divergências existentes perante o tema.

No entanto, LUCENA224 se mostra inconformado, e em síntese demonstra que a tese

da impenhorabilidade das quotas se assenta em princípios de direito comercial, dos quais, o de

que o capital social pertence à sociedade em razão da sua personalidade jurídica distinta, não

confundindo o seu patrimônio com o dos seus sócios; que não se admite o ingresso de

estranhos à sociedade a revelia dos demais sócios, por força da expropriação; o antigo apoio

no artigo 292, do Código Comercial e no artigo 942, XII, do Código de Processo Civil de

1939.

Há que se acrescentar ao raciocínio desse autor, o fato de que a tese da

impenhorabilidade apóia-se também no artigo 649, I, do Código de Processo Civil, em face do

entendimento de parte da doutrina de que a quota social, quando depender de consentimento

dos demais sócios para a sua cessão, é considerada um bem inalienável, e por conseqüência, 223 STEIL, Saul. Professor titular da disciplina de Direito Processual Civil III, em aulas ministradas para a 7ª Fase do Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – CES VII. 224 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 370.

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impenhorável.

FERREIRA225, adepto à tese da impenhorabilidade, à sua época afirma ser

impossível jurídica e economicamente a penhora da quota social, haja vista não ter ela

existência autônoma, não ser representada por nenhum título, e, portanto, não constituir coisa

distinta do patrimônio social, podendo os credores, na insuficiência de outros bens, executar

apenas os fundos líquidos que o sócio devedor possuir na sociedade.

Ao tratar da integralização do capital social, o mesmo autor226 aduz que a

contribuição do sócio se integra a título de propriedade ao patrimônio da sociedade, que é

“uno e re sponde somente pelas dívidas por ela contraídas”, e que, diferentemente das

sociedades anônimas, onde essa participação reveste-se em títulos suscetíveis de direitos reais

de garantia, nas sociedades limitadas não há essa representação, razão pela qual entende não

ser as quotas títulos negociáveis.

No mesmo sentido, PEIXOTO227 afirma que a quota não tem individualidade própria

e que se penhorada, a constrição recairia sobre parte ideal do patrimônio da sociedade, o que

seria “injurídico”. No entanto, reconhecend o o princípio da impenhorabilidade, admite a

penhora quando o contrato social permitir a alienabilidade das quotas, visto que se a

sociedade não guarda as características intuitu personae, podendo nela ingressar estranhos

livremente, poderá também a quota ser penhorada.

Ao admitir a penhora quando o contrato social não vedar a cessão das quotas,

BORGES228 leciona que apesar da quota representar uma fração determinada do patrimônio

da sociedade, ela tem individualidade própria, existindo distintamente das demais quotas do

capital, sendo suscetível de transferência por ato entre vivos ou causa mortis; contrário

somente se houver vedação expressa no ato constitutivo, motivo pelo qual serão consideradas

“inalien áveis, não podendo pois ser nem apenhadas nem penhoradas, a não ser com o

consentimento dos demais sócios”, diretriz seguida pelo Supremo Tribunal Federal, como se

verifica pelo voto proferido pelo eminente Senhor Ministro Nelson Hungria, ao Recurso

Extraordinário de nº 34.680-RS, em 28 de maio de 1958, in verbis:

Sou contrário à tese de que, ainda no silêncio do contrato, são intransferíveis ou inalienáveis e, portanto, impenhoráveis, as quotas de sociedade de responsabilidade limitada, sem o consentimento de todos os quotistas.

225 Cf. FERREIRA, Waldemar. Tratado de sociedades mercantis. p. 772-773. 226 Cf. FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. p. 444-445. 227 Cf. PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. p. 225-226. 228 Cf. BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. p. 360-361.

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Quando, porém, existe cláusula expressa proibindo a transferência sem o placet de todos os sócios – o que imprime à sociedade limitada um caráter predominantemente pessoal, é força admitir a inalienabilidade relativa e, conseqüentemente, a impenhorabilidade relativa da quota, isto é, sua alienação ou penhora dependerá do consentimento dos titulares das demais quotas. É precisamente, a irrefutável lição de João Eunápio Borges.

A tese da impenhorabilidade relativa era assente no Supremo Tribunal Federal229,

tanto é que em Recurso Extraordinário de nº 95.381-7-PR, de 14 de dezembro de 1984, em

que teve como Relator o eminente Senhor Ministro Décio Miranda, reitera-se a decisão,

conforme se verifica:

Em linha de princípio, todos os bens do devedor estão adstritos à constrição judicial, porque não é razoável admitir-se que o credor encontre imunidades não explícitas contra a execução de seu crédito. Mas essa consideração sobreleva a de que os bens trazidos pelos sócios constituem o capital da sociedade. Nesse sentido é a lição, sempre acatada, do eminente comercialista Ministro Cunha Peixoto, ao dizer que a impenhorabilidade da cota social funda-se na formação intuitu personae da sociedade, e a lei quer evitar que estranhos participem da sociedade independentemente do consentimento dos demais sócios.

BULGARELLI230 entende que, “ em princípio, pode-se até admitir a possibilidade da

penhora das quotas sociais, mas não se pode admitir, em boa doutrina, a sua exeqüibilidade”.

O autor aqui se refere ao status socii conferido pela quota social, sobre o qual não poderia a

penhora incidir, ao que concorda REQUIÃO231, quando não admite a penhora para as

sociedades com características intuitu personae, somente para aquelas em que “ houver, no

contrato social, cláusula pela qual possa ser ela cessível a terceiro, sem a anuência dos demais

companheiros”.

Partidário a esse entendimento, COELHO232 apregoa que a análise da classificação

das sociedades em de pessoas ou de capital é útil na medida em que as quotas das sociedades

tipicamente de pessoas são impenhoráveis por dívida particular de sócio, não cabendo a sua

execução a pedido de credor, “na medida em que o adjudicatário, na hasta judicial, tornar -se-

ia necessariamente sócio, a despeito de seus atributos”, muito embora admita, sob a ótica do

artigo 1.026, do Código Civil, a liquidação da quota a pedido de credor. 229 É o que se verifica, além dos Acórdãos já citados, das decisões proferidas aos Recursos Extraordinários STF de nºs 75.680-GO, de 02/03/1.973 e 47.275-BA, de 06/12/1.962. 230 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais. p. 175. 231 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 482-485. 232 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 24-25 e 372-374.

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De maneira incisiva, REQUIÃO233 sustenta que os fundos sociais não pertencem ao

quotista, mas à sociedade, e afirmar o contrário, é pôr abaixo toda a teoria da personificação

jurídica e negar a autonomia do seu patrimônio em relação aos de seus componentes.

Manifesta, ao final, que na insuficiência de outros bens, pode a penhora recair sobre os lucros

líquidos pertencentes ao sócio executado existentes na sociedade, e, em face das novas

disposições trazidas pelo artigo 1.026, do Código Civil, de poder o credor requerer

judicialmente a “liquidação da quota pertencente ao sócio executado, sobre cujo resultado

então recairá a penhora” (tema tratado especificamente no item 3.3. A Penhorabilidade das

Quotas Sociais ex vi do Artigo 1.026, do Código Civil).

A par dos procedimentos da execução estatuídos pelo Código de Processo Civil e da

afirmação supra, resta implícita a sugestão do autor em primeiramente se proceder a

liquidação da quota, para somente depois se efetivar a penhora. No entanto, conforme

manifestado por toda a doutrina (assunto abordado no item 3.1.2 - A Penhora no

Ordenamento Jurídico Brasileiro), a penhora visa garantir de imediato a execução sobre as

argúcias do devedor, e pretender fazê-la incidir após a liquidação da quota, é o mesmo que

admiti-la somente depois da avaliação dos bens nos demais casos da execução, contrariando

frontalmente a lógica do processo, o qual, provavelmente restaria esvaído.

Entretanto, apesar da tese da impenhorabilidade ter sido predominante no Supremo

Tribunal Federal234, destaca-se nessa Corte uma decisão contrária235 em que o Relator, o

eminente Senhor Ministro Xavier de Albuquerque, resume que a tese da impenhorabilidade se

assenta em princípios doutrinários de direito comercial (os mesmos já citados neste item), e

sustenta que:

“o argumento de que o capital pertencente à sociedade, e não aos sócios, traduz apenas meia-verdade. É ele pertencente à sociedade, sem dúvida, mas, não sendo fruto de geração espontânea, forma-se necessariamente pelas contribuições dos sócios que o integralizam. Por essas contribuições, traduzidas pelas cotas, a sociedade deve aos sócios, que junto a ela possuem créditos correspondentes. Esses créditos são direitos que compõem os patrimônios individuais dos sócios, integrando-se na garantia geral com que contam seus respectivos credores”.

233 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 482-485. 234 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 34.680/RS. Relator Ministro Nelson Hungria, julgado em 27/01/1958; Recurso Extraordinário nº 47.275/BA. Relator Ministro Pedro Chaves, julgado em 06/12/1962; Recurso Extraordinário nº 75.680/GO. Relator Ministro Luiz Galotti, julgado em 02/03/1973, e Recurso Extraordinário nº 95.381-7/PR. Relator Ministro Décio Miranda, julgado em 14/09/1984. 235 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial nº 90.910-9-PR, de 21/10/1980, por maioria de votos, vencido o Ministro Cunha Peixoto; e, Embargos no Recurso Extraordinário nº 90.910-9, de 19/02/1984, unanimidade, 1ª Turma com nova composição, sendo Relator o Ministro Djaci Falcão.

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Em sua obra, LUCENA236 manifesta adesão ao voto do eminente Ministro Xavier de

Albuquerque, e deixa claro o seu entendimento de que nem ao tempo do Código de Processo

Civil de 1939, a quota social era impenhorável, por entender que a locução fundos líquidos,

constante do artigo 292, do Código Comercial, não traduz o significado “restritivo, que

quiseram lhe emprestar, de permitir a penhora apenas dos lucros líquidos”, cabendo já àquela

época, a liquidação da quota do sócio devedor pelas vias da dissolução parcial da sociedade.

Mais adiante237, ao tratar do caráter intuitu personae conferido à sociedade limitada

quando da sua constituição, em que se denota pela incessibilidade das quotas a intenção de se

preservar a affectio societatis, aduz que mesmo com a penhora não se “permitirá que estranho

adentre o corpo social, se essa não foi a vontade dos demais sócios”, não assumindo o credor

“de plano, o status socii”, atingindo a constrição apenas o direito patrimonial da quota social e

o direito de crédito dela decorrente em relação aos lucros líquidos e aos haveres apurados. Por

sua vez, o status socii se extingue com a execução (liquidação da quota), sem ser transferido a

ninguém, preservando-se, dessa forma, a affectio societatis, no sentido de não se permitir o

ingresso de indesejados.

Para ABRÃO238, apesar da quota ser insuscetível de representação por título ou

certificado, assim como é a ação, “ é incontestável que a quota, representando um direito, pode

ser penhorada”, observando -se, porém, a sua graduação de acordo com o artigo 655, do

Código de Processo Civil, mesmo porque, esse direito representado pela quota não se

compreende entre os bens absolutamente impenhoráveis arrolados no artigo 649.

AZEVEDO239 também manifesta esse entendimento, e assegura que com a penhora

não se está permitindo o ingresso de terceiros na sociedade; encontrando solução através da

aplicação da modalidade prevista no artigo 720240 (usufruto de empresa), do Código de

Processo Civil, ou pela liquidação da quota e a conseqüente dissolução parcial da sociedade,

situação que entende muito improvável, em face de que o devedor ou os demais sócios da

sociedade “acabarão por prov idenciar a remição da execução”. Aliás, em linhas gerais, essa é

a solução do atual artigo 1.026, do Código Civil, a ser abordada no item seguinte.

Conforme a análise feita no item 2.4.1 (Quota Social: Conceito e sua Natureza

236 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 375-376. 237 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 378-380. 238 Cf. ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p. 93. 239 Cf. AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 157-162. 240 Art. 720. Quando o usufruto recair sobre o quinhão do condômino na co-propriedade, ou do sócio na empresa, o administrador exercerá os direitos que numa ou noutra cabiam ao devedor.

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Jurídica), a natureza jurídica da quota social revela um direito de duplo aspecto: patrimonial e

pessoal, conferidos aos sócios pela participação e integralização do capital social. O primeiro

traduz-se no direito à percepção de lucros e à partilha da massa residual decorrente da

liquidação, enquanto que o segundo, revela-se no status de sócio, o qual assegura o direito de

deliberação, fiscalização e participação administrativa e política da sociedade.

Ao corroborar esse raciocínio, MARMITT241, seguido por ABRÃO, CAMPINHO,

MARINHO e THEODORO JÚNIOR242, protesta pela “impenh orabilidade da qualidade

personalíssima de sócio”, e não vê obstáculo à incidência da penhora sobre a parcela

patrimonial da quota, que se levada a cabo, fará extinguir a condição de sócio e não a sua

substituição, por conta da apuração dos haveres e a conseqüente resolução da sociedade ao

sócio devedor.

Essa assertiva vem ao encontro do princípio geral da responsabilidade patrimonial do

devedor, o qual, conforme já descrito no item 3.1.2 (A Penhora no Ordenamento Jurídico

Brasileiro), encontra-se insculpido no artigo 591243, do Código de Processo Civil, mas que, no

entanto, por conta da ressalva feita na sua parte final (salvo as restrições estabelecidas em lei),

e da conjugação com o disposto nos artigos 648 e 649, inciso I, é ainda fonte de controvérsias.

Com efeito, essa discussão é alimentada pela característica impressa pelos sócios à

sociedade limitada quando da sua constituição, geralmente impondo-lhe contornos e natureza

de sociedades de pessoas, faculdade antes permitida pelo Decreto nº 3.708/1919, e hoje pelo

Código Civil, em seu artigo 1.057, estabelecendo-se cláusulas de restrição à cessibilidade de

quotas, restando estas afetadas na sua alienabilidade, de modo a entendê-las como

impenhoráveis na forma do artigo 649, I do Código de Processo Civil.

A esse respeito, abordou-se no item 3.1.3 (Limitações à Penhora de Bens), mas, em

razão da sua relevância, retorna-se ao assunto para analisá-lo estritamente em relação à

penhora da quota social.

Ao enfrentar essa questão, o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio do

eminente Senhor Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator e voto vencido do

Recurso Especial de nº 148.947-MG, de 15 de dezembro de 2000, DJ de 29 de abril de 2002

241 Cf. MARMITT, Arnaldo. A penhora – doutrina e jurisprudência. p. 233-234. 242 ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora das quotas de sociedade de responsabilidade limitada. p. 67; CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 186-195; MARINHO, Márcia Cristina de Oliveira Ferreira. A penhora de quotas na sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p. 40; e, THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 193-195. 243 Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

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(no qual se decidiu pela penhorabilidade apenas nos casos em que não houver vedação

contratual no sentido de preservar a affectio societatis), expõe entendimento do eminente

Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, de que a importância decisiva ao caso não está só na

interpretação de que não há lei excluindo as quotas sociais da incidência do artigo 591, mas

sim, de que o mandamento do artigo 649, I, estatui a impenhorabilidade absoluta dos bens

inalienáveis, e assim se manifesta:

A questão está em saber se as cotas são alienáveis. Se o forem, incidirá a vedação legal, malgrado a inexistência de norma que expressamente as excepcione de responderem pelas dívidas de quem delas seja titular. A proibição da cessão poderá resultar de disposição expressa do contrato ou advir de seu contexto, quando se possa concluir que a sociedade foi constituída intuitu personae. Se decorre do contrato a proibição, não será possível forçar os demais sócios a agir em desconformidade com o pactuado e admitir um estranho. A cessão, pois, não será viável. Isso se verificando, não se admitirá igualmente a penhora, pois se estará diante de caso de inalienabilidade.

Em seu voto, o eminente Senhor Ministro Carlos Alberto Menezes Direito arrazoa as

diversas posições doutrinárias e jurisprudenciais, para entender “que não há vedação legal

para a proibição da penhora mesmo quando o contrato possui cláusula vedando a cessão das

quotas”. A cláusula contratual, a seu juízo, “não pode alcançar o direito do credor, sob pena

de abrir-se a possibilidade de uma convenção particular impor limitação que a lei não impõe”.

Entretanto, apesar de decisões contrárias como essa (lembra-se que o Ministro

Menezes Direito foi voto vencido), predomina perante o Superior Tribunal de Justiça a tese da

penhorabilidade, destacando-se e capitaneando esse entendimento o eminente Senhor

Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em decisões como a do Recurso Especial de nº

30.854-2-SP, de 08 de março de 1994, em que foi Relator.

Na ocasião, o eminente Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira diverge

frontalmente da posição do eminente Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, conforme se verifica

pela transcrição abaixo:

Divirjo, respeitosamente, desse entendimento, sob o argumento de que a impenhorabilidade atinente aos bens inalienáveis, preconizada pelo artigo 649, I, do CPC, concerne aos bens gravados com cláusula de inalienabilidade, nos moldes fixados pela legislação civil. Esses casos são regulados em lei, não sendo de dilargar as causas de sua instituição, principalmente em face da repercussão sobre os direitos de terceiros, não valendo sua estipulação em causa própria. A constituição de sociedade com proibição de alienação de quotas tem validade entre os sócios e pode ser oposta aos terceiros adquirentes, no

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âmbito do direito privado. Não pode, entretanto, ser erigida em autêntica cláusula de inalienabilidade, oponível erga omnes.

Nessa mesma inteligência o jurista português Raúl Ventura244, da Universidade de

Lisboa, ao combater a inalienabilidade decorrente de uma convenção privada admite em sua

monografia a penhora de quotas, e assim apregoa:

Não pode conceber-se que uma pessoa coloque todo o seu patrimônio ao abrigo da execução dos credores, transformando todo ele (salvo exceções relevantes) em quotas da sociedade; não pode admitir-se que um pacto entre certas pessoas produza efeitos relativamente a estranhos, restringindo ou até eliminando direitos destes, provenientes de atos com os quais aqueles nenhuma relação possuem.

No mesmo sentido estão as conclusões do Professor Alexandre Freitas Câmara245,

segundo o qual, a “consider ar impenhoráveis as quotas sociais permitir-se-ia ao devedor mal-

intencionado furtar-se, muito facilmente, à execução, bastando para tal que constituísse uma

sociedade por quotas de responsabilidade limitada, transferindo para a mesma todos os seus

bens, e mantendo em seu patrimônio apenas as quotas que representassem sua participação

societária”. Da mesma forma, o comentário feito por LUCENA 246, de que não se

compreenderia a penhora ficar à mercê de uma mera convenção privada (o contrato social)

reguladora da não cessão das quotas sociais, uma vez que a penhora constitui instituto de

direito processual, portanto, direito público.

Conforme manifesto no voto já referido do eminente Senhor Ministro Sálvio de

Figueiredo Teixeira247, apoiado na doutrina de Caio Mário da Silva Pereira, entende ser

inválida a cláusula contratual voluntária com gravação de inalienabilidade dos próprios bens

em proveito pessoal, já que haverão de provir de doações ou testamento, não sendo lícito a

imposição em contratos onerosos, privilegiando uma convenção privada em detrimento de

normas processuais de interesse público, interesse esse que se remota a assunção do processo

ao Estado, que ao assumir a condição de ente judicante, se obriga a assegurar e a dar

efetividade ao processo executivo, conforme se verifica pelas raízes e fundamentos do

instituto da penhora abordados no item 3.1.1 (A Penhora como Instituto de Direito Público),

244 Apud MARINHO, Márcia Cristina de Oliveira Ferreira. A penhora de quotas na sociedade por quotas de responsabilidade limitada. 46. 245 Apud MARINHO, Márcia Cristina de Oliveira Ferreira. A penhora de quotas na sociedade por quotas de responsabilidade limitada. 49. 246 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 383. 247 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 30.854-2-SP, de 08/03/1994.

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bem como, do processo como um todo.

Ao evoluir em seu voto, o eminente Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,

incorpora e ratifica esse entendimento, e manifesta que a seu sentir, esse “é o questionamento

relevante diante do problema, a confrontação e a interação das normas processuais, de

interesse público, com as regras do direito privado concernentes às sociedades por cotas de

responsabilidade limitada”.

Reunindo esses entendimentos e comentando sobre um caso fático, PONTES DE

MIRANDA248 analisa a gravação de inalienabilidade, impenhorabilidade e

incomunicabilidade das quotas em relação à legítima de herdeiro, e, ao caso, manifesta sua

conclusão de que o sócio “fez inalienável o valor da quota, não a quota. Se, porém, o herdeiro

substituiu o testador, ou o doador, na sociedade, a quota tornou-se inalienável, e só por

decisão judicial se pode dar a sub-rogação real”. Em comento à decisão da 4ª Câmara Cível da

Corte de Apelação do Distrito Federal, o ilustre autor esclarece o seu posicionamento,

conforme se destaca:

A inalienabilidade do patrimônio da sociedade por quotas seria aberrante e violadora dos princípios fundamentais do instituto; mas o testador não determinou essa inalienabilidade, nem o podia fazer. Quis e deixou claramente expresso que suas filhas não disponham de suas quotas, permanecendo quotista da sociedade; e essas quotas subsistam livres de execuções, por compromissos pessoais delas.

Verifica-se, pois, com base na lição de PONTES DE MIRANDA, que a gravação se

efetiva em relação às obrigações assumidas pelos herdeiros após se investirem na herança,

não pelo testador perante os seus atos em vida, os quais respondem com o seu patrimônio, de

modo que essa reserva não gera efeitos em benefício próprio.

Imprescindível também transcrever novamente o ensinamento de MARMITT249, de

que “a impenhorabilidade deve constar taxativamente na lei, pois tem caráter excepcional, e

as exceções sempre devem ser expressas”.

Em dissonância com a tese da impenhorabilidade, resta ainda observar os casos de

retirada voluntária ou de exclusão de sócios, dos quais, ao que tudo indica, comungam de

incoerência aqueles que aderem à impenhorabilidade. É que ao tratar desses casos, acabam

por deixar revelar que as cláusulas contratuais de sociedade não se operam ad infinitum, de

modo que, nesses casos, pode a affectio societatis ser quebrada, ou provocada a sua quebra, 248 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. p. 387-388. 249 MARMITT, Arnaldo. A penhora – doutrina e jurisprudência. p. 196.

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em detrimento de minoras e em favor de interesses de sócios majoritários. Ou será que isso

não existe?

No mesmo sentido, pode também qualquer sócio na satisfação de interesse pessoal, e

isso não quer dizer que houve a quebra da affectio em relação aos outros sócios, retirar-se da

sociedade levantando seu quinhão.

Assim, incoerente é atender a essas possibilidades, em que estão envolvidos

interesses interpartes, e não admitir que seja atendido um direito do credor, dever público

obrigacional do devedor, que tem por objetivo dar efetividade ao processo.

REQUIÃO250, defensor da impenhorabilidade expõe em sua obra causas de

possibilidade de exclusão de sócios, e cita, dentre outras, o comportamento pessoal

imoderado, o endividamento pessoal e a própria penhora de quotas, para admitir a exclusão de

sócio. Mais adiante, aduz que a exclusão não será promovida pelos sócios

“individualme nte”, e sim “pela sociedade, pois é dela a deliberação, adotada na reunião dos

sócios”.

Pela mesma razão, ao defender que a expulsão de sócio não é medida discricionária

da maioria societária, COELHO251 também a deixa implícita quando conclui que “se a

maioria societária não quer mais continuar a sociedade com o minoritário cumpridor de seus

deveres, resta-lhe apenas a via da rescisão negociada do contrato social”, questão que segundo

ele será resolvida pelas vias judiciais “quando o sócio a ser expulso for majoritário, ou o

contrato social não contemplar cláusula permissiva”.

No mesmo sentido, FERREIRA252, defensor ferrenho da impenhorabilidade, oferece

essa alternativa ao sócio divergente de uma possível alteração contratual (mesmo sem haver

convenção a respeito), o qual, segundo trata, será reembolsado da quantia correspondente ao

seu capital em balanço realizado para esse fim, reduzindo-se, assim, o capital social, situação

prevista no artigo 15, do vetusto Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919.

Ora, é de admitir que ao se propender pela possibilidade de poder a rigidez das

cláusulas contratuais ser atenuada para dar lugar a interesses particulares, não implicando, ou

não importando, desta feita, a supremacia da natureza e dos princípios do tipo societário; da

mesma forma, seria natural e factível admitir a radice que um terceiro não tivesse sua garantia

de direito público de satisfação creditícia obstado, o que não ocorre, ao que se verifica pelo

entendimento dos doutrinadores citados. 250 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 426-431, inclusive notas de roda-pé. 251 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 415-418. 252 Cf. FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. p. 457-460.

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Já, em relação às alterações introduzidas pelo Código Civil, o eminente Senhor

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, ao proferir seu voto em relação ao Recurso

Especial de nº 148.947-MG (já citado), antecipa que a orientação sobre a permissão da

penhora já estava consolidada no Projeto de Lei do novo Código Civil, e que segundo tratava

os artigos 1.029 e 1.034, do referido projeto (atuais artigos 1.026 e 1.031, do Código Civil),

ficava “muito claro que a penhora não acarretaria a inclusão de novo sócio, mas, sim, o

pagamento da dívida do sócio com que lhe pertence”, através da competente liquidação da

quota social, a ser tratada no próximo item.

Resta lembrar que o sócio devedor, os demais sócios ou a própria sociedade dispõe

de mecanismos capazes de impedir a sua resolução parcial da sociedade, ou o acesso de

estranhos ao quadro social, que nas sociedades limitadas de cunho capitalístico tende a

acontecer, já que, por seu livre arbítrio, podem lançar mão da remição da execução antes que

se proceda a arrematação ou a liquidação da quota, valendo-se do disposto nos artigos 651, do

Código de Processo Civil, e 304, do Código Civil253.

3.3. A PENHORABILIDADE DAS QUOTAS SOCIAIS EX VI DO ARTIGO 1.026, DO

CÓDIGO CIVIL

O artigo 1.026, do Código Civil, consagra dois institutos capazes de solucionar a

discussão a respeito da satisfação dos direitos do credor, quando a execução não encontrar

outros bens do devedor senão as quotas de capital de sociedade limitada da qual faça parte.

Trata, assim, da execução sobre os lucros que ao sócio-executado couber na

sociedade ou na parte que lhe tocar em liquidação, podendo o credor, se a sociedade não

estiver dissolvida, requerer a liquidação antecipada das quotas do devedor, conforme in

verbis:

Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.

253 Neste sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. p. 231-232

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Conforme estudo realizado no item 2.5 (Dissolução Parcial da Sociedade), o artigo

1.026 é de aplicação geral para todas as sociedades limitadas, independentemente da norma

supletiva de regência adotada. Tanto o é, que o legislador ao estatuir as normas para as

sociedades em nome coletivo, insculpiu óbice a sua aplicação direta a essas sociedades, pelo

que se constata da redação do artigo 1.043254. Ora, se não o fez para as normas das sociedades

limitadas, e de acordo com o que foi tratado no item já referido, é porque qui-lo

indistintamente, seguindo inclusive a construção doutrinária dominante, de modo a fornecer

para o eventual credor particular de sócio de sociedade limitada, quando não encontrados

outros bens, meios legais para satisfazer a sua pretensão.

Entretanto, conforme disposto no caput do próprio artigo 1.026, o magistrado não

poderá indistintamente fazer recair a execução sobre os lucros que ao sócio couber na

sociedade, muito menos sobre a parte que lhe tocar em liquidação. Necessário antes, verificar

a “insuficiência” de outros bens, respeitando também, dentro do próprio artigo, primeiro a

possibilidade de satisfazer o direito do credor com o pagamento paulatino de lucros, para só

dispor da parte do sócio devedor que lhe tocar em liquidação se a medida anterior se verificar

inócua. Aliás, esse é um dos princípios basilares da execução, em que o juiz, colocando-se

super partes, deverá, conforme descreve MARQUES255, “desinteressadamente dar a cada um

o que é seu”, e seguir o modo menos gravoso ao de vedor, se por várias formas assegurar a

efetividade de satisfação do direito do credor, conforme dispõe o artigo 620256, do Código de

Processo Civil.

A olhar para a manifestação da doutrina e jurisprudência dominantes257, contata-se

que o artigo 1.026 recepciona o que já vinha sendo apregoado, de modo a comportar

primeiramente, o usufruto forçado a que se referem os artigos 716258 e seguintes do Código de

Processo Civil, penhorando-se no primeiro momento os lucros que ao sócio coubesse na

sociedade, e se esta medida se revelasse insuficiente, promover-se-ia a dissolução parcial da

sociedade, com a penhora da parte que coubesse ao sócio-devedor, facultando-se o direito de

254 Art. 1.043. O credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a sociedade, pretender a liquidação da quota do devedor. Parágrafo único. Poderá fazê-lo quando: I - a sociedade houver sido prorrogada tacitamente; II - tendo ocorrido prorrogação contratual, for acolhida judicialmente oposição do credor, levantada no prazo de noventa dias, contado da publicação do ato dilatório. 255 Cf. MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. p. 34. 256 Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor. 257 Conforme citadas no item 3.2. 258 Art. 716. O juiz da execução pode conceder ao credor o usufruto de imóvel ou de empresa, quando o reputar menos gravoso ao devedor e eficiente para o recebimento da dívida.

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preferência aos demais sócios ou da própria sociedade na sua aquisição ou remição da

execução, conforme o julgado no Recurso Especial do Superior Tribunal de Justiça de nº

30.854-2, já citado259.

A novidade está no parágrafo único do artigo 1.026, em que o credor poderá requerer

a liquidação antecipada da quota, cujo valor será apurado na forma do artigo 1.031260, e

depositado em dinheiro no juízo da execução, acabando de vez com a polêmica sobre a

impossibilidade da constrição atingir a quota social de sócio de sociedade limitada, bastando,

conforme manifesta LUCENA261, “que o direito pretoriano se adapt e a essa modalidade única

de liquidação das quotas”.

Esse instituto, apesar de novo, já está largamente analisado pela doutrina, do que se

revelam interpretações díspares, contudo não em sua essência, haja vista a efetividade

premente que busca, expondo esse objetivo de forma clara, de modo a propiciar a satisfação

do credor, admitindo, no tratar de ALMEIDA262, tanto a penhora dos lucros quanto da parte

que tocar ao sócio em liquidação.

COELHO263, por não admitir a penhora de quotas nas sociedades limitadas

tipicamente de pessoas, entende que a aplicação da liquidação da quota é possível apenas nas

sociedades limitadas que optarem pela regência supletiva das normas das sociedades simples,

o que do contrário, quando a opção for pela regência supletiva da Lei do Anonimato, em que

se imprime à sociedade limitada natureza capitalista, poderá incidir diretamente a penhora e

em face de que as qualidades subjetivas do arrematante não importariam para a sociedade.

Ao continuar seu estudo sobre a liquidação da quota a pedido de credor, COELHO264

expõe que esse instituto é derivado das causas de dissolução parcial da sociedade, construção

doutrinária e jurisprudencial do “princípio moderno da preservação da empresa”, destinado a

prestigiar a sua continuidade em face do desentendimento entre os sócios, afastando a

259 No mesmo sentido: Recurso Especial STJ nº 35.042-0. Relator Ministro Barros Monteiro, julgado em 27/03/1995 e Recurso Especial STJ nº 221.625/SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 07/05/2001. 260 Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. § 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. § 2o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. 261 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 389. 262 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Execução dos bens dos sócios: obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas: da desconsideração da personalidade jurídica (doutrina e jurisprudência). 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 116. 263 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil. p. 37-39 e 158; e Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 373. 264 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil. p. 37-39.

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dissolução total, o que não outorga a ser vista da mesma forma a liquidação da quota.

Nesse raciocínio, o autor se mostra frontalmente contrário ao novo instituto, e afirma

que a lei ao privilegiar o credor de sócio se mostra “anacrônica e injusta”, intrometendo -se

indevidamente na vida da sociedade, devendo ter o legislador de 2002 se lembrado da penhora

das quotas sociais, a partir da qual o interesse do credor seria inteiramente satisfeito. A esse

ponto, o autor acaba se mostrando favorável à penhora das quotas, e entende que o Código

Civil deveria ter se manifestado expressamente sobre a sua possibilidade e forma.

No entanto, conforme adverte CAMPINHO265, o artigo 1.026 estabelece uma

faculdade ao credor, na medida que ele “pode” fazer a execução recair sobre os lucros que ao

sócio devedor couber na sociedade ou sobre a parte que lhe tocar em liquidação, não elidindo

“o utras formas legalmente previstas ou não vedadas de satisfação do crédito, como é o caso

da penhora de quotas, cujo conceito não se confunde” com o de liquidação.

Liquidar a quota do sócio, segundo FAZZIO JÚNIOR266, “é antecipar para esse sócio

o fim da sociedade. A resolução ocorre, assim, ope legis, sendo desnecessária a manifestação

da maioria societária. Apenas altera-se o contrato social”, e ao evoluir sobre o assunto,

continua:

O sócio que tiver sua quota liquidada por requerimento de seu credor, para depósito no juízo da execução, será excluído de pleno direito da sociedade, por força do que reza a parte final do artigo 1.030267, parágrafo único do CC de 2002. O deferimento judicial do pedido do credor importa à sociedade o dever de apurar os haveres do sócio e, no prazo legal de 90 dias, depositar o valor do débito, no juízo da execução, tudo conforme o artigo 1.026, parágrafo único, do CC de 2002.

Em sua obra, ao tratar sobre os credores do sócio e o patrimônio social,

REQUIÃO268 admite a aplicação dessas regras indistintamente para as sociedades limitadas, e

também assevera que essa é uma faculdade do credor, sendo que, a liquidação das quotas

penhoradas com a finalidade de liquidá-las, é causa ensejadora “da iniciativa dos demais

sócios para precipitar a exclusão, pois esta será fator de exclusão do sócio, se a execução for

265 CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 195. 266 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 274. 267 Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026. 268 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. p. 430 e 439.

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levado a cabo”. 269

Em relação aos procedimentos relativos à apuração dos haveres para as causas de

dissolução parcial da sociedade, COELHO270 manifesta que ela deve ser feita de modo a

simular a dissolução total da sociedade, comportando “levantamento contábil, que reavalia, a

valor de mercado, os bens corpóreos e incorpóreos do patrimônio social, e da consideração do

passivo da sociedade”, def inindo-se, por essa forma o valor do reembolso ao sócio retirante,

somente se adotando outro critério “se expressamente determinado em contrato so cial”. O

procedimento judicial, por sua vez, deverá obedecer as normas dos artigos 655 a 674, do

Código de Processo Civil de 1939, por força do que determina o artigo 1.218, inciso VII271,

do atual diploma adjetivo.

Entretanto, COELHO272 não admite os mesmos procedimentos para quando se tratar

da liquidação da quota, de maneira que nesses casos, entende que “a apuração dos haveres

será feita pela própria sociedade, sem que o credor possa discutir os critérios de apropriação

do ativo e passivo empregados no levantamento do balanço de determinação”, posição que

contraria o disposto no artigo 684, I273, do Código de Processo Civil, mesmo porque, a

penhora e a liquidação estão sendo resolvidas em sede judicial, que envolverá, certamente, em

litisconsórcio, o sócio-executado, os demais sócios, a sociedade e o credor-exeqüente, de

modo que o valor da liquidação há que satisfazer a todos.

Apesar de deixar claro o seu entendimento quanto à liquidação da quota social nos

termos do artigo 1.026, FAZZIO JÚNIOR274 apregoa que “c om o advento do CC de 2002, no

silêncio do contrato social, a penhora de quotas não tem lugar”. É que nessa circunstância,

segundo ele mesmo trata, “a própria cessibilidade é mitigada por condição legal, qual seja, a

anuência de três quartos do capital social”, alterando -se a “situação reinante na sistemática

anterior” que ensejava a penhorabilidade.

No entanto, conforme adverte AZEVEDO275, dentre as finalidades da penhora, está a

de cientificar o devedor “de que deverá abster -se de qualquer prática que importe em subtrair

da execução os bens descritos no auto respectivo, e que constituirão, doravante, a garantia de

269 O autor aqui se refere às disposições do parágrafo único, do artigo 1.030. 270 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 468-470. 271 Art. 1.218. Continuam em vigor até serem incorporados nas leis especiais os procedimentos regulados pelo Decreto-lei no 1.608, de 18 de setembro de 1939, concernentes: (...) VII - à dissolução e liquidação das sociedades (arts. 655 a 674). 272 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. p. 468. 273 Art. 684. Não se procederá à avaliação se: I - o credor aceitar a estimativa feita na nomeação de bens. 274 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. p. 146. 275 AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da penhora. p. 119-120.

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que irão servir à futura expropriação, para que se cumpra o pagamento de débito perseguido”.

Também, conforme exposto no item 3.1.1 (A Penhora como Instituto de Direito

Público), o processo executivo é o instrumento pelo qual busca-se tornar efetivo o direito

material já reconhecido, e que a responsabilidade é elemento da relação jurídica obrigacional

vinculada ao direito público processual, consistente na sujeição dos bens do devedor ao ônus

da satisfação dos seus débitos, por força de sanção judiciária decorrente dessa própria relação

obrigacional.

Por sua vez, a penhora, conforme também fundamentado naquele item, é um instituto

de direito público de natureza processual que visa garantir o direito material componente da

relação obrigacional entre credor e devedor, que dentre outras finalidades, tem essencialmente

a função conservativa dos bens individualizados, tornando-os indisponíveis e reservados para

o futuro pagamento integral do crédito do credor-exeqüente (valor principal e acessórios).

Pelos seus fundamentos e objetivos, a penhora caracteriza-se pela sua

provisoriedade, tendo a função imediata de subordinar os bens aos fins da execução, alterando

as suas condições jurídicas, que deixam de ser livres e desembaraçados, tornando público esse

ônus em relação às partes e a terceiros, gerando efeitos erga omnes; efeitos esses que

traduzem para o credor apenas a garantia do pagamento de seu crédito, e nunca direitos

dominiais sobre esses bens.

Resume-se, pois, que pela penhora se busca a garantia do pagamento da dívida

através da segurança do juízo, perseguido por meio da reserva dos bens do patrimônio do

devedor e da criação de preferência do exeqüente sobre o produto da venda ou da liquidação

desses bens sobre outros credores.

Neste sentido, a penhora não é uma medida satisfativa, é um instrumento processual

de garantia de efetividade do direito material do credor, e, independente de o processo

orientar-se sob as vias da arrematação ou da liquidação de quotas, não deve o credor furtar-se

em requerê-la, e nem muito menos o magistrado ser reticente em aplicá-la como instrumento

imprescindível à efetivação do processo executivo, indisponibilizando imediatamente os bens

do devedor antes que este promova qualquer medida furtiva no sentido de elidir a execução,

bastando, conforme já destacado por LUCENA276, que o direito pretoriano se adapte a essa

nova realidade.

276 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 386-389.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vida acadêmica revela-se por grandes desafios de cunho fundamental

imprescindíveis à formação crítica e cidadã, haja vista que, antes mesmo de aprofundar-se ao

tema, por demais controverso e inesgotável, exercita a prática do inconformismo e da argúcia,

fomentando o enriquecimento temático e argumentativo.

Vista pela doutrina, a penhorabilidade de quotas por execução de dívida particular de

sócio de sociedade limitada é assunto controvertido, o mesmo ocorrendo perante o direito

pretoriano, embora hodiernamente as posições se aproximam mais da penhorabilidade.

Os pontos polêmicos gravitam entre as normas do direito comercial e do direito

processual; em que do primeiro lado figuram aspectos concernentes e preponderantes às

sociedades limitadas, dentre eles, a affectio societatis como elemento essencial à sua

formação, a natureza jurídica da sociedade limitada e da própria quota social em relação aos

seus critérios de cessibilidade, e os efeitos decorrentes da personalidade jurídica das

sociedades, em confronto com a norma pública processual executiva encetada pelo direito do

credor na satisfação de seu crédito; alimentada, ainda, pela discussão doutrinária e

jurisprudencial sobre a inalienabilidade e a impenhorabilidade de certos bens, em face de que

a determinação processual restritiva permite múltipla interpretação.

A par dessa celeuma, procurou-se no primeiro capítulo resgatar os motivos

culminantes ao surgimento das sociedades limitadas, ao que se constata estarem vinculados ao

interesse de pequenos e médios comerciantes, que tinham por objetivo livrar-se da ilimitação

da responsabilidade pessoal, típica das sociedades em nome coletivo, bem como, de toda a

carga burocrática típica das grandes companhias, para então, aproveitando as vantagens de

cada espécie, criar um tipo próprio que atendesse a essa aspiração.

Conforme restou demonstrado, a evolução para esse tipo societário percorreu árduos

caminhos, às vezes envolto em guerras, que por aquelas facetas do destino, contribuíram ao

seu avanço. Afinal, cada povo que experimentava esse novo tipo societário acabava por exigir

a sua adoção.

Lembra-se, entretanto, que a principal razão para a sua não adoção estava na garantia

dos credores, que de certa forma, ficaria tolhida doravante em face dos critérios pouco rígidos

para que se impusesse a limitação da responsabilidade ao capital (reclamação ainda hoje atual,

já que não há limite mínimo para o capital dessas sociedades), tanto o é, que o primeiro

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projeto a sua introdução no Brasil foi rejeitado por conta da possibilidade de abusos e do

abalo do crédito, tal qual a justificativa de rejeição pelo Imperador ao projeto do Ministro

Nabuco de Araújo.

Em que pese seja plausível essa desconfiança inicial, a sociedade limitada se revela

como o principal e o mais importante modelo empresarial adotado no Brasil, haja vista a sua

simplicidade e liberdade de constituição, e, principalmente, o não comprometimento do

patrimônio pessoal com os rumos da sociedade.

Esse foi o seu principal objetivo, para não dizer o único, e relativamente a esse

aspecto, afora a cartularidade com que se representa a ação, a sociedade limitada é idêntica a

uma sociedade anônima, mesmo porque, a despeito da qualidade subjetiva dos seus sócios, tal

modelo se presta a utilização por grandes corporações em que o sócio proprietário nem ao

menos dirige a sociedade, conformação que aliás, apesar de algumas críticas, está

regulamentada no atual Código Civil.

Por essa razão, é de se admitir que ao se aproveitar das normas da Lei do Anonimato

para impingir a limitação do capital, é crível que traga consigo os mesmos preceitos e

conseqüências relativas a esse aspecto, e não só aquilo que interessa em detrimento de

terceiros, apesar dos demais aspectos pertinentes a essa sociedade, conforme pensa parte da

doutrina.

Aqueles que defendem a impenhorabilidade das quotas, enaltecem a característica do

intuitu personae, atributo imanente à sociedade limitada e necessário para a preservação da

affectio societatis, a qual não pode ser afrontada por terceiros, mesmo porque, entendem que

as quotas sociais, em razão da integralização do capital, passa a se constituir patrimônio da

sociedade, portanto distinto do dos sócios, inalcançável por qualquer interesse de credor

particular de sócio.

Essa manifestação é pautada, ainda, nas restrições de cessibilidade estabelecidas no

contrato social dessas sociedades, motivo pelo qual as quotas sociais devem ser consideradas

bens inalienáveis, e por conseqüência, absolutamente impenhoráveis de acordo com a lei

processual.

Todo esse entendimento ancora-se na razão de que a relação social existente na

sociedade é de natureza contratual, portanto, volitiva das partes, e da qual nascem institutos de

direito comercial, tal qual a personalidade jurídica da sociedade, não podendo qualquer

terceiro indesejado, mesmo que judicialmente, ingressar no ninho societário.

Para a corrente contrária, a sociedade limitada reveste-se de uma forma híbrida do

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direito societário, ora assumindo características de sociedade de pessoas, ora, de sociedade de

capital, e independente da predominância de um desses caracteres, a quota social

consubstancia, ao lado do direito pessoal de sócio (o status socii), um direito patrimonial

representado pela participação dos sócios nos lucros da sociedade e na parte que lhes tocar em

liquidação.

Quanto aos efeitos da personalidade jurídica conferida à sociedade, entendem que ela

em nada altera a natureza jurídica da quota social, que, mesmo constituindo parte do capital

social, guarda individualidade própria, coexistindo distintamente junto às demais quotas, e

revelam para o sócio um direito de crédito sobre elas, portanto, passível de penhora em face

da não existência de lei que a exclua.

A esse respeito, entendem que os defensores da impenhorabilidade apoiavam-se na

interpretação das normas comerciais e processuais vigentes até o advento do Código de

Processo Civil de 1973, diploma legislativo que ao revogar as normas anteriores passou a

admitir indistintamente a penhora em face da sua omissão, e, por conta desses resquícios,

prosseguem em não admiti-la, baseados na pretensão de uma impenhorabilidade decorrente da

inalienabilidade proveniente de uma convenção privada em interesse próprio.

A persistir a polêmica em relação às limitações da penhora, entendem ambas as

correntes que essa restrição fundamenta-se em razões diversas de origem ético-social,

humanitária, política ou técnico-econômica, encontrando guarida nos artigos 649 e 650, do

Código de Processo Civil.

Entretanto, para os adeptos da penhorabilidade, a penhora é regra e a

impenhorabilidade é exceção, e como tal, deve constar taxativamente da lei, o que não ocorre

em relação às quotas sociais.

Combatem o entendimento de que as quotas sociais são bens impenhoráveis em face

da inalienabilidade decorrente das restrições de cessibilidade impostas em contrato social.

Afirmam, de outro vértice, que os casos de inalienabilidade previstos no diploma processual

se referem a casos de bens gravados nos moldes fixados pela legislação civil, não cabendo

dilargar as causas de sua instituição, principalmente em causa própria e com o propósito de

oposição erga omnes, não se revelando lícito ao devedor subtrair qualquer bem da sua

responsabilidade patrimonial por ato unilateral seu, mesmo porque, esses casos haverão de

provir de doações ou testamento, não sendo lícito a imposição em contratos onerosos,

privilegiando uma convenção privada em detrimento de normas processuais de direito

público.

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Interesse público, por sua vez, revelado pela relação obrigacional existente entre

devedor e credor, a qual, nos primórdios da civilização, autorizava a execução direta cometida

pelo credor sobre o devedor, incidente tanto sobre o patrimônio quanto sobre a sua pessoa e

seus familiares, autotutela suprimida pela assunção da jurisdição às mãos do Estado, que na

qualidade de órgão judicante máximo e uno, há que garantir a efetividade da justiça, que nesse

caso encontra raízes na teoria da dívida e da responsabilidade, segundo a qual a dívida é um

vínculo pessoal e a responsabilidade um vínculo patrimonial, de modo que o devedor obriga-

se e o seu patrimônio responde, encontrando-se na penhora, apenas um meio de garantir essa

efetividade.

Por essa razão, segundo essa corrente, a penhora não conduzirá necessariamente a

que o arrematante se invista na qualidade de sócio, atingirá apenas o valor patrimonial da

quota, fazendo extinguir a condição de sócio em face da dissolução parcial da sociedade após

apurados os haveres, isso se o sócio devedor, os demais sócios ou a própria sociedade não

remir a execução, situação que certamente ocorrerá na maior parte dos casos.

Contudo, com o advento das novas normas do Código Civil, consagram-se dois

institutos que tendem a sepultar a controvérsia sobre a penhora das quotas sociais, senão, ao

menos, sobre os seus efeitos: trata-se da execução sobre os lucros que ao devedor couber na

sociedade ou na parte que lhe tocar em liquidação, podendo o credor, se a sociedade não

estiver dissolvida, requerer a liquidação antecipada das quotas do devedor, cujo valor deverá

ser depositado em até noventa dias no juízo da execução, conforme estatuem os artigos 1.026

e 1.031.

Ressalta-se que essas novas medidas constituem uma faculdade ao credor, que

poderá continuar se valendo das demais medidas existentes para ver liquidado o seu crédito.

Porém, conforme disposto no caput do próprio artigo 1.026, o magistrado não poderá

indistintamente fazer recair a execução sobre os lucros que ao sócio couber na sociedade,

muito menos sobre a parte que lhe tocar em liquidação, já que deverá primeiro verificar a

insuficiência de outros bens, respeitando também, dentro do próprio artigo, primeiro a

possibilidade de satisfazer o direito do credor com o pagamento paulatino de lucros, para só

dispor da parte do sócio devedor que lhe tocar em liquidação, se a medida anterior se verificar

inócua.

Esse, aliás, é um dos princípios basilares da execução, em que o juiz, colocando-se

super partes, deverá desinteressadamente dar a cada um o que é seu, e seguir o modo menos

gravoso ao devedor, se por várias formas assegurar a efetividade da execução, assim como

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disposto no artigo 620, do Código de Processo Civil.

A olhar para as manifestações doutrinárias e jurisprudenciais dominantes, constata-se

que essas novas medidas recepcionam o que já vinha sendo apregoado, de modo a comportar

primeiramente, a penhora dos lucros que ao sócio couber na sociedade, e se esta medida se

revelar insuficiente, atingir-se-á, então, a constrição sobre a própria quota social, que será

liquidada, antecipando-se para o sócio-executado o fim da sociedade por conta da resolução

desta em relação a ele, apurando-se o valor da quota em balanço especial para esse fim, com

todas as garantias processuais relativas à apuração do preço justo, em conformação com os

interesses de todos os envolvidos, depositando-se o seu valor no juízo da execução.

Finalmente, por não ser a penhora uma medida satisfativa, e sim, por ter a função

imediata de subordinar os bens do devedor aos fins da execução, alterando as suas condições

jurídicas, que deixam de ser livres e desembaraçados, tornando público esse ônus em relação

às partes e a terceiros, gerando, dessa forma, efeitos erga omnes, que traduzem para o credor

apenas a garantia do pagamento de seu crédito e nunca direitos dominiais sobre esses bens.

Por ser, assim, instrumento processual de garantia de efetividade do direito material

do credor, independentemente de o processo orientar-se sob às vias da arrematação, da sanção

sobre os lucros que ao sócio couber na sociedade ou da liquidação de quotas, não deve o

credor furtar-se em requerê-la, e nem muito menos o magistrado ser reticente em aplicá-la

como instrumento processual executivo, indisponibilizando imediatamente os bens do

devedor, antes que este promova qualquer medida furtiva no sentido de elidir a própria

execução.

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Ministro Décio Miranda, julgado em 14/09/1984. Disponível em: http://www.stf.gov.br.

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Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 08/03/1994. Disponível em: http://www.stj.gov.br.

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Barros Monteiro, julgado em 27/03/1995. Disponível em: http://www.stj.gov.br.

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Nancy Andrighi, julgado em 07/05/2001. Disponível em: http://www.stj.gov.br.

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ANEXOS

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ANEXO I – JULGADOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Recurso Extraordinário nº 34.680/RS, julgado em 27/01/1958 – 1ª Turma STF.

Relator: Exmo. Sr. Ministro Nelson Hungria

Recorrente: Aurélio Cinel

Recorridos: Empresa Territorial Praia do Barco Ltda e outro

Ementa: Recurso extraordinário; quando dele não se conhece. Inalienabilidade ou

impenhorabilidade de quotas de sociedade limitada, quando existe cláusula a

respeito no contrato social.

Unanimidade.

Recurso Extraordinário nº 47.275/BA, julgado em 06/12/1962 – 1ª Turma STF.

Relator: Exmo. Sr. Ministro Pedro Chaves

Recorrente: Eude Gantois Ferreira

Recorridos: Artur G. Vital e outros

Ementa: Impenhorabilidade de quotas de sociedade civil, por dívidas de quotista. No

concurso de credores os bens devem ser trazidos ao monte, pela extensão da

penhora. Aplicação dos artigos 942, XII, 943, II e 931, do Código de Processo

Civil, 292 do Cód. Comercial e 1.364, do Código Civil. Recurso Provido.

Unanimidade.

Recurso Extraordinário nº 75.680/GO, julgado em 02/03/1973 – 1ª Turma STF.

Relator: Exmo. Sr. Ministro Luiz Galotti

Recorrente: Minas investimento S/A – Crédito Financiamento

Recorrido: Motel Bandeirantes Ltda.

Ementa: Sociedades limitadas. Penhora. A lei a permite sobre os fundos líquidos que

possua o executado na sociedade. E não é possível confundir com tais fundos

líquidos as próprias quotas sociais. Recurso Extraordinário não conhecido.

Unanimidade.

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Recurso Extraordinário nº 90.910/PR, julgado em 21/10/1980 - 1ª Turma STF.

Relator: Exmo. Sr. Ministro Xavier de Albuquerque

Recorrente: Francisco Salles de Camargo Leite

Recorrido: Symcha Aizental

Ementa: Sociedade de responsabilidade limitada. Dívida particular do sócio;

penhorabilidade das respectivas cotas de capital. Recurso Extraordinário

conhecido e provido.

Maioria. Vencido o Sr. Ministro Cunha Peixoto.

Embargos ao Recurso Extraordinário nº 90.910/PR, julgado em 29/02/1984 – Tribunal

Pleno.

Relator: Exmo. Sr. Ministro Djaci Falcão

Embargante: Symcha Aziental

Embargado: Francisco Salles de Camargo Leite

Ementa: Sociedade de responsabilidade limitada. Dívida particular do sócio.

Penhorabilidade das respectivas cotas de capital. Decisão tomada à vista do

Código de Processo Civil de 1973 (art. 655, inc. X). Embargos de Divergência

não conhecidos, por inexistência do dissídio nos termos dos arts. 331 e 322 do

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Unanimidade.

Recurso Extraordinário nº 95.381-7/PR, julgado em 14/09/1984 – 2ª Turma STF.

Relator: Exmo. Sr. Ministro Décio Miranda

Recorrente: Indústrias João Nascimento S.A. – Madeiras e Agropecuária

Recorrido: Américo Cury

Ementa: Comercial. Sociedade de responsabilidade limitada. A quota social não pode

ser penhorada por dívida do sócio. Na ausência de disposição específica no

Decreto 3.708, de 1919, aplicável às sociedades limitadas o art. 292 do Código

Comercial.

Unanimidade.

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ANEXO II – JULGADOS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recurso Especial nº 30.854-2/SP, julgado em 08/03/1994 – 4ª Turma STJ.

Relator: Exmo. Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

Recorrentes: Edmundo Rossi Cuppolini e Cônjuge

Recorrido: Eletro Aços Marconi Ltda.

Ementa: PROCESSO CIVIL E DIREITO COMERCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA

DA SOCIEDADE PARA OPOR EMBARGOS DE TERCEIRO CONTRA

PENHORA DE COTAS DO SÓCIO POR DÍVIDA PARTICULAR DESTE.

PENHORABILIDADE DAS COTAS DE SOCIEDADE DE

RESPONSABILIDADE LIMITADA. DOUTRINA. PRECEDENTES.

RECURSO PROVIDO.

I – Representando as cotas o direito do cotista sobre o patrimônio líquido da

sociedade, a penhora que recai sobre elas pode ser atacada pela sociedade via

dos embargos de terceiro.

II – A penhorabilidade das cotas, porque não vedada em lei, é de ser

reconhecida.

III – Os efeitos da penhora incidentes sobre as cotas sociais hão de ser

determinados em atenção aos princípios societários, considerando-se haver, ou

não, no contrato social proibição à livre alienação das mesmas.

IV – Havendo restrição contratual, deve ser facultado à sociedade, na

qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou conceder-

se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por

tanto (CPC, arts. 1117, 118 e 1119).

V – Não havendo limitação no ato constitutivo, nada impede que a cota seja

arrematada com inclusão de todos os direitos a ela concernentes, inclusive o

status de sócio.

Unanimidade.

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Recurso Especial nº 35.042-0/GO, julgado em 27/03/1995 – 4ª Turma STJ.

Relator: Exmo. Sr. Ministro Barros Monteiro

Recorrentes: Wilson Vieira dos Santos e outro

Recorrido: Jardim Goiás Empreendimentos S/A.

Ementa: SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA.

DÍVIDA PARTICULAR DO SÓCIO. COTAS SOCIAIS.

PENHORABILIDADE.

São penhoráveis as cotas sociais, ainda que o contrato social condicione a

transferência das mesmas cotas a estranhos à prévia e expressa anuência dos

demais sócios. Precedentes do STJ.

Recurso Especial conhecido e provido para restabelecer a decisão de 1º grau.

Unanimidade.

Recurso Especial nº 221.625/SP, julgado em 07/12/2000 – 3ª Turma STJ.

Relatora: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Humberto César Baitello

Recorrido: Banco Itaú S/A.

Ementa: RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL –

PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS DE SOCIEDADE POR COTAS DE

RESPONSABILIDADE LIMITADA – POSSIBILIDADE.

I – É possível a penhora de cotas pertencentes a sócio de sociedade de

responsabilidade limitada, por dívida particular deste, em razão de inexistir

vedação legal. Tal possibilidade encontra sustentação, inclusive, no art. 591,

CPC, segundo o qual “o devedor responde, para o cumprimento de suas

obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições

estabelecidas em lei”.

II – Os efeitos da penhora incidentes sobre as cotas sociais devem ser

determinados em levando em consideração os princípios societários. Destarte,

havendo restrição ao ingresso do credor como sócio, deve-se facultar à

sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem

ou concedê-la aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto

por tanto (CPC, arts. 1117, 118 e 1119), assegurando-se ao credor, não

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ocorrendo solução satisfatória, o direito de requerer a dissolução total ou

parcial da sociedade.

Unanimidade.

Recurso Especial nº 148.947/MG, julgado em 15/12/2000 - 3ª Turma STJ.

Relator: Exmo. Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Recorrente: Maria Cely Rocha Pereira

Recorrido: Maria do Carmo da Silva

Ementa: SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. DÍVIDA DE SÓCIO.

PENHORA DE QUOTAS.

As quotas, em princípio, são penhoráveis. Havendo, entretanto, cláusula

impediente, cumpre respeitar a vontade societária, preservando-se a affectio

societatis, que restaria comprometida com a participação de um estranho não

desejado. Recurso conhecido e provido.

Maioria. Vencidos os Srs. Ministros Relator e Nilson Naves.