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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Patricia Caldeira de Almeida A Presença da Literatura Africana Lusófona no Livro Didático de Língua Portuguesa do 3º Ano do Ensino Médio (PNLD 2012 2015): Uma Reflexão Histórica, Social e Literária. Mestrado Educação: História, Política, Sociedade São Paulo 2017

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC - SP

Patricia Caldeira de Almeida

A Presença da Literatura Africana Lusófona no Livro Didático de Língua

Portuguesa do 3º Ano do Ensino Médio (PNLD 2012 – 2015):

Uma Reflexão Histórica, Social e Literária.

Mestrado

Educação: História, Política, Sociedade

São Paulo

2017

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Patricia Caldeira de Almeida

A Presença da Literatura Africana Lusófona no Livro Didático de Língua

Portuguesa do 3º Ano do Ensino Médio (PNLD 2012 – 2015):

Uma Reflexão Histórica, Social e Literária.

Mestrado

Educação: História, Política, Sociedade

Dissertação de Mestrado apresentada

à Banca Examinadora do Programa de

Estudos Pós-Graduados em

Educação: História, Política,

Sociedade, da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de

mestre em Educação, sob a orientação

da Professora Doutora Circe Maria

Fernandes Bittencourt.

São Paulo

2017

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BANCA EXAMINADORA

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu avô, Antônio Cândido de Almeida, de quem herdei

o prazer pela escrita.

Dedico também ao meu pai, Joaquim de Almeida, de quem herdei o amor e o

respeito à leitura e à literatura. E quem sempre exigiu de mim tudo e além.

Às tias, Maria Doninha e Dulce de Almeida, nordestinas e sertanejas, que

desde cedo me ensinaram que os limites femininos, se existiam, não eram o gênero,

o casamento, nem nossas origens. Ambas professoras e doutoras. Maria Doninha,

pró-reitora aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ambas

minha referência e meu orgulho.

Ao meu marido, Heitor Campopiano, que sempre acreditou em mim.

Aos meus filhos, Nathalia, Stefano Tazio e Gabriela Veronica, minha mais

importante produção. Eu estudo para que vocês se orgulhem de mim. Eu estudo para

estar à altura de vocês.

Ao meu neto, Benjamin de Almeida, porque a vida segue e se renova e carrega

adiante o melhor de nós.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha orientadora Professora Doutora Circe Maria Fernandes

Bittencourt por todo o apoio, conhecimento e generosidade.

Agradeço aos professores do Programa por tudo que me foi ensinado nas

disciplinas cursadas.

Agradeço ao CNPq pela bolsa que me foi concedida.

Agradeço a todos os professores que já passaram pela minha vida, pois eles

foram companheiros no caminho que me trouxe até aqui, principalmente as do Colégio

São José de Santos (SP), minha segunda família... Tia Carminha e Tia Mercedes, as

duas professoras que me alfabetizaram; Mestra Hilda Lütke Veneno, professora de

História, que com sua experiência de vida e sua atuação como professora me

influenciou e me marcou; Irmã Rita de Cássia Moreno, uma educadora ímpar e

orientadora única, que com sua mão firme fez parte da minha vida dos seis aos dezoito

anos de idade, participou da formação do meu caráter, da minha construção como ser

humano e tem a minha eterna gratidão. Só quando deixei os muros do colégio e saí

para a vida adulta, foi que percebí o quanto o São José havia contribuído na

construção dos meus valores, na minha criação e na minha formação como pessoa e

cidadã. Sinto-me honrada pela oportunidade de ter passado aqueles anos sob a

educação das Irmãs.

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RESUMO

A presente pesquisa investiga o conteúdo da disciplina Literatura Africana lusófona

presente nos livros didáticos de Língua Portuguesa do 3º ano do Ensino Médio,

refletindo sobre a contribuição do conteúdo para o reconhecimento e a reparação das

desigualdades sociais e raciais existentes na sociedade brasileira, para a formação

digna do cidadão; para a promoção de uma sociedade mais justa e mais igualitária;

para a diminuição do preconceito e da discriminação. Serão utilizados como corpus

livros didáticos de dois momentos específicos: quando o conteúdo foi tornado

obrigatório por meio do “Guia PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) de 2012”

e em 2015, quando do início da elaboração deste estudo, doze anos após a Lei nº

10.639 ser sancionada. Este estudo se justifica pela configuração racial do povo

brasileiro, com 50,76% autodenominados pretos e pardos segundo o Censo

Demográfico IBGE de 2010 em uma sociedade ainda racista e discriminatória em

várias de suas práticas sociais, presentes também na escola, em várias de suas

práticas sociais e refletidas nos livros didáticos. Este estudo parte do conceito de

Literatura como ferramenta para incentivar a reflexão sobre a identidade cultural

brasileira, a ampliação dos horizontes do aluno, a discussão sobre a diversidade,

colaborativa portanto com a Lei nº 10.639/2003.

Palavras-chave: Diversidade étnico-racial; materiais didáticos; literatura africana;

literatura afro-brasileira.

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ABSTRACT

The present research investigates the content of the discipline Lusophone

African Literature present in the Portuguese Language textbooks of the 3rd year of

High School, reflecting on the contribution of content to the recognition and reparation

of social and racial inequalities in Brazilian society, for the dignified formation of the

citizen; for the promotion of a fairer and more egalitarian society; to reduce prejudice

and discrimination. It will be used as corpus textbooks from two specific moments:

when the content was made mandatory through the "PNLD Guide (National Guidance

for the Didactic Book) of 2012" and in 2015, at the beginning of the preparation of this

study, twelve years after the Law No. 10,639 to be sanctioned. This study is justified

by the racial configuration of the Brazilian people, with 50.76% calling themselves

blacks and browns according to the IBGE Demographic Census of 2010 in a society

that is still racist and discriminatory in several of its social practices, also present at

school, in several of its social practices and reflected in textbooks. This study starts

with the concept of Literature as a tool to encourage reflection on Brazilian cultural

identity, broadening student horizons, discussing diversity, and therefore cooperating

with Law 10.639 / 2003.

Keywords: Ethnic-racial diversity; teaching materials; African literature; Afro-

Brazilian literature.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13

CAPÍTULO 1

1 A Literatura como componente curricular e o livro didático de Língua Portuguesa do

3º ano do Ensino Médio .............................................................................................36

1.1 Breve histórico da disciplina literatura como componente curricular......................37

1.2 A escritura literária negra na literatura brasileira ou afro-brasileira: uma realidade

muito anterior à lei 10.639/2003.................................................................................51

1.3 A ausência do cânone literário na literatura africana lusófona .............................62

CAPÍTULO 2

2 Relação entre três aspectos da mesma questão: Formação do docente em Língua

Portuguesa e Literatura; Livro didático de língua portuguesa do 3º ano do Ensino

Médio; Conteúdo de literatura africana lusófona.........................................................67

2.1 Interação ou correlação entre livro didático e formação do docente em Letras –

Língua Portuguesa.....................................................................................................69

2.2. Os livros didáticos indicados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)

para o ciclo trienal 2012/2013/2014 e 2015/2016/2017..............................................76

CAPÍTULO 3

3 Análise do corpus selecionados entre os livros didáticos indicados pelo PNLD

(Programa Nacional do Livro Didático) para o ciclo trienal 2012/2013/2014 e

2015/2016/2017..........................................................................................................82

3.1Análise das obras indicadas no PNLD 2012 e selecionadas para esta pesquisa..84

3.2Análise das obras indicados no PNLD 2015 selecionadas para esta pesquisa....115

CONCLUSÃO ..........................................................................................................130

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................137

ANEXOS .........................................................................................................152 - 183

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FFLCH Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (da

Universidade de São Paulo)

FNDE Fundo Nacional de Educação

FUVEST Fundação Universitária para o Vestibular

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

OCN Orientações Curriculares Nacionais

ONU Organização das Nações Unidas

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PCNs-TT Parâmetros Curriculares Nacionais – Temas

Transversais

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

SEB Secretaria da Educação Básica

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UNICAMP Universidade de Campinas

UNIP Universidade Paulista

USP Universidade de São Paulo

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LISTA DE FIGURAS

Fig. 1 - “Pequena história da literatura brasileira” , 3ª edição, 1935 ..........................40

Fig. 2 - “História concisa da literatura brasileira”, 49ª edição, 2013. ..........................41

Fig. 3 - “Antologia nacional” , 1ª edição, 1895............................................................43

Fig. 4 - “Antologia nacional”, 6ª edição, 1913. ..........................................................44

Fig. 5 - “Antologia nacional”, 25ª edição, 1945 ..........................................................45

Fig. 6 - “Antologia nacional”, 43ª edição, 1969 ..........................................................46

Fig. 7 - “Linguagem e interação” – Sumário .............................................................86

Fig. 8 – “Linguagem e interação” – Poemas de José Craveirinha – Literatura africana

lusófona......................................................................................................................88

Fig. 9 – “Linguagem em movimento” – Sumário .......................................................90

Fig. 10 – “Linguagem em movimento” – Quadro de períodos literários......................92

Fig. 11 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Quadro geral das literaturas portuguesa

e brasileira..................................................................................................................95

Fig. 12 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Sumário capítulos 1 e 2 .......................98

Fig. 13 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Sumário capítulos 8 e 9 .........................99

Fig. 14 – “Novas Palavras – Nova edição” – Fragmento da obra “Terra sonâmbula” do

moçambicano Mia Couto, apresentado no capítulo sobre as tendências

contemporâneas da literatura portuguesa................................................................107

Fig.15 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Exercícios sobre o fragmento da obra

“Terra sonâmbula” do moçambicano Mia Couto e síntese das informações sobre

literatura africana lusófona apresentada no capítulo sobre as tendências

contemporâneas da literatura portuguesa................................................................108

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Fig. 16 – “Língua Portuguesa” – Sumário Unidade...................................................119

Fig.17 – “Língua Portuguesa” – Página 41, exemplo de diálogo intertextual e

contextualização histórica, social e cultural de período literário a partir de um tema

comum......................................................................................................................120

Fig.18 – “Língua Portuguesa” Poema de Antonio Jacinto, de Luanda, “Carta de um

contratado”, única menção à literatura africana lusófona encontrada na Unidade 1 do

livro didático “Língua Portuguesa..............................................................................122

Fig.19 – “Língua Portuguesa”, box com informações sobre o poeta africano lusófono

Antonio Jacinto.........................................................................................................123

Fig.20 - “Língua Portuguesa”, box com informações sobre a adaptação para o cinema

do romance de Lima Barreto, “Triste fim de Policarpo Quaresma”............................124

Fig.21 – “Língua Portuguesa”, box com informações sobre a adaptação para o cinema

da obra de Euclides da Cunha, “Os Sertões”, de 1902..............................................124

Fig.22 – “Vozes do mundo” – Página 200 – Quadro das literaturas africanas em língua

portuguesa................................................................................................................128

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LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 – Matriz Curricular Graduação em Letras – Língua Portuguesa –

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC – SP – 2015 . ............152

Anexo 2 - Matriz Curricular Graduação em Letras – Língua Portuguesa –

Universidade de São Paulo USP – 2015 ......................................................154

Anexo 3 - Matriz Curricular Graduação em Letras – Língua Portuguesa –

Universidade Paulista UNIP – 2015 .............................................................157

Anexo 4 - Matriz Curricular Graduação em Letras – Língua Portuguesa –

Universidade Pesbiteriana Mackenzie – 2015 ..............................................159

Anexo 5 - Matriz Curricular Graduação em Letras – Língua Portuguesa –

Universidade de Campinas UNICAMP – 2015 .............................................162

Anexo 6 – Panorama geral do livro didático “Novas Palavras – Nova Edição”

.......................................................................................................................167

Anexo 7 – Panorama geral do livro didático “Linguagem e Interação” ........170

Anexo 8 – Panorama geral do livro didático “Linguagem e, Movimento” ....170

Anexo 9 – Panorama geral do livro didático “Português Linguagens”..........175

Anexo 10 - Panorama geral do livro didático “Vozes do Mundo” .................178

Anexo 11 – Panorama geral do livro didático “Linguagem e Interação” ......180

Anexo 12 – Panorama geral do livro didático “Língua Portuguesa” ............183

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INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo averiguar o conteúdo da literatura africana

lusófona presente nos livros didáticos de Língua Portuguesa do 3º ano do Ensino

Médio, analisando se este conteúdo apresenta potencial para contribuir com o

reconhecimento e com a reparação das desigualdades sociais e raciais existentes na

sociedade brasileira; com a formação digna do aluno futuro cidadão; com a promoção

de uma sociedade mais justa e mais igualitária; de veicular aos alunos conhecimentos

que geram ações, posturas e valores ligados à pluralidade racial que a Lei federal

10.639 de 2003 evoca. Este estudo procurará verificar se a literatura africana lusófona

da forma que é apresentada nos livros de Língua Portuguesa do 3º ano do Ensino

Médio pode ser utilizada como um instrumento de diminuição do preconceito e da

discriminação, rompendo com a hegemonia do patrimônio cultural europeu no ensino

da literatura que segrega a cultura africana ao campo do folclore.

Serão utilizados como corpus livros didáticos de Língua Portuguesa de dois

momentos específicos: 2012, quando o conteúdo foi tornado obrigatório por meio do

“Guia PNLD” (Programa Nacional do Livro Didático); e 2015, quando do início da

elaboração deste estudo, doze anos após a Lei nº 10.639 ser sancionada. Este estudo

se justifica pela configuração étnica e racial do povo brasileiro, com 50,7% da

população composta por afrodescendentes (autodenominados pretos e pardos

segundo o Censo Demográfico IBGE de 2010) em uma sociedade ainda racista e

discriminatória em várias de suas práticas sociais, presentes também na escola.

A perspectiva sob a qual se dará análise dos livros didáticos busca a percepção

do potencial de atingimento dos objetivos pretendidos pela Lei nº 10.639/2003, e

tentará responder a algumas perguntas surgidas da experiência profissional da

investigadora como docente de Língua Portuguesa e respectivas Literaturas, do

trabalho com o material didático de língua materna do Ensino Médio e das leituras

realizadas ao longo de sua vida como docente e discente lato e stricto sensu a

respeito do pouco domínio dos professores da área sobre o tema, do preconceito no

trato do negro no livro didático no Brasil, da inexpressiva presença de textos que

abordam discriminação racial nos livros didáticos, pouca relevância da temática afro-

brasileira e a prevalência da irreal visão eurocêntrica da nossa sociedade. Tais

perguntas constituem a fragmentação da pergunta maior que o estudo da

investigadora se propõe responder: o conteúdo de literatura africana de expressão

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em língua portuguesa está sendo trabalhado de maneira adequada aos objetivos

propostos pela Lei nº 10.639/2013?

Marco fundamental na história da luta antirracismo no Brasil, a Lei federal

nº 10.639 de 2003 constitui um momento importante no processo de democratização

da sociedade brasileira, iniciado quando os negros pós-abolição perceberam que era

por meio da educação formal que conseguiriam a inclusão na sociedade em processo

de modernização. Porém, sendo a educação brasileira fundada em valores

eurocêntricos, o ambiente escolar configurava-se, ele mesmo, um mantenedor das

desigualdades e da discriminação que inferiorizam o negro sem proporcionar a este

segmento da população as condições necessárias para que alcançasse novos

patamares na sociedade (MARINGONI, 2011). Em 14 de setembro de 1833, foi

publicado o primeiro exemplar do primeiro jornal impresso da imprensa negra no

Brasil, “O homem de cor”, seguido de outros títulos todos publicados no Rio de Janeiro

e no mesmo ano: “O Brasileiro Pardo”, “O Cabrito”, “O Crioulinho” e “O Lafuente”.

Fora da Corte, Recife foi a primeira capital a dar voz aos negros com o impresso

“O Homem – Realidade Constitucional ou Dissolução Social” (1876); depois São

Paulo, com “A Pátria’, “O Progresso – Orgam dos Homens de Cor”, (1889), e

“O Exemplo”, em Porto Alegre (1892). A imprensa negra dos anos 1830 às portas de

1900 mostrava-se comprometida com a igualdade de direitos, com a afirmação dos

direitos dos cidadãos, com a demonstração da exclusão e da discriminação sofrida

pelos afrodescendentes do Brasil de então; constituía a voz e o discurso do negro

brasileiro na luta contra o racismo, a discriminação e o preconceito racial no Brasil.

(PINTO, 2011)

Abaixo, trecho do primeiro número do jornal, “O Progresso – Orgam dos

Homens de Cor” (1889), publicado em São Paulo, no qual é possível verificar o tom

jornalístico empregado:

Passou-se o período mais angustioso para os homens pretos. Surgiu a aurora de 13 de maio, data de imorredoura glória de muitos pretos que foram os arautos da abolição como Luiz Gama, José do Patrocínio, Quintino de Lacerda, Rebouças e tantos outros. Proclamou-se a República, o governo da igualdade, da fraternidade e quejandas liberdades. No movimento republicano, contavam-se muitos pretos e mulatos (que vem a dar no mesmo) que prestavam e prestam serviços inolvidáveis ao novo regime. Esperávamos nós, os negros, que, finalmente, ia desaparecer para sempre de nossa pátria o estúpido preconceito e que os brancos, empunhando a bandeira da igualdade e fraternidade, entrassem em franco convívio com os pretos, excluindo apenas os de mau comportamento, o que seria justíssimo. Qual não

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foi, porém a nossa decepção ao vermos que o idiota preconceito em vez de diminuir cresce; que os filhos dos pretos, que antigamente eram recebidos nas escolas públicas, são hoje recusados nos grupos escolares; e que os soldados pretos que nos campos de batalha têm dado provas de heroísmo, são postos oficialmente abaixo do nível de seus camaradas; que para os salões e reuniões de certa importância, muito de propósito não é convidado um só negro, por maiores que sejam seus merecimentos; que os poderes públicos, em vez de curar do adiantamento dos pretos, atiram-nos à margem, como coisa imprestável? (O Progresso – Orgam dos Homens de Côr, n. 1, p. 3)

O trajeto até a promulgação da Lei nº 10.639 foi marcado pela luta e pelo

debate, pela denúncia das desigualdades na nossa sociedade provocando a reflexão

sobre sua diversidade e diferenças culturais. Na Convenção Nacional do Negro

realizada em 1945 e 1946 em Rio de Janeiro e São Paulo, intelectuais e ativistas

negros requisitaram o posicionamento das autoridades em favor de medidas

afirmativas. Os movimentos sociais dos anos 1970, a retomada das organizações

negras após 1978 e a Constituinte de 1988 contribuíram para a pavimentação do

caminho para a realização da “Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela

Cidadania e pela Vida”, no início dos anos 1990. Seus organizadores foram recebidos

no Palácio do Planalto pelo então Presidente da República, Fernando Henrique

Cardoso, e a ele entregaram o “Programa de Superação do Racismo e Desigualdade

Social” (FREITAS, 2014).

A partir do “Programa” o governo Fernando Henrique promoveu a revisão de

livros didáticos visando a eliminação da estereotipação do negro e sua associação a

valores pejorativos. Em 1998, o Ministério da Educação lançou os Parâmetros

Curriculares Nacionais – Temas Transversais (PCNs – TT), um guia para o trabalho

do docente. Porto Alegre, Belo Horizonte, Belém, Aracaju, Teresina, Brasília e São

Paulo foram as primeiras cidades brasileiras a incluir o conteúdo de história dos

negros no Brasil e no continente africano nos ensinos fundamental e médio das

escolas da rede pública (FREITAS, 2014).

A abertura política do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

para temas relacionados à discriminação racial constituiu um dos fatores importantes

para a ampliação das discussões sobre o tema, para a inserção de ativistas negros

nos quadros administrativos públicos, para a criação de políticas públicas voltadas à

população negra, para a participação brasileira em conferências internacionais, para

a criação do “Grupo de Trabalho Interministerial Para a Valorização e Promoção da

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População Negra (GTI)” em 1996. O diálogo entre o governo FHC e as instituições

internacionais, além da posição crítica do Brasil sobre o referencial nacional de

“democracia racial”, modificou a posição oficial do Estado brasileiro sobre o tema,

permitindo o exercício de pressões internacionais e de pressões do movimento negro

brasileiro (GODINHO, 2009).

A pedido da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, a partir da

Resolução 2000/14, o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

organizou uma série de debates com a participação de militantes negros de todo o

país com o objetivo de criar propostas para combate ao racismo no Brasil para

posterior apresentação e discussão na III Conferência Mundial contra o Racismo,

Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada de 31 de agosto

a 7 de setembro de 2001, em Durban, África do Sul e contou com mais de 16 mil

participantes de 173 países, resultando em uma Declaração e um Plano de Ação que

expressam o compromisso dos Estados na luta contra os temas abordados.

A pressão, a mobilização dos Movimentos Negros e os debates continuaram

crescendo até que em 2003, a Lei nº10.639 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação com os seguintes artigos:

Art. 26 – A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e

particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1ª – O Conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o

estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura

negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a

contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à

História do Brasil.

§ 2ª – Os Conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão

ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação

Artística e de Literatura e História Brasileiras.

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia

Nacional da Consciência Negra”.

A Lei nº 10.639/03 propõe, portanto, novas diretrizes para o estudo da História

e da cultura afro-brasileiras e africanas, formadoras da sociedade brasileira, passando

o negro de escravo passivo a sujeito histórico, protagonista; valorizando o

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pensamento e a produção intelectual de negros brasileiros, indo além da música e do

futebol, do candomblé e da capoeira. A lei visa a promoção do acolhimento e do

pertencimento racial, o enfrentamento das formas de preconceito, a reeducação das

relações étnicas e raciais, possibilitando aos alunos afrodescendentes os

instrumentos culturais necessários para que valorizem a si mesmos, suas origens e

seu grupo de pertencimento. De acordo com estudos de Felício (2008), um aluno não

afrodescendente compreender que a experiência social do mundo é mais abrangente

que a sua experiência pessoal e local, compreender que o mundo se constitui não

apenas de seu grupo social mas de diferentes grupos sociais, etnias e raças, e de

outras civilizações e histórias, ajudará no combate do racismo aprendido fora e antes

da escola. A Organização das Nações Unidas (ONU) deu início a “Década dos

Afrodescendentes” em 2013 (2013-2022), ano em que o sancionamento da Lei

nº 10.639/03 pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, completou

dez anos. O início da celebração da “Década dos Afrodescendentes” contribuiu para

a sedimentação da supracitada lei e evidenciou a existência de uma tendência

mundial para a adoção de práticas educativas que levam às escolas a reflexão sobre

igualdade racial e étnica.

Em 2005, a nova Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade, do Ministério da Educação, produziu documentos para auxiliar na

implementação da Lei nº10.639; cita-se aqui os seguintes títulos:

“Superando o racismo na escola”;

“Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03”;

“História da educação do negro e outras histórias”.

O documento “Superando o racismo na escola” aborda a importância da

elaboração de livros didáticos com conteúdos tolerantes e inclusivos do ponto de vista

racial, e que valorizem a participação de diversos grupos étnicos na constituição da

sociedade brasileira, não apenas o branco europeu tradicionalmente abordado.

“Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03”

discute a importância da presença de projetos político-pedagógicos voltados a uma

educação igualitária nos aspectos da raça, do gênero, da condição social. A educação

proposta por este documento volta-se à formação integral do sujeito e ao respeito

dos valores, da cultura, da raça e do entorno social do educando.

Por fim, o documento "História da educação do negro e outras histórias",

discorre sobre a exclusão de alunos negros do sistema educacional, critica propostas

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pelo movimento social negro para enfrentar as desigualdades, apresenta saberes para

que os docentes promovam a inclusão dos alunos, independente de sua cor, raça ou

condição social.

A pluralidade cultural é tema de estudo de várias áreas de conhecimento e a

troca entre culturas diferentes amplia o repertório de conhecimento dos envolvidos. O

resgate da cultura africana enriquece o patrimônio cultural de todos os brasileiros

(FREITAS, 2014).

Os três documentos apresentam subsídios para complementar a formação dos

docentes para o trabalho com uma educação inclusiva e que respeite a cultura

africana, a qual não pode ser dissociada dos temas transversais da educação

brasileira. A escola, ao abordar as temáticas africanas, valoriza as raízes da cultura

nacional, estratégia educativa essencial na formação de alunos-cidadãos pensantes

e reflexivos.

A materialização da proposta, das intenções e dos benefícios à sociedade

brasileira esperados como consequência da Lei Federal nº 10 639/2003, passam

obrigatoriamente (mas não exclusivamente) pelos livros didáticos de Língua

Portuguesa e pelo trabalho com a literatura africana lusófona. Para que se vislumbre

as possibilidades de contribuição da literatura como uma ferramenta capaz de

incentivar a reflexão sobre a identidade cultural brasileira, de propiciar a ampliação

dos horizontes do aluno, de abrir a discussão sobre a diversidade, colaborativa

portanto com a Lei acima referenciada, é necessário antes, compreender a literatura

como conceituada por Candido (1995). Para ele, literatura é a transposição do real

para o ilusório por meio da linguagem; é a vinculação da realidade natural e social por

meio de um elemento técnico. Fruto da expressão social, evento de natureza

sociológica, a literatura não edifica nem corrompe, mas humaniza num sentido

profundo:

“[…] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos à natureza, à sociedade e ao semelhante” (p. 117)

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Literatura é todo texto que apresenta um toque poético, ficcional ou dramático,

que atende a necessidade universal de ficção, é o “sonho acordado da civilização”.

Instrumento intelectual ao mesmo tempo que afetivo, a literatura revela em suas

páginas os valores que a sociedade inculca e despreza. Dando forma aos sentimentos

e à visão de mundo do leitor, a literatura pode ser usada como um instrumento para

desmascarar a negação de direitos, a existência da miséria e da servidão, a mutilação

espiritual e, por isso mesmo, relaciona-se à luta pelos direitos humanos (CANDIDO,

1995).

De mãos dadas com a literatura apresentada nos livros didáticos estão os

autores e suas obras ali contemplados, que constituem os cânones literários. Do grego

Kanón, significando regra, norma ou modelo, a Igreja Católica foi a primeira a utilizar

o conceito, elegendo obras e autores de valor artístico/intelectual elevado, prática

importada pela literatura a partir do século XIX. Para Compagnon (2001), o cânone

literário tem seu significado estreitamente relacionado ao nacionalismo, representado

em obras que descrevem o sentimento pela nação, estimulam a construção de uma

memória coletiva e de um patrimônio cultural.

Perrone-Moisés (1998) considera que o conceito de escritor-modelo surgiu na

Antiguidade Clássica com os filólogos alexandrinos, ao selecionarem autores literários

para as escolas de gramática, tendo como referência o nível de erudição de sua

linguagem. Contudo, na literatura, o primeiro a trabalhar com cânones foi Dante na

Idade Média. No século XVIII o valor estético deixa de ser compreendido como

universal e os clássicos perdem o seu caráter absoluto e eterno.

Gumbrecht (1998), confronta os conceitos de cânone e clássico. Para ele, o

conceito moderno de literatura desqualificou o cânone estético, cuja

extemporaneidade é impossível por conta da temporalização e da inovação. Enquanto

o clássico apresentaria um conteúdo superior e atemporal, capaz de estabelecer

comunicação com futuras gerações, o cânone situa-se em um patamar aquém. Desde

o início do século XIX, espera-se de todo o texto literário que seu conteúdo e sua

forma sejam inéditos; a inovação tornou-se uma compulsão no meio literário,

afastando a literatura da institucionalização e, posteriormente, da competência de

compreensão de grupos crescentes de leitores. Assim, o sentido tradicional do cânone

como uma obra cujo conteúdo pode determinar padrões sociais de comportamento e

configurar uma visão de mundo, desapareceria sob a perspectiva da temporalização

e da inovação.

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Já o clássico seria atualizado a cada leitura, num processo fluido em que uma

leitura implicaria numa nova interpretação do texto, sendo este possível de alteração

pelo ato de ler. O clássico estaria mais relacionado ao sujeito-leitor, sem

preocupações com a tradição literária. O cânone, por sua vez, estaria relacionado com

a repercussão da obra na sociedade e seus vínculos com determinada visão de

mundo. Para Gumbrecht (1998), a sociedade atual não permite a existência do cânone

estético, determinando regras ao fazer literário, por ser este incompatível com a

literatura moderna. O olhar hoje recai sobre o efeito da literatura no leitor e não em

sua função pedagógica na sociedade.

Calvino (1993) define os clássicos como ligados à nobreza e à soberania:

O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber), mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de uma pertinência. De tudo isso poderíamos derivar uma definição do tipo: os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos,inesperados, inéditos.(1993)

Tanto o conceito de cânone literário quanto o de clássico literário pautam-se na

hierarquização da arte e muitos estudiosos consideram-nos sinônimos. Este estudo

utilizará o conceito de cânone literário conforme definição de Perrone-Moisés (1998),

para quem o cânone é formado a partir de uma escolha subjetiva, constituído como

base de determinado conhecimento, neste caso, literário. O estabelecimento de um

cânone é o resultado de um julgamento de valor, correspondendo a extensão do

discurso dominante. O cânone literário é constituído por meio de uma seleção

fundamentada em elementos extralinguísticos que sobrepujam aspectos estéticos do

texto literário e abarcam fatores sociais e morais. Os princípios ideológicos da crítica

tradicional devem ser respeitados pelos autores que integram o processo de criação

e conservação de uma cultura reservada para poucos, destinada à aristocracia do

país e sustentada por seus grandes nomes. Para Perrone-Moisés (1998), o cânone

ocidental é formado por homens brancos e mortos, definidos pela elite que ocupa o

poder. O que define uma obra como cânone não reside nela em si, mas nas

instituições que a engrandecem.

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A literatura produzida, recebida e consumida por indivíduos sócio-históricos é

ela também acionada por ideologias, interesses coletivos e individuais e a escolha de

seus cânones desnuda o poder, como explica Reis:

Por trás de noções como linguagem, cultura, escrita e literatura, mesmo se não as tratarmos (como seria mais indicado) em termos históricos e menos abrangentes, se esconde a noção de poder [e] para trabalhar o conceito de “cânon” é importante ter em mente este horizonte, pois o que se pretende, ao se questionar o processo de canonização de obras literárias é, em última instância, colocar em xeque os mecanismos de poder a ele subjacentes (1992, p. 68).

A partir do século XX, o cânone literário passa a receber uma abordagem

pedagógica ao ser integrado ao currículo escolar dos jovens. Por meio da seleção de

autores e obras ou, mais especificamente, do fragmento destas, o livro didático de

Língua Portuguesa constitui os cânones escolares, disseminando pedagogicamente

uma determinada noção de literatura acompanhada de conceitos estéticos que

influenciam todas as etapas da escolarização do leitor. Os textos e os autores

selecionados, obrigatoriamente, encaixam-se nos parâmetros traçados pela

concepção de ensino dos programas governamentais. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1996)

Para Fidelis (2009), a escola e o livro didático têm sido os grandes suportes

tanto para a consagração quanto para a manutenção dos cânones:

Reconstituem a historiografia literária, destacam os principais autores e suas principais obras, organizam o material crítico sobre períodos literários e seus principais representantes. Portanto, os livros didáticos possuem uma força informadora, capaz de direcionar o que se lerá na escola, pois representam ao professor, sob nova organização, autores e obras representativas de certo fazer literário. (2009, p.01)

O processo de escolarização do cânone literário, transformando-o em “cânone

escolar” trouxe consigo a adaptação dos textos literários, a simplificação das obras

por meio da paráfrase com o objetivo de facilitar a leitura, além do risco de corromper

a autenticidade da obra original. O processo de escolarização do cânone literário

apega-se a aspectos pedagógicos escolhendo obras não por seu valor ou

representatividade, mas pelo grau de facilidade com que podem ser trabalhadas com

o alunado. O método de adaptação das obras literárias migrando-as da posição de

cânone literário para a posição de cânone escolar é questionável em sua eficiência

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por talvez não permitir que o aluno entre em contato com as particularidades da escrita

do autor nem dos recursos linguísticos que este utiliza ou com a profundidade de sua

escrita. (RODRIGUES, 2009)

Explicando o caráter político e provisório do cânone literário, Macedo (2010)

esclarece que, com a Reforma Capanema em 1942, a iniciação literária do alunado

passa a ocorrer no curso colegial e a priorizar a língua literária, a formação da

consciência humanística e patriótica. Permaneceu a vertente retórico-poético com o

ensino das escolas literárias, estilo, diferenciação entre poesia e prosa, gêneros

literários. Desde o século XIX a tendência retórico-poética de ensino da literatura

disputava espaço com a tendência historicista. Foi estabelecido também o ensino das

literaturas hispano-americana, francesa, inglesa, espanhola, alemã, italiana, entre

outras. Entre 1945 e 1951 o último tópico do programa de literatura era o Modernismo

brasileiro. Em 1951 houve uma simplificação dos programas das disciplinas levando-

se em consideração as diversidades regionais. Continuavam sendo estudados

autores brasileiros e portugueses a partir do século XVI, noções gerais de literatura e

história da literatura portuguesa. O termo “escola literária” foi substituído por

“movimento literário”. (MACEDO, 2010).

Após a Reforma Capanema (1942), enquanto livros didáticos escritos por

autores oriundos da Universidade de São Paulo mostravam-se favoráveis ao

movimento modernista, aqueles escritos por autores oriundos da Universidade do

Distrito Federal era desfavoráveis ao movimento e também aos romancistas do

nordeste brasileiro, chegando a traçar uma oposição entre escritores do nordeste e

do centro ou do sul. Outros classificavam os escritores por núcleo de produção

cultural: “Os nortistas”, “Os nordestinos”, “Os baianos”, “Os mineiros”, “Os paulistas”,

“Os sulistas”. Com a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional em 1961, as literaturas brasileira e portuguesa passaram a ser estudadas

em paralelo e a literatura brasileira e contemporânea passaram a contar com maior

espaço no livro didático. A língua portuguesa passou a ser o foco dos cursos de

graduação em Letras gerando o aportuguesamento ou o abrasileiramento do curso e

o aumento da carga disciplinar e dando origem ao movimento que influenciaria os

futuros autores de livros didáticos, os futuros profissionais da área de Letras, num

processo de redefinição dos cânones literários, que passariam a ser prioritariamente

nacionais e estabelecidos a partir da interligação entre literatura, cultura e realidade

brasileiras. (MACEDO, 2010)

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Como um dos recursos que mais influem diretamente na aprendizagem, o livro

didático integra a tríade “material didático-aluno-professor”, cuja interação é essencial

para que sejam alcançados os objetivos da Lei 10.639/2013 e sentidos pela sociedade

afrodescendente e não afrodescendente os benefícios esperados. Este é o motivo

pelo qual se optou por analisar a forma de apresentação do conteúdo de literatura

africana no livro didático do 3º ano do Ensino Médio da disciplina de Língua

Portuguesa.

De dispositivo de mudanças nas práticas pedagógicas e organizador de

propostas pedagógicas a elo de transformações na relação pedagógica, o livro

didático concentra os planos de estudos e também pode, muitas vezes, melhorar a

qualidade das aulas. Ferramenta acessível que contribui para a melhoria na

aprendizagem, também pode se tornar um instrumento de poder na tentativa de

promover uma unificação nacional, linguística, cultural e/ou ideológica. Para a

realização da análise do corpus serão adotadas as conceituações de livro didático a

partir dos olhares da historiadora Circe Bittencourt (2004, 2005); da ensaísta,

pesquisadora e crítica literária Marisa Lajolo (2016); e do historiador, educador e

pesquisador francês, Alain Choppin (2009).

Bittencourt (2005) ressalta que o livro didático pode representar o saber oficial

imposto por determinados segmentos detentores do poder e constituir um instrumento

de reprodução de ideologias. Nesta posição, o livro didático pode distorcer e

influenciar a prática docente e a experiência do educando. Contudo, o livro didático

extrapola seu papel ideológico, de veículo de sistema de valores e culturais, e se

constitui um mediador do processo de aquisição do conhecimento escolar e conceitos,

um facilitador do domínio das informações e da linguagem de cada disciplina, um

suporte ao conhecimento escolar e aos métodos pedagógicos.

Material pedagógico mais utilizado na história da educação no Brasil, é também

um produto mercadológico, sujeito às técnicas, regras e lógica de fabricação,

circulação e comercialização capitalistas. Influenciado tanto pelas demandas do

mercado quanto pelas diretrizes educacionais do governo e pelo contexto cultural do

momento de sua elaboração, o livro didático sistematiza o conhecimento escolar,

constituindo um instrumento pedagógico produtor de técnicas de aprendizagem por

meio de exercícios, questionários, leituras complementares e outras atividades. De

fácil identificação e difícil definição, o livro didático, por integrar o sistema de ensino

institucionalizado, é também um instrumento do controle estatal sobre o ensino, uma

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vez que o Estado se faz presente na sua elaboração, nos critérios de avaliação e é,

ele mesmo, um consumidor de livros didáticos (BITTENCOURT, 2004).

No Brasil, o livro didático faz parte da educação há aproximadamente 200 anos,

tendo passando por transformações e acompanhado as mudanças do currículo e da

sociedade. Hoje suas páginas apresentam novos protocolos de leitura e recursos

visuais, e estabelecem ligação entre o conteúdo escrito e o conteúdo da internet.

Elaborado para o professor, tem nele seu alvo principal e um intermediário que

desempenha papel fundamental; o livro didático depende do uso que dele é feito.

Ferramenta essencial ao trabalho do professor, apresenta o que se deve ensinar e

como se deve ensinar. (BITTENCOURT, 2010).

A delicada situação da educação brasileira faz com que o livro didático,

segundo Lajolo (1996), atue como um determinador de conteúdos e estratégias de

ensino e represente um papel importante na qualidade do resultado do processo

ensino-aprendizado. Para que atinja sua função didática, é necessária uma atenção

especial ao uso que se faz dele, ou seja, deve ser utilizado em ambiente de sala de

aula (coletividade), sob orientação de um professor, de forma sistemática.

Sua eficiência depende não apenas das informações verbalizadas

explicitamente, mas da impressão, da encadernação, das ilustrações, diagramas,

tabelas, atitudes etc, em concordância aos padrões de conhecimento da sociedade e

do projeto de educação da escola, pois é por meio do livro didático que o aluno

constrói e altera significados, forma condições de questionar o conhecimento

ensinado como legítimo e torna-se crítico.

A autora faz duas ressalvas ao papel do livro didático no processo ensino-

aprendizado. A primeira ressalva feita por Lajolo (1996) é que o livro didático, por mais

importante, é apenas um auxiliar e precisa ser adaptado ao contexto de cada sala de

aula; cada um proporciona uma leitura diferente. Sua outra ressalva é que um

magistério despreparado e mal remunerado não apresenta condições mínimas para

escolher, analisar, tampouco criticar livros didáticos.

O terceiro autor escolhido para conceituar o livro didático, Choppin (2009)

considera o livro didático um instrumento pedagógico de longa tradição que, por isso

mesmo, registra as estruturas, os métodos e as condições de ensino de seu tempo,

constituindo um suporte dos conhecimentos escolares, um instrumento pedagógico

ao mesmo tempo que um portador de ideologias, valores e cultura. Para ele, o livro

didático estabelece um importante elo entre a família do educando e sua escola,

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revelando o conteúdo ensinado e possibilitando que a criança seja acompanhada e

auxiliada no ambiente familiar na realização de suas tarefas escolares. Elaborados

especificamente para o ensino e o aprendizado de determinada disciplina no contexto

escolar, o livro didático é um produto do sistema educacional do Estado, em

conformidade com este e apresenta, interpreta, aborda e conceitua o conteúdo da

disciplina de maneira cultural, política e social.

Para Geraldi (2007), o Estado se faz presente em todos os elos da cadeia do

livro didático: criadores, editores, impressoras, distribuidores, livreiros e leitores. A

política do livro didático inicia-se no consenso entre Estado e setor privado. Criado

pela instituição do decreto 91.542 de 19 de agosto de 1985, o PNLD (Programa

Nacional do Livro Didático) regula o conteúdo dos livros didáticos no Brasil, integra

as políticas públicas para a Educação com objetivo de adquirir e distribuir

gratuitamente livros didáticos, subsidia o trabalho pedagógico por intermédio da

distribuição de livros didático a alunos de toda a Educação básica, regula o

fornecimento de livros didáticos para os alunos da educação básica pública, avalia

currículos em emprego nas escolas. Especificamente, o PNLD de 2014 versa sobre

todas as características do processo de avaliação dos livros aprovados, e das obras

escolhidas para os anos finais do Ensino Médio para aplicação no triênio

2014/2015/2016. Uma grande alteração dessa edição em relação aos instrumentos

anteriores é a distribuição de conteúdos multimídia complementares aos livros. Essa

alteração está de acordo com uma nova tendência atual de valorização dos conteúdos

digitais e da tecnologia.

Dada à posição, à importância e ao papel que o livro didático desempenha no

processo ensino-aprendizado e no dia-a-dia escolar, antes de analisar de que forma

o conteúdo de literatura africana de expressão em língua portuguesa é apresentado

no corpus aqui em análise, parece pertinente conhecer a representação social do

negro no livro didático nas décadas recentes, uma vez ser esta questão parte do

“Programa de Superação do Racismo e Desigualdade Social”, entregue ao então

Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, pelos organizadores da

“Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida”, no início

dos anos 1990.

No Brasil, o processo de colonização consagrou práticas sociais eurocêntricas,

tendo o branco como referência e negando o reconhecimento da capacidade de

construção de uma identidade própria pelos negros. A criação de mitos sobre a

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identidade afro-brasileira, a incorporação da alteridade subalterna por meio de

mecanismos ideológicos dificultaram o reconhecimento, o respeito e o tratamento

digno ao negro e seu contexto na sociedade brasileira. (FERNANDES, 1978)

O fim da escravatura no Brasil não representou nem significou o

reconhecimento da contribuição cultural, social e histórica das populações de origem

africana à formação da sociedade brasileira. Ao contrário, a segregação racial

continuou, denominada no campo teórico de “racismo cordial” por Gilberto Freyre

(1935). O “racismo cordial” impediu a real integração do negro à sociedade brasileira,

o reconhecimento do seu histórico e de sua contribuição cultural para a formação do

nosso país.

País Inserido no mundo globalizado, no mundo do “Pan-africanismo”, o Brasil

não ficou imune ao processo de conscientização que os negros do mundo inteiro

experimentavam. Movimento social, filosófico e político, surgido na África Ocidental

de colonização britânica na segunda metade do século XIX, o “Pan-africanismo” se

fortaleceu e se expandiu como contraponto ao discurso racista da época, instrumento

de valorização e auto-afirmação africana. Atualmente, a pauta do “Pan-africanismo” é

a união de todos os povos da África, o remanejamento étnico separando os grupos

rivais e unindo os grupos irmãos, formação de um único estado soberano como forma

de resolução dos problemas da região. (PAIM, 2014)

Na sociedade brasileira, a vitória destaca-se especialmente quando, no ano de

2003 foi aprovada a Lei Federal nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003, que estabeleceu

o estudo obrigatório de História africana e cultura afro-brasileira, bem como da

contribuição das populações de matrizes africanas no Brasil para a formação da

identidade nacional. Esta lei e as suas leis correlacionadas, refletem sobre a

educação das relações étnico-raciais na educação, com um foco na superação de

práticas escolares discriminatórias e excludentes contra os estudantes negros e

ancestrais africanos no espaço escolar.

Para melhor compreender como se dava a representação do negro no livro

didático antes e após a promulgação da Lei nº 10.639, se houve mudança, qual

mudança ocorreu ou se não houve mudança, buscou-se Identificar a existência de

dissertações de mestrado, teses de doutorados, livros e pesquisas afins que

houvessem realizado análise da representação do negro nos livros didáticos

publicados no período pretendido. Sempre associando-o à determinada condição de

trabalho, escravo e passivo, a sala de aula contribuiu para a construção de um

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significado pejorativo e inferiorizado do negro na sociedade brasileira. Ao invés de

percebido como um ser humano em circunstância de ‘escravizado”, o negro passou a

ser “naturalizado escravo”.

A produção e divulgação de conhecimentos, valores e atitudes sobre a

pluralidade étnica e racial, sobre o respeito aos direitos do outro e de todos, sobre a

valorização da identidade negra, pode permitir a consolidação de um Brasil mais

democrático, o reconhecimento da cultura dos afrodescendentes e das raízes

africanas da nossa sociedade (SOUZA, 2013).

Dentro os trabalhos identificados, para este estudo optou-se por destacar os

seguintes:

OLIVEIRA, Maria Isabel Soares Oliveira. Representação da cultura afro-

brasileira no livro didático de língua portuguesa para o ensino médio

profissional. 2013.Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação).

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.139 p;

SEVERO, Lara Freitas. O negro nos livros didáticos: um enfoque nos

papéis sociais. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação.

Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2009;

SILVA, Ana Célia. A discriminação do negro no livro didático. Salvador:

Centro Editorial e Didático, 1995;

SILVA, Ana Célia da. A representação social do negro no livro didático:

o que mudou. Por que mudou? Universidade Federal da Bahia.

EDUFBA: Salvador, 2011. 182 p;

SOUZA, Ana Maria de. A lei 10.639/2003 e a literatura luso-africana e

afro-brasileira na escola, 2013. 106 p. Dissertação (Mestrado em Letras

Literaturas Portuguesa e Luso-Africanas). Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, Instituto de Pós-Graduação em Letras.

O primeiro trabalho que merece destaque é de Maria Isabel Soares Oliveira,

“Representação da cultura afro-brasileira no livro didático de língua portuguesa para

o ensino médio profissional”. O tema escolhido pela autora foram as representações

sociais e da cultura afro-brasileira numa perspectiva da valorização da presença

africana no Brasil para a construção da identidade afro-brasileira. Com suas

investigações a autora pretendeu responder as seguintes perguntas: Como os autores

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responsáveis pelo livro didático têm contingenciado o conteúdo e as estratégias para

o trabalho com a literatura afro-brasileira no ensino médio? Quais sugestões esse

artefato aponta aos professores a fim de fomentar aos alunos a sensibilidade para o

conhecimento sobre a riqueza cultural africana quanto a elevação da baixa estima dos

estudantes afro-brasileiros?

As conclusões as quais a autora chegou após realizar suas pesquisas foram

que nas imagens selecionadas e analisadas no livro didático de Português do ensino

médio editado em 2010 pela Saraiva. “Português: linguagens” de William Roberto

Cereja e Thereza Cochar, foi que o negro ainda é associado a aspectos pejorativos.

A autora acredita que o caminho para o rompimento desta postura seja pelo viés de

efetivação da Lei nº 10. 639/2003, que visa trazer uma abordagem da temática

africana de forma a valorizar a cultura e criar identidade e valores para a inclusão e

formação integral dos sujeitos no âmago da sociedade.

O volume 3 da coleção em análise, contem textos que não veiculam a cultura

afro-brasileira de forma positiva, apesar dos critérios de exclusão explicitados no Guia

de Livros Didáticos (PNLD 2012 p. 39), para o livro que não obedece os estatutos, a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com as respectivas alterações

introduzidas pelas Leis nº 10.639/2003, nº 11.274/2006, nº 11.525/2007 e nº

11.645/2008, “Veicularem estereótipos e preconceitos de condição social, regional,

étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de idade ou de linguagem, assim como

qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos”.

O segundo trabalho destacado é a análise do livro de língua portuguesa “Porta

Aberta: alfabetização” de Isabela Carpaneda e Angiolina Bragança, publicado em

2005 pela Editora FTD de São Paulo, portanto depois da implementação da Lei nº10.

639, que traz cento e sessenta e cinco imagens de pessoas, das quais apenas

dezenove são negras o que, segundo Severo (2009), autora da análise, corroboraria

a ideologia do branqueamento.

Reforçando o estereótipo do negro realizador de trabalhos braçais, ocupando

posições menos privilegiadas no mercado de trabalho, a página 163 traz a imagem de

uma mulher negra trajando avental, luvas e uma pano à cabeça. Na página 199, do

livro “Porta Aberta: alfabetização”. A imagem de crianças brancas e negras realizando

atividades do dia-a-dia como escovar os dentes, brincar, tomar banho. Para Severo

(2009), incluir crianças negras em na realização de situações cotidianas desenvolve

sua integração social, colocando-as no mesmo patamar das crianças brancas.

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Para Severo (2005) , a análise de “Porta Aberta: alfabetização”, revelou que a

imagem do negro ainda é muito limitada no livro didático de língua portuguesa, não

lhes sendo atribuídas atividade valorizadas pela sociedade, nem posições de

liderança, sendo sempre subordinados. Para ela, é preciso que ao negro representado

no livro didático seja permitido assumir posições sócias respeitadas, protagonistas,

geralmente destinadas aos brancos.

Estudos conduzidos por Ana Célia Silva e publicados em seu livro “A

discriminação do negro no livro didático” (Salvador: Centro Editorial e Didático, 1995),

analisaram 82 livros didáticos de Comunicação e Expressão de Ensino Fundamental

identificaramaspectos de ideologia de branqueamento e de inferiorização, distorção,

desumanização e estereotipação do negro, além da predominância de personagens

brancos em textos e ilustrações.

Em 74 dos 82 livros analisados, o negro foi retratado de maneira negativa, como

escravo e serviçal, foi caricaturado, desumanizado e posicionado em último lugar nos

grupos sociais. Vários dos livros averiguados apresentaram o negro como mendigo,

trabalhador braçal do campo, favelado, empregado doméstico, sempre em posição de

subserviência. Não foram retratadas situações que revelassem a capacidade de

adaptação à sociedade produtiva e consequente contribuição econômica do negro a

esta, tampouco negros em posição intelectual e acadêmica, desempenhando

profissões valorizadas pela sociedade e negros em posição de liderança.

Apenas em poucas oportunidades a criança negra foi retratada dentro do

ambiente escolar mas, majoritariamente, na rua, trabalhando ou brincando, sendo

atribuída a ela apenas um apelido e não um nome próprio. Os poucos alunos negros

retratados nos livros avaliados no estudo estavam sentados no fundo das salas de

aula.

Foram destinados à personagem negra adjetivos não humanos, enquanto o

branco foi sempre retratado como o europeu loiro e de olhos azuis, trabalhador de

classe média, com costumes europeus ou norte-americanos, portador de nomes,

sobrenomes e funções na sociedade, membro de uma família padrão que encarna o

modelo almejado pela sociedade brasileira. A mãe negra foi, em geral, omitida dos

livros didáticos analisados.

A mãe predominante é a branca, assim como a professora e os alunos. Para

Silva (1995) a realidade apresentada nos livros didáticos analisados é distorcida assim

como os valores culturais que o livro passa aos alunos e desmente a ideia de que o

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racismo no Brasil seja velado; os livros didáticos apontam para o racismo explícito, a

ideologia de branqueamento do negro, a introjeção e assunção dos valores

eurocêntricos.

Entre as diversas causas apontadas para o fracasso escolar nas pesquisas

sobre a presença negra nas escolas, estão o currículo e o material didático

inadequados para os alunos afrodescendentes. A identificação de tais aspectos

impulsionou a avaliação dos índices de evasão escolar e repetência entre a população

negra nas escolas. Constatou-se a participação da falta de identificação dos alunos

negros com a escola e o material didático nestes índices. O modelo eurocêntrico de

cotidiano acaba por afastar as classes desfavorecidas. (PEREIRA, 2008, p.259).

Em sua dissertação de mestrado em Letras Literaturas Portuguesa e Luso-

Africanas, intitulada “A lei 10.639/2003 e a literatura luso-africana e afro-brasileira na

escola” apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Pós-

Graduação em Letras, .Ana Maria de Souza, trabalhou a repercussão da Lei nº

10.639/2003 nos livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II (do

6º ao nº ano) de 2011 a 2014. A metodologia utilizada foi a análise de natureza

descritiva; verificação de como as disposições da Lei 10.639/2004 aparecem nas

coleções de livros didáticos do Ensino Fundamental II.

A autora conceitualizou o racismo com base em Kabengele Munanga: Ideologia

ou processo pelo qual um grupo de pessoas com base em características biológicas

e/ou culturais é estigmatizado como raça ou grupo étnico inerentemente inferior, em

virtude de sua diferença. Tal diferença é usada como fundamento lógico para a

exclusão dos membros deste grupo, do acesso a recursos os mais diversos, materiais

ou não, direito ao trabalho e à educação.

O corpus foi constituído de um conjunto de16 coleções de livros didáticos para

Ensino Fundamental II, recomendados pelo MEC. É consenso nesta área que o negro,

africano ou afrodescendente é representado de forma negativa, contribuindo para a

perpetuação de conceitos discriminatórios.

As conclusões as quais a autora chegou esclarecem que os textos literários

aparecem em número pouco expressivo, geralmente, servem ao estudo da gramática

e suscitam pouca discussão em sala de aula sobre racismo; poucos são os textos que

abordam discriminação racial. Falta preocupação com a pluralidade cultural da

sociedade brasileira. Não é significativa a menção à colaboração dos africanos e

afrodescendentes na construção da história do país nem dos aspectos positivos da

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presença do negro no Brasil. É perceptível a ausência da temática afro-brasileira nas

unidades. Em certos livros didáticos analisados, a Lei nº 10 639/2003 está sendo

cumprida por meio de uma propaganda de produto para cabelos afro ou por trechos

de entrevista com uma atriz de novelas negra. Os livros didáticos analisados pouco

falam dos negros e quando o fazem, desconsideram suas diferentes origens e a

história de suas civilizações. A visão eurocêntrica continua imperando, distante da

realidade do aluno afrodescendente, pouco contribuindo para a formação de sua

identidade, comprometendo não apenas a ele mas também a escola. (SOUZA, 2013).

Para a dissertação a qual se dedica esta introdução, “A Presença da Literatura

Africana Lusófona no Livro Didático de Língua Portuguesa do 3º Ano do Ensino Médio:

Uma Reflexão Social, Histórica e Literária”, a hipótese básica estabelecida é que, para

que as mudanças objetivadas pela Lei supracitada sejam efetivamente promovidas,

faz-se necessária a interação entre professores, alunos e material didático,

reconsiderando-se a formação docente, o currículo dos cursos de Licenciatura em

Letras, a representação social dos negros nos livros didáticos. Estas constituiriam

iniciativas inter-relacionadas que poderiam fortalecer a Lei nº 10.639/2003 e o

processo de formação de uma nova mentalidade étnico-racial na sociedade brasileira.

As primeiras publicações didáticas cujo conteúdo incluía literatura africana de

expressão em língua portuguesa foram aprovadas em 2010 pelo Fundo Nacional de

Educação (FNDE) em parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB), do

Ministério da Educação (MEC) (FREITAS, 2014).

O critério escolhido para a identificação dos livros didáticos a serem analisados

neste estudo foi a sua presença no Guia de Livros Didáticos elaborado pelo Ministério

da Educação dentro do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), realizado em

ciclos trienais, a tradição e o reconhecimento de seus autores na elaboração de livros

didáticos de língua portuguesa. O Programa tem por finalidade municiar as escolas

públicas, tanto de Ensino Fundamental quanto Médio, com livros didáticos e obras

literárias, obras complementares e dicionários. Foram escolhidos livros distribuídos no

primeiro ano da obrigatoriedade de apresentação do conteúdo literatura africana

lusófona dentro da disciplina Língua Portuguesa (PNLD 2012) e livros constantes do

PNLD 2015, o mais próximo da elaboração deste estudo, para estabelecer uma

comparação, observar se houve ou não alteração e, em caso afirmativo, de que tipo.

Anualmente, o FNDE adquire e distribui livros para todos os alunos, bem como

repõe e complementa os livros que forem de possível reutilização. As obras são

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inscritas para avaliação do Ministério da Educação (MEC) mediante critérios

especificados em edital. Os Guias de Livros Didáticos: PNLD 2012 e PNLD 2015

apresentam os princípios e os objetivos gerais da disciplina Língua Portuguesa,

considerações e reflexões acerca de seu papel na formação do aluno como cidadão

pleno, além das perspectivas do trabalho pedagógico e os objetivos do processo de

ensino-aprendizagem com a mesma nos três anos do Ensino Médio.

As obras selecionadas pelo PNLD são resenhadas e suas características

analisadas como, por exemplo, o padrão organizacional (compêndio, manual etc),

tendências metodológicas (transmissiva, construtivo-reflexiva etc) e os patamares de

qualidade encontrados. O elenco de títulos identificados para compor a dissertação

foi aprovado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) do MEC

(Ministério da Educação), constante do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)

para os ciclos trienais 2012/2013/2014 e 2015/2016/2017. A eleição dessas sete obras

obedeceu a critérios como as propostas para o ensino de literatura apresentadas

pelos autores; a diferença de posição das editoras (editoras menores e maiores em

termos de quantidade de publicações, editoras mais conhecidas e menos conhecidas

no cenário atual da educação, editoras com maior e menor distribuição de obras no

país); a tradição dos autores na produção de livros didáticos de Língua Portuguesa.

Objeto desta pesquisa, os livros didáticos a serem analisados no primeiro

momento foram identificados no Guia de Livros Didáticos, PNLD 2012: “Língua

Portuguesa: linguagem e interação”, volume 3, Editora Ática, dos autores Faraco,

Moura e Maruxo Jr.; “Coleção Linguagem em Movimento”, volume 3, Editora FTD, de

Izeti Torralvo e Carlos Cortez; “Novas Palavras – Nova Edição”, volume 3, Editora

FTD, da autoria de Amaral, Ferreira, Antônio e Leite; “Português Linguagens –

Literatura – Produção de Texto – Gramática”, volume 3, Atual Editora, de Cereja e

Magalhães.

Para o segundo momento da análise que este estudo realizará, foram

estabelecidos como foco específico de análise os livros didáticos da disciplina Língua

Portuguesa do 3ºano do Ensino Médio constante do “Guia de livros didáticos PNLD

2015 EM” do Ministério da Educação: “Língua Portuguesa, volume 3, Editora Positivo,

das autoras Roberta Hernandes e Vima Lia Martin; “Vozes do mundo: literatura, língua

e produção de texto”, volume 3, Editora Saraiva, dos autores Abreu-Tardelli, Oda e

Toledo, sob a coordenação de Campos; “Língua Portuguesa: linguagem e interação”,

volume 3, Editora Ática, dos autores Faraco, Moura e Maruxo Jr.

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Constituíram fontes para esta pesquisa:

Atlas do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. 156 p.

BRASIL. Edital de convocação para o processo de inscrição e avaliação de

obras didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático PNLD 2012 –

Ensino Médio.

BRASIL. Edital de convocação para o processo de inscrição e avaliação de

obras didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático PNLD 2015.

BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2012: Língua Portuguesa. – Brasília:

Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011.

BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2015: apresentação: ensino médio. –

Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2014.

BRASIL, Legislação Federal, Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a

Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases

da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a

obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras

providências.

Ressalta-se que os livros didáticos, na análise aqui proposta, serão observados

em relação aos seus conteúdos procedimentais, aos métodos adotados. A entrada ou

a saída de novos editores e autores também será foco de observação no decorrer da

análise.

A prática pedagógica brasileira tem no livro didático um importante recurso de

ensino e aprendizado, fazendo-o um item decisivo para a qualidade dos resultados

das atividades realizadas no ambiente escolar. Importante ferramenta nas escolas, o

livro didático é, ao mesmo tempo, parte do processo educativo e produto cultural.

Mostra-se, então, pertinente, utilizar o livro didático como instrumento de reflexão

sobre a presença da literatura africana de expressão em língua portuguesa nas

escolas após os doze anos de existência da Lei Federal nº 10.639/03. A análise do

corpus será organizada a partir da sucessão dos tópicos do livro do aluno,

averiguando tanto a abordagem da literatura africana lusófona quanto a coletânea de

textos literários e atividades propostas com objetivos divididos em dois grupos:

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Conteúdo/ Aspectos Teóricos e Metodológicos

a) O livro didático em análise permite ao aluno a percepção da literatura como

um campo de conhecimento tanto cotidiano quanto filosófico e coletivo?

b) São consideradas as funções humanizadoras da literatura, que exprimem o

homem e atua na sua formação? Considera-se aqui o conceito de Candido

(2002), segundo o qual as funções humanizadoras da literatura dividem-se

em três:

Função psicológica: relacionada à necessidade humana de fantasiar,

porém sempre conectando esta fantasia à realidade. A literatura

sistematiza a fantasia com inspiração no real;

Função formadora: literatura como um instrumento de educação e

formação, sem cunho ideológico;

Função social: permite que o leitor reconheça sua realidade na obra

ficcional. Literatura como forma de conhecimento do mundo e do ser.

c) O aluno é contemplado com aspectos da vida e da obra de cada autor?

d) Há contextualização de autor e obra?

e) Qual o critério de apresentação dos textos: apresentação de textos integrais

ou apenas de fragmentos de textos?

f) É realizado trabalho com as especificidades linguísticas do texto literário?

g) A abordagem da literatura africana propicia ao aluno a compreensão do

processo histórico do povo e/ou do país ali representado?

Atividades/ Aspectos Pedagógicos

a) As atividades contribuem com a formação do leitor literário, levam o aluno à

reflexão, ao pensar, à troca e ao debate?

b) As atividades propostas estabelecem relação entre o texto e o contexto

social, histórico e político de sua produção?

c) As atividades proposta estimulam o aluno a conhecer a obra do autor além

dos fragmentos literários apresentados no livro didático?

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Esta pesquisa está organizada em três capítulos, dispostos entre a “Introdução” e a

“Conclusão”, sendo:

CAPÍTULO 1

1 A Literatura como componente curricular e o livro didático de Língua Portuguesa do

3º ano do Ensino Médio;

1.1 Breve histórico da disciplina literatura como componente curricular;

1.2 A escritura literária negra na literatura brasileira ou afro-brasileira: uma realidade

muito anterior à lei 10.639/2003;

1.3 A ausência do cânone literário na literatura africana lusófona;

CAPÍTULO 2

2 Relação entre três aspectos da mesma questão: Formação do docente em Língua

Portuguesa e Literatura; Livro didático de língua portuguesa do 3º ano do Ensino

Médio; Conteúdo de literatura africana lusófona;

2.1 Interação ou correlação entre livro didático e formação do docente em Letras –

Língua Portuguesa;

2.2. Livros didáticos indicados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) para

o ciclo trienal 2012/2013/2014 e 2015/2016/2017;

CAPÍTULO 3

3 Análise do corpus selecionados entre os livros didáticos indicados pelo PNLD

(Programa Nacional do Livro Didático) para o ciclo trienal 2012/2013/2014 e

2015/2016/2017.

3.1 Análise das obras indicadas no PNLD 2012 e selecionadas para esta pesquisa

3.2 Análise das obras indicados no PNLD 2015 selecionadas para esta pesquisa

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CAPÍTULO 1 A Literatura como componente curricular e o livro didático de

Língua Portuguesa do 3º ano do Ensino Médio

Este capítulo preocupou-se em pesquisar a história da disciplina literatura,

procurando compreender a trajetória de sua inserção no currículo escolar brasileiro.

Apesar de não ser a proposta desse estudo, fez-se necessário tentar entender

também a permanência das práticas arraigadas na tradição, como o ensino

cronológico da literatura, historiográfico, apesar de combatido por pesquisas

acadêmicas, documentos oficiais e dispositivos curriculares.

Outro aspecto que se mostrou importante abordar por ser intrínseco ao tema

ensino de literatura, é a questão da constituição do cânone literário, sua escolarização

e a inserção de autores e obras não pertencentes à tradição literária, tanto para a

literatura geral quanto para a literatura africana lusófona e literatura afro-brasileira.

A escolarização dos cânones literários acabou por transformar livros didáticos

de Língua Portuguesa e o espaço escolar em difusores de um determinado modelo

de leitura e uma determinada percepção do que é literário, influenciando diretamente

a formação do aluno-leitor e legitimando como literatura certas obras e certos autores,

excluindo outros. Dentro do universo canônico escolar, professores selecionam obras

a serem lidas, estabelecendo cânones dentro dos cânones, num constante processo

de exclusão que se repete nos livros didáticos e nas listas obrigatórias de leituras para

o vestibular, concursos etc. Pode-se dizer que os livros didáticos apresentam os

mesmos autores e obras com poucas diferenças, conforme será mostrado no Capítulo

III. Contudo, incluir autores e obras não tradicionais ou não incluídos nos cânones

poderia contribuir na construção do gosto pela leitura, na formação de um aluno-leitor,

uma vez que novos autores levariam à sala de aula novas temáticas revestidas de

uma linguagem sempre renovada e inserida no contexto do jovem. A literatura se

renova constantemente, assim como a sociedade. A literatura não canônica aborda

temáticas que se modificam a cada geração, registrando experiências, atitudes,

culturas e conceitos, numa contínua narração da humanidade ao ritmo dos

movimentos sociais correntes. A inserção da literatura não canônica no livro didático

poderia despertar o interesse do alunado pela literatura geral, consequentemente,

pelos autores e obras da tradição.

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Enquanto a tradicional construção de cânones literários ocorre com base num

conceito europeu, as literaturas africana e afro-brasileira, abordam temas

transculturais e se encontram em processo de desenvolvimento e afirmação, fazendo

parecer um paradoxo falar em constituição de cânone para qualquer uma delas.

1.1 Breve histórico da disciplina literatura como componente curricular

Bosi (2013) considera que, devido as suas origens, a literatura nacional, deve

ser tratada diferentemente da literatura portuguesa, maturada na Europa.

A literatura portuguesa teve seu primeiro momento em 1198 ou 1189 com o

trovador Paio Soares de Taveirós e a cantiga de amor e escárnio dedicada a Maria

Pais Ribeiro, “A Ribeirinha”. Este momento primeiro da literatura portuguesa durou

duzentos anos e terminou em 1418, tendo sido produzidos poesia, novelas de

cavalaria, cronicões e livros de linhagem. (MOISÉS, 2012)

Já a literatura brasileira precisa ser compreendida à mesma luz que se

compreende as demais literaturas americanas, a partir do “complexo colonial” de vida

e de pensamento de quem sempre se sentiu o “outro” em relação a cultura do

colonizador. (BOSI, 2013)

Os ciclos de ocupação e exploração ocorridos nos primeiros séculos do Brasil

Colônia emprestaram-nos a configuração de um conjunto cultural formado por

pequenas ilhas, configuração esta que até hoje se reflete em nossa história literária.

Os três primeiros séculos de nossa vida intelectual foram impregnados de um caráter

híbrido que mesclava códigos literários europeus a mensagens ou conteúdos

coloniais. (BOSI, 2013)

Ao perder sua autonomia política entre 1580 e 1640, com o declínio e a

consequente passagem à nação periférica da Europa, Portugal viu sua literatura, que

antes experimentara o apogeu com a épica quinhentista, passar a orbitar em torno

das outras culturas europeias como o Barroco espanhol, o Arcadismo italiano e o

Iluminismo francês. O novo panorama político, social e cultural de Portugal refletiu-se

nas escritas coloniais do século XVII, ainda embrionárias. Ao diálogo entre Metrópole

e Colônia, a França cedeu ao Brasil o pensamento burguês e liberal como ferramentas

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de interpretação da própria realidade, num movimento de buscas de outras fontes

ideológicas que não as ibéricas, descontinuando conscientemente o passado e

apropriando-se da cultura europeia de formas mais proativas e brasileiras, como

ocorreu no período Romântico. Para Bosi (2013), a mestiçagem é o aspecto prefácio

de nosso processo colonial que influenciou nossa produção intelectual como muito

bem representado no ensaísmo social de inúmeros autores estudiosos da sociedade

brasileira como Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Oliveira Viana e Gilberto Freyre.

A literatura brasileira passou à categoria de disciplina escolarizada do ensino

secundário, conteúdo nacionalizante e historicista, no século XIX, apesar do ensino

secundário brasileiro existir desde quando as escolas religiosas, principalmente as

escolas jesuítas, passaram a se encarregar da educação da população formada por

portugueses e seus descendentes, uma educação humanista de base renascentista.

(OLIVEIRA, 2008)

O processo de ascensão da língua e da literatura nacional nos Programas de

Ensino ocorrido na Europa após a Primeira Grande Guerra foi o mesmo ocorrido nos

Programas de Ensino do Colégio Pedro II, escola secundária padrão da elite brasileira,

com o aumento da carga horária de Português e a diminuição gradativa da presença

das disciplinas Latim, Grego, Retórica e Poética, até o seu desaparecimento.

(RAZZINI, 2000)

Até 1869 o ensino de Português não teve representatividade no currículo do

secundário, situação que começou a se modificar quando os cursos superiores de

Direito, Medicina, da Escola Politécnica, da Escola de Minas, entre outros, tiveram o

exame de língua materna incluído em seus Preparatórios.

Até 1855, o conteúdo das aulas de Português do Programa de Ensino do

Colégio Pedro II continha apenas gramática, quando então foram incluídas leitura

literária e recitação. A partir de 1857, o conteúdo de literatura nacional passa a ser

substituído por história literária portuguesa e nacional, um processo de construção do

caráter nacional da nossa literatura com base na definição dos cânones literários

brasileiros, compondo a cultura nacional. Em 1870, são acrescentados os conteúdos

de redação e composição e, em 1890, gramática histórica. (RAZZINI, 2000).

Quanto à literatura nacional, sua primeira inclusão no currículo escolar deu-se

em 1855 dentro da disciplina Retórica e Poética e os textos literários a serem

estudados eram selecionados a partir dos cânones portugueses dos séculos XVIII e

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XIX. Apenas em 1887, Fausto Barreto e Vicente de Souza, professores do Colégio

Pedro II publicaram “Seleção Literária”, obra didática na qual autores portugueses e

brasileiros dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX eram apresentados cronologicamente.

Com a Proclamação da República intensifica-se a preocupação com a modernização

do país e com a cientificação do ensino. O conteúdo de literatura conquista autonomia

e é criada a disciplina Literatura Nacional (RAZZINI, 2000)

A segunda metade do século XIX trouxe mudanças representativas para o

ensino secundário de literatura, deslocando o foco da estética clássica para a

nacionalidade e as particularidades da língua vernácula. A Proclamação da República

e a abolição da escravatura foram os definidores deste novo momento, que pedia uma

maior presença da brasilidade nos livros didáticos e nos textos literários. Esta

solicitação recebeu apoio de juristas, autores e intelectuais como Joaquim Nabuco,

Rui Barbosa, Castro Alves, Machado de Assis e Olavo Bilac. (OLIVEIRA, 2008)

A obra didática “Seleção Literária” passa por uma revisão, porém mantém a

tradição do ensino da norma culta da língua materna por meio dos cânones literários;

em 1895 passa a chamar-se “Antologia Nacional”. Sofreu por modificações ao longo

do tempo e se manteve no currículo de Português até os anos 1970.

Em 1906, Silvio Romero e João Ribeiro elaboraram o “Compêndio de História

da Literatura Brasileira” por meio da adaptação de “História da Literatura Brasileira”

de 1888, de Silvio Romero, iniciando uma correlação entre literatura e história literária

que pode ser verificada até hoje em obras didáticas tanto para o ensino secundário

quanto para o ensino universitário. (OLIVEIRA, 2008)

Entre as obras didáticas mais significativas que seguiram e/ou seguem a mesma

correlação estabelecida por Romero e Ribeiro para o ensino secundário, destacam-

se “Pequena História da Literatura Brasileira” (1917) de Ronaldo de Carvalho; “Lições

de Literatura Brasileira” (1919) de José Ventura Boscoli; “História da Literatura

Nacional” (1930) de Jorge de Abreu; “Noções de História da Literatura Brasileira”

(1931) de Afrânio Peixoto e “História da Literatura Brasileira” (1939) de Bezerra de

Freitas. Já para o ensino universitário, merecem destaque “História da Literatura

Brasileira: prosa e ficção (1890 – 1920) (1963) de Lúcia Miguel Pereira; “A Literatura

no Brasil” (1965) de Afrânio Coutinho; “Formação da Literatura Brasileira: momentos

decisivos”(1959) de Antonio Candido; “História Concisa da Literatura Brasileira”

(1970) de Alfredo Bosi.

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Fig. 1, “Pequena história da literatura brasileira”, 3ª edição, 1935.

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Figura 2 – “História concisa da literatura brasileira”, 49ª edição, 2013.

A literatura nacional escolarizada experimentou certa instabilidade no ensino

secundário. Depois de conquistar autonomia em 1890, perde-a logo depois em 1898.

Vê-se incorporada ao currículo de Português em 1911 para, em 1925, passar a ser

denominada “Literatura Brasileira”, recebendo enfim o adjetivo pátrio. Em 1928, volta

a ser estudada como “Literatura Geral”. Apenas com a reforma Capanema em 1943,

no Estado Novo, momento político nacionalista, foi que a Literatura Brasileira

encontrou estabilidade no currículo do ensino secundário.

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O modernismo brasileiro só passou a integrar o livro didático de Português

pouco antes dos anos 1960. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

nº 5692 de 1971, a língua vernácula passou a ser abordada como um instrumento de

comunicação a se articular com outras matérias, e como expressão da Cultura

Brasileira, desvinculando o ensino da literatura de suas amarras tradicionais aos

cânones literários e abrindo espaço aos autores vivos. Esta posição foi fortalecida nos

anos 1970, com o fim do ensino do latim, o enfraquecimento do ensino dos cânones

portugueses e o fortalecimento da literatura brasileira moderna. (RAZZINI, 2000)

Conforme já abordado anteriormente neste estudo, na cultura ocidental, é a

elite ocupante do poder quem estabelece os cânones literários, a partir das obras

produzidas por autores homens, brancos e mortos, com base não nos aspectos da

obra em si, mas nas instituições que a engrandecem Perrone-Moisés (1998).

Além de linguagem, cultura, e escrita, a literatura materializa o poder, as

ideologias, os interesses coletivos e individuais. O processo de construção de

cânones literários guarda mecanismos de poder (REIS, 1992).

Conforme levantamento elaborado por Razzini (2000), a 1ª edição de

“Antologia Nacional”, de 1895, reunia treze autores brasileiros com características

muito próximas. Eram todos funcionários públicos, a maioria formada em Direito e

alguns com título de nobreza: Álvares de Azevedo, Antônio Francisco Dutra e Melo,

Casimiro José Marques de Abreu, Castro Alves, Fagundes Varela, Francisco

Otaviano, Frei Luís José de Junqueira Freire, Gonçalves Dias, José Bonifácio, José

de Alencar, Manuel de Araújo Porto-Alegre, Odorico Mendes e Torres Homem.

Na mesma edição, os autores portugueses somavam doze e reuniam

características iguais entre si e aos autores brasileiros: funcionários públicos, a

maioria formada em Direito, alguns com título de nobreza e vários eram políticos:

Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Antonio Feliciano de Castilho, Camilo Castelo

Branco, Dom Antonio de Macedo Costa, João de Lemos, João Francisco Lisboa,

Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Luís de Camões, Pe.Antonio Vieira, Rebelo da

Silva.

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Fig. 3, “Antologia Nacional”, 1ª edição, 1895.

Em sua 6ª edição, 1913, “Antologia Nacional” privilegiou dezesseis autores

brasileiros entre eles, ex-alunos do Liceu e do curso superior (a maior parte de Direito):

Pereira da Silva, Ouro Preto, Couto de Magalhães, Franklin Távora, Rio Branco,

Joaquim Nabuco, Eduardo Prado, Raul Pompéia, Luís Guimarães, Raimundo Correia;

membros da Academia Brasileira de Letras: Machado de Assis, Visconde de Taunay,

Rio Branco, Nabuco de Araújo, José do Patrocínio, Euclides da Cunha.

A maioria dos autores brasileiros escolhidos para a 6ª edição era monarquista,

alguns de convivência muito próxima com Dom Pedro II. Entre eles havia ministros e

diplomatas. A exceção era Machado de Assis que não frequentou o ensino

secundário.

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Fig. 4, “Antologia Nacional”, 6ª edição, 1913.

A 25ª edição da “Antologia Nacional”, de 1945, inclui quinze autores brasileiros,

com ênfase ao seu posicionamento republicano: Alberto de Oliveira, Alphonsus

Guimaraens, Aluísio Azevedo, Augusto dos Anjos, Coelho Neto, Cruz e Sousa, Farias

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Brito, França Junior, Graça Aranha, Hermes Fontes, Manuel Antonio de Almeida,

Mário Pederneiras, Olavo Bilac, Rui Barbosa, Vicente de Carvalho.

Fig.5, “Antologia Nacional”, 25ª edição, 1945.

Entre 1943 e 1951 o conteúdo de história literatura brasileira concentrava-se

no 3º ano do, então, colegial, e o conteúdo de história da literatura portuguesa

concentrava-se no 2º ano; um ensino estritamente historicista e determinista,

direcionado aos jovens da elite brasileira, quase a totalidade dos alunos do curso

colegial (MACEDO, 2010).

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Fig. 6, “Antologia Nacional”, 43ª edição, 1969.

Nas obras aprovadas pelo Ministério da Educação e constantes do “Guia de

Livros Didáticos PNLD 2015” para o triênio 2015/2016/2017, alguns dos autores e

obras apresentados na 1ª edição de “Antologia Nacional” de 1895, conforme Razzini

(2000) ainda se mantém como José de Alencar, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo,

Castro Alves, Almeida Garrett, Luís de Camões, Pe.Antonio Vieira e Camilo Castelo

Branco. Abaixo, segue levantamento realizado na coleção “Vozes do mundo:

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literatura, língua e produção de texto”, volumes 1, 2 e 3, Editora Saraiva, sendo o

volume 3, parte integrante do corpus deste estudo.

Para o 1º ano do Ensino Médio, a coleção traz os portugueses Bocage, Gil

Vicente, Luís de Camões, Pe..Antonio Vieira e Sá de Miranda. Em literatura brasileira,

os autores estudados são: Cláudio Manuel da Costa, Gregório de Matos, José de

Anchieta e Tomás Antonio Gonzaga. No 2º ano, a literatura portuguesa é contemplada

por meio de Almeida Garrett, Antero de Quental, Camilo Castelo Branco, Camilo

Pessanha, Cesário Verde e Eça de Queiroz. A literatura brasileira é apresentada ao

aluno pela obra dos autores: Alphonsus de Guimaraens, Aluísio Azevedo, Álvares de

Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Cruz e Sousa, Gonçalves Dias, Joaquim

Manuel de Macedo, José de Alencar, Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida,

Martins Pena, Olavo Bilac, Raul Pompéia e Visconde de Taunay. O volume 3, que

será analisado no próximo capítulo quanto ao seu conteúdo de literatura africana

lusófona traz apenas três autores portugueses: Fernando Pessoa, José Saramago e

Mário de Sá-Carneiro para vinte e três brasileiros: Alcântara Machado, Augusto dos

Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Érico

Veríssimo, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa,

João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, Jorge de Lima, José Lins do Rego, Lima

Barreto, Lúcio Cardoso, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Nelson

Rodrigues, Oswald de Andrade, Rachel de Queiroz e Vinícius de Moraes. O terceiro

volume da coleção reserva espaço para autores brasileiros contemporâneos como

Adélia Prado, Augusto de Campos e Caio Fernando Abreu, entre outros, e oito autores

africanos lusófonos, dentre os quais, José Luandino Vieira, Mia Couto e Pepetela.

No volume 1, a coleção apresenta cinco autores portugueses e quatro autores

brasileiros, num panorama bem equilibrado. No volume 2, são seis autores

portugueses para quinze autores brasileiros. Já no volume 3, de todos os cinquenta

autores trabalhados, apenas três são portugueses. Os demais autores apresentados

dividem-se em oito africanos lusófonos contemporâneos, vinte e três brasileiros

pertencentes à tradição literária e dezoito brasileiros contemporâneos.

Na somatória total de autores apresentados nos três volumes da Coleção

“Vozes do mundo: literatura, língua e produção de texto”, tem-se quatorze

portugueses, quarenta e dois brasileiros pertencentes à tradição literária, dezoito

brasileiros contemporâneos e oito africanos lusófonos contemporâneos.

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Atualmente, a literatura brasileira é um conteúdo da disciplina Língua

Portuguesa. Não se verifica mais a tentativa de construção de uma identidade

nacional nem uma preocupação com o discurso do colonizador. As noções de região

cultural, nacionalidade e nação se modificaram. Os parâmetros de composição do

cânone literário são questionados, assim como a universalidade do sistema europeu,

abrindo-se espaço para o surgimento de novas vozes literárias como a africana e a

feminina. (OLIVEIRA, 2008)

A reforma promovida pela Lei 5.692/71, conduzida por uma concepção

nacionalista e tecnicista do ensino, ratificou a historiografia literária, a memorização

de períodos, autores, obras e datas, a presença de estudos dirigidos, roteiros de

interpretação, fichas de leitura e exercícios preparados diretamente para o aluno.

(MARTINS, 2006)

A partir de 1977, com a Proposta Curricular de Língua Portuguesa: 2º grau

(PCLP) pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), vinculada à

Secretaria de Educação do Estado, houve a valorização da língua portuguesa, da

literatura brasileira e da literatura portuguesa no currículo. O ensino da literatura

deveria desenvolver habilidades de comunicação, expressão, observação e análise

das estruturas e processos linguísticos; propiciar aos alunos as ferramentas para a

percepção de elementos significativos da cultura brasileira. Era uma proposta

genérica com foco nos objetivos e não mais no conteúdo, cabendo ao professor a

tarefa de refletir e a responsabilidade de optar pelos conteúdos e métodos mais

pertinentes para o ensino da língua e da literatura. A “Proposta” não possuía um

caráter impositivo, mas apresentava sugestões e orientações de forma não normativa

(MACEDO, 2010)

No Brasil, anos 1970, com um ensino de caráter tecnicista, exigia-se do aluno

apenas as leituras mínimas, uma vez que o objetivo era suprir as exigências do

mercado de trabalho. Literatura passou a ser sinônimo de textos resumidos, obras

condensadas para o vestibular, as provas de múltipla escolha correspondendo à

ideologia da objetividade, o contrário do que requer o processo de formação do leitor

crítico, conforme bem exemplifica MARTINS:

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Formar para o gosto literário, conhecer a tradição literária

local e oferecer instrumentos para uma penetração mais

aguda nas obras – tradicionalmente objetivos da escola

em relação à literatura – decerto supõem percorrer o

arco que vai do leitor vítima ao leitor crítico (2006, p. 68).

Em 1981, foi publicado pelo governo federal o documento “O Ensino da língua

portuguesa e literatura brasileira no 2º grau: sugestões metodológicas”, sob

coordenação de Magda Soares. A disciplina de Língua Portuguesa era abordada de

maneira ampla, fazendo-se referências a teorias linguísticas que contrapunham

behaviorismo e inatismo, defendendo que a literatura precisava ser lida para ser

aprendida. A abordagem proposta enfatizava o panorama histórico, social e

econômico do período a ser estudado. (MACEDO, 2010)

O conjunto de documentos publicados a partir da Lei 9.394/96, como as

“Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino Médio” e os “Parâmetros Curriculares

Nacionais – Ensino Médio” buscam um caminho para o ensino da literatura trilhado

por meio do conhecimento com significado para o aluno, da interdisciplinaridade,

participação social, compromisso com a cidadania e da integração do estudante com

o mundo globalizado. (MARTINS, 2006)

A partir da década de 1990, com a publicação do PCN do Ensino Médio, foi

dada maior relevância não só aos novos modelos de leitura operados na escola como

à abordagem textual integrada a aspectos gramaticais e à estruturação textual numa

perspectiva interdisciplinar, e à própria leitura em si. Contudo, a defasagem dos alunos

brasileiros na leitura de diferentes gêneros textuais ainda é evidente conforme

mostram os resultados em avaliações como PISA e Provinha Brasil, por exemplo.

(SANTOS, 2014)

Programas como “Mais Cultura” e “PNBE” têm como objetivo principal o

incentivo à leitura de textos literários com a distribuição de livros às escolas públicas

brasileiras. Devido às avaliações bianuais dos manuais de língua portuguesa do

Ensino Médio, a abordagem dos textos literários constantes nos livros didáticos

começa a deixar de ser tão superficial. Os catálogos dos manuais que o MEC distribui

englobam resenhas das obras aprovadas e explicações sobre as atividades de leitura.

Nas avaliações dos livros do PNLD-EM são apresentadas orientações sobre

atividades de leitura dos textos literários. (SANTOS, 2014)

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Apesar de ser o texto literário o elemento essencial no ensino da literatura, os

fragmentos de obras literárias contemplados nos livros didáticos são trabalhados

como leitura obrigatória, indicação de ponto de partida para atividade de produção

textual, ou, pior, exercícios de gramática, realização de leitura apressada, textos de

pouca densidade de pensamento e elaborados em linguagem excessivamente

simplificada, além de vocabulário restrito. Aguiar e Bordini (1993) afirmam que tal

método de ensino de literatura tem suas origens na pedagogia jesuítica, o que

demonstra a urgência da necessidade de revisão dos conceitos de funções da

literatura, funções estas já identificadas por Cândido (2012): formadora, social e

psicológica. Além das funções estabelecidas por Cândido (2012), a literatura participa

da formação de um leitor questionador, emancipado, capaz de refletir sobre o que lê

e sobre o contexto em que está inserido. (COSTA, 2004)

Para Kleiman (2000) a leitura estabelece a interação entre o autor e o leitor, um

ato social entre os dois sujeitos. O espaço social que o leitor ocupa, seu sistema de

crenças, atitudes e valores interferem na construção do sentido do texto. A leitura, ato

intertextual também é uma prática social, que remete a outros textos e a outras

leituras.

Cabe notar aqui que o contexto escolar não favorece a delineação de objetivos específicos em relação a essa atividade. Nele a atividade de leitura é difusa, muitas vezes se constituindo apenas em um pretexto para cópias, resumos, análises sintáticas e outras tarefas do ensino de língua (KLEIMAN, 2000)

Por meio dos sentimentos de suas personagens, os conflitos que vivenciam, a

obra literária guia o leitor pelos caminhos da reflexão sobre a condição humana e

sobre sua própria existência, alcançando, como resultado, uma maior compreensão

de si mesmo e do outro. (VIEIRA, 2008)

(...) se o ensino literário na escola deixasse de ser visto nesses termos e passasse a ser considerado como educação literária, isto é, se passasse a ter como objetivo a formação de um leitor cada vez mais competente nesse terreno, o enfoque literário na escola poderia ser integrado basicamente ao âmbito da aprendizagem leitora. (COLOMER, 2007)

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A escola tem falhado na missão de formar leitores capazes de interpretar as

mensagens próprias de uma cultura escrita, nunca conseguindo assegurar que as

obras literárias fossem realmente admiradas; a leitura de fragmentos de textos

literários sempre predominou. Há um debate contemporâneo sobre o ensino da

literatura e uma busca por um modelo de ensino literário que possibilite o

desenvolvimento da competência interpretativa por meio da leitura. Dentro deste

debate questiona-se se a escola deve ensinar literatura ou se esta deve ensinar a ler

literatura. Deve ensinar a saber literatura ou a ler literatura? A literatura perdeu seu

poder simbólico tanto na escola quando no mundo. (COLOMER, 2007)

1.2 A escritura literária negra na literatura brasileira ou afro-brasileira: uma

realidade muito anterior à lei 10.639/2003

A Lei 10.639/2003 ao buscar a valorização da população negra brasileira e suas

contribuições à formação da cultura nacional, ao perseguir a desconstrução de

ideologias preconceituosas e discriminatórias, propondo o ensino da história e da

cultura africanas nas disciplinas História, Artes e Literatura, acabou por provocar um

processo de busca e ressignificação das práticas educacionais; uma atualização

curricular da disciplina de Literatura, configurando-se um norteador e um incentivador

do estudo e da reflexão sobre as relações étnicas e raciais na sociedade brasileira. A

escola pode agora, tendo a Lei 10639/2003 como norte, repensar e reorganizar o

currículo, de História, Artes e Literatura, posicionando-se como o espaço de formação

e reflexão que deve ser.

O conteúdo de literatura africana lusófona extrapola em muito a posição de

apenas mais informações a serem trabalhadas em sala de aula, ou mais um capítulo

no livro didático; ela extrapola também a finalidade estética e expressa valores éticos,

culturais, políticos e ideológicos.

Os escritores negros foram tratados na literatura brasileira da mesma forma

marginalizadora com que sua etnia foi tratada no processo de construção da

sociedade brasileira. Para Proença Filho (2004), percebe-se duas vozes negras na

literatura brasileira. A primeira, tem a condição do negro como seu tema, porém em

uma visão distanciada. A segunda apresenta o negro como sujeito em uma atitude

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compromissada. A primeira, distante, é a literatura sobre o negro. A segunda,

compromissada, é a literatura do negro.

Produções literárias que fogem ao projeto de nação estabelecido para o Brasil,

projeto em que o nacional é um bloco homogêneo, como a cultura de matriz africana,

em geral tendem a permanecer à margem, ignoradas, inferiorizadas ou conhecidas

majoritariamente dentro de sua comunidade étnica original. Para Peixoto (2007), é

enorme a contribuição do texto literário na construção deste discurso ideológico.

Desde o século XIX, no Brasil, produções literárias trabalham na construção do nosso

imaginário de nacionalidade, desde indianismo romântico de “Iracema” de José de

Alencar e a formação do verdadeiro homem brasileiro, mestiço por excelência,

harmoniosamente, sem a violência da escravidão nem as agressões sofridas pelos

indígenas durante a colonização.

Apesar de ainda não ser conhecida de muitos brasileiros, a literatura afro-

brasileira mostra crescente vigor, longe porém de ser um fenômeno contemporâneo,

remontando ao século XVIII e ao sacerdote, músico e poeta árcade brasileiro,

Domingos Caldas Barbosa. Caldas Barbosa, mestiço, filho de escrava angolana,

satirizava os portugueses com tamanha maestria que chegou a fazer sombra ao poeta

português Manuel Maria Barbosa du Bocage. Pertenceu à Academia de Roma sob o

pseudônimo de Lereno Selinumtino. (DUARTE, 2011)

Para Duarte (2011), no Movimento Modernista da primeira metade do século

XX pode-se resgatar a tradição negrista em Jorge de Lima com seus “Poemas

Negros”, Raul Bopp (“Urucungo”), Menotti Del Pichia, Cassiano Ricardo ou os

escritores do grupo mineiro “Leite Criôlo”, entre outros, mesmo que repleta de

diferenças se a compararmos com a produção mais recente observada do grupo

paulistano de escritores, fundado em 1980, “Quilombhoje”, por exemplo. Para ele, o

grupo empresta um outro sentido ao conceito de literatura negra, tematicamente

reduzido, esquecendo-se do pertencimento étnico e da perspectiva autoral.

Desde a década de 1980, a escritura negra tanto em produção quando em

número de escritores vem aumentando, assim como também vem aumentando o

espaço que ambos ocupam na cultura brasileira, em relação biunívoca com o

movimento negro. Mecanismos como a Lei Federal nº 10.639/2003 e outras ações

afirmativas pertinentes ao tema, contribuem para o processo afirmativo de

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pertencimento étnico afro-descendente, para uma reflexão crítica sobre os conceitos

de literatura negra e de literatura afro-brasileira.

Proença Filho (2004) acredita que assumir a literatura como “literatura negra”,

um espaço de afirmação cultural, de afirmação de si mesmo enquanto sujeito, pode

gerar novos e diferentes riscos de marginalização ao negro. Para ele, uma literatura

negra pode ser concebida como aquela produzida por negros e/ou por descendentes

assumidos de negros, impregnada de suas visões de mundo, ideologias, específicas

de condicionamentos sociais e históricos, reivindicadora de direitos do grupo étnico

em questão, atuante contra discriminações. Ele entende que o termo “literatura negra”

perpetua o negro na posição de “outro” e não de brasileiro, isolando-o em um espaço

enquanto busca por sua identidade própria. Ele propõe que seja assumida uma

igualdade na construção da nacionalidade brasileira; que se reivindique a cidadania

plena; que as atitudes sejam de engajamento. Porém, sem discriminar nem apartar a

si mesmos do grupo maior, tampouco a sua produção literária, como se esta não

estivesse em nada relacionada à produção literária brasileira. A causa do negro

brasileiro é o centro dos textos literários produzidos pela literatura negra e que sua

busca por afirmação cultural se concretiza por meio de revelações, denúncias,

rupturas, produtos culturais afirmativos, resgate dos mitos, reaproximação cultural

com a África, repensar da escravidão, releitura das revoltas, situação do negro e de

seus descendentes na construção socioeconômica do país e sua marcada

participação nos tempos heróicos da formação da nacionalidade, das contribuições

linguísticas colocadas à língua portuguesa do Brasil. Para Proença Filho (2004) deve

sim haver uma afirmação e singularização da identidade negra por meio da literatura,

mas sem estigmatizá-la nem segregá-la. Antes, integrando-a à arte literária brasileira

e universal, espaço que os negros e seus descendentes devem ocupar.

O termo literatura “afro-brasileira”, remeteria às tensões inerentes ao processo

de mescla étnica, cultural, linguística e religiosa existente no Brasil desde a chegada

dos primeiros africanos. Para Duarte (2011), devido ao amplo conjunto de variações

fenotípicas naturais à mestiçagem, termos como “afro-brasileiro” ou “afrodescendente”

podem ser tão representativos da etnicidade quanto o termo “pardo”. Independente

do termo selecionado, para ele não há no Brasil uma literatura 100% negra que possa

ser considerada sinônimo de africana. Assim como o continente africano não constitui

um bloco homogêneo, a literatura afro-brasileira e suas manifestações (romances,

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contos, poemas...) não é uma concepção originária unicamente do Atlântico Negro,

principalmente num universo cultural como o brasileiro. O reconhecimento da afro-

brasilidade de nossa produção literária quebra a hegemonia do conceito de literatura

brasileira como “ramo” da literatura portuguesa, principalmente quando a afro-

brasilidade ergue o negro à posição de sujeito de sua própria enunciação.

Temas como o resgate da história do povo negro na diáspora brasileira, a

denúncia da escravidão e suas consequências, a glorificação de heróis negros como

Zumbi dos Palmares estão presentes em exemplos da literatura brasileira. A

escravidão foi denunciada por Maria Firmina dos Reis no romance “Úrsula” de 1859 e

em “Motta Coqueiro ou a pena de morte” de 1878 da autoria de José do Patrocínio.

Os feitos gloriosos dos quilombolas foram retratados em “Canto dos Palmares” de

Solano Trindade, em 1961 e “Dionísio esfacelado” de Domício Proença Filho, 1984.

Vários autores brasileiros escreveram sobre o estigma do 14 de maio de 1888

(o longo dia após a abolição da escravatura, que se prolongou pelas décadas

seguintes, chegando ao século XXI), entre eles, Lima Barreto e Carolina Maria de

Jesus.

Castro Alves, apesar de possuir o epíteto “poeta dos escravos” não produziu

literatura afro-brasileira, não reivindicou para si a condição de afro-descendente nem

incluiu esta condição em seu projeto literário. A autoria não é um aspecto exterior à

obra . Para Duarte (2011) , o ponto de vista que o autor adota, indica sua visão de

mundo e seu universo de valores. A ascendência africana ou a utilização do tema são

insuficientes para transformar um obra em literatura afro-brasileira, sendo necessário

que a obra apresente uma perspectiva que se identifique à história, à cultura, às

condições de existência e à toda a problemática dos negros. Castro Alves, não

conseguiu desvencilhar-se de sua criação escravagista. Contudo, indignava-o o

sofrimento dos negros, vistos por ele como seres humanos. A escravidão, para o

escritor, era uma mancha da qual o Brasil precisava se limpar. Alves não procurou a

cultura nem a psicologia do negro, comparava-o ao branco, banqueava-o moralmente

para angariar a simpatia dos leitores burgueses. (PROENÇA FILHO, 2004)

Muito diferente de Castro Alves, mesmo sem nunca ter reconhecido sua

condição étnica, o menino pobre nascido no Morro do Livramento, filho de um pintor

de paredes e de uma lavadeira, o mestiço Machado de Assis, cronista, crítico literário,

poeta e ficcionista, em nenhuma página de sua vasta literatura escreveu uma única

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linha a favor da escravidão ou da suposta inferioridade de negros ou mestiços. Fala

como um dos oprimidos e usa a literatura como denúncia; isto inclui parte de sua obra

no âmbito da afro-brasilidade.

Autores do século XIX , afrodescendentes, foram submetidos à hegemonia do

embranquecimento como regra para evitar sua morte social, e ao pensamento

cientifico que os impedia de se auto-declararem negros ou mulatos, a exemplo de

Maria Firmina dos Reis, maranhense que, em 1859, aos 22 anos, escreveu o primeiro

romance abolicionista brasileiro, e o grande Machado de Assis. Apesar da literatura

de ambos não ser considerada uma ‘literatura negra”, tampouco pouco pode ser

literatura “negrista” ou “sobre o negro”, pois é notável o seu ponto de vista interno e

comprometido com o tema, um olhar não-branco e não-racista, por meio do qual

expressaram sua visão de mundo.

Na literatura sobre o negro, este ou seu descendente é o personagem, envolto

no contexto da realidade histórico-cultural do Brasil, porém predominam ideologia,

estética, atitudes e estereótipos brancos. Exemplo de literatura sobre o negro pode

ser encontrado na literatura brasileira desde o século XVII, com Gregório de Matos:

Que falta nesta cidade?... Verdade.

Que mais por sua desonra?... Honra.

Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,

Por mais que a fama a exalta

Numa cidade onde falta

Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.

Quem causa tal perdição?... Ambição.

E a maior desta loucura?... Usura.

Notável desaventura

De um povo néscio e sandeu

Que não sabe que o perdeu

Negócio, ambição, usura.

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Quem são seus doces objetos?... Pretos.

Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.

Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,

Dou ao demo a gente asnal,

Que estima por cabedal

Pretos, mestiços, mulatos .

(“Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os seus membros e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia”)

Publicado em 1872, “A Escrava Isaura” de Bernardo Guimarães, é a escrava

nobre, branqueada, que venceu depois de sacrifícios, humilhações e perseguições,

sempre defendendo a abolição. Em 1881, Aluísio de Azevedo publica, “O Mulato”, no

qual Raimundo, mulato de olhos azuis, submetia-se mas denunciava o preconceito

sofrido. Já Fagundes Varela, em 1864, inova ao criar “Mauro, o escravo”, um negro

herói. Contudo, o autor peca ao não conseguir afastar-se do branqueamento. “O

Demônio Familiar” de José de Alencar e “O cego”, de Joaquim Manuel de Macedo,

apresentam o negro como infantilizado, serviçal e subalterno. O estereótipo da

animalização ganha ênfase na personagem Bertoleza da obra “O Cortiço” (1900), de

Aluísio Azevedo. Quanto mais seu amante e proprietário João Romão progredia e

enriquecia, mais a escravizava e humilhava. Trajano Galvão de Carvalho em “O

Calhambola” deu voz ao negro, defendendo a causa abolicionista. Joaquim Manoel

de Macedo, em “As Vítimas Algozes” (1873) cria um negro-demônio, cujas

características humanas foram destruídas pela escravidão. A mesma fórmula se

repete em “Mota Coqueiro” de José do Patrocínio (1877), “O Rei Negro” (1914) de

Coelho Neto, “A família Medeiros” (1892) de Júlia Lopes de Almeida. Em “O Bom

Crioulo” (1885) de Adolfo Caminha, o leitor é surpreendido com um enredo de

homossexualidade e em “”A Carne” (1888) de Júlio Ribeiro, a personagem central,

Lenita, branca, entrega-se à promiscuidade com os escravos. “O Presidente Negro”

de Monteiro Lobato questiona o caráter dos negros. O poema “Juca Mulato” (1917) de

Menotti del Picchia, busca valorizar o mulato, mostrando o lado emocional do

personagem, um poema de vanguarda para o momento. A sensualização do negro é

a marca dos personagens Rita Baiana e Firmo de “O Cortiço”, do poema “Nega Fulô”

(1929) de Jorge de Lima e das mulatas de Jorge Amado, sendo este último o que mais

contribuiu na construção do negro simpático, mesmo que estereotipado, como o

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personagem Jubiabá do romance “Jubiabá” (1955) e a personagem Gabriela de

“Gabriela, Cravo e Canela” (1958). (PROENÇA FILHO, 2004)

A literatura que trouxe o negro como sujeito, demonstrando uma atitude

compromissada surgiu com Luís Gama (1850-1882), filho de africana com fidalgo

baiano e o primeiro a falar do amor por uma negra. “Clara dos Anjos” (1922), romance

de Lima Barreto (1881-1922), apresenta ao leitor as humilhações, traições e

sofrimentos da mulata do subúrbio carioca. Segundo Proença Filho (2004) é em 1930

– 1940 que a literatura passa a ter uma voz engajada, ganha força nos anos 1960 com

escritores assumindo-se negros ou descendentes, e nos anos 1970 e 1980 passa a

se preocupar com a afirmação cultural do negro na realidade brasileira. A partir dos

anos 1990, a literatura toma posições a medida em que estreita relações com os

movimentos de conscientização dos negros brasileiros, expressando em suas páginas

um maior compromisso com a etnia. Este momento é personificado na obra de

diversos escritores brasileiros entre os quais pode-se destacar “Axés do Sangue da

Esperança”, Abdias Nascimento, (1983); “Axé” – Antologia da poesia negra

contemporânea (1982), organizada por Paulo Colina; “A Razão da Chama” - Antologia

de poetas negros brasileiros (1986), com coordenação e seleção de Oswaldo de

Camargo; “Poesia Negra Brasileira” (1992), organizada por Zilá Bernd; “Pablo” (1975),

“A rosa da recusa”, (1980), Arnaldo Xavier ; “Poemas da carapinha” (1978), “Sol na

garganta” (1979”, “Batuque de tocaia”(1982), Cuti (Luís Silva);

Segundo análise de Proença Filho (2004) a maior parte dos poemas listados acima

não mostra preocupação com a linguagem. A quase totalidade deles centraliza sua

temática na tomada de posição e no comprometimento ideológico, perdendo a

característica literária e assumindo um caráter de manifesto. Na prosa, ele destaca

“A maldição de Canaã” (1951), de Romeu Crusoé, “A mulher de Aleduma” (1956), de

Aline França e, no âmbito da literatura-testemunho, “Quarto de despejo” (1960), “Casa

de alvenaria”, (1961) e “Diário de Bitita” (1986) de Carolina Maria de Jesus.

A escritura literária negra mostra-se ainda limitada no livro didático de língua

portuguesa que, estruturado a partir da tradicional abordagem historiográfica da

literatura brasileira, reedita a conservadora classificação de autores e períodos

estético-literários tendo como base o conceito de nação, tornando pobre a convivência

do aluno do Ensino Médio com o texto literário brasileiro e comprometendo a formação

do aluno-leitor-literário. PEIXOTO (2007)

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Em 1859, o poeta Luiz Gama, publicou o poema “Se tu queres, meu amigo” em

”Primeiras trovas burlescas de Getulino”, parte reproduzido abaixo. "Primeiras Trovas

Burlescas", colocou-o no panteão literário do Brasil apenas doze anos depois de ter

sido alfabetizado.

Desculpa, meu caro amigo,

Eu nada te posso dar;

Na terra que rege o branco,

Nos privam té de pensar!...

Luiz Gonzaga Pinto da Gama, baiano nascido em 1830, era filho de fidalgo

português e negra livre com intensa participação nas insurreições de escravos. Sua

mãe, mais tarde, seria mitificada pelo Movimento Negro. Vendido pelo próprio pai

como escravo aos 10 anos de idade para pagamento de uma dívida de jogo, Luiz

Gama foi alfabetizado aos 17 anos, alistando-se na Força Pública da Província ou

Corpo de Força da Linha de São Paulo, graduando-se cabo e saindo em 1854.

Em 1880, Luiz Gama escreveu carta autobiográfica a seu amigo Lúcio de

Mendonça na qual descreve sua mãe, Luísa Mahin, transformada em heroína pelo

Movimento Negro (LIMA, 2009):

"Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação) de nome Luísa Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã.

Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, insofrida e vingativa.

Dava-se ao comércio – era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que não tiveram efeito.

Era dotada de atividade. Em 1837, depois da Revolução do dr. Sabino, na Bahia, veio ela ao Rio de Janeiro e nunca mais voltou. Procurei-a em 1847, em 1856 e em 1861, na Corte, sem que a pudesse encontrar. Em 1862, soube, por uns pretos minas que conheciam-na e que deram-me sinais certos, que ela, acompanhada de malungos desordeiros, em uma “casa de dar fortuna”, em 1838, fora posta em prisão; e que tanto ela como os seus companheiros desapareceram. Era opinião dos meus informantes que esses ‘amotinados’ fossem mandados pôr fora pelo governo, que, nesse tempo, tratava rigorosamente os africanos livres, tidos como provocadores. Nada mais pude alcançar a respeito dela".

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Nesta mesma carta autobiográfica, Luiz Gama escreve sobre o pai:

"Meu pai não ouso afirmar que fosse branco, porque tais afirmativas, neste país, constituem grave perigo perante a verdade, no que concerne à melindrosa presunção das cores humanas: era fidalgo e pertencia a uma das principais famílias da Bahia de origem portuguesa. Devo poupar à sua infeliz memória uma injúria dolorosa, e o faço ocultando o seu nome.

Ele foi rico; e nesse tempo, muito extremoso para mim: criou-me em seus braços. Foi revolucionário em 1837.[nota 4] Era apaixonado pela diversão da pesca e da caça; muito apreciador de bons cavalos; jogava bem as armas, e muito melhor de baralho, amava as súcias e os divertimentos: esbanjou uma boa herança, obtida de uma tia em 1836; e reduzido a uma pobreza extrema, a 10 de novembro de 1840, em companhia de Luís Cândido Quintela, seu amigo inseparável e hospedeiro, que vivia dos proventos de uma casa de tavolagem, na cidade da Bahia, estabelecida em um sobrado de quina, ao largo da praça, vendeu-me, como seu escravo, a bordo do patacho "Saraiva".

Jornalista, maçom e funcionário público, Gama começou a carreira jornalística

junto ao caricaturista Angelo Agostini; ambos fundaram, em 1864 o primeiro jornal

ilustrado humorístico paulistano, “Diabo Coxo”. Em 1866, com Agostini e Américo de

Campos, também maçom, criaram o hebdomadário “Cabrião”.

Na década de 1860 seu trabalho como jornalista e colaborador de diversos

periódicos progressistas rendeu-lhe merecido destaque. Na literatura, seus poemas

satirizavam a aristocracia e os poderosos o que lhe garantiu a oposição dos

acadêmicos conservadores. Hoje, é reconhecido como um dos grandes

representantes da segunda geração do romantismo brasileiro.

Fundador da Loja Maçônica América, ao lado de Ruy Barbosa, teve

participação intensa nas causas republicana e abolicionista.

Já casado frequentou o Curso de Direito do Largo do São Francisco – hoje

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Por ser negro, enfrentou a

hostilidade de professores e alunos. Apesar de não ter concluído o curso, o

conhecimento adquirido permitiu que atuasse na defesa jurídica de negros escravos.

Conquistou judicialmente a própria liberdade e passou a atuar na advocacia

defendendo, principalmente, negros cativos. Aos 29 anos, era autor consagrado e um

grande abolicionista. Foi um dos raros intelectuais negros no Brasil escravocrata do

século XIX, atuante opositor da monarquia (FERREIRA, 2007)

Seu trabalho na causa emancipacionista dos negros enquanto ainda eram

vigentes as leis escravocratas, rendeu-lhe o apelido de “Apóstolo Negro da Abolição”.

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Em sua carta autobiográfica a Lúcio de Mendonça, Gama menciona que acredita ter

libertado do cativeiro mais de 500 escravos. Durante um júri, Luiz Gama proferiu uma

frase que se tornou célebre: "O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância

for, mata sempre em legítima defesa" — a reação provocada nos presentes obrigou o

juiz a suspender a sessão. (LIMA, 2009)

Faleceu em 24 de agosto de 1882 e foi sepultado no Cemitério da Consolação,

na presença de 3.000 pessoas numa São Paulo de 40.000 habitantes. O poeta Raul

Pompéia (1863-1895) imortalizou Luiz Gama e seus feitos escrevendo na ocasião:

" (...) não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade, uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação, como quem pede esmola; outros mostrando as mãos inflamadas e sangrentas das pancadas que lhes dera um bárbaro senhor; outros... inúmeros. E Luís Gama os recebia a todos com a sua aspereza afável e atraente; e a todos satisfazia, praticando as mas angélicas ações, por entre uma saraivada de grossas pilhérias de velho sargento. Toda essa clientela miserável saía satisfeita, levando este uma consolação, aquele uma promessa, outro a liberdade, alguns um conselho fortificante. E Luís Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia ilumi nando à custa da própria vida as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro...E, por essa filosofia, empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bom...Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o que lhe vinha das mãos de algum cliente mais abastado."

A morte de Luiz Gama e o discurso engajado em seu enterro marcaram o fim

da primeira fase do movimento abolicionista, uma fase "legalista", caracterizada pela

constituição de fundos para a aquisição de cativos e sua alforria, ações judiciais

libertadoras e deu início a um segundo momento, de ações efetivas de combate aos

escravistas. Nesta segunda fase, comandada por Clímaco Barbosa, os escravos

fugidos eram acolhidos, escondidos nas residências até serem encaminhados ao

Quilombo do Jabaquara, em Santos. O novo momento estimulou a fuga em massa

das fazendas.(MACHADO, 2004)

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 2015, 133 anos após a morte de

Luiz Gama, concedeu-lhe o título de "advogado”.

O leitor afrodescendente define-se por sua especificidade cultural e pelo anseio

em afirmar sua identidade; a literatura é um gesto político mais que um prazer. O

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escritor de literatura afro-brasileira desempenha também o papel de porta-voz de sua

comunidade, a quem cabe combater estereótipos, reverter valores, construir auto-

estimas, intervindo num processo complexo (social, histórico, político, econômico) ,

estimular o pensamento crítico, contestador e transformador da estrutura social

vigente. (DUARTE, 2011).

De todos os livros didáticos analisados para este estudo, apenas “Língua

Portuguesa”, Hernandes e Martin (2013), preocupou-se em apresentar ao alunado

autores e textos de literaturas afro-brasileira, estabelecendo diálogo entre estes e os

autores e as obras tradicionalmente constantes dos livros didáticos de língua

portuguesa. O livro abriu espaço para a literatura afro-brasileira com os “Cadernos

Negros: os melhores poemas”, organizado pelo grupo “Quilombhoje” e vários autores

como Solano Trindade, Miriam Alves, Márcio Barbosa entre outros. A maior parte dos

livros didáticos analisados não utilizam os termos “literatura afrobrasileira” ou

“literatura negra” e tendem a silenciar sobre seus representantes de peso como

Carolina de Jesus, Luiz Gama, Solano Trindade. Quando mencionados, observa-se

uma alienação destes autores quanto a sua condição de afrodescendente; postura

que mantém a produção literária afro-brasileira ainda mais à margem que a produção

literária africana lusófona. O tratamento dedicado a cada uma é diferente, assim como

também o é do tratamento destinado às literaturas brasileiras, portuguesas e seus

autores e obras já consagrados, num processo de silenciamento que reflete o

processo histórico imposto aos negros e seus descendentes. A Lei federal

10.639/2003, no entanto, é clara ao especificar a obrigatoriedade do ensino da história

e cultura afro-brasileira e africana.

A análise dos livros didáticos fez surgir a percepção de que o processo de inserção

do novo conteúdo especificado pela Lei federal 10.639/2003, subdivide-se em dois

ramos: a literatura africana lusófona e a literatura afrobrasileira. Neste momento,

parece que obras e autores afro-brasileiros enfrentam mais resistência por parte de

autores e editores de livros didáticos de língua portuguesa do que o conteúdo de

literatura africana lusófona. A luta da literatura afro-brasileira e seus produtores para

se tornarem conhecidos dos leitores/alunos-leitores/leitores-literários brasileiros

deverá perpassar também para o desafio de serem inseridos nos livros didáticos de

língua portuguesa.

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1.3 A ausência do cânone literário na literatura africana lusófona

Na abertura do Congresso “Língua Portuguesa: uma língua de futuro”, realizado

em Portugal no ano de 2015, o ensaísta português, teórico da literatura, camonista e

autor de diversos estudos sobre a língua portuguesa, Vítor Manuel de Aguiar e Silva

apresentou uma proposta, até o momento, inovadora: a criação de um cânone literário

da língua portuguesa.

Segundo Aguiar e Silva (2015), o cânone literário é um dos instrumentos mais

poderosos e eficientes, mais autorizados e menos autoritários, com grande potencial

para contribuir para a unidade da língua portuguesa. Para ele, o cânone literário da

língua portuguesa, não deve obedecer a uma norma exclusiva tampouco excludente,

mas deve mostrar como os grandes escritores dos diferentes países de língua

portuguesa trabalharam, afeiçoaram e reinventaram nossa língua em comum. A

escolha das obras seria efetuada por entidades indicadas por cada um dos países, e

comporiam uma antologia. Este cânone literário teria também fins escolares, a ser

utilizado igualmente por milhões de alunos portugueses, brasileiros, cabo-verdianos,

guineenses, são-tomenses, angolanos, moçambicanos e timorenses, que

conheceriam a diversidade da língua portuguesa, a dinâmica de cada literatura

nacional, a relação da língua e da literatura com fatores históricos, geográficos,

sociais e étnicos de cada país, desenvolvendo o sentimento de pertencer a uma

comunidade linguística transnacional e transcultural.

Contudo, para autores como Leite (2003) o conceito de cânone literário traduz

um pensamento europeu, enquanto a literatura africana, traz em si uma inerente

transculturalidade, uma relação naturalmente incompatível. Outro ponto de

discordância com a proposta de Aguiar e Silva (2015) é o momento “em

desenvolvimento” da literatura africana, o que dificultaria a identificação de cânones.

Na formação da antologia da literatura em língua portuguesa, a produção literária

africana enfrentaria desvantagens.

O conceito de literaturas africanas de língua portuguesa e afro-brasileira têm

sua origem na experiência colonial lusitana e na relação dos povos colonizados com

os movimentos de diáspora e com o processo de reinvenção de suas tradições,

aspectos que contribuíram na construção das identidades de Angola, Moçambique,

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Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Portugal e Brasil. É por meio desta

identidade que os ex-colonizados representam-se e são representados na produção

literária escrita em língua portuguesa. (SANTOS; OLIVEIRA; LIMA, 2011)

Assim como o conceito de “literatura africana” é determinado pela linha de

conflito do colonialismo, o nascimento de seus cânones é concomitante com a

afirmação anticolonial no qual a cultura assume uma posição importante na

construção de uma identidade africana, negra, contra o conceito ocidental de nação,

fundamentada na homogeneidade linguística e étnica, associada a projetos políticos

protagonizados e moldados à imagem masculina, tendo como momento inicial e

determinante, a luta contra o colonizador.(LEITE, 2003)

É importante ressaltar que esta origem não pode ser fixada unilateralmente,

uma vez que os afro-rizomas, como caules subterrâneos de crescimento horizontal e

algumas porções aéreas, não têm como determinante para o surgimento das

literaturas no Brasil e nos países africanos de língua portuguesa exclusivamente a

influência colonial lusitana. O termo “afro”, na perspectiva da diáspora, ultrapassa o

espalhamento dos povos africanos pelo mundo e passa a referir-se a um novo espaço

simbólico no qual a condição subalterna imposta pela escravização africana é

revertida continuamente na música, na literatura, no campo da produção cultural,

enfim. A literatura afro-brasileira estabelece não apenas uma estética literária negra

como também um diálogo com a África, desafiando o cânone instituído para o qual as

produções e as representações afro-brasileiras sempre foram invisíveis, as literaturas

africanas de língua portuguesa surgem como escritas que ultrapassam os limites

geopolíticos, entrelaçando as tradições e a modernidades, o local e o global. A

diferença questiona o cânone sempre que o “outro” tenta se incluir na homogeneidade.

(SANTOS; OLIVEIRA; LIMA, 2011)

A releitura da colonização lusitana no Brasil e na África tem sido tema

recorrente também na literatura portuguesa contemporânea, desierarquizando a

relação entre as partes envolvidas e redimensionando a própria representação de

Portugal. A literatura contribuiu no processo de formação das tradições nacionais e

construção da identidade no Brasil assim como o faz na África, processo este que

permite ao ex-colonizado abandonar o reflexo do outro lusitano, desatar nós locais e

criar vínculos transoceânicos, desrespeitando limites geopolíticos, expandindo-se

com a ajuda dos mercados editoriais, ações governamentais, sites e blogs da internet,

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que colaboram com a formação de uma rede literária de coletâneas, resenhas,

produções críticas sobre obras. (SANTOS; OLIVEIRA; LIMA, 2011)

A partir dos anos 1980, Portugal institucionaliza a disciplina Literatura Africana

Lusófona em suas universidades; disciplina esta cercada de interesses ideológicos

por parte dos agentes envolvidos, emergidos do processo de dominação colonial. Este

campo (saber literário, crítica e estudos literários) constitui um campo de confrontação

ideológica, onde se fez necessário a descolonização do conhecimento. (FALCONI,

2014)

Não se verifica a existência de uma história da literatura moçambicana ou

angolana ou da literatura africana lusófona. Contudo, a crítica e a academia, ou a

instituição literária (universidade, programas, prêmios literários, teses, estudos

críticos, programas editoriais, antologias, livros críticos, recepção em geral), a partir

dos anos 1980 têm privilegiado certas obras e autores, que alcançaram extra-

oficialmente o status de cânones, por meio de parâmetros formais, temáticos ou

históricos, formados por critérios mais ou menos explícitos de inclusão ou exclusão

de épocas, de outras obras e de outros autores, de acordo com diversos parâmetros,

ora formais, ora temáticos, ora históricos, que ocultam fatores ideológicos e teóricos.

Estas escolhas constroem o cânone crítico, reduzido e com áreas de interesse muito

marcadas e restritas. Formada por uma teia complexa de trocas entre várias tradições,

raízes étnicas e diversidade cultural, as literaturas africanas de língua portuguesa,

como literatura pós-colonial, questionam o discurso crítico e teórico ocidental,

instrumento de dominação e de construção discursiva. A construção de um cânone

crítico implicaria nas transferências culturais do centro para a periferia. (LEITE, 2012).

Até quase até ao final do século XX, a crítica literária africana de língua

portuguesa, seguiu parâmetros afro-centristas, buscando a africanidade nos textos

literários, conjugando ideologia, nacionalismo e pensamento crítico. O primeiro foi o

momento da estética da africanidade, coletiva e populista, da tradição pré-colonial de

contadores, poetas e atores da oralidade. Esta preocupação temática incluía a

recuperação do passado pré-colonial bem como a exaltação da ancestralidade

perdida. A correlação entre literatura e ideologia levou ainda à exagerada exaltação

da dimensão realista e à exclusão de qualquer narrativa que não fosse ideológica.

(LEITE, 2012)

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O segundo momento da crítica literária africana é formal, propõe interpretações

mais ou menos idealistas das formas tradicionais do teatro, da poesia e da ficção, em

que se fundamentam as obras modernas africanas contemporâneas.

A preocupação da terceira fase da crítica literária africana lusófona relacionava-

se ao nativismo linguístico. As línguas africanas eram compreendidas como

depositárias de histórias étnicas e nacionais e as formas narrativas, o léxico, o aparato

retórico, a sintaxe, modulados na história da comunidade linguística. (LEITE, 2012)

Contudo, a literatura africana não pode ser orientada por um único critério

linguístico, mas sim por diferentes línguas de escrita, mesmo havendo uma língua

dominante. Para Leite (2012), a literatura colonial deve ser estudada como elemento

histórico e dialeticamente antagônico, contribuinte da formação do sistema literário

nacional, capaz de legitimar as épocas de formação e de surgimento das primeiras

manifestações literárias.

Mais do que o conteúdo da polémica, o que me interessa

sublinhar aqui é que ela revela o poder dos mecanismos de recepção dos textos literários em situações marcadas pelo factor emergente ou pós-colonial, onde a fronteira entre o que é do próprio e o que é do outro se articula de forma ambígua e prolonga, até aos interstícios da memória, o diálogo/ confronto com o passado colonial, produzindo um efeito de instabilidade do sistema literário, o que dificulta a emergência do cânone. O que paradoxalmente (ou não) em Moçambique não é extensivo a todas as artes.(MENDONÇA, 2010)

Para Leite (2003), a construção de cânones literários ocorre com base num

conceito europeu e as literaturas africanas constroem, ou até mesmo, descerram

caminhos para a discussão de temas transculturais. Para Leite (2003), não é possível

pensar em literatura africana canônica, pois o cânone literário africano ainda está em

desenvolvimento.

Dos livros didáticos analisados para esta dissertação, apenas um, “Língua

Portuguesa” de Roberta Hernandes e Vima Lia Martin (2013) abriu espaço para a

literatura negra. Este também foi o livro que não manteve a literatura africana

aprisionada a uma única unidade, trabalhando o conteúdo em várias unidades ao

longo do volume 3, embora com maior concentração na Unidade 6. As autoras se

propuseram a ampliar e ressignificar o cânone escolar, questionando estereótipos

literários e refletindo sobre a identidade nacional, cultural e literária dos países

lusófonos, a partir do diálogo estabelecido entre as literaturas brasileira africana e

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afro-brasileira. Parece que o livro de Hernandes e Martin (2013) traz novos ventos

para o ensino da literatura africana e afro-brasileira. É um pequeno passo, é verdade.

Mas já representa um progresso ao demonstrar compreender que a literatura afro-

brasileira e africana lusófona necessitam de maior espaço para se afirmarem como

mecanismos estratégicos de definição da autoimagem negra, combatente da dinâmica

social que ainda predomina na sociedade brasileira, hierarquizando, objetificando e

estereotipando indivíduos por sua cor. Tanto a literatura afro-brasileira quanto a

literatura africana de expressão em língua portuguesa problematizam o papel que a

sociedade impõe ao negro, reivindicam um lugar discursivo e trazem à luz o conceito

de nação brasileira e identidade nacional que conhecemos até então; aquele que

apaga o negro como sujeito participante da nossa história e que tem a literatura como

instrumento, testemunha e porta-voz.

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CAPÍTULO 2 Relação entre três aspectos da mesma questão: formação do

docente em Língua Portuguesa e Literatura; livro didático de língua portuguesa

do 3º ano do Ensino Médio; conteúdo de literatura africana lusófona.

Apesar de não ser o tema deste estudo, em se falar sobre o ensino da literatura

africana lusófona, faz-se necessário mencionar as críticas que o ensino da literatura,

de maneira geral, vem sofrendo: a periodização literária, o apego à historiografia

literária, a questão dos autores já consagrados presentes nos livros didáticos – os

cânones literários escolarizados. A área de Literatura ainda é apresentada nos livros

didáticos como uma derivação do ensino de línguas, assim como a produção de

textos, perdendo oportunidades de produzir leituras diferenciadas, de despertar o

interesse por novas leituras, de provocar outros saberes e, consequentemente, de

construir conhecimento. Estudando-se os livros didáticos selecionados para este

trabalho, veio à luz a posição não igualitária com que a literatura africana lusófona é

tratada quando comparada à brasileira e à portuguesa. Neste caso, nem a abordagem

historiográfica a literatura africana lusófona recebe. Não há espaço nem tempo

suficientes para tanto.

O livro “Português: Linguagens” (Cereja; Magalhães) surge com uma proposta

dialógica para o ensino da literatura, com base na tese de doutorado apresentada por

William Cereja em 2004 na PUC – SP. Uma da formas contempladas na proposta

dialógica apresentada por Cereja (2004) em sua tese é o ensino da literatura por

unidades temáticas, a partir das quais seria aberto um amplo leque de leituras,

confrontando autores e gêneros. Por exemplo, ao ser trabalhado o tema “amor” nas

várias épocas da literatura brasileira, devem ser estudados textos em verso e/ou em

prosa de todos os movimentos literários, e trabalhá-los em oposição um ao outro,

identificando diferenças e semelhanças entre eles, discutindo-se as relações entre os

textos, as diferentes concepções de amor e as diferentes formas de abordar o tema

do ponto da expressão verbal, sua relação com o momento histórico e com as

transformações pelas quais a sociedade passa, elaboração de síntese da literatura

produzida na época, dos estilos de época e de seus contextos.

Outra constatação surgida do estudo do corpus escolhido para esta dissertação

foi que os autores dos livros didáticos não parecem estar preocupados em enriquecer

a bibliografia de suas obras preparando-se para escrever sobre literatura africana

lusófona, com exceção de Hernandes e Martin (2013).

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Acredita-se que, ao serem incluídos títulos nas listas de leituras obrigatórias

para os exames vestibulares das universidades brasileiras e fragmentos de textos

literários africanos ou afro-brasileiros em questões de ENEM ou vestibulares, haverá

um reflexo positivo no acolhimento que autores e editoras de livros didáticos têm

dispensado à literatura africana de expressão em língua portuguesa.

Em 2008, a Universidade Federal de Minas Gerais, apresentou em seu exame

vestibular o texto “Ponciá Vicêncio” da escritora afro-brasileira Conceição Evaristo. No

mesmo ano, a Universidade Federal da Bahia, incluiu em sua lista de leituras

obrigatórias, “O último voo do flamingo’, do moçambicano Mia Couto. Em 2016, a

UNICAMP incluiu pela primeira vez, a leitura de “Terra sonâmbula’ também do

moçambicano Mia Couto em sua lista para o vestibular daquele ano e a FUVEST

(Fundação Universitária para o Vestibular), agregou ‘Mayombe”, romance de

Pepetela, pseudônimo literário do angolano Artur Pestano em sua lista para os

exames de 2016, da Universidade de São Paulo e Santa Casa.

O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), em sua prova de 2015,

apresentou aos candidatos questão com o poema “Voz do sangue” do angolano

Agostinho Neto.

Não apenas os livros didáticos, mas também as instituições formadoras do

docente em Língua Portuguesa e Literatura, acredita-se, devem ser atingidas pelo

processo de inserção do conteúdo em exames vestibulares e ENEM. O ensino que

forma profissionais da educação que inserem o conteúdo africano e afro-brasileiro em

sala de aula, e sendo a literatura uma das formas de expressão cultural de um povo,

torna os cursos de graduação em Letras – Língua Portuguesa uma ferramenta

essencial na concretização da ação afirmativa proposta pela Lei federal

nº 10.639/2003.

O professor bem formado é capaz de várias estratégias em sala de aula para

promover a apropriação do saber, a partir do livro didático: ele expõe o conhecimento

ao aluno; interpela; media; desloca; provoca; assume posições; apoia-se em

conhecimentos adquiridos previamente em sua história de vida e em sua cultura

escolar ou em conhecimentos curriculares obtidos nos programas, guias e manuais.

(SANTIAGO; BLANCH; CARVALHO, 2017). É na sala de aula, de posse do livro

didático, que o professor coloca em prática o currículo interativo, o desdobramento do

currículo pré-ativo, trabalhando as situações reais de um universo complexo repleto

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de diversidades. Enquanto o professor na sala de aula promove e concretiza o

currículo interativo, o currículo pré-ativo, conforme definições de Goodson (1995), é

constituído na teoria, ao nível do ideal, estático, um documento escrito pelos

representantes do poder educacional, cujos efeitos práticos só se concretizam no

currículo interativo.

Para Díaz (2011), escrito no livro didático que opera como um organizador de

conteúdos, o currículo torna-se um roteiro para o docente. Na realidade escolar, é o

livro didático que define o currículo e não as diretrizes, tampouco o planejamento.

2.1 Interação ou correlação entre livro didático e formação do docente em

Letras – Língua Portuguesa

O livro didático é uma ferramenta que influi na aprendizagem e pode melhorar

a qualidade das aulas, atuando como um facilitador do domínio das informações como

um suporte ao conhecimento escolar e aos métodos pedagógicos. (BITTENCOURT,

2004). Sua presença e sua importância em sala de aula e no processo ensino-

aprendizado viu-se aumentada com o cenário da educação brasileira, passando a

determinador de conteúdos e estratégias. Contudo, o atingimento de sua função

didática depende do uso que dele se faz, em ambiente de sala de aula (coletividade),

sob orientação de um professor e de forma sistemática; depende das informações

verbalizadas explicitamente trabalhadas em conjunto com a impressão, a

encadernação, as ilustrações, diagramas, tabelas, atitudes, tudo inserido nos

parâmetros do que a sociedade determina como e com o projeto de educação da

escola. O livro didático permite que o alunado construa e modifique significados, reflita

sobre o conhecimento que lhe é ensinado, participando da formação de um cidadão

questionador e crítico. (LAJOLO, 1996)

A interagir com o livro didático da disciplina de Língua Portuguesa e o conteúdo

de literatura africana lusófona está o professor, importante sujeito na elaboração das

aulas, na prática pedagógica do cotidiano da sala de aula. Constituído socialmente

como sujeito dominador de certo saber, com acesso a informação e produtor de

conhecimento, falar do docente implica em refletir sobre sua formação acadêmica; no

caso desta dissertação, sobre o curso de graduação em Letras – Língua Portuguesa.

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As primeiras universidades brasileiras foram criadas no início do século XX,

entre as quais a Universidade de São Paulo – USP (1934), relacionada desde seu

início ao desenvolvimento do país, à formação da elite condutora dos interesses da

nação, consolidando a distância entre as classes. Dentro da universidade então

etilista, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras personificava o mais alto patamar

da elite, responsável por criar o ideal coletivo de uma cultura autenticamente

brasileira, conforme explica abaixo Lígia Chiapini Leite:

Entendida como “refúgio do espírito crítico e objetivo”, o lugar do “universal”, da “razão”, da “cultura livre e desinteressada”, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras formaria homens “não para o quadro profissional restrito, não para funções técnicas detalhadas, mas para a Filosofia, as Letras e as Ciências, para as atividades desinteressadas nos diversos domínios do saber humano, para a coletividade em geral, para o país e a civilização [...] O aparente desinteresse, no entanto, ocultava uma utilidade mais poderosa – a formação dos dirigentes”. (1983, p. 86-7)

Em meados do século XX, como consequência dos acontecimentos políticos,

do processo de industrialização e da democratização do ensino, surge a ”nova

universidade”, produtora de força de trabalho. Neste momento, ocorre o grande

desprestígio das artes e das ciências humanas. A abertura de escolas para acolher

alunos oriundos das classes menos privilegiadas incorreu na demanda por

professores, levando à abertura de novos cursos de licenciatura sem a qualidade de

ensino dos modelos anteriores. A “nova universidade” passou a tratar a educação e a

pesquisa como elementos do mundo capitalista: um capital que deve produzir lucro

social, perdendo sua função ideológica, transformando-se em um instrumento

produtor de força de trabalho a baixo custo. Como reflexo das mudanças sociais e

políticas pelas quais passou o Brasil nos anos 1960, nossa sociedade passou a

requerer a lógica da técnica e da produtividade, assumindo perfil capitalista,

tecnocrata, fragmentado, na qual a literatura era um elemento retrógrado (LEITE,

1983).

Já a partir de 1962 ocorreu uma reformulação dos cursos de graduação em

Letras, com um incremento do conteúdo e, consequentemente, da carga horária de

literatura brasileira e portuguesa, graças à descentralização dos programas promovida

pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Foi um momento de surgimento

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de novas editoras como a Ática, a Moderna e a Scipione e também de instabilidade

política e social e de academização da crítica literária (MACEDO, 2010).

As diretrizes curriculares atuais para os cursos de licenciatura preveem 400

horas de prática como componente curricular, obrigatórias para a formação de

professores. As mudanças normativas ocorridas no currículo de licenciatura desde a

década de 1990, permitiram que a formação docente deixasse de significar o

acréscimo de saberes metodológicos ao conhecimento do bacharel em Língua

Portuguesa, para se aproximar de um todo mais articulado entre os saberes das

ciências de referência, ou saberes disciplinares, e os saberes da prática. A formação

do professor deve permitir o desenvolvimento de uma identidade profissional, sem

contudo, comprometer o conhecimento adequado e necessário à prática das ciências

de referência de sua área de formação. O professor não pode ser um especialista no

ensino de um objeto, o qual ele não conhece o suficiente e do qual não tenha se

apropriado adequadamente para ser capaz de ensiná-lo. (RODRIGUES; HENTZ,

2011).

De acordo com Saviani (2009) a problemática da formação dos professores

brasileiros, não apenas os de língua portuguesa e suas literaturas, egressos dos

cursos de graduação em Letras (Licenciatura), envolve as condições precárias da

carreira docente, ou seja, o salário e a jornada de trabalho, condições estas que

influenciam a ação do profissional, assim como sua formação. As condições de

trabalho do professor funcionam como agentes desestimulantes da procura pelos

cursos de formação docente.

Ao mesmo tempo em que segmentos da sociedade parecem considerar um

consenso que uma melhor educação traria consequências positivas para o Brasil, as

políticas públicas reduzem custos e cortam investimentos em educação a qual, ao

contrário, deveria ser elevada à prioridade e eixo em um projeto nacional; destino,

enfim, de importantes recursos (SAVIANI, 2009).

Proveniente em geral das classes menos privilegiadas, os alunos dos atuais

cursos de graduação em Letras optam pela licenciatura em função de suas limitações

financeiras e não pela adequação ao seu perfil nem a seus anseios profissionais.

As características comumente observadas no grupo são de falta de interesse

pela carreira docente, pouco repertório de leitura, baixo histórico de convivência com

a literatura, poucas possibilidades no mercado de trabalho fora do magistério

(CASTANHO, 2012).

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O ensino da literatura na graduação em Letras continua insistindo na utilização

das tradicionais abordagens descontextualizadas que fornecem informações teóricas

sobre um objeto que o aluno desconhece e com o qual não é levado a conviver:

cronologia, nomes de autores e obras canônicos, estilos e períodos. Por

consequência, forma-se professores não-leitores, que formam alunos não-leitores.

O reconhecimento da literatura como um instrumento de contribuição no

processo de transformação da sociedade brasileira parece ainda não ter chegado aos

currículos do ensino superior. Embora esteja historicamente presente no currículo, ela

é mantida afastada de sua função humanizadora e, principalmente, psicológica,

conforme conceituado por Candido (2002), pois a leitura imposta, orientada e

determinada pelo professor com prazos a cumprir e questões a responder, perde o

prazer e a fantasia, deixando de saciar nosso anseio pela ficção.

Ressaltam Lopes, Costa e Sampaio (2011) que as críticas e questionamentos

pelos quais passa o ensino de literatura deve-se à rejeição ao domínio da

historicização e da periodização literária, como já explicitado anteriormente neste

estudo, e visam a implantação de práticas mais arejadas que permitam leituras sociais

do texto literário e a junção da teoria à prática. A Literatura é um instrumento

importante de educação e tem na figura do professor um mediador da interação entre

o aluno-leitor e o texto literário, responsável pela orientação e pela realização do

trabalho de letramento literário, de formação de leitores, na experiência e na

convivência com o texto literário. Cursos superiores de Letras, formadores de

professores tanto da língua quanto da respectiva literatura, ainda abordam as aulas

de literatura como mero momento de repasse do patrimônio histórico-literário, Como

então formarão professores capazes de nortear suas aulas a partir da leitura do texto

literário; de promover interação, discussão e promoção de conhecimento; reconhecer

denúncias sociais, identificar-se com personagens e culturas; formar sujeitos-leitores,

encontrar sentidos e atribuir significados; estabelecer diálogos com o texto; enfim,

professores-leitores-críticos?

O professor de literatura compõe junto ao aluno e ao livro didático, o conjunto

de três importantes sujeitos necessários para o sucesso dos objetivos da Lei

10.639/2003, o que remete à reflexão sobre a formação adequada deste para o

trabalho com o conteúdo literatura africana lusófona em sala de aula.

Além das preocupações e críticas quanto à formação do professor de literatura

e à abordagem do ensino da disciplina, para este estudo é essencial investigar o

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73

ensino do conteúdo específico de literatura africana lusófona dentro da disciplina

literatura nos cursos de Letras.

Segundo declaração da Coordenadora da Área de Diversidade do Ministério da

Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad)

em 2011, Leonor Franco (ROLON, 2011), a principal dificuldade para a aplicação do

conteúdo em sala de aula é a formação dos docentes, fruto de uma lacuna no ensino

superior.

Salloma Salomão, em entrevista à Revista Cachuera! (CELANI, 2008). afirma

que faltam investimentos das Secretarias de Educação em projetos de formação

sistemática e de longa duração para docentes, com uso de tecnologia e plataforma da

internet, interação entre professores brasileiros e africanos, disponibilização de mapas

étnico-linguísticos. Para ele, necessário investir na formação de professores e

modificar a estrutura curricular do ensino superior.

A Resolução do Conselho Nacional de Educação nº 1 de 17 de junho de 2004

trata do parecer sobre as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, além

de indicar a necessidade da inclusão do conteúdo na educação infantil, ensino

fundamental, médio e superior. Grande parte da comunidade escolar desconhece as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e

para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira. A grande barreira ainda

é a predominância da cultura hegemônica de matriz europeia, mesmo com influencias

norte-americanas (CELANI, 2008).

Segundo pesquisa realizada em 2015 pelo professor de Língua Portuguesa e

Literatura, André de Godoy Bueno, e apresentada na Faculdade de Filosofia Letras e

Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), sob orientação da

professora Vima Lia de Rossi Martin, apesar da Lei nº 10.639/2003 ter sido

promulgada em 2003, ainda no ano de sua pesquisa há universidades com cursos de

licenciatura em Letras que não trabalham o conteúdo literatura africana de expressão

em língua portuguesa. Para Bueno, professores formados antes de 2003 não

receberam o conteúdo em seus cursos acadêmicos (DIAS, 2016).

Sua pesquisa constitui-se de um questionário com quinze perguntas aplicadas

a trinta professores sendo quinze de São Paulo capital e quinze distribuídos entre os

municípios de Guarulhos, Mauá, Indaiatuba e Marília, interior do estado de São Paulo.

A pesquisa seguiu o método qualitativo de análise.

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Segundo Bueno (2015), os resultados demonstraram, além do mau preparo

dos professores, preconceito por parte de pais e alunos e até a recusa destes em

participar de aulas nas quais seria ministrado o conteúdo de literatura africana

lusófona (DIAS, 2016).

Para melhor conhecer de que maneira o conteúdo de literatura africana de

expressão em língua portuguesa está sendo abordado no ensino superior de Letras,

segue detalhamento da matriz curricular de 2016 de cursos de licenciatura em língua

portuguesa e literaturas de cinco universidades do estado de SP, três privadas e duas

públicas, selecionadas por sua representatividade e tradição na sociedade, tanto pelo

tempo de existência de seus cursos de graduação em Letras (USP desde 1934; PUC

e Mackenzie desde 1946; UNICAMP desde 1977) quanto pelo nível de ensino. Como

contraponto, elencou-se também a grade curricular da UNIP, privada e existente

desde 1988, que não desfruta do mesmo conceito que as demais na sociedade.

A seguir, a matriz curricular de cada curso de Letras verificado e comentários da

autora:

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC

No site da Universidade foi obtida a matriz curricular 2016 para o curso de

graduação em Letras: Língua Portuguesa, Licenciatura, noturno. As quarenta e oito

disciplinas são distribuídas em seis semestres, sendo dez as disciplinas relacionadas

ao tema literatura: Literatura Africana em Língua Portuguesa (36 horas); Literatura

Brasileira: da Poesia do Barroco ao Modernismo (36 horas); Literatura Brasileira:

Poesia Contemporânea (36 horas); Literatura Brasileira: Romance (54 horas);

Literatura Comparada (54 horas); Literatura Infantil e Juvenil (36 horas); Literatura

Portuguesa: Prosa e Poesia (72 horas); Literatura, Território e Meio Ambiente (72

horas); Teoria Literária: Natureza e Função da Literatura (108 horas); Teoria Literária:

Poesia e Narrativa (72 horas) e Questões Étnico-Raciais (36 horas).

Ao todo, a matriz curricular do curso de graduação em Letras: Língua

Portuguesa da PUC – SP contempla 576 horas dedicadas ao ensino de literatura

brasileira, portuguesa, africana e disciplinas correlatas. Destas 576 horas, 126 horas

pertencem à Literatura Brasileira; 72 horas à Literatura Portuguesa e 36 horas à

Literatura Africana Lusófona.

A matriz curricular encontra-se detalhada no “Anexo 1“

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Universidade de São Paulo (USP)

O curso de licenciatura em Letras com habilitação em Português tem duração

mínima de 8 semestres e máxima de 12 semestres com carga horária de aulas de 990

horas. A única disciplina da matriz curricular do curso que parece remeter à literatura

africana lusófona é denominada “Diversidade Cultural e Educação: as Literaturas de

Língua Portuguesa em Perspectiva” (código FLC0603) e faz parte de um conjunto de

cinco disciplinas eletivas, do qual o aluno deve escolher uma.

A matriz curricular encontra-se detalhada no “Anexo 2“.

Universidade Paulista (UNIP) – São Paulo

O curso de Licenciatura em Língua Portuguesa, prevê carga horária total de

3.360 horas e cinquenta e quatro disciplinas, embora apenas oito delas seja

relacionadas a Literatura. Em horas, as disciplinas voltadas à Literatura somam 360,

sendo 120 horas dedicadas à Literatura Portuguesa, 120 horas dedicadas à Literatura

Brasileira e 30 horas dedicadas à Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.

A matriz curricular encontra-se detalhada no “Anexo 3“.

Universidade Presbiteriana Mackenzie

A matriz curricular do curso de graduação em Letras da Universidade

Presbiteriana Mackenzie, Licenciatura em Inglês e Português, contempla 533 horas

de disciplinas relacionadas a Literatura: Literatura Brasileira (204 horas); Literatura

Portuguesa (204 horas); Literatura Norte-Americana (50 horas); Literatura Inglesa (50

horas); Literaturas e Culturas de expressão em Língua Portuguesa (25 horas). O

conteúdo referente a Literatura Africana Lusófona corresponde a 4.7% do total de

horas destinado à literatura.

A matriz curricular encontra-se detalhada no “Anexo 4“.

Universidade de Campinas - UNICAMP

O curso de Letras – Língua Portuguesa da Universidade de Campinas

(UNICAMP) em sua grade curricular de 2016 para o período diurno, apresenta doze

disciplinas sobre o tema literatura, sendo Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa,

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Historiografia Literária, Teoria e Crítica Literárias, Literatura Clássica e Tradução

Literária. A única disciplina que talvez aborde o conteúdo de literatura negra, mas não

especificamente literatura africana lusófona, é “Tópicos em Literatura Brasileira:

Marginais”; nenhuma outra disciplina remete ao conteúdo.

A matriz curricular encontra-se detalhada no “Anexo 5“.

As cinco universidades cujas matrizes curriculares do ano de 2016 foram

examinadas, todas localizadas no estado de São Paulo, mostraram que, passados

treze anos da assinatura da Lei Federal nº 10.629/2003, o conteúdo de literatura

africana lusófona ainda não recebe a mesma atenção nos cursos de licenciatura

formadores de professores de Língua Portuguesa e Literatura. A carga horária

destinada ao ensino deste conteúdo é muito inferior à carga horária destinada às

literaturas que tradicionalmente constam do currículo, Brasileira e Portuguesa. Na

Universidade de São Paulo (USP), o conteúdo é ministrado em disciplina não

obrigatória e na grade curricular da UNICAMP não consta disciplina destinada a

ministrar o conteúdo.

2.2 Livros didáticos indicados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)

para o ciclo trienal 2012/2013/2014 e 2015/2016/2017.

Para Dionísio (2001) não cabe ao livro didático formar professores, mas sim às

instituições e aos cursos de formação de professores. Agregar ao livro didático a

função de ensinar e formar o professor seria retornar a educação aos anos 1950.

Contudo, a própria autora reconhece que a realidade sociopolítica brasileira atual não

mostra um professor com conhecimento teórico e com habilidade de ensinar providas

por seu curso de graduação de forma a atuar com segurança em sala de aula,

dominando os conteúdos a serem trabalhados e as técnicas necessárias para a

mediação didática, assim constituindo sua identidade docente.

O docente pode utilizar o livro didático como uma ferramenta para enriquecer

suas aulas; como um instrumento para substituir o currículo criado por ele mesmo ou

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como meio de apoio pedagógico subordinado ao currículo e aos objetivos criados por

si para sua disciplina.

Quando a formação do professor possui lacunas, quando o docente não

adquiriu previamente a equipagem de domínio do conteúdo que ministrará em sala de

aula, a importância do livro didática cresce, bem como a dependência que o professor

desenvolve em relação a este. Se o docente desconhece ou conhece

insuficientemente o contento que deve ensinar ao alunado, é no livro didático que ele

buscará informações e se apoiará, sem condições de refletir sobre o posicionamento

adotado pelos autores da obra, de questionar, de cotejar, tampouco de criticar o livro

didático que terá em mãos. Falhas na formação do professor podem transformá-lo em

usuário passivo do livro didático. Dionísio (2001)

Tanto a relevância cultural da literatura na formação do alunado quanto o papel

específico da literatura brasileira na cultura e na vida social do nosso povo são

salientados nos Guias de Livros Didáticos PNLD 2012 e 2015. Ambos reconhecem

que a convivência com a produção literária de língua portuguesa colabora com a

construção do patrimônio intelectual do aluno e os conhecimentos adquiridos com esta

convivência, influenciam a representação que o aluno incorpora sobre a língua e

sobre a literatura de língua portuguesa.

Estando a escola no lugar de porta-voz da cultura socialmente legitimada, a

literatura erudita não deve calar as manifestações culturais juvenis, populares e

regionais, parte da identidade social do aluno.

A abordagem dos textos literários tanto brasileiros quanto os demais em língua

portuguesa devem estar orientados para a formação do leitor literário em primeiro

lugar e, em segundo, para o processo de construção de conhecimentos específicos.

Neste ponto, a orientação dos Guias PNLD 2012 e 2015 é bem clara: o objetivo

específico do componente curricular é a prática e o estímulo à leitura literária, e não

os conhecimentos sobre a literatura, permitindo assim a construção de um aluno-

leitor-literário, possuidor de conhecimentos não apenas históricos, mas também

linguísticos e literários. O ensino da literatura deve encampar elementos como a

prática da leitura literária, a construção dos conhecimentos linguísticos, indo muito

além da memorização de nomes de autores e de obras ou da elaboração de resumos

de livros.

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Os textos das coleções indicadas no PNLD 2012 apresentam temáticas

contemporâneas, debates e preocupação com a construção de uma consciência

cidadã. As atividades buscam desenvolver a proficiência da leitura, a compreensão e

a articulação textuais, com destaque para elementos da oralidade e o uso de

diferentes tipos de linguagem.

O conteúdo de literatura africana lusófona passou a integrar o material didático

da disciplina Língua Portuguesa a partir das indicações do Guia dos Livros Didáticos

PNLD 2012, conforme página 18 do referido documento:

Em decorrência dos compromissos do EM com a literatura, os fragmentos ou excertos de obras literárias, em sua maioria de autores consagrados de diferentes períodos históricos, no Brasil e em Portugal, compõem, em cada coleção, coletâneas mais volumosas que as de outra natureza. Em ao menos três casos, acrescentam-se a esses acervos textos de escritores africanos de língua portuguesa.

As obras indicadas pelo PNLD 2012 para o Ensino Médio da disciplina Língua

Portuguesa foram:

“Língua Portuguesa- Linguagem e Interação”

Autores: Carlos Emílio Faraco; Francisco Marto de Moura; José Hamilton

Maruxo Júnior.

Editora: Ática

Linguagem em Movimento

Autores: Carlos Cortez Minchillo; Izeti Fragata Torralvo

Editora: FTD

“Novas Palavras- Nova Edição”

Autores: Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio

Editora: FTD

“Português Contexto- Interlocução e Ensino”

Autores: Marcela Pontara; Maria Bernadete e Maria Luíza M.Abaurre

Editora: Moderna

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“Português - Literatura, Gramática e Produção de Texto”

Autores: Douglas Tufano; Leila Lauar Sarmento

Editora: Moderna

Português - Linguagens

Autores: Thereza Cochar Magalhães; William Roberto Cereja

Editora Saraiva

“Projeto Eco Língua portuguesa”

Autores: Roberta Hernandes Alves; Vima Lia de Rossi Martin

Editora: Positivo

“Ser Protagonista”

Autor: Ricardo Gonçalves Barreto

Editora: Edições SM

“Tantas Linguagens”

Autores: Maria Inês Batista Campos; Nívia Assumpção

Editora: Scipione

“Viva português”

Autores: Elizabeth Campos; Paula Marques Cardoso; Silvia Letícia de

Andrade

Editora: Ática

“Português: Língua e Cultura”

Autores: Carlos Alberto Faraco

Editora: Base Editorial

O PNLD 2015 traz em sua proposta a ênfase ao desenvolvimento oral e escrito

e o aprofundamento dos conhecimentos da língua e da linguagem por meio da

aplicação de dois métodos: o transmissivo e o construtivo-reflexivo. A valorização da

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oralidade segue conforme as orientações já constantes do Guia PNLD assim como as

diferentes aplicações do conhecimento linguístico.

As obras indicadas pelo PNLD 2015 para o Ensino Médio são:

“Português: contexto, interlocução e sentido”

Autores: Marcela Pontara; Maria Luiza M. Abaurre; Maria Bernadete M.

Abaurre

Editora: Moderna

Obra presente nas indicações do PNLD 2012.

“Língua Portuguesa”

Autores: Roberta Hernandes; Vima Lia Martin

Editora: Positivo

Autores presentes nas indicações do PNLD 2012 com a obra “Projeto Eco

Língua portuguesa”; mesma editora.

“Língua Portuguesa: Linguagem e Interação”

Autores: Carlos Emílio Faraco; Francisco Marto de Moura; José Hamilton

Maruxo Junior

Editora: Ática

Obra presente nas indicações do PNLD 2012.

“Novas Palavras”

Autores: Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio

Editora: FTD

Obra presente nas indicações do PNLD 2012.

“Português: Língua e Cultura”

Autores: Carlos Alberto Faraco

Editora: Base Editorial

Obra presente nas indicações do PNLD 2012.

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“Português Linguagens”

Autores: William Roberto Cereja; Thereza Anália Cochar Magalhães

Editora: Saraiva

Obra presente nas indicações do PNLD 2012.

“Português: Linguagens em Conexão”

Autores: Graça Sette; Márcia Travalha; Rozário Starling

Editora: Leya

Obra, autores e editora não presentes nas indicações do PNLD 2012.

“Vozes do mundo: Literatura, Língua, Produção de Texto”

Autores: Lília Santos Abreu-Tardelli; Lucas Sanches Oda; Salete Toledo

Editora: Saraiva

Obra e autores não presentes nas indicações do PNLD 2012.

“Ser Protagonista”

Autor: Rogério de Araújo Ramos

Editora: Edições SM

Obra presente nas indicações do PNLD 2012.

“Viva português”

Autores: Elizabeth Marques Campos; Paula Cristina Marques; Cardoso M.

Pinto; Silvia Letícia de Andrade

Editora: Ática

Obra presente nas indicações do PNLD 2012.

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CAPÍTULO 3 Análise do corpus selecionados entre os livros didáticos

indicados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) para o ciclo trienal

2012/2013/2014 e 2015/2016/2017.

Segundo dados do PNLD 2015, disponíveis no site do FNDE, as coleções da

disciplina de Língua Portuguesa para o Ensino Médio mais distribuídas são das

editoras Saraiva (2.460.988 livros), FTD (1.548.498 livros), Editora Ática (926.095

livros), Editora Moderna (822.319 livros), Editora Leya (677.698 livros), Editora SM

(631.835 livros), Editora Positivo (297.447 livros) e Editora Base Editorial (203.332

livros). No PNLD de 2012 foram indicadas onze obras de Língua Portuguesa sendo,

duas da Editora FTD, duas da Editora Moderna e duas da Editora Ática. As demais

editoras tiveram uma obra indicada cada uma: Base Editorial; Positivo; Saraiva;

Scipione e SM.

A Editora Scipione não teve nenhuma obra de Língua Portuguesa indicada no

PNLD 2015. As Editoras Moderna e FTD passaram de duas indicações em 2012 a

uma indicação em 2015. A Editoria Leya, não presente às indicações do PNLD 2012,

teve uma obra indicada em 2015. A Editora Saraiva passou de uma obra indicada em

2012 a duas em 2015 e a Editora Ática manteve duas obras indicadas. As demais

editoras permaneceram com uma obra indicada cada uma: Base Editorial, SM,

Positivo.

Já no PNLD 2015, foram indicadas dez obras, sete delas já presentes no PNLD de

2012: “Português: contexto, interlocução e sentido”; “Língua Portuguesa: Linguagem

e Interação”; “Novas Palavras” ; “Português: Língua e Cultura”; “Português

Linguagens”; “Ser Protagonista”; “Viva português”.

Das três obras novas que integraram as indicações do PNLD de 2015, uma

apresentou os mesmos autores e a mesma editora do título “Projeto Eco Língua

Portuguesa”, indicado no PNLD 2012: Roberta Hernandes Alves e Vima Lia de Rossi

Martin, Editora Positivo: “Língua Portuguesa”.

Os outros dois títulos presentes nas indicações do PNLD 2015 e não do PNLD

2012 foram: “Português: Linguagens em Conexão” e “Vozes do mundo: Literatura,

Língua, Produção de Texto”.

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O potencial de atingimento dos objetivos pretendidos pela Lei nº 10.639/2003

e a conformidade da apresentação do conteúdo de literatura africana lusófona foram

tópicos observados na análise dos livros didáticos, assim como a verificação da

presença do conteúdo literatura africana lusófona, a forma de trato do negro no

corpus, como se dá a presença de textos que abordam discriminação racial nos livros

didáticos, a relevância da temática afro-brasileira e a continuidade da prevalência da

visão eurocêntrica da sociedade brasileira nos livros didáticos de Língua Portuguesa.

A investigação do conteúdo de literatura africana de expressão em língua portuguesa

apresentado no corpus será dividida em seis segmentos de observação:

Aspectos formais (apresentação geral do livro, bibliografia, currículo dos

autores, histórico da editora);

Proposta pedagógica do livro (objetivos, metodologia de ensino-

aprendizagem, conceito de literatura adotado);

Atividades didáticas para a leitura de literatura (baseadas em textos

literários integrais ou fragmentos, análise literária e interpretação dos

textos, mobilização de conhecimentos prévios dos alunos,

contextualização dos temas abordados, atividades de reflexão crítica

sobre o teto literário, valorização estética do texto literário);

Aspectos conteudísticos (divisão por períodos literários, forma de

apresentação da literatura africana, apresentação de características

particulares de cada obra, contextualização histórica, política e social

de obra e autor);

Concepção de leitura literária (obtenção de conhecimento , obtenção de

prazer, identificação dos aspectos do texto literários colocados em

análise);

Concepção de texto literário (texto para leitura, expressão artística,

forma de apresentação da cultura africana ao aluno, forma de

apresentação da África ao aluno, definição de texto literário, trabalho das

funções humanizadoras da literatura).

A apresentação do panorama geral de cada um dos livros selecionados para

análise nesta pesquisa, tanto os indicados no PNLD 2012 quanto os indicados no

PNLD 2015, consta dos anexos de 7 a 13.

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3.1 Análise das obras indicadas no PNLD 2012 e selecionadas para esta

pesquisa

Indicado no PNLD 2012, o livro didático “Língua Portuguesa: linguagem e

interação” volume 3, é editado pela Editora Ática. Surgida em 1965, originada a partir

da Sociedade Editora Santa Inês Ltda (SESIL), empresa fundada para imprimir as

apostilas didáticas do Curso de Madureza Santa Inês, que atuava na educação de

jovens e adultos desde 1956.

Inicialmente, a Ática passou a produzir manuais para professores, formato que

se tornou universal na organização de livros escolares. Em 1970, o livro “Estudo

Dirigido de Português”, apresentava tiragem de 400 mil exemplares. Em 1999, a Ática

foi comprada pela Editora Abril, numa parceria com o grupo francês Vivendi.

Em 2002, a Vivendi vendeu suas empresas do ramo de publicações para o

grupo francês Lagardère, transação que não incluiu a Editora Ática. Em 2003, a

Editora Abrtil tornou-se sócia majoritária da Ática, inaugurando uma nova fase na

história da empresa, que passou a fazer parte da Abril Educação.

Sua marca é reconhecida por séries como Vaga-lume, Para Gostar de Ler e

Bom Livro, que acompanharam muitas gerações de leitores. Por três anos

consecutivos, recebeu o prêmio Top Educação.

Os autores de “Língua Portuguesa: linguagem e interação” possuem tradição

na elaboração de livros didáticos de Língua Portuguesa, porém nenhum deles

apresenta formação específica no tema literatura africana lusófona: Carlos Emílio

Faraco – Licenciado em Letras pela Universidade de São Paulo. Ex-Professor do

Ensino Fundamental e do Ensino Médio; Francisco Marto de Moura – Licenciado em

Letras pela Universidade de São Paulo. Ex-professor do Ensino Fundamental, do

Ensino Médio e do Ensino Superior; José Hamilton Maruxo Júnior – Doutorando em

Letras pela Universidade de São Paulo. Professor de Português da rede pública

estadual (SP). Professor de Francês da Faculdade Santa Marcelina (SP). Pesquisador

do CENPEC (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação

Comunitária).

Dos sessenta e um títulos constantes da bibliografia (página 368) utilizada

pelos autores, apenas um refere-se à literatura africana lusófona: “Literatura de língua

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portuguesa: marcos e marcas” da autoria de M.A. Santilli, publicado pela Arte &

Ciência em 2008.

Os autores propõem a interação e a mobilização do imaginário dos alunos por

meio da metodologia construtiva-reflexiva que leva à reflexão e à inferição sobre o

conteúdo estudado. Aproximando artes plásticas e literatura, imagem e escrita os

autores operam a confluência de linguagens.

Apesar de ser apresentada no “Manual do Professor” como uma obra cuja

metodologia integra gramática, literatura e produção textual, com o objetivo de

promover a reflexão sobre as práticas sociais de linguagem e comunicação, os textos

literários são trabalhados em questões que nem sempre orientam o aluno à análise

ou à comparação. Muitas vezes, tais questões apenas servem como pretexto para o

trabalho de outros conteúdos que não a promoção do letramento literário.

A coleção divide-se em três volumes que contemplam, articuladamente,

gêneros textuais e temas pertinentes à literatura, produção textual e estudos

linguísticos. Em cada unidade, existem seções fixas que abrangem eixos de leitura,

oralidade, escrita, conhecimentos linguísticos e literários, não separados por capítulos

próprios. O volume 3, aqui em análise, e composto de 4 unidades, cada uma com 3

capítulos. Todas as unidades se iniciam coma seção “Para começo de conversa” que

introduz o tema a ser trabalhado ao longo da unidade.

Os capítulos são divididos em seções:

Para entender o texto: questões e atividades dialógicas de caráter

interpretativo-reflexivo cujo enunciado pretende levar o aluno a refletir

sobre o texto.

As palavras no contexto: estudo do vocabulário contextualizado.

Gramática textual: questões elaboradas a partir do texto, porém

trabalhando seus aspectos gramaticais como tempos verbais,

classificações adverbiais.

Literatura: teoria e história: com fragmentos de textos e explicações,

muitas vezes dissociadas dos textos anteriores constituindo apenas

informações historiográficas e monológicas. O texto literário não é

trabalhado como fonte de diferentes significados, vozes e discursos,

tendendo mais a objeto descontextualizado. A leitura literária se faz pela

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operação de decoficação, distante do aluno, dificultando ou

impossibilitando o processo de humanização que a literatura

proporciona.

Na seção “Agora é com você”, os alunos encontram indicações de filmes, livros,

sites, músicas e museus, relacionados ao tema abordado na unidade, como conteúdo

complementar, constituindo um suporte para ampliar o acesso ao conteúdo estudado,

permitindo ao estudante autonomia e possibilidade de pesquisa. As páginas da web

indicadas adicionam informações ao livro didático.

O processo educacional pode em muito ser beneficiado por recursos eletrônicos,

mas isso depende de como estes serão explorados; se haverá ou não interação em

sala de aula com o retorno sobre as pesquisas realizadas online; se há recurso de

respostas e correção online na página, entre outros. A maior parte das páginas

indicadas no livro didático “Língua Portuguesa: linguagem e interação” oferecem

basicamente as mesmas funções do suporte impresso seguindo a mesma

metodologia transmissiva não estabelecendo relações interativas.

Fig.7 – “Linguagem e Interação” – Sumário.

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A literatura africana surge na Unidade 4, Capítulo 12, último capítulo, última

unidade, última seção sobre literatura. A ela são dedicadas dezenove páginas (da 324

à 343), quatorze textos ou fragmentos e nove autores de quatro diferentes ex-colônias

de Portugal.

A página 326 traz um “Panorama da literatura africana”, muito sucinto da

mesma maneira com que são apresentados os autores lusófonos de quatro ex-

colônias de Portugal: Angola (Agostinho Neto; José Eduardo Agualusa; Luandino

Vieira; Pepetela); Moçabique (José Craveirinha; Mia Couto); Guiné-Bissau (Carlos

Semedo, Vasco Cabral) e São Tomé e Príncipe (Alda Espírito Santo).

Apenas os poemas “África! Ergue-te e caminha” de Vasco Cabral e “Grito

negro” de José Craveirinha (ambos na página 325), que abrem a seção sobre literatura

africana de expressão em língua portuguesa, são trabalhados com questões. O

primeiro é contemplado com três perguntas e o segundo, com apenas uma. Todas

permanecem na superfície dos textos, empobrecendo-os e desperdiçando a

oportunidade de estreitar a relação leitor – autor – obra e temática africana.

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Fig.8 – “Linguagem e Interação” – Poemas de José Craveirinha – Literatura

africana lusófona

Na seção “Agora é com você” (página 349”) são indicados livros e filmes dentro

do conteúdo: “De voos e ilhas”, de Benjamin Abdalla Júnior, Editora Ateliê; “Estação

das chuvas”, de José Eduardo Agualusa, Editora Nova Fronteira; “Estórias

abensonhadas”, de Mia Couto, Editora Nova Fronteira; entre outros.

A editora FTD é responsável pela edição da coleção “Linguagem em

movimento”. Frère Théophane Durand, Superior Geral da “Congregação dos

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Pequenos Irmãos de Maria” ou “Irmãos Maristas” de 1883 a 1907, dá nome à Editora

FTD, fundada no Brasil em 1902 e de propriedade da ABEC (Associação Brasileira de

Educação e Cultura), uma das inúmeras entidades jurídicas da “Província Marista

Brasil Centro-Sul”, cuja coordenação tem sede em Roma. Suas publicações são

voltadas à área da educação, principalmente livros didáticos.

Conforme Bittencourt (2014) a Igreja Católica globalizou suas congregações e

ordens como política por longo período. Já no período republicano, quatro editoras

europeias foram encaminhadas ao Brasil: Vozes, FTD, Ave Maria e Santuário. Todas

com tarefas ou missões muito bem estipuladas, inicialmente os trabalhos eram

integralmente importados como práticas e técnicas de edição, escrita, redação,

tradução e ilustração. Mesmo depois que produzidos em solo nacional, os livros

didáticos traziam e disseminavam as concepções de suas respectivas ordens ou

congregações.

No caso da FTD (Irmãos Maristas), sua principal meta (e missão) era,

exatamente, a produção de livros didáticos, porém com base nas publicações

francesas.

Da sua chegada ao Brasil em 1902 a seu momento atual em 2016, não mais

uma missão mas um produto comercial também para as editoras católicas, o livro

didático dos Irmãos Maristas expandiu-se para 74 escolas, 15 universidades, 250 mil

alunos dispersos em 23 estados de federação, 2 editoras com 1.100 autores

catalogados e 109 obras sociais.

Os dois autores da coleção “Linguagem em movimento”, tradicionais na

elaboração de livros didáticos de Língua Portuguesa, não apresentam em seu

currículo formação específica no tema literatura africana lusófona: Izeti Fragata

Torralvo: Formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Professora de

Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Fundamental e no Ensino Médio há mais

de 25 anos; Carlos Alberto Cortez Minchillo: Formado em Letras pela Universidade

de São Paulo (USP), Professor de Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Médio e

de Literatura no Ensino Superior.

O livro aqui em análise não apresentou bibliografia.

Cada um dos três volumes da coleção é organizado por unidades e estas, por

sua vez, exploram temas introduzidos cronologicamente pela seção “O Tema no

Tempo”. A primeira parte de cada “unidade” (nesta obra denominada “Tema”) é

destinada à literatura, eixo norteador para as demais competências: “Interpretação”;

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“Estudo da Língua” e “Produção de Textos”. Cada unidade é encerrada com uma lista

de exercícios objetivos, como questões de vestibulares relacionadas aos conteúdos

abordados, constantes da seção “Teste seus conhecimentos”.

Fig.9 – “Linguagem em Movimento” – Sumário.

O estudo da literatura segue a ordem dos períodos literários o que, segundo os

autores, propiciará aos alunos uma viagem no tempo e no espaço por meio de

diferentes contextos socioculturais, uma oportunidade de repensar sua realidade,

valores e pontos de vista. Os autores salientam ser a literatura um forma de ver e

pensar o mundo e não apresentam um conceito pronto para a literatura, mas

afirmando que tal conceito depende de muitos aspectos e não pode ser restringido

por uma simples conceituação.

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A obra não demonstrou nenhuma preocupação em abordar a literatura afro-

brasileira tampouco africana lusófona. Apresenta um silêncio em relação à produção

literária afro-brasileira, apesar de ter sido indicado pelo Guia Nacional do Livro

Didático PNLD para o triênio 2012 - 2013 – 2014.

A obra deixou de incluir produções nas quais o negro se constitui como escritor

voltado, não utilizou em nenhum momento o termo literatura afro-brasileira ou

literatura negra. O trabalho dos autores privilegia o ensino das características

históricas e contextuais da literatura em detrimento do incentivo à leitura literária,

mesmo, nas anotações para o professor, em encarte ao final do livro, os autores

afirmando que o centro dos estudos da Literatura deve ser a compreensão e a fruição

dos textos, estabelecimento de relação de sentido entre texto e vida.

O quadro de períodos literários abaixo, apresentado antes do inicio do “Tema

1” (primeira unidade), confirma a ausência de autores, obras e conteúdo africano

lusófono no livro didático aqui analisado.

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Fig.10 - “Linguagem em movimento” - Quadro de períodos literários

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Também editado pela FTD, “Novas Palavras – Nova edição” volume 3, foi

elaborado por autores com tradição na publicação de livros didáticos de Língua

Portuguesa, mas nenhuma formação específica no conteúdo literatura africana de

expressão em língua portuguesa: Emília Amaral: Mestra em Teoria Literária

(UNICAMP, 1986); Doutora em Educação e Literatura (UNICAMP, 2001); Pós-

Doutorado centralizado na obra “Les Bienveillantes” de Jonathan Littell (USP, 2011).

Professora de ensino médio e superior; Mauro Ferreira do Patrocínio: especialista em

Metodologia de Ensino (UNICAMP). Professor do ensino fundamental, do ensino

médio e cursos pré-vestibulares; Ricardo Silva Leite: Mestre em Teoria Literária

(UNICAMP). Professor do ensino fundamental e médio e de cursos pré-vestibulares;

Severino Antônio Moreira Barbosa: Doutor em educação (UNICAMP). Professor do

ensino médio e superior e autor de vários livros.

Nas páginas 504 e 505 do corpus, encontra-se a bibliografia geral para a

literatura, com oitenta e quatro obras e cinquenta e cinco autores referendados.

As obras constantes da bibliografia empregadas pelos autores do corpus para

construir o conteúdo de literatura podem ser divididas nos temas: Literatura

portuguesa; Literatura brasileira; Temas gerais de literatura (teoria literária,

movimentos literários específicos); História e Arte.

Dos oitenta e quatro títulos pesquisados pelos autores, apenas um deles

remete ao conteúdo de literatura africana, “Partes de África” de Hélder Macedo, poeta,

romancista, ensaísta e crítico luso-descendente, filho de um administrador colonial de

Moçambique, onde viveu até os doze anos de idade. Romance que passeia pela

história recente de Portugal e África, misturando ficção e realidade por meio da

narrativa da relação do protagonista com sua família, amigos, escola, namoradas.

Em seu artigo “Literatura africana em língua portuguesa”, Nilton Garrido (2000)

afirma que o termo "literatura africana" necessita ser melhor especificado. Segundo

ele, como "literatura africana" classifica-se toda obra em que a África é o motivo de

sua mensagem e que se ergue contra um modismo europeu e europeizante.

Já como "literatura neo-africana" estariam obras escritas em línguas europeias

nas quais o centro do universo literário é o homem africano e não o europeu.

A 'literatura de raiz africana" seria aquela cujo objeto se origina no confronto

linguistico, literário e ideológico, vertente surgida a partir dos anos 1940. A “literatura

de raiz africana" é escrita em línguas locais misturadas à língua portuguesa com o

intuito de se fazer menos acessível aos europeus. Exemplos desta fase que dura até

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a independência são "A vida verdadeira de Domingo Chavier" de Luandino Vieira e

"Sagrada esperança" de Agostinho Neto.

De acordo com a concepção de Garrido (2000), “Partes de África” não constitui

um exemplo de literatura africana, nem de literatura neo-africana tampouco de

literatura de raiz africana. Também não pode ser considerada uma obra que promova

contato com a história nem com a cultura dos povos africanos ou com a

multiculturalidade de suas manifestações artísticas. Hélder Macedo é integrante da

literatura lusa contemporânea, mesmo tendo nascido na África do Sul. Sua

nacionalidade não torna sua obra parte do que se entende no mundo literário como

“literatura africana lusófona”.

Dentre os cinquenta e cinco autores elencados na bibliografia geral de

literatura, não foi localizado nenhum nome da área dos estudos africanos, com

publicações sobre a história, a cultura ou a literatura africana ou temas como racismo,

mestiçagem, identidade negra, origens africanas da população brasileira, diversidade

cultural da sociedade brasileira ou qualquer outro tema inserido no contexto da

Lei nº 10.639/2003.

Não foi identificada na bibliografia nenhuma preocupação especial com o

conteúdo de literatura africana lusófona, com a cultura afro-brasileira ou com a História

da África ou dos afrodescendentes no Brasil, informações importantes para a

composição do tema em questão.

Os autores propõem que o ensino da literatura não se reduza à história literária,

mas que se insista no processo de leitura, releitura, conversas sobre os textos,

análise, interpretação e crítica. Afirmam que o livro aqui em análise busca um

equilíbrio entre o ensino tradicional da história literária e o trabalho com os textos

cânones eleitos pela tradição.

Os autores comprometem-se com a formação do leitor autônomo e crítico.

Não foram identificadas atividades de análise propriamente literária nem de

valorização estética dos textos.

A coleção em estudo é composta de três volumes, todos organizados em três

partes: “Literatura”, “Gramática”, “Redação e Leitura”. Cada uma dessas partes divide-

se em capítulos (de 8 a 10), cada um deles dedicado a um tópico específico desse

eixo. A literatura é a parte que recebe maior espaço, seguida da gramática. Redação

e leitura recebem o menor número de capítulos.

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O Manual do Professor, denominado “Conversa com o Professor”, apresenta a

estrutura geral da coleção, seus objetivos, pressupostos teóricos, orientações para o

trabalho com cada parte e sugestões de leitura.

Logo no início da seção “Literatura”, antes do “Capítulo 1”, o livro “Novas Palavras

– Nova Edição” apresenta o “Quadro Geral das Literaturas Portuguesa e Brasileira”,

sintetizando os movimentos desde a era medieval (“Trovadorismo”) para a portuguesa

e desde a era colonial (“Quinhentismo”) para a brasileira. Não há menção à literatura

africana lusófona no “Quadro Geral”.

Fig.11 – “Novas Palavras – Nova edição” – Quadro geral das literaturas

portuguesa e brasileira”

O conteúdo de literatura é dividido em 10 unidades sendo:

Unidade 1: O Pré-Modernismo no Brasil (da página 15 a página 30; apresentação de 05 autores do movimento)

Unidade 2: As vanguardas artísticas europeias e o Modernismo no Brasil (da página 37 à página 53; apresentação de 04 autores do movimento)

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Unidade 3: Semana de Arte Moderna (da página 58 à página 74; apresentação de 02 autores do movimento)

Unidade 4: A primeira geração modernista brasileira (da página 80 à página 102; apresentação de 03 autores do movimento)

Unidade 5: O Modernismo em Portugal e a poesia de Fernando Pessoa (da página 108 a página 123)

Unidade 6: A segunda geração modernista brasileira: poesia (da página 131 à página 149; apresentação de 07 autores do movimento)

Unidade 7: A segunda geração modernista brasileira: prosa (da página 159 à página 174; apresentação de 02 autores do movimento)

Unidade 8: A terceira geração modernista brasileira (da página 182 à página 200; apresentação de 05 autores do movimento)

Unidade 9: Tendências contemporâneas da literatura portuguesa (da página 211 à página 234; apresentação de 09 autores do movimento)

Unidade 10: Tendências contemporâneas da literatura brasileira (da página 241 à página 265; apresentação de 06 autores do movimento)

Para que se possa realizar um cotejamento da forma de trabalho com o

conteúdo de literatura africana lusófona e com o conteúdo da literatura brasileira, será

examinado primeiramente, o “Capítulo 1 – O Pré-Modernismo no Brasil”, dedicado

exclusivamente à literatura brasileira, que segue a tradição do ensino cronológico e

historiográfico da literatura. A seguir, será mostrado o capítulo que aborda a literatura

africana lusófona, demonstrando que a apresentação deste conteúdo não segue o

mesmo padrão.

Os capítulos 2, 3, 4, 6, 7, 8 e 10, também dedicados à literatura brasileira,

seguem a mesma configuração do “Capítulo 1”:

Primeira leitura: texto ou fragmento de texto;

Em tom de conversa: dados introdutórios sobre o autor, seguidos de

perguntas direcionando o aluno a uma análise superficial do texto;

Releitura: perguntas sobre o texto, abordando conhecimentos de

literatura, interdisciplinaridade, figuras de linguagem, temas sociais;

Comentário: contextualização histórica e social de autor e obra;

Um pouco de história - o Brasil do século XX: contextualização sócio-

histórica do movimento literário em estudo

Principais características do movimento pré-modernista no Brasil;

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Principais escritores e obras do pré-modernismo no Brasil:

- Augusto dos Anjos (“Versos Íntimos”)

- Euclides da Cunha (“Os Sertões”)

- Monteiro Lobato (“Urupês”)

- Lima Barreto (“Triste fim de Policarpo Quaresma”)

Releitura: Perguntas que orientam o aluno a realizar análise superficial

dos textos, inter-relacionando os três entre si e buscando identificar as

características do movimento literário ao qual o capítulo se dedica;

Síntese dos conteúdos estudados;

Atividades: questões de literatura retiradas de exames vestibulares

(UNESP, UFMT, PUC RS,UFU MG, UERJ), avaliando o conhecimento

do aluno sobre as características dos movimentos literários, recursos

estilísticos, figuras de linguagem, tempos verbais.

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Fig.12 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Sumário com os capítulos 1 e 2.

Não se identificou no “Capítulo 1” apresentação de novas propostas ao ensino

de literatura. O livro analisado segui o tradicional modelo da história literária. Também

não foram identificados esforços de contribuição à formação do aluno-leitor-literário

tampouco de estímulo à leitura literária ou ao desenvolvimento de proficiência da

leitura. A literatura foi abordada com ênfase nos conhecimentos sobre o tema.

Observou-se preocupação em contextualizar socio-historicamente tanto

autores quanto obras, um passo na direção de posicionar a literatura como uma

produção do homem, ser social, histórico, produto do seu tempo.

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Fig.13 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Sumário com os capítulos 8 e 9.

A literatura africana não possui uma unidade própria. Foi incluída no “Capítulo

9: Tendências contemporâneas da literatura portuguesa”, ou seja, a obra apresenta

aos alunos a literatura africana como sendo parte da literatura portuguesa atual,

alijando-a de uma identidade própria, reduzindo-a a um apêndice da literatura do

colonizador.

Das vinte e cinco páginas totais do “Capítulo 9”, apenas três abordam a

literatura africana; dos nove autores, apenas Mia Couto é africano.

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Já na primeira linha da página 229, os autores esclarecem que a literatura

africana de língua portuguesa tem o propósito de “complementar o panorama

apresentado” e que estas teriam se desenvolvido a partir da década de 1940.

Estudiosos dedicados ao tema como Nilton Garrido, Pires Laranjeira e Gerald Moser,

contradizem esta informação e possuem visão muito diferente sobre o

desenvolvimento da literatura africana lusófona

Para Laranjeira (1995) as literaturas africanas originaram-se essencialmente

da recusa à literatura e ao pensamento do colonizador, construindo-se um instrumento

de negação, protesto e reivindicação, um espaço para que a África e os africanos

reescrevessem sua história, como sujeitos, narradores e protagonistas, não mais um

anexo do ocidente branco.

Apresentá-la aos alunos do 3º ano do ensino médio dentro da literatura

portuguesa contemporânea com o objetivo de “complementar o panorama” não

parece fazer jus a colocações de estudiosos da área.

A formação e o desenvolvimento das literaturas africanas de língua portuguesa, desde o primeiro livro impresso, em 1849, até à actualidade, passaram pela construção do ideal nacional no discurso. No discurso literário, o nacionalismo foi a antecipação da nacionalidade, modo específico de a escrita se naturalizar como própria de uma Nação-Estado em germinação. A consciência nacional, no discurso literário, atravessou, assim, diversos estádios de evolução, desde meados do século XIX até à actualidade. (LARANJEIRA, 1995).

.

Em Moçambique, por exemplo, Laranjeira (1995) a divide em cinco períodos:

1º período, ou Incipiência, da chegada do colonizador português até 1924,

com a publicação de 'O livro da dor' de João Albasini;

2º período, ou Prelúdio, de 1924 até o fim da II Grande Guerra; período, ou

Formação, de 1945 a 1963. Neste período, a produção literária moçambicana

experimenta o nascimento de uma consciência grupal, destacando-se os

autores Noémia de Sousa, Rui Nogar, Rui Knopli, Virgílio de Lemos, Rui

Guerra, Fonseca Amaral e Orlando Mendes.

4º período, ou Desenvolvimento, compreendido entre o início da luta armada

pela libertação nacional (1964) e a independência de Moçambique (1975) e

marcado pela intensa atividade cultural e literária, com destaque para José

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Craveirinha ("Chigubo", 1964), Luís Bernardo Honwana ("Nós matamos o cão

tinhoso", 1964) e Orlando Mendes ("Portagem", 1966). Intelectuais, escritores

e artistas do quarto período dividem-se entre aqueles de identidade nacional

não definida como Rui Knopfli, Glória de Sant'Anna, Guilherme de Melo, Jorge

Viegas, Sebastião Alba, Lourenço de Carvalho, Eduardo Pitta, João Pedro

Grabato Dias, Eugénio Lisboa e Ascêncio de Freitas e aqueles que assumiram

a cidadania moçambicana sem reservas como Heliodoro Baptista, Leite de

Vasconcelos e Mia Couto.

5º período, ou Consolidação, de 1975 (independência de Moçambique) a 1992

com a implementação do processo de paz. Fase em que a literatura

moçambicana experimentou uma autonomia até então desconhecida, com a

exaltação patriótica e o culto aos heróis da luta pela libertação nacional, embora

as publicações ainda estivessem sob o controle do Estado e,

consequentemente, da FRELIMO.

Em seu “Almanach de lembranças luso-brasileiro (1854-1932)” de 1993, Gerald

Moser apresentou uma coletânea dos versos e prosas originalmente publicados no

“Almanach de lembranças”, cuja primeira edição encontra-se na biblioteca da

Pennsylvania State University – EUA, que continha a vida literária da África lusófona

a partir de 1854. O aparecimento de literaturas africanas lusófonas, segundo Moser

(1993) deu-se com o processo de conscientização ocorridos nos anos 1840 e 1850

nas ex-colônias.

Em Cabo Verde, 1929, o poeta Jorge Barbosa publica o poema “Palavra

profundamente”, dedicado ao poema de mesmo nome de Manuel Bandeira:

[...] Enquanto isso Manuel Bandeira vai passando por nós no tempo

na sua alegria melancólica na sua alegria de coração apertado

vai passando na sua poesia profundamente.

Como as considerações acima procuraram esclarecer, os autores do corpus

“Novas palavras, nova edição” equivocaram-se ao afirmar que as literaturas africanas

lusófonas “desenvolveram-se a partir da década de 1940”.

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Na página 230, um texto da Profª Dra.Rita Chaves, Diretora do Centro de

Estudos Portugueses da Universidade de São Paulo, explica ao aluno a importância

da literatura africana lusófona na compreensão da formação cultural e da História

brasileiras.

Mais uma vez, a literatura africana é colocada como um fenômeno

contemporâneo, apreendida a partir do modernismo brasileiro.

O texto é vago e confuso quando afirma “Mesmo envolto em nuvens de

equívoco, o Brasil, sobretudo a partir dos anos 1940, funcionou como um porto de

utopias e essa imagem desempenhou um papel determinante na condução da luta

pelas independências”. Expressões metafóricas como “nuvens de equívoco” e “porto

de utopias” em um texto informativo, no mesmo parágrafo em que se encontra logo a

seguir o adjetivo “determinante”, relacionado à luta pela independência das então

colônias de Portugal na África prejudicam a compreensão do leitor. O que está sendo

dito? Que a imagem que os africanos faziam do Brasil foi determinante na luta que

estes travaram por sua independência? Ao mesmo tempo, em que a autora classifica

este Brasil como um “porto de utopias envolto em nuvens de equívoco”, ela o coloca

como influenciador “determinante” da luta das ex-colônias africanas por sua

libertação?

O historiador brasileiro, docente do ensino superior em universidades

brasileiras, diretor da Seção de Pesquisas e professor do Instituto Rio Branco do

Ministério das Relações Exteriores, secretário executivo do Instituto Brasileiro de

Relações Internacionais, editor da Revista Brasileira de Estados Internacionais e

conferencista na Escola Superior de Guerra, José Honório Rodrigues (1913 -1987)

trabalhou no Instituto Nacional do Livro sob a direção de Sérgio Buarque de Holanda

e ocupou o importante cargo de diretor do Arquivo Nacional. Autor de dois títulos que

abordam o relacionamento entre o Brasil e as ex-colônias de Portugal, “Brasil e África:

outro horizonte” (1961) e “Interesse Nacional e Política Externa Brasileira” (1967), ele

contribuiu para a compreensão do processo de descolonização e estabeleceu

contrapontos às teses freyrianas sobre, por exemplo, a importância da escravidão, a

discriminação racial na nossa sociedade, e a mestiçagem, a qual ele nega ser inerente

ao povo português, mas sim ao brasileiro e à circunstâncias histórias específicas.

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Convém notar, desde o começo, que a miscigenação foi e é mais um caminho brasileiro e americano que português ou espanhol, porque só se realizou, em escala considerável, aqui e não na África, tanto no período colonial, dominado pelos portugueses, como depois da Independência. O fracasso da miscigenação portuguesa na África, ou a pequena proporção em outros continentes, comparável a de outros povos colonizadores, revela que não foi o colono português em si e por si o elemento decisivo deste processo. (RODRIGUES, 1961, p.52)

[...] Gilberto Freyre foi o primeiro a acentuar que "no Brasil, as relações entre brancos e as raças de cor foram desde a primeira metade do século XVI condicionadas, de um lado pelo sistema de produção econômica - a monocultura latifundiária; e de outro, pela escassez de mulheres brancas, entre os conquistadores". "Mas logo de início", acrescenta, "uma discriminação se impõe: entre a influência pura do negro (que nos é quase impossível isolar) e a do negro na condição de escravo. (RODRIGUES, 1961, p.54)

[...] Foi, portanto, a escravidão o elemento decisivo a facilitar as relações interraciais, que, como escreveu Gilberto Freyre, eram relações de "superiores" e "inferiores". Os que viriam depois, neste aspecto, não deixaram de acentuar o elemento escravidão como decisivo. Foi, talvez, a falta deste elemento na colonização portuguesa na África, só começada verdadeiramente no fim do século dezenove, e a abolição nas colônias se deu em 1858, que explica o fracasso da miscigenação lusoafricana. O fato é que sem o domínio português no Brasil e com a escravidão o processo de miscigenação só fez acelerar-se, à medida que se iam amaciando os preconceitos e as discriminações impostas pela política racial portuguesa, que, se não foram totalmente desfeitos aqui, vem sendo vencidos e dominados. No princípio as três etnias, oriundas de continentes diversos, pareciam irredutíveis e inassimiláveis, mas o sistema escravocrata, promovendo a miscigenação, foi desfazendo estes fatores dispersivos e ajudando, assim, a integração psico-social. (RODRIGUES, 1961, p.55)

Em sua obra “Brasil e África: outro horizonte” (1961) Rodrigues critica a política

externa brasileira em relação à independência das colônias africanas, afirmando que

o Brasil deveria se aliar à África e não à Portugal:

Se laços afetivos nos ligam a Portugal, ligam-nos também e muito ao sangue angolano, ao africano de Angola, como tentamos mostrar neste estudo. Para nós, a África libertada pode ser nossa aliada, e enquanto esteve realmente nas mãos européias, especialmente depois de 1870, só foi nossa concorrente. ... A nossa posição deve ser definida com urgência e a "comunidade" luso-brasileira não deve ser empecilho a uma clara direção em defesa de nossos interesses nacionais, econômicos, culturais e estratégicos. O Atlântico Sul não pertence às Potências ou subpoderes europeus, mas aos povos livres de suas duas margens. (RODRIGUES, 1961, p.287)

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104

E deixa claro que foram a Segunda Grande Guerra e a criação da ONU

(Organização das Nações Unidas) os dois grandes elementos a influenciar e catalisar

o processo de colonização da África lusófona:

A fachada construída por Salazar para efeitos externos não conseguiu deter a onda crescente de exacerbação que por toda parte e, especialmente nas Nações Unidas, provoca sua sistemática defesa de que as províncias africanas são parte integrante do território nacional, ou sua negativa de aceder às aspirações de autonomia e Govêrno próprio para as colônias. [...] Não creio que a consciência mundial, dia a dia mais determinada a acabar com o colonialismo, chocada diante da recusa de Portugal de colaborar com as Nações Unidas, alarmada com a violência da repressão das tropas portuguesas aos rebeldes angoleses, segundo as informações 134 da imprensa mundial, deixe de condenar cada vez mais a política portuguesa. (RODRIGUES, 1961, p.159 -p.160)

O governo brasileiro de Jânio da Silva Quadros e, posteriormente, o de João

Goulart, afirmava ser favorável a autodeterminação dos povos, mas permanecia

aliado à Portugal. Esta falta de comprometimento às causas e reivindicações africanas

era criticada pelos líderes das colônias lusófonas, principalmente Moçambique e

Angola. (CERVO; BUENO, 2002).

O posicionamento ambíguo do governo brasileiro em relação a África e ao

colonialismo português era um reflexo da situação interna do negro em nossa

sociedade. A África fora utilizada em vários momentos da política externa brasileira

sem nunca ter ocupado um lugar de importância.

Enfraquecido após a Segunda Grande Guerra (1939 – 1945), o domínio

europeu acabou permitindo o fortalecimento do processo de descolonização da África.

A Organização das Nações Unidas (ONU), já em sua “Carta às Nações Unidas”,

condenou o colonialismo e promoveu a autodeterminação dos povos. Esta postura

teve grande influência no processo de independência das ex-colônias que, mais tarde,

passariam a integrar a organização.

Como já havia acontecido no continente asiático, a ONU apoiou o processo

independentista da África, colocando-se ao lado das colônias. Em 1960 a Assembleia-

Geral aprovou assim a Resolução 1514 que consagra o direito à autodeterminação

dos territórios sob administração estrangeira e condena qualquer ação armada das

metrópoles.

A combinação da ação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da

Segunda Grande Guerra como contribuintes na descolonização da África é explicada

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pelo professor titular da Pontifícia Universidade Católica (PUC-GO), doutor em

Ciências Políticas pela Université de Liège e pós-doutorado em Ciência da Religião

(PUC-GO), autor de títulos entre os quais “A regência neoliberal”, “História da África

negra”, Fonte e sujeitos”, Curso de Direito Internacional”:

Não há como entender a descolonização sem uma reflexão prévia sobre o real significado da Segunda Guerra Mundial e da nova equação de forças oriunda do conflito. Os impérios coloniais eram altamente protecionistas. O período que vai de 1900 até 1945 apresenta o perfil de uma economia mundial compartimentada em vários universos justapostos que pouco comunicavam entre si. Esses mundos excluíam-se mutuamente através de um protecionismo radical, e quem estava de fora tinha a participação sistematicamente barrada por obstáculos de toda natureza. [...] Esse fato podia representar um bom negócio para as metrópoles, mas desagradava aos excluídos. Os Estados Unidos, precisamente, estavam do lado de fora e, portanto, não simpatizavam com o sistema. Seu capital crescia assustadoramente e não cabia mais dentro das próprias fronteiras. Precisavam de um "mundo livre", aberto aos seus interesses. Queriam jogar a rede e puxar o peixe onde, como e quando quisessem, sem restrição ou interferência de qualquer poder estatal estrangeiro. Eis o "free world" com que sonhavam. Para tanto, precisavam eliminar as barreiras e, por via de conseqüência, o próprio sistema colonial: sem isso, era morte por asfixia. (LAMBERT, 2001, p.205-206)

Como já abordado neste estudo, para o acadêmico pioneiro no estudo das

literaturas africanas lusófonas, alemão radicado nos Estados Unidos, professor da

Pennsylvania University, falecido em 2005, Gerald M.Moser (1993) a conscientização

nas ex-colônias foi um processo que já existia nos anos de 1840 e 1850 e com reflexo

na produção literária destas. Moser foi o primeiro acadêmico de universidade norte-

americana a publicar sobre literatura de ex-colônias de Portugal na África, levando o

resultado de seus estudos para o mundo inteiro.

Não se pode deixar de reconhecer que a posição do Brasil como ex-colônia de

Portugal, independente desde 1822 pode ter sido um fator de influência e referência

para as então colônias africanas que almejavam independência da metrópole.

Contudo, o texto da Profª Dra.Rita Chaves parece não se empenhar em deixar claro

que vários outros fatores de grande importância agiram no processo de

descolonização da África.

Os fragmentos literários africanos aos quais os alunos foram expostos no

‘Capítulo 9” é do moçambicano luso-descendente Mia Couto, “Terra sonâmbula”, do

angolano João Melo, “Poemas angolanos” e do cabo-verdiano, “Osvaldo Alcântara,

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“Literaturas africanas de língua portuguesa”.

Três questões se seguem ao texto, explorando-o apenas superficialmente,

aproximando a escrita de Mia Couto a de Guimarães Rosa e verificando minimamente

a compreensão do texto. Não foram explorados os aspectos característicos do autor

e sua obra como:

O trabalho de reestruturação da língua portuguesa, típico do autor, que

constituiria um excelente exercício de gramática, explorando os

processos de formação de palavras (prefixação, sufixação, aglutinação,

justaposição, entre outros);

As tradições africanas em contrapondo aos hábitos ocidentais

agregados pela convivência entre colonizados e colonizadores, as

tipicidades do universo africano, o folclore, o misticismo;

Críticas à ex-metrópole;

As mágoas que o colonizado (ou ex-colonizado) guarda do colonizador.

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Fig.14 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Fragmento da obra “Terra sonâmbula”

do moçambicano Mia Couto, apresentado no capítulo sobre as tendências

contemporâneas da literatura portuguesa.

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Fig.15 – “Novas Palavras – Nova Edição” – Exercícios sobre o fragmento da obra

“Terra sonâmbula” do moçambicano Mia Couto e síntese das informações sobre

literatura africana lusófona apresentada no capítulo sobre as tendências

contemporâneas da literatura portuguesa.

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Um fragmento de obra literária não é suficiente para se conhecer o estilo do

autor, compromete o entendimento e subverte a intenção do autor. Para construir o

sentido do texto é preciso conhecer o que veio antes e o que virá depois. Por meio de

fragmentos, o aluno não consegue dialogar com o texto literário, não tem elementos

suficientes para elaborar questionamentos nem estabelecer diálogo com o autor.

Não explorar suficientemente o autor nem sua obra desperdiça não apenas

uma oportunidade de trabalhar o texto literário e sua interpretação, mas a formação

do leitor literário, a ampliação da autonomia do aluno leitor e de sua leitura de mundo.

Deixou-se assim de contribuir para a implementação da Lei nº 10.629 em sala de aula,

perdendo importante oportunidade de discutir a relação étnica e racial negros/brancos

ou, no contexto de “Terra sonâmbula”, colonizado/colonizador, confrontar a literatura

africana com a literatura hegemônica de autores já estudados.

A análise da linguagem de Mia Couto, a discussão dos vários e possíveis

sentidos de suas expressões, os elementos humanos, psicológico, afetivo presentes

no discurso do autor, o cotidiano africano e os pontos de intersecção com o cotidiano

brasileiro, entre outros aspectos, poderiam ter sido trabalhados nas atividades.

Nem o autor nem a obra foram devidamente contextualizados, ficando a

produção literária perdida no tempo e no espaço histórico e social. De que vinte e

cinco de junho Taímo fala? De que guerra? Por que para o pai, Junho mereceria um

nome tão importante e grandioso e para os outros filhos, acabaria por ser chamado

apenas de ‘junhito”? Qual a implicação da independência da ex-colônia e suas

consequências neste apelido diminutivo? (a data da independência de Moçambique é

25 de junho de 1975). Estes são apenas exemplos de como os autores do corpus

poderiam ter levado à sala de aula discussões a partir de elementos disponibilizados

pelo próprio fragmento do texto literário, numa demonstração de inter e

transdisciplinaridade, Literatura/História.

O fragmento do poema de João Melo é utilizado para comparação com o

fragmento de “Partes de África” do português Helder Macedo, sendo mencionado

apenas na questão “e”, página 237, permanecendo na superfície linguística do texto.

Os poemas de Manuel Bandeira e Osvaldo Alcântara recebem questões de

orientação um pouco mais literária, orientando o aluno a refletir sobre a relação entre

o significado de “Pasárgada” em cada um deles, a proximidade entre os textos e o que

isto espelha da proximidade entre a literatura de Brasil e Cabo Verde.

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O capítulo é encerrado com a seção Atividades, com questões de exames

vestibulares (FUVEST – SP, UFJF – MG, UNESP – SP, MACK – SP), todas sobre

literatura portuguesa.

O conteúdo de literatura africana de expressão em língua portuguesa não

seguiu nenhuma organização de apresentação, não acompanhou a tradição histórica-

literária observada nos demais capítulos, não houve preocupação em contextualizar

sócio-historicamente autores nem obras.

No corpus aqui analisado, não foi percebida contextualização sócio-histórica

nem de autor nem de obra, tampouco houve solicitação para que os alunos

refletissem, discutissem ou interagissem.

“Novas palavras, nova edição” (2010) não constitui um espaço de rediscussão

de saberes, não contribui para a reflexão sobre a diversidade cultural da sociedade

brasileira, não pleiteia a participação do aluno na construção do significado do negro

na identidade nacional, não se empenha na inclusão do conteúdo no conjunto de

informações que o aluno já possui. O objeto em análise deixou a impressão de que

seus autores não se prepararam para escrever sobre o conteúdo de literatura africana

de expressão em língua portuguesa, apesar da Lei 10.639 ter sido implantada em

2003 pelo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. A bibliografia do corpus é

um forte indício de que pode não ter havido preocupação dos autores em se preparar

para o conteúdo: das oitenta e quatro obras pesquisadas nenhuma era de literatura

africana. Há erros sobre as origens da produção literária africana lusófona; o

fragmento de texto literário foi pouco e mal trabalhado em três atividades superficiais

que não levam o aluno a refletir sobre outros pontos de vista diferentes do seu, não

geram atitudes responsivas tampouco provocam discussões que ampliem a criticidade

do aluno; a escolha do autor do fragmento mostrou ser equivocada quando

considerado o lado psicológico dos alunos afrodescendentes e o aspecto

“identificação”, tão necessário para desencadear o interesse e a aproximação com o

tema.

Não há indicação observável de que os autores de “Novas palavras, nova

edição’ (2010) tenham se imbuído do propósito de promover o processo de

ressignificação que a Lei nº 10.639/2003 propõe. Marco fundamental na história das

lutas contra o racismo no Brasil, esta lei é consequência de um processo que teve

início pós-abolição da escravatura, quando os negros perceberam que necessitavam

da educação formal para terem direito à cidadania e reverter a situação em que se

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111

encontravam. Mas sendo esta eurocêntrica, racista e excludente, não havia como se

incluir no processo educacional do país sem ressignificação das sociedades africanas.

Depois de tantas lutas, a literatura africana foi sufocada nas poucas páginas inseridas

em uma penúltima unidade, no último bimestre no 3º ano do ensino médio, unidade

dedicada às novas tendências da literatura do colonizador.

A coleção “Português: Linguagens” (PNLD-EM 2012), Editora Atual, da autoria

de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães. Cereja é professor graduado

em Português e Linguística, licenciado em Português pela Universidade de São Paulo;

Mestre em Teoria Literária também pela Universidade de São Paulo e Doutor em

Línguística Aplicada e Análise do Discurso pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo. Thereza Cochar Magalhães é professora graduada e licenciada em

Português e Francês pela FFCL de Araraquara (SP); Mestra em Estudos Literários

pela UNESP de Araraquara. Segundo os autores na apresentação do livro, sua

intenção foi resgatar a cultura em língua portuguesa relacionando-a à manifestações

artísticas e culturais. O livro procura estabelecer diálogo da literatura brasileira com

outras literaturas lusófonas. No Manual do Professor, incluído ao final do livro, os

autores afirmam ter elaborado a obra tendo em vista a educação para a cidadania,

para o protagonismo e para a interdisciplinaridade. O projeto pedagógico da coleção,

segundo os autores, está voltado a formação do sujeito autônomo, solidário, que

valoriza a educação, a ciência, a cultura, a tecnologia e, pesquisador, possuidor da

capacidade de refletir criticamente sobre os temas importantes da sociedade

contemporânea.

A Editora Atual é parte do Grupo Saraiva, assim como Ática e Scipione.

Presente no segmento editorial desde 1917, a Saraiva Educação integra a SOMOS

Educação desde dezembro de 2015. Com conteúdo para educação básica,

preparatórios (concursos e exames como OAB), ensino técnico (com o selo Érica) e

superior, com destaque para a área Jurídica, de Ciências Sociais Aplicadas

(sobretudo em Administração, Economia e Contabilidade), o grupo também atua na

área de soluções educacionais com tecnologias para aprendizagem adaptativa,

metodologias diferenciadas (como no SSA – Saraiva Solução de Aprendizagem),

biblioteca digital por assinatura, plataformas gamificadas, disponibilizando conteúdo e

estruturação para o ensino a distância. A marca é sócia da Minha Biblioteca, consórcio

formado pelas quatro principais editoras de livros acadêmicos do Brasil, para

disponibilizar o acervo mais completo de conteúdos digitais para as instituições de

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ensino superior. A Saraiva Educação engloba ainda os sistemas de ensino Ético de

educação infantil, ensinos fundamental e médio e para os cursos pré-vestibulares, e

Agora, que visa contribuir para a educação pública no Brasil, por meio de uma ação

educativa eficaz. Há também os selos Caramelo de leitura infantil e o selo Benvirá,

com o objetivo de disseminar conteúdo de qualidade na educação, cultura e

entretenimento do Brasil. Junto com Ática e Scipione, a Saraiva Educação integra o

portfólio de editoras da SOMOS Educação.

O livro didático em análise é composto por quatro unidades cujos capítulos

mesclam literatura, a produção de texto e língua portuguesa. O conteúdo de literatura

tem como objetivo o desenvolvimento das habilidades de leitura do alunado para

formar leitores competentes com cultura não apenas literárias, mas universal.

A seção “Literatura comparada” segue a perspectiva dialógica de literatura, a

seção “Para quem quer mais”, são indicados sites para informações complementares

dos temas estudados. O livro procura dar atenção à formação do leitor literário. Assim

como na obra “Novas Palavras – Nova Edição” a teoria e a leitura dos textos literários

se alternam e se complementam. Ambas as coleções optaram por apresentar autores

e obras da tradição literária

Ao final de cada unidade, o livro sugere projetos que incluem pesquisas em

livros e internet, criação de blogs, elaboração de poemas, preparação e apresentação

de saraus literários, propondo ao aluno a interação do conteúdo aprendido com o

mundo em que vive.

No livro “Português: linguagens”, a literatura africana de expressão em língua

portuguesa é cotejada com a literatura brasileira. O capítulo 9 traz um panorama das

literaturas africanas de língua portuguesa e contempla o estudo e a leitura de textos

dos autores angolanos Pepetela e Maurício Gomes, do moçambicano Mia Couto e do

cabo-verdense Onésio Silveira.

O livro do aluno não apresenta bibliografia das obras consultadas em sua

composição.

Em sua tese de doutorado em Línguística aplicada e estudos da linguagem na

PUC-SP em 2004, intitulada “Uma proposta dialógica de ensino de literatura no ensino

médio, Cereja (2004) critica a forma de ensino de literatura que permanece inalterada

há meio século, seja por motivos históricos, ideológicos, políticos ou legais e

contextuais. Na tese, Cereja (2004) propõe que a literatura seja ensina também em

seus aspectos comunicativo-interativo, dialógico, estético, histórico e social,

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aproximando-se de sua aplicação social e distanciando-se da descrição de obras,

autores e estilos de época.

Tanto a leitura quanto a interpretação do texto literário podem contar com

ferramentas como História, Sociologia, Psicologia, História da Arte, valorizando a

relação entre os elementos e internos ao texto literário, construindo um conhecimento

significativo. A proposta dialógica da qual Cereja (2004) trata em sua tese de

doutorado aborda os diálogos que a literatura brasileira trava consigo mesma e com

outras literaturas e manifestações artísticas.

Contudo, Cereja (2004) deixa claro que, em sua proposta de ensino dialógico,

o objeto central da literatura continua sendo o texto literário.

Apesar da proposta de ensino dialógico da literatura apresentada em sua tese

de doutorado em 2004, Cereja, como co-autor de “Português: linguagens” manteve o

ensino literário com base na historiografia, assim como os demais livros analisados

para este estudo. Contudo, “Português: linguagens” e “Novas Palavras – Nova

Edição” inseriram o diálogo entre escolas literárias ou os estilos de época,

identificando características comuns, sem aprofundamento. As obras e autores

selecionados obedecem a tradição, sem grande esforço para acolher as

manifestações literárias não consagradas. A herança cultural ainda precisa ser

trabalhada, mas encampar obras não pertencentes à tradição literária só traz

benefícios tanto à língua quanto à cultura. O sistema canônico literário não é o único

viés de trabalho, ensino e estudo da literatura.

Apesar de “Português: linguagens” mostrar o contexto histórico e social das

escolas literárias e informações, embora resumidas, sobre os autores, as atividades

não apresentam grande preocupação em relacionar o texto literário e o contexto social

de sua produção.

A maioria das atividades não busca levar o alunado a realizar uma ligação

entre os elementos temáticos e estéticos dos textos; a trabalhar as características

das regiões que integram o mundo lusófono além de Brasil e Portugal; a refletir sobre

sua identidade e a identidade de seu país.

A literatura africana lusófona aparece ainda timidamente no último capítulo da

última unidade, intitulado “Panorama das literaturas africanas de língua portuguesa”,

que propõe leitura de autores representativos da literatura de Angola, Moçambique e

Cabo Verde por meio de fragmentos de textos do angolano Maurício Gomes, poema

“Exortação”; do conto “Nas águas do tempo” do moçambicano Mia Couto e do poema

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“Hora Grande” de Onésimo Silveira. O livro procura integrar a literatura africana, mas

menciona pouco a literatura afro-brasileira. O conteúdo apresentado não é

aprofundado.

No capítulo 4 da Unidade 4, não há um aprofundamento da temática nos

conteúdos apresentados. Ao discorrer sobre “Guimarães Rosa: a linguagem

reinventada”, tem-se a impressão que o objetivo dos autores era apenas ressaltar a

influência do mineiro Guimarães Rosa sobre o escritor angolano, Luandino Vieira.

O volume 3 da coleção ‘Português: linguagens” ainda neste volume, é abordado

o tema “Diálogo entre o romance brasileiro de 30 e as literaturas americana e africana”

(p.216-219) apresentando fragmentos de três romances cujas tramas dialogam entre

si por abordarem dificuldades sócio-econômicas, migrações e o impacto destas na

vida dos personagens: “Hora di Bai”, do escritor cabo-verdiano Manuel Ferreira; “As

vinhas da ira”, do americano John Steinbeck e “Os Corumbas”, do brasileiro Amando

Fontes.

Os fragmentos apresentados possuem uma forte relação, embora sejam

apenas excertos, tecem curiosidades sobre a obra em sua totalidade. Acompanhando

os três textos há pequenos quadros com traços biográficos dos autores e

apresentando a capa de Hora di Bai e Os Corumbas. O que, de certa forma, torna a

leitura mais atrativa. O livro extrapola a leitura literária por meio da intertextualidade,

dialogando com outras obras da mesma época ou anteriores. Os autores abordam a

influência que os escritores brasileiros exerceram sobre os escritores africanos

lusófonos. Na seção “Projeto”, no final da Unidade 2 (p.279-281), na atividade

“Diálogos negros: Nordeste do Brasil e África” os autores propõem uma pesquisa

online, em livros ou outras fontes sobre obras brasileiras que retratem a presença

negra na região nordestina, elaborando uma coletânea de poemas e textos em prosa.

A proposta se estende também à pesquisa sobre escritores africanos de língua

portuguesa que tenham afinidade com as temáticas abordadas pelos escritores

brasileiros nas décadas de 1930 e 1940

O dialogismo proposto na tese de doutorado de Cereja (2004) pode ser

percebido no estabelecimento da inter-relação entre os textos literários, suas

diferentes formas de apresentação como teatro e cinema, mencionando peças e

produções cinematográficas.

Ao analisar o livro, fica claro que o eixo da literatura recebe maior atenção dos

autores.

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3.2 Análise das obras indicados no PNLD 2015 selecionadas para esta

pesquisa

O livro “Língua Portuguesa”, indicado no PNLD 2015 e da autoria de Roberta

Hernandes e Vima Lia Martin, é editado pelo Grupo Positivo, editora que tem sua

origem datada de 1972, pela ação de professores que criaram um curso pré-

vestibular. Hoje, a marca Positivo atua na área de livros didáticos, Soluções

Educacionais, Cultura, Tecnologia e Gráfica. Na área de Ensino, o Grupo atua desde

a Educação Infantil até o Ensino Superior – Graduação (Bacharelados, Licenciaturas

e Cursos Superiores de Tecnologia), Especialização, Mestrado e Doutorado. Mais de

2 milhões de alunos utilizam os sistemas de ensino da Editora Positivo, em escolas

públicas e particulares, no Brasil e no Japão. Soluções desenvolvidas pela divisão de

Tecnologia Educacional da Positivo Informática estão presentes em mais de 40

países. A Editora Positivo edita, publica e comercializa livros didáticos, paradidáticos

e de literatura, atlas e dicionários, com destaque para o dicionário mais importante da

Língua Portuguesa, o Dicionário Aurélio.

A Editora Positivo considera ser sua missão a construção de um mundo melhor

por meio da educação e alega possuir em seu DNA as boas práticas de ensino.

Especializou-se ao longo dos anos, desenvolvendo livros didáticos, literatura infantil e

juvenil, sistemas de ensino e dicionários. A Editora Positivo está presente em milhares

de escolas públicas e particulares com os seus sistemas de ensino. Para a rede

pública a editora disponibiliza o Sistema de Ensino Aprende Brasil. Já as escolas

particulares contam com o Sistema Positivo de Ensino (SPE) e com o programa

Conquista. Cerca de 2 milhões de alunos se preparam para o vestibular e o Exame

Nacional do Ensino Médio (Enem) tendo como base o conteúdo desenvolvido pela

Editora Positivo.

O “Aprende Brasil” é um sistema de ensino completo, dinâmico e moderno.

Oferece um conjunto de soluções para a rede de ensino pública, contemplando

material didático, o Portal Aprende Brasil, assessoria pedagógica aos professores e

uma coordenação pedagógica regional – que auxilia os gestores educacionais no

processo de implementação do sistema na região, oferece atendimento às demandas

educacionais específicas da localidade, orienta e participa de reuniões com

coordenadores e diretores das escolas, além da comunidade escolar. O material vem

com capa personalizada para cada município e os livros são integrados, apresentando

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conteúdos e atividades de todas as áreas do conhecimento. O sistema possui dois

métodos de avaliação: o Hábile (Sistema de Avaliação Positivo) e o SIMEB (Sistema

de Monitoramento Educacional do Brasil). Está presente em mais de 2 mil escolas

públicas, fazendo a diferença na vida de mais de 330 mil alunos de cerca de 220

municípios brasileiros.

A coleção é composta de três volumes organizados por unidades. O terceiro

volume, aqui em análise, possui cinco unidades estruturadas em capítulos

(“Literatura”, “A língua em uso” e “Produção de texto”), organizados em seções

didáticas:

Leitura: apresentação de textos diversos para leitura e aplicação do conteúdo

expositivo de cada capítulo;

Atividades: apresentação de atividades e questões diversas sobre os textos

lidos, incluindo-se de vestibulares e do ENEM, que se propõem a orientar o

aluno na análise do texto literário, seja este poema ou prosa, compondo um

roteiro; insere-se em vários momentos do mesmo capítulo.

Ampliação: complementação e aprofundamento do conteúdo, buscando

apresentar novos pontos de vista sobre o tema em estudo; proposta de

discussões, reflexão sobre temas relacionados ao universo do aluno, arte e

cidadania; textos teóricos e não teóricos da atualidade, que permitem uma

maior compreensão dos assuntos abordados. Constam também, na seção

“Ampliação”, as subseções “Para refletir” e “Para escrever”.

Produção de texto: a produção de textos orais e escritos é socializada no grupo

de alunos.

Segundo o O Guia de Livros Didáticos PNLD 2015 – Português, um dos pontos

fortes da obra é o tratamento dado à literatura africana lusófona (MEC, 2014, p. 34).

As autoras da referida obra, possuem proposta de abordagem do texto literário

que visa ampliar e ressignificar o cânone escolar e levar o alunado a questionar

estereótipos. Por meio do método comparativo com a leitura contrastiva de textos

literários, o livro estimula o aluno a refletir sobre a a identidade nacional, cultural e

literária dos países lusófonos. Outra proposta de abordagem das autores é a

perspectiva prospectiva, que leva em consideração o sentido histórico, função e valor

do texto, momento em que foi escrito e sua transposição para a atualidade e a

realidade do aluno. Em “Língua Portuguesa”, Hernandes e Martin (2013) incluíram

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autores e textos das literaturas afro-brasileira e africanas em diálogo com os autores

e obras tradicionalmente constantes dos livros didáticos de língua portuguesa,

mantendo a cronologia da historiografia literária. Apesar de estar concentrada na

Unidade 6, a literatura africana de expressão em língua portuguesa aparece desde a

Unidade 2, Capítulo 6, “Influências de Drummond na poesia africana de língua

portuguesa” (p.141). Na mesma unidade, as autoras abrem espaço para a literatura

afro-brasileira com os “Cadernos Negros: os melhores poemas”, organizado pelo

grupo Quilombhoje (p.149). Na Unidade 3, Capítulo 10, intitulado “A literatura

brasileira e a formação das literaturas africanas de língua portuguesa” são trabalhos

os autores africanos lusófonos José Craveirinha, Agostinho Neto e Ovídio Martins,

além de vários autores representantes da literatura afro-brasileira como Solano

Trindade, Miriam Alves, Márcio Barbosa entre outros.

O eixo principal da obra é o da literatura, apresentada a partir de textos

informativos didáticos e textos literários, com atividades voltadas para características

de época, autores e gêneros. A coletânea inclui autores brasileiros, portugueses, afro-

brasileiros e africanos de língua portuguesa, sendo a predominância de autores

brasileiros. Os textos literários são trabalhados de forma expositiva e há ampla gama

de informações compondo a visão de conjunto dos diferentes contextos sociais,

políticos e culturais da produção literária.

Dentre os livros até o momento analisados para este trabalho, este é o primeiro

a apresentar autora com ligação com o tema literatura africana lusófona: Vima Lia

Martin, bacharel e Mestre em Letras; doutora em Letras (área de concentração em

Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) pela Universidade de São

Paulo. Professora de Língua Portuguesa da Educação Básica durante dez anos.

Docente do curso de Letras da USP. A outra autora da obra é Roberta Fernandes

Alves, licenciada, bacharel e mestre em Letras; Doutora em Letras (área de

concentração em Literatura Brasileira) pela Universidade de São Paulo. Professora

de Língua Portuguesa da rede pública e particular em São Paulo (capital) há 15 quinze

anos. Coordenadora de Língua Portuguesa na rede particular de ensino.

As referências bibliográficas contam com vinte e um títulos divididos por tema da

seguinte forma: Educação (03), Educação (05), Leitura (07), Letramento (01),

Linguagem (02), Literatura Africana (02), PCN (01). Também destacando-se dos

demais livros didáticos analisados para este estudo, as referências bibliográficas

apresentam duas obras sobre literatura africana “História literária e o ensino das

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literaturas de língua portuguesa” de Benjamin Abdala Júnior, 1998 e “Paralelas e

tangentes: entre literaturas de língua portuguesa”, 2003. Os demais não

apresentaram nenhuma obra ou apresentam apenas uma.

A proposta teórica da obra, em relação à língua portuguesa, está baseada em

uma perspectiva interacionista e discursiva de trabalho com a linguagem. Essa

abordagem prevê que a construção do conhecimento se dá por trocas subjetivas entre

os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Em relação à literatura, a obra

destina-se a criar um chamado “leitor literário”, isto é, ela pretende, efetivamente,

contribuir para a ampliação da autonomia intelectual e da perspectiva crítica dos

alunos. Para isso, assume uma atitude interativa e questionadora diante do texto

literário. A proposta da obra apoia-se em dois pressupostos: a comparação e a

prospecção.

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Fig. 16 – “Língua Portuguesa” – Sumário - Unidade 1

O estudo da literatura é orientado pela tradicional cronologia histórica, a linha do

tempo dos movimentos literários como fio condutor. A literatura dialoga com diversas

formas de arte num processo de intercâmbio cultural e o livro aplica as imagens como

recurso para exposição de textos, seja por meio de pinturas, fotografias, desenhos ou

caricaturas. A contextualização histórica, social e cultural de cada período literário

dialoga com o presente a partir da inserção de diferentes textos na mesma unidade,

como por exemplo, na “Unidade 1”, página 40, em que o livro apresenta ao aluno o

poema “Assentamento” de Guimarães Rosa, o poema “Assentamento” de Chico

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Buarque (ambos como “Texto 2) e a imagem “Terra” de Sebastião Salgado.(“Texto 3)

para serem trabalhados nas sete questões da página 41.

Fig.17 – “Língua Portuguesa” – página 40 com exemplo de diálogo intertextual e

contextualização histórica, social e cultural de período literário a partir de um tema

em comum.

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As atividades propostas apresentam fragmentos de outros autores como Ferreira

Gullar, Chico Buarque, José Saramago, Oswald de Andrade, Millôr Fernandes, Mário

de Sá-Carneiro, Jurandir Freire Costa, José Paulo Paes, Tristan Tzara, Felippo

Tomaso Marinetti); são autores apenas citados ou sem comentários aprofundados. As

questões e os exercícios pouco exploram os aspectos estéticos dos textos ou

fragmentos, fixando-se na interpretação das camadas mais superficiais do texto e,

mesmo quando se nota tentativas de levar o aluno à reflexão, falta aprofundamento.

Estas limitações não contribuem para a formação do leitor literário. O trabalho

desenvolvido a partir da leitura do texto literário visa o reconhecimento das

características explicadas em momento anterior na mesma unidade/no mesmo,

capítulo, limitando assim o encontro do aluno com os aspectos artísticos e estéticos

da literatura e a sua autonomia em fazer as próprias descobertas. O aluno é

requisitado a interpretar informações e não a sentir nem perceber a obra ou a si

mesmo.

A única menção à literatura africana de expressão em língua portuguesa

encontrada na “Unidade 1” foi Antonio Jacinto, de Luanda, e seu poema “Carta de um

contratado”. Informações sobre o autor foram disponibilizadas em um box salientando

sua militância política. O poema de Jacinto (1982) é utilizado como elemento de

comparação com textos de Fernando Pessoa, porém não sendo trabalhado enquanto

literatura africana em si. As autoras ensejaram uma proposta que pretende se

diferenciar dos demais livros didáticos, inserindo a literatura africana desde a primeira

unidade, ao invés de restringí-la ao final do livro, momento em que todo o conteúdo

de literatura já foi ministrado e os alunos estão preocupados com o ENEM e os

exames vestibulares. Tem-se neste ponto um diferencial no livro aqui em análise que

precisa ser assinalada: a proposta de inserir a literatura africana desde o início do livro

o diferencia positivamente dos demais.

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Fig.18 – Poema de Antonio Jacinto, de Luanda, “Carta de um contratado”, única

menção à literatura africana encontrada na Unidade 1 do livro “Língua Portuguesa”.

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Fig.19 – “Língua Portuguesa” – box com informações sobre o poeta africano

lusófono Antonio Jacinto.

Na página 23, um box informa ao aluno que o romance “Triste fim de Policarpo

Quaresma” de Lima Barreto (1920) foi adaptado para o cinema por Paulo Thiago em

1998 e lançado com o título “Policarpo Quaresma, herói do Brasil”. Contudo, não foram

explicadas ao aluno as especificidades de cada meio, as semelhanças e

particularidades de ambas as artes, aspectos da literatura a serem transpostos para

a obra cinematográfica como narrativa, temática, características estéticas, tampouco

a possibilidade que o cinema apresenta de intensificar os sentidos, por exemplo.

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Fig.20 – “Língua Portuguesa” – Box com informações sobre a adaptação para o

cinema do romance de Lima Barreto, “Triste fim de Policarpo Quaresma”.

A adaptação de “Os sertões” de Euclides da Cunha para o cinema em1997, dirigido

por Sérgio Rezende, recebeu o título de “Guerra de Canudos” e na página 17,

“Unidade 1”, “Capítulo 1”, recebeu o mesmo tratamento simplificado; mais uma

oportunidade perdida pelas autoras de aprofundamento do trabalho com a literatura.

Fig.21 – “Língua Portuguesa” – Box com informações sobre a adaptação para o

cinema da obra de Euclides da Cunha, “Os Sertões” de 1902.

Uma qualidade da obra está no fato de trabalhar com a arte e literatura dos países

de língua portuguesa, apresentando uma série de diferentes textos literários,

exemplificando cada período. Contudo, ainda que apresente textos diferentes e

interessantes, a obra ainda trabalha literatura de uma forma bastante conservadora,

por meio de momentos históricos e as tentativas de instigar o pensamento crítico

parecem permanecer na superficialidade e não atingir o objetivo.

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O livro se posiciona contra o conhecimento enciclopédico em sua proposta, porém,

no decorrer da obra ele se mostra a favor deste. As discussões dos textos

apresentados não parecem levar o aluno à criação de um pensamento crítico e o

incentivo à leitura ocorre sempre da mesma maneira: os alunos são instruídos a ler

sem, contudo, um projeto para a leitura de obras completas em sala de aula,

constituindo assim, mais um ponto essencialmente falho na obra: a falta de uma

proposta efetiva de incentivo à leitura, e não apenas ao conhecimento de teoria

literária.

A versão mais atualizada da obra “Língua Portuguesa: linguagem e interação” da

Editora Ática, aprovada para o PNLD triênio 2015, 2016, 2017 algumas poucas foram

as modificações identificadas. O conteúdo de literatura africana lusófona permanece

apenas no Capítulo 12 – “Discurso Político”, agora iniciado com dois textos que

abordam a temática afro-brasileira: “Cota valida teses racistas” de José Roberto

Ferreira Militão, e “Cotas enriquecem universidades”, de Hédio Silva Júnior.

Para a produção literária de Angola, “Noite” e “Aspiração” de Agostinho Neto

deixaram de fazer parte do conteúdo e foi inserido o autor Valter Hugo Mãe com “A

máquina de fazer espanhóis”.

Guiné-Bissau tinha sua produção literária representada por dois textos,

“Liberdade”, de Vasco Cabral e “Visto fato” de Carlos Semedo. Na edição mais atual,

Guiné-Bissau conta com apenas um texto, “Ansiedade” de Carlos Semedo.

O livro “Português: Vozes do mundo 3 - literatura, língua e produção de texto”

compõe a coleção de três livros para o Ensino Médio e a autoria é de Lília Santos

Abreu – Tardelli, Lucas Sanches Oda, Maria Tereza Arruda Campos e Salete Toledo.

O livro divide-se em três partes: literatura, língua e produção de texto. As seções

literatura, língua e produção de texto são bem separadas, sendo a literatura nas

primeiras seis unidades, com 19 capítulos.

No Manual do professor, é possível a proposta da coleção, os princípios teóricos -

metodológicos, o uso das tecnologias em sala de aula, interdisciplinaridade, a

avalição, a estrutura da coleção, planejamento e seleção dos conteúdos, seguidos

das orientações específicas e sugestões de atividades, além das respostas destas e

a bibliografia utilizada. Para a literatura, os autores afirmam que sua intenção é

investigar o diálogo da literatura com outras linguagens artísticas, o desenvolvimento

de habilidades leitoras, reconhecendo a importância dos estudos literários como

processo humanizador. Os autores procuraram privilegiar a convivência dos alunos

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com o texto literário e a formação do leitor literário e o desenvolvimento de

capacidades leitoras

A literatura é abordada em 19 capítulos.

Na unidade 1, composta pelos capítulos 1 e 2, é apresentada a fase Pré–

Modernista com autores conhecidos na tradição literária: Euclides da Cunha, Monteiro

Lobato, Lima Barreto e Augusto dos Anjos. Há, no final da unidade, um roteiro de

estudo, que traz em forma de esquema, um resumo sobre o conteúdo estudado.

Os dez capítulos que compõem a unidade 2, 3 e 4 abordam o Modernismo em

Portugal e no Brasil, continuando com os autores seletos e reconhecidos pela crítica,

como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Guimarães Rosa,

entre outros.

O “Português: Vozes do mundo”, traz curiosidades sobre autores, dicas de filmes,

de músicas, ampliando o conteúdo dos capítulos. Na seção intitulada de “Vozes em

Rede”, os autores apresentam textos menos conhecidos em diálogo com os temas

abordados pelos autores consagrados contemplados no corpus da unidade.

Em algumas das atividades do livro, o aluno é requisitado a utilizar seu senso

crítico para realizar leitura mais questionadora, confrontando suas ideias sobre o que

leu com sua leitura de mundo prévia, e com pontos de vista de terceiros, comparando

texto e realidade. Os autores fazem referência aos novos suportes disponíveis para o

estudo da literatura, como os e-books, blogs, links de internet, sites, chamando a

atenção para qualidade dos textos literários que se encontram disponíveis na rede

mundial de computadores. Para os autores, “a rede mundial não possui um centro

definido que ofereça critérios para o leitor separar o bom do ruim” . Além desses

suportes, o capítulo ainda aborda o teatro contemporâneo e suas tendências. No final

da unidade, os autores oferecem um roteiro de estudos para aprofundar as

informações. Na unidade seguinte, com dois capítulos, o livro aborda as literaturas

africanas em língua portuguesa, desde a literatura colonial, as lutas de independência

à literatura pós-colonial, autores e obras de Luandino Vieira, Pepetela, José Agualusa,

Mia Couto, entre outros.

Ao contrário do livro de Faraco, Moura e Maruxo, “Língua Portuguesa: linguagem

e interação’ já analisado, o livro “Português: Vozes do mundo” situa-se mais próximo

à proposta do Guia PNLD de um viés humanizador para o ensino da literatura, O livro

apresenta o cotejo de fragmentos de diferentes autores a partir de um mesmo tema.

Há atividades de análise e interpretação de fragmentos de textos literários, mas não

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atividades que exercitem o cotejo entre textos literários e não literários, embora realize

o diálogo com outras áreas do saber. A obra favorece a presença de autores e obras

da tradição literária, abrindo espaço também para também obras produzidas por

autores menos prestigiados pela crítica.

O livro didático analisado contempla ainda fontes de multimídia que podem

potencializar o estudo da literatura. Permanece a cronologia da historiografia literária.

Apesar da apresentação feita pelos autores, a contextualização dos textos literários é

fraca e as atividades de leitura são reduzidas em comparação ao número de

fragmentos apresentados.

O conteúdo de literatura africana lusófona concentra-se na Unidade 6, a última

destinada à literatura. A unidade começa com uma reprodução do óleo sobre tela de

Malangatana Valente Ngwenya, “Final Judgement”, de 1961, um dos mais famosos

artistas plásticos de Moçambique. A imagem é acompanhada de um box com

perguntas sobre a literatura africana lusófona, suas marcas identitárias e sua relação

com a literatura brasileira.

O Capítulo 18, o primeiro da unidade 6 apresenta em sua primeira página um

quadro das literaturas africanas em língua portuguesa contextualizando

historicamente.

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Fig.22 – “Vozes do mundo” – quadro das literaturas africanas em língua

portuguesa.

Diferentemente dos demais livros aqui analisados, “Português: Vozes do mundo”

apresenta períodos para a literatura africana lusófona, considerando seu surgimento

o século XIX com o romance “O Escravo” do cabo-verdiano José Evaristo d’Almeida,

contradizendo principalmente o texto da página 230 de “Novas palavras, nova edição”

da Profª Dra.Rita Chaves, Diretora do Centro de Estudos Portugueses da

Universidade de São Paulo. A se propor a explicar ao alunado a importância da

literatura africana lusófona na compreensão da formação cultural e da História

brasileiras, o texto da Profª Dra.Rita Chaves afirma que as literaturas africanas

lusófonas desenvolveram-se a partir da década de 1940.

Os autores e obras contemplados na Unidade 6 representam a produção literária

de Moçambique, Guiné-Bissau e Angola: “Um rio chamado tempo” e “O quarto

caderno de Kindzu” do moçambicano Mia Couto; “Antidelação” de Vasco Cabral,

escritos da Guiné-Bissau.”Teias da memória” e “A minha dor” de José Craveirinha,

Moçambicano; José Luandino Vieira, nascido em Portugal e criado em Angola;

“Mayombe” do angolano Pepetela; “Fatita de Matos, a amante infeliz” do angolano

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José Eduardo Agualusa; “Borboletas de luz” de Arlindo Barbeitos; “Naturalidade” de

Rui Knopfli.

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CONCLUSÃO

A Lei federal 10.639/2003 que torna obrigatório para as escolas o ensino de

História e Cultura Afro-brasileira e Africana, realizou uma reparação curricular, mais

do que uma atualização apenas; ação integrante de uma proposta ampla para o

estabelecimento de um diálogo sobre o preconceito racial sofrido pelos negros e seus

descendentes no Brasil; para a implementação de um currículo que reconheça os

valores da história cultural africana, que construa conhecimentos históricos e

multiculturais e que desperte a consciência dos alunos sobre os direitos dos negros e

sobre sua representação na história oficial do país. A elaboração e a aprovação da

Lei 10.639/03, fruto das lutas do movimento negro brasileiro, partiu da concepção de

que através da educação se pode mudar realidades e desconstruir discursos e

práticas que foram consolidadas historicamente. Neste caso, a história dos negros

brasileiros e seus descendentes, está solidificada pela anulação de suas

particularidades, história e cultura, bem como pela imposição dos costumes e valores

de uma sociedade europeia, embranquecendo-os e desrespeitando-os. Por isso, é

necessário pensar a educação como um espaço para disseminar a não aceitação

dessas práticas e a contestação do discurso de superioridade do branco sobre o

negro.

Identificar, aceitar e interagir com a diversidade racial e cultural que

participaram da formação da identidade do nosso povo, sob um olhar não eurocêntrico

e não superior, fortalecerá a relação dos educandos com o meio, aumentando sua

capacidade de influenciá-lo. Mas este é um trabalho lento, delicado e minucioso que

necessita da ação combinada de docentes, discentes e livro didático. Este tripé é o

apoio necessário para que a Lei nº 10.639 atinja seus objetivos. O processo educativo

é uma estratégia essencial na formação humana, incluindo a educação sistematizada,

a qual deve consistir em um elemento de transformação social, uma vez que possui

como objetivo fundamental a formação de cidadãos plenos. Para isso, é necessário o

respeito e a valorização das diversidades existentes no ambiente escolar e na

sociedade, assim como a aceitação das diferenças.

Como um dos instrumentos mais utilizados nas escolas como norteadores da

prática pedagógica, o livro didático precisa estar em consonância com essa educação

que se quer libertadora de mitos e preconceitos, validativa das diferenças inerentes

aos seres humanos. Dessa forma, ele não pode ser utilizado como disseminador da

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ideologia dominante e eurocêntrica, mas sim como motivador da prática reflexiva

sobre as relações sociais e suas consequências para a humanidade. O livro didático

não pode ser mais um objeto representativo do silenciamento e da omissão frente às

diversidades e suas lutas pela igualdade de direitos.

O livro didático tem um papel fundamental no processo, pois é ele quem

convida o aluno a refletir, discutir e interagir com o texto literário ou, então, apenas

transmite o conhecimento fazendo com que ele o aceite passivamente sem promover

sua participação no processo de aprendizado. Ele contextua sócio-historicamente a

literatura africana reafirmando a cada página o seu compromisso em formar leitores

literários ou apenas passa superficialmente pelos temas.

A análise dos livros didáticos de língua portuguesa para o ensino médio, objeto

desse estudo, pautou-se na observação da adequação dos livros didáticos à Lei

Federal nº 10.639/2003 verificando a abordagem da literatura africana de expressão

em língua portuguesa. No Brasil, o livro didático faz parte da educação há

aproximadamente 200 anos, tendo passado por transformações e acompanhado as

mudanças do currículo e da sociedade. A Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º

e 2º Graus de 1971, por exemplo, não apenas estendeu a obrigatoriedade escolar

compulsória de quatro para oito anos (ensino fundamental) como reconfigurou o

ensino médio como profissionalizante, tecnicista, consolidando os manuais didáticos

como grande ferramenta de apoio para os docentes, na preparação e no

desenvolvimento das aulas, contribuindo no processo de aprendizado e

desenvolvimento dos alunos, definindo conteúdos. Divididos por unidades ou lições,

os livros didáticos de língua portuguesa do 3º ano do ensino médio resumem, num

mesmo volume, os conteúdos de gramática, produção de texto e literatura. Muitos se

apresentam esquemáticos, transmissivos, valorizam práticas de memorização,

resumos, visão do conjunto e não do particular. Hoje suas páginas apresentam novos

protocolos de leitura e recursos visuais, e estabelecem ligação entre o conteúdo

escrito e o conteúdo da internet. Elaborado para o professor, tem nele um alvo

principal e um intermediário que desempenha papel fundamental; o livro didático

depende do uso que dele é feito. Ferramenta essencial ao trabalho do professor,

apresenta o que se deve ensinar e como se deve ensinar.

A periodização literária, o ensino historiográfico da literatura tem sido

duramente criticado. Contudo, abordar simplesmente leituras descontextualizadas,

afastadas do papel social que cada uma representou ao longo dos séculos, esvaziaria

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o conteúdo. A área de Literatura ainda é apresentada nos livros didáticos como uma

derivação do ensino de línguas, assim como a produção de textos, perdendo

oportunidades de leituras diferenciadas, de despertar o interesse por novas leituras,

de provocar outros saberes e, consequentemente, de construir conhecimento. Ao não

permitir que os alunos desenvolvam habilidades complexas como analisar e

interpretar textos literários, como construir sentidos por meio de recursos de

expressão, por meio da estrutura do texto, das relações entre forma e conteúdo, do

estilo pessoal do autor ou da contextualização histórica e cultural do autor e da obra,

o livro didático acaba por afastar o aluno-leitor do prazer de ler um texto literário.

A teoria enfatiza a necessidade de livros didáticos que formem alunos leitores,

leitores literários, cidadãos críticos, o que vale para a literatura portuguesa, brasileira,

africana lusófona e afro-brasileira. Contudo, os livros didáticos tornaram-se um reflexo

da convenção entre setores educacionais. Para contar com a aprovação dos

professores, editores acatam as exigências de conteúdo e metodologia. Cada livro

didático parece ter sua própria proposta, sugestões de atividades e, talvez até,

apresentação de novas formas de trabalho mas, na realidade, só se observou um

suave desmembramento do tradicional na obra “Língua Portuguesa” de Hernandes e

Martin (2013). Os livros didáticos apresentam certo grau de homogeneidade, o que

denota a observação de determinados critérios comuns: escolas e editoras procuram

cumprir as exigências do mercado e dos concursos vestibulares.

É inegável que o livro didático de Língua Portuguesa, no que diz respeito ao

ensino de literatura, tem apresentado mudanças, porém ainda lentas e insuficientes,

a partir dos documentos oficiais, frutos de discussão acadêmica sobre teorias e

metodologias que objetivam a formação de melhores leitores no Ensino Médio.

Atendendo à legislação, as obras analisadas incluíram autores e textos africanos de

língua portuguesa, com exceção de “Linguagem em movimento”.

Na maior parte dos livros analisados, a questão étnico-racial é mencionada de

forma esporádica e descontextualizada, demonstrando mais uma preocupação das

editoras em atender ao Edital de Avaliação e Seleção dos livros didáticos para o

PNLD, do que em contribuir para a desconstrução de uma prática educativa

preconceituosa.

Dentre as analisadas, a única obra que apresentou escritores afro-brasileiros

foi “Língua Portuguesa” de Hernandes e Martin (2013) .

“Novas Palavras – Nova Edição” afirmou ser a literatura africana uma

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complementação do panorama apresentado para a literatura. Adicionalmente, este

livro traz um texto que se propõe explicar ao alunado a importância da literatura

africana lusófona, mas identifica equivocadamente, suas origens como um fenômeno

contemporâneo.

“Português: Linguagens” surge com uma proposta dialógica para o ensino da

literatura, com base na tese de doutorado apresentada por William Cereja em 2004

na PUC – SP. A obra realiza um cotejamento entre a literatura brasileira e a africana

lusófona, mas restringe a africana ao último capítulo da última unidade.

A maioria dos livros analisados dedica uma única unidade à literatura africana

lusófona, em geral a última do livro. Alguns, como ‘Língua Portuguesa”, apesar de

concentrar o conteúdo em unidade específica, reserva um espaço para textos e

autores africanos lusófonos em todas as outras unidades ao longo do volume 3.

Outros autores, iniciam a apresentação da literatura africana de expressão em língua

portuguesa nos volumes anteriores de sua coleção. Contudo, são apenas fragmentos

de textos, sem se aprofundar no tema, sem trabalhar o conteúdo de maneira eficiente,

sem estabelecer efetivamente uma convivência do alunado com o assunto. O

resultado final, continua sendo um conteúdo em notável desvantagem na forma de

trabalho e no espaço a ele destinado quando comparado às literaturas portuguesa e

brasileira.

Deve-se reconhecer que ainda é um desafio a inserção da literatura africana

de expressão em língua portuguesa nos livros didáticos, tanto para autores quanto

para editores. Contudo, para o professor este desafio torna-se ainda maior, pela

ausência do conteúdo em seus cursos de graduação em Letras (no caso daqueles

formados antes da referida lei). O maior responsável pelo ensino ainda é o professor,

que, em possuindo autonomia, pode conciliar os planos pedagógicos a uma dinâmica

de trabalho que atinja os objetivos esperados. O livro didático é um auxiliar e não

determinante das aulas. Professores mal preparados, sem formação inicial de

qualidade, cuja graduação em Letras não necessariamente apresenta plena

adequação às propostas das Diretrizes Curriculares, não adquirem domínio da língua

tampouco desenvolvem múltiplas competências e habilidades ou autonomia teórica,

necessitando do apoio de livros didáticos esquemáticos, portadores de pedagogia

transmissiva, e não conseguem contribuir na formação de leitores literários plenos,

participativos na sociedade.

Cabe aos docentes a atualização, o retorno à sala de aula, como os cursos de

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educação continuada oferecidos pelo poder público, por exemplo.

Dividir a disciplina Língua Portuguesa em três segmentos (literatura, gramática

e redação) impede a integração dos conteúdos de disciplinas de diferentes áreas de

conhecimento e a construção de um saber crítico-reflexivo; impede o diálogo entre

disciplinas, a compreensão da realidade e a transdisciplinaridade, termo cunhado por

Jean Piaget em 1970, significando a união do conhecimento com articulação de

elementos sem a segmentação em disciplinas, facilitando a compreensão do

complexo mundo real.

Como forma de arte, a literatura tem no texto literário o seu produto e na

palavra, sua matéria prima quando trabalhada artisticamente, sem preocupação com

a verdade. A construção do texto literário se dá por meio de recursos linguísticos,

recursos estéticos e estruturais, além de elementos externos ao próprio texto,

elementos sociais, culturais, comportamentais e ideológicos. Fator de humanização

e de confirmação de nossa humanidade, a literatura possui uma função psicológica,

de aliviar a pressão das emoções no homem, satisfazer sua necessidade de ficção e

fantasia. Ela forma e informa o homem, e transmite conhecimento. Contudo, ensino

da literatura no Brasil permanece tendo a historiografia literária com enfoque

cronológico de movimentos, gerações e autores, transmissão passiva e linear do

conhecimento, concepção conteudista e enciclopedista como suas principais

características, que privilegia a abordagem descritiva de estilos de época, obras e

autores mais significativos, a supervalorização do contexto histórico e da biografia dos

autores. O texto literário não é trabalhado em si ou per si mas como uma ferramenta

de exploração de questões de memorização, constituindo um elemento secundário,

fonte para estudo de conceitos estruturalistas: estudo do narrador, versificação,

figuras de linguagem. Dessa forma, o aluno não lê literatura; não vivencia literatura.

Ele apenas aprende sobre literatura sem construção de um saber relevante para

sujeitos sociais, ao invés disso, os alunos são estimulados a dominar estratégias de

leitura e interpretação, sem desenvolver habilidades de reconhecimento de recursos

estilísticos, forma e conteúdo, de relacionar elementos internos e externos do texto. O

texto literário é plural, marcado pela interação entre temas diversos (ideológicos,

lingüísticos, estilísticos etc.) e cabe ao livro didático e ao professor que levem o

alunado a compreender a relação entre literatura e outras áreas que se comunicam

constituição do texto.

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O tratamento dado à literatura, tende à simplificação, ao básico. Esses

geralmente conciliam num único volume de cada série as três modalidades do

programa para o ensino da Língua Portuguesa – gramática, produção textual e

literatura - incluindo, além da parte teórica, roteiros ou questionários de leitura e

análise de textos, listas de exercícios gramaticais, propostas de produção textual.

Muitos dos educandos brasileiros não trazem da família o apreço pela leitura.

Portanto, escola e sala de aula constituem importante elo entre o aluno e a literatura.

Não existem livros didáticos específicos para literatura, apenas livros didáticos de

Língua Portuguesa que apresentam o conteúdo de literatura bem como de gramática

e produção de texto.

É necessário que a Literatura seja reconhecida e conquiste um espaço

delimitado; autonomia. O ensino de literatura no Ensino Médio, a partir dos livros

didáticos, não propicia a formação de leitores competentes de textos literários

tampouco a consolidação de hábitos de leitura. Apesar de não ser este o foco desta

pesquisa, falar do ensino da literatura africana lusófona implica em abordar também o

ensino da literatura em geral. Embora, ainda não se discuta o método de ensino da

literatura africana, mas sim que ela tenha um espaço seu dentro do livro didático.

O que deve ser observado é que a implantação da Lei 10.639/03 significa um

grande avanço, mas apenas a introdução do conteúdo de literatura africana lusófona

no livro didático não é suficiente, sendo necessário e urgente o investimento na

formação inicial adequada e na formação continuada de professores de Língua

Portuguesa para que estes estejam preparados para levar à sala de aula a discussão

sobre as relações étnico-raciais e valorização da produção artística e cultural dos

afrodescendentes. Tanto a adequação dos cursos de Licenciatura em Letras – Língua

Portuguesa à nova realidade do conteúdo de literatura quanto a educação continuada

dos docentes são imprescindíveis para a viabilização da Lei Federal nº 10.639/2003.

A literatura africana lusófona ainda é pouco apresentada nos livros didáticos

aqui analisados; abordada superficialmente desperdiçando oportunidade de

conhecimento da diversidade da cultura, dos costumes, dos valores, das religiões e

de vários outros aspectos que a literatura africana traduz da sua terra e da sua gente.

A análise dos livros didáticos elencados para este estudo mostrou que os

mesmos requerem melhorias para conseguir atender tanto as necessidades dos

educandos quanto as temáticas regulamentadas pela Lei 10639/2003.

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136

O sistema educacional precisa possibilitar condições para as literaturas brasileira,

portuguesa e africana lusófona não mais se limitem à leitura de fragmentos de obras

literárias tradicionalmente conhecidas, apresentadas cronologicamente e organizadas

por movimentos ou escolas literárias. A literatura pode e deve contribuir no processo

de compreensão do mundo e de si mesmo pelo qual o aluno merece passar. Os

exemplares seguem propostas pedagógicas dos PCNs, considerando a Literatura

apenas um segmento da Língua Portuguesa, a grande mestre da área da

comunicação. A escola e os vários segmentos da comunicação vêem literatura e o

estudo de línguas como um ponto uno, constituindo as linguagens e o Português. É

comum os livros didáticos seguirem o conteúdo do Exame Nacional do Ensino Médio

e dos vestibulares em geral, apresentando uma preocupação maior em formar

estudantes para os concursos do que leitores. Mas isso pode ser modificado se o todo

educacional mudar seu conceito. Tendo em vista que, para os órgãos superiores de

educação, a Língua Portuguesa e a Literatura fazem parte de um todo que objetiva

formar o cidadão considerando o ensino da língua, o que significa seu uso culto,

principalmente na escrita, a função da literatura acaba por ficar obscura frente às

preocupações linguísticas, sendo isso observado na preocupação com a textual nos

livros didáticos.

Por fim, à literatura africana lusófona deve ser concedido um tratamento mais

igualitário quando comparada à brasileira e à portuguesa; os autores dos livros

didáticos devem enriquecer a bibliografia de suas obras com o tema, comprometendo-

se com a proposta de Lei federal 10.639/2003, abandonando a postura de apenas

abrir um espaço dentro de um formato já existente de ensino de literatura e de

conteúdo no livro didático. A referida lei inaugura um novo momento no ensino literário

no Brasil, e autores de livros didáticos de Língua Portuguesa e professores precisam

acolher a temática proposta para que os alunos sejam construídos cidadãos, sujeitos

autônomos e críticos, com uma mais justa compreensão da presença negra na nação

brasileira.

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currículo. Belo Horizonte: Autêntica. 1999

SOUZA, Ana Maria de Souza. A lei 10.639/2003 e a literatura luso-africana e afro-

brasileira na escola. Dissertação (Mestrado em Letras Literaturas Portuguesa e Luso-

Africanas) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Pós-Graduação

em Letras, 2013

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151

SOUZA. Maria Inês Salgado. Os empresários e a educação: o IPES e a política

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SAVIANI, Demerval. (2009) Formação de professores: aspectos históricos e teóricos

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SILVA, A.O. (2008). Um Olhar sobre a Literatura : reflexões acerca da sua

contribuição político-pedagógica. Revista espaço Acadêmico. (91). Disponível em

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TEBEROSKY, A. O conhecimento cotidiano, escolar e científico no domínio da

linguagem escrita. In: RODRIGO, M. J.; ARNAY, J. (Org.). Domínios do conhecimento,

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WEBER, Max. Os fundamentos da organização burocrática: uma construção do tipo

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ANEXO 1 - Matriz curricular 2015, curso de licenciatura em Letras: Língua Portuguesa – PUC SP

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ANEXO 2 - Matriz Curricular 2016, Licenciatura em Letras - Universidade de São Paulo (USP)

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ANEXO 3 – Matriz Curricular 2016, Licenciatura em Letras - Universidade Paulista (UNIP)

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ANEXO 4 - Matriz Curricular 2016, Licenciatura em Letras – Universidade

Presbiteriana Mackenzie

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ANEXO 5– Matriz Curricular - UNICAMP – LETRAS – Diurno - 2016

DISCIPLINAS OBRIGATÓRIAS

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DISCIPLINAS ELETIVAS

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ANEXO 6 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “Novas Palavras – Nova

Edição”

Autores portugueses:

Fernando Pessoa

Ricardo Reis

Alberto Caeiro

Autores brasileiros:

Augusto dos Anjos

Carlos Drummond de Andrade

Cecília Meirelles

Clarice Lispector

Euclides da Cunha

Graciliano Ramos

João Cabral de Melo Neto

Jorge de lima

José Guimarães Rosa

José Lins do Rego

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Lima Barreto

Manuel Bandeira

Mário de Andrade

Monteiro Lobato

Murilo Mendes

Oswald de Andrade

Vinícius de Moraes

Autores brasileiros contemporâneos:

Ariano Suassuna

Donizete Galvão

Ferreira Gullar

Marcilene Freire

Nelson Asher

Nelson de Oliveira

Autores portugueses contemporâneos:

Almada Negreiros

Anna Carolina Mello

Andresen

Eugénio de Andrade

Fernando Amora

José Castello

José Saramago

Paulo Polzonoff Jr

Sophia de Mello Breyner

Autor africano lusófono:

Mia Couto

Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:

O conteúdo literatura africana é apresentado ao aluno a partir da página 229 e

até a página 231. O único autor africano constante do livro é o moçambicano luso-

descente Mia Couto por meio de fragmento da obra “Terra Sonâmbula” (1992).

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A análise do conteúdo literário desta obra no Guia de Livros Didáticos PNLD

2012 não menciona a discrepância entre o número de autores portugueses, brasileiros

e africanos, nem o pouco espaço na obra destinado ao tema:

O eixo da literatura está estruturado cronologicamente, a partir das diferentes escolas literárias. Em cada unidade, há seções dedicadas a aspectos históricos e estéticos de cada época, com base em textos que relacionam uma produção brasileira a uma outra das demais literaturas em Língua Portuguesa. Promove-se, assim, um diálogo entre textos de autores brasileiros do século XX com representantes de outros períodos e escolas das literaturas portuguesa, brasileira e africana. Em síntese, a obra persegue – e, em boa medida, atinge – o equilíbrio entre o ensino tradicional da cronologia das escolas literárias e o estudo da literatura como forma de expressão cultural de um povo (p.41).

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ANEXO 7 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “Linguagem e Interação”

Autores portugueses:

Fernando Pessoa

Autores brasileiros:

Alcântara Machado

Carlos Drummond de Andrade

Clarice Lispector

Érico Veríssimo

Graciliano Ramos

Guimarães Rosa

João Cabral de Melo Neto

Jorge Amado

José Lins do Rego

Manuel Bandeira

Mário de Andrade

Murilo Mendes

Oswald de Andrade

Rachel de Queiroz

Vinícius de Moraes

Autores africanos lusófonos:

Agostinho Neto

Alda Espírito Santo

Carlos Semedo

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José Eduardo Agualusa

José Craveirinha

Luandino Vieira

Pepetela

Valter Hugo Mãe

Mia Couto

Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:

Em capítulo intitulado “O discurso político”, a obra apresenta 16 textos, o

primeiro sobre a reforma agrária e os demais inserem-se no tema literatura africana

em língua portuguesa.

O segundo e o terceiro texto abordam temas políticos e trazem ao aluno leitor

uma literatura africana engajada nos textos de Vasco Cabral, “Africa! Ergue-te e

Caminha” e José Craveirinha, “Grito Negro”.

A literatura angolana se vê representada nos textos de quatro a nove:

“Voz de Sangue” – Agostinho Neto

“Noite” – Agostinho Neto

“Aspiração” - Agostinho Neto

“A fronteira do asfalto” Luandino Veiria

“A missão” – Pepetela

“O vendedor de pássaros” – José Eduardo Agualusa”

Mia Couto e José Craveirinha foram os autores escolhidos para apresentar ao

aluno leitor a literatura de Moçambique, respectivamente com “A princesa russa” do

primeiro e “Não sei se existe Deus”, “Sou analfabeto” e “Um homem nunca chora” do

último.

Os textos quatorze e quinze são originários de Guiné-Bissau:

“Liberdade’ - Vasco Cabral

“Visto Fato’ - Carlos Semedo.

Por fim, o último texto é da escritora Alda Espírito Santo de São Tomé e

Príncipe, “Em torno da minha baía”.

A análise do Guia dos Livros Didáticos PNLD 2012 para a “Coleção

Linguagem e Interação” segue abaixo:

A coleção propõe o ensino da literatura a partir de um conjunto de textos de determinado gênero, ao que se segue, em cada unidade de cada volume, a seção “Literatura: teoria e história”, onde são oferecidas informações e

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exemplares de textos vinculados ao contexto histórico e às características do período literário em foco. Esses modos de abordagem conferem consistência e suficiência metodológica à coleção. Nesse aspecto, pode-se destacar, por exemplo, a observação dos traços estéticos e composicionais dos textos (como as características de uma personagem principal e sua relação com a construção do enredo da narrativa; a voz do eu poético e sua relação com o tema do poema; a estrutura composicional e sua função no poema) ou, ainda, a combinação desses traços com aqueles típicos de um estilo de época (como as relações temáticas entre períodos literários). Assim, a obra contribui para a formação do leitor literário, tendo em vista a representatividade dos textos selecionados em relação às diferentes correntes estético-literárias. Para a formação do aluno-leitor de literatura, contribui também o fato de a coleção propor a abordagem dialogada da literatura brasileira com outras literaturas de Língua Portuguesa. Destaca-se o diálogo com a literatura de vários países africanos: Angola (Agostinho Neto, Luandino Vieira, Pepetela, José Eduardo Agualusa), Moçambique (José Craveirinha, Mia Couto), Guiné-Bissau (Vasco Cabral, Carlos Semedo), São Tomé e Príncipe (Alda Espírito Santo). Também contribuem para formação do leitor a consistência da base conceitual adotada no tratamento do fenômeno literário e a natureza das propostas de leitura apresentadas.(p.31)

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ANEXO 8 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “Linguagem em

Movimento”

Autores portugueses:

Fernando Pessoa

Mário de Sá-Carneiro

Autores brasileiros:

Carlos Drummond de Andrade

Clarice Lispector

Érico Veríssimo

Ferreira Gullar

Graciliano Ramos

Guimarães Rosa

João Cabral de Melo Neto

Jorge Amado

José Maria Ferreira de Castro

José Lins do Rego

Manuel Bandeira

Mário de Andrade

Oswald de Andrade

Rachel de Queiroz

Vinícius de Moraes

Autores brasileiros contemporâneos:

Antonio Lobo Antunes

Avelino de Araújo

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Bernardo Carvalho

Bruno Zeni

Carlos Vogt

Cintia Moscovich

Fabricio Corsaletti

José Saramago

José Roberto Torero

Lygia Fagundes Telles

Raduan Nassar

Rosa Amanda Strausz

Rubem Fonseca

Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:

Apesar de indicada pelo Guia de livros didáticos PNLD 2012, nesta coleção não

foi identificada menção a autores africanos lusófonos. A temática africana não teve

nenhum espaço na obra e não há unidade nem seção dedicada à tradição cultural

africana ou sua influência na cultura brasileira, conforme a própria análise do Guia

atesta:

Além de determinar a sequência das unidades, o estudo da literatura é o que ocupa maior espaço. As literaturas brasileira e portuguesa recebem tratamentos consistentes, mas não se articulam entre si nem com outras tradições literárias. A perspectiva predominante não é a da formação do leitor, mas a do estudo dos contextos históricos, associada ao exame das características de cada período, tendência estética ou estilo autoral. O volume 1 vai da Idade Média (Trovadorismo) ao Século XVIII (Arcadismo); o volume 2 é inteiramente dedicado ao século XIX; e o volume 3, ao século XX, chegando a autores que estrearam praticamente no século XXI, como o poeta Fabrício Corsaletti. O tema selecionado para cada período, assim como os gêneros textuais — peças de teatro, poemas, sermões, romances, contos etc. — orientam a abordagem dos textos. As propostas, entretanto, são dirigidas para a identificação de características comprovadoras das teorizações, deixando pouco espaço para a interpretação de texto e para a fruição. Por esse motivo, embora as edições de referência sejam sempre fidedignas, os recortes frequentemente restringem-se ao estritamente necessário à exposição didática, dificultando a apreensão global e a (re)construção dos sentidos dos textos. O material textual explorado restringe-se às obras e autores consagrados, sem referências a manifestações divergentes, autores menos conhecidos ou mesmo de outras literaturas de Língua Portuguesa. Assim, o conjunto, bastante representativo dos períodos estudados, favorece pouco a discussão dos critérios que orientam a construção dos cânones correspondentes. Algumas informações biobibliográficas trazem imprecisões.(p.36)

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ANEXO 9 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “Português Linguagens

– Literatura –Produção de Texto – Gramática”

Autores portugueses:

José Saramago

Fernando Pessoa e heterônimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos)

Mário de Sá-Carneiro

Luis Vaz de Camões

Alves Redol

David Mourão-Ferreira

Autores brasileiros:

Euclides da Cunha

Lima Barreto

Monteiro Lobato

Augusto dos Anjos

Mário de Andrade

Oswaldo de Andrade

Manuel Bandeira

Alcântara Machado

Rachel de Queiroz

José Lins do Rego

Jorge Amado

Graciliano Ramos

Amando Fontes

Érico Veríssimo

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Dionélio Machado

José Régio

Carlos Drummond de Andrade

Murilo Mendes

Jorge de Lima

Cecília Meireles

Vinícios de Moraes

Nelson Rodrigues

Guimarães Rosa

João Cabral de Melo Neto

Clarice Lispector

Ferreira Gullar

Paulo Miranda

Paulo Leminski

Donizete Galvão

Dalton Trevisan

Fernando Bonassi

Autores norte-americanos:

John Steinbeck

Autores chilenos:

Pablo Neruda

Autores britânicos:

Virginia Wolf

Autores africanos lusófonos:

Ovídio Martins

Manuel Ferreira

Maurício Gomes

Mi Couto

José Luandino Vieira

José Craveirinha

Manuel Lopes

Onésimo Silveira

Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:

A literatura africana surge já na “Unidade 1”, no “Capítulo 11”, dedicado à

Manuel Bandeira e Alcântara Machado. O primeiro, resgatou o lirismo poético

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abandonado pelos modernistas; o segundo, contribuiu com inovações técnicas e

linguagem jornalísticas e variação linguística dos paulistanos de origem italiana. Neste

capítulo, Cereja e Magalhães procuram estabelecer um diálogo entre a poesia de

Manoel Bandeira e a produção literária africana por meio dos poemas “Pasárgada” de

Manuel Bandeira (1954) e “Antievasão” do cabo-verdiano Ovídio Martins (2007).

No “Capítulo 4” da “Unidade 2”, novamente os autores buscam estabelecer um

diálogo entre as literaturas brasileira e africana lusófona, desta vez por meio do

romance brasileiro de 30 (“Os Corumbas”, Amado Fontes, 1933), o português que se

tornou um dos principais escritores de Cabo Verde, Manuel Ferreira (“Hora di Bai”,

1962), introduzindo um terceiro elemento, este pertencendo à produção literária norte-

americana, “As vinhas da ira” de John Steinbeck (1939).

Na “Unidade 4”, o “Capítulo 10”, apresenta onze páginas (da 499 a 510)

dedicadas à literatura africana lusófona, onde são trabalhas as produções literárias de

Angola, Moçambique e Cabo Verde.

Análise do Guia de Livros Didáticos PNLD 2012 sobre a obra:

O eixo de literatura ocupa um lugar de destaque na coleção, num trabalho bem articulado com a leitura de textos não literários. Essa articulação se dá, muitas vezes, pela via da intertextualidade. Os capítulos sob o título “Diálogos” promovem significativos cruzamentos entre linguagens, épocas, movimentos literários e entre a literatura brasileira e outras literaturas. A coleção também propõe atividades de apreciação estética, ética, política e ideológica, além de favorecer a apreciação da diversidade sociocultural brasileira, pelo estímulo à compreensão da atual realidade política, social e cultural do país. A preocupação em mostrar ao aluno a atualidade de temas, questões e propostas estéticas fica evidente na abordagem que busca afastar a ideia de literatura como coisa do passado. As questões de interpretação são estabelecidas de forma clara e relevante; perguntas mais objetivas e questões discursivas alternam-se na exploração dos textos. Pode limitar o trabalho a ser realizado o fato de alguns conteúdos, como a definição dos gêneros da esfera literária, por exemplo, serem abordados de forma simplificada.(P.57)

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ANEXO 10 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “Vozes do Mundo”

Autores portugueses:

Fernando Pessoa

José Saramago

Mário de Sá-Carneiro

Autores brasileiros:

Alcântara Machado

Augusto dos Anjos

Carlos Drummond de Andrade

Cecília Meirelles

Clarice Lispector

Érico Veríssimo

Euclides da Cunha

Ferreira Gullar

Graciliano Ramos

Guimarães Rosa

João Cabral de Melo Neto

Jorge Amado

Jorge de lima

José Lins do Rego

Lima Barreto

Lúcio Cardoso

Manuel Bandeira

Mário de Andrade

Monteiro Lobato

Murilo Mendes

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Nelson Rodrigues

Oswald de Andrade

Rachel de Queiroz

Vinícius de Moraes

Autores africanos lusófonos:

José Eduardo Angalusa

José João Craveirinha

José Luandino Vieira

Mia Couto

Pepetela

Rui Manoel Correia Knopfli

Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:

A Unidade 6 da obra apresenta aspectos da formação da identidade nacional

e da afirmação cultural da ex-colônias africanas lusófonas, descrevendo as origens e

os períodos das literaturas africanas, dividindo-a em prosa e poesia e estabelecendo

um correlação entre as produções literárias brasileiras e africanas.

O Guia de Livros Didáticos PNLD 2015 assim analisa a obra:

No trato da literatura, a coleção fornece uma base conceitual consistente para o estudo do fenômeno literário, favorecendo a compreensão da literatura como um processo histórico-cultural e recorrendo a teorias críticas contemporâneas. Os textos selecionados são representativos das diferentes correntes estético- literárias das diversas épocas, na Europa, em Portugal, África e no Brasil. Em geral, as atividades privilegiam a compreensão da trama textual, as relações do texto com seu contexto de produção e a exemplificação das características da estética em estudo, deixando em segundo plano as especificidades do literário. (P.70)

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ANEXO 11 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDATICO “Língua Portuguesa –

Linguagem e Interação”

Autor português:

Fernando Pessoa

Autores brasileiros:

Alcântara Machado

Carlos Drummond de Andrade

Clarice Lispector

Érico Veríssimo

Ferreira Gullar

Graciliano Ramos

João Cabral de Melo Neto

Manuel Bandeira

Mário de Andrade

Murilo Mendes

Nelson Rodrigues

Oswald de Andrade

Vinícius de Moraes

Autores africanos lusófonos:

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181

Agostinho Neto

Alda Espírito Santo

Carlos Semedo

José Eduardo Agualusa

José Craveirinha

Luandino Vieira

Pepetela

Valter Hugo Mãe

Mia Couto

Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:

Presente tanto no Guia do Livro Didático PNLD 2012 quando 2015, a edição

atualizada pouco mudou. Na versão PNLD 2012, dos dezesseis textos apresentados,

um abordava o assunto reforma agrária e os demais quatorze textos eram dedicados

à literatura africana lusófona. Na edição PNLD 2015, dois textos abordam o tema

“cotas universitárias” e quatorze textos continuam abordando literatura africana.

A abertura do Capítulo 12, “Discurso Político”, aborda a temática do negro,

encabeçado pelo texto de José Roberto Ferreira Miltrão, “Cota valida teses racistas”,

seguido pelo texto de Hédio Silva Júnior, “Cotas enriquecem as universidades”.

A literatura angolana é representada na obra por José Eduardo Angalusa (“O

vendedor de pássaros”), Agostinho Neto (“Voz de sangue”), Luandino Vieira (“A

fronteira do asfalto”, Pepetela (“A missão”), Valter Hugo Mãe (“A máquina de fazer

espanhóis”).

Observa-se a presença de dois textos de literatura engajada, são eles: África!

Ergue-te e caminha, de Vasco Cabral e Grito Negro de José Craveirinha.

Moçambique tem voz por meio de Mia Couto (“A princesa Russa”) e José

Craveirinha (“Sou analfabeto”, “Um homem nunca chora”, “Não sei se existe Deus”).

“Ansiedade” de Carlos Semedo apresenta a literatura de Guiné-Bissau” e “Lá no

Água Grande” e “Em torno da minha baía” de Alda Espírito Santo, apresentam a

literatura de São Tomé e Príncipe.

Na página 43 do Guia Nacional dos Livros Didáticos PNLD 2015, a análise da obra

O ensino da literatura é tratado, sistematicamente, na seção “Literatura: teoria e história”. Embora o nome da seção possa sugerir um trabalho transmissivo mais forte e uma sistematização mais consistente, o que se observa é uma exposição teórica superficial. A abordagem dos pontos conceituais e temáticos é realizada, sobretudo, a partir da leitura de textos literários. As

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formulações teóricas aparecem de forma concisa, em caixas de textos ou quadros. A proposta apoia-se na interpretação textual e na correlação complementar das informações veiculadas. É, portanto, a partir da leitura e do jogo inferencial e entrecruzado das informações em circulação que o estudante poderá esboçar uma noção do conceito em pauta. Com essa opção metodológica, o aluno é convocado a participar da construção do saber.

Os textos selecionados são relevantes para a formação do aluno como leitor de literatura. Os autores escolhidos são representativos de diferentes correntes estético-literárias, de diferentes momentos históricos e de diferentes regiões. A coleção procura estabelecer um diálogo entre contemporaneidade e tradição por meio da temática e/ou dos gêneros. A articulação do eixo de literatura com os de leitura e produção textual é feita principalmente pelo gênero – explorado em textos contemporâneos e em textos do período literário em estudo. Essa articulação pode estimular o aluno a estudar a literatura e favorecer a compreensão de textos literários que, pela linguagem e modo de abordagem da temática, podem parecer distantes do leitor adolescente. Os estilos de época estudados são bem caracterizados historicamente, com atenção para o contexto cultural e político em que as obras foram produzidas. Nessas situações, a transmissão é a estratégia didática utilizada. Informações históricas sobre a obra e dados biográficos do autor propiciam o pano de fundo para a leitura dos textos selecionados como representativos do estilo em foco.

Dado o investimento nas informações de caráter histórico, em alguns casos, a literatura é tomada como uma espécie de manifestação do espírito de época. A coleção não promove a leitura comparada entre os estilos de época abordados, o que configura um modelo de história literária fragmentada e estanque, que não proporciona ao aluno o entendimento da formação dialógica da tradição literária, que se faz com os movimentos de leitura e releitura de escritores de determinado período sobre obras do seu tempo e do passado.

Outro aspecto a ser considerado é a primazia da informação histórica em relação à de cunho estético. A percepção estética é estimulada indiretamente em situações em que se analisam elementos composicionais do texto. Entretanto, não são trabalhados os elementos ou os conceitos da experiência estética, nem se investe na fruição dos textos, nem dos verbais, nem dos imagéticos. A noção de belo ou de beleza não é discutida criticamente ou problematizada, nem tampouco levada em consideração nas atividades de interpretação textual. Embora não se verifique investimento da coleção no desenvolvimento da sensibilidade literária do aluno e, por conseguinte, no aprendizado da fruição estética, o modo como o ensino de Literatura é construído pode contribuir para a formação do leitor, oferecendo-lhe um bom painel da história literária nacional.

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ANEXO 12 – PANORAMA GERAL DO LIVRO DIDÁTICO “ LINGUA

PORTUGUESA”

Autor português:

• Carlos de Oliveira • Fernando Pessoa • Florbela Espanca • José Saramago • Mário de Sá Carneiro • Manuel Ferreira • Lobo Antunes

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Autores brasileiros:

• Adélia Prado • Alcântara Machado • Amanda Polatto • Augusto Boal • Augusto dos Anjos • Carlos Drummond de Andrade • Clarice Lispector • Cecília Meireles • Chico Buarque de Hollanda • Dalton Trevisan • Érico Veríssimo • Euclides da Cunha • Ferreira Gullar • Graciliano Ramos • Guimarães Rosa • Ivan Angelo • João Cabral de Melo Neto • Jorge Amado • Jorge de Lima • José Lins do Rego • Lima Barreto • Lygia Fagundes Telles • Manoel de Barros • Manuel Bandeira • Mário de Andrade • Mário Quintana • Millor Fernandes • Monteiro Lobato • Murilo Mendes • Nelson Rodrigues • Oswald de Andrade • Raquel de Queiroz • Vinícius de Moraes

Autores africanos lusófonos:

• Antonio Jacinto • José Craveirinha • Luandino Vieira • Noemia de Sousa • Paulina Chiziane • Pepetela • Mia Couto

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Autores afro-brasileiros

Oliveira Silveira (Outra negra Fulô)

Solano Trindade

Miriam Alves

Oswaldo de Camargo

Márcio Barbosa

Carlos Rennó

Conteúdo de Literatura Africana Lusófona:

De todos os livros didáticos analisados, este foi o que mais surpreendeu por ter

se mostrado mais acolhedor e receptivo não só ao conteúdo de literatura africana

lusófona mas também à literatura afro-basileira, trabalhando obras e autores ao

longo do volume 3, apesar de destinar uma unidade para o tema. As autoras

procuraram estabelecer um diálogo entre as literaturas desde o início do volume

3, cotejando textos a partir do mesmo tema, numa proposta mais contemporânea

do ensino da literatura porém sem romper com a tradição cronológica

historiográfica.

As páginas 37 e 37 do “Guia de Livros Didáticos PNLD 2015” traz a seguinte

análise a respeito da obra de Hernandes e Martin (2013):

No que diz respeito à literatura, os temas apresentados seguem a cronologia dos estudos da literatura portuguesa, articulados com os estudos da literatura brasileira, afro-brasileira e africanas de língua portuguesa. Nesse âmbito, cada volume recobre conteúdos próprios de cada ano de ensino. Assim, o volume 1 caracteriza-se pela sua função de iniciar o aluno no universo artístico e literário, apresentando assuntos relativos ao estilo composicional dos gêneros literários de um modo geral, bem como de outros tipos de obras de arte, focalizando especificamente o Trovadorismo e o Renascimento. O volume 2 dá continuidade à abordagem de correntes artístico-literárias, seguindo a cronologia, com o tratamento do Romantismo, do Realismo-Naturalismo, além do Parnasianismo e Simbolismo.

Finalmente, no volume 3, focaliza-se, em diálogo, a literatura portuguesa, brasileira e africana de língua portuguesa no século XX, chegando até a incursões na contemporaneidade. Esse extenso quadro permite uma visão histórica e estética das referidas produções literárias, embora exija grande esforço pedagógico para sua viabilização.

Sempre a partir da perspectiva dos gêneros textuais, para a produção textual a coleção propõe formalmente uma atividade por unidade, ou

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seja, a cada 3 ou 4 capítulos, sendo que essa atividade encontra-se articulada à prática da leitura e se respalda em procedimentos teóricos e metodológicos que são oferecidos pelos estudos linguísticos, principalmente, pela linguística textual. Observa-se ainda que, além de orientações específicas para a produção, o recurso da reescrita de textos é utilizado como ferramenta necessária ao entendimento do funcionamento das estruturas do texto, principalmente, aquelas relacionadas à coesão e à coerência textuais. Esse trabalho com a produção texto é satisfatoriamente conduzido, no que diz respeito à estruturação e composição do gênero textual.

Destaque-se a inclusão, justificada, como gênero textual, da dissertação escolar, no volume 3, com vistas a atender a demandas de exames oficiais.

Assim como o eixo da produção textual, o da oralidade tem espaço formal na coleção, no último capítulo de cada unidade e figura como extensão do trabalho com a produção escrita, ora para demonstrar aspectos mais típicos da oralidade que podem fazer parte da composição do texto escrito, ora para instruir quanto aos modos de expressão oral dos gêneros solicitados para a produção orientada, como o de apresentação oral de trabalhos acadêmicos e o seminário. Apesar de ser o eixo menos explorado na coleção, as propostas apresentadas, além de bem orientadas, possibilitam ao aluno uma percepção adequada da oralidade e de seus usos.

Os conteúdos selecionados para o eixo de conhecimentos linguísticos são desenvolvidos expositivamente e retomados através de atividades de aplicação, cujo ponto de partida é, quase sempre, a leitura de textos ou trechos utilizados para esse fim. Apesar de apresentar também uma tendência conteudista prevalente, promovem reflexões importantes sobre a norma e o uso. Além disso, não se assume o compromisso de tratar de todos os tópicos da gramática normativa, acrescentando reflexões sobre outros tópicos relevantes para a compreensão dos fatos linguísticos, como “Língua, cidadania e exclusão” (v.1, p. 50), “Variação linguística” (v. 1, p. 160), “Preconceito linguístico” (v. 1, p. 172), “Origem e desenvolvimento da língua portuguesa” (v.1, p. 298), dentre outros.

Em suma, as atividades propostas no âmbito dos conhecimentos linguísticos apresentam uma abordagem consistente dos fatos gramaticais na perspectiva de seu funcionamento ou de seu uso, promovendo, com frequência, uma reflexão sobre a natureza e o funcionamento da linguagem.