A politica entre as nacoes.pdf

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  • A reflexo sobre a temtica das relaes internacionais est presente desde ospensadores da antigidade grega, como o caso de Tucdides. igualmente,obras como a Utopia, de Thomas More, e os escritos de Maquiavel, Hobbes eMontesquieu requerem, para sua melhor compreenso, uma leitura sob a ticamais ampla das relaes entre estados e povos. No mundo moderno, como sabido, a disciplina Relaes Internacionais surgiu aps a Primeira Guerra Mundiale, desde ento, experimentou notvel desenvolvimento, transformando-se emmatria indispensvel para o entendimento do cenrio atual. Assim sendo, asrelaes internacionais constituem rea essencial do conhecimento que , aomesmo tempo, antiga, moderna e contempornea.

    No Brasil, apesar do crescente interesse nos meios acadmico, poltico,empresarial, sindical e jornalstico pelos assuntos de relaes exteriores e polticainternacional, constata-se enorme carncia bibliogrfica nessa matria. Nessesentido, o Instituto de Pesquisa de Relaes Institucionais - IPRI, a EditoraUniversidade de Braslia e a Imprensa Oficial do Estado de So Pauloestabeleceram parceria para viabilizar a edio sistemtica, sob a forma decoleo, de obras bsicas para o estudo das relaes internacionais. Algumasdas obras includas na coleo nunca foram traduzidas para o portugus, comoO Direito da Paz e da Guerra de Hugo Grotius, enquanto outros ttulos, apesarde no serem inditos em lngua portuguesa, encontram-se esgotados, sendode difcil acesso. Desse modo, a coleo Clssicos IPRI tem por objetivo facilitarao pblico interessado o acesso a obras consideradas fundamentais para o estudodas relaes internacionais em seus aspectos histrico, conceitual e terico.

    Cada um dos livros da coleo contar com apresentao feita por umespecialista que situar a obra em seu tempo, discutindo tambm sua importnciadentro do panorama geral da reflexo sobre as relaes entre povos e naes.Os Clssicos IPRI destinam-se especialmente ao meio universitrio brasileiroque tem registrado, nos ltimos anos, um expressivo aumento no nmero decursos de graduao e ps-graduao na rea de relaes internacionais.

  • TUCDlDESHistria da Guerra do Peloponeso

    Prefcio: Hlio Jaguaribe

    E. H. CARRVinte Anos de Crise 1919-1939.Uma Introduo ao Estudo das Relaes

    Internacionais

    Prefcio: Eiiti Sato

    J. M. KEYNESAs Conseqncias Econmicas da Paz

    Prefcio: Marcelo de Paiva Abreu

    RAYMOND ARONPaz e Guerra entre as Naes

    Prefcio: Antonio Paim

    MAQUIAVELEscritos Selecionados

    Prefcio e organizao: Jos AugustoGuilhon Albuquerque

    HUGO GROTIUSO Direito da Guerra e da Paz

    Prefcio: Celso Lafer

    ALEXIS DE TOCQUEVILLEEscritos Selecionados

    Organizao e prefcio: RodriguesRicardo Velez

    HANS MORGENTHAUA Poltica entre as NaesPrefcio: Ronaldo M. Sardenberg

    IMMANUEL KANTA Paz Perptua e outros EscritosPolticos

    Prefcio: Carlos Henrique Cardim

    SAMUEL PUFENDORFDo Direito Natural e das Gentes

    Prefcio: Trcio Sampaio Ferraz Jnior

    CARL VON CLAUSEWJTZDa Guerra

    Prefcio: Domcio Proena

    G. W. F. HEGELTextos Selecionados

    Organizao e prefcio: Franklin Trein

    JEAN-JACQUES ROUSSEAUTextos Selecionados

    Organizao e prefcio: Gelson Fonseca Jr.

    NORMAN ANGELL A Grande IlusoPrefcio: Jos Paradiso

    THOMAS MOREUtopia

    Prefcio: Joo Almino

    Conselhos Diplomticos

    Vrios autoresOrganizao e prefcio: Luiz Felipe deSeixas Corra

    EMERICH DE VATTELO Direito das Gentes

    Traduo e prefcio: Vicente MarottaRange!

    THOMAS HOBBESTextos Selecionados

    Organizao e prefcio: Renato JanineRibeiro

    ABB DE SAINT PIERREProjeto para uma Paz Perptua para a

    Europa

    SAINT SIMONReorganizao da Sociedade Europia

    Organizao e prefcio: RicardoSeitenfuss

    HEDLEY BULLA Sociedade AnrquicaPrefcio: Williams Gonalves

    FRANCISCO DE VITORIADe Indis et De Jure Belli

    Prefcio: Fernando Augusto AlbuquerqueMouro

    Coleo Clssicos IPRI

  • FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO - FUNAGPresidente: Embaixadora THEREZA MARIA MACHADO QUINTELLA

    CENTRO DE HISTRIA E DOCUMENTAO DIPLOMTICA CHDDDiretor : Embaixador ALVARO DA COSTA FRANCO

    INSTITUTO DE PESQUISA DE RELAES INTERNACIONAIS IPRIDiretor : Conselheiro CARLOS HENRIQUE CARDIM

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA - UnBDiretor da Editora Universidade de Braslia: ALEXANDRE LIMA

    Conselho Editorial

    Elisabeth Cancelli (Presidente), Alexandre Lima, Estevo Chaves de Rezende Martins,Henryk Siewierski, Jos Maria G. de Almeida Jnior, Moema Malheiros Pontes,Reinhardt Adolfo Fuck, Srgio Paulo Rouanet e Sylvia Ficher.

    IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SO PAULODiretor Presidente: SRGIO KOBAYASHIDiretor Vice-Presidente: LUIZ CARLOS FRIGRIODiretor Industrial: CARLOS NICOLAEWSKYDiretor Financeiro e Administrativo: RICHARD VAINBERGCoordenador Editorial: CARLOS TAUFIK HADDAD

  • H A N S J. M O R G E N T H A U

    A POLTICA ENTREAS NAESA luta pelo poder e pela paz

    Traduzida por Oswaldo Biato da edio revisada por

    KENNETH W. THOMPSON

    Prefcio:

    Ronaldo M. Sardenberg

    Imprensa Oficial do Estado de So Paulo

    Editora Universidade de Braslia

    Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais

    So Paulo, 2003

  • Alfred A. Knopf, Inc.

    Ttulo Original: Plitics among Nations: the Struggle for Power and PeaceTraduo de Oswaldo Biato

    Direitos desta edio:Editora Universidade de BrasliaSCS Q. 2 bloco C n 78, 2 andar70300-500 Braslia, DF

    A presente edio foi feita em forma cooperativa da Editora Universidade de Braslia com oInstituto de Pesquisa de Relaes Internacionais (IPRI/FUNAG) e a Imprensa Oficial doEstado de So Paulo. Todos os direitos reservados conforme a lei. Nenhuma parte destapublicao poder ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem autorizao porescrito da Editora Universidade de Braslia.

    Equipe tcnica:

    EIITI SATO (Planejamento editorial)ANA CLAUDIA B. DE MELO FILTERVERA LCIA GOMES SEVEROLLI DA SILVA (Reviso)

    Fotolito, impresso e acabamento:

    Imprensa Oficial

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Morgenthau, Hans J.M851 A poltica entre as naes: a luta pelo poder e pela paz / Hans J.

    Morgenthau; traduo de Oswaldo Biato. - Braslia : Editora Universidade deBraslia : Imprensa Oficial do Estado de So Paulo: Instituto de Pesquisa deRelaes Internacionais, 2003.

    1152 p. (Clssicos IPRI)

    Traduo de : Politics among nations: the struggle for power and peace.

    ISBN 85-7060-148-4 (Imprensa Oficial do Estado de So Paulo) 85-87480-27-8 (IPRI/FUNAG) 85-230-0763-6 (Ed. UnB)

    1. Poltica Internacional 2. Relaes Internacionais. I. Biato, Oswaldo.II. Ttulo.

    CDU 327

    Foi feito o depsito legal na Biblioteca Nacional. (Lei n 1825, de 20/12/1907).

  • SUMRIO

    PREFCIO......................................................................................................XI

    PREFCIO SEXTA EDIO .....................................................................XXXIX

    PARTE UM

    Teoria e prtica da poltica internacional

    CAPTULO I - Uma Teoria Realista da Poltica Internacional ...... 3

    CAPTULO II - A Cincia da Poltica Internacional .................... 29

    PARTE DOIS

    Poltica internacional entendida como uma luta pelo poder

    CAPTULO III - Poder Poltico ..................................................... 49

    CAPTULO IV - A Luta pelo Poder: a Poltica do status quo ..... 87

    CAPTULO V - A Luta pelo Poder: o Imperialismo .................... 97

  • 8CAPTULO VI - A Luta pelo Poder: Poltica de Prestgio ......... 147

    CAPTULO VII - O Elemento Ideolgico na Poltica Inter-

    nacional ................................................................................... 173

    PARTE TRSO Poder Nacional

    CAPTULO VIII - A Essncia do Poder Nacional ...................... 199

    CAPTULO IX - Elementos do Poder Nacional ......................... 215

    CAPTULO X - Avaliao do Poder Nacional ........................... 295

    PARTE QUATROLimitaes do Poder Nacional: O Equilbrio de Poder

    CAPTULO XI - O Equilbrio de Poder ..................................... 321

    CAPTULO XII - Mtodos Diferentes do Equilbrio de

    Poder ....................................................................................... 339

    CAPTULO XIII - A Estrutura do Equilbrio de Poder .............. 375

    CAPTULO XIV - A Avaliao do Equilbrio de Poder ............. 383

  • 9PARTE CINCOLimitaes do poder nacional: moralidade internacional e

    opinio pblica mundial

    CAPTULO XV - Moralidade, Costumes e a Lei como Mode-

    radores do Poder ..................................................................... 421

    CAPTULO XVI - Moralidade Internacional .............................. 429

    CAPTULO XVII - Opinio Pblica Mundial ............................. 483

    PARTE SEISLimitaes do poder nacional: o direito internacional

    CAPTULO XVIII: Principais Problemas do Direito Inter-

    nacional ................................................................................... 505

    CAPTULO XIX: Soberania ........................................................ 567

    PARTE SETE

    Poltica internacional no mundo contemporneo

    CAPTULO XX: A Nova Fora Moral do Universalismo Na-

    cionalista .................................................................................. 603

    CAPTULO XXI: O Novo Equilbrio de Poder .......................... 621

    CAPTULO XXII: Guerra Total ................................................... 679

  • 10

    PARTE OITO

    O problema da paz: paz por meio da limitao

    CAPTULO XXIII: Desarmamento ............................................. 721

    CAPTULO XXIV: Segurana ..................................................... 783

    CAPTULO XXV: Soluo Judicial ............................................. 803

    CAPTULO XXVI: Mudana Pacfica ......................................... 819

    CAPTULO XXVII: Governo Internacional ................................ 833

    CAPTULO XXVIII: O Governo Internacional: as Naes

    Unidas ...................................................................................... 867

    PARTE NOVE

    O problema da paz: a paz por meio da transformao

    CAPTULO XXIX: O Estado Mundial ......................................... 905

    CAPTULO XXX: A Comunidade Mundial ................................ 937

    PARTE DEZ

    O problema da paz: a paz por meio da acomodao

    CAPTULO XXXI: Diplomacia ................................................... 967

  • 11

    CAPTULO XXXII: O Futuro da Diplomacia ............................. 991

    Glossrio Histrico ................................................................ 1025

    Bibliografia ............................................................................ 1049

    ndice Onomstico ................................................................ 1085

  • 12

    PREFCIO

    Hans J. Morgenthau:Poltica entre as Naes

    Ronaldo Mata Sardenberg1

    Poltica entre as Naes exemplo de empreendimento

    intelectual comprometido, que no esconde sua opo conservadora

    e ativista. Renova conceitualmente o estudo das relaes entre

    os Estados, explicita preocupaes a elas subjacentes e esclarece

    idias emergentes na poltica internacional da poca. Por isso,

    no espanta que, em poucos anos, haja-se tomado referncia

    obrigatria; sua leitura com proveito no exige concordncia

    nem com as premissas nem com as concluses do autor. O

    diplomata, o estrategista, o investigador e o estudante das relaes

    internacionais, o jornalista, o homem do direito e o filsofo

    poltico, todos, com certeza encontraro na obra um repositrio

    precioso de informaes e ensinamentos sobre um modelo de

    anlise da vida internacional - a teoria moderna do realismo

    1 Ronaldo M. Sardenberg, diplomata de carreira, entre outros postos diplomticos que

    chefiou, inclui-se misso brasileira junto Organizao das Naes Unidas, tendo presidido

    em vrias ocasies o Conselho de Segurana da ONU. Foi secretrio de Assuntos Estratgicos

    da Presidncia da Repblica e ministro da Cincia e Tecnologia.

  • 13

    poltico - e uma inspirao para a comparao entre idias e

    fatos do passado e os desafios internacionais que esto frente.

    *

    A obra inseparvel do homem, e Poltica entre as Naes

    segue risca essa regra. A produo intelectual e o desempenho

    poltico ancoram-se solidamente na biografia de cada um. A

    experincia pessoal e o tempo de Hans J. Morgenthau ajudam a

    entender seus escritos e atribulaes. Como indivduo e

    acadmico, sua trajetria foi diretamente afetada pelas grandes

    crises que atormentaram o sculo XX, como a afirmao do

    nazi-fascismo, o drama da guerra mundial e a guerra fria,

    materializada nas tenses da confrontao Leste-Oeste e no terror

    nuclear. Nascido em 1904, alemo de famlia judaica, com parcos

    recursos e de cultura assimilada, deixou, no tenebroso ano de

    1932, sua terra cata de emprego intelectualmente produtivo.

    Esperava passar algum tempo em Genebra. Nunca mais retornou

    Alemanha.

    Educado nas Universidades de Berlim, Frankfurt e Munique,

    j sua tese - A Funo judicial Internacional: Natureza e Limites

    - denotava um interesse central pelo direito internacional pblico.

    Admitido, em 1927, Ordem dos Advogados, chegou a presidir,

    como interino, o Tribunal do Trabalho de Frankfurt. Fortemente

    marcado por sua formao germnica, Morgenthau reverenciava

    o professor de histria da arte, Heinrich Wolfflin, e Hermann

    Oncken, que o introduziu ao estudo da poltica externa de

    Bismarck, bem como Rothenbucher, que o aproximou do

  • 14

    pensamento de Max Weber. A esse propsito, revelador o que

    relata seu assistente de pesquisa e co-autor Kenneth W.

    Thompson. Durante os seus muitos anos na Universidade de

    Chicago, Morgenthau nunca entrou em seu gabinete sem antes

    deter-se diante de uma fotografia de Oncken, na galeria de retratos

    dos professores visitantes.

    No incio da dcada dos 30, o fato de ser judeu s reduzia

    suas j escassas oportunidades profissionais. Com Adolf Hitler e

    seus sequazes no poder em Berlim, tornava-se invivel voltar ao

    pas. No Instituto Graduado de Relaes Internacionais, de

    Genebra, viu-se diante de dificuldades lingsticas e financeiras,

    bem como de desentendimentos sobre o modo de entender o

    direito internacional. Mencionam-se, a propsito, o clima poltico

    reinante no Instituto e a oposio que lhe era movida por

    professores e estudantes nazistas de origem alem. Conseqen-

    temente, em 1934, Morgenthau j buscava, por meio de cartas,

    emprego na Palestina, na Prsia e no Afeganisto, e - como

    dizem as fontes - at na Amrica do Sul. Os Estados Unidos,

    irnico que seja, no lhe pareciam atraentes, dado o vigor da

    competio naquele pas. Preferia a Europa e, em segundo lugar,

    a Palestina.

    Em 1935, mudou-se para Madri para ocupar posio no

    Instituto de Estudos Internacionais e Econmicos. Foi feliz na

    Espanha; mas, no ano seguinte, quando visitava a Itlia, em lua

    de mel, desencadeou-se a Guerra Civil espanhola e, de novo,

    no houve como retomar. Passou mais de ano em peregrinao

    por diferentes cidades europias - Amsterd, Merano, Haia,

    Genebra, Paris. Finalmente, decidiu-se pelos EUA, para onde

  • 15

    seguiu, com a -mulher, aps superarem dificuldades quanto

    concesso de vistos2.

    Fixou-se em 1937, em Nova York, no Brooklin College, e

    mais tarde nas Universidades do Kansas, em Montana (939) e

    Chicago 0943-71), na qual conheceu seus anos de maior impacto

    pblico. Depois, esteve associado com o City College de Nova

    York e com a New School for Social Research. Faleceu em 1980.

    Sua filosofia poltica desenvolveu-se, no quadro, primeiro,

    das vicissitudes, derivadas da ascenso, do declnio e da queda

    do Terceiro Reich e, segundo, da irrupo dos poderes

    norteamericano e sovitico no plano mundial. Como nota Walker3,

    ao chegar aos EUA, Morgenthau deparou-se com vises peculiares

    do mundo, em especial no Meio Oeste. Naquela poca, os

    EUA caminhavam para uma forma de envolvimento nas questes

    europias e, em ltima instncia, de predomnio mundial.

    Nesse contexto, duas correntes extremistas se entrechocavam: o

    arquiisolacionismo e as idias legalistas, com amplo apelo popular,

    que viam no enquadramento jurdico a possvel soluo para os

    problemas da paz e da segurana internacionais. No mesmo

    campus em Chicago, coexistiam horror e fascinao com a guerra.

    Embora excessivamente restrito, este sumrio ilumina a

    trajetria de Morgenthau. Naturalizado norte-americano em 1943,

    2 Casou-se com lrma Thorman, que namorava desde 1924 e com quem havia trocado mais

    de mil cartas. lrma o auxiliava financeiramente. Os vistos norte-americanos foram conseguidos

    graas intervenincia de um parente rico dela, nos EUA.3 V. Thomas C. Walker, lntroduction: Morgenthaus Dual Approach to lnternational to

    lnternational Relations em International Studies Notes, da lnternational Studies Association

    (ISA), vol. 24, nmero 1, 1999. A primeira promovida por Robert McCormick e a segunda

    patrocinada pelo Comit para Colocar a Guerra Fora da Lei.

  • 16

    pertenceu gerao de intelectuais e pesquisadores europeus

    que, fustigados pelo terror nazista, encontraram, na outra margem

    do Atlntico, espao e oportunidades para desenvolver seus

    talentos. A partir da publicao, em 1948, da Poltica entre as

    Naes, sua obra magna, Morgenthau tornou-se um dos mais

    respeitados cientistas polticos norte-americanos, como pioneiro

    na articulao da teoria realista das relaes internacionais, pela

    qual orientaram-se as pesquisas e o debate poltico nos EUA, e

    em menor grau na Europa, durante o longo perodo da guerra

    fria. Foi representativo da imigrao bem-sucedida4.

    *

    Com o subttulo A luta pelo poder e pela paz, a Poltica

    entre as Naes conheceu seis edies (e numerosas reimpresses)

    - em 1948, 1954, 1960, 1967, 1973, 1978 e 1985, com sucessivas

    revises. A origem do livro, como modestamente registra, na

    apresentao da primeira edio, encontra-se principalmente em

    notas, compiladas pelos seus melhores estudantes (pois ele mesmo

    no as utilizava), das aulas e palestras que dera no ltimo trimestre

    de 1946. Seu texto original cobre matrias tradicionais dos cursos

    de relaes internacionais, com nfase nos problemas do direito,

    4 Informaes biogrficas colhidas principalmente na Encyclopaedia Britannica

    (http:\\www.britannica.com); em Kenneth W. Thompson, The Writing of Politics among

    Nations: Its Origins and Sources, em lnternational Studies Notes e em Morgenthaus

    Odyssey, paper preparado para o painel: Traveling ldentities: Gender, Cu/ture and

    Experiences of Displacement at the 39th Annual Convention of the lnternationa/ Studies

    Association, Minneapolis, March, 1998 (http:\www.unet.univie.ac.at). Correntes feministas

    norte-americanas hoje afirmam que esse xito era muito mais freqente entre os homens

    que entre as mulheres. Como exceo, citam Hannah Arendt.

  • 17

    organismos internacionais e histria diplomtica, mas se inicia

    com uma sntese notvel da influncia do Poder na rbita

    internacional.

    No se deixe escapar a dinmica do pensamento de

    Morgenthau, que evolua com a transformao da problemtica

    internacional. Em sua longa trajetria, soube ele reagir, de modo

    criativo, s fases diferenciadas da guerra fria. Entretanto, soube,

    tambm, manter-se fiel ao conjunto de princpios e metodologias

    que, desde a primeira publicao, norteou sua viso do mundo.

    O texto da Poltica entre as Naes enriqueceu-se com

    revises a cada edio. Ao lado de idias aparentemente simples,

    o leitor encontra inesperados nveis de complexidade. J na

    segunda edio, de 1954, explicita-se que seus verdadeiros e

    confiveis alicerces intelectuais e polticos so os vinte anos de

    dedicao do autor a seus temas preferenciais e prpria natureza

    da poltica internacional. Morgenthau admite que sua reflexo

    fora solitria e ineficaz, j que uma concepo falsa de poltica

    externa, posta em prtica pelas democracias ocidentais, havia

    levado, de forma inevitvel, ameaa do totalitarismo e,

    finalmente, Segunda Guerra Mundial. A seu juzo, na ocasio

    da primeira edio, ainda dominava tal concepo, que qualifica

    tambm de perniciosa. Reconhecia-se como pessoalmente

    engajado e polmico, por atac-la, em seu livro, de modo frontal

    e assinalava ser to radical em relao aos erros de tal concepo

    quanto aos de sua prpria filosofia. Seis anos mais tarde, contudo,

    proclamava vitria, e sublinhava que, com a posio alcanada,

    sua teoria passava, daquele momento em diante, a necessitar

    apenas de consolidao e adaptao a novas experincias.

  • 18

    As alteraes textuais, introduzidas em 1954, revelam ntida

    preocupao em manter a atualidade da anlise e explorar as

    novas perspectivas mundiais. Tais alteraes tomam nota, como

    assinala, de quatro experincias polticas que haviam emergido

    desde 1948, a saber:

    1. as novas tendncias estruturais na poltica mundial;

    2. o desenvolvimento da revoluo colonial;

    3. o estabelecimento de instituies supranacionais; e

    4. as atividades das Naes Unidas. Reconhece que, em

    1948, os sinais indicavam que a bipolaridade (nuclear) se

    transformaria em um sistema de dois blocos antagnicos, mas

    que tendncias posteriores haviam tomado sentido menos claro,

    e at contrrio, como ocorreu com a disseminao da revoluo

    colonial na sia e na frica e a emergncia de instituies

    supranacionais, como a Comunidade Europia do Carvo e do

    Ao e a OTAN . (sic).

    Identifica o autor, como diferena bsica entre a primeira e

    a segunda edies, o fato de que aquela se voltava mais para a

    obsolescncia do Estado nacional soberano e esta se dirigia s

    emergentes instituies supranacionais. Essa observao precoce

    tem interesse, por ser muito mais freqente associar a teoria

    realista e o primado do Poder ao auge do Estado, e no sua

    superao. Outra dimenso, que, naquele momento, emergia,

    a da luta pelas mentes (e coraes), para alm dos aspectos

    tradicionais e materiais da guerra e da diplomacia. Interessa ainda

    sua reavaliao do papel das Naes Unidas, antes cercadas de

    esperanas, ou iluses, e agora encaradas pelo lado de suas

    realizaes, que, porm, j se distinguiam do otimismo das

  • 19

    expectativas iniciais. Com franqueza, correlaciona essa mudana

    de enfoque com os desenvolvimentos multilaterais, decorrentes

    da guerra da Coria.

    Importantes refinamentos so introduzidos na segunda

    edio, os quais, como observa, refletem a evoluo de seu

    pensamento. Acrescenta um captulo introdutrio, no qual elabora

    e esclarece elementos fundamentais de sua filosofia poltica, com

    a aplicao aos acontecimentos correntes de noes como poder

    poltico, imperialismo, cultura, opinio pblica mundial, desar-

    mamento e segurana coletiva. So inseridos e discutidos tambm

    os conceitos, ento novos, de conteno, guerra fria, naes

    no comprometidas e assistncia econmica. Certos temas

    ganham espao e ateno, como a influncia da poltica interna

    sobre a externa, o reconhecimento da importncia da qualidade

    do governo e da diplomacia, a interrelao no mbito da balana

    de poder e o direito internacional. Morgenthau comea, ainda, a

    queixar-se da incompreenso que o cerca, em especial quanto a

    idias, que no apenas nunca sustentara, mas que tinha,

    abertamente, como repugnantes. A reflexo empreendida ,

    portanto, substancial e ilustra a crescente auto-confiana do autor.

    Tais tendncias prosseguem na terceira edio, de 1960.

    Morgenthau justifica o processo de reviso da Poltica entre as

    Naes, com a observao de que, tanto em suas manifestaes

    empricas quanto nos propsitos a que serve, a verdade poltica

    uma criana de seu tempo. Assim a balana do poder dos

    sculos XVIII e XIX, com a multiplicidade de pesos aproxima-

    damente iguais, difere da vigente em meados do sculo XX.

  • 20

    Alm disso, a caracterizao desta, nos EUA, como elemento

    perene, envolveu vigorosa polmica, pois revelara algo que

    poucos suspeitavam e a maioria tomava como abominvel

    heresia, uma aberrao passageira e j obsoleta.

    Morgenthau acreditava haver reagido quase total

    subestimao do elemento do poder na vida internacional e

    qualificado fortemente a tendncia a v-lo apenas em termos

    materiais. Por outro lado, diante da potencialidade nuclear de

    destruio total, singularizou a obsolescncia da violncia

    descontrolada como instrumento de poltica externa, tema que

    merece ser revisitado nos tempos atuais. Repeliu, ainda, a

    acusao de ser indiferente aos problemas morais, invocando,

    como prova, este e outros de seus livros.

    Na quarta edio, quase vinte anos aps primeira,

    Morgenthau incorpora modificaes, com vistas a dar conta da

    evoluo internacional, no que tange tanto diplomacia

    multilateral quanto ascenso, nos EUA, da poltica de controle

    de armamentos, por oposio de desarmamento. Tambm algum

    aperfeioamento conceitual proposto com relao a temas

    diversos como imperialismo, prestgio, conflito nuclear e alianas.

    Pela primeira vez faz referncia a outras obras de sua autoria

    como fontes para o entendimento de sua posio filosfica e,

    em conseqncia, das colocaes tericas da Poltica entre as

    Naes.

    Nessa ocasio, nota que seu enfoque difere da aplicao

    s relaes entre os Estados de novos instrumentos, desenvolvidos

  • 21

    principalmente nos EUA, como o behaviorismo, a anlise de

    sistemas, a teoria dos jogos e a simulao, entre outros.

    Morgenthau deixa transparecer ceticismo sobre tais inovaes

    metodolgicas e a conseqente polmica acadmica. Com base

    na experincia histrica e pessoal, afirma, lapidarmente, que

    para o xito ou o fracasso de uma teoria, decisiva sua

    contribuio ao conhecimento e ao entendimento de fenmenos

    que valham a pena conhecer ou entender. por seus resultados

    que uma teoria deve ser julgada, no por pretenses

    epistemolgicas ou inovaes metodolgicas.

    Invoca o clebre matemtico Henri Poincar a respeito da

    correlao inversa, que em geral existe, entre preocupaes

    metodolgicas e resultados substantivos e afirma seu prprio

    convencimento de que as tentativas de racionalizao abrangente

    da teoria internacional sero provavelmente to fteis quanto as

    que as precederam, desde o sculo XVII. Aponta para o risco de

    um dogmatismo que venha a dominar a realidade com o fito de

    preservar a consistncia racional. E termina com magistral citao

    de Oliver Wendell Holmes, do qual ressalta uma resignao

    herica. Escreve Holmes: A cada ano, seno a cada dia,

    apostamos nossa salvao em uma profecia, cuja base est no

    conhecimento imperfeito.

    Poltica entre as Naes se divide em dez partes e em 32

    captulos. Se arriscarmos simplificar sua organizao, podemos

    divisar trs grandes ttulos, a saber: A) Teoria e prtica das rela-

    es internacionais, composto das partes I e 11 e dos sete pri-

    meiros captulos, com nfase na teoria realista da poltica

    internacional, na cincia da poltica internacional e na luta pelo

  • 22

    poder; B) Poder nacional, tratado nas partes III a VI, em onze

    captulos, que provem os elementos do poder, assim como suas

    limitaes tanto de sentido estritamente realista - nomeadamente

    a balana de poder - quanto as ligadas a moralidade, opinio

    pblica e direito internacionais; e C) Problemas da poltica

    mundial na metade do sculo xx, a qual constitui um verdadeiro

    vademecum das principais questes ento na pauta internacional,

    em particular no que diz respeito s relaes Leste-Oeste, o que

    inclui paz, desarmamento, segurana, organizao mundial e

    diplomacia.

    Embora todo o livro retenha interesse como referncia, suas

    duas primeiras partes contm aspectos particularmente intrigantes,

    a partir de uma releitura estruturada luz dos acontecimentos

    transformadores da ordem internacional desde a queda do muro

    de Berlim, em 1989. Em especial, a ateno do leitor se dirige

    para a enunciao dos Princpios do Realismo Poltico, para os

    quais Morgenthau reivindica alguma atemporalidade, a despeito

    de se enraizarem fortemente no perodo da guerra fria.

    Em sntese, tais Princpios ressaltam o carter objetivo do

    realismo poltico e seu vnculo direto com uma avaliao

    extremamente pessimista da natureza humana (Princpio 1); a

    importncia central no realismo poltico do interesse (nacional),

    qualificada com a observao de que este no deve ser entendido

    como imutvel (Princpios 2 e 3); a percepo da questo moral

    nas relaes internacionais, por parte do realismo poltico, sob a

    ressalva de que as aspiraes morais de uma nao no se

    identificam com as do conjunto dos preceitos morais, que regem

    o universo poltico (Princpios 4 e 5); e - talvez menos

  • 23

    interessante, mas de todo modo reveladora - a reivindicao

    para o realismo poltico de uma especial profundidade, ou

    seja, de ser o detentor de uma superior apreenso da realidade

    (Princpio 6).

    Tambm desperta continuado interesse a anlise da poltica

    dos Estados com relao ao status quo, o contexto da luta pelo

    poder. Morgenthau prope uma tipificao das polticas externas

    nacionais, que conheceu muito xito, quais sejam, as polticas

    de manuteno do poder (status quo); as de sua expanso

    (imverialismo) e as de demonstrao (prestgio, conceito um tanto

    fora de moda, mas nem por isso abandonado no plano

    internacional). Examina, nesse contexto, o tema do imperialismo

    contemporneo, em suas trs modalidades, econmica, militar e

    cultural, de forma isolada ou combinada, assim como as polticas

    de prestgio5.

    Ao final, percebe-se que Poltica entre as naes recolhe

    bom nmero de preocupaes tericas e prticas. Avana na

    idia da necessidade de constituir uma teoria das relaes

    internacionais, com a ressalva de suas limitaes intrnsecas, e

    formula especificamente uma teoria realista, ao mesmo tempo

    que busca aplic-la a casos concretos. Por esse aspecto, o livro

    torna-se inteligvel mesmo para no iniciados. Prefere Morgenthau

    trabalhar em nveis subsistmicos, conforme, alis, fortemente

    sugere sua viso do prprio papel da violncia mundial. Resiste,

    de modo geral, s concepes muito abrangentes da ordem

    5 pp. 4-23 e 60-140.

  • 24

    internacional (provavelmente nem sequer aceitou essa ltima

    categoria de anlise, salvo para assinalar a desordem como modo

    dominante de organizao, o que, alis, soa como contradio

    insanvel).

    A essncia de seu pensamento est em uma difcil composio

    entre as consideraes de Poder - a prpria conceituao do

    realismo poltico, suas formas, dimenses nacionais e balana

    do Poder - e a viso das limitaes ao Poder nacional, expressas

    em termos de moral, opinio pblica, direito internacional,

    paz, organizao internacional e diplomacia. Nesse sentido, a

    obra fiel a seu subttulo - que aproxima a luta pelo poder e a

    paz -, e esquec-lo, em funo de uma leitura parcial, certamente

    desfiguraria as intenes do autor6.

    Desde seus primeiros esforos, Morgenthau combina

    relaes internacionais e direito internacional pblico; com o

    tempo, atribui importncia crescente diplomacia multilateral,

    mesmo tendo em conta que esta falha ou tarda a resolver os

    problemas a que se dirige. Em suas partes finais, o livro toma

    carter quase enciclopdico, ao tratar de casos e questes de sua

    atualidade e conclui com uma reflexo sobre as tarefas e o futuro

    da diplomacia. Morgenthau, note-se, abstrai em sua obra, em

    ampla medida, as variveis econmicas e tecnolgicas (e, quando

    trata das ltimas, privilegia as tecnologias especificamente

    militares) ou, de forma implcita, as aceita como dadas.

    *

    6 Walker, op. cit., sublinha o enfoque duplo de Poltica entre as Naes e observa que

    ignor-lo o que justamente diferencia da obra de Morgenthau, para pior, o chamado

    neo-realismo, cuja figura paradigmtica Kennneth Waltz.

  • 25

    O pensamento morgenthaliano se encaixa com naturalidade

    na longussima tradio realista ocidental, que se ter iniciado

    com Tucdides. Histria da guerra do Peloponeso inaugura a

    relao tensa entre o realismo e as preocupaes morais7 e

    permite esboar o que depois viria a ser a teoria da balana de

    Poder, tal como interpretada pelas potncias mais fortes.8 Mas,

    ao justapor o comportamento belicista de Atenas a sua posterior

    decadncia e derrota, o historiador ateniense permitiu enxergar

    tambm a barbrie e o potencial corruptor da guerra e v-la

    como uma escola de violncia e uma degradao moral.9

    Aproximadamente dois milnios mais tarde, Maquiavel

    provoca a ciso radical entre moral e poltica, o que, de um lado,

    o credenciou como originador da cincia poltica, como a

    entendemos hoje, mas, de outro, fixou um estigma que o marca

    e compromete o realismo para sempre. Na verdade, Maquiavel

    sempre condenado pela pungncia de sua prosa e, sobretudo,

    por no admitir a existncia de uma comunidade moral entre os

    Estados e por deixar de subordinar o comportamento externo

    do Estado a qualquer dever tico, bem como por sua apologia

    das aes blicas preventivas ou preemptivas. Para ele, o

    interesse prprio sempre superar as inibies morais.

    Hobbes, com sua nfase no homem como lobo do prprio

    homem, e outros tericos do contrato social divisam, como se

    7 V. Steven Forde, Classical Realism, em T. Nardin e D. Mapel (eds), Traditions of

    International Etbics, Cambridge University Press, 1993, pp. 62-84.8 H V. Tucdides, Histria da Guerra do Peloponeso, Editora da Universidade de Braslia, 2001.9 V. Hrodote -Thucydide, Oeuvres completes, texto apresentado por Denis Roussel, NRF,

    Gallimard, 1964, p.667

  • 26

    sabe, um estado da natureza, antes que se forme a sociedade,

    que tambm um estado de insegurana e de guerrd no plano

    internacional, tendo em vista a ausncia de meios de imposio

    da ordem nesse plano. Para o realismo atual, o Estado continua

    ser o lobo do Estado, apesar de todas as qualificaes que possam

    ser feitas a essa situao, e sua base comum so o ceticismo

    quanto relevncia das categorias morais nas relaes entre os

    Estados; o predomnio dos interesses prprios; e a inexistncia

    ou debilidade de um bem comum que una os Estados na

    rbita internacional10.

    Os fundadores do realismo anglo-americano foram o

    historiador E.H. Carr, o telogo Reinhold Niehbur e o prprio

    professor Morgenthau. Em anos recentes, George Kennan e

    Henry Kissinger - diplomatas e acadmicos - tm sido os seus

    mais lcidos expositores11.

    Entre a Primeira e a Segunda Guerras, o historiador

    britnico E. H. Carr, com o seu The Twenty-Year Crisis12, que ,

    na verdade, de 1940, contribuiu fortemente para desmistificar

    a corrente idealista, por ele qualificada de utpica, dominante

    na Europa, em especial entre os pases vencedores na primeira

    dessas hecatombes. O idealismo privilegiava a construo

    institucional e jurdica da paz, em escala global, e desprezava ou

    secundarizava as consideraes de poder (tradicionalmente muito

    presentes no pensamento alemo). Seus smbolos ltimos eram

    10 V. Forde, op. cit., para as citaes no atribudas a outros autores.11 Jack Donnelly, The Twentieth Century, em T. Nardin e D. Mapel (eds), op.cit.,

    pp. 85-111.12 Edward H. Carr, The Twenty-Year Crisis, 1919-1939, Harper and Row, 1946.

  • 27

    a Liga das Naes e o protocolo Briand-Kellog, ambos

    experincias que fracassaram no entre-guerras.

    Aps a Segunda Guerra, Morgenthau d um passo decisivo,

    ao propor, em Poltica entre as Naes, a codificao do Poder

    como esteio principal da teoria realista. Naquele momento,

    organizava-se, de maneira ainda confusa e mesmo conflitiva,

    uma nova ordem internacional, com o reforo da dimenso

    multilateral simbolizada pelas Naes Unidas. A ambigidade se

    espelhava, de um lado, na realidade do poder, encapsulada na

    faculdade de veto deferida aos membros permanentes do

    Conselho Segurana, e, de outro, nos ideais de igualdade entre

    as naes, expressos no sistema de votao da Assemblia Geral

    e consagrados na atribuio de um, e apenas um, voto a cada

    Estado membro, independentemente de seu poder relativo ou

    de quaisquer consideraes. Esse o sistema de votao, com o

    qual Morgenthau nunca esteve de inteiro acordo, estabelecido

    pela prpria Carta das Naes Unidas.

    seu mrito, por outro lado, estabelecer uma ponte entre

    a viso norte-americana do realismo e o enfoque tradicional

    europeu, inclusive alemo. Raymond Aron, de legendria lucidez

    e grande mestre da ambigidade calculada e, por isso, criativa,

    percebeu claramente, em seu Paz e guerra entre as naes,13 o

    jogo das sutilezas e das inflexibilidades daquele momento e a

    evoluo representada pelo pensamento de Morgenthau. Na

    verdade, Poltica entre as Naes pode ser lida em conjunto com

    a obra de Aron.

    13 Editora Universidade de Braslia, 1979.

  • 28

    No seio da escola realista contempornea, inclusive nos EUA,

    registraram-se antipatias e srias divergncias14. Kennan nem

    sequer cita Morgenthau em suas memrias, embora este o

    mencione em seu Poltica ,entre as Naes. Com Kissinger, alm

    de Zbigniew Brzezinski e McGeorge Bundy, o pomo da discrdia

    esteve na atitude sobre a guerra do Vietn, cujo desenlace, de

    alguma forma, coloca em xeque a poltica e a estratgia

    internacional dos EUA, ao prenunciar o ocaso da guerra fria, pelo

    menos no que diz respeito confrontao entre as superpotncias

    por partes interpostas e por meios blicos convencionais.

    *

    A filosofia morgenthaliana vinculada, de modo umbilical,

    guerra fria, embora nela no se esgote. Seu foco no poder ,

    em si, uma opo conservadora, que vai-se replicar na considerao

    dos condicionantes do exerccio do poder nas relaes internacionais,

    que so, ao ver de Morgenthau, a moral, o direito e a diplomacia.

    Anote-se, como relevante, sua disposio em considerar a questo

    moral e de distinguir no direito, dentro de limites, um instrumento

    disciplinador da ordem internacional. Tambm dedicou ateno

    ao papel da opinio pblica.

    14 Morgenthau reconhecia valor intelectual a Carl Schmitt, que completa uma fieira de

    pensadores alemes de ndole realista nas primeiras dcadas do sculo passado, mas o

    considerava como o mais perverso dentre os vivos. Schmitt, dizia, nunca foi superado

    por qualquer pensador alemo, em sua subservincia aos nazistas e falta de princpios,

    Para avaliar a atitude de Morgenthau, que no era praticante, vide M. Benjamin Mollov,

    Jewrys Prophetic Challenge to Soviet and Other Totalitarian Regimes according to Hans

    Morgenthau, no Journal of Church & State, janeiro, 1997. Mollow resenha a atividade de

    Morgenthau em favor dos judeus soviticos, em especial durante a ltima dcada de sua

    vida, e examina a motivao transcendental dessa ao.

  • 29

    Embora reconhea a deteriorao da moralidade internacional,

    ocorrida nos ltimos anos, com relao proteo da vida,

    Morgenthau explicitamente assinala o equvoco de considerar

    ,.. que a poltica internacional to completamente

    malvola que de nada serviria buscar as limitaes morais

    ...Entretanto, quando nos perguntamos, do que os

    estadistas ou os diplomatas so capazes, na promoo

    dos objetivos de poder de suas respectivas naes e o

    que, na realidade, fazem, percebemos que fazem menos

    do que poderiam ou que fizeram em outras

    oportunidades... Certas opes, ainda quando oportunas,

    no so eticamente permissveis. ... A funo restritiva

    (das inibies morais) mais bvia e efetiva na afirmao

    da santidade da vida humana em tempos de paz.

    Afirma ele a importncia contempornea do Direito

    Internacional, mas o analisa principalmente sob a tica de seus

    problemas. Ressalta o valor acrescido da opinio pblica

    internacional, no mbito do que denominou de emergente

    unidade psicolgica do mundo. Por outro lado, diplomacia,

    para ele, permanece em essncia congelada sob a forma da

    diplomacia clssica. Seu pensamento no inova e, pior, subscreve

    o antiquado enfoque que ergue barreiras artificiais e

    intransponveis entre diplomacia e poder internacional15.

    15 V, Morgenthau, op. cit., pp. 383-511.

  • 30

    Essa viso segmentada sobrevive em crculos retrgrados,

    mas no, curiosamente, nos prprios EUA, nos quais, desde a

    Segunda Guerra, os generais Marshall, Haig e Powell chegaram

    a ocupar o Departamento de Estado. Por outro lado, Robert

    McNamara, homem de negcios, depois de seus controvertidos

    anos no Pentgono, exerceu funes quase-diplomticas no Banco

    Mundial e outras instituies. Nesse sentido, o pensamento e

    atuao de Kissinger, ao distinguirem o entrelaamento das

    dimenses diplomtica e militar, representam um decidido passo

    avante na viso realista.

    Outro aspecto a ser retido o de que toda a elaborao

    terica de Morgenthau a respeito das limitaes do Poder se

    coloca no contexto da polmica com a corrente, parcialmente

    idealista, em favor da organizao da cena internacional com

    base em um s mundo COne Worldism), a qual, em essncia,

    preconizava o gradual ou rpido desaparecimento das soberanias

    estatais.

    verdade, porm, que Poltica entre as Naes permanece

    no imaginrio do pblico especializado muito mais em funo

    de seus avanos nas teorias realistas do poder, do que pelas variadas

    limitaes a este, que apresenta. Entretanto, tais limitaes, pelo

    que se pode avaliar, tm valor prprio, no se tratando de simples

    manifestaes retricas inseridas com o objetivo de validar a parte

    mais dura e vociferante16 da filosofia poltica de Morgenthau.

    Nesse contexto, relembre-se a condenao precoce deste

    interveno norte-americana no Vietn, a qual se funda,

    16 V. Donnelly, op. cit.

  • 31

    justamente, naquela viso das limitaes do poder. Ao que se

    comenta, essa atitude no teria deixado de lhe causar problemas.

    Morgenthau teria perdido uma prestigiosa consultoria no

    Departamento de Estado, que detinha desde o final da dcada

    de 1940, quando Kennan chefiava o Policy Planning Staff, assim

    como teria sido inviabilizada sua candidatura presidncia da

    American Poltical Science Association - APSA.

    No ter sido por casualidade que Kissinger, em seu

    monumental Diplomacia, no qual recapitula alguns dos principais

    episdios das relaes internacionais do sculo XX, demore,

    quase miraculosamente, a citar Morgenthau, e que haja uma

    nica citao em todo aquele livro17. Nessa oportunidade, ao

    reconhec-lo como decano nos EUA dos filsofos do interesse

    nacional, Kissinger assinala, com amargura, que at ele,

    Morgenthau, moveu-se pela proclamao da imoralidade da ao

    norte-americana no Vietn, e o cita: Quando falamos sobre a

    violao do direito da guerra, devemos ter presente que a violao

    fundamental, da qual decorrem todas as demais, a prpria

    conduo desse tipo de guerra. Provavelmente sem o desejar,

    Kissinger nessa citao faz os leitores relembrarem que, para

    Morgenthau, a doutrina do poder no se esgota na simples e

    irrestrita aplicao de meios militares vida internacional.

    A comparao entre Morgenthau e Kissinger tem interesse,

    do ngulo tanto da teoria quanto da moral poltica, dadas as

    semelhanas dos respectivos backgrounds, como judeus alemes

    emigrados, devotos de Bismarck e lderes da comunidade

    17 V. p. 679 da 6 edio norte-americana.

  • 32

    acadmica norte-americana, bem como das diferenas de gerao

    e das respectivas trajetrias polticas.

    Para alm das rivalidades e picuinhas pessoais, ou de

    questes apenas tpicas, a escola realista - que a partir dos anos

    1940 tornou-se uma espcie de indstria acadmica, na qual

    brilhavam Nicholas Spykman, George Schwarzenberger, Fredric

    Schuman, Stefan T. Possony e muitos outros - discutiu questes

    amplas e centrais, como a aplicabilidade ou no dos princpios

    morais universais s aes dos Estados, a importncia relativa da

    natureza humana e dos fatores estruturais na definio das

    polticas de Poder, bem como o impacto da anarquia na vida

    internacional.

    Desde 1954 pelo menos, tanto Morgenthau quanto Kennan

    manifestaram-se pela impossibilidade da aplicao direta das

    consideraes morais ao plano estatal. O primeiro, na segunda

    edio do Poltica entre as naes, tomou posio clara a esse

    respeito, enquanto o segundo, como observa Donnelly, adota o

    mesmo caminho e escreve ...O processo de governo ... um

    exerccio prtico e no, moral. Carr, por sua vez, chega a afirmar

    que os supostos princpios absolutos e universais so reflexo

    inconsciente de interpretaes e momentos especficos da poltica

    nacional. Ressalve-se, porm, que nos trs autores encontram-

    se, com relativa facilidade, pronunciamentos em sentido contrrio

    a estes ou, pelo menos que os matizam fortemente.

    Com Maquiavel, tem curso a percepo de que, na natureza

    humana, predominam o mal e o pecado, em particular na falta

    de autoridade coatora. No sculo XX, Niehbur, por exemplo,

    viu, em qualquer realizao, mesmo as de ndole moral, alguma

  • 33

    corrupo, fundada no amor-prprio. Mas, como observa

    Donnelly, sempre haver espaos polticos para personalidades

    to diversas quanto os heris homricos, santos cristos e lobos

    hobbesianos18.

    A grande discusso no seio da teoria realista sempre foi a

    do impacto relativo, sobre a poltica, da natureza humana e da

    estrutura subjacente vida internacional. O risco maior da proposta

    realista sempre radicou em sua reduo a polticas de poder e,

    destas, a polticas especficas de interesse nacional. Estas

    configuram uma situao internacional a um passo da anarquia,

    que, no caso, no significa necessariamente caos ou ausncia

    completa de ordem mundial, mas falta de governana poltica,

    ou seja, de uma ordenao internacional hierarquizada, fundada

    na autoridade e na subordinao formal19.

    *

    Seria uma simplificao pensar Poltica entre as naes, que

    clssico, apenas como livro-texto, o que Walker e outros s vezes

    parecem -sugerir. Seu contedo slido, e o estilo, sbrio e destitudo

    de ornamento. Se sua maneira de argumentar didtica, so

    profundas as razes histricas da filosofia que esposa, e clara sua

    dedicao soluo das questes concretas de seu tempo.

    18 V. Politics Among Nations, segunda edio, p. 9; George Kennan, Realities of American

    Foreign Policy, Princeton University Press, p. 48; e Edward H. Carr, op. cit., p. viii;

    Reinhold Niehbur, The Children of Light and the Children of Darkness, Scribner and Sons,

    1944, p. 19, como citados por Jack Donnely, op. cit., pp. 85, 86, 88 e 104.19 V. Donnelly, op. cit.

  • 34

    exemplar a percepo de Morgenthau quanto s limitaes de

    qualquer teoria das relaes internacionais, no apenas a realista.

    Poltica entre as naes sobreviveu s mudanas polticas,

    aos novos fatores econmicos, primeiro, de natureza

    transnacionalizante e, agora, globalizante, assim como revoluo

    tecnolgica e emergncia das organizaes no-governamentais,

    que transformaram de forma definitiva o mundo. Ainda assim,

    as consideraes de poder que levanta subjazem s atuais

    relaes internacionais, embora de forma diferenciada em relao

    a dcadas anteriores. Os destinos do Estado nacional se

    transformaram, a comear, por fora do que Morgenthau chamava

    de revoluo colonial: a heterogeneidade radical entre os Estados

    veio a substituir a homogeneidade que se refletia ao menos no

    mundo das idias polticas e jurdicas, ainda que no observada

    invariavelmente na prtica internacional. Tambm o uso blico

    da energia nuclear pode ser visto como fator de eroso do Estado,

    j que este perdeu a capacidade de proteger seu territrio, a

    populao e o setor produtivo, em caso de agresso nuclear.

    *

    Os arqutipos da vida internacional mudaram fortemente.

    Antes da Primeira Guerra Mundial, a atuao dos pases europeus

    ocidentais correspondia, mais do que em qualquer outra poca,

    ao modelo da balana do poder. Durante a guerra fria,

    predominava a lgica da simetria20 do poder internacional;

    20 Harvey M. Sapolsky, Eugen Gholz e Arlen Kaufman, Security Lessonsfrom the Cold War,

    no Foreign Affairs, de julho-agosto, 1999.

  • 35

    com o seu fim definitivo, no incio dos anos 1990, ficou superada

    a nitidez de traos derivada da confrontao bipolar ou, mais

    dramaticamente, do equilbrio do terror nuclear. Desapareceram,

    na maior parte, as simetrias de poder, que caracterizavam o

    duelo Leste-Oeste (apesar disso, os arsenais nucleares, em mos

    dos EUA e da Rssia, continuam a ser suficientes para eliminar,

    vrias vezes, a espcie humana).

    J hoje, quando se reestrutura a ordem mundial, os EUA

    aparecem como o pas que melhor corresponde ao tipo ideal do

    Estado, at por sua relativa invulnerabilidade e, mais ainda, por

    sua capacidade global de resposta. Um exemplo basta. As Foras

    Armadas de hoje e do futuro - entre as quais as norte-americanas

    no tm similar -, sero cada vez menos organizaes de massa,

    herdadas das guerras mundiais e, mais e mais, formaes baseadas

    no uso intensivo da logstica e na promoo e utilizao do avano

    acelerado das tecnologias, justamente uma rea em que os EUA

    so responsveis por cerca de metade do esforo mundial.

    O paradigma do poder resistente e, com adaptaes,

    continuar a ser til por prazo indefinido. A antiga simetria do

    Poder militar deu lugar a uma assimetria fundamental e avassaladora.

    A nfase incontrastvel no desenvolvimento tecnolgico se v

    em variadssimas aplicaes como, por exemplo, nos bombardeios

    ditos de preciso, que de tempos em tempos freqentam as telas

    de televiso, ou nas aes no campo das tecnologias da

    informao. Isso no quer, porm, dizer que inexistam adversrios

    e seu recurso a meios informais, como o terrorismo. Nessa nova

    e desequilibrada organizao de foras em nvel mundial, de

    forma alguma desapareceu o conceito de interesses nacionais,

  • 36

    que, entretanto, tornou-se menos mecnico, menos automtico

    e menos preciso, para a generalidade dos Estados.

    Considerando os variados matizes desse vasto quadro,

    guardam interesse terico e prtico pelo menos quatro aspectos

    genricos da obra mxima de Morgenthau:

    1. A participao necessria do realismo na composio do

    paradigma internacional. H cinqenta anos, idealismo e realismo

    apareciam como faces contraditrias de uma mesma moeda,

    ambas essenciais para a compreenso da realidade internacional

    do ps-guerra, de suas origens e dinmica. Nem tudo podia ser

    reduzido construo jurdica e institucional no plano mundial,

    mas tambm nem toda a vida internacional se limitava, ou se

    limita, esfera do poder, da violncia institucionalizada. No curso

    de sucessivas edies, Morgenthau, recolheu, embora de forma

    imperfeita, essas duas vises com mais xito que seus antecessores

    ou os sucessores da escola do chamado realismo estrutural. Sua

    oposio Guerra do Vietn foi um teste crucial, e bem-sucedido

    - mas nem sempre lembrado - por que passou a sua verso da

    teoria do realismo em poltica internacional.

    2. A percepo da necessidade de uma teoria das relaes

    internacionais, apesar das limitaes para entender o mundo.

    Quer dizer, na complexidade da vida contempornea, no basta

    responder de maneira tpica s crises medida que estas

    tumultuariamente se manifestam. H que explicitar premissas,

    esclarecer contedos, explorar modalidades de soluo e reforar

    a confiana, que s a previsibilidade das polticas externas pode

    gerar.

    3. A percepo de que o papel internacional do Estado mudava

    - e continua a mudar - rapidamente, o que, por seu turno, tende

  • 37

    a introduzir transformaes fundamentais no sistema mundial,

    tal como ortodoxamente definido. A multiplicao no nmero

    de Estados, em decorrncia da revoluo colonial, j era

    entendida por Morgenthau, em 1954, como indicativa de um

    movimento que apenas comeava e que s chegou plenitude

    na dcada dos 1960 e do qual foi um marco a resoluo 1514

    (XV) da Assemblia Geral. De l para c, a mudana do papel

    das Naes Unidas s fez progredir, com avano do ambientalismo,

    a disseminao mundial das organizaes no governamentais

    e com foco no indivduo e nos direitos humanos como dado

    essencial do direito pblico contemporneo.

    4. Contraditoriamente, a permanncia da supremacia dos

    Estados como atores mais relevantes e de maior poder, no plano

    internacional, encontra limites objetivos na hegemonia de um

    deles. Uma simples mudana de governo naquele pas pode alterar

    posies internacionais assentadas nos planos poltico, estratgico,

    econmico, ambiental, etc. So dramticos os exemplos de ao

    estatal, em tempos recentes: o conflito no Golfo, a guerra

    permanente do Oriente Mdio, a interveno ocidental no

    Kossovo, a tolerncia aberta ou velada com a espionagem por

    meios nacionais, entre outros.

    Em dcadas mais recentes, nada foi escrito, no campo da

    Teoria das Relaes Internacionais, que j nascesse clssico e

    com o impacto original do Poltica entre as naes, de

    Morgenthau, ou do Paz e guerra entre as naes, de Aron. Nem

    Kissinger nem Kennan, por exemplo, apesar do alto interesse

    de suas memrias e ensaios histricos, chegaram a codificar a

    ntegra de suas respectivas vises do mundo. Por isso mesmo,

  • 38

    Poltica entre as naes, ora traduzido, precisa ser lido como

    documento programtico e como esforo de validao emprica

    do que prope.

    *

    Com o fim da guerra fria - no previsto por qualquer das

    teorias ento correntes -, o campo internacional complicou-se

    muito. Pode-se pensar que a teoria das relaes internacionais

    esteja em crise, j que diminuiu sua capacidade de explicar o

    mundo. Por uma dcada - a de 1990 -, o Poder poltico-militar

    tomou-se menos visvel - em especial para os que no o queriam

    ver - mas, como anteriormente, permaneceu em cena e no s

    como pano de fundo. Ao mesmo tempo, outras dimenses do

    Poder claramente ocuparam o primeiro plano: as da superioridade

    financeira e econmica, do crescente hiato tecnolgico (com

    enormes repercusses civis e militares) e da influncia da mdia

    internacional, que hoje forma opinio em todo o mundo.

    Est certamente longe de ser linear e bvia a boa leitura da

    realidade internacional. Mesmo na guerra fria, o realismo poltico

    e a singela contraposio bilateral de poderes nucleares

    jembutiam excessivas simplificaes; sua utilidade residia na

    capacidade de descrever o quadro estratgico e de servir de

    manual para a ao. O realismo, no entanto, deliberadamente

    falhava em elucidar outras problemticas. Provou ser enganoso

    e prejudicial, por exemplo, ao referendar, por assim dizer, as

    manobras de rebatimento poltico da dimenso Norte-Sul para o

    plano Leste-Oeste, ou seja, as tentativas de manipulao das

  • 39

    aspiraes de desenvolvimento socioeconmico, por parte da

    grande maioria da humanidade, em proveito dos interesses

    conflitivos das ento superpotncias.

    No passado recente, hoje e para o futuro, evidencia-se a

    acentuada polissemia, se lcito empregar essa categoria, da

    realidade internacional, e que sempre ser arbitrria qualquer

    opo excludente, dentre seus mltiplos significados. O ritmo

    acelerado e o vasto escopo das mudanas mundiais acarretam

    dificuldades inusitadas, para sua absoro por uma teoria das

    relaes internacionais minimamente consistente. Introduzem-se

    variveis fora de controle, como as sucessivas crises econmicas

    internacionais, que afetam, em especial, os pases em

    desenvolvimento, mas no apenas estes. Ao lado dessas novas

    tendncias, acumula-se um passivo representado pelos intratveis

    e repetitivos incidentes poltico-militares de carter regional, em

    particular no Oriente Mdio, no Golfo e no Sul da sia. Embora

    tais crises e incidentes no coloquem, necessariamente, em jogo

    a possibilidade de um conflito mundial (e final), como

    classicamente ocorria, no quadro de guerra fria, confirmam para

    a maioria das naes um panorama de inquietadoras incertezas,

    que de muito ultrapassam os aspectos puramente militares e de

    segurana.

    A poltica internacional est-se transformando, diante de

    pronunciadas mudanas estratgicas, de hesitaes econmicas

    e da nova cultura global. Domina a intranqilidade mesmo entre

    os mais serenos dos homens. As aes de fora ganham relevo.

    At do ponto de vista terico, a ao diplomtica adquiriu

    contedos aguerridos com as freqentes propostas de difuso

  • 40

    das prticas de diplomacia preventiva e coercitiva. Como desejam

    alguns, tais prticas responderiam - melhor que as salvaguardas

    contidas na Carta das Naes Unidas - s presentes assimetrias

    globais, por refletirem a lgica das preeminncias polticas,

    econmicas, tecnolgicas e militares. Essas modalidades de ao

    serviriam de ponte entre o soft power, cujas virtudes so

    apregoadas, por exemplo, por Joseph Nye, e a imposio das

    realidades do hard power, mas, quando levadas a conseqncias

    prticas, encerram novos riscos e podem equivaler negao da

    prpria noo de diplomacia.

    No plano econmico, so ntidas as disjuntivas entre, de

    um lado, as tendncias vinculadas ao processo de globalizao,

    como a internacionalizao do sistema produtivo, movimentao

    global e capitais, abertura comercial e revoluo tecnolgica e, de

    outro, a perpetuao da competio mundial pelos recursos

    naturais, o protecionismo comercial, o domnio dos mercados

    externos, os danos ambientais e, sobretudo, a prtica ampliada

    da excluso econmica dos pases menos desenvolvidos.

    Registra-se, ainda, pronunciada discrepncia entre a crescente

    confiana dos pases emergentes em seus esforos nacionais,

    mesmo em uma quadra desfavorvel da economia mundial, e o

    panorama de regresso econmica e poltica nas reas mais

    desfavorecidas do planeta, discrepncia esta que se acompanha,

    de modo alarmante, do renovado prestgio poltico de

    nacionalismos exacerbados e das intolerncias raciais e religiosas.

    As tendncias dominantes, ao mesmo tempo que clamam

    por solidariedade, pelo respeito aos direitos humanos e pelo

  • 41

    desenvolvimento sustentvel, mundialmente abrigam macias -e

    terrveis - manifestaes de pobreza extrema e desigualdade,

    violncias e terrorismo, bem como perturbadoras ameaas ao

    meio ambiente. Diante da riqueza - e do alargamento e

    multiplicao dos hiatos que separam ricos e pobres na arena

    mundial -, os processos de excluso internacional tornaram-se

    muito mais nefastos provavelmente porque se fazem cada vez

    mais irrecorrveis.

    *

    Os trgicos acontecimentos de 11 de setembro de 2001

    sugerem, em especial, a releitura das duas primeiras partes da

    Poltica entre as naes. Entretanto, fazem-se necessrias cautelas

    quanto sua aplicao direta s questes da atualidade. So

    radicais as mais recentes transformaes mundiais. A guerra fria

    e o imediato ps-guerra fria j pertencem memria coletiva.

    Agora, j se desenha uma nova estrutura mundial. A ordem

    internacional mudou, inclusive com o incontido agravamento

    das as simetrias preexistentes. Variaram os comportamentos

    internacionais, com o aparente desprestgio das alianas militares

    diante da alta capacidade de atuao isolada demonstrada pelos

    EUA na sia central. As atuais vises estratgicas so factualmente

    distintas em relao aos tempos do bilateralismo nuclear e, mesmo,

    aos da ordem internacional, supostamente despolitizada dos 1990,

    que se lhes seguiu.

    Em comparao com o ps-guerra fria, quer dizer, com a

    ltima dcada do sculo passado, as novidades se manifestam,

  • 42

    de forma abrangente, no despontar do unilateralismo poltico-

    militar e no retrocesso do otimismo econmico globalizante. Nesse

    quadro, a doutrina do realismo poltico, sistematizada que foi

    pelos padres da guerra fria, necessitaria ser repensada, luz de

    sua eventual correlao com a presente problemtica internacional.

    Poltica entre as naes representa uma base para reflexo,

    por conter uma verdadeira mtrica da poltica externa dos EUA e

    por ser diretamente permeada pelo tema da insero mundial

    daquele, em termos de Poder e interesses. Nele, o realismo poltico

    parece recuperar o prestgio intelectual e estratgico, que perdera

    com o desaparecimento da Unio Sovitica, o esmaecimento da

    confrontao nuclear e o avano da globalizao e outros

    processos internacionais.

    De forma pioneira e corajosa, Morgenthau havia discutido

    o Poder sob a tica da bipolaridade tpica da guerra fria. Agora

    essa temtica volta ao proscnio mundial, mas sob o manto da

    dialtica terrorismo/antiterrorismo. O retorno do lxico e da sintaxe

    do Poder evita que Poltica entre as naes possa ser simplesmente

    relegada ao poeirento fundo das estantes. Mas, na prtica, obriga

    sua submisso aos testes da presente realidade, que justamente

    se notabiliza pelo quadro de unilateralismo, e do confronto da

    temtica do poder com tendncias de outra ordem.

    Nesse contexto, trs reflexes necessitam ser feitas. Em

    primeiro lugar, com foco no poder, problemas crticos esto

    diretamente na agenda de nossos dias e necessitam ser revisi-

    tados: a suficincia ou no das relaes de poder, na explicao

    da ordem internacional e na identificao das perspectivas desta;

    os atuais princpios operacionais do poder e sua eventual

  • 43

    codificao; a redefinio dos interesses dos Estados, do sistema

    internacional e, na verdade, de toda a humanidade; as linhas

    bsicas da hierarquizao mundial dos Estados; a cambiante

    relao internacional entre poder e moral; o respeito aos direitos

    da pessoa humana nas atuais condies internacionais; a atitude

    dos Estados com relao ao status quo mundial; e o inevitvel

    tema dos rumos atuais da questo do imperialismo, entre outros.

    Em segundo, esse novo olhar sobre o poder, com certeza,

    permitir aproximar sua lgica tradicional s novas tendncias

    globais, nas reas do conhecimento, da informao, do

    aprendizado, da inovao tecnolgica, do risco e do controle.

    Essas reas significam a ruptura com o passado, reformatam o

    presente e propem o futuro da sociedade e da economia. As

    macias transformaes de nosso tempo abrem novas questes

    e estimulam novas polticas. O mergulho nos clssicos da

    doutrina poltica, sua utilizao como referncia para a anlise e

    sua superao criativa correspondem a uma etapa necessria da

    formulao de uma viso estratgica condizente com esta poca,

    em que as consideraes internas e externas crescentemente se

    confundem.

    Finalmente, em terceiro lugar, permanece viva e, mesmo,

    recupera atualidade a crtica filosofia e metodologia do

    realismo poltico (da poltica do poder e da Realpolitik.

    Recentemente, o professor John A. Vasquez, - especialista na mtrica

    e nas causas dos conflitos - a reiterou21, com nfase nas inclinaes

    belicistas da doutrina e da prtica do poder. Segundo ele, um

    21 John A Vasquez, The Probability of War, 1816-1992, Presidential Address to the

    International Studies Association, New Orleans, 25 de maro de 2002.

  • 44

    dos papis mais importantes do pensamento realista a proviso

    de um folclore ou de uma cultura diplomtica. Nota que no

    Ocidente - desde Tucdides at Morgenthau, e depois deste -, essa

    escola de pensamento ensina os lderes como devem agir em

    questes de segurana internacional, e que est empiricamente

    demonstrado que, entre Estados de igual poder, as prticas da

    poltica externa realista tornam-se uma srie de passos em direo

    guerra, e no paz. Pensa que esse folclore ou cultura instrui

    os lderes de que devem aumentar seu poder e ainda comenta

    que os oponentes faro o mesmo, sentindo-se inseguros em

    face dessa ao. Outro fator de gerao de incerteza internacional

    o preceito realista de que o Estados devem impulsionar suas

    reivindicaes e defender suas posies.

    * * *

    No por acaso este livro parte da Coleo Clssicos IPRI,

    que representa uma marco nos estudos internacionais em nosso

    Pas, e na qual o vasto pblico interessado, inclusive os quase

    vinte mil alunos dos Cursos de Relaes Internacionais, encontrar

    melhor e mais fcil acesso a uma parcela fundamental do

    patrimnio cultural dessa indispensvel disciplina. Nesta Coleo,

    Morgenthau, ao lado de autores j citados - como Tucdides,

    Maquiavel, Hobbes, Carr, Aron -, encontra-se com Grotius, Kant,

    Hegel e Rousseau e outros gigantes do pensamento sobre a

    ordem internacional.

    Os intelectuais brasileiros e, de modo mais geral, latino-

    americanos certamente se sentiro estimulados a meditar no

  • 45

    apenas sobre a Poltica entre as Naes, mas sobre todo esse

    acervo, com o fim de melhorar a qualidade de nossa leitura

    coletiva da estrutura, operao e peripcias das relaes entre os

    Estados. Ao faz-lo, tero pela frente uma excelente oportunidade

    de incorporar, sistematicamente, em seu empreendimento, tambm

    as experincias e vicissitudes do Brasil e as dos demais pases

    em desenvolvimento, como parte da ordem internacional em

    estruturao. Entender o mundo constitui um desafio permanente,

    que se torna agudo neste momento de mudana, que j permite

    entrever um sculo XXI muito distinto do anterior.

    Em concluso, diante dos desenvolvimentos atuais, torna-

    se necessrio, reiterar palavras de cautela. Seria, efetivamente,

    equivocado e muito empobrecedor que se reduzisse a polissemia

    da cena mundial quase apenas a aspectos ligados violncia

    terrorista perpetrada em nvel quer nacional quer subnacional e

    sua imbricao com as aes antiterroristas. O poder e suas

    consideraes sempre sero indissociveis da condio humana,

    mas de forma alguma a esgotam. Pensar e agir em sentido

    contrrio seria marginalizar ou deixar sem encaminhamento

    prtico justamente as questes de cuja soluo dependem o

    efetivo progresso das relaes entre os Estados e o bem-estar da

    humanidade em nossa poca.

  • 46

    PREFCIO SEXTA EDIO

    Kenneth W Thompson1

    Na qualidade de estudante da Universidade de Chicago,

    aps a Segunda Guerra Mundial, tive o privilgio de servir como

    assistente de pesquisa do professor Morgenthau. Mais tarde,

    trabalhamos juntos no preparo de um livro de textos e de leituras

    intitulado Princpios e problemas de poltica internacional. O

    professor Morgenthau foi o principal responsvel pelo meu

    retorno quela universidade, no incio da dcada de 1950, como

    membro do Departamento de Cincia Poltica. Quando foi

    decidido que eu deveria organizar uma festschrift (edio

    comemorativa) em sua homenagem, trabalhamos juntos na tarefa

    de identificar ex-alunos, colegas e amigos especialmente

    familiarizados com as suas obras. Anos mais tarde, quando nossas

    responsabilidades profissionais nos reuniram em Nova York,

    mantivemos contatos freqentes e longas discusses. Como

    membro de vrios comits consultivos, ele contribuiu de modo

    significativo para os programas da Fundao Rockefeller, na qual

    eu trabalhava. Poucas semanas antes de morrer, apresentou um

    1 K. W. Thompson, poca em que escreveu o presente prefcio, era diretor do Miller

    Center of Public Affairs da Universidade da Virgnia.

  • 47

    trabalho sobre a presidncia e a poltica externa, no Centro Miller,

    da Universidade da Virgnia. Tanto no nvel pessoal como no

    profissional, mantivemos estreita amizade e colaborao

    intelectual at seus ltimos dias.

    Nossa ligao to prxima tornou ao mesmo tempo mais

    simples e mais difcil o preparo de uma sexta edio desta sua

    obra clssica, A poltica entre as naes. Por um lado, sempre

    havia procurado manter-me razoavelmente a par da evoluo

    de seu pensamento, desde a publicao do Scientifc Man versus

    Power Politics (O Homem Cientfico versus Poltica do Poder)

    at a reviso, depois de sua morte, de alguns ensaios ainda no

    publicados. Por isso, quando Bertrand W, Lummus, editor snior

    do. Departamento Universitrio da Random House, convidou-

    me a preparar uma nova edio de A Poltica, senti-me confiante

    de que possua os conhecimentos necessrios para a misso. Por

    outro lado, aps ter encetado a reviso e o reexame mais detido

    dos ltimos escritos do professor Morgenthau, descobri novos e

    importantes desenvolvimentos nos estgios finais de sua obra,

    que at ento eu desconhecia. Alis, seria de se estranhar se isso

    no tivesse ocorrido, uma vez que ele sempre manteve como

    princpio norteador no a defesa de uma posio intelectual,

    mas a busca da verdade.

    Como decorrncia de minha descoberta sobre o

    desenvolvimento contnuo de seu modo de pensar, busquei nesta

    edio deixar que Morgenthau falasse por si mesmo, sempre

    que possvel. Graas cooperao de seus filhos Susanna e

    Mathew, tanto meu assistente quanto eu tivemos acesso aos seus

    papis, que se encontram em depsito na Biblioteca de Alderman,

  • 48

    da Universidade da Virgnia. O senhor Peter Gellman mostrou-

    se incansvel ao colaborar comigo na pesquisa para localizar

    outros escritos, publicados ou no, que dissessem respeito aos

    problemas mais urgentes que confrontavam a humanidade no

    final dos anos 1970 e na dcada seguinte. Em seu prefcio

    quinta edio, revisada, Morgenthau mencionara que ali

    prosseguia de um modo orgnico e quase inevitvel o trabalho

    das edies precedentes. Sempre consciente de que sua grande

    obra mantivera uma integridade ao longo de edies sucessivas,

    procurei preserv-la utilizando de meios que teriam sido

    impossveis sem o recurso a seus prprios escritos. Consultei

    tambm seus rascunhos em manuscritos, cartas a editores e

    correspondncia profissional.

    Ao mesmo tempo, a quinta edio teve de ser atualizada e

    revista, de modo a refletir mudanas que ocorreram aps o

    falecimento do professor Morgenthau. O senhor Gellman e eu

    buscamos substituir dados e informaes factuais sempre que

    necessrio, embora sabendo que, enquanto trabalhvamos, as

    mars da histria iam tornando obsoleta parte do material de

    que dispnhamos sobre tpicos como populao, produo

    industrial, decises da Corte Internacional de Justia e algumas

    iniciativas da Naes Unidas. Com respeito a alguns temas, como

    direitos humanos, dtente e o problema nuclear, tive de fazer

    revises substanciais, introduzindo, sempre que possvel,

    fragmentos dos prprios escritos de Morgenthau. Tendo em vista

    que sua mente era to criativa e penetrante, nenhum candidato

    a executivo literrio poder declarar com certeza que o prprio

    Morgenthau teria formulado e exposto suas idias precisamente

  • 49

    no contexto em que elas so aqui apresentadas. Tudo o que

    posso afirmar que me esforcei ao mximo por ser fiel sua

    filosofia e s suas idias sobre problemas, do modo como as

    percebi.

    Charlottesville, Virgnia

    Kenneth W. Thompson