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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC - SP
Patricia Caldeira de Almeida
A Presença da Literatura Africana Lusófona no Livro Didático de Língua
Portuguesa do 3º Ano do Ensino Médio (PNLD 2012 – 2015):
Uma Reflexão Histórica, Social e Literária.
Mestrado
Educação: História, Política, Sociedade
São Paulo
2017
Patricia Caldeira de Almeida
A Presença da Literatura Africana Lusófona no Livro Didático de Língua
Portuguesa do 3º Ano do Ensino Médio (PNLD 2012 – 2015):
Uma Reflexão Histórica, Social e Literária.
Mestrado
Educação: História, Política, Sociedade
Dissertação de Mestrado apresentada
à Banca Examinadora do Programa de
Estudos Pós-Graduados em
Educação: História, Política,
Sociedade, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
mestre em Educação, sob a orientação
da Professora Doutora Circe Maria
Fernandes Bittencourt.
São Paulo
2017
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu avô, Antônio Cândido de Almeida, de quem herdei
o prazer pela escrita.
Dedico também ao meu pai, Joaquim de Almeida, de quem herdei o amor e o
respeito à leitura e à literatura. E quem sempre exigiu de mim tudo e além.
Às tias, Maria Doninha e Dulce de Almeida, nordestinas e sertanejas, que
desde cedo me ensinaram que os limites femininos, se existiam, não eram o gênero,
o casamento, nem nossas origens. Ambas professoras e doutoras. Maria Doninha,
pró-reitora aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ambas
minha referência e meu orgulho.
Ao meu marido, Heitor Campopiano, que sempre acreditou em mim.
Aos meus filhos, Nathalia, Stefano Tazio e Gabriela Veronica, minha mais
importante produção. Eu estudo para que vocês se orgulhem de mim. Eu estudo para
estar à altura de vocês.
Ao meu neto, Benjamin de Almeida, porque a vida segue e se renova e carrega
adiante o melhor de nós.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha orientadora Professora Doutora Circe Maria Fernandes
Bittencourt por todo o apoio, conhecimento e generosidade.
Agradeço aos professores do Programa por tudo que me foi ensinado nas
disciplinas cursadas.
Agradeço ao CNPq pela bolsa que me foi concedida.
Agradeço a todos os professores que já passaram pela minha vida, pois eles
foram companheiros no caminho que me trouxe até aqui, principalmente as do Colégio
São José de Santos (SP), minha segunda família... Tia Carminha e Tia Mercedes, as
duas professoras que me alfabetizaram; Mestra Hilda Lütke Veneno, professora de
História, que com sua experiência de vida e sua atuação como professora me
influenciou e me marcou; Irmã Rita de Cássia Moreno, uma educadora ímpar e
orientadora única, que com sua mão firme fez parte da minha vida dos seis aos dezoito
anos de idade, participou da formação do meu caráter, da minha construção como ser
humano e tem a minha eterna gratidão. Só quando deixei os muros do colégio e saí
para a vida adulta, foi que percebí o quanto o São José havia contribuído na
construção dos meus valores, na minha criação e na minha formação como pessoa e
cidadã. Sinto-me honrada pela oportunidade de ter passado aqueles anos sob a
educação das Irmãs.
RESUMO
A presente pesquisa investiga o conteúdo da disciplina Literatura Africana lusófona
presente nos livros didáticos de Língua Portuguesa do 3º ano do Ensino Médio,
refletindo sobre a contribuição do conteúdo para o reconhecimento e a reparação das
desigualdades sociais e raciais existentes na sociedade brasileira, para a formação
digna do cidadão; para a promoção de uma sociedade mais justa e mais igualitária;
para a diminuição do preconceito e da discriminação. Serão utilizados como corpus
livros didáticos de dois momentos específicos: quando o conteúdo foi tornado
obrigatório por meio do “Guia PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) de 2012”
e em 2015, quando do início da elaboração deste estudo, doze anos após a Lei nº
10.639 ser sancionada. Este estudo se justifica pela configuração racial do povo
brasileiro, com 50,76% autodenominados pretos e pardos segundo o Censo
Demográfico IBGE de 2010 em uma sociedade ainda racista e discriminatória em
várias de suas práticas sociais, presentes também na escola, em várias de suas
práticas sociais e refletidas nos livros didáticos. Este estudo parte do conceito de
Literatura como ferramenta para incentivar a reflexão sobre a identidade cultural
brasileira, a ampliação dos horizontes do aluno, a discussão sobre a diversidade,
colaborativa portanto com a Lei nº 10.639/2003.
Palavras-chave: Diversidade étnico-racial; materiais didáticos; literatura africana;
literatura afro-brasileira.
ABSTRACT
The present research investigates the content of the discipline Lusophone
African Literature present in the Portuguese Language textbooks of the 3rd year of
High School, reflecting on the contribution of content to the recognition and reparation
of social and racial inequalities in Brazilian society, for the dignified formation of the
citizen; for the promotion of a fairer and more egalitarian society; to reduce prejudice
and discrimination. It will be used as corpus textbooks from two specific moments:
when the content was made mandatory through the "PNLD Guide (National Guidance
for the Didactic Book) of 2012" and in 2015, at the beginning of the preparation of this
study, twelve years after the Law No. 10,639 to be sanctioned. This study is justified
by the racial configuration of the Brazilian people, with 50.76% calling themselves
blacks and browns according to the IBGE Demographic Census of 2010 in a society
that is still racist and discriminatory in several of its social practices, also present at
school, in several of its social practices and reflected in textbooks. This study starts
with the concept of Literature as a tool to encourage reflection on Brazilian cultural
identity, broadening student horizons, discussing diversity, and therefore cooperating
with Law 10.639 / 2003.
Keywords: Ethnic-racial diversity; teaching materials; African literature; Afro-
Brazilian literature.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13
CAPÍTULO 1
1 A Literatura como componente curricular e o livro didático de Língua Portuguesa do
3º ano do Ensino Médio .............................................................................................36
1.1 Breve histórico da disciplina literatura como componente curricular......................37
1.2 A escritura literária negra na literatura brasileira ou afro-brasileira: uma realidade
muito anterior à lei 10.639/2003.................................................................................51
1.3 A ausência do cânone literário na literatura africana lusófona .............................62
CAPÍTULO 2
2 Relação entre três aspectos da mesma questão: Formação do docente em Língua
Portuguesa e Literatura; Livro didático de língua portuguesa do 3º ano do Ensino
Médio; Conteúdo de literatura africana lusófona.........................................................67
2.1 Interação ou correlação entre livro didático e formação do docente em Letras –
Língua Portuguesa.....................................................................................................69
2.2. Os livros didáticos indicados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)
para o ciclo trienal 2012/2013/2014 e 2015/2016/2017..............................................76
CAPÍTULO 3
3 Análise do corpus selecionados entre os livros didáticos indicados pelo PNLD
(Programa Nacional do Livro Didático) para o ciclo trienal 2012/2013/2014 e
2015/2016/2017..........................................................................................................82
3.1Análise das obras indicadas no PNLD 2012 e selecionadas para esta pesquisa..84
3.2Análise das obras indicados no PNLD 2015 selecionadas para esta pesquisa....115
CONCLUSÃO ..........................................................................................................130
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................137
ANEXOS .........................................................................................................152 - 183
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FFLCH Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (da
Universidade de São Paulo)
FNDE Fundo Nacional de Educação
FUVEST Fundação Universitária para o Vestibular
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
OCN Orientações Curriculares Nacionais
ONU Organização das Nações Unidas
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNs-TT Parâmetros Curriculares Nacionais – Temas
Transversais
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
SEB Secretaria da Educação Básica
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNICAMP Universidade de Campinas
UNIP Universidade Paulista
USP Universidade de São Paulo
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1 - “Pequena história da literatura brasileira” , 3ª edição, 1935 ..........................40
Fig. 2 - “História concisa da literatura brasileira”, 49ª edição, 2013. ..........................41
Fig. 3 - “Antologia nacional” , 1ª edição, 1895............................................................43
Fig. 4 - “Antologia nacional”, 6ª edição, 1913. ..........................................................44
Fig. 5 - “Antologia nacional”, 25ª edição, 1945 ..........................................................45
Fig. 6 - “Antologia nacional”, 43ª edição, 1969 ..........................................................46
Fig. 7 - “Linguagem e interação” – Sumário .............................................................86
Fig. 8 – “Linguagem e interação” – Poemas de José Craveirinha – Literatura africana
lusófona......................................................................................................................88
Fig. 9 – “Linguagem em movimento” – Sumário .......................................................90
Fig. 10 – “Linguagem em movimento” – Quadro de períodos literários......................92
Fig. 11 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Quadro geral das literaturas portuguesa
e brasileira..................................................................................................................95
Fig. 12 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Sumário capítulos 1 e 2 .......................98
Fig. 13 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Sumário capítulos 8 e 9 .........................99
Fig. 14 – “Novas Palavras – Nova edição” – Fragmento da obra “Terra sonâmbula” do
moçambicano Mia Couto, apresentado no capítulo sobre as tendências
contemporâneas da literatura portuguesa................................................................107
Fig.15 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Exercícios sobre o fragmento da obra
“Terra sonâmbula” do moçambicano Mia Couto e síntese das informações sobre
literatura africana lusófona apresentada no capítulo sobre as tendências
contemporâneas da literatura portuguesa................................................................108
Fig. 16 – “Língua Portuguesa” – Sumário Unidade...................................................119
Fig.17 – “Língua Portuguesa” – Página 41, exemplo de diálogo intertextual e
contextualização histórica, social e cultural de período literário a partir de um tema
comum......................................................................................................................120
Fig.18 – “Língua Portuguesa” Poema de Antonio Jacinto, de Luanda, “Carta de um
contratado”, única menção à literatura africana lusófona encontrada na Unidade 1 do
livro didático “Língua Portuguesa..............................................................................122
Fig.19 – “Língua Portuguesa”, box com informações sobre o poeta africano lusófono
Antonio Jacinto.........................................................................................................123
Fig.20 - “Língua Portuguesa”, box com informações sobre a adaptação para o cinema
do romance de Lima Barreto, “Triste fim de Policarpo Quaresma”............................124
Fig.21 – “Língua Portuguesa”, box com informações sobre a adaptação para o cinema
da obra de Euclides da Cunha, “Os Sertões”, de 1902..............................................124
Fig.22 – “Vozes do mundo” – Página 200 – Quadro das literaturas africanas em língua
portuguesa................................................................................................................128
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 – Matriz Curricular Graduação em Letras – Língua Portuguesa –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC – SP – 2015 . ............152
Anexo 2 - Matriz Curricular Graduação em Letras – Língua Portuguesa –
Universidade de São Paulo USP – 2015 ......................................................154
Anexo 3 - Matriz Curricular Graduação em Letras – Língua Portuguesa –
Universidade Paulista UNIP – 2015 .............................................................157
Anexo 4 - Matriz Curricular Graduação em Letras – Língua Portuguesa –
Universidade Pesbiteriana Mackenzie – 2015 ..............................................159
Anexo 5 - Matriz Curricular Graduação em Letras – Língua Portuguesa –
Universidade de Campinas UNICAMP – 2015 .............................................162
Anexo 6 – Panorama geral do livro didático “Novas Palavras – Nova Edição”
.......................................................................................................................167
Anexo 7 – Panorama geral do livro didático “Linguagem e Interação” ........170
Anexo 8 – Panorama geral do livro didático “Linguagem e, Movimento” ....170
Anexo 9 – Panorama geral do livro didático “Português Linguagens”..........175
Anexo 10 - Panorama geral do livro didático “Vozes do Mundo” .................178
Anexo 11 – Panorama geral do livro didático “Linguagem e Interação” ......180
Anexo 12 – Panorama geral do livro didático “Língua Portuguesa” ............183
13
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivo averiguar o conteúdo da literatura africana
lusófona presente nos livros didáticos de Língua Portuguesa do 3º ano do Ensino
Médio, analisando se este conteúdo apresenta potencial para contribuir com o
reconhecimento e com a reparação das desigualdades sociais e raciais existentes na
sociedade brasileira; com a formação digna do aluno futuro cidadão; com a promoção
de uma sociedade mais justa e mais igualitária; de veicular aos alunos conhecimentos
que geram ações, posturas e valores ligados à pluralidade racial que a Lei federal
10.639 de 2003 evoca. Este estudo procurará verificar se a literatura africana lusófona
da forma que é apresentada nos livros de Língua Portuguesa do 3º ano do Ensino
Médio pode ser utilizada como um instrumento de diminuição do preconceito e da
discriminação, rompendo com a hegemonia do patrimônio cultural europeu no ensino
da literatura que segrega a cultura africana ao campo do folclore.
Serão utilizados como corpus livros didáticos de Língua Portuguesa de dois
momentos específicos: 2012, quando o conteúdo foi tornado obrigatório por meio do
“Guia PNLD” (Programa Nacional do Livro Didático); e 2015, quando do início da
elaboração deste estudo, doze anos após a Lei nº 10.639 ser sancionada. Este estudo
se justifica pela configuração étnica e racial do povo brasileiro, com 50,7% da
população composta por afrodescendentes (autodenominados pretos e pardos
segundo o Censo Demográfico IBGE de 2010) em uma sociedade ainda racista e
discriminatória em várias de suas práticas sociais, presentes também na escola.
A perspectiva sob a qual se dará análise dos livros didáticos busca a percepção
do potencial de atingimento dos objetivos pretendidos pela Lei nº 10.639/2003, e
tentará responder a algumas perguntas surgidas da experiência profissional da
investigadora como docente de Língua Portuguesa e respectivas Literaturas, do
trabalho com o material didático de língua materna do Ensino Médio e das leituras
realizadas ao longo de sua vida como docente e discente lato e stricto sensu a
respeito do pouco domínio dos professores da área sobre o tema, do preconceito no
trato do negro no livro didático no Brasil, da inexpressiva presença de textos que
abordam discriminação racial nos livros didáticos, pouca relevância da temática afro-
brasileira e a prevalência da irreal visão eurocêntrica da nossa sociedade. Tais
perguntas constituem a fragmentação da pergunta maior que o estudo da
investigadora se propõe responder: o conteúdo de literatura africana de expressão
14
em língua portuguesa está sendo trabalhado de maneira adequada aos objetivos
propostos pela Lei nº 10.639/2013?
Marco fundamental na história da luta antirracismo no Brasil, a Lei federal
nº 10.639 de 2003 constitui um momento importante no processo de democratização
da sociedade brasileira, iniciado quando os negros pós-abolição perceberam que era
por meio da educação formal que conseguiriam a inclusão na sociedade em processo
de modernização. Porém, sendo a educação brasileira fundada em valores
eurocêntricos, o ambiente escolar configurava-se, ele mesmo, um mantenedor das
desigualdades e da discriminação que inferiorizam o negro sem proporcionar a este
segmento da população as condições necessárias para que alcançasse novos
patamares na sociedade (MARINGONI, 2011). Em 14 de setembro de 1833, foi
publicado o primeiro exemplar do primeiro jornal impresso da imprensa negra no
Brasil, “O homem de cor”, seguido de outros títulos todos publicados no Rio de Janeiro
e no mesmo ano: “O Brasileiro Pardo”, “O Cabrito”, “O Crioulinho” e “O Lafuente”.
Fora da Corte, Recife foi a primeira capital a dar voz aos negros com o impresso
“O Homem – Realidade Constitucional ou Dissolução Social” (1876); depois São
Paulo, com “A Pátria’, “O Progresso – Orgam dos Homens de Cor”, (1889), e
“O Exemplo”, em Porto Alegre (1892). A imprensa negra dos anos 1830 às portas de
1900 mostrava-se comprometida com a igualdade de direitos, com a afirmação dos
direitos dos cidadãos, com a demonstração da exclusão e da discriminação sofrida
pelos afrodescendentes do Brasil de então; constituía a voz e o discurso do negro
brasileiro na luta contra o racismo, a discriminação e o preconceito racial no Brasil.
(PINTO, 2011)
Abaixo, trecho do primeiro número do jornal, “O Progresso – Orgam dos
Homens de Cor” (1889), publicado em São Paulo, no qual é possível verificar o tom
jornalístico empregado:
Passou-se o período mais angustioso para os homens pretos. Surgiu a aurora de 13 de maio, data de imorredoura glória de muitos pretos que foram os arautos da abolição como Luiz Gama, José do Patrocínio, Quintino de Lacerda, Rebouças e tantos outros. Proclamou-se a República, o governo da igualdade, da fraternidade e quejandas liberdades. No movimento republicano, contavam-se muitos pretos e mulatos (que vem a dar no mesmo) que prestavam e prestam serviços inolvidáveis ao novo regime. Esperávamos nós, os negros, que, finalmente, ia desaparecer para sempre de nossa pátria o estúpido preconceito e que os brancos, empunhando a bandeira da igualdade e fraternidade, entrassem em franco convívio com os pretos, excluindo apenas os de mau comportamento, o que seria justíssimo. Qual não
15
foi, porém a nossa decepção ao vermos que o idiota preconceito em vez de diminuir cresce; que os filhos dos pretos, que antigamente eram recebidos nas escolas públicas, são hoje recusados nos grupos escolares; e que os soldados pretos que nos campos de batalha têm dado provas de heroísmo, são postos oficialmente abaixo do nível de seus camaradas; que para os salões e reuniões de certa importância, muito de propósito não é convidado um só negro, por maiores que sejam seus merecimentos; que os poderes públicos, em vez de curar do adiantamento dos pretos, atiram-nos à margem, como coisa imprestável? (O Progresso – Orgam dos Homens de Côr, n. 1, p. 3)
O trajeto até a promulgação da Lei nº 10.639 foi marcado pela luta e pelo
debate, pela denúncia das desigualdades na nossa sociedade provocando a reflexão
sobre sua diversidade e diferenças culturais. Na Convenção Nacional do Negro
realizada em 1945 e 1946 em Rio de Janeiro e São Paulo, intelectuais e ativistas
negros requisitaram o posicionamento das autoridades em favor de medidas
afirmativas. Os movimentos sociais dos anos 1970, a retomada das organizações
negras após 1978 e a Constituinte de 1988 contribuíram para a pavimentação do
caminho para a realização da “Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela
Cidadania e pela Vida”, no início dos anos 1990. Seus organizadores foram recebidos
no Palácio do Planalto pelo então Presidente da República, Fernando Henrique
Cardoso, e a ele entregaram o “Programa de Superação do Racismo e Desigualdade
Social” (FREITAS, 2014).
A partir do “Programa” o governo Fernando Henrique promoveu a revisão de
livros didáticos visando a eliminação da estereotipação do negro e sua associação a
valores pejorativos. Em 1998, o Ministério da Educação lançou os Parâmetros
Curriculares Nacionais – Temas Transversais (PCNs – TT), um guia para o trabalho
do docente. Porto Alegre, Belo Horizonte, Belém, Aracaju, Teresina, Brasília e São
Paulo foram as primeiras cidades brasileiras a incluir o conteúdo de história dos
negros no Brasil e no continente africano nos ensinos fundamental e médio das
escolas da rede pública (FREITAS, 2014).
A abertura política do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
para temas relacionados à discriminação racial constituiu um dos fatores importantes
para a ampliação das discussões sobre o tema, para a inserção de ativistas negros
nos quadros administrativos públicos, para a criação de políticas públicas voltadas à
população negra, para a participação brasileira em conferências internacionais, para
a criação do “Grupo de Trabalho Interministerial Para a Valorização e Promoção da
16
População Negra (GTI)” em 1996. O diálogo entre o governo FHC e as instituições
internacionais, além da posição crítica do Brasil sobre o referencial nacional de
“democracia racial”, modificou a posição oficial do Estado brasileiro sobre o tema,
permitindo o exercício de pressões internacionais e de pressões do movimento negro
brasileiro (GODINHO, 2009).
A pedido da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, a partir da
Resolução 2000/14, o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
organizou uma série de debates com a participação de militantes negros de todo o
país com o objetivo de criar propostas para combate ao racismo no Brasil para
posterior apresentação e discussão na III Conferência Mundial contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada de 31 de agosto
a 7 de setembro de 2001, em Durban, África do Sul e contou com mais de 16 mil
participantes de 173 países, resultando em uma Declaração e um Plano de Ação que
expressam o compromisso dos Estados na luta contra os temas abordados.
A pressão, a mobilização dos Movimentos Negros e os debates continuaram
crescendo até que em 2003, a Lei nº10.639 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação com os seguintes artigos:
Art. 26 – A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1ª – O Conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à
História do Brasil.
§ 2ª – Os Conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação
Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra”.
A Lei nº 10.639/03 propõe, portanto, novas diretrizes para o estudo da História
e da cultura afro-brasileiras e africanas, formadoras da sociedade brasileira, passando
o negro de escravo passivo a sujeito histórico, protagonista; valorizando o
17
pensamento e a produção intelectual de negros brasileiros, indo além da música e do
futebol, do candomblé e da capoeira. A lei visa a promoção do acolhimento e do
pertencimento racial, o enfrentamento das formas de preconceito, a reeducação das
relações étnicas e raciais, possibilitando aos alunos afrodescendentes os
instrumentos culturais necessários para que valorizem a si mesmos, suas origens e
seu grupo de pertencimento. De acordo com estudos de Felício (2008), um aluno não
afrodescendente compreender que a experiência social do mundo é mais abrangente
que a sua experiência pessoal e local, compreender que o mundo se constitui não
apenas de seu grupo social mas de diferentes grupos sociais, etnias e raças, e de
outras civilizações e histórias, ajudará no combate do racismo aprendido fora e antes
da escola. A Organização das Nações Unidas (ONU) deu início a “Década dos
Afrodescendentes” em 2013 (2013-2022), ano em que o sancionamento da Lei
nº 10.639/03 pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, completou
dez anos. O início da celebração da “Década dos Afrodescendentes” contribuiu para
a sedimentação da supracitada lei e evidenciou a existência de uma tendência
mundial para a adoção de práticas educativas que levam às escolas a reflexão sobre
igualdade racial e étnica.
Em 2005, a nova Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, do Ministério da Educação, produziu documentos para auxiliar na
implementação da Lei nº10.639; cita-se aqui os seguintes títulos:
“Superando o racismo na escola”;
“Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03”;
“História da educação do negro e outras histórias”.
O documento “Superando o racismo na escola” aborda a importância da
elaboração de livros didáticos com conteúdos tolerantes e inclusivos do ponto de vista
racial, e que valorizem a participação de diversos grupos étnicos na constituição da
sociedade brasileira, não apenas o branco europeu tradicionalmente abordado.
“Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03”
discute a importância da presença de projetos político-pedagógicos voltados a uma
educação igualitária nos aspectos da raça, do gênero, da condição social. A educação
proposta por este documento volta-se à formação integral do sujeito e ao respeito
dos valores, da cultura, da raça e do entorno social do educando.
Por fim, o documento "História da educação do negro e outras histórias",
discorre sobre a exclusão de alunos negros do sistema educacional, critica propostas
18
pelo movimento social negro para enfrentar as desigualdades, apresenta saberes para
que os docentes promovam a inclusão dos alunos, independente de sua cor, raça ou
condição social.
A pluralidade cultural é tema de estudo de várias áreas de conhecimento e a
troca entre culturas diferentes amplia o repertório de conhecimento dos envolvidos. O
resgate da cultura africana enriquece o patrimônio cultural de todos os brasileiros
(FREITAS, 2014).
Os três documentos apresentam subsídios para complementar a formação dos
docentes para o trabalho com uma educação inclusiva e que respeite a cultura
africana, a qual não pode ser dissociada dos temas transversais da educação
brasileira. A escola, ao abordar as temáticas africanas, valoriza as raízes da cultura
nacional, estratégia educativa essencial na formação de alunos-cidadãos pensantes
e reflexivos.
A materialização da proposta, das intenções e dos benefícios à sociedade
brasileira esperados como consequência da Lei Federal nº 10 639/2003, passam
obrigatoriamente (mas não exclusivamente) pelos livros didáticos de Língua
Portuguesa e pelo trabalho com a literatura africana lusófona. Para que se vislumbre
as possibilidades de contribuição da literatura como uma ferramenta capaz de
incentivar a reflexão sobre a identidade cultural brasileira, de propiciar a ampliação
dos horizontes do aluno, de abrir a discussão sobre a diversidade, colaborativa
portanto com a Lei acima referenciada, é necessário antes, compreender a literatura
como conceituada por Candido (1995). Para ele, literatura é a transposição do real
para o ilusório por meio da linguagem; é a vinculação da realidade natural e social por
meio de um elemento técnico. Fruto da expressão social, evento de natureza
sociológica, a literatura não edifica nem corrompe, mas humaniza num sentido
profundo:
“[…] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos à natureza, à sociedade e ao semelhante” (p. 117)
19
Literatura é todo texto que apresenta um toque poético, ficcional ou dramático,
que atende a necessidade universal de ficção, é o “sonho acordado da civilização”.
Instrumento intelectual ao mesmo tempo que afetivo, a literatura revela em suas
páginas os valores que a sociedade inculca e despreza. Dando forma aos sentimentos
e à visão de mundo do leitor, a literatura pode ser usada como um instrumento para
desmascarar a negação de direitos, a existência da miséria e da servidão, a mutilação
espiritual e, por isso mesmo, relaciona-se à luta pelos direitos humanos (CANDIDO,
1995).
De mãos dadas com a literatura apresentada nos livros didáticos estão os
autores e suas obras ali contemplados, que constituem os cânones literários. Do grego
Kanón, significando regra, norma ou modelo, a Igreja Católica foi a primeira a utilizar
o conceito, elegendo obras e autores de valor artístico/intelectual elevado, prática
importada pela literatura a partir do século XIX. Para Compagnon (2001), o cânone
literário tem seu significado estreitamente relacionado ao nacionalismo, representado
em obras que descrevem o sentimento pela nação, estimulam a construção de uma
memória coletiva e de um patrimônio cultural.
Perrone-Moisés (1998) considera que o conceito de escritor-modelo surgiu na
Antiguidade Clássica com os filólogos alexandrinos, ao selecionarem autores literários
para as escolas de gramática, tendo como referência o nível de erudição de sua
linguagem. Contudo, na literatura, o primeiro a trabalhar com cânones foi Dante na
Idade Média. No século XVIII o valor estético deixa de ser compreendido como
universal e os clássicos perdem o seu caráter absoluto e eterno.
Gumbrecht (1998), confronta os conceitos de cânone e clássico. Para ele, o
conceito moderno de literatura desqualificou o cânone estético, cuja
extemporaneidade é impossível por conta da temporalização e da inovação. Enquanto
o clássico apresentaria um conteúdo superior e atemporal, capaz de estabelecer
comunicação com futuras gerações, o cânone situa-se em um patamar aquém. Desde
o início do século XIX, espera-se de todo o texto literário que seu conteúdo e sua
forma sejam inéditos; a inovação tornou-se uma compulsão no meio literário,
afastando a literatura da institucionalização e, posteriormente, da competência de
compreensão de grupos crescentes de leitores. Assim, o sentido tradicional do cânone
como uma obra cujo conteúdo pode determinar padrões sociais de comportamento e
configurar uma visão de mundo, desapareceria sob a perspectiva da temporalização
e da inovação.
20
Já o clássico seria atualizado a cada leitura, num processo fluido em que uma
leitura implicaria numa nova interpretação do texto, sendo este possível de alteração
pelo ato de ler. O clássico estaria mais relacionado ao sujeito-leitor, sem
preocupações com a tradição literária. O cânone, por sua vez, estaria relacionado com
a repercussão da obra na sociedade e seus vínculos com determinada visão de
mundo. Para Gumbrecht (1998), a sociedade atual não permite a existência do cânone
estético, determinando regras ao fazer literário, por ser este incompatível com a
literatura moderna. O olhar hoje recai sobre o efeito da literatura no leitor e não em
sua função pedagógica na sociedade.
Calvino (1993) define os clássicos como ligados à nobreza e à soberania:
O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber), mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de uma pertinência. De tudo isso poderíamos derivar uma definição do tipo: os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos,inesperados, inéditos.(1993)
Tanto o conceito de cânone literário quanto o de clássico literário pautam-se na
hierarquização da arte e muitos estudiosos consideram-nos sinônimos. Este estudo
utilizará o conceito de cânone literário conforme definição de Perrone-Moisés (1998),
para quem o cânone é formado a partir de uma escolha subjetiva, constituído como
base de determinado conhecimento, neste caso, literário. O estabelecimento de um
cânone é o resultado de um julgamento de valor, correspondendo a extensão do
discurso dominante. O cânone literário é constituído por meio de uma seleção
fundamentada em elementos extralinguísticos que sobrepujam aspectos estéticos do
texto literário e abarcam fatores sociais e morais. Os princípios ideológicos da crítica
tradicional devem ser respeitados pelos autores que integram o processo de criação
e conservação de uma cultura reservada para poucos, destinada à aristocracia do
país e sustentada por seus grandes nomes. Para Perrone-Moisés (1998), o cânone
ocidental é formado por homens brancos e mortos, definidos pela elite que ocupa o
poder. O que define uma obra como cânone não reside nela em si, mas nas
instituições que a engrandecem.
21
A literatura produzida, recebida e consumida por indivíduos sócio-históricos é
ela também acionada por ideologias, interesses coletivos e individuais e a escolha de
seus cânones desnuda o poder, como explica Reis:
Por trás de noções como linguagem, cultura, escrita e literatura, mesmo se não as tratarmos (como seria mais indicado) em termos históricos e menos abrangentes, se esconde a noção de poder [e] para trabalhar o conceito de “cânon” é importante ter em mente este horizonte, pois o que se pretende, ao se questionar o processo de canonização de obras literárias é, em última instância, colocar em xeque os mecanismos de poder a ele subjacentes (1992, p. 68).
A partir do século XX, o cânone literário passa a receber uma abordagem
pedagógica ao ser integrado ao currículo escolar dos jovens. Por meio da seleção de
autores e obras ou, mais especificamente, do fragmento destas, o livro didático de
Língua Portuguesa constitui os cânones escolares, disseminando pedagogicamente
uma determinada noção de literatura acompanhada de conceitos estéticos que
influenciam todas as etapas da escolarização do leitor. Os textos e os autores
selecionados, obrigatoriamente, encaixam-se nos parâmetros traçados pela
concepção de ensino dos programas governamentais. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1996)
Para Fidelis (2009), a escola e o livro didático têm sido os grandes suportes
tanto para a consagração quanto para a manutenção dos cânones:
Reconstituem a historiografia literária, destacam os principais autores e suas principais obras, organizam o material crítico sobre períodos literários e seus principais representantes. Portanto, os livros didáticos possuem uma força informadora, capaz de direcionar o que se lerá na escola, pois representam ao professor, sob nova organização, autores e obras representativas de certo fazer literário. (2009, p.01)
O processo de escolarização do cânone literário, transformando-o em “cânone
escolar” trouxe consigo a adaptação dos textos literários, a simplificação das obras
por meio da paráfrase com o objetivo de facilitar a leitura, além do risco de corromper
a autenticidade da obra original. O processo de escolarização do cânone literário
apega-se a aspectos pedagógicos escolhendo obras não por seu valor ou
representatividade, mas pelo grau de facilidade com que podem ser trabalhadas com
o alunado. O método de adaptação das obras literárias migrando-as da posição de
cânone literário para a posição de cânone escolar é questionável em sua eficiência
22
por talvez não permitir que o aluno entre em contato com as particularidades da escrita
do autor nem dos recursos linguísticos que este utiliza ou com a profundidade de sua
escrita. (RODRIGUES, 2009)
Explicando o caráter político e provisório do cânone literário, Macedo (2010)
esclarece que, com a Reforma Capanema em 1942, a iniciação literária do alunado
passa a ocorrer no curso colegial e a priorizar a língua literária, a formação da
consciência humanística e patriótica. Permaneceu a vertente retórico-poético com o
ensino das escolas literárias, estilo, diferenciação entre poesia e prosa, gêneros
literários. Desde o século XIX a tendência retórico-poética de ensino da literatura
disputava espaço com a tendência historicista. Foi estabelecido também o ensino das
literaturas hispano-americana, francesa, inglesa, espanhola, alemã, italiana, entre
outras. Entre 1945 e 1951 o último tópico do programa de literatura era o Modernismo
brasileiro. Em 1951 houve uma simplificação dos programas das disciplinas levando-
se em consideração as diversidades regionais. Continuavam sendo estudados
autores brasileiros e portugueses a partir do século XVI, noções gerais de literatura e
história da literatura portuguesa. O termo “escola literária” foi substituído por
“movimento literário”. (MACEDO, 2010).
Após a Reforma Capanema (1942), enquanto livros didáticos escritos por
autores oriundos da Universidade de São Paulo mostravam-se favoráveis ao
movimento modernista, aqueles escritos por autores oriundos da Universidade do
Distrito Federal era desfavoráveis ao movimento e também aos romancistas do
nordeste brasileiro, chegando a traçar uma oposição entre escritores do nordeste e
do centro ou do sul. Outros classificavam os escritores por núcleo de produção
cultural: “Os nortistas”, “Os nordestinos”, “Os baianos”, “Os mineiros”, “Os paulistas”,
“Os sulistas”. Com a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional em 1961, as literaturas brasileira e portuguesa passaram a ser estudadas
em paralelo e a literatura brasileira e contemporânea passaram a contar com maior
espaço no livro didático. A língua portuguesa passou a ser o foco dos cursos de
graduação em Letras gerando o aportuguesamento ou o abrasileiramento do curso e
o aumento da carga disciplinar e dando origem ao movimento que influenciaria os
futuros autores de livros didáticos, os futuros profissionais da área de Letras, num
processo de redefinição dos cânones literários, que passariam a ser prioritariamente
nacionais e estabelecidos a partir da interligação entre literatura, cultura e realidade
brasileiras. (MACEDO, 2010)
23
Como um dos recursos que mais influem diretamente na aprendizagem, o livro
didático integra a tríade “material didático-aluno-professor”, cuja interação é essencial
para que sejam alcançados os objetivos da Lei 10.639/2013 e sentidos pela sociedade
afrodescendente e não afrodescendente os benefícios esperados. Este é o motivo
pelo qual se optou por analisar a forma de apresentação do conteúdo de literatura
africana no livro didático do 3º ano do Ensino Médio da disciplina de Língua
Portuguesa.
De dispositivo de mudanças nas práticas pedagógicas e organizador de
propostas pedagógicas a elo de transformações na relação pedagógica, o livro
didático concentra os planos de estudos e também pode, muitas vezes, melhorar a
qualidade das aulas. Ferramenta acessível que contribui para a melhoria na
aprendizagem, também pode se tornar um instrumento de poder na tentativa de
promover uma unificação nacional, linguística, cultural e/ou ideológica. Para a
realização da análise do corpus serão adotadas as conceituações de livro didático a
partir dos olhares da historiadora Circe Bittencourt (2004, 2005); da ensaísta,
pesquisadora e crítica literária Marisa Lajolo (2016); e do historiador, educador e
pesquisador francês, Alain Choppin (2009).
Bittencourt (2005) ressalta que o livro didático pode representar o saber oficial
imposto por determinados segmentos detentores do poder e constituir um instrumento
de reprodução de ideologias. Nesta posição, o livro didático pode distorcer e
influenciar a prática docente e a experiência do educando. Contudo, o livro didático
extrapola seu papel ideológico, de veículo de sistema de valores e culturais, e se
constitui um mediador do processo de aquisição do conhecimento escolar e conceitos,
um facilitador do domínio das informações e da linguagem de cada disciplina, um
suporte ao conhecimento escolar e aos métodos pedagógicos.
Material pedagógico mais utilizado na história da educação no Brasil, é também
um produto mercadológico, sujeito às técnicas, regras e lógica de fabricação,
circulação e comercialização capitalistas. Influenciado tanto pelas demandas do
mercado quanto pelas diretrizes educacionais do governo e pelo contexto cultural do
momento de sua elaboração, o livro didático sistematiza o conhecimento escolar,
constituindo um instrumento pedagógico produtor de técnicas de aprendizagem por
meio de exercícios, questionários, leituras complementares e outras atividades. De
fácil identificação e difícil definição, o livro didático, por integrar o sistema de ensino
institucionalizado, é também um instrumento do controle estatal sobre o ensino, uma
24
vez que o Estado se faz presente na sua elaboração, nos critérios de avaliação e é,
ele mesmo, um consumidor de livros didáticos (BITTENCOURT, 2004).
No Brasil, o livro didático faz parte da educação há aproximadamente 200 anos,
tendo passando por transformações e acompanhado as mudanças do currículo e da
sociedade. Hoje suas páginas apresentam novos protocolos de leitura e recursos
visuais, e estabelecem ligação entre o conteúdo escrito e o conteúdo da internet.
Elaborado para o professor, tem nele seu alvo principal e um intermediário que
desempenha papel fundamental; o livro didático depende do uso que dele é feito.
Ferramenta essencial ao trabalho do professor, apresenta o que se deve ensinar e
como se deve ensinar. (BITTENCOURT, 2010).
A delicada situação da educação brasileira faz com que o livro didático,
segundo Lajolo (1996), atue como um determinador de conteúdos e estratégias de
ensino e represente um papel importante na qualidade do resultado do processo
ensino-aprendizado. Para que atinja sua função didática, é necessária uma atenção
especial ao uso que se faz dele, ou seja, deve ser utilizado em ambiente de sala de
aula (coletividade), sob orientação de um professor, de forma sistemática.
Sua eficiência depende não apenas das informações verbalizadas
explicitamente, mas da impressão, da encadernação, das ilustrações, diagramas,
tabelas, atitudes etc, em concordância aos padrões de conhecimento da sociedade e
do projeto de educação da escola, pois é por meio do livro didático que o aluno
constrói e altera significados, forma condições de questionar o conhecimento
ensinado como legítimo e torna-se crítico.
A autora faz duas ressalvas ao papel do livro didático no processo ensino-
aprendizado. A primeira ressalva feita por Lajolo (1996) é que o livro didático, por mais
importante, é apenas um auxiliar e precisa ser adaptado ao contexto de cada sala de
aula; cada um proporciona uma leitura diferente. Sua outra ressalva é que um
magistério despreparado e mal remunerado não apresenta condições mínimas para
escolher, analisar, tampouco criticar livros didáticos.
O terceiro autor escolhido para conceituar o livro didático, Choppin (2009)
considera o livro didático um instrumento pedagógico de longa tradição que, por isso
mesmo, registra as estruturas, os métodos e as condições de ensino de seu tempo,
constituindo um suporte dos conhecimentos escolares, um instrumento pedagógico
ao mesmo tempo que um portador de ideologias, valores e cultura. Para ele, o livro
didático estabelece um importante elo entre a família do educando e sua escola,
25
revelando o conteúdo ensinado e possibilitando que a criança seja acompanhada e
auxiliada no ambiente familiar na realização de suas tarefas escolares. Elaborados
especificamente para o ensino e o aprendizado de determinada disciplina no contexto
escolar, o livro didático é um produto do sistema educacional do Estado, em
conformidade com este e apresenta, interpreta, aborda e conceitua o conteúdo da
disciplina de maneira cultural, política e social.
Para Geraldi (2007), o Estado se faz presente em todos os elos da cadeia do
livro didático: criadores, editores, impressoras, distribuidores, livreiros e leitores. A
política do livro didático inicia-se no consenso entre Estado e setor privado. Criado
pela instituição do decreto 91.542 de 19 de agosto de 1985, o PNLD (Programa
Nacional do Livro Didático) regula o conteúdo dos livros didáticos no Brasil, integra
as políticas públicas para a Educação com objetivo de adquirir e distribuir
gratuitamente livros didáticos, subsidia o trabalho pedagógico por intermédio da
distribuição de livros didático a alunos de toda a Educação básica, regula o
fornecimento de livros didáticos para os alunos da educação básica pública, avalia
currículos em emprego nas escolas. Especificamente, o PNLD de 2014 versa sobre
todas as características do processo de avaliação dos livros aprovados, e das obras
escolhidas para os anos finais do Ensino Médio para aplicação no triênio
2014/2015/2016. Uma grande alteração dessa edição em relação aos instrumentos
anteriores é a distribuição de conteúdos multimídia complementares aos livros. Essa
alteração está de acordo com uma nova tendência atual de valorização dos conteúdos
digitais e da tecnologia.
Dada à posição, à importância e ao papel que o livro didático desempenha no
processo ensino-aprendizado e no dia-a-dia escolar, antes de analisar de que forma
o conteúdo de literatura africana de expressão em língua portuguesa é apresentado
no corpus aqui em análise, parece pertinente conhecer a representação social do
negro no livro didático nas décadas recentes, uma vez ser esta questão parte do
“Programa de Superação do Racismo e Desigualdade Social”, entregue ao então
Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, pelos organizadores da
“Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida”, no início
dos anos 1990.
No Brasil, o processo de colonização consagrou práticas sociais eurocêntricas,
tendo o branco como referência e negando o reconhecimento da capacidade de
construção de uma identidade própria pelos negros. A criação de mitos sobre a
26
identidade afro-brasileira, a incorporação da alteridade subalterna por meio de
mecanismos ideológicos dificultaram o reconhecimento, o respeito e o tratamento
digno ao negro e seu contexto na sociedade brasileira. (FERNANDES, 1978)
O fim da escravatura no Brasil não representou nem significou o
reconhecimento da contribuição cultural, social e histórica das populações de origem
africana à formação da sociedade brasileira. Ao contrário, a segregação racial
continuou, denominada no campo teórico de “racismo cordial” por Gilberto Freyre
(1935). O “racismo cordial” impediu a real integração do negro à sociedade brasileira,
o reconhecimento do seu histórico e de sua contribuição cultural para a formação do
nosso país.
País Inserido no mundo globalizado, no mundo do “Pan-africanismo”, o Brasil
não ficou imune ao processo de conscientização que os negros do mundo inteiro
experimentavam. Movimento social, filosófico e político, surgido na África Ocidental
de colonização britânica na segunda metade do século XIX, o “Pan-africanismo” se
fortaleceu e se expandiu como contraponto ao discurso racista da época, instrumento
de valorização e auto-afirmação africana. Atualmente, a pauta do “Pan-africanismo” é
a união de todos os povos da África, o remanejamento étnico separando os grupos
rivais e unindo os grupos irmãos, formação de um único estado soberano como forma
de resolução dos problemas da região. (PAIM, 2014)
Na sociedade brasileira, a vitória destaca-se especialmente quando, no ano de
2003 foi aprovada a Lei Federal nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003, que estabeleceu
o estudo obrigatório de História africana e cultura afro-brasileira, bem como da
contribuição das populações de matrizes africanas no Brasil para a formação da
identidade nacional. Esta lei e as suas leis correlacionadas, refletem sobre a
educação das relações étnico-raciais na educação, com um foco na superação de
práticas escolares discriminatórias e excludentes contra os estudantes negros e
ancestrais africanos no espaço escolar.
Para melhor compreender como se dava a representação do negro no livro
didático antes e após a promulgação da Lei nº 10.639, se houve mudança, qual
mudança ocorreu ou se não houve mudança, buscou-se Identificar a existência de
dissertações de mestrado, teses de doutorados, livros e pesquisas afins que
houvessem realizado análise da representação do negro nos livros didáticos
publicados no período pretendido. Sempre associando-o à determinada condição de
trabalho, escravo e passivo, a sala de aula contribuiu para a construção de um
27
significado pejorativo e inferiorizado do negro na sociedade brasileira. Ao invés de
percebido como um ser humano em circunstância de ‘escravizado”, o negro passou a
ser “naturalizado escravo”.
A produção e divulgação de conhecimentos, valores e atitudes sobre a
pluralidade étnica e racial, sobre o respeito aos direitos do outro e de todos, sobre a
valorização da identidade negra, pode permitir a consolidação de um Brasil mais
democrático, o reconhecimento da cultura dos afrodescendentes e das raízes
africanas da nossa sociedade (SOUZA, 2013).
Dentro os trabalhos identificados, para este estudo optou-se por destacar os
seguintes:
OLIVEIRA, Maria Isabel Soares Oliveira. Representação da cultura afro-
brasileira no livro didático de língua portuguesa para o ensino médio
profissional. 2013.Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação).
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.139 p;
SEVERO, Lara Freitas. O negro nos livros didáticos: um enfoque nos
papéis sociais. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação.
Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2009;
SILVA, Ana Célia. A discriminação do negro no livro didático. Salvador:
Centro Editorial e Didático, 1995;
SILVA, Ana Célia da. A representação social do negro no livro didático:
o que mudou. Por que mudou? Universidade Federal da Bahia.
EDUFBA: Salvador, 2011. 182 p;
SOUZA, Ana Maria de. A lei 10.639/2003 e a literatura luso-africana e
afro-brasileira na escola, 2013. 106 p. Dissertação (Mestrado em Letras
Literaturas Portuguesa e Luso-Africanas). Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Instituto de Pós-Graduação em Letras.
O primeiro trabalho que merece destaque é de Maria Isabel Soares Oliveira,
“Representação da cultura afro-brasileira no livro didático de língua portuguesa para
o ensino médio profissional”. O tema escolhido pela autora foram as representações
sociais e da cultura afro-brasileira numa perspectiva da valorização da presença
africana no Brasil para a construção da identidade afro-brasileira. Com suas
investigações a autora pretendeu responder as seguintes perguntas: Como os autores
28
responsáveis pelo livro didático têm contingenciado o conteúdo e as estratégias para
o trabalho com a literatura afro-brasileira no ensino médio? Quais sugestões esse
artefato aponta aos professores a fim de fomentar aos alunos a sensibilidade para o
conhecimento sobre a riqueza cultural africana quanto a elevação da baixa estima dos
estudantes afro-brasileiros?
As conclusões as quais a autora chegou após realizar suas pesquisas foram
que nas imagens selecionadas e analisadas no livro didático de Português do ensino
médio editado em 2010 pela Saraiva. “Português: linguagens” de William Roberto
Cereja e Thereza Cochar, foi que o negro ainda é associado a aspectos pejorativos.
A autora acredita que o caminho para o rompimento desta postura seja pelo viés de
efetivação da Lei nº 10. 639/2003, que visa trazer uma abordagem da temática
africana de forma a valorizar a cultura e criar identidade e valores para a inclusão e
formação integral dos sujeitos no âmago da sociedade.
O volume 3 da coleção em análise, contem textos que não veiculam a cultura
afro-brasileira de forma positiva, apesar dos critérios de exclusão explicitados no Guia
de Livros Didáticos (PNLD 2012 p. 39), para o livro que não obedece os estatutos, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com as respectivas alterações
introduzidas pelas Leis nº 10.639/2003, nº 11.274/2006, nº 11.525/2007 e nº
11.645/2008, “Veicularem estereótipos e preconceitos de condição social, regional,
étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de idade ou de linguagem, assim como
qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos”.
O segundo trabalho destacado é a análise do livro de língua portuguesa “Porta
Aberta: alfabetização” de Isabela Carpaneda e Angiolina Bragança, publicado em
2005 pela Editora FTD de São Paulo, portanto depois da implementação da Lei nº10.
639, que traz cento e sessenta e cinco imagens de pessoas, das quais apenas
dezenove são negras o que, segundo Severo (2009), autora da análise, corroboraria
a ideologia do branqueamento.
Reforçando o estereótipo do negro realizador de trabalhos braçais, ocupando
posições menos privilegiadas no mercado de trabalho, a página 163 traz a imagem de
uma mulher negra trajando avental, luvas e uma pano à cabeça. Na página 199, do
livro “Porta Aberta: alfabetização”. A imagem de crianças brancas e negras realizando
atividades do dia-a-dia como escovar os dentes, brincar, tomar banho. Para Severo
(2009), incluir crianças negras em na realização de situações cotidianas desenvolve
sua integração social, colocando-as no mesmo patamar das crianças brancas.
29
Para Severo (2005) , a análise de “Porta Aberta: alfabetização”, revelou que a
imagem do negro ainda é muito limitada no livro didático de língua portuguesa, não
lhes sendo atribuídas atividade valorizadas pela sociedade, nem posições de
liderança, sendo sempre subordinados. Para ela, é preciso que ao negro representado
no livro didático seja permitido assumir posições sócias respeitadas, protagonistas,
geralmente destinadas aos brancos.
Estudos conduzidos por Ana Célia Silva e publicados em seu livro “A
discriminação do negro no livro didático” (Salvador: Centro Editorial e Didático, 1995),
analisaram 82 livros didáticos de Comunicação e Expressão de Ensino Fundamental
identificaramaspectos de ideologia de branqueamento e de inferiorização, distorção,
desumanização e estereotipação do negro, além da predominância de personagens
brancos em textos e ilustrações.
Em 74 dos 82 livros analisados, o negro foi retratado de maneira negativa, como
escravo e serviçal, foi caricaturado, desumanizado e posicionado em último lugar nos
grupos sociais. Vários dos livros averiguados apresentaram o negro como mendigo,
trabalhador braçal do campo, favelado, empregado doméstico, sempre em posição de
subserviência. Não foram retratadas situações que revelassem a capacidade de
adaptação à sociedade produtiva e consequente contribuição econômica do negro a
esta, tampouco negros em posição intelectual e acadêmica, desempenhando
profissões valorizadas pela sociedade e negros em posição de liderança.
Apenas em poucas oportunidades a criança negra foi retratada dentro do
ambiente escolar mas, majoritariamente, na rua, trabalhando ou brincando, sendo
atribuída a ela apenas um apelido e não um nome próprio. Os poucos alunos negros
retratados nos livros avaliados no estudo estavam sentados no fundo das salas de
aula.
Foram destinados à personagem negra adjetivos não humanos, enquanto o
branco foi sempre retratado como o europeu loiro e de olhos azuis, trabalhador de
classe média, com costumes europeus ou norte-americanos, portador de nomes,
sobrenomes e funções na sociedade, membro de uma família padrão que encarna o
modelo almejado pela sociedade brasileira. A mãe negra foi, em geral, omitida dos
livros didáticos analisados.
A mãe predominante é a branca, assim como a professora e os alunos. Para
Silva (1995) a realidade apresentada nos livros didáticos analisados é distorcida assim
como os valores culturais que o livro passa aos alunos e desmente a ideia de que o
30
racismo no Brasil seja velado; os livros didáticos apontam para o racismo explícito, a
ideologia de branqueamento do negro, a introjeção e assunção dos valores
eurocêntricos.
Entre as diversas causas apontadas para o fracasso escolar nas pesquisas
sobre a presença negra nas escolas, estão o currículo e o material didático
inadequados para os alunos afrodescendentes. A identificação de tais aspectos
impulsionou a avaliação dos índices de evasão escolar e repetência entre a população
negra nas escolas. Constatou-se a participação da falta de identificação dos alunos
negros com a escola e o material didático nestes índices. O modelo eurocêntrico de
cotidiano acaba por afastar as classes desfavorecidas. (PEREIRA, 2008, p.259).
Em sua dissertação de mestrado em Letras Literaturas Portuguesa e Luso-
Africanas, intitulada “A lei 10.639/2003 e a literatura luso-africana e afro-brasileira na
escola” apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Pós-
Graduação em Letras, .Ana Maria de Souza, trabalhou a repercussão da Lei nº
10.639/2003 nos livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II (do
6º ao nº ano) de 2011 a 2014. A metodologia utilizada foi a análise de natureza
descritiva; verificação de como as disposições da Lei 10.639/2004 aparecem nas
coleções de livros didáticos do Ensino Fundamental II.
A autora conceitualizou o racismo com base em Kabengele Munanga: Ideologia
ou processo pelo qual um grupo de pessoas com base em características biológicas
e/ou culturais é estigmatizado como raça ou grupo étnico inerentemente inferior, em
virtude de sua diferença. Tal diferença é usada como fundamento lógico para a
exclusão dos membros deste grupo, do acesso a recursos os mais diversos, materiais
ou não, direito ao trabalho e à educação.
O corpus foi constituído de um conjunto de16 coleções de livros didáticos para
Ensino Fundamental II, recomendados pelo MEC. É consenso nesta área que o negro,
africano ou afrodescendente é representado de forma negativa, contribuindo para a
perpetuação de conceitos discriminatórios.
As conclusões as quais a autora chegou esclarecem que os textos literários
aparecem em número pouco expressivo, geralmente, servem ao estudo da gramática
e suscitam pouca discussão em sala de aula sobre racismo; poucos são os textos que
abordam discriminação racial. Falta preocupação com a pluralidade cultural da
sociedade brasileira. Não é significativa a menção à colaboração dos africanos e
afrodescendentes na construção da história do país nem dos aspectos positivos da
31
presença do negro no Brasil. É perceptível a ausência da temática afro-brasileira nas
unidades. Em certos livros didáticos analisados, a Lei nº 10 639/2003 está sendo
cumprida por meio de uma propaganda de produto para cabelos afro ou por trechos
de entrevista com uma atriz de novelas negra. Os livros didáticos analisados pouco
falam dos negros e quando o fazem, desconsideram suas diferentes origens e a
história de suas civilizações. A visão eurocêntrica continua imperando, distante da
realidade do aluno afrodescendente, pouco contribuindo para a formação de sua
identidade, comprometendo não apenas a ele mas também a escola. (SOUZA, 2013).
Para a dissertação a qual se dedica esta introdução, “A Presença da Literatura
Africana Lusófona no Livro Didático de Língua Portuguesa do 3º Ano do Ensino Médio:
Uma Reflexão Social, Histórica e Literária”, a hipótese básica estabelecida é que, para
que as mudanças objetivadas pela Lei supracitada sejam efetivamente promovidas,
faz-se necessária a interação entre professores, alunos e material didático,
reconsiderando-se a formação docente, o currículo dos cursos de Licenciatura em
Letras, a representação social dos negros nos livros didáticos. Estas constituiriam
iniciativas inter-relacionadas que poderiam fortalecer a Lei nº 10.639/2003 e o
processo de formação de uma nova mentalidade étnico-racial na sociedade brasileira.
As primeiras publicações didáticas cujo conteúdo incluía literatura africana de
expressão em língua portuguesa foram aprovadas em 2010 pelo Fundo Nacional de
Educação (FNDE) em parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB), do
Ministério da Educação (MEC) (FREITAS, 2014).
O critério escolhido para a identificação dos livros didáticos a serem analisados
neste estudo foi a sua presença no Guia de Livros Didáticos elaborado pelo Ministério
da Educação dentro do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), realizado em
ciclos trienais, a tradição e o reconhecimento de seus autores na elaboração de livros
didáticos de língua portuguesa. O Programa tem por finalidade municiar as escolas
públicas, tanto de Ensino Fundamental quanto Médio, com livros didáticos e obras
literárias, obras complementares e dicionários. Foram escolhidos livros distribuídos no
primeiro ano da obrigatoriedade de apresentação do conteúdo literatura africana
lusófona dentro da disciplina Língua Portuguesa (PNLD 2012) e livros constantes do
PNLD 2015, o mais próximo da elaboração deste estudo, para estabelecer uma
comparação, observar se houve ou não alteração e, em caso afirmativo, de que tipo.
Anualmente, o FNDE adquire e distribui livros para todos os alunos, bem como
repõe e complementa os livros que forem de possível reutilização. As obras são
32
inscritas para avaliação do Ministério da Educação (MEC) mediante critérios
especificados em edital. Os Guias de Livros Didáticos: PNLD 2012 e PNLD 2015
apresentam os princípios e os objetivos gerais da disciplina Língua Portuguesa,
considerações e reflexões acerca de seu papel na formação do aluno como cidadão
pleno, além das perspectivas do trabalho pedagógico e os objetivos do processo de
ensino-aprendizagem com a mesma nos três anos do Ensino Médio.
As obras selecionadas pelo PNLD são resenhadas e suas características
analisadas como, por exemplo, o padrão organizacional (compêndio, manual etc),
tendências metodológicas (transmissiva, construtivo-reflexiva etc) e os patamares de
qualidade encontrados. O elenco de títulos identificados para compor a dissertação
foi aprovado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) do MEC
(Ministério da Educação), constante do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)
para os ciclos trienais 2012/2013/2014 e 2015/2016/2017. A eleição dessas sete obras
obedeceu a critérios como as propostas para o ensino de literatura apresentadas
pelos autores; a diferença de posição das editoras (editoras menores e maiores em
termos de quantidade de publicações, editoras mais conhecidas e menos conhecidas
no cenário atual da educação, editoras com maior e menor distribuição de obras no
país); a tradição dos autores na produção de livros didáticos de Língua Portuguesa.
Objeto desta pesquisa, os livros didáticos a serem analisados no primeiro
momento foram identificados no Guia de Livros Didáticos, PNLD 2012: “Língua
Portuguesa: linguagem e interação”, volume 3, Editora Ática, dos autores Faraco,
Moura e Maruxo Jr.; “Coleção Linguagem em Movimento”, volume 3, Editora FTD, de
Izeti Torralvo e Carlos Cortez; “Novas Palavras – Nova Edição”, volume 3, Editora
FTD, da autoria de Amaral, Ferreira, Antônio e Leite; “Português Linguagens –
Literatura – Produção de Texto – Gramática”, volume 3, Atual Editora, de Cereja e
Magalhães.
Para o segundo momento da análise que este estudo realizará, foram
estabelecidos como foco específico de análise os livros didáticos da disciplina Língua
Portuguesa do 3ºano do Ensino Médio constante do “Guia de livros didáticos PNLD
2015 EM” do Ministério da Educação: “Língua Portuguesa, volume 3, Editora Positivo,
das autoras Roberta Hernandes e Vima Lia Martin; “Vozes do mundo: literatura, língua
e produção de texto”, volume 3, Editora Saraiva, dos autores Abreu-Tardelli, Oda e
Toledo, sob a coordenação de Campos; “Língua Portuguesa: linguagem e interação”,
volume 3, Editora Ática, dos autores Faraco, Moura e Maruxo Jr.
33
Constituíram fontes para esta pesquisa:
Atlas do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. 156 p.
BRASIL. Edital de convocação para o processo de inscrição e avaliação de
obras didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático PNLD 2012 –
Ensino Médio.
BRASIL. Edital de convocação para o processo de inscrição e avaliação de
obras didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático PNLD 2015.
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2012: Língua Portuguesa. – Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011.
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2015: apresentação: ensino médio. –
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2014.
BRASIL, Legislação Federal, Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a
Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras
providências.
Ressalta-se que os livros didáticos, na análise aqui proposta, serão observados
em relação aos seus conteúdos procedimentais, aos métodos adotados. A entrada ou
a saída de novos editores e autores também será foco de observação no decorrer da
análise.
A prática pedagógica brasileira tem no livro didático um importante recurso de
ensino e aprendizado, fazendo-o um item decisivo para a qualidade dos resultados
das atividades realizadas no ambiente escolar. Importante ferramenta nas escolas, o
livro didático é, ao mesmo tempo, parte do processo educativo e produto cultural.
Mostra-se, então, pertinente, utilizar o livro didático como instrumento de reflexão
sobre a presença da literatura africana de expressão em língua portuguesa nas
escolas após os doze anos de existência da Lei Federal nº 10.639/03. A análise do
corpus será organizada a partir da sucessão dos tópicos do livro do aluno,
averiguando tanto a abordagem da literatura africana lusófona quanto a coletânea de
textos literários e atividades propostas com objetivos divididos em dois grupos:
34
Conteúdo/ Aspectos Teóricos e Metodológicos
a) O livro didático em análise permite ao aluno a percepção da literatura como
um campo de conhecimento tanto cotidiano quanto filosófico e coletivo?
b) São consideradas as funções humanizadoras da literatura, que exprimem o
homem e atua na sua formação? Considera-se aqui o conceito de Candido
(2002), segundo o qual as funções humanizadoras da literatura dividem-se
em três:
Função psicológica: relacionada à necessidade humana de fantasiar,
porém sempre conectando esta fantasia à realidade. A literatura
sistematiza a fantasia com inspiração no real;
Função formadora: literatura como um instrumento de educação e
formação, sem cunho ideológico;
Função social: permite que o leitor reconheça sua realidade na obra
ficcional. Literatura como forma de conhecimento do mundo e do ser.
c) O aluno é contemplado com aspectos da vida e da obra de cada autor?
d) Há contextualização de autor e obra?
e) Qual o critério de apresentação dos textos: apresentação de textos integrais
ou apenas de fragmentos de textos?
f) É realizado trabalho com as especificidades linguísticas do texto literário?
g) A abordagem da literatura africana propicia ao aluno a compreensão do
processo histórico do povo e/ou do país ali representado?
Atividades/ Aspectos Pedagógicos
a) As atividades contribuem com a formação do leitor literário, levam o aluno à
reflexão, ao pensar, à troca e ao debate?
b) As atividades propostas estabelecem relação entre o texto e o contexto
social, histórico e político de sua produção?
c) As atividades proposta estimulam o aluno a conhecer a obra do autor além
dos fragmentos literários apresentados no livro didático?
35
Esta pesquisa está organizada em três capítulos, dispostos entre a “Introdução” e a
“Conclusão”, sendo:
CAPÍTULO 1
1 A Literatura como componente curricular e o livro didático de Língua Portuguesa do
3º ano do Ensino Médio;
1.1 Breve histórico da disciplina literatura como componente curricular;
1.2 A escritura literária negra na literatura brasileira ou afro-brasileira: uma realidade
muito anterior à lei 10.639/2003;
1.3 A ausência do cânone literário na literatura africana lusófona;
CAPÍTULO 2
2 Relação entre três aspectos da mesma questão: Formação do docente em Língua
Portuguesa e Literatura; Livro didático de língua portuguesa do 3º ano do Ensino
Médio; Conteúdo de literatura africana lusófona;
2.1 Interação ou correlação entre livro didático e formação do docente em Letras –
Língua Portuguesa;
2.2. Livros didáticos indicados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) para
o ciclo trienal 2012/2013/2014 e 2015/2016/2017;
CAPÍTULO 3
3 Análise do corpus selecionados entre os livros didáticos indicados pelo PNLD
(Programa Nacional do Livro Didático) para o ciclo trienal 2012/2013/2014 e
2015/2016/2017.
3.1 Análise das obras indicadas no PNLD 2012 e selecionadas para esta pesquisa
3.2 Análise das obras indicados no PNLD 2015 selecionadas para esta pesquisa
36
CAPÍTULO 1 A Literatura como componente curricular e o livro didático de
Língua Portuguesa do 3º ano do Ensino Médio
Este capítulo preocupou-se em pesquisar a história da disciplina literatura,
procurando compreender a trajetória de sua inserção no currículo escolar brasileiro.
Apesar de não ser a proposta desse estudo, fez-se necessário tentar entender
também a permanência das práticas arraigadas na tradição, como o ensino
cronológico da literatura, historiográfico, apesar de combatido por pesquisas
acadêmicas, documentos oficiais e dispositivos curriculares.
Outro aspecto que se mostrou importante abordar por ser intrínseco ao tema
ensino de literatura, é a questão da constituição do cânone literário, sua escolarização
e a inserção de autores e obras não pertencentes à tradição literária, tanto para a
literatura geral quanto para a literatura africana lusófona e literatura afro-brasileira.
A escolarização dos cânones literários acabou por transformar livros didáticos
de Língua Portuguesa e o espaço escolar em difusores de um determinado modelo
de leitura e uma determinada percepção do que é literário, influenciando diretamente
a formação do aluno-leitor e legitimando como literatura certas obras e certos autores,
excluindo outros. Dentro do universo canônico escolar, professores selecionam obras
a serem lidas, estabelecendo cânones dentro dos cânones, num constante processo
de exclusão que se repete nos livros didáticos e nas listas obrigatórias de leituras para
o vestibular, concursos etc. Pode-se dizer que os livros didáticos apresentam os
mesmos autores e obras com poucas diferenças, conforme será mostrado no Capítulo
III. Contudo, incluir autores e obras não tradicionais ou não incluídos nos cânones
poderia contribuir na construção do gosto pela leitura, na formação de um aluno-leitor,
uma vez que novos autores levariam à sala de aula novas temáticas revestidas de
uma linguagem sempre renovada e inserida no contexto do jovem. A literatura se
renova constantemente, assim como a sociedade. A literatura não canônica aborda
temáticas que se modificam a cada geração, registrando experiências, atitudes,
culturas e conceitos, numa contínua narração da humanidade ao ritmo dos
movimentos sociais correntes. A inserção da literatura não canônica no livro didático
poderia despertar o interesse do alunado pela literatura geral, consequentemente,
pelos autores e obras da tradição.
37
Enquanto a tradicional construção de cânones literários ocorre com base num
conceito europeu, as literaturas africana e afro-brasileira, abordam temas
transculturais e se encontram em processo de desenvolvimento e afirmação, fazendo
parecer um paradoxo falar em constituição de cânone para qualquer uma delas.
1.1 Breve histórico da disciplina literatura como componente curricular
Bosi (2013) considera que, devido as suas origens, a literatura nacional, deve
ser tratada diferentemente da literatura portuguesa, maturada na Europa.
A literatura portuguesa teve seu primeiro momento em 1198 ou 1189 com o
trovador Paio Soares de Taveirós e a cantiga de amor e escárnio dedicada a Maria
Pais Ribeiro, “A Ribeirinha”. Este momento primeiro da literatura portuguesa durou
duzentos anos e terminou em 1418, tendo sido produzidos poesia, novelas de
cavalaria, cronicões e livros de linhagem. (MOISÉS, 2012)
Já a literatura brasileira precisa ser compreendida à mesma luz que se
compreende as demais literaturas americanas, a partir do “complexo colonial” de vida
e de pensamento de quem sempre se sentiu o “outro” em relação a cultura do
colonizador. (BOSI, 2013)
Os ciclos de ocupação e exploração ocorridos nos primeiros séculos do Brasil
Colônia emprestaram-nos a configuração de um conjunto cultural formado por
pequenas ilhas, configuração esta que até hoje se reflete em nossa história literária.
Os três primeiros séculos de nossa vida intelectual foram impregnados de um caráter
híbrido que mesclava códigos literários europeus a mensagens ou conteúdos
coloniais. (BOSI, 2013)
Ao perder sua autonomia política entre 1580 e 1640, com o declínio e a
consequente passagem à nação periférica da Europa, Portugal viu sua literatura, que
antes experimentara o apogeu com a épica quinhentista, passar a orbitar em torno
das outras culturas europeias como o Barroco espanhol, o Arcadismo italiano e o
Iluminismo francês. O novo panorama político, social e cultural de Portugal refletiu-se
nas escritas coloniais do século XVII, ainda embrionárias. Ao diálogo entre Metrópole
e Colônia, a França cedeu ao Brasil o pensamento burguês e liberal como ferramentas
38
de interpretação da própria realidade, num movimento de buscas de outras fontes
ideológicas que não as ibéricas, descontinuando conscientemente o passado e
apropriando-se da cultura europeia de formas mais proativas e brasileiras, como
ocorreu no período Romântico. Para Bosi (2013), a mestiçagem é o aspecto prefácio
de nosso processo colonial que influenciou nossa produção intelectual como muito
bem representado no ensaísmo social de inúmeros autores estudiosos da sociedade
brasileira como Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Oliveira Viana e Gilberto Freyre.
A literatura brasileira passou à categoria de disciplina escolarizada do ensino
secundário, conteúdo nacionalizante e historicista, no século XIX, apesar do ensino
secundário brasileiro existir desde quando as escolas religiosas, principalmente as
escolas jesuítas, passaram a se encarregar da educação da população formada por
portugueses e seus descendentes, uma educação humanista de base renascentista.
(OLIVEIRA, 2008)
O processo de ascensão da língua e da literatura nacional nos Programas de
Ensino ocorrido na Europa após a Primeira Grande Guerra foi o mesmo ocorrido nos
Programas de Ensino do Colégio Pedro II, escola secundária padrão da elite brasileira,
com o aumento da carga horária de Português e a diminuição gradativa da presença
das disciplinas Latim, Grego, Retórica e Poética, até o seu desaparecimento.
(RAZZINI, 2000)
Até 1869 o ensino de Português não teve representatividade no currículo do
secundário, situação que começou a se modificar quando os cursos superiores de
Direito, Medicina, da Escola Politécnica, da Escola de Minas, entre outros, tiveram o
exame de língua materna incluído em seus Preparatórios.
Até 1855, o conteúdo das aulas de Português do Programa de Ensino do
Colégio Pedro II continha apenas gramática, quando então foram incluídas leitura
literária e recitação. A partir de 1857, o conteúdo de literatura nacional passa a ser
substituído por história literária portuguesa e nacional, um processo de construção do
caráter nacional da nossa literatura com base na definição dos cânones literários
brasileiros, compondo a cultura nacional. Em 1870, são acrescentados os conteúdos
de redação e composição e, em 1890, gramática histórica. (RAZZINI, 2000).
Quanto à literatura nacional, sua primeira inclusão no currículo escolar deu-se
em 1855 dentro da disciplina Retórica e Poética e os textos literários a serem
estudados eram selecionados a partir dos cânones portugueses dos séculos XVIII e
39
XIX. Apenas em 1887, Fausto Barreto e Vicente de Souza, professores do Colégio
Pedro II publicaram “Seleção Literária”, obra didática na qual autores portugueses e
brasileiros dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX eram apresentados cronologicamente.
Com a Proclamação da República intensifica-se a preocupação com a modernização
do país e com a cientificação do ensino. O conteúdo de literatura conquista autonomia
e é criada a disciplina Literatura Nacional (RAZZINI, 2000)
A segunda metade do século XIX trouxe mudanças representativas para o
ensino secundário de literatura, deslocando o foco da estética clássica para a
nacionalidade e as particularidades da língua vernácula. A Proclamação da República
e a abolição da escravatura foram os definidores deste novo momento, que pedia uma
maior presença da brasilidade nos livros didáticos e nos textos literários. Esta
solicitação recebeu apoio de juristas, autores e intelectuais como Joaquim Nabuco,
Rui Barbosa, Castro Alves, Machado de Assis e Olavo Bilac. (OLIVEIRA, 2008)
A obra didática “Seleção Literária” passa por uma revisão, porém mantém a
tradição do ensino da norma culta da língua materna por meio dos cânones literários;
em 1895 passa a chamar-se “Antologia Nacional”. Sofreu por modificações ao longo
do tempo e se manteve no currículo de Português até os anos 1970.
Em 1906, Silvio Romero e João Ribeiro elaboraram o “Compêndio de História
da Literatura Brasileira” por meio da adaptação de “História da Literatura Brasileira”
de 1888, de Silvio Romero, iniciando uma correlação entre literatura e história literária
que pode ser verificada até hoje em obras didáticas tanto para o ensino secundário
quanto para o ensino universitário. (OLIVEIRA, 2008)
Entre as obras didáticas mais significativas que seguiram e/ou seguem a mesma
correlação estabelecida por Romero e Ribeiro para o ensino secundário, destacam-
se “Pequena História da Literatura Brasileira” (1917) de Ronaldo de Carvalho; “Lições
de Literatura Brasileira” (1919) de José Ventura Boscoli; “História da Literatura
Nacional” (1930) de Jorge de Abreu; “Noções de História da Literatura Brasileira”
(1931) de Afrânio Peixoto e “História da Literatura Brasileira” (1939) de Bezerra de
Freitas. Já para o ensino universitário, merecem destaque “História da Literatura
Brasileira: prosa e ficção (1890 – 1920) (1963) de Lúcia Miguel Pereira; “A Literatura
no Brasil” (1965) de Afrânio Coutinho; “Formação da Literatura Brasileira: momentos
decisivos”(1959) de Antonio Candido; “História Concisa da Literatura Brasileira”
(1970) de Alfredo Bosi.
40
Fig. 1, “Pequena história da literatura brasileira”, 3ª edição, 1935.
41
Figura 2 – “História concisa da literatura brasileira”, 49ª edição, 2013.
A literatura nacional escolarizada experimentou certa instabilidade no ensino
secundário. Depois de conquistar autonomia em 1890, perde-a logo depois em 1898.
Vê-se incorporada ao currículo de Português em 1911 para, em 1925, passar a ser
denominada “Literatura Brasileira”, recebendo enfim o adjetivo pátrio. Em 1928, volta
a ser estudada como “Literatura Geral”. Apenas com a reforma Capanema em 1943,
no Estado Novo, momento político nacionalista, foi que a Literatura Brasileira
encontrou estabilidade no currículo do ensino secundário.
42
O modernismo brasileiro só passou a integrar o livro didático de Português
pouco antes dos anos 1960. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº 5692 de 1971, a língua vernácula passou a ser abordada como um instrumento de
comunicação a se articular com outras matérias, e como expressão da Cultura
Brasileira, desvinculando o ensino da literatura de suas amarras tradicionais aos
cânones literários e abrindo espaço aos autores vivos. Esta posição foi fortalecida nos
anos 1970, com o fim do ensino do latim, o enfraquecimento do ensino dos cânones
portugueses e o fortalecimento da literatura brasileira moderna. (RAZZINI, 2000)
Conforme já abordado anteriormente neste estudo, na cultura ocidental, é a
elite ocupante do poder quem estabelece os cânones literários, a partir das obras
produzidas por autores homens, brancos e mortos, com base não nos aspectos da
obra em si, mas nas instituições que a engrandecem Perrone-Moisés (1998).
Além de linguagem, cultura, e escrita, a literatura materializa o poder, as
ideologias, os interesses coletivos e individuais. O processo de construção de
cânones literários guarda mecanismos de poder (REIS, 1992).
Conforme levantamento elaborado por Razzini (2000), a 1ª edição de
“Antologia Nacional”, de 1895, reunia treze autores brasileiros com características
muito próximas. Eram todos funcionários públicos, a maioria formada em Direito e
alguns com título de nobreza: Álvares de Azevedo, Antônio Francisco Dutra e Melo,
Casimiro José Marques de Abreu, Castro Alves, Fagundes Varela, Francisco
Otaviano, Frei Luís José de Junqueira Freire, Gonçalves Dias, José Bonifácio, José
de Alencar, Manuel de Araújo Porto-Alegre, Odorico Mendes e Torres Homem.
Na mesma edição, os autores portugueses somavam doze e reuniam
características iguais entre si e aos autores brasileiros: funcionários públicos, a
maioria formada em Direito, alguns com título de nobreza e vários eram políticos:
Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Antonio Feliciano de Castilho, Camilo Castelo
Branco, Dom Antonio de Macedo Costa, João de Lemos, João Francisco Lisboa,
Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Luís de Camões, Pe.Antonio Vieira, Rebelo da
Silva.
43
Fig. 3, “Antologia Nacional”, 1ª edição, 1895.
Em sua 6ª edição, 1913, “Antologia Nacional” privilegiou dezesseis autores
brasileiros entre eles, ex-alunos do Liceu e do curso superior (a maior parte de Direito):
Pereira da Silva, Ouro Preto, Couto de Magalhães, Franklin Távora, Rio Branco,
Joaquim Nabuco, Eduardo Prado, Raul Pompéia, Luís Guimarães, Raimundo Correia;
membros da Academia Brasileira de Letras: Machado de Assis, Visconde de Taunay,
Rio Branco, Nabuco de Araújo, José do Patrocínio, Euclides da Cunha.
A maioria dos autores brasileiros escolhidos para a 6ª edição era monarquista,
alguns de convivência muito próxima com Dom Pedro II. Entre eles havia ministros e
diplomatas. A exceção era Machado de Assis que não frequentou o ensino
secundário.
44
Fig. 4, “Antologia Nacional”, 6ª edição, 1913.
A 25ª edição da “Antologia Nacional”, de 1945, inclui quinze autores brasileiros,
com ênfase ao seu posicionamento republicano: Alberto de Oliveira, Alphonsus
Guimaraens, Aluísio Azevedo, Augusto dos Anjos, Coelho Neto, Cruz e Sousa, Farias
45
Brito, França Junior, Graça Aranha, Hermes Fontes, Manuel Antonio de Almeida,
Mário Pederneiras, Olavo Bilac, Rui Barbosa, Vicente de Carvalho.
Fig.5, “Antologia Nacional”, 25ª edição, 1945.
Entre 1943 e 1951 o conteúdo de história literatura brasileira concentrava-se
no 3º ano do, então, colegial, e o conteúdo de história da literatura portuguesa
concentrava-se no 2º ano; um ensino estritamente historicista e determinista,
direcionado aos jovens da elite brasileira, quase a totalidade dos alunos do curso
colegial (MACEDO, 2010).
46
Fig. 6, “Antologia Nacional”, 43ª edição, 1969.
Nas obras aprovadas pelo Ministério da Educação e constantes do “Guia de
Livros Didáticos PNLD 2015” para o triênio 2015/2016/2017, alguns dos autores e
obras apresentados na 1ª edição de “Antologia Nacional” de 1895, conforme Razzini
(2000) ainda se mantém como José de Alencar, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo,
Castro Alves, Almeida Garrett, Luís de Camões, Pe.Antonio Vieira e Camilo Castelo
Branco. Abaixo, segue levantamento realizado na coleção “Vozes do mundo:
47
literatura, língua e produção de texto”, volumes 1, 2 e 3, Editora Saraiva, sendo o
volume 3, parte integrante do corpus deste estudo.
Para o 1º ano do Ensino Médio, a coleção traz os portugueses Bocage, Gil
Vicente, Luís de Camões, Pe..Antonio Vieira e Sá de Miranda. Em literatura brasileira,
os autores estudados são: Cláudio Manuel da Costa, Gregório de Matos, José de
Anchieta e Tomás Antonio Gonzaga. No 2º ano, a literatura portuguesa é contemplada
por meio de Almeida Garrett, Antero de Quental, Camilo Castelo Branco, Camilo
Pessanha, Cesário Verde e Eça de Queiroz. A literatura brasileira é apresentada ao
aluno pela obra dos autores: Alphonsus de Guimaraens, Aluísio Azevedo, Álvares de
Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Cruz e Sousa, Gonçalves Dias, Joaquim
Manuel de Macedo, José de Alencar, Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida,
Martins Pena, Olavo Bilac, Raul Pompéia e Visconde de Taunay. O volume 3, que
será analisado no próximo capítulo quanto ao seu conteúdo de literatura africana
lusófona traz apenas três autores portugueses: Fernando Pessoa, José Saramago e
Mário de Sá-Carneiro para vinte e três brasileiros: Alcântara Machado, Augusto dos
Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Érico
Veríssimo, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa,
João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, Jorge de Lima, José Lins do Rego, Lima
Barreto, Lúcio Cardoso, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Nelson
Rodrigues, Oswald de Andrade, Rachel de Queiroz e Vinícius de Moraes. O terceiro
volume da coleção reserva espaço para autores brasileiros contemporâneos como
Adélia Prado, Augusto de Campos e Caio Fernando Abreu, entre outros, e oito autores
africanos lusófonos, dentre os quais, José Luandino Vieira, Mia Couto e Pepetela.
No volume 1, a coleção apresenta cinco autores portugueses e quatro autores
brasileiros, num panorama bem equilibrado. No volume 2, são seis autores
portugueses para quinze autores brasileiros. Já no volume 3, de todos os cinquenta
autores trabalhados, apenas três são portugueses. Os demais autores apresentados
dividem-se em oito africanos lusófonos contemporâneos, vinte e três brasileiros
pertencentes à tradição literária e dezoito brasileiros contemporâneos.
Na somatória total de autores apresentados nos três volumes da Coleção
“Vozes do mundo: literatura, língua e produção de texto”, tem-se quatorze
portugueses, quarenta e dois brasileiros pertencentes à tradição literária, dezoito
brasileiros contemporâneos e oito africanos lusófonos contemporâneos.
48
Atualmente, a literatura brasileira é um conteúdo da disciplina Língua
Portuguesa. Não se verifica mais a tentativa de construção de uma identidade
nacional nem uma preocupação com o discurso do colonizador. As noções de região
cultural, nacionalidade e nação se modificaram. Os parâmetros de composição do
cânone literário são questionados, assim como a universalidade do sistema europeu,
abrindo-se espaço para o surgimento de novas vozes literárias como a africana e a
feminina. (OLIVEIRA, 2008)
A reforma promovida pela Lei 5.692/71, conduzida por uma concepção
nacionalista e tecnicista do ensino, ratificou a historiografia literária, a memorização
de períodos, autores, obras e datas, a presença de estudos dirigidos, roteiros de
interpretação, fichas de leitura e exercícios preparados diretamente para o aluno.
(MARTINS, 2006)
A partir de 1977, com a Proposta Curricular de Língua Portuguesa: 2º grau
(PCLP) pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), vinculada à
Secretaria de Educação do Estado, houve a valorização da língua portuguesa, da
literatura brasileira e da literatura portuguesa no currículo. O ensino da literatura
deveria desenvolver habilidades de comunicação, expressão, observação e análise
das estruturas e processos linguísticos; propiciar aos alunos as ferramentas para a
percepção de elementos significativos da cultura brasileira. Era uma proposta
genérica com foco nos objetivos e não mais no conteúdo, cabendo ao professor a
tarefa de refletir e a responsabilidade de optar pelos conteúdos e métodos mais
pertinentes para o ensino da língua e da literatura. A “Proposta” não possuía um
caráter impositivo, mas apresentava sugestões e orientações de forma não normativa
(MACEDO, 2010)
No Brasil, anos 1970, com um ensino de caráter tecnicista, exigia-se do aluno
apenas as leituras mínimas, uma vez que o objetivo era suprir as exigências do
mercado de trabalho. Literatura passou a ser sinônimo de textos resumidos, obras
condensadas para o vestibular, as provas de múltipla escolha correspondendo à
ideologia da objetividade, o contrário do que requer o processo de formação do leitor
crítico, conforme bem exemplifica MARTINS:
49
Formar para o gosto literário, conhecer a tradição literária
local e oferecer instrumentos para uma penetração mais
aguda nas obras – tradicionalmente objetivos da escola
em relação à literatura – decerto supõem percorrer o
arco que vai do leitor vítima ao leitor crítico (2006, p. 68).
Em 1981, foi publicado pelo governo federal o documento “O Ensino da língua
portuguesa e literatura brasileira no 2º grau: sugestões metodológicas”, sob
coordenação de Magda Soares. A disciplina de Língua Portuguesa era abordada de
maneira ampla, fazendo-se referências a teorias linguísticas que contrapunham
behaviorismo e inatismo, defendendo que a literatura precisava ser lida para ser
aprendida. A abordagem proposta enfatizava o panorama histórico, social e
econômico do período a ser estudado. (MACEDO, 2010)
O conjunto de documentos publicados a partir da Lei 9.394/96, como as
“Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino Médio” e os “Parâmetros Curriculares
Nacionais – Ensino Médio” buscam um caminho para o ensino da literatura trilhado
por meio do conhecimento com significado para o aluno, da interdisciplinaridade,
participação social, compromisso com a cidadania e da integração do estudante com
o mundo globalizado. (MARTINS, 2006)
A partir da década de 1990, com a publicação do PCN do Ensino Médio, foi
dada maior relevância não só aos novos modelos de leitura operados na escola como
à abordagem textual integrada a aspectos gramaticais e à estruturação textual numa
perspectiva interdisciplinar, e à própria leitura em si. Contudo, a defasagem dos alunos
brasileiros na leitura de diferentes gêneros textuais ainda é evidente conforme
mostram os resultados em avaliações como PISA e Provinha Brasil, por exemplo.
(SANTOS, 2014)
Programas como “Mais Cultura” e “PNBE” têm como objetivo principal o
incentivo à leitura de textos literários com a distribuição de livros às escolas públicas
brasileiras. Devido às avaliações bianuais dos manuais de língua portuguesa do
Ensino Médio, a abordagem dos textos literários constantes nos livros didáticos
começa a deixar de ser tão superficial. Os catálogos dos manuais que o MEC distribui
englobam resenhas das obras aprovadas e explicações sobre as atividades de leitura.
Nas avaliações dos livros do PNLD-EM são apresentadas orientações sobre
atividades de leitura dos textos literários. (SANTOS, 2014)
50
Apesar de ser o texto literário o elemento essencial no ensino da literatura, os
fragmentos de obras literárias contemplados nos livros didáticos são trabalhados
como leitura obrigatória, indicação de ponto de partida para atividade de produção
textual, ou, pior, exercícios de gramática, realização de leitura apressada, textos de
pouca densidade de pensamento e elaborados em linguagem excessivamente
simplificada, além de vocabulário restrito. Aguiar e Bordini (1993) afirmam que tal
método de ensino de literatura tem suas origens na pedagogia jesuítica, o que
demonstra a urgência da necessidade de revisão dos conceitos de funções da
literatura, funções estas já identificadas por Cândido (2012): formadora, social e
psicológica. Além das funções estabelecidas por Cândido (2012), a literatura participa
da formação de um leitor questionador, emancipado, capaz de refletir sobre o que lê
e sobre o contexto em que está inserido. (COSTA, 2004)
Para Kleiman (2000) a leitura estabelece a interação entre o autor e o leitor, um
ato social entre os dois sujeitos. O espaço social que o leitor ocupa, seu sistema de
crenças, atitudes e valores interferem na construção do sentido do texto. A leitura, ato
intertextual também é uma prática social, que remete a outros textos e a outras
leituras.
Cabe notar aqui que o contexto escolar não favorece a delineação de objetivos específicos em relação a essa atividade. Nele a atividade de leitura é difusa, muitas vezes se constituindo apenas em um pretexto para cópias, resumos, análises sintáticas e outras tarefas do ensino de língua (KLEIMAN, 2000)
Por meio dos sentimentos de suas personagens, os conflitos que vivenciam, a
obra literária guia o leitor pelos caminhos da reflexão sobre a condição humana e
sobre sua própria existência, alcançando, como resultado, uma maior compreensão
de si mesmo e do outro. (VIEIRA, 2008)
(...) se o ensino literário na escola deixasse de ser visto nesses termos e passasse a ser considerado como educação literária, isto é, se passasse a ter como objetivo a formação de um leitor cada vez mais competente nesse terreno, o enfoque literário na escola poderia ser integrado basicamente ao âmbito da aprendizagem leitora. (COLOMER, 2007)
51
A escola tem falhado na missão de formar leitores capazes de interpretar as
mensagens próprias de uma cultura escrita, nunca conseguindo assegurar que as
obras literárias fossem realmente admiradas; a leitura de fragmentos de textos
literários sempre predominou. Há um debate contemporâneo sobre o ensino da
literatura e uma busca por um modelo de ensino literário que possibilite o
desenvolvimento da competência interpretativa por meio da leitura. Dentro deste
debate questiona-se se a escola deve ensinar literatura ou se esta deve ensinar a ler
literatura. Deve ensinar a saber literatura ou a ler literatura? A literatura perdeu seu
poder simbólico tanto na escola quando no mundo. (COLOMER, 2007)
1.2 A escritura literária negra na literatura brasileira ou afro-brasileira: uma
realidade muito anterior à lei 10.639/2003
A Lei 10.639/2003 ao buscar a valorização da população negra brasileira e suas
contribuições à formação da cultura nacional, ao perseguir a desconstrução de
ideologias preconceituosas e discriminatórias, propondo o ensino da história e da
cultura africanas nas disciplinas História, Artes e Literatura, acabou por provocar um
processo de busca e ressignificação das práticas educacionais; uma atualização
curricular da disciplina de Literatura, configurando-se um norteador e um incentivador
do estudo e da reflexão sobre as relações étnicas e raciais na sociedade brasileira. A
escola pode agora, tendo a Lei 10639/2003 como norte, repensar e reorganizar o
currículo, de História, Artes e Literatura, posicionando-se como o espaço de formação
e reflexão que deve ser.
O conteúdo de literatura africana lusófona extrapola em muito a posição de
apenas mais informações a serem trabalhadas em sala de aula, ou mais um capítulo
no livro didático; ela extrapola também a finalidade estética e expressa valores éticos,
culturais, políticos e ideológicos.
Os escritores negros foram tratados na literatura brasileira da mesma forma
marginalizadora com que sua etnia foi tratada no processo de construção da
sociedade brasileira. Para Proença Filho (2004), percebe-se duas vozes negras na
literatura brasileira. A primeira, tem a condição do negro como seu tema, porém em
uma visão distanciada. A segunda apresenta o negro como sujeito em uma atitude
52
compromissada. A primeira, distante, é a literatura sobre o negro. A segunda,
compromissada, é a literatura do negro.
Produções literárias que fogem ao projeto de nação estabelecido para o Brasil,
projeto em que o nacional é um bloco homogêneo, como a cultura de matriz africana,
em geral tendem a permanecer à margem, ignoradas, inferiorizadas ou conhecidas
majoritariamente dentro de sua comunidade étnica original. Para Peixoto (2007), é
enorme a contribuição do texto literário na construção deste discurso ideológico.
Desde o século XIX, no Brasil, produções literárias trabalham na construção do nosso
imaginário de nacionalidade, desde indianismo romântico de “Iracema” de José de
Alencar e a formação do verdadeiro homem brasileiro, mestiço por excelência,
harmoniosamente, sem a violência da escravidão nem as agressões sofridas pelos
indígenas durante a colonização.
Apesar de ainda não ser conhecida de muitos brasileiros, a literatura afro-
brasileira mostra crescente vigor, longe porém de ser um fenômeno contemporâneo,
remontando ao século XVIII e ao sacerdote, músico e poeta árcade brasileiro,
Domingos Caldas Barbosa. Caldas Barbosa, mestiço, filho de escrava angolana,
satirizava os portugueses com tamanha maestria que chegou a fazer sombra ao poeta
português Manuel Maria Barbosa du Bocage. Pertenceu à Academia de Roma sob o
pseudônimo de Lereno Selinumtino. (DUARTE, 2011)
Para Duarte (2011), no Movimento Modernista da primeira metade do século
XX pode-se resgatar a tradição negrista em Jorge de Lima com seus “Poemas
Negros”, Raul Bopp (“Urucungo”), Menotti Del Pichia, Cassiano Ricardo ou os
escritores do grupo mineiro “Leite Criôlo”, entre outros, mesmo que repleta de
diferenças se a compararmos com a produção mais recente observada do grupo
paulistano de escritores, fundado em 1980, “Quilombhoje”, por exemplo. Para ele, o
grupo empresta um outro sentido ao conceito de literatura negra, tematicamente
reduzido, esquecendo-se do pertencimento étnico e da perspectiva autoral.
Desde a década de 1980, a escritura negra tanto em produção quando em
número de escritores vem aumentando, assim como também vem aumentando o
espaço que ambos ocupam na cultura brasileira, em relação biunívoca com o
movimento negro. Mecanismos como a Lei Federal nº 10.639/2003 e outras ações
afirmativas pertinentes ao tema, contribuem para o processo afirmativo de
53
pertencimento étnico afro-descendente, para uma reflexão crítica sobre os conceitos
de literatura negra e de literatura afro-brasileira.
Proença Filho (2004) acredita que assumir a literatura como “literatura negra”,
um espaço de afirmação cultural, de afirmação de si mesmo enquanto sujeito, pode
gerar novos e diferentes riscos de marginalização ao negro. Para ele, uma literatura
negra pode ser concebida como aquela produzida por negros e/ou por descendentes
assumidos de negros, impregnada de suas visões de mundo, ideologias, específicas
de condicionamentos sociais e históricos, reivindicadora de direitos do grupo étnico
em questão, atuante contra discriminações. Ele entende que o termo “literatura negra”
perpetua o negro na posição de “outro” e não de brasileiro, isolando-o em um espaço
enquanto busca por sua identidade própria. Ele propõe que seja assumida uma
igualdade na construção da nacionalidade brasileira; que se reivindique a cidadania
plena; que as atitudes sejam de engajamento. Porém, sem discriminar nem apartar a
si mesmos do grupo maior, tampouco a sua produção literária, como se esta não
estivesse em nada relacionada à produção literária brasileira. A causa do negro
brasileiro é o centro dos textos literários produzidos pela literatura negra e que sua
busca por afirmação cultural se concretiza por meio de revelações, denúncias,
rupturas, produtos culturais afirmativos, resgate dos mitos, reaproximação cultural
com a África, repensar da escravidão, releitura das revoltas, situação do negro e de
seus descendentes na construção socioeconômica do país e sua marcada
participação nos tempos heróicos da formação da nacionalidade, das contribuições
linguísticas colocadas à língua portuguesa do Brasil. Para Proença Filho (2004) deve
sim haver uma afirmação e singularização da identidade negra por meio da literatura,
mas sem estigmatizá-la nem segregá-la. Antes, integrando-a à arte literária brasileira
e universal, espaço que os negros e seus descendentes devem ocupar.
O termo literatura “afro-brasileira”, remeteria às tensões inerentes ao processo
de mescla étnica, cultural, linguística e religiosa existente no Brasil desde a chegada
dos primeiros africanos. Para Duarte (2011), devido ao amplo conjunto de variações
fenotípicas naturais à mestiçagem, termos como “afro-brasileiro” ou “afrodescendente”
podem ser tão representativos da etnicidade quanto o termo “pardo”. Independente
do termo selecionado, para ele não há no Brasil uma literatura 100% negra que possa
ser considerada sinônimo de africana. Assim como o continente africano não constitui
um bloco homogêneo, a literatura afro-brasileira e suas manifestações (romances,
54
contos, poemas...) não é uma concepção originária unicamente do Atlântico Negro,
principalmente num universo cultural como o brasileiro. O reconhecimento da afro-
brasilidade de nossa produção literária quebra a hegemonia do conceito de literatura
brasileira como “ramo” da literatura portuguesa, principalmente quando a afro-
brasilidade ergue o negro à posição de sujeito de sua própria enunciação.
Temas como o resgate da história do povo negro na diáspora brasileira, a
denúncia da escravidão e suas consequências, a glorificação de heróis negros como
Zumbi dos Palmares estão presentes em exemplos da literatura brasileira. A
escravidão foi denunciada por Maria Firmina dos Reis no romance “Úrsula” de 1859 e
em “Motta Coqueiro ou a pena de morte” de 1878 da autoria de José do Patrocínio.
Os feitos gloriosos dos quilombolas foram retratados em “Canto dos Palmares” de
Solano Trindade, em 1961 e “Dionísio esfacelado” de Domício Proença Filho, 1984.
Vários autores brasileiros escreveram sobre o estigma do 14 de maio de 1888
(o longo dia após a abolição da escravatura, que se prolongou pelas décadas
seguintes, chegando ao século XXI), entre eles, Lima Barreto e Carolina Maria de
Jesus.
Castro Alves, apesar de possuir o epíteto “poeta dos escravos” não produziu
literatura afro-brasileira, não reivindicou para si a condição de afro-descendente nem
incluiu esta condição em seu projeto literário. A autoria não é um aspecto exterior à
obra . Para Duarte (2011) , o ponto de vista que o autor adota, indica sua visão de
mundo e seu universo de valores. A ascendência africana ou a utilização do tema são
insuficientes para transformar um obra em literatura afro-brasileira, sendo necessário
que a obra apresente uma perspectiva que se identifique à história, à cultura, às
condições de existência e à toda a problemática dos negros. Castro Alves, não
conseguiu desvencilhar-se de sua criação escravagista. Contudo, indignava-o o
sofrimento dos negros, vistos por ele como seres humanos. A escravidão, para o
escritor, era uma mancha da qual o Brasil precisava se limpar. Alves não procurou a
cultura nem a psicologia do negro, comparava-o ao branco, banqueava-o moralmente
para angariar a simpatia dos leitores burgueses. (PROENÇA FILHO, 2004)
Muito diferente de Castro Alves, mesmo sem nunca ter reconhecido sua
condição étnica, o menino pobre nascido no Morro do Livramento, filho de um pintor
de paredes e de uma lavadeira, o mestiço Machado de Assis, cronista, crítico literário,
poeta e ficcionista, em nenhuma página de sua vasta literatura escreveu uma única
55
linha a favor da escravidão ou da suposta inferioridade de negros ou mestiços. Fala
como um dos oprimidos e usa a literatura como denúncia; isto inclui parte de sua obra
no âmbito da afro-brasilidade.
Autores do século XIX , afrodescendentes, foram submetidos à hegemonia do
embranquecimento como regra para evitar sua morte social, e ao pensamento
cientifico que os impedia de se auto-declararem negros ou mulatos, a exemplo de
Maria Firmina dos Reis, maranhense que, em 1859, aos 22 anos, escreveu o primeiro
romance abolicionista brasileiro, e o grande Machado de Assis. Apesar da literatura
de ambos não ser considerada uma ‘literatura negra”, tampouco pouco pode ser
literatura “negrista” ou “sobre o negro”, pois é notável o seu ponto de vista interno e
comprometido com o tema, um olhar não-branco e não-racista, por meio do qual
expressaram sua visão de mundo.
Na literatura sobre o negro, este ou seu descendente é o personagem, envolto
no contexto da realidade histórico-cultural do Brasil, porém predominam ideologia,
estética, atitudes e estereótipos brancos. Exemplo de literatura sobre o negro pode
ser encontrado na literatura brasileira desde o século XVII, com Gregório de Matos:
Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E a maior desta loucura?... Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.
56
Quem são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.
Dou ao demo os insensatos,
Dou ao demo a gente asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos .
(“Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os seus membros e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia”)
Publicado em 1872, “A Escrava Isaura” de Bernardo Guimarães, é a escrava
nobre, branqueada, que venceu depois de sacrifícios, humilhações e perseguições,
sempre defendendo a abolição. Em 1881, Aluísio de Azevedo publica, “O Mulato”, no
qual Raimundo, mulato de olhos azuis, submetia-se mas denunciava o preconceito
sofrido. Já Fagundes Varela, em 1864, inova ao criar “Mauro, o escravo”, um negro
herói. Contudo, o autor peca ao não conseguir afastar-se do branqueamento. “O
Demônio Familiar” de José de Alencar e “O cego”, de Joaquim Manuel de Macedo,
apresentam o negro como infantilizado, serviçal e subalterno. O estereótipo da
animalização ganha ênfase na personagem Bertoleza da obra “O Cortiço” (1900), de
Aluísio Azevedo. Quanto mais seu amante e proprietário João Romão progredia e
enriquecia, mais a escravizava e humilhava. Trajano Galvão de Carvalho em “O
Calhambola” deu voz ao negro, defendendo a causa abolicionista. Joaquim Manoel
de Macedo, em “As Vítimas Algozes” (1873) cria um negro-demônio, cujas
características humanas foram destruídas pela escravidão. A mesma fórmula se
repete em “Mota Coqueiro” de José do Patrocínio (1877), “O Rei Negro” (1914) de
Coelho Neto, “A família Medeiros” (1892) de Júlia Lopes de Almeida. Em “O Bom
Crioulo” (1885) de Adolfo Caminha, o leitor é surpreendido com um enredo de
homossexualidade e em “”A Carne” (1888) de Júlio Ribeiro, a personagem central,
Lenita, branca, entrega-se à promiscuidade com os escravos. “O Presidente Negro”
de Monteiro Lobato questiona o caráter dos negros. O poema “Juca Mulato” (1917) de
Menotti del Picchia, busca valorizar o mulato, mostrando o lado emocional do
personagem, um poema de vanguarda para o momento. A sensualização do negro é
a marca dos personagens Rita Baiana e Firmo de “O Cortiço”, do poema “Nega Fulô”
(1929) de Jorge de Lima e das mulatas de Jorge Amado, sendo este último o que mais
contribuiu na construção do negro simpático, mesmo que estereotipado, como o
57
personagem Jubiabá do romance “Jubiabá” (1955) e a personagem Gabriela de
“Gabriela, Cravo e Canela” (1958). (PROENÇA FILHO, 2004)
A literatura que trouxe o negro como sujeito, demonstrando uma atitude
compromissada surgiu com Luís Gama (1850-1882), filho de africana com fidalgo
baiano e o primeiro a falar do amor por uma negra. “Clara dos Anjos” (1922), romance
de Lima Barreto (1881-1922), apresenta ao leitor as humilhações, traições e
sofrimentos da mulata do subúrbio carioca. Segundo Proença Filho (2004) é em 1930
– 1940 que a literatura passa a ter uma voz engajada, ganha força nos anos 1960 com
escritores assumindo-se negros ou descendentes, e nos anos 1970 e 1980 passa a
se preocupar com a afirmação cultural do negro na realidade brasileira. A partir dos
anos 1990, a literatura toma posições a medida em que estreita relações com os
movimentos de conscientização dos negros brasileiros, expressando em suas páginas
um maior compromisso com a etnia. Este momento é personificado na obra de
diversos escritores brasileiros entre os quais pode-se destacar “Axés do Sangue da
Esperança”, Abdias Nascimento, (1983); “Axé” – Antologia da poesia negra
contemporânea (1982), organizada por Paulo Colina; “A Razão da Chama” - Antologia
de poetas negros brasileiros (1986), com coordenação e seleção de Oswaldo de
Camargo; “Poesia Negra Brasileira” (1992), organizada por Zilá Bernd; “Pablo” (1975),
“A rosa da recusa”, (1980), Arnaldo Xavier ; “Poemas da carapinha” (1978), “Sol na
garganta” (1979”, “Batuque de tocaia”(1982), Cuti (Luís Silva);
Segundo análise de Proença Filho (2004) a maior parte dos poemas listados acima
não mostra preocupação com a linguagem. A quase totalidade deles centraliza sua
temática na tomada de posição e no comprometimento ideológico, perdendo a
característica literária e assumindo um caráter de manifesto. Na prosa, ele destaca
“A maldição de Canaã” (1951), de Romeu Crusoé, “A mulher de Aleduma” (1956), de
Aline França e, no âmbito da literatura-testemunho, “Quarto de despejo” (1960), “Casa
de alvenaria”, (1961) e “Diário de Bitita” (1986) de Carolina Maria de Jesus.
A escritura literária negra mostra-se ainda limitada no livro didático de língua
portuguesa que, estruturado a partir da tradicional abordagem historiográfica da
literatura brasileira, reedita a conservadora classificação de autores e períodos
estético-literários tendo como base o conceito de nação, tornando pobre a convivência
do aluno do Ensino Médio com o texto literário brasileiro e comprometendo a formação
do aluno-leitor-literário. PEIXOTO (2007)
58
Em 1859, o poeta Luiz Gama, publicou o poema “Se tu queres, meu amigo” em
”Primeiras trovas burlescas de Getulino”, parte reproduzido abaixo. "Primeiras Trovas
Burlescas", colocou-o no panteão literário do Brasil apenas doze anos depois de ter
sido alfabetizado.
Desculpa, meu caro amigo,
Eu nada te posso dar;
Na terra que rege o branco,
Nos privam té de pensar!...
Luiz Gonzaga Pinto da Gama, baiano nascido em 1830, era filho de fidalgo
português e negra livre com intensa participação nas insurreições de escravos. Sua
mãe, mais tarde, seria mitificada pelo Movimento Negro. Vendido pelo próprio pai
como escravo aos 10 anos de idade para pagamento de uma dívida de jogo, Luiz
Gama foi alfabetizado aos 17 anos, alistando-se na Força Pública da Província ou
Corpo de Força da Linha de São Paulo, graduando-se cabo e saindo em 1854.
Em 1880, Luiz Gama escreveu carta autobiográfica a seu amigo Lúcio de
Mendonça na qual descreve sua mãe, Luísa Mahin, transformada em heroína pelo
Movimento Negro (LIMA, 2009):
"Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação) de nome Luísa Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã.
Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, insofrida e vingativa.
Dava-se ao comércio – era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que não tiveram efeito.
Era dotada de atividade. Em 1837, depois da Revolução do dr. Sabino, na Bahia, veio ela ao Rio de Janeiro e nunca mais voltou. Procurei-a em 1847, em 1856 e em 1861, na Corte, sem que a pudesse encontrar. Em 1862, soube, por uns pretos minas que conheciam-na e que deram-me sinais certos, que ela, acompanhada de malungos desordeiros, em uma “casa de dar fortuna”, em 1838, fora posta em prisão; e que tanto ela como os seus companheiros desapareceram. Era opinião dos meus informantes que esses ‘amotinados’ fossem mandados pôr fora pelo governo, que, nesse tempo, tratava rigorosamente os africanos livres, tidos como provocadores. Nada mais pude alcançar a respeito dela".
59
Nesta mesma carta autobiográfica, Luiz Gama escreve sobre o pai:
"Meu pai não ouso afirmar que fosse branco, porque tais afirmativas, neste país, constituem grave perigo perante a verdade, no que concerne à melindrosa presunção das cores humanas: era fidalgo e pertencia a uma das principais famílias da Bahia de origem portuguesa. Devo poupar à sua infeliz memória uma injúria dolorosa, e o faço ocultando o seu nome.
Ele foi rico; e nesse tempo, muito extremoso para mim: criou-me em seus braços. Foi revolucionário em 1837.[nota 4] Era apaixonado pela diversão da pesca e da caça; muito apreciador de bons cavalos; jogava bem as armas, e muito melhor de baralho, amava as súcias e os divertimentos: esbanjou uma boa herança, obtida de uma tia em 1836; e reduzido a uma pobreza extrema, a 10 de novembro de 1840, em companhia de Luís Cândido Quintela, seu amigo inseparável e hospedeiro, que vivia dos proventos de uma casa de tavolagem, na cidade da Bahia, estabelecida em um sobrado de quina, ao largo da praça, vendeu-me, como seu escravo, a bordo do patacho "Saraiva".
Jornalista, maçom e funcionário público, Gama começou a carreira jornalística
junto ao caricaturista Angelo Agostini; ambos fundaram, em 1864 o primeiro jornal
ilustrado humorístico paulistano, “Diabo Coxo”. Em 1866, com Agostini e Américo de
Campos, também maçom, criaram o hebdomadário “Cabrião”.
Na década de 1860 seu trabalho como jornalista e colaborador de diversos
periódicos progressistas rendeu-lhe merecido destaque. Na literatura, seus poemas
satirizavam a aristocracia e os poderosos o que lhe garantiu a oposição dos
acadêmicos conservadores. Hoje, é reconhecido como um dos grandes
representantes da segunda geração do romantismo brasileiro.
Fundador da Loja Maçônica América, ao lado de Ruy Barbosa, teve
participação intensa nas causas republicana e abolicionista.
Já casado frequentou o Curso de Direito do Largo do São Francisco – hoje
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Por ser negro, enfrentou a
hostilidade de professores e alunos. Apesar de não ter concluído o curso, o
conhecimento adquirido permitiu que atuasse na defesa jurídica de negros escravos.
Conquistou judicialmente a própria liberdade e passou a atuar na advocacia
defendendo, principalmente, negros cativos. Aos 29 anos, era autor consagrado e um
grande abolicionista. Foi um dos raros intelectuais negros no Brasil escravocrata do
século XIX, atuante opositor da monarquia (FERREIRA, 2007)
Seu trabalho na causa emancipacionista dos negros enquanto ainda eram
vigentes as leis escravocratas, rendeu-lhe o apelido de “Apóstolo Negro da Abolição”.
60
Em sua carta autobiográfica a Lúcio de Mendonça, Gama menciona que acredita ter
libertado do cativeiro mais de 500 escravos. Durante um júri, Luiz Gama proferiu uma
frase que se tornou célebre: "O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância
for, mata sempre em legítima defesa" — a reação provocada nos presentes obrigou o
juiz a suspender a sessão. (LIMA, 2009)
Faleceu em 24 de agosto de 1882 e foi sepultado no Cemitério da Consolação,
na presença de 3.000 pessoas numa São Paulo de 40.000 habitantes. O poeta Raul
Pompéia (1863-1895) imortalizou Luiz Gama e seus feitos escrevendo na ocasião:
" (...) não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade, uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação, como quem pede esmola; outros mostrando as mãos inflamadas e sangrentas das pancadas que lhes dera um bárbaro senhor; outros... inúmeros. E Luís Gama os recebia a todos com a sua aspereza afável e atraente; e a todos satisfazia, praticando as mas angélicas ações, por entre uma saraivada de grossas pilhérias de velho sargento. Toda essa clientela miserável saía satisfeita, levando este uma consolação, aquele uma promessa, outro a liberdade, alguns um conselho fortificante. E Luís Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia ilumi nando à custa da própria vida as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro...E, por essa filosofia, empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bom...Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o que lhe vinha das mãos de algum cliente mais abastado."
A morte de Luiz Gama e o discurso engajado em seu enterro marcaram o fim
da primeira fase do movimento abolicionista, uma fase "legalista", caracterizada pela
constituição de fundos para a aquisição de cativos e sua alforria, ações judiciais
libertadoras e deu início a um segundo momento, de ações efetivas de combate aos
escravistas. Nesta segunda fase, comandada por Clímaco Barbosa, os escravos
fugidos eram acolhidos, escondidos nas residências até serem encaminhados ao
Quilombo do Jabaquara, em Santos. O novo momento estimulou a fuga em massa
das fazendas.(MACHADO, 2004)
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 2015, 133 anos após a morte de
Luiz Gama, concedeu-lhe o título de "advogado”.
O leitor afrodescendente define-se por sua especificidade cultural e pelo anseio
em afirmar sua identidade; a literatura é um gesto político mais que um prazer. O
61
escritor de literatura afro-brasileira desempenha também o papel de porta-voz de sua
comunidade, a quem cabe combater estereótipos, reverter valores, construir auto-
estimas, intervindo num processo complexo (social, histórico, político, econômico) ,
estimular o pensamento crítico, contestador e transformador da estrutura social
vigente. (DUARTE, 2011).
De todos os livros didáticos analisados para este estudo, apenas “Língua
Portuguesa”, Hernandes e Martin (2013), preocupou-se em apresentar ao alunado
autores e textos de literaturas afro-brasileira, estabelecendo diálogo entre estes e os
autores e as obras tradicionalmente constantes dos livros didáticos de língua
portuguesa. O livro abriu espaço para a literatura afro-brasileira com os “Cadernos
Negros: os melhores poemas”, organizado pelo grupo “Quilombhoje” e vários autores
como Solano Trindade, Miriam Alves, Márcio Barbosa entre outros. A maior parte dos
livros didáticos analisados não utilizam os termos “literatura afrobrasileira” ou
“literatura negra” e tendem a silenciar sobre seus representantes de peso como
Carolina de Jesus, Luiz Gama, Solano Trindade. Quando mencionados, observa-se
uma alienação destes autores quanto a sua condição de afrodescendente; postura
que mantém a produção literária afro-brasileira ainda mais à margem que a produção
literária africana lusófona. O tratamento dedicado a cada uma é diferente, assim como
também o é do tratamento destinado às literaturas brasileiras, portuguesas e seus
autores e obras já consagrados, num processo de silenciamento que reflete o
processo histórico imposto aos negros e seus descendentes. A Lei federal
10.639/2003, no entanto, é clara ao especificar a obrigatoriedade do ensino da história
e cultura afro-brasileira e africana.
A análise dos livros didáticos fez surgir a percepção de que o processo de inserção
do novo conteúdo especificado pela Lei federal 10.639/2003, subdivide-se em dois
ramos: a literatura africana lusófona e a literatura afrobrasileira. Neste momento,
parece que obras e autores afro-brasileiros enfrentam mais resistência por parte de
autores e editores de livros didáticos de língua portuguesa do que o conteúdo de
literatura africana lusófona. A luta da literatura afro-brasileira e seus produtores para
se tornarem conhecidos dos leitores/alunos-leitores/leitores-literários brasileiros
deverá perpassar também para o desafio de serem inseridos nos livros didáticos de
língua portuguesa.
62
1.3 A ausência do cânone literário na literatura africana lusófona
Na abertura do Congresso “Língua Portuguesa: uma língua de futuro”, realizado
em Portugal no ano de 2015, o ensaísta português, teórico da literatura, camonista e
autor de diversos estudos sobre a língua portuguesa, Vítor Manuel de Aguiar e Silva
apresentou uma proposta, até o momento, inovadora: a criação de um cânone literário
da língua portuguesa.
Segundo Aguiar e Silva (2015), o cânone literário é um dos instrumentos mais
poderosos e eficientes, mais autorizados e menos autoritários, com grande potencial
para contribuir para a unidade da língua portuguesa. Para ele, o cânone literário da
língua portuguesa, não deve obedecer a uma norma exclusiva tampouco excludente,
mas deve mostrar como os grandes escritores dos diferentes países de língua
portuguesa trabalharam, afeiçoaram e reinventaram nossa língua em comum. A
escolha das obras seria efetuada por entidades indicadas por cada um dos países, e
comporiam uma antologia. Este cânone literário teria também fins escolares, a ser
utilizado igualmente por milhões de alunos portugueses, brasileiros, cabo-verdianos,
guineenses, são-tomenses, angolanos, moçambicanos e timorenses, que
conheceriam a diversidade da língua portuguesa, a dinâmica de cada literatura
nacional, a relação da língua e da literatura com fatores históricos, geográficos,
sociais e étnicos de cada país, desenvolvendo o sentimento de pertencer a uma
comunidade linguística transnacional e transcultural.
Contudo, para autores como Leite (2003) o conceito de cânone literário traduz
um pensamento europeu, enquanto a literatura africana, traz em si uma inerente
transculturalidade, uma relação naturalmente incompatível. Outro ponto de
discordância com a proposta de Aguiar e Silva (2015) é o momento “em
desenvolvimento” da literatura africana, o que dificultaria a identificação de cânones.
Na formação da antologia da literatura em língua portuguesa, a produção literária
africana enfrentaria desvantagens.
O conceito de literaturas africanas de língua portuguesa e afro-brasileira têm
sua origem na experiência colonial lusitana e na relação dos povos colonizados com
os movimentos de diáspora e com o processo de reinvenção de suas tradições,
aspectos que contribuíram na construção das identidades de Angola, Moçambique,
63
Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Portugal e Brasil. É por meio desta
identidade que os ex-colonizados representam-se e são representados na produção
literária escrita em língua portuguesa. (SANTOS; OLIVEIRA; LIMA, 2011)
Assim como o conceito de “literatura africana” é determinado pela linha de
conflito do colonialismo, o nascimento de seus cânones é concomitante com a
afirmação anticolonial no qual a cultura assume uma posição importante na
construção de uma identidade africana, negra, contra o conceito ocidental de nação,
fundamentada na homogeneidade linguística e étnica, associada a projetos políticos
protagonizados e moldados à imagem masculina, tendo como momento inicial e
determinante, a luta contra o colonizador.(LEITE, 2003)
É importante ressaltar que esta origem não pode ser fixada unilateralmente,
uma vez que os afro-rizomas, como caules subterrâneos de crescimento horizontal e
algumas porções aéreas, não têm como determinante para o surgimento das
literaturas no Brasil e nos países africanos de língua portuguesa exclusivamente a
influência colonial lusitana. O termo “afro”, na perspectiva da diáspora, ultrapassa o
espalhamento dos povos africanos pelo mundo e passa a referir-se a um novo espaço
simbólico no qual a condição subalterna imposta pela escravização africana é
revertida continuamente na música, na literatura, no campo da produção cultural,
enfim. A literatura afro-brasileira estabelece não apenas uma estética literária negra
como também um diálogo com a África, desafiando o cânone instituído para o qual as
produções e as representações afro-brasileiras sempre foram invisíveis, as literaturas
africanas de língua portuguesa surgem como escritas que ultrapassam os limites
geopolíticos, entrelaçando as tradições e a modernidades, o local e o global. A
diferença questiona o cânone sempre que o “outro” tenta se incluir na homogeneidade.
(SANTOS; OLIVEIRA; LIMA, 2011)
A releitura da colonização lusitana no Brasil e na África tem sido tema
recorrente também na literatura portuguesa contemporânea, desierarquizando a
relação entre as partes envolvidas e redimensionando a própria representação de
Portugal. A literatura contribuiu no processo de formação das tradições nacionais e
construção da identidade no Brasil assim como o faz na África, processo este que
permite ao ex-colonizado abandonar o reflexo do outro lusitano, desatar nós locais e
criar vínculos transoceânicos, desrespeitando limites geopolíticos, expandindo-se
com a ajuda dos mercados editoriais, ações governamentais, sites e blogs da internet,
64
que colaboram com a formação de uma rede literária de coletâneas, resenhas,
produções críticas sobre obras. (SANTOS; OLIVEIRA; LIMA, 2011)
A partir dos anos 1980, Portugal institucionaliza a disciplina Literatura Africana
Lusófona em suas universidades; disciplina esta cercada de interesses ideológicos
por parte dos agentes envolvidos, emergidos do processo de dominação colonial. Este
campo (saber literário, crítica e estudos literários) constitui um campo de confrontação
ideológica, onde se fez necessário a descolonização do conhecimento. (FALCONI,
2014)
Não se verifica a existência de uma história da literatura moçambicana ou
angolana ou da literatura africana lusófona. Contudo, a crítica e a academia, ou a
instituição literária (universidade, programas, prêmios literários, teses, estudos
críticos, programas editoriais, antologias, livros críticos, recepção em geral), a partir
dos anos 1980 têm privilegiado certas obras e autores, que alcançaram extra-
oficialmente o status de cânones, por meio de parâmetros formais, temáticos ou
históricos, formados por critérios mais ou menos explícitos de inclusão ou exclusão
de épocas, de outras obras e de outros autores, de acordo com diversos parâmetros,
ora formais, ora temáticos, ora históricos, que ocultam fatores ideológicos e teóricos.
Estas escolhas constroem o cânone crítico, reduzido e com áreas de interesse muito
marcadas e restritas. Formada por uma teia complexa de trocas entre várias tradições,
raízes étnicas e diversidade cultural, as literaturas africanas de língua portuguesa,
como literatura pós-colonial, questionam o discurso crítico e teórico ocidental,
instrumento de dominação e de construção discursiva. A construção de um cânone
crítico implicaria nas transferências culturais do centro para a periferia. (LEITE, 2012).
Até quase até ao final do século XX, a crítica literária africana de língua
portuguesa, seguiu parâmetros afro-centristas, buscando a africanidade nos textos
literários, conjugando ideologia, nacionalismo e pensamento crítico. O primeiro foi o
momento da estética da africanidade, coletiva e populista, da tradição pré-colonial de
contadores, poetas e atores da oralidade. Esta preocupação temática incluía a
recuperação do passado pré-colonial bem como a exaltação da ancestralidade
perdida. A correlação entre literatura e ideologia levou ainda à exagerada exaltação
da dimensão realista e à exclusão de qualquer narrativa que não fosse ideológica.
(LEITE, 2012)
65
O segundo momento da crítica literária africana é formal, propõe interpretações
mais ou menos idealistas das formas tradicionais do teatro, da poesia e da ficção, em
que se fundamentam as obras modernas africanas contemporâneas.
A preocupação da terceira fase da crítica literária africana lusófona relacionava-
se ao nativismo linguístico. As línguas africanas eram compreendidas como
depositárias de histórias étnicas e nacionais e as formas narrativas, o léxico, o aparato
retórico, a sintaxe, modulados na história da comunidade linguística. (LEITE, 2012)
Contudo, a literatura africana não pode ser orientada por um único critério
linguístico, mas sim por diferentes línguas de escrita, mesmo havendo uma língua
dominante. Para Leite (2012), a literatura colonial deve ser estudada como elemento
histórico e dialeticamente antagônico, contribuinte da formação do sistema literário
nacional, capaz de legitimar as épocas de formação e de surgimento das primeiras
manifestações literárias.
Mais do que o conteúdo da polémica, o que me interessa
sublinhar aqui é que ela revela o poder dos mecanismos de recepção dos textos literários em situações marcadas pelo factor emergente ou pós-colonial, onde a fronteira entre o que é do próprio e o que é do outro se articula de forma ambígua e prolonga, até aos interstícios da memória, o diálogo/ confronto com o passado colonial, produzindo um efeito de instabilidade do sistema literário, o que dificulta a emergência do cânone. O que paradoxalmente (ou não) em Moçambique não é extensivo a todas as artes.(MENDONÇA, 2010)
Para Leite (2003), a construção de cânones literários ocorre com base num
conceito europeu e as literaturas africanas constroem, ou até mesmo, descerram
caminhos para a discussão de temas transculturais. Para Leite (2003), não é possível
pensar em literatura africana canônica, pois o cânone literário africano ainda está em
desenvolvimento.
Dos livros didáticos analisados para esta dissertação, apenas um, “Língua
Portuguesa” de Roberta Hernandes e Vima Lia Martin (2013) abriu espaço para a
literatura negra. Este também foi o livro que não manteve a literatura africana
aprisionada a uma única unidade, trabalhando o conteúdo em várias unidades ao
longo do volume 3, embora com maior concentração na Unidade 6. As autoras se
propuseram a ampliar e ressignificar o cânone escolar, questionando estereótipos
literários e refletindo sobre a identidade nacional, cultural e literária dos países
lusófonos, a partir do diálogo estabelecido entre as literaturas brasileira africana e
66
afro-brasileira. Parece que o livro de Hernandes e Martin (2013) traz novos ventos
para o ensino da literatura africana e afro-brasileira. É um pequeno passo, é verdade.
Mas já representa um progresso ao demonstrar compreender que a literatura afro-
brasileira e africana lusófona necessitam de maior espaço para se afirmarem como
mecanismos estratégicos de definição da autoimagem negra, combatente da dinâmica
social que ainda predomina na sociedade brasileira, hierarquizando, objetificando e
estereotipando indivíduos por sua cor. Tanto a literatura afro-brasileira quanto a
literatura africana de expressão em língua portuguesa problematizam o papel que a
sociedade impõe ao negro, reivindicam um lugar discursivo e trazem à luz o conceito
de nação brasileira e identidade nacional que conhecemos até então; aquele que
apaga o negro como sujeito participante da nossa história e que tem a literatura como
instrumento, testemunha e porta-voz.
67
CAPÍTULO 2 Relação entre três aspectos da mesma questão: formação do
docente em Língua Portuguesa e Literatura; livro didático de língua portuguesa
do 3º ano do Ensino Médio; conteúdo de literatura africana lusófona.
Apesar de não ser o tema deste estudo, em se falar sobre o ensino da literatura
africana lusófona, faz-se necessário mencionar as críticas que o ensino da literatura,
de maneira geral, vem sofrendo: a periodização literária, o apego à historiografia
literária, a questão dos autores já consagrados presentes nos livros didáticos – os
cânones literários escolarizados. A área de Literatura ainda é apresentada nos livros
didáticos como uma derivação do ensino de línguas, assim como a produção de
textos, perdendo oportunidades de produzir leituras diferenciadas, de despertar o
interesse por novas leituras, de provocar outros saberes e, consequentemente, de
construir conhecimento. Estudando-se os livros didáticos selecionados para este
trabalho, veio à luz a posição não igualitária com que a literatura africana lusófona é
tratada quando comparada à brasileira e à portuguesa. Neste caso, nem a abordagem
historiográfica a literatura africana lusófona recebe. Não há espaço nem tempo
suficientes para tanto.
O livro “Português: Linguagens” (Cereja; Magalhães) surge com uma proposta
dialógica para o ensino da literatura, com base na tese de doutorado apresentada por
William Cereja em 2004 na PUC – SP. Uma da formas contempladas na proposta
dialógica apresentada por Cereja (2004) em sua tese é o ensino da literatura por
unidades temáticas, a partir das quais seria aberto um amplo leque de leituras,
confrontando autores e gêneros. Por exemplo, ao ser trabalhado o tema “amor” nas
várias épocas da literatura brasileira, devem ser estudados textos em verso e/ou em
prosa de todos os movimentos literários, e trabalhá-los em oposição um ao outro,
identificando diferenças e semelhanças entre eles, discutindo-se as relações entre os
textos, as diferentes concepções de amor e as diferentes formas de abordar o tema
do ponto da expressão verbal, sua relação com o momento histórico e com as
transformações pelas quais a sociedade passa, elaboração de síntese da literatura
produzida na época, dos estilos de época e de seus contextos.
Outra constatação surgida do estudo do corpus escolhido para esta dissertação
foi que os autores dos livros didáticos não parecem estar preocupados em enriquecer
a bibliografia de suas obras preparando-se para escrever sobre literatura africana
lusófona, com exceção de Hernandes e Martin (2013).
68
Acredita-se que, ao serem incluídos títulos nas listas de leituras obrigatórias
para os exames vestibulares das universidades brasileiras e fragmentos de textos
literários africanos ou afro-brasileiros em questões de ENEM ou vestibulares, haverá
um reflexo positivo no acolhimento que autores e editoras de livros didáticos têm
dispensado à literatura africana de expressão em língua portuguesa.
Em 2008, a Universidade Federal de Minas Gerais, apresentou em seu exame
vestibular o texto “Ponciá Vicêncio” da escritora afro-brasileira Conceição Evaristo. No
mesmo ano, a Universidade Federal da Bahia, incluiu em sua lista de leituras
obrigatórias, “O último voo do flamingo’, do moçambicano Mia Couto. Em 2016, a
UNICAMP incluiu pela primeira vez, a leitura de “Terra sonâmbula’ também do
moçambicano Mia Couto em sua lista para o vestibular daquele ano e a FUVEST
(Fundação Universitária para o Vestibular), agregou ‘Mayombe”, romance de
Pepetela, pseudônimo literário do angolano Artur Pestano em sua lista para os
exames de 2016, da Universidade de São Paulo e Santa Casa.
O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), em sua prova de 2015,
apresentou aos candidatos questão com o poema “Voz do sangue” do angolano
Agostinho Neto.
Não apenas os livros didáticos, mas também as instituições formadoras do
docente em Língua Portuguesa e Literatura, acredita-se, devem ser atingidas pelo
processo de inserção do conteúdo em exames vestibulares e ENEM. O ensino que
forma profissionais da educação que inserem o conteúdo africano e afro-brasileiro em
sala de aula, e sendo a literatura uma das formas de expressão cultural de um povo,
torna os cursos de graduação em Letras – Língua Portuguesa uma ferramenta
essencial na concretização da ação afirmativa proposta pela Lei federal
nº 10.639/2003.
O professor bem formado é capaz de várias estratégias em sala de aula para
promover a apropriação do saber, a partir do livro didático: ele expõe o conhecimento
ao aluno; interpela; media; desloca; provoca; assume posições; apoia-se em
conhecimentos adquiridos previamente em sua história de vida e em sua cultura
escolar ou em conhecimentos curriculares obtidos nos programas, guias e manuais.
(SANTIAGO; BLANCH; CARVALHO, 2017). É na sala de aula, de posse do livro
didático, que o professor coloca em prática o currículo interativo, o desdobramento do
currículo pré-ativo, trabalhando as situações reais de um universo complexo repleto
69
de diversidades. Enquanto o professor na sala de aula promove e concretiza o
currículo interativo, o currículo pré-ativo, conforme definições de Goodson (1995), é
constituído na teoria, ao nível do ideal, estático, um documento escrito pelos
representantes do poder educacional, cujos efeitos práticos só se concretizam no
currículo interativo.
Para Díaz (2011), escrito no livro didático que opera como um organizador de
conteúdos, o currículo torna-se um roteiro para o docente. Na realidade escolar, é o
livro didático que define o currículo e não as diretrizes, tampouco o planejamento.
2.1 Interação ou correlação entre livro didático e formação do docente em
Letras – Língua Portuguesa
O livro didático é uma ferramenta que influi na aprendizagem e pode melhorar
a qualidade das aulas, atuando como um facilitador do domínio das informações como
um suporte ao conhecimento escolar e aos métodos pedagógicos. (BITTENCOURT,
2004). Sua presença e sua importância em sala de aula e no processo ensino-
aprendizado viu-se aumentada com o cenário da educação brasileira, passando a
determinador de conteúdos e estratégias. Contudo, o atingimento de sua função
didática depende do uso que dele se faz, em ambiente de sala de aula (coletividade),
sob orientação de um professor e de forma sistemática; depende das informações
verbalizadas explicitamente trabalhadas em conjunto com a impressão, a
encadernação, as ilustrações, diagramas, tabelas, atitudes, tudo inserido nos
parâmetros do que a sociedade determina como e com o projeto de educação da
escola. O livro didático permite que o alunado construa e modifique significados, reflita
sobre o conhecimento que lhe é ensinado, participando da formação de um cidadão
questionador e crítico. (LAJOLO, 1996)
A interagir com o livro didático da disciplina de Língua Portuguesa e o conteúdo
de literatura africana lusófona está o professor, importante sujeito na elaboração das
aulas, na prática pedagógica do cotidiano da sala de aula. Constituído socialmente
como sujeito dominador de certo saber, com acesso a informação e produtor de
conhecimento, falar do docente implica em refletir sobre sua formação acadêmica; no
caso desta dissertação, sobre o curso de graduação em Letras – Língua Portuguesa.
70
As primeiras universidades brasileiras foram criadas no início do século XX,
entre as quais a Universidade de São Paulo – USP (1934), relacionada desde seu
início ao desenvolvimento do país, à formação da elite condutora dos interesses da
nação, consolidando a distância entre as classes. Dentro da universidade então
etilista, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras personificava o mais alto patamar
da elite, responsável por criar o ideal coletivo de uma cultura autenticamente
brasileira, conforme explica abaixo Lígia Chiapini Leite:
Entendida como “refúgio do espírito crítico e objetivo”, o lugar do “universal”, da “razão”, da “cultura livre e desinteressada”, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras formaria homens “não para o quadro profissional restrito, não para funções técnicas detalhadas, mas para a Filosofia, as Letras e as Ciências, para as atividades desinteressadas nos diversos domínios do saber humano, para a coletividade em geral, para o país e a civilização [...] O aparente desinteresse, no entanto, ocultava uma utilidade mais poderosa – a formação dos dirigentes”. (1983, p. 86-7)
Em meados do século XX, como consequência dos acontecimentos políticos,
do processo de industrialização e da democratização do ensino, surge a ”nova
universidade”, produtora de força de trabalho. Neste momento, ocorre o grande
desprestígio das artes e das ciências humanas. A abertura de escolas para acolher
alunos oriundos das classes menos privilegiadas incorreu na demanda por
professores, levando à abertura de novos cursos de licenciatura sem a qualidade de
ensino dos modelos anteriores. A “nova universidade” passou a tratar a educação e a
pesquisa como elementos do mundo capitalista: um capital que deve produzir lucro
social, perdendo sua função ideológica, transformando-se em um instrumento
produtor de força de trabalho a baixo custo. Como reflexo das mudanças sociais e
políticas pelas quais passou o Brasil nos anos 1960, nossa sociedade passou a
requerer a lógica da técnica e da produtividade, assumindo perfil capitalista,
tecnocrata, fragmentado, na qual a literatura era um elemento retrógrado (LEITE,
1983).
Já a partir de 1962 ocorreu uma reformulação dos cursos de graduação em
Letras, com um incremento do conteúdo e, consequentemente, da carga horária de
literatura brasileira e portuguesa, graças à descentralização dos programas promovida
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Foi um momento de surgimento
71
de novas editoras como a Ática, a Moderna e a Scipione e também de instabilidade
política e social e de academização da crítica literária (MACEDO, 2010).
As diretrizes curriculares atuais para os cursos de licenciatura preveem 400
horas de prática como componente curricular, obrigatórias para a formação de
professores. As mudanças normativas ocorridas no currículo de licenciatura desde a
década de 1990, permitiram que a formação docente deixasse de significar o
acréscimo de saberes metodológicos ao conhecimento do bacharel em Língua
Portuguesa, para se aproximar de um todo mais articulado entre os saberes das
ciências de referência, ou saberes disciplinares, e os saberes da prática. A formação
do professor deve permitir o desenvolvimento de uma identidade profissional, sem
contudo, comprometer o conhecimento adequado e necessário à prática das ciências
de referência de sua área de formação. O professor não pode ser um especialista no
ensino de um objeto, o qual ele não conhece o suficiente e do qual não tenha se
apropriado adequadamente para ser capaz de ensiná-lo. (RODRIGUES; HENTZ,
2011).
De acordo com Saviani (2009) a problemática da formação dos professores
brasileiros, não apenas os de língua portuguesa e suas literaturas, egressos dos
cursos de graduação em Letras (Licenciatura), envolve as condições precárias da
carreira docente, ou seja, o salário e a jornada de trabalho, condições estas que
influenciam a ação do profissional, assim como sua formação. As condições de
trabalho do professor funcionam como agentes desestimulantes da procura pelos
cursos de formação docente.
Ao mesmo tempo em que segmentos da sociedade parecem considerar um
consenso que uma melhor educação traria consequências positivas para o Brasil, as
políticas públicas reduzem custos e cortam investimentos em educação a qual, ao
contrário, deveria ser elevada à prioridade e eixo em um projeto nacional; destino,
enfim, de importantes recursos (SAVIANI, 2009).
Proveniente em geral das classes menos privilegiadas, os alunos dos atuais
cursos de graduação em Letras optam pela licenciatura em função de suas limitações
financeiras e não pela adequação ao seu perfil nem a seus anseios profissionais.
As características comumente observadas no grupo são de falta de interesse
pela carreira docente, pouco repertório de leitura, baixo histórico de convivência com
a literatura, poucas possibilidades no mercado de trabalho fora do magistério
(CASTANHO, 2012).
72
O ensino da literatura na graduação em Letras continua insistindo na utilização
das tradicionais abordagens descontextualizadas que fornecem informações teóricas
sobre um objeto que o aluno desconhece e com o qual não é levado a conviver:
cronologia, nomes de autores e obras canônicos, estilos e períodos. Por
consequência, forma-se professores não-leitores, que formam alunos não-leitores.
O reconhecimento da literatura como um instrumento de contribuição no
processo de transformação da sociedade brasileira parece ainda não ter chegado aos
currículos do ensino superior. Embora esteja historicamente presente no currículo, ela
é mantida afastada de sua função humanizadora e, principalmente, psicológica,
conforme conceituado por Candido (2002), pois a leitura imposta, orientada e
determinada pelo professor com prazos a cumprir e questões a responder, perde o
prazer e a fantasia, deixando de saciar nosso anseio pela ficção.
Ressaltam Lopes, Costa e Sampaio (2011) que as críticas e questionamentos
pelos quais passa o ensino de literatura deve-se à rejeição ao domínio da
historicização e da periodização literária, como já explicitado anteriormente neste
estudo, e visam a implantação de práticas mais arejadas que permitam leituras sociais
do texto literário e a junção da teoria à prática. A Literatura é um instrumento
importante de educação e tem na figura do professor um mediador da interação entre
o aluno-leitor e o texto literário, responsável pela orientação e pela realização do
trabalho de letramento literário, de formação de leitores, na experiência e na
convivência com o texto literário. Cursos superiores de Letras, formadores de
professores tanto da língua quanto da respectiva literatura, ainda abordam as aulas
de literatura como mero momento de repasse do patrimônio histórico-literário, Como
então formarão professores capazes de nortear suas aulas a partir da leitura do texto
literário; de promover interação, discussão e promoção de conhecimento; reconhecer
denúncias sociais, identificar-se com personagens e culturas; formar sujeitos-leitores,
encontrar sentidos e atribuir significados; estabelecer diálogos com o texto; enfim,
professores-leitores-críticos?
O professor de literatura compõe junto ao aluno e ao livro didático, o conjunto
de três importantes sujeitos necessários para o sucesso dos objetivos da Lei
10.639/2003, o que remete à reflexão sobre a formação adequada deste para o
trabalho com o conteúdo literatura africana lusófona em sala de aula.
Além das preocupações e críticas quanto à formação do professor de literatura
e à abordagem do ensino da disciplina, para este estudo é essencial investigar o
73
ensino do conteúdo específico de literatura africana lusófona dentro da disciplina
literatura nos cursos de Letras.
Segundo declaração da Coordenadora da Área de Diversidade do Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad)
em 2011, Leonor Franco (ROLON, 2011), a principal dificuldade para a aplicação do
conteúdo em sala de aula é a formação dos docentes, fruto de uma lacuna no ensino
superior.
Salloma Salomão, em entrevista à Revista Cachuera! (CELANI, 2008). afirma
que faltam investimentos das Secretarias de Educação em projetos de formação
sistemática e de longa duração para docentes, com uso de tecnologia e plataforma da
internet, interação entre professores brasileiros e africanos, disponibilização de mapas
étnico-linguísticos. Para ele, necessário investir na formação de professores e
modificar a estrutura curricular do ensino superior.
A Resolução do Conselho Nacional de Educação nº 1 de 17 de junho de 2004
trata do parecer sobre as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, além
de indicar a necessidade da inclusão do conteúdo na educação infantil, ensino
fundamental, médio e superior. Grande parte da comunidade escolar desconhece as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira. A grande barreira ainda
é a predominância da cultura hegemônica de matriz europeia, mesmo com influencias
norte-americanas (CELANI, 2008).
Segundo pesquisa realizada em 2015 pelo professor de Língua Portuguesa e
Literatura, André de Godoy Bueno, e apresentada na Faculdade de Filosofia Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), sob orientação da
professora Vima Lia de Rossi Martin, apesar da Lei nº 10.639/2003 ter sido
promulgada em 2003, ainda no ano de sua pesquisa há universidades com cursos de
licenciatura em Letras que não trabalham o conteúdo literatura africana de expressão
em língua portuguesa. Para Bueno, professores formados antes de 2003 não
receberam o conteúdo em seus cursos acadêmicos (DIAS, 2016).
Sua pesquisa constitui-se de um questionário com quinze perguntas aplicadas
a trinta professores sendo quinze de São Paulo capital e quinze distribuídos entre os
municípios de Guarulhos, Mauá, Indaiatuba e Marília, interior do estado de São Paulo.
A pesquisa seguiu o método qualitativo de análise.
74
Segundo Bueno (2015), os resultados demonstraram, além do mau preparo
dos professores, preconceito por parte de pais e alunos e até a recusa destes em
participar de aulas nas quais seria ministrado o conteúdo de literatura africana
lusófona (DIAS, 2016).
Para melhor conhecer de que maneira o conteúdo de literatura africana de
expressão em língua portuguesa está sendo abordado no ensino superior de Letras,
segue detalhamento da matriz curricular de 2016 de cursos de licenciatura em língua
portuguesa e literaturas de cinco universidades do estado de SP, três privadas e duas
públicas, selecionadas por sua representatividade e tradição na sociedade, tanto pelo
tempo de existência de seus cursos de graduação em Letras (USP desde 1934; PUC
e Mackenzie desde 1946; UNICAMP desde 1977) quanto pelo nível de ensino. Como
contraponto, elencou-se também a grade curricular da UNIP, privada e existente
desde 1988, que não desfruta do mesmo conceito que as demais na sociedade.
A seguir, a matriz curricular de cada curso de Letras verificado e comentários da
autora:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC
No site da Universidade foi obtida a matriz curricular 2016 para o curso de
graduação em Letras: Língua Portuguesa, Licenciatura, noturno. As quarenta e oito
disciplinas são distribuídas em seis semestres, sendo dez as disciplinas relacionadas
ao tema literatura: Literatura Africana em Língua Portuguesa (36 horas); Literatura
Brasileira: da Poesia do Barroco ao Modernismo (36 horas); Literatura Brasileira:
Poesia Contemporânea (36 horas); Literatura Brasileira: Romance (54 horas);
Literatura Comparada (54 horas); Literatura Infantil e Juvenil (36 horas); Literatura
Portuguesa: Prosa e Poesia (72 horas); Literatura, Território e Meio Ambiente (72
horas); Teoria Literária: Natureza e Função da Literatura (108 horas); Teoria Literária:
Poesia e Narrativa (72 horas) e Questões Étnico-Raciais (36 horas).
Ao todo, a matriz curricular do curso de graduação em Letras: Língua
Portuguesa da PUC – SP contempla 576 horas dedicadas ao ensino de literatura
brasileira, portuguesa, africana e disciplinas correlatas. Destas 576 horas, 126 horas
pertencem à Literatura Brasileira; 72 horas à Literatura Portuguesa e 36 horas à
Literatura Africana Lusófona.
A matriz curricular encontra-se detalhada no “Anexo 1“
75
Universidade de São Paulo (USP)
O curso de licenciatura em Letras com habilitação em Português tem duração
mínima de 8 semestres e máxima de 12 semestres com carga horária de aulas de 990
horas. A única disciplina da matriz curricular do curso que parece remeter à literatura
africana lusófona é denominada “Diversidade Cultural e Educação: as Literaturas de
Língua Portuguesa em Perspectiva” (código FLC0603) e faz parte de um conjunto de
cinco disciplinas eletivas, do qual o aluno deve escolher uma.
A matriz curricular encontra-se detalhada no “Anexo 2“.
Universidade Paulista (UNIP) – São Paulo
O curso de Licenciatura em Língua Portuguesa, prevê carga horária total de
3.360 horas e cinquenta e quatro disciplinas, embora apenas oito delas seja
relacionadas a Literatura. Em horas, as disciplinas voltadas à Literatura somam 360,
sendo 120 horas dedicadas à Literatura Portuguesa, 120 horas dedicadas à Literatura
Brasileira e 30 horas dedicadas à Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.
A matriz curricular encontra-se detalhada no “Anexo 3“.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
A matriz curricular do curso de graduação em Letras da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, Licenciatura em Inglês e Português, contempla 533 horas
de disciplinas relacionadas a Literatura: Literatura Brasileira (204 horas); Literatura
Portuguesa (204 horas); Literatura Norte-Americana (50 horas); Literatura Inglesa (50
horas); Literaturas e Culturas de expressão em Língua Portuguesa (25 horas). O
conteúdo referente a Literatura Africana Lusófona corresponde a 4.7% do total de
horas destinado à literatura.
A matriz curricular encontra-se detalhada no “Anexo 4“.
Universidade de Campinas - UNICAMP
O curso de Letras – Língua Portuguesa da Universidade de Campinas
(UNICAMP) em sua grade curricular de 2016 para o período diurno, apresenta doze
disciplinas sobre o tema literatura, sendo Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa,
76
Historiografia Literária, Teoria e Crítica Literárias, Literatura Clássica e Tradução
Literária. A única disciplina que talvez aborde o conteúdo de literatura negra, mas não
especificamente literatura africana lusófona, é “Tópicos em Literatura Brasileira:
Marginais”; nenhuma outra disciplina remete ao conteúdo.
A matriz curricular encontra-se detalhada no “Anexo 5“.
As cinco universidades cujas matrizes curriculares do ano de 2016 foram
examinadas, todas localizadas no estado de São Paulo, mostraram que, passados
treze anos da assinatura da Lei Federal nº 10.629/2003, o conteúdo de literatura
africana lusófona ainda não recebe a mesma atenção nos cursos de licenciatura
formadores de professores de Língua Portuguesa e Literatura. A carga horária
destinada ao ensino deste conteúdo é muito inferior à carga horária destinada às
literaturas que tradicionalmente constam do currículo, Brasileira e Portuguesa. Na
Universidade de São Paulo (USP), o conteúdo é ministrado em disciplina não
obrigatória e na grade curricular da UNICAMP não consta disciplina destinada a
ministrar o conteúdo.
2.2 Livros didáticos indicados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)
para o ciclo trienal 2012/2013/2014 e 2015/2016/2017.
Para Dionísio (2001) não cabe ao livro didático formar professores, mas sim às
instituições e aos cursos de formação de professores. Agregar ao livro didático a
função de ensinar e formar o professor seria retornar a educação aos anos 1950.
Contudo, a própria autora reconhece que a realidade sociopolítica brasileira atual não
mostra um professor com conhecimento teórico e com habilidade de ensinar providas
por seu curso de graduação de forma a atuar com segurança em sala de aula,
dominando os conteúdos a serem trabalhados e as técnicas necessárias para a
mediação didática, assim constituindo sua identidade docente.
O docente pode utilizar o livro didático como uma ferramenta para enriquecer
suas aulas; como um instrumento para substituir o currículo criado por ele mesmo ou
77
como meio de apoio pedagógico subordinado ao currículo e aos objetivos criados por
si para sua disciplina.
Quando a formação do professor possui lacunas, quando o docente não
adquiriu previamente a equipagem de domínio do conteúdo que ministrará em sala de
aula, a importância do livro didática cresce, bem como a dependência que o professor
desenvolve em relação a este. Se o docente desconhece ou conhece
insuficientemente o contento que deve ensinar ao alunado, é no livro didático que ele
buscará informações e se apoiará, sem condições de refletir sobre o posicionamento
adotado pelos autores da obra, de questionar, de cotejar, tampouco de criticar o livro
didático que terá em mãos. Falhas na formação do professor podem transformá-lo em
usuário passivo do livro didático. Dionísio (2001)
Tanto a relevância cultural da literatura na formação do alunado quanto o papel
específico da literatura brasileira na cultura e na vida social do nosso povo são
salientados nos Guias de Livros Didáticos PNLD 2012 e 2015. Ambos reconhecem
que a convivência com a produção literária de língua portuguesa colabora com a
construção do patrimônio intelectual do aluno e os conhecimentos adquiridos com esta
convivência, influenciam a representação que o aluno incorpora sobre a língua e
sobre a literatura de língua portuguesa.
Estando a escola no lugar de porta-voz da cultura socialmente legitimada, a
literatura erudita não deve calar as manifestações culturais juvenis, populares e
regionais, parte da identidade social do aluno.
A abordagem dos textos literários tanto brasileiros quanto os demais em língua
portuguesa devem estar orientados para a formação do leitor literário em primeiro
lugar e, em segundo, para o processo de construção de conhecimentos específicos.
Neste ponto, a orientação dos Guias PNLD 2012 e 2015 é bem clara: o objetivo
específico do componente curricular é a prática e o estímulo à leitura literária, e não
os conhecimentos sobre a literatura, permitindo assim a construção de um aluno-
leitor-literário, possuidor de conhecimentos não apenas históricos, mas também
linguísticos e literários. O ensino da literatura deve encampar elementos como a
prática da leitura literária, a construção dos conhecimentos linguísticos, indo muito
além da memorização de nomes de autores e de obras ou da elaboração de resumos
de livros.
78
Os textos das coleções indicadas no PNLD 2012 apresentam temáticas
contemporâneas, debates e preocupação com a construção de uma consciência
cidadã. As atividades buscam desenvolver a proficiência da leitura, a compreensão e
a articulação textuais, com destaque para elementos da oralidade e o uso de
diferentes tipos de linguagem.
O conteúdo de literatura africana lusófona passou a integrar o material didático
da disciplina Língua Portuguesa a partir das indicações do Guia dos Livros Didáticos
PNLD 2012, conforme página 18 do referido documento:
Em decorrência dos compromissos do EM com a literatura, os fragmentos ou excertos de obras literárias, em sua maioria de autores consagrados de diferentes períodos históricos, no Brasil e em Portugal, compõem, em cada coleção, coletâneas mais volumosas que as de outra natureza. Em ao menos três casos, acrescentam-se a esses acervos textos de escritores africanos de língua portuguesa.
As obras indicadas pelo PNLD 2012 para o Ensino Médio da disciplina Língua
Portuguesa foram:
“Língua Portuguesa- Linguagem e Interação”
Autores: Carlos Emílio Faraco; Francisco Marto de Moura; José Hamilton
Maruxo Júnior.
Editora: Ática
Linguagem em Movimento
Autores: Carlos Cortez Minchillo; Izeti Fragata Torralvo
Editora: FTD
“Novas Palavras- Nova Edição”
Autores: Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio
Editora: FTD
“Português Contexto- Interlocução e Ensino”
Autores: Marcela Pontara; Maria Bernadete e Maria Luíza M.Abaurre
Editora: Moderna
79
“Português - Literatura, Gramática e Produção de Texto”
Autores: Douglas Tufano; Leila Lauar Sarmento
Editora: Moderna
Português - Linguagens
Autores: Thereza Cochar Magalhães; William Roberto Cereja
Editora Saraiva
“Projeto Eco Língua portuguesa”
Autores: Roberta Hernandes Alves; Vima Lia de Rossi Martin
Editora: Positivo
“Ser Protagonista”
Autor: Ricardo Gonçalves Barreto
Editora: Edições SM
“Tantas Linguagens”
Autores: Maria Inês Batista Campos; Nívia Assumpção
Editora: Scipione
“Viva português”
Autores: Elizabeth Campos; Paula Marques Cardoso; Silvia Letícia de
Andrade
Editora: Ática
“Português: Língua e Cultura”
Autores: Carlos Alberto Faraco
Editora: Base Editorial
O PNLD 2015 traz em sua proposta a ênfase ao desenvolvimento oral e escrito
e o aprofundamento dos conhecimentos da língua e da linguagem por meio da
aplicação de dois métodos: o transmissivo e o construtivo-reflexivo. A valorização da
80
oralidade segue conforme as orientações já constantes do Guia PNLD assim como as
diferentes aplicações do conhecimento linguístico.
As obras indicadas pelo PNLD 2015 para o Ensino Médio são:
“Português: contexto, interlocução e sentido”
Autores: Marcela Pontara; Maria Luiza M. Abaurre; Maria Bernadete M.
Abaurre
Editora: Moderna
Obra presente nas indicações do PNLD 2012.
“Língua Portuguesa”
Autores: Roberta Hernandes; Vima Lia Martin
Editora: Positivo
Autores presentes nas indicações do PNLD 2012 com a obra “Projeto Eco
Língua portuguesa”; mesma editora.
“Língua Portuguesa: Linguagem e Interação”
Autores: Carlos Emílio Faraco; Francisco Marto de Moura; José Hamilton
Maruxo Junior
Editora: Ática
Obra presente nas indicações do PNLD 2012.
“Novas Palavras”
Autores: Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio
Editora: FTD
Obra presente nas indicações do PNLD 2012.
“Português: Língua e Cultura”
Autores: Carlos Alberto Faraco
Editora: Base Editorial
Obra presente nas indicações do PNLD 2012.
81
“Português Linguagens”
Autores: William Roberto Cereja; Thereza Anália Cochar Magalhães
Editora: Saraiva
Obra presente nas indicações do PNLD 2012.
“Português: Linguagens em Conexão”
Autores: Graça Sette; Márcia Travalha; Rozário Starling
Editora: Leya
Obra, autores e editora não presentes nas indicações do PNLD 2012.
“Vozes do mundo: Literatura, Língua, Produção de Texto”
Autores: Lília Santos Abreu-Tardelli; Lucas Sanches Oda; Salete Toledo
Editora: Saraiva
Obra e autores não presentes nas indicações do PNLD 2012.
“Ser Protagonista”
Autor: Rogério de Araújo Ramos
Editora: Edições SM
Obra presente nas indicações do PNLD 2012.
“Viva português”
Autores: Elizabeth Marques Campos; Paula Cristina Marques; Cardoso M.
Pinto; Silvia Letícia de Andrade
Editora: Ática
Obra presente nas indicações do PNLD 2012.
82
CAPÍTULO 3 Análise do corpus selecionados entre os livros didáticos
indicados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) para o ciclo trienal
2012/2013/2014 e 2015/2016/2017.
Segundo dados do PNLD 2015, disponíveis no site do FNDE, as coleções da
disciplina de Língua Portuguesa para o Ensino Médio mais distribuídas são das
editoras Saraiva (2.460.988 livros), FTD (1.548.498 livros), Editora Ática (926.095
livros), Editora Moderna (822.319 livros), Editora Leya (677.698 livros), Editora SM
(631.835 livros), Editora Positivo (297.447 livros) e Editora Base Editorial (203.332
livros). No PNLD de 2012 foram indicadas onze obras de Língua Portuguesa sendo,
duas da Editora FTD, duas da Editora Moderna e duas da Editora Ática. As demais
editoras tiveram uma obra indicada cada uma: Base Editorial; Positivo; Saraiva;
Scipione e SM.
A Editora Scipione não teve nenhuma obra de Língua Portuguesa indicada no
PNLD 2015. As Editoras Moderna e FTD passaram de duas indicações em 2012 a
uma indicação em 2015. A Editoria Leya, não presente às indicações do PNLD 2012,
teve uma obra indicada em 2015. A Editora Saraiva passou de uma obra indicada em
2012 a duas em 2015 e a Editora Ática manteve duas obras indicadas. As demais
editoras permaneceram com uma obra indicada cada uma: Base Editorial, SM,
Positivo.
Já no PNLD 2015, foram indicadas dez obras, sete delas já presentes no PNLD de
2012: “Português: contexto, interlocução e sentido”; “Língua Portuguesa: Linguagem
e Interação”; “Novas Palavras” ; “Português: Língua e Cultura”; “Português
Linguagens”; “Ser Protagonista”; “Viva português”.
Das três obras novas que integraram as indicações do PNLD de 2015, uma
apresentou os mesmos autores e a mesma editora do título “Projeto Eco Língua
Portuguesa”, indicado no PNLD 2012: Roberta Hernandes Alves e Vima Lia de Rossi
Martin, Editora Positivo: “Língua Portuguesa”.
Os outros dois títulos presentes nas indicações do PNLD 2015 e não do PNLD
2012 foram: “Português: Linguagens em Conexão” e “Vozes do mundo: Literatura,
Língua, Produção de Texto”.
83
O potencial de atingimento dos objetivos pretendidos pela Lei nº 10.639/2003
e a conformidade da apresentação do conteúdo de literatura africana lusófona foram
tópicos observados na análise dos livros didáticos, assim como a verificação da
presença do conteúdo literatura africana lusófona, a forma de trato do negro no
corpus, como se dá a presença de textos que abordam discriminação racial nos livros
didáticos, a relevância da temática afro-brasileira e a continuidade da prevalência da
visão eurocêntrica da sociedade brasileira nos livros didáticos de Língua Portuguesa.
A investigação do conteúdo de literatura africana de expressão em língua portuguesa
apresentado no corpus será dividida em seis segmentos de observação:
Aspectos formais (apresentação geral do livro, bibliografia, currículo dos
autores, histórico da editora);
Proposta pedagógica do livro (objetivos, metodologia de ensino-
aprendizagem, conceito de literatura adotado);
Atividades didáticas para a leitura de literatura (baseadas em textos
literários integrais ou fragmentos, análise literária e interpretação dos
textos, mobilização de conhecimentos prévios dos alunos,
contextualização dos temas abordados, atividades de reflexão crítica
sobre o teto literário, valorização estética do texto literário);
Aspectos conteudísticos (divisão por períodos literários, forma de
apresentação da literatura africana, apresentação de características
particulares de cada obra, contextualização histórica, política e social
de obra e autor);
Concepção de leitura literária (obtenção de conhecimento , obtenção de
prazer, identificação dos aspectos do texto literários colocados em
análise);
Concepção de texto literário (texto para leitura, expressão artística,
forma de apresentação da cultura africana ao aluno, forma de
apresentação da África ao aluno, definição de texto literário, trabalho das
funções humanizadoras da literatura).
A apresentação do panorama geral de cada um dos livros selecionados para
análise nesta pesquisa, tanto os indicados no PNLD 2012 quanto os indicados no
PNLD 2015, consta dos anexos de 7 a 13.
84
3.1 Análise das obras indicadas no PNLD 2012 e selecionadas para esta
pesquisa
Indicado no PNLD 2012, o livro didático “Língua Portuguesa: linguagem e
interação” volume 3, é editado pela Editora Ática. Surgida em 1965, originada a partir
da Sociedade Editora Santa Inês Ltda (SESIL), empresa fundada para imprimir as
apostilas didáticas do Curso de Madureza Santa Inês, que atuava na educação de
jovens e adultos desde 1956.
Inicialmente, a Ática passou a produzir manuais para professores, formato que
se tornou universal na organização de livros escolares. Em 1970, o livro “Estudo
Dirigido de Português”, apresentava tiragem de 400 mil exemplares. Em 1999, a Ática
foi comprada pela Editora Abril, numa parceria com o grupo francês Vivendi.
Em 2002, a Vivendi vendeu suas empresas do ramo de publicações para o
grupo francês Lagardère, transação que não incluiu a Editora Ática. Em 2003, a
Editora Abrtil tornou-se sócia majoritária da Ática, inaugurando uma nova fase na
história da empresa, que passou a fazer parte da Abril Educação.
Sua marca é reconhecida por séries como Vaga-lume, Para Gostar de Ler e
Bom Livro, que acompanharam muitas gerações de leitores. Por três anos
consecutivos, recebeu o prêmio Top Educação.
Os autores de “Língua Portuguesa: linguagem e interação” possuem tradição
na elaboração de livros didáticos de Língua Portuguesa, porém nenhum deles
apresenta formação específica no tema literatura africana lusófona: Carlos Emílio
Faraco – Licenciado em Letras pela Universidade de São Paulo. Ex-Professor do
Ensino Fundamental e do Ensino Médio; Francisco Marto de Moura – Licenciado em
Letras pela Universidade de São Paulo. Ex-professor do Ensino Fundamental, do
Ensino Médio e do Ensino Superior; José Hamilton Maruxo Júnior – Doutorando em
Letras pela Universidade de São Paulo. Professor de Português da rede pública
estadual (SP). Professor de Francês da Faculdade Santa Marcelina (SP). Pesquisador
do CENPEC (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária).
Dos sessenta e um títulos constantes da bibliografia (página 368) utilizada
pelos autores, apenas um refere-se à literatura africana lusófona: “Literatura de língua
85
portuguesa: marcos e marcas” da autoria de M.A. Santilli, publicado pela Arte &
Ciência em 2008.
Os autores propõem a interação e a mobilização do imaginário dos alunos por
meio da metodologia construtiva-reflexiva que leva à reflexão e à inferição sobre o
conteúdo estudado. Aproximando artes plásticas e literatura, imagem e escrita os
autores operam a confluência de linguagens.
Apesar de ser apresentada no “Manual do Professor” como uma obra cuja
metodologia integra gramática, literatura e produção textual, com o objetivo de
promover a reflexão sobre as práticas sociais de linguagem e comunicação, os textos
literários são trabalhados em questões que nem sempre orientam o aluno à análise
ou à comparação. Muitas vezes, tais questões apenas servem como pretexto para o
trabalho de outros conteúdos que não a promoção do letramento literário.
A coleção divide-se em três volumes que contemplam, articuladamente,
gêneros textuais e temas pertinentes à literatura, produção textual e estudos
linguísticos. Em cada unidade, existem seções fixas que abrangem eixos de leitura,
oralidade, escrita, conhecimentos linguísticos e literários, não separados por capítulos
próprios. O volume 3, aqui em análise, e composto de 4 unidades, cada uma com 3
capítulos. Todas as unidades se iniciam coma seção “Para começo de conversa” que
introduz o tema a ser trabalhado ao longo da unidade.
Os capítulos são divididos em seções:
Para entender o texto: questões e atividades dialógicas de caráter
interpretativo-reflexivo cujo enunciado pretende levar o aluno a refletir
sobre o texto.
As palavras no contexto: estudo do vocabulário contextualizado.
Gramática textual: questões elaboradas a partir do texto, porém
trabalhando seus aspectos gramaticais como tempos verbais,
classificações adverbiais.
Literatura: teoria e história: com fragmentos de textos e explicações,
muitas vezes dissociadas dos textos anteriores constituindo apenas
informações historiográficas e monológicas. O texto literário não é
trabalhado como fonte de diferentes significados, vozes e discursos,
tendendo mais a objeto descontextualizado. A leitura literária se faz pela
86
operação de decoficação, distante do aluno, dificultando ou
impossibilitando o processo de humanização que a literatura
proporciona.
Na seção “Agora é com você”, os alunos encontram indicações de filmes, livros,
sites, músicas e museus, relacionados ao tema abordado na unidade, como conteúdo
complementar, constituindo um suporte para ampliar o acesso ao conteúdo estudado,
permitindo ao estudante autonomia e possibilidade de pesquisa. As páginas da web
indicadas adicionam informações ao livro didático.
O processo educacional pode em muito ser beneficiado por recursos eletrônicos,
mas isso depende de como estes serão explorados; se haverá ou não interação em
sala de aula com o retorno sobre as pesquisas realizadas online; se há recurso de
respostas e correção online na página, entre outros. A maior parte das páginas
indicadas no livro didático “Língua Portuguesa: linguagem e interação” oferecem
basicamente as mesmas funções do suporte impresso seguindo a mesma
metodologia transmissiva não estabelecendo relações interativas.
Fig.7 – “Linguagem e Interação” – Sumário.
87
A literatura africana surge na Unidade 4, Capítulo 12, último capítulo, última
unidade, última seção sobre literatura. A ela são dedicadas dezenove páginas (da 324
à 343), quatorze textos ou fragmentos e nove autores de quatro diferentes ex-colônias
de Portugal.
A página 326 traz um “Panorama da literatura africana”, muito sucinto da
mesma maneira com que são apresentados os autores lusófonos de quatro ex-
colônias de Portugal: Angola (Agostinho Neto; José Eduardo Agualusa; Luandino
Vieira; Pepetela); Moçabique (José Craveirinha; Mia Couto); Guiné-Bissau (Carlos
Semedo, Vasco Cabral) e São Tomé e Príncipe (Alda Espírito Santo).
Apenas os poemas “África! Ergue-te e caminha” de Vasco Cabral e “Grito
negro” de José Craveirinha (ambos na página 325), que abrem a seção sobre literatura
africana de expressão em língua portuguesa, são trabalhados com questões. O
primeiro é contemplado com três perguntas e o segundo, com apenas uma. Todas
permanecem na superfície dos textos, empobrecendo-os e desperdiçando a
oportunidade de estreitar a relação leitor – autor – obra e temática africana.
88
Fig.8 – “Linguagem e Interação” – Poemas de José Craveirinha – Literatura
africana lusófona
Na seção “Agora é com você” (página 349”) são indicados livros e filmes dentro
do conteúdo: “De voos e ilhas”, de Benjamin Abdalla Júnior, Editora Ateliê; “Estação
das chuvas”, de José Eduardo Agualusa, Editora Nova Fronteira; “Estórias
abensonhadas”, de Mia Couto, Editora Nova Fronteira; entre outros.
A editora FTD é responsável pela edição da coleção “Linguagem em
movimento”. Frère Théophane Durand, Superior Geral da “Congregação dos
89
Pequenos Irmãos de Maria” ou “Irmãos Maristas” de 1883 a 1907, dá nome à Editora
FTD, fundada no Brasil em 1902 e de propriedade da ABEC (Associação Brasileira de
Educação e Cultura), uma das inúmeras entidades jurídicas da “Província Marista
Brasil Centro-Sul”, cuja coordenação tem sede em Roma. Suas publicações são
voltadas à área da educação, principalmente livros didáticos.
Conforme Bittencourt (2014) a Igreja Católica globalizou suas congregações e
ordens como política por longo período. Já no período republicano, quatro editoras
europeias foram encaminhadas ao Brasil: Vozes, FTD, Ave Maria e Santuário. Todas
com tarefas ou missões muito bem estipuladas, inicialmente os trabalhos eram
integralmente importados como práticas e técnicas de edição, escrita, redação,
tradução e ilustração. Mesmo depois que produzidos em solo nacional, os livros
didáticos traziam e disseminavam as concepções de suas respectivas ordens ou
congregações.
No caso da FTD (Irmãos Maristas), sua principal meta (e missão) era,
exatamente, a produção de livros didáticos, porém com base nas publicações
francesas.
Da sua chegada ao Brasil em 1902 a seu momento atual em 2016, não mais
uma missão mas um produto comercial também para as editoras católicas, o livro
didático dos Irmãos Maristas expandiu-se para 74 escolas, 15 universidades, 250 mil
alunos dispersos em 23 estados de federação, 2 editoras com 1.100 autores
catalogados e 109 obras sociais.
Os dois autores da coleção “Linguagem em movimento”, tradicionais na
elaboração de livros didáticos de Língua Portuguesa, não apresentam em seu
currículo formação específica no tema literatura africana lusófona: Izeti Fragata
Torralvo: Formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Professora de
Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Fundamental e no Ensino Médio há mais
de 25 anos; Carlos Alberto Cortez Minchillo: Formado em Letras pela Universidade
de São Paulo (USP), Professor de Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Médio e
de Literatura no Ensino Superior.
O livro aqui em análise não apresentou bibliografia.
Cada um dos três volumes da coleção é organizado por unidades e estas, por
sua vez, exploram temas introduzidos cronologicamente pela seção “O Tema no
Tempo”. A primeira parte de cada “unidade” (nesta obra denominada “Tema”) é
destinada à literatura, eixo norteador para as demais competências: “Interpretação”;
90
“Estudo da Língua” e “Produção de Textos”. Cada unidade é encerrada com uma lista
de exercícios objetivos, como questões de vestibulares relacionadas aos conteúdos
abordados, constantes da seção “Teste seus conhecimentos”.
Fig.9 – “Linguagem em Movimento” – Sumário.
O estudo da literatura segue a ordem dos períodos literários o que, segundo os
autores, propiciará aos alunos uma viagem no tempo e no espaço por meio de
diferentes contextos socioculturais, uma oportunidade de repensar sua realidade,
valores e pontos de vista. Os autores salientam ser a literatura um forma de ver e
pensar o mundo e não apresentam um conceito pronto para a literatura, mas
afirmando que tal conceito depende de muitos aspectos e não pode ser restringido
por uma simples conceituação.
91
A obra não demonstrou nenhuma preocupação em abordar a literatura afro-
brasileira tampouco africana lusófona. Apresenta um silêncio em relação à produção
literária afro-brasileira, apesar de ter sido indicado pelo Guia Nacional do Livro
Didático PNLD para o triênio 2012 - 2013 – 2014.
A obra deixou de incluir produções nas quais o negro se constitui como escritor
voltado, não utilizou em nenhum momento o termo literatura afro-brasileira ou
literatura negra. O trabalho dos autores privilegia o ensino das características
históricas e contextuais da literatura em detrimento do incentivo à leitura literária,
mesmo, nas anotações para o professor, em encarte ao final do livro, os autores
afirmando que o centro dos estudos da Literatura deve ser a compreensão e a fruição
dos textos, estabelecimento de relação de sentido entre texto e vida.
O quadro de períodos literários abaixo, apresentado antes do inicio do “Tema
1” (primeira unidade), confirma a ausência de autores, obras e conteúdo africano
lusófono no livro didático aqui analisado.
92
Fig.10 - “Linguagem em movimento” - Quadro de períodos literários
93
Também editado pela FTD, “Novas Palavras – Nova edição” volume 3, foi
elaborado por autores com tradição na publicação de livros didáticos de Língua
Portuguesa, mas nenhuma formação específica no conteúdo literatura africana de
expressão em língua portuguesa: Emília Amaral: Mestra em Teoria Literária
(UNICAMP, 1986); Doutora em Educação e Literatura (UNICAMP, 2001); Pós-
Doutorado centralizado na obra “Les Bienveillantes” de Jonathan Littell (USP, 2011).
Professora de ensino médio e superior; Mauro Ferreira do Patrocínio: especialista em
Metodologia de Ensino (UNICAMP). Professor do ensino fundamental, do ensino
médio e cursos pré-vestibulares; Ricardo Silva Leite: Mestre em Teoria Literária
(UNICAMP). Professor do ensino fundamental e médio e de cursos pré-vestibulares;
Severino Antônio Moreira Barbosa: Doutor em educação (UNICAMP). Professor do
ensino médio e superior e autor de vários livros.
Nas páginas 504 e 505 do corpus, encontra-se a bibliografia geral para a
literatura, com oitenta e quatro obras e cinquenta e cinco autores referendados.
As obras constantes da bibliografia empregadas pelos autores do corpus para
construir o conteúdo de literatura podem ser divididas nos temas: Literatura
portuguesa; Literatura brasileira; Temas gerais de literatura (teoria literária,
movimentos literários específicos); História e Arte.
Dos oitenta e quatro títulos pesquisados pelos autores, apenas um deles
remete ao conteúdo de literatura africana, “Partes de África” de Hélder Macedo, poeta,
romancista, ensaísta e crítico luso-descendente, filho de um administrador colonial de
Moçambique, onde viveu até os doze anos de idade. Romance que passeia pela
história recente de Portugal e África, misturando ficção e realidade por meio da
narrativa da relação do protagonista com sua família, amigos, escola, namoradas.
Em seu artigo “Literatura africana em língua portuguesa”, Nilton Garrido (2000)
afirma que o termo "literatura africana" necessita ser melhor especificado. Segundo
ele, como "literatura africana" classifica-se toda obra em que a África é o motivo de
sua mensagem e que se ergue contra um modismo europeu e europeizante.
Já como "literatura neo-africana" estariam obras escritas em línguas europeias
nas quais o centro do universo literário é o homem africano e não o europeu.
A 'literatura de raiz africana" seria aquela cujo objeto se origina no confronto
linguistico, literário e ideológico, vertente surgida a partir dos anos 1940. A “literatura
de raiz africana" é escrita em línguas locais misturadas à língua portuguesa com o
intuito de se fazer menos acessível aos europeus. Exemplos desta fase que dura até
94
a independência são "A vida verdadeira de Domingo Chavier" de Luandino Vieira e
"Sagrada esperança" de Agostinho Neto.
De acordo com a concepção de Garrido (2000), “Partes de África” não constitui
um exemplo de literatura africana, nem de literatura neo-africana tampouco de
literatura de raiz africana. Também não pode ser considerada uma obra que promova
contato com a história nem com a cultura dos povos africanos ou com a
multiculturalidade de suas manifestações artísticas. Hélder Macedo é integrante da
literatura lusa contemporânea, mesmo tendo nascido na África do Sul. Sua
nacionalidade não torna sua obra parte do que se entende no mundo literário como
“literatura africana lusófona”.
Dentre os cinquenta e cinco autores elencados na bibliografia geral de
literatura, não foi localizado nenhum nome da área dos estudos africanos, com
publicações sobre a história, a cultura ou a literatura africana ou temas como racismo,
mestiçagem, identidade negra, origens africanas da população brasileira, diversidade
cultural da sociedade brasileira ou qualquer outro tema inserido no contexto da
Lei nº 10.639/2003.
Não foi identificada na bibliografia nenhuma preocupação especial com o
conteúdo de literatura africana lusófona, com a cultura afro-brasileira ou com a História
da África ou dos afrodescendentes no Brasil, informações importantes para a
composição do tema em questão.
Os autores propõem que o ensino da literatura não se reduza à história literária,
mas que se insista no processo de leitura, releitura, conversas sobre os textos,
análise, interpretação e crítica. Afirmam que o livro aqui em análise busca um
equilíbrio entre o ensino tradicional da história literária e o trabalho com os textos
cânones eleitos pela tradição.
Os autores comprometem-se com a formação do leitor autônomo e crítico.
Não foram identificadas atividades de análise propriamente literária nem de
valorização estética dos textos.
A coleção em estudo é composta de três volumes, todos organizados em três
partes: “Literatura”, “Gramática”, “Redação e Leitura”. Cada uma dessas partes divide-
se em capítulos (de 8 a 10), cada um deles dedicado a um tópico específico desse
eixo. A literatura é a parte que recebe maior espaço, seguida da gramática. Redação
e leitura recebem o menor número de capítulos.
95
O Manual do Professor, denominado “Conversa com o Professor”, apresenta a
estrutura geral da coleção, seus objetivos, pressupostos teóricos, orientações para o
trabalho com cada parte e sugestões de leitura.
Logo no início da seção “Literatura”, antes do “Capítulo 1”, o livro “Novas Palavras
– Nova Edição” apresenta o “Quadro Geral das Literaturas Portuguesa e Brasileira”,
sintetizando os movimentos desde a era medieval (“Trovadorismo”) para a portuguesa
e desde a era colonial (“Quinhentismo”) para a brasileira. Não há menção à literatura
africana lusófona no “Quadro Geral”.
Fig.11 – “Novas Palavras – Nova edição” – Quadro geral das literaturas
portuguesa e brasileira”
O conteúdo de literatura é dividido em 10 unidades sendo:
Unidade 1: O Pré-Modernismo no Brasil (da página 15 a página 30; apresentação de 05 autores do movimento)
Unidade 2: As vanguardas artísticas europeias e o Modernismo no Brasil (da página 37 à página 53; apresentação de 04 autores do movimento)
96
Unidade 3: Semana de Arte Moderna (da página 58 à página 74; apresentação de 02 autores do movimento)
Unidade 4: A primeira geração modernista brasileira (da página 80 à página 102; apresentação de 03 autores do movimento)
Unidade 5: O Modernismo em Portugal e a poesia de Fernando Pessoa (da página 108 a página 123)
Unidade 6: A segunda geração modernista brasileira: poesia (da página 131 à página 149; apresentação de 07 autores do movimento)
Unidade 7: A segunda geração modernista brasileira: prosa (da página 159 à página 174; apresentação de 02 autores do movimento)
Unidade 8: A terceira geração modernista brasileira (da página 182 à página 200; apresentação de 05 autores do movimento)
Unidade 9: Tendências contemporâneas da literatura portuguesa (da página 211 à página 234; apresentação de 09 autores do movimento)
Unidade 10: Tendências contemporâneas da literatura brasileira (da página 241 à página 265; apresentação de 06 autores do movimento)
Para que se possa realizar um cotejamento da forma de trabalho com o
conteúdo de literatura africana lusófona e com o conteúdo da literatura brasileira, será
examinado primeiramente, o “Capítulo 1 – O Pré-Modernismo no Brasil”, dedicado
exclusivamente à literatura brasileira, que segue a tradição do ensino cronológico e
historiográfico da literatura. A seguir, será mostrado o capítulo que aborda a literatura
africana lusófona, demonstrando que a apresentação deste conteúdo não segue o
mesmo padrão.
Os capítulos 2, 3, 4, 6, 7, 8 e 10, também dedicados à literatura brasileira,
seguem a mesma configuração do “Capítulo 1”:
Primeira leitura: texto ou fragmento de texto;
Em tom de conversa: dados introdutórios sobre o autor, seguidos de
perguntas direcionando o aluno a uma análise superficial do texto;
Releitura: perguntas sobre o texto, abordando conhecimentos de
literatura, interdisciplinaridade, figuras de linguagem, temas sociais;
Comentário: contextualização histórica e social de autor e obra;
Um pouco de história - o Brasil do século XX: contextualização sócio-
histórica do movimento literário em estudo
Principais características do movimento pré-modernista no Brasil;
97
Principais escritores e obras do pré-modernismo no Brasil:
- Augusto dos Anjos (“Versos Íntimos”)
- Euclides da Cunha (“Os Sertões”)
- Monteiro Lobato (“Urupês”)
- Lima Barreto (“Triste fim de Policarpo Quaresma”)
Releitura: Perguntas que orientam o aluno a realizar análise superficial
dos textos, inter-relacionando os três entre si e buscando identificar as
características do movimento literário ao qual o capítulo se dedica;
Síntese dos conteúdos estudados;
Atividades: questões de literatura retiradas de exames vestibulares
(UNESP, UFMT, PUC RS,UFU MG, UERJ), avaliando o conhecimento
do aluno sobre as características dos movimentos literários, recursos
estilísticos, figuras de linguagem, tempos verbais.
98
Fig.12 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Sumário com os capítulos 1 e 2.
Não se identificou no “Capítulo 1” apresentação de novas propostas ao ensino
de literatura. O livro analisado segui o tradicional modelo da história literária. Também
não foram identificados esforços de contribuição à formação do aluno-leitor-literário
tampouco de estímulo à leitura literária ou ao desenvolvimento de proficiência da
leitura. A literatura foi abordada com ênfase nos conhecimentos sobre o tema.
Observou-se preocupação em contextualizar socio-historicamente tanto
autores quanto obras, um passo na direção de posicionar a literatura como uma
produção do homem, ser social, histórico, produto do seu tempo.
99
Fig.13 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Sumário com os capítulos 8 e 9.
A literatura africana não possui uma unidade própria. Foi incluída no “Capítulo
9: Tendências contemporâneas da literatura portuguesa”, ou seja, a obra apresenta
aos alunos a literatura africana como sendo parte da literatura portuguesa atual,
alijando-a de uma identidade própria, reduzindo-a a um apêndice da literatura do
colonizador.
Das vinte e cinco páginas totais do “Capítulo 9”, apenas três abordam a
literatura africana; dos nove autores, apenas Mia Couto é africano.
100
Já na primeira linha da página 229, os autores esclarecem que a literatura
africana de língua portuguesa tem o propósito de “complementar o panorama
apresentado” e que estas teriam se desenvolvido a partir da década de 1940.
Estudiosos dedicados ao tema como Nilton Garrido, Pires Laranjeira e Gerald Moser,
contradizem esta informação e possuem visão muito diferente sobre o
desenvolvimento da literatura africana lusófona
Para Laranjeira (1995) as literaturas africanas originaram-se essencialmente
da recusa à literatura e ao pensamento do colonizador, construindo-se um instrumento
de negação, protesto e reivindicação, um espaço para que a África e os africanos
reescrevessem sua história, como sujeitos, narradores e protagonistas, não mais um
anexo do ocidente branco.
Apresentá-la aos alunos do 3º ano do ensino médio dentro da literatura
portuguesa contemporânea com o objetivo de “complementar o panorama” não
parece fazer jus a colocações de estudiosos da área.
A formação e o desenvolvimento das literaturas africanas de língua portuguesa, desde o primeiro livro impresso, em 1849, até à actualidade, passaram pela construção do ideal nacional no discurso. No discurso literário, o nacionalismo foi a antecipação da nacionalidade, modo específico de a escrita se naturalizar como própria de uma Nação-Estado em germinação. A consciência nacional, no discurso literário, atravessou, assim, diversos estádios de evolução, desde meados do século XIX até à actualidade. (LARANJEIRA, 1995).
.
Em Moçambique, por exemplo, Laranjeira (1995) a divide em cinco períodos:
1º período, ou Incipiência, da chegada do colonizador português até 1924,
com a publicação de 'O livro da dor' de João Albasini;
2º período, ou Prelúdio, de 1924 até o fim da II Grande Guerra; período, ou
Formação, de 1945 a 1963. Neste período, a produção literária moçambicana
experimenta o nascimento de uma consciência grupal, destacando-se os
autores Noémia de Sousa, Rui Nogar, Rui Knopli, Virgílio de Lemos, Rui
Guerra, Fonseca Amaral e Orlando Mendes.
4º período, ou Desenvolvimento, compreendido entre o início da luta armada
pela libertação nacional (1964) e a independência de Moçambique (1975) e
marcado pela intensa atividade cultural e literária, com destaque para José
101
Craveirinha ("Chigubo", 1964), Luís Bernardo Honwana ("Nós matamos o cão
tinhoso", 1964) e Orlando Mendes ("Portagem", 1966). Intelectuais, escritores
e artistas do quarto período dividem-se entre aqueles de identidade nacional
não definida como Rui Knopfli, Glória de Sant'Anna, Guilherme de Melo, Jorge
Viegas, Sebastião Alba, Lourenço de Carvalho, Eduardo Pitta, João Pedro
Grabato Dias, Eugénio Lisboa e Ascêncio de Freitas e aqueles que assumiram
a cidadania moçambicana sem reservas como Heliodoro Baptista, Leite de
Vasconcelos e Mia Couto.
5º período, ou Consolidação, de 1975 (independência de Moçambique) a 1992
com a implementação do processo de paz. Fase em que a literatura
moçambicana experimentou uma autonomia até então desconhecida, com a
exaltação patriótica e o culto aos heróis da luta pela libertação nacional, embora
as publicações ainda estivessem sob o controle do Estado e,
consequentemente, da FRELIMO.
Em seu “Almanach de lembranças luso-brasileiro (1854-1932)” de 1993, Gerald
Moser apresentou uma coletânea dos versos e prosas originalmente publicados no
“Almanach de lembranças”, cuja primeira edição encontra-se na biblioteca da
Pennsylvania State University – EUA, que continha a vida literária da África lusófona
a partir de 1854. O aparecimento de literaturas africanas lusófonas, segundo Moser
(1993) deu-se com o processo de conscientização ocorridos nos anos 1840 e 1850
nas ex-colônias.
Em Cabo Verde, 1929, o poeta Jorge Barbosa publica o poema “Palavra
profundamente”, dedicado ao poema de mesmo nome de Manuel Bandeira:
[...] Enquanto isso Manuel Bandeira vai passando por nós no tempo
na sua alegria melancólica na sua alegria de coração apertado
vai passando na sua poesia profundamente.
Como as considerações acima procuraram esclarecer, os autores do corpus
“Novas palavras, nova edição” equivocaram-se ao afirmar que as literaturas africanas
lusófonas “desenvolveram-se a partir da década de 1940”.
102
Na página 230, um texto da Profª Dra.Rita Chaves, Diretora do Centro de
Estudos Portugueses da Universidade de São Paulo, explica ao aluno a importância
da literatura africana lusófona na compreensão da formação cultural e da História
brasileiras.
Mais uma vez, a literatura africana é colocada como um fenômeno
contemporâneo, apreendida a partir do modernismo brasileiro.
O texto é vago e confuso quando afirma “Mesmo envolto em nuvens de
equívoco, o Brasil, sobretudo a partir dos anos 1940, funcionou como um porto de
utopias e essa imagem desempenhou um papel determinante na condução da luta
pelas independências”. Expressões metafóricas como “nuvens de equívoco” e “porto
de utopias” em um texto informativo, no mesmo parágrafo em que se encontra logo a
seguir o adjetivo “determinante”, relacionado à luta pela independência das então
colônias de Portugal na África prejudicam a compreensão do leitor. O que está sendo
dito? Que a imagem que os africanos faziam do Brasil foi determinante na luta que
estes travaram por sua independência? Ao mesmo tempo, em que a autora classifica
este Brasil como um “porto de utopias envolto em nuvens de equívoco”, ela o coloca
como influenciador “determinante” da luta das ex-colônias africanas por sua
libertação?
O historiador brasileiro, docente do ensino superior em universidades
brasileiras, diretor da Seção de Pesquisas e professor do Instituto Rio Branco do
Ministério das Relações Exteriores, secretário executivo do Instituto Brasileiro de
Relações Internacionais, editor da Revista Brasileira de Estados Internacionais e
conferencista na Escola Superior de Guerra, José Honório Rodrigues (1913 -1987)
trabalhou no Instituto Nacional do Livro sob a direção de Sérgio Buarque de Holanda
e ocupou o importante cargo de diretor do Arquivo Nacional. Autor de dois títulos que
abordam o relacionamento entre o Brasil e as ex-colônias de Portugal, “Brasil e África:
outro horizonte” (1961) e “Interesse Nacional e Política Externa Brasileira” (1967), ele
contribuiu para a compreensão do processo de descolonização e estabeleceu
contrapontos às teses freyrianas sobre, por exemplo, a importância da escravidão, a
discriminação racial na nossa sociedade, e a mestiçagem, a qual ele nega ser inerente
ao povo português, mas sim ao brasileiro e à circunstâncias histórias específicas.
103
Convém notar, desde o começo, que a miscigenação foi e é mais um caminho brasileiro e americano que português ou espanhol, porque só se realizou, em escala considerável, aqui e não na África, tanto no período colonial, dominado pelos portugueses, como depois da Independência. O fracasso da miscigenação portuguesa na África, ou a pequena proporção em outros continentes, comparável a de outros povos colonizadores, revela que não foi o colono português em si e por si o elemento decisivo deste processo. (RODRIGUES, 1961, p.52)
[...] Gilberto Freyre foi o primeiro a acentuar que "no Brasil, as relações entre brancos e as raças de cor foram desde a primeira metade do século XVI condicionadas, de um lado pelo sistema de produção econômica - a monocultura latifundiária; e de outro, pela escassez de mulheres brancas, entre os conquistadores". "Mas logo de início", acrescenta, "uma discriminação se impõe: entre a influência pura do negro (que nos é quase impossível isolar) e a do negro na condição de escravo. (RODRIGUES, 1961, p.54)
[...] Foi, portanto, a escravidão o elemento decisivo a facilitar as relações interraciais, que, como escreveu Gilberto Freyre, eram relações de "superiores" e "inferiores". Os que viriam depois, neste aspecto, não deixaram de acentuar o elemento escravidão como decisivo. Foi, talvez, a falta deste elemento na colonização portuguesa na África, só começada verdadeiramente no fim do século dezenove, e a abolição nas colônias se deu em 1858, que explica o fracasso da miscigenação lusoafricana. O fato é que sem o domínio português no Brasil e com a escravidão o processo de miscigenação só fez acelerar-se, à medida que se iam amaciando os preconceitos e as discriminações impostas pela política racial portuguesa, que, se não foram totalmente desfeitos aqui, vem sendo vencidos e dominados. No princípio as três etnias, oriundas de continentes diversos, pareciam irredutíveis e inassimiláveis, mas o sistema escravocrata, promovendo a miscigenação, foi desfazendo estes fatores dispersivos e ajudando, assim, a integração psico-social. (RODRIGUES, 1961, p.55)
Em sua obra “Brasil e África: outro horizonte” (1961) Rodrigues critica a política
externa brasileira em relação à independência das colônias africanas, afirmando que
o Brasil deveria se aliar à África e não à Portugal:
Se laços afetivos nos ligam a Portugal, ligam-nos também e muito ao sangue angolano, ao africano de Angola, como tentamos mostrar neste estudo. Para nós, a África libertada pode ser nossa aliada, e enquanto esteve realmente nas mãos européias, especialmente depois de 1870, só foi nossa concorrente. ... A nossa posição deve ser definida com urgência e a "comunidade" luso-brasileira não deve ser empecilho a uma clara direção em defesa de nossos interesses nacionais, econômicos, culturais e estratégicos. O Atlântico Sul não pertence às Potências ou subpoderes europeus, mas aos povos livres de suas duas margens. (RODRIGUES, 1961, p.287)
104
E deixa claro que foram a Segunda Grande Guerra e a criação da ONU
(Organização das Nações Unidas) os dois grandes elementos a influenciar e catalisar
o processo de colonização da África lusófona:
A fachada construída por Salazar para efeitos externos não conseguiu deter a onda crescente de exacerbação que por toda parte e, especialmente nas Nações Unidas, provoca sua sistemática defesa de que as províncias africanas são parte integrante do território nacional, ou sua negativa de aceder às aspirações de autonomia e Govêrno próprio para as colônias. [...] Não creio que a consciência mundial, dia a dia mais determinada a acabar com o colonialismo, chocada diante da recusa de Portugal de colaborar com as Nações Unidas, alarmada com a violência da repressão das tropas portuguesas aos rebeldes angoleses, segundo as informações 134 da imprensa mundial, deixe de condenar cada vez mais a política portuguesa. (RODRIGUES, 1961, p.159 -p.160)
O governo brasileiro de Jânio da Silva Quadros e, posteriormente, o de João
Goulart, afirmava ser favorável a autodeterminação dos povos, mas permanecia
aliado à Portugal. Esta falta de comprometimento às causas e reivindicações africanas
era criticada pelos líderes das colônias lusófonas, principalmente Moçambique e
Angola. (CERVO; BUENO, 2002).
O posicionamento ambíguo do governo brasileiro em relação a África e ao
colonialismo português era um reflexo da situação interna do negro em nossa
sociedade. A África fora utilizada em vários momentos da política externa brasileira
sem nunca ter ocupado um lugar de importância.
Enfraquecido após a Segunda Grande Guerra (1939 – 1945), o domínio
europeu acabou permitindo o fortalecimento do processo de descolonização da África.
A Organização das Nações Unidas (ONU), já em sua “Carta às Nações Unidas”,
condenou o colonialismo e promoveu a autodeterminação dos povos. Esta postura
teve grande influência no processo de independência das ex-colônias que, mais tarde,
passariam a integrar a organização.
Como já havia acontecido no continente asiático, a ONU apoiou o processo
independentista da África, colocando-se ao lado das colônias. Em 1960 a Assembleia-
Geral aprovou assim a Resolução 1514 que consagra o direito à autodeterminação
dos territórios sob administração estrangeira e condena qualquer ação armada das
metrópoles.
A combinação da ação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da
Segunda Grande Guerra como contribuintes na descolonização da África é explicada
105
pelo professor titular da Pontifícia Universidade Católica (PUC-GO), doutor em
Ciências Políticas pela Université de Liège e pós-doutorado em Ciência da Religião
(PUC-GO), autor de títulos entre os quais “A regência neoliberal”, “História da África
negra”, Fonte e sujeitos”, Curso de Direito Internacional”:
Não há como entender a descolonização sem uma reflexão prévia sobre o real significado da Segunda Guerra Mundial e da nova equação de forças oriunda do conflito. Os impérios coloniais eram altamente protecionistas. O período que vai de 1900 até 1945 apresenta o perfil de uma economia mundial compartimentada em vários universos justapostos que pouco comunicavam entre si. Esses mundos excluíam-se mutuamente através de um protecionismo radical, e quem estava de fora tinha a participação sistematicamente barrada por obstáculos de toda natureza. [...] Esse fato podia representar um bom negócio para as metrópoles, mas desagradava aos excluídos. Os Estados Unidos, precisamente, estavam do lado de fora e, portanto, não simpatizavam com o sistema. Seu capital crescia assustadoramente e não cabia mais dentro das próprias fronteiras. Precisavam de um "mundo livre", aberto aos seus interesses. Queriam jogar a rede e puxar o peixe onde, como e quando quisessem, sem restrição ou interferência de qualquer poder estatal estrangeiro. Eis o "free world" com que sonhavam. Para tanto, precisavam eliminar as barreiras e, por via de conseqüência, o próprio sistema colonial: sem isso, era morte por asfixia. (LAMBERT, 2001, p.205-206)
Como já abordado neste estudo, para o acadêmico pioneiro no estudo das
literaturas africanas lusófonas, alemão radicado nos Estados Unidos, professor da
Pennsylvania University, falecido em 2005, Gerald M.Moser (1993) a conscientização
nas ex-colônias foi um processo que já existia nos anos de 1840 e 1850 e com reflexo
na produção literária destas. Moser foi o primeiro acadêmico de universidade norte-
americana a publicar sobre literatura de ex-colônias de Portugal na África, levando o
resultado de seus estudos para o mundo inteiro.
Não se pode deixar de reconhecer que a posição do Brasil como ex-colônia de
Portugal, independente desde 1822 pode ter sido um fator de influência e referência
para as então colônias africanas que almejavam independência da metrópole.
Contudo, o texto da Profª Dra.Rita Chaves parece não se empenhar em deixar claro
que vários outros fatores de grande importância agiram no processo de
descolonização da África.
Os fragmentos literários africanos aos quais os alunos foram expostos no
‘Capítulo 9” é do moçambicano luso-descendente Mia Couto, “Terra sonâmbula”, do
angolano João Melo, “Poemas angolanos” e do cabo-verdiano, “Osvaldo Alcântara,
106
“Literaturas africanas de língua portuguesa”.
Três questões se seguem ao texto, explorando-o apenas superficialmente,
aproximando a escrita de Mia Couto a de Guimarães Rosa e verificando minimamente
a compreensão do texto. Não foram explorados os aspectos característicos do autor
e sua obra como:
O trabalho de reestruturação da língua portuguesa, típico do autor, que
constituiria um excelente exercício de gramática, explorando os
processos de formação de palavras (prefixação, sufixação, aglutinação,
justaposição, entre outros);
As tradições africanas em contrapondo aos hábitos ocidentais
agregados pela convivência entre colonizados e colonizadores, as
tipicidades do universo africano, o folclore, o misticismo;
Críticas à ex-metrópole;
As mágoas que o colonizado (ou ex-colonizado) guarda do colonizador.
107
Fig.14 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Fragmento da obra “Terra sonâmbula”
do moçambicano Mia Couto, apresentado no capítulo sobre as tendências
contemporâneas da literatura portuguesa.
108
Fig.15 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Exercícios sobre o fragmento da obra
“Terra sonâmbula” do moçambicano Mia Couto e síntese das informações sobre
literatura africana lusófona apresentada no capítulo sobre as tendências
contemporâneas da literatura portuguesa.
109
Um fragmento de obra literária não é suficiente para se conhecer o estilo do
autor, compromete o entendimento e subverte a intenção do autor. Para construir o
sentido do texto é preciso conhecer o que veio antes e o que virá depois. Por meio de
fragmentos, o aluno não consegue dialogar com o texto literário, não tem elementos
suficientes para elaborar questionamentos nem estabelecer diálogo com o autor.
Não explorar suficientemente o autor nem sua obra desperdiça não apenas
uma oportunidade de trabalhar o texto literário e sua interpretação, mas a formação
do leitor literário, a ampliação da autonomia do aluno leitor e de sua leitura de mundo.
Deixou-se assim de contribuir para a implementação da Lei nº 10.629 em sala de aula,
perdendo importante oportunidade de discutir a relação étnica e racial negros/brancos
ou, no contexto de “Terra sonâmbula”, colonizado/colonizador, confrontar a literatura
africana com a literatura hegemônica de autores já estudados.
A análise da linguagem de Mia Couto, a discussão dos vários e possíveis
sentidos de suas expressões, os elementos humanos, psicológico, afetivo presentes
no discurso do autor, o cotidiano africano e os pontos de intersecção com o cotidiano
brasileiro, entre outros aspectos, poderiam ter sido trabalhados nas atividades.
Nem o autor nem a obra foram devidamente contextualizados, ficando a
produção literária perdida no tempo e no espaço histórico e social. De que vinte e
cinco de junho Taímo fala? De que guerra? Por que para o pai, Junho mereceria um
nome tão importante e grandioso e para os outros filhos, acabaria por ser chamado
apenas de ‘junhito”? Qual a implicação da independência da ex-colônia e suas
consequências neste apelido diminutivo? (a data da independência de Moçambique é
25 de junho de 1975). Estes são apenas exemplos de como os autores do corpus
poderiam ter levado à sala de aula discussões a partir de elementos disponibilizados
pelo próprio fragmento do texto literário, numa demonstração de inter e
transdisciplinaridade, Literatura/História.
O fragmento do poema de João Melo é utilizado para comparação com o
fragmento de “Partes de África” do português Helder Macedo, sendo mencionado
apenas na questão “e”, página 237, permanecendo na superfície linguística do texto.
Os poemas de Manuel Bandeira e Osvaldo Alcântara recebem questões de
orientação um pouco mais literária, orientando o aluno a refletir sobre a relação entre
o significado de “Pasárgada” em cada um deles, a proximidade entre os textos e o que
isto espelha da proximidade entre a literatura de Brasil e Cabo Verde.
110
O capítulo é encerrado com a seção Atividades, com questões de exames
vestibulares (FUVEST – SP, UFJF – MG, UNESP – SP, MACK – SP), todas sobre
literatura portuguesa.
O conteúdo de literatura africana de expressão em língua portuguesa não
seguiu nenhuma organização de apresentação, não acompanhou a tradição histórica-
literária observada nos demais capítulos, não houve preocupação em contextualizar
sócio-historicamente autores nem obras.
No corpus aqui analisado, não foi percebida contextualização sócio-histórica
nem de autor nem de obra, tampouco houve solicitação para que os alunos
refletissem, discutissem ou interagissem.
“Novas palavras, nova edição” (2010) não constitui um espaço de rediscussão
de saberes, não contribui para a reflexão sobre a diversidade cultural da sociedade
brasileira, não pleiteia a participação do aluno na construção do significado do negro
na identidade nacional, não se empenha na inclusão do conteúdo no conjunto de
informações que o aluno já possui. O objeto em análise deixou a impressão de que
seus autores não se prepararam para escrever sobre o conteúdo de literatura africana
de expressão em língua portuguesa, apesar da Lei 10.639 ter sido implantada em
2003 pelo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. A bibliografia do corpus é
um forte indício de que pode não ter havido preocupação dos autores em se preparar
para o conteúdo: das oitenta e quatro obras pesquisadas nenhuma era de literatura
africana. Há erros sobre as origens da produção literária africana lusófona; o
fragmento de texto literário foi pouco e mal trabalhado em três atividades superficiais
que não levam o aluno a refletir sobre outros pontos de vista diferentes do seu, não
geram atitudes responsivas tampouco provocam discussões que ampliem a criticidade
do aluno; a escolha do autor do fragmento mostrou ser equivocada quando
considerado o lado psicológico dos alunos afrodescendentes e o aspecto
“identificação”, tão necessário para desencadear o interesse e a aproximação com o
tema.
Não há indicação observável de que os autores de “Novas palavras, nova
edição’ (2010) tenham se imbuído do propósito de promover o processo de
ressignificação que a Lei nº 10.639/2003 propõe. Marco fundamental na história das
lutas contra o racismo no Brasil, esta lei é consequência de um processo que teve
início pós-abolição da escravatura, quando os negros perceberam que necessitavam
da educação formal para terem direito à cidadania e reverter a situação em que se
111
encontravam. Mas sendo esta eurocêntrica, racista e excludente, não havia como se
incluir no processo educacional do país sem ressignificação das sociedades africanas.
Depois de tantas lutas, a literatura africana foi sufocada nas poucas páginas inseridas
em uma penúltima unidade, no último bimestre no 3º ano do ensino médio, unidade
dedicada às novas tendências da literatura do colonizador.
A coleção “Português: Linguagens” (PNLD-EM 2012), Editora Atual, da autoria
de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães. Cereja é professor graduado
em Português e Linguística, licenciado em Português pela Universidade de São Paulo;
Mestre em Teoria Literária também pela Universidade de São Paulo e Doutor em
Línguística Aplicada e Análise do Discurso pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Thereza Cochar Magalhães é professora graduada e licenciada em
Português e Francês pela FFCL de Araraquara (SP); Mestra em Estudos Literários
pela UNESP de Araraquara. Segundo os autores na apresentação do livro, sua
intenção foi resgatar a cultura em língua portuguesa relacionando-a à manifestações
artísticas e culturais. O livro procura estabelecer diálogo da literatura brasileira com
outras literaturas lusófonas. No Manual do Professor, incluído ao final do livro, os
autores afirmam ter elaborado a obra tendo em vista a educação para a cidadania,
para o protagonismo e para a interdisciplinaridade. O projeto pedagógico da coleção,
segundo os autores, está voltado a formação do sujeito autônomo, solidário, que
valoriza a educação, a ciência, a cultura, a tecnologia e, pesquisador, possuidor da
capacidade de refletir criticamente sobre os temas importantes da sociedade
contemporânea.
A Editora Atual é parte do Grupo Saraiva, assim como Ática e Scipione.
Presente no segmento editorial desde 1917, a Saraiva Educação integra a SOMOS
Educação desde dezembro de 2015. Com conteúdo para educação básica,
preparatórios (concursos e exames como OAB), ensino técnico (com o selo Érica) e
superior, com destaque para a área Jurídica, de Ciências Sociais Aplicadas
(sobretudo em Administração, Economia e Contabilidade), o grupo também atua na
área de soluções educacionais com tecnologias para aprendizagem adaptativa,
metodologias diferenciadas (como no SSA – Saraiva Solução de Aprendizagem),
biblioteca digital por assinatura, plataformas gamificadas, disponibilizando conteúdo e
estruturação para o ensino a distância. A marca é sócia da Minha Biblioteca, consórcio
formado pelas quatro principais editoras de livros acadêmicos do Brasil, para
disponibilizar o acervo mais completo de conteúdos digitais para as instituições de
112
ensino superior. A Saraiva Educação engloba ainda os sistemas de ensino Ético de
educação infantil, ensinos fundamental e médio e para os cursos pré-vestibulares, e
Agora, que visa contribuir para a educação pública no Brasil, por meio de uma ação
educativa eficaz. Há também os selos Caramelo de leitura infantil e o selo Benvirá,
com o objetivo de disseminar conteúdo de qualidade na educação, cultura e
entretenimento do Brasil. Junto com Ática e Scipione, a Saraiva Educação integra o
portfólio de editoras da SOMOS Educação.
O livro didático em análise é composto por quatro unidades cujos capítulos
mesclam literatura, a produção de texto e língua portuguesa. O conteúdo de literatura
tem como objetivo o desenvolvimento das habilidades de leitura do alunado para
formar leitores competentes com cultura não apenas literárias, mas universal.
A seção “Literatura comparada” segue a perspectiva dialógica de literatura, a
seção “Para quem quer mais”, são indicados sites para informações complementares
dos temas estudados. O livro procura dar atenção à formação do leitor literário. Assim
como na obra “Novas Palavras – Nova Edição” a teoria e a leitura dos textos literários
se alternam e se complementam. Ambas as coleções optaram por apresentar autores
e obras da tradição literária
Ao final de cada unidade, o livro sugere projetos que incluem pesquisas em
livros e internet, criação de blogs, elaboração de poemas, preparação e apresentação
de saraus literários, propondo ao aluno a interação do conteúdo aprendido com o
mundo em que vive.
No livro “Português: linguagens”, a literatura africana de expressão em língua
portuguesa é cotejada com a literatura brasileira. O capítulo 9 traz um panorama das
literaturas africanas de língua portuguesa e contempla o estudo e a leitura de textos
dos autores angolanos Pepetela e Maurício Gomes, do moçambicano Mia Couto e do
cabo-verdense Onésio Silveira.
O livro do aluno não apresenta bibliografia das obras consultadas em sua
composição.
Em sua tese de doutorado em Línguística aplicada e estudos da linguagem na
PUC-SP em 2004, intitulada “Uma proposta dialógica de ensino de literatura no ensino
médio, Cereja (2004) critica a forma de ensino de literatura que permanece inalterada
há meio século, seja por motivos históricos, ideológicos, políticos ou legais e
contextuais. Na tese, Cereja (2004) propõe que a literatura seja ensina também em
seus aspectos comunicativo-interativo, dialógico, estético, histórico e social,
113
aproximando-se de sua aplicação social e distanciando-se da descrição de obras,
autores e estilos de época.
Tanto a leitura quanto a interpretação do texto literário podem contar com
ferramentas como História, Sociologia, Psicologia, História da Arte, valorizando a
relação entre os elementos e internos ao texto literário, construindo um conhecimento
significativo. A proposta dialógica da qual Cereja (2004) trata em sua tese de
doutorado aborda os diálogos que a literatura brasileira trava consigo mesma e com
outras literaturas e manifestações artísticas.
Contudo, Cereja (2004) deixa claro que, em sua proposta de ensino dialógico,
o objeto central da literatura continua sendo o texto literário.
Apesar da proposta de ensino dialógico da literatura apresentada em sua tese
de doutorado em 2004, Cereja, como co-autor de “Português: linguagens” manteve o
ensino literário com base na historiografia, assim como os demais livros analisados
para este estudo. Contudo, “Português: linguagens” e “Novas Palavras – Nova
Edição” inseriram o diálogo entre escolas literárias ou os estilos de época,
identificando características comuns, sem aprofundamento. As obras e autores
selecionados obedecem a tradição, sem grande esforço para acolher as
manifestações literárias não consagradas. A herança cultural ainda precisa ser
trabalhada, mas encampar obras não pertencentes à tradição literária só traz
benefícios tanto à língua quanto à cultura. O sistema canônico literário não é o único
viés de trabalho, ensino e estudo da literatura.
Apesar de “Português: linguagens” mostrar o contexto histórico e social das
escolas literárias e informações, embora resumidas, sobre os autores, as atividades
não apresentam grande preocupação em relacionar o texto literário e o contexto social
de sua produção.
A maioria das atividades não busca levar o alunado a realizar uma ligação
entre os elementos temáticos e estéticos dos textos; a trabalhar as características
das regiões que integram o mundo lusófono além de Brasil e Portugal; a refletir sobre
sua identidade e a identidade de seu país.
A literatura africana lusófona aparece ainda timidamente no último capítulo da
última unidade, intitulado “Panorama das literaturas africanas de língua portuguesa”,
que propõe leitura de autores representativos da literatura de Angola, Moçambique e
Cabo Verde por meio de fragmentos de textos do angolano Maurício Gomes, poema
“Exortação”; do conto “Nas águas do tempo” do moçambicano Mia Couto e do poema
114
“Hora Grande” de Onésimo Silveira. O livro procura integrar a literatura africana, mas
menciona pouco a literatura afro-brasileira. O conteúdo apresentado não é
aprofundado.
No capítulo 4 da Unidade 4, não há um aprofundamento da temática nos
conteúdos apresentados. Ao discorrer sobre “Guimarães Rosa: a linguagem
reinventada”, tem-se a impressão que o objetivo dos autores era apenas ressaltar a
influência do mineiro Guimarães Rosa sobre o escritor angolano, Luandino Vieira.
O volume 3 da coleção ‘Português: linguagens” ainda neste volume, é abordado
o tema “Diálogo entre o romance brasileiro de 30 e as literaturas americana e africana”
(p.216-219) apresentando fragmentos de três romances cujas tramas dialogam entre
si por abordarem dificuldades sócio-econômicas, migrações e o impacto destas na
vida dos personagens: “Hora di Bai”, do escritor cabo-verdiano Manuel Ferreira; “As
vinhas da ira”, do americano John Steinbeck e “Os Corumbas”, do brasileiro Amando
Fontes.
Os fragmentos apresentados possuem uma forte relação, embora sejam
apenas excertos, tecem curiosidades sobre a obra em sua totalidade. Acompanhando
os três textos há pequenos quadros com traços biográficos dos autores e
apresentando a capa de Hora di Bai e Os Corumbas. O que, de certa forma, torna a
leitura mais atrativa. O livro extrapola a leitura literária por meio da intertextualidade,
dialogando com outras obras da mesma época ou anteriores. Os autores abordam a
influência que os escritores brasileiros exerceram sobre os escritores africanos
lusófonos. Na seção “Projeto”, no final da Unidade 2 (p.279-281), na atividade
“Diálogos negros: Nordeste do Brasil e África” os autores propõem uma pesquisa
online, em livros ou outras fontes sobre obras brasileiras que retratem a presença
negra na região nordestina, elaborando uma coletânea de poemas e textos em prosa.
A proposta se estende também à pesquisa sobre escritores africanos de língua
portuguesa que tenham afinidade com as temáticas abordadas pelos escritores
brasileiros nas décadas de 1930 e 1940
O dialogismo proposto na tese de doutorado de Cereja (2004) pode ser
percebido no estabelecimento da inter-relação entre os textos literários, suas
diferentes formas de apresentação como teatro e cinema, mencionando peças e
produções cinematográficas.
Ao analisar o livro, fica claro que o eixo da literatura recebe maior atenção dos
autores.
115
3.2 Análise das obras indicados no PNLD 2015 selecionadas para esta
pesquisa
O livro “Língua Portuguesa”, indicado no PNLD 2015 e da autoria de Roberta
Hernandes e Vima Lia Martin, é editado pelo Grupo Positivo, editora que tem sua
origem datada de 1972, pela ação de professores que criaram um curso pré-
vestibular. Hoje, a marca Positivo atua na área de livros didáticos, Soluções
Educacionais, Cultura, Tecnologia e Gráfica. Na área de Ensino, o Grupo atua desde
a Educação Infantil até o Ensino Superior – Graduação (Bacharelados, Licenciaturas
e Cursos Superiores de Tecnologia), Especialização, Mestrado e Doutorado. Mais de
2 milhões de alunos utilizam os sistemas de ensino da Editora Positivo, em escolas
públicas e particulares, no Brasil e no Japão. Soluções desenvolvidas pela divisão de
Tecnologia Educacional da Positivo Informática estão presentes em mais de 40
países. A Editora Positivo edita, publica e comercializa livros didáticos, paradidáticos
e de literatura, atlas e dicionários, com destaque para o dicionário mais importante da
Língua Portuguesa, o Dicionário Aurélio.
A Editora Positivo considera ser sua missão a construção de um mundo melhor
por meio da educação e alega possuir em seu DNA as boas práticas de ensino.
Especializou-se ao longo dos anos, desenvolvendo livros didáticos, literatura infantil e
juvenil, sistemas de ensino e dicionários. A Editora Positivo está presente em milhares
de escolas públicas e particulares com os seus sistemas de ensino. Para a rede
pública a editora disponibiliza o Sistema de Ensino Aprende Brasil. Já as escolas
particulares contam com o Sistema Positivo de Ensino (SPE) e com o programa
Conquista. Cerca de 2 milhões de alunos se preparam para o vestibular e o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) tendo como base o conteúdo desenvolvido pela
Editora Positivo.
O “Aprende Brasil” é um sistema de ensino completo, dinâmico e moderno.
Oferece um conjunto de soluções para a rede de ensino pública, contemplando
material didático, o Portal Aprende Brasil, assessoria pedagógica aos professores e
uma coordenação pedagógica regional – que auxilia os gestores educacionais no
processo de implementação do sistema na região, oferece atendimento às demandas
educacionais específicas da localidade, orienta e participa de reuniões com
coordenadores e diretores das escolas, além da comunidade escolar. O material vem
com capa personalizada para cada município e os livros são integrados, apresentando
116
conteúdos e atividades de todas as áreas do conhecimento. O sistema possui dois
métodos de avaliação: o Hábile (Sistema de Avaliação Positivo) e o SIMEB (Sistema
de Monitoramento Educacional do Brasil). Está presente em mais de 2 mil escolas
públicas, fazendo a diferença na vida de mais de 330 mil alunos de cerca de 220
municípios brasileiros.
A coleção é composta de três volumes organizados por unidades. O terceiro
volume, aqui em análise, possui cinco unidades estruturadas em capítulos
(“Literatura”, “A língua em uso” e “Produção de texto”), organizados em seções
didáticas:
Leitura: apresentação de textos diversos para leitura e aplicação do conteúdo
expositivo de cada capítulo;
Atividades: apresentação de atividades e questões diversas sobre os textos
lidos, incluindo-se de vestibulares e do ENEM, que se propõem a orientar o
aluno na análise do texto literário, seja este poema ou prosa, compondo um
roteiro; insere-se em vários momentos do mesmo capítulo.
Ampliação: complementação e aprofundamento do conteúdo, buscando
apresentar novos pontos de vista sobre o tema em estudo; proposta de
discussões, reflexão sobre temas relacionados ao universo do aluno, arte e
cidadania; textos teóricos e não teóricos da atualidade, que permitem uma
maior compreensão dos assuntos abordados. Constam também, na seção
“Ampliação”, as subseções “Para refletir” e “Para escrever”.
Produção de texto: a produção de textos orais e escritos é socializada no grupo
de alunos.
Segundo o O Guia de Livros Didáticos PNLD 2015 – Português, um dos pontos
fortes da obra é o tratamento dado à literatura africana lusófona (MEC, 2014, p. 34).
As autoras da referida obra, possuem proposta de abordagem do texto literário
que visa ampliar e ressignificar o cânone escolar e levar o alunado a questionar
estereótipos. Por meio do método comparativo com a leitura contrastiva de textos
literários, o livro estimula o aluno a refletir sobre a a identidade nacional, cultural e
literária dos países lusófonos. Outra proposta de abordagem das autores é a
perspectiva prospectiva, que leva em consideração o sentido histórico, função e valor
do texto, momento em que foi escrito e sua transposição para a atualidade e a
realidade do aluno. Em “Língua Portuguesa”, Hernandes e Martin (2013) incluíram
117
autores e textos das literaturas afro-brasileira e africanas em diálogo com os autores
e obras tradicionalmente constantes dos livros didáticos de língua portuguesa,
mantendo a cronologia da historiografia literária. Apesar de estar concentrada na
Unidade 6, a literatura africana de expressão em língua portuguesa aparece desde a
Unidade 2, Capítulo 6, “Influências de Drummond na poesia africana de língua
portuguesa” (p.141). Na mesma unidade, as autoras abrem espaço para a literatura
afro-brasileira com os “Cadernos Negros: os melhores poemas”, organizado pelo
grupo Quilombhoje (p.149). Na Unidade 3, Capítulo 10, intitulado “A literatura
brasileira e a formação das literaturas africanas de língua portuguesa” são trabalhos
os autores africanos lusófonos José Craveirinha, Agostinho Neto e Ovídio Martins,
além de vários autores representantes da literatura afro-brasileira como Solano
Trindade, Miriam Alves, Márcio Barbosa entre outros.
O eixo principal da obra é o da literatura, apresentada a partir de textos
informativos didáticos e textos literários, com atividades voltadas para características
de época, autores e gêneros. A coletânea inclui autores brasileiros, portugueses, afro-
brasileiros e africanos de língua portuguesa, sendo a predominância de autores
brasileiros. Os textos literários são trabalhados de forma expositiva e há ampla gama
de informações compondo a visão de conjunto dos diferentes contextos sociais,
políticos e culturais da produção literária.
Dentre os livros até o momento analisados para este trabalho, este é o primeiro
a apresentar autora com ligação com o tema literatura africana lusófona: Vima Lia
Martin, bacharel e Mestre em Letras; doutora em Letras (área de concentração em
Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) pela Universidade de São
Paulo. Professora de Língua Portuguesa da Educação Básica durante dez anos.
Docente do curso de Letras da USP. A outra autora da obra é Roberta Fernandes
Alves, licenciada, bacharel e mestre em Letras; Doutora em Letras (área de
concentração em Literatura Brasileira) pela Universidade de São Paulo. Professora
de Língua Portuguesa da rede pública e particular em São Paulo (capital) há 15 quinze
anos. Coordenadora de Língua Portuguesa na rede particular de ensino.
As referências bibliográficas contam com vinte e um títulos divididos por tema da
seguinte forma: Educação (03), Educação (05), Leitura (07), Letramento (01),
Linguagem (02), Literatura Africana (02), PCN (01). Também destacando-se dos
demais livros didáticos analisados para este estudo, as referências bibliográficas
apresentam duas obras sobre literatura africana “História literária e o ensino das
118
literaturas de língua portuguesa” de Benjamin Abdala Júnior, 1998 e “Paralelas e
tangentes: entre literaturas de língua portuguesa”, 2003. Os demais não
apresentaram nenhuma obra ou apresentam apenas uma.
A proposta teórica da obra, em relação à língua portuguesa, está baseada em
uma perspectiva interacionista e discursiva de trabalho com a linguagem. Essa
abordagem prevê que a construção do conhecimento se dá por trocas subjetivas entre
os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Em relação à literatura, a obra
destina-se a criar um chamado “leitor literário”, isto é, ela pretende, efetivamente,
contribuir para a ampliação da autonomia intelectual e da perspectiva crítica dos
alunos. Para isso, assume uma atitude interativa e questionadora diante do texto
literário. A proposta da obra apoia-se em dois pressupostos: a comparação e a
prospecção.
119
Fig. 16 – “Língua Portuguesa” – Sumário - Unidade 1
O estudo da literatura é orientado pela tradicional cronologia histórica, a linha do
tempo dos movimentos literários como fio condutor. A literatura dialoga com diversas
formas de arte num processo de intercâmbio cultural e o livro aplica as imagens como
recurso para exposição de textos, seja por meio de pinturas, fotografias, desenhos ou
caricaturas. A contextualização histórica, social e cultural de cada período literário
dialoga com o presente a partir da inserção de diferentes textos na mesma unidade,
como por exemplo, na “Unidade 1”, página 40, em que o livro apresenta ao aluno o
poema “Assentamento” de Guimarães Rosa, o poema “Assentamento” de Chico
120
Buarque (ambos como “Texto 2) e a imagem “Terra” de Sebastião Salgado.(“Texto 3)
para serem trabalhados nas sete questões da página 41.
Fig.17 – “Língua Portuguesa” – página 40 com exemplo de diálogo intertextual e
contextualização histórica, social e cultural de período literário a partir de um tema
em comum.
121
As atividades propostas apresentam fragmentos de outros autores como Ferreira
Gullar, Chico Buarque, José Saramago, Oswald de Andrade, Millôr Fernandes, Mário
de Sá-Carneiro, Jurandir Freire Costa, José Paulo Paes, Tristan Tzara, Felippo
Tomaso Marinetti); são autores apenas citados ou sem comentários aprofundados. As
questões e os exercícios pouco exploram os aspectos estéticos dos textos ou
fragmentos, fixando-se na interpretação das camadas mais superficiais do texto e,
mesmo quando se nota tentativas de levar o aluno à reflexão, falta aprofundamento.
Estas limitações não contribuem para a formação do leitor literário. O trabalho
desenvolvido a partir da leitura do texto literário visa o reconhecimento das
características explicadas em momento anterior na mesma unidade/no mesmo,
capítulo, limitando assim o encontro do aluno com os aspectos artísticos e estéticos
da literatura e a sua autonomia em fazer as próprias descobertas. O aluno é
requisitado a interpretar informações e não a sentir nem perceber a obra ou a si
mesmo.
A única menção à literatura africana de expressão em língua portuguesa
encontrada na “Unidade 1” foi Antonio Jacinto, de Luanda, e seu poema “Carta de um
contratado”. Informações sobre o autor foram disponibilizadas em um box salientando
sua militância política. O poema de Jacinto (1982) é utilizado como elemento de
comparação com textos de Fernando Pessoa, porém não sendo trabalhado enquanto
literatura africana em si. As autoras ensejaram uma proposta que pretende se
diferenciar dos demais livros didáticos, inserindo a literatura africana desde a primeira
unidade, ao invés de restringí-la ao final do livro, momento em que todo o conteúdo
de literatura já foi ministrado e os alunos estão preocupados com o ENEM e os
exames vestibulares. Tem-se neste ponto um diferencial no livro aqui em análise que
precisa ser assinalada: a proposta de inserir a literatura africana desde o início do livro
o diferencia positivamente dos demais.
122
Fig.18 – Poema de Antonio Jacinto, de Luanda, “Carta de um contratado”, única
menção à literatura africana encontrada na Unidade 1 do livro “Língua Portuguesa”.
123
Fig.19 – “Língua Portuguesa” – box com informações sobre o poeta africano
lusófono Antonio Jacinto.
Na página 23, um box informa ao aluno que o romance “Triste fim de Policarpo
Quaresma” de Lima Barreto (1920) foi adaptado para o cinema por Paulo Thiago em
1998 e lançado com o título “Policarpo Quaresma, herói do Brasil”. Contudo, não foram
explicadas ao aluno as especificidades de cada meio, as semelhanças e
particularidades de ambas as artes, aspectos da literatura a serem transpostos para
a obra cinematográfica como narrativa, temática, características estéticas, tampouco
a possibilidade que o cinema apresenta de intensificar os sentidos, por exemplo.
124
Fig.20 – “Língua Portuguesa” – Box com informações sobre a adaptação para o
cinema do romance de Lima Barreto, “Triste fim de Policarpo Quaresma”.
A adaptação de “Os sertões” de Euclides da Cunha para o cinema em1997, dirigido
por Sérgio Rezende, recebeu o título de “Guerra de Canudos” e na página 17,
“Unidade 1”, “Capítulo 1”, recebeu o mesmo tratamento simplificado; mais uma
oportunidade perdida pelas autoras de aprofundamento do trabalho com a literatura.
Fig.21 – “Língua Portuguesa” – Box com informações sobre a adaptação para o
cinema da obra de Euclides da Cunha, “Os Sertões” de 1902.
Uma qualidade da obra está no fato de trabalhar com a arte e literatura dos países
de língua portuguesa, apresentando uma série de diferentes textos literários,
exemplificando cada período. Contudo, ainda que apresente textos diferentes e
interessantes, a obra ainda trabalha literatura de uma forma bastante conservadora,
por meio de momentos históricos e as tentativas de instigar o pensamento crítico
parecem permanecer na superficialidade e não atingir o objetivo.
125
O livro se posiciona contra o conhecimento enciclopédico em sua proposta, porém,
no decorrer da obra ele se mostra a favor deste. As discussões dos textos
apresentados não parecem levar o aluno à criação de um pensamento crítico e o
incentivo à leitura ocorre sempre da mesma maneira: os alunos são instruídos a ler
sem, contudo, um projeto para a leitura de obras completas em sala de aula,
constituindo assim, mais um ponto essencialmente falho na obra: a falta de uma
proposta efetiva de incentivo à leitura, e não apenas ao conhecimento de teoria
literária.
A versão mais atualizada da obra “Língua Portuguesa: linguagem e interação” da
Editora Ática, aprovada para o PNLD triênio 2015, 2016, 2017 algumas poucas foram
as modificações identificadas. O conteúdo de literatura africana lusófona permanece
apenas no Capítulo 12 – “Discurso Político”, agora iniciado com dois textos que
abordam a temática afro-brasileira: “Cota valida teses racistas” de José Roberto
Ferreira Militão, e “Cotas enriquecem universidades”, de Hédio Silva Júnior.
Para a produção literária de Angola, “Noite” e “Aspiração” de Agostinho Neto
deixaram de fazer parte do conteúdo e foi inserido o autor Valter Hugo Mãe com “A
máquina de fazer espanhóis”.
Guiné-Bissau tinha sua produção literária representada por dois textos,
“Liberdade”, de Vasco Cabral e “Visto fato” de Carlos Semedo. Na edição mais atual,
Guiné-Bissau conta com apenas um texto, “Ansiedade” de Carlos Semedo.
O livro “Português: Vozes do mundo 3 - literatura, língua e produção de texto”
compõe a coleção de três livros para o Ensino Médio e a autoria é de Lília Santos
Abreu – Tardelli, Lucas Sanches Oda, Maria Tereza Arruda Campos e Salete Toledo.
O livro divide-se em três partes: literatura, língua e produção de texto. As seções
literatura, língua e produção de texto são bem separadas, sendo a literatura nas
primeiras seis unidades, com 19 capítulos.
No Manual do professor, é possível a proposta da coleção, os princípios teóricos -
metodológicos, o uso das tecnologias em sala de aula, interdisciplinaridade, a
avalição, a estrutura da coleção, planejamento e seleção dos conteúdos, seguidos
das orientações específicas e sugestões de atividades, além das respostas destas e
a bibliografia utilizada. Para a literatura, os autores afirmam que sua intenção é
investigar o diálogo da literatura com outras linguagens artísticas, o desenvolvimento
de habilidades leitoras, reconhecendo a importância dos estudos literários como
processo humanizador. Os autores procuraram privilegiar a convivência dos alunos
126
com o texto literário e a formação do leitor literário e o desenvolvimento de
capacidades leitoras
A literatura é abordada em 19 capítulos.
Na unidade 1, composta pelos capítulos 1 e 2, é apresentada a fase Pré–
Modernista com autores conhecidos na tradição literária: Euclides da Cunha, Monteiro
Lobato, Lima Barreto e Augusto dos Anjos. Há, no final da unidade, um roteiro de
estudo, que traz em forma de esquema, um resumo sobre o conteúdo estudado.
Os dez capítulos que compõem a unidade 2, 3 e 4 abordam o Modernismo em
Portugal e no Brasil, continuando com os autores seletos e reconhecidos pela crítica,
como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Guimarães Rosa,
entre outros.
O “Português: Vozes do mundo”, traz curiosidades sobre autores, dicas de filmes,
de músicas, ampliando o conteúdo dos capítulos. Na seção intitulada de “Vozes em
Rede”, os autores apresentam textos menos conhecidos em diálogo com os temas
abordados pelos autores consagrados contemplados no corpus da unidade.
Em algumas das atividades do livro, o aluno é requisitado a utilizar seu senso
crítico para realizar leitura mais questionadora, confrontando suas ideias sobre o que
leu com sua leitura de mundo prévia, e com pontos de vista de terceiros, comparando
texto e realidade. Os autores fazem referência aos novos suportes disponíveis para o
estudo da literatura, como os e-books, blogs, links de internet, sites, chamando a
atenção para qualidade dos textos literários que se encontram disponíveis na rede
mundial de computadores. Para os autores, “a rede mundial não possui um centro
definido que ofereça critérios para o leitor separar o bom do ruim” . Além desses
suportes, o capítulo ainda aborda o teatro contemporâneo e suas tendências. No final
da unidade, os autores oferecem um roteiro de estudos para aprofundar as
informações. Na unidade seguinte, com dois capítulos, o livro aborda as literaturas
africanas em língua portuguesa, desde a literatura colonial, as lutas de independência
à literatura pós-colonial, autores e obras de Luandino Vieira, Pepetela, José Agualusa,
Mia Couto, entre outros.
Ao contrário do livro de Faraco, Moura e Maruxo, “Língua Portuguesa: linguagem
e interação’ já analisado, o livro “Português: Vozes do mundo” situa-se mais próximo
à proposta do Guia PNLD de um viés humanizador para o ensino da literatura, O livro
apresenta o cotejo de fragmentos de diferentes autores a partir de um mesmo tema.
Há atividades de análise e interpretação de fragmentos de textos literários, mas não
127
atividades que exercitem o cotejo entre textos literários e não literários, embora realize
o diálogo com outras áreas do saber. A obra favorece a presença de autores e obras
da tradição literária, abrindo espaço também para também obras produzidas por
autores menos prestigiados pela crítica.
O livro didático analisado contempla ainda fontes de multimídia que podem
potencializar o estudo da literatura. Permanece a cronologia da historiografia literária.
Apesar da apresentação feita pelos autores, a contextualização dos textos literários é
fraca e as atividades de leitura são reduzidas em comparação ao número de
fragmentos apresentados.
O conteúdo de literatura africana lusófona concentra-se na Unidade 6, a última
destinada à literatura. A unidade começa com uma reprodução do óleo sobre tela de
Malangatana Valente Ngwenya, “Final Judgement”, de 1961, um dos mais famosos
artistas plásticos de Moçambique. A imagem é acompanhada de um box com
perguntas sobre a literatura africana lusófona, suas marcas identitárias e sua relação
com a literatura brasileira.
O Capítulo 18, o primeiro da unidade 6 apresenta em sua primeira página um
quadro das literaturas africanas em língua portuguesa contextualizando
historicamente.
128
Fig.22 – “Vozes do mundo” – quadro das literaturas africanas em língua
portuguesa.
Diferentemente dos demais livros aqui analisados, “Português: Vozes do mundo”
apresenta períodos para a literatura africana lusófona, considerando seu surgimento
o século XIX com o romance “O Escravo” do cabo-verdiano José Evaristo d’Almeida,
contradizendo principalmente o texto da página 230 de “Novas palavras, nova edição”
da Profª Dra.Rita Chaves, Diretora do Centro de Estudos Portugueses da
Universidade de São Paulo. A se propor a explicar ao alunado a importância da
literatura africana lusófona na compreensão da formação cultural e da História
brasileiras, o texto da Profª Dra.Rita Chaves afirma que as literaturas africanas
lusófonas desenvolveram-se a partir da década de 1940.
Os autores e obras contemplados na Unidade 6 representam a produção literária
de Moçambique, Guiné-Bissau e Angola: “Um rio chamado tempo” e “O quarto
caderno de Kindzu” do moçambicano Mia Couto; “Antidelação” de Vasco Cabral,
escritos da Guiné-Bissau.”Teias da memória” e “A minha dor” de José Craveirinha,
Moçambicano; José Luandino Vieira, nascido em Portugal e criado em Angola;
“Mayombe” do angolano Pepetela; “Fatita de Matos, a amante infeliz” do angolano
129
José Eduardo Agualusa; “Borboletas de luz” de Arlindo Barbeitos; “Naturalidade” de
Rui Knopfli.
130
CONCLUSÃO
A Lei federal 10.639/2003 que torna obrigatório para as escolas o ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana, realizou uma reparação curricular, mais
do que uma atualização apenas; ação integrante de uma proposta ampla para o
estabelecimento de um diálogo sobre o preconceito racial sofrido pelos negros e seus
descendentes no Brasil; para a implementação de um currículo que reconheça os
valores da história cultural africana, que construa conhecimentos históricos e
multiculturais e que desperte a consciência dos alunos sobre os direitos dos negros e
sobre sua representação na história oficial do país. A elaboração e a aprovação da
Lei 10.639/03, fruto das lutas do movimento negro brasileiro, partiu da concepção de
que através da educação se pode mudar realidades e desconstruir discursos e
práticas que foram consolidadas historicamente. Neste caso, a história dos negros
brasileiros e seus descendentes, está solidificada pela anulação de suas
particularidades, história e cultura, bem como pela imposição dos costumes e valores
de uma sociedade europeia, embranquecendo-os e desrespeitando-os. Por isso, é
necessário pensar a educação como um espaço para disseminar a não aceitação
dessas práticas e a contestação do discurso de superioridade do branco sobre o
negro.
Identificar, aceitar e interagir com a diversidade racial e cultural que
participaram da formação da identidade do nosso povo, sob um olhar não eurocêntrico
e não superior, fortalecerá a relação dos educandos com o meio, aumentando sua
capacidade de influenciá-lo. Mas este é um trabalho lento, delicado e minucioso que
necessita da ação combinada de docentes, discentes e livro didático. Este tripé é o
apoio necessário para que a Lei nº 10.639 atinja seus objetivos. O processo educativo
é uma estratégia essencial na formação humana, incluindo a educação sistematizada,
a qual deve consistir em um elemento de transformação social, uma vez que possui
como objetivo fundamental a formação de cidadãos plenos. Para isso, é necessário o
respeito e a valorização das diversidades existentes no ambiente escolar e na
sociedade, assim como a aceitação das diferenças.
Como um dos instrumentos mais utilizados nas escolas como norteadores da
prática pedagógica, o livro didático precisa estar em consonância com essa educação
que se quer libertadora de mitos e preconceitos, validativa das diferenças inerentes
aos seres humanos. Dessa forma, ele não pode ser utilizado como disseminador da
131
ideologia dominante e eurocêntrica, mas sim como motivador da prática reflexiva
sobre as relações sociais e suas consequências para a humanidade. O livro didático
não pode ser mais um objeto representativo do silenciamento e da omissão frente às
diversidades e suas lutas pela igualdade de direitos.
O livro didático tem um papel fundamental no processo, pois é ele quem
convida o aluno a refletir, discutir e interagir com o texto literário ou, então, apenas
transmite o conhecimento fazendo com que ele o aceite passivamente sem promover
sua participação no processo de aprendizado. Ele contextua sócio-historicamente a
literatura africana reafirmando a cada página o seu compromisso em formar leitores
literários ou apenas passa superficialmente pelos temas.
A análise dos livros didáticos de língua portuguesa para o ensino médio, objeto
desse estudo, pautou-se na observação da adequação dos livros didáticos à Lei
Federal nº 10.639/2003 verificando a abordagem da literatura africana de expressão
em língua portuguesa. No Brasil, o livro didático faz parte da educação há
aproximadamente 200 anos, tendo passado por transformações e acompanhado as
mudanças do currículo e da sociedade. A Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º
e 2º Graus de 1971, por exemplo, não apenas estendeu a obrigatoriedade escolar
compulsória de quatro para oito anos (ensino fundamental) como reconfigurou o
ensino médio como profissionalizante, tecnicista, consolidando os manuais didáticos
como grande ferramenta de apoio para os docentes, na preparação e no
desenvolvimento das aulas, contribuindo no processo de aprendizado e
desenvolvimento dos alunos, definindo conteúdos. Divididos por unidades ou lições,
os livros didáticos de língua portuguesa do 3º ano do ensino médio resumem, num
mesmo volume, os conteúdos de gramática, produção de texto e literatura. Muitos se
apresentam esquemáticos, transmissivos, valorizam práticas de memorização,
resumos, visão do conjunto e não do particular. Hoje suas páginas apresentam novos
protocolos de leitura e recursos visuais, e estabelecem ligação entre o conteúdo
escrito e o conteúdo da internet. Elaborado para o professor, tem nele um alvo
principal e um intermediário que desempenha papel fundamental; o livro didático
depende do uso que dele é feito. Ferramenta essencial ao trabalho do professor,
apresenta o que se deve ensinar e como se deve ensinar.
A periodização literária, o ensino historiográfico da literatura tem sido
duramente criticado. Contudo, abordar simplesmente leituras descontextualizadas,
afastadas do papel social que cada uma representou ao longo dos séculos, esvaziaria
132
o conteúdo. A área de Literatura ainda é apresentada nos livros didáticos como uma
derivação do ensino de línguas, assim como a produção de textos, perdendo
oportunidades de leituras diferenciadas, de despertar o interesse por novas leituras,
de provocar outros saberes e, consequentemente, de construir conhecimento. Ao não
permitir que os alunos desenvolvam habilidades complexas como analisar e
interpretar textos literários, como construir sentidos por meio de recursos de
expressão, por meio da estrutura do texto, das relações entre forma e conteúdo, do
estilo pessoal do autor ou da contextualização histórica e cultural do autor e da obra,
o livro didático acaba por afastar o aluno-leitor do prazer de ler um texto literário.
A teoria enfatiza a necessidade de livros didáticos que formem alunos leitores,
leitores literários, cidadãos críticos, o que vale para a literatura portuguesa, brasileira,
africana lusófona e afro-brasileira. Contudo, os livros didáticos tornaram-se um reflexo
da convenção entre setores educacionais. Para contar com a aprovação dos
professores, editores acatam as exigências de conteúdo e metodologia. Cada livro
didático parece ter sua própria proposta, sugestões de atividades e, talvez até,
apresentação de novas formas de trabalho mas, na realidade, só se observou um
suave desmembramento do tradicional na obra “Língua Portuguesa” de Hernandes e
Martin (2013). Os livros didáticos apresentam certo grau de homogeneidade, o que
denota a observação de determinados critérios comuns: escolas e editoras procuram
cumprir as exigências do mercado e dos concursos vestibulares.
É inegável que o livro didático de Língua Portuguesa, no que diz respeito ao
ensino de literatura, tem apresentado mudanças, porém ainda lentas e insuficientes,
a partir dos documentos oficiais, frutos de discussão acadêmica sobre teorias e
metodologias que objetivam a formação de melhores leitores no Ensino Médio.
Atendendo à legislação, as obras analisadas incluíram autores e textos africanos de
língua portuguesa, com exceção de “Linguagem em movimento”.
Na maior parte dos livros analisados, a questão étnico-racial é mencionada de
forma esporádica e descontextualizada, demonstrando mais uma preocupação das
editoras em atender ao Edital de Avaliação e Seleção dos livros didáticos para o
PNLD, do que em contribuir para a desconstrução de uma prática educativa
preconceituosa.
Dentre as analisadas, a única obra que apresentou escritores afro-brasileiros
foi “Língua Portuguesa” de Hernandes e Martin (2013) .
“Novas Palavras – Nova Edição” afirmou ser a literatura africana uma
133
complementação do panorama apresentado para a literatura. Adicionalmente, este
livro traz um texto que se propõe explicar ao alunado a importância da literatura
africana lusófona, mas identifica equivocadamente, suas origens como um fenômeno
contemporâneo.
“Português: Linguagens” surge com uma proposta dialógica para o ensino da
literatura, com base na tese de doutorado apresentada por William Cereja em 2004
na PUC – SP. A obra realiza um cotejamento entre a literatura brasileira e a africana
lusófona, mas restringe a africana ao último capítulo da última unidade.
A maioria dos livros analisados dedica uma única unidade à literatura africana
lusófona, em geral a última do livro. Alguns, como ‘Língua Portuguesa”, apesar de
concentrar o conteúdo em unidade específica, reserva um espaço para textos e
autores africanos lusófonos em todas as outras unidades ao longo do volume 3.
Outros autores, iniciam a apresentação da literatura africana de expressão em língua
portuguesa nos volumes anteriores de sua coleção. Contudo, são apenas fragmentos
de textos, sem se aprofundar no tema, sem trabalhar o conteúdo de maneira eficiente,
sem estabelecer efetivamente uma convivência do alunado com o assunto. O
resultado final, continua sendo um conteúdo em notável desvantagem na forma de
trabalho e no espaço a ele destinado quando comparado às literaturas portuguesa e
brasileira.
Deve-se reconhecer que ainda é um desafio a inserção da literatura africana
de expressão em língua portuguesa nos livros didáticos, tanto para autores quanto
para editores. Contudo, para o professor este desafio torna-se ainda maior, pela
ausência do conteúdo em seus cursos de graduação em Letras (no caso daqueles
formados antes da referida lei). O maior responsável pelo ensino ainda é o professor,
que, em possuindo autonomia, pode conciliar os planos pedagógicos a uma dinâmica
de trabalho que atinja os objetivos esperados. O livro didático é um auxiliar e não
determinante das aulas. Professores mal preparados, sem formação inicial de
qualidade, cuja graduação em Letras não necessariamente apresenta plena
adequação às propostas das Diretrizes Curriculares, não adquirem domínio da língua
tampouco desenvolvem múltiplas competências e habilidades ou autonomia teórica,
necessitando do apoio de livros didáticos esquemáticos, portadores de pedagogia
transmissiva, e não conseguem contribuir na formação de leitores literários plenos,
participativos na sociedade.
Cabe aos docentes a atualização, o retorno à sala de aula, como os cursos de
134
educação continuada oferecidos pelo poder público, por exemplo.
Dividir a disciplina Língua Portuguesa em três segmentos (literatura, gramática
e redação) impede a integração dos conteúdos de disciplinas de diferentes áreas de
conhecimento e a construção de um saber crítico-reflexivo; impede o diálogo entre
disciplinas, a compreensão da realidade e a transdisciplinaridade, termo cunhado por
Jean Piaget em 1970, significando a união do conhecimento com articulação de
elementos sem a segmentação em disciplinas, facilitando a compreensão do
complexo mundo real.
Como forma de arte, a literatura tem no texto literário o seu produto e na
palavra, sua matéria prima quando trabalhada artisticamente, sem preocupação com
a verdade. A construção do texto literário se dá por meio de recursos linguísticos,
recursos estéticos e estruturais, além de elementos externos ao próprio texto,
elementos sociais, culturais, comportamentais e ideológicos. Fator de humanização
e de confirmação de nossa humanidade, a literatura possui uma função psicológica,
de aliviar a pressão das emoções no homem, satisfazer sua necessidade de ficção e
fantasia. Ela forma e informa o homem, e transmite conhecimento. Contudo, ensino
da literatura no Brasil permanece tendo a historiografia literária com enfoque
cronológico de movimentos, gerações e autores, transmissão passiva e linear do
conhecimento, concepção conteudista e enciclopedista como suas principais
características, que privilegia a abordagem descritiva de estilos de época, obras e
autores mais significativos, a supervalorização do contexto histórico e da biografia dos
autores. O texto literário não é trabalhado em si ou per si mas como uma ferramenta
de exploração de questões de memorização, constituindo um elemento secundário,
fonte para estudo de conceitos estruturalistas: estudo do narrador, versificação,
figuras de linguagem. Dessa forma, o aluno não lê literatura; não vivencia literatura.
Ele apenas aprende sobre literatura sem construção de um saber relevante para
sujeitos sociais, ao invés disso, os alunos são estimulados a dominar estratégias de
leitura e interpretação, sem desenvolver habilidades de reconhecimento de recursos
estilísticos, forma e conteúdo, de relacionar elementos internos e externos do texto. O
texto literário é plural, marcado pela interação entre temas diversos (ideológicos,
lingüísticos, estilísticos etc.) e cabe ao livro didático e ao professor que levem o
alunado a compreender a relação entre literatura e outras áreas que se comunicam
constituição do texto.
135
O tratamento dado à literatura, tende à simplificação, ao básico. Esses
geralmente conciliam num único volume de cada série as três modalidades do
programa para o ensino da Língua Portuguesa – gramática, produção textual e
literatura - incluindo, além da parte teórica, roteiros ou questionários de leitura e
análise de textos, listas de exercícios gramaticais, propostas de produção textual.
Muitos dos educandos brasileiros não trazem da família o apreço pela leitura.
Portanto, escola e sala de aula constituem importante elo entre o aluno e a literatura.
Não existem livros didáticos específicos para literatura, apenas livros didáticos de
Língua Portuguesa que apresentam o conteúdo de literatura bem como de gramática
e produção de texto.
É necessário que a Literatura seja reconhecida e conquiste um espaço
delimitado; autonomia. O ensino de literatura no Ensino Médio, a partir dos livros
didáticos, não propicia a formação de leitores competentes de textos literários
tampouco a consolidação de hábitos de leitura. Apesar de não ser este o foco desta
pesquisa, falar do ensino da literatura africana lusófona implica em abordar também o
ensino da literatura em geral. Embora, ainda não se discuta o método de ensino da
literatura africana, mas sim que ela tenha um espaço seu dentro do livro didático.
O que deve ser observado é que a implantação da Lei 10.639/03 significa um
grande avanço, mas apenas a introdução do conteúdo de literatura africana lusófona
no livro didático não é suficiente, sendo necessário e urgente o investimento na
formação inicial adequada e na formação continuada de professores de Língua
Portuguesa para que estes estejam preparados para levar à sala de aula a discussão
sobre as relações étnico-raciais e valorização da produção artística e cultural dos
afrodescendentes. Tanto a adequação dos cursos de Licenciatura em Letras – Língua
Portuguesa à nova realidade do conteúdo de literatura quanto a educação continuada
dos docentes são imprescindíveis para a viabilização da Lei Federal nº 10.639/2003.
A literatura africana lusófona ainda é pouco apresentada nos livros didáticos
aqui analisados; abordada superficialmente desperdiçando oportunidade de
conhecimento da diversidade da cultura, dos costumes, dos valores, das religiões e
de vários outros aspectos que a literatura africana traduz da sua terra e da sua gente.
A análise dos livros didáticos elencados para este estudo mostrou que os
mesmos requerem melhorias para conseguir atender tanto as necessidades dos
educandos quanto as temáticas regulamentadas pela Lei 10639/2003.
136
O sistema educacional precisa possibilitar condições para as literaturas brasileira,
portuguesa e africana lusófona não mais se limitem à leitura de fragmentos de obras
literárias tradicionalmente conhecidas, apresentadas cronologicamente e organizadas
por movimentos ou escolas literárias. A literatura pode e deve contribuir no processo
de compreensão do mundo e de si mesmo pelo qual o aluno merece passar. Os
exemplares seguem propostas pedagógicas dos PCNs, considerando a Literatura
apenas um segmento da Língua Portuguesa, a grande mestre da área da
comunicação. A escola e os vários segmentos da comunicação vêem literatura e o
estudo de línguas como um ponto uno, constituindo as linguagens e o Português. É
comum os livros didáticos seguirem o conteúdo do Exame Nacional do Ensino Médio
e dos vestibulares em geral, apresentando uma preocupação maior em formar
estudantes para os concursos do que leitores. Mas isso pode ser modificado se o todo
educacional mudar seu conceito. Tendo em vista que, para os órgãos superiores de
educação, a Língua Portuguesa e a Literatura fazem parte de um todo que objetiva
formar o cidadão considerando o ensino da língua, o que significa seu uso culto,
principalmente na escrita, a função da literatura acaba por ficar obscura frente às
preocupações linguísticas, sendo isso observado na preocupação com a textual nos
livros didáticos.
Por fim, à literatura africana lusófona deve ser concedido um tratamento mais
igualitário quando comparada à brasileira e à portuguesa; os autores dos livros
didáticos devem enriquecer a bibliografia de suas obras com o tema, comprometendo-
se com a proposta de Lei federal 10.639/2003, abandonando a postura de apenas
abrir um espaço dentro de um formato já existente de ensino de literatura e de
conteúdo no livro didático. A referida lei inaugura um novo momento no ensino literário
no Brasil, e autores de livros didáticos de Língua Portuguesa e professores precisam
acolher a temática proposta para que os alunos sejam construídos cidadãos, sujeitos
autônomos e críticos, com uma mais justa compreensão da presença negra na nação
brasileira.
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152
ANEXO 1 - Matriz curricular 2015, curso de licenciatura em Letras: Língua Portuguesa – PUC SP
153
154
ANEXO 2 - Matriz Curricular 2016, Licenciatura em Letras - Universidade de São Paulo (USP)
155
156
157
ANEXO 3 – Matriz Curricular 2016, Licenciatura em Letras - Universidade Paulista (UNIP)
158
159
ANEXO 4 - Matriz Curricular 2016, Licenciatura em Letras – Universidade
Presbiteriana Mackenzie
160
161
162
ANEXO 5– Matriz Curricular - UNICAMP – LETRAS – Diurno - 2016
DISCIPLINAS OBRIGATÓRIAS
163
164
165
166
DISCIPLINAS ELETIVAS
167
ANEXO 6 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “Novas Palavras – Nova
Edição”
Autores portugueses:
Fernando Pessoa
Ricardo Reis
Alberto Caeiro
Autores brasileiros:
Augusto dos Anjos
Carlos Drummond de Andrade
Cecília Meirelles
Clarice Lispector
Euclides da Cunha
Graciliano Ramos
João Cabral de Melo Neto
Jorge de lima
José Guimarães Rosa
José Lins do Rego
168
Lima Barreto
Manuel Bandeira
Mário de Andrade
Monteiro Lobato
Murilo Mendes
Oswald de Andrade
Vinícius de Moraes
Autores brasileiros contemporâneos:
Ariano Suassuna
Donizete Galvão
Ferreira Gullar
Marcilene Freire
Nelson Asher
Nelson de Oliveira
Autores portugueses contemporâneos:
Almada Negreiros
Anna Carolina Mello
Andresen
Eugénio de Andrade
Fernando Amora
José Castello
José Saramago
Paulo Polzonoff Jr
Sophia de Mello Breyner
Autor africano lusófono:
Mia Couto
Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:
O conteúdo literatura africana é apresentado ao aluno a partir da página 229 e
até a página 231. O único autor africano constante do livro é o moçambicano luso-
descente Mia Couto por meio de fragmento da obra “Terra Sonâmbula” (1992).
169
A análise do conteúdo literário desta obra no Guia de Livros Didáticos PNLD
2012 não menciona a discrepância entre o número de autores portugueses, brasileiros
e africanos, nem o pouco espaço na obra destinado ao tema:
O eixo da literatura está estruturado cronologicamente, a partir das diferentes escolas literárias. Em cada unidade, há seções dedicadas a aspectos históricos e estéticos de cada época, com base em textos que relacionam uma produção brasileira a uma outra das demais literaturas em Língua Portuguesa. Promove-se, assim, um diálogo entre textos de autores brasileiros do século XX com representantes de outros períodos e escolas das literaturas portuguesa, brasileira e africana. Em síntese, a obra persegue – e, em boa medida, atinge – o equilíbrio entre o ensino tradicional da cronologia das escolas literárias e o estudo da literatura como forma de expressão cultural de um povo (p.41).
170
ANEXO 7 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “Linguagem e Interação”
Autores portugueses:
Fernando Pessoa
Autores brasileiros:
Alcântara Machado
Carlos Drummond de Andrade
Clarice Lispector
Érico Veríssimo
Graciliano Ramos
Guimarães Rosa
João Cabral de Melo Neto
Jorge Amado
José Lins do Rego
Manuel Bandeira
Mário de Andrade
Murilo Mendes
Oswald de Andrade
Rachel de Queiroz
Vinícius de Moraes
Autores africanos lusófonos:
Agostinho Neto
Alda Espírito Santo
Carlos Semedo
171
José Eduardo Agualusa
José Craveirinha
Luandino Vieira
Pepetela
Valter Hugo Mãe
Mia Couto
Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:
Em capítulo intitulado “O discurso político”, a obra apresenta 16 textos, o
primeiro sobre a reforma agrária e os demais inserem-se no tema literatura africana
em língua portuguesa.
O segundo e o terceiro texto abordam temas políticos e trazem ao aluno leitor
uma literatura africana engajada nos textos de Vasco Cabral, “Africa! Ergue-te e
Caminha” e José Craveirinha, “Grito Negro”.
A literatura angolana se vê representada nos textos de quatro a nove:
“Voz de Sangue” – Agostinho Neto
“Noite” – Agostinho Neto
“Aspiração” - Agostinho Neto
“A fronteira do asfalto” Luandino Veiria
“A missão” – Pepetela
“O vendedor de pássaros” – José Eduardo Agualusa”
Mia Couto e José Craveirinha foram os autores escolhidos para apresentar ao
aluno leitor a literatura de Moçambique, respectivamente com “A princesa russa” do
primeiro e “Não sei se existe Deus”, “Sou analfabeto” e “Um homem nunca chora” do
último.
Os textos quatorze e quinze são originários de Guiné-Bissau:
“Liberdade’ - Vasco Cabral
“Visto Fato’ - Carlos Semedo.
Por fim, o último texto é da escritora Alda Espírito Santo de São Tomé e
Príncipe, “Em torno da minha baía”.
A análise do Guia dos Livros Didáticos PNLD 2012 para a “Coleção
Linguagem e Interação” segue abaixo:
A coleção propõe o ensino da literatura a partir de um conjunto de textos de determinado gênero, ao que se segue, em cada unidade de cada volume, a seção “Literatura: teoria e história”, onde são oferecidas informações e
172
exemplares de textos vinculados ao contexto histórico e às características do período literário em foco. Esses modos de abordagem conferem consistência e suficiência metodológica à coleção. Nesse aspecto, pode-se destacar, por exemplo, a observação dos traços estéticos e composicionais dos textos (como as características de uma personagem principal e sua relação com a construção do enredo da narrativa; a voz do eu poético e sua relação com o tema do poema; a estrutura composicional e sua função no poema) ou, ainda, a combinação desses traços com aqueles típicos de um estilo de época (como as relações temáticas entre períodos literários). Assim, a obra contribui para a formação do leitor literário, tendo em vista a representatividade dos textos selecionados em relação às diferentes correntes estético-literárias. Para a formação do aluno-leitor de literatura, contribui também o fato de a coleção propor a abordagem dialogada da literatura brasileira com outras literaturas de Língua Portuguesa. Destaca-se o diálogo com a literatura de vários países africanos: Angola (Agostinho Neto, Luandino Vieira, Pepetela, José Eduardo Agualusa), Moçambique (José Craveirinha, Mia Couto), Guiné-Bissau (Vasco Cabral, Carlos Semedo), São Tomé e Príncipe (Alda Espírito Santo). Também contribuem para formação do leitor a consistência da base conceitual adotada no tratamento do fenômeno literário e a natureza das propostas de leitura apresentadas.(p.31)
173
ANEXO 8 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “Linguagem em
Movimento”
Autores portugueses:
Fernando Pessoa
Mário de Sá-Carneiro
Autores brasileiros:
Carlos Drummond de Andrade
Clarice Lispector
Érico Veríssimo
Ferreira Gullar
Graciliano Ramos
Guimarães Rosa
João Cabral de Melo Neto
Jorge Amado
José Maria Ferreira de Castro
José Lins do Rego
Manuel Bandeira
Mário de Andrade
Oswald de Andrade
Rachel de Queiroz
Vinícius de Moraes
Autores brasileiros contemporâneos:
Antonio Lobo Antunes
Avelino de Araújo
174
Bernardo Carvalho
Bruno Zeni
Carlos Vogt
Cintia Moscovich
Fabricio Corsaletti
José Saramago
José Roberto Torero
Lygia Fagundes Telles
Raduan Nassar
Rosa Amanda Strausz
Rubem Fonseca
Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:
Apesar de indicada pelo Guia de livros didáticos PNLD 2012, nesta coleção não
foi identificada menção a autores africanos lusófonos. A temática africana não teve
nenhum espaço na obra e não há unidade nem seção dedicada à tradição cultural
africana ou sua influência na cultura brasileira, conforme a própria análise do Guia
atesta:
Além de determinar a sequência das unidades, o estudo da literatura é o que ocupa maior espaço. As literaturas brasileira e portuguesa recebem tratamentos consistentes, mas não se articulam entre si nem com outras tradições literárias. A perspectiva predominante não é a da formação do leitor, mas a do estudo dos contextos históricos, associada ao exame das características de cada período, tendência estética ou estilo autoral. O volume 1 vai da Idade Média (Trovadorismo) ao Século XVIII (Arcadismo); o volume 2 é inteiramente dedicado ao século XIX; e o volume 3, ao século XX, chegando a autores que estrearam praticamente no século XXI, como o poeta Fabrício Corsaletti. O tema selecionado para cada período, assim como os gêneros textuais — peças de teatro, poemas, sermões, romances, contos etc. — orientam a abordagem dos textos. As propostas, entretanto, são dirigidas para a identificação de características comprovadoras das teorizações, deixando pouco espaço para a interpretação de texto e para a fruição. Por esse motivo, embora as edições de referência sejam sempre fidedignas, os recortes frequentemente restringem-se ao estritamente necessário à exposição didática, dificultando a apreensão global e a (re)construção dos sentidos dos textos. O material textual explorado restringe-se às obras e autores consagrados, sem referências a manifestações divergentes, autores menos conhecidos ou mesmo de outras literaturas de Língua Portuguesa. Assim, o conjunto, bastante representativo dos períodos estudados, favorece pouco a discussão dos critérios que orientam a construção dos cânones correspondentes. Algumas informações biobibliográficas trazem imprecisões.(p.36)
175
ANEXO 9 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “Português Linguagens
– Literatura –Produção de Texto – Gramática”
Autores portugueses:
José Saramago
Fernando Pessoa e heterônimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos)
Mário de Sá-Carneiro
Luis Vaz de Camões
Alves Redol
David Mourão-Ferreira
Autores brasileiros:
Euclides da Cunha
Lima Barreto
Monteiro Lobato
Augusto dos Anjos
Mário de Andrade
Oswaldo de Andrade
Manuel Bandeira
Alcântara Machado
Rachel de Queiroz
José Lins do Rego
Jorge Amado
Graciliano Ramos
Amando Fontes
Érico Veríssimo
176
Dionélio Machado
José Régio
Carlos Drummond de Andrade
Murilo Mendes
Jorge de Lima
Cecília Meireles
Vinícios de Moraes
Nelson Rodrigues
Guimarães Rosa
João Cabral de Melo Neto
Clarice Lispector
Ferreira Gullar
Paulo Miranda
Paulo Leminski
Donizete Galvão
Dalton Trevisan
Fernando Bonassi
Autores norte-americanos:
John Steinbeck
Autores chilenos:
Pablo Neruda
Autores britânicos:
Virginia Wolf
Autores africanos lusófonos:
Ovídio Martins
Manuel Ferreira
Maurício Gomes
Mi Couto
José Luandino Vieira
José Craveirinha
Manuel Lopes
Onésimo Silveira
Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:
A literatura africana surge já na “Unidade 1”, no “Capítulo 11”, dedicado à
Manuel Bandeira e Alcântara Machado. O primeiro, resgatou o lirismo poético
177
abandonado pelos modernistas; o segundo, contribuiu com inovações técnicas e
linguagem jornalísticas e variação linguística dos paulistanos de origem italiana. Neste
capítulo, Cereja e Magalhães procuram estabelecer um diálogo entre a poesia de
Manoel Bandeira e a produção literária africana por meio dos poemas “Pasárgada” de
Manuel Bandeira (1954) e “Antievasão” do cabo-verdiano Ovídio Martins (2007).
No “Capítulo 4” da “Unidade 2”, novamente os autores buscam estabelecer um
diálogo entre as literaturas brasileira e africana lusófona, desta vez por meio do
romance brasileiro de 30 (“Os Corumbas”, Amado Fontes, 1933), o português que se
tornou um dos principais escritores de Cabo Verde, Manuel Ferreira (“Hora di Bai”,
1962), introduzindo um terceiro elemento, este pertencendo à produção literária norte-
americana, “As vinhas da ira” de John Steinbeck (1939).
Na “Unidade 4”, o “Capítulo 10”, apresenta onze páginas (da 499 a 510)
dedicadas à literatura africana lusófona, onde são trabalhas as produções literárias de
Angola, Moçambique e Cabo Verde.
Análise do Guia de Livros Didáticos PNLD 2012 sobre a obra:
O eixo de literatura ocupa um lugar de destaque na coleção, num trabalho bem articulado com a leitura de textos não literários. Essa articulação se dá, muitas vezes, pela via da intertextualidade. Os capítulos sob o título “Diálogos” promovem significativos cruzamentos entre linguagens, épocas, movimentos literários e entre a literatura brasileira e outras literaturas. A coleção também propõe atividades de apreciação estética, ética, política e ideológica, além de favorecer a apreciação da diversidade sociocultural brasileira, pelo estímulo à compreensão da atual realidade política, social e cultural do país. A preocupação em mostrar ao aluno a atualidade de temas, questões e propostas estéticas fica evidente na abordagem que busca afastar a ideia de literatura como coisa do passado. As questões de interpretação são estabelecidas de forma clara e relevante; perguntas mais objetivas e questões discursivas alternam-se na exploração dos textos. Pode limitar o trabalho a ser realizado o fato de alguns conteúdos, como a definição dos gêneros da esfera literária, por exemplo, serem abordados de forma simplificada.(P.57)
178
ANEXO 10 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “Vozes do Mundo”
Autores portugueses:
Fernando Pessoa
José Saramago
Mário de Sá-Carneiro
Autores brasileiros:
Alcântara Machado
Augusto dos Anjos
Carlos Drummond de Andrade
Cecília Meirelles
Clarice Lispector
Érico Veríssimo
Euclides da Cunha
Ferreira Gullar
Graciliano Ramos
Guimarães Rosa
João Cabral de Melo Neto
Jorge Amado
Jorge de lima
José Lins do Rego
Lima Barreto
Lúcio Cardoso
Manuel Bandeira
Mário de Andrade
Monteiro Lobato
Murilo Mendes
179
Nelson Rodrigues
Oswald de Andrade
Rachel de Queiroz
Vinícius de Moraes
Autores africanos lusófonos:
José Eduardo Angalusa
José João Craveirinha
José Luandino Vieira
Mia Couto
Pepetela
Rui Manoel Correia Knopfli
Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:
A Unidade 6 da obra apresenta aspectos da formação da identidade nacional
e da afirmação cultural da ex-colônias africanas lusófonas, descrevendo as origens e
os períodos das literaturas africanas, dividindo-a em prosa e poesia e estabelecendo
um correlação entre as produções literárias brasileiras e africanas.
O Guia de Livros Didáticos PNLD 2015 assim analisa a obra:
No trato da literatura, a coleção fornece uma base conceitual consistente para o estudo do fenômeno literário, favorecendo a compreensão da literatura como um processo histórico-cultural e recorrendo a teorias críticas contemporâneas. Os textos selecionados são representativos das diferentes correntes estético- literárias das diversas épocas, na Europa, em Portugal, África e no Brasil. Em geral, as atividades privilegiam a compreensão da trama textual, as relações do texto com seu contexto de produção e a exemplificação das características da estética em estudo, deixando em segundo plano as especificidades do literário. (P.70)
180
ANEXO 11 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDATICO “Língua Portuguesa –
Linguagem e Interação”
Autor português:
Fernando Pessoa
Autores brasileiros:
Alcântara Machado
Carlos Drummond de Andrade
Clarice Lispector
Érico Veríssimo
Ferreira Gullar
Graciliano Ramos
João Cabral de Melo Neto
Manuel Bandeira
Mário de Andrade
Murilo Mendes
Nelson Rodrigues
Oswald de Andrade
Vinícius de Moraes
Autores africanos lusófonos:
181
Agostinho Neto
Alda Espírito Santo
Carlos Semedo
José Eduardo Agualusa
José Craveirinha
Luandino Vieira
Pepetela
Valter Hugo Mãe
Mia Couto
Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:
Presente tanto no Guia do Livro Didático PNLD 2012 quando 2015, a edição
atualizada pouco mudou. Na versão PNLD 2012, dos dezesseis textos apresentados,
um abordava o assunto reforma agrária e os demais quatorze textos eram dedicados
à literatura africana lusófona. Na edição PNLD 2015, dois textos abordam o tema
“cotas universitárias” e quatorze textos continuam abordando literatura africana.
A abertura do Capítulo 12, “Discurso Político”, aborda a temática do negro,
encabeçado pelo texto de José Roberto Ferreira Miltrão, “Cota valida teses racistas”,
seguido pelo texto de Hédio Silva Júnior, “Cotas enriquecem as universidades”.
A literatura angolana é representada na obra por José Eduardo Angalusa (“O
vendedor de pássaros”), Agostinho Neto (“Voz de sangue”), Luandino Vieira (“A
fronteira do asfalto”, Pepetela (“A missão”), Valter Hugo Mãe (“A máquina de fazer
espanhóis”).
Observa-se a presença de dois textos de literatura engajada, são eles: África!
Ergue-te e caminha, de Vasco Cabral e Grito Negro de José Craveirinha.
Moçambique tem voz por meio de Mia Couto (“A princesa Russa”) e José
Craveirinha (“Sou analfabeto”, “Um homem nunca chora”, “Não sei se existe Deus”).
“Ansiedade” de Carlos Semedo apresenta a literatura de Guiné-Bissau” e “Lá no
Água Grande” e “Em torno da minha baía” de Alda Espírito Santo, apresentam a
literatura de São Tomé e Príncipe.
Na página 43 do Guia Nacional dos Livros Didáticos PNLD 2015, a análise da obra
O ensino da literatura é tratado, sistematicamente, na seção “Literatura: teoria e história”. Embora o nome da seção possa sugerir um trabalho transmissivo mais forte e uma sistematização mais consistente, o que se observa é uma exposição teórica superficial. A abordagem dos pontos conceituais e temáticos é realizada, sobretudo, a partir da leitura de textos literários. As
182
formulações teóricas aparecem de forma concisa, em caixas de textos ou quadros. A proposta apoia-se na interpretação textual e na correlação complementar das informações veiculadas. É, portanto, a partir da leitura e do jogo inferencial e entrecruzado das informações em circulação que o estudante poderá esboçar uma noção do conceito em pauta. Com essa opção metodológica, o aluno é convocado a participar da construção do saber.
Os textos selecionados são relevantes para a formação do aluno como leitor de literatura. Os autores escolhidos são representativos de diferentes correntes estético-literárias, de diferentes momentos históricos e de diferentes regiões. A coleção procura estabelecer um diálogo entre contemporaneidade e tradição por meio da temática e/ou dos gêneros. A articulação do eixo de literatura com os de leitura e produção textual é feita principalmente pelo gênero – explorado em textos contemporâneos e em textos do período literário em estudo. Essa articulação pode estimular o aluno a estudar a literatura e favorecer a compreensão de textos literários que, pela linguagem e modo de abordagem da temática, podem parecer distantes do leitor adolescente. Os estilos de época estudados são bem caracterizados historicamente, com atenção para o contexto cultural e político em que as obras foram produzidas. Nessas situações, a transmissão é a estratégia didática utilizada. Informações históricas sobre a obra e dados biográficos do autor propiciam o pano de fundo para a leitura dos textos selecionados como representativos do estilo em foco.
Dado o investimento nas informações de caráter histórico, em alguns casos, a literatura é tomada como uma espécie de manifestação do espírito de época. A coleção não promove a leitura comparada entre os estilos de época abordados, o que configura um modelo de história literária fragmentada e estanque, que não proporciona ao aluno o entendimento da formação dialógica da tradição literária, que se faz com os movimentos de leitura e releitura de escritores de determinado período sobre obras do seu tempo e do passado.
Outro aspecto a ser considerado é a primazia da informação histórica em relação à de cunho estético. A percepção estética é estimulada indiretamente em situações em que se analisam elementos composicionais do texto. Entretanto, não são trabalhados os elementos ou os conceitos da experiência estética, nem se investe na fruição dos textos, nem dos verbais, nem dos imagéticos. A noção de belo ou de beleza não é discutida criticamente ou problematizada, nem tampouco levada em consideração nas atividades de interpretação textual. Embora não se verifique investimento da coleção no desenvolvimento da sensibilidade literária do aluno e, por conseguinte, no aprendizado da fruição estética, o modo como o ensino de Literatura é construído pode contribuir para a formação do leitor, oferecendo-lhe um bom painel da história literária nacional.
183
ANEXO 12 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “ LINGUA
PORTUGUESA”
Autor português:
• Carlos de Oliveira • Fernando Pessoa • Florbela Espanca • José Saramago • Mário de Sá Carneiro • Manuel Ferreira • Lobo Antunes
184
Autores brasileiros:
• Adélia Prado • Alcântara Machado • Amanda Polatto • Augusto Boal • Augusto dos Anjos • Carlos Drummond de Andrade • Clarice Lispector • Cecília Meireles • Chico Buarque de Hollanda • Dalton Trevisan • Érico Veríssimo • Euclides da Cunha • Ferreira Gullar • Graciliano Ramos • Guimarães Rosa • Ivan Angelo • João Cabral de Melo Neto • Jorge Amado • Jorge de Lima • José Lins do Rego • Lima Barreto • Lygia Fagundes Telles • Manoel de Barros • Manuel Bandeira • Mário de Andrade • Mário Quintana • Millor Fernandes • Monteiro Lobato • Murilo Mendes • Nelson Rodrigues • Oswald de Andrade • Raquel de Queiroz • Vinícius de Moraes
Autores africanos lusófonos:
• Antonio Jacinto • José Craveirinha • Luandino Vieira • Noemia de Sousa • Paulina Chiziane • Pepetela • Mia Couto
185
Autores afro-brasileiros
Oliveira Silveira (Outra negra Fulô)
Solano Trindade
Miriam Alves
Oswaldo de Camargo
Márcio Barbosa
Carlos Rennó
Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:
De todos os livros didáticos analisados, este foi o que mais surpreendeu por ter
se mostrado mais acolhedor e receptivo não só ao conteúdo de literatura africana
lusófona mas também à literatura afro-basileira, trabalhando obras e autores ao
longo do volume 3, apesar de destinar uma unidade para o tema. As autoras
procuraram estabelecer um diálogo entre as literaturas desde o início do volume
3, cotejando textos a partir do mesmo tema, numa proposta mais contemporânea
do ensino da literatura porém sem romper com a tradição cronológica
historiográfica.
As páginas 37 e 37 do “Guia de Livros Didáticos PNLD 2015” traz a seguinte
análise a respeito da obra de Hernandes e Martin (2013):
No que diz respeito à literatura, os temas apresentados seguem a cronologia dos estudos da literatura portuguesa, articulados com os estudos da literatura brasileira, afro-brasileira e africanas de língua portuguesa. Nesse âmbito, cada volume recobre conteúdos próprios de cada ano de ensino. Assim, o volume 1 caracteriza-se pela sua função de iniciar o aluno no universo artístico e literário, apresentando assuntos relativos ao estilo composicional dos gêneros literários de um modo geral, bem como de outros tipos de obras de arte, focalizando especificamente o Trovadorismo e o Renascimento. O volume 2 dá continuidade à abordagem de correntes artístico-literárias, seguindo a cronologia, com o tratamento do Romantismo, do Realismo-Naturalismo, além do Parnasianismo e Simbolismo.
Finalmente, no volume 3, focaliza-se, em diálogo, a literatura portuguesa, brasileira e africana de língua portuguesa no século XX, chegando até a incursões na contemporaneidade. Esse extenso quadro permite uma visão histórica e estética das referidas produções literárias, embora exija grande esforço pedagógico para sua viabilização.
Sempre a partir da perspectiva dos gêneros textuais, para a produção textual a coleção propõe formalmente uma atividade por unidade, ou
186
seja, a cada 3 ou 4 capítulos, sendo que essa atividade encontra-se articulada à prática da leitura e se respalda em procedimentos teóricos e metodológicos que são oferecidos pelos estudos linguísticos, principalmente, pela linguística textual. Observa-se ainda que, além de orientações específicas para a produção, o recurso da reescrita de textos é utilizado como ferramenta necessária ao entendimento do funcionamento das estruturas do texto, principalmente, aquelas relacionadas à coesão e à coerência textuais. Esse trabalho com a produção texto é satisfatoriamente conduzido, no que diz respeito à estruturação e composição do gênero textual.
Destaque-se a inclusão, justificada, como gênero textual, da dissertação escolar, no volume 3, com vistas a atender a demandas de exames oficiais.
Assim como o eixo da produção textual, o da oralidade tem espaço formal na coleção, no último capítulo de cada unidade e figura como extensão do trabalho com a produção escrita, ora para demonstrar aspectos mais típicos da oralidade que podem fazer parte da composição do texto escrito, ora para instruir quanto aos modos de expressão oral dos gêneros solicitados para a produção orientada, como o de apresentação oral de trabalhos acadêmicos e o seminário. Apesar de ser o eixo menos explorado na coleção, as propostas apresentadas, além de bem orientadas, possibilitam ao aluno uma percepção adequada da oralidade e de seus usos.
Os conteúdos selecionados para o eixo de conhecimentos linguísticos são desenvolvidos expositivamente e retomados através de atividades de aplicação, cujo ponto de partida é, quase sempre, a leitura de textos ou trechos utilizados para esse fim. Apesar de apresentar também uma tendência conteudista prevalente, promovem reflexões importantes sobre a norma e o uso. Além disso, não se assume o compromisso de tratar de todos os tópicos da gramática normativa, acrescentando reflexões sobre outros tópicos relevantes para a compreensão dos fatos linguísticos, como “Língua, cidadania e exclusão” (v.1, p. 50), “Variação linguística” (v. 1, p. 160), “Preconceito linguístico” (v. 1, p. 172), “Origem e desenvolvimento da língua portuguesa” (v.1, p. 298), dentre outros.
Em suma, as atividades propostas no âmbito dos conhecimentos linguísticos apresentam uma abordagem consistente dos fatos gramaticais na perspectiva de seu funcionamento ou de seu uso, promovendo, com frequência, uma reflexão sobre a natureza e o funcionamento da linguagem.