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10338 A PRINCIPIOLOGIA CONTEMPORÂNEA DO DIREITO CONTRATUAL BRASILEIRO * THE CONTEMPORARY CONTRACT´ PRINCIPLES IN THE BRAZILIAN LAW Marcelo Piazzetta Antunes RESUMO Não são raras as vezes em que se pode deparar com a afirmação sobre a decadência da afirmação de que “o contrato faz lei entre as partes” (pacta sunt servanda), ou mesmo ter acesso a decisões que desconsideram por completo os termos de uma convenção. Tais fatos certamente são frutos da uma alteração da principiologia a regular as relações contratuais e, se há algum tempo a realidade jurídica não era esta (eis que, se o fosse, o espanto ou mesmo surpresa com o afastamento das disposições contratuais inexistiria), o presente trabalho busca averiguar de que forma foi instrumentalizada esta mudança e quais são os princípios que atualmente regem as relações contratuais no cenário nacional. PALAVRAS-CHAVES: CONTRATO - PRINCÍPIOS CONTEMPORÂNEOS - FUNÇÃO SOCIAL - JUSTIÇA CONTRATUAL ABSTRACT It is frequence listen the afirmation, even in justiciary judgements, that the principle which sais the contract becames law for the parts envold (pacta sunt servanda) is outmoded, leading to a desconsideration of the convention’ terms. These facts are the result of a transformation that the contract’ principles went throught and, if the legal reality is not the same (what is proved with the surprise that the removal of the contract’ terms caused), the objective of this study is to check how this chance was manipuled in the Brazilian law and what principles are leading the contract’ relations in our country. KEYWORDS: CONTRACT - CONTEMPORARY PRINCIPLES - SOCIAL FUNCTION - CONTRACTUAL JUSTICE 1 BREVES CONTORNOS SOBRE A ‘ANTIGA’ E “NOVA TEORIA CONTRATUAL”[1] * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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A PRINCIPIOLOGIA CONTEMPORÂNEA DO DIREITO CONTRATUAL BRASILEIRO*

THE CONTEMPORARY CONTRACT´ PRINCIPLES IN THE BRAZILIAN LAW

Marcelo Piazzetta Antunes

RESUMO

Não são raras as vezes em que se pode deparar com a afirmação sobre a decadência da afirmação de que “o contrato faz lei entre as partes” (pacta sunt servanda), ou mesmo ter acesso a decisões que desconsideram por completo os termos de uma convenção. Tais fatos certamente são frutos da uma alteração da principiologia a regular as relações contratuais e, se há algum tempo a realidade jurídica não era esta (eis que, se o fosse, o espanto ou mesmo surpresa com o afastamento das disposições contratuais inexistiria), o presente trabalho busca averiguar de que forma foi instrumentalizada esta mudança e quais são os princípios que atualmente regem as relações contratuais no cenário nacional.

PALAVRAS-CHAVES: CONTRATO - PRINCÍPIOS CONTEMPORÂNEOS - FUNÇÃO SOCIAL - JUSTIÇA CONTRATUAL

ABSTRACT

It is frequence listen the afirmation, even in justiciary judgements, that the principle which sais the contract becames law for the parts envold (pacta sunt servanda) is outmoded, leading to a desconsideration of the convention’ terms. These facts are the result of a transformation that the contract’ principles went throught and, if the legal reality is not the same (what is proved with the surprise that the removal of the contract’ terms caused), the objective of this study is to check how this chance was manipuled in the Brazilian law and what principles are leading the contract’ relations in our country.

KEYWORDS: CONTRACT - CONTEMPORARY PRINCIPLES - SOCIAL FUNCTION - CONTRACTUAL JUSTICE

1 BREVES CONTORNOS SOBRE A ‘ANTIGA’ E “NOVA TEORIA CONTRATUAL”[1]

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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A primeira questão a ser aventada em relação ao estudo ora proposto é o fato de que, conforme a “fórmula da relatividade”[2], de Roppo, o contrato “muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico social em que está inserido.”[3]

Com isso, analisando a realidade econômica e social do Brasil à época da edição do Código Civil de 1916, verifica-se a indubitável absorção da ideologia contratual documentada no Código de Napoleão e nos outros que se seguiram – principalmente no Código alemão de 1900.[4] A doutrina de Gomes descreve este contexto:

Ao tempo em que Clóvis Beviláqua apresentou o Projeto do Código Civil brasileiro, éramos, na precisa observação de Sílvio Romero, uma nação embrionária[...]. A esse tempo não se iniciara o processo de transformação da economia brasileira, que a guerra mundial de 14 viria desencadear. A estrutura agrária mantinha no país o sistema colonial, que reduzia a sua vida econômica ao binômio da exportação de matérias-primas e gêneros alimentares e da importação de artigos fabricados. A indústria nacional não ensaiara os primeiros passos. Predominavam os interesses dos fazendeiros e dos comerciantes, aqueles produzindo para o mercado internacional e estes importando para o comércio interno. Esses interesses eram coincidentes.[5] (grifo nosso)

Desta forma, nos termos do discurso transcrito, a defesa do interesse comum das classes dominantes faz justificar “suas inclinações ideológicas. Para defendê-lo encontram no liberalismo econômico sua mais adequada racionalização.”[6]

Desta forma, diante do ideário liberal e individualista reinante, o princípio da autonomia da vontade foi o verdadeiro vetor hermenêutico da codificação brasileira no início do século XX. Deste vetor decorreram outros princípios, denominados princípios contratuais “clássicos”, que buscavam assegurar a resguardar a livre manifestação de vontade dos contratantes.

Os princípios “clássicos” são: o princípio da liberdade contratual lato sensu; o princípio da obrigatoriedade dos efeitos do contrato, ao qual se denomina também de pacta sunt servanda e, ainda, o princípio da relatividade dos efeitos contratuais[7] (res inter alios acta tertio neque nocet neque prodest)[8].

Diante da preocupação em garantir da liberdade das partes na celebração do contrato (e na disposição de seus termos), passou-se a afirmar “e afirma-se ainda hoje nos cursos jurídicos -, que o Código Civil Brasileiro, como os outros códigos de sua época, era a Constituição do direito privado.”[9]

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Com isso, tendo em vista que as disposições contratuais das partes dificilmente poderiam ser revistas ou alteradas, tinha-se um verdadeiro “mundo de segurança”, conforme doutrina de Tepedino:

Segurança – é de se sublinhar – não no sentido dos resultados que a atividade privada alcançaria, senão quanto à disciplina balizadora dos negócios, quanto às regras do jogo. Ao direito civil cumpriria garantir à atividade privada, e em particular aos sujeitos de direito, a estabilidade proporcionada por regras quase imutáveis nas suas relações econômicas.[10]

No entanto, esta segurança deixou de lado o contexto social dos contratantes, eis que, preocupada com o indivíduo, a ideologia vertente esqueceu-se da sociedade, a qual sofreu graves conseqüências.

Em outros termos, ao consagrar a igualdade formal entre os indivíduos como cânone ensejador de uma necessária e justa relação contratual fundamentada apenas e tão-somente na livre manifestação de vontade, a teoria contratual clássica expõe uma visão do indivíduo desvinculado da realidade social.[11] Por essa razão, o “mundo de segurança” acabou por ensejar um verdadeiro “darwinismo jurídico, com a hegemonia dos economicamente mais fortes, sem qualquer espaço para a justiça contratual.”[12]

Noronha traz protesto de pároco francês que demonstra de forma bastante elucidativa a realidade social acima descrita:

Manifestamente, o culto pela liberdade estava levando a conseqüências inadmissíveis. A liberdade sem freios estava esmagando outros valores tão fundamentais como ela própria. O protesto do Padre Lacordaire ressoava nas consciências: Entre lê fort et lê faible c´est la liberte qui opprime et la loi qui affranchit, entre o forte e o fraco, é a liberdade que oprime e a lei que liberta.[13]

A verdade é que, fundamentada na igualdade (formal) dos indivíduos, a teoria clássica, absorvendo-os do contexto social, acabou por fomentar (e, o pior, legitimar com validade constitucional)[14] a desigualdade entre as classes. Uma nova Revolução, agora a industrial, fez iluminar a realidade na qual estavam inseridos os cidadãos,

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demonstrando a disparidade fática entre os contratantes e, mais, revelando que, em várias circunstâncias, o consenso da parte efetivamente inexistia num plano fático.[15]

Desta forma, as transformações geradas pela Revolução Industrial[16] fizeram impulsionar o crescimento dos contratos de adesão, onde não há uma verdadeira manifestação de vontade ou mesmo discussão quanto às obrigações assumidas e contratadas. As figuras do contratante e do contratado, nesta espécie de contrato, ganham contornos diferentes, eis que “há um autor efetivo das cláusulas; outro, simples aderente.”[17] Assim, nas palavras de Noronha: “só quando o fenômeno da massificação chegou ao campo jurídico é que se sentiu a necessidade de rever concepções.”[18]

Afora os contratos “de massa”, também os contratos ditos necessários e os coativos[19] influenciaram na visão acerca da necessária alteração da principiologia contratual clássica, pois no primeiro a manifestação de vontade era compulsória, e no segundo era irrelevante.[20]

No Direito brasileiro, a principiologia emergente com o Código Napeleônico começou a sofrer desgaste com a edição de inúmeras leis extracodificadas[21] - com a finalidade de “reequilibrar o quadro social delineado pela consolidação de novas castas econômicas, que se formavam na ordem liberal e que reproduziam, em certa medida, as situações de iniquidade que, justamente, o ideário da Revolução Francesa visava debelar.”[22]

Na medida em que referida legislação contrastava apenas excepcionalmente o Código Civil, em uma primeiro momento não foi afastada a natureza “constitucional” atribuída ao diploma legal substantivo, o que motivou a adjetivação, às aludidas normativas, de leis “de emergência”, as quais almejavam, segundo Tepedino: “episódica, casuística, fugaz, não sendo capaz de abalar os alicerces da dogmática do direito civil.”[23]

Nos anos 30, todavia, com o crescimentos do embates sociais, as situações fáticas foram se avolumando e a impossibilidade do Código Civil tutelá-las ficou cada vez mais evidente. Com isso, as leis esparsas aumentaram sensivelmente, tornando impossível a subsistência do caráter emergencial e excepcional das mesmas.

Por meio destas leis, situadas não apenas materialmente, mas também ideologicamente, fora do Código Civil, é que o Direito brasileiro passou a realizar uma verdadeira intervenção assistencialista,[24] e, assim, verifica-se que a nova realidade começou a necessitar cada vez menos do Código Civil e cada vez mais das leis especiais.[25]

Assim, o discurso pelo Estado Social, o qual, “no plano do direito, é todo aquele que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e social”[26], emerge justamente para o fim de defender os interesses da parcela social oprimida diante da ideologia clássica. Por esta razão, explica-se o porquê o clamor de auxílio estatal foi intensificado com o fim da segunda Grande Guerra, período histórico que, pelas decorrências dele advindas, foi efetivamente um marco na transformação das regulações contratuais, retirando o Código Civil ”o seu papel de Constituição de Direito Privado.”[27]

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Sobre o tema, Tepedino afirma:

Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas de direito privado passam a integrar uma nova ordem pública constitucional. Por outro lado, o próprio direito civil, através da legislação extracodificada, desloca sua preocupação central, que já não se volta tanto para o indivíduo, senão para as atividades por ele desenvolvidas e os riscos delas decorrentes.[28]

Deste modo, com a Constituição (a “efetiva” e não mais aquela “Constituição de Direito Privado”) ocupando-se da tutela também de Direitos Privados, a legislação extracodificada passou a fazer o papel regulamentador do poder estatal nas relações particulares, objetivando “garantir objetivos sociais e econômicos definidos pelo Estado”[29]. O Código Civil, por sua vez, passou a se ocupar com a estabilidade das normas, situação que acabou recebendo a denominação de “era dos estatutos”[30] ou “processo de descodificação do Direito Civil.”[31]

O abarque constitucional dos institutos de natureza privada, de forma contrária ao que se verificava até o momento, fez com que se passasse a propugnar por uma “releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição da República,”[32] método que passou a ser chamado de Constitucionalização do Direito Civil.[33]

Todavia, a tutela constitucional dos direitos privados não representa apenas uma alteração da fonte a regular as condutas intersubjetivas. Não se pode diminuir a importância deste fato, que propiciou, em verdade, no Direito Civil, “a substituição do seu centro valorativo – em lugar do indivíduo surge a pessoa.”[34] Convém salientar que o artigo 1º[35] da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948[36], já propugnava o dever de respeito à dignidade das pessoas, comprovando de forma nítida a nova tendência principiológica crescente após o fim da segunda Guerra Mundial.

Afirma-se a ocorrência de uma verdadeira “materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens”[37], fato ocorrido justamente porque “a patrimonialização das relações civis, que persiste nos códigos, é incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana, adotado pelas Constituições modernas, inclusive pela brasileira (artigo 1º, III).”[38]

Neste sentido, o Direito Civil passou a atribuir imprescindível importância ao sujeito de direitos, e não ao sujeito proprietário, o que pode ser verificado no discurso de Fachin sobre a “repersonalização” do Direito Civil:

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A ‘repersonalização’ do Direito Civil recolhe, com destaque, a partir do texto constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana. Para bem entender os limites propostos à execução à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, têm sentido verificações preliminares. A dignidade da pessoa é princípio fundamental da República Federativa do Brasil. É o que chama de princípio estruturante, constitutivo e indicativo das idéias diretivas básicas de toda a ordem constitucional. Tal princípio ganha concretização por meio de outros princípios e regras constitucionais formando um sistema interno harmônico, e afasta, de pronto, a idéia de predomínio do individualismo atomista no Direito. Aplica-se como leme a todo o ordenamento jurídico nacional compondo-lhe o sentido e fulminando de inconstitucionalidade todo preceito que com ele conflitar. É de um princípio emancipatório que se trata[39]

Desta forma, absorvendo o ideário de repersonalização, o princípio da dignidade da pessoa humana passa a ser o vetor imprescindível para todo o sistema jurídico, e, dada a necessidade de garantir a todos uma subsistência digna, não mais se pode conceber o indivíduo como ser desvinculado da realidade social[40] e, antes de ser uma simples “soma aritmética da satisfação de interesses particulares”[41], o interesse público ganha autonomia e importância para se impor até em face da própria vontade individual.

Neste contexto, portanto, é que surge a “nova teoria contratual.”[42] Senão veja-se discurso de Marques:

A nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade são levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância. [...] É uma nova concepção de contrato no Estado social, em que a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social.[43] (grifo da autora)

A limitação da eficácia dos princípios clássicos, diante desta nova realidade, é medida patente, eis que a importância que tinham não mais se sustenta diante do novo quadro social (e, conseqüentemente, jurídico). Portanto, é justamente por meio da

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restrição da aplicação da principiologia liberal que se busca adequar a disciplina contratual ao novo desenho da sociedade, o que é feito por meio de uma ideologia nucleada pelo vetor maior da dignidade da pessoa humana.[44]

Para Fachin, a dignidade da pessoa humana “ganha concretização por meio de outros princípios e regras constitucionais formando interno harmônico, e afasta, de pronto, a idéia de predomínio do individualismo atomista do Direito.”[45]

Assim, em face deste quadro, emerge a principiologia contratual agora adjetivada de “contemporânea”, materializada por meio dos princípios da boa-fé objetiva, do equilíbrio econômico do contrato[46] e da função social do contrato.[47]

2 O PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO DO CONTRATO: A PARIDADE COMO ELEMENTO DE JUSTIÇA CONTRATUAL

O princípio do equilíbrio econômico do contrato demonstra de forma clara o seu caráter renovador[48] em relação à teoria contratual clássica na medida em que se encontra amparado em uma ideia de igualdade não apenas formal entre os contratantes, mas também, e principalmente, a igualdade substancial é levada em consideração.[49] Assim, analisando-se a igualdade das partes dentro de um contexto social – e não absorvida desta realidade, como no caso da igualdade formal – pode-se verificar a existência, em determinadas situações, de desigualdades no poder negocial das partes, em face da qual “a disciplina contratual procura criar mecanismos do balanceamento das prestações.”[50]

Desta forma, o princípio em tela representa uma busca de justiça contratual por outra forma que não pela simples liberdade de manifestação da vontade. Na verdade, a justiça buscada pelo princípio do equilíbrio econômico do contrato encontra-se embasada na ideia de paridade nas obrigações das partes.[51]

A doutrina de Negreiros versa sobre o princípio epigrafado:

O princípio do equilíbrio econômico do contrato remete, portanto, a uma dada definição filosófica de justiça, sintetizada na idéia de “meio termo”. Definia Aristóteles: “O justo é, pois, uma espécie de termo proporcional”. E ainda: “...a ação justa é intermediária entre o agir injustamente e o ser vítima de injustiça”. Este meio termo, este ponto intermediário, resta comprometido, na relação contratual, sempre que se verificar um

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certo nível de desproporção entre prestações que se supõem minimamente equivalente[52].

Desta maneira, preenchido o conteúdo conceitual do princípio em tela, importante salientar que é o ideário da paridade das prestações contratuais que fundamenta a acolhida de duas importantes figuras jurídicas, quis sejam, a lesão e a onerosidade excessiva.[53]

3 A BOA-FÉ OBJETIVA: TRÍPLICE FUNÇÃO

O princípio da boa-fé objetiva, não é exagero se afirmar, teve sua difusão no Direito brasileiro principalmente pelas mãos de Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, pois foi o autor gaúcho que, por meio da obra “A Obrigação como Processo”[54] trouxe para a realidade jurídica nacional[55] a ideia de obrigação numa concepção dinâmica, contrária à uma análise estática que era “resultante da mera soma do crédito e do débito, vale dizer, do direito subjetivo de crédito e do dever jurídico estampado na dívida.”[56]

Sobre as visões estáticas e dinâmicas da relação obrigacional, Martins-Costa assevera:

Na concepção estática da relação obrigacional, a que a visualiza basicamente como vínculo, percebe-se, todavia, apenas o seu aspecto externo, qual seja o definido pelos seus elementos, os sujeitos, o objeto e o vínculo de sujeição que liga – assujeita – o devedor e o credor, o crédito e a dívida. [...] É uma classificação meramente externa porque nada diz sobre a estrutura dos múltiplos deveres, estados, “situações” e poderes que decorrem do vínculo, o que se denomina de aspecto interno, vale dizer, o que se volta ao exame destes e da conduta concreta das partes no dinâmico processo de desenvolvimento da relação obrigacional.[57]

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E é por meio de uma visão diferente acerca do vínculo que assujeita o devedor e o credor é que se verificou a natureza inovadora desta teoria, a qual passou a conceituar o vínculo como “uma ordem de cooperação, formadora de uma unidade que não se esgota na soma dos elementos que a compõem.”[58]

É imprescindível mencionar o discurso de Couto e Silva acerca desse novo conceito de vínculo:

Dentro dessa ordem de cooperação, credor e devedor não ocupam mais posições antagônicas, dialéticas e polêmicas. Transformando o status em que encontravam, tradicionalmente, devedor e credor, abriu-se espaço para tratamento da relação obrigacional como um todo. [...] Sob o ângulo da totalidade, o vínculo passa a ter o sentido próprio, diverso do que assumiria se se tratasse de pura soma das partes, de um compósito de direitos, deveres e pretensões, obrigações, ações e exceções.[59]

Foi assim, aduzindo que o adimplemento do dever principal da obrigação não necessariamente ocasiona a sua extinção, eis que “pode a relação jurídica perdurar como fundamento da aquisição (dever de garantia), ou em razão de outro dever secundário independente”[60], que o já mencionado autor gaúcho trouxe a lume um ideário obrigacional composto “do conjunto de atividades necessárias à satisfação do interesse do credor”[61], ao qual foi atribuído um caráter processual.

Com base nessa visualização da obrigação como um processo, como “um complexo de direitos (direitos de crédito, direitos formativos), deveres (principais e secundários, laterais e instrumentais), sujeições, pretensões, obrigações, exceções, ônus jurídicos, legítimas expectativas, etc.”[62], é que Couto e Silva demonstrou “claramente a mudança do eixo do Direito Obrigacional, que se deslocou do princípio da autonomia da vontade para reconhecer no princípio da boa-fé uma fonte autônoma de direitos e de obrigações.”[63]

Vale dizer, no entanto, que dado o caráter de mobilidade que se verifica em relação à boa-fé e como “a cláusula geral permite um espaço de intervenção criativa ao promover a construção de uma norma individual”[64], várias preocupações de cunho positivistas – eis que a mobilidade do princípio os tornava órfãos de uma premissa objetiva para realização do juízo silogístico – emergiram, principalmente com relação ao temor de arbitrariedades e de insegurança jurídica.

Assim, diante da preocupação acima aludida, verificou-se, por obra da doutrina alemã[65], uma verdadeira tipificação[66] da boa-fé, operada pela sua “subdivisão” em três funções, “quais sejam a de cânone hermenêutico-integrativo do contrato, a de norma e criação de deveres jurídicos e a de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos.”[67]

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A primeira função atribuída à boa-fé – consagrada no artigo 113 do Código Civil[68] - busca que a interpretação dos termos de um contrato não privilegie o sentido malicioso das cláusulas, as quais devem ser consideradas com base numa relação de lealdade e honestidade entre as partes. Em outros termos, a interpretação a ser atribuída à cláusula analisada há de “considerar o significado que as partes atribuiriam ao contrato, se agissem com lisura.”[69]

Noronha traz exemplo de albergue, pela jurisprudência brasileira, da função hermenêutico-integrativa da boa-fé:

Citemos o acórdão de 7-6-1988 do TJRS (RJTJRS, 133:362), que logo na ementa consigna que “o contratante não se pode valer de uma cláusula mal redigida, para fazer interpretação contrária à boa-fé e ao bom sendo”. Era um caso em que o autor, segundo o acórdão, teria utilizado “termos ambíguos... inadvertidamente aceitos pela ré. Fundamentando a decisão, consignou-se o seguinte: “as cláusulas do contrato devem ser interpretadas segundo as normas do tráfico, de acordo com o que é usual e compatível com a época, com as circunstâncias e com a natureza do contrato. Há que se atentar para o bom sendo e, principalmente, para o princípio da boa-fé, segundo o qual o contrato deve ser cumprido e executado de acordo com as justas expectativas das partes contratantes.[70]

Quanto à boa-fé como limitadora do exercício de direitos subjetivos apresenta-se como “norma que não admite condutas que contrariem o mandamento de agir com lealdade e correção.”[71] Mostra-se, assim, como referencial à análise da regularidade ou da irregularidade/abusividade do comportamento frente à outra parte na relação contratual.

Com relação a esta vedação ao exercício abusivo de direitos, verifica-se também a ocorrência de uma “tipificação” como forma de precisar os seus contornos conceituais,[72] reiterando-se a já asseverada preocupação de índole positivista em relação aos princípios móveis.

Uma das formas de aplicação da boa-fé como limite ao exercício abusivo de direitos se verifica nos casos de adimplemento substancial do contrato,[73] figura que –“não obstante ser há muito versada no direito comparado, notadamente o da common law” [74] – começa a ganhar espaço nas decisões jurisprudenciais brasileiras, principalmente nos casos de contrato de seguros, senão note-se seguinte exemplo:

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AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. NÃO PRESTAÇÃO DE SERVIÇO FUNERÁRIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. BOA FÉ. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO. DANO MORAL. CARACTERIZADO. RECURSO NÃO PROVIDO. I - É pacífico o entendimento que as regras dos art. 476 e 763 ambos do Código Civil, devem ser interpretadas de acordo com os princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002, que consagra a função social do contrato e os princípios da probidade e da boa fé contratual, adotando-se interpretação mais favorável ao consumidor. II - "O adimplemento substancial, conforme o definiu o Prof. Clóvis do Couto e Silva, constitui 'um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo, tão somente o direito de indenização' e/ou de adimplemento, de vez que aquela primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa fé." III - O dano moral, por ser inerente à pessoa, por vezes é imensurável, frente à impossibilidade de se medir as dores, os abalos psíquicos, o sofrimento enfrentado pelo lesado, o constrangimento, a raiva. Desta feita, comprovada a lesão a partir do evento danoso, presume-se o dano sofrido (in re ipsa). IV - Recurso Desprovido. [75] (grifo nosso)

Por fim, quanto à função de norma criadora de deveres anexos, impende salientar que, além das obrigações documentadas no instrumento contratual, as partes devem cumprir também outros deveres (adjetivados de anexos, secundários, laterais, instrumentais, dentre outros) impostos pela boa-fé objetiva.

Martins-Costa discursa sobre os deveres instrumentais:

O que importa bem sublinhar é que, constituindo deveres que incumbem tanto ao devedor quanto ao credor, não estão orientados diretamente ao cumprimento da prestação ou dos deveres principais, como ocorre com os deveres secundários. Estão, antes, referidos ao exato processamento da relação obrigacional, isto é, à satisfação dos interesses globais envolvidos, em atenção a uma identidade finalística, constituindo o complexo conteúdo da relação que se unifica funcionalmente.[76]

Com base justamente na existência destes deveres é que Fachin afirma que, hodiernamente, “quem contrata não contrata mais apenas o que contrata” [77], eis que a cogência dos mesmos prescinde da expressa previsão contratual, eis que advindos justamente da principiologia maior que busca tutelar os indivíduos como entes integrantes de uma realidade social (e não como seres alheios à mesma, como se verificava com a principiologia clássica).

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Deve-se ressaltar, ademais, que esses deveres - que apesar de não incluídos no acordo de vontades devem ser observados -, bem como aquilo que decorre das outras funções da boa-fé, não se aplicam apenas na fase contratual, mas também nos planos pré e pós-contratual.[78]

A jurisprudência brasileira, mesmo antes do Código Civil de 2002,[79] não permaneceu alheia a este posicionamento, imputando responsabilização pré-contratual por inobservância de deveres impostos pela boa-fé objetiva. Senão note-se aresto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que fundamentou a decisão no princípio da boa-fé objetiva:

CONTRATO. TRATATIVAS. "CULPA IN CONTRAHENDO". RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA ALIMENTICIA, INDUSTRIALIZADORA DE TOMATES, QUE DISTRIBUI SEMENTES, NO TEMPO DO PLANTIO, E ENTÃO MANIFESTA A INTENÇÃO DE ADQUIRIR O PRODUTO, MAS DEPOIS RESOLVE, POR SUA CONVENIÊNCIA, NÃO MAIS INDUSTRIALIZÁ-LO, NAQUELE ANO, ASSIM CAUSANDO PREJUÍZO AO AGRICULTOR, QUE SOFRE A FRUSTRAÇÃO DA EXPECTATIVA DE VENDA DA SAFRA, UMA VEZ QUE O PRODUTO FICOU SEM POSSIBILIDADE DE COLOCAÇÃO. PROVIMENTO EM PARTE DO APELO, PARA REDUZIR A INDENIZAÇÃO A METADE DA PRODUÇÃO, POIS UMA PARTE DA COLHEITA FOI ABSORVIDA POR EMPRESA CONGÊNERE, ÀS INSTÂNCIAS DA RÉ. VOTO VENCIDO, JULGANDO IMPROCEDENTE A AÇÃO.[80]

Assim sendo, resta evidente que a boa-fé objetiva afigura-se como princípio que – como é inerente aos princípios ditos “contemporâneos” – relativiza (porque se sobrepõe) o dogma da autonomia da vontade, possuindo aplicabilidade não apenas quando se fala em responsabilização contratual, mas também, com fundamento na causa material da teoria filosófica, quando se está a versar sobre responsabilização pré e pós contratual.

3 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL: DEVERES (E DIREITOS) CONTRATUAIS DOS NÃO CONTRATANTES

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Nos moldes já asseverados ao longo do presente trabalho, quando se fala numa realidade contratual contemporânea – ou, conforme dicção de Marques, numa “Nova Teoria Contratual” – a principal questão que se levanta cinge-se à substituição do cerne do contrato, posição que no período liberal era ocupada pela vontade mas hodiernamente se afirma que tal lugar cabe ao interesse social.

Desta forma, assim como o contexto social não pode ser deixado de lado pelas partes contratantes – basta se analisar os princípios do equilíbrio econômico do contrato e da boa-fé objetiva – também a sociedade não pode agir de forma a desconsiderar por completo a existência do contrato, e é justamente este comportamento social em relação ao contrato o campo de aplicação da função social.

Em outros termos, salienta-se conceito de Catalan que especifica o princípio em tela:

A função social consiste assim na projeção de eficácia para além dos limites do negócio pactuado, pois estes, de um modo geral, afetam não apenas as partes, mas com maior ou menor intensidade, projetam-se em direção a terceiros, muitas vezes, produzindo efeitos em relação a eles.[81]

Desta forma, os efeitos do contrato não ficam mais circunscritos apenas aos contratantes, mas também os terceiros alheios ao contrato são (ou podem ser) abarcados pelo princípio em tela, o que se justifica ao argumento de que o terceiro afetado também é componente do corpo social onde está inserido o contrato e seus sujeitos.

Fazendo-se um confronto entre o princípio epigrafado com a principiologia clássica/liberal, verifica-se a existência de um certo antagonismo entre a diretriz contemporânea e o princípio da relativização dos efeitos contratuais, fato que se mostra bastante coerente com a própria relativização da autonomia da vontade, levada a efeito pela realidade contratual contemporânea. Em outros termos, “uma vez que o paradigma voluntarista não serve mais como paradigma unificante da teoria contratual, o princípio da relatividade dos efeitos do contrato deve ser correspondentemente revisto”[82], e esta revisão é realizada pelo princípio da função social.

Exemplifica-se essa relativização do princípio clássico da res inter alios acta tertio neque nocet neque prodest com o parecer de lavra de Azevedo, o qual, analisando a conduta de distribuidoras de combustíveis que comercializam seus produtos a postos que já ostentam a “bandeira” de outra distribuidora, foi categórico ao afirmar a existência de ato ilícito não apenas por parte dos postos que compram combustível de distribuidora alheia à contratada, ferindo, assim, a cláusula contratual de exclusividade, mas também, e em caráter solidário, da própria distribuidora.[83]

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Trata-se, portanto, da “tutela externa do crédito”[84], cuja aplicabilidade se fez sentir, por exemplo, no “caso Zeca Pagodinho”[85], e, ainda a título apenas exemplificativo, no “caso Penzoil vs. Texaco”[86], os quais, segundo Martins-Costa fundam-se numa mesma racionalidade jurídica: “a necessidade do afastamento da ‘razão cínica’, a fim de resguardar o nível mínimo de confiança no tráfico negocial, para assegurar, no capitalismo, a própria funcionalidade das práticas comerciais.”[87]

De outra forma, na medida em que assumem o dever de não agir de forma completamente alheia ao contrato, o terceiro também possui o direito de se opor ao mesmo quando verificar a ocorrência de prejuízos[88]. Um exemplo desse direito do terceiro está no reconhecimento, pelo Superior Tribunal de Justiça, da legitimidade passiva da seguradora em ação indenizatória, ainda que inexista litisconsórcio com o segurado. Senão veja-se:

Processual civil. Recurso Especial. Prequestionamento. Acidente de trânsito. Culpa do segurado. Ação indenizatória. Terceiro prejudicado. Seguradora. Legitimidade passiva ad causam. Ônus da sucumbência. Sucumbência recíproca. [...]

- A ação indenizatória de danos materiais, advindos do atropelamento e morte causados por segurado, pode ser ajuizada diretamente contra a seguradora, que tem responsabilidade por força da apólice securitária e não por ter agido com culpa no acidente. [...].[89]

Em razão desta argumentação, faz-se justificado o título do presente tópico. Ademais, o princípio em tela mostra-se sintetizado por meio da seguinte frase de Fachin: “quem contrata não contrata mais apenas com quem contrata.”[90]

O que se deve salientar, no entanto, em relação à função social do contrato ora descrita, é que o princípio não possui o condão de vincular terceiros em relação aos deveres contratuais assumidos pelos contratantes, ou seja, as condutas assumidas pelas partes no contrato não são impostas aos terceiros como se também tivessem participado e aquiescido com os termos do instrumento. A conduta imputada aos não contratantes não é a de cumprir todas as cláusulas de um contrato que sequer participaram, mas sim a de não “se comportar como se o contrato não existisse.”[91]

Na verdade, o que ocorre neste caso é uma necessária distinção entre a oponibilidade e a relatividade dos efeitos do contrato, fato que, devidamente analisado, permite que se afirme que a função social não afasta por completo,[92] mas relativiza, o princípio clássico da res inter alios acta tertio neque nocet neque prodest.

A distinção entre a oponibilidade e a relatividade é verificada na obra de Negreiros:

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A oponibilidade do contrato traduz-se, portanto, nesta obrigação de não fazer, imposta àquele que conhece o conteúdo de um contrato, embora dele não seja parte. Isto não implica tornar as obrigações contratuais exigíveis em face de terceiros (é o que a relatividade impede), mas impõe aos terceiros o respeito por tais situações jurídicas validamente constituídas e dignas de tutela do ordenamento (é o que a oponibilidade exige).[93]

Frente ao que se expôs até aqui, é indubitável que a função social encontra-se pautada num referencial vertical, eis que sua análise se dá entre contratantes e terceiros, e não apenas entre os primeiros. Ocorre que “a função social não se esgota nesse aspecto exterior ao contrato. Conjuntamente, irradia-se para o interior da relação contratual[...].”[94]

Esta análise que se pode chamar de horizontal da função social foi sugerida por Nalin, que verificou a existência de uma “completa indefinição sobre o tema”[95] e, assim, propôs a divisão do princípio com base numa dupla função. As características desta eficácia dupla vêm descritas pelo autor paranaense:

A primeira, intrínseca, é relativa à observância de princípios novos ou redescritos (igualdade material, eqüidade, e boa-fé objetiva) pelos titulares contratantes.[...] Seu perfil extrínseco (fim coletividade), por sua vez, rompe com o aludido princípio da relatividade dos efeitos do contrato, preocupando-se com suas repercussões no largo campo das relações sociais, pois o contrato em tal desenho passa a interessar a titulares outros que não só aqueles imediatamente envolvidos na relação jurídica de crédito[96]. (grifos do autor)

A verdade é que há quase unanimidade doutrinária quanto à concepção de função social até o momento descrita, adjetivada de várias formas, todas elas buscando ressaltar o caráter externo da teoria.[97] Todavia, em relação à eficácia interna da função social há grande discussão doutrinária.

Dentre os doutrinadores contrários à aludida divisão da função social pela coincidência com o princípio da boa-fé objetiva, Theodoro Junior assevera que “se o legislador cuidou de disciplinar separadamente os dois princípios, foi porque lhes

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reconheceu individualidade.”[98] Além dele, Martins-Costa aduz que “correta está a doutrina que indica a ‘funcionalidade exógena’ da função social, em contrapartida à ‘normatividade endógena’ dos princípios da boa-fé e da autonomia privada.”[99]

Ocorre que, afora os doutrinadores que defendem a dupla eficácia da função social e os que negam tal concepção, há um terceiro grupo de autores que, apesar de reconheceram uma eficácia interna à função social, o fazem utilizando-se conceito diverso do proposto por Nalin. Exemplo desta dissonância encontra-se na lição de Moraes:

O legislador de 2002 manifestou-se de modo tão ponderoso no que tange à função social do contrato que retornou ao tema nas disposições transitórias. Ao regular o direito intertemporal em matéria, reafirmou no parágrafo único do art. 2.035[...]. Isto, na verdade, confirma que o ordenamento civil brasileiro não dá qualquer guarida a negócios abstratos, isto é, a negócios que estejam sujeitos, tão-somente, à vontade das partes, exigindo, ao contrário, que os negócios jurídicos sejam causais, cumpridores de uma função social. Nesta linha de raciocínio, teria o legislador exteriorizado, através dos termos do art. 421, o princípio da “causalidade negocial”. Embora nós talvez continuemos a dizer, simplesmente, que determinado negócio “não cumpre a sua função social”.[100]

Tartuce também afirma que “pela redação atual do art. 421 do Código Civil é perfeitamente possível relacionar a função social à sua causa.”[101]

Vale dizer, no entanto, que independentemente do preenchimento conceitual que se adote para a chamada função social interna ou, ainda que não se admita a existência desta divisão do princípio, em momento algum há discussão doutrinária sobre o caráter solidarista do mesmo, decorrente, na linha já assentada, do vetor maior da dignidade da pessoa humana e da aplicação da Constituição às relações privadas.[102]

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frente ao exposto, percebe-se que a principiologia contratual alterou-se para o fim de abarcar os anseios populares de tutela estatal no equilíbrio da disparidade

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constantemente existente na formalização de determinada avença. Ou seja, se antes o Direito apenas prescrevia as regras do jogo, atualmente ele também atua, na tentativa de evitar injustiças (que não estão apenas na livre manifestação de vontade, mas no efetivo respeito à dignidade das pessoas, sem as desvincular do seu contexto social).

Em outros termos, as mesmas partes que, no período voluntarista, apenas se preocupavam com o outro contratante e com as obrigações expressas na convenção (residindo aí a justiça do contrato), diante da principiologia “contemporânea” estão a ter de se atentar também para os terceiros alheios ao contrato (que também não podem desconsiderar a existência deste) e a ter de cumprir obrigações não constantes do pacto, em nome justamente da justiça do contrato, agora vista sob um enfoque solidarista.

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THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

[1] Expressão de autoria de Cláudia Lima Marques e que denomina o primeiro capítulo de sua obra. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 49).

[2] ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988. p. 24.

[3] ROPPO, loc. cit.

[4] Àquela altura, o valor fundamental era o indivíduo. O direito privado tratava de regular, do ponto de vista formal, a atuação dos sujeitos de direito, notadamente o contratante e o proprietário, os quais, por sua vez, a nada aspiravam senão ao aniquilamento de todos os privilégio feudais: poder contratar, fazer circular as riquezas, adquirir bens como expansão da própria inteligência e personalidade, sem restrições ou entraves legais. Eis aí a filosofia do século XIX que marcou a elaboração do tecido normativo consubstanciado no Código Civil de 1916. (TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: ______. Temas de direito civil. 3. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 2.)

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[5] GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 24-25.

[6] Ibid., p. 27.

[7] Há parcela da doutrina que cita outros princípios decorrentes do dogma da vontade, a referência ora feita baseia-se na obra de Azevedo. (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado – direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e responsabilidade aquiliana de terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos tribunais. São Paulo, v. 750, p. 113-120, abr. 1998. p. 115).

[8] Tradução livre: “O contrato não cria direitos nem deveres para terceiros.”

[9] TEPEDINO, 2004. p. 2.

[10] TEPEDINO, loc. cit.

[11] “Com efeito, nesta etapa da evolução do direito civil, as relações do indivíduo frente à sociedade e frente ao Estado são, respectivamente, de indiferença e de resistência. [...] Refletindo um projeto político de índole burguesa, a codificação civil apreende este indivíduo abstratamente considerado como titular de vontade e garante-lhe proteção patrimonial.” (NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 15).

[12] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 4.

[13] NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 66.

[14] É bem verdade que a Constituição não possuía a força verificada hodiernamente, força essa que, aliás, segundo Lôbo, é decorrência do Estado social. (LÔBO, 2005. p. 5).

[15] MARQUES, 2005. p. 163.

[16] “Dessas transformações ligadas à Revolução Industrial, merecem destaque aqui, pelas suas repercussões jurídicas, os fenômenos, aliás interligados, da urbanização e da concentração capitalista: a urbanização é conseqüência do crescimento exponencial da população, da migração do campo para as cidades, das melhores condições de vida que o desenvolvimento econômico (de base industrial) propicia; a progressiva concentração capitalista é essencialmente conseqüência da concorrência econômica – e da luta, por esta engendrada, pela competitividade, pela racionalização, por melhores condições de produção e distribuição” (NORONHA, 1994. p. 70).

[17] MARQUES, 2005. p. 163.

[18] NORONHA, 2005. p. 69.

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[19] O contrato “coativo”, também qualificado como ditado, imposto, forçado, “é como se as partes houvessem dado vida à relação jurídica mediante acordo de vontades espontâneo. Na verdade, porém, são obrigadas a constituí-la.” Tal modelo contratual busca, por meio da imposição, atingir “objetivos da política econômica do Estado, ou para facilitar a sua ação financeira” (GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. p. 19-20). Quanto aos contratos necessários, Gomes já preconizava, em 1967, a sua crescente difusão em razão do aumento do intervencionismo estatal nas relações econômicas: “Inúmeros organismos particulares são obrigados a contratar com as pessoas que precisam dos serviços que se encarregam. Tais são, dentre outros, as companhias de transportes, de eletricidade, de telefone e, em geral, as empresas que se incumbem da prestação de serviços de utilidade pública” (Ibid., p. 22).

[20] Ibid., p. 24.

[21] “Assim chamadas por dissentirem dos princípios dominantes do corpo codificado” (TEPEDINO, 2004. p. 4).

[22] TEPEDINO, 2004. p. 4.

[23] Ibid., p. 5.

[24] “Expressão da política legislativa do Welfare State que se corporifica a partir dos anos 30, tem assento constitucional em 1934 e cuja expressa, na teoria das obrigações, se constituiu no fenômeno do dirigismo contratual” (Ibid., p. 6).

[25] Esta adjetivação das leis dá-se “justamente por sua técnica, objeto e finalidade de especialização, em relação ao corpo codificado.” (TEPEDINO, loc. cit.).

[26] LÔBO, 2005. p. 5.

[27] TEPEDINO, 2004. p. 7.

[28] TEPEDINO, loc. cit.

[29] TEPEDINO, loc. cit.

[30] “A intensificação desse processo intervencionista subtrai do Código Civil inteiros setores da atividade privada, mediante um conjunto de normas que não se limita a regular aspectos especiais de certas matérias, disciplinando-as integralmente. O mecanismo é finalmente consagrado, no caso brasileiro, pelo texto constitucional de 5 de outubro de 1988, que inaugura uma nova fase e um novo papel para o Código Civil, a ser valorado e interpretado juntamente com inúmeros diplomas setoriais, cada um deles com vocação universalizante. Em relação a esta terceira fase de aplicação do Código Civil, fala-se de uma “era dos estatutos”, para designar as novas características da legislação extravagante. (Ibid., p. 8).

[31] “Assim é que surgiram, ao longo do tempo, numerosos estatutos com tais características, no Brasil e alhures, bastando indicar, a título de exemplo, as sucessivas leis de locação predial urbana, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da

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Criança e do Adolescente. Esse longo percurso histórico, cujo itinerário não se pode aqui palmilhar, caracteriza o que se convencionou chamar de descodificação do direito civil, com o deslocamento do centro de gravidade, do Código Civil, antes um corpo legislativo monolítico, por isso mesmo chamado de monossistema, para uma realidade fragmentada pela pluralidade de estatutos autônomos. Em relação a estes o Código Civil perdeu qualquer capacidade de influência normativa, configurando-se um polissistema, caracteriza por um conjunto crescente de leis como centos de gravidade autônomos e chamados, por conhecida corrente doutrinária, de microssistemas.” (TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os chamados microssistemas e Constituição: premissas para uma reforma legislativa. In: ______ (Coord.). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 5).

[32] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 3 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 10. Aliás, a Constitucionalização do Direito Civil é fruto justamente da busca por uma adequação das disposições codificadas aos valores consagrados constitucionalmente. Esta doutrina “constitucionalista” surgiu no Direito italiano, onde o Código Civil de 1942 fora elaborada sob influência fascistas, “portanto, uma Código voltado para a produtividade, para a produção em larga medida, mas sem qualquer referência ao valor fundamental do ser humano. [...] Tudo girava em torno da produtividade em benefício do Estado” (LOTUFO, Renan. Da oportunidade da Codificação Civil e a Constituição. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.) O novo Código Civil e a Constituição. 2 ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. p. 17). Ocorre que a Constituição promulgada na Itália em 1947 possuía um outro ideário, eis que referida corpo normativa sucede a Segunda Guerra Mundial e, portanto, abarca a alteração de comportamento social por ela perpetrada. “A Itália, ao fazer sua Constituição, mesmo não sendo obrigada a adotar a lei fundamental imposta pelos países vitoriosos, não deixou de seguir esta mudança de posicionamento. Elaborou democraticamente a sua Constituição, com grande participação inclusive de partidos comunistas, socialistas, partidos de esquerda, além da democracia cristã e social democracia, elaborando um texto em que também procurava centrar sua filosofia na dignidade do ser humano.” (LOTUFO, loc. cit.). Diante destas disparidade entre Código Civil e Constituição Federal, “a doutrina partiu para o estudo do Direito Civil Constitucional, como único meio de se recepcionar o Código Civil, pois submetido à releitura pelo enfoque constitucional” (Ibid., p. 18-19).

[33] A idéia de constitucionalização do direito civil, que se tem apresentado modernamente em farta e fecunda bibliografia, pode ser enfocada tanto em um aspecto formal como sob uma ótica material. Formalmente, as Constituições passaram a conter disposições que se encontravam nos Códigos Civil.[...] No aspecto material, o que releva é a fixação da Constituição como a fonte dos valores que informam as regras de direito civil (para além do fato de haver regras desta natureza insculpidas no próprio texto constitucional). (TEPEDINO, 2004. p. 13.)

[34] NEGREIROS, 2006. p. 11

[35] “Art. 1º Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” (ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Disponível

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em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 08 fev. 2009).

[36] “Não sei se se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra. Com essa declaração, um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado.” (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 28)

[37] LÔBO, 2005. p. 7.

[38] LÔBO, loc. cit.

[39] FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 190.

[40] A relação havida entre o respeito à dignidade humana e a proteção do homem como integrante da sociedade vem descrita na obra de Negreiros: “O direito civil voltado para a tutela da dignidade da pessoa humana é chamado a desempenhar tarefas de proteção, e estas especificam-se a partir de diferenciações normativas correspondentes a diferenciações que imploram a concepção outrora unitária da indivíduo, dirigindo-se, não a um sujeito de direito abstrato dotado de capacidade negocial, mas sim a uma pessoa situada concretamente nas suas relações econômico-social.[...] Com efeito, à tutela da dignidade da pessoa humana correspondem não apenas os tradicionais direitos individuais mas igualmente os chamados “direitos sociais”, que reordenam as relações entre o Estado e a sociedade, impondo a todos o ônus da tornar a sociedade mais justa.” (NEGREIROS, 2006. p. 19-20). A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos também traz esta relação: “Art. 22. Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.” (grifo nosso) (ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 08 fev. 2009).

[41] NEGREIROS, 2006. p. 15. Asseverando sobre o ideário individualista, Negreiros afirma: “Com efeito, nesta etapa da evolução do direito civil, as relações do indivíduo frente a sociedade e frente ao Estado são, respectivamente, de indiferença e de resistência.[...] Refletindo um projeto político de índole burguesa, a codificação civil apreende este indivíduo abstratamente considerado como titular de vontade e garante-lhe proteção patrimonial” (NEGREIROS, loc. cit.).

[42] Cf. nota 1.

[43] MARQUES, 2005. p. 210-211.

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[44] Moraes “decompõe” o princípio da dignidade da pessoa humana nos “princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral – psicofísica -, da liberdade e da solidariedade” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 85).

[45] FACHIN, 2006. p. 190.

[46] Noronha prefere denominar de “Princípio da Justiça Contratual” (NORONHA, 1994. p. 153) o que Azevedo denomina como princípio do Equilíbrio Econômico do Contrato: “Neste sentido, a eqüidade é complemento da justiça, se não mesmo a sua realização, pelo respeito do intérprete aos princípios que constituem o embasamento da norma, como posta pelo legislador histórico, ou que venham a ser evidenciados por uma apreciação atual dos fatos, à luz da “evolução do sentimento moral”, para aproveitarmos uma expressão de Perelman. [...] Se considerarmos a equidade nesse sentido, poderíamos denominar também de eqüidade contratual o princípio que chamamos de justiça contratual. Contudo, como a noção comum de eqüidade é ainda aquela que a liga a uma justiça do caso concreto, ainda que não arbitrária, preferimos passar a falar apenas em princípio da justiça contratual.” (NORONHA, loc. cit.).

[47] AZEVEDO, abr. 1998. p. 116.

[48] Neste ponto, verifica-se nitidamente não apenas a cisão que havia, no século XIX e início do século XX entre Constituição Federal e Código Civil (a Constituição de Direito Privado), mas também a importância das leis extracodificadas, que começaram a ganhar corpo a partir de 1930. Senão veja-se discurso de Negreiros: “O Código Comercial de 1850 aboliu a aplicação da lesão aos contratos celebrados entre comerciantes, por considerar que a busca do lucro, mesmo que exagerado, e a especulação eram da própria natureza destes contratos. Chegou, enfim, o Código Civil de 1916, que, eivado do espírito individualista da época, ignorou a lesão.[...] No plano constitucional, a Constituição de 1934 proibia a usura, o que, no entanto, não chegava a repercutir significativamente, haja vista que, naquela altura, o direito constitucional e o direIto civil eram considerados territórios jurídicos estanques.” (NEGREIROS, 2006. p. 178-179). Vale dizer, portanto, que a primeira manifestação do princípio na realidade legislativa brasileira se deu por meio do Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938: “Art. 4º Constitue crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: a) cobrar juros superiores à taxa permitida por lei, ou comissão ou desconto, fixo ou percentual, sobre a quantia mutuada, alem daquela taxa; b) obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida. Pena: 6 meses a 2 anos de prisão celular e multa de 2:000$000 a 10:000$000.” (grifo nosso) (BRASIL. Decreto-lei nº 869, de 18 nov. 1938. Define os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego. Brasília, DF, 31 dez. 1939. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=28104>. Acesso em: 15 mar. 2009).

[49] “Apreciando as transformações havidas no direito privado, especialmente no direito das obrigações, Franz Wieacker demonstra que o acontecimento mais importante quanto aos aspectos fundamentais da virada do direito civil para o social foi o regresso do direito ao princípio da equivalência material. O individualismo liberal desprezou a

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antiga tradição, que vinha da ética social de Aristóteles, da equivalência material das prestações, para o que contribuíram a ética da liberdade e da responsabilidade de Kant e Savigny, a recusa do liberalismo em relação a uma relativização das obrigações assumidas pelas alterações de valor verificadas no mercado, e a expectativa de previsibilidade da evolução da economia.” (LÔBO, 2005. p. 6).

[50] NEGREIROS, 2006. p. 159.

[51] A relação havida entre a igualdade, a justiça e o equilíbrio faz-se nitidamente demonstrada na seguinte asserção de Perelman: “A impressão de ser vítima de uma injustiça resulta, desde o início, de uma comparação que a pessoa estabelece com outros seres, que se encontram numa categoria essencialmente semelhante àquela em que ela própria se encontra e que foram tratados de uma forma mais favorável. Sente-se como injusta toda violação da regra de justiça, que exige o tratamento igual de seres e de situações essencialmente semelhantes.” (PERELMAN, Chaïm, Ética e Direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 207).

[52] NEGREIROS, 2006. p. 169. Ressalta-se, portanto, em relação a este princípio, que o mesmo não analisa apenas o momento em que a vontade das partes está sendo manifestada, como se verificava no contexto da teoria voluntarista, mas também faz uma perquirição acerca da justiça/paridade “sobretudo relativo ao conteúdo e aos efeitos do contrato, que devem resguardar um patamar mínimo de equilíbrio entre as posições econômicas de ambos os contratantes.” (NEGREIROS, loc. cit.).

[53] “O princípio do equilibro econômico do contrato, ou do sinalagma, por seu turno, leva à admissão, especialmente, de duas figuras, a lesão[53] e a onerosidade excessiva.”(AZEVEDO, abr. 1998. p. 116.).

[54] Escrita em 1964 como tese do concurso para a cátedra de Direito Civil na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e editada, pela primeira vez, em 1974, pela Editora Bushastsky, de São Paulo.

[55] “Por certo, a idéia de obrigação como totalidade, ou como estrutura ou forma (Gefüge; Gestalt), ou da obrigação como processo já era conhecida, sobretudo pelos autores germânicos.” (COUTO E SILVA, Almiro. Prefácio. In: COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2006. p. 11).

[56] MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 383.

[57] MARTINS-COSTA, 2000. p. 384.

[58] COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2006. p. 19.

[59] Ibid., p. 19-20.

[60] Ibid., p. 20

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[61] COUTO E SILVA, loc. cit.

[62] MARTINS-COSTA, 2000. p. 394-395.

[63] AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Prefácio. In: FRADERA, Véra Maria Jacob de (Org.). O direito privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 7.

[64] AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/jspui/handle/2011/411>. Acesso em 15 dez. 2008. “Por isso, a tarefa do juiz não se limita a uma subsunção lógica sob os conceitos legais; ele tem de averiguar, também, a situação de interesses tida em vista pelo legislador. Esse cotejo, sempre necessário, pode levar a um de cinco resultados: à subsunção lógica, à delegação – os casos em que o legislador, por meio de cláusulas gerais, remeta para o juiz a ponderação de interesses, de acordo com valorações reconhecíveis pelo legislador – à complementação de lacuna, à contradição de normas – portanto a uma lacuna de colisão ou alternativa – e à rectificação da regra – nos casos excepcionais em que exista tal contradição entre a solução encontrada e as necessidades da vida que assim se justifique.” (CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001. p. 361).

[65] Tepedino e Schreiber imputam a Franz Wieacker a atribuição de uma função tríplice à boa-fé. (TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Gustavo. A boa-fé objetiva no código de defesa do consumidor e no novo código civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.) Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 35).

[66] “A tripartição das funções atribuídas ao princípio da boa-fé obedece a uma classificação em “tipos ideais”. Na prática, estas funções complementam-se, sendo por vezes difícil definir, num caso concreto, sob que “tipo” a boa-fé está sendo invocada; qual, enfim, a função específica que o princípio está desempenhando naquela hipótese em particular.” (NEGREIROS, 2006. p. 140).

[67] MARTINS-COSTA, 2000. p. 427-428. O processo de “tipificação” não cessa nessa tripartição da boa-fé, visto que a generalidade das funções não afasta por completo os temores de cunho positivistas, sendo imprescindível, para o juízo lógico-dedutivo defendido por esta teoria, a objetivação ainda maior das funções, o que se verifica, por exemplo, com a função de norma de criação de deveres jurídicos: “Os deveres acessórios têm sido objeto de tipificações várias. Tal como ocorre com o estudo dos deveres in contrahendo, pode conseguir-se uma panorâmica satisfatória com recurso à tripartição entre deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade.” (CORDEIRO, 2001. p. 603-604). Tepedino e Schreiber tecem críticas a esta “tipificação”, asseverando que os deveres anexos “não têm conteúdo fechado. De fato, qualquer tipificação dos deveres anexos é inviável, porque derivam da relação obrigacional concreta, e inconvenientemente, porque limitaria uma cláusula que se pretende geral” (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005. p. 36). Pinheiro desvia-se da crítica referida ao evitar a utilização do termo “tipificação” para mencionar a existência de uma “sistematização exemplificativa” com relação a função integrativa. (PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Percurso Teórico da Boa-fé e sua Recepção Jurisprudencial no Direito brasileiro.

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375 f. Tese (Doutorado em Direito) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004. p. 208).

[68] “Artigo 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” (BRASIL. Código Civil (2002). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 mar. 2009).

[69] PINHEIRO, 2004. p. 213. O atuar jurisprudencial no sentido de fazer prevalecer a finalidade buscada com o contrato se faz possível graças à natureza processual do vínculo obrigacional, conforme palavras de Clóvis do Couto e Silva: “E é precisamente a finalidade que determina a concepção da obrigação como processo.” (COUTO E SILVA, 2006, p. 21).

[70] NORONHA, 1994, 155.

[71] MARTINS-COSTA, 2000. p. 457.

[72] “Nesse domínio, com o escopo de delimitar a aplicação da boa-fé objetiva, encontra lugar a formulação de tipos jurídicos: venire contra factum proprium, o tu quoque, a supressio, a surrectio, a exceptio doli generalis, a inalegabilidade de nulidades formais e o exercício desequilibrado de direitos.” (PINHEIRO, 2004. p. 281). A jurisprudência brasileira de forma bastante corriqueira utiliza estes tipos para invocar a aplicação da boa-fé: “AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATO DE COMISSÃO - EFEITOS - EFICÁCIA SUSPENSIVA - NÃO VERIFICAÇÃO DO EVENTO - INDEVIDA A COMISSÃO. [...] 2. As partes contratantes devem manter a boa-fé no cumprimento do contrato. 3. A conduta da apelada, de não apresentar proposta e documentos no dia, hora e local indicados no edital, dando ensejo à deserção do procedimento licitatório, para, em seguida, celebrar contrato com a Administração Pública valendo-se de dispensa da licitação, opondo tal fato ao apelante, fere o princípio da boa-fé objetiva, expressado, in casu, pelo instituto do tu quoque. 4. Não pode a apelada se aproveitar de uma situação que ela mesma criou para se beneficiar, negando o pagamento da comissão ajustada com o apelado.” (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0223.03.119401-0/002(1). Relator: José Afonso da Costa Cortes. Belo Horizonte, 24 jun. 2008. Disponível em: <www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2009).

[73] MARTINS-COSTA, 2000. p. 457.

[74] Ibid., p. 458.

[75] Trata-se de recurso interposto por empresa de seguro em face de sentença que a condenou ao pagamento de indenização por danos materiais e morais em razão de que esta negou cobertura securitária funerária ao pai da parte recorrida, que figurava como dependente no contrato de seguros formalizado entre as partes do processo, ao argumento de que uma das parcelas não havia sido paga. A seguradora invocou o princípio da exceção de contrato não cumprido, mas o tribunal manteve a decisão, embasando-se, para tanto, no princípio do adimplemento substancial: “É pacífico o entendimento que as regras dos art. 476 e 763 ambos do Código Civil, devem ser interpretadas de acordo com os princípios basilares do Código de Defesa do

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Consumidor e do Código Civil de 2002, que consagra a função social do contrato e os princípios da probidade e da boa fé contratual, adotando-se interpretação mais favorável ao aderente, na espécie, o apelado. Neste contexto, o ponto crucial a ser analisado diz respeito ao equilíbrio das partes na relação negocial, sendo garantida constitucionalmente a defesa do consumidor, ante a sua fragilidade no mercado de consumo. Compulsando o caderno processual se constata que o apelado efetuou o pagamento de 28 (vinte e oito) prestações das 32 (trinta e duas) do contrato. Assim, pode-se concluir que mesmo que o recorrido estivesse com 04 (quatro) prestações em atraso, indiscutivelmente estava com quase todas as prestações quitadas, 87,5% da avença; ou seja, ocorreu o adimplemento substancial do contrato.” (PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível nº 0480817-7. Relator: Antonio Ivair Reinaldin. Curitiba, 05 jun. 2008. Disponível em: <www.tj.pr.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2009).

[76] MARTINS-COSTA, 2000. p. 440. “Tais deveres, não abrangidos pela prestação principal que compõem o objeto do vínculo obrigacional, caracterizam a correção do comportamento dos contratantes, um em relação ao outro, tendo em vista que o vínculo obrigacional deve traduzir uma ordem de cooperação, exigindo-se de ambos os obrigados que atuem em favor da consecução da finalidade que, afinal, justificou a formação daquele vínculo.” (NEGREIROS, 2006. p. 150)

[77] FACHIN, Luiz Edson. Questões do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 3.

[78] Sobre a eficácia pós-contratual da boa-fé, o próprio Couto e Silva afirma que: “esses deveres podem perdurar ainda depois de adimplido o crédito principal.”(COUTO E SILVA, 2006. p. 169) Quanto à aplicação do princípio na fase pré-contratual, Azevedo aduz: “É preciso que, na fase pré-contratual, os candidatos a contratantes ajam, nas negociações preliminares e na declaração da oferta, com lealdade recíproca, dando as informações necessárias, evitando criar expectativas que sabem destinadas ao fracasso, impedindo a revelação de dados obtidos em confiança, não realizando rupturas abruptas e inesperadas das conversações, etc.” (AZEVEDO. Antonio Junqueira. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. São Paulo: [s.n.], 1995 apud MARTINS-COSTA, 2000. p. 509.)

[79] Menciona-se o Código Civil de 2002 principalmente em razão da discussão gerada com o Projeto de Lei 6.960/02, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, que propunha a alteração de redação a vários dispositivos do Código Civil, dentre as quais se destaca a seguinte redação para o artigo 422: “os contratantes são obrigados a guardar, assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da eqüidade”. O argumento do autor do projeto foi o de que “o dispositivo apresenta, conforme aponta o Desembargador Jones Figueiredo Alves, insuficiências e deficiências, na questão objetiva da boa-fé nos contratos. As principais insuficiências convergem às limitações fixadas (período da conclusão do contrato até a sua execução), não valorando a necessidade de aplicações da boa-fé às fases pré-contratual e pós-contratual, com a devida extensão do regramento.” O projeto foi arquivado em 31.01.2007, sendo que, com relação ao artigo 422, o relator da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara manifestou-se “pela manutenção do texto, que faIa em “conclusão do contrato”, que

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compreende a fase de negociação, elaboração, assinatura, e da sua “execução”, que compreende o cumprimento ou descumprimento das obrigações contratuais, bem como a solução dos conflitos entre as partes. Não devemos ceder à tentação de deixar tudo explícito, até mesmo o óbvio.” (BRASIL. Projeto de Lei nº 6.960, de 2002. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes/loadFrame.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/sileg/prop_lista.asp?fMode=1&btnPesquisar=OK&Ano=2002&Numero=6960&sigla=PL>. Acesso em: 22 jan. 2009). Sobre o arquivamento da proposta, Tartuce afirma: “Não concordamos com a relatoria, já que havia a necessidade de menção expressa no texto. Primeiro, pela carência do aplicador, aqui já mencionada. Segundo porque, conforme vimos não há experiência consolidada quanto ao tema, a ensejar a aplicação da boa-fé na fase de negociações, trazendo a responsabilidade pré-contratual. Em reforço, entendemos que não está óbvio no artigo que a boa-fé deve estar presente na fase de negociação.” (TARTUCE, Flávio. O princípio da boa-fé objetiva em matéria contratual. Apontamentos em relação ao novo Código Civil e visão do projeto 6.960/02. In: CANEZIN, Claudete Carvalho (Coord.). Arte jurídica. Curitiba: Juruá, 2008, v. 2. p. 270).

[80] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 591028295. Relator: Ruy Rosado de Aguiar Junior. Porto Alegre, 06 jun. 1991. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 15 mar. 2009. Caso conhecido na doutrina brasileiro como “caso dos tomates”, onde a empresa CICA distribuía sementes a agricultores gaúchos e, sem qualquer formalidade contratual, após a plantação, adquiria a safra. Num determinado momento, apesar da distribuição das sementes, entendeu a empresa por não comprar a produção e foi responsabilizada pela quebra da confiança. Este caso é um dos pioneiros na aplicação do princípio da boa-fé objetiva às relações pré-contratuais. Note-se trecho do voto do relator: “Decorre do princípio da boa-fé objetiva, aceito pelo nosso ordenamento (Clóvis do Couto e Silva, Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português, p. 61), o dever de lealdade durante as tratativas e a conseqüente responsabilidade da parte que, depois de suscitar na outra a justa expectativa de celebração de um certo negócio, volta atrás e desiste de consumar a avença”. (MARTINS-COSTA, 2000. p. 474)

[81] CATALAN, Marcos Jorge. Em busca da adequada leitura das bases principiológicas da nova ordem contratual. In: CANEZIN, Claudete Carvalho (Coord.). Arte jurídica. Curitiba: Juruá, 2008. v. 2. p. 290.

[82] NEGREIROS, 2006. p. 231-232. A autora alerta para a discussão no sentido de que “surge do processo de socialização do contrato a necessidade de proceder a uma nova qualificação de “parte” e “terceiros”, a qual não arranque exclusivamente a vontade e considere outros fatores como relevantes na elaboração desta summa divisio.” (Ibid., p. 220-221).

[83] “As distribuidores que vendem combustíveis a postos “Oil”, quebrando a exclusividade contratualmente assegurada, estão, pois, a cometer ato ilícito (art. 159 do Código Civil); são elas solidariamente responsáveis pelas conseqüências do inadimplemento contratual praticado pelos postos “Oil”. (AZEVEDO, abr. 1998. p. 119).

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[84] “A tutela externa do crédito é tomada com vistas a delinear a ruptura do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, em sua feição voluntarista, diante dos contornos que lhe sejam dados pela função social do contrato. [...] Segundo Fernando Noronha, há duas situações nas quais é possível invocar a tutela externa do crédito: [...] O primeiro caso pode ser exemplificado pelo art. 608, do Código Civil. O terceiro convence o devedor vinculado a um pacto de não concorrência, a violar este, exercendo uma atividade concorrente, coberta por um nome alheio. No segundo caso, encaixam-se as atravessadoras, que cooperam na violação de contratos de distribuição de combustíveis[...]. Nesse caso, encaixa-se a situação anteriormente descrita, envolvendo o cantor Zeca Pagodinho.” (PINHEIRO, Rosalice Fidalgo; GLITZ, Frederico. A tutela externa do crédito e a função social do contrato: possibilidades do caso "Zeca Pagodinho". In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Orgs.) Diálogos sobre Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. vol. II. p. 339-340).

[85] “O cantor Zeca Pagodinho havia firmado um contrato com a agência de publicidade Fischer América para fazer um comercial na TV, em favor da cerveja Nova Schin. Intrometeu-se nessa relação contratual a agência África (titular da conta publicitária da cerveja Brahma), em razão do que Pagodinho violou o contrato com a primeira, passando a fazer publicidade para a segunda, concorrente da primeira” (MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. Zeca Pagodinho, a razão cínica e o novo Código Civil brasileiro. Disponível em: <www.voxnews.com.br/dados_artigos.asp?CodArt=141>. Acesso em: 15 dez. 2008). A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo não se utilizou a tutela externa do crédito, mas ainda assim responsabilizou terceiro alheio à relação contratual: “Depreende-se da decisão do E. Tribunal de Justiça de São Paulo que Ambev foi responsabilizada, impondo-lhe a multa contratualmente prevista, tal como em relação ao cantor Zeca Pagodinho. Ainda que a fundamentação para referida decisão não tenha perpassado pelos meandros da contemporânea compreensão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato e sua releitura a partir do princípio da função social do contrato, revelou-se a aplicação dos efeitos de uma responsabilidade contratual, vinculando solidariamente o devedor e o terceiro cúmplice.” (PINHEIRO; GLITZ, 2008. p. 344).

[86] Em brevíssima síntese: “negociavam PENNZOIL e os principais acionistas da GETTY OIL um “Memorando de Entendimentos” regulador de um conjunto de ações na seqüência dos quais a PENNZOIL e o SARAH C. GETTY TRUST passariam a ser os únicos acionistas da GETTY OIL. Nos termos do Memorando, a PENNZOIL pagaria 110 dólares por ação. Aprovado o Memorando foi anunciado ao público, em 4 de janeiro – antes da abertura da Bolsa de Valores de Nova York – a existência de um “acordo de princípios entre as partes”, enquanto prosseguiam as negociações relativas a outros pontos do Memorando. Foi então que a TEXACO, principal concorrente da PENNZOIL, passou a negociar secretamente com os acionistas da GETTY OIL um plano de aquisição da GETTY. A TEXACO pagaria, por ação, 128 dólares. Em 6 de janeiro, uma nota à imprensa assinada pela TEXACO anunciava o acordo com os acionistas da GETTY para a aquisição dessa empresa. De imediato a PENNZOIL intentou contra a TEXACO uma ação baseada no tort of induction breach of contract (responsabilidade pela indução à violação de contrato). O pleito foi acolhido judicialmente, conferindo-se a indenização bilionária, com fundamento nos danos sofridos pela PENNZOIL em razão da interferência ilícita (tortiously) da TEXACO na relação negocial alheia.” (MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. Zeca Pagodinho, a

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razão cínica e o novo Código Civil brasileiro. Disponível em: <www.voxnews.com.br/dados_artigos.asp?CodArt=141>. Acesso em: 15 dez. 2008).

[87] MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. Zeca Pagodinho, a razão cínica e o novo Código Civil brasileiro. Disponível em: <www.voxnews.com.br/dados_artigos.asp?CodArt=141>. Acesso em 15 dez. 2008.

[88] “Efetivamente, se um contrato deve ser considerado como fato social, como temos insistido, então a sua real existência há de impor-se por si mesma, para poder ser invocada contra terceiros, e, às vezes, até para ser oposta por terceiros às próprias partes.” (NORONHA, 1994. p. 119).

[89] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 444716. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 31 mai. 2004. Disponível em: <www.stj.gov.br>. Acesso em: 15 dez. 2008. Ressalta-se a expressa menção ao princípio da função social no voto, o qual afirma que o entendimento esposado “abraça o princípio constitucional da solidariedade (art. 3º, I, da CF), em que se assenta o princípio da função social do contrato, este que ganha enorme força com a vigência do novo Código Civil (art. 421). De fato, a interpretação do contrato de seguro dentro desta perspectiva social autoriza e recomenda que a indenização prevista para reparar os danos causados pelo segurado a terceiro, seja por este diretamente reclamada da seguradora.”

[90] FACHIN, 2008. p. 3.

[91] AZEVEDO, abr. 1998. p. 117.

[92] Roppo traz discurso que fundamenta a não exclusão do princípio clássico pela função social: “O contrato, portanto, transforma-se, para adequar-se ao tipo de mercado, ao tipo de organização económica em cada época prevalecente. Mas justamente, transformando-se e adequando-se do modo que se disse, o contrato pode continuar a desempenhar aquela que é – e continua a ser – a sua função fundamental no âmbito das economias capitalistas de mercado: isto é, a função de instrumento da liberdade de iniciativa econômica. Está agora claro que as transformações do instituto contratual, que designamos em termos da sua objectivação, não contrariam, mas antes secundam, o princípio da autonomia privada[...]” (ROPPO, 1988. p. 310). Azevedo também acompanha o entendimento esposado pelo autor italiano:“Estamos em época de hipercomplexidade, os dados se acrescentam, sem se eliminarem, de tal forma que, aos três princípios que gravitam em volta da autonomia da vontade e, se admitido como princípio, ao da ordem pública, somam-se outros três – os anteriores não deve ser considerados abolidos pelos novos tempos mas, certamente, deve-se dizer que viram seu número aumentado pelos três novos princípios” (AZEVEDO, abr. 1988. p.115-116).

[93] NEGREIROS, 2006. p. 272-273. Catusso e Faria também analisaram o tema: “Por certo, não se afirma que o contrato passa a obrigar terceiros; afirma-se apenas que o sentido que classicamente se atribuía ao princípios da relatividade dos efeitos dos pacto sofreu alterações, passando-se agora a uma concepção mitigada que considera que o contrato pode ter repercussões no campo social: trata-se de um fato cuja existência é reconhecida por terceiros não diretamente integrantes do pacto e que pode surtir efeitos que repercutam para além das partes expressamente signatárias do acordo. E tais efeitos devem estar direcionados para a consecução do bem comum.” (CATUSSO, Joseane;

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FARIA, Victor Lisboa de. Boa-fé e função social do contrato: uma proposta de abordagem conjunta. In: CORTIANO JUNIOR, Eroulths et al (Coords.). Apontamentos críticos para o direito civil brasileiro contemporâneo: anais do projeto de pesquisa virada de copérnico. Curitiba: Juruá, 2007. p. 299).

[94] Ibid., p. 299.

[95] NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Curitiba: Juruá, 2001. p. 223.

[96] Ibid., p. 224.

[97] Há quem prefira denominar de “função social de eficácia externa” (TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007. p. 248), “função social extrínseca” (NALIN, 2001. p. 223) ou, ainda, “o contrato além do contrato” (NEGREIROS, 2006. p. 206).

[98] THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 48. “Com efeito, função quer dizer “papel a desempenhar”, “obrigação a cumprir, pelo indivíduo ou por uma instituição”. E social qualifica o que é “concernente à sociedade”, “relativo à comunidade, ao conjunto dos cidadãos de um país”. Logo só se pode pensar em função social do contrato, quando este instituto jurídico interfere no domínio exterior aos contratantes, isto é, no meio social em que estes realizam o negócio jurídico de seu interesse privado.” (Ibid., p. 13).

[99] MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. Notas sobre o princípio da função social dos contratos. Disponível em: <http://www.realeadvogados.com.br>. Acesso em: 20 fev 2009.

[100] MORAES, Maria Celina Bodin de. A causa dos contratos. Revista trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, n. 21, jan.-mar. 2005. p. 119.

[101] TARTUCE, 2007. p. 258.

[102] Insta salientar que a doutrina elenca diversos artigos para fundamentar o embasamento constitucional do princípio da função social (e mesmo dos demais princípios “contemporâneos”): “Inicialmente, a função social dos contratos está ligada à proteção dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, amparada no art. 1º, III, da CF/1988”. (TARTUCE, 2007. p. 250); “Mediante o recurso à função social e também à boa-fé – que tem uma face marcadamente ética e outra solidarista – instrumentaliza o Código agora aprovado a diretriz constitucional da solidariedade social, posta como uma dos “objetivos fundamentais da república”. (MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. O novo Código Civil brasileiro: em busca da “ética da situação”. In: BRANCO. Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 144). “Muito embora a Constituição de 1988 não tenha feito referência expressa à função social do contrato, entende-se que esta encontra fundamento no art. 170, caput, da Constituição da República, no qual a livre-iniciativa é conformada aos ditames da justiça social.” (CATUSSO; FARIA. 2007. p. 297). “o reconhecimento da função social do contrato é mero corolário dos imperativos constitucionais relativos à função social da propriedade e à justiça que deve presidir à

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ordem econômica” (REALE, Miguel. O projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 32).