A Problemática Da Água Em Angola - Luanda - FSCH - UNL2012

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A Problemática Da Água Em Angola - Luanda - FSCH - UNL2012

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  • A PROBLEMTICA DA GUA EM ANGOLA (1975-2010):

    CASO DE ESTUDO LUANDA

    Mnica Marina Pires Lobo Jacinto

    Mnica Marina Pires Lobo Jacinto

    Dissertao de Mestrado em Gesto do Territrio

    rea de Especializao em Ambiente e Recursos Naturais

    Outubro, 2012

  • A PROBLEMTICA DA GUA EM ANGOLA (1975-2010):

    CASO DE ESTUDO LUANDA

    Mnica Marina Pires Lobo Jacinto

    Mnica Marina Pires Lobo Jacinto

    Dissertao de Mestrado em Gesto do Territrio

    rea de Especializao em Ambiente e Recursos Naturais

    Outubro, 2012

  • Dissertao apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do

    grau de Mestre em Gesto do Territrio/especialidade em Ambiente e Recursos

    Naturais, realizada sob a orientao cientfica do Professor Doutor Jos Eduardo

    Ventura.

  • i

    minha me,

    por todo amor, carinho e confiana.

  • ii

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo ao Professor Doutor Jos Eduardo Ventura, meu Orientador de dissertao

    de Mestrado, pela disponibilidade que demonstrou logo de incio em trabalhar comigo, pelo

    empenho, rigor e pacincia que sempre evidenciou e com que me auxiliou ao longo de todo o

    trabalho.

    Ao Professor Doutor Mbala Langa Langa, pela inestimvel contribuio a minha

    formao acadmica.

    Ao Professor Doutor Lukombo N'zatuzola, que muito contribuiu para a aquisio de

    bibliografia.

    minha famlia, por todo apoio recebido, em especial a minha av Maria dos Prazeres

    Pires, aos meus tios e tias, especialmente Eduardo Jorge Pires Santana e Lina Antnia Pires

    Lobo Serra.

    Aos meus pais, Ral Francisco Jacinto e Ana Luzia Pires Lobo Jacinto, por tudo.

    Aos meus irmos, Barbara e Mrio Jacinto.

    Ao meu querido sobrinho, Ral Raphael Jacinto Sambwako da Silva.

    Aos meus amigos, Carlos Manuel, Cornlio Macundo, Edgar Garo, Jandira Carlos,

    Maura Lus, Marcelino Lucas e Mrcia Chissingui.

  • iii

    A PROBLEMTICA DA GUA EM ANGOLA (1975-2010):

    CASO DE ESTUDO LUANDA

    DISSERTAO DE MESTRADO EM GESTO DO TERRITRIO,

    ESPECIALIZAO EM AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS

    Mnica Marina Pires Lobo Jacinto

    RESUMO

    Palavras-chave: Luanda, gua, recursos hdricos, saneamento bsico.

    A gua um recurso natural renovvel e imprescindvel ao Homem para as suas

    atividades enquanto ser vivo. Da gua depende a vida humana, a segurana alimentar e a

    manuteno dos ecossistemas. A gua deve ser reconhecida no s como um bem econmico,

    como tambm um bem social. A gua vital para a diminuio da pobreza e para o

    desenvolvimento sustentvel.

    Angola, um pas que possu um vasto potencial hdrico mas verifica-se que as

    necessidades de consumo da populao no so plenamente satisfeitas.

    O trabalho de investigao tem por objeto de estudo a anlise da problemtica da gua

    em Angola tendo como caso de estudo a capital do pas - Luanda, o enfoque da investigao

    ser no abastecimento de gua para o consumo humano, seu impacte na qualidade de vida dos

    cidados e propor medidas de polticas e gesto que solucionem os atuais problemas e

    acautelem ruturas futuras.

  • iv

    THE PROBLEM OF WATER IN ANGOLA (1975-2010):

    CASE STUDY - LUANDA

    MASTER THESIS IN MANEGEMENT OF TERRITORY, SPELIZATON IN

    ENVIRONMENT AND NATURAL RESOURCES

    Mnica Marina Pires Lobo Jacinto

    ABSTRACT

    Keywords: Luanda, water, water resources, basic sanitation.

    Water is a renewable natural resource and indispensable to humans for his activities as

    a living being. Human life depends on water, food security and maintenance of ecosystem.

    Water should be recognized not only as economic good but also a social good. Water is vital

    for poverty reduction and sustainable development.

    Angola is a country with a vast hydro potential but it appears that the consumption

    needs of the population are not fully satisfied.

    The research study has for purpose the analyze of the water problem in Angola as a

    study case, the country's capital - Luanda, the research will focus on water supply for human

    consumption, it impact on citizens quality life and propose measures and management

    policies that solve current problems and beware of future discontinuities.

  • v

    NDICE

    DEDICATRIA.........................................................................................................................i

    AGRADECIMENTOS.............................................................................................................ii

    RESUMO..................................................................................................................................iii

    ABSTRACT..............................................................................................................................iv

    SIGLAS E ABREVIATURAS...............................................................................................vii

    INTRODUO 1

    PARTE I A PROBLEMTICA DA GUA EM ANGOLA .7

    I.1. Caracterizao hidro-geogrfica ...7

    I.2. Abastecimento e saneamento antes da independncia ..19

    I.2.1. Abastecimento e saneamento de guas na regio Sul e Sudoeste de Angola ..21

    I.3. Evoluo do sistema institucional e o acesso gua potvel 25

    I.4. Abastecimento de gua e saneamento bsico depois da independncia ..30

    I.4.1. Abastecimento de gua .30

    I.4.2. Saneamento bsico 41

    I.5. Programas que visam a melhoria do sector ...45

    PARTE II A PROBLEMTICA DO ABASTECIMENTO E SANEAMENTO DE

    GUA EM LUANDA 49

    II.1. Evoluo da cidade, dos servios de gua e saneamento bsico antes da

    independncia..49

    II.1.1. A cidade .........49

    II.1.2.Servios de gua .........55

    II.1.3.Servios de saneamento bsico.......59

    II.2. Evoluo da cidade e dos servios de abastecimento de gua e saneamento bsico no

    perodo ps independncia.62

    II.2.1.Evoluo da cidade 62

    II.2.2. Servios de abastecimento de gua ..65

    II.2.3. Mercado Privado de abastecimento de gua ....71

  • vi

    II.2.4. Consumo per capita de gua.72

    II.2.5. Servios de saneamento bsico ....74

    II.2.5.1.Sistema de remoo de resduos slidos ....76

    II.2.5.2 Saneamento de guas pluviais e residuais...82

    II.3. O acesso gua e seu impacte sobre a qualidade de vida dos Luandenses ..83

    II.4. Contribuies para melhoria dos servios de acesso gua ..89

    CONSIDERAES FINAIS ... 92

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .95

    LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................99

    LISTA DE QUADROS ........................................................................................................101

    ANEXOS ...102

    ANEXO 1: Questionrio A problemtica da gua em Luanda ....103

    ANEXO 2: Fatura de gua ....105

  • vii

    SIGLAS E ABREVIATURAS

    ANGOMENHA Associao de Captadores e Transportadores de gua de Luanda

    BM Banco Mundial

    CDA Centros de Distribuio de gua

    DNAS Departamento Nacional de gua e Saneamento

    DNH Departamento Nacional de Hidrulica

    DW Development Workshop

    EASAB Empresa de guas e Saneamento de Benguela

    EDEL Empresa de Distribuio de Eletricidade

    ELISAL Empresa de Limpeza e Saneamento de Luanda

    ENAS Empresa Nacional de guas e Saneamento

    EPAL Empresa Pblica de gua de Luanda

    ETA Estao de Tratamento de gua

    ETAR Estao de Tratamento de guas Residuais

    GABHIC Gabinete para Administrao da Bacia Hidrogrfica do Cunene

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    MAPESS Ministrio da Administrao Pblica, Emprego e Segurana Social

    MCH Ministrio da Construo e Habitao

    MEA Ministrio da Energia e gua

    MICS II Inqurito de Indicadores Mltiplos

    MPLA Movimento Popular de Libertao de Angola

    NAS Ncleo de guas Subterrneas

    OMS Organizao Mundial da Sade

    PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    PTs Pontos de Transferncia

    PRUALB Projeto de Reabilitao Urbana e Ambiental de Lobito e Benguela

  • viii

    SEEA Secretria de Estado de Energia e guas

    SEUHA Secretaria de Estado de Energia e guas

    SMAE Servio Municipalizado de gua e Eletricidade

    UE Unio Europeia

    UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

  • 1

    INTRODUO

    Justificativa

    A gua um recurso indispensvel sobrevivncia humana. A superfcie do

    planeta Terra encontra-se coberta em mais de dois teros por gua, nos estados lquido,

    slido e gasoso. De acordo com dados do USGS (2006), o volume total de gua no

    Planeta estima-se em 1386 milhes de km3. Os oceanos constituem o maior reservatrio

    de gua, contendo cerca de 96,5% (1344, 4 milhes de km3) da gua disponvel no

    Globo. Os restantes dos 2,5% (41,6 milhes de km3) correspondem a gua doce e, desta

    percentagem apenas cerca de 0,2 % encontra-se disponvel para consumo humano.

    A gua necessria vida, importante social e culturalmente escassa e est

    distribuda de forma no uniforme, o que faz com que haja regies com grande

    disponibilidade hdrica e outras com um grande dfice; mais de metade da gua infiltra-

    se na sia e Amrica do Sul, e uma grande frao ocorre num nico rio, o Amazonas,

    que transporta cerca de 6.000 km3 de gua por ano (Cardoso, 2010:4). Portanto, em

    muitas partes do Mundo, a gua no est ao alcance de todos, nem em quantidade nem

    em qualidade. Cerca de 1/6 da populao Mundial, ou seja, cerca de 884 milhes de

    habitantes, no tm acesso a gua potvel (WHO, UNICEF, 2010). A maior parte dessas

    pessoas vivem em pases da sia e frica.

    O abastecimento de gua em frica uma questo bastante problemtica, onde

    na maioria destes pases, menos de 70% da populao tem acesso a gua potvel.

    Estima-se que em 2050 cerca de 90 % da populao dos pases em desenvolvimento no

    tenha acesso a gua potvel nem a saneamento bsico (ob. cit.). Portanto, a situao de

    abastecimento de gua nos pases africanos, que j crtica tende a piorar. A realizao

    deste trabalho constitui uma oportunidade para discutir a problemtica da gua em

    Angola, dando particular destaque a Luanda, provncia mais importante do pas, devido

    associao de um conjunto de fatores polticos, econmico-sociais, histricos e

    demogrficos.

    Para o filsofo grego Tales de Mileto, a gua o "princpio de todas as coisas".

    A gua um dos fatores primordiais para o desenvolvimento econmico e social das

    sociedades. Isto, por si s, j justificaria esta dissertao. Mas a pertinncia deste estudo

    sai reforada quando sabemos que o crescimento acelerado da populao urbana, aliado

  • 2

    falta de planeamento e ordenamento do territrio, dificultam o fornecimento e

    expanso dos sistemas de abastecimento de gua. Neste sentido, relevante a

    identificao dos principais problemas e desafios de acesso gua, propondo medidas

    de polticas e gesto que solucionem os atuais e acautelem ruturas futuras. As solues

    encontradas devero ser vistas no numa perspetiva fechada ou de verdades adquiridas,

    mas no sentido de apresentar propostas que suscitem a discusso e o debate alargados

    acerca desta importante temtica. fundamental dotar a provncia de Luanda, de

    estudos tcnico-cientficos acerca da problemtica da gua. Apesar deste recurso natural

    ser um fator sine qua non do desenvolvimento socioeconmico, e at mesmo cultural

    de qualquer sociedade, existe uma grande e grave carncia de estudos que abordem

    estas questes. Da a urgncia de se refletir sobre esta temtica, colocando nfase nos

    impactes que o acesso a gua exerce na qualidade de vida dos Luandenses. Garantir o

    acesso a este lquido precioso em quantidades suficientes, e ao saneamento bsico,

    essencial ao desenvolvimento humano.

    Hipteses

    Angola foi uma antiga colnia portuguesa, a sua ocupao comeou no sculo

    XV e terminou em 1975, altura em que o pas alcanou a independncia. No sculo XX,

    Angola no conheceu a paz desde 1961, primeiro em virtude da guerra contra o domnio

    colonial e depois por causa da guerra civil que eclodiu em 1975 entre os principais

    movimentos de libertao nacional. A guerra civil trouxe consequncias nefastas para o

    pas, desestabilizou os sistemas de ensino e sade, destruiu os sistemas tradicionais de

    atividade econmica, provocou a deteriorao de infraestruturas e equipamentos sociais

    e a perda de inmeras vidas.

    Em Abril de 2002, Angola finalmente alcanou a paz. Com o alcance da paz

    houve a necessidade de se reconstruir o pas, por isso, o governo elaborou vrios

    programas de reconstruo nacional. Uma das reas que tem merecido destaque nesse

    processo de reconstruo o sector de abastecimento de gua.

    Angola, possui uma vasta rede hidrogrfica, no entanto, os ndices de consumo

    per capita so baixos, sobretudo nas zonas periurbanas e rurais. Por exemplo, em 2002,

    o consumo per capita dirio nestas zonas era de 7,6 litros (Pestana, 2011:156). Passados

    dez anos de paz e luta pelo desenvolvimento socioeconmico do pas, e apesar de se ter

    criado a Lei de guas, a populao ainda enfrenta carncias no que se refere ao acesso

  • 3

    gua. Em Luanda, provncia com maior expresso socioeconmica, essas carncias

    tornam-se mais evidentes e problemticas.

    Tendo como aluso este contexto, a investigao ser orientada por um sistema

    de hipteses de partida que pretende encontrar respostas s deficincias de

    abastecimento de gua aos angolanos, e em particular aos luandenses. Este sistema

    assenta no seguinte conjunto articulado de hipteses:

    Angola viveu 41 anos de guerra, 14 de luta pela independncia e

    27 de guerra civil, o setor das guas sofreu muito durante o tempo de guerra.

    Os recursos financeiros afetados para o setor das guas no so

    suficientes para recuperao total de infraestruturas e instalao de

    equipamentos afins para que os servios possam enquadrar-se nos padres de

    abastecimento universais.

    Dificuldades na gesto da gua, pois esta, encontra-se imbricada

    na realidade socioeconmica, poltica e institucional com que o pas se

    confronta, merc de diversas contingncias histricas ligadas ao processo de

    colonizao, descolonizao e formao do Estado.

    Esta investigao pretende confirmar ou refutar as nossas hipteses.

    Objetivos

    Este estudo tem como objetivo geral identificar os principais problemas e

    desafios de acesso gua em Luanda, e propor medidas de poltica e gesto capazes de

    solucionar ou minimizar os atuais problemas.

    De modo a facilitar a concretizao dos objetivos gerais estabelecidos, os

    seguintes objetivos especficos foram considerados:

    Compreender o papel do sistema institucional da regulao dos

    recursos hdricos de Angola.

    Analisar a situao atual do abastecimento de gua potvel

    populao angolana.

    Analisar os programas em curso que visam a melhoria dos

    servios de abastecimento de gua.

    Relacionar as deficincias do abastecimento de gua com a

    qualidade de vida da populao.

    Identificar as tendncias da gesto dos recursos hdricos;

  • 4

    Identificar as tcnicas de tratamento das guas residuais.

    Identificar as principais doenas derivadas da qualidade da gua.

    Estrutura da dissertao

    O trabalho consubstancia-se numa estrutura assente em duas partes conexas e

    complementares, embora formalmente autnomas, que corporiza os objetivos e opes

    metodolgicas da investigao:

    Parte I A problemtica da gua em Angola - anlise da situao do

    abastecimento de gua e saneamento bsico em Angola antes e depois da

    independncia, anlise do sistema institucional de governao da gua,

    identificar os principais programas que visam a melhoria deste sector, verificar

    se os recursos financeiros afetados para este sector so suficientes para que um

    maior nmero de pessoas tenha acesso a gua potvel.

    Parte II A problemtica do Abastecimento e Saneamento de gua em

    Luanda pretende-se identificar os principais problemas e desafios de acesso a

    gua potvel em Luanda. Ser destacada a relao entre o acesso a gua potvel

    e a qualidade de vida dos Luandenses. Neste captulo foram delineadas algumas

    medidas que visam a melhoria do sector e das condies de vida das populaes.

    Metodologia

    A investigao foi baseada na seguinte metodologia:

    1. Reviso bibliogrfica com vista a obteno de informaes especficas

    acerca da situao dos recursos hdricos em Angola, foi feita a anlise

    documental acerca do abastecimento, saneamento e do sistema

    institucional de governao da gua antes e depois da independncia.

    Realizou-se a anlise de contedo de notcias publicadas nos media

    (sobretudo angolanos) que remetem para a problemtica da gua em

    Angola.

    2. Seleo e recolha de dados do caso de estudo a informao recolhida

    na reviso bibliogrfica permitiu identificar uma regio representativa

    dos problemas de acesso a gua em Angola. A rea escolhida foi a

    provncia de Luanda. Aps a seleo da rea e do caso de estudo,

  • 5

    realizou-se uma retrospetiva histrica acerca desta temtica de modo a

    compreender a origem do problema e seus atuais impactes.

    3. Seleo e caracterizao dos locais especficos de estudo em Luanda

    Ao analisar o abastecimento de gua em Luanda, verificou-se que

    existia uma grande carncia de informaes acerca desta temtica.

    Existem trs autores que abordam estas questes com rigor, so eles:

    lvaro Pereira (2008), Elvira Van Dnem (2003) e Nelson Pestana

    (2011). Os dados estatsticos por estes apresentados variam de autor para

    autor. Da surgiu a necessidade de se realizarem inquritos por

    questionrio e entrevistas formais e informais, de modo a obter valores e

    informaes acerca do assunto em questo. Foram realizados inquritos

    por questionrio a trs municpios de Luanda, nomeadamente, Cacuaco,

    Ingombota e Rangel. A amostra foi de 315 inquritos.

    4. Recolha e tratamento dos dados estatsticos numa primeira fase,

    deslocamo-nos a Angola, com vista a recolha de informaes/dados junto

    das Instituies, nomeadamente, ao Ministrio de Energia e guas,

    Governo Provincial de Luanda, Administraes Municipais (Cacuaco,

    Ingombota e Rangel), Empresa Pblica de guas de Luanda e a Empresa

    de Limpeza e Saneamento de Luanda. Numa segunda fase, em Julho de

    2012, procedeu-se aplicao de inquritos aos muncipes. As

    informaes recolhidas foram tratadas num pacote estatstico Statistical

    Package for the Social Sciences (SPSS) cujos resultados principais foram

    apresentados sob forma de tabelas e figuras.

    5. Observaes direta fizeram-se deslocaes a Luanda, com vista a

    observar in loco os principais problemas de acesso gua e recolher

    imagens ilustrativas das afirmaes feitas ao longo do texto.

  • 6

  • 7

    Parte I- A Problemtica da gua em Angola

    O objetivo central desta dissertao a problemtica da gua em Luanda, no

    entanto, torna-se pertinente esboar o contexto hidro-geogrfico do pas onde se insere a

    provncia. Neste mbito, ser analisada a questo do abastecimento e saneamento de

    gua, fazendo a sua retrospetiva cronolgica, focando as suas repercusses na situao

    atual e dando especial ateno aos programas que visam a melhoria do sector.

    I.1.Caracterizao hidro - geogrfica de Angola

    Situao Geogrfica

    O territrio da Repblica de Angola fica situado na costa ocidental de frica, a

    sul do Equador e encontra-se limitada a norte pela Repblica do Congo, a nordeste pela

    Repblica Democrtica do Congo, a este pela Zmbia, a oeste pelo Oceano Atlntico, a

    sul pela Nambia. As coordenadas extremas do pas so: latitude 4 22' S e 18 03;

    longitude 24 05 e 11 41E Gr.

    Angola possui uma fronteira terrestre de 4837 km e uma fronteira martima de

    1650 km, representando um total de 6487 km. A sua costa pouco acidentada, tendo

    poucas reentrncias e poucas salincias. De norte para sul as baas mais importantes so:

    baa de Cabinda, Luanda, Porto Ambom, Lobito e baa dos Tigres. As salincias so:

    Ponta do Dande, Cabo Ledo, Cabo S. Braz, Cabo de Santa Marta e Ponta do Morro.

    Junto da costa passa a corrente fria de Benguela, deslocando - se de sul para norte (IDIA

    et CEGIA, 1997: 27).

    Administrativamente, o pas est dividido em dezoito provncias, cento e

    sessenta e trs municpios e quinhentas e trinta e duas comunas (Fig.1). A provncia de

    Luanda capital poltica e administrativa.

  • 8

    Fig.1: Diviso Administrativa de Angola

    Fonte: http://www.angolaglobal.net/sobre-angola/provincias/

    A posio geogrfica de Angola1 (Fig.2) e a suas potencialidades em recursos

    naturais faz com que o pas seja uma referncia na geopoltica internacional. O pas tem

    assumido um papel de destaque na integrao regional da frica Austral, a nvel da

    Comunidade para o Desenvolvimento da frica Austral (SADC). Mesmo durante a

    guerra civil que se abateu sobre o pas, o seu potencial manifestou-se ao nvel do que

    constitua a principal prioridade da SADC: a garantia da estabilidade poltica e militar

    da regio. Angola contribuiu decisivamente para a instaurao de um regime

    democrtico na frica do Sul e na Nambia; contribuiu militarmente para a estabilidade

    de seus vizinhos do Norte, a Repblica do Congo e a Repblica Democrtica do Congo.

    1 A situao geogrfica de Angola no Atlntico Sul excecional, o pas goza de uma ampla costa

    martima. Este facto permite Angola, por exemplo, servir de porta martima para vrios pases da frica

    Austral; o pas pode ambicionar a criao de uma plataforma logstica intercontinental para a distribuio

    de mercadorias, ou de passageiros tanto para negcios como para lazer.

  • 9

    Atualmente, Angola um dos pases mais estveis da regio e regista os maiores ndices

    de crescimento econmico.

    Fig. 2: Localizao Geogrfica de Angola

    Fonte: Mapatlas

    Relevo

    O relevo de Angola constitudo por um macio de terras altas, limitado por

    uma estreita faixa de terras baixas cuja altitude varia entre os 0 aos 200 metros. Acima

    dos 200 metros encontram-se os planaltos e montanhas, aumentando gradualmente de

    altitude at atingir o planalto central cujas altitudes mdias variam entre os 1 200 e 1

    600 metros. no planalto central que se situa o ponto mais alto do pas, o Morro do

    Mco, com 2 620 metros de altitude (MINUA, 2006: 20).

    Esta configurao orogrfica impossibilita a navegabilidade dos rios em grande

    extenso. Porm, permite a existncia de grandiosas quedas de gua, como as quedas de

    Calandula (ex -Duque de Bragana); e as suas elevaes, declives, desfiladeiros e

    fragas, proporcionam um elevado potencial hidrogrfico e um programa de irrigao

    que comporta vastas propores nas extensssimas plancies de Angola (Gonzaga, 1969:

  • 10

    15). Angola possui um fraco aproveitamento hidroeltrico. Milhares de famlias nas

    zonas rurais, encontram-se afastadas das redes eltricas e no possuem capacidades

    financeiras para a sua instalao, no entanto, vivem perto de grandes quedas de gua

    que podiam ser aproveitadas para gerar a sua prpria energia.

    Clima

    O clima de Angola afetado por uma diversidade de fatores entre os quais se

    destaca a latitude (de 6 a 18), a orografia, a altitude e a corrente fria de Benguela

    (MINUA, 2006: 19).

    Tendo em conta a altitude, podem distinguir - se os diferentes tipos de clima:

    Zona litoral - de 0 a 200 metros de altitude e profundidade

    varivel de 50 a 150 km, de chuvas escassas e irregulares, caractersticas

    desrticas e predomnio, com exceo dos vales dos rios perenes, de vegetao

    xerfila. No norte desta zona o clima sub-hmido seco e semi-rido,

    megtermico com temperaturas mdias de 25 a 26 C, humidade relativa de

    80% a 85% e precipitao mdia anual entre 300 e 600 mm anuais. Ao Sul, o

    clima rido, subdesrtico e desrtico, mesotrmico, com temperaturas mdias

    do 18 aos 24 C, humidade relativa de 80% e precipitao anual inferior a

    200mm (ob. cit.:22).

    Zona montanhosa - Desde 200 metros at aresta do planalto, a

    1 000 a 2 000 metros de altitude uma zona de formao de nevoeiros e de

    abundantes chuvas, principalmente ao norte da linha de cumeada O-E, onde

    esto localizadas as florestas higrfila e mesfila. A esta zona e de Norte para o

    Sul, correspondem os seguintes climas: a Noroeste e Sudoeste do Uge o clima

    sub-hmido, chuvoso e hmido, megtermico e mesotrmico, temperaturas

    mdias de 23 a 27C, humidade relativa de 80% e quedas pluviomtricas de 900

    a 1 300 mm anuais. Segue-se uma regio acompanhando a faixa litoral, que

    apenas inflecte para interior prximo do Dondo, com um clima sub -hmido

    seco, megtermico com temperaturas mdias de 23 a 26C, humidade entre 70

    % a 80% e precipitao de 600 mm e 700 mm anuais. Ao Sul, para o interior de

    Benguela e Namibe, o clima rido, subdesrtico e semirido, mega trmico,

    com temperatura da ordem dos 23-24C, humidade de 60% a 80% e

    pluviometria de 100 a 600 mm anuais (ob. cit.:23).

  • 11

    Zona planltica de 1 000 a 2 000 metros acima do nvel do

    mar, encontram -se as florestas hidrfilas fluviais (florestas-galeria), florestas

    mistas mesfilas-xerfilas, mato aberto xerfilo e mato rasteiro (de 0,5 metros

    de altura) de subarbustos rizomatosos (chanas e anharas). Esta regio ocupa a

    maior extenso territorial do pas e correspondem a climas hmidos,

    megatrmicos e mesotrmicos, com precipitaes anuais que vo desde 1 000

    mm a 1 400 mm (por vezes mais), variando a temperatura e a humidade com a

    latitude: na regio Norte entre 21 a 24 C e nas regies Central e Sul de 18 a

    22C; a humidade relativa a Norte de 70% a 80%, e nas regies Central e Sul de

    60% a 70%, com decrscimo acentuado na poca seca (MINUA, 2006:23).

    De uma forma geral, verifica-se em todo pas a existncia de duas

    estaes:

    Uma seca e fresca denominada Cacimbo que vai

    desde Junho a fins de Setembro;

    E outra, quente, a das Chuvas que decorre de

    Outubro a meados de Maio. Por vezes, em determinadas regies,

    a estao das chuvas dividida por um curto perodo de seca

    conhecido por pequeno cacimbo que pode ocorrer de fins de

    Dezembro a princpios de Fevereiro (ob. cit.: 24).

    A temperatura mdia anual mais baixa de 15-20C e regista-se na zona

    planltica e ao longo do deserto do Namibe. A temperatura mdia anual mais elevada

    varia de 25 a 27 C e ocorre na regio da bacia do Congo e no filamento sub-litoral do

    Norte do Pas (fig. 3).

  • 12

    Fig. 3: Distribuio das temperaturas

    Fonte: FAO, 2005

    Precipitaes

    A mdia anual de precipitaes em Angola calculada como sendo 1014 mm,

    mas apresenta grandes diferenas na sua distribuio espacial. Ao longo do litoral

    Sudoeste, na regio do Namibe, a mdia anual de precipitaes a mais baixa girando

    em torno de 50 mm por ano. A regio litoral tem uma crescente precipitao anual de

    sul para norte, e das reas litorais para o interior. As regies montanhosas centrais

    registam valores de aproximadamente 1300 1400 mm e as precipitaes mais

    abundantes ocorrem no nordeste do pas, na provncia da Lunda-Norte, com cerca de

    1600mm (Fig.4) (SwecoGroner, 2005:17). A escassez de precipitao na zona sudoeste

    do pas causa elevados prejuzos socioeconmicos. Grande parte da populao nestas

    regies vive da pecuria e da agricultura, a falta de precipitao origina a escassez do

  • 13

    gado e causa fome para os autctones; as populaes so obrigadas a migrar e muitas

    vezes arrastam consigo crianas em idade escolar. Na poca colonial desenvolveram-se

    programas que visavam o abastecimento de gua as populaes e ao seu gado na regio

    Sudoeste de Angola.

    Fig. 4: Distribuio da Pluviosidade

    Fonte FAO, 2005

    Hidrografia

    Angola, possui uma extensa e complexa rede hidrogrfica. A hidrologia do pas

    reflete as precipitaes, por isso, a origem dos principais recursos hdricos superficiais

    de Angola encontra-se nos topos planlticos do Huambo, Bi e Moxico, escoando uma

    parte para o Oceano Atlntico atravs dos rios (Zaire, Cuanza, e Cunene) e outra para o

    Oceano ndico (rios Zambeze, Cuando e Cubango).

  • 14

    O planalto central2 percorrido por diversos sistemas fluviais que no sul drenam

    em direo aos rios Cunene e Cubango e no leste correm em direo costa Oriental de

    frica. Os terrenos em torno dos cursos de gua so hidromrficos e mais apropriados

    para fins agrcolas. Os fundos dos vales tm desde h muito tempo suportado atividades

    agrcolas em pequena escala, em particular durante a longa estao seca (6-7 meses). Ao

    longo do litoral flui uma complexa rede de pequenos rios que so de grande importncia

    para a agricultura de subsistncia das comunidades costeiras. Os cursos de gua so

    sazonais (intermitentes), em particular no sul e sudeste do pas, dependem do volume de

    precipitao na poca de chuvas. Pelo menos trs dos dez rios principais no tm acesso

    direto perene ao mar e formam-se bancos de areia na foz de outros rios, caso do rio

    Sembe (MINUA, 2006:172).

    A rede hidrogrfica principal de Angola (Fig.5) permite verificar que:

    Na grande linha de festo do centro do territrio, em

    correspondncia com os topos planlticos do Huambo, Bi e Moxico, tm

    origem os grandes rios de Angola, derivando para o norte tanto os rios da aba

    atlntica (Queve, Longa, Cuanza e seus principais afluentes), como os da bacia

    do Zaire (Cuango, Cuilo, Chicapa, Chiumbe, Cassai), para E - SE, os tributrios

    do Zambeze (Luena, Lungu -Bungo, Cuando), para o Sul, o Cubango e Cunene

    e respetivos afluentes e diretamente para o Atlntico, do lado Oeste, o

    Catumbela (Diniz, 1991 a: 21);

    Todos os rios principais da aba atlntica, com origem no interior

    planltico so de caudal permanente, desde o M'Bridge at ao Catumbela e

    depois, no limite meridional, tambm o Cunene. Desde o Cavaco at ao Curoca,

    apesar de envolverem bacias hidrogrficas relativamente importantes so de

    regime temporrio, em geral somente com caudal superficial nos meses de

    Maro e Abril (ob. cit.: 21).

    2 O Planalto Central de Angola um planalto que ocupa grande parte da regio central de Angola. A sua

    altitude varia entre os 1520 e os 1830 metros. Vrios rios tm a sua origem neste planalto.

  • 15

    Fig. 5: Rede Hidrogrfica Principal

    Fonte: Diniz, 1991.

    Portanto, em toda extenso do territrio existem cursos de guas superficiais,

    contudo, registam-se algumas assimetrias destacando-se a regio Sudoeste onde a

    escassez de precipitaes faz com que a maior parte dos rios seja de regime temporrio.

    Isto obriga existncia de infraestruturas hdricas de modo a armazenar gua suficiente

    para satisfazer as necessidades da populao em pocas de seca.

    O rio Cuanza o maior rio exclusivamente angolano, e pode considerar-se o

    condutor das guas do corao de Angola. Nasce em Mumbu, municpio do Chitembo,

    provncia do Bi, no Planalto Central, o seu curso de 960 km inicia um trajeto de sul

  • 16

    para norte infletindo para oeste antes de desaguar no Oceano Atlntico, na Barra do

    Cuanza, a sul de Luanda.

    O rio Cuanza foi bero do antigo Reino do Ndongo, tendo sido tambm uma das

    vias da penetrao portuguesa. O rio d o seu nome a duas provncias de Angola

    Cuanza-Norte, na sua margem norte, e Cuanza-Sul, na sua margem oposta, bem como,

    desde 1977, unidade monetria nacional, o Cuanza.

    A gua para abastecer a cidade capital de Angola Luanda proveniente do

    rio Cuanza.

    O rio Zaire e Zambeze so dois dos cursos de gua mais importantes do

    continente africano. Estes rios internacionais localizam - se em zonas onde o nvel de

    precipitao varia entre os 400 a 1200 mm e os seus caudais dependem, em mais de

    50%, da precipitao gerada nos pases a montante. Estes dois rios constituem as

    principais bacias hidrogrficas de Angola (MINUA, 2006: 172).

    O rio Cunene e Cubango so rios internacionais de Angola. O rio Cunene o

    nico curso de gua perene que corre ao longo da fronteira entre Angola e a Nambia. O

    rio Cubango, com o tributo do Cuto, origina o delta de Okavango a sudoeste de

    Angola, no Botswana - de extrema importncia econmica e ecolgica (ob. cit.: 172).

    Em Angola, existem 77 bacias hidrogrficas, das quais, 47 so consideradas

    principais ou importantes, cujas reas de drenagem variam entre os 254 km e 290.000

    km, com exceo dos rios Zaire ou Congo, Zambeze e Chiluango todos os demais tm

    a sua nascente em Angola. As outras 30 bacias so consideradas litorais de pequenas

    vertentes, nas quais em princpio no vivel efetuar qualquer tipo de aproveitamento

    hidrulico. Existem poucas informaes acerca das bacias hidrogrficas situadas no

    litoral.

    As bacias hidrogrficas do pas esto direcionadas para cinco vertentes (fig.6): a

    vertente para o oceano Atlntico com uma rea de afluncia de 41 % da superfcie do

    pas, a vertente do Zaire ou Congo com 22%, a vertente do Zambeze com 18%, a

    vertente do Okavango com 12 % da superfcie global e a vertente do Ethosa com uma

    rea de 4%.

  • 17

    Fig. 6: Principais reas de Drenagem de Angola

    Fonte: Sweco Groner, 2005

    Portanto, evidente que a maioria dos rios angolanos escoam para o oceano

    Atlntico, ou para o Rio Congo, no entanto, os rios localizados na regio sudeste do pas

    escoam para os pntanos do Okavango Botswana.

    Castanheira Diniz (1991a), em sua obra Angola o Meios Fsico e

    Potencialidades Agrrias, apresenta um mapa em que descreve as bacias hidrogrficas

    dos rios principais do territrio, ou conjunto de bacias hidrogrficas (fig.7):

  • 18

    Fig. 7: Bacias Hidrogrficas

    Fonte: Diniz, 1991

    A bacia hidrogrfica do Cuanza uma das mais importantes bacias de Angola e

    apresenta um vasto potencial hidroagrcola que compreende parte dos territrios do

    Cuanza-Norte, Cuanza-Sul e Bi e uma grande parte da provncia de Malange (Cruz,

    1940: 56). Esta bacia tem a particularidade de estar integralmente confinada dentro dos

    limites territoriais do pas, ocupando uma posio privilegiada em relao a todo

    territorial, pela sua localizao bem centralizada (Diniz, 2002 b).

  • 19

    As barragens de Cambambe e Capanda que produzem a maior parte da energia

    eltrica consumida em Luanda esto localizadas na bacia hidrogrfica do Rio Cuanza. A

    bacia hidrogrfica do Cuanza, para alm da sua posio central no territrio angolano,

    constitui um inestimvel valor estratgico no abastecimento a Luanda no s de energia

    mas tambm de gua e produtos agrcolas.

    Em relao a quantidade de lagos e lagoas em Angola, eles so pouco

    numerosos, cobrem extenses de terreno relativamente pequenas (Ministrio de

    Energias e guas de Angola, 2004a:s/p).

    Recursos Hdricos Subterrneos

    As guas subterrneas so um recurso natural imprescindvel para a vida e

    integridade dos ecossistemas, representado mais de 95% das reservas de gua doce

    explorveis do globo. A gua subterrnea resulta da precipitao e da alimentao direta

    dos rios e lagos.

    Em Angola os recursos hdricos subterrneos encontram-se nos aquferos do

    litoral: que tm uma profundidade mdia entre 5 a 30 metros, da regio do planalto

    central cuja profundidade mdia varia entre 10 a 30 metros, das zonas semiridas

    (Cunene) com profundidades da ordem dos 200 metros ou mais (MINUA, 2006).

    I.2. Abastecimento de gua e saneamento antes da independncia

    A gesto dos recursos hdricos em Angola, comeou a fazer-se sentir nos

    primrdios do ano 1950. Nessa altura a potncia colonizadora Portugal decidiu que o

    desenvolvimento do pas dependia da existncia de gua e energia eltrica. Para tal as

    disponibilizar seria necessrio a construo de empreendimentos hidrulicos, precedidos

    dos respetivos estudos hidrolgicos baseados na inventariao do potencial hdrico dos

    cursos de gua a utilizar (Mendes, 2004).

    Em 1947, foram realizados os primeiros estudos hidrogeolgicos na Repblica

    de Angola que tinham como objetivo de abastecimento de gua na regio do baixo

    Cunene. Mais tarde, estes estudos foram estendidos para outras regies do pas onde as

    carncias no abastecimento de gua se faziam sentir com maior incidncia.

    As observaes hidromtricas tiveram incio em 1951, de modo incipiente,

    passando em 1967 por uma organizao sistemtica e em 1975 existia uma rede com

  • 20

    cerca de 200 estaes hidromtricas para a observaes de dados hidromtricos em todo

    pas e cuja cobertura era de 2/3 do territrio angolano, mais precisamente nas regies do

    Centro e Sul do pas (Mendes, 2004).

    Embora o nmero de estaes no fosse o desejado, os dados observados nessas

    estaes permitiram o incio da inventariao de grande parte das bacias hidrogrficas

    importantes que serviram para a elaborao do plano de aproveitamento hidrulico,

    nomeadamente das bacias do Cuanza, Cunene, Catumbela, Queve, etc.

    Entre os anos 19752002, as 200 estaes anteriormente instaladas, praticamente

    deixaram de funcionar devido a situaes de insegurana que se viveram nesse perodo.

    Em Angola, as instituies necessrias coordenao do sector das guas foram criadas

    no perodo entre os anos 40 e 50 do sculo XX, a sua gesto no era coordenada por um

    rgo central, estava dispersa por vrios organismos estatais (Van Dnem, 2003: 190).

    A explorao e funcionamento dos sistemas de abastecimento de guas s

    capitais de distrito (designao dada no perodo colonial atual provncia), cidades e

    outros centros urbanos eram da competncia das respetivas Cmaras Municipais. A

    nica exceo era a cidade de Luanda, que tinha um servio autnomo municipalizado

    (Servio Municipalizado de gua e Eletricidade SMAE), os projetos relacionados ao

    sector de guas eram aprovados pela Direo dos Servios de Obras Pblicas (ob. cit.:

    190).

    Neste captulo merecer destaque o abastecimento de gua Nas provncias

    situadas na regio Sul e Sudoeste de Angola, porque estas foram grandes centros da

    ocupao portuguesa, como tal, existe mais informaes acerca das mesmas e tambm

    por serem regies afetadas pela escassez de gua.

    No que se refere a ocupao portuguesa, convm ressaltar que Angola foi

    descoberta pelos portugueses no sculo XV, no entanto, neste perodo a ocupao do

    territrio era diminuta. Na fase inicial da colonizao, a poltica portuguesa na frica

    meridional no visou nem a conquista, nem o povoamento europeu do territrio.

    Tomaram-se posies no litoral, como Luanda, Benguela, Cabinda e outras feitorias

    comerciais nem sempre bem defendidas.

    A aplicao de medidas de colonizao no litoral, a ocupao do interior e a

    valorizao das terras angolanas com obras de fomento, ou seja, o povoamento europeu

    comea a esboar-se depois da perda do Brasil (1822) e do fim da escravatura, por volta

  • 21

    de 1840, data do estabelecimento do primeiro ncleo de colonos na regio de

    Moamedes (atual Provncia do Namibe). Em 1845, comea-se a colonizao do

    planalto da Hula (Amaral, 1960 a: 16).

    No sculo XX, mais precisamente em 1928, concebe-se um grande projeto de

    colonizao de Angola, todavia abandonado por causa da recesso econmica por que

    Portugal e o mundo Ocidental passavam na altura (ob. cit.: 20). Em 1935, a Companhia

    de Ferro de Benguela autorizada a colonizar as terras ao longo da via-frrea.

    Finalmente, no ano 1960 processavam-se a bom ritmo os colonatos da Cela (no centro

    do pas), com cerca de 2 400 indivduos e da Matala (Cunene) para uma populao de

    5000 indivduos (ob. cit.: 20). Os portugueses preferiam habitar nas regies planlticas

    do centro e sul de Angola, porque a altitude suavizava os rigores do clima tropical.

    I.2.1. Abastecimento e Saneamento de guas na regio Sul e Sudoeste

    No perodo colonial o abastecimento de gua zona sul de Angola (inclui as

    provncias do Namibe, Hula e Cunene) era feito e continua a partir de guas

    subterrneas, estando a sua pesquisa e captao a cargo dos Servios de Geologia e

    Minas, enquanto para o resto do pas era utilizada a gua de origem superficial (Van

    Dnem, 2003:191).

    O governo colonial portugus reconhecia que a falta de gua no interior de

    Angola constitua um grande entrave para o crescimento econmico e tinha grande

    influncia na qualidade de vida nas populaes dessa regio.

    Arajo (1964) escreve: . Quem conhecer o interior de Angola sabe

    perfeitamente que a maioria das ditas aldeias luta com grande dificuldade de gua,

    sobretudo na poca seca (o que dificulta a higiene do corpo e da alimentao), alm de

    que, normalmente, as mulheres e as crianas so obrigadas, a diariamente, ir busca-la,

    em quantidades muito irrisrias e servindo-se das vasilhas mais primitivas, a cacimbas

    ou riachos, por vezes muito distantes, o que as obriga a um desperdcio de tempo e de

    trabalho que poderiam ser empregues em ocupaes mais produtivas

    Para se resolver este problema, o governo colonial propunha a abertura de

    pequenos poos, na rea das aldeias, prximo das encostas e em zonas no

    conspurcadas pelo escoamento dos detritos de tais aglomerados.

  • 22

    Arajo (1964) descreve como deveriam ser construdos os poos; de acordo com

    o mesmo, eles deveriam ser mais ou menos profundos, de harmonia com as

    caractersticas geolgicas de cada regio, devero ter um dimetro pequeno (entre 1,5 m

    e 2m) e no de propores exageradas porque acarretaria um trabalho maior a quando

    da sua abertura. Sempre que possvel, orientava-se para que o revestimento interior dos

    poos fosse de pedra e tal parede interna, deveria na superfcie do terreno, elevar-se de

    cerca de 70 cm a 1 m, a fim de constituir uma proteo adequada. Estas obras deveriam

    ser realizadas na poca seca. Para a elevao da gua, propunha-se a aplicao de uma

    roldana e de um balde dos vulgarmente usados, como embalagens dos leos

    lubrificantes. Junto aos poos deveriam ser construdos um pequeno bebedouro para o

    gado e um ou mais pequenos tanques para a lavagem de roupa (Arajo, 1964: 170).

    De meados de 1948 at ao final de 1974, foram levados a cabo, a expensas do

    Estado, nas regies ridas e semiridas do Sul, Sudoeste e Oeste (faixa litoral) de

    Angola, importantes aes no sentido de abastecer de gua, as populaes e os

    considerveis efetivos pecurios, dispersos por uma rea que abrangia as provncias do

    Cuanza Sul, Benguela, Namibe (ex- Momedes) e Cunene (Gouveia, et al. 1993:124).

    Assim, como descrito por Van Dnem (2003), pretendia-se alcanar os

    objetivos supracitados atravs da captao de guas subterrneas, inicialmente os

    trabalhos estiveram a cargo dos Servios de Geologia e Minas; no entanto, tambm

    houve o aproveitamento de guas superficiais (Gouveia, et al. 1993:124).

    No incio da dcada de 60 do sculo passado foi criada, na Hula a Brigada das

    Chimpacas3, para a construo de pequenas obras de reteno de guas superficiais

    depsitos escavados (chimpacas) e audes. Os meios que a brigada dispunha eram

    bastante escassos, as escavaes eram feitas diretamente pelos respetivos interessados e

    as suas dimenses eram, naturalmente, reduzidas (Gouveia, et al. 1993:124). A

    utilizao das Chimpacas adaptava-se perfeitamente s condies da regio, por isso a

    ideia foi aproveitada, e com a utilizao de meios adequados, foram constitudos

    depsitos escavados com a capacidade de armazenamento de dezenas de milhares de

    metros cbicos de gua (ob. cit.:107). Verificou-se que tais obras para alm de

    satisfazerem as necessidades de gua das populaes, instaladas na sua vizinhana, e do

    respetivo gado, podiam suplementarmente fornecer, durante a poca de chuvas,

    3Chimpaca um termo herdado do dialeto Cuanhama, onde este tipo de dispositivo de reteno de gua

    era tradicionalmente usado: tratava-se de escavao praticada em terreno argiloso, impermevel que,

    enchendo na poca das cheias, mantinha armazenada uma certa quantidade de gua para a utilizao na

    poca seca.

  • 23

    quantidades relativamente apreciveis de peixe. Este, arrastado pelas cheias, na altura

    do enchimento, multiplicava-se nas chimpacas (ob. cit.:107).

    A Brigada das Chimpacas utilizada para o aproveitamento de guas superficiais

    atuava somente na provncia da Hula enquanto a Brigada de Sondagens dos Servios de

    Geologia e Minas, organismo criado para a captao de guas subterrneas, desenvolvia

    trabalhos em diversas regies. Em ambos casos, os trabalhos que executavam no eram

    precedidos de estudos prvios suficientes nem devidamente concertados e coordenados,

    o que se refletia negativamente nos resultados obtidos (Gouveia, et al. 1993:125).

    Para resolver o problema acima explanado, foi criado o Plano de Coordenao

    para o Abastecimento de gua s regies Pastoris do Sul de Angola. O plano foi criado

    atravs do despacho de 2 de Maio de 1963, publicado no Boletim Oficial, 1 serie, n.19

    de 11 de Maio do referido ano (ob. cit.:107). O plano tinha como atribuies a

    realizao de todos os trabalhos de prospeo, pesquisa e captao de guas em curso

    ou a efetuar.que se destinem ao abastecimento de pequenos ncleos populacionais ou

    a abeberamento de gado (ob. cit.:125). Para realizao de suas atribuies recorria

    tanto captao de guas subterrneas como construo de dispositivos de reteno de

    guas superficiais (Gouveia, et al. 1993:125).

    Os resultados obtidos nas regies da Hula, Cunene e de Momedes (atual

    provncia de Namibe) e a necessidade de resoluo de problemas idnticos, em

    determinadas zonas das regies de Benguela e do Cuanza Sul, levaram os respetivos

    Governos a solicitarem o alargamento da rea de interveno do Plano de Coordenao

    s zonas mais carecidas de gua naqueles distritos. Como resultado das aes levadas a

    cabo, foi instalada uma importante rede de pontos de gua 1016 captaes de guas

    subterrneas e 323 dispositivos de reteno de guas superficiais. As primeiras com um

    caudal horrio aproveitado de 6 534 770 litros e as segundas com uma capacidade de

    armazenamento de 12 991 770 metros cbicos (ob. cit.: 126).

    O aparecimento de gua em regies anteriormente dela desprovida originou

    algumas alteraes importantes em tais regies: diminuiu o nomadismo, pela fixao

    das populaes e do respetivo gado nas proximidades dos pontos de gua, diminuiu as

    enormes mortandades de gado sobretudo no Sul, onde havia situaes de seca e a

    concentrao de gado era mais elevada. Outra alterao importante, foi a diminuio

    dos riscos de eroso e desertificao por causa da utilizao dos pastos e pisoteamento

    j que, por um lado a implantao dos pontos de gua levava em conta, entre outros

    parmetros, os efetivos pecurios e por outro lado o aumento do nmero de pontos de

  • 24

    abeberamento conduziu, naturalmente, disperso das manadas (Gouveia, et al. 1993:

    126).

    Apesar do enorme esforo levado a cabo e dos benefcios alcanados, o

    problema do abastecimento de guas nas regies ridas e semiridas do Sul, Sudoeste

    de Angola no ficou resolvido, ainda era necessrio construir cerca de 2300 pontos de

    gua (ob. cit.: 126).

    A luta pela independncia e a guerra civil devem ter agravado o problema de

    abastecimento de gua as regies Sul, Sudoeste de Angola. No entanto, os estudos feitos

    na poca colonial podem ser aproveitados para que se retomem os trabalhos efetuados.

    Nas dcadas de 60 e 70, foram feitas muitas cartas topogrficas, cartas geolgicas,

    cartas fitogrficas, cartas pedolgicas, etc., que podem ser aproveitadas atualmente,

    pois, durante muito tempo, efetuaram-se poucos estudos nesse sentido; no se pode

    conceber o desenvolvimento socioeconmico de um pas sem ter em conta as

    potencialidades de seu territrio. Outro aspeto a se ter em conta, que as solues

    adotadas pelas autoridades coloniais de baixo custo e adaptadas as caractersticas

    socioculturais das populaes, se mostraram eficazes; esse um exemplo vlido at aos

    dias de hoje.

    importante referir que o abastecimento de gua as populaes do interior

    contribuiu para a fixao da populao; um dos problemas atuais com que se depara o

    pas o acelerado crescimento urbano, sobretudo na cidade capital Luanda. O

    acelerado crescimento urbano causa um impacto negativo sobre os equipamentos

    sociais. A pobreza em Angola elevada no meio rural, portanto, se no se criam

    condies nessas regies as cidades no iro parar de crescer e quanto mais elas

    crescerem mais dificilmente se satisfaro as necessidades da populao em gua,

    saneamento, cuidados mdicos, entre outras.

    Em relao ao saneamento bsico, este sempre representou um problema para a

    administrao colonial. Os problemas de saneamento surgiram devido ao clima quente,

    chuvadas de forte intensidade e elevada humidade atmosfrica; tais problemas

    verificavam - se nos maiores aglomerados urbanos, nomeadamente em Luanda, onde o

    desenvolvimento se processou mais rapidamente.

  • 25

    I.3. Evoluo do sistema institucional e o acesso gua potvel

    Aps a independncia, o sector de abastecimento de gua passou por vrias

    tutelas. O Ministrio da Construo e Habitao (MCH) foi a primeira instituio criada

    no perodo ps-independncia; este organismo tinha a responsabilidade de efetuar obras

    de reabilitao, tendo em conta a destruio, como sequela da confrontao da poca.

    Com efeito, foram criados em 1976, a Direo Nacional de Obras de Engenharia, a qual

    tutelava o Departamento Nacional de gua e Saneamento (DNAS), que tratava das

    questes ligadas aos sistemas de abastecimento de gua e saneamento, e o

    Departamento Nacional de Hidrulica (DNH), que se ocupava da promoo das obras

    hidrulicas e da planificao e gesto dos recursos hdricos (Van-Dnem, 2003:191).

    A Empresa Nacional de guas e Saneamento (ENAS) foi criada em 1978 sob a

    tutela do MCH, com a responsabilidade de gerir, a nvel nacional, os sistemas de

    abastecimento de gua e saneamento urbanos, transitando, posteriormente, com suas

    filiais para o Ministrio da Coordenao Provincial, mantendo a mesma funo (Van-

    Dnem, 2003:191). O DNAS foi extinto em 1979 e foi criada a Empresa Tecno-projeto

    que, sob orientao do MCH, passou a ocupar-se dos estudos e projetos, enquanto o

    acompanhamento e controle transitou para o DNH, que tomou a designao de

    Departamento de gua. Nesse mesmo ano foi criada a empresa Hidromina, vocacionada

    para a captao de guas subterrneas e tutelada pelo Ministrio da Industria (ob.

    cit.:192).

    Em 1981, foi criado o Ncleo de guas Subterrneas (NAS) que tinha como

    principal objetivo o abastecimento de gua subterrnea e saneamento rural. A Lei n.

    13/86, de 15 de Novembro criou a Secretria de Estado de Urbanismo, Habitao e

    guas (SEUHA), conferiu a esta poderes para tratar das questes relacionadas com a

    problemtica dos recursos hdricos, em geral, e do abastecimento de guas s

    populaes, em particular. Em 1987, a ENAS que apesar do seu mbito nacional,

    funcionou somente ao nvel da Provncia de Luanda, foi institucionalizada com empresa

    provincial. A gesto dos sistemas de gua que nessa altura era da responsabilidade do

    Secretariado do Conselho de Ministros, passou para a dependncia dos Governos

    Provinciais que, beneficiando da poltica de descentralizao, poderiam cada um criar a

    sua empresa (ob. cit.:192).

    A Lei n.2/91 de 23 de Fevereiro criou a Secretria de Estado de Energia e

    guas (SEEA), como rgo responsvel pelo desenvolvimento da poltica, planificao,

  • 26

    coordenao, superviso e controle dos recursos hdricos nacionais. Em 1997, foi criado

    o Ministrio da Energia e guas, substituindo a SEEA (ob. cit.:192).

    Desde 1997 at aos dias de hoje, o setor de guas tutelado pelo Ministrio de

    Energia e guas (MEA), este rgo do Governo responsvel pelo desenvolvimento da

    respetiva poltica e pela planificao, coordenao, superviso e controlo das atividades

    de desenvolvimento dos recursos hdricos e abastecimento de gua potvel s

    populaes, atividades consideradas atualmente como reserva relativa do Estado.

    De fato, foram efetuadas vrias mudanas de tutela no setor de abastecimento de

    guas (fig. 8). Verifica-se que o setor de saneamento, inicialmente integrado com o

    abastecimento de gua no MCH, ficou a partir de certa altura, sem uma definio clara

    da sua tutela. Estas alteraes orgnicas, no foram acompanhadas de uma definio

    jurdico-institucional e organizativa que estabelecesse o papel dos Governos

    Provinciais, da SEEA e demais organismos que intervm neste processo, nem com

    mecanismos e formas de coordenao intersectorial.

    Fig. 8: Evoluo do Sistema Institucional do Sector de Abastecimento de gua

    MCH

    (1975)

    SEUHA

    (1981)

    SEEA

    (1991)

    MEA

    (1997)

    DNOE ENAS

    DNAS TECNO

    PROJECTO

    ENAS SCM

  • 27

    Na dcada de 90, os principais constrangimentos institucionais e orgnicos

    enfrentados no sector eram a ausncia de: um Programa Nacional para a Gesto dos

    Recursos Hdricos; Planos Diretores para o Abastecimento de gua e Saneamento,

    das principais cidades; Normas, Regulamentos e Cdigo das guas; Estruturas e

    organismos vocacionados, especificamente para a gesto do setor, tanto de carcter

    estatal como privado (Institutos, Sociedades distribuidoras e/ou exploradoras)

    (Tavara et. al, 1994).

    Alguns dos constrangimentos institucionais e orgnicos verificados neste perodo

    foram ultrapassados.

    Atualmente, a autoridade e a administrao da poltica sobre a gua e o

    saneamento bsico esto reguladas em diversos diplomas. A legislao ordinria

    composta por um conjunto de diplomas de que ressalta a Lei das guas (Lei n 6/02, de

    Junho). Um aspeto basilar desta lei est consagrado no quinto artigo: as guas enquanto

    recurso natural so propriedade do Estado e constituem parte do domnio pblico

    hdrico, sendo um direito inalienvel e imprescritvel. O alcance poltico e social deste

    princpio ganha contornos mais precisos no captulo referente Utilizao Geral da

    gua, nomeadamente com a Classificao de Usos (artigo 22) em usos privativos e

    comuns. Os usos comuns so gratuitos e livres quando visam satisfazer as

    necessidades domsticas, pessoais e familiares (), incluindo abeberamento e rega ()

    desde que os mesmos no sejam para fins comerciais (artigo 23). No que se refere aos

    usos privativos esses podem ser usados mediante concesso (artigo 24) e so sempre

    preteridos quando pem em causa usos comuns, uma vez que o abastecimento de gua

    populao, para consumo humano e satisfao das necessidades sanitrias, tem

    prioridade sobre os demais usos privativos (artigo33) (Pereira, 2008:61). A referida lei

    consagrou a bacia hidrogrfica como unidade principal de planeamento e de gesto. A

    participao dos utilizadores, a obrigatoriedade da coordenao intersectorial expressa

    na necessidade de assegurar a compatibilizao da poltica da gesto da gua com a

    poltica geral do ordenamento do territrio e poltica ambiental (artigo 9) e o respeito

    por obrigaes resultantes de princpios internacionais, so tidos como pressupostos

    fundamentais do tipo de gesto preconizado para os recursos hdricos (ob. cit.:61). A

    abordagem feita da gesto dos recursos hdricos prev a existncia de regime de taxas e

    tarifas aplicadas aos usos privativos da gua (ver figura 9).

  • 28

    Fig.9: Princpios fundamentais consagrados na Lei de guas

    O grande handicap da Lei de guas a ausncia de regulamentao para reger

    as atividades ligadas ao abastecimento pblico de gua e saneamento, abastecimento

    ambulante de gua, atribuio de licenas e concesses para o aproveitamento dos

    recursos hdricos, qualidade da gua, ao controlo da poluio. Apesar deste

    handicap, a criao da Lei de guas constituiu um passo marcante porque adotou

    como modelo a gesto integrada dos recursos hdricos. Nos ltimos anos, vem

    ganhando terreno com modelo de gesto no seio da comunidade internacional. De uma

    forma geral, a gesto integrada da gua tem sido definida como um processo que

    favorece o desenvolvimento e a gesto coordenados da gua, solo e outros recursos

    relacionados, e tem em vista maximizar de forma equitativa, o bem-estar econmico e

    Gesto integrada por Bacia

    Hidrogrfica

    Consagrada como

    Unidade de

    Gesto dos

    Recursos Hdricos

    Gesto Integrada

    dos Recursos

    Hdricos

    Define a gua

    como bem social,

    renovvel, e com

    valor econmico

    limitado

    Coordenao institucional e participao das comunidades

    Recuperao de

    custos

  • 29

    social, sem, contudo comprometer a sustentabilidade dos ecossistemas vitais (Cunha,

    2002a:37). Cabe aos governos gerirem os recursos hdricos de forma integrada e

    sustentada, esta gesto dever processar-se no mbito das bacias hidrogrficas, o que

    requer a existncia de um plano de bacia. Em Angola, notria a ausncia de um

    conjunto de instituies para a gesto das mesmas e para o desenvolvimento de planos

    de bacia. Este fato, contribui para que hajam as dificuldades de acesso gua que sero

    abordadas no tema subsequente.

    No que se refere a instituies do domnio dos recursos hdricos, ao nvel de

    bacias hidrogrficas apenas a do Cunene, possui uma instituio formalmente

    constituda, o Gabinete para a Administrao da Bacia Hidrogrfica do Cunene

    (GABHIC), o qual foi assumindo, ao longo dos tempos a responsabilidade pela bacia do

    Cubango, em especial no que se refere a compromissos internacionais (MINEA,2004

    a:s/p). Portanto, das 47 bacias hidrogrficas tidas como importantes para o

    desenvolvimento socioeconmico do pas somente 2 delas possuem um organismo

    vocacionado para sua gesto. curioso verificar que at mesmo a bacia do Cuanza, que

    como foi relatado anteriormente, uma das mais relevantes para o pas, no possui uma

    instituio para sua gesto. Esse fato evidencia a carncia de instituies e leva a

    questionar a viabilidade do modelo de gesto integrada dos recursos hdricos em Angola

    (o caminho a percorrer longo).

    No entanto, prev-se ultrapassar este constrangimento pois o Ministrio da

    Energia e guas pretende elaborar 22 planos diretores para a utilizao das bacias

    hidrogrficas do pas no perodo entre 2011 20164.

    Em termos de Administrao Pblica, a responsabilidade de garantir o acesso

    das populaes gua e ao saneamento bsico, at recentemente, era dos governos

    provinciais (a exceo de Luanda). A atual orientao poltica a de fazer a gesto

    integrada da gua e do saneamento.

    Conclui-se que a nvel institucional, Angola, registou alguns progressos no que

    se refere a legislao e administrao; no entanto, verificam-se alguns constrangimentos

    como a falta de regulamentos para operacionalizao da Lei das guas.

    4 Jornal de Angola de 20 de Novembro de 2010.

  • 30

    I.4. Abastecimento de gua e saneamento bsico depois da independncia

    I.4.1. Abastecimento de gua

    O potencial hdrico de Angola (apesar das assimetrias regionais) suficiente

    para cobrir as necessidades da sua atual populao, satisfazer a procura no domnio

    da agricultura, promover o desenvolvimento de sistemas hidroeltricos e satisfazer o

    desenvolvimento de todo territrio nacional. Apesar, deste fato, os atuais servios de

    gua e saneamento bsico no satisfazem a totalidade da populao angolana quer

    em termos de cobertura quer em termos de qualidade.

    O servio de abastecimento de gua experimentou, aps a independncia,

    uma evoluo negativa, evidente pelos indicadores do quadro 1.

    Quadro 1

    Taxas de cobertura de abastecimento de gua nas zonas urbanas e rurais

    (%)

    Servios 1980 1990 1995

    Zonas urbanas 85 75 60

    Zonas rurais 10 20 20

    Fonte: DW, 1997

    Em 1996, a taxa de cobertura da populao (estimada em 10 milhes de

    habitantes) com gua potvel era de 30%. Esses valores eram baixos porque o pas

    enfrentava uma guerra civil, de modo que no havia condies para fazer face as

    necessidades de reabilitao, ampliao, operao e manuteno dos sistemas (DW,

    1997:2).

    O Quadro 1 permite verificar uma situao que existia mais de uma dcada

    atrs e sabemos que persiste at aos dias de hoje, que a grande diferena entre a

    situao de abastecimento de gua potvel entre o meio urbano e o meio rural. Isto

    porque, os investimentos feitos no domnio de gua so muito inferiores no meio rural.

    No meio urbano, os sistemas de abastecimento de gua neste contexto eram e continuam

    bastante precrios com grande incidncia na rea da distribuio.

    Desde a independncia, o meio urbano tem crescido desmesuradamente. A

    deflagrao da guerra civil logo aps a independncia teve como consequncia a

  • 31

    instabilidade nas zonas rurais, que originou a migrao para as capitais de provncia e

    outras cidades e vilas do litoral de elevado nmero de deslocados. Angola, em pouco

    tempo, transformou-se num pas predominantemente urbano, em que 60% da populao

    passou a viver nas principais localidades, nomeadamente nas capitais provinciais

    (Pestana, 2011:26). Apesar do aumento rpido da populao dos centros urbanos, as

    infraestruturas e os equipamentos no acompanharam a forte demanda de acesso gua

    e ao saneamento bsico que isso representou. Pelo contrrio, sofreram uma maior e

    rpida degradao.

    importante realar que mesmo antes da independncia, na dcada de 70,

    algumas cidades j haviam experimentado um elevado crescimento populacional, como

    o caso de Luanda, Huambo, Lobito, Benguela, Lubango (ex - S da Bandeira),

    Malanje, Saurimo (ex Henrique de Carvalho)5. Em virtude deste crescimento, os

    equipamentos sociais j apresentavam profundas e graves deficincias (Rela, 1992:

    153).

    Depois da Dipanda (independncia) houve uma degradao progressiva de tais

    servios que teve reflexos negativos no estado de sade das populaes, nomeadamente

    na propagao de endemias e sobretudo nos altos ndices de doenas e mortalidade

    infantis, para alm de debilitar ainda mais os j, por si, fracos oramentos.

    Segundo Tavara et al. (1994: 5) em 1991, a Direo Nacional de guas (DNA),

    realizou um estudo sobre o estado de conservao dos vrios sistemas urbanos de

    abastecimento de gua, e concluiu que os principais constrangimentos do sector eram os

    seguintes:

    Sistemas, em geral, precrios, deficitrios por estarem

    saturadas as suas capacidades;

    Instalaes com tecnologias e equipamentos obsoletos;

    Manuteno deficiente ou praticamente inexistente;

    Perdas, consideravelmente elevadas, nas redes de

    distribuio, reduzindo de modo drstico a oferta de gua;

    5 De acordo com o IV Plano de Fomento (1972), em 1940, a populao total urbana de Angola era de

    128. 568 mil habitantes, em 1970 j haviam 847.182 mil pessoas a viver nas principais cidades da ento

    provncia de Angola. Segundo o documento acima referido, em 1970 a populao total de Angola era de

    5. 673 mil habitantes. Portanto, verifica se, que naquela poca j havia uma tendncia generalizada de crescimento populacional nas grandes cidades, com a guerra civil este crescimento tomou propores

    alarmantes.

  • 32

    Inexistncia de tratamento na maior parte dos sistemas, em

    alguns, efetuava-se apenas a desinfeo por cloro;

    Nmero reduzido de ligaes rede, servindo uma

    pequena parte da populao;

    Inexistncia de uma poltica de recuperao de custos e

    consequente total de dependncia financeira do Oramento Geral do

    Estado (OGE).

    Outra caracterstica do sector de abastecimento e saneamento de guas no meio

    urbano, que no foi mencionada no estudo supracitado, era a falta de recursos humanos

    qualificados para a sua manuteno e explorao.

    Uma caracterstica do sistema colonial portugus, que teve consequncias de

    grande alcance na governao do perodo ps-independncia, foi o fato de todas as

    instituies modernas serem geridas, esmagadoramente, por portugueses aos nveis

    tcnico e de gesto. No foi desenvolvida nenhuma tentativa clara para formar e

    promover os africanos com vista a ocuparem posies cimeiras, o que refletia em parte

    o ritmo lento de desenvolvimento do sistema educativo no perodo colonial portugus.

    No incio dos anos 70, 85% dos angolanos eram analfabetos e eram muito poucos os

    que possuam escolaridade a nvel secundrio. Em 1963, foi criada uma universidade

    mas, 10 anos depois, 73% dos seus estudantes no eram angolanos. Quando o imprio

    portugus se desintegrou, subitamente, no espao de apenas um ano e meio que se

    seguiu Revoluo de Abril, a maior parte dos colonos de Angola regressou a Portugal,

    o que afetou todos os sectores da economia e enfraqueceu a maior parte das instituies

    dependentes dos gestores, tcnicos e trabalhadores especializados portugueses,

    incluindo, em particular, a Administrao Pblica (Hodges, 2002: 75). A situao acima

    descrita atingiu o sector de abastecimento e saneamento que era caracterizado por uma

    falta generalizada de quadros a todos os nveis para sua manuteno e explorao,

    aliado a este facto, estava a escassez de quadros de direo dos rgos centrais e

    provinciais dos respetivos organismos reitores, o que impossibilitou o exerccio de uma

    tutela mais eficiente e o desenvolvimento institucional do sector (ver Quadro 2) (Tavara

    et al., 1994: 6).

  • 33

    Quadro 2

    Recursos Humanos do Setor de abastecimento e saneamento de gua (1994)

    Categoria Luanda

    %

    Benguela

    %

    Lobito

    %

    Lubango

    %

    Sumbe

    %

    Namibe

    %

    Cabind

    a

    %

    Tcnicos

    superiores

    2 1 0 1 0 0 1

    Tcnicos mdios 3 2 1 2 0 0 3

    Pessoal

    administrativo

    25 45 58 4 54 54 15

    Operrios

    qualificados

    20 35 30 40 36 36 4

    Operrios no

    qualificados

    50 16 11 53 8 8 77

    Fonte: Tavara et.al, 1994. Adaptado.

    O quadro 2 ilustra o atraso do sector em termos de quadros tcnicos a nvel

    superior e mdio, bem como de operrios qualificados e a desproporo entre as

    diferentes categorias; a situao das demais cidades no referidas, era ainda pior.

    Observa-se, tambm, que o pessoal administrativo e de direo era constitudo por

    pessoas com graus de escolaridade dspares, sendo, na maioria dos casos de nvel bsico

    e acontecia o mesmo em relao aos operrios, onde, os considerados como

    qualificados, tinham na verdade uma qualificao apenas bsica (Tavara et al., 1994:6).

    Portanto, muitos anos de guerra civil em Angola deixaram as infraestruturas

    locais e nacionais em runas; em 2004 (dois anos aps o fim da guerra civil) as taxas de

    cobertura de acesso gua potvel no meio urbano eram de 71%, dos quais apenas 34%

    tinha acesso a gua com os padres mnimos considerados para o meio urbano,

    nomeadamente 70 litros por habitante por dia (Ministrio de Energia e guas, 2004a:

    s/p). O fato de a taxa de cobertura de acesso gua ser elevada, no quer dizer que as

    pessoas tm acesso a gua canalizada para casa, mas sim que a obtm de uma fonte ou

    torneira pblica. De acordo com o Banco Mundial (2005), apenas 16% da populao

  • 34

    dos centros urbanos possua ligaes canalizadas nos seus lares, a maioria era

    dependente dos chafarizes, bicas e sistemas de camies cisterna (ob. cit.:72). Verifica-

    se, que as pessoas obtm gua a partir de uma grande diversidade de prestadores de

    servio.

    Em 2011, em entrevista ao Jornal de Angola, o Secretrio de Estado das guas,

    Lus Filipe, disse o seguinte acerca do acesso a gua no meio urbano:

    Nas cidades como Luanda, Benguela e Lobito temos um fornecimento, pelo

    menos no casco urbano, que ultrapassa os 80 por cento. Nas zonas suburbanas temos

    de continuar a trabalhar para alargar o fornecimento. A nvel de cobertura global nas

    principais cidades ultrapassamos os 50 por cento. Em termos de quantidade, para o

    meio urbano o ndice de dez litros por pessoa. Ainda no estamos com esse ndice.

    Nos cascos urbanos, o fornecimento no contnuo. H dias em que a populao de

    determinada zona, por problema na rede no tem gua. Grande parte das pessoas

    optou pela construo de reservatrios para fazer face as suspenses no

    abastecimentoS nas cidades do Lobito e Benguela, pelo menos na rea urbana,

    que o sistema de produo de gua funciona permanentemente.H muito trabalho a

    fazer a nvel da rede de distribuio. Precisamos de substituir as redes antigas e de

    aumentar a capacidade dos reservatrios.

    O Ministrio da Energia e guas (MINEA) publicou um relatrio de balano das

    atividades do setor referentes ao 1 semestre de 2011, nele admite-se que 82% da

    populao nas zonas urbanas e periurbanas tem acesso a gua potvel (MINEA,

    2011c:7).

    As declaraes do Secretrio de Estado das guas permitem aferir que cerca de

    20% da populao no meio urbano no tem acesso a gua potvel e dos 80% que tm

    acesso o seu fornecimento processa-se com interrupes. O consumo mdio dirio

    extremamente baixo dez litros por pessoa o que evidencia o problema de acesso gua

    potvel.

    No tocante ao consumo de gua nas zonas periurbanas e rurais, em 2002, o

    consumo per capita dirio era de 7,6 litros. Esta gua servia para beber e cozinhar, para

    a higiene pessoal e domstica e para lavar o vesturio (Pestana, 2011:156). Estes valores

    eram muito baixos comparados aos 20 litros/dia, per capita estabelecidos como mnimo

    pela Organizao Mundial da Sade (OMS). Em virtude desta insuficiente capacidade

    do setor, grande parte da populao abastecida a partir da venda ambulante de gua,

    por meio de camies cisternas, no sendo segura a qualidade da gua fornecida. O

  • 35

    abastecimento de gua por camies-cisternas tem aumentado significativamente,

    sobretudo, em Luanda.

    Convm referir que os nveis de consumo de gua variam em funo das

    condies socioeconmicas das famlias e das regies ou das zonas onde vivem. Este

    fato permite justificar a disparidade de dados apresentados pelos diferentes organismos.

    Por exemplo, em Saurimo, capital da Lunda-Sul, a generalidade da populao abastece-

    se diariamente atravs de camies cisternas privados que enchem os recipientes

    colocados pelos moradores ao longo das ruas. Estimava-se que em finais de 2006, um

    agregado com 5/6 pessoas tinha um consumo dirio que rondava os 200 litros com um

    custo aproximado de 5 dlares dirios. Salienta-se que esta regio rica em rios, est

    encaixada entre as bacias do Congo e Zambeze (Pereira, 2008:64). Em algumas

    provncias de Angola, o consumo dirio de gua est longe dos nveis mnimos

    (20/l/dia/hab.) preconizados pela OMS (ver quadro 3).

    Quadro 3

    Capacidades de produo e consumos de gua per capita em algumas sedes

    provinciais (2004)

    Sede

    Provincial

    Capacidad

    e de produo

    (m3/dia)

    Populao

    Estimada

    Consumo per

    capita estimado

    (litros/hab./dia)

    MBanza

    Congo

    518 50 000 5

    NDalatando 1728 95 000 9

    Ondjiva 1536 63 000 9

    Huambo 12000 400 000 15

    Lubango 17500 300 000 29

    Luanda 356000 4 000 000 37

    Benguela 35600 400 000 44

    Dundo 11000 50 000 50

    Fonte: Caraterizao do Sector das guas em Angola, publicada com a Resoluo do Conselho de

    Ministros n.10/04 de 11 de Junho.

  • 36

    A partir do quadro 3 verifica-se quais so as provncias que registam as piores e

    melhores situaes em termos de consumo dirio de gua. A encabear a lista da pior

    situao, est MBanza Congo capital da provncia do Zaire banhada pelo majestoso rio

    Zaire, e atravessada por outros rios, de pequena e mdia dimenso; no entanto, como se

    pode ver, esta regio padece de graves problemas de abastecimento de gua potvel. A

    cidade de Dundo, capital da provncia da Lunda-Norte, a que possui o mais padro

    elevado no consumo dirio de gua por habitante. curioso notar que o ndice de

    consumo nesta cidade, seja maior do que os das cidades de Luanda e Benguela, que so

    as principais regies metropolitanas de Angola e as que registam as maiores

    concentraes urbanas do pas.

    De um modo geral, nos ltimos cinco anos, as capacidades de produo e

    consumos per capita nas capitais provinciais do pas aumentaram consideravelmente.

    Em 2006, a capacidade de produo de gua nas dezoito provncias de Angola era de

    439 438 m3/dia, o consumo per capita mdio dirio por habitante era de 41 litros/dia;

    em 2011 a capacidade de produo aumentou 987 409 m3/dia e consumo dirio de gua

    por habitante passou para 78 litros/dia (Pestana, 2011:57).

    As reas rurais de Angola so aquelas que apresentam uma maior ausncia de

    condies bsicas para assegurar o abastecimento adequado da populao em termos de

    gua potvel. O abastecimento de gua ao meio rural baseado principalmente em

    captaes convencionais como poos e furos, dotados de bombas manuais,

    complementadas com obras de drenagem e proteo sanitria, para evitar a

    contaminao da gua. No entanto, tais equipamentos so escassos e grande parte da

    populao rural consome a gua que estiver ao seu alcance, sem qualquer tratamento.

    Em 2001, as estimativas indicavam que 39, 9% da populao rural tinha acesso a gua

    potvel (MINEA, 2004 a: s/p). No entanto, o Programa de Governo do MPLA para

    2012 2017 (2012), citava que o nvel de cobertura do abastecimento de gua em 2009

    era de 22% e que tinha aumentado para 44% em 2011 (ob. cit.:63). Por outro lado, o

    relatrio de balano apresentado pelo MINEA em 2011 indicava que s 33% da

    populao rural tinha acesso a gua potvel (MINEA, 2011c:7). Portanto, esse fato pode

    ser indicador de duas situaes:

    Houve uma regresso nos servios de abastecimento, a situao

    que j era precria debilitou-se mais ainda, com impactes na qualidade de vida

    da populao rural.

  • 37

    Os dados estatsticos apresentados para caracterizar e avaliar o

    desempenho do sector de abastecimento de gua no so confiveis.

    Independentemente da fiabilidade dos dados estatsticos, verifica-se, que existe

    uma carncia enorme em termos de abastecimento de gua nas reas rurais. Em

    virtude, deste fato, a questo que se coloca :

    Porque razes no meio rural as taxas de cobertura so muito

    baixas?

    Numa primeira fase, pode-se pensar que a causa sejam os custos financeiros,

    mas ao analisar-se a questo nota-se que os custos financeiros no constituem a barreira

    mais bvia. Os custos per capita de fornecer gua potvel so mais elevados nas zonas

    urbanas e nas regies rurais pouco povoadas, mas em mdia a expanso da cobertura

    custa menos nas zonas rurais do que nas zonas urbanas densamente povoadas (PNUD,

    2006:86). Duas razes que justificam a baixa taxa de cobertura de gua no mundo rural

    so a poltica e a pobreza. Para alm das questes tcnicas e de financiamento, as

    comunidades rurais tm sobre os seus ombros o peso duplo resultante da grande pobreza

    e pouca influncia poltica. As populaes rurais extremamente dispersas, sobretudo nas

    zonas marginais, tm pouca influncia sobre as escolhas institucionais que esto na base

    das decises e que definem prioridades para afetao dos recursos financeiros do

    Oramento do Estado.

    A Direo Nacional de guas (DNA) estima que apenas 15 a 20 % da populao

    rural (aproximadamente 6,1 milhes em 2002) tem acesso a fontes seguras de gua,

    principalmente atravs de uma rede de mais de 3.300 pontos de abastecimento, dos

    quais at 50% podem estar inoperacionais devido falta de peas sobressalentes e

    manuteno regular. Esse fato faz com que uma elevada proporo da populao rural

    esteja dependente de abastecimentos sazonais de gua superficial que podem obrigar a

    percorrer distncias significativas para recolher pequenas quantidades de gua (BM,

    2005: 72). Em Angola, so as mulheres e raparigas que tm que percorrer longas

    distncias para recolher gua. Carregar gua ou como se diz usualmente em Angola

    cartar gua faz parte da desigualdade do gnero e retarda as perspetivas de

    desenvolvimento humano.

    Em relao qualidade da gua consumida em Angola, o Secretrio de Estado

    de Estado das guas, afirma: a gua produzida e distribuda no pas apresenta a

    qualidade exigida pela Organizao Mundial da Sade e assevera que a qualidade da

    gua consumida garantida pelo trabalho realizado nas principais estaes de

  • 38

    tratamento e de distribuio e atravs de laboratrios que certificam a sua qualidade.

    Essa rede de laboratrios reduzida mas nos pequenos centros populacionais onde no

    existem laboratrios, h equipas especializadas do sector, que se encarregam de

    recolher amostras que, posteriormente, so enviadas para os laboratrios no sentido de

    certificarem a sua qualidade6. Apesar destas declaraes, o Ministrio da Sade e

    outros organismos pblicos, recomendam populao, em campanhas publicitrias, o

    no consumo da gua das torneiras sem antes ferver ou desinfetar com gotas de lixivia.

    As classes abonadas, por falta de confiana, instalam sistemas domicilirios de

    filtragem e purificao da gua e diversas operadoras nacionais de turismo recomendam

    vivamente aos turistas o consumo de gua engarrafada. Portanto, no obstante as

    declaraes oficiais, pode-se dizer que existe uma insegurana em relao qualidade

    da gua.

    A problemtica da gua em Angola est associada no somente ao acesso e

    qualidade deste lquido precioso como tambm ao preo. A gua um recurso natural,

    dotado de valor econmico, e, como tal, passvel de cobrana nos diferentes usos em

    seu estado bruto (gua bruta). A cobrana pelo uso dos recursos hdricos tem vrios

    objetivos, dentre eles destacam-se: o reconhecimento da gua como um bem

    econmico; permite ao usurio uma indicao do seu real valor; incentiva a

    racionalizao do uso da gua e permite a obteno de recursos financeiros para o

    financiamento de programas que visem a melhoria da utilizao dos recursos hdricos.

    Em Angola o preo da gua varia em funo do sistema de fornecimento. A gua

    mais barata a fornecida pelas redes de distribuio das zonas estruturadas ou cobertas

    pelo sistema de chafarizes. A gua mais cara a fornecida pela distribuio dos

    camies-cisternas (Pestana, 2011:32).

    Em relao a gua das redes de distribuio, segundo as Bases Gerais do

    Regime de Tarifas de Abastecimento de gua Potvel (Decreto Executivo n 27/98, de

    22 de Maio) cabe aos governos provinciais estabelecer, na sua respetiva rea de

    jurisdio, as tarifas da gua a praticar pelas empresas ou entidades responsveis pelo

    abastecimento de gua potvel s populaes. De acordo com o diploma supracitado, os

    governos provinciais deveriam fazer a atualizao das tarifas em termos reais,

    semestralmente, e em funo da inflao e da desvalorizao da moeda nacional,

    trimestralmente (ob. cit.:32).

    6 Lus Filipe da Silva, Secretrio de Estado das guas, Jornal de Angola de 22 de Maro de 2011.

  • 39

    Pestana (2011) afirma que no tem havido regularidade na aprovao de novas

    tabelas de maneira que as tarifas correntes no tm permitido aos operadores cobrir os

    custos de fornecimento e produo dos sistemas. Neste sentido, a gua fornecida pelas

    redes de distribuio, das zonas estruturadas subvencionada pelo Estado. Por exemplo,

    a Empresa de guas e Saneamento de Benguela (EASB), recebe fundos de

    contrapartida, isto , subvenes, na ordem dos 80 milhes de kwanzas por ms,

    destinados cobertura dos custos de produo e manuteno do sistema de distribuio,

    bem como da administrao da empresa; os valores das cobranas tm um peso quase

    insignificante na tesouraria da empresa.

    Em 2004, o governo, fixou o preo da gua potvel em 32 kwanzas por metro

    cbico. Os preos oficiais da gua so praticados apenas para os clientes das empresas

    ou dos servios municipalizados de gua e saneamento bsico. Todos os demais

    usurios pagam a gua ao preo do mercado paralelo de gua, que ronda 1 kwanza, por

    litro, ou seja, 1000 kwanzas por metro cbico, 30 vezes mais cara (Pestana, 2011:33). A

    compra da gua no mercado paralelo interfere significativamente no oramento das

    famlias. Em uma entrevista ao Jornal de Angola, Lus Machado7, disse que em 2003 o

    salrio mnimo dos funcionrios pblicos era de 4 mil e 14 kwanzas (este valor

    manteve-se inalterado at 2005)8; portanto, um funcionrio pblico que comprava gua

    no mercado paralelo gastava todo o seu salrio na compra deste lquido precioso, e

    mesmo assim, o seu salrio s daria comprar 4 m3 de gua por ms. A compra de gua

    no mercado paralelo a preos exorbitantes contribui, assim, para debilitar os j fracos

    oramentos.

    Deste modo, os agregados familiares que vivem nas zonas periurbanas e rurais

    (geralmente so os mais pobres e vulnerveis) so os que pagam os preos mais

    elevados pela gua e muitas vezes de m qualidade, o que constitui uma violao aos

    direitos humanos. De acordo com o Comit das Naes Unidas sobre Direitos

    Econmicos, Sociais e Culturais ter acesso gua suficiente, segura, aceitvel,

    fisicamente acessvel e a um bom preo, para uso domstico e pessoal um direito

    humano (PNUD, 2006:77).

    partida pode-se pensar que a soluo para que os agregados familiares mais

    pobres deixem de pagar mais caro pela gua seria alargar a rede de abastecimento, mas,

    7Diretor Nacional de Condies e Rendimentos do Trabalho do Ministrio da Administrao Publica,

    Emprego e Segurana e Segurana Social (MAPESS). 8 Disponvel em http://www.angonoticias.com/Artigos/item/18298/salario-minimo-sobe-mais-de-100-por-

    cento-em-cinco-anos. Acesso em 16 de 04 de 2012 s 22horas e 50 min.

  • 40

    existe um dilema: como alargar o acesso a tais agregados sem aumentar as tarifas para

    nveis proibitivos? Como foi acima referido as receitas das tarifas so muito inferiores

    ao nvel necessrio para a manuteno e expanso da rede. De acordo com o PNUD

    (2006), a maior parte dos pases em desenvolvimento no tem recursos financeiros para

    resolver este problema atravs das finanas pblicas, mesmo que tenham disposio

    poltica para o fazer.

    O problema do acesso gua potvel visto de maneiras diferentes pelos

    governantes, pela comunicao social e pela comunidade internacional.

    Na comunicao social, as dificuldades do acesso gua potvel so tratadas

    como uma questo comum a todo pas, quer se trate de bairros dos cascos urbanos das

    cidades, zonas periurbanas e zonas rurais (Pestana, 2011:29). Sabe-se que no pas

    existem muitas assimetrias no que se refere ao acesso gua. No entanto, a

    comunicao social tem assumido um papel importante porque tem trazido tona os

    grandes problemas e progressos alcanados no setor do abastecimento e saneamento de

    gua.

    A perceo dos governantes relaciona o problema do acesso gua potvel a

    diferentes razes, atribuindo particular responsabilidade s populaes que, segundo os

    mesmos, muitas vezes, desenvolvem aes de sabotagem das infraestruturas (ob.

    cit.:31). Na maioria das vezes, tais aes so perpetradas devido incapacidade das

    autoridades de polcia e falta de fiscalizao.

    A perceo geral partilhada pela comunidade internacional a de que devido

    grande destruio de infraestruturas durante a guerra civil, metade dos angolanos no

    tm acesso a gua potvel. A situao crtica nas zonas rurais, onde apenas 40% das

    famlias obtm gua de origem segura. Nas zonas urbanas, a situao ligeiramente

    melhor 70% da populao tem acesso a gua potvel (ob. cit.:30,31).

    Conclui-se que em Angola a situao do acesso a gua potvel continua a ser

    crtica embora no se parea com a situao desoladora do ps-guerra. O problema no

    depende da disponibilidade hdrica, mas sim, em grande parte de como as polticas

    pblicas moldam o acesso s infraestruturas e gua atravs de decises de

    investimento, de polticas de preo e como se ver mais adiante da legislao que regula

    os fornecedores.

  • 41

    I.4.2. Saneamento Bsico

    Victor Hugo em Os Miserveis diz que a histria dos homens, reflete-se na

    histria dos esgotosO esgoto a conscincia de uma cidade. Este escritor francs

    usou os esgotos de Paris dos meados do seculo XIX, como metfora do estado da cidade

    (PNUD,2006:111). Num sentido mais lato, isto significa que o estado do saneamento

    diz alguma coisa sobre o estado de uma cidade ou nao, e diz algo de forma ainda mais

    profunda sobre o estado do desenvolvimento