A pratica pedagogica historico critica (1) ana carolina galvâo

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  • 1. assistida n a atualidade a hegemonia dos rencdis da- pedagogias do ap mdet i preres DiFiees, eftA uM-pA e w a SURPRESAS QOAMOO FA1A TO30 meitMHO. A3 CRjAnAS"Sftlw C/WAMNO PAftQOe 6 WftOse MACWtAMM. Figura 2 73 Na terceira unidade (Idade Mdia), os primeiros desenhos e comentrios estavam bastante ligados aos contos de fadas, prncipes, princesas, reis e rainhas (figura 3). No entanto, esses elementos apa recem de forma fantasiosa, demonstrando pouca relao com a reali dade da poca, como, por exemplo, o papel da Igreja catlica (sequer mencionam algo relacionado religio) no perodo medieval. Nos desenhos que se referem ltima unidade de trabalho (Renascimento), possvel perceber pouco conhecimento dos alu nos sobre a poca, como se pode notar por meio dos dilogos, como neste trecho: Pesquisadora: Vocs se lembram que cada poca tem um nomel Criana l 7: Tem a Pr-histria, a Idade Mdia... Criana 2: Tem tambm os gregos... Criana 3: ! Tem os chineses... Criana 1: Os gregos e os chineses so da Antiguidade. 7 A numerao das crianas somente para identificar quantas se manifestaram em cada dilogo. No h uma correspondncia entre os nmeros nos diferentes dilogos. 46. 74 Pesquisadora: Isso! Agora temos um novo perodo histrico. Ele se chama Renascimento. O que ser que quer dizer? Por que ser que tem esse nome1 Criana 2: porque uma idade pequena1 Criana 3: o nascimento de Jesus! Criana 4: No! o renascimento de Jesus. Aps a sesso de discusso, na qual foram feitas outras per guntas, como, por exemplo, sobre como eram as casas, as roupas, as atividades comerciais e a arte, as crianas desenharam suas ideias, apresentando um repertrio bastante escasso de referncias que pu dessem constituir uma caracterizao do perodo (figuras 4 e 5). Em cada uma das etapas, aps esse primeiro contato tinha in cio o segundo momento da prtica pedaggica, a Problematizao. Na verdade, todos os momentos so imbricados e acontecem ao mes mo tempo, sendo separados somente para fins didticos. Existe um processo, um encaminhamento que segue determinadas diretrizes, mas no h um distanciamento entre um momento e outro, exceto por razes de exposio. / X ^escooo muuhk. A HouPA GtoASe igual a fiOSSft . 3 o T > IF6R T -poQ Jt coeeiA o Pscoifo- UNIDADE IV - PRTICA SOCIAL INICIAL UOMrt At/os, Figura 4 75 Figura 5 3.2 Segundo momento: Problematizao As questes selecionadas para essa etapa buscavam espe cialmente examinar a necessidade do cdigo escrito, as implica es de sua utilizao e suas transformaes. Apesar dessa preo- cupao central, no se perdeu de vista as outras dimenses, de natureza artstica, social, cientfica etc., e os seus desdobramen tos, pois todos esses elementos compem o saber erudito que se pretendia oferecer. A seguir sero apresentadas as perguntas que, em cada eta pa, nortearam os encaminhamentos didticos. Ao final de cada unidade, retomavam-se as questes aqui colocadas a fim de notar como e quais foram respondidas. Essas questes eram levantadas principalmente a partir das sesses de discusso, nas quais todos se manifestavam sobre os assuntos e eram trazidos especialmente livros que orientassem as discusses. Unidade I: Pr-histria e Primeiras Civilizaes As questes colocadas para esta etapa foram: 47. 76 a) O que Pr-histria? b) O que a histria? c) Como os homens se comunicavam na Pr-histria? d) Havia algum tipo de registro na Pr-histria? Para qu? e) Onde os homens escreviam? f) Que jogos conhecemos dessa poca ou baseados em cul turas dessas civilizaes? A primeira questo formulada foi baseada na ilustrao do livro Da Pr-histria ao Egito (Rius, 1994b), que retrata a sala de um museu com registros de civilizaes pr-histricas e dos pri meiros anos d.C. Procedeu-se o seguinte dilogo: Pesquisadora: Por que eles no deixaram escrito o que faziam? Criana 1: Porque no sabiam ler e escrever. Criana 2: Porque ainda no tinham inventado a escola. Criana 3: Porque ainda no tinham inventado a escrita. Esse fragmento do dilogo desenvolvido na sesso de discus so demonstra o caminho dedutivo das crianas, que prosseguem mais adiante: Pesquisadora: Ento, o que a Pr-histria? Criana 4: uma poca muito antiga. Criana 5: uma poca onde no existia gente, s dinossauros. Criana 2: Existia gente sim, os homens das cavernas! Criana 6: E quando no existia escola. Nota-se que as crianas associam a Pr-histria (correta mente) com um perodo remoto, mas que de alguma forma apre sentava uma civilizao, mesmo que primitiva, apesar da confuso com os dinossauros. 77 Como j era previsto, os momentos da Problematizao e instrumentalizao no esto descolados um do outro e conforme as perguntas e respostas iam acontecendo, as interferncias eram feitas para complementar, apoiar, fazer refletir e problematizar ain da mais. Por isso, foi definido ao grupo que a Pr-histria a poca anterior escrita. Por conta das ilustraes do livro, logo uma criana se adiantou: mas eles desenhavam! Com isso, a criana pretendia de fender que desenhar escrever na ausncia de um outro cdigo de escrita. Essa argumentao permitiu-nos entrar nas questes c, d e e, indicadas anteriormente, sobre a utilizao da es crita e seus suportes. Pesquisadora: Por que eles escreviam? Criana 1: Para saber o que iam caar. Pesquisadora: E como eles pintavam? Criana 7: Com pau. Criana 2: Com uma lana. Criana 6: Com pedras. Criana 8: Com tintas. Pesquisadora: E como eram as tintas? Criana 8: Eles matavam os animais para comer e usavam o san gue para pintar. Criana 2: Mas no livro tem pinturas com outras cores: amarelo, preto... Como faziam outras cores? Todos pensam um pouco e com auxlio respondem: Criana 9: Com carvo. Criana 6: Com folhas de plantas que eles amassavam e ficava colorido. 48. 78 Com relao ao questionamento dos jogos, as crianas no foram capazes de indicar jogos dessa poca, apesar de possurem na instituio e utilizarem com certa frequncia, por exemplo, o domin. Essas questes e suas respostas permitiram que, no momen to seguinte (instrumentalizao), fossem experimentados diversos suportes e instrumentos de escrita, verificando as possibilidades de cada um. Unidade II: Antiguidade (Grcia e China) Nessa etapa, as questes formuladas foram: a) Como eram as escolas gregas? b) Os gregos escreviam como ns? c) Onde os gregos escreviam? d) Que materiais os orientais usavam para escrever? e) Por que o papel foi inventado? f) Que jogos os povos orientais inventaram em sua cultura? Alm das questes anteriormente mencionadas, a sesso de discusso foi iniciada retomando os conhecimentos das crianas sobre a Grcia, que foi tema de um projeto desenvolvido com a turma no ano anterior (2004). Pesquisadora: O que vocs j aprenderam sobre a Grcia1 Criana 1: L tem o Partenon, que a gente fez de argila... Criana 2: A gente fez vasinhos, como os deles. Criana 3: A histria do Hrcules da Grcia. Criana 4: Tem a histria do Minotauro. Criana 5: Do Leo de Nemeia. Criana 6: Da Hidra de Lema. Criana 7: Das Amazonas... 79 Por esse dilogo inicial, foi possvel perceber que o conheci mento das crianas foi especialmente trabalhado em relao aos mi tos e com nfase nOs Doze trabalhos de Hrcules. Outro destaque de que aqui as crianas perceberam que cada poca recebe um nome diferente e questionaram o motivo dessas no menclaturas diferenciadas. Foi explicado que cada perodo tem uma referncia, suas caractersticas, e representa uma poca, um nmero determinado de anos, marcado por fatos histricos significativos. A partir daqui, a cada nova nomenclatura, as crianas queriam saber a razo do nome dado quele perodo, o que sempre foi respondido e discutido com o grupo. Sobre a questo da escrita grega, as crianas apontaram que era diferente da nossa, mas que tambm no eram mais desenhos, de monstrando perceber evoluo entre as pocas, apesar de no con seguirem definir qual era o tipo de escrita utilizado. Em relao aos suportes de escrita, falou-se em pedras, argila, papiro (introduzidos du rante a etapa anterior) e madeira. Na questo da inveno do papel, uma das crianas logo afirmou: foram os chineses! Apesar da resposta precisa sobre o povo responsvel pela inveno, nenhuma das crianas conseguiu articular uma resposta sobre o que motivou a inveno do papel e sua forma de fabricao. No que se refere aos jogos orientais, as crianas tambm desconheciam referncias dessa poca, apesar de possurem e utilizarem frequentemente, por exemplo, o jogo da velha, que similar ao Chung 1oi, apresentado s crianas durante a instru mentalizao. As sesses de discusso que geraram esses dilogos possibili taram que durante a instrumentalizao dessa unidade se explorasse mais a Antiguidade oriental, uma vez que as crianas j possuam alguns subsdios sobre a Grcia. Unidade III: Idade Mdia Para o perodo medieval, os questionamentos foram: 49. 80 a) Como eram os livros medievais? b) Em relao arte, o que eles pintavam? c) Quem sabia ler e escrever na Idade Mdia? d) Vocs conhecem jogos da poca medieval? Por conta da falta de referncias sobre o assunto, as crianas remetiam-se em vrios momentos aos conhecimentos elaborados nas unidades anteriores. Sendo assim, quando questionadas sobre os ma teriais utilizados nos livros medievais, as crianas se reportavam aos materiais j conhecidos: madeira, casca de rvore, folhas de rvore, pedras, papiro, seda e bambu. O mesmo aconteceu em relaao s expresses artsticas, pois as crianas se reportavam s pinturas nas cavernas e na seda. interessante notar que, j tendo avanado duas unidades, as crianas evitavam fazer colocaes de senso comum e baseadas em seu cotidiano. Apesar de sempre retornarem ao apren dizado anterior pela falta de subsdios sobre os novos temas, elas pas sam a apresentar clareza de que suas respostas podem ser subsidiadas pelos conhecimentos anteriormente construdos nas etapas anterio res, porque do valor a esse conhecimento adquirido. Em relao ao domnio da leitura e da escrita, as crianas sugeriram que eram professores, rainhas, reis e cavaleiros que sa biam ler e escrever, demonstrando alguma referncia sobre esse perodo histrico, que reconhecem a partir do momento que lhes informado que nessa poca temos os grandes castelos e que as his trias dos contos de fadas geralmente se reportam a esse ambiente. Os jogos, mais uma vez, so desconhecidos das crianas. Unidade IV: Renascimento Nessa unidade, as questes colocadas na sesso de discusso foram: a) O que o Renascimento? b) Como se manifestava a arte no Renascimento? 81 c) Conhecem algum artista renascentista? d) Quem foi Gutenberg e o que ele fez? Em relao aos artistas da poca, bem como em relao ao impressor J. Gutenberg, as crianas no souberam fazer nenhum co mentrio ou observao. Sobre o Renascimento, anteriormente j se relatou a concepo das crianas de que esse perodo tem esse nome porque est relacionado ao renascimento de Jesus. Acredita-se que, alm da prpria palavra, que remete histria bblica, h tambm como contribuio para essa associao o perodo anterior (Idade Mdia), fortemente marcado pela Igreja catlica e seus preceitos. E interessante notar que, ao iniciar a conversa, foram forne cidos alguns elementos que se referiam retomada dos valores cls sicos e do incio da libertao do domnio eclesistico neste perodo. Uma das crianas ento comentou, baseada em trabalhos desenvol vidos na instrumentalizao, sobre a Idade Mdia e a msica: Ah! Ento a msica dessa poca devia ser mais alegre, mais de danar! Essa colocao apresenta-nos, mais uma vez, uma incorporao de co nhecimentos, pois a criana conseguiu perceber caractersticas da msica medieval, de forma que um outro perodo, com outras carac tersticas, no teria msicas com as mesmas especificidades. 3.3 Terceiro momento: instrumentalizao As propostas de instrumentalizao envolveram tarefas de experimentao, sesses de discusso, leitura, artes e tambm pas seios e exibio de filmes. Com isso, procurou-se garantir a apro priao de conhecimentos bsicos sobre cada perodo histrico, tendo como pano de fundo a histria do livro. A seguir sero apresentadas e discutidas as aes de instru mentalizao desenvolvidas, divididas por unidades temticas, nas quais aparecero os objetivos, contedos, procedimentos didtico- -pedaggicos e os recursos utilizados. 50. 82 Unidade I: Pr-histria e Primeiras Civilizaes Objetivos Contedos Procedimentos didtico- pedaggicos Recursos a) Apresentar - A Pr-histria - Leitura, anlise e - Vdeo sobre as principais e as Primeiras interpretao de escrita; caractersticas dos Civilizaes; livros e vdeo; - Livro Da Pr- perodos histricos - Comunicao - Confeco de -histria ao Egito da unidade oral, gestual e placas de argila (Rius, 1994b); (Pr-histria escrita; com registros - Livro: O livro: e Primeiras - A sociedade escritos (formais como tudo Civilizaes) e a tecnologia ou no); comeou (R o th , b) Compreender as da Pr-histria - Escrita (formal 1993); comunicaes e Primeiras ou no) com - Livros da coleo verbal, no Civilizaes; carvo, pedra, O homem e a verbal e escrita - Contagem; giz, tinta etc. em comunicao como formas - Relao diversos suportes: (Rocha & R oth, de expresso numeral / papel, piso, 2002, 2003a, humanas quantidade; plstico, terra 2003b); historicamente - Formas etc.; - Argila, carvo, construdas; geomtricas. - Circuito de jogos; giz, tintas, papis, c) Conhecer as - Sesses de celofane; expresses discusso. - Jogos8: Bezette e artstica, cientfica Fara. e matemtica dos perodos; d) Apresentar os conhecimentos sobre suportes e instrumentos de escrita; e) Compreender conceitos de nmero e quantidade; f) Reconhecer formas geomtricas. Quadro 1 8 Foram utilizadas adaptaes de jogos de tabuleiro da empresa Origem, que pesquisa jogos de diferentes partes do mundo e que disponibiliza, alm das re gras, tambm a histria dos jogos. 83 Todas as etapas do trabalho iniciavam com uma sesso de dis cusso que se desenrolava a partir da leitura de livros paradidticos que tratam do perodo histrico trabalhado ou do tema da histria do livro. As sesses de discusso eram produtivas na medida em que se conseguia estabelecer relao com aquilo que seria feito a seguir na quele dia, como, por exemplo, as escritas em diferentes suportes (piso, papel, plstico, terra) e com diferentes instrumentos (carvo, pincel, dedo, graveto, pedra, giz). Assim, as crianas debatiam sobre supor tes mais adequados ou menos indicados para a escrita e depois, com base nos estudos e experimentaes, comprovavam ou refutavam suas impresses, que traziam para uma nova sesso de discusso, na qual refaziam a elaborao mental a respeito daquele conhecimento. Vale destacar que nem sempre as situaes eram experimen tais, mas os dados oferecidos para a anlise, como filmes e livros, deveriam criar nas crianas a mobilizao para refletirem sobre as razes de determinados elementos de forma que reconstrussem suas impresses e avanassem em direo ao pensamento mais elaborado. No trabalho com argila (figuras 6 e 7), as crianas puderam experimentar um suporte de escrita muito utilizado no perodo Pr- -clssico (Primeiras Civilizaes), que inclusive instituiu o primeiro sistema de correios, no qual as lajotas escritas eram envolvidas depois de secas em outra lajota, que servia como uma espcie de envelope que era quebrado pelo destinatrio para ler a mensagem. Ao produzirem peas de cermica (vasos, cestas etc.), as crian as puderam verificar a utilidade desse material em antigas civilizaes, refletindo sobre a produo humana dos instrumentos de trabalho. Da mesma forma, a experimentao da escrita em pequenas placas de ce rmica (figura 8) levou as crianas a perceberem as caractersticas desse material: maleabilidade, facilidade de transporte por ser leve - diferente da pedra, muito usada pelos egpcios -, possibilidade de apagar quando o erro fosse percebido antes da secagem, fragilidade, limitao de es crita, dificuldade de produzir linhas curvas, impossibilidade de apagar depois de seco, entre outras. Essas caractersticas foram discutidas com 51. 84 as crianas, sendo apontadas como facilitadoras ou dificultadoras de sua utilizao. Essas discusses, aliadas s experimentaes que fizeram tam- bm com outros materiais como o carvo, a tinta etc. (figura 9), possibi litaram s crianas compreender as preocupaes que os povos sempre tiveram com os registros e que sua produo diferenciada conforme as condies de desenvolvimento de cada cultura, de acordo com seu tempo histrico, levando importante concluso de que o processo de desenvolvimento humano no natural e sim social. Figura 6 Figura 7 Figura 9 Os jogos de tabuleiro (Bezette, figura 10, e Fara, figura 11) foram apresentados contando suas origens, culturas e as regras. Em seguida, as crianas puderam jogar. Nessa situao, estava envol vida, alm da aprendizagem sobre uma manifestao de outra cultu ra, tambm o desenvolvimento do pensamento lgico-matemtico. Para jogar, as crianas precisam contar, somar, subtrair, construir es tratgias, antecipar resultados, enfim, aproximar-se das premissas da matemtica, aqui ainda no formalizada. Alm disso, as crianas fize ram desenhos de suas partidas (figuras 12 e 13), o que instrumento 52. 86 fundamental aos pequenos, pois expressa o raciocnio da criana. As representaes de cada passo dos jogos so feitas ora por smbolos, ora por numerais e h at mesmo a representao de uma figura geo mtrica (pirmide) que construda ao final do jogo Fara. Figura 11 1 ^ 1 5 . Figura 12 - Representao do jogo Fara urrro-, . _______ & _____________________ Figura 13 - Representao do jogo Bezette 53. 88 Unidade II: Antiguidade (Grcia e China) Objetivos Contedos Procedimentos didtico- pedaggicos Recursos a) Conhecer - A Antigui - Leitura, - Livro A Antiguidade as principais dade e suas anlise e (Peris, 1992a); caractersticas organizaes interpretao - Livro: O livro: como da Antiguidade, sociais; de livros e tudo comeou (Roth, especialmente do - A escrita vdeo; 1993); povo grego e chins; chinesa e - Sesses de - Livros da coleo b) Compreender grega; discusso; O homem e a a destinao - Formas - Escrita comunicao da escrita, bem geomtricas; com letras (Rocha & Roth, como do uso de - Conceitos de recortadas de 2002, 2003a, diferentes suportes posio. revistas; 2003b); e instrumentos na - Circuito de - Revistas velhas para Grcia e na China. jogos; recorte; c) Reconhecer a - Discusso - Tecido branco, escrita como meio sobre pincis e tinta preta; de preservao da concepes - Revista Nova cultura; dos povos Escola, ed. 182 d) Ser capaz de utilizar antigos sobre a (Gentile, 2005); formas geomtricas Terra; - Jogos: Tangran e e posies como estratgia operacional (jogos). - Pintura em tecido. Chung Toi. Quadro 2 Nesta unidade, como j se ressaltou anteriormente, foram tra- balhadas duas culturas diferentes: a grega e a chinesa. Em relao cultura grega, muitas informaes j eram conhecidas das crianas por meio do projeto desenvolvido no ano anterior com a professora do Grupo 5. Sendo assim, concentrou-se especialmente na contri buio da China no desenvolvimento dos suportes de escrita, tam bm por conta do pouco tempo disponvel para explorar profunda mente essas ricas e complexas culturas. A partir dos livros compartilhados com as crianas, foi pos svel trazer uma informao sobre o sistema de escrita grego, que modificou a escrita das lnguas semticas (da direita para a esquerda) 89 e estabeleceu a regra de escrever da esquerda para direita. Essa in formao surpreendeu as crianas: Nossa! Que complicado!. Isso nos levou ao recorte de letras de revistas e jornais, para que as crianas escrevessem seus nomes ao contrrio (figura 14). UNIDADE II - INSTRUM ENTALIZAO M a v k p -k Figura 14 Com os jogos (Chung Toi e Tangran), trabalharam-se al guns pontos da cultura oriental e o desenvolvimento do pensamento lgico-matemtico (figura 15). UNIDADE II - INSTRUM ENTALIZAO - JOGO CHUNG TOI ^ U A G iOVAMA i ' N & GO 3A veiHfl T>if=eewTe /?oRQu6 tsm 05 s,hais(c->) Sffai Figura 15 54. 90 Em uma das sesses de discusso, falou-se sobre as concepes dos diferentes povos sobre a Terra, seu movimento e o sol (figura 16). Essas questes foram includas uma vez que o projeto da insti tuio para as crianas desse grupo era sobre os astros, e por isso se considerou importante aproveitar a relao entre os povos antigos e suas concepes sobre a Terra. Com isso, contemplou-se tambm o ensino de cincias. As crianas demonstram muito interesse sobre as temticas ligadas astronomia e esse um tema extremamente frutfero para ser explorado. Neste caso, foi possvel fazer uma aproximao inicial de alguns conceitos sobre a histria e o desenvolvimento da cincia. UNIDADE II - INSTRUMENTALIZAO - CONCEPES DA TERRA GLE5 ACHAVAM Que A t e r r a e t a Barqui nho e Q e o SOL CRA petieA P0ECIOSA. >V~ ______________ os/os Figura 16 Entre os suportes de escrita orientais utilizados antes da exis tncia do papel, h o bambu e a seda. A utilizao da seda era res trita aos documentos dos oficiais e nobres. As diferenas entre os dois suportes eram, entre outras, a maleabilidade, o fcil transporte e armazenamento da seda, as restries impostas pelas caractersticas do bambu escrita chinesa (ideogrfica) e, em contrapartida, o alto custo de produo da seda, bem como ser este um importante produ to comercial da poca. A inveno do papel, geralmente atribuda a 91 Tsai Lun (ano 105 d.C), partiu da necessidade de se encontrar um material que tivesse as caractersticas favorveis da seda, mas com custo e produo mais acessveis. Somente quinhentos anos depois de ter sido inventado, os rabes levaram o papel para a Europa, que inicialmente resistiu ao seu uso, porque era um material trazido por povos invasores, com outra cultura e religio. Alm da pintura em tecido (figura 17), foram apresentados tambm outros materiais antecessores do papel - o papiro, muito comum no Egito, e os pugilares, tradicionais cadernos de madeira recobertos de cera utilizados pelos gregos. Figura 17 Todas essas questes foram debatidas com as crianas, para discutir com elas as implicaes sociais e econmicas existentes no uso da seda, bem como as questes religiosas envolvidas no uso do papel na Europa, alm dos pontos polticos e sociais inseridos nas invases rabes. importante ressaltar que os contedos propostos foram tra tados em forma de unidades, abrangendo um longo perodo hist rico. Com o desenvolvimento das unidades, procura-se estabelecer relaes significativas entre o todo e as partes. 55. 92 Unidade III: Idade Mdia Procedimentos Objetivos Contedos didtico- Recursos pedaggicos ... a) Conhecer - A Idade Leitura, anlise e Vdeo O nome da as principais Mdia e suas interpretao de rosa-, caractersticas caractersticas livros e vdeo; - Livro A Idade da Idade Mdia; (sociedade, arte, - Escrita e Mdia (Rius, b) Compreender as transformaes escrita); - A escrita como sensibilizao musical; 1994a); - Livro: O livro: do livro em recurso e com - Torneio de jogos; como tudo razo das funo social; - Escrita formal comeou (Roth, tcnicas - Formas associada ao 1993); empregadas, o geomtricas; jogo Cidade - Livros da coleo desenvolvimento - Unidades de Medieval; O homem e a da escrita e de medida; - Sesses de comunicao seus suportes e - Relao numeral/ discusso; (R ocha & R oth, instrumentos; quantidade. - Sesses de leitura 2002, 2003a, c) Conhecer a de obras de arte; 2003b); arte medieval e, - Passeio; - Livros de arte por meio dela, compreender tambm a - Fabricao de medieval; papel. - Jogos: Cidade Medieval e sociedade Speculate; medieval; - Moldes para d) Utilizar a papel. escrita como recurso de identificao de objetos; e) Ser capaz de utilizar formas geomtricas, medidas e contagens como estratgias operacionais (jogos). 1 Quadro 3 93 Os trabalhos mais extensos realizados foram referentes uni- dade I (Pr-histria e Primeiras Civilizaes) e esta unidade, sobre a Idade Mdia. A explorao desses perodos teve grande repercusso sobre as crianas e so pontos altos da interveno. Uma das primeiras aes desenvolvidas nesta unidade foi de sensibilizao musical. As crianas foram levadas at a sala de ex presso corporal da instituio, na qual deitaram em colchonetes e ouviram alguns trechos de cantos gregorianos, msica tpica da Idade Mdia. Durante a escuta musical, as crianas eram estimula das a pensar em lugares, situaes, cores, gostos e cheiros que lhes vinham mente ao escutar as msicas. Depois, foi feita uma sesso de discusso questionando as crianas sobre as sensaes que tive ram enquanto escutavam os cantos gregorianos. Nessa conversa, as crianas apontaram que: Criana 1: uma msica calma. Criana 2: E tranquila. Criana 3: msica de igreja. Criana 4: E msica de missa. Depois, foi solicitado que desenhassem suas impresses (figura 18), e praticamente todos os desenhos produzidos trazem referncias a aspectos ligados religiosidade, assim como j havia sido aponta do na sesso de discusso, apesar do desconhecimento at aquele momento sobre a importncia da Igreja nessa poca. Mas essas asso ciaes indicam que os alunos tinham proximidade por meios coti dianos com elementos que os remetiam a esse universo, pois, em sua totalidade, os alunos so de famlias que pertencem a uma religio (catlica ou evanglica). 56. 94 EXPRESSO GRFICA DA SENSIBILIZAO MUSICAL Figura 18 No dia seguinte, novamente foram colocados cantos grego- rianos para que as crianas escutassem, dessa vez pedindo que pres tassem ateno nos elementos de composio da msica, como fre quncia das notas e timbre, alm da percepo quanto s sensaes trazidas pela msica. Ouvindo as msicas, as crianas foram colo cadas em volta da mesa, cada uma com uma folha de papel e uma caneta hidrogrfica de cor diferente. Foi solicitado que desenhassem algo que lhes vinha mente ao ouvir a msica, e ao sinal, deveriam trocar de folha, continuando o desenho do colega (figuras 19 e 20). Figura 19 95 Figura 20 interessante notar que os desenhos finais trazem, com cores diferentes (o que significa que partiram de crianas diferentes), ele mentos religiosos, como a cruz, anjo e altar (figura 21). A essa altura, oportunizou-se uma nova sesso de discusso na qual foram aborda dos alguns pontos relevantes: a introduo formal da nomenclatura da msica (canto gregoriano) e suas caractersticas. Figura 2 1 57. 96 Outro trabalho desenvolvido foi a escrita de partituras musi cais. Primeiramente se apresentou o suporte de escrita tradicional mente utilizado na Europa medieval para a escrita, o pergaminho. Em seguida, foram exibidas imagens de partituras musicais da poca, escritas em pergaminho, nas quais as notas musicais eram quadradas. Depois, cada criana produziu sua prpria partitura. A professora de msica explicou aos alunos que a simples colocao das notas nas partituras no era suficiente para estabelecer a forma de a msica ser tocada, pois dependeria tambm da localizao da clave. Em seguida, colocando a clave em diferentes posies, a professora tocou as msi cas elaboradas com uma flauta. O objetivo com isso era ressaltar para as crianas que h, na msica assim como na escrita, a necessidade de cdigos estabelecidos que devem ser respeitados de forma que sejam padronizados e tornados universais. O jogo Speculate, traduzido para as crianas como Especula o (figura 22), exigiu uma explicao quanto ao significado da pala vra que d nome ao jogo. Com o apoio da histria do jogo, foi possvel esclarecer s crianas a sua denominao e as regras para jog-lo. Foi um jogo que despertou muito interesse das crianas pela simplicidade de suas regras, assim como j havia ocorrido com o Bezette. Nesse jogo, desenvolveram-se com os educandos atividades de raciocnio lgico-matemtico: quem tem mais, menos, estratgias para ganhar o jogo e respeito aos padres estabelecidos por suas regras. Outro jogo apresentado foi Cidade Medieval. Com regras um pouco mais complexas, as crianas tambm gostaram de jogar, mas principalmente se interessaram em conhecer o que cada compo nente representava, pois se trata de um jogo que tem peas de dife rentes formatos, cada uma representando uma tpica construo das cidades medievais: estbulos, mosteiros, quartis, castelos, tabernas, praas, hospitais etc. Com Cidade Medieval tambm se realizou um trabalho de escrita (figura 23), associando o desenho das figuras e a escrita daquilo que cada uma representa dentro do jogo, aliando contedos da matemtica e da linguagem. 97 III-INSTRUMENTALIZAO-JOGO "ESPECULAO" 36o Dft ESPecuu a o M lr > S 0 o 0 ' ^ 1 * .s , j 0 Q O 6 0 0 0 0 - i Figura 22 Esses jogos, por suas histrias e caractersticas, permitiram dis cutir a configurao da sociedade medieval, o que posteriormente foi aprimorando-se medida que as tarefas avanaram. Ill - INSTRUMENTALIZAO- ESCRITA DO NOME DAS PEAS DO JOGOS CIDADE MEDIEVAL PftPA a escau Figura 38 O texto sobre a Antiguidade apresentou ideias mais articula das entre si e permaneceu o destaque aos suportes e instrumentos de escrita, eixo principal. 111 A Antiguidade Na Grcia, somente os meninos frequentavam a escola. Os livros eram de madeira com cera por cima. Eles raspavam quando terminavam de escrever e escreviam de novo. Na China, eles escreviam no bambu e na seda. O bicho da seda faz um fiozinho que depois vira a seda, que muito cara. Por isso e para no ter que esperar o bicho da seda fazer o fiozinho e para poder ter bastante, os chineses inventaram o papel. Quadro 6 - Texto coletivo: Antiguidade O segundo esquema conceituai apresentou, em complemen- tao ao texto, alguns outros elementos trabalhados na instrumenta lizao: os jogos e a diferena das letras. G rcia S os meninos iam escola e usavam cadernos de madeira. A escrita era diferente da nossa: no tinham todas as letras que temos a r - > C hina | r Conheciam jogos como Chung Toi e Tangran, escreviam na seda e no bambu e inventaram o papel porque era mais barato O texto coletivo do perodo medieval destacou a nomenclatu ra desse perodo, o filme O nome da rosa, a arte e os livros. Idade Mdia A Idade Mdia chamada assim porque ela est no meio da Antiguidade e do Renascimento. No filme apareceu um labirinto de livros e eles saram do labirinto como Teseu na histria do Minotauro. Esse labirinto era uma biblioteca que tinha livros que no podiam ser lidos porque no eram da Igreja. As pinturas eram sobre Deus, Jesus, anjos, monges, enfim, temas de f e da Igreja catlica. Na Idade Mdia, os monges copiavam livros de pergaminho e s eles sabiam ler e escrever. Quadro 7 - Texto coletivo: Idade Mdia 65. 1 1 2 No esquema conceituai da Idade Mdia, os elementos consti tutivos apresentaram-se de forma mais extensa: trs itens com diver sos subitens. Isso foi possvel porque essa foi uma unidade de grande interesse e com mais contedo transmitido aos alunos. O perodo do Renascimento teve seu texto coletivo marcado quase que exclusivamente pelo tema da escrita, exceto pela meno arte comparando-a com o perodo anterior. Na mesma direo se guiu o esquema conceituai desse perodo. Renascimento No Renascimento eles pintavam coisas diferentes da Idade Mdia, porque eram temas da Grcia. O Gutenberg inventou os tipos mveis, que eram blocos de madeira e de metal, que serviam para imprimir as coisas. A inveno de Gutenberg foi importante porque ele imprimia coisas e mais pessoas aprenderam 1er e escrever. Quadro 8 - Texto coletivo: Renascimento 113 3.5 Quinto momento: ponto de chegada da prtica educativa Neste momento, pela mediao das aes pedaggicas, que promovem um novo posicionamento perante as questes problema- tizadoras, caminhou-se da sncrese inicial para a compreenso sint tica do assunto. No se trata, porm, de compreender este momento como algo desvinculado das etapas intermedirias (Problematizao, instrumentalizao e catarse). Se no quinto momento se chegou com acrscimos ao que se verificava no incio do processo, justamente porque as aes dos momentos anteriores, com permanente vincula o com a prtica social, causaram mudanas nos sujeitos. Sendo assim, no ponto de chegada da prtica educativa, preciso ter novas atitudes ante a realidade e os conhecimentos ad quiridos. A expresso dessa nova atitude diante do contedo ocorre quando sua retomada demonstra domnio dos alunos em relao aos assuntos abordados, expressando uma ao mais complexa sobre o conhecimento. Portanto, as crianas avanaram, sendo capazes de fazer a leitura da realidade de forma diferente daquela viso fragmen tada e de senso comum que tinham no ponto de partida da prtica educativa. 66. Captulo 4 Intervenes no ensino funda menta B S r > 1. A Educao no estado de So Paulo A desvalorizao da educao no vem de pouco tempo e os trabalhadores sempre foram os mais prejudicados por isso. Entretan- to, no caberia nesse momento me desviar do tema central deste livro para explicitar essa ideia. Mas, para que se possam compreender as atuais circunstncias de atuao dos professores da rede pblica paulista, devo recuar no mnimo ao ano de 1983, quando a Secre taria de Estado da Educao de So Paulo (SEE) implantou o Ciclo Bsico (CB)1e, com ele, adotou o construtivismo. Com a implantao do CB, a Coordenadoria de Estudos e Nor mas Pedaggicas (Cenp) e a Fundao para o Desenvolvimento da Educao (FDE) passaram a publicar diversos documentos filiados ao construtivismo. Os governos que se sucederam (Montoro, Qurcia, Fleury, Covas, Alckmin e Serra) propuseram diversas reformas no ensino, mas nenhuma delas alterou a linha pedaggica assumida pela Secretaria2. Ademais, vale a curiosidade de que, em 1984, o se cretrio de Educao era Paulo Renato Souza, que posteriormente 1 Sobre a preparao para a implantao do construtivismo no CB, confira Marsielia e Duarte, 2009a. 2 Sobre o construtivismo como concepo pedaggica nos ltimos 25 anos, confi ra Marsiglia e Duarte, 2009b. 67. 116 assumiu o Ministrio da Educao (1995-2002) e em 2009 voltou frente da pasta da Educao paulista... E l se vo mais de 25 anos... Em sua primeira gesto na Secretaria, Paulo Renato partici pou da implantao do CB, garantindo as bases do construtivismo na SEE. Como ministro, conduziu boa parte das reformas poltico- -educacionais iniciadas na dcada de 1990, alinhadas ao neolibera- lismo e s pedagogias do aprender a aprender. Em particular, na formao de professores, implementou o Programa de Formao de Professores Alfabetizadores (P r o fa )3, depois trazido para So Paulo com o nome de Programa de Formao de Professores Alfabetizadores Letra e Vida. Atualmente, mantm, assim como seus antecessores, a concepo pedaggica construtivista como oficial da rede estadual de ensino paulista. Tem dado continuidade tambm ao programa Ler e Escrever4, que teve como ponto de partida o Letra e Vida e tem sua origem na [...] necessidade de se atuar com mais foco na alfabetizao dos alunos das sries iniciais [...] (SO Paulo/SEE, 2008a, p. 3, grifo meu). Melhor seria ressaltar a necessidade de se atuar com foco na al fabetizao, pois os ndices insatisfatrios de desempenho dos estudan tes no tm sofrido alteraes e isso nunca imprimiu uma mudana de rumo nas concepes pedaggicas adotadas pela SEE. Os gestores da educao vm reiteradamente se esquivando da imputabilidade. Na apresentao do programa Ler e Escrever, dirigindo-se aos professores, a ex-secretria Maria Helena Guimares 3 Para uma anlise crtica do Profa, confira Mazzeu, 2007b. 4 O programa estrutura-se em projetos destinados a cada uma das sries iniciais do ensino fundamental, cada qual com aes de carter geral e especfico. As aes de carter geral so: formao do trio gestor (supervisores, diretores, ATP); formao do professor coordenador, responsvel pelo Ciclo I; acompa nhamento pelos dirigentes de ensino; formao do professor regente; publicao e distribuio de materiais de apoio sala de aula; critrios diferenciados para regncia das turmas que participaram dos projetos. So aes de carter espe cfico: convnios com instituies de ensino superior para apoio pedaggico s classes de Ia srie; organizao administrativa e curricular diferenciada para as turmas de 3ae 4asries; critrios especficos para encaminhamento de alunos ao Projeto Intensivo no Ciclo (PIC) de 3ae 4asries - somente alunos que at a 3a srie no tenham aprendido a ler e escrever (So Paulo, 2007 a). de Castro, antecessora de Paulo Renato, afirmou que [...] o momento no de procurar culpados por no termos resolvido essa questo [a alfabetizao] at agora. A hora de dividir responsabilidades e, com o empenho de todos, reverter esse quadro (SO Paulo/SEE, 2009, p. 3). Peculiarmente se utilizando do ttulo de uma famosa cartilha, bastante utilizada inclusive na rede estadual at sua transformao em vil do fracasso escolar, aps enaltecera responsabilidade do professor no processo de ensino e aprendizagem, declarou a ex-secretria que [...] no ser um caminho suave. Mas, quando nos depararmos com meninos e meninas de oito anos lendo poemas, receitas, histrias, notcias e outros gneros e escrevendo cartas, histrias, receitas, notcias e outros, certamente vamos ter a grata sensao de quem, de fato, cumpriu uma nobre e importante misso (So Paulo/SEE, 2008a, p. 4, grifo meu). Palma Filho (2009), em seu artigo A poltica educacional do estado de So Paulo no perodo de 1983-2008, faz uma descrio da educao paulista no referido perodo desprovida de apreciao crtica e finaliza com apontamentos sobre um conjunto de medidas [...] necessrias para comear a reverter os baixos ndices de rendi mento escolar apresentados em nossas escolas (P a lm a F ilh o , 2009, p. 6062). Independentemente das aes listadas pelo autor (que me recem uma anlise crtica parte, no compatvel com a finalidade deste livro), o que chama a ateno a colocao dessas medidas como parte de uma luta que se deve empreender para iniciar a rever so dos resultados que demonstram que os alunos no esto apren dendo... Eles no esto aprendendo h muito tempo! E se tomarmos como base o pretenso discurso de mudana da escola na dcada de 1980, ps-ditadura militar, a implantao do CB um marco refe rencial importante para a educao paulista, pois a adoo do cons trutivismo prometia uma revoluo na escola5. Entretanto, os prin cpios formulados no artigo Io do decreto n. 21.833 de 28/12/1983 117 5 Foram diversas as publicaes fundamentadas no construtivismo organizadas pela SEE nesse perodo. Por exemplo, So Paulo, 1983a, 1984a, 1984b, 1985a, 68. 118 (S o P a u lo / S E E , 1983b) j suscitavam certa ligao com ideias que vieram a caracterizar o neoliberalismo e ps-modernismo: flexibilida- de, respeito individualidade e s caractersticas socioculturais dos alunos. A despeito das limitaes e filiaes tericas do construtivismo, em nenhum momento em mais de 25 anos a concepo pedaggica foi assumida como responsvel pela no aprendizagem. Duran, Alves e Palma Filho (2005, p. 90, grifo meu) afirmam que o CB visava a um [...] projeto de reorganizao curricular, que tinha como escopo orientar um ensino mais adequado ao aluno concreto que frequentava a escola pblica. Para esses autores, a proposta do Ciclo Bsico era arro jada e democrtica. Seus enfrentamentos e entraves deveram-se se letividade do sistema escolar e presena do pensamento pedaggico conservador. Em contrapartida, preciso refletir sobre o rebaixamento do ensino proporcionado por esse suposto respeito ao aluno concreto to sublimado pelo construtivismo. Delia Fonte apresenta contribui es importantes para essa discusso. Ao abrir mo de qualquer princpio universal, aniquila-se a base para a defesa da diversidade e da pluralidade [...]. Alm disso, pode mos pensar nos impasses polticos que a noo de um sujeito fluido e fragmentado traz: impede a constituio de laos de solidariedade para alm de resistncias locais e, assim, mina aes coletivas am plas. A disperso das pessoas em comunidade e grupos de interesses arrefece o poder de presso e deixa o Estado capitalista numa posi o confortvel [D ella F o n t e , 2003, p. 5]. Na mesma direo, Duarte (2006) explica que, para o ps- -modernismo (um dos pilares das pedagogias do aprender a apren der), um projeto educativo orientado pela transmisso e apro priao da cultura universal (universalizao da riqueza material e intelectual) seria considerado reacionrio, tradicionalista e etnocn- 1985b, 1985c, 1985d e 1986, quando o coordenador da C en p era Joo C . Palma Filho. 119 trico. O adequado para os ps-modernos seria o relativismo cultural (que leva ao esvaziamento das relaes sociais). Porm, para esse autor, [...] um equvoco considerar-se etnocntrica a transmisso universalizada da cincia e da arte pela escola e [...] tambm um equvoco considerar-se que o relativismo cultural favorea o livre desenvolvimento dos indivduos (D u a r te , 2006, p. 616). O governo paulista tem elaborado, h mais de um quarto de sculo, material didtico e formao continuada com base no cons trutivismo. Esses materiais/cursos, aliados a mecanismos legais, in fluenciam a prtica pedaggica instituindo um discurso oficial que veicula valores e ideologias. Com a imposio de sua concepo de ensino e aprendizagem, os governos que se sucedem fazem com que os professores fiquem cada dia mais refns das diretrizes estabelecidas e voltadas desqualificao da educao da classe trabalhadora. Buscando atuar como professora das sries iniciais do ensino fundamental, contrapondo-me ao quadro anteriormente caracteri zado, que desenvolvi, de 2006 a 2008, em turmas de Iasrie (atual 2o ano) na E. E. Ana Rosa Zuicker DAnnunziata6, um trabalho fundamentado na pedagogia histrico-crtica. Alis, aproveito o mo mento para salientar o trabalho compromissado que essa unidade de ensino desenvolve com a aprendizagem dos alunos e expressar mi nha admirao por aquelas educadoras que tornam os profissionais da educao dignos de todo meu respeito e com quem tive a honra de trabalhar. Antes de apresentar algumas das experincias realizadas nesse perodo, quero comentar a questo do ensino fundamental de nove anos. Apesar de oficialmente a Secretaria de Estado da Educao de So Paulo ter assumido somente em 2010 as classes de Ioano, j nos anos anteriores as escolas estaduais paulistas acolhiam crianas de 6 anos, visto que a matrcula poderia ser efetuada na antiga Iasrie se 6 Como j salientei no captulo 3, todos os trabalhos foram realizados com anun cia das instituies e dos pais dos alunos por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 69. 120 o discente completasse 7 anos durante o ano letivo. Portanto, mesmo no se tratando de turmas de Io ano, as classes de Ia srie j rece biam crianas de 6 anos, ainda que no estivesse institucionalizado o ensino de nove anos na rede estadual. Mas, afinal, o ingresso no ensino fundamental aos 6 anos traz danos infncia? E o que ser discutido a seguir. 2. O Ensino fundamental de nove anos: prejuzos para a infncia? A lei n. 11.114 (B r a s il, 2005), publicada em 16 de maio de 2005, alterou os artigos 6o, 30, 32 e 87 da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (lei n. 9.394/96) (B r a s il, 1996), com o objetivo de tornar obrigatrio o incio do ensino fundamental aos 6 anos de idade. Com isso, essa etapa da educao passou a contar com nove anos, mudando sua denominao de srie (Iasrie, 2asrie etc.) para ano (Ioano, 2oano etc.), estendendo-se assim do Ioao 9oano. A antecipao da escolarizao, com o ensino de nove anos, tem sido vista pejorativamente pelos defensores da pedagogia da in fncia. Nessa perspectiva, a educao infantil deve ter um modelo especfico que seja avesso educao escolar. Como afirma Pinazza (2005, p. 87): [...] quando procuramos defender a especificidade da pr-escola, fazemos isso tentando distanci-la, a todo custo, dos fazeres esco lares, da escolarizao. Ao propor a questo dessa forma, estamos assumindo que no convm igualar a pr-escola escola, porque a escola muito ruim e ela no vem cumprindo adequadamente seus compromissos com a infncia de 7 a 12 anos. A ampliao do ensino fundamental colocada nos documen tos oficiais como algo que procura atender s caractersticas, poten cialidades e necessidades especficas das crianas de 6 anos, assim como aquelas de anos subsequentes (Brasil/MEC/SEB, 2006, p. 8). Essa imagem de um segmento de ensino que passa a ter especificida- 1 2 1 des que seriam combatidas pela pedagogia da infncia se traduz, na realidade, tambm em uma concepo antiescolar. Ao avaliar que a entrada no ensino fundamental tem sido motivo de frustrao das crianas, ao supervalorizar os saberes cotidianos considerando que ensin-las uma crueldade limitadora de suas possibilidades, ao de fender as diferentes culturas e considerar que o ser humano sin gular em sua forma e quantidade de aprendizagem (idem, pp. 9-11), o discurso resvala para as pedagogias do aprender a aprender, que tm congruncia certa com a pedagogia da infncia. Na perspectiva terica da pedagogia histrico-crtica e da psicologia histrico-cultural, no se encontra nenhum prejuzo na escolarizao. Ao contrrio, entende-se que a educao escolar deve ser garantida tambm s crianas pequenas, pois por meio da apro priao do patrimnio humano-genrico, de modo privilegiado pela educao de carter escolar, que os seres humanos podem desen volver-se. No entanto, no basta que o ensino fundamental comece um ano antes do que ocorria. Tambm no cabe a defesa de uma educao para as crianas do Io ano que, em nome de um suposto respeito s suas particularidades, lhes sonegue o direito ao conheci mento. O que se faz premente uma educao escolar de qualida de desde a educao infantil, rica em possibilidades e intervenes que proporcionem aos indivduos a apropriao da cultura em suas formas mais desenvolvidas. Trata-se de ter, como afirmou Duarte (1998), uma concepo afirmativa pelo ato de ensinar, que se adian te ao desenvolvimento, contribuindo no processo de humanizao dos indivduos. Essa tarefa, cada vez mais problemtica na sociedade atual, precisa ser enfrentada pelos educadores, radicalizando a luta em defesa da educao, contra concepes antiescolares, [...] isto , contra todas as polticas, as prticas e os iderios que apresentam como uma educao que valorizaria a autonomia do aluno algo que, na realidade, um intenso processo social de apropriao privada do conhecimento (D u a r te , 2008, p. 205). 70. 1 2 2 Em seguida sero apresentadas duas experincias realizadas no ensino fundamental, em turmas de Iasrie. Vale destacar que os trabalhos descritos representam parte dos contedos abordados em duas reas do conhecimento (matemtica e cincias) e no se refe rem a todo o contedo de ensino trabalhado durante o ano letivo. Trata-se de relatos que apenas tm a finalidade de ilustrar a utiliza o da pedagogia histrico-crtica e sua viabilidade na prtica peda ggica dos professores. Isso justifica tambm que, como a durao desses trabalhos foi menor do que aquelas apresentadas no captulo anterior, trazem resultados tambm de menor proporo, o que no minimiza as possibilidades de que um trabalho histrico-crtico seja realizado nas sries iniciais. 3. Um Contedo de matemtica da 1 srie do ensino fundamental No texto Diferenas culturais de pensamento, j menciona do anteriormente (vide captulo 2), por meio de seus experimentos, Luria verificou que os sujeitos de sua pesquisa (sem nenhuma ou com pouca escolarizao) utilizavam como princpio de agrupamento de objetos sua utilidade prtica, ou seja, baseavam seus critrios no em propriedades abstratas (por exemplo, a denominao dos objetos tendo por base as formas geomtricas), mas sim por associaes ao uso cotidiano deles. Esse autor demonstra ento que a evoluo do pensamento prtico pelo pensamento terico se d em razo da es colarizao. Ele afirma que indivduos com maior nvel educacional podem classificar estmulos perceptivos de forma mais apropriada, mas que isso [...] no uma realizao natural e inevitvel da mente humana [...] (L u ria , 2006a, p. 46). Sendo assim, o currculo escolar deve promover uma forma de pensamento distinto da vida cotidiana. A matemtica surgiu na histria humana para auxiliar o ho mem no domnio da natureza. Entretanto, seu desenvolvimento tornou-a muito mais complexa do que as necessidades do dia a dia, pois, na medida em que o trabalho social atendeu s necessidades 123 cotidianas, novas necessidades surgiram, levando a um conhecimen to de nvel mais elaborado. A matemtica lida com ideias, ou seja, com instrumentos no materiais. Betty Oliveira (2001, p. 4) acerta- damente afirma que o professor deve possibilitar [...] as condies pedaggicas adequadas apropriao, pelo educando, do conheci mento matemtico que ele ainda no domina, mas precisa dominar para poder utiliz-lo como instrumento cultural de sua atuao na sociedade em que vive. Para essa autora, a lgica voltada aos obje tivos prtico-utilitrios limitada e impede o avano do raciocnio para o desenvolvimento de clculos mais avanados (idem, p. 17). Na 1asrie, fundamental reconhecer os smbolos e a lingua gem matemtica na representao de nmeros, quantidades e outros conceitos, como posio, grandezas, medidas etc. Um dos conjuntos de noes a garantir so as posies, pois desenvolve o vocabulrio matemtico e contribui para o desenvolvimento posterior de outras operaes mais complexas. Assim, o objetivo desse trabalho foi levar os alunos a compreender e utilizar os conceitos de: em cima, embai xo, perto, longe, entre, dentro e fora. Nesse sentido, podemos retomar Luria (2006a) ao constatar que a mesma dificuldade encontrada em seus experimentos acon teceu com os alunos da Ia srie quando expostos aos conceitos ma temticos em questo. Como prtica social (e que se constituiu no ponto de partida da prtica pedaggica), os alunos traziam a neces sidade de, por exemplo, ir perto de um colega para dizer que aquilo queria dizer perto. No havia, portanto, repertrio que viabilizasse que eles explicassem os conceitos verbalmente. Da mesma manei ra, os discentes depararam-se com a dificuldade de representar os conceitos por meio de desenhos. Suas representaes grficas tra ziam, tanto para o conceito perto, como para o conceito longe, o mesmo desenho. Essa verificao foi feita utilizando uma sequncia de desenhos (tirinha de trs quadros), na qual os alunos deveriam representar a histria Tatu-bola (R a n g e l, 1992), que explora essa relao. No primeiro quadro, foram orientados a desenhar o tatu 71. 124 apaixonado pela bola. No segundo, deveriam colocar o tatu perto da bola e no terceiro, longe da bola (figura 39). Figura 39 importante enfatizar qual o objetivo para o qual se deve voltar o diagnstico dos conhecimentos prvios dos alunos. Segundo Oliveira, o conhecimento prvio do aluno s pode ser considerado uma motivao de aprendizagem se o professor organizar procedimentos pedaggicos que superem os limites da lgica prtico-utilitria. Sem isso, o co- nhecimento prvio do aluno, longe de contribuir, no processo ensino- -aprendizagem, para a superao de sua situao cultural e social, ser mais uma forma alienada e, como tal, injusta de mant-lo dentro dessa situao, a qual lhe foi imposta pelas relaes sociais alienadas e alie- nantes da sociedade em que vive (O liveira, 2001, p. 18). Em seguida, a partir da anlise dos desenhos da etapa anterior, foi feita com os alunos a discusso de como percebiam os conceitos representados. Ao fazer essa reflexo (Problematizao), tratou-se da importncia de utilizar corretamente o vocabulrio matemtico, levando os discentes a perceber que a necessidade de padronizao dos conceitos (como universais) advm de uma necessidade social, portanto, uma necessidade humana, desenvolvida e respondida pe los seres humanos. Na etapa seguinte (instrumentalizao), diante da insuficincia notada no momento anterior, as aes didticas tinham por objetivo 125 oferecer aos alunos subsdios que lhes possibilitassem agir com o con tedo de forma que rompessem com o senso comum e, pela apropria o dos instrumentos oferecidos, ascender ao conhecimento cientfico. E no momento da instrumentalizao que se evidencia o cur so do desenvolvimento da criana. Atuando na zona de desenvolvi mento iminente, o professor propicia ao aluno o avano necessrio para tornar desenvolvimento efetivo aquilo que antes se constitua em possibilidade. Trata-se do desenvolvimento das funes psicolgicas superiores, que exigem uma ao mental diferenciada e, consequente mente, um grau maior de desenvolvimento humano. Mas como afirma Vigotski (2009), o amadurecimento das funes psicolgicas superio res depende das condies de ensino, portanto, no instintivo. As funes psicolgicas superiores podem desenvolver-se em diferentes graus. Isso quer dizer a ateno de um indivduo, por exemplo, pode ter uma complexificao maior ou menor, dependen do da maneira como essa funo opera. E o que determina como ela funciona a exigncia que se faz de seu funcionamento. Assim, dian te da falta de concentrao de uma criana, preciso exercitar-lhe para melhorar a ateno, oferecendo-lhe, por exemplo, jogos que paulatinamente lhe exijam graus de concentrao cada vez maiores. A educao escolar pode contribuir decisivamente no desenvolvi mento das funes psicolgicas superiores e na qualidade desse de senvolvimento, por meio da riqueza das suas aes. A histria Tatu-bolafoi relida, destacando os aspectos que do referncia de quando os objetos esto perto ou longe, sendo represen tados maiores ou menores, conforme o conceito desejado a apresentar. Alm das figuras do livro, pediu-se que os alunos colocassem seus lpis em frente ao ventilador da sala e verificassem o que acontecia. Com isso, os discentes puderam observar que o conceito de posio rela tivo ao observador, podendo um mesmo objeto estar perto ou longe, conforme o ponto de referncia, bem como seu tamanho. Para ampliar os conceitos, foi utilizada outra histria, adaptada de sugesto do livro Atividades matemticas (So Paulo/SEE, 1998, 72. 126 pp. 19-20). A histria trata de uma criana que guardou sua bola em cima da mesa, mas depois resolveu coloc-la embaixo da mesa. Sua me colocou a bola dentro do armrio para limpar o cho e depois colocou fora do armrio, no cho. Finalmente, a criana colocou a bola entre sua cama e o armrio e foi dormir. Com base nessa histria, os alunos deveriam reconstituir os conceitos com objetos (armrio, mesa e cama) montados pelos pr prios alunos com jogos de montar. Os educandos tinham de envolver vrias aes e operaes nessa tarefa: planejar a melhor forma de construrem os mveis, realizar a sequncia determinada pela hist ria de colocao da bola em cada uma das posies e dispor corre tamente os mveis sobre a mesa de atividades na sala de aula, pois, caso contrrio, no seria possvel colocar a bola entre o armrio e a cama (figura 40). Figura 40 A professora de educao fisica tambm aproveitou o trabalho de sala de aula para reconstruir os conceitos com exerccios com arcos para os educandos baterem a bola ora dentro, ora fora deles (figura 41). 127 Figura 41 Ao tratar desses conceitos, os alunos tambm recebiam refe rncias de como express-los verbalmente exemplificando situaes ou se utilizando de sinnimos (perto: prximo, junto de, a pequena distncia; longe: distante, afastado, a longa distncia; dentro: na parte interior, no espao interno; fora: na parte exterior, no espao exter no; em cima: na parte superior, no alto de; embaixo: na parte inferior, abaixo de; entre: em meio de, intervalo de um lugar/objeto a outro). Para criar um exemplo, necessitavam de elaboraes coordenadas, pois era necessrio construir uma situao, sequenci-la e adequ-la corretamente ao exemplo em questo7. Para utilizar-se de sinnimos, precisavam incorporar as novas palavras ao seu repertrio, contando para isso com a memria voluntria. Nessa direo, vlido reto mar que a memria voluntria uma funo psicolgica superior (e, como tal, exclusivamente humana e que depende dos processos edu cativos para se desenvolver), a quem cabe, com o auxlio dos signos, fixar, armazenar e evocar experincias (M a r tin s , 2007b). 7 claro que, ao abordar sinnimos/antnimos e sequncias de um exemplo, isso implica trabalhar a linguagem, extrapolando a rea da matemtica. Isso foi rea lizado inclusive para tratar da grafia das palavras, mas esse no o objeto central deste relato. 73. 128 Os alunos tambm trabalharam com as noes matemticas por meio de placas de metal com personagens e objetos imantados para colocar sobre o cenrio. Tanto personagens como objetos foram oferecidos em tamanhos diferentes, para oportunizar a utilizao va riada, que pode representar o personagem perto ou longe. A histria criada para o cenrio imantado foi a de uma menina que viu ao longe uma poro de lixo jogado no cho (figura 42) e depois chegou perto do lixo e recolheu tudo (figura 43). Figura 42 Na figura 42, aparece a menina em tamanho grande (pois est em primeiro plano) e os lixos deveriam ser em menor escala, pois esto longe (segundo plano). J na figura 43, os alunos deveriam uti lizar uma menina de tamanho grande, mas agora os lixos estavam perto da garota, o que deveria levar os discentes a escolherem os objetos maiores, visto que tambm estavam em primeiro plano. Como j se afirmou no captulo 1, a vida cotidiana hetero gnea. Nela, desenvolve-se o indivduo singular, que se apropria de determinados instrumentos necessrios sua reproduo como ser hu mano. Ocorre, porm, que as objetivaes em-si (prprias da vida coti diana) tratam de uma relao fundamentada na atividade espontnea 129 e pragmtica, que [...] exige do indivduo diferentes capacidades e diferentes tipos e nveis de sentimentos (D u a r te , 1999, p. 141). Esse tipo de objetivao, dada sua diversidade, impossibilita o desenvolvi mento profundo e consciente do indivduo, que a esfera das objeti vaes no cotidianas, para-si. Duarte (2007, p. 62) explica que [...] no a referncia imediata reproduo do homem singular que d o significado das atividades de uma esfera de objetivao genrica para- -si, mas sim a referncia reproduo do gnero humano. Portanto, diferentemente da heterogeneidade da vida cotidiana, h, implcito s objetivaes para-si, o processo de homogeneizao. O trabalho edu cativo, ao superar as limitaes da vida cotidiana, realiza o processo de homogeneizao necessrio reproduo do indivduo e da sociedade. O trabalho educativo precisa realizar o processo de homogenei zao da relao do indivduo com as objetivaes genricas para-si porque isso uma exigncia da prpria reproduo da sociedade, do gnero humano [...]. Em segundo lugar, o trabalho educativo pre cisa realizar o processo de homogeneizao porque ele necessrio para que o indivduo possa se apropriar das objetivaes genricas para-si e possa se objetivar atravs delas [idem, p. 65]. Figura 43 74. 130 Os critrios que definem o processo de homogeneizao so: que exista uma relao intencional com a objetivao para-si, que haja concentrao na tarefa da apropriao, que o indivduo supere sua viso particular do fenmeno. Essa homogeneizao propiciar a generalizao do pensamento, pois [...] sem isso o indivduo no penetra nessa esfera [de objetivao], no se apropria dos conheci mentos existentes nela e no se objetiva atravs da mediao desses conhecimentos (idem, p. 69). A catarse, entendida como momento em que se expressa essa homogeneizao, produz uma compreenso qualitativamente supe rior em relao s objetivaes do patrimnio humano-genrico pelo sujeito. Ela , portanto, a expresso elaborada do avano do conhe cimento. Como etapa de procedimentos didtico-pedaggicos, isso sig nifica que este momento (a catarse) deve ter como guia aes que permitam ao professor verificar essa elevao qualitativa (ou no) e, ao mesmo tempo, oferecer ao educando a percepo da mudan a na qualidade de seu pensamento. Para isso, foi solicitado que os alunos desenhassem novamente a histria Tatu-bola, de forma que apresentassem suas mudanas conceituais decorrentes do processo de instrumentalizao (figura 44). Como possvel observar na figura 44, a representao grfi ca agora no s apresenta os conceitos perto e longe corretamente, 131 como tambm o tamanho da bola modificado em cada quadro, j havendo utilizao da noo de perspectiva. Outros dois trabalhos foram realizados para constatar a apreen so dos alunos sobre os conceitos matemticos. Na primeira, foi utili zado um software de histrias em quadrinhos da Turma da Mnica. O programa foi disponibilizado j com os personagens e os cenrios preparados e os alunos deveriam (com o mouse) colocar a bola no lugar correto, conforme a histria criada de acordo com os recursos do software. A histria a ser reconstruda era: Mnica e Magali foram tomar um suco na lanchonete e colocaram a bola em cima do balco. A bola estava atrapalhando, ento colocaram embaixo do balco. Es tava muito quente e elas resolveram brincar na piscina. Magali jogou a bola dentro da piscina. Depois, as duas decidiram brincar de boneca e coelhinho. Ento a Mnica deixou a bola fora da piscina para secar. Como ainda continuava muito calor, elas decidiram tomar sorvete e deixaram a bola entre o coelhinho e a boneca. No final do dia, Magali e Mnica foram embora para suas casas e combinaram de brincar mais no dia seguinte. Dos 26 alunos da turma, 22 conseguiam, ao final do trabalho, expressar os conceitos em cima, embaixo e fora corretamente. Todos representaram corretamente o conceito dentro e 24 alunos acertaram a posio entre. A outra tarefa foi preparada em decorrncia desta, pois algu mas crianas nunca haviam manuseado um computador e se depa raram com dificuldade no uso do mouse, o que impedia de averiguar corretamente se sabiam ou no os conceitos matemticos. Nessa tarefa, os alunos deveriam colar figuras ou desenhar dentro e fora de uma caixa, em cima e embaixo de uma mesa e entre dois objetos numa folha com trs figuras. Todos os alunos desempenharam a tare fa com total aproveitamento, em todas as situaes (figura 45). Com base nos dados apresentados, possvel afirmar que os alunos se apropriaram do vocabulrio matemtico e dos conceitos dele decorrentes, atendendo aos objetivos propostos. Portanto, che 75. 132 gamos ao quinto momento: ponto de partida da prtica pedaggica, mas tambm seu ponto de chegada, ou seja, a prtica social, que e no a mesma. E a mesma, uma vez que ela prpria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prtica pedaggica. E no a mesma, se conside rarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qua litativamente pela mediao da ao pedaggica; e j que somos, enquanto agentes sociais, elementos objetivamente constitutivos da prtica social, lcito concluir que a prpria prtica se alterou qua litativamente [Saviani, 2008b, p. 58], T,V 4-OLULtaUO jjl-w a-rAilO^XO- cUX. Figura 45 Como j foi salientado anteriormente, apenas para fins did ticos as etapas so separadas. Os passos, como j explicitado, auxi liam o professor na organizao de seu planejamento e sua execuo, mas isso no significa que s ao chegar na catarse que os alunos comeam a apresentar resultados. No desenvolvimento da instru mentalizao, os discentes apropriaram-se dos conceitos, fazendo sucessivas aproximaes e complexificaes nas noes aprendidas, que o que se espera na perspectiva da pedagogia histrico-crtica. 133 4. Ensino de cincias: contradies na sala de aula A resoluo da Secretaria de Estado da Educao n. 98, de 23 de dezembro de 2008, estabelece diretrizes para a organizao curricular do ensino fundamental e mdio nas escolas estaduais de So Paulo (So Paulo/SEE, 2008c). Em 28 de janeiro de 2010, uma nova resoluo (resoluo SE n. 10/2010) altera o 4o do artigo 3o, o 5o do artigo 5o e o anexo I da resoluo SE n. 98/2008 (So Paulo/SEE, 2010). No que se refere aos anos iniciais do ensino fun damental, essa resoluo altera a carga horria do Io ano do ensino fundamental, que no inclua os componentes de educao fsica e artes. A resoluo anterior sobre as diretrizes de organizao curricu lar de 2007 e contava apenas com a nomenclatura de Iaa 4asries (resoluo SE n. 92/2007). Ao comparar a resoluo SE n. 92/2007 (So Paulo/SEE, 2007b) e as mudanas das duas ltimas resolues relativas a esse tema, no se verifica nenhuma alterao nas cargas horrias, sendo apenas modificada a nomenclatura de srie para ano e a incluso da mesma carga horria da antiga Iasrie para o atual Io ano. O quadro 9 auxilia na compreenso desta questo. Disciplinas Res. SE n. 92/2007 Res. SE n. 98/2008 e Res. SE n. 10/2010 Ia srie 2a srie 3a srie 4a srie 1 ano 2o ano 3o ano 40 ano 5o ano Lngua Portuguesa 60% 45% 30% 30% 60% 60% 45% 30% 30% Matemtica 25% 40% 35% 35% 25% 25% 40% 35% 35% Educao Fsica/Artes 15% 15% 15% 15% 15% 15% 15% 15% 15% Histria/Geografia - - 10% 10% - - - 10% 10% Cincias Fsicas e Biolgicas - - 10% 10% - - - 10% 10% Quadro 9 Como se observa, portanto, a matriz curricular de Io, 2 e 3o anos do ensino fundamental tem apenas contedos curriculares de lngua portuguesa, matemtica, educao fsica e artes e somente 76. 134 na grade curricular de 4o e 5o anos que as disciplinas de histria, geografia e cincias fsicas e biolgicas passam a configurar a matriz curricular, sendo destinados a essas disciplinas somente 10% da car ga horria. Com isso, apesar de o 2o do artigo 3o da resoluo SE n. 98/2008 afirmar que [...] a prioridade dada ao desenvolvimento das competncias leitora e escritora e dos conceitos bsicos da ma temtica, nos anos/sries iniciais, no exime o professor da classe da abordagem dos contedos das demais reas do conhecimento (So Paulo/SEE, 2008c), os contedos de cincias, histria e geografia ficam secundarizados e perdem sua especificidade. Esta a contradio que se fez presente na realizao deste tra balho: uma tentativa de garantir o conhecimento especfico da rea de cincias revelia da inexistncia desse componente curricular em classes de Iasrie. Diante desse quadro, como balizar os conhecimen tos a serem transmitidos? Foi o que procurei responder a partir da an lise das propostas curriculares elaboradas na dcada de 1980 pela SEE, as atuais orientaes curriculares para o Ciclo I e livros didticos. A proposta curricular para o ensino de cincias, cuja Iaedi o data de 1988, discutia a necessidade de se encontrarem ele mentos constitutivos que deixassem de abordar os contedos de maneira estanque e fragmentada, como julgavam ser a caracters tica dos Guias curriculares que direcionavam o currculo na dcada de 1970. Essa discusso teve incio em 1983, com a implantao do Ciclo Bsico na rede estadual, conforme j foi comentado no comeo deste captulo, quando da caracterizao histrica da edu cao em So Paulo. A partir das propostas curriculares lanadas na dcada de 1980, imprime-se uma viso que busca [...] respeitar o nvel de maturidade intelectual da criana durante o processo de ensino-aprendizagem (So Paulo/SEE, 1997, p. 9) e vincular [...] os conhecimentos das cincias fsicas e naturais ao cotidia no do aluno e aos acontecimentos da sociedade (idem, p. 10). A espontaneidade aparece de forma evidente em diversos trechos das propostas curriculares e, a despeito da crtica fragmentao 135 do conhecimento, tambm esses documentos se voltavam a uma compreenso superficial e parcial da cincia. O ensino, nessa pers pectiva, deveria [...] propiciar ao estudante condies para que ele problematize a realidade, formule hipteses acerca dos problemas, planeje e execu te investigaes (experimentais ou no), analise dados, estabelea e critique as concluses, embora no necessariamente nessa ordem, nem de forma completa, nem visando apenas a alcanar resultados previa- mente estabelecidos [idem, p. 18, grifo do autor]. Tambm nessas propostas se encontra a viso de que o ensino deve levar o professor a transformar [...] cada plano de trabalho numa hiptese a ser testada em sala de aula, conferindo ao ensino um carter de pesquisa, e dando suporte perspectiva de flexibili dade da proposta perante a realidade escolar (idem, p. 27). Essas consideraes tm diversas implicaes ao trabalho docente. Em primeiro lugar, a questo da pesquisa e segundo, a flexibilizao dos currculos em virtude do universo dos alunos. No que se refere primeira questo (o ensino como pesqui sa), Saviani (2008b) traz reflexes importantes para se compreender o ensino como processo de transmisso de conhecimentos e no de redescoberta daquilo que j conhecido. Se a pesquisa a incurso ao desconhecido, ento sua definio pressupe aquilo que j conheci do. Se o ensino no vai garantir, por meio da transmisso, o conheci mento j dominado pela humanidade, o que ele far? Incidir sobre a reconstruo individual dos conhecimentos, considerando aquilo que o indivduo singular no domina, como desconhecido. Se assim for, as investigaes perdem sua cientificidade, no sentido de que dessa ma neira a pesquisa no estar contribuindo com avanos que enriqueam a toda humanidade. como reinventar a roda a cada nova gerao! O segundo aspecto (flexibilizar o currculo diante da realidade do aluno) novamente traz baila a questo dos conhecimentos que impem aos discentes restries de acesso ao patrimnio humano-genrico. A 77. 136 proposta curricular de cincias ressaltava, por exemplo, que o uso de vo cabulrio tcnico era desnecessrio. A terminologia cientfica no seria algo importante, visto que no incio da escolarizao o que importaria seria a observao direta dos fenmenos e uma excessiva formalizao poderia ser inadequada, porque os termos tcnicos permaneceriam des titudos de significado pela impossibilidade de aprofundar as noes que justificam as nomenclaturas (So Paulo/SEE, 1997). Conforme j mencionado no captulo 1, o trabalho libertou o ser humano de seus condicionantes biolgicos para desenvolver- -se a partir dos condicionantes sociais. Com isso, o desenvolvimento de instrumentos (fsicos e psicolgicos) possibilitou a apropriao da natureza, tornando-os ferramentas humanas. Essas ferramentas incorporam-se aos indivduos quando passam a ser utilizadas com uma funo social compartilhada. Ora, a linguagem, como funo psicolgica superior, o grande salto qualitativo humano em relao aos animais porque permite compartilhar significados. Quando se re tira da escola a apresentao desses significados, o empobrecimento da educao certo, pois abrir espao para toda sorte de interpre taes (novamente individuais) em detrimento das conquistas que a humanidade j fez ao longo de sua histria. Como se observa, as propostas curriculares da dcada de 1980 no poderiam constituir-se em referencial para o trabalho com cin cias na perspectiva da pedagogia histrico-crtica. Atualmente, as orientaes curriculares para o Ciclo I (So Paulo/SEE, 2008b) s trazem consideraes sobre lngua portuguesa e matemtica, pois os outros componentes curriculares no fazem parte da grade curricular. Ademais, essas orientaes tm bastante proximidade com os Parme tros Curriculares Nacionais (Brasil/MEC/SEF, 1997), sendo que ambos no fogem dos pressupostos escolanovistas renovados pelas pedagogias do aprender a aprender. Em todos esses documentos consultados, nada se encontrou que pudesse minimamente direcionar as aes cur riculares das sries iniciais para o ensino de cincias. Assim, a sada foi 137 consultar diversos livros didticos de cincias, verificando quais con tedos abordavam na Iasrie do ensino fundamental. A partir desse levantamento e consultando tambm planos de ensino antigos da escola (quando ainda contemplavam as disciplinas de histria, geografia e cincias na grade curricular da Ia e 2asries), foi possvel elaborar um currculo mnimo para a rea de cincias natu rais. Diga-se de passagem que tenho clareza quanto s suas limitaes e imperfeies, pois tive de lidar com a inexistncia da disciplina de cincias na grade curricular, procurando incluir contedos considera dos desnecessrios aos alunos de minha srie... Dentro dessas circuns tncias, o planejamento foi realizado de acordo com os objetivos, con tedos e procedimentos didtico-pedaggicos descritos no quadro 10. Objetivos Contedos Procedimentos didtico- pedaggicos - Desenvolver a linguagem oral e escrita utilizando nomeao cientfica para objetos e seres vivos; - Elaborar explicaes objetivas sobre a cincia, sendo capaz de narrar fatos cientficos; - Registrar, por meio de desenhos e textos, concluses de observaes individuais ou coletivas; - Comparar cientificamente, diferentes animais. - Diferena entre ambiente natural e construdo; - O ciclo vital dos seres vivos: nascimento, crescimento, reproduo e morte; - Caractersticas dos animais quanto s partes do corpo (cabea, tronco e membros), alimentao, locomoo, habitat e categorias (selvagens, exticos, domsticos, aquticos, terrestres, extintos, em extino etc.). - Leitura e elaborao de textos informativos sobre animais; - Confeco de mural de notcias de jornal; - Exibio de filmes: Happy feet, A marcha dos pinguins e documentrios (curtas) sobre diferentes animais; - Uso de jogos de computador: software A arca de No; - Visita ao zoolgico; - Leitura e elaborao de fichas tcnicas de animais; - Palestra da polcia ambiental; - Elaborao de histria em quadrinhos sobre o contedo; - Explorao de msicas (A arca de No e Os saltimbancos); - Exibio da pea de dana- teatro Os saltimbancos. Quadro 10 78. 138 Se a prtica social a razo de ser da prtica educativa, en to inerente pedagogia histrico-crtica que os procedimentos didtico-pedaggicos se desenvolvam tendo em vista a intencional transformao da prtica social. Os objetivos apresentados no qua dro 10 por si j definem o ponto de partida, compreendendo que o desenvolvimento do vocabulrio cientfico, a capacidade de explicar e categorizar a natureza por meio da cincia e registr-la por diferen tes instrumentos colaborar nessa transformao. Mas como se deu neste trabalho a explicitao desses objetivos aos alunos? Confron tando suas concepes (senso comum) com o conhecimento cient fico socialmente elaborado. Primeiramente, os alunos assistiram a curtas-metragens (do cumentrios) sobre animais: tartarugas, baleias, micos, morcegos, jacars, lees, tucanos, sapos e pinguins. Em seguida, foi solicitado que classificassem esses animais, reunindo-os em grupos. As possibi lidades eram variadas: animais que vivem na gua, mas nesse grupo teramos a baleia, que mamfero; animais que tm penas, mas ento teramos o pinguim, que, apesar das penas, no voa; animais terres tres, mas onde colocar a tartaruga, o jacar, o sapo e o pinguim - ani mais terrestres ou aquticos? Qual a organizao correta? A partir disso, os alunos puderam perceber que diversas classifi caes so possveis, mas que, para faz-las da maneira mais acertada, necessrio estabelecer critrios e categorias de anlise. Nesse ponto, j se encontram elementos da Problematizao e assim se procedeu primeira diviso dos animais, realizada pelos reinos animal, vegetal e mineral, concluindo que todos os citados eram do reino animal. Mas o questionamento seguinte j obrigou a um parntesis na continuidade dessa classificao. Os seres humanos pertencem ao reino animal. O que os diferencia das outras espcies? Foi explicitado aos alunos que todas as outras espcies condicionaram sua existncia natureza, en quanto o homem a transformou (e transforma) para coloc-la a servio das necessidades criadas pelos prprios seres humanos, levando o ho mem a desenvolver-se intelectualmente de maneira nica em relao 139 a todas as outras espcies. Mas, esse tipo de discusso possvel, na Ia srie? Sim, possvel! Ao contrrio do que afirmam os construtivistas em relao maturidade biolgica das crianas para compreender de terminados contedos, na perspectiva da pedagogia histrico-crtica, como teoria articulada aos preceitos da psicologia histrico-cultural, defendemos que [...] o nico bom ensino o que se adianta ao desen volvimento (Vigotskii, 2006, p. 114). Voltando classificao dos animais, se todos os seres vivos assistidos nos documentrios pertenciam ao reino animal, ento era necessrio subdividi-los. Uma possibilidade seriam as divises por animais selvagens, exticos, domsticos, aquticos, terrestres, extin tos, em extino etc. Mas o que implica essa diviso? Saber iden tificar caractersticas que definem cada uma dessas categorias. Por meio da leitura de diversos textos sobre animais, bem como textos cientficos que traziam as definies do que seja um animal selvagem ou domstico, novamente os alunos foram confrontados com seus conhecimentos (agora mais amplos), verificando que essa classifica o tambm no atenderia ao desejado, pois um animal selvagem (o leo, por exemplo) tambm teria de ser includo na lista dos exticos (porque no pertence fauna brasileira). Uma nova proposio foi feita: animais vertebrados e invertebrados. Isso exigia a anlise do es queleto dos animais (feita por meio de ilustraes, visto que a escola no tem laboratrios) para conhecer suas colunas vertebrais, porque especialmente no caso dos sapos, as crianas achavam que eles no tinham coluna vertebral. Nova tentativa de montar uma classifica o, agora com mais avano: todos os nossos seres vivos pertenciam ao reino animal e todos eram vertebrados. Vejam que a proposio de investigaes no era espontnea e, portanto, nela j se localiza o processo de instrumentalizao. Elas foram provocadas deliberada mente por mim, conduzindo a novas nomenclaturas e classificaes, que por conseguinte exigiam novos conhecimentos, que tambm no foram encontrados aleatoriamente. Fosse em pesquisas na inter net (da escola), na biblioteca ou nos jornais, revistas e livros da sala 79. 140 de aula, os materiais que poderiam atender as pesquisas foram pre viamente identificados para direcionar a aprendizagem dos alunos. Finalmente, os discentes foram apresentados subdiviso por classes de vertebrados: peixes, anfbios, rpteis, aves e mamferos. Outras aes colaboraram na instrumentalizao. No software A arca de No, um dos jogos disponvel era um quebra-cabea no qual a cabea, o tronco e os membros dos animais apareciam mistu rados (cabea do macaco com o tronco do urso e membros do leo, por exemplo). Para finalizar o jogo, o aluno deveria trocar as partes at conseguir formar o animal corretamente. Quando um animal fica pronto, o programa emite o som do animal montado. Tambm foram assistidos dois longas-metragens: A marcha dos pinguins (2005) e Happy feet (2006). Os dois filmes tratam do ciclo vital dos pinguins, sendo que o primeiro um documentrio e o se gundo, uma histria de fico8. Por meio deles, foi possvel contem plar o ciclo vital dos animais, bem como identificar quais elementos se constituem em aspectos cientficos e quais so irreais. O resultado da anlise dos dois filmes foi traduzido por meio de uma histria em quadrinhos na qual, em uma conversa entre Mnica e Cebolinha (personagens de Maurcio de Sousa), ao relatar o filme A marcha dos pinguins, os personagens fazem comparaes (indiretas) com os conhecimentos obtidos no filme Happy feet. - Oi Cebolinha! Ontem eu assisti ao filme A marcha dos pinguins! (Mnica) - Eu tambm! (Cebolinha) - O filme conta a histria real dos pinguins imperadores. (Mnica) - Mostla como cuidam dos filhotes e o que comem. (Cebolinha) - Eu gostei dos bebs pinguins, da foca e de quando eles nadalam. (Cebolinha) 8 A utilizao desses filmes com foco em atividades de leitura e escrita est relata da em outro artigo, intitulado A prtica pedaggica na perspectiva da pedago gia histrico-crtica, publicado no livro Pedagogia histrico-crtica: 30 anos. 141 - Aprendi que os pinguins no sapateiam, no falam e que eles podem se perder e congelar. (Mnica) - Os filhotes no podem ficar longe dos pais. (Cebolinha) - Porque eles podem morrer de frio. (Mnica) - Por isso eles devem ficar cobertos nos pezinhos dos pais. (Mnica) - Filho, vem almoar. (Dona Maria Cebola, me do Cebolinha) - Tchau, Cebolinha. (Mnica) - Tchau, Mnica. (Cebolinha). A utilizao de msicas deu-se na mesma direo: diferenciar cincia e fico. Mais do que isso, a leitura do livro de poemas A arca de No (M o ra e s, 1991) e da histria Os saltimbancos ( B a r d o t t i, 2007) permitiu duas exploraes diferentes. Discutamos separada mente cada uma delas. No caso da leitura de poemas9, preciso que se diga que co- mumente se observa a utilizao de Vincius de Moraes nas escolas de educao infantil e sries iniciais do ensino fundamental. No en tanto, a despeito da importncia desse autor e das inmeras possibi lidades de trabalho que essa obra permite nesses segmentos, via de regra as canes e poemas so utilizados de maneira limitada. Exem plifico: ensinar as msicas para uma apresentao das crianas aos pais na festa de fim de ano da escola, fazer os alunos memorizarem um poema para apresentar um jogral para as outras classes durante o recreio, copiar as letras das msicas para fazer um cartaz e coloc-lo no mural como parte de um projeto sobre insetos etc. Essas propo sies so empobrecidas, descontextualizadas e no tm finalidade especfica. So expresses daquilo que podemos chamar de extras, que encarnam atividades que no contribuem na apropriao, pelos alunos, daquilo que de mais rico esses poemas podem oferecer: a aproximao com a arte, em sua forma mais completa e objetivadora 9 O livro A arca de No foi lido na ntegra: cada dia, um poema diferente. 80. 142 dos indivduos. Ferreira e Duarte (2009) afirmam, fundamentando- -se em Lukcs, que por meio da arte o ser humano pode suplantar sua viso particular e adquirir novas lentes, estas universais. Essa apropriao contribui [...] para transformar o arranjo da conscin cia dos homens, conferindo-lhes novas formas de apreenso do real e substncia crtica capaz de confrontar a sociedade capitalista em sua totalidade (F e r r e ir a & D u a r te , 2009, p. 14). Essa foi a inteno no uso dos poemas, alm de utiliz-los tambm para as especificidades de cincias, por meio das comparaes entre o real e o fictcio, o cientfico e o imaginrio. O uso da obra de Vincius de Moraes como algo perifrico remete-nos a uma outra discusso, sobre o principal e o acessrio em educao. Tenho afirmado ao longo deste livro, com base nos autores marxistas, a importncia, na escola, da transmisso-assimilao do conhecimento e a importncia do currculo escolar como aquele que garante essa transmisso-assimilao nas suas formas mais desenvol vidas. Mas o que define esse currculo10? O que primordial que a escola garanta s novas geraes? Aquilo que clssico. Saviani (2003, p. 101) faz a distino entre tradicional e cls sico, afirmando que tradicional [...] o que se refere ao passado, ao arcaico, ultrapassado [...] e clssico [...] aquilo que resistiu ao tempo, logo sua validade extrapola o momento em que ele foi pro posto. Com base nessa discusso, esse autor chama a ateno para as funes clssicas que a escola no pode perder de vista [...] por que, do contrrio, acabamos invertendo o sentido da escola e consi derando questes secundrias e acidentais como principais, passan do para o plano secundrio aspectos principais da escola (idem, pp. 101-102). Quando se priorizam no espao escolar os projetos11, a 10 Sobre currculo, vide consideraes tambm no captulo 1. 11 Considerados pelos atuais modismos como avanados, por supostamente garanti rem uma abordagem interdisciplinar dos contedos, mas que tm suas razes em John Dewey e, portanto, remetem-se Escola Nova e suas posteriores variaes. 143 escola deixa de cumprir sua funo essencial e consome-se em ati vidades no nucleares, cotidianas e sucumbem suas especificidades. Na rede estadual paulista, existem hoje inmeros projetos im postos pela Secretaria de Estado da Educao12. No toa que a carga horria de disciplinas especficas foi eliminada: preciso ga rantir tempo para os projetos! Com isso, pouco resta para se fazer o que efetivamente deveria ser feito: ensinar! O resultado no poderia ser mais calamitoso. Chega-se ao final do ano letivo com alunos que aprendem muito menos do que poderiam/deveriam e que so em purrados para a srie seguinte pela progresso continuada at que cheguem ao 5oano como copistas ou com noes mnimas de leitura, escrita e matemtica... Que deveriam ter sido garantidas no Io ano do ensino fundamental. Sobre a utilizao da histria Os saltimbancos13 ( B a r d o t t i, 2007) e, depois, das msicas da mesma obra (E n riq u e z ; B a r d o t t i & B u a r q u e , 1977), para alm das contribuies especficas ao en sino de cincias, j descritas por meio de outras aes realizadas e tambm de sua utilizao como um clssico infantil a ser apresen tado aos alunos, a obra em si apoia discusses importantes sobre a condio humana. A partir da compreenso dos alunos de que animais no fa lam, no cantam e no se organizam em torno de uma revoluo, porque no tm as mesmas capacidades intelectuais que os seres humanos e tambm por j terem entendido que as histrias, se- 12 Preveno tambm se ensina (dengue, leshimaniose, educao sexual etc.); meio ambiente (Dia da Agua, Dia do Meio Ambiente, Dia da rvore etc.); educao para o trnsito; educao fiscal; Programa Educacional de Resistn cia s Drogas (Proerd) , no qual a Secretaria atua ao lado da Polcia Militar por meio da realizao de palestras proferidas por policiais, dentro das escolas, em horrio de aula. 13 Os saltimbancos foi inspirada numa pea dos italianos Luis Enriquez e Sergio Bardotti, criada a partir do conto Os msicos de Bremen, dos Irmos Grimm. O cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda transformou o texto em um musical com linguagem brasileira. 81. 144 jam elas de filmes ou livros, podem ter gneros diferentes (obras de fico, documentrios, textos informativos, lendas, contos etc.), os discentes conseguiram debater sobre a condio dos animais da histria transpondo-os para seres humanos e percebendo a cono tao de crtica presente na histria. Os saltimbancos discute a acu mulao de riquezas, a explorao do animal pelo homem (trans posta para a relao da explorao do ser humano por outro ser humano), a existncia e manuteno de classes sociais e a fora dos animais (seres humanos) organizados na luta contra a explorao. O fechamento do trabalho com essa obra deu-se com uma apresen tao de dana-teatro realizada na escola (para todas as classes)14 recontando a histria (figuras 46 e 47). Figura 46: Os personagens da histria - cachorro, galinha, gata e jumento 14 Inicialmente a pretenso era levar as crianas ao teatro municipal, o que no foi possvel por falta de nibus escolar. Sendo assim, o grupo de dana se disps a fazer a apresentao na ntegra, no ptio da escola. 145 Figura 4 7 - Os alunos assistindo apresentao Outra contribuio foi da visita da Polcia Ambiental. Os poli ciais trouxeram animais empalhados (figura 48) e discutiram o tema do trfico de animais e preservao da fauna. Figura 48 - Alunos observando animais empalhados Para solicitar a visita dos policiais e devidamente inseri-la no trabalho desenvolvido, os alunos redigiram cartas que foram endere 82. 146 adas Polcia Militar Ambiental, exigindo dos alunos o conheci- mento da estrutura da linguagem especfica elaborao de cartas. Mais que isso, a vinda dos policiais visou abrir o debate sobre o que leva as pessoas a traficar e maltratar animais. Para alm de um dis curso romantizado de que devemos cuidar da natureza, a inten o era abordar essa questo mostrando aos alunos que os cuidados com o meio ambiente passam pela compreenso da sociedade em que vivemos, seus valores, interesses e conflitos. A imagem que se tem criado da natureza de que o homem tem agido de maneira nefasta em relao a ela, como se isso fosse inerente ao indivduo, descaracterizando os componentes morais, da cultura, do conheci mento cientfico e da organizao social historicamente estabeleci da. Loureiro (2006, p. 48) afirma que Generalizar o agir de nossa espcie como sendo destrutivo, sig nifica dizer que temos uma natureza ruim, portanto, que o planeta no tem salvao enquanto existirmos. No mnimo, tal construo estabelece um problema tico agudo, um paradoxal senso de auto destruio, e exprime desconhecimento da historicidade humana e suas mltiplas dimenses constitutivas. Outra contribuio desse mesmo autor que o desconheci mento das relaes sociais e suas interfaces implica descompasso na apreenso da natureza em sua totalidade e de forma concreta, le vando a propalada educao ambiental a explicaes simplistas e reducionistas sobre o meio ambiente. Para Loureiro (idem, ibidem), [...] ignorar que somos seres sociais-biolgicos, formados por mlti plas mediaes, desprezar o carter histrico do que fazemos, faci litando a culpabilizao da humanidade como um todo homogneo e idealmente concebido. Finalmente, farei meno a dois outros tipos de trabalho de senvolvido com os alunos: a elaborao de fichas tcnicas e textos informativos. Para serem capazes de realizar essas tarefas, os alunos 147 precisavam de subsdios, que foram dados por aes relativas forma (domnio do cdigo escrito e dos tipos de textos requeridos) e ao contedo (o conhecimento das espcies de animais sobre as quais deveriam escrever). No minha preocupao aqui relatar como, em termos da alfabetizao, esses materiais contriburam na apro priao da lngua, pois isso demandaria reflexes especficas sobre a linguagem, o que no minha proposio central neste momento. No entanto, no posso deixar de mencionar a importncia do domnio do cdigo alfabtico para que os alunos pudessem produzir resultados relacionados ao ensino de cincias, visto que ler e escrever so premissas bsicas s expresses de conhecimento das diferentes reas. Nesse sen tido, vale salientar que eram realizadas leituras dirias de livros, re vistas e jornais contendo informaes sobre animais. A partir dessas leituras, destacando para os discentes as caractersticas dos diferen tes gneros textuais, realizavam-se exerccios de escrita que tinham um roteiro de itens a serem atendidos para aquele texto, que depois era revisado por vrias vezes. Exemplifico esse trabalho relatando a elaborao das fichas tcnicas. Aps a leitura de um texto com informaes sobre um deter minado animal, era solicitado que os alunos retirassem dele dados que pudessem apresentar o animal: nome, tamanho, classificao, peso, tipo de alimentao, tempo de vida e de hbitos e uma curio sidade. De posse desse roteiro, os alunos deveriam voltar ao texto para buscar essas informaes explcitas ou implcitas (exemplo: um texto que no fala que o animal tem hbitos noturnos, mas afirma que ele dorme mais durante o dia do que noite; uma repor tagem que no fala que o animal mede de 2 a 3 metros, mas diz que os menores tm 2 metros e os maiores chegam a 3 metros) (figura 49). O processo inverso tambm era realizado: os alunos recebiam uma ficha tcnica aps assistir um curta-metragem de algum ani mal e tinham de se utilizar dessas informaes para redigir um texto informativo (figura 50). 83. 148 FICHA DO ANIMAL (Elaborada individualmente) Nome: J I M U 6 U ( I RPTIL ( ) ANFBIO ( ) MAMFERO ( ) PEIXE ( X ) AVE PESO: SS.ft.gramas, t a m a n h o : ss.a filceatiraetros ALIMENTAO: Insetos, lagartos, ovos ae filhotes de outros pssaro