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A PROFECIA DE ISAIAS

C A P Í T U L O S 1-39

TEXTO, EXEGESE E EXPOSIÇÃO

VOLUME I

A. R. CRABTREE, A. B., D. B-, Th. D.

1.“ EDIÇÃO

1967C A S A P U B L I C A D O R A B A T I S T A

Caixa Posta! 320 - Z C - O O

Rio de Janeiro — Gb.

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CAPA DE PAULO DAMAZIO

Impresso em Gráficas Próprias

T iragem 3.000 Data 30-03-1967

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IN MEMORIAM

Estava êste livro para sair do prelo quando nos veio a triste notícia do falecimento do seu ilustre autor, nosso saudoso irmão, Dr. A . R . Crabtree, que, aposentado, resi­dia ultimamente em sua terra natal, os Estados Unidos ia América do N orte. Ilustre e mui competente catedrático no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, e também Reitor, Crabtree ensinou hebraico, Velho Testamento,

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Teologia do V .T ., Filosofia da Religião Cristã, Apologética e ainda outras disciplinas.

Dos seus livros podemos mencionar no momento os seguintes : «História dos Batistas no Brasil», Vol. I, «Ar­queologia Bíblica», «Introdução ao Nôvo Testamento», «Sintaxe do Hebraico do Velho Testamento», «Esperança Messiânica», «O Livro de Amós», «O Livro de Oséias», «A Profecia de Isaías» em 2 volumes (o 2" volume no prelo), «A Profecia de Jeremias» (a sair), «Dicionário Hebraico-Por- tuguês», «Baptists in Brazil» (em inglês), e muitas outras publicações menos volumosas.

O seu passamento deu-se em Roanoke, V a., E .U .A ., no dia 15 de abril de 1965.

Pretendemos publicar uma biografia mais extensa quando da divulgação do 2? Volume de «A Profecia de Isaías», atualmente no prelo.

Ao saudoso Irmão, a homenagem dos batistas do Bra­sil e da Casa Publicadora Batista.

Maio de 1965.Alrair S. Gonçalves

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Èste Comentário sôbre a Mensagem do Príncipe dos Profetas representa um meio século de estudo agradável da Bíblia, trinta e cinco anos de ensino de Hebraico e do Velho Testa­mento, com muito tempo dedicado ao preparo de quinze livros em português. Sem qualquer re­muneração financeira, o único motwo na pro­dução desta obra é o amor ao trabalho e o desejo de contribuir à literatura evangélica na língua portuguêsa para os pastores e obreiros que es­tão servindo galhardamente na extensão do reino de Deus no mundo.

Êste é um estudo crítico e exegético da Profecia de 1 saias, com a exposição cuidadosa dos problemas do texto hebraico e da sua inter­pretação. Apesar de o texto original do Velho Testamento ter sido evidentemente transmitido com cuidado escrwpuloso atrm és dos séculos, ainda há vários problemas textuais da Bíblia Hebraica. Há numerosos manuscritos e muitos outros documentos que ajudam no estudo críti­co do Nôvo Testamento. Mas até recentemente havia apenas três manuscritos antigos do He­braico Bíblico, e o mais antigo dêstes, conheci­do como o Texto Massorético, é datado de 895a .C ., muitos séculos depois do tempo de IsaJvas.

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Em 1947 foram descobertos numa caver­nat perto do Mar Morto, um manuscrito quase completo do Livro de Isaías, e outro que tem apenas a têrça parte da obra. Êstes documen­tos são dlatados por F. W . Albright e outros arqueólogos no último século antes de Cristo, Ou no primeiro século cristão. Êstes dois ma­nuscritos concordam notavelmente com o Tex­to Massorético. O primeiro contém variações que esclarecem algumas dificuldades dos três textos do século nono. As versões, como a Septuagmta ou LXX, a Aramaica e outras, têm valor no estudo do Hebraico Bíblico . 0 leitor notará no Comentário a discussão destas ver­sões, e a preferência em alguns casos do texto na edição da Bíblia Hebraica de Ruã. Kittel da American Bible Society.

No preparo dêste Comentário, o autor vi- sm a não somente aos estudantes do Hebraico, mas também aos muitos pastores estudiosos que fizeram o seu curso teológico sem incluir o es­tudo da língua de Sião. Êstes podem entender clardmente, e aproveitar-se das explicações do texto original do grande profeta.

No estudo desta profecia, surge o proble­ma de algumas interpolações na obra origmal de Isaías. Mas, segundo os nossos estudos, al­guns comentaristas exageram o número destas interpolações, e assim atribuem várias passa­gens escritas por Isaías a outros escritores do tempo do cativeiro babilónico, e até ãe depois dessa época. Alguns destes não qiuerem enten­der a larga visão do remo de Deus, e a profun­deza das mensagens do profeta, e assim insis­tem em que as profecias sobre a Nova Êpoca

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foram escritas muitos anos depois do tempo de Ismas. Mas alguns eruditos modernos reco­nhecem a autenticidade destas passagens.

O autor apresenta a sua própria tradução do hebraico, cjue varia freqüentemente das ver­sões em português e inglês, na esperança de que a versão mais literal possa ajudar no es­clarecimento do sentido original da linguagem poética do livro. A maior parte da profecia foi escrita em poesia, e o reconhecimento dêste fato ajuda no entendimento mais claro da men­sagem .

Além das obras mencionadas na Bibliogra­fia, o autor reconhece que ele é devedor a mui­tos estudos, e a muitas experiências da provi­dência de Deus, como pastor, e como professor no Seminário Teológico do Rio de Janeiro.

A minha senhora, Dona Mattel, tem enri­quecido a minha vida espiritual como compa­nheira no serviço do Senhor. Além do seu trabalho mcansável de esposa e mãe, ela se aprofundou no estudo de português. Tem lido todos os méus manuscritos, corrigindo os erros tipográficos, e oferecendo sugestões importan­tes sobre a linguagem de várias declarações.

Ê o desejo êo autor que esta obra seja útil aos pastores do Brasil e de Portugal no aumen­to do seu conhecimento das verdades eternas apresentadas por êste nobre Mensageiro da Re­velação Divina.

A . E. Crabtree

11 de agôsto de 1963

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ÍNDICE

P refácio ...................................................................................... 7Introdução................................................................................. 17Análise dos Capítulos 1 -3 9 ...................................................... 51A Profecia de Isaías — Texto, Exegese e Exposição............ 59I. A Infidelidade de Judá e Jerusalém.............................. 59

A. O Sobrescrito.................................................................. 59B. A Controvérsia do Senhor com o Seu P o v o ............. 60

1. A Ingratidão do Povo de Isra e l............................. 612. A Nação Pecaminosa............................................... 643. A Palavra do Senhor sôbre a Religião e a Vida 694. “Arrependei-vos” ....................................................... 755. Lamento sôbre Jerusalém........................................ 776. O Julgamento do S enhor........................................ 787. A Operação da Justiça Divina na Vida de Israel 798. A Vinda dos Povos ao Senhor de S iã o ............. 83

C. O Castigo da Idolatria e do Orgulho Humano no Dia do S en h or................................................................ 90

D. O Julgamento Divino de Jerusalém e de Judá . . . . 981. A Anarquia S o c ia l.................................................... 992. O Povo Arruinado..................................................... 1033. Os Esmagadores do P o v o ........................................ 106

E. As Mulheres Altivas de Jerusalém............................. 107F. A Beleza, e a Glória de Sião Purificada...................... 112G. Um Cântico da Vinha do Senhor................................ 117H. Ais Contra os Perversos............................................... 123

II. “Resguarda o Testemunho” 134A. A Visão Inaugural de Isa ía s........................................ 134B. Isaías e a Guerra Siríaco-Efraimita......................... 146

1. O Sinal de Sear-Jasube............................................ 1482. Sinal de Em anuel.................................................... 154

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3. A Invasão de Judá pelos Assírios e os Egípcios 1654. O Sinal de Maher-Shalal-Has-Baz........................ 1685. Os Dois Rios Simbólicos ......................................... 1706. A Fé do Profeta no Senhor Emanu E l .................. 1727. O Temor do Homem e o Temor de D eu s............ 173

C. Isaías Cessa as Atividades Proféticas........................ 175III. Superstições dos Vacilantes na F é .............................. 177

A. Admoestações Contra o Espiritismo.......................... 177B. À Lei e ao Testemunho................................................. 178C. O Reino Messiânico........................................................ 180D. O Julgamento de Efraim como Lição para Judá .. 186

IV. Não Temas a Assíria....................................................... 191A. A Ameaça Arrogante da Assíria.................................. 192

1. A Jactância da Assíria............................................. 1922. A Labareda do Senhor Consumirá as Florestas

da Assíria................................................................... 1933. Um Restante de Israel e Judá Voltará ao Senhor 1994. Sião Será Liberto do Jugo da A ssíria.................. 2015. A Aproximação do Invasor...................................... 2026. A Humilhação dos Invasores Orgulhosos............. 204

B. O Reino Pacífico e Justo do M essias........................ 2051. O Rebento de Jessé .................................................. 2062. O Messias e a Nova Glória de Is ra e l.................. 212

C. O Culto de Louvor pela Restauração de Israel .. .. 217V. O Julgamento de Reinos e de P ov os............................. 220

A. O Destino da Babilônia................................................. 221B. A Queda do Tirano das N ações.................................. 231C. O Propósito do Senhor na Destruição da Assíria .. 242D. A Alegria Prematura dos Filisteus............................. 244E. Oráculo Concernente a M oabe .................................... 247F. Oráculo sôbre a Aliança de Israel e a S ír ia ............. 258

1. Oráculo Concernente a D am asco......................... 2592. O Abandono dos Íd o lo s ............................................ 2613. O Culto de Adonis, uma Segurança Falsa .. .. 262

G. O Poder Mundial Se Levanta, e C a i ............................ 264H. Profecia Concernente ao E g ito ................................... 266

1. Resposta do Profeta aos Emissários da Etiópia 2672. Profecia Contra o E g ito ......................................... 272

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3. Judá e Javé dos Exércitos, um Terror para os\ Egípcios....................................................................... 279\ 4. Os Egípcios e os Assírios Adorarão ao Senhor .. 280' 5. Evitar Alianças Políticas com Estrangeiros .. .. 285i. Uma Visão da Queda da Babilônia............................. 289j . Oráculo Concernente a D um á...................................... 294

KL Oráculo Concernente à A rábia ................................... 296Lj. A Leviandade Religiosa dos Habitantes de Jerusalém 298M. A Degradação de Sebna, o Mordomo do R e i ............ 306íí. A Profecia Contra T ir o ................................................. 311

1. Oráculo Concernente a Tiro e S id om .................. 3112. A Restauração de Tiro Depois de Setenta Anos .. 316

. “Despertai e Cantai, os Que Habitais no Pó” ............. 318A. O Bom Efeito do Castigo de Israe l............................. 321

1. A Terra Ficará Desolada por Causa do Pecado dos Seus Habitantes........................................................ 321

2. Um Clamor de Confiança....................................... 3253. A Grande Catástrofe............................................. 3274. O Julgamento e a Nova E r a .................................. 328

B. Maravilhas das Atividades do S en h or .................... 3301. Salmo de Gratidão ao Senhor pelo Livramento do

Seu P o v o .................................................................... 3302. Uma Profecia da Idade M essiânica.................... 3323. Outro Hino de Louvor Relacionado com a Hu­

milhação de M oa b e .................................................. 335C. Um Pedido de Salvação Mais Perfeita ....................... 337

1. Hino de Gratidão pela V itória ................................ 3382. O Povo Espera Ansiosamente os Juízos Retos do

S en h or ........................................................................ 3403. As Bênçãos da Disciplina e da Orientação Divina 3424. Experiências Tristes Que o Povo Sofreu antes da

Sua Redenção .. ..................................................... 3445. Os Teus Mortos Viverão, os Seus Corpos Res­

suscitarão ............................................................. •• 345D. Conclusão desta Mensagem de Aspirações e Espe­

ranças ............................................................................... 3471. O Povo Deve Esconder-se até Que Passe o Jul­

gamento D iv in o ........................................................ 347

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2. A Punição dos Podêres Cruéis do M undo............ ...3483. Cântico do Senhor Concernente à Sua Vinha .. 3494. A Significação da Disciplina Divina de Israel .. 3515. Uma Profecia da Restauração dos Desterrados..jí

de Israe l..................................................................... ...353VII. Não Escarneçais para Fazer Mais Fortes os Vossos

Grilhões...............................................................................354A. O Castigo Certo dos Impenitentes de Efraim e Judá 356

1. A Queda de Samaria, a Capital de Israel .. .. 3562. Jerusalém, Bem como Samaria, Tem os Seus Bê­

bados, Incluindo Sacerdotes e P rofetas.................3593. A Aliança com a Morte e com S h e o l.................. ...362

B. A Justificação das Atividades Providenciais do Se­nhor em Relação com o Seu P o v o ............................. ...366

C. A Obra Maravilhosa do S enhor.................................. ...3691. A Humilhação Iminente e a Libertação de Je­

rusalém ..........................................................................3692. A Cegueira e a .Hipocrisia do P o v o ....................... ...3713. A Religião Meramente Convencional Perecerá .. 373

D. A Rejeição da Segurança da Fé no S enhor................3741. A Repreensão dos Conspiradores......................... ...3742. A Redenção de Is ra e l.............................................. ...3763. A Infidelidade na Aliança Política com o Egito 378

4. No Sossêgo e na Confiança Estará a Vossa Pôrça 381E. O Poder do Deus Invisível............................................ ...386

1. Promessa para o Povo Sofredor de S iã o ............. ...3862. Será Destruído o Inimigo do Povo de Deus .. .. 389

3. A Fôrça de Cavalos ou o Poder do Espírito do S en h or........................................................................ ...392

4. O Senhor dos Exércitos É o Defensor de Jerusalém 394F. A Comunidade Ideal na Idade Messiânica............. ...397

1. O Estabelecimento do Govêmo Messiânico .. .. 3982. A Transformação Espiritual do Povo na Nova Era 3993. O Contraste entre os Característicos do Fraudu­

lento e os do N obre.....................................................4004. Advertência Contra as Mulheres de Jerusalém 4025. O Poder Transformador do Espírito na Idade

Vindoura.................................................................... ...404

14 A. R. CRABTREE

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VIU. “A Recompensa de Deus” ........................................... 406Al A Aflição e o Livramento de Jerusalém................... 407

1. O Apêlo do Profeta ao Senhor Contra os Opres­sores dos Judeus....................................................... 407

2. Efeitos da Manifestação da Presença do Senhor 412B . IA Indignação do Senhor Contra Tôdas as Nações .. 417C. J Á Felicidade de Sião no Futuro.................................. 423

IX. A Influência de Isaías em Três Situações no Reinode Ezequias................................................................ 427

A. Senaqueribe Exige a Capitulação de Jerusalém .. .. 429B. O Rei Ezequias Recebe o Conselho de Isa ías............ 439C. A Carta do Rei da Assíria............................................ 440D. A Oração de Ezequias................................................... 442E. O Profeta Conforta a Ezequias................................... 446F. Sinal para os Sobreviventes......................................... 448G. Mensagem sôbre a Retirada de Senaqueribe............ 449H. O Desastre dos Assírios e a Morte de Senaqueribe 450I. A Doença de Ezequias e a Sua Cura Maravilhosa 452 J. A Embaixada de Merodaque-Baladã......................... 459

A PROFECIA DE ISAÍAS 15

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I S A ! A SINTRODUÇÃO, CAPÍTULOS 1 - 39

I. A História do Tempo de Isaías, 742-601Não há outra obra do Velho Testamento que interesse

tão profundamente aos estudantes bíblicos como o Livro de Isaías. O livro inteiro relaciona-se com mais de du­zentos anos da história dramática da religião do povo de Israel. Neste período o reino do sul, ou de Judá, na pro­vidência de Deus, sobreviveu à subjugação política pela Assíria, e, mais de cem anos depois, a pequena nação caiu no poder da Babilônia. A cidade capital, juntamente com o Templo do Senhor, foi completamente destruída; e o seu povo mais importante foi levado em cativeiro. Assim Judá escapou ao destino da morte nacional que Israel ti­nha sofrido, para conservar o restante dos fiéis do povo do Senhor no Império da Babilônia. Êstes judeus passa­ram longos anos no cativeiro, mas tinham o privilégio de habitar, ou viver como colônia, e assim manter em grande parte os seus costumes nacionais e a sua própria religião. Depois de setenta anos no cativeiro, êste grupo do povo escolhido do Senhor Javé, na providência divina, foi liber­tado e restaurado para a sua terra, disciplinado e prepa­rado pelo Senhor, para cumprir a sua missão dé trans­mitir, através da sua própria história, a revelação do amor e do propósito do Senhor Deus para tôdas as nações do mundo.

O profeta Isaías de Jerusalém, com os seus ensinos' proféticos, imprimiu a sua influência pessoal no livro in­teiro, mas as próprias mensagens dêle, segundo as evidên­cias intèrnàs, são incluídas nos primeiros 39 capítulos da obra.

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0 profeta recebeu a sua visão inaugural no ano da morte do rei Uzias ou Azarias, e exerceu o seu ministério profético nos últimos 40 anos do século oitavo, no período dos reinos de Jotão, Acaz e Ezequias. É difícil determi­nar a data exata dos respectivos governos dêsses reis, mas as conclusões dos estudantes modernos, à luz dos no­vos conhecimentos arqueológicos, variam dentro de pou­cos anos. Muitos concordam no ano de 742 a.C. como a data da visão inaugural do profeta.

Uzias começou o seu reino em 783; Jotão governou como regente de 750-742, e como rei de 742-735. Acaz rei­nou de 735-715, e Ezequias de 715-687. Isaías exerceu o seu ministério profético entre os anos 742 e 701, e possi­velmente por mais alguns poucos anos. Não há certeza de que tivesse proferido qualquer mensagem antes de ter recebido a visão da majestade do Senhor, no Templo.

Israel e Judá no Reinado de Uzias, 783-742

Por muitos anos depois da morte de Salomão e a di­visão do Reino de Israel, havia contendas e lutas políticas entre os dois reinos, de significação local, especialmente na influência da religião e da ética do povo. Mas quando o Reino de Israel tornou-se mais poderoso sob o govêm o de Onri e Acabe, os dois reinos dos israelitas, no desen­volvimento do comércio internacional, chegaram a reco­nhecer a insensatez das contendas locais perante o desen­volvimento do Império da Assíria.

Isaías nasceu e passou os primeiros anos da mocidade no período mais próspero na história de Israel e Judá des­de o tempo de Salomão. Mas houve um período crítico na história dé Israel quando Salmanaser III começou a cam­panha militar, com o propósito de aumentar o domínio da Assíria pela conquista das pequenas nações ao oeste e su­doeste. Êle foi detido pela coalizão de Israel, Síria, Ha-

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mate e outros pequenos aliados na batalha de Karkar ou Carcar, c. 853. Mais tarde, Jeú, rei de Israel, pagou tri­buto à Assíria, c. 842. Por alguns anos depois, Israel manteve guerras com os arameus da Síria, II Reis 13:3. Judá também sofreu dessas lutas, II Reis 12:17-18. Mas por alguns anos, depois destas lutas, quando os ara­meus ficaram impotentes e os assírios se preocupavam com problemas internos, Israel e Judá experimentaram o maior período de prosperidade na sua história.

Jeroboão II de Israel restabeleceu domínio sôbre a maior parte dos países governados por Salomão, II Reis 14:25, 28. Do saque dêsses estados, e do tributo que dêles recebeu, ganhou Israel enormes riquezas.

Judá era menos poderoso, mas tornou-se próspero nessa mesma época, sob o governo de Uzias ou Azarias. A conquista de Edom e o pôrto de Elate do Mar Ver­melho, II Reis 14:7, 22, lhe deu domínio sôbre o comér­cio das caravanas entre o pôrto do Mediterrâneo e o les­te. Uzias usou a renda dessas conquistas para desenvol­ver a economia de Judá, e para fortalecer as suas defesas militares, II Crôn. 26:1-15. Quando Isaías começou o seu ministério público, Judá se achava no auge de sua pros­peridade (Cp. Is. 2 :7 ).

Com o grande aumento dos tesouros de prata e ouro, de cavalos e carros, os ricos adoravam cada vez mais o luxo, e os privilegiados se regozijavam na prosperidade e na libertinagem, Is. 3:16-23; 5:11-22; 28:1; 32:9. Os ricos abusavam do poder para perverter a justiça e rou­bar os indefesos, 1:23; 3:14, 15; 5 :23; 10:1,2. Os ava­rentos ajuntavam casa a casa até que não houvesse mais lugar. Assim êles ficaram como os únicos moradores no meio da terra, 5 :8 . Nesta terrível desordem social, acompanhada pela hipocrisia religiosa, 1:11, o jovem pro­feta proclamou a justiça do Santo de Israel, e o dia imi­nente do julgamento do Senhor.

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Nessas condições econômicas, os políticos de Sama- ria e de Jerusalém nada queriam saber dos perigos pro­clamados pelos profetas. Como Amós tinha dito: «Êles viviam sossegados em Sião, e sentiam-se seguros no mon­te de Samaria», Am. 6:1. Os políticos, e até o povo em geral, não tinham o discernimento moral para reconhecer a gravidade da sua infidelidade para com o Senhor Javé, o Santo de Israel. Nem podiam entender que a sua pros­peridade material tinha sido o resultado, em grande par­te, do descanso político, enquanto que a Assíria estava preocupada com a subjugação dos vizinhos de Judá, com o preparo para estender a sua campanha militar na con­quista das pequenas nações vizinhas, e até do seu grande rival, o Egito.

Antes da morte de Uzias, o Império da Assíria, sob o govêrno do nôvo imperador, Tiglate-Pileser, já come­çara a campanha de 18 anos de conquista dos países vizi­nhos ao oeste. Dentro de poucos anos êle subjugou Ar- pade, Damasco e Tiro, estendendo o seu domínio até Ha- mate no Orontes. Cêrca de 738, Menaém, de Israel, pa­gou tributo enorme ao conquistador, II Reis 15:19-20. Não obstante o fato de que Judá se achava no caminho da marcha do poderoso exército da Assíria, não há qual­quer indicação de que as autoridades de Jerusalém tives­sem qualquer noção do perigo do conquistador.

A Confederação de Rezim, Rei da Síria, e Peca, de Israel

Alguns anos depois da subjugação de Israel por Ti­glate-Pileser, Peca, assassino e usurpador do trono de Israel, fêz aliança com Rezim de Damasco, em revolta contra o domínio da Assíria. Cêrca de 735, êstes dois reis planejaram atacar a Judá, e obrigá-lo a entrar numa aliança política contra o domínio da Assíria, II Reis 15:

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37; 16:5; Is. 7:1-2. É possível que o rei Acaz e os seus conselheiros de Jerusalém já haviam adotado a política de pedir o socorro da Assíria contra a aliança de Peca e Rezim.

Nos capítulos 7 e 8 de Isaías temos um relató­rio resumido da entrevista do profeta com o rei Acaz. O mensageiro do Senhor revela claramente, nesta hora crí­tica da história de Judá, o espírito profético no conselho ao rei na sua grande perturbação. Procura animar o rei com a mensagem do Senhor. O rei, da casa de Davi, deve acautelar-se e ficar calmo, e não deve ter mêdo, nem fi­car desanimado «por causa destes dois tocos de tições fu- megantes». Êstes dois homens fracos e barulhentos es- gotar-se-ão sem poder executar o seu plano contra Judá. Isaías reconheceu que a Assíria se tornaria inimigo mais perigoso de Judá do que a aliança de Rezim e Peca. A aliança de Acaz com a Assíria mostra a falta de fé no Senhor Deus, e o perigo crescente para a religião do povo de Judá. Veja II Reis 16:7. Isaías aconselhou, em vão, que o rei de Judá se libertasse de alianças políticas e con­fiasse no Senhor.

É difícil entender, à luz dos eventos subseqüentes, por que alguns escritores justificam esta submissão vo­luntária à Assíria da parte do covarde Acaz. Êle aban­donou a fé no Senhor Javé, o Deus do seu povo, fêz pas­sar o seu filho pelo fogo, e entregou-se completamente à idolatria, II Reis 16:10-18. Assim, precipitou o envol­vimento de Judá no seu declínio político e religioso. Não há nada na história dêsse homem para indicar que êle demonstrou no seu govêrno quaisquer qualidades de esta­dista. Quando o rei Acaz recusou definitivamente a men­sagem do Senhor e entregou-se ao domínio da Assíria, o profeta ficou quase inativo durante a maior parte do go­vêrno dêsse rei infiel.

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Todavia, Isaías apresentou o seu apêlo ao povo numa série de breves mensagens, encontradas no capítulo 8. Por meio de um ato simbólico, êle ilustrou a destruição da Síria e de Israel. Com formalidade legal o mensagei­ro do Senhor colocou uma placa num lugar público com a inscrição A Maher-shalal-hash-baz, o nome de um dos seus filhos, Rápido-despôja-prêsa-segura. Declarou, na ocasião, «Antes que o menino saiba dizer meu pai ou minha mãe, serão levadas as riquezas de Damasco, e os despojos de Samaria, diante do rei da Assíria» — Is. 8 :4. Mas o povo em geral, bem como as autoridades públicas mostraram a mesma insensibilidade espiritual e incredulidade religio­sa. A pregação do profeta produziu apenas a cegueira mental e a dureza de coração, justamente de acôrdo com o significado da visão inaugural.

Quando o povo em geral chegou a desprezar a men­sagem divina, o profeta cessou por algum tempo o seu ministério público, e marcou a ocasião por um ato signi­ficativo. «Liga o testemunho, sela a lei entre os meus discípulos» — 8:16. A expressão fica obscura, mas tal­vez se refira às mensagens proferidas durante a crise com Acaz, e que o profeta selou na presença de seus poucos discípulos como protesto contra a incredulidade nacional. É quase certo que havia, neste tempo de incredulidade geral, um grupo de discípulos do profeta, instruído e de­senvolvido mais tarde como o restante fiel.

O Significado da Queda de Samaria, 721

Tiglate-Pileser aceitou com alegria o tributo de Acaz, matou o rei da Síria, conquistou a cidade de Damasco e levou cativa uma grande parte do seu povo. Colocou um títere no trono de Samaria, e assim fêz de Israel uma província da Assíria. Quando Tiglate morreu, em 727, o seu filho Salmanaser V ocupou o trono da Assíria, de 727-

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722. Oséias, rei de Israel, pagou tributo a Salmanaser por pouco tempo, e então conspirou com o rei do Egito contra a Assíria, II Reis 18:4, no esforço de ganhar a sua independência. Salmanaser respondeu logo com uma for­te invasão de Israel. Sitiou a cidade de Samaria por mais de três anos, II Reis 17:2-6, e a cidade caiu finalmente no poder de Sargão II, sucessor de Salmanaser, no princípio do ano 721. Assim terminou o Reino de Israel. As Dez Tribos ficaram perdidas para sempre. Foi um caso de genocídio, ou a destruição nacional. Uma grande parte dos moradores da cidade, 27.290, foi deportada para a Mesopotâmia e Média. Samaria passou a ser habitada por uma população mista, e Judá limitava-se em parte com uma província do Império da Assíria, exterminador de nações.

Eventos no Reinado de Sargão 11, 721-705

No primeiro ano do seu govêrno Sargão sofreu uma derrota que lhe foi infligida pelo rei de Elão. Então sur­giu logo entre as províncias do oeste, incluindo a Filístia e o Egito, uma revolta contra a Assíria, mas Sargão es­magou os revoltosos na batalha de Ráfia. Devido pro­vavelmente à influência de Isaías, Judá não tomou parte nesta batalha contra a Assíria. Na mensagem de 14:28- 32, proferida talvez no último ano de Acaz, Isaías adver­tiu aos filisteus de que o poder da Assíria ainda não fôra enfraquecido.

Surgiu entre os judeus, influenciados pelo Egito, mas sem o apoio de Isaías, um movimento revoltoso contra a Assíria, nos princípios do reinado de Ezequias. Numa inscrição de 711 Sargão menciona Filístia, Éden, Moabe e Judá, como os países obrigados a trazer tributo à Assí­ria. Declara também que estas províncias tinham envia­do sinais de homenagem a Faraó, príncipe sem poder de ajudá-las. Sargão despachou uma expedição militar con­

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tra Asdode, e com a queda do foco da conspiração, a re­volta fracassou. Judá estava pagando tributo à Assíria, mas não há evidência de que tomasse parte nesta cons­piração .

A invasão de Judá por Senaqueribe, 701

Com o assassínio de Sargão e o estabelecimento de Senaqueribe no trono da Assíria, em 705, surgiu entre as províncias do grande império o desejo e a esperan­ça de libertarem-se do domínio cruel do seu opressor. Por alguns anos, 721-709, Merodaque-Baladã, o caldeu, ti­nha oferecido resistência obstinada contra Sargão, e foi subjugado com dificuldade. Revoltou-se também contra Senaqueribe, e foi subjugado com duas campanhas do exército assírio. No seu poder crescente, o Egito ambi­cioso aproveitou-se das perturbações políticas para fo ­mentar a insurreição contra a Assíria. Nestas circuns­tâncias, as províncias da Palestina e Fenícia uniram-se na revolta. Contra o conselho de Isaías, Ezequias, de Judá, tomou parte na conspiração.

De 705 a 701 o profeta Isaías dirigiu as suas mensa­gens contra os conselheiros políticos que confiavam no socorro do Egito, 28:7-13; 28:14-22; 29:15-16; 30:1-7; 31:1-3. Durante o govêrno de Ezequias, o grande mensa- géiro do Senhor exerceu o seu ministério profético vigo­rosamente, mas aparentemente com poucos resultados até à crise na história de Jerusalém, quando aconselhou e per- súádiü ao rei Ezequias a recusar a entrega da cidade de Jerusalém ao poder de Senaqueribe, Is. 37.

, Nota-se uma certa mudança na pregação do profeta no período do govêrno de Ezequias. No princípio do seu ministério, o profeta denunciou em têrmos fortes o or­gulho, a iniqüidade e a infidelidade religiosa do povo., Condenou severamente a. corrupção e a injustiça dos ricos

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e das autoridades políticas. No período do govêrno de Ezequias o profeta olhou mais para o futuro, e discutiu a operação do propósito do Senhor na história, e especial­mente na história do povo do Senhor. Ao mesmo tempo êle denunciou severamente as intrigas políticas e a injus­tiça social. Veja 28:14-15; 29:15-16; 31:1-3; 22:15-25; 28:1-21; 29:9-14. Quando Ezequias pediu o socorro do Egito, o profeta denunciou «esta aliança com a morte», 28:15.

Quando o rei e o povo confiavam no poder militar e nas alianças políticas, o conselheiro espiritual do seu povo declarou que a fé no Senhor Javé, o Santo de Israel, o Deus da história, era a única esperança segura para Judá. Ao mesmo tempo, o profeta reconheceu que a Assí­ria era instrumento na mão de Deus para castigar o povo infiel de Judá. Mas declara firmemente que o arrogan­te conquistador será humilhado, 10:5-16; 37:22-25.

Como um dos conspiradores contra o Império da Assíria, Ezequias aguardava a fúria da vingança de Se- naqueribe. Na sua terceira campanha militar o terrí­vel conquistador invadiu as províncias no oeste. Êle des­creve as vitórias e as conquistas dramáticas daquela ex­pedição no «Taylor-Prism», agora no Museu Britânico (Veja a Arqueologia Bíblica do autor, p. 269). A sua narrativa não concorda perfeitamente nos pormenores com a da Bíblia, II Reis 18:13-16. Nota-se logo na sua narrativa a arrogância e o exagêro costumário dos fatos em favor da grandeza das vitórias militares, em contras­te com a história clara e humilhante na Bíblia, II Reis 18:17-37. Senaqueribe não oferece qualquer explicação porque abandonou o sítio de Jerusalém, mas dá a entender que foi por causa do grande tributo que tinha recebido de Ezequias.

Lembrando-se da sorte funesta de Israel, Ezequias, por motivos de patriotismo e da religião, recusou-se a en­

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tregar a cidade ao poder cruel da Assíria. Mas que podia fazer nessa situação extrema? Virou-se ao homem de Deus. Isaías tinha pregado corajosamente contra a polí­tica de Ezequias na revolta contra a Assíria, mas nunca tinha perdido a fé no propósito do Senhor de salvar a ci­dade de Sião do poder de Senaqueribe. Não obstante o fato de que o rei Ezequias havia seguido a política popu­lar, contra o conselho do profeta Isaías, nesta grande crise êle recebe e segue o conselho do mensageiro do Se­nhor, e recusa submeter-se às exigências arrogantes de Senaqueribe. O discernimento espiritual do mensageiro do Senhor fo i completamente verificado. De repente, uma pestilência terrível atacou o acampamento dos assí­rios, e matou 185.000 homens do exército assírio, Is. 37 : 36. Assim, Senaqueribe retirou-se repentinamente de Judá, voltou para a sua terra, e nunca mais voltou contra Judá e a cidade de Jerusalém. A sua política foi comple­tamente alterada pelo desastre que sofreu na campanha contra Jerusalém. Quando consideramos o significado da salvação de Jerusalém do poder do exército cruel da Assíria, é difícil exagerar a importância dêsse evento do qual dependia o futuro da religião de Judá.

A inspiração divina que guiou o ministério profético de Isaías e a bênção da providência de Deus que honrou e conseguiu a realização das suas esperanças proféticas constituem a mais linda história, e o mais profundo en­tendimento da religião do povo do Velho Testamento. Esta vitória da fé, juntamente com os eventos históricos de 701, termina apropriadamente a carreira pública dês- te nobre mensageiro do Santo de Israel.

II. A vida e o Ministério Profético de Isaías

Fora dos seus próprios escritos temos pouca infor­mação sôbre a vida do profeta Isaías. Nasceu nos fins do período da prosperidade econômica, e do declínio reli-

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gioso de Israel e Judá. A poderosa nação da Assíria já começara a campanha militar contra o ocidente, com o propósito de conquistar o mundo. Isaías era menino quan­do Amós, o primeiro profeta canônico, dirigiu ao reino de Israel a mensagem do julgamento divino sôbre a infideli­dade daquela nação. Amós e Oséias já tinham iniciado o nôvo movimento profético, com novas revelações do caráter de Deus e novas interpretações dos princípios fundamentais do reino de Deus, quando Isaías recebeu a visão da santidade e da majestade do Senhor Javé, e res­pondeu voluntàriamente à voz de Deus: «Eis-me aqui, en­via-me a mim.»

Era filho de Amoz, distinguido claramente do pro­feta Amós. Segundo uma tradição persistente entre os judeus, Amoz era de família nobre, irmão de Amazias, rei de Judá, II Reis 14:1. No seu espírito como profeta e como estadista, Isaías era mais nobre do que os reis de Israel e Judá. O profeta geralmente ocupava uma posi­ção social nos círculos^ políticos e sacerdotais. A sua mentalidade aristocrática indicava a nobreza da família.

Em 8:3 a espôsa de Isaías é mencionada como pro­fetisa, e alguns supõem que ela tivesse o dom e o espí­rito de profecia. Mas é mais provável que as esposas dos profetas eram chamadas profetisas por cortesia, do mes­mo modo como as mulheres dos sacerdotes eram deno­minadas sacerdotisas. Isaías teve dois filhos e êle lhes deu nomes simbólicos: Sear-Jasube (Um-Restante-Yoltará); Maher-shalal-hash-baz (Rápido-despôjo-prêsa-segura).

Isaías exerceu o seu ministério profético nos últimos 40 anos do século oitavo, e possivelmente por mais um pouco de tempo, mas não temos referência a qualquer mensagem dêle depois do ano 701. De u’a maneira es­pecial êste homem de Deus tomou parte proeminente nas crises políticas e religiosas de Judá durante o seu mi­nistério, e assim ganhou fama bem merecida como o

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maior estadista da época, se não do Velho Testamento. É certamente o mais poderoso profeta do Velho Testa­mento. É claro que o Senhor levantou êste homem no período da apostasia do seu povo, e no tempo da expan­são do Império da Assíria, que ameaçou a destruição do povo escolhido do Senhor. De acôrdo com a tradição, êle sofreu martírio às ordens do rei Manassés, e fo i pro- vàvelmente serrado ao meio (Cp. Heb. 11:37).

Em espírito aristocrático, Isaías comportou-se como príncipe entre os homens, falando sempre com a auto­ridade do embaixador do Santo de Israel. Nas prega­ções, bem como nas obras e nas atividades proféticas, êle sempre se apresenta como o mais alto exemplo da cultura de Judá. Sempre demonstra a capacidade inte­lectual de analisar os problemas políticos e sociais do seu povo, e a habilidade profética de entender e interpre­tar a mensagem do Senhor Javé, o Santo de Israel, de acôrdo com as necessidades religiosas dos seus patrí­cios. Sempre demonstra a firmeza de caráter para pre­gar as verdades da revelação divina como a única solu­ção dos problemas políticos, éticos, sociais e religiosos de Judá. Observam-se, no estudo cuidadoso das suas mensagens, não somente os seus maravilhosos talentos, como também a perfeita harmonia no uso de seus dons no esforço de orientar as autoridades políticas, e a socie­dade nacional nos deveres e nas responsabilidades mo­rais de acôrdo com a vontade revelada do Senhor.

Como Amós e os outros profetas, Isaías era homem do seu tempo, influenciado pela história do seu povo, e pelas crises históricas da época. Mas a fôrça da sua personalidade, e seu discernimento espiritual dos sinais do tempo, e sua transmissão das verdades eternas da revelação divina para as gerações do futuro, elevaram êste mensageiro do Senhor acima da época transitória, e fizeram dêle um mensageiro de Deus para tôdas as ge­

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rações subseqüentes. As verdades fundamentais que Isaías proclamou vivem ainda, e viverão eternamente. Não tinha, nem poderia ter, a última palavra da revela­ção divina sôbre a glória e a graça de Deus, mas contri­buiu muito para esclarecer as operações do Criador na história humana, e o propósito e poder do Controlador das atividades dos povos e das nações do mundo. A gló­ria do Senhor enche o mundo inteiro, mas, na sua ma­jestade maravilhosa, o Deus de Israel comunica-se com os seus profetas, e com todos os seus servos fiéis.

Nas meditações sôbre a morte do seu rei Uzias, o jovem experimentou a presença e o poder da santidade, da majestade e da glória de Deus. E naquela sublime visão, Isaías recebeu a incumbência de entregar-se nas mãos do Senhor, e dedicar a vida completamente ao ser­viço do Senhor. O velho monarca tinha governado o reino de Judá no período da maior prosperidade nacio­nal, mas estava nos últimos dias de sua vida, ou já ti­nha morrido. É provável que Isaías já começara a en­tender que a morte dêste poderoso rei do seu povo es­tava marcando o fim de uma época na história de Judá, e o princípio do período de anarquia e confusão (Cp. 3 :18 ). Assim, na visão foi permitido ao jovem pro­feta entender, à luz da revelação da santidade e da ma­jestade do Senhor, o pecado da infidelidade do povo e os sofrimentos que haviam de enfrentar por causa da sua infidelidade e dos seus pecados, 6:9-13. A revelação da Pessoa do verdadeiro Rei preparou Isaías para en­frentar as responsabilidades e as obrigações morais de receber e transmitir ao seu povo obstinado e rebelde os seus ensinos, com coragem, confiança e persistência, na dependência do socorro divino.

As verdades eternas imprimidas no espírito de Isaías por essa experiência memorável são confirmadas pelos resultados do seu ministério profético. Desempenhou-se

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fielmente da incumbência que aceitou voluntariamente em resposta ao Senhor, «A quem enviarei, e quem há de ir por nós?» Manifestaram-se os resultados da pregação da mensagem de Deus na vida e na história dos insensí­veis e incrédulos, bem como no espírito e na missão do restante fiel, o núcleo do povo regenerado pela graça de Deus.

Convém reconhecer os quatro períodos do ministé­rio dêsse profeta, e a adaptação da mensagem profética às circunstâncias históricas da vida nacional. O pri­meiro se estende desde a morte de Uzias em 742 até os princípios do reino de Acaz em 734. O segundo é o pe­ríodo de conflito do profeta com o rei Acaz, nos princí­pios do seu reino de 734-715. O terceiro se centraliza contra a política de aliança com o Egito contra o Impé­rio da Assíria de 715-705. Na quarta divisão a profecia relaciona-se principalmente com a invasão de Judá por Senaqueribe, e a libertação de Jerusalém de 705-701.

1. As Profecias do Primeiro Período

É difícil determinar as ocasiões e as datas quando foram proferidas muitas das mensagens de Isaías. Essas questões serão discutidas mais elaboradamente no co­mentário próprio. As pregações «a respeito de Judá e Jerusalém» nos capítulos 1-5 foram proclamadas provà- velmente no reino de Jotão.

As condições sociais e religiosas de Judá eram se­melhantes às de Israel nos dias de Amós. Mas, devido às maiores relações políticas de Israel com outras na­ções, e especialmente devido ao casamento de Acabe com Jezabel, o reino do norte foi mais influenciado pela re­ligião dos fenícios do que o de Judá. Ao mesmo tempo, na ingratidão para com o Senhor, na religião de cerimo- nialismo, na infidelidade ao Senhor, e no fracasso mo­ral, Judá não era superior ao Reino de Israel. O profeta

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tm la dos pecados de Judá no espírito e no entendimen­to do seu predecessor, Amós. O povo se mostra mais insensível aos favores de Deus do que o boi e a jumenta aos cuidados de seus donos, 1:3. A idolatria, a supers­tição e a confiança nas riquezas são característicos da vida nacional, cp. 2. Os males sociais, a opressão e a injustiça praticadas contra os pobres e fracos pelos ri­cos e poderosos, 3 :9 ,14,15, e o luxo e a vaidade das mulheres de Jerusalém, 3:16, são condenados com a mesma severidade do profeta Amós. Nesse período do seu ministério o profeta se apresenta como pregador da justiça e do juízo vindouro. Os dois assuntos mais acen­tuados nas pregações dêsse tempo são o pecado do povo, especialmente dos ricos, e a certeza do desastre nacional, 5:8-24. As passagens 9:8-21; 10:22-23; 32:9-14, e pro- vàvelmeinte outras, foram proferidas nesse período.

O povo de Judá em geral, como o de Israel, influen­ciado, sem dúvida, pela religião mais fácil e mais agra­dável dos cananeus, julgava que podia ganhar os favo­res do Senhor Javé pelos serviços rituais e os sacrifícios custosos, apesar dos pecados e da infidelidade dos ofertan- tes, 1:10-17. A Parábola da Vinha, 5:1-7, proclama em têrmos claros que o Senhor esperava da casa de Israel, e dos homens de Judá, o juízo em vez de opressão, e a justiça em vez do clamor dos oprimidos.

Isaías proclama também o julgamento vindouro em têrmos claros e cintilantes. O dia do Senhor não será o dia de vitória e honra para o povo de Judá, como se es­perava. Será antes o dia quando todo o soberbo e al­tivo será humilhado perante a exaltada majestade e a glória do Senhor, 2:9-22. O Senhor mesmo virá em pes­soa para julgar os anciãos e os príncipes do povo, 3:14. Em 1:24-26 o profeta olha para o futuro quando Judá será purificada, como era dantes. Então Jerusalém se chamará «idade de justiça, cidade fiel. Há dois lindos quadros da Idade Messiânica do futuro, 2:2-4 e 4:2-6.

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2. O Conflito do Profeta com o Rei AcazNo esforço de persuadir o rei Acaz a confiar no au­

xílio do Senhor, e não fazer aliança com a Assíria, o pro­feta fracassou. Os profetas em geral sempre se mos­travam contra alianças políticas das pequenas nações de Israel e Judá com as nações poderosas. Opuseram-se igualmente à violação de tais alianças que pudessem re­sultar na sua subjugação, ou na sua ruína final. Apre­sentam-se nos capítulos 7 e 8 a história do confli­to de Isaías com o rei Acaz, e algumas mensagens sim­bólicas dirigidas ao povo. Nesta segunda parte do seu ministério, o profeta se apresenta como conselheiro po­lítico, e, segundo a opinião de muitos estudantes, como verdadeiro estadista. Instava com tôda autoridade pro­fética para que Acaz renunciasse à confiança no auxí­lio político, e confiasse no socorro do Senhor. «Se não crerdes, certamente não sereis estabelecidos.» Isaías en­tendeu claramente a insensatez do rei Acaz em subme­ter-se voluntàriamente ao domínio da Assíria, pagando tributo a Tiglate-Pileser para livrá-lo da ameaça da Sí­ria e Efraim quando êle já havia começado o seu plano de conquistar os pequenos países ao oeste.

Com a rejeição da sua mensagem pelo rei e pelo povo em geral, o profeta interrompeu a sua atividade profética até à morte do rei Acaz. Houve, porém, um pequeno grupo de homens que ouviu com interesse as pregações do profeta. Entre êstes que se destacaram de entre a geração incrédula e insensível, e receberam com alegria os ensinos do mensageiro do Senhor, havia aquê- le restante fiel de que dependia o futuro do reino de Deus.

3. À Operação do Propósito de Deus na História

Com a morte do rei Acaz e a inauguração do rei Ezequias, Isaías reassumiu o seu ministério profético.

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A profecia contra os filisteus foi proferida neste perío­do, 14:28-32. Durante êste período o profeta pregou freqüentemente, dirigindo as suas mensagens ao rei Ezequias, às autoridades políticas, no esforço de orien­tar a vida nacional de acôrdo com a vontade do Senhor.

No ministério dêsse período (18:1-7; 19:1-15; 20: 1-6; 22:1-25), nota-se uma certa mudança no interêsse e nas mensagens do profeta. Na primeira parte do seu ministério êle denunciou severamente o orgulho, a ini­qüidade e a infidelidade religiosa do povo. Condenou igualmente a corrupção e a opressão do povo pelos ho­mens ricos e poderosos. No reino de Ezequias o profe­ta pensava mais profundamente na operação do propó­sito de Deus na História. Continuou a censurar as in­trigas políticas das autoridades, 28:14-15; 29:15-16; 30:1-5; 31:1-3. Nos anos de 715 a 711 êle fala menos na injustiça e opressão, e trata do problema da queda de Samaria, e a extinção do reino das Dez Tribos. Fala mais claramente sôbre o problema que perturba os pen­sadores de tôdas as gerações. O Império da Assíria era mais cruel do que a nação de Israel que êle tinha des­truído. Vangloriou-se no sítio de Jerusalém, dizendo: «Porventura como fiz a Samaria e aos seus ídolos, não o faria igualmente a Jerusalém e aos seus ídolos?» Com clareza crescente o profeta anunciava a aniquilação da­quele império envolvido no plano divino para o estabe­lecimento do verdadeiro reino de Deus no mundo. É di­fícil para alguns teólogos de hoje entender o ensino de Isaías, de que Deus pudesse usar o poder cruel da Assí­ria na realização do seu propósito na direção da histó­ria humana (10 :5 ). Depois de ser usada como instru­mento na mão de Deus no castigo de Judá, a Assíria se­ria destruída pelo poder supremo do Senhor, 10:5-17.

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4. A Invasão de Judá por Senaqueribe, e a Salvação de Jerusalém

Aparentemente, Ezequias não prometeu a Meroda- que-Baladã auxílio na revolta contra a Assíria. É cer­to, todavia, que os países pequenos, vizinhos de Judá, en­traram na conspiração contra o poderoso império, en­corajados aparentemente pelo revoltoso Merodaque-Ba- ladã da província da Babilônia. Logo que subjugou êste persistente revoltoso da Babilônia, Senaqueribe, o nôvo rei da Assíria, iniciou a campanha militar contra as pro­víncias revoltosas do oeste. Embora Judá não tomasse parte na aliança contra a Assíria, Ezequias, com o seu povo, ficou amedrontado perante a pavorosa campa­nha militar de Senaqueribe. Seguindo o conselho dos políticos, Ezequias pediu a ajuda do Egito (28:7-13, 14:22; 29:15-16; 30:1-7; 31:1-3). O mensageiro do Se­nhor denunciou vigorosamente esta aliança com a morte, 28:15, e a esperança falsa de achar segurança política por meio de alianças militares.

Isaías entendeu claramente a ambição e a política pe­rigosa da Assíria, bem como a futilidade de qualquer aliança de Judá contra ela. A única fôrça de Judá con­tra a agressão arrogante da Assíria não seria militar, mas sim o propósito do Santo de Israel, o Controlador da Histó­ria. O rei Ezequias e os políticos aparentemente tinham dú­vidas quanto ao valor do auxílio militar do Egito, e ten­taram esconder do profeta os seus desígnios, 29 :15; 30:1. Mas o profeta acompanhava as atividades e os planos dêsses homens, e freqüentemente usava de linguagem irônica sôbre os seus esforços sutis de enganar o Todo- Poderoso (29:15; 30:1-12; 31:1-2). Nessa situação pe­rigosa, Isaías usou métodos ainda mais drásticos para influenciar a opinião pública contra a rebelião. Por três anos êle andou «nu e descalço», 20:1-6, como sinal da

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humilhação que o Egito havia de sofrer às mãos da Assíria.

O profeta reconheceu que Judã também tinha que sofrer a invasão da Assíria, e que isto seria o julgamen­to inevitável do Senhor. Assim, nas suas pregações, o mensageiro do Senhor procurou desenvolver o espírito religioso das autoridades e do povo, e prepará-los para enfrentar a tragédia sem perder a fé no Senhor da His­tória, o Deus de Israel. Como tinha procurado persuadir o rei Acaz a não fazer aliança com a Assíria, agora êle se esforça para mostrar às autoridades a tolice de fazer aliança com o Egito em revolta contra a Assíria.

Na orientação divina, Isaí^s entendeu claramente os limites do poder da Assíria no eterno propósito de Deus. Releva notar, todavia, que o profeta nunca iden­tificou a política da Assíria com o propósito moral do Todo-Poderoso. Veja 10:32 e 10:33. A crise na vida de Jerusalém ofereceu ao Senhor dos céus e da terra a oca­sião de demonstrar a sua majestade, a sua glória e o seu poder no transtorno do poder arrogante da Assíria. A libertação de Jerusalém do poderoso exército militar de Senaqueribe é um exemplo supremo na história in­teira da redenção poderosa do Deus Altíssimo. Foi a inauguração do reino de santidade, justiça e paz, reser­vado para o restante purificado do povo escolhido.

A orientação e o encorajamento do rei Ezequias pelo profeta nessa ocasião, com os seus resultados de eterna significação para o reino de Deus no mundo foi uma conclusão apropriada do ministério dêsse grande homem de Deus. «Com os pés na terra firme, a cabeça nas nu­vens e o coração nas verdades eternas do Deus verdadei­ro», êste servo de Deus entendeu claramente a injustiça política e a infidelidade religiosa do seu povo. Homem de convicções inabaláveis, êle pregava fielmente as verdades eternamente operativas na vida dos homens e das nações.

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Na comunhão entranhável com o Espírito do Senhor Oni­potente, êste pregador da justiça divina tinha a autori­dade e o poder de apresentar a mensagem de esperança ao seu povo na hora da angústia, e assim salvou o reino enfraquecido de Judá da tragédia nacional que ocorrera com o Reino de Israel.

III. A Teologia de Isaías

Não há diferença especial entre os ensinos teológicos de Isaías e os outros profetas da época. Êles concordam nos ensinos sôbre a natureza e o caráter do Senhor Javé, o Deus de Israel; a controvérsia divina com o povo de Is­rael e Judá; o julgamento vindouro de Israel e Judá pela agência da Assíria; e o estabelecimento final do reino de Deus no mundo. Isaías, porém, entendeu mais claramen­te do que os outros profetas os fatos políticos da história humana. Como resultado da visão inaugural, êle enten­deu mais claramente a santidade, a majestade e a glória eterna de Deus, a missão de Israel, e o futuro do Reino Messiânico do Senhor dos céus e da terra.

Pois na experiência religiosa de Isaías, Deus era o Soberano, o Exaltado, o Senhor Javé dos Exércitos, o Santo cuja glória enchia tôda a terra. No seu alto e su­blime trono o Senhor Javé é o Rei, não somente de Israel, mas o Soberano absoluto e universal do mundo inteiro. As criaturas resplandecentes, os serafins, que refletem e proclamam a glória divina, são cônscios das suas imper­feições em comparação com a majestade do Senhor, e co­brem o rosto e os pés na presença do seu Criador.

O profeta contemplava profundamente o mistério so­lene da visão que recebera do Senhor; o fogo simbólico da expiação; a severidade da mensagem divina dirigida ao povo de Israel; e acima de tudo a santidade inacessível do Senhor Javé. A significação radical de santidade é sepa­ração, mas o que separa o Senhor do universo que Êle

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criou é a bondade e a justiça do seu propósito nas ativi­dades de preservar e dirigir as obras da criação. A san­tidade ou a divindade descreve a superioridade infinita do Senhor em relação às criaturas do mundo. A santidade não descreve qualquer atributo especial da natureza di­vina, mas declara apenas a noção da divindade, na sua distinção de tôdas as outras formas de existência.

O têrmo santidade, per si, não especifica qualquer atributo de Deus, mas toma a sua qualidade da natureza e do propósito de todos os atributos do Senhor, como a bondade e a justiça, 5:16. A bondade, a justiça e o amor de Deus são absolutos. Tôdas as virtudes humanas são relativas. A justiça soberana é pessoal nas relações com o homem criado à imagem de Deus. No seu amor e na sua justiça Deus fala à consciência do homem, exigindo dêle a submissão e a obediência. Mas é na revelação pró­pria do Senhor que o homem conhece a vontade e o pro­pósito de Deus para a sua vida na sociedade humana. O Santo de Israel é o Rei soberano na história de tôdas as nações. Não obstante o fato de que os homens não enten­dem perfeitamente a significação das obras divinas, é o Senhor Javé quem governa a História de acôrdo com o seu eterno propósito na criação do homem (Cp. 5:12,19; 28: 23-29; 29:14).

O Santo de Israel é inteiramente diferente de outros santos: na sua natureza, na soberania, no propósito das suas atividades, e na exigência de obediência universal à sua vontade.

A glória do Senhor relaciona-se com o universo in­teiro. «Tôda a terra está cheia da sua glória.» Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos. Esta afirmação dos serafins declara o que Deus é em si mesmo. Tôda a terra está cheia da sua glória. Esta declaração descreve o que Deus é na revelação. Assim o cântico dos serafins declara que a plenitude da terra inteira é a glória de Deus.

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0 Senhor Javé na História

A doutrina da soberania de Deus, acentuada nos ensinos de Isaías, levou o profeta a pensar na revelação do propósito do Senhor na História. No propósito do seu reino, o Soberano pergunta na visão quem há de repre­sentá-lo na terra. Desde então, Isaías pensava no pro­pósito do Senhor que se realiza progressivamente no go- vêmo providencial do mundo, 5:12; 10:12,23; 14:24,26,27; 28:21-24. A obra do Senhor significa para o profeta o estabelecimento do seu Reino de Justiça no mundo. É o ato final e decisivo que o Senhor executará na grande consumação da História.

As autoridades irreligiosas não podiam entender as obras e as atividades do Senhor na direção da História, 5:12. Permaneciam cegas quanto à operação da provi­dência de Deus na vida dos homens e das nações. O gênio de Isaías, em comunhão com o Espírito do Senhor, per­cebeu que o reino do Senhor é supremo, não somente na esfera da natureza física, como também no govêmo da história humana. Como a glória do Senhor enche tôda a terra, assim também a atividade do Criador penetra tôda a história humana. Como os homens eram cegos quanto à glória do Senhor, assim também os irreligiosos zomba­vam das atividades de Deus no controle da história dos homens e das nações.

Isaías, como Amós, acentuava os atributos austeros do Senhor. Fala freqüentemente sôbre a sabedoria, o zêlo e a ira do Senhor, 28:29; 31:2; 9 :7 ; 9:19; 10:6. A justiça divina liga-se diretamente com a santidade do Senhor, 5:16. Embora Isaías, de Jerusalém, não fale do amor como atributo do Senhor Javé, o Santo de Israel, êle reconhece claramente o propósito da graça de Deus em tôdas as suas relações com Israel, 30:18. No senti­mento vigoroso de Isaías, Deus se apresenta como o So-

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berano absoluto, de majestade suprema e de glória infi­nita. Deus fala aos homens por intermédio do profeta Isaías como o Senhor Javé dos Exércitos, com a autori­dade do Criador e do Rei dos céus e da terra.

O Senhor Javé e Israel

O concêrto do Senhor com o povo de Israel deter­minou o desenvolvimento das escrituras do Velho Tes­tamento. Mas neste sentido temos que entender a signi­ficação do concêrto, Giên. 12:3 e Êx. 19:1-6. Isaías, como os outros profetas, baseou a sua mensagem ao povo nesta relação especial entre o Senhor e a nação de Israel. De acôrdo com o concêrto, o Senhor Javé é o Deus de Israel, e Israel é o povo de Deus. É evidente em todos os escri­tos proféticos que o povo em geral não entendeu clara­mente a verdadeira significação do concêrto. Israel se ufanava da sua relação peculiar com o Senhor, mas não quis entender ou aceitar a responsabilidade religiosa que o concêrto lhe impunha. Javé é o Deus de Israel num sentido especial. E, correlativamente, Israel é o povo do Senhor num sentido especial.

Porquanto a sua religião fôsse nacional, segundo os profetas, Israel tinha a incumbência de servir ao Senhor como nação sacerdotal. Por intermédio dos profetas, o Senhor trata com o povo de Israel no seu conjunto. O pecado do israelita é reconhecido como delito nacional. Todos os israelitas tinham que reconhecer e honrar ao Senhor Javé na vida pessoal, mas sempre como membro do conjunto nacional. Em virtude da solidariedade nacio­nal, todos os israelitas, em tôdas as esferas da vida, eram responsáveis perante o Senhor pelos pecados ou pela fé e obediência do grupo.

Deus como Soberano universal, em virtude do seu propósito na escolha de Israel, era Rei, num sentido es­

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pecial, dêste povo. Israel, por sua parte, representava o reino de Deus na terra. Isaías era o mensageiro do Rei, comissionado para falar ao povo e orientá-lo de acôrdo com a revelação do Senhor Soberano. Portanto, Isaías, como os outros profetas, se esforçava para estabelecer as relações de harmonia espiritual entre o Rei e o povo do seu reino. Para êste profeta a religião nacional resu­mia-se na frase a santificação do Senhor dos Exércitos (8:13; 29:33).

O julgamento do estado moral de Israel pelo profeta era simplesmente a aplicação dêstes princípios às con­dições sociais é religiosas do povo da época. Experimen­tando a visão da Santidade do Senhor, o jovem Isaías sentiu-se perdido, separado de Deus pela sua impureza. Logo em seguida, êle reconheceu a condição pecaminosa da vida inteira de Israel como nação. O seu próprio pe­cado foi purificado pelo contato com o fogo divino, o símbolo da santidade do Senhor. Mas aprendeu na mesma ocasião que o único fogo que poderia purificar a nação mergulhada na iniqüidade era o fogo do julgamento su­premo, que podia queimar ou destruir os elementos peca­minosos de Israel, deixando apenas o restante indestru­tível, a santa semente, 6:13.

A visão da Santidade do Senhor, na sua majestade e justiça, preparou o jovem para entender e interpretar a insensibilidade, a impureza, e a corrupção do povo em geral, bem como a tirania, a injustiça e a hipocrisia das autoridades políticas, ricas e poderosas, 29:13; 1:10-17; 1:4.

Nas circunstâncias religiosas da época, Isaías enten­deu que a sua pregação teria o efeito de afastar o povo hipócrita ainda para mais longe do Deus Santo. Israel como nação tinha abandonado ao Senhor, e o Senhor o rejeitara.

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Uma das doutrinas básicas e fundamentais dêste mensageiro do Senhor é que a fé tem que ser o motivo e a fôrça da orientação de Israel na sua vida política, bem como na vida religiosa, 7 :9 . Aquêle que crer não se apressará, 28:16. Na tranqüilidade e na confiança será a vossa fôrça, 30:15. Estas declarações nos oferecem a chave para abrir o entendimento desta grande profecia. Quando o destino do povo em geral foi determinado pela incredulidade e a infidelidade, os que se separaram dos pecaminosos e incrédulos da época eram orientados e abençoados de acôrdo com a sua fé no Santo de Israel. Portanto, o julgamento iminente de Israel não apresenta quaisquer terrores para aquêles que crêem na palavra certa da Revelação.

Os Ensinos Escatológicos de Isaías

Os escritores do Velho Testamento são os primeiros entre todos os povos antigos do mundo que apresentam um conceito distintivo, definitivo e coerente do signifi­cado da História. A origem histórica da religião bíblica forneceu aos escritores a chave para a interpretação da História. Os mensageiros da revelação de Deus sabiam interpretar as atividades do Senhor na sua vida nacional. Entenderam não somente o propósito do Senhor, na sua própria história, como também na criação do mundo para o serviço e o desenvolvimento da humanidade inteira. O Criador dos céus e da terra está dirigindo a história do mundo para o alvo que êle mesmo predeterminou.

Mas, como os outros profetas, Isaías reconheceu a desarmonia, a incoerência e as imperfeições religiosas do povo de Israel, em comparação com o reino ideal do fu­turo que pela fé no Deus Santo e Justo esperava. Aparen­temente, os profetas do século oitavo esperavam uma catástrofe física e social, seguida por uma nova ordem do reino de Deus na terra, no qual tôdas as fôrças da

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natureza se tornariam subservientes às necessidades da humanidade completamente renovada.

Há quatro elementos nos ensinos de Isaías sôbre o futuro do reino de Deus: O Dia do Senhor, O Restante, O Reino Messiânico e A Inviolabilidade de Sião. Alguns dizem que há contradições nestes ensinos. É verdade que as circunstâncias históricas e religiosas determinavam a variação da ênfase em cada um dêles, mas isto certa­mente não significa contradições. Significa antes a har­monia no julgamento divino da massa do infiéis e do Res­tante Fiel.

O Dia do Senhor

Isaías, 2:12-21, como Amós, 5:18, descreve o Dia do Senhor como o dia que será contra todo soberbo e altivo, e contra todo o que se exalta, para que seja abatido, 2:12. No conceito do Dia do Senhor, os dois profetas explicam as conseqüências da rebelião e da infidelidade de Israel e Judá. Naquele dia o Senhor se apresentará no esplen­dor da sua glória e da sua majestade para julgar os po­vos, a soberba, a autoridade e o poder dos homens infiéis. Todos êstes serão abatidos, e lançarão às toupeiras e aos morcegos os seus ídolos de prata e os seus ídolos de ouro que fizeram para adorar, 2:20.

Isaías não limitou a significação do Dia do Senhor ao desastre da invasão de Judá pelos assírios. Reconheceu que o Senhor usou a Assíria como instrumento para o castigo de Judá, e ensinou também que o propósito de Deus visava à destruição do cruel Império da Assíria. Depois da retirada do exército de Senaqueribe que infli­giu um desastre terrível contra Judá e Jerusalém, Isaías reconheceu que o Dia do Senhor, o Santo de Israel, seria o alvo da história humana quando o reino da justiça di­vina fôsse estabelecido na terra.

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O Restante Fiel do Senhor

Por meio do nome de um dos seus filhos o profeta proclama esta doutrina do Restante fiel: Sear-Jasube (Um-Restante-Voltará). O ensino do significado dêste nome do filho indica que Isaías, bem cedo, talvez desde a visão inaugural, 6:13, nutria a esperança, se não a cer­teza, de que um restante do povo de Israel seria salvo do desastre vindouro. Não há qualquer contradição neste ensino do arrependimento e salvação de um grupo fiel ao Senhor, e a infidelidade persistente da massa que as­sim traria sôbre si a destruição completa. O fogo do julgamento, como a brasa viva da visão, pode destruir, 5:24; 9:19, ou pode purificar, 1:25,26. O Senhor não podia abandonar Israel, o seu povo, enquanto houvesse alguns sobreviventes da Filha de Sião, 1 :9 . O propósito divino no castigo de Israel é a disciplina para que o povo reconheça a sua infidelidade, se arrependa da iniqüidade e se volte ao Senhor, 9 :13; 10:12. Mas para os revolto­sos persistentes contra o Senhor a destruição final é ine­vitável, 28:22. Deus pode perdoar, purificar e salvar os pecadores que se arrependem e se voltam com fé ao Santo de Israel. A ameaça para os infiéis toma-se uma gloriosa promessa para os fiés. Um-Restante-Voltará. Naquele dia o restante de Israel e os sobreviventes da casa de Jacó nunca mais se estribarão naquele que os feriu, mas se estribarão no Senhor, o Santo de Israel, 10:20.

Quanto ao Reino de Israel, Isaías não esperava mais do que um pequeno número de sobreviventes, 17:5,6, por­que aquela nação como tal tinha que sofrer o extermínio. Quanto a Judá, a promessa de salvação foi limitada ac número das pessoas que receberiam a mensagem do pro feta e se arrependeriam, depositando a fé na graça sal vadora do Senhor. Em 10:20-23 o restante é constituído dos escapados de Jacó. Mas é provável que Isaías pensava em formar, ensinar e treinar o grupo de seus discípulos.

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8:16-18, como o grupo fiel ou o núcleo do reino futuro do Senhor. Êste resto indestrutível dos israelitas, ou da casa de Jacó, levou o profeta Isaías, desanimado com os resultados da pregação da Palavra de Deus, a reconhecer que o seu serviço como mensageiro do Santo de Israel tinha valor inestimável e permanente para a religião do futuro.

O Reino MessiânicoO têrmo Messias originou-se do costume de ungir

com óleo, 5 pessoas ou cousas, e assim separá-las- T

para um serviço especial do Senhor. O têrmo Messias, ungido, usa-se no Velho Testamento para designar o Rei Ideal da casa de Davi, sempre com a esperança de que êle estabeleceria o reino ideal de justiça. Teórica e simboli­camente todos os reis eram ungidos do Senhor, represen­tantes do reino de Deus na terra. Mas na prática muitos dos reis contribuíram para a corrupção do govêrno, e o desvio do povo para a infidelidade e a idolatria.

Não há outro profeta que tenha entendido tão clara­mente o fracasso religioso do povo escolhido como aquêle que havia experimentado a visão da santidade do Senhor. Mas êste mensageiro zeloso do Senhor nos apresenta tam­bém o Rei Ideal do futuro, o Rei Messiânico da casa de Davi. A figura dêste Rei e do seu reino apresenta-se freqüente­mente na obra de Isaías, 7:14-17; 9:2-7; 11:1-9; 32:1-5.

Opiniões variam quanto à ordem cronológica destas passagens, e também quanto à interpretação do seu signi­ficado. Não há razão suficiente para se duvidar de que êstes trechos são profecias genuínas de Isaías. O con­traste entre os ensinos destas passagens e o teor da pro­fecia que trata da infidelidade da massa do povo concor­dam perfeitamente com a visão inaugural e as experiên­cias subseqüentes do profeta. Não há razões suficientes para se rejeitar a interpretação messiânica do oráculo

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de 7:14-17. A passagem evidentemente se relaciona com 9:2-7. Nestes dois oráculos o destino nacional depende do nascimento da Criança. Êste fato indica que Emanu EI ó idêntico à Criança Maravilhosa de 9:6,7. Em 7:14 a criança é Deus Conosco, e em 9:6 é Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. A criança nascida da virgem, Mat. 1:23, é o Messias, o herdeiro maravilhoso do trono de Davi. Isto não é declarado na passagem, mas o pro­feta reconhece que a incredulidade de Acaz determina o destino trágico para a nação, e desde então o profeta de­posita sua confiança no restante fiel. Êle declara aqui como o Rei Messiânico há de nascer . Em 9:1-7 êle men­ciona os atributos divinos do Messias que lhe deram a habilidade de inspirar e guiar o restante que tinha andado nas trevas, para ver e andar na luz resplandecente do Se­nhor. Em 11:1-9 o Messias é um rebento do tronco de Jessé, dotado com o Espírito do Senhor, o espírito de sa­bedoria e entendimento, o espírito de conselho e de forta­leza, o espírito de conhecimento e do temor do Senhor. Os atributos conferidos ao Rebento pelo Espírito do Senhor significam, como as outras passagens, a divindade do Ungi­do do Senhor. O Espírito do Senhor confere ao Rei Messiâ­nico o discernimento e a energia devocional para executar o govêrno perfeito do seu reino eterno de justiça e paz.

Os versículos 1-8 e 15-18 do capítulo 32 descrevem o reino justo e reto do Messias. 0 profeta não fala, nestas passagens, nos atributos divinos do Rei ideal, menciona­dos nos capítulos 9 e 11, mas descreve a perfeição do go­vêrno do Messias vindouro.

A Inviolabilidade de SiãoPortanto, assim diz o Senhor Javé:Eis que estou assentando em Sião, uma pedra,

uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, de fundação segura;

aquêle que crê não se apresse, 28:16.

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Nos dias de Ezequias os assírios ameaçaram Jerusa­lém, e no sítio da cidade pelo exército poderoso de Senâ- queribe, a destruição do monte do Senhor parecia inevi­tável. Mas o Senhor tinha revelado ao profeta o propó­sito de salvar Jerusalém, mostrando-lhe embora, também, a necessidade imperiosa de castigar e disciplinar o povo antes que o reino divino pudesse ser aperfeiçoado. Em vá­rias declarações o profeta reconheceu a Sião como o centro do reino futuro do Senhor, 1:26,27; 2:2-4; 8:18; 14:32; 18:7; 28:16; 29:1; 30:19,29; 37:32.

Isaías viu a glória do Senhor no Templo, o lugar da habitação divina na terra. Nos últimos dias o reino de Deus será estabelecido no monte da casa do Senhor, 2 :1 . No tempo do maior perigo o Senhor assentou-se no Monte Sião, e defendeu a cidade contra os inimigos. Assim ma­nifestou o seu poder perante tôdas as nações. Sião como o Santuário do Senhor é inviolável. Será salvo na crise do julgamento, e será o refúgio dos salvos da calamidade nacional. A santidade de Sião, como o resto fiel da casa de Davi, é o penhor divino da indestrutibilidade da cidade dos servos fiéis do Senhor.

Alguns pensam que esta convicção inabalável do profeta a respeito da inviolabilidade de Sião firmou-se nos últimos dias do seu ministério. Há, porém, numero­sas referências ao Monte Sião, como a habitação do Se­nhor, em várias partes da profecia. E estas referências a Sião como a habitação do Senhor indicam que esta cer­teza do profeta a respeito de Jerusalém como o centro do reino eterno do Senhor era um dos princípios básicos nos ensinos de Isaías.

IV . Característicos Literários do Profeta Isaías

A maior parte da sua profecia foi escrita em forma de poesia. É muito semelhante à estrutura da poesia dos Salmos, de Provérbios e de outras profecias. Os co­

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mentaristas modernos geralmente reconhecem três ou quatro espécies de composição na profecia. Os oráculos são as declarações ou as mensagens que o profeta recebe diretamente do Senhor, com a incumbência de transmi- ti-los ao povo como a Palavra de Deus. As memórias são as narrativas autobiográficas que o profeta conta ao povo. São geralmente explicações da chamada ao ministério profético, ou de outras experiências pessoais com Deus. A biografia profética distingue-se das memórias, porque são narrativas a respeito do profeta contadas por outras pessoas, e não pelo profeta mesmo, como no caso de 7 :1-17.

Oráculos

O elemento de suprema importância da profecia é o Oráculo, ou a mensagem que o profeta recebe direta­mente do Senhor com a vocação de transmiti-la ao seu povo. O oráculo é geralmente proclamado como a Pala­vra de Deus. Ao mesmo tempo o profeta podia sentir-se incumbido de publicar em forma permanente a mensagem recebida do Senhor, Jer. 36:1-4. Isaías, como Jeremias, re­conheceu a incumbência pessoal de apresentar uma série de seus oráculos na forma escrita, 8:16-18; 30:1. Quando o profeta declara: Assim diz o Senhor, 10:24;37:6, êle é o portador da mensagem da autoridade do Senhor, o Deus Soberano.

O oráculo podia tomar a forma de repreensão, ameaça, exortação ou promessa. Estas formas aparecem, às vêzes, em combinação, como repreensão e ameaça, ou como exor­tação e promessa, 5 :8 ; 5:24; 10:1-4; 10:20; 7:4-6. O profeta verdadeiro não falava da sua própria volição, por­que sempre se sentia constrangido pela vontade do Se­nhor, Jer. 20:7-9.

Quando o profeta tinha a certeza de que havia sido comissionado pelo Senhor, a experiência da chamada e da

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comunicação espiritual com Deus influenciou profunda­mente o seu ministério profético e fortaleceu a mensa­gem para com os ouvintes (Cp. Jer. 20 :9 ).

MemóriasEstas narrativas autobiográficas aparecem na for­

ma de prosa, mas encontram-se nelas, de vez em quando, alguns breves oráculos pessoais, 6:8-13; 8:1,5-8, 12-15. No capítulo 6 Isaías conta uma das mais importantes narrativas autobiográficas em tôda a literatura profética. É a história da experiência pessoal com o Senhor quando, por meio da visão inaugural, o jovem sentiu-se vocacio­nado e comissionado como mensageiro do Santo de Israel.

Biografia ProféticaEsta forma da literatura profética consta de narra­

tivas escritas sôbre as atividades do profeta por outra pessoa, como 7:1-17; 20:1-6; 36:1-39:8. Mas há opiniões diferentes a respeito dos capítulos 36-39. Alguns escrito­res pensam que a primeira passagem, 7:1-17, foi origi­nalmente autobiográfica, e foi mudada em biográfica por algumas pequenas mudanças do texto, dando a entender que é a mensagem de Isaías, mas escrita por outra pessoa, Mas o profeta certamente podia escrever na terceira pes­soa sôbre as suas próprias experiências. Encontram-se também oráculos em algumas destas narrativas biográ­ficas, como 37:22-29; 38:10-20. Algumas destas passa­gens biográficas apresentam problemas críticos que serão discutidos no comentário.

V . O Texto Massorético e o Rôlo do Mar Morto

O nosso comentário baseia-se quase que inteiramente no hebraico do Texto Massorético datado em 895, e guar­dado atualmente no Cairo. Seguimos, de vez em quando,

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o texto sugerido na margem da Bíblia Hebraica, editada por Rud. Kittel da American Bible Society, ou outras versões aprovadas por alguns dos mais eruditos comen­taristas. Não temos exemplares dos outros dois manus­critos antigos guardados em Alepo e Leninegrado, mas apenas algumas referências dos mesmos em outras obras. Temos um exemplo dos LXX que consultamos freqüen­temente .

Passaram-se quinze séculos desde o tempo do profeta Isaías até à publicação do Texto Massorético da sua pro­fecia. Êste texto foi transmitido através dos anos com muito cuidado e fidelidade. Mas no correr dos anos o texto original inevitàvelmente sofreu algumas pequenas modificações na transmissão, devido aos erros dos copis­tas, e talvez, em raros casos, devido ao esforço de escla­recer textos difíceis ou duvidosos. Mas são poucos os exemplos dos textos cujo sentido é duvidoso ou inexpli­cável .

As versões do grego, latim, siríaco e aramaico podem oferecer um pouco de auxílio no estudo do texto hebraico, quando o sentido do texto não fôr bem claro, mas devem ser usadas com cuidado.

Entre a descoberta de manuscritos bíblicos na caverna de Ain Feshca, perto do Mar Morto, em 1947, havia um manuscrito de Isaías quase completo, e outro que pre­serva mais ou menos a têrça parte da profecia. O pri­meiro dêstes é geralmente conhecido como O Rôlo de Isaías do Mosteiro d,e São Marcos, de Jerusalém, mas agora pertence ao govêrno de Israel. Êste manuscrito concorda, em geral, com o Texto Massorético. Mas apresenta al­gumas poucas variações, importantes no estudo do texto . Os tradutores da Revised Standard Version preferiram treze destas variações em lugar do Texto Massorético. O manuscrito incompleto de Isaías segue mais de perto

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o Texto Massorético, e tem pouco valor no estudo de pas­sagens difíceis do hebraico.

Mas êstes manuscritos, datados agora na última parte do segundo século, ou na primeira parte do primeiro sé­culo antes de Cristo, são os mais antigos exemplos do texto da profecia, e concordam notàvelmente com o texto tradicional.

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Análise dos Capítulos 1-39

Há quatro divisões principais dêstes capítulos: I. Capítulos 1-12; II. 13-27; III. 28-35; IV. 36-39.

ESBÔÇO MAIS COMPLETO DÊSTES CAPÍTULOS, 1 :1-39:»I. A Infidelidade de Judá e Jerusalém, 1:1-5:29

A . O Sobrescrito, 1 :1B. A Controvérsia do Senhor com o Seu povo,

1 :2-31

1. A Ingratidão do Povo de Israel, 1:2-32. A Nação Pecaminosa, 2:4-93. A Palavra do Senhor sôbre a Religião

e a Vida, 1:10-174. Arrependei-vos, 1:18-205. Lamento sôbre Jerusalém, 1:21-236. O Julgamento da Parte do Senhor,

1 :24-267. A Operação da Justiça Divina na Vida

de Israel, 1:27-318. A Vinda dos Povos ao Senhor de Sião,

2:1-5C. O Castigo da Idolatria e do Orgulho Humano

no Dia do Senhor, 2:6-22

D . O Julgamento Divino de Jerusalém e de Judá,3:1-15

1. A Anarquia Social, 3 :l-72. O Povo Arruinado, 3:8-123. Os Esmagadores do Povo, 3:13-15

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E. As Mulheres Altivas de Jerusalém, 3:16-4:1F. A Beleza e a Glória de Sião Purificada, 4:2-6G. Um Cântico d.a Vinha do Senhor, 5:1-7H. Ais Contra os Perversos, 5:8-30

II. Resguarda o Testemunho, 6:1 - 8:18

A. A Visão Inaugural de Isaías, 6:1-13

B. Isaías e a Guerra Siríaco-Efraimita, 7:1-8:15

1. Sinal de Sear-Jasube, 7:1-92. Sinal de Emanuel, 7:10-173. A Invasão Iminente, 7:18-254. Sinal de Maher-Shalal-Hash-Baz, 8:1-45. Os Dois Rios Simbólicos, 8:5-86. A Fé do Profeta no Senhor Emanuel,

8:9-107. O Temor do Homem e o Temor de Deus,

8:11-15

C. Isaías Cessa as Atividades Proféticas, 8:16-18

III. Superstições dos Vacilantes na Fé, 8:19-9:1

A . Admoestações Contra o Espiritismo, 8:19B. À Lei e ao Testemunho, 8:20; 9:1C. O Reino Messiânico, 9:2-7D. O Julgamento de Efraim Apresenta uma Li­

ção para Judá, 9:8-10:4

IV. Não Temas a Assíria, 10:5-12:6

A. A Ameaça Arrogante da Assíria, 10:5-341. A Jactância da Assíria, 10:5-162. A Labareda do Senhor Consumirá as

Florestas da Assíria, 10:17-19

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3. Um Resto de Israel e Judá Voltará ao Senhor, 10:20-23

4. Sião Será Liberto do Jugo da Assí­ria, 10:24-27

5. O Invasor Aproxima-se, 10:28-326. A Humilhação dos Invasores Orgulho­

sos, 10:33-34

B. O Reino Pacífico e Justo d,o Messias, 11:1-16

1. O Rebento de Jessé, 11:1-92. O Messias e a Nova Glória de Israel,

11:10-16

C. Culto de Louvor pela Restauração de Israel,12:1-6

O Julgamento de Reinos e de Povos, 13:1-23:18

A . O Destino da Babilônia, 13:1-22B. A Quedai do Tirano dais Nações, 14:1-23C. O Propósito do Senhor na Destruição da

Assíria, 14:24-27D. A Alegria Prematura dos Filisteus, 14:28:32E . Oráculo Concernente a Moabe, 15:1-16:14F . Oráculo sôbre a Aliança de Israel e a Síria,

17:1-11

1. Oráculo Concernente a Damasco, 17 :l-62. Abandono dos ídolos, 17:7-83. Segurança Falsa, o Culto de ídolos,

17:9-11

G. O Poder Mundial Se Levanta e Cai, 17:12-14H. Profecia Contra o Egito, 18:1-20:6

1. Resposta do Profeta aos Emissários da Etiópia, 18:1-7

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A. R. C R A B T R E E

2. Profecia Contra o Egito, 19:1-153. Judá e o Senhor Javé, um Terror para

os Egípcios, 19:16-174. Os Egípcios e os Assírios Adorarão ao

Senhor, 19:18-255. Evita Alianças Políticas com Estran­

geiros, 20:1-6

I. Uma Visão da Queda da Babilônia, 21:1-10 J. Oráculo Concernente a Dumá, 21:11-12 K. Oráculo Concernente a Arábia, 21:13-17 L. A Leviandad,e Religiosa dos Moradores de

Jerusalém, 22:1-14 M. A Degradação de Sebna, 22:15-25 N. A Profecia Contra Tiro, 23:1-18

1. Oráculo Concernente a Tiro e Sidom,23:1-14

2. A Restauração de Tiro Depois de Se­tenta Anos, 23:15-18

Despertai e Cantai, os Que Habitais no Pó, 24:1-27:13

A. O Bom Efeito do Castigo de Israel, 24:1-23

1. A Terra Ficará Desolada por Causa do Pecado dos Habitantes, 24:1-12

2. Um Clamor de Confiança, 24:13-16a3. A Grande Catástrofe, 24:16b-204. O Julgamento e a Nova Era, 24:21-23

B. Maravilhas das Atividades do Senhor, 25:1-12

1. Salmo de Gratidão pelo Livramento do Povo, 25:1-5

2. Profecia da Idade Messiânica, 25:6-8

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A P R O F E C I A D E I SA ÍA S 55

3. Hino de Louvor pela Humilhação de Moabe, 25:9-12

C. Um Pedido de Salvação Mais Perfeita, 26:1-19

1. Gratidão pela Vitória, 26:1-6•2. O Povo Espera Ansiosamente os Juizes

Retos do Senhor, 26:7-103. As Bênçãos da Disciplina e da Orien­

tação Divina, 26:11-154. Experiências Tristes Que o Povo So­

freu Antes da Sua Redenção, 26:16-185. Os Teus Mortos Viverão, os Seus Cor­

pos Ressuscitarão, 26:19

D. Conclusão da Mensagem de Aspirações e Es­peranças, 26:20-27:13

1. O Povo Deve Esconder-se até Que Passe o Julgamento Divino, 26:20-21

2. A Punição dos Podêres Cruéis do Mun­do, 27:1

3. Cântico da Vinha do Senhor, 27:2-64. A Significação da Disciplina de Israel,

27: 7-11

5. Uma Profecia da Restauração dos Des­terrados de Israel, 27:12-13

VII. Não Escarneçais, Agravando, Assim, os VossosGrilhões, 28:1-32:20

A . O Castigo Certo de Efraim e Judá, 28:1-29

1. A Queda da Capital de Israel, 28:1-62. Bêbedos entre os Sacerdotes e Profetas

de Jerusalém, 28:7-13

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56 A. R. C R A B T R E E

3. A Aliança com a Morte e com o Sheol,28:14-22

B . A Providência do Senhor em Relação ao Seu Povo, 28:23-29

C. A Obra Maravilhosa do Senhor, 29:1-14

1. A Humilhação e o Livramento de Je­rusalém, 29:1-8

2. A Cegueira e a Hipocrisia do Povo,29:9-12

3. A Religião Meramente Convencional Perecerá, 29:13-14

D. A Rejeição da Segurança da Fé no Senhor, 29:15 - 30:17

1. A Repreensão dos Conspiradores, 29:15-16

2. A Redenção de Israel, 29:17-243. A Infidelidade de Judá na Aliança Po­

lítica com o Egito, 30:1-74. No Sossêgo e na Confiança a Vossa

Fôrça, 30:8-17

E. O Poder do Deus Invisível, 30:18-31:9

1. Promessa para o Povo Sofredor de Sião, 30:18-26

2. Será Destruído o Inimigo do Povo de Deus, 30:27-33

3. A Fôrça de Cavalos e o Poder do Se­nhor, 31:1-3

4. O Senhor dos Exércitos É o Defensor de Jerusalém, 31:4-9

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A P R O F E C I A D E I SAÍAS 57

F. A Comunidade Ideal na Idade Messiânica, 32:1-8

1 . 0 Estabelecimento do Govêrno Mes­siânico, 32:1-2

2. A transformação Espiritual do Povo na Idade Messiânica, 32:3-5

3. Contraste entre os Característicos do Fraudulento e do Honesto, 32:6-8

4. Advertência Contra as Mulheres de Jerusalém, 32:9-14

5. 0 Poder Transformador do Espírito na Idade Vindoura, 32:15-20

VIII. A Recompensa Divina, 33:1-35:10

A . A Aflição e o Livramento de Jerusalém,33:1-24

1. O Apêlo ao Senhor Contra os Opresso­res dos Judeus, 33:1-13

2. Efeitos da Manifestação da Presença do Senhor, 33:14-24

B. A Indignação do Senhor Contra Tõdas asNações, 34:1-17

C. A Felicidade de Sião no Futuro, 35:1-10

IX . A Influência de Isaías no Reino de Ezequias,36:1-39:8

A. Senaqueribe Exige a Capitulação de Jerusa­lém, 36:1-37:4

B. O Rei Ezequias Recebe o Conselho do Pro­feta Isaías, 37:5-7

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A. R. C R A B T R E E

C. A Carta do Rei da Assíria, 37:8-13D. A oração de Ezequias, 37:14-20E. O Profeta Aconselha e Conforta Ezequias,

37:21-29F . Sinal para os Sobreviventes, 37:30-32G. O Desastre dos Assírios e a Morte de Sena-

queribe, 37:33-38H. A Doença de Ezequias e Sua Cura Maravi­

lhosa, 38:1-21I. A Embaixada de Merodaque-Baladã Visita o

Rei Ezequias, 39:1-8

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A PROFECIA DE 1SAÍAS

Capítulos 1-39

TEXTO, EXEGESE E EXPOSIÇÃO

I. A Infidelidade de Judá e Jerusalém — 1 :1 - 5:29

Esta primeira secção do livro consta de profecias re­cebidas do Senhor e transmitidas a Judá e Jerusalém no primeiro período do ministério de Isaias. Nesta série de oráculos o profeta apresenta acusações e ameaças do Senhor contra o povo de Judá, com a promessa de mi­sericórdia divina, nas condições de arrependimento e obediência à vontade revelada de Deus. Neste primeiro capítulo o profeta dá ênfase aos ensinos básicos do li­vro e ao seu ministério como mensageiro de Deus.

A . O Sobrescrito — 1:1

1. A visão de Isaias, filho de Amoz, que êle viu concernente a Judá e Jerusalém, nos dias de Uzias, Jotão e Ezequias, reis de Judá.

O versículo é claramente o título da profecia que ter­mina com as narrativas sôbre o reino de Ezequias nos cps. 36-39. Todavia, é mais apropriado para os primei­ros doze capítulos. Há, porém, uma série de ameaças con­tra o reino de Israel em 9:8-21, e nos capítulos 13-23 há um grupo de oráculos contra várias outras nações. Mas estas nações estão relacionadas, de uma ou de outra ma­neira, com a história de Judá.

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60 A. R. C R A B T R E E

A visão, }Í?Hi, de Isaías aparentemente indica aqui amensagem inteira do livro, mas êste fato não exclui o sentido radical da palavra. O cp. 6 descreve o signi­ficado da visão na experiência do profeta. O têrmo tem o sentido largo de ver, contemplar, perceber, sentir e ex­perimentar. Assim, todos os verdadeiros profetas do Se­nhor tinham a vocação de receber e entender a mensagem da revelação divina, distingui-la de seus próprios pensa­mentos, e entregá-la ao povo de acôrdo com a vontade divina.

O nome Isaías, , significa Javé é a salvaçãot : “ :

ou Javé dará a salvação. Êste grande mensageiro do Se­nhor entendeu e exemplificou a significação simbólica do próprio nome nas suas pregações. O nome do pai de Isaías é Amoz, diferente do nome do profeta Amós.

Enquanto o profeta fala principalmente “ concernen­te a Judá e Jerusalém” , no cap. 7, e em vários outros lugares, êle trata das relações do Reino de Israel com Judá. Jerusalém, a cidade do profeta, a capital de Judá, e o centro da teocracia, é considerada, às vêzes, como a região inteira de Judá. É também distinguida de Judá, e recebe ênfase especial no livro, 3:1, 8; 5:8; 22:21.

Alguns insistem em que a frase “ reis de Judá” é tau­tológica, e foi acrescentada depois do tempo de Isaías, mas frases paralelas se encontram nos títulos dos livros de Jeremias, Oséias, Amós e Miquéias.

B . A Controvérsia do Senhor com o Seu Povo, 1 :2-31

É fato significativo a posição do profeta no meio da história do povo escolhido. A bondade do Senhor não ti­nha despertado o espírito de gratidão no íntimo dos filhos de Judá, e o castigo disciplinar não os tinha levado ao

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arrependimento e à obediência. Contudo, o Senhor Javé, 110 seu amor imutável, não podia desampará-los, mas le­vantou profetas para admoestar ao povo de Judá sôbre o perigo da destruição daqueles que persistem na rebelião contra o seu Deus, e a calamidade do desprêzo da pala­vra divina claramente revelada por intermédio dos men­sageiros do Senhor.

0 profeta explica neste capitulo a controvérsia do Senhor com o seu povo de Judá. Judá está sofrendo as conseqüências da sua rebelião contra o Senhor, mas não quer aprender a lição do seu sofrimento. 0 profeta de­nuncia o culto que o povo de Judá julga agradável a Deus e esclarece o espírito da religião verdadeira. Não obstan­te a sua infidelidade, o povo ainda pode voltar-se para o Senhor.

1. A Ingratidão do Povo de Israel, 1 :2-3

2. Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, ó terra;porque o Senhor é quem fala:

Criei filhos, e os engrandeci,mas êles se rebelaram contra mim.

3. O boi conhece o seu possuidor,e o jumento a manjedoura do seu dono:

mas Israel não conhece,o meu povo não entende.

Êstes dois versículos poéticos constituem a introdu­ção de uma série de mensagens recebidas do Senhor, apresentando, ao mesmo tempo, a razão básica da terrí­vel denúncia de Judá. Os céus e a terra são chamados para testemunhar a acusação do Senhor contra o seu povo. É uma introdução profundamente significativa. Moisés começou o seu cântico de Deut. 32:1-43 com o mesmo apêlo aos céus e à terra. Quando o Senhor ofe­receu ao seu povo a liberdade de escolher entre a bên­

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ção e a maldição, entre a obediência e a desobediência, êle chamou os céus e a terra com o testemunhas, Deut. 30:19. Segundo Amós 3:9 e Miquéias 6:2, o procedimen­to revoltoso de Israel é publicado aos exércitos dos céus e aos habitantes da terra. A rebelião contra o Senhor tor­na-se mais grave à luz da verdade de que a sua glória en­che os céus e a terra, Is. 6:3; Amós 4:13. É o Todo- Poderoso quem opera na História para conseguir o seu eterno propósito, Is. 10:5.

Porque é Javé quem fala . É o grande EU SOU, rPHiímas para Moisés, os profetas e os israelitas êle é Javé (Jeovah), mPP , ÊLE É.

Criei e engrandeci filhos. A forma dêstes dois ver­bos no hebraico é intensiva. Os têrmos são sinônimos, mas no uso de palavras sinônimas, a segunda geralmen­te avança o sentido da primeira. A primeira palavra aqui descreve o processo de criar e educar carinhosamente o filho; a segunda refere-se à alta posição do filho bem treinado. Assim o Senhor gerou o seu filho, libertando- o da escravidão do Egito. Deu-lhe a independência como povo, com as suas próprias leis; plantou-o na sua própria terra, e levantou profetas para lhe transmitir as eternas verdades da revelação divina. Além de tudo isto, o Se­nhor lhe deu a incumbência de preservar e entregar às nações da terra as verdades eternas recebidas do Se­nhor.

Através da História o Senhor tratou o seu povo es­colhido como filho querido. Êste versículo no princípio da mensagem severa do profeta, bem com o Oséias 11:1-4, refuta a opinião popular de que o ensino da paternidade de Deus apresenta-se somente em o Nôvo Testamento. Aqui o Senhor fala como pai, comovido pelo sentimen­to de pesar despertado pela insensibilidade e a infidelida­de de Israel, e do sofrimento que está trazendo sôbre si

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A P R O F E C I A DE I SAÍAS 63

mesmo pela rebelião contra o seu Deus, de santidade, jus­tiça e amor. Na sua infidelidade o povo tinlia perdido i? capacidade de discernir ou avaliar o amor imutável do seu Deus.

Foi assim que o filho Israel correspondeu ao amor

paterno do seu Deus. Esta palavra yti*E , significa ram-“ T

per relações com alguém, ou separar-se completamente dêlc. Assim Israel se rebelou contra a casa de Davi, I Heis 12:19. Pela própria vontade, e até com violência, Judá tinha rompido a sua própria relação com o seu Se­nhor. Apesar do amor de Deus que o povo tinha experi­mentado através da História, e não obstante a promessa solene da fidelidade (Êx. 1,9:8), o filho revoltoso renun­ciou ao amor imutável do Senhor e abandonou o seu Deus.

Havendo violado o concêrto de Deus, e cortado os laços que o prendiam ao Senhor, Israel tinha perdido o seu sentido moral, e a capacidade de reconhecer a gra­vidade do seu pecado. Com a persistência na rebelião, o povo tinha perdido a capacidade de arrepender-se e vol­tar ao Senhor. Desde o tempo de Davi e Salomão, o espí­rito revoltoso do povo em geral tornava-se cada vez mais forte. Os reis Asa e Joás se esforçaram para fazer uma reforma religiosa entre o povo, mas com poucos resul­tados. Os reis, os ricos e o povo em geral tinham caído tão completamente na imoralidade, que praticavam, sem escrúpulo, a injustiça, a corrupção e a idolatria. Rejei­tavam a palavra dos mensageiros do Senhor e entrega­vam-se de coração ao serviço agradável dos deuses es­tranhos. Isto também acontece com todos que se esque­cem de Deus.

0 profeta acentua a tragédia da ingratidão de Israel pelo contraste com a fidelidade instintiva dos animais do­mésticos aos seus donos. Até o boi conhece o seu dono.

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64 A. R. CRABTREE

Esta palavra, y p é muito rica nos seus vários sentidos.

Usa-se aqui no sentido de conhecer por experiência. O animal doméstico conhece instintivamente a bondade do seu dono. Trabalha docilmente no serviço do homem, e dêle recebe sustento. Não tem qualquer propensão de mudar o seu modo de viver e servir, ou de recusar obe­decer fielmente à vontade do dono. Também pela expe­riência o jumento tem conhecimento, pelo menos, da manjedoura do seu possuidor.

Israel deve ter profundo conhecimento filial do Se­nhor, o conhecimento entranhável do amor do seu Deus, mas tinha perdido até o sentido de gratidão, característi­co do animal doméstico. Não entende, r a , não tem con­sideração, não reconhece mais que são filhos do Senhor Javé, que a sua própria existência e a sua felicidade de­pendem da graça de Deus (Jer. 5:24).

2. A Nação Pecaminosa, 2:4-9

4 . Ah! nação pecaminosa,povo carregado de iniqüidade,

descendência de malfeitores, filhos corruptores !

Êles abandonaram o Senhor,desprezaram o Santo de Israel,

a fastaram-se para, trás.

Nota-se a mudança do ritmo nesta poesia de lamen­tação. O Senhor tinha falado pelo profeta e acusado os seus filhos de rebelião. Mas nesta lamentação do Pai, acentua-se ainda mais a tragédia da revolta de Judá. Há neste versículo quatro substantivos para designar os re­voltosos: nação, povo, semente, filhos.

As nações vizinhas ignoravam a revelação divina que os israelitas tinham recebido por intermédio dos

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A P R O F E C I A D E I SAÍAS 65

mensageiros do Senhor. Mas Deus, o Pai de Israel, de­clara neste versículo que o seu próprio povo se tornara "nação pecaminosa” em vez de uma nação santa; “ povo iníquo” ou “ perverso” em vez de um povo justo; “ se­mente de malfeitores” em vez de a descendência do povo escolhido do Senhor; “ filhos que praticam a corrupção” em vez de filhos do amor imutável do seu Pai.

A palavra Ah! descreve o sentimento de dor do Pai abandonado pelos filhos, e não se refere aqui ao sofri­mento de Judá, segundo a nossa interpretação, mas pode significar o ai do povo pecaminoso. 0 participio NI2'P1declara que a nação vai errando repetidamente o alvoda sua vocação. 0 povo é sobrecarregado, * 0 3 ,oprimi-

li # v v do de perversidade, ou atos malignos. Os filhos da

T

casa do Pai degeneraram, tornaram-se crimino-— T

sos. Abandonaram, 2 tV > o Senhor, desprezaram,- t - Tou rejeitaram com desdém “ o Santo de Israel” , o seu próprio Deus. A frase, o Senhor de Israel, usada freqüente­mente pelo profeta Isaías, originou-se evidentemente com a experiência na visão inaugural no Templo. A Santidade é a natureza essencial do Senhor que o separa e o exalta acima de tôda a criação. Pessoas e cousas são denomi­nadas santas apenas no sentido da sua separação para o serviço do Senhor. A frase voltaram para trás não tra­duz nitidamente o hebraico que é um pouco difícil. A forma reflexiva do verbo -flté melhor traduzida “ se es­tranharam completamente” , apostataram. Chamado para ser um povo santo, Israel tinha recebido as provas do amor imutável no concerto do Sénhór, mas tinha rompido os laços que o prendiam ao Santo de Israel.

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66 A . R. C R A B T R E E

Não obstante o plural dos verbos no versículo cin­co, o autor personifica a nação, e descreve a sua enfer­midade como se fôsse liomem gravemente enfêrmo. Al­guns dizem que a descrição sugere o corpo de escravo tão castigado que não há mais lugar nêle sem feridas. Assim traduzem Hfâ “ Em que parte sereis ainda fe­ridos?” Mas, “ Por que” traduz melhor o hebraico. O verbo HD2 significa ferir, matar, Jos. 10:26. Por que

T T

continuais a vossa rebelião, a vossa apostasia?O povo tinha recebido bastante castigo para ser le­

vado ao arrependimento. O corpo estava cheio de contu­sões, e o coração se tornara fraco e insensível. Não ha­via nada recomendável na sua vida moral e religiosa. É desesperada a condição nacional. Havendo despreza­do o Santo de Israel, a única fonte do seu socorro, o povo, na sua miséria, não tinha qualquer alívio ou con- fôrto, e não manifestava qualquer desejo de voltar-se para o Senhor.

A ferida, , com a carne rasgada deve ser atada;

a pisadura, nTlâH » deve ser amolecida com óleo; a chaT “

ga sangradora, n v"Ü deve ser espremida e limpa,T * * T “

para se tornar curável. Assim a nação pecadora tinha trazido sôbre si a terrível moléstia que ameaçava des­truí-la, e não quis arrepender-se para receber a salva­ção. “ Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que êle se converta do seu caminho e viva” (Ez. 33:11; Cp. Is. 1:18).

5* Por que sereia perpetuamente feridos, visto que continuais em rebeldia ?

T ô d a a cabaça está doente,« todo o coração enfêrmo.

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A P R O F E C I A DE I SAÍAS 67

6. Desde a planta do pé até à cabeça,não há nêle cousa sã,

senão feridas, pisaduras e chagas sangradoras,

não espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo.

7. A vossa terra está assolada,as vossas cidades consumidas pelo fogo;

em vossa, própria presençaestranhos devoram a vossa lavoura;

a terra se acha devastada, como subversão de estranhos.

8. A filha d « Sião é deixadacomo choça na vinha,

como palhoça no pepinal, como cidade sitiada.

9. Se Javé dos Exércitosnão nos tivesse deixado alguns sobreviventes,

nóc teríamos sido como Sodoma,e nos teríamos tornado semelhantes a Gomorra.

Os versículos cinco e seis descrevem a enfermidade de Israel em linguagem figurativa. Nos versos sete e oito o profeta conta literalmente o fato da invasão da terra por estranhos, com resultados desastrosos. A se­melhança entre a figura do homem severamente castiga­do e a terra arruinada pela invasão de inimigos, apresen­ta um exemplo do estilo artístico do profeta. O versículo sete é muito semelhante a Lev. 26:33, que fala da mal­dição da desobediência.

É difícil determinar se o profeta está falando da invasão de Israel pelos sírios e efraimitas, II Reis 14:8- 14 e II Crôn. 24 e 25, ou se se refere à destruição vandá- lica de Senaqueribe quando êle entrou na terra e des­truiu, segundo a sua própria narrativa, “ 46 cidades for­tificadas e vilas sem número” . Os expositores modernos geralmente ligam a referência à terrível devastação cau­sada pelo exército cruel da Assíria.

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68 A . R. C R A B T R E E

A vossa terra é uma assolação, ou fica com-T T S

pletamente em ruínas. A vossa lavoura traduz correta­mente a vossa terra, o vosso solo produtivo, ou os pro­dutos do solo. A palavra nO S ntt, transtorno ou subver-

T ** I "

são, significa o transtorno feito pelos estranhos. Em to­dos os outros lugares esta palavra sempre se refere à destruição de Sodoma e Gomorra, Deut. 29:23, Is. 13: 19, Jer. 50:40 e Amós 4:11. Alguns intérpretes pensam que o profeta usou aqui o transtorno da Sodoma, mas o texto é claro.

Foi uma dolorosa experiência para Isaías entregar esta mensagem tão dura do Senhor ao seu povo infiel, sem qualquer sentimento de culpa, e sem qualquer de­sejo de abandonar os seus pecados e voltar ao seu Deus. Mas fo i a pregação corajosa dêste mensageiro do Senhor que finalmente levou um pequeno grupo do seu povo ao arrependimento, o restante fiel que salvou Judá da des­truição do poder cruel da Assíria, o mesmo poder que destruiu para sempre a nação de Israel.

Os têrmos A Filha de Sião e A Virgem Filha de Siãousam-se freqüentemente para designar a cidade de Je­rusalém . A form a genitiva da aposição diz A filha, Sião. O nome Sião designou originalmente o outeiro que Davi tomou dos jebuseus, dando-lhe o nome de Cidade de Davi. Foi chamada também a Cidade Santa. A palavra filha personifica a cidade. Agora, à luz das descobertas arqueológicas, é reconhecido que Jerusalém existiu mui­tos séculos antes do tempo de Davi (Ver A Arqueologia Bíblica do autor, p . 206).

Na referência à vinha e ao pepinal o profeta está pensando nêles antes dè serem recolhidos os seus fru­tos, Quando fala de Jerusalém como choça na vinha, ou a palhoça no pepinal, está dirigindo sua atenção à soli­

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A P R O F E C I A D E I SA ÍA S 69

dão da cidade, e também à fraqueza dela perante os ini­migos.

Se a palavra sitiada, , se refere ao sítio peloT S

exército da Assíria, quando Senaqueribe “ fechou o rei Ezequias na cidade como se fecha o pássaro na gaiola” , a providência divina não permitiu ao arrogante general realizar o desejo de capturar a capital de Judá, II Reis 19:35. Pelá misericórdia de Deus, e segundo o seu pro­pósito na escolha de Israel, Judá não fo i completamente destruída, como foi aniquilada Sodoma, que ficou sem sobreviventes.

O Senhor dos Exércitos, ÍYiKHS !Tirp , foi usadoT J

como o nome de Deus em I Sam. 17:45, no sentido dos exércitos militares de Israel. Mas foi abandonado aquê- le uso da frase, talvez depois da captura da arca pelos filisteus. Mas desde o período antigo da história de Is­rael a frase designava O Senhor dos Exércitos celestiais, Juizes 5:20; e mais tarde tem o sentido de O Senhor dos eé«s e da terra, Amós 4:13, Is. 54:5, Jer. 31:35 (Cp. A Teologia Bíblica do Velho Testamento do autor, p. 62).

Alguns sobreviventes, é o primeiroT * * * T

exemplo do ensino de Isaías sôbre “ o restante de Israel” que sobreviverá (Ver 4:2; 10:19-23; 17:6; 28:5, 6 ). O nome do primeiro filho do profeta significa “ Um-Res- tante-Voltará” . A doutrina do restante não se baseia na clemência dos inimigos de Israel, mas na misericórdia, no propósito e na operação de Deus na História.3. A Palavra do Senhor sôbre a Religião e a Vida, i :10-17

10. Ouvi a palavra do Senhor,vós governadores de Sodoma !

dai ouvidos ao ensino do nosso DeuS: povo de Gomorra !

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70 A . R. C R A B T R E E

11. De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios?, diz o Senhor;

Estou farto dos holocaustos de carneiros, e da gordura de animais cevados;

não me agrado do sangue de novilhos, nem de carneiros, nem de bodes.

Havendo apresentado as acusações contra a nação pecaminosa, juntamente com os resultados desastrosos da injustiça, o profeta dirige ao povo a palavra do Se­nhor e o ensino do nosso Deus. O Senhor não se agrada de ofertas e sacrifícios,; de festas religiosas e de assem­bléias solenes, apresentadas com cerimônias elaboradas, mas espera antes o tributo da justiça, do amor, da bon­dade e da misericórdia nas relações sociais do seu povo (Cp. Amós 5:21-24; Os. 6:6; 8:11-14; Miq. 6:6-8; .Ter. 7:22-23).

Não se pode deixar de reconhecer o conflito entre o sistema sacrificial dos sacerdotes e os ensinos dos pro­fetas canônicos. Os sacerdotes tinham abusado do sis­tema de sacrifícios até ao ponto de levar o povo a pen­sar que até os homens injustos e pecaminosos poderiam comprar os favores divinos mediante oferta de animais no altar do Senhor, e pelas assembléias solenes. Às ve­zes é difícil discernir se os profetas condenam apenas o abuso do modo de oferecer animais ao Senhor, ou se êles estão condenando o sistema inteiro de sacrifícios. O culto ritual pode ser agradável ao ouvido ou à vista, mas é abominável ao Senhor quando é oferecido como substituto da vida de retidão e justiça e da obediência moral. Na apresentação dêste princípio eterno da justi­ça, o profeta descreve o contraste entre o procedimento de alguns homens de hoje na igreja e nas suas ativida­des nos outros dias da semana. Êste tema revolucioná­rio dos profetas canônicos é o âmago da verdadeira re­ligião, e trata da luta que sempre existe entre a religião

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meramente formal e a comunhão íntima e pessoal do homem com Deus.

O profeta não podia ter usado têrmos de reprova­ção mais severos do que governadores de Sodoma e povo de Gomorra. Estas duas cidades foram aniquiladas por causa dos seus pecados. “ Tão certo com o eu vivo, diz o Senhor Javé, não fêz Sodoma, tua irmã, nem ela, nem suas filhas, com o fizeste tu e tuas filhas. Eis que esta foi a perversidade da tua irmã Sodoma: achavam-se nela e nas suas filhas a soberba, a fartura de pão e a próspera tranqüilidade; mas não amparou o pobre e o necessita­do” (Ez. 16:48, 49). Os príncipes, ou chefes, do povo do Senhor são iguais aos governadores de Sodoma na direção moral dos seus patrícios. O povo de Judá é tão pecaminoso e tão culpado com o o povo de Gomorra. Mas Isaías tem uma mensagem do Senhor para os chefes que desviavam o seu povo, como também para o povo desviado. A exterminação de Sodoma e Gomorra será também o destino de Judá, se êle continuar na revolta contra o Santo de Israel, e na rejeição persistente da pa­lavra do Senhor e do ensino do nosso Deus.

A palavra > ^o Senhor, associa-se diretamenteT V

com o conceito da soberania e da glória de Deus, pois é a revelação da natureza, do caráter e da própria Pessoa do Deus Santo. O ensino m i R do nosso Deus, sinò-

T

nimo da palavra de Deus, emprega-se em vários senti­dos. Usa-se, no singular e no plural, em Êx.-Deut. e em outros lugares no próprio sentido de leis, com o a lei moral, as leis dos sacerdotes, ou qualquer código de leis. Mas neste versículo a palavra significa instrução, ensino ou direção. A palavra lei nas versões em portu­guês e outras línguas não representa o sentido da palavra neste versículo. O ensino de Deus é a sua instrução sôbre

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a vontade divina, transmitido pelos profetas (Is. 2:3, 30:9, Jó 22:22, Lam. 2 :9 ).

O Senhor persiste em perguntar pelos profetas: “ Por que esta multiplicação de sacrifícios e holocaustos ?” O primeiro têrmo, {"D?, refere-se à matança e à oferta deanimais ao Senhor. A carne dêstes, sem o sangue, pro­porcionava aos ofertantes uma festa de grande alegria. Os holocaustos, ’ J? > e as partes especiais (Lev. 3:17,

T

4:8, 19, 26), a gordura e o sangue, que o povo não co­mia, eram reservados e santificados ao Senhor. Mas os cfue ofereciam animais cevados, novilhos, carneiros (fora de holocaustos), e bodes, comiam a carne, separada do sangue, nas festas religiosas (Am. 5:22- Ez. 39:18; II Sam. 6:13; I Reis 1:9-19).

Que se pode dizer sôbre a influência da religião no caráter, e no procedimento dos homens religiosos de nossa época? Não é verdade que as injustiças, a cruel­dade e a mentira contradizem os protestos públicos da fé cristã de muitas pessoas de hoje?

12. Quando vindes para comparecer perante mim,quem vos requer

o pisardes os meus átrios?

13. Não continueis a trazer ofertas vãs;o incenso é para mim abominação.

A lua nova e o sábado, a convocação de assembléias — não posso suportar a iniqüidade e o ajuntamento solene.

14. As vossas luas novas, e as vossas solenidades,a minha alma as aborrece;

elas me são como carga,estou cansado de as sofrer.

Quando vindes para comparecer perante mim tem um sentido especial, e significa o ato de culto no Templo

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cm Jerusalém perante a habitação do Senhor, sôbre a arca 110 Lugar Santíssimo. Alguns comentaristas insistem em que o têrmo comparecer, foi originalmente

T “

, a ver o meu rosto, e foi mudado para evitar aiiparência de antropomorfismo, mas o texto é claro e perfeitamente natural. A mesma forma do verbo é usa­da no mesmo sentido em Èx. 34:23, Deut. 31:11, Sal. 42:3. Quem vos requer, , ou pede insistentemente

isto das vossas mãos, o pisardes os meus átrios? O pro­feta se refere aos hipócritas que passeavam no Lugar Santo do Templo, onde se ofereciam os animais no altar (Cp. .Toão 2:14, 16; Mat. 21:12-16; Mar. 11:15-17).

A oferta, n n ift , presente ou tributo de gratidão aoT S •

Senhor era principálmente de cereais, Lev. 2:11-13; 7: 37; Núm. 7:13; Jos. 22:23; I Reis 8:64. Assim, o pro­feta condena severamente estas oferendas que deviam expressar o espírito de gratidão do ofertante com o ofer­tas vãs que simplesmente representavam a vaidade dos ofertantes, e não tinham qualquer significação perante o Senhor. Até o incenso que subiu no fumo de tais ofertas era abominação para o Senhor. Até a celebração do apa­recimento da lua nova, dos vários sábados, incluindo os dias que iniciavam e terminavam as assembléias sole­nes, eram apenas exemplos multiplicados da iniqüida­de do povo. 0 Senhor não podia suportar mais aquêles que assim acrescentavam a hipocrisia à iniqüidade da revolta contra êle.

Que significa a religião na vida moral e na vida so­cial de muitas pessoas de hoje que se apresentam como extremamente fervorosas na prática das formalidades de sua igreja? As verdades da revelação divina apresen­

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tadas aqui pelo profeta têm a mesma aplicação aos ho­mens de hoje, nominalmente muito religiosos, mas que praticam tôdas as formas de injustiça e iniqüidade nas suas relações sociais.

15. Quando estenderdes as vossas mãos,esconderei de vós os meus olhos;

ainda quando multiplicardes orações, eu não darsi atenção;

as vossas mãos estão cheias de sangue.

16. L a va i -vo s ; purificai-vos;tirai a maldade de vossos atos

de diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal,

17. aprendei a fazer o bem; atendei à justiça,

fazei que o opressor seja reto; defendei o direito do órfão,

pleiteai a causa da viúva.

'Êstes homens egoístas não eram mais capazes de reconhecer a hipocrisia nos seus cultos. Estendiam as mãos, cheias de sangue, na oração, com a esperança de receber do Senhor quaisquer bênçãos materiais que pe­dissem. Já tinham perdido o sentido moral da justi­ça, e assim rebaixaram o seu próprio conceito da jus­tiça de Deus. Assim, depois de declarar em têrmos âbsolutos a ineficácia dos sacrifícios, e das assembléias solenes, o profeta declara que as orações dêstes homens não têm efeito nenhum para com Deus, porque as mãos levantadas no ato de pedir o socorro divino estão man­chadas do sangue das suas vítimas. O manuscrito de Isaías achado na caverna de Qumrã acrescenta “ e os vossos dedos de iniqüidade” .

Mas há um remédio até para êstes pecadores. “ La- vai-vos; purificai-vos.” Purificai os vossos corações,

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a vossa natureza pecaminosa. A palavra V fn » lavar~ T

usa-se geralmente no sentido literal, ou cerimonial, mas uqui tem a mesma significação paralela de H3Í , ser

T T

moralmente puro, ser justificado, Sal. 51:6, Miq. 6:11, e quer dizer fazer-se moralmente puro. Tirai a maldade de vossos atos, o espírito pecaminoso que se revela nas vossas atividades, I Sam. 17:28, a malignidade do cora­ção, Sal. 73:13.

Aprendei, , a fazer o bem, e prestar ao Senhor— T

o serviço que êle requer. Buscai ou atendei à“ T

justiça, à retidão, Gên. 18:25. Deus ama a retidão, Sal.33:5. A palavra é intensiva, e significa mais do

:

que repreender. Almeida traduz corretamente, fazei que seja reto o opressor, , o desumano, o cruel. A

T

justiça se manifesta especialmente pela compaixão para com aqueles sem defesa própria, como o órfão e a viúva.

4. “ Arrependei-vos” , 1:18-2018. Vinde, pois, e arrazoemos,

diz o Senhor; ainda que os vossos pecados são como o escarlate,

êles se tornarão brancos como a neve; ainda que são vermelhos como o carmesim,

tornar-se-ão como a lã.

19. Se fôr da vossa vontade, e se obedecerdes,comereis os produtos da terra.

20. Mas se recusardes, e fordes rebeldes,sereis devorados pela espada;

pois a bôca do Senhor o disse.

Nos versículos 10 a 17, o Senhor tinha falado, atra­vés do profeta, na sua ira contra a perversidade do seu povo; mostra, porém, em 16 e 17, que não deseja a des­

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truição de Israel, mas antes, no seu amor imutável, êle quer salvar o povo da sua escolha. Não obstante a falta de uma conexão enfática, êstes versículos concordam perfeitamente no ensino persistente de que o arrepen­dimento e a obediência são impreteríveis para o povo do Senhor. As duas afirmações de que os pecados do povo inteiro se tornarão brancos como a neve ou a lã, não cabem no contexto, segundo a opinião de alguns co­mentaristas. Mas a palavra arrazoemos e os versículos 19 e 20 constituem uma parte essencial do contexto, e mostram a possibilidade aberta da salvação do povo, na condição do arrependimento e obediência.

O versículo 18 não representa um processo legal para determinar a inocência ou a culpa de Israel. A cul­pa do prisioneiro já está determinada. Êle é chamado a comparecer perante o Senhor, o Juiz, que lhe oferece a segunda oportunidade. Está em prova e tem que fazer a sua própria escolha, o seu próprio destino. A escolha é voluntária, mas envolve conseqüências. Vinde, pois, e arrazoemos, íirD^Jl A forma Nifal do verbo no he-

T ; T • :

braico pode significar ação reflexiva, passiva ou recí­proca. O Nifal de rD 1’ usa-se mais duas vêzes no Velho

~ T

Testamento. Em Jó 23:7 o homem reto podia pleitear ou arrazoar. Em Gên. 20:16 o Nifal tem o sentido de ser justificado ou endireitado. O verbo aqui significa arrazoar, argüir, discutir, a fim de chegar a acordo reto e justo.

As declarações que seguem em 18b-20 são clara­mente condicionais: Os vossos pecados se tornarão bran­cos com o a neve; brancos como a lã; comereis os pro­dutos da terra; sereis devorados pela espada. Assim o povo tem o privilégio de considerar a natureza e as con­seqüências da sua infidelidade, e de escolher entre o bem e o mal, entre a vida e a morte.

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5. Lamento sôbre Jerusalém, 1:21-23

21. Como ss fêz prostitutaa cidade fiel,ela que estava cheia dé retidão I

Nela habitava a justiça, mas agora homicidas.

22. A tua prata se tornou em escória,o teu vinho, misturado com água. '

23. Os teus príncipes sãò rebeldes,e companheiros de ladrães.

Cada um dêles ama o suborno, e corre atrás de presentes.

Êles não defendem o órfão,e não chega perante êles a causa d a - v iú v à .

O lamento é uma form a literária do . Velho Testa­mento, usado originalmente para descrevei a tristeza sôbre a morte de uma pessoa, com o o cântico fúnebre de Davi por Saul, II Sam. 1:17-27. Mais tarde os profe­tas e os poetas usaram o lamento para descrever a cor­rupção ou a desolação de um povo ou de uma nação, como o livro de Lamentações. Sião, a cidade fiel, se tornou infiel, a espôsa do Senhor se fêz prostituta. Em outra época, no tempo de Davi, a cidade estava cheia de retidão, > o julgamento pelos juizes e príncipes

T :

éra de acôrdo com os mandamentos e estatutos do Se­nhor. E a justiça, p i s , que concorda com a naturezasanta e a vontade pura de Javé, habitava nela. Estas duas palavras chegaram a significar a mesma cousa, o procedimento nobre dos homens de Deus, segundo a Tôra do Senhor. Mas a cidade tinha caido na injustiça, na imoralidade e na crueldade, até ficar cheia de ladrões e homicidas.

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Misturavam escória com a prata, e assim falsifica­vam o dinheiro. Misturavam água com vinho, e provà- velmente com leite também.

Os príncipes tinham perdido qualquer sentido de honradez. Rebeldes contra a honestidade e a justiça, êles tinham prazer em cooperar com os ladrões, e assim re­ceber uma parte do despojo. Todos amavam o suborno e corriam atrás de presentes recebidos por atos da injus­tiça. Não existia mais no seu espírito o desejo de pres­tar qualquer serviço aos mais necessitados, como o ór­fão ou a viúva.

6. O Julgamento do Senhor, 1:24-2624. Portanto, diz o Senhor

Javé dos Exércitos, o Poderoso de Israel:

A h ! aliviar-me-ei dos m e u s adversários, e vingar-me-ei dos m e u s inimigos I

25. Voltarei sôbre ti a m i n h a mão,

e purificar-te-ei c o m o c o m potassa das tuas escórias,

e tirarei de ti todo metal impuro.

26. Restituir-te-ei os teus juizes c o m o no princípio,

e os teus conselheiros c o m o no t e m p o anterior.Depois te c h a m a r ã o cidade de justiça,

a cidade fiel.

Além de ser uma espôsa infiel, Judá, com a persis­tência na injustiça, tornou-se inimigo do Senhor. En­quanto o Senhor vai se vingar de seus inimigos, êle visa a limpar o povo das impurezas e purificá-lo dos seus pe­cados. Também promete restituir-lhe juizes e conse­lheiros, como nos dias antigos de Davi, e que a cidade se tornará a habitação da fidelidade e da justiça. A fi­gura da refinação de prata aparentemente produziu na meditação do profeta o conceito da época de justiça, ou o reino messiânico que havia de seguir o julgamento iminente.

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A PROFECIA DE 1SAÍAS 79

A palavra 1*1 , Senhor, era usada pelos israelitas cm vez do Tetragramatom JHVH, que por reverência èles não ousavam pronunciar. A palavra aqui indica que Javé é o proprietário, o mestre, o governador de Is­rael. Javé dos Exércitos, o Poderoso, T 2 K , de Israellinha sido o seu defensor nos dias perigosos, e tinha ma­nifestado o seu poder na derrota de seus inimigos. Ah! tomarei satisfações aos meus adversários, ou aliviar-me-ei,

2H2, da carga dos meus adversários; e vingar-me-ei,“ T

Dp* , dos meus inimigos. Estas referências à operação“ T

da justiça divina na punição dos pecadores não devem ser entendidas no sentido de paixões humanas, pois com Deus elas se harmonizam perfeitamente com a sua san­tidade e o seu amor imutável.

Voltarei contra ou sôbre, > ti a minha m ão. Pa­

rece-me que sôbre é preferível porque o resultado será a purificação e a restauração da cidade à sua glória an­tiga. Deterei com potassa as tuas escórias, e tirarei de ti as impurezas das tuas atividades.

Com a limpeza pelo fogo, Sião se tornará uma nova cidade. Os juizes e os conselheiros praticarão a justiça, com o nos dias ideais de Davi (II Sam. 8:15), quando Jerusalém chegou a ser a cidade exemplar. En­tão ela merecerá o nome tradicional (Gên. 14:18, Sal. 110:2, 4) de cidade de justiça, e de a cidade fiel,

t t v :

e assim ganhará de nôvo o seu prestígio e a sua glória.

7. A Operação da Justiça Divina na Vida de Israel, 1:27-3127. Sião será redimida pela retidão

e os q ue nela se arrependem pela justiça.

28. M a s rebeldes e pecadores serão destruídos juntos,e os que a b a n d o n a r e m ao Senhor serão destruídos.

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29. Pois vos envergonhareis dos carvalhos

de que vos agradastes; e sereis confundidos por causa dos jardins

qu>e tendes escolhido.

30. Porque sereis c o m o o carvalho,cujas fôlhas m u r c h a m ,

e c o m o jardim que não t e m água.

31. E o forte se tornará e m estôpa,

e a sua obra será c o m o faísca, a m b o s arderão juntamente,

e não haverá q u e m os apague.

Apresentam-se no versículo 27 novas idéias sòbre a salvação de Israel, mas não se justifica o exagêro de alguns observadores sôbre as diferenças entre êste ver­sículo e o anterior. O profeta usa uma nova palavra: redenção, ÍTTÔ , e aplica o têrmo não somente a Jerusa-

T T

lém, mas a todos os nacionais que se arrependerem dos seus pecados. O têrmo Sião, propriamente dito, não se limita apenas aos que se arrependam. A redenção é oferecida a todos, mas serão redimidos somente aquê- les que se arrependam da sua i'ebelião e se voltem ao Senhor. O versículo não diz, e nem implica que o povo precisa qualificar-se pela sua própria retidão e justiça a fim de receber a salvação. O abandono da injustiça, e a prática da justiça, a mudança nas relações sociais, e a fidelidade para com Deus constituem o âmago da pre­gação de Isaías.

A palavra remir ou redimir usa-se em dois sentidos, mas sempre leva a idéia de libertação do cativeiro, do perigo, da punição, da escravidão ou do pecado. Usa-se no sentido simples de resgatar ou salvar, sem qualquer referência ao preço da redenção, Deut. 7:8; II Sam. 4:t9; Jó 5:20; Os. 7:13. E a palavra usa-se freqüentemente também com a menção do preço pago pela redenção, Êx. 13:13; Núm. 18:15, 16, 17. Comp. Gál. 3:13; I Ped.

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1:18; E f. 1:14. Mas nesta passagem significa que o Se­nhor salvará os que voltam dela,JTOt2/ , ou os que nela

T V T

se arrependem. Os israelitas serão redimidos pela re­tidão e justiça de Deus, sob a condição de arrependi­mento .

Os rebeldes, , os pecadores, c y a n , c os: • T —

que abandonam, '21'}} , ao Senhor serão destruídos, •^3*' > ... T .consumidos ou exterminados.

Os pecadores, segunuo o versículo 28, perecerão por­que abandonaram o Senhor. E os deuses que habitam nas árvores e perto das fontes não têm poder de salvar os seus novos adeptos. A mudança da terceira para a se­gunda pessoa nesta seção não indica que êstes versículos e os 27 a 28 fôssem originalmente composições distintas, de autores diferentes, como diz R. B. Y. Scott na The Interpreter’s Bible. A mudança simplesmente represen­ta a facilidade do estilo dos escritores hebraicos, exempli­ficada freqüentemente nos livros proféticos. Não há di­ferença nenhuma na situação histórica e na teologia dos versículos 27 a 31, pois o trecho harmoniza perfeitamente com o resto do primeiro capítulo.

Na maior parte dêste capítulo o profeta trata da re­belião do povo contra o Senhor. Fala das suas injustiças nas relações sociais, da ingratidão e da infidelidade reli­giosa, e da violação das leis morais do Santo de Israel. Nesta última parte êle fala da operação da justiça do Se­nhor em relação com a injustiça do seu povo infiel. Nes­tes versículos êle descreve a apostasia nos seus cultos aos deuses falsos, e a prática do pecado vergonhoso na sombra das árvores que adoravam. A apostasia é o pior de todos os pecados, e a causa, em grande parte, de tôdas as outras formas de iniqüidade. Neste caso, a infidelidade de Is­

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rael representava não somente uma religião diferente, mas uma idolatria que negava a revelação divina, e despre­zava a justiça, o amor e a bondade do Senhor Javé, o Santo de Israel. 0 profeta Oséias trata mais explicita­mente desta relação dupla da rebelião de Israel.

Os carvalhos do versículo 29 fazem alusão aos cu!- íos de fertilidade praticados debaixo de tôdas as árvo­res verdes, I Reis 14:23; Os. 4:13; Jer. 2:20, 3:6, 16. A palavra significa carvalho, terebinto, e, às ve­zes, qualquer árvore verde. Nos tempos antigos os bos­ques ou jardins, JTÍ2Í , eram lugares prediletos para oscultos aos deuses que habitavam nas árvores. Não ha­via r:ma distinção clara entre a árvore e os deuses da árvore, um característico da idolatria moderna, que não distingue entre a imagem e a pessoa ou o Deus que a imagem representa. Na cidade pagã de Roma havia nu­merosos bosques, alguns com templos, altares e outros adornos, consagrados ao serviço dos deuses. Há várias referências nas Escrituras aos jardins ou bosques, Deut. 12:2; II Reis 16:4, 17-10.

Os apóstatas do versículo 30, que praticavam os seus cultos vergonhosos aos deuses da fertilidade debaixo dos carvalhos vigorosos, e nos bosques viçosos, são represen­tados pelo profeta na figura do carvalho que murcha,

, cujas fôlhas murcham, e como jardimT V T V V

árido, sêco.

A palavra DH, o forte, não dá um sentido claro. ÉT

preferível a palavra hebraica DDj D!1 , a sua fôrça, que se encontra no manuscrito lQIsa® do Mar Morto, para se ler: “ A sua fôrça se tornará em estôpa, e a sua obra será como fa ísca .” Todavia, a semelhança da obra à faísca,

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e não à cousa sêca que a faísca queima, é também cie difícil interpretação.

Mas apesar da falta de clareza dos versículos 30 e 31, é certo que o profeta pronuncia uma calamidade terrí­vel que cairá sôbre a nação de Israel por causa dos seus pecados de infidelidade e hipocrisia.

Assim logo no princípio do seu ministério proféti­co, Isaías enfrentou a responsabilidade de pregar a con­denação divina desta nação. Êste povo salvo da escravi­dão do Egito pela graça de Deus, escolhido para ser o in­termediário entre Deus e as outras nações, abençoado através da sua história pela direção da providência di­vina, honrado com o o veículo da revelação do caráter e do propósito do Senhor Javé a todos os povos do mun­do, pelos profetas, os mensageiros de Deus, já se torna­ra o inimigo do Senhor dos Exércitos dos céus e da ter­ra. Os pecados de rebelião, desobediência, infidelidade e idolatria o levaram à destruição.

Isaías assim aprendeu pela experiência profética, em harmonia com a revelação que recebera na visão inaugural, de que o Senhor Javé é o Deus da justiça, que a sua ira arde contra a injustiça e contra tôdas as for­mas de iniqüidade, e que o salário é a m orte.

8. A Vinda dos Povos ao Senhor de Sião, 2:1-5

1. O oráculo que, e m visão, veio a Isaías, filho de A m o z , a

respeito de J udá e Jerusalém.

2. E acontecerá nos últimos diasque o m o n t e da casa do Senhor

será estabelecido c o m o o mais alto dos montes, e se elevará por cima dos outeiros;

e para êle afluirão tôdas as nações.

3. Virão muitos povos, e dirão:

Vinde, e s u b a m o s ao m o n t e do Senhor, e à casa do D e u s de Jacó:

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para que nos ensine dos seus caminhos,

e que a n d e m o s pelas suas veredas.

Porque de Sião sairá a lei,e de Jerusalém a palavra do Senhor.

4. Então êle julgará entre as nações,e decidirá para muitos povos;

das suas espadas forjarão relhas de arados, e das suas lanças podadeiras.

N a ç ã o não levantará espada contra nação, n e m aprenderão mais a guerra.

5. Vinde, ó casa de Jacó,

e a n d e m o s na luz do Senhor.

Surgem várias perguntas a respeito dêste oráculo. Quem é o autor? Quando foi escrito? Está fora do seu próprio contexto, ou do seu lugar na profecia? Os co­mentaristas não concordam nas várias respostas a esr tas perguntas. Considerando o estilo literário da poe­sia que nos parece semelhante ao de Isaías, e de acôrdo com o seu gênio, pensamos que êle mesmo é o autor dêste sublime oráculo. Alguns pensam que o profeta escreveu esta mensagem quando já estava avançado em anos, mas o lugar da poesia no livro indica que foi escrita no primei­ro período do seu ministério profético. 0 oráculo é uma grande poesia completa em si, escrito na altura de uma grande inspiração, principalmente para o conforto do espírito do autor, e colocado nesse lugar pelo redator, por causa do contraste na esperança futura do mensa­geiro do Senhor, com as condições religiosas e sociais tão lamentáveis do povo da época.

Êste oráculo sôbre o mundo de justiça e a miseri­córdia nos últimos dias concorda com o conceito do cur­so e do fim da história humana que se apresenta na Bí­blia. Não obstante a injustiça, a desordem e a cruelda­de do mundo no tempo de Isaías, êste mensageiro do Senhor, na sua apreensão e desapontamento, no seu amor ao justo e ao santo, podia sonhar com o triunfo final da

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justiça sòbre a injustiça, do bem sôbre o mal. Sonhou com os dias vindouros quando tôdas as nações haviam de achegar-se ao Senhor, receber dos seus ensinos, andar nas suas veredas, viver em paz e harmonia, abandonar tôdas as formas de injustiça e estabelecer uma socieda­de mundial em que não haveria mais possibilidade de guerra. É difícil para muitas pessoas do nosso mundo de hoje, ainda tão cheio de iniqüidade, crer na realiza­ção dêsse nobre sonho, mas a humanidade está avan­çando vagarosamente, vacilando e coxeando, porém com a vista voltada para o alvo.

O primeiro versículo indica o princípio de uma nova profecia que não tem conexão direta com a men­sagem que precede. Usa-se aqui o têrmo hebraico davar em vez de visão de Is. 1:1, e a palavra pode ser traduzida para mensagem, profecia, revelação ou oráculo que Isaías visionou,ntn , ou recebeu em visão. 0 oráculo

T T

c uma revelação de eventos futuros que acontecerão a respeito de Judá e Jerusalém.

0 próprio oráculo, versículos 2 a 5, é uma poesia, escrita em linguagem, em grande parte, figurada, mas apresenta a revelação de uma mensagem divina que cor­re como fio de ouro através da Bíblia inteira.

Nos últimos dias, C ftV l J T T liO , é uma expres­são usada freqüentemente pelos profetas para designar um período de tempo no futuro, e especialmente quan­do falavam da Idade Messiânica. Não se refere aqui di­retamente ao reino do Messias, mas trata daquela eter­na esperança da sociedade ideal, o sonho áureo dos es­critores bíblicos desde o princípio da sua história. Des­de o tempo de Davi os profetas concentraram as suas es­peranças no reino perfeito do Messias vindouro, Joel 2: 28; Miq. 4:1-4; Is. 9:2, 11:1-16, caps. 42, 49, 50, 53; At. 2:17; I Ped. 1:5; I João 2:18; Heb. 1:2.

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Em o Nôvo Testamento os últimos dias significa o último período de tempo, sem indicar que seria de pou­ca duração. Mas seria a consumação da história huma­na, II Tess. 2:1-5. É bastante limitado o ensino do Nôvo Testamento sôbre os últimos dias, mas declara que Cris­to voltará para julgar o mundo, que os mortos serão ressuscitados, e que as atividades e os negócios do mun­do serão terminados.

O monte da casa do Senhor c o monte do Templo, o centro do govêrno espiritual do Senhor para o povo de Israel. É o culto verdadeiro que será oferecido ao Deus verdadeiro na casa do Senhor em Jerusalém, que terá finalmente o poder espiritual para atrair as nações. Mas, que significa a declaração de que o monte da casado Senhor será estabelecido como a cabeça, “IS , ou o

t

mais alto dos montes? É claramente linguagem poética que não deve ser interpretada literalmente, no sentido de que o próprio monte de Moriá será elevado fisicamen­te para ser o mais alto dos montes. A versão grega con­tém a casa do Senhor em vez de o monte da casa do Se­nhor, indicando a aceitação da linguagem como sendo figurada. E’ o culto glorioso do Senhor Javé que atrai­rá com tanto poder as nações que elas serão induzidas a abandonar os seus deuses, e os seus lugares de culto, para afluírem à casa dó Senhor, para lhe oferecerem o seu culto espiritual. A exaltação da importância religio­sa de Sião é o sentido dessa linguagem poética.

As multidões, atraídas j)elo poder encantador, aflui­rão, ou acorrerão como corrente ao centro do culto da humanidade, 11:10; 60:1-14; Zac. 8:20-23. Segundo Is. 42:1-6, os povos responderão à Tôra, à revelação di­vina da profecia hebraica, à mensagem do Senhor para todos os povos, Is. 49:22; 54:3; 60:3, 5, 10; 62:2; 66:12. A passagem não faz referência a qualquer período an­

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tes do estabelecimento do evangelho. É com a vinda de Cristo e a pregação do evangelho que esta profecia está recebendo o seu cumprimento.

Virão muitos povos. Esta declaração indica a fome espiritual dos povos e o seu desejo de encontrar-se com o verdadeiro Deus e de estabelecer comunhão com êle. Su­bamos ao monte do Senhor e à casa do Deus de Jacó. Insatisfeitos com a insensatez dos seus cultos, e de seus deuses impotentes; desanimados com o fracasso da sua fé, e continuando espiritualmente famintos, êles querem buscar o Deus de poder, de amor e de fidelidade. As re­ligiões imperfeitas e enganadoras das nações, e o Deus que vem buscando e salvando os perdidos entre elas, são fatos indicativos de que o reino de Deus está na mar­cha, em direção do alvo final. A operação silenciosa e misteriosa do Espírito do Senhor na vida das nações é a verdade que nos inspira com a esperança do pleno cumprimento final da visão de Isaías e dos outros pro­fetas do Senhor.

Assim, as nações vêm a Jerusalém com o propósi­to de aprender e praticar a verdadeira religião. Desejam saber dos caminhos, ou do procedimento do Se-

T t :

nhor nas suas relações com os homens. É interessante a comparação desta passagem com os cps. 40 a 55. Na primeira, as nações vêm chegando à Sião, querendo aprender do próprio Senhor, por intermédio dos profe­tas, do caráter e da vontade do Senhor de Sião. Na se­gunda, o povo missionário leva o conhecimento do Se­nhor às nações. Êstes mensageiros de Israel ensinam aos povos o propósito divino de estender o seu reino espiritual a tôdas as nações do mundo. Mas não há cousa alguma nestas duas passagens sôbre a subversão política das nações ao domínio de Israel. Êste fato é de importância especial em relação com o princípio de que

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a religião do homem e a sua comunhão com Deus deve ser inteiramente livre do domínio de qualquer govèrno político. As religiões antigas eram nacionais, e o reco­nhecimento dos deuses de outras nações era comum en­tre os povos antigos.

0 ponto de vista aqui é inteiramente nôvo. As nações querem aprender dos caminhos, e não' meramente con­cernente aos caminhos do Senhor de Sião. Desejam co­nhecer o próprio Senhor para que possam andar pelas suas veredas.

Então diz o profeta: “ De Sião sairá a m lD e de Je-T

rusalém a “127! de Javé.” Cada um destes termos he-T T

braicos usa-se em vários sentidos, mas neste contexto são sinônimos, e significam a Palavra de Deus ou a Re­velação divina. Jerusalém é, portanto, o centro do qual será proclamada a mensagem da salvação pelo Senhor e Criador de todos os povos do mundo. Assim, Jesus Cristo, vitorioso sôbre o pecado e a morte, ordenou que os seus discípulos ficassem em Jerusalém até que fos­sem revestidos do poder do alto. Então seriam prepara­dos para pregar o arrependimento e a remissão de pe­cados em tôdas as nações, começando por Jerusalém. Assim, se encontra em Luc. 24:46-49 o resumo da men­sagem do Senhor na Bíblia inteira. As verdades de Sião vão se radiando pelos mensageiros do Senhor. A ciên­cia e a filosofia do mundo não podem criar qualquer verdade, ou qualquer evangelho, para a redenção do mundo perdido nos seus pecados de egoísmo, ambição, cobiça e sensualidade. A verdade eterna que liberta o homem do poder do pecado e o prepara para andar nas veredas do Senhor é a palavra de Deus, personificada em Cristo Jesus, experimentada no coração dos crentes, pre­servada e proclamada pelas igrejas de Cristo.

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Então êle julgará entre as nações. Quando os po­vos aprenderem finalmente da revelação do Senhor e da operação da sua justiça, êle então será o Juiz dos pro­blemas internacionais e o árbitro entre os povos. Isto acontecerá quando os povos conhecerem o amor e o pro­pósito de Deus na sua vida, e da sua operação na histó­ria humana e no espírito dos homens de fé . No julga­mento das controvérsias, o Senhor terminará o período de guerras e estabelecerá a paz entre as nações. A justiça divina revela a iniqüidade das guerras e demonstra o pecado das paixões e das ambições, que são as causas da guerra. O evangelho tem êste poder de produzir no co­ração dos homens o entendimento da estultícia e dos horrores da guerra. Assim, a influência do evangelho, se fôsse pregado a tôdas as nações, levaria a humanidade cada vez mais perto do tempo quando as espadas, as lanças e tôdas as máquinas de guerra serão forjadas em rêlhas de arados, ou mudadas em aparelhos para o ser­viço e o bem-estar da sociedade humana. 0 término das guerras é um ideal proeminente na profecia messiânica, Os. 2:18; Zac. 9:10; Is. 9:5; Sal. 46:7-9.

Nação não levantará espada contra nação. Esta predição positiva ainda está longe de ser realizada. As nações e os povos do mundo já estão ficando horrori­zados com a crueldade e a destruição terrível da guerra. As nações estão reconhecendo a futilidade das lutas mi­litares, até para os vitoriosos. Estão trabalhando na or­ganização de Nações Unidas para descobrir e remover as causas da guerra, e para promover meios de manter a paz entre os povos.

0 evangelho está exercendo uma influência cada vez mais poderosa na mentalidade e no espírito dos po­vos, especialmente na promoção dos ideais da justiça. As nações mais prósperas estão ajudando as fracas e p o ­bres. Há numerosas organizações das igrejas cristãs de­

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dica das ao serviço e ao socorro das nações mais neces­sitadas, e especialmente das que sofrem de calamidades ou aflições. Enquanto tôdas estas influências benéficas apontam para o alvo visado na profecia e no Evange­lho, o mundo ainda está longe da sua realização. Mas os homens de Deus sabem que o seu trabalho não é vão no Senhor. Vinde, pois, ó casa de Jacó, ó crentes em Cristo, e andemos na luz do Senhor, obedecendo aos seus mandamentos de pregar o evangelho do amor cristão a tôdas as nações do mundo, na certeza de que èle está conosco até à consumação dos séculos.

C. O Castigo da Idolatria e do Orgulho Humano no Dia do Senhor, 2:6-22

6. Pois tu rejeitaste o teu povo, a casa de Jacó,porque se e n c h e r a m da corrupção do oriente,

e dos agoureiros c o m o os filisteus,e b a t e m palmas c o m filhos de estrangeiros.

7. A sua terra está cheia de prata e de ouro,

e não t ê m conta os ssus tesouros; t a m b é m está cheia a sua terra de cavalos,

e os seus carros não t ê m fim.

8. A sua terra está cheia de ídolos;inclinam-se perante a obra das suas mãos, aquilo que os seus próprios dedos fizeram.

Èstes versículos foram escritos evidentemente no princípio do reino de Jotão quando o esplendor da pros­peridade material, alcançada no govêrno de Uzias, ainda se exibia, aliás por pouco tempo. Há várias dificuldades no texto hebraico que se tornam evidentes na exegese dos versículos. Baseando-se nas várias repetições, al­guns estudantes pensam que isto resultou na combina­ção de dois oráculos, ou de duas mensagens semelhantes do profeta. Mas não há falta de harmonia no pensa­mento, pois todos os versículos tratam dos horrores do

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julgamento do Senhor sôbre os pecados do p ovo . Os versículos 9b a 10 não constam no manuscrito do Mar Morto, e a Septuaginta omite o versículo 22.

Os versículos 6 a 11 descrevem as causas e as con­seqüências da rejeição divina do povo escolhido. Haven­do observado a apostasia, a ostentação de riquezas com orgulho e arrogância, a confiança nos recursos milita­res, as superstições e a idolatria do povo, o profeta anun­cia o Dia do Senhor, o dia da humilhação' da glória hu­mana pela manifestação do terror, da glória e da ma­jestade do Senhor.

Pois tu rejeitaste o teu povo. A palavra rejeitar, é bastante forte. Usa-se em DeuL 32:15 e Jer.

- T

15:6 para expressar a gravidade da rejeição do Senhor pelo povo de Israel. Mas a palavra refere-se mais fre­qüentemente ao desamparo do povo de Israel pelo Se­nhor, Juí. 6:13; I Sam. 12:22; I Reis 8:57; Is. 2:6; Jer. 7:29; 12:7. Assim, o Senhor entregou o povo às conse­qüências naturais dos seus próprios pecados.

Porque se encheram do oriente é a tradução do he­braico. De que se encheram do oriente? Alguns dizem de adivinhadores, sinônimo de agoureiros. Outras ver­sões têm costumes ou corrupção. O povo se tornara lou­co por qualquer form a de idolatria que viesse do oriente. A palavra DHp significa também antigüidade, e esta éa tradução da Septuaginta. Mas a palavra oriente é pre­ferível aqui, e refere-se a Arábia, a Pérsia ou a Babilô­nia . A confiança ou a fé do povo de Israel nos adivinha­dores e agoureiros significava a rejeição do Senhor, o verdadeiro Deus. Êstcs profetas das nações contempo­râneas de Israel afirmavam que tinham meios secretos pelos quais podiam predizer, e, às vezes, controlar os eventos futuros. Havia alguns dêstes agoureiros, pro­fetas falsos, entre os israelitas. As relações comerciais

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evidentemente aumentaram a influência dos costumes religiosos do oriente na vida de Israel. O bater mãos significa a confirmação de alianças sociais e políticas com os estrangeiros. Os filisteus ocupavam uma parte da terra no sudoeste da Palestina, e os israelitas os con­sideravam com o estrangeiros.

O versículo 7 fala das riquezas de Israel: praia e ouro, tesouros, cavalos e carros. 0 povo ficava encanta­do, não somente com as superstições das religiões falsas que os desviavam do Senhor, mas confiavam também na abundância das suas riquezas que satisfaziam às suas necessidades materiais, e nutriam o seu orgulho e a sua hipocrisia religiosa, Deut. 27:16, 17; 20:1; Is. 31:1; Miq. 5:10; Zac. 9:10. O aumento dos tesouros de Israel resultou das atividades comerciais e da vantagem do tráfico no seu contrôle do Mar Vermelho. Israel, como o Egito, confiava no poder dos cavalos e carros na guer­ra. Assim, com os seus deuses, verdadeiros camaradas, os tesouros incontáveis, e os poderosos recursos milita­res, Israel se sentia perfeitamente seguro, apesar da pre­gação dos profetas “ fanáticos” .

A pobreza pode ser uma maldição para as pessoas que vivem em ignorância e superstição. Mas é mais fá­cil para êles do que para os ricos, reconhecer a sua de­pendência do socorro do Senhor, e assim aceitar a men­sagem do profeta ou do pregador do evangelho. O or­gulho é o pecado peculiar dos ricos e prósperos do m undo.

O versículo oito é um comentário do profela sôbre a lolice da idolatria. Isaías é o primeiro profeta que usou o têrmo ou deuses, pai'a significar ídolos, aqui­lo que os próprios dedos dos adoradores fizeram. Nota- se que o profeta não fêz distinção entre o ídolo c o deus que êle repi-esentava.

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S. Assim, o povo será abatido,e os h o m e n s serão humilhados; portanto, não lhes perdoarás.

10. Entra nas rochas

e esconde-te no pó,

ante o terror do Senhor

e a glória da sua majestade.

11. O s olhos altivos do h o m e m serão abatidos,

e a altivez dos h o m e n s ssrá humilhada;só o Senhor será exaltado naquele dia.

O homem no seu orgulho será abatido, e os liomens Serão humilhados. Não há tanta diferença entre o sig­nificado de e como dizem alguns comenta-

T T

ristas. A primeira palavra significa homem no sentido da humanidade. Neste contexto o têrmo adão significa o homem, isto é, o povo em geral. A palavra dis­

tingue entre o homem e a mulher, e usa-se às vê-T ♦

zes no sentido de homem varonil. O sentido das duas palavras varia segundo o seu uso, e aqui se usam quase como sinônimas. Aqui o segundo têrmo aparentemen­te significa os homens em posições de autoridade que se julgavam nobres, mas eram os pecadores mais respon­sáveis pela infidelidade nacional. A forma dos verbos é reflexiva ou passiva. O sentido passivo cabe melhor no contexto.

A frase não lhes perdoarás é geralmente reconheci­da como ordem sarcástica do escritor, mas esta inter­pretação não concorda com o espírito do profeta. O pro­feta simplesmente reconhece que o povo se afastara além da possibilidade de arrependimento, a condição necessá­ria para voltar ao Senhor e receber o perdão. Há várias palavras no hebraico que significam cancelar, apagar

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e remover a culpa do pecado. A palavra aqui é NÍW , levar embora, perdoar.

O versículo dez declara que a nação, na imaginação da sua glória, ficará espantada e humilhada ante o ter­ror e a glória do Senhor, e entrará nas cavernas das ro­chas e se esconderá no pó. Aquêles que pecam contra o Senhor têm que pagar a pena. De Deus não se zom ­ba. Ao Senhor pertence o reino, o poder e a glória.

Naquele dia, no dia do julgamento do Senhor, os homens orgulhosos e arrogantes receberão o castigo que merecem, e só o Senhor será exaltado e glorificado. Os profetas, os filósofos e os poetas reconhecem os perigos dos olhos altivos, e do orgulho dos homens. No poema Paraíso Perdido, Milton representa o orgulho e a arro­gância de Lúcifer na citação das suas palavras: “ É me­lhor reinar no inferno do que servir no céu .”

12. Pois Javé dos Exércitos t e m u m diacontra todo soberbo e altivo,

contra todo q u e se exalta, para. que seja abatido;

13. contra todos os cedros do Líbano,

os altos e os elevados; e contra todos os carvalhos de Basã;

14. contra todos os mo ntes altos,

e contra todos os outeiros elevados;

15. contra tôda tôrre alta,e contra todo m u r o fortificado;

16. contra todos os navios de Társis,e contra tudo o que é belo à vista.

Esta poesia pitoresca é característica da literatura hebraica, mas não é alegórica. As árvores, os montes, os edifícios e os navios não são apenas emblemas das ri­quezas do povo. 0 profeta está declarando que tudo

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que é imponente e sublime será destruído, e que só o Se­nhor dos Exércitos será exaltado naquele dia.

Alguns levantam dúvidas sôbre o texto “ para■■ T

que seja abatido” , e pensam que fôsse originalmente H 'ü , , “ e fica elevado” , mas a Septuaginta concorda— T

com o hebraico que é claro.O Dia do Senhor é realmente o dia do triunfo da

justiça divina. Os israelitas, em geral, tinham a tendên­cia de pensar que êles eram os justos em virtude de ser o povo eleito pelo Senhor, mas tinham perdido o sentido da responsabilidade que a eleição lhes impusera. E por causa da sua apcístasia, e da renúncia do Concêrto do Senhor com êles, da idolatria e dos pecados da injusti­ça, o Dia do Senhor será para êles um dia de trevas e não de luz, um dia de julgamento e punição, Am . 5:18. Êste ensino de Amós foi desenvolvido e proclamado por outros profetas, Is. 13:6; Joel 1:15; 2:1, 11, 31; Sof. 1:7, 14; Mal. 4:5; Zac. 14:1. No esclarecimento e na proclamação da doutrina do Dia do Senhor, não somen­te Israel, mas tôdas as nações sofrerão o castigo dos seus pecados neste grande dia do julgamento do Senhor, Ez. 30:3-10; Joel 3:11-13; Is. 13:6-22. Será o dia de suble­vação quando os fortes serão fracos (Cp. I Cor. 1:27) e quando as cousas estabelecidas serão transtornadas, e quando tudo que é reconhecido de grande poder ou de muito valor será imprestável e sem valor algum.

Todo soberbo e altivo significa tôdas as pessoas or­gulhosas, e tudo de que se ufanavam. A linguagem é geral, mas aplica-se especialmente aos príncipes, aos ma­gistrados e aos proprietários que se orgulhavam não so­mente da sua autoridade, do seu poder e influência, com o também das cousas que possuíam. O amor das rique­zas, da posição social e dos prazeres que estas cousas

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oferecem é condenado em tôda parte das Escrituras Sa­gradas. A história da civilização e as experiências hu­manas nos ensinam que o orgulho dos homens e das na­ções é freqüentemente a causa principal da sua destrui­ção.

Contra todos os cedros do Líbano. Líbano fica ao norte da Palestina, e antigamente foi muito celebrado pelos seus grandes cedros. A madeira destas árvores é durável, muito bonita, e de grande utilidade, não so­mente para os tetos e abóbadas dos templos, com o tam­bém para estátuas e imagens. Salomão usou desta linda madeira na construção do Templo. Segundo a tradição, a madeira foi usada também na construção do templo de Diana dos efésios.

Nos tempos antigos êstes cedros eram magníficos e abundantes. 0 tronco de alguns media mais de dez me­tros de circunferência. Mui poucos dêsses cedros tão grandes ainda se acham em um ou dois dos altos mon­tes do Líbano. O cedro se usa figurativamente nas Es­crituras como símbolo de reis, príncipes e nobres, Ez. 31:3; Dan. 4:20-22; Zac. 11:1, 2; Is. 14:18.

E contra todos os carvalhos de Basã. Basã fica ao leste do Rio Jordão, e fo i conhecida com o terra fértil que produzia vacas e touros gordos, Sal. 22:12; Ez. 3,9:18; Am. 4:1; Miq. 7:14, e especialmente carvalhos fortes e majestosos, Ez. 27:6; Am . 2:9; Zac. 11:2. É provável que o profeta estivesse pensando como o povo associava os carvalhos com a sua idolatria. Os montes altos e os outeiros elevados eram lugares de beleza, e de defesa e proteção contra invasores e inimigos. Tôrres construí­das rios muros das cidades eram lugares ótimos de ob­servação. Os muros fortificados ofereciam refúgio para

’ ó éxército. As fortificações construídas nos outeiros al­tos davam aos defensores uma grande vantagem sôbre os inimigos que lançassem ataques contra a terra.

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Társis era uma cidade fenícia no sul da Espa­nha. Os navios que faziam as longas viagens a Társis representavam a importância do comércio de Israel, especialmente no tempo do reino de Uzias.

A frase ÍTlttnn talvez signifique as obras dex I V - :

arte, de escultura e das lindas imagens feitas de ouro e prata que os navios traziam para os ricos de Israel no tempo da sua grande prosperidade.

17. A arrogância do h o m e m será abatida,

e a altivez dos h o m e n s será humilhada; só o Senhor será exaltado naquele dia.

18. E os ídolos totalmente desaparecerão.

19. Então os h o m e n s se meterão nas cavernas das rochas,

e nos buracos da terra,

ante o terror do Senhor,e a glória da sua majestade,q u a n d o êle se levantar para assombrar a terra.

20. Naquele dia os h o m e n s lançarão

às toupeiras e aos morcegos

os seus ídolos de prata, e os seus ídolos de ouro,

que fizeram para ante êles se prostrarem,

21. e m eter -se -ã o pelas fendas das rochas,

e pelas cavernas das penhas, ante o terror do Senhor,

e a glória da sua majestade,

quando êle se levantar para assombrar a terra.

22. Afastai-vos, pois, do h o m e m

cujo fôlego está no seu nariz.

Pois e m que é êle estimado ?

Os versículos 17 e 11 são semelhantes, como tam­bém os 19 e 10. O verso 18 interrompe a conexão entre 17 e 19, e talvez seja uma interpolação. Mas é uma pre­dição de interesse especial, e foi completamente cumpri­da na vida de Israel. Depois do cativeiro babilónico nun­ca mais se manifestou entre o povo de Israel a tendên­

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cia de fabricar e adorar ídolos. Desapareceram as ima­gens, o culto e até a memória dos ídolos (Zac. 13:2).

A frase fazer estremecer a terra talvez traduz me­lhor as palavras T l& n do <Iue assombrar a ter-

V T T "*! "

ra. Talvez o profeta estivesse pensando no terremoto que abalou a terra no reino de Uzias, mas Delitzsch pensa que visa ao julgamento final do ponto de vista de Is­rael.

A última estrofe, versículos 20 a 22, acrescenta pou­co que seja distintivo ao pensamento do parágrafo 6 a 16. Mas o povo, quando foge para o seu refúgio, lan­çará os seus ídolos às toupeiras e aos morcegos.

O verso 22 não consta na versão grega, mas acon­selha o abandono da confiança no homem e nas fôrças humanas, Sal. 118:8, 9; 146:3; Jer. 17:5.

D. O Julgamento Divino de Jerusalém e de Judá, 3:1-15

Há três divisões desta mensagem sôbre o julgamen­to de Jerusalém e Judá. Os primeiros sete versículos descrevem a anarquia que seguirá a remoção dos homens que ocupam posições de responsabilidade na vida polí­tica e religiosa do povo. Os versos 8 a 12 explicam a fonte e as causas dêste julgamento. A anarquia de Je­rusalém e Judá resultará do aumento das iniqüidades vergonhosas do povo. A blasfêmia da língua e as obras da injustiça desafiavam a gloriosa presença do Senhor. Os pecadores mais culpados são os chefes políticos e re­ligiosos. A repreensão nos versículos 13 a 15 é dirigida aos anciãos e aos príncipes que roubavam e esmagavam o povo e moíam a face do pobre. Assim, o dia do julga­mento vindouro será um tempo de terrível confusão e anarquia social para Jerusalém e Judá. Depois da in­trodução, Javé fala na primeira pessoa.

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A PROFECIA DE ISAfAS 99

O ponto de vista do profeta nesta seção é pouco di­ferente daquele que se apresenta nos versos 6 a 22 no capítulo anterior. Na primeira êle dá ênfase aos peca­dos do povo em geral: o orgulho, a idolatria e a arro­gância. Nesta seção' trata-se do pecado nas suas conse­qüências sociais, o govêrno tirânico, a crueldade e o de­safio do Senhor, da parte dos príncipes e governadores. Na primeira o julgamento é representado como uma po­derosa catástrofe física; na segunda é a dissolução so­cial que resulta na anarquia com todos os seus males incontroláveis. 0 profeta reconhece que sem restrição o povo tem a tendência de seguir o instinto egoístico na sua vida social. Êste entendimento dos males da anar­quia, e do valor de um bom govêrno para o bem-estar nacional, é característico de Isaías como estadista.

1. A Anarquia Social, 3:1-7

1. Eis, pois, o Senhor Javé dos Exércitostira de Jerusalém e de Judá

o esteio e o suporte,

todo sustento de pão,

e todo sustento de água;

2. o valente e o soldado,

o juiz e o profeta,

o adivinho e o ancião;

3. o capitão de cinqüenta,

e o h o m e m de posição,

o conselheiro e o sábio nas artes mágicas, e o encantador perito.

4. Dar-lhes-ei meninos por príncipes,

e crianças governarão sôbre êles.

5. E oprimirão uns abs outros,

o h o m e m ao companheiro, e cada u m ao seu próximo;

o m e n i n o se atreverá contra o ancião,

e o vil contra o nobre,

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6. Q u a n d o o h o m e m segurar a seu irmão,

e lhe disser, na casa de seu pai:T u tens roupa;

tu serás o nosso principe, e êste m o n t ã o de ruínas

será sob o teu govêrno.

7. Naquele dia levantará êste a voz, dizendo:

N ã o serei médico,

pois na m i n h a casa não há pSo, n e m vestido:

não m e poreis por príncipe do povo.

O Senhor Javé dos Exércitos, MK32t ro n \ o DeusT :

Soberano, vai remover, já resolveu remover as classes que deviam contribuir para manter a ordem social e a estabilidade do Estado, porque eram justamente êstes que estavam arrastando a sociedade ao desastre. Disse um estadista inglês: “ O poder corrompe, e o poder ab­soluto corrompe absolutamente.” A história humana confirma esta observação. Entre os homens em geral há uma tendência de aproveitar qualquer ocasião opor­tuna, especialmente nos tempos de confusão, para ga­nhar ilicitamente, ou roubar, dinheiro que pertence ao govêrno ou à sociedade.

As palavras ou e a form a feminina“ T S

têm a mesma significação, e podem ser tradu-zidas para apoio, esteio, suporte, sustento, e também para bordão e cajado, que não ficam bem neste contex­to. Significam aqui pilares da sociedade, como falamos dos pilares da igreja. Os pilares ou os chefes do govêr­no e da sociedade da época, talvez no reino de Acaz, eram os maiores responsáveis pela dissolução nacional. Foi especialmente a corrupção dos chefes do povo que des­pertou a ira do Senhor. Segundo o modo de pensar dos hebreus a respeito da soberania de Deus, tudo que acon­tece é devido à direção do Senhor. Ao mesmo tempo,

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os escritores bíblicos reconhecem que o próprio povo, pela infidelidade para com o seu Deus, trouxe sôbre si tôdas as calamidades que sofreu através da História.

Há três tipos de chefes do povo que o Senhor vai remover. Os chefes militares, os valentes e os soldados, são mencionados em primeiro lugar. Mas isto certamen­te não significa que êles eram os mais importantes na preservação da paz e da segurança da terra. Êles muito contribuíram para a perturbação política, o declínio e a destruição final dos dois reinos de Israel e Judá. São mencionados em segundo lugar os profetas, os juizes, os anciãos e os conselheiros. Os fiéis, os verdadeiros dêstes grupos, eram os mensageiros, os representantes, os servos de Deus através da história do povo escolhido. É impossível avaliar o serviço dêste grupo na história de Israel, e a sua contribuição ao desenvolvimento da civilização, especialmente quanto à legação que deixa­ram à humanidade nas Escrituras Sagradas. Mas o pro­feta está falando dos infiéis entre êste grupo dos mais nobres servos do Senhor na história da religião do Velho Testamento (Miq. 3:11; 7:3; Am . 5:12; Jer. 6:13; Ez. 22:12). Entre todos os servos de Deus no Velho Testa­mento, o profeta chamado por Deus era o mais impor­tante, e prestou o maior serviço ao seu povo e à huma­nidade do que qualquer outro membro dêsse grupo. Foi êle quem recebeu e transmitiu ao povo a revelação divina. Como o mensageiro de Deus, êle interpretou o propósito do Senhor na escolha de Israel, e explicou a missão do povo escolhido na história humana. E’ difí­cil acreditar que o profeta vocacionado pelo Senhor esteja sendo indicado nesta passagem. Ela se refere aos profetas falsos, não incumbidos pelo Senhor, que apro­veitaram a confusão do povo, e, por dinheiro, apresen­tavam mensagem agradável aos ouvidos dos rebeldes contra o Senhor. O juiz verdadeiro era também honrado

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representante do Senhor, e procurava representar a von­tade do Senhor em tôdas as suas decisões legais. Os an­ciãos e conselheiros tinham o nome de prestigio e honra entre o povo em virtude do seu nobre serviço. O desvio do caminho de retidão e justiça de qualquer membro dêstes grupos ameaçava a estrutura social, e quando mui­tos dos representantes dêsses grupos se entregaram à in­justiça, êles levavam o povo ao desastre nacional. Muitos representantes políticos e religiosos das nações moder­nas roubam inescrupulosamente a seu povo, e sem reco­nhecer a maldição do seu procedimento.

Encontram-se no terceiro grupo adivinhadores, sá­bios nas artes mágicas, e encantadores peritos. Todos êstes representam os elementos de paganismo na reli­gião de Israel (Núm. 22:7; 23:23; II Reis 17:17; Miq. 3:6, 7; Jer. 27:9; 29:8; Ez. 13:9-23; 21:29). A menção dêstes representantes das religiões dos cananeus, babi­lônios e egípcios indica que o povo de Israel, havendo abandonado a fé no Senhor, tinha que achar outra dire­ção nas superstições e nas práticas dos seus vizinhos. Quando os homens abandonam o Senhor Deus, êles se entregam inevitàvelmente à idolatria. Os homens mo­dernos não escolhem entre o cristianismo e a increduli­dade, mas entre a fidelidade cristã e qualquer forma de idolatria. Quando não querem beber da água viva, êles cavam para si cisternas rôtas que não retêm as águas (Jer. 2 :13).

As palavras meninos e crianças significam gover­nadores sem conhecimento e sem experiência. Os ver­sículos 5 a 7 descrevem a confusão e a anarquia sob o govêrno sem autoridade e sem o poder de manter a or­dem. Os homens não respeitam mais os princípios da justiça. Cada um oprimirá o seu companheiro e o seu próximo até ao limite do seu poder. Na desordem social ninguém respeita mais a dignidade humana. As crianças

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se mostram insolentes, e não há mais ordem na família, o esteio mais forte da sociedade. Os profetas, ou mes­tres religiosos, os juizes, os anciãos e tís conselheiro« não recebem qualquer respeito ou qualquer deferência do povo, simplesmente porque não merecem tal acata­mento .

No desespêro, os aflitos apelam ao homem que tem roupa ou acúmulo de bens, e oferecem fazê-lo príncipe sôbre êles. É provável que o apêlo seja dirigido a um ancião que não participava das lutas políticas e sociais, e ainda possuía a sua propriedade. Neste caso, o povo, no seu pedido de socorro, sentia-se obrigado a respeitar êsse homem. Há variações no texto dêste versículo, mas é claro na expressão da miséria e da anarquia do povo.

Naquele dia levantará é a declaração do hebraico do versículo 7, . Algumas versões acrescentam a

T ♦

sua voz ou a sua m ão. A Septuaginta e a Yulgata dizem êle responderá. Não serei médico ou curandeiro dessa terrível desordem social. Tão grande era a ruína so­cial, que o homem não quis aceitar a posição de honra que o povo lhe oferecia.

2. O Povo Arruinado, 3:8-12

8. Porque Jerusalém tropeçou,■g Judá caiu;

porquanto a sua língua e as suas obras são contra o Senhor, desafiando a sua> gloriosa presença.

6. A expressão do seu rosto testifica contra £las; como Sodoma, proclamam o seu pecado, e não o encobrem.

Ai da sua alma IPorque trouxeram o mal sôbre si mesmos.

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Jerusalém tropeçou, , ou está arruinada, eT » T

Judá caiu, * £ 3 . A forma destes verbos, o perfeito pro-• T

fético, expressa a certeza da calamidade iminente que cairá sôbre Judá e Jerusalém. O pecado tão manifesto na vida do povo já proclamou o julgamento vindouro. A capital e o país inteiro estão decididamente contra o Se­nhor. Com a língua, os habitantes publicam a blasfêmia contra o Senhor, e, com as obras, êles profanam a santi­dade de Javé dos Exércitos. Com as palavras e com os atos, tinham repudiado as suas promessas solenes de fi­delidade, e tinham renunciado tôdas as responsabilida­des religiosas e morais que voluntàriamente assumiram quando aceitaram com gratidão o concêrto de graça que o Senhor fêz com êles.

Ao desafiar, ÍTj“|£3 , a sua gloriosa presença. É t —

muito forte esta palavra que traduzimos por desafiar, e pode ser traduzida por provocar ou irritar. Usa-se tam­bém no sentido de rebelar, resistir obstinadamente e des­prezar (Cp. Am . 2:7; Jer. 7:18; 32:29). Assim, o pro­feta descreve a psicologia do espírito rebelde do pecador de hoje, ou de qualquer outra época da História. Os olhos da sua glória, ou a sua gloriosa presença talvez seja uma alusão à visão do profeta no Templo.

A expressão do seu rosto, m S n traduz melhor o- T -

hebraico do que a parcialidade da R.S.V. O semblante ou a aparência. A fisionomia de uma pessoa freqüentemente revela o estado de saúde ou do seu espírito. As emoções como a arrogância, vaidade, desdém dos iníquos testificam contra êles. Os pecados que os habitantes de Jerusa­lém e Judá cometiam, e as injustiças que praticavam contra os vizinhos trazem sôbre êles a punição que mere­

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cem . Ai da alma do pecador que se mata a si mesmo pe­las iniqüidades que comete!

10. Dizei aos justos que êles serão bem sucedidos;porque comerão do fruto das suas agões.

11. A i do perverso! êle passará mal;porque receberá a recompensa das suas mãos.

12. Os opressores do meu povo são criangas,e mulheres estão à testa do seu govêrno.

A h ! povo meu ! os que te guiam te enganam,e destroem o curso das tuas veredas.

Os versículos dez e onze apresentam a lei universal da retribuição divina. Alguns críticos pensam que não foram escritos por Isaías, mas interpolados mais tarde, talvez depois do exílio. Diz R .B .Y . Scott na The inter­preter’s Bible que os versos ficam à parte do contexto. Mas o profeta tinha proclamado o mesmo ensino em 1:19, 20. Sendo o profeta da justiça, o tema da sua men­sagem é o mesmo dos versos anteriores. Todos os ho­mens receberão a recompensa das suas obras. Êste é justamente o ensino dos profetas e salmistas. É verda­de, porém, que os escritores do Velho Testamento tinham que lutar com o problema do sofrimento dos justos, em virtude desta crença, até que fôsse firmemente estabele­cida a revelação divina sôbre a vida além da morte.

Dizei aos justos que bem . . . O singular de

usa-se aqui no sentido coletivo. A palavra Sfífl en­cerra ou leva a idéia de que os justos serão bem su­cedidos. A Septuaginta tem uma tradução complicada de 9b-10: “ Ai da sua alma, porque êles se aconselham entre si, dizendo: Amarremôs o justo, pois é perturbador para nós; portanto, êles comerão do fruto das suas obras. ” Com a pequena mudança de Paraj • *pode-se ler, “ Feliz é o justo, pois tudo vai bem com êle .”

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Ai do perverso, porque a sua recompensa será jus­tamente as obras das suas mãos. Os governadores ti­nham a responsabilidade de promover o bem-estar do seu povo, e protegê-lo da injustiça de opressores, mas êles mesmos se tornaram os tiranos. Eram crianças no entendimento do significado dos seus atos, não somente para a nação, mas também para si próprios.

Na referência a mulheres é provável que o profeta estivesse pensando na influência maléfica das mulheres do harém dos próprios governadores. Mas o govêrno de Atalia, mãe de Acazias, II Reis 11:1-16, foi uma dolo­rosa experiência para o povo de Judá. Os guias do povo levaram-no à destruição.

3. Os Esmagadores do Povo, 3:13-15

13. O Senhor toma o seu lugar para contender,e apresenta-se para ju lgar o seu povo.

14. O Senhor entra em juízocom os anciãos e os príncipes do seu povo:

Vós sois os que devorastes a v inha ;o espólio do pobre está em vossas casas.

15. Que há convosco que esmagais o meu povo,e moeis a face dos pobres ?diz o Senhor Javé dós Exércitos.

Apresenta-se aqui um espetáculo do julgamento di­vino. O Senhor toma o seu lugar, não para piei-

T *

tear, mas para contender, condenar e castigar os iníquos de acôrdo com as suas obras. ÊÍe se apresenta no meio do povo como acusador, juiz e o administrador da ver­dadeira justiça. A acusação divina, que o povo não po­dia negar, é também a sentença do julgamento, }V!l.

O Senhor entra em juízo particularmente com os anciãos e os príncipes. Se êstes governadores do povo

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tivessem mantido a integridade e o sentido da justiça, êles poderiam ter mantido a ordem social, e assim ter restringido os crimes do povo em geral. Quando êles abandonaram as responsabilidades da sua nobre incum­bência, não havia ninguém que se interessasse em man­ter a ordem, e o resultado foi a terrível anarquia social.

O Senhor se apresenta para julgar o seu povo. Esta é a tradução da Septuaginta. O hebraico tem os povos, mas o contexto mostra que êste julgamento do Senhor é limitado ao povo escolhido.

E ’ muito forte a acusação contra os anciãos e prín­cipes. Êstes, que foram escolhidos para proteger a vinha e guardá-la dos ladrões, tornaram-se traidores e saquea­dores das propriedades públicas, e assim devoraram,

ou consumiram a vinha. Os presentes que exigi-“ T *

ram do povo pelo serviço legítimo que não fizeram, e o despojo que roubaram dos pobres, e dos que não tinham defesa, estavam nas casas dos ladrões. Que se pode di­zer dêsses homens no serviço público, nestes tempos m o­dernos, que edificam os seus palácios e acumulam enor­mes riquezas dentro do período em que ficam no poder?

Que direito tendes vós de esmagar o meu povo,tf-H , e moer a face dos pobres,

Isaías, bem como os outros profetas e salmistas eram os defensores dos órfãos, viúvas e pobres que não tives­sem os meios de defender os seus direitos.

E. As Mulheres Altivas de Jerusalém, 3:16-4:1

16. O Senhor disse :Porquanto são altivas as filhas de Sião,

e andam de pescoço emproado, de olhares impudentes,

a n d a n d o com agilidade,fazendo tinir os ornamentos de ssus pés;

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17. o Senhor afligirá com cicatriza coroa das cabeças das filhas de Sião, o Senhor porá a descoberto as suas vergonhas.

Os versículos 16 a 24 constituem um oráculo do profeta dirigido às mulheres altivas de Jerusalém. Como Amós 4:1-3 expõe as extorsões da parte dos ricos de Sama- ria, assim Isaías reconhece no luxo, e na vaidade das mulheres de Jerusalém a opressão e a injustiça pratica­das por seus maridos (Cp. 32:9-12). Nesta seção os ver­sículos 16 e 17 e 24 a 26 foram escritos em form a poé­tica, mas os versos 18 a 23 e 4:1 se acham em prosa. Por isso, alguns pensam que Isaías não escreveu os ver­sos 18 a 23, e que foram interpolados mais tarde por outro escritor. Mas, como Amós, Isaías reconheceu que as mulheres da aristocracia de Jerusalém eram respon­sáveis pêla opressão e a injustiça praticadas pelos ma­ridos. A vida moral e social das mulheres é geralmente o critério das condições éticas e religiosas entre todos os povos.

As filhas de Sião é a frase que se refere às mulheres da parte da cidade ocupada pelos ricos, principalmente dos governadores. A altivez, FD Ji — o orgulho e a arro-

“ T

gância das mulheres — é evidenciada nos gestos e no modo de andar em público, de pescoço emproado, ou estendi­do, ntDJ, até ao limite, para se distinguirem das

T T

mulheres da classe baixa, e assim demonstrar a grande­za das senhoras da côrte, das nobres e da aristocracia de Jerusalém.

De olhares impudentes, , olhares. T •* t “ l

fingidos com arte para encantar e seduzir com o brilho dos olhos, andando com agilidade, ou a passos afetados de ternura, Í1B&. Elas assim faziam tinir os ornamentos

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dos pés. As mulheres usavam tornozeleiras, ligadas com correntinhas curtas, com ornamentos que tiniam quan­do elas andavam.

O castigo destas mulheres ricas e arrogantes será muito humilhante, a recompensa apropriada da cruelda­de que praticavam com os maridos contra o povo sem defesa, a cicatriz na coroa da cabeça, e a descoberta de sua nudez.

18. Naquele dia tirará o Senhor o adôrno dos anéis dos artelhos, as toucas e os ornamentos em form a de meia lua;

19. os pendentes, os braceletes e os véus esvoagantes;20 os turbantes, as cadeiazinhas para os passos, as cintas,

as caixinhas de perfumes e os amuletos;21. os anéis d-2 selar, e as jóias pendentes do nariz;22. os vestidos de festa, os mantos, as capas e as bôlsas;23. os vestidos diáfanos, as vestes de linho, os atavios de

cabeça e os véus grandes.

É um tanto obscura esta descrição minuciosa dos artigos do vestuário das mulheres de Jerusalém no tem­po de Isaías. O estudo dos objetos de adôrno pessoal achados nas escavações da Palestina, e datados na mes­ma época, esclarecem a descrição de alguns dêstes ar­tigos. A versão SBB talvez apresente a melhor tradução dos nomes hebraicos dos vários artigos. É claro que o profeta não quis dizer que qualquer mulher usava ne- cessàriamente todos êsses artigos de uma vez. Um bom número dos artigos eram apenas ornamentos, e alguns dêstes se usavam para proteger a pessoa dos espíritos, ou dos deuses malignos. Muitos dêsses artigos de podê- res encantadores ainda se usam no Oriente, e também são usados por algumas pessoas supersticiosas no Oci­dente.

Alguns dos artigos do vestuário das mulheres de Jerusalém são usados em todos os países do mundo até

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hoje em dia. Mas os anéis dos artelhos, as cadeiazinhas para os passos, as jóias pendentes do nariz, e alguns dos véus, especialmente o véu do rosto, não se usam em muitos dos países de hoje.

O profeta está condenando a vaidade e a degradação moral das mulheres ricas de Jerusalém, e a sua terrí­vel influência na corrupção da sociedade, e na destrui­ção nacional do seu povo. A qualidade moral do sexo feminino determina, em grande parte, o caráter da so­ciedade de qualquer país. São elas, como mães, que es­tabelecem os ideais dos homens. As mulheres inspiram os seus filhos com o seu próprio espírito de nobreza, amor e sacrifício; ou os corrompem com a sua vaidade, o seu egoísmo e a sua falta de interêsse no bem-estar moral, no treinamento dêles. Na profunda apreciação da influência das mulheres na formação do caráter dos homens, e assim no destino do seu povo, o profeta é se­vero na condenação dos seus pecados.

24. Em lugar de perfume haverá podridão;em lugar de cinto, corda,

em lugar de encrespadura de cabelos, calvície; em lugar de veste suntuosa, cilício, e em lugar de formosura, vergonha.

25. Os teus homens cairão à espada,e os teus valentes na batalha.

26. A s suas portas lamentarão e prantearão;e ela se assentará no chão, desolada.

4:1. Sete mulheres naquele dia lançarão mão dum homem, dizen­do: Nós comeremos do nosso pão, e nos vestiremos de nossos vestidos; tão sòmente queremos ser chamadas pelo teu nome; ti ra o nosso opróbrio.

O verso 24 descreve a degradação das mulheres da alta sociedade de Jerusalém no dia do julgamento. O versículo relaciona-se mais diretamente com o verso 17. Há quatro contrastes aqui entre a ostentação e a arro­

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gância das mulheres ricas de Jerusalém e o caráter de­las de acôrdo com o julgamento. Os contrastes mostram que estas mulheres injustas, pecaminosas e arrogantes hão de receber o castigo que merecem. Em vez de per­fume haverá podridão, ou o mau cheiro da escravidão. Em vez de um cinto, ornamento de vestido, haverá uma corda, ou cabo no pescoço, símbolo da degradação. Em vez de encrespadura de cabelos, ou penteado da moda, haverá calvície. E em vez de formosura haverá vergo­nha . A palavra vergonha, H tífà , não se encontra senãono manuscrito do Mar Morto.

Os versos 25 e 26 são dirigidos a Jerusalém. A per­sonificação de Jerusalém é freqüente na Bíblia. Nas calamidades que cairão sôbre a cidade amada, os seus homens fortes e valentes perecerão. As portas nos mu­ros da cidade lamentarão a sorte dos seus bravos solda­dos . Os homens se reunirão nas portas para tratar de ne­gócios, e ali se encontrarão com amigos e conhecidos que vão entrando e saindo da cidade. Nestas reuniões haveria lamentações pelos valentes que morreram na defesa da cidade amada. Na poesia hebraica até as pró­prias portas da cidade choravam a morte de seus de­fensores .

Naquele dia de sofrimento' terrível da cidade, 4:1, sete mulheres, número indefinido de viúvas (Cp. 3:25), sem esperança de outro casamento, lançarão mão dum homem, e lhe pedirão insistentemente que as receba na casa dêle, para que tenham o nome dêle, e assim fiquem livres do opróbrio. Nós comeremos do nosso pão. Pe­dem apenas a proteção da parte do homem para que fi­quem livres de ignomínia (Cp. Gên. 30:23 e I Sam. 1 :6 ) . O julgamento das mulheres, e o dos governadores, re­presentam a condenação mais compreensiva de Jerusa­

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lém e Judá, bem como a censura de tudo que seja exal­tado e arrogante.

F . A Beleza e a Glória de Sião Purificada, 4:2-62. Naquele dia o Renôvo do Senhor será de beleza ® de glória ;

e o fruto da terra será o orgulho € o resplendor dos sobreviventes de Israel.

3. E aquêle que é deixado em Sião « permanece em Jerusalém será chamado santo; todo aquêle que estiver inscritoentre os vivos em Jerusalém ;

4. quando o Senhor houver lavado a im undície das filhas de Sião, e limpado Jerusalém da culpa do sangue do meio dela, com o espírito de justiça e com o espírito purificador.

Em contraste com o julgamento severo na seção anterior, os versos 2 a 4 descrevem a visão do profeta sôbre a glória futura de Jerusalém restaurada. Naquele dia não se refere ao dia do julgamento de 2:12-20, já no passado, mas ao dia de 1:16 a 27, quando Jerusalém será a cidade de justiça, cidade fiel.

Alguns críticos, perturbados pelo estilo de contras­tes do hebraico, declaram que esta passagem, em perfeita harmonia com o estilo e o ensino de Isaías, foi interpo­lada mais tarde, talvez depois do exílio. Esta teoria de que estudantes da Bíblia, no tempo depois do exílio, fi­zeram uso das idéias e da linguagem de Isaías para de­senvolver e esclarecer os seus ensinos, contradiz os fatos bem conhecidos a respeito do cuidado extraordinário na preservação das Escrituras sem quaisquer modificações. Além disto, a passagem concorda perfeitamente com Is. 9:2-7 e 11:1-16. É também difícil pensar que qualquer redator subseqüente pudesse julgar necessário interpo­lar esta passagem justamente neste lugar.

Êste é um cântico de esperança que se encontra em tôda parte do Velho Testamento desde o princípio até ao

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fim . Foi a inspiração do profeta quando Senaqueribe arrogantemente ameaçava capturar a cidade de Jerusa­lém, a última fortaleza que protegia o Reino de Judá do genocídio da parte da Assíria. Foi a esperança de Jere­mias e de Ezequiel nos dias mais escuros da história de Israel. Esta maravilhosa esperança baseava-se na fé ina­balável na bondade e no poder do Senhor Javé no cum­primento das suas eternas promessas.

Naquele dia o Renôvo, FIDÜ , do Senhor será formosoe glorioso. Há várias interpretações dêste versículo, até nas traduções. A Septuaginta traduz: “ Naquele dia, Deus res­plandecerá em conselho com glória sôbre a terra, para exaltar e para glorificar o restante de Israel.” A Caldaica traduz: “ Naquele dia, o Messias do Senhor por júbilo e glória, e por obreiros da lei, pelo louvor e pela honra dos sobreviventes de Israel.” A palavra Renôvo ou Re­bento é do verbo brotar, das plantas. É a mesma pala­vra que se usa em Jer. 23:5; 33:15; Zac. 3:8; 6:12, com referência ao Messias vindouro. Isaías usa a palavra só neste versículo, mas na passagem messiânica do capí­tulo nove êle diz “ sôbre o trono de Davi” . E em 11:1 êle emprega o sinônimo “|t2 Tl , rebemto que sairá do tronco

vde Jessé. 0 reino que o Renôvo estabelecerá pertence a Deus, porque a obra do Messias é a obra de Deus (Cp. A Esperança Messiânica do autor, Cap. V I). Segundo esta interpretação, a segunda parte do verso refere-se à fecundidade, ou à produção abundante da terra, como símbolo ou prova da nova idade. Como no dia de ini­qüidade e aflição a terra estará de luto e pranteará (Am. 1:2; Jer. 4:28; Zac. 12:12), assim ao nôvo dia a terra fi­cará alegre e se regozijará na abundância da sua produ­ção (Cp. Is. 11:1-10 e Os. 2:21-23). Não podemos aceitar a interpretação de alguns comentaristas de que o Renôvo do Senhor significa a renovação da natureza

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física da terra. A nossa interpretação explica melhor o paralelismo das duas partes do versículo, e concorda melhor com a grande significação do nôvo dia para os sobreviventes, de Israel. Esta mesma palavra

T " 1

usa-se freqüentemente para designar os sobreviventes do cativeiro babilónico que voltaram para Judá.

Alguns interpretam a referência ao Renovo do Se­nhor para significar apenas o restante que sobreviveu ao julgamento divino. Assim dizem que o Restante dei­xado se levantará, pela misericórdia de Javé, como o Renôvo ou o Rebento do tronco. Afirmam que essa in­terpretação concorda com os versos 3 e 4, mas há uma distinção clara entre o Renôvo e o Restante, como nas várias passagens que tratam do Reino Messiânico.

Aquêle que é deixado, , p tc. N if., em Sião, e~ T

permanece, "‘irV , em Jerusalém será chamado santo** T

(Cp. Is. 60:14; 61:6; 62:12). A santidade aqui inclui as idéias da consagração ao Senhor, bem como a pureza moral.

É a palavra santo, t íf ílp , que recebe a ênfase noT

verso 4. A frase ser chamado santo significa ser santo. Os hebreus tinham o costume de manter um registro dos nomes de todo o povo, segundo as tribos e as fam í­lias. Todo aquêle que estiver inscrito entre os vivos em Jerusalém significa todos os habitantes da cidade. Quan­do uma pessoa falecia seu nome era riscado do livro da vida (Êx. 32:32; Dan. 12:1; Ez. 13:9). Todos os sobre­viventes eram santos ou separados para o serviço do Se­nhor. Mais tarde, todos os inscritos no livro da vida eram o povo de Deus (Luc. 10:20; Fil. 4:3; Apoc. 3:5, 13:8, 20:14).

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As filhas de Sião têm que ser lavadas da sua imun­dícia, e Jerusalém tem que ser limpa da culpa do san­gue, antes que os deixados na cidade possam ser cha­mados santos. A imundícia das mulheres significa a corrupção, a vaidade, a arrogância e a infidelidade. A culpa do sangue de Jerusalém refere-se aos pecados de opressão, crueldade, injustiça, rapina, idolatria e hipo­crisia dos governadores e dos ricos de Jerusalém e de Judá.

É pelo espírito de justiça e o espírito purificador, o espírito divino que opera no mundo físico e moral, se­gundo a providência de Deus, que o povo limpo (purifi­cado) é preparado para receber as bênçãos gloriosas do Senhor. A palavra purificador, significa queimar,

- rou ser consumido pelo fogo.

5. Então o Senhor criará sôbre todo o sítio do monte de Sião, a sôbre as suas assembléias uma nuvem de dia, e um fum o e um resplendor de fogo cham ejante de noite; porque sdbre tôda a glória se estenderá um dossel e um pavilhão.

6. Será para sombra contra o calor do dia, e para refúgio e es­conderijo contra a tempestade e a chuva.

Apresenta-se nos versos 5 a 6 uma outra descrição, um pouco diferente da dos versos 2 a 4, do grande dia da restauração. A gloriosa presença do Senhor torna-se uma preciosa realidade na nuvem de fogo e do fum o que resplandecem sôbre a nova Jerusalém. O simbolis­mo visível é o mesmo que brilhava sôbre o tabernáculo no deserto no período do êxodo (Êx. 13:21-23; 40:34-38). A comunhão que o povo experimentou com Deus no êxodo do Egito é restaurada, e o Senhor Javé está com o seu povo. “ A aparência da glória do Senhor era como um fogo consumidor no cimo do monte, aos olhos dos filhos de Israel” , Êx. 24:17.

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Como o Senhor desceu sôbre o Sinai e ia adiante dos hebreus durante o dia numa coluna de nuvem para os guiar pelo caminho, e durante a noite numa coluna de fogo, assim, nesta nova restauração, a presença do Se­nhor acompanhará o seu povo, e êle se estabelecerá sôbre tôdas as suas assembléias. Esta linguagem é figurada, e não necessariamente declara, como dizem alguns, que ao nôvo dia o povo receberá apenas as bênçãos que os hebreus receberam no período da sua história no deser­to, enquanto os versos 2 a 4 falam da purificação e da restauração da comunidade humana no seu aperfeiçoa­mento final.

O uso da palavra criará, que sempre desig-T T

na uma produção original e miraculosa, é justificado por Delitzsch, porque o profeta fala sôbre uma nova revelação da sua presença, acima do curso regular da história. Mas a Septuaginta tem a palavraSOí e diz:

T

“ Então Javé virá sôbre tôda habitação no monte de Sião, e sôbre tôdas as assembléias como a nuvem de dia.”

A versão do Padre Matos Soares traduz a palavra por extensão, que talvez seja melhor do que sítio

I

de RSV. Porque sôbre a glória se estenderá um dossel e um pavilhão, H3D1 HSn T D 3 ' 2 , porque

T \ I T \ T T

sôbre cada glória um dossel, uma coberta apropriada. A palavra HSn significa cobertura, tenda ou dossel, e

T \

Í13D significa tenda, barraca ou abrigo. A nuvem ofe-T

rece uma sombra e um esconderijo; o fogo oferece luz e proteção contra podêres hostis. 0 profeta fala não so­mente da presença do Senhor, mas também nas suas ati­vidades na proteção e na salvação do seu povo.

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A P R O F E C IA D E ISA1AS 117

O calor do dia, a tempestade e a chuva representam os vários perigos dos quais o Senhor protegerá o seu povo. A chuva é geralmente considerada uma grande bênção na Palestina. Por que se usa aqui como símbo­lo de perigo? Talvez se use aqui em conexão com tem­pestade no sentido de dilúvio. É difícil acreditar que a palavra fôsse acrescentada mais tarde por qualquer ou­tro escritor.

Apesar das dificuldades técnicas nesta passagem, é claro que representa a fé e a esperança de Isaías, isto é, que o julgamento divino purificará a cidade de Jerusa­lém, e que ela será atraída e restaurada pela experiência do poder redentor do Senhor, e se tornará um povo san­to e dedicado ao serviço do seu Deus no cumprimento da sua gloriosa missão messiânica (Cp. 2:2-5).

G. Um Cântico da Vinha do Senhor, 5:1-7

1. Seja -m e permitido, pois, cantar ao meu amado,um cântico a respeito da sua vinha.

O meu amado teve uma vinha num outeiro fertilíssimo.

2. Revolveu a terra e a limpou das pedras,e a plantou de vides escolhidas;

edificou no meio dela uma tôrre, e abriu nela um lagar;

e esperava que desse uvas, mas deu uvas bravas.

3. Agora, pois, ó moradores de Jerusaléme homens de Judá,

ju lgai, vos pego, entre mim e a. m inha vinha.

4. Que havia de fazer ainda à m inha vinha,que eu lhe não tenha feito ?

Quando eu esperava que desse uvas, por que produziu uvas bravas ?

Êste cântico, que é também uma parábola, é um dos mais lindos exemplos da perícia literária do profeta

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Isaías. O profeta se apresenta com o bardo, ou cantor de músicas populares, talvez na ocasião da Festa dos Ta­bernáculos, a celebração pública da colheita dos produ­tos da lavoura. As festas da colheita eram ocasiões de profunda alegria. O povo se ajuntava em grandes as­sembléias para beber, comer e jubilar (Cp. Juí. 9:27).

A parábola não é meramente uma ilustração, nem uma alegoria em que todos os pormenores simbolizam uma verdade. Mas é uma pequena narrativa que encer­ra uma mensagem de importância especial para os ou­vintes. O ensino apresentado na form a de parábola tor- na-se mais evidente e mais poderoso para o ouvinte do que quando é proferido diretamente, ou reforçado por uma ilustração. Era ocasião especial para os cânticos de vindima, e a multidão reunida, talvez na côrte do Templo, estava pronta para ouvir, com profunda atenção e com interêsse e alegria, qualquer cântico nôvo.

F.m circunstâncias tão favoráveis, o profeta encan­tou logo os seus ouvintes. Sem dúvida, êles tinham ou­vido cânticos sobre o assunto tão popular como a vi­nha. Ficaram excitados de curiosidade a respeito de qualquer nôvo pensamento que o profeta pudesse ofere­cer nesse cântico diferente dos outros que conheciam. Como Amós levou os seus ouvintes a condenar os seus próprios pecados, na condenação das nações vizinhas, e como Natã induziu o rei Davi a reconhecer os seus pe­cados, assim o profeta levou o povo a pensar no seu fra­casso com o a nação escolhida do Senhor.

A poesia tem duas divisões, versos 1 a 4 e 5 a 7 . E cada uma destas tem duas subdivisões. Os versos 1 a 2a descrevem as condições favoráveis no preparo para a plantação da vinha, enquanto 2b a 4 explicam o desa­pontamento do vinhateiro com os resultados, e pedem aos ouvintes a julgar se a falta era dêle ou da própria vi­

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nha. Então o proprietário declara a sua intenção de des­truir a vinha (5 a 6 ). Em profunda simpatia com a decepção do vinhateiro, os ouvintes apoiaram o seu propósito de demolir a vinha. 0 clímax inesperado do cântico é proclamado no versículo 7 quando a vinha da parábola identifica-se com a nação de Israel nos maus frutos que tinha produzido como o povo do Senhor.

Seja-me permitido cantar do meu amado, ou a res­peito do meu amado, YT T ^ , é melhor do que para o

meu amado, como é traduzida a palavra a res-: - !

peito da sua vinha. Não está cantando para o amado, mas do amado. As palavras “P T e TjH são sinôni-

• T

mas. São têrmos de carinho especial para com um ami­go íntimo e, assim, muito amado. A palavra se usa para designar os amados do Senhor, como no Sal. 127:2 e Deut. 33:12. É certo que êste têrmo amado nem sem­pre se usa no sentido erótico, com o declara The Inter­preter’s Bible.

A respeito da sua vinha. Os hebreus são freqüen­temente representados em figura como a vinha do Se­nhor, Sal. 80:8-15; Jer. 2:21; 12:10. O nosso Salvador usou esta figura expressiva para designar o carinho de Deus no cuidado do seu povo, Mat. 21:33 sq. e Mar. 12:1 sq.

Outeiro fertilíssimo é a tradução da frase hebraica que significa “ como filho de azeite” . A imagem é poé­tica e bonita, e declara que Deus tinha plantado o seu povo em circunstâncias favoráveis, e esperava que cres­cesse e produzisse bons frutos para a glória do seu Deus.

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O vinhateiro cavou e revolveu o solo, e tirou dêle to­das as pedras. A Vulgata e a Septuaginta dizem “ cer­cou-a duma sebe” . O versículo 5 diz, “ removerei a sebe” , mas a palavra pTJ? do texto hebraico significa

— T

mexer o solo. Com a esperança de uma grande produção de uvas, o dono edificou uma tôrre no meio da vinha, donde o guarda pudesse observar e expulsar os intrusos.

Havendo preparado cuidadosamente o solo no ou­teiro fertilíssimo, o dono escolheu as melhores vides, com o desejo de produzir os melhores e os mais abun­dantes frutos. Dizem os comentaristas judeus que a vide sorek, , produz uma boa qualidade de uvasvermelhas com sementes pequenas (Cp. Jer. 2 :21). Edificou uma tôrre no meio da vinha com o abrigo para o guarda que protegia as vides e o fruto contra os la­drões. Abriu um lagar, 2 | V , cortado na pedra para re-

V V

ceber o suco que corria da prensa (Cp. Joel 3:13; Prov. 3:10; Neem. 13:15). Mas a palavra se usa, às vêzes, no sentido de prensa de lagar. Depois de todo êste cui­dado e trabalho, o dono esperava que as vides lhe dessem uma abundância de uvas de boa qualidade, mas

• T " I

produziram uvas b r a v a s , , de mau cheiro.• \ i >

Há, no versículo três, uma transição da terceira para a primeira pessoa. O cantor identifica-se com o “ Amado” , o verdadeiro dono da vinha, dando assim um palpite de que haja uma significação mais profunda da sua parábola do que o motivo de divertir os ouvintes. O dono não pede aos ouvintes para que digam o que êle devia fazer com a vinha, porque já determinara a sua resolução que declara aos ouvintes. Mas pede que os

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moradores de Jerusalém e os homens de Judá julgas­sem entre êle e a sua vinha. Sem o saber, os ouvintes são induzidos a oferecer um julgamento inevitável a res­peito de si mesmos como a nação que tinha fracassado miseràvelmente com o a vinha do Senhor.

Depois de parar por um momento para dar aos ou­vintes tempo de considerar como o vinhateiro tinha fei­to tudo possível quanto à vinha, e que não havia qual­quer desculpa em favor da vinha, o profeta apresenta o julgamento justo do caso nos versos 5 a 7.

5. Agora, pois, vos farei sabero que vou fazer à m inha vinha.

T ira re i a sua sebe, e ela será devorada;derribarei o seu muro, e será pisada.

6. T o rn á -la -e i «m deserto; não será podada nem sachada;crescerão nela sarças e espinheiros;

e às nuvens darei ordem .que não derramem chuva sôbre ela.

7. Pois a vinha de Javé dos Exércitos é a casa de Israel,e os homens de Ju d á a plantação da sua delfcia;

êle esperou a retidão, mas eis o derram am ento de sangue;a justiça, mas eis aí um clam or!

Como o dono fizera tudo que podia ser feito no cul­tivo de sua vinha, assim o Senhor havia feito em favor dos judeus tudo que era possível, de acôrdo com as cir­cunstâncias, para a cultura da sua fé, e para ajudá-los no cumprimento da sua nobre missão. Tinha-os liber­tado da escravidão do Egito, escolhendo-os como o seu povo peculiar. Fêz com êles o seu concêrto de amor, e lhes enviou profetas e mestres para os guiar e orientar na sua vida moral e religiosa. Agora lhes apresenta o apêlo' para dizer que mais o Amado poderia ter feito em favor dêles.

Terminou o cântico no verso 4, e então o profeta pronuncia a sentença contra a vinha. A vinha será aban­

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donada e deixada para se tornar em deserto, com a pro­dução de sarças e espinheiros. Será tirada a sua sebe de abrolhos e derribado o muro de pedras, deixando a terra aberta aos animais e feras. Será pisada e comple­tamente arruinada. Não receberá mais qualquer aten­ção ou cuidado, e será coberta de sarças e espinheiros. O Senhor dará ordem às nuvens que não derramem mais chuva sôbre aquela terra, pois é claro que o sujeito do verbo “ darei ordem” é o Amado, o dono da vinha.

Mas no versículo 7 o profeta declara definitivamente que Javé dos Exércitos é o Amado que plantou a vinha, e a vinlia é a casa de Israel. Assim a parábola ensina com ênfase dois fatos. A vinha de Javé é a casa de Is­rael, especialmente os homens de Judá, a planta dileta do Senhor. O segundo fato acentuado na parábola é que as uvas bravas que o povo escolhido do Senhor, a sua vinha, produzia são as opressões terríveis, a injus­tiça, a iniqüidade.

Êle esperou o juízo, ÍOfitifà , mishpat.T í ’

Eis o derramamento de sangue, , mispa.T : *

Esperou a justiça, HpIU , tsedhaká.T T *

Eis um clamor, HpJJlí , tseaká.

A palavra significa a justiça que os própriosT I •

juizes de Israel, com o representantes do Senhor, deve­riam ter dispensado no julgamento dos homens perante os tribunais. A palavra retidão traduz o sentido. A jus­tiça, nCTO > significa a justiça absoluta, ou a justiça

T T *

divina.

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O Senhor espera do seu povo o fruto da justiça como o resultado da cultura divina. Quando os homens desprezam o amor e o cuidado divinos, êles perdem a proteção e as benéficas influências da graça de Deus.

H. Ais Contra os Perversos, 5:8-30

8. A i dos que ajuntam casa a casa,e vão acrescentando campo a campo,

até chegar ao fim do lugar,como os únicos moradores no meio da terra.

9. A meus ouvidos jurou o Senhor dos Exércitos:Verdadeiramente m uitas casas ficarão desertas, grandes e belas sem moradores.

10. Pois dez jeiras de vinha darão um bato,e um ômer de semente dará apenas uma efa.

Ê possível que esta série de ais sofreu algum desar­ranjo na transmissão. A palavra introdutória ai apare­ce seis vêzes na discussão, mas com uma certa irregu­laridade. O ai dos bêbedos é mencionado duas vêzes, com pequena modificação. Esta série de denúncias dos aristocratas sociais inclui os ricos que se aproveitam das condições sociais e econômicas para tomar posse da terra, 8; os que seguem a bebedice, 11; os iníquos agressivos, 18; os que justificam os seus pecados, 20; os sábios aos seus próprios olhos, 21; os bêbedos e os juizes corruptos, 22, 23.

Êstes vários grupos de pecadores não temem a Deus, nem respeitam os homens. O profeta descreve em têr- mos fortes, e condena severamente os pecados do egoís­mo, do orgulho, da insensibilidade, da depravação m o­ral e da apatia religiosa: pecados que êle e os profetas contemporâneos denunciam repetidas vêzes. No perío­do prolongado de prosperidade material no reinado de

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Jeroboão II, os governadores e os privilegiados oprimiam cada vez mais severamente os pobres e os fracos, en­quanto a religião, a justiça social e o espírito de frater­nidade sofriam uma desastrosa decadência. Com o de­clínio moral e religioso da sociedade aumentavam-se as formas cerimoniais, adaptadas dos cananeus, na osten­tação elaborada, no sacrifício de animais e nas festas sensuais do povo. Evidentemente, o povo não experi­mentava mais a comunhão íntima com o Senhor dos Exércitos, o Santo de Israel, o Deus do Concêrto do Si­nai. A religião de Israel já se tornara apenas uma tra­dição .

O fundo histórico dêsse capítulo talvez seja a últi­ma parte do reinado de Jotão, ou na primeira parte do reinado de Acaz. O castigo do povo infiel não será mais um terremoto, mas por causa da falta de entendimento o povo será levado cativo. Os nobres terão fome, e a multidão se secará de sêde, v. 13.

Como o profeta tinha proclamado o dia do julga­mento na Parábola da Vinha, êle declara repetidamente que o dia de prestar contas está chegando quando os vá­rios grupos de pecadores que tinham produzido os fru­tos amargos da apostasia e degradação hão de sofrer a mesma ruína da vinha abandonada aos animais e às feras.

No verso 8 o profeta especifica alguns dos pecados indicados na Parábola da Vinha. Condena severamente a avareza dos ricos, no seu desejo ardente de adquirir dos vizinhos que sofriam fome, mais, mais, e ainda mais dos seus terrenos, até que não houvesse mais qual­quer lugar para ser adquirido por rapacidade ou por compra.

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A gravidade dessa avareza na economia do país foi aumentada por várias circunstâncias. A terra da Pa­lestina é reconhecida no Velho Testamento com o a pro­priedade do Senhor, e o povo recebe a sua porção como herança divina. Os donos, então, têm a incumbência de cuidar de seus terrenos com o herança recebida do Se­nhor para as suas respectivas famílias. Para honrar essa responsabilidade qualquer dono que ficasse obrigado a vender o seu terreno por fôrça de razões econômicas haveria de oferecê-lo primeiro ao parente mais achegado (Rute 4:3-10). Quando Nabote informou ao rei Acabe de que não lhe podia vender a vinha que desejava, o rei, embora desapontado, respeitou o direito do dono. Mas a sua espôsa Jezabel, uma estrangeira, insistiu em que o marido exercesse a sua autoridade como rei e to­masse a vinha (I Reis 21:1-16).

No tempo de Isaías, devido ao declínio da justiça e ao poder crescente dos ricos e avarentos, o direito do proprietário pobre era desprezado, e violado sem escrú­pulo. Na opressão da parte dos avarentos, muitos dos donos mais pobres foram obrigados a vender os seus pe­quenos terrenos, e alguns dêstes foram escravizados por seus credores (Am. 2 :6 ). A propriedade de alguns po­bres foi arrebatada no pagamento de dívidas (II Reis 4:1; Miq. 2 :2 ). Assim, diminuía o número dos donos de terras, e êstes trabalhavam como empregados ou escra­vos dos ricos.

O Senhor dos Exércitos revelou ao profeta que ia afligir aos avarentos opressores. Êste é o sentido das palavras: “ Aos meus ouvidos jurou o Senhor” . Muitas casas grandes e belas ficarão desertas e sem moradores na devastação iminente da terra,

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0 castigo divino da rapacidade dos ricos será de acôrdo com os seus crimes. Os terrenos que arrebata­ram dos vizinhos produzirão apenas a décima parte das sementes que plantam.

11 a 13. Os pecados de bebedice e de mundanismo

11. A i dos que se levantam pela manhã cedo,para buscar a bebida forte,

e se demoram até alta noite, até que o vinho os esquenta.

12. Lira s e harpas, tam boris e flautas,e vinho há nos seus banquetes;

porém não consideram os feitos do Senhor, nem olham para as obras das suas mãos.

13. Portanto, 0 meu povo é levado cativo,por falta de conhecimento;

os seus nobres sofrem de fome,e a sua multidão se seca de sêde.

Os profetas condenaram severamente o vício da em­briaguez, e todos os modos de gratificar os desejos peca­minosos (Cp. Os. 7:5; Am. 6:6; Joel 3:3; Miq. 2:1, 2) . Os bêbedos levantaram-se bem cedo de manhã e correram para buscar a bebida forte. Esta palavra, usa-se

T • •

no sentido não sòmente do vinho forte, mas também se refere a outras bebidas mais fortes, com o na frase “ vi­nho e bebida forte” (Lev. 10:9; Núm. 6:3; Juizes 13:4, 7 ). Desde os tempos antigos os povos vêm fazendo be­bidas fortes de frutos e cereais.

Nos seus banquetes celebrados em nome da religião, os apóstatas se entregavam à satisfação de seus desejos carnais. Comiam, bebiam e se alegravam ao som de música. Ficando embriagados, êles perdiam o senso

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moral e se dedicavam a saciar os apetites pecaminosos. A música foi adaptada para estimular as emoções físi­cas. Na sua falta de conhecimento, êles julgavam que podiam agradar ao Deus de Israel com o seu paganis­mo, se é que chegavam a pensar no Senhor. Mas anda­vam tão preocupados com muitas coisas que nem consi­deraram os feitos do Senhor, nem as obras carinhosas que havia feito em seu favor.

Os seus nobres, sofrem, T lD , de fome, e suaT •• t

multidão seca-se, m , de sêde. Êstes são os sofrimen­tos do povo já levado cativo pelos assírios. Mas alguns pensam que o profeta está se referindo ao cativeiro vin­douro. Não há certeza se o povo do reino do norte a êsse tempo já fora levado cativo para a Assíria (Cp. Am. 6 :7 ).

14. Portanto, SHeol aumentou o seu apetite,e abriu a bôca desmesuradamente;

paro lá descem os nobres de Sião e o seu tum ulto,a sua m ultidão e quem nesse meio se regozijava.

15. A plebe é abatida e o nobre rebaixado,e os olhos dos arrogantes são humilhados.

16. Mas o Senhor dos Exércitos é exaltado em julgam ento,e o Deus Santo se mostra santo em justiça.

17. Então os cordeiros pastarão como no seu pasto,e os gordos e os cordeirinhos se nutrirão nas ruínas.

Os versículos 14 a 17 apresentam a ameaça de des­truir repentinamente a cidade de Jerusalém. A palavra “ portanto” , sem conexão direta com os versos anterio­res, aparentemente indica que um versículo que introdu­ziu o terceiro “ ai” foi omitido na transmissão.

0 têrmo Sheol, sinônimo de Hades e cova, signifi­cava, nesta época da história de Israel, uma grande ca­

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vidade nas profundezas da terra, habitada por todos os mortos (Cp. Is. 14:9; 38:10; Os. 13:14; Jon. 2:2; Cant. 8:6; Prov. 1:12; 30:16) . A palavra não apresenta qual­quer idéia de castigo, com o inferno, mas ÍSheol era monstro terrível, devorador insaciável. Os seus habitan­tes tinham uma vida vaga, e quase insensível na escuri­dão, e sem conhecimento de Deus. Mais tarde, no tem­po de Daniel, e no período interbíblico, ia se desenvol­vendo uma diferença entre a condição dos iníquos e a dos justos no Sheol (Cp. a discussão do assunto na Teo­logia Bíblica do Velho Testamento do autor, pg. 267 e se g .). No grande castigo de Judá, muitos se destinaram ao cativeiro. Mas Sheol aumentou o seu grande apetite, e abriu a bôca além da medida, para receber os corta­dos pela fome, pela sêde e pela espada.

As multidões da plebe, juntamente com os homens de autoridade e os ricos e tudo de que êstes se ufanavam, juntamente com todos os meios que lhes forneceram prazeres, serão destruídos. Nesta execução da justiça divina, os judeus orgulhosos, arrogantes e hipócritas fi­carão humilhados, enquanto Javé dos Exércitos é exal­tado no julgamento dos pecadores, e mostra-se Santo no exercício da justiça absoluta. Assim, o povo será cons­trangido a reconhecer a divindade do Santo de Israel, na execução da sua justiça que revela o seu verdadeiro ca­ráter em tôda a sua glória.

O versículo 17 completa a ameaça do verso 13. Há variações no sentido do hebraico e das versões do caldai- co e do siríaco.

O verso 17 completa a ameaça do versículo 13, e aparentemente seguiu originalmente logo após este. O hebraico dêsse versículo é de difícil tradução, e há va­riantes no sentido das versões do caldaico e do siríaco. Êste ai é dos arrogantes que desafiavam o julgamento do Senhor por seus pecados, e por suas palavras de blas­

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fêmia. A frase como no seu pasto, D"D"D» e as ruínasT I T t

ou os territórios não cultivados, d t i» n w n , são sinô-• 1 T

nimos e significam a terra que tinha sido bem cultivada, mas que já se tornara simplesmente um pasto para os animais.

18. A i dos que puxam a iniqüidade com cordas de falsidade,e o pecado como com tirantes de carro I

19. Que dizem : Apresse-se, avie-se a sua obra para que a vejam os;aproxim e-se e venha o conselho do Santo de Israel, para que o conheçamos.

Ai dos que puxam a iniqüidade, dos homens que vão puxando os seus pecados, com o se fôssem um carro. São os homens que se entregavam com entusiasmo e vi­gor aus prazeres do pecado, crendo que Deus não os castigaria. São os homens que não recebiam e não acre­ditavam na mensagem dos profetas, com as ameaças da retribuição divina. No entanto, estão fazendo inconscien­temente tudo que é possível, nas suas atividades peca­minosas e nas palavras de blasfêmia, para apressar a vinda do julgamento da sua apostasia e infidelidade.

A segunda parte do verso indica que o pecado é um fardo tão pesado para muitos judeus que esgotava a sua energia (Cp. Jer. 9 :5 ). São os resultados ou as conse­qüências do pecado que o pecador puxa com cordas de falsidade: ódio, retribuição de inimigos, e em alguns ca­sos a doença, o sofrimento e a morte. Cordas de falsi­dade, ou de vaidade, Jly , tem também o sentido de de-

T

cepção, e isto pode significar esquemas ou planos de en­ganar e roubar.

Os pecadores do verso 19 afirmam que não tinham observado quaisquer atividades de Deus, e na increduli­

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dade êles desafiam o Senhor para que êle faça depressa a sua obra a fim de que possam observá-la. Para êstes apóstatas e infiéis não havia qualquer razão ou motivo de crer naquilo que os profetas diziam sôbre a justiça di­vina no castigo do pecado. Esta é a mesma falta de fé de outros judeus no tempo de Ezequiel, 8:12, 9:9, e de muitas pessoas em tôdas as épocas da História. O pe­cador sempre tem o desejo de fortalecer a sua incredu­lidade a fim de negar ou desafiar a lei moral. O con­ceito do Deus justo é inconveniente para o pecador.

20. A i dos que ao mal chamam bem, e ao bem m al;que põem as trevas por luz, e a luz por trevas;e põem o am argo por doce, e o doce por am argo!

21. A i dos que são sábios aos próprios olhos,<e prudentes diante de si mesmos !

22. A i dos que são heróis para beber vinho,e valentes para m isturar a bebida forte ;

23. oa quais por suborno justificam o ímpio,e ao justo tiram o direito!

É notável como os profetas falam ao povo da nos­sa época moderna. Ai daqueles que pervertem e confun­dem a distinção entre o mal e o bem. O profeta fala das pessoas que justificam qualquer ato, por perverso que seja, quando êste promova os seus interêsses, ou os ajude na realização de seus planos. Para a satisfação do egoísmo de tais pessoas, os princípios morais podem ser aproveitados ou desprezados de acôrdo com a pró­pria conveniência. Se a prática do mal é vantajosa é muito bom ; se o bem é desvantajoso é muito mau. Tais homens são depravados e criminosos.

Os sábios aos próprios olhos não são necessària- mente os arrogantes e os altivos. São aquêles que ficam perfeitamente satisfeitos com a certeza de que êles mes­mos são capazes de satisfazer a tôdas as suas próprias

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necessidades, sem o socorro que os fracos procuram na religião. Os homens do verso 20, sem escrúpulo, con­fundiram o bem e o mal a fim de satisfazer ao seu egoís­m o. O grupo do verso 21 geralmente é dos que têm um padrão moral; mas julgam-se capazes de se orientarem a si mesmos na vida sem qualquer direção de autori­dade superior.

Os heróis para beber vinho, significa aquêles que podiam beber muito sem ficar demasiadamente embria­gados, todavia não deixavam de ficar embriagados, e a embriaguez produzia nesses heróis o espírito temporá­rio de genialidade e animação. Mas êstes homens en­tregues ao vício de beber são heróis somente quando a embriaguez os separa das obrigações duras e os deveres difíceis da vida. Assim, êles perdem a capacidade de se disciplinarem na vida moral. São êstes que por subor­no justificam o ímpio ou o perverso, e tiram do justo o seu direito. Êstes homens desmoralizados eram justa­mente aquêles escolhidos para manter a verdadeira jus­tiça. A perversão da justiça é o princípio da destruição de qualquer grupo social, religioso ou nacional.

24. Portanto, como a língua de fogo devora o restfllho,e a palha cai na chama,

assim a raiz dêles será como podridão, e a sua flor se esvaecerá como pfl;

porquanto rejeitaram a lei do Senhor dos Exércitos, e desprezaram a palavra do Santo de Israel.

25. Por isso, se acendeu a ira do Senhor contra o seu povo,e estendeu a mão contra 6le, e o feriu, e os montes trem eram ,

e os seus cadáveres eram como m onturo no meio das ruas. Com tudo isto não se aplacou a sua ira,

e ainda está estendida a sua mão.

Muitos comentaristas pensam que os versos 24 a 30 constituem uma parte do oráculo contra o reino seten-

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tríonal, o qual se apresenta em 9:8-21. Aparentemen­te, o verso 24 não tem conexão com o anterior. Os jul­gamentos pronunciados em 24 a 30 talvez se refiram aos vários tipos condenados pelos ais, mas seguem mais lo­gicamente 9:21. O reino setentrional estava chegando ao fim da sua história. Samaria foi sitiada e caiu em 722. Os dois reinos sofreram as conseqüências terríveis da rebelião contra o Senhor.

O destino dos infiéis descreve-se no v. 24 em têrmos figurados. Se êste verso se refere aos tipos de 8 a 21, a declaração de que a sua raiz será como podridão, e a sua flor esvaecerá como pó são figuras aptas. Êstes ím­pios são como a arvore que perdeu a sua vitalidade, e se tornou sêca e murcha, pois a rai^ se apodreceu e a flor é levada embora como o pó perante o vento. Se a lín­gua de fogo que devora o restolho significa o vento abra­sador do deserto, não há discordância nas figuras de fogo e de podridão, e a descrição é forte e efetiva. A raiz e a flor é uma expressão figurativa que se encontra freqüentemente no Velho Testamento, Is. 14:29; 37:31; Am. 2:9; Os. 9:16; Mal. 4:1.

Todos os profetas reconhecem que o pecado mais grave dos dois reinos foi a rejeição da Lei, a Torah, a Revelação especial do Senhor dos Exércitos, e o desprê- zo da Palavra do Senhor de Israel. Porquanto rejeita­ram, m m , a Torah do Senhor, e desprezaram, m ft í í

T t : •

a Palavra do Deus de Israel. Esta rejeição da Torah e da orientação divina é sempre o pecado dos pecados.

Por isso, acendeu a ira do Senhor. A ira do Senhor é a manifestação da justiça divina contra tôdas as for­mas da injustiça (Cp. Núm. 11:33; II Reis 23:26; Sal. 2:12; 56:7; Jó 10:11; Deut. 7:4; 11:17; Juí. 2:14 e ou­tros) . A mão do Senhor está estendida na ira e na con­denação ,

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26. Êle arvorará u m estandarte para as nações da long«,

e lhe assobiará das extremidades da terra;e eis que v e m apressadamente!

27. N i n g u é m fica cansado, e não há q u e m tropece;

ni n g u é m tosqueneja n e m dorme; não se lhe desata o cinto dos seus lombos,

n e m se lhe quebra a correia das sandálias.

28. A s suas flechas são agudas,

e todos os seus arcos retesados; as unhas dos seus cavalos são c o m o pederneira,

e as rodas dos seus carros c o m o o redemoinho.

29. O seu rugido é c o m o o do leão;

r u g e m c o m o os leãozinhos; êles r o s n a m e arrebatam a prêsa,

e a levam, e não há q u e m a livre.

30. B r a m a m contra âles, naquele dia,

c o m o o bramido do mar.Se alguém olhar para a terra,

eis, as trevas e a angústia; e a luz se escurece nas nuvens.

Muitos eruditos pensam que êstes versos descrevem o invasor do norte, e assim fazem parte do oráculo con­tra o reino setentrional, seguindo originalmente o verso 21 do capitulo 9. Depois de falar de desastres que já aconteceram, o profeta descreve o pior que há de vir. Javé vai chamar o exército cruel da Assíria contra Is­rael, e o profeta descreve, em têrmos pictóricos, a apro­ximação das fôrças invencíveis. Já passou o tempo para qualquer esperança de salvar a nação infiel. O profeta não menciona o nome do invasor, mas a descrição in­dica claramente que é o grande inimigo e destruidor de pequenas nações. Êste invasor possuiu a mais poderosa máquina militar que existiu naquele tempo.

Javé, o Senhor do mundo natural, apresenta-se aqui como o Senhor também da História. As frases breves e sugestivas descrevem o movimento rápido, o plano e o progresso do apresto militar bem disciplinado. O po­

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deroso inimigo, com armas perfeitas, cavalos treina­dos, e carros em ótimas condições, marcha apressada­mente para executar o seu plano de conquista. Sôbre tôda a terra há trevas e angústia. Assim o Senhor dos Exércitos usou a nação cruel para destruir o reino de Israel por causa da sua infidelidade. Mas a Assíria tam­bém, por sua vez, sofrerá a extinção por causa da sua terrível iniqüidade.

II. “ Resguarda o Testemunho” , 6:1-8:18

Esta seção do livro consta principalmente de narra­tivas e oráculos. Daqui em diante o profeta não trata tanto dos pecados do povo, como de experiências pes­soais e de oráculos recebidos diretamente do Senhor, e aplicados às condições históricas e religiosas da socie­dade. Os capítulos 6; 8:1-8, 11-18 e 7:1-17 são prin­cipalmente autobiográficos.

A. A Visão Inaugural de Isaías, 6:1-131. N o ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sôbra

u m alto e sublime trono, e as abas de suas vestes e nchiam o

templo.

Êste capítulo é uma das passagens mais notáveis da Bíblia que justifica a doutrina da revelação divina nas Escrituras do Velho Testamento. Esta experiência espi­ritual de Isaías deu-lhe a certeza da sua vocação, e des­creve a sua chamada e iniciação como mensageiro ins­pirado do Senhor. Alguns pensam que a ordem das men­sagens do livro é cronológica, e que a visão neste capí­tulo representa uma renovação duma chamada anterior do profeta. Mas devemos lembrar a história da chama­da de Amós em 7:14-16 do seu livro, e reconhecer que os profetas não sentiram a necessidade de começar as suas profecias com a crônica da sua chamada. É tam­

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bém muito provável que êste capítulo tenha sido o pri­meiro de uma coleção de mensagens que foi incorpora­da mais tarde neste lugar na redação final do livro. No estudo cuidadoso das profecias, torna-se claro que os profetas freqüentemente apresentaram as suas mensa­gens ao público antes de reduzi-las à forma escrita.

Os leitores da Bíblia sabem que êste capítulo é o mais conhecido da literatura profética. Alguns comen­taristas falam dessa experiência de Isaías com o sendo visão extática, mas os profetas canônicos nada sabiam da experiência extática, conhecida pelos gregos. Os pro­fetas canônicos do Velho Testamento chegaram ao mais alto poder de conhecimento verdadeiro na hora da sua inspiração divina. Êles sabiam distinguir os seus pró­prios pensamentos das eternas verdades que recebiam diretamente de Deus. A experiência psicológica do pro­feta em comunhão com Deus é profundamente diferente da experiência de êxtase dos gregos, e de alguns profe­tas do Velho Testamento, produzida pela dança, ou do daroês muçulmano, e outros exercícios físicos entre as nações antigas.

A visão apresentou ao profeta a grave condição da religião do seu povo. Não há razão para crer que a ex­periência religiosa apresentada na visão do profeta foi escrita perto do fim do seu ministério, refletindo, as­sim, o que êle teria aprendido pela experiência com o povo no exercício da sua vocação profética. A verda­de é que a visão descreve as condições políticas e religio­sas que existiam quando o jovem recebeu a sua chama­da, antes de iniciar as suas atividades religiosas.

Isaías, como Amós e Oséias, e como os seus suces­sores Jeremias e Ezequiel, sentiu-se constrangido para entregar ao povo rebelde a mensagem que recebeu do Senhor, e assim deixar os resultados da sua pregação eom o Senhor.

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Na grandeza do estilo literário, e na descrição da majestade do Senhor, e no exemplo da comunhão do homem com Deus não há outro exemplo igual no Velho Testamento. Na leitura dessa narrativa muitas pessoas sentem uma dor aguda na consciência, pois se sentem na presença da santidade e da glória do Senhor. O ho­mem que se esforça para purificar-se a si mesmo, e para guardar as regras costumeiras das leis morais, sente- se perdido na presença do Senhor exaltado em justiça e majestade. É com esta convicção do homem, produzida no seu espirito pelo poder do Espírito de Deus, que êle é levado ao arrependimento, e assim preparado para pe­dir e receber a graça salvadora do Senhor.

Foi no ano da morte de Uzias, cêrca de 742 a. C ., que o profeta recebeu a sua visão inaugural. Êle era conhecido também pelo nome de Azarias, e alguns pen­sam que êste talvez fôsse o seu nome original (II Reis 14:21), e que recebesse o nome de Uzias quando subiu ao trono, mas é nome comum no Velho Testamento e sig­nifica “ minha fôrça é Jav” . O reino próspero de 52 anos de Uzias (II Reis 15:1-3), produziu entre o povo de Judá o sentido falso da segurança e da estabilidade do seu governo, uma certeza tão forte que não podia aceitar as mensagens de ameaça de Isaías. Mas para o profeta a morte de Uzias fo i uma advertência da morta­lidade do homem e da brevidade de instituições huma­nas. Não se pode determinar se Isaías recebeu a sua vi­são antes ou depois da morte do rei, a qual teria uma significação especial para o profeta, se acontecesse an­tes de receber a sua visão. Neste caso, a sua experiên­cia religiosa seria a resposta do Senhor ao espírito per­turbado do jovem, e o ajudaria no preparo para entre­gar ao seu povo a mensagem do Senhor.

Eu vi o Senhor. O jovem não estava dormindo nem sonhando. Estava acordado e muito alerta. Viu o Se­

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nhor, mas fo i apenas um olhar de relance no mundo in­visível que abriu o seu sentido para reconhecer a pre­sença do Senhor na sua majestade e na sua gloriosa san­tidade. Êle descreve as vestes reais e os serafins que acompanhavam a presença divina, mas não a aparên­cia do Senhor que ocupava o trono. Ezequiel 1:26-27 e Daniel 7:9 apresentam uma descrição do Senhor, mas com menos efeito do que o simples aviso de Isaías.

Evidentemente, Isaías chegou ao Templo para ado­rar ao Senhor, na esperança de conforto nesta hora de crise na história do seu povo. É claro que não se inte­ressava no culto cerimonial nesta ocasião, mas desejava comunicar-se com o Senhor e receber dêle o poder divino para o levantar acima da religião que confiava na efi­cácia do sacrifício de animais, de luas novas e de vá­rias solenidades (1:12-18). Isaías usa a palavra ;

t

Adonaí, que nem sempre significa a divindade essencial, mas usa-se aqui neste sentido, com o sinônimo de Javé, nos versículos 5, 8 e 11; ver também Sal. 114:7; Jó 28: 28; Is. 8:7.

O Senhor é representado como Rei, assentado sôbre um alto e sublime trono. Deus é um grande Rei, acima de todos os deuses, Sal. 95:3, O Senhor é o Rei eterno, Sal. 10:16; ver I Reis 22:19; Ez. 43:7; Jer. 17:12.

Traduzimos a palavra para as abas de suasT

vestes, mas a palavra significa o vestido inteiro, e espe­cialmente a parte da cintura para baixo que se desdobra­va ou se estendia para encher o templo. Esta visão de Isaías não foi a Shekina ou o símbolo visível do Senhor que aparecia às vêzes por cima da arca no Lugar San­tíssimo .

2. Serafins estavam por cima dêle. Os serafins, sê- res abrasadores, eram assistentes ou servidores do trono

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celestial, mas não são mencionados em qualquer outro lugar nas Escrituras (Ver Núm. 21:6; Deut. 8:15; Is. 14:29; 30:6). São ministros do santuário invisível. Como os querubins e as criaturas viventes, êles são cria­turas celestes. Mas têm mãos, rosto e voz como do ho­mem. São eretos como o homem, e têm três pares de asas. O têrmo é significativo e talvez simbolize relâmpa­go, como a palavra querubim simboliza as nuvens de trovão, Sal. 18:8-15. Êstes sêres celestes que acompa­nhavam a glória e a majestade do Senhor deslumbraram o espírito de Isaías. Os serafins estavam acima dêle. A frase acima dêle não descreve nitidamente a posição dos serafins. Êles voavam no ar sem se moverem de um lugar para outro. Não se achavam sôbre o Senhor, mas numa certa altura, ao redor do Senhor assentado no trono.

2. Serafins estavam por c ima dêle; cada u m tinha seis asas; c o m duas cobria o rosto, c o m duas cobria os seus pés, e

c o m duas voava.

3. E c l a m a v a m uns para os outros, dizendo:

Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; tôda a terra está cheia da sua glória.

4. O s umbrais das portas se m o v e r a m à voz do que clamava,

e a casa se encheu de fumo.

Na presença do Senhor os serafins cobriam o rosto porque se sentiam indignos ou incapazes de olhar para o Senhor. No espírito de reverência, êles cobriam os seus corpos. O verso três fala do louvor dos serafins. Êles clamavam uns para os outros alternativamente. Um clamava “ Santo” ; e outro respondia, dizendo também “ Santo” . Então o terceiro dizia a mesma cousa. É muito provável que clamavam juntos em grande côro: “ Tôda a terra está cheia da sua glória.” A palavra “ San­to” dá ênfase especial ao significado da visão para ó pro­

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feta Isaías. É uma revelação do caráter de Deus que in­fluenciou profundamente o ministério e a profecia de Isaías. A idéia radical de santidade é separação. A pa­lavra dá ênfase ao imponente contraste entre o divino e o humano. O têrmo abrange todos os atributos positi­vos de Deus que constituem a sua natureza divina. Com referência ao Senhor, a santidade é a palavra-chave da profecia de Isaías, dando ênfase à transcendência do Se­nhor, e acentuando a verdade de que Deus é superior e independente do universo que êle criou. A santidade do Senhor revelada ao profeta nesta visão despertou nele o mais profundo sentido de temor, reverência e adora­ção. É verdade que a palavra santidade não se identi­fica diretamente com a pureza moral no Velho Testa­mento, mas torna-se evidente no sentido imediato da culpa de Isaías perante o Senhor, que a perfeição ética inclui-se nos atributos constituintes do Senhor dos Exér­citos. A segunda parte do triságio dá ênfase ao fato de que a glória do Senhor se revela na criação, pois tôda a terra está cheia da glória divina.

5. Então, disse eu: Ai de m i m I Estou perdido I porque sou h o m e m de lábios impuros, e habito no meio de

u m povo de impuros lábios, e os m e u s olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos !

Os umbrais das portas ou as bases do limiar, ÍTjjâit

D'2Dn . Não está claro se estas palavras técnicas signi­ficam as ombreiras da porta ou os alicerces do limiar (Ver Amós 9 :1 ). 0 sentido fundamental é claro. Tô- das as vêzes que os serafins clamavam, estremeciam a porta, onde provàvelmente se achava Isaías. Isto certa­mente aumentou a significação do clamor dos serafins. E a casa se encheu de fumo ou estava cheia de fum o. Neste caso o fum o não é o símbolo ou o testemunho da

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presença de Deus, com o em I Reis 8:10. Deus não está escondido na nuvem, e aqui o fum o representa o efeito dos clamores dos serafins, uma parte significativa do acompanhamento da presença do Senhor.

Então disse eu: Âi de mim! Estou perdido! Êle fica confundido e esmagado com o sentido de culpa e in­dignidade na presença do Senhor dos Exércitos. Estou perdido, TVfcytf . Esta pálavra, H ü“ , significa destruir,

•* * * T T

arruinar, perecer. Ver Os. 4:6; 10:15; Sof. 1:2; Is. 15:1. “ Porquanto homem algum verá a minha face e viverá’ (Êx. 33:20: 19:21; 20:19; Deut. 18:16). Na presença do Senhor, os serafins cobriam o rosto, mas Isaías viu com os próprios olhos o Rei, o Senhor dos Exércitos. Como poderia sobreviver a tal experiência? Profundamente cônscio da própria indignidade, como homem de lábios impuros, e da iniqüidade do seu povo, nada podia fazer. A visão de Deus lhe mostrara a sua natureza pecaminosa, e lhe revelara também a terrível condição do seu povo infiel e indigno de tomar o nome do Senhor nos seus lábios profanos.

Assim, a visão, com a adoração do Senhor pelos se­rafins, e a revelação do Rei, o Senhor dos Exércitos, im­pressionou profundamente o homem com o sentido da santidade de Deus. Ninguém pode ter uma visão, ou uma convicção da majestade e da glória do Senhor, sem se sentir profundamente humilde e cônscio da sua iniqüi­dade. Abraão reconheceu-se a si mesmo como pó e cin­za perante o Senhor, Gên. 18:27. Jó descreve a sua profunda consciência de culpa quando reconheceu a san­tidade e a majestade de Deus: “ Eu te conhecia só de ou­vir, mas agora os meus olhos te vêem. Por isso, me abomino, e me arrependo no pó e na cinza” , 42:5, 6.

6. Então voou para m i m u m dos serafins, trazendo na m ã o u m a

brasa viva, que tirara do altar c o m u m a tenaz.

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7. E êle tocou a m i n h a bòca, e disse: Eis que esta tocou os

teus lábios; a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado o teu pe-

c a d 0 ' , 7 . i i

Isaias não foi expulso da presença do Senhor por causa da sua impureza. A mesma visão que lhe inten­sificou o sentido da sua natureza pecaminosa, ainda lhe deu a certeza de que a sua iniqüidade fôra tirada, e o seu pecado foi coberto, “|£3 • Deixando os seus compa-

— T

nheiros, um dos serafins voou até o altar na côrte do templo, e, com uma tenaz, DVip^ttS , com tomadores,

• “ T * VI

tomou uma brasa viva de sôbre o altar, e voou por cima da côrte até ao lugar onde Isaias se achava, na porta do templo, e tocou os seus lábios impuros com a brasa, pu­rificando-os com o fogo (Cp. Núm. 31:23; Mal. 3 :2 ). Foi uma brasa viva, e não uma pedra chata esquentada no fogo do altar, que tocou os lábios do pecador. O con­tato com o fogo da santidade divina não é necessària- mente destrutivo. O fogo, como o símbolo da santidade € o agente de purificação, removeu do profeta tudo que lhe pudesse impedir a comunhão com a santidade do Senhor.

A cerimônia da expiação significa que a graça de Deus respondeu imediatamente ao sentimento de culpa e ao arrependimento do pecador. Foi um ato da graça livre do Senhor, sem a necessidade de qualquer oferta ou qualquer sacrifício de animal. A aplicação da brasa viva aos lábios de Isaias significou para êle não somente a purificação da sua iniqüidade, como também o preparo dos seus lábios para proclamar a mensagem do Senhor. Com a sensação de alívio, e da felicidade de estar livre da culpa do pecado, Isaias desejava imediatamente en­tregar a vida ao serviço do Senhor. Com o perdão do pecado o jovem foi preparado para conhecer e fazer a vontade de Deus (Cp. Sal. 51:12-15).

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0 Senhor dos Exércitos, no seu maravilhoso poder soberano, ainda usa os homens salvos pela graça de Deus e preparados pelo poder divino para proclamar a men­sagem de salvação aos homens perdidos. O jovem Isaías, na sua nova experiência com Deus, entendeu cla­ramente que o seu povo estava se afastando do Senhor e fracassando no cumprimento da sua nobre missão. No seu espírito, êle desejava ser usado como mensagei­ro do Senhor ao seu povo.

8. E ouvi a voz do Senhor, dizendo: A q u e m enviarei, e q u e m

irá por nós ? Então, disse eu : Eis-me aqui I E n v i a - m e a m i m .9. Então, disse êle: Vai e dize a êste povo: Ouvi, ouvindo, e

não entendais; vêde, vendo, m a s não percebais.

10. E n g o r d a o coração dêste povo, endurece-lhe os ouvidos,

e fecha-lhe os olhos,

para que não v enh a êle a ver c o m os olhos, e ouvir c o m os ouvidos,

e a entender c o m o coração,■e se converta e seja sarado.

Isaías ouviu a voz do Senhor depois da sua purifi­cação, quando assim ficou preparado para a comunica­ção com êle, e quando simpatizava com o seu propósito. Quem irá por nós? A palavra nós aqui não é o plural de majestade, nem uma referência à Trindade, mas inclui a assembléia dos santos, como no Salmo 89:7. Eis-me aqui! Isaías respondeu espontâneamente, aceitando li­vremente a missão que exerceu fielmente durante a vida, sem se queixar de responsabilidade tão espinhosa.

Isaias reconhece que o Senhor dos Exércitos, não obstante a sua soberania, necessita de mensageiros para proclamar a sua mensagem a fim de que seja realizado o seu eterno propósito. Então Deus trabalha em co­operação com os seus servos humanos. Homens de tô- das as épocas da revelação divina que têm recebido as

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bênçãos da graça de Deus sentem-se gratos e felizes com o privilégio de serem cooperadores com Deus, II Cor. 6:1.

Qual será o efeito da pregação de Isaías? Encon­tramos aqui uma exposição do trabalho profético que tem perturbado a muitos estudantes da Bíblia. A pro­clamação da mensagem do Senhor vai aumentar a in­sensibilidade do povo. O ministério do profeta ficará em perfeita harmonia com a obra do Senhor no desenvolvi­mento do seu propósito na História (v. 12; Cp. Am. 3 :7 ). Mas ouvindo a palavra de Deus e testemunhando a sua obra, o povo permanecerá na sua vida pecaminosa, e na sua rebelião contra o Senhor.

A frase êste povo não se refere necessàriamente ao povo do reino setentrional, como insistem alguns. (Cp. 8:6, 12; 9:16; 28:11, 14; 29:13, 14). 0 têrmo aqui cer­tamente se refere a Judá, e descreve a sua condição pe­caminosa. Todavia, a mensagem de ameaças não é in­coerente com a esperança de que um restante voltará.

Ouvi, ouvindo ou ouvi continuamente, mas não en­tendais, e vêde continuamente mas não percebais. O in­finitivo absoluto ouvindo ou o ato de ouvir intensifica o sentido do imperativo do verbo. Engorda o coração é figurado e significa fazer insensível o coração. Para os escritores do Velho Testamento o coração era o órgão de perceber, conhecer e entender. Fechar os olhos sig­nifica untar os olhos (Cp. 28:10; 42:19; 44:18).

Muitos estudantes do Velho Testamento não enten­dem a psicologia dos escritores bíblicos, e lutam com di­ficuldades no esforço de interpretar o versículo 10 e ou­tras passagens semelhantes. Na esfera da religião, os hebreus tinham a tendência de reconhecer todos os acon­tecimentos como atividades diretas do Senhor, o Cria­dor, Aquêle que dirige tôdas as cousas, Assim, êles não

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pensavam, com o nós, em causas secundárias. Na dire­ção providencial do reino de Deus, os acontecimentos inevitáveis, como a infidelidade do povo escolhido que tinha recebido o seu livre arbítrio do Criador, identifi- cam-se com o propósito divino. Para o profeta, a inca­pacidade do seu povo de reconhecer o caráter de Deus e a providência divina na sua própria história será cada vez mais intensificada pela proclamação da mensagem do Senhor dos Exércitos. Esta mesma experiência ve- rifica-se no espírito das pessoas que endurecem o cora­ção para resistir e rejeitar o apelo do evangelho de Cris­to. Isaías entendeu a verdade profunda de que o' julga­mento divino é mais severo para aquêles que receberam a abundante revelação de Deus. Os escritores do Nôvo Testamento reconhecem a responsabilidade daqueles que recebem a revelação divina e assim apresentam o ape­lo do evangelho de Cristo na base dêste princípio (Mat. 13:14-23; At. 16:27-34; Rom . 11:8). “ 0 julgamento é êste: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más” , João 3:19.

A proclamação do evangelho é desagradável para os pecadores, e, às vêzes, êles ficam irritados e ainda mais rebeldes ao ouvirem a palavra de Deus. Todavia, o Senhor continua a chamar os seus servos, como cha­mou Isaías, para pregarem o evangelho de esperança eterna.

11. Então, disse eu: A t é quando, Senhor? E Sle respondeu:

Até que sejam desoladas as cidades e (fiquem)s e m habitantes,

e casas (fiquem) s e m homens,

•e a terra seja de todo assolada,

12. e o Senhor afaste dela os homens,

e até que sejam muitos os lugares abandonados

no meio da terra.

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13. Se ainda ficar nela a d écima parte,

essa tornará a ser destruída c o m o terebinto ou c o m o carvalho,

cujo tôco ainda permanece

depois de derrubado.A santa semente é o seu tôco.

Até quando? pergunta Isaías. Por quanto tempo vai continuar êste processo de endurecimento da parte do povo na sua infidelidade? A resposta é clara e dura: Até que a nação existente seja aniquilada, e a terra arruinada, ficando sem habitante. Na pergunta do profeta, nota- se o tom de protesto, e o reconhecimento da austerida­de da sua vocação profética. A calamidade terrível cai­rá sôbre a terra do povo rebelde. Os habitantes serão removidos, mas enquanto houver alguns para ouvi-lo, o profeta tem a incumbência de entregar-lhes a mensa­gem do Senhor.

O versículo treze apresenta uma qualificação das declarações anteriores que falam da destruição com­pleta da terra, com os seus habitantes. O capítulo pare­ce completo sem êste versículo, mas não se pode dizer que êle contradiz o verso 11. De acôrdo com o estilo do hebraico, a aplicação de ensinos, princípios e amea­ças, que se apresenta em têrmos absolutos, pode ser mu­dada por qualificações subseqüentes, segundo a mudan­ça de condições e circunstâncias. Além disto, o verso 13 concorda perfeitamente com a doutrina do Restante, mencionada freqüentemente pelo profeta Isaías (Cp. 1:9, 25; 4:2-4; 10:20-23; 11:11-16 e vários outros). A declaração A santa semente é o seu tôco, não se encon­tra na versão grega, mas evidentemente se refere à dé­cima parte, e o restante que sobreviverá ao julgamen­to e cumprirá a sua missão messiânica. Como o tere- binto e o carvalho, quando derrubados, ainda retêm nas suas raízes, a vitalidade, que de nôvo brotará e produ-

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zirá uma grande árvore (Cp. Jó 14:7-$), assim, a pe­quena nação arruinada, tem ainda a semente indestru­tível do futuro reino de Deus.

B. Isaías e a Guerra Siríaco-Efraimita, 7:1-8:15

Descreve-se nesta seção as atividades proféticas de Isaías no reino de Acaz. Um evento importante na sua carreira neste período é o de êle se apresentar como esta­dista dando ao rei o' seu conselho sábio sôbre a polí­tica. Na confusão do govêrno de Acaz, o profeta lhe recomendou um plano de ação para salvaguardar o des­tino do país. Outro evento de interesse no seu ministé­rio profético foi a formação de um grupo de discípulos, na ocasião da sua retirada temporária da vida pública (8:16-18). Assim, a história do povo rebelde vai se de­senrolando de acôrdo com os princípios revelados na vi­são inaugural do mensageiro do Senhor.

A rejeição do conselho do profeta pelo rei, apoiado, evidentemente, pela opinião pública, e o desprêzo de Javé da parte de Acaz (Cp. II Reis 16 e II Crôn. 28) são in­dícios da deterioração religiosa e da apostasia comple­ta do Reino de Judá, e também da frustração do minis­tério do profeta neste período. Mas a escolha e o trei­namento de um grupo de discípulos mostra como a dou­trina do restante fiel, ou da “ santa semente” se tornou o ideal prático do profeta desde então.

O esclarecimento das condições políticas neste tem­po, tanto quanto seja possível, ajuda no entendimento das atividades e dos ensinos do profeta. A hostilidade da Síria e de Efraim contra Judá começou antes da morte do rei Jotão (II Reis 15:37). Mas a hostilidade intensificou-se e tornou-se ativa logo no princípio do reino de Acaz. Quando Peca, o assassino do rei Pecaías, tomou o trono em Samaria, êle fêz uma aliança com

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Rezim, rei da Siria, com o propósito declarado de sub­jugar o Reino de Judá e obrigá-lo a cooperar com êles na campanha militar contra o reino poderoso e agressi­vo da Assíria. Os edumeus e os filisteus já faziam parte da coalizão, e êles tinham invadido a terra de Judá (II Crôn. 28:16-18). O profeta reconheceu que o perigo do reino invencível da Assíria era muito maior do que a ameaça de Rezim e Peca. Acaz era homem fraco, co­varde, e tinha muito mêdo de Rezim e Peca, e, portanto, pediu auxílio a Tiglate-Pileser, que já estava avançando ao oeste na campanha de subjugar as pequenas e fracas nações de Israel e Síria e os seus aliados. Acaz pagou caro êste seu êrro. Na entrevista com Acaz, Isaías pro­curara acalmar o mêdo despertado no espírito do rei pelas ameaças de Rezim e Peca. Mas a veemência do apêlo do profeta foi intensificada, sem dúvida, pelo de­sejo de advertir o rei contra o perigo de pedir o auxílio à poderosa e ambiciosa Assíria contra os seus mesqui­nhos adversários. O perigo da subjugação política de Judá ao reino da Assíria, que o profeta reconheceu, foi tràgicamente experimentado poucos anos depois no rei­nado de Ezequias. Na certeza da futilidade da campa­nha de Rezim e Peca contra a Assíria, para esta foi po­liticamente desnecessário que Judá se lhe submetesse nes­te tempo.

Além disto, Isaías, por motivos religiosos, impugna­va quaisquer alianças com podêres pagãos, porque tais alianças envolviam na deslealdade ao Senhor de Israel, e na falta de fé no seu poder. A apostasia do rei eviden­temente influenciou profundamente a mentalidade reli­giosa do povo em geral. Portanto, o mensageiro do Se- nhtír, no seu encontro com o rei, fêz todo o possível para dissuadi-lo de qualquer plano de estabelecer relações com a nação pagã.

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1. O Sinal de Sear-Jasube, 7:1-9

1. Sucedeu nos dias de Acaz, filho de Jotão, filho de Uzias, rei de Judá, que Rezim, rei da Síria, e Peca, filho de

Remalias, rei de Israel, subiram a Jerusalém, para pelejarem

contra ela, p o r é m não prevaleoeram contra ela.

Aparentemente, o profeta se interessava no fato de que o rei Acaz era da linhagem de Davi, e isto talvez explique a genealogia do rei em 7:1, as referências a Davi, 7:2; 7:13; 9:7 e várias outras, como também o es­forço especial de influenciar a política do chefe da pe­quena nação do povo escolhido. O versículo dá um re­sumo da campanha contra Judá, de Rezim e Peca até à ocasião da entrevista do profeta com Acaz. Segundo Reis 16:5, fala do sítio de Jerusalém por Rezim e Peca, e declara que não o puderam vencer. Então o medroso Acaz tomou a prata e o ouro da casa do Senhor, e os te­souros da casa do rei, e os enviou ao rei da Assíria, com a declaração vexatória: “ Eu sou teu servo e teu filho. Livra-me do poder dos reis da Síria e de Israel” (II Reis 16:7-9). 0 pusilânime Acaz rejeitou por com ­pleto o apêlo à coragem e a promessa de libertação que o mensageiro do Senhor lhe oferecera, renunciou ao Deus de Israel e entregou-se inteiramente ao paga­nismo, e seguiu o costume cruel e insensato da nova religião, sacrificando o seu próprio filho (II Reis 16:3; Cp. 3:26-27).

2. Q u a n d o se deu aviso à casa de Davi: A Síria está aliada

c o m Efraim, agitou-se o seu coração e o coração do seu povo,

c o m o se agitam as árvores do bosque c o m o vento.

3. Então, disse o Senhor a Isaías: A g o r a sai tu c o m teu filho,

Sear-Jasube ao encontro de Acaz, que está na extremidade

do aqueduto do açude superior, junto ao c a m i n h o do c a m p o

do lavadeiro,

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4. e dize-lhe: Acautela-te e aquieta-te; não temas, n e m se desanime o teu coração por causa dêstes dois tocos de tições

fumegantes; por causa do ardor da, ira de R ezim e d a Síria,

e do filho de Remalias.

A casa de Davi refere-se à monarquia, ameaçada por Síria e Efraim (v. 6 ). Não é mencionado o nome do rei, talvez porque a ameaça da Síria e do Reino de Is­rael contra Judá já existisse desde o tempo de Jotão (II Reis 15:36-37). A Síria está aliada a Efraim, ou repousa sôbre,^y p|*];j Efraim. A Síria uniu as suas fôrças mili­tares com as do Reino de Israel contra Judá, no esfor­ço de obrigá-la a cooperar com êles na campanha contra a Assíria. Êste aviso agitou o espírito medroso de Acaz, e abalou a confiança do seu povo, como as árvores do bosque são sacudidas pelo vento.

Com esta agitação da cidade de Jerusalém, Isaías recebeu do Senhor a ordem de sair com o seu filho Sear- Jasube ao encontro de Acaz. Segundo o costume dos hebreus, êste filho de Isaías tinha recebido o nome sim­bólico de “ Um Restante Voltará” . Evidentemente, o nome significa aqui um grupo fiel do povo voltará ao Senhor. Mais tarde, a mesma frase significou um res­tante voltará do cativeiro. O nome dêste filho certa­mente indica um dos ensinos mais importantes do pro­feta. O homem de Deus levou consigo o filho, na espe­rança de que o nome dêle pudesse reforçar a mensagem do Senhor que havia de entregar ao rei. A presença da criança com êste nome demonstrava a convicção fir­me de Isaías de que alguns dos habitantes de Judá vol­tariam a Deus, com a fé inabalável no propósito eterno revelado ao seu povo escolhido. Um restante fiel do povo sobreviveria a tôdas as calamidades nacionais para testemunhar a vontade do Senhor, e para sempre man­ter as bases firmes do reino de Deus.

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O encontro de Isaías com o rei Acaz representa o maior fracasso do seu ministério quanto ao resultado do conselho que ofereceu ao dirigente do povo de Judá. Fracassou no esforço de persuadir o rei a mudar a polí­tica de submeter o Reino de Judá ao perigoso Império da Assíria, e a confiar no socorro do Senhor para man­ter a independência do seu povo. Mas a fé, a coragem e a sabedoria da mensagem que entregou ao rei Acaz permanece na História para encorajar o povo de Deus na sua fidelidade através dos séculos.

É difícil determinar com certeza o lugar exato do encontro de Isaías com Acaz. Mas a extremidade do aqueduto do açude superior refere-se, aparentemente, ao canal da fonte de Giom, que naquele tempo se achava fora da cidade. Supõe-se que o rei estava examinando o tanque de água, e considerando como poderia ser defen­dido, na hipótese de a cidade ser sitiada. Já havia um aqueduto ou túnel desde esta fonte, debaixo do muro e da cidade, até o fundo de um poço no meio da cidade, desde o tempo da ocupação de Jerusalém pelos jebuseus (II Sam. 5:6-8). Foi êste o aqueduto que o rei estava inspecionando. Mais tarde, o rei Ezequias estendeu o tú­nel até Siloé no lado sudoeste de Ofel (Ver Arqueologia Bíblica do autor, p. 209).

O profeta começa a sua mensagem ao rei com a exortação, Acautela-te e aquieta-te, típtífill > *m'

• • * ■ “ * *• T *

perativos fortes, proferidos com autoridade profética. Guarda-te e não fiques desanimado. Livra-te dessa agi­tação desnecessária. Não tenhas mêdo e não fique desa­nimado o teu coração por causa dêstes dois tocos de ti­ções fumegantes, a Síria e Efraim. Êles já se gastaram nas suas guerras infrutíferas, e não têm mais poder de prejudicar-te. São apenas dois tocos de tições fumegan­tes, frios e fracos e sem poder de guerrear.

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Isaías condena duas fraquezas de Acaz, o seu mêdo e a sua falta de confiança no socorro do Senhor. Sem fé é impossível ficar firme, v . 9. Com as suas palavras, êle pede que o rei confie no socorro do Senhor dos Exér­citos, o verdadeiro rei do seu povo escolhido. A presen­ça do filho Sear-Jasube constitui o apêlo para que o rei volte ao Senhor. Êste mesmo ponto de vista do profeta apresenta-se mais tarde em 30:15: “ Em vos converter­des e em sossegardes está a vossa salvação; na tranqüi­lidade e na confiança a vossa fôrça .” O ardor da ira de Rezim e do filho de Remalias não significa nada do pon­to de vista do profeta. No seu escárnio em relação ao assassino e usurpador do trono do Reino de Israel, o profeta não menciona o nome de Peca, mas fala dêle como o filho de Remalias.

5. Porquanto a Síria resolveu fazer-te mal, b e m c o m o Efraim

e o filho de Remalias, dizendo:

6. S u b a m o s contra Judá, amedrontemo-lo e o conquistemos

para nós, e f açamos reinar no meio dêle o filho de Tabeal.

7. A s s i m diz o Senhor Deus: Isto não subsistirá, n e m t a m ­

pouco acontecerá.

8. Pois a capital da Síria é D a m a s c o e o cabeça de Damasco,

Rezim, e dentro de sessenta e cinco anos Efraim será des­

pedaçado, e deixará de ser povo.

9. E a capital de Efraim é Samaria, e o cabeça de Sa m a r i a o

filho de Remalias; se não crerdes, certamente não ficareis

firmes.

O verso 5 indica que Rezim da Síria tomou a lide­rança no projeto de subjugar Judá, e o filho de Remalias de Efraim concordou com êle. Êles já conseguiram o seu primeiro propósito de amedrontar o rei e o povo de Judá, mas haviam resolvido capturar a cidade de Jeru­salém, destronar Acaz, e estabelecer no trono de Judá o seu títere, cujo nome êles não mencionam, mas falam

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dêle como o filho de Tabe-el, Deus é bom . Mu-•• I T

dando a pronúncia do nome, o profeta fala dêle como Tabe-al, , filho de ninguém, de acôrdo com a fra-

" I T

queza do homem, cujo nome não merecia menção. Mas o projeto está contra o propósito do Senhor, e o profeta tem certeza de que “ não subsistirá, nem tampouco acon­tecerá.” Êstes dois homens encolerizados estão se es­forçando para efetuar os seus planos de subjugar o Rei­no de Judá, e fazer uso dela na campanha contra a As­síria. Do outro lado está o Senhor dos Exércitos, o go­vernador supremo, cujo reino não tem fim, e cujo re­presentante no combate neste tempo é o fraco e medroso apóstata Acaz. Mas quando os representantes do Senhor são infiéis, o Senhor tem outros meios de conseguir os seus propósitos.

Não obstante o mêdo de Acaz, e acima do projeto da Síria e Efraim está a resolução inabalável do Senhor, versos 7 a 9. O próprio iníqiio dos aliados não será conseguido. Rezim é o cabeça de Damasco e Peca é o cabeça de Efraim, e como chefes dos seus respectivos reinos fracos, estão no alto do seu poder, mas dentro em breve os seus reinos serão despedaçados, flftPl • O go-

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vêrno de Judá não lhes pertence, e nunca lhes pertence­rá. Quanto a êstes inimigos, Judá está perfeitamente seguro. É o próprio rei de Judá quem leva o seu país à beira da destruição.

E dentro de sessenta e cinco anos Efraim será des­pedaçado, e deixará de ser p ovo . É quase certo que esta declaração foi interpolada na mensagem de Isaías anos depois da sua entrevista com Acaz. É claro que não faz parte do texto original, porque interrompe a conexão e o paralelismo entre 8a e 9a: “ Pois a capital da Síria é Damasco, e o cabeça de Damasco é Rezim; e a capital

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de Efraim é Samaria, e o cabeça de Samaria o filho de Remalias.” Além disto, a declaração contradiz os fatos da História. A destruição de Efraim 65 anos depois des­ta entrevista fixa a data da queda de Samaria no ano 669, ou 52 anos depois daquele desastre que terminou de­finitivamente com a história de Efraim como nação em 721. E a declaração, se fôsse exata, não poderia confor­tar ou animar o rei Acaz que tinha mêdo de Efraim na­quela hora. Quando os profetas falam de acontecimen­tos no futuro, êles usam números redondos ou simbóli­cos, em vez de mencionar anos exatos.

Se não crerdes, certamente não ficareis firmes. Para preservar a aliteração do hebraico, & '/

• •• W , se não ficardes firmes na fé, certa-». T 0«

mente não ficareis firmes. Esta é a declaração de Isaías, apresentada pela primeira vez como o complemento ou o remate da revelação divina. A fé do homem normal, no sentido bíblico, tem a capacidade de reconhecer e discer­nir a verdade, uma vez que ela lhe seja claramente reve­lada. Mas o reconhecimento da mensagem divina, sem se crer plenamente no seu eterno valor, e sem se orientar a vida por ela, não tem efeito no desenvolvimento do caráter. O profeta, ou o mensageiro do Senhor, como Isaías, reconhece, entende, recebe e transmite a verdade que lhe é revelada. Ao mesmo tempo, o homem normal tem a faculdade análoga de reconhecer a verdade re­velada, aceitá-la, e por meio dela orientar a vida, na sua relação pessoal com Deus.

Assim, o profeta Isaías procurou mostrar ao rei Acaz que a sua segurança no govêrno de Judá dependia da sua relação para com o Senhor, e não do poder mili­tar que esperava receber da Assíria. A ameaça dos dois tições fumegantes não apresentava qualquer perigo para Judá. Ao mesmo tempo, o fracasso dos seus planos

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não lhe oferecia qualquer garantia para a segurança fu ­tura de Jerusalém. A salvação do rei e do povo de Judá dependia do entendimento verdadeiro do caráter do Se­nhor Javé, e da fé nêle como o Salvador.

2. Sinal de Emanuel, 7:10-16

10. N o v a m » n t e o Senhor falou c o m Acaz, dizendo:

11. Pede ao Senhor teu D eus u m sina!; quer seja profundo c o m o Sheol ou quer seja alto c o m o os céus.

12. Acaz, porém, disse: N ã o o pedirei, e não submeterei à prova o Senhor.

Não há certeza de que êste incidente seguisse ime­diatamente ao conselho do profeta nos versículos ante­riores. Alguns pensam que o verso 10 talvez indique pouco tempo depois, e, provàvelmente, na câmara do conselho no templo. Com profunda confiança, e com o propósito de acalmar o espirito agitado do rei e forta­lecer a sua fé em Deus, o profeta lhe oferece um sinal. Isaías, como o verdadeiro profeta do Senhor, achava-se no conselho do Senhor quando falava com o rei Acaz (Cp. Amós 3:7 e Jer. 23:16-22).

O falso profeta sempre afirmava que tinha recebi­do a sua mensagem do Senhor. Portanto, não era fácil distinguir entre o falso profeta e o verdadeiro mensagei­ro do Senhor. Encontra-se em Deut. 18:21, 22; 13:1-3 uma prova bastante severa para vindicar o mensageiro verdadeiro do Senhor. Êle podia predizer um evento futuro, e se tal evento acontecesse de acôrdo com a sua palavra, êle seria reconhecido como homem de Deus. Submetendo-se a essa prova severa, Isaías, com magni­fica confiança, ofereceu mostrar qualquer sinal, fllX , que o rei Acaz quisesse pedir como prova de que estava diante de um verdadeiro profeta de Deus.

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Pede para ti, para o teu próprio benefício, ao Se­nhor teu Deus um sinal. Não obstante a infidelidade dêsse filho de Davi, o Senhor ainda se apresenta como o seu Deus. Isaías, com o homem de Deus, oferece a Acaz, naquele momento, o privilégio de escolher qual­quer prova que desejasse para garantir a verdade da mensagem que está recebendo do Senhor. Se desejar um sinal de qualquer esfera debaixo da terra, como Sheol; ou em cima da terra, nas alturas do céu, ser-lhe-á con­cedido como prova do poder do Senhor na verificação da verdade da mensagem do seu profeta. É a vontade do Senhor Javé dos Exércitos que Jerusalém não venha a Sofrer prejuízo algum pelas fôrças militares de Efraim e Síria. Aparentemente, não temos a história completa desta entrevista, mas apenas a declaração dos fatos mais significativos.

A palavra sinal usa-se em vários sentidos na Bíblia. Pode significar uma marca ou símbolo (Gên. 4:15; Jos. 2 :12). Pode ser apenas uma indicação de chuva ou de qualquer outra cousa que possa acontecer (Gên. 1:14; Jer. 10:2). O memorial de uma experiência importante pode ser designado como um sinal (Jos. 4:6; Núm. 17:5). Uma insígnia ou estandarte é sinal (Núm. 2:2; Sal. 74:4). É o penhor da promessa de pactuantes, ou do concêrto de Deus com o seu povo (Gên. 9:12; 17:11). Maravilhas e milagres são sinais, ou atestações de pro­messas divinas (Êx. 4:8; Is. 37:30). Mas, neste caso, o sinal que o homem de Deus oferece ao rei de Judá é um verdadeiro milagre que pode ser operado em qualquer parte do reino da criação, nas alturas dos céus ou nas profundezas do mundo subterrâneo.

Mas Acaz se recusa a considerar a prova ou o sinal que o profeta lhe ofereceu para demonstrar a boa von­tade e a certeza do socorro do Santo de Israel. Com fin­gimento de piedade superior, êle declara que não deseja

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tentar ao Senhor, para assim obrigá-lo a demonstrar o seu poder (Êx. 17:7). A resposta prova a sua incapacida­de de exercer a fé que o mensageiro do Senhor lhe pede. Evidentemente, Acaz acredita que o sinal ou o milagre será operado se êle o pedir. Se pedisse o sinal e se lhe fôsse concedido, êle ficaria muito embaraçado, porque não era mais capaz de confiar no fato espiritual que um tal milagre lhe pudesse demonstrar. A verdade é que o rei já havia rejeitado definitivamente o Santo de Israel como o seu próprio Deus, ou com o o Deus do seu reino, e estava depositando a sua fé no deus do poderoso exér­cito da Assíria. É muito provável que já houvesse expe­dido a sua petição, com o ouro e a prata do templo, ao rei da Assíria. Portanto, supunha que não poderia ga­nhar nada, deixando o deus do seu aliado para voltar ao “ Deus” de Israel que tinha abandonado. Já firmado na idolatria, Acaz não quis testemunhar o sinal ou a prova de que Javé era o mais poderoso dos numerosos deuses. Era muito mais fácil agradar ao deus da Assíria do que ao Deus de Israel, e Acaz não quis que Isaías demons­trasse publicamente a tolice da sua apostasia. Portan­to, o procedimento do rei de Judá agravou o seu insul­to ao Senhor pela pretensão de reverência e pela decla­ração hipócrita de que não queria tentar ao Senhor.

13. Então, disse êle: Ouvi, agora, 6 casa de Davi !

A caso não vos basta fatigardes os homens,

m a s ainda fatigais t a m b é m ao m e u Deus?

14. Portanto, o Senhor m e s m o vos dará u m sinal :

Eis que a virgem conceberá, e dará à luzu m filho, e c h a m a r á o n o m e dêle E m a n u El.

15. Êle c o m e r á leite coalhado e mel q uando souber desprezar o mal e escolher o bem.

16. Pòis antes que o m e n i n o saiba desprezar o mal

e escolher o bem, será d e s a m p a r a d a a terra,

ante cujo« dois reis tu tremes de mêdo.

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Na sua resposta ao rei, no v. 13, o profeta mostra que entendeu perfeitamente o fingimento de piedade e a hipocrisia de Acaz, e revela a impaciência para com o representante da casa de Davi. Fala com ardor na re­preensão do re i. Não vos basta fatigardes, , en-

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fastiardes, aborrecerdes os homens, mas ainda fatigais também ao meu Deus? A frase ao meu Deus dá ênfase à hipocrisia de Acaz, pois o Senhor dos Exércitos não é mais o Deus do rei apóstata.

Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal. Não obstante a infidelidade do rei Acaz, o próprio Senhor lhe fornecerá um sinal que êle não tinha a coragem de pedir. Talvez não haja outra profecia no Velho Testa­mento que tenha produzido mais perplexidade e mais discussão do que êstes versículos sôbre o sinal, jTYi » que o Senhor deu ao rei Acaz.

Os comentaristas, em geral, começam as suas dis­cussões desta profecia com as opiniões formadas sôbre o ensino e a significação da passagem, e apresentam a interpretação que satisfaz ao seu ponto de vista. É ge­ralmente reconhecido que o texto é bem preservado, e não deve ser modificado ou suplementado meramente para apoiar ou reforçar qualquer interpretação.

Importa notar logo no princípio a gravidade da oca­sião, e a certeza da parte do profeta de que é o próprio Senhor, e não Isaías, quem está falando. O ponto de vista do profeta não é meramente político, nesta crise da história de Judá, mas profundamente religioso. Por causa da infidelidade de Acaz e do povo de Judá, já che­gou a hora para o Senhor intervir na História a fim de realizar o seu eterno propósito na escolha de Israel. O sinal, portanto, é do Senhor, neste caso sobrenatural, emblema da orientação da História de acôrdo com o eterno propósito de Deus, Parece claro, então, que o sig­

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nificado do sinal está na concepção e em o nascimento do filho, pois os têrmos da profecia indicam um evento extraordinário e misterioso.

Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho. A palavra , que traduzimos por virgem, levan-

T I - T

ta logo para os intérpretes uma longa e complicada dis­cussão. Quase tôdas as palavras se usam em mais de um sentido. A significação de qualquer palavra bíbli­ca deve ser determinada pelo uso no contexto, pelo sen­tido em o'utras passagens bíblicas, e em relação com o en­sino geral da Bíblia sôbre o mesmo assunto. Esta pala­vra usa-se no sentido de uma jovem no vigor da idade de se casar, donzela e virgem. Qual é o sentido da pala­vra neste verso? Esta mesma palavra se usa no sentido de virgem em Gên. 24:43 e Êx. 2:8, e neste contexto da passagem que dá tanta ênfase ao significado do sinal do nascimento de Emanu El, parece necessário reconhecer que o sentido da palavra nesta declaração é virgem. Para aquêles que insistem em que a palavra aqui deve ser traduzida por jovem ou môça, seria, certamente, su­bentendido que ela era virgem, e não uma jovem imo­ral. É verdade que a palavra significa virgem,

T »

mas o sentido desta palavra é ambíguo, e aparentemente não significa virgem em Joel 1:8.

No entendimento dos tradutores dos LXX, a palavra significa virgem neste verso, e êles verteram

T I - T

o têrmo no grego rj irapdévoç, a virgem, e não se pode pôr de lado como insignificante o conhecimento dêstes grandes tradutores, evidenciado em tôda parte do Velho Testamento. Portanto, não há base para o dogmatismo daqueles que insistem em que o têrmo aqui tem que ser traduzido para — uma jovem na idade de se casar.

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IniiiIkmh não há justificação de se afirmar que o ar- IÍMO definido usa-se neste caso no sentido indefinido. Qiiíindo o artigo hebraico se usa no sentido indefinido iVIo fato fica bastante claro. (Cp. O Emprego do Arti­go, Sintaxe do Hebraico do Velho Testamento do autor, )), í)l e s e g .). O artigo neste caso não é supérfluo ou encanador, como dizem alguns, mas tem importância na interpretação da mensagem desta grande profecia.

Eis,(12(1 , que a virgem conceberá. Esta palavra é

seguida pelo adjetivo participial <T“in e o infinitivo ab-T T

soluto. Quando usada por Isaías, esta palavra eis sem­pre introduz alguma cousa que há de acontecer no fu ­turo. Portanto, não se justifica a tradução de alguns in­térpretes, “ U’a môça que já concebeu dará à luz um filh o .”

E chamará o nome dêle Emanu El, VfoV - DeusT ’

Conosco. O nome especifica que o Senhor está com a nação como seu protetor, e o nascimento da criança é o sinal ou a garantia da promessa. É claro que o nasci­mento e o nome do filho constituem a promessa de Deus de que a cidade de Jerusalém será livre das amea­ças da invasão da parte da Síria e de Efraim, e que o rei Acaz podia ficar sem mêdo de Peca e do filho de Re- malias. Se Acaz tivesse aceitado o sinal, podia ter sig­nificado também para êle, e para o seu povo, que Isaías era o verdadeiro mensageiro do Senhor para êle e para o seu povo. Não há qualquer evidência ou indicação de que Acaz ficasse impressionado com o livramento de Je­rusalém do poder de Rezim e Peca, ou que êle tivesse qualquer confiança na promessa do profeta.

Foi a própria mãe que deu ao filho o seu nome. Tem havido muita especulação infrutífera no esforço

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de determinar quem era a mãe dêsse maravilhoso filho. Há várias teorias, mas nenhuma delas merece qualquer consideração. Mas o artigo definido não indica qual­quer môça, mas uma jovem já determinada quando o profeta entregou a mensagem ao rei.

Enquanto o nascimento dêste filho é declaradamen­te um sinal para Acaz, êste fato evidentemente não es­gota a significação desta maravilhosa mensagem. Quan­do examinamos cuidadosamente a ocasião e a menta­lidade do profeta, durante a entrevista com o rei, surge a idéia, se não a firme convicção, de que o sinal do filho prometido não se limita somente à libertação de Judá do poder da Síria e de Efraini, mas visá também a um grande personagem no reino ideal do povo do Senhor no futuro. Acaz não se interessava no sinal oferecido pelo Senhor, porque não acreditava que Javé, o Deus de Israel, se interessasse, ou tivesse o poder de libertá-lo da fôrça militar de seus inimigos. O profeta evidente­mente desejava mostrar ao rei, e aos seus conselheiros, que o Senhor Javé tinha o propósito de intervir na história do seu povo. O nome Emanu EI expressa claramente êste propósito divino. A presença do filho do profeta, Sear-Jasube, indicava que Isaías estava pensando no res­tante do povo fiel de Judá. O rei, com o seu povo po­diam voltar ao Senhor e fazer parte do grupo dos fiéis de Judá, ou seguir a política de egoísmo e arrastar o país à destruição. Devemos observar também os têrmos da comunicação do profeta com Acaz, notando os três pon­tos salientes da mensagem: “ Acautela-te e aquieta-te” (v. 4 ); “ Isto não subsistirá, nem tampouco acontecerá” (v. 7 ): “ Se não crerdes, certamente não ficareis fir­mes” (v. 9 ). Assim, estas mensagens proclamam muito mais do que o fracasso do projeto dos aliados contra Judá.

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0 ponto de vista do mensageiro do Senhor em tôda os ta discussão com o rei é religioso, e visa à operação do Senhor dos Exércitos na História. O projeto de Re- jcirn e Peca contra Judá fracassou porque era contrário ao propósito universal de Deus. Por causa da infidelidade do rei e do povo de Judá, já está determinado o destino desta nação rebelde. Depois da conquista da Síria e de Efraim, os assírios subjugarão também a Judá (7:17; 8:4, 7, 8 ). Então seguirá um período de tribulação, no qual Isaías e seus filhos serão sinais para o povo em Israel, e vai-se fórmando, com a orientação do profeta, o restante dos crentes fiéis ao Senhor.

Portanto, Emanu El é o sinal, não somente da liber­tação temporária de Judá, como também o sinal de outro livramento além do período de trevas e tribulação, o princípio e a fundação da Idade Messiânica, o período da salvação espiritual e de paz com Deus.

Depois de estudar cuidadosamente o texto hebrai­co desta profecia, do príncipe dos profetas, e as várias interpretações desta mensagem, cheguei à conclusão de que é de verdade uma profecia messiânica. Talvez seja conveniente oferecer aqui uma palavra de explicação sôbre os têrmos “ Messias” e “ A Profecia Messiânica” , como se apresentam no Yelho Testamento. 0 fato é que nenhum profeta do Yelho Testamento entendeu perfei­tamente a natureza e a ordem do Filho de Deus. (Cp. A Natureza do Cumprimento da Profecia Messiânica, em A Esperança Messiânica do autor, p . 318 e se g .). Os homens de Deus, os profetas e salmistas, entenderam, embora imperfeitamente, a santidade, a justiça e o amor eterno de Deus.

Mas, para os profetas, o Ungido do Senhor, o ver­dadeiro Messias, não podia ser um rei fraco e infiel, como Acaz e outros reis de Judá e Israel. O Messias vindouro

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haveria de representar, na sua própria pessoa, a verda­deira natureza e o propósito universal do Senhor Javé, e não simplesmente o Deus de Israel. 0 conceito de par- tenogênese, o nascimento de virgem, era bem conhecido entre as nações do Oriente naquele tempo, e representado por exemplos na sua literatura. Os profetas do Senhor, decepcionados pela infidelidade e a iniqüidade dos reis e do povo escolhido, entenderam a importância e a signi­ficação do nascimento do Messias de uma virgem.

Devemos reconhecer que os profetas em geral apre­sentavam nas suas pregações princípios eternos, e que tais mensagens sempre tinham aplicação direta às condi­ções religiosas da época. Assim, a linguagem de Isaías, neste caso, baseia-se na crise política e religiosa de Judá, e no mêdo e nas maquinações políticas do rei Acaz. O profeta lhe declara, com plena certeza, que a Síria e Efraim não podiam capturar o Reino de Judá, porque isto seria contra o eterno propósito do Senhor. Ofereceu ao rei medroso o sinal ou a prova de que dentro em breve o poder dêstes dois inimigos de Judá seria destruído pe­los assírios.

O ensino geral de Isaías é que a nação escolhida do Senhor não podia ser destruída completamente até que houvesse cumprido a sua missão por intermédio do seu restante fiel. A vitalidade do povo era como a do tôco do carvalho, e permanecerá como a santa semente (6: 13). Com a destruição dos seus inimigos, o povo do Se­nhor permanecerá até à vinda do seu Libertador, Emanu El, de acôrdo com o eterno propósito de Deus.

Assim, o profeta não somente contemplava esta crise religiosa na história de Judá, mas terminou o seu oráculo com a descrição maravilhosa da glória futura do reino de Deus em 9:1-7, regozijando-se com o levan­tamento da luz que viu nas trevas da Galiléia, com o nascimento do Príncipe da Paz. A profecia messiânica

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tlc Miquéias, contemporâneo de Isaías, 5:2, 3, concorda cliirnmente com êste oráculo de Isaías.

Mas tu, ó Belém Efrata,pequena entre os milhares de Judá,

de ti me sairá o que há de ser governador em Israel,

cuja origem é dos tempos antigos, desde os dias da eternidade.

Portanto, os entregará até ao tempoquando aquela que está em dores tiver dado à luz;

então o restante de seus irmãos voltará aos filhos de Israel.

O reconhecimento de que esta profecia, indubità- velmente messiânica, foi escrita por Miquéias, contem­porâneo de Isaías; que a última parte do verso 8:8 de Isaías é uma apóstrofe dirigida ao Emanu El do capí­tulo anterior; e finalmente, que 9:1-7 trata do Messias vindouro, como o desenvolvimento de 7:14-16, esclare­ce e .reforça a interpretação messiânica de Emanu El nesta maravilhosa profecia.

Êle comerá leite coalhado e mel. Esta palavra, nK ftn , geralmente, se não sempre, significa leite coa-

T * V

lhado, e não manteiga. Esta declaração é geralmente ex­plicada como indicação da simplicidade primitiva da dieta do homem, reduzida pela falta dos produtos da agricultura. Segundo esta interpretação, a terra seria devastada pelos invasores, e o povo teria que viver no meio de privações e do sofrimento de fom e. Mas atra­vés do Velho Testamento estas palavras leite e mel são sinônimas de uma dieta de abundância (Gên. 18:8; Deut. 32:14; Juí. 5:25; II Sam. 17:2,9). Os têrmos tam­

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bém designam freqüentemente a plenitude da bênção divina. Como diz A. F . Kirkpatrick, Isaiah, The Cam- bridge Bible, Vol. I, p . 60: “ Esta interpretação atrativa leva diretamente à conclusão de que Emanu El foi con­cebido com o filho divino.”

Quando souber rejeitar o mal e escolher o bem. O hebraico diz literalmente ao seu s a b e r , , que émelhor traduzido quando souber, ou ao tempo de saber rejeitar o mal e escolher o bem. Assim, o menino co­merá leite e mel até que chegue à idade de distinguir entre o bem e o mal. Parece que a frase significa a ida­de quando o menino começa a distinguir entre o bom e o mau, entre o agradável e o desagradável. Esta ex­pressão “ rejeitar o mau e escolher o bom” evidentemente se relaciona com os versículos 16 e 8:4.

Então se esperava que o evento, predito no v. 16, havia de acontecer dentro de pouco tempo, talvez dentro de três anos depois da entrevista do profeta com Acaz. Mas alguns entendem que a frase até souber rejeitar o mal e escolher o bem refere-se à consciência moral, à idade de 10 a 12 anos. Mas isto introduz uma discre­pância desnecessária entre êste sinal e o de 8:4. Julgan­do do teor da profecia durante o reino de Acaz, o pro­feta provàvelmente esperava a invasão de Judá pelo exér­cito da Assíria pouco tempo depois da queda de Damas­co e de Samaria.

A palavra ' 3 do v. 16, traduzida por pois, porque,na verdade, relaciona-se com o v . 14, porque enquanto o filho Emanu El ainda está na infância, acontecerá a in­tervenção divina.

Será desamparada a terra, ante cujos dois reis tu tremes de mêdo (Ver 6:12). A palavra terra aqui se re­fere evidentemente às duas terras da Síria e de Efraim,

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simplesmente porque ficaram unidas contra Judá. A pa­lavra usa-se aqui com o sinônimo de aliança. Não se justifica atribuir o mêdo ou o ódio de Acaz aos países de Efraim e Síria, em vez de aos dois reis destas terras.

3. A Invasão de Judá pelos Assírios e os Egípcios, 7:17-25

17. Mas o Senhor fará v ir sôbre ti, c sôbre o t «u povo, e sôbre a casa do teu pai, por intermédio do rei da Assíria , dias tais, quais nunca vieram , desde o dia em que Efra im se separou de Judá.

18. Pois há de acontecer que naquele dia assobiará o Senhor à môsca que há no extremo dos rios do Egito, « à abelha que há na terra da A ssiria .

19. E todos virão e pousarão nos vales profundos, nas fendas das rochas, e em todos os espinheiros e em todos os pastios.

A calamidade de Judá envolveu a retribuição da in­fidelidade de Acaz e do povo de Judá na sua vida políti­ca e religiosa, porque o rei desprezou a promessa do socorro do Senhor, e preferiu o auxílio do exército da Assíria. Judá, entre a terra da Assíria e a do Egito, era o campo de luta entre estas duas nações, no esfôrço de dominar a Ásia. Êstes últimos versos do capítulo tra­tam do desastre que caiu sôbre Judá como o castigo di­vino da sua apostasia.

Antes, porém, de invadir Judá, Tiglate-Pileser es­magou os reinos da Siria e de Efraim, e levou cativa uma grande parte dos habitantes dos dois países (II Reis 15:29, 16:19). Assim, o enrêdo de Acaz com a Assíria resultou, não somente na destruição dos reinos de seus inimigos, mas também deitou a base sinistra para a in­vasão desastrosa de Judá pelo seu próprio aliado, a na­ção cruel da Assíria.

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0 Senhor fará vir sôbre ti, e sôbre os principes e nobres, tempos de calamidade, tais que nunca vieram desde o dia em que Efraim se separou de Judá. Acaz começou o seu reino em c. 735, e o profeta teve a entre­vista com êle pouco tempo depois. Damasco sofreu uma derrota severa pelos assírios em 734, e em 721 o Reino de Israel foi destruído com a queda de Samaria. Judá teve um período breve de descanso, mas a profecia do seu sofrimento foi cumprida pela invasão de Senaque- ribe em 701.

O enrêdo político de Judá com a Assíria custou-lhe caro em tributôs pesados, prejuízo da terra anos depois, e a grave corrupção da religião do povo.

Os anúncios dos versos 18 a 25 sôbre a invasão da Assíria (18-20) e as suas conseqüências (21-25) não fo ­ram dirigidos ao rei Acaz. São profecias da invasão iminente de Judá pelos assírios.

Assobiará o Senhor à môsca . . . do Egito, e à abe­lha da Assíria. O Egito, sendo infestado de môscns (18:1), e a Assíria uma terra de abelhas (Deut. 1:41); o profeta assim fala figurativamente dos exércitos inva­sores dêsses países na terra de Judá. Nas lutas milita­res o exército do Egito, e mais freqüentemente os pode­rosos e cruéis militares da Assíria, invadiam e ocupa­vam a terra de Judá como base militar. Por que Deus usou a terra cruel e pecaminosa da Assíria para casti­gar o povo menos pecaminoso de Judá? O profeta Ha- bacuque, e muitos outros têm lutado com êste problema. Mas quando observamos a natureza pecaminosa da hu­manidade, e a vontade livre do homem, podemos entender o propósito do Senhor em utilizar-se da Assíria, não obstante a sua injustiça e brutalidade, para executar o propósito justo no castigo de Judá (Cp. Gên. 45:5-8; 50:20). A terra da Assíria também sofrerá as conse­qüências da sua iniqüidade. Assim, o Senhor revela o

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noii propósito e a sua sabedoria no seu poder de usar os aios iníquos do homem para levar avante o seu reino do santidade e justiça na cruz de Cristo.

0 v. 19 descreve o terror dessa ocupação de Judá pelos invasores. A nação egípcia é comparada com enxa­mes de môscas, e o povo assírio, no seu afã de guerra e conquista, com abelhas picantes. Pousarão nos vales profundos, talvez onde pudessem achar água. As fen­das das rochas são numerosas na Palestina, lugares de abrigo. Espinheiros significam os arbustos de pouco valor. É duvidoso o significado dos pastios, mas tal­vez se refiram aos lugares refrescantes. Alguns pensam que esta descrição da terra de Judá, ocupada completa­mente pelo inimigo, descreve melhor a devastação ter­rível de Nabucodonosor, mas certamente aplica-se pri­meiro à invasão de Senaqueribe da Assíria.

20. Naquele dia rapará o Senhor com uma navalha alugada do além do rio — com o rei da A ssíria — a cabeça e o cabelo dos pés, e tira rá também a barba.

21. E sucederá naquele dia que um homem manterá um a vaca nova « duas ovelhas;

22. e por causa da abundância do leite que elas darão, que comerá leite coalhado; pois todo aquêle que fica no meio da terra, comerá leite coalhado • m el.

23. Tam bém naquele dia todo lugar, em que houvera m il vides no valor de mil siclos de prata, será para espinheiros e abrolhos.

24. Com arco e flechas se entrará ali porque os espinheiro* e abrolhos cobrirão tôda a terra.

25. Quanto a todos os montes que costum avam sachar com «nxada, para ali não entrarás por temeres os espinhos e abrolhos; mas serão para pasto de bois, e para serem pisados pelas ovelhas.

A navalha alugada do além do rio Eufrates talvez seja uma alusão ao pedido que o rei Acaz dirigiu a Ti- glate-Pileser (II Reis 16:7-9). O cabelo dos pés é uma

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frase que se refere às outras partes do corpo, uma ex­pressão de vergonha. A barba representava a dignida­de do homem. Não se menciona mais a terra do Egito nestes últimos versículos do capítulo.

Os versos 21 e 22 apresentam uma dificuldade. Se­gundo muitos intérpretes, a passagem descreve a pobre­za da terra na ocasião quando a Assiria invadiu a terra, e assim concorda com o v . 23. Mas a palavranão tem artigo, e a referência à abundância que a sua vaca nova e as duas ovelhas lhe dão talvez indique um caso excepcional, e confusão no contraste com as con­dições do povo em geral.

Naquele dia de desastre, em todos os lugares onde havia mil vides que representavam trabalho cuidadoso, e o grande valor de mil siclos será entregue aos espi­nheiros e abrolhos.

A terra mais fértil e mais produtiva ficará mais de­solada, e será abandonada às feras. Os campos de vides arruinados, cobertos de espinheiros e abrolhos e ocupa­dos por animais bravios, não têm mais valor senão para os caçadores, com seus arcos e flechas.

A linguagem dêstes últimos versos é figurativa e poética, e não concorda nos pormenores. Êste último verso é um resumo das calamidades infligidas à terra pela invasão dos assírios.

4. O Sinal de Maher-Shalal-Has-Baz, 8:1-4

1. Então, o Senhor me disse: To m a uma tabuleta grande, e escreve nela de m aneira inteligível:

A M a h e r-S h a la l-H a s -B a z .

2. E tomei comigo testemunhas fidedignas, a U rias, sacerdote, e a Zacarias, filho de Jeberequias.

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3. Fu! ter com a profetisa, e ela concebeu, e d«u à luz um filho. Então, me disse o Senhor;Põe-lhe o nome de M a h e r-S h a la l-H a s -B a z .

4. Porque antes que o menino saiba dizer meu pai ou m inha mãe, serão levadas as riquezas de Damasco, • os despojos de Sam aria, diante do rei da A ssíria .

Não podendo influenciar a política da côrte de Acaz (7:1-17), o profeta, divinamente inspirado, representou dois atos significativos, perante o público, na demonstra­ção do ponto de vista do Senhor. Primeiro, recebeu do Senhor ordem de colocar em lugar público uma grande tabuleta, de pedra, metal ou madeira, com a inscrição, . , , , Í3 «/PI 5 5 0 W ? , Rápido-Des-claramente legível, - - t t ** -«

pôjo-Pronta-Pilhagem. Então, o mensageiro do Senhor oficializou formalmente o seu ato, levando consigo dois homens de prestígio como testemunhas. Depois êle ex­plicou o significado da palavra na tabuleta em relação com o nome do seu filho. É claro que Isaías apresentou êstes dois atos ao público antes da queda final de Da­masco em 732. (Êstes versos proclamam, como 7:16, a destruição da Síria e de Efraim, mas não menciona a ameaça contra Judá.

As duas testemunhas não eram necessàriamente amigas do profeta. O sacerdote Urias é mencionado em II Reis 16:10-13 com o aquêle que fêz uma cópia do altar de Damasco para o rei Acaz em Jerusalém.

A profetisa apresenta-se no v. 3 simplesmente como a espôsa do profeta, mas a palavra em II Reis

T • *

22:14 significa mulher vidente, profetisa do Senhor. É especialmente notável que Isaías, nove ou dez meses de­pois de publicar a sua profecia na tabuleta, desse ao seu filho, com o nome, a mensagem idêntica (Cp. Deut, 18:22).

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Os versos 3 e 4 dão ênfase aos primeiros dois versí­culos (Cp. 7:3), è também ao fato de que a destruição de Damasco e Samaria acontecerá antes que o filho do profeta possa dizer, “ Meu pai” ou “ Minha mãe” .

5. Os Dois Rios Simbólicos, 8:5-8

5. Fa lo u-m e ainda o Senhor, dizendo :

6. Porquanto êste povo desprezou as águas de Siloá que correm brandamente, e se derrete de mêdo diante de Rezim e do filho de Remalias;

7. portanto, eis que o Senhor fará v ir sôbre êles as águas do Rio, fortes e impetuosas, isto é, o rei da A ssíria , com tôda a sua g ló ria ; e subirá acima de todos os seus regatos e transbordará por tôdas as suas ribanceiras.

8. E passará através de Judá , inundando-o, e, passandopor êle, chegará até ao pescoço; as suas asas estendidas encherão a largura da tua terra, 6 Em anu E l.

Êste oráculo continua a discussão dos versos ante­riores. Falou-me outra vez o Senhor, ou continnou o Senhor a falar ainda com igo. O profeta declara que a aliança que o rei Acaz fizera com a Assíria não termi­nará com a destruição de seus inimigos, Rezim e Peca. Mas o poderoso império, sem escrúpulo, logo depois de conquistar as pequenas nações da Síria e de Efraim, to­mará também a terra de Judá. Assim se verificou que a aliança com a Assíria, com o pagamento de um tribu­to pesado, fo i um êrro insensato, do ponto de vista po­lítico, como o profeta reconheceu. Mas o homem de Deus ficou mais preocupado com a infidelidade do re­presentante da casa de Davi e do povo de Judá. Nota-

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se, todavia, que esta mensagem não foi dirigida ao rei Acaz.

O oráculo se apresenta por duas figuras poéticas: as águas de Siloá que correm brandamente; e as águas do Eufrates fortes e impetuosas. As águas de Siloá ou Siloé são aquelas que corriam da Fonte da Virgem, ao nordeste da cidade, pelo canal, até ao Tanque de Siloé, ao sudoeste da cidade, no sul do Vale de Tiropoeon. Pou­co mais tarde, Ezequias estendeu o aqueduto antigo dos jebuseus, debaixo do centro da cidade, até ao Tanque de Siloé (II Reis 20:20; Arqueologia do autor, p. 207). É expressivo o contraste entre esta pequena e branda cor­rente com o poderoso e impetuoso Eufrates da Assíria. Impressionado pelo contraste entre a fraqueza de Judá e o poder da Assíria, e dominado por dúvidas ,e mêdo, Acaz rejeitou o Deus de Judá que lhe ofereceu sossego e con­fiança (30:15), e entregou-se ao deus da Assíria que, na ocasião, lhe representou invencível poder militar.

E se derrete de mêdo, DíDfà, é claramente o textoT

correto, pois a palavra , alegrar, desfaz o sentidoda passagem, e envolve uma contradição. ® tam-

t

bém trocadilho com .T T

O Eufrates é um grande e poderoso rio, em contras­te com as águas brandas de Siloé. Apresenta-se nesta passagem no poder do seu transbordamento. Acaz es­perava controlar o seu curso, mas agora está passando por Judá, e inundando-o até ao pescoço de Jerusalém. É uma figura expressiva da invasão de Judá pelo exér­cito da Assíria, cujas asas estendidas enchem a terra de Emanu El

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6. A Fé do Profeta no Senhor Emanu El, 8:9-10

9. A ju n ta i-v o s , ó povos, e sereis despedagados; dai ouvidos, tôdas as terras longínquas;

c in g i-vo s e sereis despedagados. c in g i-vo s e sereis despedagados.

10. To m a i juntam ente conselho, e êle será frustrado; falai um a palavra, e ela não subsistirá, porque Deus é conosco.

Êstes dois versículos são dirigidos às nações combi­nadas do mundo. É um desafio da fé aos inimigos de Judá (Cp. Sal. 2 :1-6). O texto do v . 9a apresenta uma dificuldade. Não há certeza sôbre se o verbo é de v r\

— T

ou de H jn . Alguns seguem os LXX, e aceitamT T I *

com o o texto original, e traduzem conhecei-vos, como paralelo de dai ouvidos. Preferimos aceitar a forma * jn com o imperativo plural de illM , e assim tra-

* T T

duzir por ajuntai ou associai-vos. Ajuntai-vos, ó povos, e sereis despedaçados. Êstes versículos descrevem a fu­tilidade de todos os planos e ações semelhantes à alian­ça de Acaz com Tiglate-Pileser. Judá será castigado pelos inimigos, mas há um limite do poder militar dos inimigos sôbre Judá. Cingi-vos e sereis despedaçados. Tomai juntamente conselho, e êle será frustrado. Pro­clamai as vossas resoluções, mas não serão cumpridas. Por quê? Porque Deus é conosco.

O nome do filho do profeta, Sear-Jasube, declara que Judá não será completamente destruído, e êste é o sentido dêstes versículos. A esperança do profeta re­pousava no restante fiel, disciplinado e purificado, para realizar o eterno propósito do Senhor, visado na escolha e na disciplina do seu povo.

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7. O Temor do Homem e o Temor de Deus, 8:11-15

11. Porque assim o Senhor me disse, com a sua mão forte sôbre m im , e me advertiu que não andasse pelo cam inho dêste povo, dizendo :

12. Não chameis conspiração a tudo quanto êste povo chama conspiração; e não temais o que êle teme, nem vos assombreis>

13. Mas ao Senhor dos Exércitos, a êle honrai como santo; e seja êle o vosso tem or, e seja êle o vosso assombro.

14. Êle vos será santuário; mas será pedra de tropêço, e rocha de ofensa às duas casas de Israel, laço • arm adilha aos moradores de Jerusalém .

15. M uitos dentre êles tropeçarão; cairão e serão quebrantadqs; serão enlaçados e presos.

Êstes versículos explicam como Isaías se orientava como mensageiro do Senhor na crise perigosa das duas nações de Israel. Numa visão espiritual, o profeta reco­nhece a mão forte do Senhor deitada sôbre êle (Cp. Ez. 1:3; 3:14). A mensagem divina é dirigida ao profeta e aos seus discípulos. Êles não devem ter mêdo dos ini­migos que estão aterrorizando o povo em geral. Êles devem confiar somente no Senhor dos Exércitos que será o temor e o assombro do seu povo fiel.

A frase com a mão forte sôbre mim dá ênfase à co­munhão direta do profeta com Deus, e à certeza de que êle estava no controle de Javé dos Exércitos, e era cons­trangido pelo poder irresistível do Senhor. Assim, nes­ta comunhão espiritual, o Senhor lhe falou, e o advertiu para que não entrasse na aliança com as nações, segun­do o plano de Judá sob a direção do rei Acaz.

Alguns sugerem a modificação do texto do v. 12, mas está claro e mais aceitável do que qualquer mudan­ça sugerida pelos comentaristas. O profeta e os seus dis­cípulos não devem ficar perturbados pelos gritos de conspiração do povo em geral, e não devem ter mêdo

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dos eventos políticos que aterrorizavam os seguidores do rei Acaz. A palavra conspiração aqui não significa trai­ção dentro do Estado. Pode ser usada a respeito de uma coalizão externa que ameaça a integridade do país. Re­fere-se, neste caso, à conspiração de Rezim e Peca contra Judá. E não temais o que êle teme, nem vos assom­breis. 0 povo infiel pode ficar assustado pelas ameaças da Síria e de Efraim, mas os homens de fé não se as­sombrarão .

Honrai com o santo o Senhor dos Exércitos. Adorai a vosso Deus com o temor de reverência, e confiai nêle com o a verdadeira fonte de segurança e defesa. Acaz e o seu povo, não crendo mais na vontade e no poder de Deus, pediram o socorro da poderosa Assíria contra Efraim e a Síria, mas esta nação traiu a confiança do povo de Judá.

Êle vos será santuário. O Senhor dos Exércitos é o santuário dos que nêle confiam. A palavra sig-

T *

nifica santuário e não um objeto santo. 0 Senhor dos Exércitos é refúgio seguro para o seu povo (Cp. Èx. 21:14; I Reis 1:50; Ez. 11:16). Para o restante fiel, aquêles que confiam no Senhor, e procuram fazer a sua vontade, o Senhor dos Exércitos é uma verdadeira for­taleza segura. “ Deus é o nosso refúgio e fortaleza, so­corro bem presente nas tribulações” — Sal. 46:1. Mas será pedra de tropêço para os infiéis das duas nações (Cp. Mat. 18:6; Mar. 9:42; Luc. 17:2). O Senhor dos Exércitos será rocha de ofensa. Deus é representado freqüentemente nas Escrituras como rocha, defesa fir­me ou lugar de segurança para aquêles que nêle con­fiam e se refugiam. Mas o Senhor é também uma rocha de ofensa para aquêles que o abandonam, e assim se fa­zem inimigos dêle. Não se pode deixar de lado ao Se­nhor com impunidade; e não se pode opor-se ao Senhor

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sem sofrer o castigo da justiça divina. “ Todo o que cair sôbre esta pedra, ficará em pedaços; e aquêle sôbre quem ela cair ficará reduzido a pó” — Luc. 20:18. As­sim, o Senhor será ofensa aos infiéis dos dois reinos: Judá e Israel. Aquêles que rejeitam o conselho do men­sageiro do Senhor, e resistem às leis e à proteção de Deus, ficarão inesperadamente em dificuldades, como os pássaros apanhados no laço.

Muitos dentre êles tropeçarão. Os assírios destruí­ram completamente o Reino de Israel com o nação. Mui­tos dos habitantes foram mortos, e muitos outros foram levados cativos e espalhados nas terras da Assíria, e al­guns dos habitantes destas terras foram levados para o território capturado de Israel. Judá foi invadido e mui­tos dos seus habitantes levados em cativeiro. A repeti­ção neste versículo de várias frases sinônimas dá ênfase à predição do profeta, com a certeza de que dentro em breve seria cumprida.

C. Isaías Cessa as Atividades Proféticas, 8:16-18

16. Liga o testemunho, sela a lei entre os meus discípulos.

17. Esperarei ao Senhor que esconde o seu rosto da casa de Jacó, e nêle confiarei.

18. Eis, eu e os filhos que o Senhor me deu, para sinais e para portentos em Israel da parte do Senhor dos Exércitos, que habita no Monte Sião.

O rei Acaz recusou aceitar o conselho de Isaías na crise política de Judá, e confiava persistentemente na aliança que fizera com a Assíria, é no auxílio qüè espe­rava receber do seu poderoso aliado (II Reis 16:7-9) . Com a rejeição da mensagem do Senhor pelo rei e pelo povo, na ocasião da ameaça da Síria e de Efraim, o pro­feta escreveu a sua mensagem, que tinha proclamado

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publicamente, num rôlo, selou o documento e o entre­gou à custódia dos seus discípulos. Assim, com êste ato solene, cessou Isaías por algum tempo as atividades pro­féticas, e formou a fraternidade de um grupo de seus discípulos fiéis com o núcleo ou restante do povo de Deus.

Liga o testemunho, sela a lei. Qualquer mensagem ou profecia escrita no rôlo de pergaminho ou papiro, quando êste não estava sendo usado, foi atada com um barbante e selada, e assim preservada para o estudo ou para a referência no futuro (Cp. Is. 29:11; I Reis 21:8; Jer. 32:10; Dan. 12:4). Assim, o profeta esperava com certeza o cumprimento da sua mensagem que tinha re­cebido do Senhor e proclamado fielmente ao povo. Os têrmos testemunho e lei são sinônimos, e significam a instrução ou o ensino que o profeta recebeu do Senhor e transmitiu ao povo.

O Senhor que esconde o seu rosto da casa de Jacó. Esta frase figurada significa a retirada do favor e da proteção do Senhor (Ver Deut. 31:17; Miq. 3:4; Jer. 33:5; Sal. 13:1; Jó 13:24). O Senhor não mais apresentará admoestações e ensinos ao povo rebelde por intermédio do seu mensageiro, mas o entregará ao castigo divino que merece. O profeta esperará no Senhor.

Eis, eu e os filhos que o Senhor me deu. Os nomes do profeta e de seus filhos eram significativos, e se re­feriam a verdades importantes da mensagem profética. O profeta reconheceu o seu próprio nome,

T * " J

Javé Salva, com o verdade fundamental da sua mensa­gem, enquanto os nomes dos filhos significavam ensinos proféticos de profunda importância. Que habita no Monte Sião. O principio profético da inviolabilidade de Jerusalém originou-se com Isaías no tempo quando a ci­dade foi ameaçada pelo exército poderoso da Assíria.

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III. Superstições dos Vacilantes na Fé, 8:19-9:1

Há várias dificuldades no texto hebraico dêstes ver­sículos. É difícil reconhecer qualquer conexão com o assunto dos versículos anteriores. Apresenta uma série de idéias sôbre as superstições e a infidelidade do povo de Judá em geral. Alguns pensam que talvez sejam men­sagens dirigidas ao povo por intermédio dos discípulos do profeta no período da sua inatividade.

A. Admoestações Contra o Espiritismo, 8:19

19. Quando vos disserem : Consultai os necromantes e os que têm espíritos fam iliares, que chilreiam e m urm uram , acaso não consultará o povo ao seu Deus? A favo r dos vivos, se consultarão os mortos?

Quando um povo abandona a fonte das águas vivas, cava para si cisternas rôtas, que não retêm as águas (Jer. 2 :13). Havendo abandonado o seu Deus, o Se­nhor Javé dos Exércitos, quase todos os habitantes de Judá e Israel voltaram-se à prática antiga de supersti­ções (19:3). Os dois têrmos P V D e signifi­cam necromantes e adivinhos ou espíritos familiares. Êstes dois têrmos constam juntos freqüentemente nas proibições da prática de consultar aquêles que se apre­sentaram como adivinhos e feiticeiros profissionais (L ev. 19:31; 20:6, 27; I Sam. 28:3, 9; II Reis 21 :6 ). O necro- mante dizia que tinha o dom de comunicar com qual­quer espírito, enquanto o adivinho declarava que o espí­rito familiar lhe responderia em qualquer ocasião que o chamasse. Chilreiam e murmuram referem-se à voz fraca ou sepulcral dos espíritos, com o o chilrear do pas­sarinho. A prática de consultar o espírito dos mortos prevalecia entre as nações antigas. O oráculo de Del' fos tornou-se famoso em países fora da Grécia.

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B. À Lei e ao Testemunho, 8:20-9:1

20. Â lei e ao testem unho! Se êles não falarem desta m aneira, jam ais verão a alva.

21. Passarão pela terra duramente oprim idos e fam intos; e quando tiverem fome, enfurecendo-se, amaldisoarão aoseu rei e ao seu Deus, olhando para cim a.

22. Olharão para a terra, mas eis aí angústia, escuridão, sombras de ansiedade; e serão lançados para densas trevas.

O sentido dêstes versos é obscuro, mas tem relação com a lei e o testemunho.

A palavra m i n usa-se em vários sentidos, masT

aqui significa o ensino da revelação divina transmitido por intermédio do profeta vocacionado e inspirado pelo Senhor (Cp. 6:8, 9 ). Parece que esta declaração se re­laciona com o verso 16, e que o profeta está dizendo aos seus discípulos que êles já têm a palavra segura da pro­fecia, ou a revelação da vontade de Deus. Para os ou­vintes a única fonte de conhecimento é a palavra do Se­nhor transmitida aos seus mensageiros, os profetas. Se êles não falarem desta maneira, jamais verão a alva. O texto hebraico é obscuro, e é traduzido de várias ma­neiras. A RSV traduz: Certamente, para esta palavra que êles falam não há alva. Esta talvez seja a melhor tradução, e assim significa que não há futuro para os supersticiosos. O que está condenado aqui acontece fre­qüentemente entre pessoas religiosas. Pessoas se tornam desdenhosas ou indiferentes quanto às responsabilida­des da verdadeira religião, e nos tempos de tensão ou perigo confiam nas superstições dos feiticeiros e adivi­nhadores .

Os versos 21 e 22 descrevem as privações e os sofri­mentos das pessoas que perderam a fé, e confiam nas superstições. Desapontadas e frustradas, tais pessoas

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passam pela terra duramente oprimidas e famintas. Quando têm fome, ficam endurecidas e amaldiçoam ao seu rei e ao seu Deus, e finalmente desaparecem nas tre­vas.

9 :1 . Pois não haverá obscuridade para aquela que estava em angústia. Êle no prim eiro tempo tornou desprezível a terra de Zebulom e a terra de N a fta li; mas no último tempo tornará glorioso o cam inho do m ar, além do Jordão, a Galiléia dos gentios.

O verso 9:1 foi escrito aparentemente para explicar a conexão entre a passagem messiânica, 9:2-7, e o as­sunto do parágrafo anterior. Pois nã,o haverá obscuri­dade para ela que estava em angústia. Nesta declara­ção no hebraico não há verbos, e alguns traduzem: “ Pois não há obscuridade para ela (a terra) que está em angústia?” A tradução do sentido do hebraico repre­senta um enigma. Nos primeiros tempos êle (Deus) tornou desprezível a terra de Zebulom e a terra de Naf- f,ali. Há um elemento misterioso nesta declaração do escritor. Por que liga a profecia messiânica especial­mente com Zebulom e Naftali? É provável que mencio­ne Zebulom e Naftali, as primeiras terras invadidas pelos assírios, para designar o território inteiro do reino se­tentrional, pois está fazendo contraste entre o terrível desastre destas terras no domínio da Assíria, e no seu futuro glorioso sob o reino vindouro do Ungido do Se­nhor. O caminho do mar, usa-se aqui para designar o caminho ao longo da planície litorânea da Palestina. Além do Jordão talvez se refira à Síria e Gileade. Gali­léia das nações, ou o circuito das nações, geralmente sig­nifica no Velho Testamento um canto da Galiléia su­perior (I Reis 9:11; Jos. 20:7; II Reis 15:29). Al­guns pensam que o escritor está se referindo ao circui­to das nações mencionadas nos primeiros dois capítulos

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de Amós (Moabe, Amom, Edom, Filístia, e tc .) . Não obstante as dificuldades na interpretação do versículo, a passagem recebeu uma nova significação quando o Se­nhor Jesus proclamou as Boas Novas do Reino na Ga- liléia (Mat. 4:13-15).

C. O iReino Messiânico, 9:2-7

2. O povo que andava em trevasviu um a grande lu z;

os que habitavam na região das trevas profundas, sôbre êles resplandeceu a luz.

3. Te n s m ultiplicado a nação,a alegria lhe aumentaste;

.a legram -se êles diante de ti como se alegram na ceifa, e como se regozijam quando repartem os despojos.

Nessa linda poesia, o profeta sente-se transportado para o futuro, e canta da grande salvação que confiada- mente esperava para o povo do Senhor. Há quatro es­trofes, cada qual de quatro linhas. A poesia apresenta um contraste notável com o capítulo 8. Segundo a nos­sa interpretação, a maravilhosa passagem desenvolve o ensino de Emanu El de 7:14. Muitos intérpretes moder­nos, e extremamente liberais, julgam “ que êste oráculo foi composto para celebrar a coroação de um rei da atua­lidade de Judá” (The Interpreter’s Bible, in lo c o ) . Esta interpretação é forçada, não concorda com o teor e o espírito da profecia de Isaías, nem com a psicologia dos escritores do Velho Testamento. Êste modo de inter­pretar as profecias messiânicas do Velho Testamento baseia-se na falta do entendimento de certas semelhan­ças na garbosidade dos reis da Assíria e da Babilônia, em comparação com as declarações dos profetas que censuravam severamente a infidelidade dos reis da atua­lidade, e desejavam ardentemente o govêrno do rei ideal.

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Não se pode negar que esta profecia de Isaías visa­va a um Messias político-religioso, e não meramente po­lítico, como dizem alguns. As profecias messiânicas dos Salmos e as de outros profetas, geralmente visavam ao Messias da linhagem de Davi, ou a um rei ideal, simples­mente porque êstes mensageiros da religião dos hebreus eram os únicos que entendiam e ensinavam o monoteís­mo, e que o Senhor Javé é o Verdadeiro Deus. Com o de­clínio moral dos reis de Judá, aprofundou-se o conceito profético do reino messiânico, com mais ênfase aos atri­butos espirituais do Messias. Quando observamos como o ensino de Emanu El, Conosco Deus, apresenta-se per­sistentemente nas mensagens do profeta neste período, não podemos deixar de reconhecer que o Menino nasci­do de 9:6 identificou-se, no pensamento e no ensino do profeta, com Emanu El de 7:14.

O fato de que as profecias messiânicas foram cum­pridas mais perfeitamente na Pessoa e no reino de Jesus Cristo do que os profetas esperavam, certamente não nega a doutrina persistente do reino vindouro do Mes­sias no Velho Testamento. Mas êste reino messiânico do Velho Testamento será dirigido por um rei perfeito na sabedoria, no poder e na justiça, e o povo será supre­mamente feliz no seu govêrno, que na providência do Senhor Javé dos Exércitos permanecsrá para todo o sempre.

Os versículos 2 e 3 tratam da luz e da alegria do povo na sua libertação do poder das trevas. O povo que andava em trevas viu uma grande luz. 0 tempo dos ver­bos hebraicos não é determinado meramente pela forma perfeita ou imperfeita, mas pelo uso no seu contexto (Cp. Sintaxe do Hebraico do Velho Testamento do autor, p. 25). É claro que o profeta não está fa­lando de algum evento acontecido no passado, com o dizem alguns, mas do reino futuro do Ungido do Se­

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nhor. Como na profecia de Emanu El, é possível que o profeta estivesse pensando numa libertação naquela épo­ca cheia de problemas e incertezas. De fato, a cidade de Jerusalém foi miraculosamente liberta do poderoso exército de Senaqueribe poucos anos depois da proclama­ção desta mensagem. Mas esta grande mensagem do profeta foi plenamente cumprida quando o próprio Naza­reno apareceu na região das trevas como a Luz da ver­dade e o Poder de libertar o povo da escravidão do peca­do (Mat. 4:13-16).

Tens multiplicado a nação. Não é o povo, nem as autoridades, mas o próprio Senhor quem multiplicará a nação nos dias futuros de paz e segurança. O aumento da população é um sinal ou penhor da bênção de Deus.0 texto hebraico tem X J ’’1211, a alegria não lhe au­

mentaste, em vez de a alegria lhe aumentaste,T ‘ ™

que evidentemente foi o texto original. Alegram-se êles diante de ti com o se alegram na ceifa. A ceifa, entre os hebreus, fo i um tempo de exultação e regozijo. Quan­do os produtos da ceifa eram ajuntados, havia profun­da alegria, ação de graças e celebrações festivas. A frase diante de ti refere-se ao fato de que as primícias da cei­fa foram apresentadas no Templo com um culto de lou­vor e gratidão a Deus, Deut. 12:7; 14:22-26. Como se regozijam na repartição dos despojos da guerra (Cp. 33:23; Juí. 5:30; Sal. 119:162).

4. Porque o jugo da sua carga,e a va ra para o seu ombro,

e o cetro do seu opressor,tu quebraste como no dia de M idiã.

5. Pois tôda bota do guerreiro no tum ulto,e tôda veste revolvida em sangue,

será para queim adura,com bustível para o fogo.

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Os versículos 4 e 5 descrevem a destruição do poder do opressor e o término da guerra. É difícil representar a linguagem poética do hebraico na tradução dêstes ver­sos. O verso 4 descreve o regime opressivo que o povo de Israel e Judá estava experimentando. As duas frases,0 jugo da sua carga e a vara) para o seu ombro, prova­velmente descrevem os arreios ou o aparelho antigo dos bois. É, certamente, uma figura de opressão, como em1 Reis 12:4. O cetro ou a vara do opressor era um bor­dão pesado, uma arma perigosa (Êx. 21:20). A frase indica a opressão e o castigo daqueles que se achavam iia servidão. No dia de Midiã refere-se à vitória de Gi- deâo e dos seus 300 homens corajosos, com o auxílio do Senhor, na batalha contra os midianitas, que por alguns anos tinham invadido a terra dos hebreus e levado pro­dutos do seu trabalho, logo que foram ceifados.

Tôda bota do guerreiro no tumulto e tôda veste re­volvida em sangue, e os aparelhos de guerra serão ajun­tados e completamente queimados, porque não terão mais utilidade para o povo que vive em paz e alegria.

6. Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu;

o governo repousará sôbre o seu om brot e o seu nome será:

Maravilhoso Conselheiro,Deus Poderoso,

Pai da Eternidade,Príncipe da Paz.

..•7. Do incremento do seu govêrno, e de paz não haverá fim,

. sâbre p trono de Davie através do seu reino,

pára o estabelecer e o firm a rmediante a retidão e a justiça,

desde agora e para sempre, .o zêlo do Senhor dos Exércitos fará isto.

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0 maior motivo de alegria será o nascimento do Messias, os maravilhosos atributos da sua Pessoa e o es­tabelecimento do seu reino de justiça. Porque. Êste é o mais importante dos muitos porquês, tão profunda­mente significativos das Escrituras Sagradas, pois ex­plica a razão das gloriosas vitórias que serão consegui­das pelo Messias vindouro. Um filho, Emanu El, ser- nos-â dado. O profeta está falando do grande Libertador que o próprio Deus nos dará.

Êste filho não terá um nome que será para um si­nal, como os nomes dos filhos de Isaías. 0 nome dêle descreve os atributos divinos da sua Pessoa, e os carac­terísticos do seu ministério de amor e justiça. O profeta Isaías fala freqüentemente dos conflitos, do pecado, das trevas, das calamidades, dos sítios e do sofrimento do povo infiel. Mas o Deus Santo e Justo lhe deu também uma gloriosa visão do reino ideal do Messias vindouro. Nesta grande hora da inspiração divina, o Senhor lhe deu um nôvo entendimento do reino ideal do Messias vindouro, e do propósito de Deus no govêrno do seu povo. Assim, o homem de Deus viu a grande luz que algum dia havia de brilhar nas trevas da Galiléia, e en­tendeu a suprema alegria que havia de encher o espí rito do povo na submissão à vontade e ao govêrno do Verdadeiro Ungido do Senhor.

O govêrno repousará sôbre o seu ombro. Esta pa­lavra m t P t í , traduzida govêrno, encontra-se somente

T » *

aqui e no verso seguinte. Talvez se derive da palavra "ity , Príncipe e se refira ao principado do Rei Messiâni­co. Enquanto a form a perfeita dos verbos descreve atos completos, ou eventos já realizados, o profeta aqui des­creve os eventos que tinha visto na visão como já reali­zados, mas que acontecerão em algum tempo na história

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futura. Êste uso da form a perfeita do verbo é chamado o perfeito profético. Há, porém, várias opiniões a res­peito do tempo e da natureza do cumprimento desta vi­são profética fora do ponto de vista do Nôvo Testamen­to, Mat. 4:16.

0 nome do Messias apresenta-se em quatro partes, ou numa série de títulos de honra que descrevem o seu caráter como Príncipe, e os característicos divinos exem­plificados no seu governo. Maravilhoso Conselheiro é geralmente reconhecido com o um nome ou título, e não dois. Êle governará com sabedoria infalível, e guiará o povo no caminho reto, e não fará escolhas falsas e fu­nestas, como fêz o rei Acaz (Cp. 7:12; II Reis 16:7-9). Como Deus poderoso, êle reinará sôbre o seu povo, não com as armas de guerra, mas com o poder do carinho e da justiça divina. Como Pai da Eternidade, êle orientará a nação com paternal amor, cuidando de seus súditos como se lhe fôssem filhos. Como Príncipe da Paz, a sua ad­ministração será pacífica, e conseguirá a paz e o bem- estar espiritual dos seus súditos.

Enquanto êstes títulos de honra atribuem podêres sobre-humanos ao Messias, êle não se apresenta como Deus na carne, mas com o o rei ideal, descendente de Davi, que governará a nação com justiça e amor, e esta­belecerá a paz permanente entre o seu povo (Cp. 11: 2-8; Miq. 5:4; Zac. 12:8). O título Pai da Eternidade significa que o Ungido do Senhor sempre governará com o o pai do seu povo. O Príncipe da Paz dará ao seu povo as bênçãos de paz e prosperidade (Cp. 11:2-4; Miq. 5:5; Zac. 9:10).

O verso 7 descreve a extensão e a firmeza do rei­no messiânimo. Do incremento, Í"I3*1D em vez de

•• i “ s

n a n a ? ) do seu govêrno e de paz não haverá fim . A

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palavra mÊ^ÜH significa propriamente principado, ouT * • “

governo de príncipe. Sôbre o trono de Davi indica cla­ramente um reino político-religioso, que será estabelecido e firmado mediante a retidão e a justiça. O zêlo do Se­nhor dos Exércitos fará isto. Assim, êste reino ideal do Ungido do Senhor será finalmente realizado pelo zêlo de Javé, que no seu cuidado e no seu amor orientará e aben­çoará o seu povo. Esta grande visão profética foi cum­prida na Pessoa de Jesus Cristo muito além da esperança do profeta Isaías.

D. O Julgamento de Efraim como Lição para Judá, 9:8-10:4

8. O Senhor enviou uma palavra contra Jacã,e ela caiu em Israel;

9. e todo êste povo saberá,E fra im e os moradores de Sam aria,que em soberba e altivez de coração dizem :

10. Os tijolos caíram ,mas edificaremos com pedras lavradas;

cortaram -se os sicômoros,mas por cedros os substituiremos.

11. Portanto, o Senhor suscita contra êles adversários,e instiga os seus inimigos.

12. Do oriente os siros, do ocidente os filisteus,devoram a israel à bôca escancarada.

Com tudo isto não se aparta a sua ira, mas ainda está estendida a sua mão.

A esta descrição do julgamento de Efraim deve-se li­gar a passagem 5 :25-30, que trata do mesmo assunto, com a repetição das palavras de 5:25b em 9:12, 17, 21 e 10:4. Os vários desastres de Israel serão completados com a destruição completa do seu reino.

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O Senhor enviou uma palavra, uma revelação ao profeta, que caiu sôbre Jacó ou Israel, como o ressoar de trovão, mas na sua soberba e altivez de coração, o povo declara que, não obstante a destruição que está sofrendo dos inimigos, edificaremos com pedras lavradas em lugar dos tijolos que caíram, e com cedros em lugar dos sicô- moros que foram cortados. É difícil determinar quando surgiu esta esperança de Israel, mas talvez logo depois da morte de Tiglate-Pileser; nem se sabe quando foi procla­mada esta mensagem do profeta.

Portanto, o Senhor suscita contra êles adversários. Alguns textos têm os adversários de Rezim, V")X > e

• I ** T

outros têm príncipes de Rezim, jT] v"ifcy, mas é geral-• I T

mente reconhecido que estas frases são glosas, e não per­tencem ao texto original. A versão grega tem adversários de Sião.

Os siros e os filisteus devoram a Israel à bôca escan­carada. Não se encontra qualquer referência de ativida­des militares dos siros e dos filisteus contra Israel nessa época, mas eram inimigos tradicionais de Israel, e prova­velmente faziam algumas incursões nos limites da terra de Israel no período instável da política depois da morte de Jeroboão II. E devoram a Israel à bôca escancarada é a figura de uma fera voraz.

13. O povo não se voltou para quem o feriu, nem buscou ao Senhor dos Exércitos.

14 Pelo que o Senhor cortou de Israel a cabeça e a cauda, a palma e o junco, num mesmo dia.

15. O ancião e o varão de respeito é a cabeça,e o profeta que ensina m entiras é a cauda;

16. Porque os guias dêste povo são enganadores,e os que por êles são guiados são devorados.

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17. Portanto, o Senhor não se regozija com os seus m ancebos, e não se com padece dos seus órfãos e das suas v iú va s ;

pois todos êles são hipócritas e m alfeitores, e tôda bôca profere doidices.

Com tudo isto não se apartou a sua ira, mas ainda está estendida a sua mão.

Mas ainda está estendida a sua mão. Esta figura de Javé, com a mão estendida na ira, repetidas vêzes, é uma declaração persistente de que Israel será destruída como nação, porque recusou persistentemente ouvir a mensa­gem do Senhor, e permaneceu na rebelião contra o seu Deus.

Esta estrofe, constituída dos versos 13 a 17, explica que a anarquia e a violência se desenvolveram entre o povo de Israel como resultado da sua rebelião persistente contra o seu Deus. O povo não se voltou para quem o feriu, Am. 4:6, 8, 11; Os. 7:10. Foi o desígnio do Senhor levar o povo de Israel ao arrependimento pelo castigo de seus pecados, mas a nação se tornava cada vez mais vio­lenta nas conspirações políticas e no assassínio de reis (II Reis 15:10, 14, 25; Os. 7:3-7). A nação se tornou tão cor­rupta que o julgamento de Deus cortou o varão de res­peito e o profeta falso, a cabeça e a cauda; o digno e o indigno, a palma e o junco. É provável que o v . 15 seja uma interpolação, pois o estilo é diferente, e não explica corretamente o v . 14.

O v . 16 declara que aquêles que tinham a incumbên­cia de guiar o povo, dirigiram-no erradamente. Portan­to, os enganadores serão devorados juntamente com os enganados.

O v. 17 declara que Israel é condenado e rejeitado, incluindo até os jovens, os órfãos e as viúvas. Por causa da corrupção moral e irremediável da nação, o Senhor Javé retira a sua compaixão, e entrega o povo ao seu pró­

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prio destino. O profeta declara neste verso 17 que Is­rael será condenado e completamente rejeitado, incluin­do até os jovens, os órfãos e as viúvas. É um caso em que os inocentes inevitàvelmente sofrem com os cul­pados .

18. Pois a iniqüidade lavra com o um fogo ,ela devora espinheiros e abrolhos;

acende as brenhas do bosque,e estas sobem em espessas nuvens de fum o.

19. Pela ira de Javé dos Exércitosa terra está abrasada,

e o povo ê pasto de fo g o ;ninguém poupa a seu irmão.

20. Devora à direita, e ainda tem fom e,com e à esquerda, e não se farta ;

cada um com e a carne de seu braço.21. M anassés a Efraim , e Efraim a Manassés,

e êstes, juntos, contra Judá.Com tudo isto não se apartou a sua ira,

mas ainda está estendida a sua mão.

Nesta estrofe, 18 a 21, descreve-se o fogo' da ira do Se­nhor. De fato, a passagem fala de dois fogos devastado­res. Descreve especialmente a paixão consumidora da iniqüidade do povo que devora os homens como o fogo do bosque queima os espinheiros e os abrolhos, v . 18. Fala também do fogo da ira de Deus, e a nação rebelde é o pasto dêste fogo.

A guerra civil é um nôvo elemento do julgamento vindouro do Senhor. Israelita luta contra israelita, e tribo contra tribo, e reis são brutalmente assassinados. A iniqüidade está destruindo ràpidamente a nação.

A terra está abrasada ou queimada, . Não se- I V

encontra esta palavra hebraica em qualquer outro lugar, e alguns sugerem n y n a , entregar-se à selvajaria, mas a

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mudança é desnecessária. Cada um come a carne de seu braço. É possível que os homens loucos de fom e pudes­sem comer a própria carne, mas um texto diz de seu pró­ximo em vez de seu braço. A palavra próximo concorda melhor com o verso seguinte.

O verso 21 declara que Manassés e Efraim, vizinhos, estavam lutando um contra o outro, e ao mesmo tempo as duas tribos faziam guerra a Judá. No período de anar­quia e confusão, a guerra civil, bem com o os inimigos de fora, estavam devorando o povo do Reino de Israel.

10:1. Ai dos que fazem decretos iníquos,dos que escrevem leis de opressão,

2. para negarem ju stiça aos pobres,para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo.

a fim de que viúvas sejam o seu despojo, e órfãos a sua prêsa.

3. Que fareis no dia do castigo,na desolação que vem de longe ?

A quem recorrereis para obter socorro, e onde deixareis a vossa glória ?

4. Nada vos resta senão d o b r a r - v o s e n t r e os prisioneiros,ou cair entre os mortos.

Com tudo isto a sua ira não se apartou, mas ainda está estendida a sua mão.

Êstes primeiros versos continuam a discussão do jul­gamento de Efraim. A matéria desta estrofe não é tão diferente do assunto das outras, como dizem alguns. Fa­la-se ainda dos pecados de Efraim, dando-se ênfase espe­cial à injustiça e à opressão dos indefesos pelas autorida­des. Os pecados de Israel mencionados na profecia de Amós são semelhantes quanto à opressão e à injustiça mencionadas nestes versículos. A frase “ os pobres do meu pdvo” certamente não prova que o profeta estava falando ao povo de Judá. Os pecados mencionados nesta estrofe prevaleceram nos dois reinos, Israel e Judá,

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Oh que fazem decretos iníquos e escrevem (leis de) tiiiiTHMÍio, são justamente as autoridades que legalizavam nh NCtiN pecados de roubo e opressão, pelos decretos e do­cumentos oficiais que preparavam para a sua própria limlcvíío. Tão avarentos e insaciáveis eram os homens iIm tfovôrno que instituíam leis para justificar legalmente n roubo dos pobres, dos órfãos e das viúvas. O profeta Amós declara que “ os juizes venderam o justo por di­nheiro, e o necessitado por um par de sapatos” , 2:6.

Que fareis no dia do castigo, na desolação que vem iki longe? Para êstes ladrões hipócritas vem o dia de con- liis, quando êles, têm que responder ao Juízo Supremo. Que fareis então? (Cp. Os. 9 :5 ). 0 dia de visitações é o dia de prestar contas, o dia do castigo inevitável. A desolação refere-se à invasão de Israel pelos assírios, a tempestade que vem de longe. A vossa glória talvez se refira sarcàsticamente aos bens que tinham roubado.

Há problemas difíceis no texto da primeira parte do verso 4. Alguns pensam que haja uma referência aosdeuses, Beltis, Osíris, Mas não há qual-

. | . . —

quer evidência de que os israelitas adoravam êstes deu­ses do Egito. Fala-se da tragédia da destruição do Rei­no de Israel. Não há meio de escapar do dia do ajus­te de contas. Algumas das vítimas se dobrarão entre os prisioneiros, enquanto outras cairão mortas, e isto será o fim desta nação, o resultado da sua infidelidade.

IV. Não Temas a Assíria, 10:5-12:6

5. Ai da A ssíria, a vara da minha ira,o cetro nas suas mãos é a minha fúria !

6. Envio-a contra uma nação profana,• contra o povo da minha ira IHe dou ordans,

para lhe tom ar despojo e arrebatar a prêsa,e para os pisar aos pés, com o a lama das ruas.

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7. Êle, porém, assim não pensa,e não entende assim o seu coração;

antes intenta consigo mesm o destruir e desarraigar não poucas nações.

Descreve-se nesta seção as atividades militares do orgulhoso conquistador, a Assíria. Enquanto esta nação cruel será usada com o vara na mão do Senhor para cas­tigar o povo infiel de Judá, a discussão em geral dá ênfase ao fato de que a Assíria é o objeto da ira do Senhor. Êstes oráculos também explicam o propósito do Senhor como o Dirigente Supremo da História. O ensino mais impor­tante a respeito da Assíria é o contraste entre a incum­bência que ela recebeu, segundo o propósito de Deus, e a sua própria política ambiciosa de dominar as nações do mundo com o poder cruel do seu exército militar.

A . A Ameaça Arrogante da Assíria, 10:5-34

A Assíria atribuiu o êxito das suas fôrças militares à sua própria sabedoria. Não reconheceu qualquer dife­rença entre o Senhor Javé e os outros deuses do mundo. A escolha da Assíria com o a vara de Deus, para castigar o povo infiel de Judá, proclama a verdade de que o Senhor Javé dos Exércitos é o Deus de tôdas as nações do mundo. A destruição do poder arrogante da Assíria, que transgrediu a sua comissão providencial, publica o poder supremo de Deus no govêrno do mundo.

1. A Jactância da Assíria, 10:5-16

Esta é uma das mais notáveis mensagens do profeta. Como o Deus da História, o Senhor usa a nação arrogante da Assíria para executar a sentença da justiça pronun­ciada contra Judá. Enquanto a Assíria é apenas uma vara na mão do Senhor, ela não sabe nada do propósito

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divino nas suas conquistas, tornando-se cada vez mais arrogante e ambiciosa com as suas vitórias militares, e sonha com o domínio do mundo. Mas logo que sirva ao propósito de Deus, ela sofrerá, por sua vez, o castigo da sua iniqüidade.

É difícil compreender a profunda significação dessa nova doutrina revolucionária de Isaías. Como é que o Senhor podia usar a Assíria no desenvolvimento do seu plano para as nações? Muitos anos depois do tempo de Isaías, numa crise semelhante, o profeta Habacuque en­frentou êsse problema, ensinando que essa nação bru­tal está no controle absoluto do Deus de Israel, e logo que sirva ao propósito divino, será lançada fora e en­tregue à destruição.

Ai da Assíria! A palavra *,in é muito forte, e difícil de expressar em português, ai! grito de profunda emoção, vergonha! amaldiçoada! Ai da Assíria, a vara da minha mão! A vara que o Senhor usou, na sua ira, para castigar o povo de Judá, é a Assíria. O cetro é sinônimo de vara, instrumento de punição. Há várias interpretações da frase nas suas mãos. A RSV corta a frase, e traduz “ the staff o f my fury” , a vara da minha fúria. Outra versão: “ O cetro em cuja mão está o instrumento da minha indigna­çã o .” Traduzimos quase que literalmente o hebraico, que não está bem claro. Corrigindo o hebraico, Procksch traduz: “ A vara da minha ira está na minha m ã o .” Outros entendem, “ O assírio é a minha vara, e nas mãos dêle está a minha fú ria .”

Envio-a. Isto significa que a Assíria está no poder do Senhor, e sujeita completamente à sua direção. Con­tra uma nação profana, f|2n,ou hipócrita. A nação pro-

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fana pode significar os dois reinos de Efraim e Judá, ou

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apenas Judá, ou qualquer outro reino profano que sofreu às mãos da Assíria.

A última parte do verso 6 expressa em têrmos de guerra o sofrimento do seu povo às mãos dos assírios. Mas os assírios pretendem exterminar muitas nações, sem qualquer entendimento, ou qualquer consideração do propósito ou do plano do Senhor. Os assírios orientam- se, não pela vontade do Senhor, mas pela avareza cruel, e assim excedem os limites da sua missão.

Todos êstes oráculos a respeito do poderoso conquis­tador, a Assíria, baseiam-se na fé do profeta na preserva­ção divina do restante fiel. Foi esta fé que sustentou a sua nobre coragem quando na crise da invasão de Sena- queribe.

Êle, porém, assim não pensa. 0 sujeito do verbo é pro- vàvelmente Senaqueribe, e não a Assíria. Nada sabendo do propósito de Deus, e não conhecendo cousa alguma da natureza do Senhor Javé, o assírio se interessava so­mente nos seus planos de subjugar as nações vizinhas e dominar o mundo. Seria ridículo para Senaqueribe, por exemplo, pensar de si mesmo como vara na mão do Se­nhor, pois êle zombava da fraqueza do deus de Samaria e de Jerusalém, e apresentou fatos para provar que o deus de Jerusalém era incapaz de proteger o seu povo (Cp. 36:4-22). Intoxicado pelo seu poder, Senaqueribe, com o todos os ditadores da História, não se incomodava com princípios éticos, muito embora o seu poder não lhe desse o direito de aniquilar ou subjugar as nações mais fracas.

8. Pois êle diz :Não são os meus principes todos êles reis?

9. Não é Calnó com o Carquem is?Não é Hamate com o Arpade? Não é Sam aria com o Dam asco,

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10. Como o meu poder alcançou os reinos dos ídolos,cu jas im agens de escultura eram melhores do que as de Jerusalém e as d« Sam aria,

11. não farei a Jerusalém e aos seus ídoloscom o fiz a Sam aria e aos seus ídolos?

Os versos 8 a 11 apresentam o primeiro discurso ar­rogante do assírio. Êle se vangloria dos seus generais, das suas vitórias e dos seus podêres políticos e militares. Não são os meus príncipes, ou oficiais, todos êles reis? Muitos dêles eram reis subjugados, ou vassalos (II Reis 25:28). Eram governadores das províncias subjugadas, e êle se considerava rei dos reis.

Não é Calnó como Carquemis? As seis cidades são mencionadas na ordem geográfica, do norte para o sul. Carquemis, no lado direito do Eufrates superior, uma ci­dade central dos hiteus, foi subjugada várias vêzes pelos assírios, e finalmente incorporada no Império de Sargão em 717. Calnó foi capturado por Tiglate-Pileser IV em 738. É mencionado' como Calné em Am . 6:2. Hamate, cidade célebre da Síria às margens do Rio Orontes, foi capturada por Sargão em 720, Damasco em 731 e Sama­ria em 721. Esta seção fo i escrita evidentemente depois de 721.

O argumento dos versículos 10 e 11 é que os muitos deuses ou ídolos de Hamate, Damasco e Samaria não po­diam salvar as suas respectivas cidades. Como é então que Jerusalém pode escapar do poder insuperável da As­síria ?

12. Quando o Senhor tiver acabado tôda a sua obra no monte Sião e em Jerusalém , êle castigará a arrogância vaidoaa do rei da A ssíria e • pom pa da «ua «Ttivez.

13. Porquanto êle diz:Com o poder da minha mão fiz isto,

• com a minha sabedoria, porque eou entendido;

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removi os lim ites dos povos, e roubei os seus tesouros;

com o valente abatios que se assentavam em tronos.

14. Achou a minha mão, com o um ninho,as riquezas dos povos;

e com o se ajuntam ovos abandonados, assim eu ajuntei tôda a terra;

e não houve quem m ovesse asa, ou abrisse a bôca ou piasse.

15. G loriar-se-á o m achado contra o que corta com êle,ou se m agnificará a serra contra o que a m aneja?

Seria com o se o bordão brandisse ao que o levanta, ou a vara levantasse o que não é pau!

16. Pelo que o Senhor, o Senhor dos Exércitos,enviará o definham ento entre os seus fortes guerreiros,

e debaixo da sua glória se acenderá uma queim a, com o a queima de fogo.

Depois de punir o orgulho e a arrogância de Judá (Cp. 9:9-12; 10:6), o Senhor castigará o orgulho e a ar­rogância da Assíria (v. 12). Havendo completado a sua obra no monte Sião e em Jerusalém, usando os assírios neste projeto, então o Senhor castigará a jactância vaido­sa do rei da Assíria e a pompa da sua altivez. O hebraico diz, visitarei o fruto do arrogante coração.

Os versos 13 e 14 apresentam mais uma arrogante declaração do rei da Assíria, na glorificação própria das vitórias do seu poder invencível. Parece a continuação do discurso de 8 a 11, interrompido com o verso 12.

Com o poder da minha mão fiz isto. É o rei da As­síria, Senaqueribe, quem fala, e êste verso reflete a arro­gância do seu espírito. Fala não somente com o louvor das suas vitórias, mas com o sentido da sua eficiência própria, como se fôsse supremo em sabedoria, entendi­mento e poder. Removi os limites dos povos. Parece que o Impérip Assírio; era o primeiro conquistador que prati­

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cou a política de obliterar distinções nacionais, ou pela união de certas nações sob uma só administração, ou pela deportação de populações dos países conquistados.

A magnífica figura do verso 14 explica com o o for­midável exército da Assíria produzia terror e pânico nos povos das terras invadidas. Conta como o exército de­vastou os países conquistados, roubando à vontade as suas riquezas, sem qualquer oposição. Ajuntou os ovos aban­donados, e não houve, da parte dos governadores, quem movesse asa, ou abrisse a bôca ou piasse. Ajuntei tôda a terra, e não houve quem abrisse a bôca. Os habitantes ficaram aterrorizados, e não podiam fazer cousa alguma em sua defesa.

Mas o profeta Isaías, confiando no governo divino do mundo, reconheceu a tolice da exaltação própria da As­síria (Cp. 45:9, 10; 64:8; Jer. 18:6). Já tinha declarado que a Assíria era apenas uma vara na mão do Senhor. A jactância de Senaqueribe é tão lúdrica como se o macha­do ou a serra se gloriassem contra o homem que os usa no seu serviço; tão ridícula como se o bordão brandisse a pessoa que o levanta, ou a vara levantasse o homem que não é pau. O general Senaqueribe, vitorioso na campa­nha militar de conquista, fala ,com gabolice pretensiosa, como se fosse senhor do mundo, com a força e capacidade de estabelecer o seu próprio destino.

O verso 16 apresenta o ponto de vista do profeta sôbre o futuro da Assíria e o seu poderio militar. O poder do exército da Assíria, com o seu pomposo general, será destruído pelo Senhor dos Exércitos. Usam-se duas fi­guras pará descrever o castigo da insolência e do orgu­lho do conquistador que se enfatuava perante os venci­dos, na citação das suas vitórias e a pilhagem do seu exér­cito. O Senhor enviará definhamento entre os seus for­tes guerreiros. Alguns traduzem, enviará magreza entre

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os seus gordos. A palavra }1f"| significa uma doença queT

gradualmente e constantemente enfraquece o doente, en­tre os , fortes ou vigorosos. Debaixo da sua glória

T I •

se acenderá uma queima provàvelmente significa que a honra e a glória que Senaqueribe atribuiu a si mesmo se desvanecerão como se fôssem queimadas pelo fogo.

2. A Labareda do Senhor Consumirá as Florestas da Assíria, 10:17-19

17. A luz de Israel virá a ser um fogoe o seu Santo uma labareda,

e queim ará e devoraráos seus espinhos e os seus abrolhos, num só dia.

18. A glória da sua floresta e do seu cam po fértilo Senhor consum irá, desde a alma até ao corp o ; e será com o quando um doente se definha.

19. E o resto das árvores da sua floresta será tão poucoque um menino pode escrever o número delas.

O poder da Assíria será destruído. Não se entende com o The Interpreter’s Bible, contrário a todos os outros comentários, atribui a destruição mencionada nestes ver­sículos à terra do povo de.Israel. A luz de Israel, e não o resto das árvores, é a chave da interpretação desta pas­sagem. Javé é a luz de Israel. Deus é fogo (Deut. 9:3) e luz (Sal. 27:1 ). Deus é santo, tí^np, e luz, 11$ .Como

T

a luz de Israel, Javé iluminará o caminho pelo qual o seu povo deve andar (2 :5); é também fogo destruidor que consumirá os assírios, inimigos de Israel. Os soldados do magnífico exército de Senaqueribe são espinhos e abro­lhos que o fogo da ira do Senhor devorará num só dia.

A glória da sua floresta. Aqui o exército assírio é comparado com uma linda floresta de muitas árvores.

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Como a floresta é rapidamente destruída pelo fogo, assim o magnífico exército da Assíria será destruído pelo fogo divino. Se espinhos e abrolhos se referem aos soldados rasos, então a glória da floresta talvez indique os prín­cipes e os nobres, os oficiais majestosos da floresta.

Seu campo fértil, • Carmelo é o nome do mon-v I “

te fértil no Mediterrâneo, entre a planície de Sarom ao sul e Esdraelom ao norte. A palavra aqui se refere ao exército de Senaqueribe em harmonia com a figura do v. 17. O Senhor consumirá, desde a alma até ao corpo. O Senhor não faz parte do texto, mas é claramente êle o destruidor do exército de Senaqueribe. A destruição desde a alma até ao corpo é completa. E será como quando um doente se definha. O texto DD'3 D Dfô é difícil. A Septua-ginta traduz: “ E êle fugirá com o aquêle que escapa do fo g o .” A Vulgata: “ E êle fugirá de puro mêdo” (Cp. Êx. 16:21; Sal. 68:2).

O resto das árvores continua a figura do exército de Senaqueribe como floresta, e refere-se aos poucos que es­caparam ao desastre de 37:36, 37.

3. Um Restante de Israel e Judá Voltará ao Senhor,10:20-23

20. A contecerá naquele dia que o restante de Israel « os sobre­viventes da casa de Jacó não se estribarão mais naquela que os feriu, mas se estribarão no Senhor, o Santo de Israel, em verdade.

21. Um restante voltará ; sim, o restante de Jacó, ao Deus p o ­deroso.

22. Pois ainda que o teu povo, ó Israel, seja com o a areia do mar, só um restante dêle voltará ; destruição está determinada, transbordante de justiça .

23. Porque o Senhor, o Senhor dos Exércitos, executará uma dsa* truição com pleta, já decretada, no meio de tôda a terra.

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Acontecerá naquele dia. O julgamento do poderoso exército de Senaqueribe demonstrou para muitos dos ju ­deus a futilidade de depender de alianças políticas, sem­pre denunciadas pelos profetas. A Assíria tinha violado a aliança feita com Acaz (II Reis 16:7-9). Várias vêzes as nações de Israel e Judá confiaram fütilmente no socor­ro de um aliado. Assim, a política de alianças destas pe­quenas nações resultou finalmente na destruição do Rei­no de Israel, e em vários desastres na vida nacional de Judá.

O restante de Israel é uma das doutrinas fundamen­tais do profeta Isaías, desde o princípio do seu ministé­rio, indicado pelo nome do seu filho, Sear-Jasube, ou Res­tante-Voltará. Alguns perguntam: Êste nome significa uma ameaça ou uma promessa? É perfeitamente claro que a palavra, em si, significa somente uma promessa, mas uma promessa no fundo histórico da infidelidade da grande maioria do povo dos dois reinos.

O restante de Israel e os escapados da casa de Jacó não se estribarão mais naquele que os feriu, íJlStí • Oassírio cruel é traidor e transgressor de alianças, de acor­do com as suas ambições políticas, e sem escrúpulo. Deus Poderoso, • Êste é o título do Messias em 9:6,mas aqui se refere a Javé, o Senhor Deus que destruiu o poder do exército de Senaqueribe.

Não obstante o povo do concêrto constituir de mul­tidões, voltará somente o restante dos fiéis. Todos os in­fiéis sofrerão as conseqüências da sua injustiça e serão destruídos. Já está decretado que o justo viverá da fé, en­quanto os infiéis serão destruídos.

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4. Sião Será Liberto do Jugo da Assíria, 10:24-27

24. Pelo que, assim diz o Senhor Javê dos E xércitos: Ô, povo m e u , que habitais em Sião, não tem as a Assíria, quando te ferir com a vara, e contra ti levantar o seu bordão à m a­neira dos egípcios.

25. Pois daqui a bem pouco ss cum prirá a minha indignação, e a minha ira se dirigirá à destruição dêles.

26. E o Senhor dos Exércitos suscitará contra êle um flagelo, como a m atança de Midiã junto à rocha de Orebe, e a sua vara estará sôbre o mar, e êle a levantará com o fêz no Egito.

27. A contecerá naquele dia que a sua carga será tirada do teu om bro, e o seu ju go será despedaçado do teu pescoço.

Apresenta-se nestes versículos uma mensagem de consolação para os habitantes de Jerusalém, e a passa­gem liga-se ao pensamento dos versos 16 a 19. A Assí­ria ignorava o fato de que era uma vara na mão de Deus, e ao ela atacar Jerusalém e zombar da sua fraqueza, o Senhor cancelou a sua comissão.

Não temas, povo meu, que habitais em Sião. Os habitantes de Jerusalém podiam ficar sossegados. A sua cidade não será tomada pelos assírios, porque o poder do seu terrível exército será destruído (14:32; 30:19). Não obstante a punição dos pecados do seu povo, o Senhor lhe fala aqui com ternura e compaixão. O mensageiro do Senhor entende a natureza dessa crise na história do seu povo. Jerusalém será preservada, e o povo fiel do Se­nhor cumprirá á sua missão (Cp. II Reis 19:20-34 e Êx. 19:4-6). Não temas, nem qüarfdo te ferir com a vara, nem quando levantar contra ti o seu bordão à maneira dos egípcios. Não obstante a severidade da opressão, o povo do Senhor vai experimentar uma grande liberta- ção, assim como os pais foram salvos do poder do Egi- W (Cpv Ê x . 14:10; 21-24) . ..... ■ . ‘ ;

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O verso 25 declara que a indignação do Senhor con­tra o seu povo se cumprirá dentro em breve, pois o pro­pósito da sua punição será realizado. Por outro lado, a sua ira contra os assírios terminará na destruição dêles, isto é, na destruição do seu poder de capturar a cidade de Jerusalém e destruir o seu povo.

Esta libertação do poder dos assírios será, não so­mente como a dos midianitas, mas será semelhante ao maior livramento que fo i o do poder do Egito através do Mar dos Juncos (Verm elho).

O texto hebraico do v . 27 é complicado e difícil. Seguimos a RSV, que é simples e clara, e dá o sentido.

^ ' V > jugo das faces de azeite não tem signifi-V v •• * •

cação, e nem por causa da gordura ou unção.

5. A Aproximação do Invasor, 10:28-32

28. Êle vem chegando a A iate;vai passando por Migrom, e em M icm ás lança a sua bagagem .

29. Passam o desfiladeiro,a lo jam -se em Geba,

Rama trem e,Gibeá de Saul foge.

30. Levanta a tua voz, ó filha de Galim !Ouve, ó Laís!Responde-lhe, ó A natote!

31. Madmena va i-se fugindo,os m oradores de Gebim fogem para salvar-se.

32. Neste mesmo dia êle parará em N obe;agitará o punho ao monte da filha de Sião, o outeiro de Jerusalém.

Muitas versões modernas, buscando uma introdu­ção apropriada do v . 28, seguem Duhm, na tradução da

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última parte do v . 27, “ Êle sobe de Penê R im om .” Mas isto exige uma mudança completa do texto, com a exceção da palavra sobe, Esta pequena poesia des-

T T

creve, em linguagem emocional e expressiva, a invasão da Palestina pelo exército da Assíria. Apresenta um re­trato imaginativo do assalto contra Judá, e especialmen­te contra a cidade de Jerusalém. Não é a continuação do assunto dos versos 24-27, mas antes de 5-11, correndo paralelo com 5:26-30. Os verbos são perfeitos proféticos, e são mais bem traduzidos pelo presente. Esta é clara­mente uma predição da marcha de Senaqueribe contra Jerusalém, e não a descrição do evento que já havia ocor­rido. Não é uma descrição exata do caminho pelo qual o exército chegou à Jerusalém, pois Senaqueribe veio da Filístia, ao sudoeste de Jerusalém. É um exemplo da profecia de eventos futuros. O mensageiro do Senhor pode entender o significado de eventos futuros, sem com ­preender necessàriamente os pormenores de tais eventos.

O profeta descreve gràficamente o progresso da in­vasão, desde Aiate até o outeiro de Jerusalém. Êle ex­plica especialmente o terror e a lamentação dos habitan­tes que fugiram diante dos invasores, quando os assírios se aproximavam. Apresenta-se aqui o contraste entre o orgulho e a arrogância de Senaqueribe, na sua marcha pomposa, com a certeza de vitória, com a certeza de que o Senhor dos Exércitos esmagaria os blasfemadores.

Nem todos os lugares mencionados nesta secção po­dem ser identificados hoje. Aiate talvez seja a antiga ci­dade de Ai, três ou quatro quilômetros ao noroeste de Micmás (Ver Arqueologia Bíblica do autor, p . 192). Mi- grom, entre Aiate e Micmás, não pode ser identificado com certeza. Micmás, Mucmás de hoje, é bem conheci­do como o lugar da grande aventura de Jônatas (I Sam. 14). Ver a Arqueologia do autor, p. 260. Geba, Ramá

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e Gibeá ficam mais perto de Jerusalém. 0 lugar de Laís é desconhecido. Anatote, perto de Jerusalém, é o lugar do nascimento do profeta Jeremias. Madmena não é mencionado em qualquer outro lugar. Nobe, uma cida­de de Benjamim, perto de Jerusalém, é mencionada em Neem. 11:32 e I Sam. 21:1-6.

Os versos 30 a 32 descrevem o terror dos habitantes destes lugares, no caminho da marcha de Senaqueribe. Levanta a tua voz com gritos altos, ó filha de Galim! Ouve, ó Laís. Êstes lugares são desconhecidos. Madmena dispersa, e os moradores fogem, com a esperança de salvar-se.

6. A Humilhação dos Invasores Orgulhosos, 10:33-34

33. Mas eis que o Senhor Javé dos Exércitosestá cortando os ramos com poder terríve l;

e aqueles de grande aitura serão derribados, e os altivos serão abatidos.

34. C ortará com o ferro as brenhas da floresta,e o Líbano, com as suas árvores majestosas, cairá.

Mas eis que o Senhor. Depois de descrever a marcha dos assírios contra Jerusalém, com a sua barbaridade e insolência, o profeta apresenta, nos versos 33 e 34, um retrato da humilhação do seu poderoso exército, e expli­ca o livramento miraculoso da cidade de Jerusalém. En­quanto o profeta dá ênfase aqui ao propósito do Senhor no cancelamento da incumbência da Assíria, e no castigo dos seus terríveis pecados, êle explica em vários outros lugares o grande significado da salvação de Jerusalém do poder do exército de Senaqueribe. Nem se fala aqui em apenas o restante fiel, pois outros habitantes da cidade foram salvos juntamente com aquêles que haviam de cumprir a missão do povo escolhido, de acôrdo com o eterno propósito do Senhor Javé dos Exércitos.

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B. O Reino Pacífico e Justo do Messias, 11:1-16

Esta profecia messiânica harmoniza perfeitamente com 7:14 e 9:2-7. A primeira passagem fala do nascimen­to do Menino Emanu El. A segunda descreve os atribur tos e o govêrno do Menino Nascido. Os primeiros nove versos do capítulo 11 tratam do advento e do reino do Messias. Do tronco de Jessé levantar-se-á o rei perfei­to. Êle governará com justiça, eqüidade e misericórdia, e haverá no seu govêrno, com as bênçãos do Senhor, uma maravilhosa transformação da ordem moral. Um nú­mero crescente dos teólogos modernos reconhece que esta passagem messiânica fo i escrita pelo profeta Isaías, no período da infidelidade e idolatria de uma grande parte do povo de Judá.

Os críticos se contradizem na interpretação das pas­sagens messiânicas dêsse grande profeta. Todavia, é sig­nificativo que quase todos êles já abandonaram os seus argumentos baseados na diferença do estilo literário e da linguagem destas passagens messiânicas de Isaías.

Um fraco argumento, representado pela The Inter­preter’s Bible, in loco, é que todos os reis eram ungidos do Senhor, e todos êles, quando ungidos e entronizados, despertavam novas esperanças de govêrno ideal, ou do princípio do reino messiânico. Ver a nossa crítica desta explicação na exegese de 9:2-7.

Um argumento contra a autoria isaiânica desta pas­sagem, e contra a sua interpretação messiânica, baseia- se na palavra tronco, . Insistem em que esta palavrasignifica que o reino da dinastia de Davi já havia termi­nado. Portanto, esta passagem foi escrita no período de­pois da queda do Reino de Judá em 586, e proclamada depois desta data. Os profetas sempre reconheceram que o reino messiânico seria estabelecido no futuro, mas nun­ca especificaram o tempo exato do advento do Messias.

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É difícil determinar a data exata dêste oráculo do profeta. A afinidade com 9:2-7 sugere que talvez fôsse proclamado no reino de Acaz. O conceito do Rei Mes­siânico é característico do pensamento de Isaías através de todo o seu ministério profético.

1. O Rebento de Jessé, 11:1-91. Do -tronco de Jessé sairá um rebendo,

e das suas raízes um renâvo.2. E repousará sôbre Sle o Espírito do Senhor,

o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e do tem or do Senhor.

3. E o seu deleite será no tem or do Senhor.E não ju lgará segundo a vista dos seus olhos,

nem decidirá segundo o o u vir dos seus ouvidos.

A figura do primeiro verso corresponde ao pensa­mento de 6:13. Uma nova nação surgirá do reino deca­dente de Judá, e o Rei Messiânico se levantará da famí­lia de Davi. Pode haver nesta imagem um contraste com o verso 34 do cap. 10. Enquanto a floresta da Assíria, com as suas árvores majestosas, será cortada, o tronco da dinastia da casa real de Judá brotará e florescerá.

Interessante é a comparação desta passagem com 9: 2-7, não que haja qualquer diferença nas descrições da Pessoa do Messias e da Idade Messiânica. Na primeira o profeta fala da grande luz que resplandecerá e despertará a alegria universal do povo, e no fim fala do Menino Ma­ravilhoso que nascerá para subir ao trono. Nesta passa­gem o Messias se apresenta, com os seus grandes atribu­tos, e se descreve então o seu reino de justiça, eqüidade e misericórdia.

O Espírito de Javé repousará s,ôbre êle. Alguns pen­sam que o profeta se refere aqui ao Espírito Santo, mas a doutrina do Espírito Santo se apresenta e se desenvolve em relação com a Pessoa de Jesus Cristo em o Nôvo Tes­

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A PROFECIA DE 1SATAS 207

tamento (João 14:16, 26; 16:13-15). O Espírito do Senhor significa energia, vitalidade ou a fôrça da vida. As Es­crituras falam freqüentemente sôbre o efeito da operação do Espírito do Senhor na vida do homem, no aumento do seu poder (Êx. 31:3; 35:31), coragem (Juí. 6:34; 11:29; 13:25), sabedoria (Gên. 41:38), poder profético (Is. 6:6- 13; 61:11; Jer. 1:8-10).

Neste versículo 2, o profeta fala dos podêres sobre­naturais do Espírito do Senhor na vida e na obra do Mes­sias. Os seus dons da graça divina, ou carismata, apre­sentam-se em três pares que descrevem ou analisam o prisma do “ Espírito do Senhor” . Assim, os podêres ou virtudes do Ungido do Senhor são intelectuais, práticos e espirituais.

A sabedoria e o entendimento, ou discernimento, são qualificações fundamentais do juiz ou do governador (Deut. 1:13; I Reis 3:12); Cp. 9:6. A sabedoria é o poder de olhar além da aparência das cousas, ver a realidade, e atentar às cousas “ que se não vêem” (II Cor. 4 :18). O Espírito de sabedoria é freqüentemente atribuído a Jesus em o Nôvo Testamento (I Cor. 1:30; E f. 1:17; Col. 2 :3 ). O têrmo n T 3 > entendimento ou discernimento, significa o

T

poder de perceber, distinguir e explicar.O Espírito de conselho, PTOJJ, é o dom de form ar as

T **

resoluções apropriadas para conseguir a retidão e a justi­ça. É também a qualificação de instruir publicamente. Em 9:6 o Messias é o Maravilhoso Conselheiro. A for- ‘BzapjjFprDJl» é o vigor , a energia e o' poder de pôr em

T *

execução as resoluções do éspírito.O Espírito de conhecimento e do temor do Senhor.

O conhecimento do Senhor é aquêle que nasce da comu­nhão do amor com Deus. É o conhecimento da santida­

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Â. R. C R A B TR E Ê

de, da justiça e do amor de Deus, bem como a experiên­cia da providência, ou do cuidado divino na vida. O te­m or do Senhor é o têrmo que descreve a piedade dos ho­mens justos do Velho Testamento. O conceito da religião do Velho Testamento é o conhecimento e o temor de Deus. Consultem-se as seguintes passagens sôbre o co­nhecimento e o temor do Senhor, Mat. 11:27; João 1:18;I João 5:20; Jó 28:28; Sal. 19:9; 111:10; Prov. 1:7; 3:13.

O seu deleite será no temor do Senhor, ou Um per­fume doce para êle é o temor de Javé. O têrmo ÍT insignifica cheirar com deleite. Mas há dúvidas sôbre o texto. A Septuaginta diz: Enchê-lo-á o espírito do temor de Deus. A Siríaca: Êlle será resplendente no temor do Senhor. Possuindo todos os atributos pessoais, e tôdas as qualificações necessárias para o cumprimento da sua nobre missão, o Rei Ideal governará o seu povo com eqüidade, justiça e amor. Em perfeita harmonia espiri­tual com o Senhor, êle se regozijará na observação do te­mor do Senhor da parte dos seus súditos.

4. Mas ju lga rá com justiça os pobres,e decidirá com eqüidade a, favo r dos mansos da te rra ;

e ferirá a terra com a va ra de sua bôca,e com o sôpro dos seus lábios m atará o perverso.

5. A justiça será o cinto dos seus lombos,e a fidelidade o cinto dos seus rins.

Não julgará segundo a vista dos seus olhos. Nãodependerá da evidência dos sentidos físicos, nem da vista dos olhos, nem 'do ouvir dos ouvidos. Êle saberá discer­nir diretamente a condição moral do espírito dos homens, e não ficará enganado pelas protestações de fidelidade e justiça da parte dos infiéis. O temor de Dèus é uma oferta constante de adoração, e a obediência ao Senhor enriquece a vida com as bênçãos deDeus .

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A PROFECIA DE I8AIAS 209

Nota-se uma certa correspondência entre as quali­dades mencionadas no v. 2 e os característicos do govêr- no do rei. Julgará com justiça, » os pobres. Estapalavra justiça é um dos têrmos de profundo sentido da revelação divina. No sentido absoluto a justiça é um dos atributos de Deus, e neste sentido pertence somente a èle. Mas quando o Senhor derrama o seu Espírito sô- bre os seus servos, êles entendem e amam a justiça divina, e procuram praticá-la nas suas relações so­ciais. Mas permanece, em certo sentido, uma luta en­tre o egoísmo e o amor à justiça, no espírito dos servos de Deus. No serviço aos pobres e nècessita- dos, a justiça floresce no amor, na compaixão e na pie­dade. Nos países orientais, e em várias nações moder­nas, os recursos materiais e as riquezas da terra estão fir­memente nas mãos dos ricos, enquanto que os indefesos sofrem. Nota-se que o profeta reconhece que até no rei­no ideal ainda haverá opressão, mas declara que tais ca­sos serão corrigidos sem demora a favor dos mansos da terra.

E ferirá a terra com a vara da sua bôca. A palavra terra, n « . talvez fôsse originalmente Y“$ > tirano ou

v V * T

opressor cruel, paralelo com o perverso, J?$") , com aT T

vara de sua bôca . . . com o sôpro dos seus lábios. A vara,da bôca, é instrumento de castigo, ou de punição

do iníquo (Prov. 10:13; 13:24). A vara é a ordem, o co­mando de punição, mas é sempre justa e imparcial. Á or­dem ou a sentença do .Messias leva. consigo o poder de cumprir-se a si mesma (Cp. Os. 6:5) . Assim, se fala da operação do “ espírito de fortaleza” e do efeito do “ Espí­rito de sabedoria” .

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O cinto dos lombos e o cinto dos rins. O cinto era artigo importante, usado para cingir a roupa folgada do homem oriental, especialmente quando estivesse em ati­vidade. Sempre simboliza figuradamente a ação resoluta e vigorosa. Aqui o cinto simboliza a justiça e a fidelida­de que descrevem ou caracterizam o govêrno do Messias (Cp. E f. 6 :14). As peças do vestuário usam-se freqüen­temente nas Escrituras como figuras das virtudes da ver­dadeira religião (Jó 29:14; Is. 61:10).

6. O lôbo habitará com o cordeiro,•e o leopardo se deitará com o cabrito;

o bezerro, o leão nSvo e o anim al cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará.

7. A vaca e a ursa serão companheiras,e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi.

8. A criança de peito brincará sôbre a toca da áspide,e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco.

9. Não se farão mal nem destruirãoem todo o meu santo monte,

pois a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o m ar.

Há várias interpretações desta passagem sôbre a har­monia perfeita entre as criaturas de Deus na futura Idade Messiânica. Os primeiros expositores cristãos, bem como Lutero, Calvino e outros, interpretaram simbolicamente êstes retratos dos animais. Os racionalistas explicaram- nos literalmente, mas como a representação de um lindo sonho, ou com o aspirações religiosas. Outros seguem o método alegórico, geralmente desacreditado, dizendo, por exemplo, que a mudança da natureza dos animais fero­zes significa a transformação espiritual na natureza brutal dos homens pelo poder da salvação cristã.

Êste notável poema que descreve a mudança da na­tureza dos animais braviós é imitado nos oráculos sibi-

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A PROFECIA DE ISAÍAS 211

linos. E um poeta árabe também fala da época vin­doura da justiça quando o lôbo faminto se tornará manso.

Não se deve interpretar alegòricamente a descrição, como se as feras fôssem apenas símbolos da natureza cruel dos homens. É urna apresentação poética da ver­dade verificada pela experiência da transformação da sociedade humana pelo poder de Deus, acompanhada pela restauração gradual da harmonia na criação divi­na (Cp. Rom . 8:1,9-22). A linguagem poética adapta- se melhor do que a prosa para descrever os sentimentos e as verdades da experiência religiosa. Os animais do­mésticos apresentam-se, nesta descrição, juntamente com os bravios, para ilustrar o pensamento principal do es­tabelecimento da paz entre o homem e os animais (Os. 2:18). Na terceira linha do v. 6, a versão grega diz “ o bezerro e o leão pastarão juntos” . Animal cevado,iOItt > talvez signifique amigos, .

• l .......

A vaca e a ursa serão companheiras, ou associar- se-ão, n r j n n n , em vez de rW JHfl , pastarão juntas.

T V T I * T V t «

O contraste mais notável nesta descrição é que o in­fante brincará com a serpente venenosa. Se o profeta está pensando na inimizade perpétua que resultou da primeira tentação, êste é o exemplo mais compreensivo da restauração do paraíso do Éden. A áspide, traduzida víbora nos Sal. 58:4 e 91:13, é uma espécie não identi­ficada. O basilisco geralmente se identifica com a mu- çurana do norte da África, mas esta serpente não existe mais na Palestina. A palavra toca é tradução duvidosa de “in • Alguns pensam que significa o brilho do ôlho

\

da serpente.Não se farão mal nem destruirão é a tradução cor­

reta do hebraico. É claro que são os animais que não

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farão mal, nem destruirão. Em todo o meu santo mon­te aqui significa não somente em Jerusalém, mas atra­vés de tôda a terra de Javé (Cp. Is. 14:25; 65:25).

Pois a terra se encherá do conhecimento do Senhor, na Idade Áurea do Messias. As multidões terão entendi­mento cada vez mais claro da santidade, da justiça e do amor do Senhor. Entenderão melhor os propósitos e os planos do Senhor, e ficarão dispostas a obedecer à sua vontade. Assim, irão servindo a Deus e cooperando com êle na extensão do seu reino no mundo (Cp. Mat. 9:35- 38; 28:18-20; Luc. 24:44-4(9 ) . Como as águas cobrem o mar, isto é, a terra no fundo do mar (Hab. 2 :14). O pro­feta está pensando no futuro quando a sua visão será realizada. A profecia já está cumprida em parte, e vai se cumprindo gradativamente nesta época missionária pela pregação do evangelho em quase tôdas as nações do mundo.

Onde êste Evangelho de Cristo é conhecido, amado e obedecido, o seu poder transforma a natureza pecami­nosa dos homens, e posteritírmente da sociedade. Vai subjugando as paixões dos homens, mudando os seus sentimentos e produzindo néles o espírito do amor fra­ternal. O ambiente cristão abranda a ferocidade nacio­nal e cultiva o desejo de estabelecer a paz entre as na­ções do mundo. Não obstante a influência do materia­lismo e do espírito egoísta da civilização moderna, o po­der de Cristo está operando no círculo da família, em tôdas as esferas da sociedade, e até nas relações inter­nacionais, de acôrdo com esta grande visão do mensa­geiro de Deus.

2. O Messias e a Nova Glória de Israel, 11:10-16

10. Naquele dia recorrerão as nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos; e o lugar do seu repouso será glorioso.

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11. Naquele dia o Senhor tornará a estender a mão para adquirir o restante do seu povo, que fôr deixado da A ssíria , do Egito, de Patros, de Etiópia, de Elã, de Sinear, de Ham ate e das terras do mar.

Esta seção segue logicamente os versos 1 a 9, mas alguns críticos pensam que seja composta de vários fragmentos, escritos depois do tempo de Isaías, e origi­nalmente separados, mas o assunto está em perfeita har­monia com os ensinos messiânicos de Isaías. O escritor trata da poderosa influência da verdadeira religião de Israel sôbre as nações do mundo, mas fala em particular da restauração do restante de Israel e Judá, e do seu ajuntamento na sua própria terra. A passagem é seme­lhante à de 2:2-4.

A significação da frase naquele dia é sempre indefi­nida, quanto ao tempo exato no futuro. A palavra dia em tais passagens significa uma época, ou um período indefinido de tempo, e não um dia de 24 horas. A res­tauração dos israelitas exilados é um tema predileto dos profetas, nos vários períodos da sua história (Os. 3:5, 11:11; Am . 9:12; Ob. 21; Miq. 5:4, 7:12; Joel 2:28-32; Sof. 2:4-11; Jer. 3:18, 31:8-9; Zac. 9:1-7, 9-10, 10:6-7; 10:10, 11). A Pessoa do Messias é a figura central dês- tes versículos 10 a 16 de Is. 11.

As palavras a raiz de Jessé chegaram a significar um título do Messias vindouro (Cp. 53:2; Apoc. 5 :5 ). A raiz,^*| W , sobreviveu a muito sofrimento, sempredespertando interesse e curiosidade a respeito da sua du­ração permanente. Esta Raiz está posta, ou melhor, vai ficando de pé, “ ü y , com o insígna ou estan­darte que desperta a esperança dos desterrados, e os atrai ao grande ajuntamento com o seu povo, ricamente aben­çoado pelo Senhor, na sua terra amada. Pois o lugar do seu repouso será glorioso.

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O verso 11 fala da restauração dos desterrados de Israel e Judá das várias terras onde ficaram espalhados. O Senhor estenderá a sua mão para adquirir ou possuir o seu povo. Não há dúvida nenhuma de que judeus de Israel e Judá foram espalhados nestes vários países men­cionados, no tempo de Isaías. Desde o tempo de Salomão, o Egito ofereceu asilo aos adversários políticos da Pa­lestina (Cp. I Reis 11:14-40). Os assírios deporta­ram muitos judeus , e os espalharam pelas terras do seu Império.

12. Levantará um a insignia para as nações,e a juntará os desterrados de Israel,

e recolherá os dispersos de Judá desde os quatro confins da terra.

13. A fa s ta r-s e -á a inveja de E fra im ,e os adversários de Judá serão elim inados;

Efra im não invejará a Judá ,e Judá não perseguirá a Efra im .

14. Antes cairão para sôbre os ombros dos filisteus ao Ocidanterjuntos despojarão os filhos do O riente;

contra Edom e Moabe lançarão as sua* mão*, e os amonitas lhes serão sujeitos.

Êstes versículos descrevem a vitória e a felicidade da vida dos homens que voltam do cativeiro para as ter­ras de Israel e Judá. Levantará uma insígnia para as nações. Alguns comentaristas pensam que a insígnia aqui significa o Messias, com o no versículo 10. Outros julgam que tenha o sentido de bandeira ou estandarte das várias companhias na volta para a sua terra (Cp. 49:22).

Ajuntará os desterrados de Israel, e recolherá asdispersas H15ÍS3 de Judá. Esta forma feminina chama

\ ■a atenção ao fato de que as mulheres dispersas voltaram com os homens, desde os confins da terra.

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A PROFECIA DE ISA1A8 215

Na Idade Messiânica não haverá mais hostilidade da parte de outros países contra Efraim e Judá. Restaura­dos do cativeiro, não haverá mais inveja entre Efraim e Judá. Deixarão de disputar entre si, e viverão juntos em paz e fraternidade (Cp. Os. 1:11; Ez. 37:15-19).

Neste quadro de restauração e paz, o v. 14 aparen­temente introduz uma nota discordante. Que significam estas declarações a respeito do Ocidente, do Oriente, de Edom e Moabe e dos amonitas? Alguns preferem a in­terpretação literal, e pensam que o profeta, até no pe­ríodo de paz, declara que Israel e Judá se vingarão dos inimigos, e os subjugarão à fôrça, segundo o método de Davi (Cp. I Sam. 11; 14:47; II Sam. 8:3-12). Outros, considerando o teor das profecias messiânicas do pro­feta Isaías, pensam que as declarações do v . 14 não sig­nificariam uma conquista motivada por vingança. Re­solve-se, portanto, a contradição aparente pelo fato de que êstes países vizinhos serão conquistados, não pela fôrça das armas, mas pelo poder espiritual de Israel e Judá, sob o govêrno do Messias.

15. O Senhor destruirá totalmente a língua do m ar do E g ito ;e moverá a mão sôbre o rio com o seu vento abrasador,

e, ferindo-o, d iv id i-lo -á em sete canais,de sorte que qualquer o atravessará de sandálias.

16. E haverá cam inho plano para o restante do seu povoque fôr deixado da Assiria,

como o houve para Israelno dia em que subiu da te rra do Egito .

Os primeiros dois países mencionados, da diáspora dos judeus, são a Assíria e o Egito. O Senhor Javé pro­mete preparar o caminho daqueles que regressarem des­tas terras. O Senhor destruirá completamente a língua do mar do Egito. Algumas versões antigas contêm

, secará, que cabe melhor no contexto do que• Vt V

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A. R.. C R A B TR E E

a n n n , destruirá totalmente. Há opiniões diferentes a• V I V

respeito da frase a língua do mar do Egito. Alguns di­zem que significa o Gôlfo de Suez. Outros pensam que se fala do Mar dos Papiros, ou do Rio Nilo. A palavra rio, na segunda linha, significa o Nilo, mas em quase to­dos os outros lugares o têrmo refere-se ao Eufrates. 0 sentido de vento abrasador é de difícil decifração no contexto, mas faz parte da figura que descreve o mar sêco. A linguagem do versículo é complicada e difícil, mas é claro que está falando do livramento miraculoso do povo de Deus do poder do Egito. Com o movimento da mão o Senhor dividirá o rio em sete canais, ou divi­sões, e o povo o atravessará com sandálias sêcas (Cp. Jos. 15:2, 5; 18:19; Zac. 10:11; Is. 10:32; 19:16).

Haverá caminho plano. Na volta do restante do povo do Senhor da Assíria, êles não encontrarão quais­quer obstruções ou dificuldades. O Senhor acompanha­rá o seu povo e subjugará os seus inimigos, e tudo será, para os que voltam da Assíria, como houve para Israel no livramento do poder do Egito.

A palavra restante usa-se em dois sentidos na pro­fecia de Isaías. Significa aqui, como no verso 11, os judeus dispersos através do mundo. Em outros lugares o têrmo significa o grupo limitado dos fiéis ao Senhor, entre os israelitas no período da infidelidade das múlti- dões. Êste emprêgo da palavra sempre se relaciona como Reino Messiânico do futuro. ,

A linguagem destes versos 10 a 16 concorda perfei­tamente com o estilo de Isaías. Os argumentos de al­guns críticos, contra a autoria isaiânica da passagem, ba­seiam-se na premissa falsa. de que o profeta não podia falar de eventos do futuro rem oto. Mas um dos elemen­tos da grandeza e da glória dos profetas do Velho Tes­tamento, qttè -bs distingue dos profetas antigos de outros

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A PROFECIA DE 1 SAÍ a s 217

países, é que êles tratam do progresso do reino eterno de Deus entre o seu povo. Nota-se, todavia, que são as verdades eternas do Reino de Deus, e não simplesmente os pormenores da história que interessam e preocupam os mensageiros do Senhor. A verdade ou cuiftprimento desta mensagem foi realizada, em parte, com a liberta­ção de Jerusalém do poder de Senaqueribe e, em parte, com a volta dos cativos da Assíria, do Egito e da Babilônia para a sua terra, a fim de cumprir a sua nobre missão. Mas ainda está sendo cumprido o ideal de Isaías no progresso do Reino de Cristo no mundo.

C. O Culto de Louvor pela Restauração de Israel, 12:1-6

1. Dirás naquele dia:Graças te dou, ó Senhor,

pois ainda que te iraste contra m im ,a tua ira se retirou, e tu me consolas.

2. E is que Deus é a m inha salvação;confiarei e não tem erei;

porque o Senhor Deus é a m inha fôrça e o meu cântico; êle se tornou a m inha salvação.

Êste capítulo 12 é uma conclusão poética da primei­ra grande divisão do livro de Isaías. Muitos críticos m o­dernos pensam que o cântico não foi escrito por Isaías. Dizem que as afinidades literárias do cântico com o de Moisés, e com os Salmos, não concordam com a profecia de Isaías. Argumentam também que a poesia reflete o período histórico depois do cativeiro babilónico. Não se pode negar a fôrça dêstes argumentos, mas não provam absolutamente que o estilo literário e o teor do pensa­mento da poesia negam a autoria isaiânica do cântico. É uma conclusão apropriada das mensagens dos primei­ros onze capítulos, e especialmente de 11:1-10. Expres­sa com fôrça e clareza a esperança do profeta de que

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Israel, apesar da sua infidelidade como nação, tem um grupo dos fiéis ao Santo de Israel que cumprirá a sua missão messiânica. O Senhor havia punido e disciplina­do o seu povo por causa dos seus pecados. Espalhados em lugares distantes da pátria, eles se arrependeram dos seus pecados, e o Senhor, no seu amor imutável, demons­tra que êle é o seu Deus e o seu Salvador.

O cântico apresenta-se em duas porções. Os versos1 a 3 expressam a gratidão individual, talvez da assem­bléia congregada no culto. Os versos 4 a 6, no plural, falam da gratidão ao Senhor, e da proclamação das suas grandes obras em tôda a terra. A introdução ao primei­ro e ao quarto versículos é semelhante à fórmula intro­dutória de 25:9 e 27:2.

Alguns pensam que êste cântico continua a visão de 10:5. Havendo falado do livramento de Jerusalém do poder do exército de Senaqueribe, e olhando para o fu ­turo, o profeta contemplava o reino messiânico, quan­do a nova redenção que êle ardentemente esperava se­ria celebrada com o nôvo cântico de louvor e gratidão ao Senhor (Cp. 42:10; Apoc. 5 :9 ).

Graças te dou. Os versos 1 a 3 descrevem a grati­dão do povo depois de um período de sofrimento por causa dos seus pecados, e da infidelidade para com o seu Deus. A ira de Deus aqui representa a opera-

**• T

ção da justiça divina na vida de Israel. Êste é o único lugar onde se encontra esta palavra nas profecias. Mas aqui, como sempre é o caso, a consolação toma o lugar da ira divina na condição de arrependimento. De fato, a ira do Senhor é simplesmente uma manifestação da sua justiça. Para uma nação, ou para uma pessoa, re­dimida pela graça divina, a sua gratidão e o seu louvOr ao Senhor é o reconhecimento, embora imperfeito, do amor imutável do seu Salvador.

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A P R O F E C I A D E I8A TA 8 21»

Eis que Deus é a minha salvação. Deus é o autor,a fonte, o poder da minha salvação. A salvação do povo não foi devida à intervenção de sacerdotes, nem ao sa­crifício de animais no altar do Senhor, nem a qualquer poder humano ou angélico, mas somente ao dom do amor de Deus (Os. 6:1-3; Jó 5 :18). Não temerei. Esta palavra"inS significa ter mêdo, trem er. Sendo' Deus a

- T

fôrça do seu povo, êste não terá mêdo do poder dos ini­migos no mundo. É outra palavra que indica o temor ou a reverência para com Deus.

O Senhor Deus é a tradução de Jav Javé, n i!T /T ,T

Jav é o têrmo poético que significa o Senhor, e geralmen­te não se encontra com Javé em outros lugares. Alguns pensam que se usam as duas palavras aqui e em 26:4 para dar ênfase ao fato de que Javé é o único Deus.

Expressam-se aqui uma alegria genuína e uma gra­tidão profunda pela misericórdia de Deus na disciplina e na redenção do seu povo escolhido. O Senhor não ti­nha rejeitado o seu povo, mas, na sua bondade, êle o preservou e lhe revelou o seu eterno propósito, como o seu Salvador.

3. E vôs com alegria tirarei* águas da* fonte* da salvafSo.

4. Direis naquele dia:Dai graças ao Senhor,

invocai o seu noirve; tornai eonhecidos os seu* feito* entre o* povo*,

proclam ai que é excelso o seu nome.

5. Cantai louvores ao Senhor, porque obrou glorio*am*nt*;saiba-se isto em tôda a terra.

6. E xulta « canta com alegria, 6 habitante de 8ião,porque grande é o Santo de Israel no m*io de tl.

O verso 3 contém uma promessa que liga os dois cânticos da poesia. Nos versos 3 a 6 o povo canta com

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alegria, tirando águas das fontes da salvação. A lingua­gem é figurada, mas o sentido é claro. É preciosa qual­quer fonte de água boa na Palestina, e nas Escrituras é o emblema daquilo que sustenta, refresca e produz ale­gria no espírito do homem sequioso e cansado. Assim, o povo vai se regozijando com as fontes da graça reden­tora que o Senhor, na sua misericórdia, lhe oferece.

Dai graças ao Senhor. Êste é um hino de profun­da gratidão a Deus, pelas suas grandes obras, e de lou­vor ao seu excelso nome. A palavra invocai usa-se aqui no sentido de pedir o auxílio de Deus na proclamação da sua grandeza. Delitzsch e outros traduzem a pala­vra por proclamai. Fazei conhecidas as obras de Deus entre os povos, todos os grandes eventos históricos efe­tuados ou conseguidos como resultado da sua providên­cia ativa na vida do povo da sua escolha.

Cantai ao Senhor (Cp. Êx. 15:21), louvai o seu nome porque êle operou gloriosamente, não somente na história do seu povo, mas também nos eventos históri­cos das outras nações do mundo. Êle é o Governador de tôda a história humana, e o poeta pede que tudo isto seja proclamado em tôda a terra.

Exulta e canta em voz alta '’S 'H ou celebraicom júbilo, ó habitante de Sião (Cp. Lev. 9:24; Jó 38:7; Sal. 33:1; 51:15). Grande é o Santo de Israel no meio de ti.

Êste é um hino triunfante de redenção, e expressa apropriadamente a gratidão e o louvor de todos os re­midos do Senhor.

V. O Julgamento de Reinos e de Povos, 13:1-23:18

Encontra-se nestes capítulos uma série de profe­cias contra várias nações: Babilônia, Filístia, Moabe,

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Damasco, Etiópia e o Egito. Há também algumas bre­ves passagens sôbre outros assuntos. 0 título usado em 13:1, com o nome de Isaías, indica que esta seção foi a primeira parte de uma coleção de passagens que vieram principalmente da mão de Isaías. Em Jeremias 46-51, e Ezequiel 25-32, há também profecias contra nações cuja história se relacionava com as vicissitudes do povo de Israel.

A. O Destino da Babilônia, 13:1-22

Na última parte do seu ministério profético, Isaías ficou perturbado com a embaixada que o rei da Babi­lônia enviou ao rei Ezequias, com presentes e protestos de amizade, II Reis 20:12-1,9; Is. 39:1-8. 0 profeta tiiiha demonstrado a sua superioridade como estadista nas suas relações com os reis Acaz e Ezequias, e tinha observado o crescimento rápido da província da Babilônia, no pe­ríodo do declínio do Império Assírio. Dizem alguns co­mentaristas modernos que Isaías não escreveu, nem po­dia ter escrito qualquer parte dêsse capítulo 13. e afir­mam dogmàticamente que esta profecia se originou no período do cativeiro, depois de 586 a. C. Mas, lendo com cuidado o capítulo, não se nota quaisquer indicações cer­tas do ambiente histórico do período do cativeiro nos versos 2 a 16.

Também não há nada no estilo literário, nem no ambiente histórico que negue a autoria isaiânica dos ver­sos 2-16 dêste capítulo. Se o primeiro verso é propria­mente reconhecido com a introdução dêsse conjunto de profecias, e não meramente dêsse capítulo, não há qual­quer referência nos versos 2-16 a Babilônia. Nos versos 5 â 11 O julgamento divino alcançará tôda a terra (Cp. 18:3). O profeta descreve, em têrmos pitorescos, o jul­gamento terrível que cairá sôbre as nações da terra no grande dia do Senhor que está perto.

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A descrição das convulsões da natureza aparece fre­qüentemente, mais tarde, em várias profecias, mas é claro de Amós 8:9 que êste característico de julgamen­to divino era bem conhecido no tempo de Isaías. Não há qualquer argumento definitivo nos versos 2 a 16 para provar que o profeta Isaías não escreveu esta profecia.

1. O oráculo concernente a Babilônia, que viu Isaías, filho deAmoz.

2. Alçai um sinal sôbre o monte escalvado,levantai a voz para êles;

acenai-lhes com a mão, para que entrem pelas portas dos nobres,

3. Eu mesmo dei ordens aos meus consagrados,chamei os meus valentes para executarem a minha irai os meus exultantes orgulhosos.

Êste capitulo 13 é o princípio de uma nova divisão do livro de Isaías. Apresenta-se nos primeiros doze ca­pítulos uma série de profecias concernentes aos judeus, o povo escolhido. Esta segunda divisão consta de pro­fecias sôbre nações que se relacionavam com a história e as vicissitudes do povo de Israel. Alguns pensam que o título original não citava a Babilônia, e que Isaías era mencionado como o autor desta coleção de profecias.

Esta palavra é traduzida pêso, carga, sen-T —

tença, declaração, oráculo, profecia (Cp. II Crôn. 17:11; Is. 19:1; 21:11, 13; 22:1; 23:1; 30:6; Jer. 23:33, 34, 38; Neem. 1:1; Zac. 1:1; 12:1; Mal. 1 :1 ). Em tôdas estas passagens o lêrmo expressa pensamentos ou sentimentos solenes com referência à ira ou à calamidade que entris­tece o espirito do escritor. O oráculo concernente a Ba­bilônia é a chamada dos valentes do Senhor para exe­cutarem a sua ira contra esta nação.

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A P R O F E C I A D E I8AIAS 223

Esta é uma linda poesia, no estilo literário de destre­za e poder, com figuras e têrmos cintilantes e caracte­rísticos do profeta. Alçai um sinal, uma insígnia ou ban­deira, em lugar bem visível, no monte escalvado. Levan­tai a voz para êles; acenai-lhes com a m ão. Assim, o Senhor Javé faz a chamada às suas hostes para se reu­nirem e estarem preparadas para os grandes eventos iminentes. Chama os seus consagrados, os seus valen­tes, os que exultam com a majestade divina. A guerra é contra os inimigos do Senhor, e será dirigida com de­dicação religiosa pelos consagrados ou separados para esta missão (Cp. I Sam. 13:9; .Ter. 22:7; 51:28; Joel 3 :9 ).

Os meus exultantes orgulhosos. Êles ficam encan­tados com a vitória e se regozijam no seu orgulho (Cp. Sof. 3 :11). A palavra , exultante ou jubilante éusada freqüentemente por Isaías (22:2; 23:7; 24:8; 32:13).

4. Eis um tumulto nas montanhascomo o de muito povol

Eis o clamor de reinos, de nações congregadas!

O Senhor dos Exércitos passa em revista as tropas da guerra.

5. Vêm de uma terra distante,desde a extremidade dos céus,

o Senhor e os instrumentos da sua indignação, para destruir tôda a terra.

6. Uivai, pois está perto o dia do Senhor;vem do Todo-poderoso como assolação!

7. Pelo que tôdas as mãos se tornarão frouxas,« o coração de todos os homens se derreterá,

8. e ficarão assombrados.Apoderar-se-ão dêles dores e ais,

e se angustiarão como a mulher parturiente.Olharão atônitos uns para os outros;

os seus rostos se tornarão rostos flamejante*.

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A . R. C R A B T R E E

Os versos 4 a 5 descrevem gràficamente o ajunta­mento dos povos para a guerra. Ouve-se de longe o es­trondo das tropas que se congregam para a batalha. Esta grande multidão vem de longe, desde a extremida­de dos céus, e se ajunta ao redor do estandarte alçado no monte. As hostes do Senhor se compõem de reinos e nações congregadas. É o Senhor quem põe em ordem militar estas tropas que ardentemente desejam entrar no conflito para destruir tôda a terra. É o dia do Se­nhor.

A terceira estrofe, 6 a 8, descreve o desânimo e a angústia, a dor e o terror da destruição. Esta grande as­solação dos iníquos vem da mão do Todo-poderoso, Vílt$IÜ. Tôdas as mãos se tornarão frouxas. Ficarãoaterrorizados, sem coragem, sem esperança, e sem qual­quer fôrça de resistir ao poder das tropas do Senhor. O coração de todos os homens se derreterá, e assim não terão a fôrça de vontade para reagir. Abatidos e angus­tiados, êles sofrerão as dores terríveis da mulher par­turiente. Na ansiedade e miséria, êles olharão, em de- sespêro, uns para os outros. Rostos pálidos normalmen­te indicam mêdo e apreensão, mas aqui os rostos flame­jantes indicam a vergonha e a desonra.

Do ponto de vista da Bíblia, Deus é o guia da his­tória humana, e, neste sentido, o autor da guerra, mas o homem é sempre responsável pela iniqüidade que, na sua livre vontade, pratica contra a justiça divina.

9. Eis que o dia do Senhor vem,cruel, com ira e ardente furor,

para pôr a terra em assolação,e dela destruir os seus pecadores.

10. Porque as estréias dos céus e as suas constelações não darão a sua luz;

o sol logo ao nascer se escurecerá,e a lua não fará resplandecer a sua luz.

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A PROFECIA DE ISAÍAS 225

11. Castigarei o m u n d o por causa da sua maidade,

e os perversos por causa da sua. iniqüidade; farei cessar a arrogância dos atrevidos,

e abaterei a soberba dos tiranos.

12. Farei que os h o m e n s sejam mais escassos do que o ouro puro,mais raros do que o ouro de Ofir.

Esta estrofe, 9 a 12, descreve a desolação da terra, e o castigo do orgulho e da iniqüidade dos homens no dia do Senhor. Êste versículo indica que o profeta não está falando, se não indiretamente da Babilónia, neste capí­tulo. O dia de Javé vem como dia amargamente cruel. Ü profeta está falando claramente de uma calamidade na história das nações. Alguns intérpretes insistem em que o profeta Isaías não podia ter escrito êste capítulo, por­que se refere ao cativeiro babilónico. O teor do capítulo, e especialmente a frase o dia do Senhor, não concorda com essa interpretação. Por isso, querem eliminar, sem justificação, a palavra Dl*1, o dia de, e ler: o Senhor vem, cruel, com furor e ira ardente. Mas a palavra cer­tamente não significa, ou não quer dizer que Deus é cruel. É o dia de o Senhor, o dia da justiça de Deus que é sempre cruel para os criminosos e os rebeldes contra a justiça divina. É verdade que o furor ardente e a ira expressam indignação intensa que devastará a terra, e destruirá os seus pecadores.

O verso 10 fala das convulsões das fôrças da natu­reza física. Se não se deve interpretar literalmente êste verso, não se pode negar o fato de que o profeta repre­senta o envolvimento das fôrças da natureza física no julgamento dos podêres do mal (Cp. Is. 34:4; Ez. 32:7, 8; Joel 2:10; 3:15, 16; Am . 8:9; Apoc. 6:12-14). Tôda a criação é uma obra coordenada, e as atividades e os trabalhos do Senhor na terra relacionam-se, ou fi­cam em perfeita harmonia, com o universo de Deus. A palavra constelações talvez se refira ao órion .

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0 Senhor castigará a arrogância, a perversidade das nações e humilhará a soberba dos violentos e tiranos cruéis. Não se pode determinar o local de Ofir.

13. Portanto, farei estremecer os céus;e a terra será sacudida do seu lugar,

Por causa da ira do Senhor dos Exércitos, e o dia do seu ardente furor.

14. E c o m o gazela que é perseguida,

ou o rebanho que n i n g u é m recolhe; cada u m voltará para o seu povo,

e cada u m fugirá para a sua terra.

15. Q u e m fôr achado será traspassado;

e q u e m fôr apa n h a d o cairá à espada.

16. E suas crianças serão despedaçadasperante os seus olhos;

as suas casas serão saqueadas, e suas mulheres violadas.

Êstes versos descrevem as conseqüências terríveis da ira divina no dia do Senhor. Deus fará estremecer os céus e sacudirá a terra do seu lugar. Esta lingua­gem não é simplesmente figurada, e nem absolutamente literal. É linguagem poética e poderosa, característica do profeta Isaías, na exposição da ira do Senhor dos Exércitos contra as fôrças do mal que lutam contra a operação da justiça divina no universo. Tais represen­tações do dia do Senhor apresentam-se freqüentemente nas Escrituras, e se aplicam não somente a Israel e Judá, mas a todos os povos do mundo (Is. 18:3; 30-32; Am. 8:9; Sof. 1:14-18; Hab. 3:6, 10). Êstes versículos des­crevem, em linguagem sublime, os efeitos da ira de Deus na vida de povos e nações. A própria terra ficará espan­tada com a manifestação da ira do Senhor, e os povos aterrorizados fugirão para a sua terra.

A linguagem poética não é sempre lógica. É claro,pois, que alguns dos pais viram as suas crianças despe-

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daçadas, as suas casas saqueadas e as suas mulheres violadas perante os seus olhos, antes de serem traspas­sados, e antes de caírem à espada. Quem fôr achado,

> será traspassado, e quem fôr apanhado, nSD3ncairá à espada. Os injustos não podem fugir ou evitar o seu terrível destino. Não aceitam qualquer sen­tido de responsabilidade pela ruína (Naurn. 28), e sem qualquer sentimento' de simpatia para com os sofrimen­tos de outros, êles fogem como gazela perseguida.

Não obstante o primeiro versículo, esta seção 2 a 16 não trata especificamente, nem particularmente, da Ba­bilônia, mas trata dos resul lados gerais do dia do Senhor. Portanto, não há qualquer argumento definitivo para negar que êstes versículos fôssem escritos pelo profeta Isaías.

17. Eis que estou despertando contra êles os medos,

que não f azem caso de prata,

n e m t a m p o u c o desejam ouro. I

18. O s seus arcos matarão os jovens;não se compadecerão do fruto do ventre;

os seus olhos não t ê m compaixão das crianças.

19. E Babilônia, glória dos reinos,esplendor e orgulho dos caldeus,

será c o m o S o d o m a e Gomorra, q u ando D e u s as transtornou.

20. N u n c a e jamais será habitada,ni n g u é m m orará nela de geração e m geração;

o árabe não a r m a r á ali a sua tenda,n e m t a m p o u c o os pastores farão ali deitar os seus rebanhos.

21. P o r é m ali repousarão as feras do deserto,

e as suas casas se encherão de animais uivantes; ali habitarão as avestruzes,

e os sátiros pularão ali. ! ,

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22. Uivarão Hienas nos seus castelos,

e chacais nos seus palácios de prazer; está prestes a chegar o seu tempo,

e os seus dias não se prolongarão.

Os versos 17 a 22 falam especificamente da destrui* ção da Babilônia. Quase todos os estudantes modernos da profecia têm certeza de que os profetas do Yelho Testamento proferiram, ou apresentaram, as suas men­sagens proféticas diretamente aos seus contemporâneos. De acôrdo com este critério, a mensagem dos versos 17 a 22 foi dirigida aos judeus no cativeiro babilônio, entre 586 e 539, por um mensageiro do Senhor daquela épo­ca, influenciado notavelmente pelo grande profeta Isaías. Embora os profetas falassem diretamente ao povo do seu tempo, as verdades eternas das suas profecias tinham va- Jor não somente para os seus contemporâneos, mas tam­bém para tôdas as gerações do futuro.

O reconhecimento de que algumas passagens no livro de Isaías não foram escritas por êle, certamente não sig­nifica que tais mensagens não tenham valor. Em verdade tôdas as profecias ficam mais claras e têm mais valor quando são reconhecidas as circunstâncias históricas do mensageiro e da sua mensagem.

Esta seção, 17 a 22, conta a história da destruição da Babilônia pelos medos. Êste povo ficou sujeito, por mui­tos anos, ao Império Assírio. Os medos, ’Hfà , eram alia-

~ T

dos dos caldeus, ou neo-babilônios, até o fim do reino de Nabucodonosor, em 561. Êles revoltaram-se contra a Assíria, e ganharam a sua independência na batalha de Assur, em 614. Sob a direção militar de Ciáxares, cap­turaram a grande cidade de Nínive, a cidade capital, e o orgulho dos assírios, no ano de 612. Os medos domina­ram a pequena nação persa até 549, quando Ciro, o Gran-

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de, se estabeleceu com o imperador dos medos e persas. Ciro, um dos grandes estadistas da antigüidade, subjugou o Império Babilônio em 539, e permitiu que os judeus ca­tivos voltassem da Babilônia para a sua terra (Cp. Esd. 1:1-2:70).

Eis que estou despertando contra ,êles os medos. Nãosão mencionados aqui os persas. Foram os medos, em cooperação com os persas, que puseram fim ao Império Babilônio. Os persas são mencionados pela primeira vez nas profecias de Ezequiel e Daniel. É provável que o têrmo madai seja usado aqui no sentido de povo ira­niano . A declaração de que os medos não fazem caso de prata e ouro provàvelmente indica que foram animados por motivos mais altos do que o amor aos despojos de guerra. É fato, estabelecido pela História, que o nobre estadista Ciro foi um homem humanitário, que se dirigia pelo espírito da justiça.

O texto do v. 18 é de difícil interpretação, e talvez não represente exatamente a linguagem original, mas a primeira declaração, Os seus arcos matarão os jovens, é clara, e menciona as armas antigas de guerra. O fruto do ventre é paralelo a crianças. O tratamento cruel das crianças (II Reis 8:12; 15:16) representa o espírito desu­mano de vingança, especialmente no tempo da guerra.

Babilônia, glória dos reinos, esplendor dos caldeus.Há várias declarações na Bíblia sôbre a grandeza da Ba­bilônia, a capital e o ornamento de muitas nações: “ a grande Babilônia” (Dan. 4:30); “ senhora de reinos” (Is. 47:5); “ rico de tesouros” (Jer. 51:13); “ a glória de tôda a terra” (Jer. 51:41) . Como a capital do império poderoso, a cidade da Babilônia era o ornamento e a glória dos cal­deus, a cidade mais famosa do mundo antigo. Mas com tôda a sua grandeza e esplendor, a cidade será completa­

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mente destruída como foram aniquiladas Sodoma e Go- morra. É estudo interessante êste da história da destrui­ção da Babilônia, que não concorda com os fatos, nos por­menores, mas descreve maravilhosamente os resultados da destruição. A Crônica de Nabonido e o Cilindro de Ciro concordam com a história da entrada do conquista­dor na Babilônia, sem batalha ou conflito (Ver Arqueo­logia Bíblica do autor, p. 282 e s e g .) .

Ciro tomou a Babilônia de surpresa, preservou a sua magnificência, e legou a cidade, com o seu esplendor e poder, ao seu sucessor Dario. Depois da morte de Ciro, a Babilônia revoltou-se contra o governo de Dario, desa­fiando o poder do Império Persa. O historiador Heródo- to, 111:153-160, conta em linguagem gráfica a história da revolta, e a conquista da cidade pelo exército da Pérsia. Dario destruiu os grandes muros da cidade, e segundo Heródoto, crucificou 3.000 dos mais nobi’es dos habitan­tes. Xerxes, o sucessor de Dario, destruiu os templos da cidade. A Babilônia foi capturada pela terceira vez por Alexandre, o Grande. Por outras conquistas subseqüen­tes, e várias influências prejudiciais, a cidade ia se decli­nando gradualmente até que se tornou um deserto, sem habitantes, e onde repousavam apenas as feras, justamente de acôrdo com as descrições nos versículos 19 a 22.

Nunca e jamais será habitada. Por muitos séculos o lugar permaneceu como um montão de ruínas para a es­cavação e o estudo de arqueólogos. Segundo os versículos 20 a 22 a Babilônia será uma desolação perpétua depois da sua destruição. O árabe não armará ali a sua tenda. A palavra árabe significava originalmente um habitante do deserto, mas adquiriu finalmente o sentido de um nome próprio (Ver Jer. 25:24; II Crôn. 9:14). Os pastores não entrarão no lugar, e nem deixarão os seus rebanhos re­pousarem ali.

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Há várias palavras de difícil interpretação nestes ver­sículos. As feras EP^do deserto. Esta palavra, da raiz

, secura, aridez, significa feras que vivem em lugaressecos e desoladtís (Cp. 23:18; 34:14; Jer. 50:39). Ani­mais uívantes ou horríveis, DTI' K • A palavra significaum animal que solta gritos agudos, mas o sentido exato da palavra é incerto. Os sátiros Q''“P}?Í£? pularão. O sá­tiro é geralmente representado como semideus, homem com pés e pernas de bode. A palavra , uivadores,talvez signifique aqui hienas. A palavra é traduzida por ilha® ou terras do mar em 11:11; 41:1. O têrmo O^ri étraduzido por chacais em Jó 30:29; Sal. 44:19; Miq. 1:8; Mal. 1:3. Chacais uivarão nos seus palácios. Mas é usa­do também para designar um grande peixe, um monstro marinho, dragão, serpente (Gên. 1:21; Jó 7:12; Ez. 32:2; Deut. 32:33; Neem. 2 :13).

Assim, êstes versículos apresentam uma descrição gráfica das ruínas da cidade mais resplandecente da anti­güidade .

B. Á Queda do Tirano das Nações, 14:1-23

Levanta-se logo no princípio da discussão dêste as­sunto a questão do autor. Muitos estudantes modernos reconhecem, sem dificuldade, o estilo do grande poeta Isaías no hino fúnebre dos versos 4b a 21. Segundo esta opinião, a introdução, versos 1 a 4a, foi escrita no período do cativeiro, muitos anos depois da própria elegia. Fora da introdução, com a menção de Babilônia, não há nada na poesia que justifique a negação da autoria isaiânica

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desta magnífica obra literária, uma das poesias mais no­táveis do Velho Testamento. É provável que Isaías tenha escrito a elegia para celebrar a morte de Senaqueribe, e que o redator, no período do cativeiro, escreveu a intro­dução, e atribuiu o hino fúnebre a um dos reis da Babilô­nia, talvez Nabucodonosor. Mas não há prova definitiva desta opinião.

Alguns pensam que o autor personificou o Império Babilónico, mas os pormenores da poesia, especialmente nos versos 12 a 15, indicam claramente que o autor está falando da morte de uma pessoa.

A poesia é denominada um mashal • Esta pa-T T

lavra se usa no sentido de comparação, parábola, provér­bio ou motete. Esta poesia é elegia irônica, com o tom de sarcasmo zombador, tipo de literatura mais usada no período do cativeiro. O profeta fala da queda do déspota como se já houvesse acontecido. Os elementos mitológi­cos na elegia são característicos da poesia hebraica na ex­posição das verdades essenciais que o homem precisa en­frentar na vida e na morte.

Há três divisões da poesia. A primeira, 4b a 8, cele­bra com ironia o fim do opressor. Descreve o alívio e a alegria universal do povo com o término do reino de ter­ror. Até as árvores se regozijam juntamente com tôda a terra. Na segunda estrofe, 9 a 11, descreve-se a grande humilhação do poderoso déspota na morte. Os reis em Sheol mal se despertam das sombras da morte para rece­ber o tirano humilhado com o qualquer outra pessoa. Nos versos 12 a 15 o povo escarnece do arrogante opressor que se julgava capaz de elevar-se ao lugar do Altíssimo. Nos versos 16 a 19 os observadores na terra meditam sôbrc o homem que tinha dominado o mundo, e foi humilhan- temente desonrado na morte. Os versos 20 e 21 falam do

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ódio, da maldade e do espírito de vingança do povo que o tirano havia oprimido com tanta crueldade.

Israel não tinha o prestígio militar e político das na­ções poderosas, mas os profetas e o restante fiel do seu povo sempre confiavam na revelação da justiça divina, e assim sobreviveram às calamidades e as vicissitudes da História. Mas as nações poderosas e arrogantes, com a ambição de subjugar os povos fracos, e dominar o mun­do com a sua fôrça militar, levantam-se e caem, deixan­do às gerações subseqüentes a vergonhosa história da sua desgraça. Assim o Império Babilónico foi aniquilado pela mesma crueldade que êle mesmo tinha praticado. A re­volta contra a vontade do Senhor, no seu eterno propó­sito de estabelecer o reino da justiça entre os homens, resulta finalmente no fracasso e no sofrimento.

1. Pois o Senhor se compadecerá de Jacó, e ainda elegerá a Israel e os porá na sua própria terra; e ajuntar-se-ão c o m

êles os estrangeiros, e êstes se achegarão a casa de Jacó>

2. E os povos os t o marão e os levarão aos lugares dêles, e a casa

de Israel os possuirá por servos e por servas, na terra do S e ­nhor; cativarão aquêles que os cativaram, e dominarão os seus

opressores.

3. N o dia e m que o Senhor te der descanso do teu trabalho, da

tua angústia e da dura servidão c o m que te fizeram servir,

4a. en tão proferirás êste motejo contra o rei da Babilônia;

Nestes versos 1 a 4a o Senhor promete libertar o seu povo do poder do opressor, e trazê-lo de nôvo para a sua própria terra. Com o julgamento divino da Babilônia, o povo de Israel será liberto do cativeiro, escolhido de nôvo como nação sacerdotal (Èx. 19:6) e restaurado na sua pátria para cumprir o propósito divino na sua escolha.

E ajuntar-se-ão com êles os estrangeiros. A destrui­ção do Templo e a dispersão dos judeus foram reconheci­das e aceitas com o o castigo divino da infidelidade de Is­

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rael. Na misteriosa providência do Senhor, a revelação divina ao povo de Israel, por intermédio dos profetas, chegou a ser conhecida por várias nações do mundo, e os estrangeiros finalmente comecaram a unir-se com a casa de Jacó (Is. 56:3-7; Zac. 2 :l í , 8:21-23).

A declaração de que a casa de Israel há de possuir os povos por servos e por servas, e cativar aqueles que os cativaram, expressa o espírito fervoroso de nacionalismo, e certamente não será literalmente cumprida. As frases descanso do teu trabalho e da dura servidão indicam que o escritor está pensando na semelhança do sofrimento de Israel no cativeiro, e na escravidão no Egito (Èx. 1:14) .

4b. C o m o cessou o opressor,

c o m o acabou a füria insolente!

5. Q uebrou o Senhor a vara dos perversos,

e o cetro dos dominadores,

6. aquêie que feria os povos c o m furor,com golpes incessantes,

e c o m ira d o m i n a v a as nações, c o m perseguição irresistível.

7. A terra tôda descansa e está sossegada;todos exultam c o m júbilo.

8. Até os ciprestes se alegram sôbre ti,e os cedros do Líbano e x c l a m a m :

Desds que tu caíste,

n i n g u é m sobe contra nós para nos coriar.

A irônica elegia começa com a segunda parte do ver­sículo 4: Como cessou © opressor, como acabou a fúria in­solente. Estas palavras representam um grande suspiro de alívio. A palavra jjjfà ‘3 significa em Êx. 3:7 exator ouchefe cruel dos escravos. A Babilônia tinha oprimido cruelmente as suas províncias, exigindo delas pesados tri­butos. A palavra rD ÍT ltt, cidade dourada, segundo

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Almeida, não se encontra em qualquer ou Iro lugar 110 Velho Testamento. 0 têrmorDiTlEi, fúria insolente, em

T •* S -

vários manuscritos cabe melhor no contexto, e mais pro­vavelmente representa o texto original.

O próprio Senhor Jave quebrou o cetro, o símbolo do poder da Assíria ou da Babilônia, e terminou o seu domínio arrogante. Tomando o lugar do Império da As­síria, a Babilônia dominava muitas nações e povos com o seu poder militar, e se julgava invencível. As nações e os povos, sujeitos aos golpes incessantes, e à perseguição im­placável do tirano, finalmente viram-se livres da opres­são, e exultaram com júbilo. Desde os tempos antigos, os povos e as nações vêm lutando contra os ditadores e tira­nos para ganhar a sua liberdade. É difícil extinguir do espírito humano o sentido da dignidade, e o amor de es­tar livre da opressão. Até os ciprestes e cedros da flores­ta se regozijavam com os habitantes pela queda da Ba­bilônia que havia cortado as árvores para a construção dos seus palácios e dos seus implementos de guerra.

9. Sheol desde o profundo se turbou por ti,

para te encontrar na tua vinda,

êle desperta por ti as sombras, todos os príncipes da terra,

e faz levantar dos seus tronos a todos os reis das nações.

10. T odos êstes responderão

e te dirão:T u t a m b é m adoeceste c o m o nós!

E és semelhante a nós!

11. Derribada está até Sheol a tua soberba,

t a m b é m o s o m das tuas harpas; por baixo de ti u m a c a m a de gusanos,

e os v e r m e s são a tua coberta.

Êstes versículos contam com o foi recebido o ti­rano morto em Sheol. A palavra Sheol, não

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lem o sentido que geralmente associamos com a palavra inferno, segundo Apoc. 20:10, e O Inferno de Dante. A palavra geralmente significa uma grande região subterrânea que é a habitação dos mortos (Jó 3: 13-19; Sal. 115:17). É lugar de profundas trevas, e os habitantes são apenas sombras, da vida. Fi-

• T :

cam entorpecidos, silenciosos, no lugar de esquecimento (Sal. 88:12), onde perecem os sentimentos de amor, ódio e inveja (Ecl. 9 :5 ). A palavra é usada no sentido figu­rado em Deut. 32:22; Is. 7:11; Jon. 2:2, 3; Am . 9:2-4. As referências geralmente indicam que não há distinções na condição dos habitantes do lugar. Mas Is. 24:21 e 22; Ez. 32:23 indicam uma diferença entre as condições dos justos e os injustos em Sheol. Mas convém notar, nesta conexão, o desenvolvimento dos ensinos do Velho Testa­mento sôbre a vida futura dos justos; Salmos 16, 17, 49, e 73 e Jó 19:25-27.

Há um contraste notável entre essa estrofe e a pri­meira. O tirano que tinha oprimido as nações fracas do mundo, e, no seu orgulho e pompa, tinha causado tanto sofrimento, desperta muito excitamento quando chega a Sheol. Sheol desperta as sombras dos príncipes e dos reis das nações dos seus tronos para receber a sombra do mais poderoso rei da terra. Dizem sarcásticamente: Tu também adoeceste e ficaste tão fraco com o nós! Apo­dreceu tôda a tua grandeza e tôda a tua magnificência! Derribada está a tua soberba. Já terminou a tua vida de suntuosidade. A tua cama agora é de gusanos, e os ver­mes são a tua coberta.

12. C o m o caiste do céu,

ó estréia da m a n h ã , filho da alval

C o m o fôste lançado por terra, tu que debilitavas as nações!

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A PROFECIA DE ISAÍAS 237

13. T u dizias no teu coração:E u subirei ao céu;

a cima das estréias de D eus estabelecerei o m e u trono;

e no m onte da congregação m e assentarei, nas extremidades do norte.

14. Subirei a cima das mais altas nuvens,e serei semelhante ao Altíssimo.

15. Contudo, serás precipitado para Sheol,ao mais profundo abismo.

Esta terceira estrofe da elegia irônica descreve a queda vergonhosa do ambicioso monarca. Como caiste do céu, ó estrêla da manhã, filho da alva. Esta compara­ção é um exemplo da arte literária do profeta. A palavra

não é nome próprio. Deriva-se do verbo "?/!“!, bri­lhar (Is. 13:10; Jó 29:3; 31:26). O têrmo significa a es­tréia da manhã que é muito brilhante no Oriente Próxi­m o. Mas a estrêla resplandecente perde o seu brilho perante a alvorada, mas não cai do céu. O poeta compa­ra o esplendor magnífico do rei da Babilônia com o bri­lho da estrêla da manhã. Mas a descrição do poeta corre paralela com o mito cananeu. Segundo êste mito, Helal, filho de Shahar, , rebelou-se contra o Altíssimo, e foi

— t

lançado no fundo de Sheol (Cp. Ez. 28:1-10).O opressor tirânico não consegue o lugar nas alturas

que ambiciona, mas cai na profundeza do mundo sub­terrâneo. A história proclama que não há nada na ex­periência humana que corrompa o homem com o o poder sôbre o seu semelhante. Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu. Esta expressão grosseira, da parte do rei ambicioso, de estabelecer-se com o autoridade suprema, e que todos os seus súditos tinham que homenageá-lo como o poder absoluto, nos lembra de com o Nero e Domicia- no, mais tarde, procuraram obrigar os cristãos a lhes ce­

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der o lugar que o Senhor Jesus Cristo ocupava nos seus cultos.

No monte da congregação, isto é, no monte da as­sembléia dos deuses, me assentarei. Ü monte dos deuses, Zaíom, ficava nas extremidades dò norte. (Cp. “ o santo monte de Deus” , Ez. 28:14). Assentar-me-ei significa serei entronizado, Sal. ,29:10. Assim, o rei ambicioso espera es­tabelecer o seu trono nas alturas, e presidir a assembléia dos deuses (Cp. Jó 1:6-9; Sal. 82).

Subirei acima das mais altas nuvens, e serei seme­lhante ao Altíssimo. Esta declaração é o resumo dos sen­timentos ambiciosos do rei, e a expressão das suas últi­mas pretensões. Há uma semelhança notável entre os pensamentos dêste monarca arrogante e os do anticristo que toma o seu lugar no santuário, e se ostenta como se fôsse o próprio Deus, II Tess. 2:4. O autor do Apoca­lipse representa figuradamente a Babilônia como a sede de arrogância, orgulho e opressão. Com tôda a sua pom­pa e glória, o mais poderoso dos imperadores será preci­pitado para Sheol, ao mais profundo abismo.

16. O s que te virem te contemplarão,fitar-te-ão os olhos, dizendo:

É êste o h o m e m que fazia estremecer a terra, e que fazia sacudir reinos?

17. Q u e p u n h a o m u n d o c o m o deserto,

e assolava as suas cidades?

que os seus cativos não deixava ir para suas casas?

18. T odos os reis das nações,

sim, todos êles jazem c o m honra,

cada u m no seu túmulo.

19. M a s tu és lançado fora da tua sepultura,c o m o renôvo abominável,

vestido de mortos traspassados à espada,

que d e s c e m às pedras da cova, c o m o corpo morto pisado aos pés.

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A PROFECIA DE ISAÍAS 233

Nesta quarta estrofe, 16 a 19, o profeta explica como o mais arrogante conquistador de nações foi vergonho­samente desonrado na morte. Os que te virem depois da tua morte ficarão pasmados que êste homem, que tinha o poder de fazer estremecer a terra, sacudir reinos, fazer do mundo habitável, , um deserto, CíUZl, , assolar

. . . . T ! •

cidades e escravizar os seus cativos, pudesse ficar tão desonrado na morte. O espetáculo do corpo morto dêste conquistador de nações leva os observadores a se mara­vilharem, a ficarem de bòca aberta, e a meditarem como os orgulhosos reis da terra são precipitados nas sombras da morte.

Todos os reis das nações jazem com honra. Todos os reis que o arrogante imperador tinha subjugado ja­zem honrados nas suas próprias sepulturas, enquanto o tirano insepulto, abominável carcaça, jaz no chão, cober­to de mortos traspassados à espada.

A frase que descem às pedras da cova não está ciara. Aparentemente, significa neste contexto o modo de co­brir com pedras os cadáveres que se achavam expostos no chão (Cp. II Sam. 18:17). Alguns sugerem que a frase, ligeiramente modificada, seja transferida ao prin­cípio do verso 20, para se ler:

Aqueles que são enterrados em covas de pedra, — com êles não te reunirás na sepultura.

De acôrdo com esta mudança a frase significa em- têrro honroso, e pedras de cova tem o sentido de túmulos construídos de pedras. Mas a mudança não satisfaz, ou não esclarece o sentido dos versos 19 e 20.

20. C o m êles não te reunirás na sepultura, porque destruiste a tua terra,

mataste o teu povo.

N ã o seja menc i o n a d a para s empre

a descendência dos malignos.

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21. Prsparai a m a t a n ç a para os filhos

por causa da maldade de seus pais, para que não se levantem e p o s s u a m a terra,

e e n c h a m o m u n d o de cidades.

Como corpo morto pisado aos pés. O cadáver do rei malvado não será sepultado, mas ficará exposto com o o corpo de qualquer animal, e será pisado aos pés. Com êles não te reunirás na sepultura. O orgulhoso conquis­tador de nações ocupava a posição de glória na terra, enquanto as nações conquistadas eram subjugadas com humilhação ao seu poder. Mas não terá o privilégio de unir-se com os reis que êle tinha oprimido, porque êstes jazem com honra, cada um no seu túmulo. Esta primeira parte do verso 20 termina a discussão sôbre a desonra fi­nal do opressor cruel.

Os versículos 20b e 21 expressam o desejo de que ne­nhum descendente do tirano malvado sobrevivesse para seguir a carreira dêle. Não seja mencionada para sem­pre a descendência dos malignos; que os filhos dos ma­lignos, nunca tenham nomes honrados. O singular ma­ligno de alguns manuscritos cabe melhor no contexto do que o plural. Preparai a matança, o lugar de matan­ça, para os filhos, para que nenhum dêles perpetue as iniqüidades do pai. A natureza pecaminosa do pai é ge­ralmente transmitida aos filhos que continuam a prática da iniqüidade (Cp. Êx. 20:5). Para que não se levan­tem e possuam a terra, e encham o mundo de cidades. A Septuaginta traduz a palavra guerras, e encham omundo de guerras. Mas as cidades que os iníquos vies­sem a fundar seriam cheias de arrogância, orgulho c maldade.

22. Levantar-me-ei contra êles, diz Javé dos Exércitos;

e cortarei de Babilônia n o m e e restante, descendente e posteridade, diz o Senhor.

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A PROFECIA DE iSAíAS 24T

23. E farei dela a possessão do ouriço, e lagoas d« água;

varrê-la-ei c o m a vassoura da destruição, diz Javé dos Exércitos.

Esta conclusão da poesia está escrita em prosa. Al­guns pensam que foi acrescentada à elegia do profeta Isaías, por algum redator, algum tempo depois do cati­veiro, a fim de aplicar o hino fúnebre ao rei da Babilô­nia. A conclusão tem a forma de oráculo, proferido ao escritor pelo Senhor dos Exércitos. 0 Senhor se levan­ta contra os descendentes do rei da Babilônia para exter­ná-los completamente, nome e restante, 0 & *

d e s c e n d e n t e e p o s t e r i d a d e , “ 13 31 p j l .

Os poderes destruidores que o rei da Babilônia ti­nha lançado contra as nações, eis que se levantam con­tra os seus descendentes e contra a sua terra. As reprê- eas cedem ao poder das águas do rio que cobrem a ter­ra, e a cidade é levada embora, como o lixo da rua é varrido para fora. Então, o ouriço ocupa o lugar em vez do homem, e em lugar dos grandes palácios haverá la­goas de água.

Muitas questões interessantes e importantes surgem a respeito dêste hino fúnebre. A lamentação de Eze- quiel, 32:17-32, sôbre a queda de Faraó e suas hostes é semelhante a esta elegia. Alguns eruditos modernos, à luz do nôvo conhecimento da vasta literatura da Babi­lônia, exageram a influência daquelas obras literárias sôbre as Escrituras do Yelho Testamento. 0 fato de que os hebreus e os babilônios tiveram algumas idéias semelhantes a respeito da vida futura, certamente, não prova que o autor dessa elegia tenha recebido dos babi­lônios, no tempo do cativeiro, os seus ensinos sôbre este assunto. Por muito tempo, os hebreus, com o seu con­ceito peculiar da justiça absoluta do seu Deus, lutavam

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com o problema de Jó, Por que o justo sofre? Na sua visão inaugural, o profeta Isaías recebeu uma visão, ou uma revelação da santidade, da justiça e da glória de Deus, que o preparou para entender a distinção, apresen­tada nesta elegia, entre a existência futura dos justos e dos iníquos.

Mais importante do que os pontos técnicos dessa poe­sia, levantados pelos críticos, é o valor eterno e a apli­cação universal do ensino do mensageiro de Deus. Nesta mensagem do homem de Deus, proclamada aos seus contemporâneos, há mais de vinte e seis séculos, êle apresenta uma verdade eterna, que se vai verificando através do curso da História. É o Deus Altíssimo quem governa o mundo, e os governadores de nações que des­prezam êste fato e, no seu orgulho e egoísmo, oprimem cruelmente o povo, têm que sofrer as conseqüências da sua iniqüidade. Essa elegia apresenta um fato historio que se aplica aos tiranos cruéis de tôdas as nações em iôdas as épocas.C. O Propósito do Senhor na Destruição da Assíria, 14:

24-2724. O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo:

c o m o pens>ei, assim sucederá?e c o m o determinei, assim se efetuará.

25. Quebrantarei a Assíria na m i n h a terra?

e nas m i n h a s m o n t a n h a s a pisarei,

o seu jugo se apartará deles,e a sua carga se desviará dos o m b r o s deles.

26. Êste é o propósito que se formou

concernente a toda a terra; e esta é a m ã o que está estendida

sobre tôdas as nações.

27. Pois o Senhor dos Exércitos o determinou;

q u e m o invalidará?A sua m ã o está estendida;

quem, pois, a fará voltar atrás?

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A PROFECIA DE ISAÍAS 243

Èste oráculo que proclama o propósito divino na des­truição da Assíria foi transmitido ao povo de Judá nos primeiros anos do reino de Senaqueribe, que orgulhosa­mente se julgava capaz de esmagar a pequena nação que já tinha subjugado, menos Jerusalém, a cidade capital (Cp. 10:5-34; 17:12-14; 37:8-13). Mais uma vez o profeta Isaías declara que Javé dos Exércitos é o Senhor da His­tória, e que êle não permite a escravização da humani­dade por qualquer conquistador. Assim, a destruição da Assíria, o esmagador de pequenas nações, é um evento histórico que demonstra a operação da providência divina no interesse de todos os povos e de tôdas as raças. A des­truição de qualquer opressor cruel indica o propósito do Senhor na extinção dos inimigos do seu reino no mundo. O plano de Senaqueribe, no esforço de tomar a cidade de Jerusalém, naquela época da História, ameaçava a extinção do reino de Deus no mundo e o interêsse espi­ritual de tôda a humanidade.

Jurou o Senhor dos Exércitos. O juramento do Se­nhor representa a certeza absoluta do cumprimento da sua palavra (Ver Am. 4:2; 6:8; 8:7; Is. 45:23; 54:9; 62:8). Esta declaração não se liga diretamente aos versículos 22 a 23, mas provàvelmente se relaciona com a elegia dos vèrsos 5 a 21, se esta poesia é o hino fúnebre de Sena­queribe. É certamente a garantia absoluta da promessa de conforto. Como pensei, ou como designei. Os desígnios e os planos do Senhor são infalíveis. Deus é imutável (I Sam. 15:29; Mal. 3:6; Tiago 1:17).

Quebrantarei a Assíria na minha terra. Esta decla­ração, que concorda com os eternos propósitos do Senhor, fo i cumprida na destruição do poderoso exército de Se­naqueribe nas montanhas perto de Jerusalém (Ver a dis­cussão sôbre o cap. 10). Assim, Israel se libertou do jugo da Assíria que lhe tinha sido assaz pesado.

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Os versículos 26 e 27 declaram que o propósito eter­no do Senhor abrange tôdas as nações da terra (Cp. 8: 9; 10:23; 28:22). Êstes versos apresentam um testemu­nho notável do profundo entendimento do profeta Isaías acêrca do govêrno divino das nações e dos povos da terra.

®ste é o propósito que se formou concernente a tôda a terra. O propósito imediato do Senhor é a destruição da Assíria, e a libertação dos povos que ela tinha sub­jugado e escravizado. Isto não significa, de maneira al­guma, que o Senhor é um Deus de guerra, como dizem Gray e outros. Por outro lado, o profeta está dizendo que as nações poderosas, como a Assíria, que usam o seu po­der militar para esmagar as nações fracas serão destruí­das. É o eterno propósito do Senhor que os povos do mundo sejam livres. Nenhum império, e nenhum poder mundial pode dominar a humanidade. Se há um fato que a História nos ensina com certeza absoluta, é que os grandes podêres que se esforçam para subjugar o mundo sempre são dominados ou destruídos, de acôrdo com a eterna providência de Deus que êles desafiam.

Não há nenhum poder nacional ou militar que possa resistir à mão do Senhor que está estendida sôbre tôdas as nações. A destruição da Assíria, que se julgava inven­cível, tinha uma grande significação, não somente para o povo da época, mas também para tôdas as gerações subseqüentes. Ninguém pode invalidar o que o Senhor dos Exércitos determinou. Para o Deus da história hu­mana, as nações são consideradas com© um pingo que cai de um balde, e como um grão de pó na balança (40:15).

D . A Alegria Prematura dos Filisteus, 14:28-32

28. N o ano e m que morreu o rei Acaz, foi pronunciado êsie

oráculo:

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29. N ã o te alegres, tu, tôda a Filístia,

por estar quebrada a vara que te feria; porque da raiz da serpente sairá basilisco,

e o seu fruto será u m a serpente voadora.

30. O s primogênitos dos pobres apascentarão,

e os necessitados se deitarão seguros;

m a s farei morrer de f o m e a tua raiz, e os teus sobreviventes eu matarei.

31. Uiva, ó porta; grita, ó cidade;derrete e m mêdo, ó tu, Filistia tôda.

Porque do norte v e m fumaça,

e n i n g u é m há que se afaste das fileiras.

32. Q u e se responderá aos mensageiros desta nação?Q u e o Senhor fundou a Sião,

e nela encontram refúgio os aflitos do seu povo.

Levantam-se várias questões sôbre a interpretação desta passagem, mas parece que alguns comentaristas exageram as dificuldades. O profeta adverte a Filístia para que não se regozije pelo fato de que um de seus ini­migos havia morrido, pois outro adversário viria do nor­te para afligi-la e escravizá-la de nôvo. E ela vai fracas­sar no esforço de ganhar a cooperação de Judá com o alia­do contra o nôvo inimigo. Judá não precisa buscar au­xílio nessas alianças políticas, porque na sua cidade de Sião, o Restante terá a proteção do seu Deus, o Senhor dos Exércitos.

Segundo o versículo 28, a data do oráculo é o ano da morte do rei Acaz, em 724, mais ou menos. Tiglate-Pile- ser III morreu um pouco antes do rei Acaz. Êle tinha invadido a Filístia, subjugado a terra e exigido pesados tributos do povo. Portanto, a morte do opressor foi cer­tamente a causa da grande alegria dos filisteus. É mui­to provável que tenha sido nesta ocasião que a Filístia che­fiou uma revolta contra a Assíria. Os outros pequenos estados vassalos também tinham prazer em cooperar com

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a Filístia na revolta contra o opressor. Neste mesmo tempo a Filista tentou ganhar a cooperação de Judá contra a As­síria. 0 profeta Isaías, que sempre fôra contrário às alian­ças políticas de Judá com as nações vizinhas, persuadiu ao rei Ezequias a ficar livre dessa aliança perigosa con­tra a Assíria; e a predição do profeta de que a Filístia haveria de sofrer ainda mais. Cumpriu-se, pois, pouco mais tarde, Salmanaser V castigou severamente os revol­tosos da Filístia (sôbre uma breve história dos filisteus na Palestina, consultar a Arqueologia do autor, p . 258).

No ano em que morreu o rei Acaz. Esta pequena profecia trata da Filístia, e não tem qualquer relação com as mensagens anteriores do profeta. Não há qualquer in­dicação de que está dirigindo a mensagem aos filisteus, pois está falando diretamente a Judá. Há confusão e incerteza a respeito das circunstâncias históricas dessa mensagem sôbre os filisteus. Portanto, surgem várias opiniões a respeito da interpretação de alguns pormeno­res e referências da mensagem. Na advertência de que os filisteus não se alegrem por estar quebrada a vara que os feria, quem era esta vara? A vara não pode significar o rei Acaz, como dizem alguns. Foi justamente no reino fraco de Acaz que os filisteus atacaram a terra de Judá, e capturaram algumas das suas cidades (II Crôn. 28:18).

Evidentemente, os filisteus se regozijavam por cau­sa da morte do rei da Assíria, o seu cruel opressor. Por estar quebrada a vara que te feria, refere-se à morte do rei da Assíria, provavelmente Tiglate-Pileser, o rei po­deroso e cruel que tinha escravizado os filisteus. 0 verso 29 fala da alegria prematura dos filisteus. Porque da raiz da serpente, o rei morto, sairá o seu sucessor, basilisco, ainda mais venenoso e mais cruel, Salmanaser V , Esta linguagem figurada é clara, mas não menciona os nomes dos dois reis da Assíria.

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O verso 30 é obscuro e difícil de ser interpretado, mas, aparentemente, se refere aos mais pobres de Jerusa­lém, ou de Judá, que terão bastante para comer, e fica­rão seguros em Sião, sob a proteção do Senhor, enquanto que a Filístia será completamente destruída.

O inimigo dos filisteus vem do norte, bem organiza­do e poderoso o exército da Assíria. Não há ninguém que se afaste das fileiras. Ai de todos os filisteus que uivam e gritam de terror, e derretem em mêdo, perante os in­vasores cruéis!

Parece que os mensageiros do verso 32 são filisteus, enviados a Jerusalém para pedir o auxílio dos judeus con­tra a Assíria. Que se responderá aos mensageiros desta nação? A resposta concorda perfeitamente com o ensino de Isaías sôbre a inviolabilidade de Sião, fundada pelo Senhor, e refúgio dos aflitos do seu povo.

E. Oráculo Concernente a Moabe, 15:1-16:14

Há muitas referências no Velho Testamento sôbre Moabe e os moabitas, e a sua relação com a história dos israelitas. Quase tôdas estas referências são desfavorá­veis aos moabitas. O rei Saul pelejou vitoriosamente con­tra Moabe (I Sam. 14:47). O rei Davi subjugou os moa­bitas (II Sam . 8 :2 ). Os moabitas pagaram tributo aos reis de Israel em Samaria, mas quando o rei Acabe m or­reu, Mesha, o rei de Moabe, libertou o seu povo dessa obri­gação (II Reis 1:1, 3, 4 e s e g .) . A Pedra Moabita, desco­berta em Dibom em 1868, tem uma inscrição que serve de suplemento de II Reis 3:4-5. Esta pedra comemora, com a sua inscrição, a libertação dos moabitas do jugo de Israel (Ver a Arqueologia do autor, p. 141). No pe­ríodo do reinado de Jeú de Israel, Moabe fo i subjugada por Hazael da Síria. O território conquistado por Jero- boão II de Israel incluiu a maior parte da terra de Moabe

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(II Reis 14:25). No tempo desta profecia, Moabe se acha­va sob o domínio da Assíria.

O território de Moabe ficava ao leste do Jordão. To­cava no Mar Morto no sul, e se estendia além do rio Ar- nom ao norte, no tempo do seu maior poder. Rúben e Gade disputaram o direito ao território ocupado por Moa­be ao norte do Arnom.

Os capítulos 15 e 16 descrevem o terrível desastre que tinha acontecido a Moabe. A terra ficara em ruínas, e os habitantes eram fugitivos. Os versículos 15:1-9 e 16:8-18 constituem uma elegia sôbre o triste destino de Moabe, enquanto 16:1-7, 12 descrevem a embaixada que Moabe enviou a Judá. A conclusão, 16:13, 14, declara que dentro de três anos o oráculo será cumprido.

Surgem várias opiniões sôbre o autor e a data do oráculo, e a sua relação com a passagem semelhante no capítuld 48 de Jeremias. Os comentaristas não concor­dam no seu entendimento destas questões. Alguns ar­gumentam que a linguagem do oráculo é diferente do es­tilo de Isaías. Êste argumento não tem cabimento pelo fato de não considerar que o vocabulário, e até o estilo literário, de qualquer escritor varia necessariamente de acôrdo com o assunto que está discutindo. Não há dife­rença suficiente no rico vocabulário, e no estilo literá­rio de Isaías, para dogmàíicamente se afirmar que o pro­feta não podia ter escrito esta elegia.

Tiglate-Pileser tomou de nôvo a terra de Moabe, na ocasião de subjugar o grupo das pequenas nações que se tinham revoltado contra o seu domínio. Esta mensagem de Isaías foi proclamada nestas circunstâncias históricas. Considerando-se a semelhança entre esta profecia e a mensagem em Jeremias, é provável que o epílogo 16:13- 14 tenha sido acrescentado muito tempo depois da procla­mação da elegia.

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A PROFECIA DE ISAÍAS 249

1. Oráculo concernente a Moabe.Pois n u m a noite A r - M o a b e é assolada, destruída!

Pois n u m a noite Quir-M o a b e é assolada, destruída!

2. Vai subindo a filha de D i b o maos lugares altos para chorar;

nos montes N e b o e M e d e b a lamenta Moabe:

e m tôdas as cabeças há calva, e tôda barba é rapada.

3. Cingem-se de sacos nas ruas;nos seus terraços e nas suas praças

a n d a m todos uivando, e c h o r a m abundantemente.

4. H e s b o m e Eleale a n d a m gritando,

ouve-se a sua voz até Jaaz; por isso, os a r m a d o s de M o a b e c l a m a m ;

a sua a lma treme dentro dêle.

O primeiro versículo anuncia a calamidade que li­nha caído sôbre a terra de Moabe e o seu povo, especial­mente na queda das duas cidades principais. Ar-Moabe ficava ao lado esquerdo do Rio Arnom (Núm. 21:15, 28; Deut. 2:9, 18, 29). A uns trinta quilômetros ao sul de Ar fica o sítio de Quir-Moabe, ou Quir-Haresete (16:7, 11), Quir-Heres no verso 11. Estas duas cidades ficavam dentro da própria terra de Moabe. As tribos de Rúben e Gade alegavam que o distrito ao norte do Arnom, com os montes Nebo e Medeba, e as cidades de Hesbom e Elea­le pertenciam a Israel. A disputa sôbre a possessão dêste distrito era o motivo do ódio c da guerra entre Israel e Moabe.

Os versículos 2 a 4 descrevem a lamentação dos moa- bitas. Surgem dúvidas sôbre o texto dos massoretas,

rVSH > Sobe-se ao templo e a Dibom. Al-• : --------- T T

guns manuscritos e a margem da edição Kittel contêm o seguinte texto, que nos parece preferível,}' j"IÍ >Vai subindo a filha de Dibom aos lugares altos para cho­rar. Os lugares altos eram santuários para os moabitas e para os israelitas infiéis. Nos montes Nebo e Medeba,

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Moabe lamenta ou uiva. Esta palavra é onomato-péica, isto é, a pronúncia da palavra imita o som do chôro dos moabitas. Nebo, uma habitação perto do Monte Nebo, ficava ao leste da entrada do Jordão no Mar Morto, e Medeba distava pouco ao sudeste. Os dois lugares são mencionados na Pedra Moabita. Segundo Jerônimo, achava-se uma imagem de Quemós, principal deus dos moabitas, no Monte Nebo. Do tôpo dêste monte podia- se ter uma vista de Canaã. Èsle monte foi distinguido entre os hebreus como o lugar da morte de Moisés (Deut. 34:1, 5 ). Dibom é o lugar onde foi descoberta a Pedra Moabita. Calva nas cabeças e a barba rapada eram si­nais de profunda tristeza e lamentação para os hebreus, bem como para os moabitas (Miq. 1:16; Jó 1:20).

Cingem-se de sacos, nas ruas, nas praças e nos terra­ços, sinal de humilhação e sofrimento, nas ocasiões de ca­lamidade e profunda tristeza. Os terraços planos do Oriente eram lugares de oração e de reuniões sociais (22:1) .

Hesbom e Eleale andam gritando. Hesbom foi uma cidade célebre dos amorreus (Núm. 21:26), depois de Israel (Jos. 13:17), e de Moabe no tempo desta profe­cia. Hesbom distava cinco quilômetros ao nordeste de Nebo, e Eleale (El Aal, o alto) dois quilômetros de Hesbom. O lugar de Jaaz é desconhecido. Até os arma­dos de Moabe clamam de tristeza e de pavor. A alma, ou a vida, de Moabe treme dentro dêle.

5. O m e u coração clama por causa de Moabe, os seus fugitivos vão até Zoar, até Eglate-Selisias.

Porque pela subida de Luíte êles vão chorando;

no c a m i n h o de H o r o n a i m

levantam u m grito de destruição;

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A PROFECIA DE 1SAÍAS 251

6. porque as águas de Ninrim

são u m a desolação;

seca-se o pasto, acaba-se a erva, não há verdura alguma.

0 hebraico do verso 4 é muito difícil. O meu co­ração, \2'5 , clama por causa de Moabe. A Sepíuaginta

contem , o seu coração (o coração de M oabe). Adeclaração expressa o mais profundo sentimento para com os moabitas na sua terrível calamidade. Alguns argumentam que estas palavras não podem representar o sentimento do profeta Isaías. Pode ser que não repre­sentem o sentimento do povo em geral de Israel, mas a compaixão do mensageiro do Senhor era muito su­perior ao sentimento público. O coração do profeta cla­mava por causa dos fugitivos (Cp. 16:9, 11). A palavra n jr n a e geralmente traduzida por seus nobres, mas

alguns manuscritos IrazemíTÍTIS > seus fugitivos, quecabe melhor no contexto. É também difícil a frase

r r t w que alguns traduzem por novilho de trêsanos, mas Eglate-Selisias é melhor (Cp. Jer. 48:34). No caminho de Horonaim, na descida de Horonaim (Jer. 48:5) aparentemente significa a descida entre Zoar, ao sueste do Mar Morto, e Eglate-Selisias.

Alguns pensam que as águas de Ninrim (Jer. 48: 34) são as da cidade de Bete-Nimra (Núm. 32:36), que entram no Jordão uns dez quilômetros acima da sua entrada no Mar Morto. Outros pensam que se refere a um lugar no sul de Moabe, e esta opinião concorda melhor com o contexto.

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7. Portanto, a abundância que ganharam,e o que guardaram,

êles levam emborapara além do ribeiro dos salgueiros.

8. Porque o pranto rodeiaos limites de Moabe;

até Eglaim chega o seu grito,e ainda até B e e r -E lim o seu lamento.

9. Porque as águas de Dimom estão cheias de sangue;pois ainda acrescentarei mais a Dimom,

um leão para aquele que escapar de Moabe,•e para o restante da terra.

A abundância ou a sobra que os fugitivos levaram consigo (Jer. 48:36), êles carregaram além ou sôbre o ribeiro dos salgueiros, até à sua entrada na terra de E dom .

O pranto, o grito ou a lamentação rodeia os limites de Moabe. Os dois lugares, Eglaim e Beer-Elim, talvez indiquem os dois limites extremos de Moabe: Beer-Elim, “ poço dos poderosos” (Núm. 21:16-18), ao norte de Moabe, e Eglaim ao sul (Cp. desde Dã até Berseba, I Sam. 3:20).

As águas de Dimom traduz a frase hebraica, mas alguns pensam que Dimom é outra forma de Dibom, escolhida aqui por causa da aliteração com a palavra san­gue (dam). Um leão aqui é símbolo do conquistador, muito provàvelmente Tiglate-Pileser da Assíria.

16:1. Enviaram cordeirosao dominador da terra,

desde Sela, pelo deserto,até ao monte da filha de Sião.

2. Como pássaros espantados, lançados fora do ninho,

assim são as filhas de Moabe nos vaus do A rnom .

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3. Dá conselho,executa a justiça;

faze a tua sombra como a noite no pino do m eio-dia;

esconde os desterrados,e não descubras os fugitivos.

4. Habitem entre tios desterrados de Moabe,

serve-lhes de refúgioperante a face do destruidor.

Quando o homem violento tiver fim, a destruição fôr desfeita,

desvanecido o calcanhar do tirano da terra,

5. então um trono se f irm ará em benignidade,e sôbre êle se assentará com fidelidade, no tabernáculo de Davi

um que julgue, busque a integridade e não tarde em fazer justiça.

O hebraico desta passagem é de difícil interpreta­ção, e a tradução freqüentemente incerta. Como variam as traduções, assim também variam as interpretações da passagem. Segundo muitos intérpretes modernos, o primei­ro verso fala claramente da embaixada enviada pelos moa- bitas, fugitivos em Edom, à côrte de Judá, na cidade de Sião. A palavra cordeiros é um coletivo, e significa o tributo que anteriormente Moabe pagava a Israel (II Reis 3:4), a então propunha enviar ao rei de Judá.

A primeira palavra varia quanto à forma nos ma­nuscritos: , enviai, , enviaram, en­

viarei. Sela, “ rocha” (mais tarde Petra) foi um centro importante de Edom.

0 versículo 2 interrompe a conexão entre o primeiro e o terceiro. Trocando lugar com o primeiro verso, o sentido fica mais claro. Profundamente perturbados, as moabitas pedem socorro a Judá. As filhas, cidades ou

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habitantes, de Moabe ficam consternados como passa­rinhos lançados fora do ninho.

Os versículos 3 a 5 apresentam o apêlo dos moabi- tas, dirigido à côrte de Judá, por intermédio de seus embaixadores. Alguns intérpretes antigos julgavam que o profeta está apontando aos moabitas o caminho da salvação nacional pela prática da justiça, e pedindo que os moabitas mostrem benignidade para com os refugia­dos de Israel na terra dêles. Mas tal exortação não concorda com o teor da profecia, nem com as tristes condições dos moabitas da época. Por outro lado, o apêlo dos moabitas aos judeus mantém a continuidade do pensamento do escritor, e concorda melhor com as circunstâncias históricas dos dois países, indicadas nos capítulos 15 e 16.

Dá conselho, executa a justiça. A embaixada dos moabitas está pedindo que Judá adote medidas efetivas para defender os moabitas do poder dos inimigos. Faze a tua sombra como a noite. Permite que os moabitas desterrados habitem no teu meio, na tua terra dc Edom. Seja para nós esconderijo contra a tempestade, “ como sombra duma grande rocha numa terra sedenta” .

Quando o opressor não existir mais; quando a des­truição tiver cessado; e quando o tirano desvanecer da terra, então o trono de Davi será estabelecido em amor firme, e Moabe receberá a justiça às mãos de Judá. Esta linguagem dos moabitas seria extravagante em outras circunstâncias, mas natural no período da grande afli­ção da sua terra. A libertação de Moabe do poder cruel do inimigo com o socorro de Judá seria para a glória de Davi no estabelecimento da sua descendência no trono de Judá com justiça e retidão.

6. Tem os ouvido da soberba de Moabe, soberba em extremo;

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da sua arrogância, do seu orgulho e do seu furor ; a sua jactância é vã.

7. Portanto, uivará Moabe,cada um por Moabe.

Gemereis profundamente, abatidospelas pastas de uvas de Quir-Haresete.

Os versículos 6 e 7 apresentam a resposta de Judá ao pedido de socorro da parte dos nioabiias. A generosi­dade que os moabitas expressaram no seu apêlo não foi reconhecida como genuína pelos judeus. O profeta con­dena severamente o orgulho e a arrogância de Moabe (Cp. 25:11; Jer. 48:2,9; Sof. 2 :8 ).

8. Pois os campos de Hesbom murcham,e a vinha de Sibma;

or senhores das nações talaram os seus ramos,

que se estenderam até Jazer e vaguearam pelo deserto;

os seus sarmentos se estenderam e passaram além do m ar.

9. Pelo que pranteio com o pranto de Jazera vinha de Sibma;

rego-te com as minhas lágrimas, ó Hesbom e Eleale;

pois sôbre os teus frutos e a tua v indima caiu o grito da batalha.

10. A alegria e o regozijo são tiradosdo campo frutífero;

nas vinhas já não se canta, nem há júbilo algum;

não há pisador nos lagares.Eu fiz cessar os gritos da vindima.

11. Pelo que por Moabe vibra como harpa o meu íntimo,e o meu coração por Q uir -H eres.

12. E quando Moabe se apresentar,quando se cansar nos altos,

e entrar no santuário a orar, não prevalecerá.

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Havendo falado da última esperança de Moabe, o poeta volta, no verso 7, ao lamento sôbre a triste con­dição dos moabitas. O lamento dos moabitas será uni­versal. Cada moabita, abatido e entristecido com a ca­lamidade terrível da sua pátria, uivará por Moabe, com gemidos de dor 110 seu coração. As pastas de uvas, uvas comprimidas, sendo deliciosas, eram usadas nas ocasiões festivas, especialmente na festa da sega dos primeiros frutos (Cp. II Sam. 6:19; Os. 3:1; Jer. 7:18). Quir-Haresete, lugar em Moabe, é chamado Quir-Heres no verso 11.

É muito provável que os versículos 16:8-11 apre­sentam a segunda parte da elegia de 15:1-9, interrompi­da pela recusa de conceder o pedido dos mensageiros de Moabe, apresentado aos judeus em 16:1-7.

O verso 8 descreve os campos ou as vinhas frutífe­ras de Moabe. Sibma, perto de Hesbom, foi conhecida pela famosa variedade de vinhas, ou “ vides escolhidas” (Cp. 5 :2 ). Nos versos 8 a 11, o escritor fala dos seus profundos sentimentos a respeito dos sofrimentos de Moabe. Para uma terra tão frutífera como Moabe, a perda das vinhas é um exemplo da enormidade do dano que tinha sofrido. Não houve outro modo de produzir tão grande desolação na terra de Moabe como a destrui­ção completa das vides.

Pois os campos de Hesbom murcham. A palavra campos aqui significa vinhas, como em Deut. 32:32. Na figura de hipérbole o escritor representa a vinha de Sibma por uma só vide, cuja raiz se estende ao norte até Jazer; ao deserto, no leste e no sul; e ao oeste, até além do Mar Morto. Os senhores das nações talaram

: T

os seus ramos, isto é, arruinaram as vinhas. Mas pode significar que foram intoxicados ou vencidos pelo vinho (Cp. 28:1).

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Rego-te com as minhas lágrimas. Meditando sôbre a calamidade terrível dos moabitas, fugitivos da sua terra assolada, o poeta não podia deixar de chorar. A frase cuiu o grito da batalha. A palavra “ T H significa aqui

T “

o grito da batalha dos invasores, mas a mesma palavra se usava para descrever o grito de alegria dos pisadores de uvas nos lagares. Não havia mais alegria e júbilo na terra tão frutífera de Moabe. Ouve-se a voz do Senhor: Eu fiz cessar os gritos da vindima.

Por Moabe vibra como harpa o meu íntimo, ou as minhas entranhas. As entranhas são a sede ou a fonte das emoções intensas (Jó 30:27), especialmente de com ­paixão (Jer. 4:19; 31:20; Cant. 5 :4 ).

O verso 12 é profético, e aparentemente se relaciona com 15:2. Quando Moabe ficar cansada e entrar no seu santuário para orar, ela não prevalecerá, porque os seus deuses são impotentes.

13. Esta é a palavra que o Senhor falou no passado acêrca deMoabe.

14. Mas agora o Senhor fala, dizendo: Dentro de três ahos, tais como os de jornaleiros, será envilecida a glória de Moabe, com tôda a sua grande multidão; e o restante será pouco e impotente.

O epílogo da elegia apresenta-se nos versos 13 e 14, e proclama o julgamento pesado sôbre Moabe dentro de três anos. Esta é a palavra do Senhor, falada no pas­sado a respeito de Moabe. O profeta assim declara que está expressando o sentido geral das várias profecias do passado sôbre a destruição de Moabe (Êx. 15:15; Núm. 24:17; Sal. 60:8; Am. 2:2; Sof. 2 :9 ).

Como os anos do jornaleiro. Como o jornaleiro não servia além do tempo prometido, assim a destruição de Moabe não será adiada além dos três anos.

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F. Oráculo sôbre a Aliança de Israel e a Síria, 17:1-111. Oráculo concernente a Damasco.

Eis que Damasco deixará de ser cidade, e será um montão de ruínas.

, 2. As suas cidades serão abandonadas para sempre; hão de ser para os rebanhos, que se deitarão ssm haver quem os espanto.

3. A fortaleza de Efraim desaparecerá,-como também o reino de Damasco; e o restante da Síria será como a glória dos filhos de Israel, diz o Senhor dos Exércitos.

4. E naquele diaserá diminuída a glória de Jacó, e a gordura da sua carne desaparecerá.

5. Será como o segador que colhe o trigo,e com o seu braço sega as espigas,

Será também çomo quem colhe espigas no vale de Refaim.

6. A inda ficarão nêle alguns rabiscos,como no sacudir da oliveira;

duas ou três azeitonasna mais alta ponta dos ramos,

e quatro ou cinconos ramos da árvore frutífera, diz o Senhor de Israel.

Esta passagem relaciona-se com a aliança entre Re- zim da Síria e Peca de Israel contra Judá, 7:1-9:21. O rei Acaz de Judá ficou amedrontado e resolveu, coxítra o conselho de Isaías, pedir o auxílio militar da Assíria contra os “ dois tocos de tições fumegantes” . A data, portanto, desta mensagem é de pouco tempo antes da destruição de Damasco pela Assíria, cêrca de 732. A pas­sagem trata principalmente do reino de Israel, mas a discussão da Síria e Efraim nesta mensagem indica que á aliança entre ais duas nações já foi estabelecida. O profeta está pensando nesta mensagem sôbre os resulta­

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dos funestos de alianças baseadas nas idolatrias dos es­trangeiros.

Há três estrofes ou divisões da passagem. Os pri­meiros três versículos tratam principalmente do desti­no funesto do reino de Damasco, aliado de Israel con­tra a Assíria. A Síria será subjugada, e Damasco, a ca­pital, com as outras cidades serão reduzidas à desolação perpétua. A segunda estrofe, versos 4 a 6, descreve fi­guradamente o destino de Israel. Na terceira divisão, versos 7 a 11, o profeta explica que a desolação de Is­rael é o resultado da apostasia do Senhor, e a devoção aos ídolos dos estrangeiros.

1. Oráculo Concernente a Damasco, 17 :l-6O título do oráculo menciona Damasco, que é assunto

somente da primeira estrofe. Mas a discussão do destino de Damasco explica por que êste oráculo foi incluído nas profecias contra as nações estrangeiras. A destruição de Damasco por Tiglate-Pileser será uma grande humilhação para Efraim, o aliado da Síria. Poucas cidades do mun­do têm experimentado as vicissitudes da História com o a antiquíssima cidade de Damasco. A Bíblia fala fre­qüentemente sobre as relações, principalmente as hos­tis, entre Israel e a Síria. E será um montão, uma ruí­na. As duas palavras hebraicas são sinônimas, e estão em aposição.

As cidades de Aroer, ' 'l í ' ’ a P r e s e n ta

certas dificuldades, porque não há cidades com êste nome na Síria. A cidade mais conhecida por êste nome ficava na terra de Moabe, à beira do Arnom, (Núm. 32: 34; Deut. 2 :36), O texto da margem, , as âuâs

T V T

cidades, é mais provàvelmente o texto correto. Outra cidade, Aroer, menos conhecida, ficava perto de Raba- Amom (Jos. 13:25). A terceira cidade dêste nome, no

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sul de Judá (I Sam. 30:28) é conhecida agora com o Arara. As suas cidades serão abandonadas para sempre, e será um lugar onde os rebanhos se deitarão sem haver quem os espante.

A fortaleza de Efraim desaparecerá. Usa-se muitas vêzes Efraim no sentido do Reino de Israel. Devido à sua posição geográfica, Damasco seria teoricamente como bastião de defesa, ou fortaleza, para Israel. Mas a capital da Síria será destruída fàcilmente pelo podero­so exército da A ssíria /e logo em seguida Israel enfren­tará o mesmo destino, o qual será ainda mais trágico para o povo de Israel, por causa da infidelidade ao seu Deus, o Senhor dos Exércitos. Deve-se ler a última par­te do verso 3 assim: “ o restante da Síria será como a glória dos filhos de Israel.” A declaração relaciona-se com a descrição da tragédia de Israel no versículo se­guinte .

Os versículos 4 a 6 descrevem figuradamente o des­tino trágico de Israel. Naquele dia, na mesma ocasião do julgamento sôbre a Síria, a glória de Jacó será di­minuída, ou ficará atenuada. A gordura da sua carne desaparecerá. Será enfraquecido por uma moléstia de­bilitante. Perderá o seu poder, a sua população e a sua prosperidade. Com a destruição de Damasco, é inevitá­vel o destino terrível de Israel.

Será como segador que colhe o trigo. Os habitan­tes e as riquezas de Israel serão ajuntados e levados em­bora pelos conquistadores cruéis. Isto será o fim trá­gico do Reino de Israel, por causa dos seus pecados e da sua infidelidade ao seu Deus. Como quem colhe es­pigas no vale de Refaim. O vale fértil de Refaim fica pouco distante ao sul de Jerusalém, onde provàvelmente o profeta tivesse observado os segadores no seu traba­lho (Cp. Rute 2:7; Jos. 15:8; 18:16).

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O significado do verso 6 é que as poucas azeitonas deixadas na oliveira sacudida pelo ceifeiro devem ser deixadas para os pobres e necessitados (Deut. 24:20). Nota-se que o hebraico diz, “ nos ramos da árvore fru­tífera” , e não “ nos ramos mais exteriores de uma árvo­re frutífera” , conforme Almeida e SBB.

2. O Abandono dos ídolos, 17:7-8

7. Naquele dia olhará o homem para o seu Criador, e os seus olhos atentarão para o Santo de Israel.

8. E não olhará para os altares, obra das suas mãos, n«m atentará para o que fizeram seus dedos, nem paraos aserins, nem para os altares do incenso.

Parece que êstes versos têm pouca relevância para a seção anterior. Mas a passagem aparentemente des­creve o efeito do desastre do Reino de Israel sôbre os habitantes de Judá. Assim, foi considerado como ad­moestação, para que os fiéis de Judá olhassem para o seu Criador, e atentassem para o Santo de Israel. Na providência de Deus, o sofrimento e a calamidade des­pertam os homens para examinar o coração, reconhe­cer a sua infidelidade e mudar o seu procedimento m o­ral e religioso. A queda do Reino de Israel influenciou o pensamento do povo do Reino de Judá, especialmente a respeito das suas práticas religiosas, influenciadas pela idolatria dos cananeus. Deixaram de olhar para os seus altares que eram apenas obras das suas próprias mãos, e não atentaram mais para os aserins e os altares de in­censo. Voltaram ao seu Criador, e os seus olhos aten­taram para o Santo de Israel.

A palavra aserins significa postes erigidos ao lado das colunas de pedra, isto é. ao lado dos altares dos ca­naneus. Êstes postes-ídolos representavam o culto de

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Asera, a mulher de Baal. As colunas sagradas represen­tavam o culto de Asera. As colunas sagradas representa- vaovo culto dirigido a Baal, o marido de Asera. Baal e Asera eram os desses,da fertilidade. Èste culto represen­tava práticas horríveis, chegando à bestialidade (Ver as referências a Baal na Arqueologia Bíblica do autor) .

A palavra Jfân no versículo 8 pode significar Ha-'T “

man, um deus dos fenicios, mas o significado da pala­vra aqui é geralmente reconhecido agora com o o altar de incenso (Cp. 27:29; II Reis 23:5, 11; Ez. 6 :4 ).

3. O Culto de Adonis, uma Segurança Falsa, 17:9-11

9. Naquele dia serão as suas cidades fortes como os lugares abandonados dos heveus e dos amorreus, que êles aban­donaram por causa dos filhos de Israel, e haverá desolação.

10. Porquanto te esqueceste do Deus da tua salvação,e não te lembraste da Rocha do teu refúgio.

Ainda que faças plantações formosas e plantes mudas estranhas,

11. e, no dia « m que as plantares, as fizeres crescer,e na manhã seguinte as fizeres florescer,

ainda assim a colheita voaráno dia da tribulação e das dor-es incuráveis.

É difícil determinar se o verso 9 se relaciona com os versos 7-8 ou com 10-11. O símile do bosque e do cume das montanhas, conforme está em Almeida e SBB, não se une bem com a cláusula seguinte. É melhor a versão grega que diz com o os lugares que os heveus e os amorreus abandonaram.

As cidades fortes de Judá serão como as cidades dos heveus e dos amorreus, porque abandonaram o culto de Javé, e adoraram os deuses estranhos. O têrmo amorreus é usado freqüentemente no Velho Testamento para de­signar os habitantes da Palestina quando os israelitas

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entraram na terra sob a liderança de Josué. Às vêzes, o têrmo cananeus significa a mesma cousa. Mas quan­do se distingue o uso dos têrmos, os cananeus são os ha­bitantes da planície litorânea e do vale do Jordão, en­quanto os amorreus eram os moradores da região mon­tanhosa . Os heveus e os horeus, identificados agora como os hurianos, são bem conhecidos à luz das novas desco­bertas arqueológicas. A cultura dos horeus de Nuzu foi muito semelhante à dos hebreus no período patriarcal. Os hurianos exerceram influência na vida patriarcal dos hebreus (Consultar as referências sôbre êstes povos na Arqueologia Bíblica do autor). Ver também A Revista Teológica de julho de 1956.

Porquanto te esqueceste do Deus da tua salvação. Êste é o único lugar onde o profeta usa esta frase que faz parte do seu nome. Rocha do teu refúgio. Êste têr­mo Rocha é usado freqüentemente com o título de Deus, 30:29; 44:8; Deut. 32:4, Rocha, cuja obra é perfeita; Sal. 19, 27, 31 e outros. As plantações formosas do verso 10 eram jardins dedicados ao culto de Adónis, o deus jovem que morre com o assalto do calor dessecan- te de verão, quando a natureza dorme e parece morta. O povo fazia estas plantações com a esperança de que pudessem ajudar, no esforço da natureza para reviver o seu deus e assim garantir a produção dos frutos do campo. Êste culto de Adónis muito se espalhava entre os povos antigos do Oriente Próxim o. Os hebreus conhe­ceram Adónis pelo nome Tamuz. Adónis era deus da Síria, e, em conseqüência da aliança entre Israel e Da­masco, alguns israelitas, especialmente mulheres, ado­ravam o deus Tamuz (Ez. 8 :14).

O verso 11 expõe a futilidade destas plantações no culto de Adónis. Pode-se plantar, fazer crescer e fazer florescer tais plantações, mas no dia dã tribulação e das dores incuráveis a colheita voará. Tôdas as religiões

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falsas são trágicas, porque deixam finalmente a alma do homem desamparada, sem qualquer confôrto na hora de sofrimento e tribulação (Cp. II Tim. 1:12).

G. 0 Poder Mundial Se Levanta e Cai, 17:12-14

12. Ai, o bramido de muitos povos,êles bramam como o bramido dos mares!

E o rugido das nações,elas rugem como o rugido das poderosas águas!

13. Rugem as nagões como o rugido de muitas águas,mas êle as repreende, e fogem para longe;

afugentadas como a palha dos montes diante do vento, e como pó levado pelo tufão.

14. Ao anoitecer, eis, pavorlAntes que amanhega o dia, não existem!

Êste é o quinhão daqueles que nos despojam, e a sorte daqueles que nos saqueiam.

Não há problema de data, ou de interpretação, dês- te breve oráculo. Foi proclamado pelo profeta quando as nações da Síria e de Israel ainda existiam, mas pou­co antes da sua destruição. A passagem não se liga com os versículos anteriores, nem com o capítulo seguinte. É muito provável que seguiu originalmente a passagem sôbre o propósito do Senhor na destruição da Assíria, 14:24-27. Embora não seja mencionado o nome da As­síria, a passagem apresenta uma descrição que concorda perfeitamente com a destruição do exército poderoso de Senaqueribe e o declínio da Assíria como potência mun­dial. Foi proferida, neste caso, um pouco antes de 701. Aqui, com o nas passagens 10:5-16 e 14:24-27, o profeta mais uma vez declara que Javé é o Senhor da História, e que o eterno propósito de Deus se manifesta no casti­go das nações injustas que desprezam a vontade divina. Os assírios arrogantes lançam a sua campanha militar

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contra a pequena nação de Judá, com barulhento terror e com o poder aparentemente invencível, mas, com a reprovação do Senhor, êstes violentos saqueadores de fracas nações são derrotados em vim só dia, e desvane­cem-se rapidamente da História.

Ai, o bramido de muitos povos. É difícil traduzir o sentido da palavra''in, mas expressa aqui dor e indig­nação, seguida pela proclamação de julgamento. A re­petição das palavras hebraicas descreve o tumulto dos povos e das nações no poderoso exército da Assíria com mais efeito do que qualquer tradução. Êste grande exér­cito de soldados de várias nações subjugadas, está na marcha de grandes conquistas. Parece que o profeta, nesta maravilhosa descrição, está acompanhando a mar­cha militar da Assíria na conquista rápida das nações até à chegada perante Jerusalém.

Mas êle, Deus, as repreende, e o exército, aparente­mente invencível, fica humilhado, e as nações fogem para longe. Por causa das referências aos povos e às nações, alguns intérpretes duvidam de que o profeta esteja fa­lando da Assíria nestes versículos. Mas, considerando as nações que a Assíria tinha subjugado, e o fato de qUe elas foram obrigadas a fornecer contingentes para o exér­cito nacional, a Assíria é a única nação que satisfaz a esta descrição. Com a reprovação do Senhor, os assí­rios estão chegando ao fim das suas conquistas cruéis. São afugentados com o a palha dos montes diante do vento. As eiras geralmente se achavam nas elevações, onde o vento levava a palha, como o pó diante do tufão.

Ao anoitecer, eis pavor! Antes que amanheça o dia, já não existem. Assim pereceu o grande exército de Senaqueribe, de 185.000 homens, que estava sitiando Jerusalém, e exigindo a sua entrega incondicional, 37:3(i.

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Êste é o quinhão daqueles que nos despojam. O povo do Senhor está sempre seguro, seja quem fôr o ini­migo que se levante contra êle, Rom . 8:37-39- II Cor. 4:16-18.

H. Profecia Concernente ao Egito, 18:1-20:6

Enquanto alguns intérpretes têm exagerado os pro­blemas da interpretação destas profecias sôbre o Egito, há várias dificuldades e perplexidades que surgem no esforço de apresentar uma exposição satisfatória da lin­guagem poética e figurada da passagem. A magnifica linguagem é característica da literatura do principe dos profetas. Êle se apresenta aqui como sábio estadisia, e com o homem de fé inabalável na revelação da vontade de Deus para a orientação do seu povo nas crises político- religiosas. Nas dramáticas circunstâncias da vida de Judá, Isaías declara que o seu povo devia confiar em Deus, e esperar com fé, até que o próprio Senhor deter­mine a destruição do seu opressor.

O profeta trata da demolição do poder da Assiria, sem mencionar o nome do tirano. Emissários da Etiópia haviam chegado a Jerusalém para pedir o auxílio de Judá na revolta geral contra a Assíria. O mais prová­vel período histórico dêste incidente é o rompimento fi­nal entre Judá e Assíria, pouco antes de 701. Êste é o período quando se manifestava mais concórdia entre os dois países. Uma data mais cedo não concordaria com as circunstâncias históricas indicadas no capítulo 20, cêrca de 711, quando Isaías profetizou a conquista da Etiópia e do' Egito pela Assíria. Segundo êste ponto de vista, os eventos mencionados neste grupo de profecias não aconteceram na mesma ocasião. Não se encontram aqui as severas denúncias das negociações do Egito como nos capítulos 28 a 31 .

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A PROFECIA DE ISAÍAS 267

Aparentemente, o profeta não antecipava que Judá, sob o govêrno do rei Ezequias, havia de responder favo- ràvelmente às propostas do rei Sabaca. O teor do oráculo mostra que o profeta esperava eventos penden­tes e decisivos no conflito das nações. Enquanto a res­posta aos emissários revela o espírito de cortesia diplo­mática do profeta, pode-se entender a rejeição firme das propostas dos nobres emissários. 0 profeta indica, na sua mensagem, que o próprio Senhor esmagará os assí­rios, sem o auxílio humano, e êste fato servirá como demonstração para a Etiópia e para o mundo inteiro de que o Senhor Javé é o Deus supremo que revela o seu eterno propósito nos eventos da História.1. Resposta do Profeta aos Emissários da Etiópia, 18:1-7

1. A h ! , terra das asas zunidoras,que está além dos rios da Etiópia.

2. Que envia embaixadores por mar,em navios de papiro sôbre as águas!

Ide, mensageiros velozes,a um povo alto e bronzeado,

a um povo terrível ao perto e ao longe; a uma nação poderosa e esmagadora, cuja terra os rios dividem.

3. Vós, todos os habitantes do mundo,e vós os moradores da terra,

quando se arvorar um sinal nos montes, olhai !E quando se tocar a trombeta, escutai!

1 . Nos primeiros três versículos dêste capítulo, o pro­feta apresenta a sua mensagem aos emissários que vie­ram a Jerusalém da Etiópia, ou da Cuxe, para propor uma aliança com Judá contra o perigoso agressor, o Im­pério da Assíria. O prefácio, 1 e 2, descreve em lingua­gem poética a terra misteriosa da Etiópia e dos seus ha­bitantes. A mensagem propriamente dita é o verso três, um convite dirigido a todos os moradores para olhar, escutar e testemunhar a retribuição divina na destruição da Assíria, o conquistador e escravizador de nações.

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A palavra vjn , Ai, ou Ah! não é um grito de dor ou indignação aqui, como em outros lugares. Aqui é sim­plesmente uma palavra formal, ou têrmo de saudação (Cp. 4:1; Zac. 2:6, 7 ).

Ah! terra das asas zunidoras, '

Há uma meia dúzia de traduções destas palavras he­braicas, mas parece que a nossa simples versão é a mais satisfatória. A palavra é onomatopaica, e repre­senta o som do vôo dos enxames de locustas sôbre o Egito. A palavra whirring do inglês, e zunidoras do por­tuguês, representam imperfeitamente o som do vôo das locustas ou dos gafanhotos sôbre o Egito. A Septuaginta traduz por a terra de navios alados, mas a nossa versão cabe melhor no contexto.

Além dos rios da Etiópia ou de Cuxe (Cp. Sof. 3 :10). O têrmo Etiópia é usado na Bíblia num sentido um tanto vago para designar a região ao sul de Assouã, Siene ou Sevena, perto da primeira grande queda do Nilo. Esta região é a terra moderna de Sudão. A capi­tal da Etiópia, talvez sob o govêrno do imperador Sa- baca, nesse tempo era Napata, à beira do Nilo.

Os emissários fizeram a viagem em navios de pa­piro sôbre as águas, ou por mar. Desceram o Nilo até o Mar Mediterrâneo, então viajaram pelo mar até ao pôr- to de Jope. No Egito onde havia pouca madeira, o pa­piro, planta aquática, era de grande utilidade. A palavra papiro também significa o papel feito da planta, em que os gregos e romanos escreveram tôdas as qualidades de documentos por um período de mil anos. (Ver as mui­tas referências sôbre o papiro na Arqueologia Bíblica do autor.) Cêstos e outros vasos úteis, bem como ca­noas ou pequenos navios, eram feitos da planta e betu­mados com pez mineral (Cp. Êx. 2 :3 ).

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Um povo alto e bronzeado. A palavra tSTÍtt é tra-T

duzida também por polido e belo. Há muitas referências favoráveis aos egípcios na literatura antiga. Heródoto descreve os etíopes como os mais altos e os mais belos dos homens (3 :2 ). Na sua linguagem poética, o profe­ta é muito generoso na descrição do povo da Etiópia: povo alto, bronzeado, terrível, nação poderosa e con­quistadora. Mas pode haver um tom de ironia nestas palavras à luz do verso seguinte.

O verso 3 apresenta a mensagem que os emissários devem levar ao seu povo. Mas é uma mensagem não somente para os etíopes, como também para todos os habitantes do mundo. Quando o sinal fôr levantado e 3 trombeta fôr tocada, o povo do mundo deve ficar pre­parado para a intervenção decisiva do Senhor na histó­ria do mundo, a destruição do inimigo arrogante do reino de Deus na história das nações. Êste inimigo é a Assíria.

4. Pois assim me disse o Senhor:Estarei quieto, olhando desde a minha morada,

como o ardor do sol resplandecente, como a nuvem do orvalho no calor da sega.

5. Pois antes da vindima, quando acaba a flor,e a uva verde amadurece,

então podará os sarmentos com a foice, e cortará os ramos que se estendem.

6. Serão deixados juntosàs aves dos montes e aos animais da terra.

Sôbre êles veranearão as aves de rapina, e todos os animais da terra invernarão sôbre êles.

Na segunda estrofe desta poesia, versos 4 a 6, o Se­nhor revela ao profeta o seu modo de agir. Na realiza­ção de seus eternos propósitos, Deus nunca atua preci­pitadamente, como o homem, nem demora na execução dos seus planos. O profeta ficou profundamente satis­

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feito com a orientação divina nos seus ensinos sôbre o propósito do Senhor nos eventos históricos dos povos da época.

Pois assim o Senhor me disse. Òs judeus, bem como os etíopes e outros povos, ficaram horrorizados pela campanha militar dos ferozes assírios nas suas podero­sas conquistas. É nestas circunstâncias que Isaias cha­ma a atenção para a calma e o propósito do Governa­dor Supremo da história. Diz o Senhor: Estarei quieto, enquanto os inimigos iníquos do meu povo fazem as suas preparações para dominar o mundo. O hebrai­co indica claramente que as cláusulas seguintes são sí­miles, e assiríi as traduzimos: como o ardor do sol res­plandecente, cóm© a nuvem do orvalho no calor da cega. Cõmo o cãlor do sol e o orvalho são prelúdios da sega, e assim constituem o preparo para recolher o fruto, as­sim o Senhor está determinando e preparando o desti­no final das nações, especialmente da Assíria. A frase a nuvem do orvalho é linguagem poética que perturba alguns intérpretes cientistas, porque o orvalho não é ge­rado na nuvem. Alguns traduzem a palavra ’’S quandoem vez de como, que pode ser também o sentido da pa­lavra, mas é menos satisfatória neste contexto.

Pois antes da vindima, Deus interpõe a sua autori­dade. A linguagem aqui é figurada, e a imagem baseia- se na declaração do versículo 4. Deus está consideran­do calmamente os planos iníquos dos assírios, que estão sendo preparados cuidadosamente, como o calor do sol e o orvalho preparam o vinhedo para a ceifa dos frutos. Enquanto a Assíria está fazendo os seus planos de con­quista, as pequenas nações apavoradas querem ficar preparadas de qualquer maneira para se defenderem. Mas Deus afirma, por intermédio do seu mensageiro, que os planos da Assma, feitos com lanta certeza de êxito,

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hão de fracassar completamente, com o se um homem entrasse no vinhedo e cortasse as vides antes que as uvas tivessem tempo para amadurecer. É figura expressiva que declara a ruína da Assíria justamente no momento quando estivesse realizando a sua ambição e o seu pro­pósito de dominar o mundo, pois a calamidade cairia inesperadamente sôbre ela. Tudo está preparado para a sega. Ô sol e o orvalho já fizeram o seu trabalho. O inimigo está bem preparado, as nações fracas não têm defesa. O conquistador está pronto para ceifar as ri­quezas das suas vítimas. Mas não contou com a inter­venção do Senhor dos Exércitos.

No versículo 6 o profeta se refere mais claramente aos assírios. É notável o contraste entre as esperanças e os planos dos assírios e o resultado calamitoso da sua campanha militar. O tempo de orgulho e regozijo, com o seu póder invencível e as suas grandes conquis­tas, termina abruptamente. Em vez de recolher, com o grito de vitória, o despojo das suas vitimas, os seus pró­prios corpos são entregues às aves de rapina e aos ani­mais da terra (Cp. Ez. 39:11-16). ,

Não obstante a obscuridade dêsse capítulo, e as di­ficuldades encontradas na interpretação dos seus por­menores, e da sua linguagem figurada, a passagem nos oferece mais um exemplo da confiança suprema de Isaías no Senhor Javé, como o Deus eterno da História. Judá se achava numa situação extremamente perigosa, e parecia importantíssimo qualquer auxílio que pudesse obter por quaisquer alianças políticas, mas o profeta re­pudia a idéia de tais alianças, porque Deus lhe revelara o propósito de salvar a Judá, na realização do seu plano eterno para todas as nações da terra.

7. Naquele tempo será levado um presente ao Senhor dos Exércitos por um povo alto e polido,

povo terrível ao perto e ao longe,

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uma nação poderosa e conquistadora, cuja terra os rios dividem;

ao lugar do nome do Senhor dos Exércitos, ao Monte Sião.

O versículo 7 suplementa a declaração do v. 2. Èste epílogo conta como Etiópia, havendo testemunhado o grande livramento de Judá pelo poder do Senhor Javé, trará tributo ao Monte Sião, ao Senhor dos Exércitos, a quem pertence o poder supremo, a glória e a vitória fi­nal (Cp. Sal. 76:12; Sof. 3 :10).

A palavra "^presente, é rara, mas se encontra no

Sal. 68:29 e em 76:11, usada com a palavra poética ,- t

conduzir, ou levar consigo um presente. Ao lugar do Nome do Senhor dos Exércitos, ao Monte Sião. (Ver 30:27; Cp. I Reis 8:17; Deut. 12:5, 11 .) Ver outras re­ferências à conversão dos etíopes em 45:14; Sof. 3:10; Sal. 68:31.)

É geralmente reconhecido que êste capítulo foi es­crito quando Senaqueribe tinha chegado na altura do seu poder, e quando a Assíria já obtivera as suas maio­res conquistas, um pouco antes da destruição miraculo­sa do grande exército da Assíria perante a cidade de Je­rusalém em 601 (Ver a Arqueologia Bíblica do autor, ps. 269-271).

2. Profecia Contra o Egito, 19:1-151. Oráculo concernente ao Egito.

Eis que o Senhor, cavalgando numa nuvèm ligeira vem ao Egito;

os ídolos do Egito estremecerão diante dêle,e o coração dos egípcios se derreterá dentro dêles.

2. E farei com que egípcios se levantem contra egípcios, e pelejarão cada um contra o seu irmão, e cada um contra o seu próximo; cidade contra cidade, reino contra reino.

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3. O espírito dos egípcios se esvaecerá dentro dêles,e eu confundirei o seu conselho;

êles consultarão os seus ídolos e encantadores, e necromantes e feiticeiros.

4. E eu entregarei os egípciosnas mãos ds um senhor duro;

e um rei feroz os dominará,diz o Senhor, o Senhor dos Exércitos.

Êste capítulo consta de duas partes principais. A primeira divisão, versos 1 a 15, está escrita na forma de poesia, e descreve a aflição vindoura dos egípcios. O Senhor vem ao Egito em juízo, e castigará os egípcios de várias maneiras. 0 profeta, em três estrofes poéticas, descreve as conseqüências do julgamento divino na vida religiosa, econômica e política do Egito. Degenera a re­ligião, rebenta a guerra civil e ficam paralisadas as in­dústrias do país. Os versículos 16 a 25 apresentam uma série de avisos sôbre as condições da vida dos egípcios nos dias vindouros. O povo abandonará a sua idolatria e estabelecerá o culto ao Senhor. No temor de Javé, alianças de amizade e paz serão estabelecidas entre o Egito e Judá. Haverá também amizade entre o Egito e a Assíria, e juntos os egípcios e os assírios adorarão ao Senhor dos Exércitos com o povo de Israel.

Não é possível determinar a data certa quando Isaías proclamou esta mensagem, porque as alusões his­tóricas na passagem são vagas e incertas. Talvez fos­se proclamada em 720, mais ou menos, quando o rei Sargão da Assíria derrotou o rei do Egito na batalha de Ráfia. Alguns ligam a data dêste oráculo com a da subjugação dos filisteus pelos assírios em 711. Mas parece mais provável que fôsse escrito no período de amizade entre o Egito e Judá, em 702.

Sentença contra o Egito, ou oráculo concernente ao Egito. Ver a discussão desta palavra na nota

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sôbre 13:1. Javé vem ao Egito, cavalgando numa nu­vem ligeira. Na linguagem poética, o Senhor é freqüen­temente representado no seu modo de andar velozmente no carro de nuvem, ou nas asas do vento, Deut. 33:26; Sal. 18:10; 68:33; 104:3; Dan. 7:13; Hab. 3:3-10. E Mat. 24:30 declara que o Filho do Homem virá sôbre as nuvens do céu com poder e muita glória. Assim é re­presentada a operação do juízo divino na dissolução da vida nacional do Egito. Esta linguagem poética não é in­coerente com o ensino da onipresença do Senhor em Jer. 23:24 e Sal. 139; nem com a visão de Isaías, 6:1. Os ídolos do Egito. Os egípcios adoravam vários deuses e deusas, com o Hathor, a Senhora de Biblos, ísis, Hó- rus, Atom e outros; mas tinham também os seus pró­prios ídolos, como o crocodilo, peixes, o homem, a árvo­re e òutros. Mas o profeta fala aqui da decadência da religião e da vida moral dos egípcios. Com a vinda do Senhor os ídolos estremecerão, e o coração do povo se derreterá diante da manifestação da justiça de Deus.

Os versos 2 e 3 descrevem a anarquia no Egito. A profecia foi escrita num período de declínio do poder do govêrno, provavelmente na ocasião da queda de uma dinastia, que resultou na desorganização da vida nacio­nal. Parei com que, ',r ó D »D de •HDD. Esta palavra é

• í - X • — T

usada em vários sentidos: incitar, excitar, estimular, ar­mar, esconder, proteger. Deus incita ou faz com que, no sentido de fazer operar a sua lei moral ou espiritual; mas os próprios egípcios são responsáveis pelo fracasso da sua religião, do seu govêrno e da sua vida social e econômica. Êles estão pelejando uns contra os outros, em tôdas as suas relações e em tôdas as suas atividades. A religião não tem mais fôrça na sua vida moral e nas suas relações sociais.

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A PROFECIA DE ISAÍAS 275

O espírito dos egípcios se esvaecerá dentro dêles. O nifal do verbo significa ser esvaziado ou esgotado,

” T . . . .

derramado. Com as contendas e lutas êles ficam com ­pletamente esgotados, sem quaisquer recursos espirituais ou religiosos. Consultarão, ou consultam os seus ídolos, os encantadores, os necromantes e os feiticeiros, e ficam cada vez mais confusos. Eu confundirei o seu conselho. A palavra pode significar confundir, aniquilarou destruir. 0 Senhor destruirá ou aniquilará o consc- Jho dos egípcios.

Entregarei os egípcios nas mãos de um senhor duro; ou, mais literalmente, nas mãos de senhores de cruelda­de, provàvelmente os assírios. A palavra senhores é plu­ral de majestade, com o se vê na frase o rei feroz na cláusula seguinte. O profeta declara que um opressor cruel do Egito, ou da Assíria, se levantará com o o resul­tado da confusão e das lutas civis enti'e os egípcios. O Egito sofreu por mais de um século como resultado das guerras com os assírios e os babilônios.

5. Secarão as águas do Nilo,e o rio se tornará sêco e árido.

6. Os canais exalarão mau cheiro,e os braços do Nilo diminuirão e se esgotarão; as canas e os juncos se murcharão.

7. Haverá lugares nus junto ao Nilo,à beira do rio,

e tôda a sementeira junto do Nilo se secará, será levada pelo vento, e não subsistirá.

8. Os pescadores gemerão e lamentarão,todos que lançam anzol ao rio;

e desfalecerãoos que estendem rêde sôbre as águas.

9. E envergonhar-se-ão os que trabalham em linho fino,e os que tecem pano branco.

10. Os seus grandes serão esmagados,e todos os jornaleiros ficarão entristecidos.

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Os versículos 5 a 10 descrevem as condições trági­cas da vida econômica e social do povo do Egito. Estas condições resultam da falta das águas do Nilo. Alguns duvidam que haja qualquer conexão entre estas condi­ções tristes do povo e a injustiça das condições políticas c sociais apresentadas nos versos 1 a 4. Mas o tom da mensagem indica que o profeta está dizendo que os egíp­cios estão sofrendo por causa dos seus pecados da in­justiça política, industrial e social.

Secarão as águas do mar. A palavra mar, com o em 18:2, significa o Nilo, que, nos períodos de inundação, tipha a aparência de mar, semelhante ao rio Amazonas. Para os egípcios não podia haver maior desastre do que a falha das águas do Nilo, porque tôda a prosperidade da terra, e até a vida do povo dependiam das águas do rio. Devemos reconhecer que a linguagem do profeta aiqúi é poética, e não deve ser interpretada literalmente. Nos tempos antigos o povo sofria quando se baixavam as águas do Nilo, mas nunca se secaram totalmente as suas águas.

Os canais exalarão mau cheiro. A palavra rio no verso 5 significa o Nilo. Os rios, fYHílJ , do verso 6, sig­nifica canais cortados para distribuir águas do rio Nilo na irrigação das terras. Esta mesma palavra se usa para designar os canais da Babilônia, no Salmo 137. O verbo “ 3Í » exalar mau cheiro, não é usado em qualquer

- T

outro lugar. Talvez seja palavra caldaica, mas o sentido aqui está claro. Os canais ficarão estagnados e pútridos, com cheiro nauseabundo.

A palavra significa prado, traduzida por al-T

guns revela. Mas o texto apresenta um problema. A mar­gem de Kiltel tem íinX , lugares nus, que cabe melhor no

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texto. A sementeira junto do Nilo pode significar as canas e os juncos do verso 6, mas alguns pensam que significa o solo e as sementes plantadas nêle. As plan­tações serão secadas e reduzidas a pó, sendo êste levado pelo vento, como no nordeste do Brasil nos periodos da sêca.

Os pescadores gemerão. A pesca constituia um das indústrias mais importantes no Egito (Cp. Êx. 7 :21). Assim, as indústrias do Egito, a pesca, a lavoura, o pre­paro de algodão e linho (Rôlo de 1Q Isaa do Mar Mor­to) paralisam. Todas as classes da sociedade, os gran­des e os jornaleiros serão esmagados, envergonhados e entristecidos.

11. Na verdade, são néscios os príncipes de Zoã;os sábios conselheiros de Faraó dão conselhos estúpidos.

Como podeis dizer a Faraó:Filho de sábios sou eu,filho de reis antigos?

12. Onde estão agora os teus sábios?An un cie m -te agora e informem-tedo que o Senhor dos Exércitos determinou contra o Egito.

13. Loucos se tornaram õs príncipes de Zoã,enganados estão os príncipes de Mênfis;

fazem errar o Egitoos que são pedras de esquina das suas tribos.

14. O Senhor difundiu no meio dela o espírito de confusão; e êles fizeram estontear o Egito em tôda a sua obra,

como o bêbedo quando cambaleia no seu vômito.

15. E não haverá para o Egito obra algumaque possa fazer cabeça, cauda, palma ou junco.

Os versos 11 a 15 descrevem a estultificação e a es­tupidez dos conselheiros de Faraó. Os sábios famosos do Egito, e os principes das cidades notáveis de Zoã e Mênfis mostram a sua falta de entendimento, e sua insensatez nos conselhos que davam a Faraó. O Senhor

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írustrava os seus conselhos e os seus planos, porque êles não podiam discernir, nem entender, os propósitos e os planos de Deus para com as nações do mundo. Os sá­bios, vaidosos, enganavam-se a si mesmos, bem como a todos que participavam na vida e no govêrno do Egito, e conseqüentemente o país ficou paralisado.

São néscios os príncipes de Zoã. A cidade tinha também o nome de Tanis. É lima cidade de interesse histórico. Os hebreus escravizados no Egito moravam perto de Tanis, e muito provàvelmente foram obrigados a construir esta cidade, bem como as cidades-celeiros de Pitom e Ramessés (Êx. 1:11). As escavações mostram que Zoã fo i uma cidade importante ali pela décima- segunda, ou a sexta dinastia, c. 2625-2475. Foi residên­cia de reis desde o govêrno de Ramessés II no décimo terceiro século. Foi também a cidade de Sisaque, rei do Egito no tempo de Salomão (I Reis 11:40; 14:25; II Crôn. 12:2, 5, 7 ).

Como podeis dizer a Faraó, sou filho dos sábios, filho de reis antigos? A casta sacerdotal foi reconhecida uo Egito como os herdeiros da sabedoria famosa do Egito, pois as dinastias antigas eram da classe da elite dos sacerdotes que teoricamente preservavam e trans­mitiam a sabedoria do Egito. Mas, não obstante tôdas as suas pretensões, e a sua vaidade, êles davam conselhos estúpidos.

Onde estão agora os teus sábios? Pergunta sai'cás- lica, dirigida a Faraó. Perante o pi'oblema da aflição e do sofrimento do Egito, êles não existiam. Existiam, sim, mas simplesmente como loucos vaidosos que nada sabiam. Não podiam discernir, nem dizer qual era o propósito do Senhor concernente ao Egito.

Os príncipes de Zoã e de Mênfis já se tornaram lou­cos. Mênfis, como Zoã, era unia cidade antiga, e de

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importância histórica, como capital do Egito Setentrio­nal, e com o sede de religião e ciência. Ficava no canto meridional do Delta, perto do local da cidade moderna do Cairo. Foi conhecida pelo nome de Mofe, Os. 9:6; Nofe, Jer, 2:16; Menofe, Ez. 30:13.

São estas pedras de esquina que faziam errar o Egi­to (Cp. Jui. 20:2; I Sam. 14:28; Zac. 10:4). Como re­sultado dos conselhos dêsses sábios, as autoridades f i ­cavam completamente confundidas. No seu juízo cor­rompido, os sábios fizeram estontear o Egito em tôdas as suas obras, como o bêbedo quando cambaleia no seu vômito. Não podiam fazer cousa alguma. Cabeça e cauda, príncipe e jornaleiro, forte e fraco, ficaram igual­mente frustrados e impotentes.

3. Judá e Javé dos Exércitos, um Terror para os Egíp­cios, 19:16, 17

16. Naquele dia os egípcios serão como mulheres; tremerão com terror por causa do movimento da mão do Senhor dos Exércitos que êle agitará contra êles.

17. E a terra de Judá se tornará um terror para os egípcios; todo aquêle a quem isso se anunciar S3 assombrará, por causa do propósito do Senhor dos Exércitos que determinou contra êles.

Os egípcios tremerão perante o juízo iminente de Javé dos Exércitos, e estremecerão quando se mencio­nar o nome de Judá. Talvez haja uma alusão ao efei­to das pragas na vida dos egípcios no tempo do êxodo, Êx. 10:7; 11:3; 12:33, 36. Naquela ocasião, como nes­ta profecia, o povo do Senhor se tornou objeto de ter­ror para os seus inimigos, pelo movimento da mão de Javé dos Exércitos.

Naquele dia introduz aqui uma profecia escatológi- ca, encerrada no conceito bíblico do propósito do Senhor

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dos Exércitos. A frase aqui, como em muitos outros lu­gares, dá ênfase ao juízo do Senhor como o preparo ne­cessário para o futuro do reino de Deus. Judá, com o o povo escolhido do Senhor, tinha a nobre incumbência missionária de avançar o reino de Deus entre as nações. Persistia, porém, no entendimento errado a respeito da natureza da sua missão, e do seu próprio lugar no rei­no (Ver a discussão sôbre O Dia do Senhor na Teolo­gia Bíblica do autor, p. 227). O profeta fala aqui do terror dos egípcios perante Judá, e perante o Deus do povo escolhido, Javé dos Exércitos. Apresenta-se, aqui, apenas o lado negativo do reino futuro de Deus entre as nações, mas o escritor está visando ao dia quando Judá dominará o mundo, e a sua religião será aceita univer­salmente (Cp. 11:10-16; Miq. 7:16-17).

Os egípcios serão como mulheres, tímidos, medro­sos e consternados. A terra de Judá se toi’nará um ter­ror para êles, bem como o movimento da mão de Deus sôbre a sua terra (Cp. 30:32; 10:32; 11:15).

A terra de Judá se tornará um íerror para os egíp­cios, mas não por causa da agressão de Judá contra o Egito, com o diz The Interpreter’s Bible, in loco. É sim­plesmente o terror inspirado nos egípcios pelo Senhor dos Exércitos, como no tempo do êxodo, e pela associa­ção de idéias, a terra de Deus se tornará um terror para os egípcios.

4. Os Egípcios e os Assírios Adorarão ao Senhor, 19:18-25

18. Naquele dia haverá cinco cidades na terra do Egito quefalarão a língua de Canaã e jurarão ao Senhor dos Exércitos. U m a destas será chamada a Cidade do Sol.

19. Naquele dia haverá um altar dedicado ao Senhor no meio da terra do Egito, e uma coluna se erigirá ao Senhor na sua fronteira.

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20. E servirá de sinal e de testemunho ao Senhor dos Exércitos na terra do Egito; quando clamarão ao Senhor por causa dos opressores, êle lhes enviará um salvador e defensor que os livrará.

21. E o Senhor se fará conhecido aos egipcios; e os egípcios co­nhecerão ao Senhor naquele dia; sim, êles o adorarão com sacrifícios e ofertas, e farão votos ao Senhor, e os cumprirão.

Èste versículo 18, que fala das cinco cidades na ter­ra do Egito que falarão a língua de Canaã e jurarão ao Senhor dos Exércitos, é de largo interêsse histórico. Uma das cidades é distinguida das outras, talvez como o centro do culto dos judeus no Egito. Esta seção do ca­pítulo, versos 18 a 25, em contraste com a atitude de hostilidade contra o Egito em 16 a 17, trata de três as­suntos importantes — a colônia de judeus no Egito, a conversão dos egípcios e a aliança religiosa entre o Egi­to, a Assíria e Israel. As cartas de Elefantina ou Yebe, descobertas em 1903, oferecem muita informação im­portante sôbre a colônia dos judeus no Egito (Ver a Ar­queologia Bíblica do autor, ps. 59-62). Essa colônia de hebreus em Elefantina, perto de Assouã, erigiu o seu Templo ao Senhor logo em 525 a .C . , ou talvez algum tempo antes. Cêrca de 160, Onias, um sacerdote exila­do, construiu em Leontópolis o segundo templo, justifi­cando-se por esta passagem em Isaías, segundo Josefo, Antigüidades XIII:3.1.

Alguns interpretam o versículo 18 como profecia de que algumas cidades egípcias se converterão ao Senhoi' Javé dos judeus com o as primícias da terra, e assim fa­larão a língua de Canaã. Mas, à luz da História, é claro que as cinco cidades são colônias de judeus no Egito. O culto de Javé dos Exércitos será estabelecido na terra, e como resultado da conversão do Egito e da Assíria, haverá uma aliança religiosa entre êstes países e Israel.

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Não há ocasião mais apropriada historicamente para esta visão do profeta do que a salvação miraculosa de Jeru­salém do poder do exército de Senaqueribe em 701 a .C .

Falarão a língua de Canaã. Esta língua de Canaã é o hebraico falado pelos israelitas e por vários outros po­vos das terras vizinhas. Foi esta língua sagrada que dis­tinguiu os judeus no Egito dos seus vizinhos. Jurarão ao Senhor significa simplesmente que êstes judeus no Egito eram fiéis ao Senhor dos Exércitos, o Deus que se revelou ao seu povo. Há várias opiniões, e muita dis­cussão a respeito do sentido original da última declara­ção do verso 18. Uma destas será chamada a cidade da destruição, D*|fiPl; a cidade da justiça, p i da Sep-

tuaginta; a cidade do Sol,D“inn , de vários manuscritos.A primeira destas versões representa o texto aceito; a segunda representa a versão grega; a terceira segue o hebraico de vários manuscritos. Alguns pensam que a Cidade da Justiça represente o texto original (Cp. 1:26), a pequena Jerusalém entre as cinco cidades no Egito. Mais tarde, fo i mudada para o nome egípcio, Cidade do Sol, Heliópolis, uma cidade no Delta. A Cidade da Des­truição representa uma data mais tarde, nome usado por causa do zêlo ortodoxo em favor de Jerusalém como o único santuário legítimo de Javé (Deut. 12:5). É tam­bém possível que fôsse denominada a cidade da destrui­ção por causa da hostilidade desenvolvida mais tarde contra o Egito.

Haverá um altar ao Senhor no Egito para os ju ­deus na terra, e mais tarde para os egípcios convertidos ao Deus de Israel. Como já explicamos, os judeus no Egito construíram um Templo dedicado ao culto do Se­nhor, não obstante a legislação deuteronômica que re­conhecia apenas o altar ou o Templo em Jerusalém.

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Uma coluna, n a s » , foi erigida na fronteira do Egito.T —

Colunas ou pilares comemoravam uma variedade de eventos históricos na terra de Israel, e finalmente eram usados com o acessórios ao culto. Esta coluna na fron­teira do Egito servia, para os israelitas no Egito, de si­nal e de testemunho ao Senhor dos Exércitos. Prome­te, primeiro aos judeus, e depois aos egipcios que se con­vertam ao Senhor, um Salvador e defensor, quando cla­marão ao Senhor por causa dos opressores. Assim, o processo da conversão dos egípcios se apresenta nos ver­sos 20 e 21 de uma maneira significativa. Os judeus proclamam aos egípcios o nome de Javé por suas obser­vações religiosas, e depois no tempo de aflição, os egíp­cios, sem mais confiança nos seus deuses falsos, vêm ao Senhor, e dêle recebem respostas às suas orações. Os egípcios se regozijam no conhecimento do Senhor, e na sua profunda gratidão, e êles o adoram com sacrifícios e ofertas.

22. E o Senhor ferirá os egípcios, ferindo e curando; e êles se converterão ao Senhor, e êle lhes atenderá às orações, e os curará.

23. Naquele dia haverá estrada do Egito até à Assíria, e os assírios virão ao Egito, e os egípcios ã A ss íria ; e os egípcios adorarão com os assírios ao Senhor.

24. Naquele dia Israel será o terceiro com os egípcios e os assírios, uma bênção no meio da terra ;

25. porquanto o Senhor dos Exércitos os abençoará, dizendo: Bendito seja o Egito, meu povo, e a A ssíria , obra das minhas mãos, e Israel, m inha herança.

O Senhor ferirá os egípcios, e assim os disciplina­rá da mesma maneira, e com o mesmo propósito, com que disciplinava o povo de Israel. Os egípcios que se con­

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verterem ao Senhor terão a experiência da disciplina paternal e da bondade divina que havia orientado o povo de Israel. Terão até as mesmas fraquezas dos is­raelitas, mas quando se desviarem do caminho do Se­nhor, a disciplina os levará ao arrependimento, e voltan­do-se ao Senhor, êles receberão as bênçãos do perdão, e Deus responderá às suas súplicas e os curará (Cp. Os. 6 :1 ).

Naquele dia haverá estrada do Egito até à Assíria.Assim haverá uma aliança pacífica entre êsses dois paí­ses, baseada no seu nôvo conhecimento do Senhor dos Exércitos, o verdadeiro Deus. Como o verso 21 explica a conversão do Egito ao Senhor, assim êste verso 23 in­dica claramente que a Assíria experimentara a mesma transformação religiosa. A inimizade política que exis­tira por longos anos entre o Egito e a Assíria termina­rá com a nova experiência religiosa com o Senhor Javé, o Deus de Israel. Os versos 23 a 25 falam da aliança tríplice entre o Egito, a Assíria e Israel. Èstes três po- dêres, na maravilhosa providência de Deus, serão uma fonte de bênção para o mundo inteiro.

Naquele dia Israel será o terceiro com o Egito e a Assíria. Os versos 24 e 25 explicam como êstes dois grandes podêres rivais, que no período das suas fam o­sas carreiras políticas, esmagavam países, saqueavam as suas riquezas e atormentavam os seus povos, naquele dia do Senhor, êles cooperarão e trabalharão juntos com Israel, para estender o reino dó Senhor dos Exércitos entre os povos da terra. Com a estrada entre o Egito e a Assíria que atravessa a terra de Israel, os egípcios e os assírios serão relacionados ao Senhor tão diretamente como Israel. Esta profecia missionária vai se cumprin­do lentamente, mas com a certeza do seu cumprimento final.

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5. Evitar Alianças Políticas com Estrangeiros, 20:1-6

Êste tópico especifica um ensino geral dos profetas que recebe ênfase especial neste capítulo. Mas a men^ sagem do profeta relaciona-se com vários fatos e even­tos históricos de importância. Oferece, por exemplo, in­formação nova sôbre a personalidade e a atividade po­lítica de Isaías. Já havia demonstrado, no capítulo 7, a sua forte oposição contra a aliança desastrosa de Judá contra a Assíria. Naquela ocasião, o profeta levou con­sigo o filho, com o nome simbólico Sear-Jasube. Mas agora êle representa um ato simbólico, aparentemente humilhante e indecoroso para um mensageiro do Se­nhor, para demonstrar o perigo de fazer uma aliança: com o Egito. Andou três anos nu e descalço por sinal e prodígio sôbre o Egito. Mas Jeremias e Ezequiel usa­ram mais símbolos do que Isaías para reforçar os seus; ensinos.

No ano de 711 a. C ., Sargão II, rei da Assíria de 722 a 705, fêz a sua expedição contra Asdode, a cidade principal dos filisteus. Das inscrições preservadas e acha­das no magnífico palácio de Sargão II, em Dur-Sarrukin ou Sargonópolis, íemos informação sôbre as atividades dêsse poderoso imperador (Ver Winton Tliomas, Do- cuments from Old Testament Times, ps. 61 e seg. e a Arqueologia Bíblica do autor, ps. 79-80). Em 721 foi êle quem completou o sítio de Samaria, e deportou 27.290 de seus habitantes, espalhando-os em vários paí­ses sob o seu domínio, assim terminando definitivamen­te o reino setentrional dos hebreus.

Asdode, a cidade principal dos filisteus, foi o cen­tro da rebelião contra a Assíria. O rei Azuri de Asdode, deixando de pagar o tributo exigido pela Assíria, uniu- se com os príncipes dos estados vizinhos, com a esperan­ça de ganhar o socorro de Judá e do Egito, numa grande

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revolta contra a Assíria. Por esta insubordinação, Azu- ri foi deposto e o seu irmão Aquimite estabelecido em seu lugar. Mas os asdoditas removeram Aquimite e es­colheram lamani como o seu governador. Sargão II mandou imediatamente uma grande fôrça expedicioná­ria contra os rebeldes, capturou a cidade de Asdode, sa­queou as suas riquezas, e levou cativos os seus habitan­tes. Sargão incorporou o território dos filisteus no Im­pério da Assíria. Antes da chegada do exército de Sar­gão contra os filisteus, o profeta evidentemente pensava que os assírios conquistadores estenderiam o seu poder também sôbre o Egito, e assim quis mostrar ao seu povo a fraqueza daquele país, em cujo poder os judeus sempre tinham a tendência de confiar, contra os conselhos dos profetas. É um tributo à influência e ao poder de Isaías, com o estadista, que êle ganhasse a vitória sôbre o par­tido político que favoreceu a união de Judá com o Egito e a Etiópia nesse tempo.

1. No ano em que o com andante-chefe, enviado por Sargão, rei da Assíria, veio a Asdode, e a guerreou e a tomou,

2. nesse mesmo tempo o Senhor tinha falado por intermédio de Isaías, filho de Am oz, dizendo; V ai, solta de teus lombos

o pano grosseiro e tira dos pés o calçado. E assim êle tinha feito, indo despido e descalço.

3. Então, o Senhor disse: Assim como Isaías, meu servo, tem andado três anos despido e descalço, por sinal e prodígio contra o Egito e contra a Etiópia,

4. assim o rei da Assíria levará os presos do Egito, e os exilados da Etiópia, tanto moços como velhos, despidos e descatços, e com as nádegas descobertas, para vergonha do Egito.

No ano em que veio o comandante-chefe a Asdode. Esta palavra (tartã) não é nome próprio, com o se vê em muitas versões. É o titulo do maior oficial do exér­cito da Assíria, dépois do rei, o comandante-chefe das tropas (II Reis 18:17). Sargão, ou Sarruquim, rei da Assíria. Êste é o único lugar no Velho Testamento em

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que o nome dele é mencionado. Era filho de Salinane- ser V e o pai de Senaqueribe (Cp. II Reis 17:5, 6 ). Era um dos mais vigorosos reis da Assíria.

No verso 2 o sentido da palavra "UH é claramen­te tinha falado, em vez de falou, o Senhor por intermé^ dio de Isaías. 0 profeta tinha andado nu e descalço por três anos, antes da vinda do exército da Assíria. Aqui; como em muitos lugares do Velho Testamento, é o con­texto e não a form a gramatical que determina o tempo do verbo, com o explico na minha Sintaxe do Hebraico, caps. I e II. 0 vestido do profeta é geralmente repre­sentado como manto de pêlos, H2 ■ H 3 , o vestido comum,

II Reis 1:8; Zac. 13:4. Mas 0 & ,o vestido que o profetasoltou era de pano grosseiro. A frase andando nu sig­nifica que o profeta usava naquele período apenas uma espécie de avental ou uma tanga (Cp. I Sam. 19:24; João 21:7 ) . O ato do profeta foi indecoroso e humilhan­te para um homem com o Isaías, e representa o espírito de sacrifício no serviço do Senhor.

O verso 3 acentua êste fato de que Isaías era servo, meu servo, do Senhor (Cp. Am. 3:7; Núm. 12:7). 0 seu ato era sinal e portento contra o Egito e contra a Etiópia (Ver. 8:18). No tempo da proclamação desta mensagem a Etiópia exercia a influência e o poder polí­tico no vale do Nilo. Sabaca tinha subjugado todo o Egito ao govêrno dos reis da Etiópia pouco antes de o profeta proclamar a sua mensagem.

O rei da Assíria levará os presos do Egito, e os exi­lados da Etiópia. A Assíria era notàvelmente cruel no tratamento das nações que subjugava. Praticava a po­lítica do genocídio, extinguindo as raças e as nações qile conquistava. Assim, Sargão II tratou os filisteus venci­

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dos com a mesma crueldade que tinha praticado contra a nação de Israel, exilando tanto moços como velhos, despidos e descalços, e com as nádegas descobertas. Sargão não invadiu o Egito e a Etiópia nesta campanha, mas os assírios derrotaram os egípcios na batalha de Elteque dez anos depois, e em 670 o Egito fo i invadido e severamente derrotado pelos assírios. Mas o fato im­portante é que os judeus, que tanto se esforçaram para estabelecer uma aliança política com o Egito, viram a tragédia dos filisteus que com tanta confiança tinham dependido do socorro do Egito. Assim, Isaías viu que a sua humilhação, na obediência ao Senhor, não foi em vão.

5. Então se assombrarão e se envergonharão por causa da Etiópia, sua esperança, e do Egãto, seu orgulho.

6. E os moradores desta ilha dirão naquele d ia: Vêde, foi isto que aconteceu àqueles em quem esperávamos, e aos quais fugim os por socorro, para liv ra r-n o s do rei da A ssíria! Como, pois, escaparemos nós ?

Os versos 5 e 6 descrevem o efeito nos habitantes de Judá, que tanto haviam confiado no Egito, quando êles viram os filisteus levados cativos sem que lhes vies­se qualquer auxílio da parte dos egípcios. Assim, foi cumprida a mensagem do profeta, e vindicado o motivo da sua humilhação. Foi um grande sacrifício para êste nobre profeta que andava como príncipe, sujeitar-se ao es­cárnio público. Mas não podemos deixar de lembrar que Aquele que se sujeitou à mais terrível humilhação ga­nhou a vitória mais gloriosa, Fil. 2:5-11.

A frase desta região, ou a terra da costa descreve o território dos filisteus, mas inclui também a terra de Judá. O sacrifício do profeta visava especialmente ao bem-estar do seu povo. Êste capítulo relaciona-se claramente com 19:1-15, especialmente com o verso 4.

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I. Uma Visão da Queda da Babilônia, 21:1-10

1. Oráculo concernente ao deserto do m ar.Como tufões no sul andam rapidamente,

êle vem do deserto, dum a terra terríve l.

2. Visão dura me é anunciada;o pérfido procede pèrfidamente, o destruidor anda destruindo.

Sobe, ó Elão, sitia, 6 M édia;

todo o seu gemido faço cessar.

Há três oráculos difíceis de interpretar neste capí­tulo . As três poesias tratam da Babilônia, Dumá e a Ará­bia. Cada uma das três mensagens acentua o elemento visionário na experiência do mensageiro, e indica uma certa simpatia para com os povos destas terras. O pro­feta se agita com pensamentos obscuros e melancólicos. A linguagem é um tanto enigmática e obscura, mas breve e vigorosa, e com frases brilhantes. É a lingua­gem de excitamento que descreve o movimento rápido dos eventos apresentados.

Sem entrar nas numerosas discussões sôbre o au­tor e a data dos oráculos, basta dizer que os argumen­tos contra a autoria isaiânica, embora fortes, e para muitos conclusivos, não são suficientes para provar que o profeta Isaías não pudesse ter escrito êste capítulo. Pode-se dizer também que, neste caso, a questão da da­ta e do autor não muda essencialmente a significação da mensagem.

Oráculo concernente ao deserto do mar. Que signifi­ca esta declaração misteriosa? A versão grega e o Rôlo do Mar Morto omitem a palavra mar. Mas é possível que a palavra fôsse omitida do texto original por causa da dificuldade da declaração. Enquanto o sul da Babi­

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lônia, diretamente ao norte do Gôlfo Pérsico, não pode ser descrito com o o deserto do mar, não há dúvida de que se fala aqui na Babilônia, seja qual fôr a solução do enigma das palavras. Na visão dura o profeta está vendo e contemplando a marcha rápida e tempestuosa das hostes da Média e de Elão contra a Babilônia. Ora, esta referência ao ataque de Elão e Média é suficiente para convencer muitos estudantes de que se fala do assalto histórico contra a Babilônia, quando ela caiu no podei' dos persas, sob o comando de Ciro, em 530, muito tem­po depois de Isaías. Mas o conteúdo do capitulo' também cabe numa situação histórica do tempo de Isaías. Sabemos de Is. 39:1-4 que Merodaque Baladã era homem pode­roso da província da Babilônia, que ameaçava tomar conta do governo do Império da Assíria no tempo do profeta. Sargão II lutou contra êste adversário em 710 na província da Babilônia, e finalmente o subjugou. Estas circunstâncias históricas oferecem uma explica­ção da simpatia para com as vítimas da agressão assí­ria, bem como do elemento visionário dos oráculos. Elão e Média, sob o comando de Sargão II, representaram as fôrças da Assíria contra a Babilônia.

O profeta está preocupado porque os tufões do de­serto talvez venham contra a sua terra, depois da sub­jugação da Babilônia, e a narrativa subseqüente focaliza a atenção em Elão e Média. O perigo que viesse da­quela região teria que atravessar o deserto para chegar a Judá. A menção de Média e Elão como o adversário conquistador não é incompatível com o reconhecimen­to de Isaías como o autor da profecia (Ver 22:6). Os elamitas eram um povtí muito antigo, com uma longa história de relações e alianças políticas com várias na­ções do mundo (Gên. 14:1-11; Is. 11:11; Jer. »25: 25; Ez. 32:24; Esd. 4:0; Neem. 1:1; Est. 1:2; Dan. 8:2; At. 2 :9 ). Os medos eram iranianos, indo-europeus,

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<|lio ocupavam a terra ao sul do Mar Cáspio. Já consti- Itifam uma nação crescente no tempo de Isaías, mas pa- <{íivnm tributo a Salmaneser II, c. 836. Em 612 êles capturaram a orgulhosa cidade de Nínive, capital do Império da Assíria. Ciro conquistou a Média em 549.

3. Pelo que os meus lombos estão cheios d « angústia;dores se apoderaram de m im ,

como as dores da m ulher que dá à luz; contorço-m e de dores e não posso ouvir,

desfaleço e não posso ver.

4. O meu coração cambaleia, o horror me apavora;o crepúsculo que desejava

se me tornou em tremores.

Os versos 3 e 4 descrevem a agitação e o terror do profeta. 0 crepúsculo que desejava, se me tornou em tremores. Esta declaração aparentemente menciona as tristezas do profeta nos seus últimos dias, depois de um período de calma. As dores mais terríveis se apodera­ram dêle, e êle se achava apavorado.

5. Preparam a nrvesa,estendem tapêtes, comem, bebem.

Le van tai-vos, príncipes, untai o escudo.

6. Pois assim me disse o Senhor:Vai, põe o atalaia,

que êle anuncie o que v ir.

7. Quando êle v ir um a tropa de homens montados,cavaleiros de dois a dois,

uma tropa de jumentos, e uma tropa de camelos,

que êle então escute atentamente, mui atentamente,

8. Então gritou aquêle que v iu :S&bre a tôrre de vig ia estou em pé, 6 Senhor,

continuamente durante o dia,

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e de guarda me ponho noites inteiras.

9 Eis agora vem uma tropa de homens, cavaleiros de dois a dois!

Então ergueu êle a voz e disse:C aiu, caiu Babilônia;

e tôdas as imagens de seus deuaes êle despedaçou por terra.

O verso 5 descreve o indiferentismo dos babilônios perante o perigo do sítio da cidade pelo inimigo. Termi­na o versículo 5 com o apêlo dirigido ao povo que co­mia e bebia, e aparentemente não se preocupava com o perigo do inimigo. Levantai-vos, príncipes, untai o escudo. O banquete termina em confusão, pois o ini­migo já está à porta da cidade. Tudo isso o profeta con­templa na visão. Untai o escudo, preparai-vos para a batalha (Ver II Sam. 1:21). Até o verso 5, o profeta, na sna visão, fala da mensagem que lhe foi anunciada di­retamente, Mas nos versos 6 a 9 êle indica outro modo de comunicação. Assim, êle se apresenta como perso­nalidade dual. No fim, o atalaia é o próprio profeta. Vê e ouve cousas que não entende, porque ficou em sus­penso o seu poder de interpretar imediatamente o que estava vendo e ouvindo. Ao mesmo tempo, êle se man­tém alerta para entender e transmitir o significado da mensagem que está recebendo como o atalaia. Encon­tra-se a mesma experiência psicológica da parte de ou­tros profetas; Hab. 2:1; Zac. 1:9; Ez. 8:1-3; 11:21-25. Êste estilo enigmático não è característico do profeta Isaías, e levanta dificuldades em se aceitar êste capítulo como obra sua.

Vai, põe o atalaia, que êle anuncie o que vir. Esta é ordem que o profeta recebe do Senhor. Assim, na vi­são, o profeta vê e ouve mui atentamente a procissão militar, com a certeza de que há de receber a mensagem que ela representa,

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A frase clamou com o leão traduz corretamente o lexto massorético, mas o texto da margem, gritou aque­le que viu, é mais claro, e representa melhor o sentido da passagem. A diligência do atalaia, que é o próprio profeta, é indicada, com ênfase, pela declaração de que êle fica estacionado de pé, na tôrre de vigia, durante o dia e noites inteiras. E quando o profeta vê e escuta mui atentamente a longa tropa, que, na visão, vem da Babilônia, de repente êle entende o que significa o pa­norama. Então ergueu a voz e clamou: Caiu, caiu Ba­bilônia, juntamente com os seus deuses.

10. O h! meu debulhado, meu filho da eira!O que tenho ouvido do Senhor dos Exércitos,

o Deus de Israel, isso vos anuncio.

O verso 10 refere-se a Judá, o debulhado e o filho da eira, do profeta. Com a subjugação da Babilônia, o profeta está pensando aparentemente que o poderoso exército da Assíria atacará logo as cidades rebeldes dos filisteus, vizinhos de Judá, e provàvelmente a Judá tam­bém.

Há três interpretações dêste capítulo que represen­tam métodos diferentes de se entender a profecia do ponto de vista da História. Alguns dizem que a visão do profeta não está limitada quanto ao seu entendimento dos eventos futuros da História. Segundo êste ponto de vista, os intérpretes antigos, e alguns poucos entre os modernos, dizem que Isaías, o autor dêste capítulo, ti­nha recebido do Senhor uma visão clara da queda da Babilônia no poder de Ciro em 586, aproximadamente 125 anos depois de escrever êste capítulo.

Por causa das grandes dificuldades de manter e aplicar êste método de interpretar as profecias do Velho Testamento, quase todos os eruditos modernos, reco­

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nhecendo que a inspiração divina preparou os profetas para entender e interpretar o significado dos eventos do seu tempo na providência divina, não podem descobrir nas profecias qualquer evidência de que os seus auto­res tivessem o poder para descrever os pormenores dos eventos futuros da História. Enquanto o profeta Isaias era mestre inspirado pelo Senhor para entender e ex­plicar a significação e a importância dos eventos histó­ricos da sua época em relação ao propósito de Deus, êle não foi inspirado para interpretar os pormenores dos eventos históricos que aconteceriam mais de cem anos depois da sua morte. Deus levantou e inspirou Jere­mias e outros profetas para interpretarem o significa­do, e o propósito divino do cativeiro babilónico.

Se o profeta Isaias escreveu êstes dez versículos, êle descreve a derrota de Merodaque Baladã e a queda da província da Babilônia, no seu esforço de dominar o Im­pério da Assíria. Se o mensageiro está falando da queda do Império da Babilônia no poder de Ciro em 587, não é o profeta Isaias. Êste é o ponto de vista de quase to­dos os eruditos de hoje.

J. Oráculo Concernente a Dumá, 21:11-12

11. Oráculo concernente a Dum á.Clam a para m im de Seir:

Guarda, que há de noite?Guarda, que há de noite?

12. D iz o guarda :Vem a manhã, e tam bém a noite.

Se quereis perguntar, perguntai;voltai, vinde.

Êste breve oráculo trata de Dumá. Segundo a Sep- tuaginta, e a margem de alguns manuscritos hebraicos, Dumá identifica-se como Edom. A terra de Edom fica

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(liretamente ao sul e sueste do Mar Morto. A palavra Dumá significa silêncio, e pode ser formada pela troca da posição das letras hebraicas da palavra Edom . A passagem breve e vaga não indica definitivamente a si­tuação histórica, nem a data do oráculo. Mas o tom de ansiedade na pergunta indica que Seir (Cp. Juí. 5:4; Ez. 35:2) ou Edom se achava em grande perigo. Devi­do à sua posição geográfica, Edom se achava neste grande perigo quando Sargão II subjugou os filisteus, e ameaçava estender a sua campanha militar até ao Egito, c. 715. Neste caso, não pode haver dúvida de que Isaias é o autor dêsse oráculo. Por outro lado, Edom prospe­rou notàvelmente durante o período do exílio dos ju ­deus na Babilônia, ocupando uma grande parte do ter­ritório dos exilados, e despertando contra si a hostilida­de feroz dos vitimados (Cp. Ez. 25:12-14; 35:14; 36:3; Is. 63:1-6; Mal. 1:2-5).

Clama para mim, fcH p Assim o ptc. sing.,sem sujeito definido, indica clamor urgente. 0 claman- te apresenta ao guarda, o profeta, a pergunta ansiosa: Guarda, que há de noite? Que parte da noite já pas­sou? Quantas horas até que venha a manhã? Esta lin­guagem é obscura, e provàvelmente figurada. Quanto tempo dêste período de aflição já passou? Quando vem alívio? (Cp. Is. 8:20-22; 47:5; Jer. 15:9; Miq. 3 :6 ).

Diz o guarda: Vem a manhã, e também a noite. Aresposta é tão obscura quanto a pergunta. Vem a ma­nhã, sim, e logo depois a noite. Quando se achava Edom neste período de aflição? É impossível responder com certeza. Philip Schaff pensa que foi no período da in­vasão de Judá por Senaqueribe, e que a manhã veio com a derrota dêle, mas a noite voltou com o domínio da Ba­bilônia (A Commentary on the Holy Scriptures, Vol. XI, p . 243). Embora venha a manhã, será tragada

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logo depois pela noite. A frase perguntai, voltai outra vez, indica que talvez haja esperança para Edom, mas não esclarece a obscuridade do oráculo concernente a Edom.

K. Oráculo Concernente a Arábia, 21:13-17

13. Oráculo concernente a A rábia.Nos bosques da Arábia passareis a noite,

6 caravanas de dedanitas.

14. Tra ze i águas aos sedentos;levai pão aos fugitivos, ó moradores da terra de Te m a .

15. Porque êles fogem de diante das espadas,de diante da espada nua,

de diante do arco armado,e de diante do fu ro r da guerra.

16. Pois assim me disse o Senhor: Dentro dum ano, tal como o do jornaleiro, tâda a glória de Quedar desaparecerá.

17. E o restante do número dos flecheiros, os valentes dos filho* de Quedar, será dim inuto, porque assim o diss» o Senhor,o Deus de Israel.

Não há qualquer evidência clara nestes versos obs­curos para indicar a data certa dêsse oráculo. Talvez a passagem se relacione com a campanha de Sargão II contra as tribos no deserto da Arábia.

Tema e Dedã eram habitações no deserto da Ará­bia, ao sueste do Mar Morto, na região do caminho para o Egito. O verso 13 indica que os dedanitas foram des­viados do seu caminho, pela pressão da guerra, fora dos lugares onde se achavam água e comida. Pede-se então que os moradores de Tema tragam aos fugitivos, seden­tos e famintos, água e pão.

Surgem várias dificuldades na interpretação dêste oráculo. O título não se encontra na Septuaginta, mas provàvelmente se baseia na última parte do verso 13.

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Ao mesmo tempo que a frase Nos bosques da Arábia, ou na tarde, Segundo a Septuaginta, traz o sentido do he­braico (Cp. Miq. 3:12), apresenta uma dificuldade, pois não há e nunca houve bosques no deserto da Arábia. A palavra nr aqui talvez signifique o deserto de areia epedras, mas não tem êste sentido em qualquer outro lu­gar 110 Velho Testamento. A frase passareis a noite talvez signifique aqui alojar-se ou abrigar-se até que passe o perigo. As caravanas dos dedanitas eram duma tribo de negociantes viageiros (Ez. 27:20 ; 38:13), que aparen­temente foram desviados, por inimigos, da sua viagem, talvez no caminho para o Egito. O profeta apela aos m o­radores de Tema que forneçam a êstes viajantes parados 110 deserto água e pão.

Os temanitas, no tempo do Velho Testamento (Gên. 25:14; I Crôn 1:45; Jó 6:19), eram uma tribo de nego­ciantes, e amigos dos dedanitas.

No verso 16, o Rôlo do Mar Morto diz dentro de três anos em vez de dentro dum ano. Os versos 16 e 17 em prosa, descrevem o desaparecimento da glória de Quedar. Pois assim me disse o Senhor. Segundo Gên. 25:13 e I Crôn. 1:29, Quedar foi o primogênito de Is­mael. Não é possível identificar o lugar onde os filhos de Quedar moravam na Arábia. Sendo pastores, não tinham habitação fixa (Cp. Is. 60:7; Ez. 27:21). Pa­rece que foram uma das mais fortes tribos do norte da Arábia (Cp. Cant. 1:5; Sal. 120:5). Assim, o têr- mo é usado, às vêzes, para incluir os dedanitas e os te­manitas (Is. 42:11; 60:7; Jer. 2 :10).

Os quedarenos eram valentes e flecheiros eficien­tes (Ver Gên. 21:20). E a glória de Quedar passou gra- dativamente, mas evidentemente começou cêrca de 700 quando Senaqueribe, com arábios e assírios, atacou o Egito (Heródoto II, 141).

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A linguagem dos versos 16 e 17, como a do oráculo inteiro, é reconhecida geralmente como isaiânica. As­sim a situação histórica, bem como o estilo literário mostram que êste oráculo foi escrito pelo profeta Isaías.

L . A Leviandade Religiosa dos Habitantes de Jerusalém,22:1-14

2. Oráculo concernente ao vale de visão.Que tens agora, que sobe aos telhados

todo o teu povo?

2. T u que estás cheia de tum ultos,cidade turbulenta, cidade exultante?

Os teus mortos não são mortos à espada, nem mortos da guerra.

3. Todos os teus príncipes fogem â uma,e são presos sem que se use o arco:

todos os teus que foram encontrados são presos, embora tivessem fugido para longe.

4. Portanto, digo:Desviai de m im a vista,

para que chore am argam ente; não vos canseis mais em me consolar

pela destruição da filha do meu povo.

É geralmente reconhecido que a ocasião desta pro­fecia se relaciona com a invasão de Judá e Jerusalém por Senaqueribe em 701. Alguns pensam que fôsse pro­clamada antes da invasão, enquanto outros raciocinam que o profeta assim falou aos habitantes de Jerusalém depois do livramento miraculoso da cidade, sôbre a ma­nifestação do amor providencial do Senhor, que não tinha levado o povo ao arrependimento e à fé em seu Deus. A passagem apresenta dois contrastes entre o profeta e o povo de Jerusalém. O primeiro é a preo­cupação e a profunda tristeza do mensageiro de Deus por causa do julgamento divino contra Jerusalém em

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contraste com a ingratidão, a falta de arrependimento, e a continuação nos pecados de sensualismo pelos ha­bitantes da cidade (1-4; 12-14). O segundo é o apêlo do profeta para que o povo deposite a sua fé no Senhor como o seu Salvador e Protetor, em contraste com a confiança do povo nas possessões materiais e nas armas de guerra (8-11).

Com a maravilhosa salvação de Jerusalém, a últi­ma fortaleza de Judá, do poder cruel de Senaqueribe, o profeta esperava que êste grande exemplo do socorro divino pudesse despertar o espírito de louvor e fidelidade do povo de Jerusalém ao Senhor, o Deus de Israel. Mas quando observou a insensibilidade espiritual e a obsti­pação pública no pecado, o profeta declara que aquê- les rebeldes tinham pecado além da possibilidade de re­ceber o perdão divino. Alguns críticos, que procuram descobrir incoerências nos ensinos dos profetas, decla­ram que esta passagem contradiz o ensino de Isaias sô- bre a inviolabilidade de Sião em 29:1-8. Mas êste en­sino sôbre a inviolabilidade de Sião relaciona-se com o cumprimento da missão do povo escolhido, e certamente não significa a fidelidade absoluta dos habitantes de Je­rusalém ao seu Deus.

O Dr. J. Skinner declara que esta passagem é a mais pessimista de tôdas as profecias de Isaías (Cam- bridge Bible for Schools and Colleges, p . 174). Surgem dificuldades na explicação da passagem, e os comenta­ristas não concordam no modo de estabelecer a data e a ocasião, nem no esclarecimento dos problemas da in­terpretação desta mensagem do profeta.

Isaías tinha declarado, 10:24-26, que Jerusalém não havia de cair no poder de Senaqueribe, não por causa da justiça da cidade, mas porque o tempo tinha chega­do para o castigo divino da Assíria. O profeta esperava, sem dúvida, que a libertação de Jerusalém, unicamente

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pelo poder do Senhor, pudesse produzir a fé inabalável do povo de Judá no seu Deus, e assim a cidade se torna­ria o Restante firme de Israel. Todavia, a insensibilida­de espiritual de Jerusalém nessa ocasião, que desapon­tou profundamente o profeta, certamente não destruiu a sua confiança na sobrevivência do Restante Fiel.

O vale de visão, o título da profecia, adotado do verso 5, talvez se refira ao Vale do Hinom, ao sul de Je­rusalém (Cp. Jer, 7:31-34). Os primeiros quatro ver­sículos tratam do espírito leviano do povo de Jerusalém nos seus prazeres mundanos, enquanto o profeta con­templa com tristeza pesarosa a infidelidade dos habi­tantes da cidade para com o seu Deus, que os tinha liber­to das garras do seu terrível inimigo. Os versos 1 e 2 des­crevem o excitamento e o espírito jubiloso dos moradores da cidade. O povo' se acha nos telhados, não simplesmente para o descanso e os prazeres sociais, mas para festejar o seu alívio do grande perigo do inimigo, com júbilo rui­doso, sem qualquer manifestação do espírito de louvor e gratidão ao seu Deus.

Que tens agora? Que significa tudo isto? pergunta o profeta ironicamente. Por que sobe aos telhados todo o teu povo? Os telhados planos das casas foram ocupa­dos pelos habitantes da cidade para celebrar o seu livra­mento do desastre da conquista e da subjugação pelos assírios (Cp. 15:3; Juí. 16:27). O verso 2 especifica mais claramente a disposição festiva de Jerusalém (Cp. 32:13; 5 :14). Philip Schaff pensa que o povo tinha su­bido aos telhados para observar a aproximação do exér­cito dos assírios (Op. cit., p. 217). Mas a chegada do poderoso inimigo conquistador certamente não ofereceu qualquer motivo de regozijo à cidade. Jerusa­lém, nessa ocasião, estava manifestando o espírito fes­tivo, tumultuoso, turbulento e exultante, na hora do seu

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livramento do poder do inimigo. Mas não reconheceu, na sua estultícia, que foi o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, quem destruiu o poder do inimigo, e lhe deu a grandiosa vitória.

Do ponto de vista do profeta, os guerreiros e o povo de Jerusalém deviam antes ficar envergonhados, em vez de jubilosos. Os teus mortos não são mortos à espada, nem mortos (honrosos) da guerra. Não morreram no campo de batalha, na defesa da pátria, mas foram ig­nominiosamente executados pelo inimigo. É provável que o profeta estivesse pensando no costume cruel dos assírios de empalar cativos perante os muros das cida­des subjugadas. É certamente possível que Isaías ti­vesse conhecimento de alguns soldados judeus assim executados na terrível campanha militar de Senaqueri- be na terra de Judá, antes do sítio de Jerusalém.

Não é clara a linguagem do verso 3, mas aparente­mente se refere, como já tivemos ocasião de notificar, à falta de coragem dos soldados judeus. Os príncipes, generais do exército, fugiram perante o inimigo, e muitos dos soldados foram presos sem terem usado as armas de guerra. Outros foram presos depois de fugi­rem para longe do campo de batalha (Cp. 30:16). Se- naqueribe refere-se às tropas mercenárias de Ezequias, nos seguintes têrmos: os arábios e os soldados que ti­nha trazido para a defesa de Jerusalém” (Ver a cópia de uma parte desta inscrição na Arqueologia Bíblica do autor, p . 269).

O verso 4 descreve a pesarosa tristeza do profeta em contraste com a alegria insensata do povo da cidade. Desviai de mim a vista, para que chore com lágrimas copiosas (Cp. Jó 7 :19). Assim, o profeta repele aquê- les que lhe procuram oferecer consolação. Jerusalém, a cidade que o profeta amava, foi salva pelo poder de Deus, no seu propósito de preservar o Restante Fiel en­

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tre os habitantes de Jerusalém, para cumprir a missão de Israel que lhe foi revelada na ocasião da sua escolha (Êx. 19:4-6).

5. Porque um dia de alvorôgo, de atropelamento e confusão,tem o Senhor dos Exércitos,

no Vale de Visão,um derribar de muros, e um clam or até aos montes.

6. E Elão tomou a aljava,com carros e cavaleiros; e Q u ir descobriu o escudo.

7. Os teus vales melhores se encheram de carros,e os cavaleiros se puseram às portas.

Os versos 5 a 7 são obscuros e difíceis de se decifrar, com o se verifica pelas várias interpretações dos comen­taristas. Parece que a passagem faz referência a qual­quer desastre que o povo tinha experimentado, junta­mente com uma predição de outras calamidades que Je­rusalém haveria de sofrer por causa da sua ingratidão, e a sua insensibilidade para com a vontade de Deus. Não há verbo no verso 5, e a falta do verbo numa de­claração hebraica geralmente indica, mas nem sempre, o tempo presente. Porque dia de alvoroço, de atropela­mento, e de confusão, de acôrdo com o Senhor Javé dos Exércitos. É notável a aliteração das palavras, Htt-irift

T S

nDWtt e nS W D • Mas que significa no Vale de Vi-T * T *

são? O artigo, subentendido na estrutura da palavra vale, indica um vale definido. Visão pode ser o nome pró­prio do vale, assim indicado pela letra maiúscula em algumas versões, mas não é conhecido qualquer vale com êste nome. Alguns pensam que seja a cidade de Jerusalém, um pouco mais baixa do que o Monte das Oliveiras, mas é mais provável que seja um dos três va­

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les de Jerusalém. É também possível que o têrmo se use aqui no sentido figurado.

Alguns pensam que o verso 5 descreve a confusão de Jerusalém na ocasião já passada quando Senaqueri- be sitiava a cidade; e que os versos 6 e 7 constituem uma predição de outras calamidades que ainda cairão sôbre o povo da cidade por causa da sua revolta obstinada e persistente contra a vontade do Senhor. A form a dos verbos nos versos 6 e 7 indica ação completa, sem indi­car o tempo passado ou o futuro profético.

Outros julgam que os versos 5 a 8a descrevem um desastre que ainda cairá sôbre a cidade, uma calamidade de tumultos e confusão, quando os muros serão derri­bados e os gritos do povo se ouvirão até aos montes. Os elamitas e os quireanos (Am . 1:5; 9:7; II Reis 16$ ) são mencionados como aliados da Assíria, que devastarão a terra e descobrirão ou destruirão as defesas. É quase impossível esclarecer o significado do hebraico, especial­mente a frase com carros de homem e cavaleiros, que traduzimos com carros e cavaleiros.

8. T iro u -s e a proteção de Judá.Naquele dia olhastes para as arm as da casa do bosque.

9. Notastes as brechas da. cidade d « D avi, por serem muitas, e ajuntastes as águas do açude inferior.

10. E contastes as casas de Jerusalém , e derribastes as casas, para fortalecer os muros.

11. Fizestes tam bém um reservatório entre os dois m uros para as águas do açude velho. Mas não olhastes para aquãle que o tinha feito, nem considerastes áquêle que o form ou desde a antigü idad e.

Os versos 8b a 11 descrevem a diligência no prepa­ro da cidade para resistir ao sítio. A primeira parte do verso declara que a terra será devastada, deixando fraca a proteção de Jerusalém, a última fortaleza de Judá.

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Aparentemente, os moradores de Jerusalém entenderam a ameaça pronunciada pelo profeta sôbre o perigo na­cional, e tomaram medidas práticas para resistir ao sí­tio da cidade.

Notastes as brechas da cidade de Davi (II Sam.5:7, 9 ). Com as muitas brechas e a falta de armas (v. 8), faltava muito a Jerusalém no preparo para defender- se contra o inimigo. Ajuntastes as águas do açude in­ferior. É provável que o açude inferior se refira ao Tan­que de Siloé, preparado por Ezequias (Ver A Arqueolo­gia Bíblica do autor, p. 209 e se g .). Examinaram as casas de Jerusalém, construídas de pedras, e derriba­ram algumas delas para fortalecer os muros da cidade.

O reservatório entre os dois muros não pode ser identificado (Cp. II Reis 25:4; Jer. 39:4; 52:7). O lu­gar indicado talvez seja a entrada do Vale Tiropoen.

Já notamos que o profeta Isaias entendeu a histó­ria com o o desenrolar dos planos do Senhor, enquanto o povo da época ficava confundido nas suas lutas com o inimigo. A insensibilidade espiritual, a orientação egoísta e a frivolidade do povo mostraram ao profeta o terrível perigo que a nação enfrentava.

12. Naquele dia, o Senhor Javé dos Exércitosconvidou para chorar e prantear, rapar a cabeça e c in g ir o cilício.

13. E eis, o gôzo e a alegria,o m atar bois e o degolar ovelhas, o com er carne e o beber vinho.

Comamos e bebamos,pois am anhã morreremos.

14. O Senhor dos Exércitos declarou-se aos meus ouvidos: Certam ente esta iniqüidade não vos será perdoada,

até que m orrais,diz o Senhòr Javé dos Exércitos.

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Os versos 12 a 14 apresentam um contraste entre o espírito fiel do profeta, que convida o povo para chorar e prantear, e assim demonstrar o verdadeiro arrependi­mento, e o espírito de infidelidade, e a iniqüidade do povo nas suas festas orgíacas. É difícil determinar com certeza a ocasião que estes versos descrevem. Sabemos que o rei Ezequias pagou um tributo pesado aos assí­rios, na condição de que abandonassem o sítio de Jeru­salém. Isto êles fizeram por algum tempo, mas volta­ram depois para exigir a entrega da cidade (Cp. II Reis 18:17 e seg .). É provável que o intervalo entre êstes dois ataques contra a cidade representa a ocasião dêsse incidente.

O povo não prestou a mínima atenção ao apêlo do profeta. Ignorou por completo o convite do Senhor. Não se interessava nas manifestações de humildade e ar­rependimento (Cp. Joel 2:12; Am . 9:10; Is. 3:24; 20:2).

E eis, o gôzo e alegria. Em vez de ouvir a mensa­gem de Deus, o povo se entregou ao espírito leviano, e, orientado pelo egoísmo, escolheu celebrar a vitória com um banquete ruidoso e os prazeres de libertinagem. Co­mamos e bebamos, pois amanhã morreremos. Estas palavras não indicam que o povo esperava um terrível desastre, mas simplesmente expressam a vaidade irre­freável dos banqueteadores.

O Senhor dos Exércitos declarou aos ouvidos do profeta que a iniqüidade do povo não será perdoada. O espírito de leviandade e devassidão que se manifesta no menosprezo do Senhor é o pecado imperdoável de Judá. Como nos dias de Isaias, ainda hoje, há multidões que se manifestam escrupulosamente religiosas, mas funda­mentalmente irreligiosas. O juízo austero do profeta contra a irreligião de Judá aplica-se também aos povos

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modernos que celebram as suas vitórias com grandes demonstrações, mas sem qualquer pensamento sério sôbre a sua dependência da providência divina. Alguns con­tam somente com o amor de Deus. Oséias e Jesus en­sinaram com ênfase o amor de Deus, mas ao mesmo tempo chamaram a atenção para as conseqüências ter­ríveis do pecado do indiferentismo religioso.

M. A Degradação de Sebna, o Mordomo do Rei, 22:15-25

O profeta apresenta, nesta seção, uma condenação severa de Sebna, o administrador do rei (Cp. Am. 7:16-17; Jer. 20:1-6; 28:15-17). Sebna é o único homem contra o qual Isaías dirigiu diretamente uma severa condenação. Sebna era o oficial mais poderoso do Reino de Judá. Èle é condenado porque favoreceu a aliança de Judá com o Egito contra a Assíria, a política que Isaías poderosa­mente denunciava. Sebna fo i deposto, aparentemente como resultado da oposição do profeta, e Eliaquim foi colocado em seu lugar, 36:3; 37:2. Quando Sargão II des­truiu Asdode e subjugou os filisteus, êle não atacou a Judá, provavelmente porque Sebna já fôra deposto, e Judá tinha recusado aliar-se com a liga das nações vizinhas contra a Assíria.

A linguagem do profeta indica que Sebna era político ambicioso, mas de considerável capacidade. Não é men­cionado o nome do pai, uma indicação de que êle não era da aristocracia. A ambição do homem indica-se pela construção de um túmulo magnífico para comemorar a sua grandeza. A persistência e o poder de Sebna sãó indicados pelo fato de que pouco tempo depois de ser deposto êle foi secretário de Eliaquim, uma posição ofi­cial de importância (Cp. 36:3,22; 37:2; II Reis 18:18,37;' 19:2). . . . •

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15. Assim diz o Senhor Javé dos Exército s: Vem , vai ter com êste adm inistrador, com Sebna, o mordomo, e pergunta -lhe :

16. Que é que tens aqui, e a quem tens tu aqui, para que tenhas aberto aqui uma sepultura, cavando em lugar alto a tua se­pultura, cinzelando na rocha a tua própria morada?

17. Eis que o Senhor te arro jará violentam ente, 6 homem forte, êle te agarrará com firm eza,

18. e e n ro la r-te -á como bola e te atirará para um a terra espaçosa. A li m orrerás, e ali se acharão os carros da tua glâria, 6 opróbrio da casa do teu senhor.

19. Eu te lançarei fora do teu pôsto e serás derribado da tua posição.

Os versos 15 a 1,9 falam da denúncia de Sebna, o mordomo ambicioso do rei, e da sua demissão do seu alto ofício. O administrador da casa do rei era o princi­pal ministro do Estado (Cp. I Reis 4 :6 ).

Vem, vai ter com êste administrador. A frase êste administrador usa-se aqui no sentido de desprezo e de escárnio. Esta palavra ' D, administrador ou mordomo,não é usada com êste sentido em qualquer outro lugar no Velho Testamento. O verbo significa servir. O pro­feta indica que Sebna é da classe dos subservientes, e in­digno da posição que ocupava.

Que é que tens aqui, e a quem tens tu aqui? Se o profeta obedeceu literalmente à ordem recebida do Se­nhor, é provável que se encontrou com Sebna perto da sepultura que êste estava preparando para si, de acôrdo com o costume da aristocracia de Jerusalém. Esta pre­sunção dêsse homem indigno e ambicioso despertou a ira do mensageiro do Senhor. O túmulo de Sebna era sim­plesmente um monumento da sua vaidade ostensiva. Ca­vando e cinzelando na rocha a sua habitação futura em lugar alto e conspícuo, no esforço de comemorar a sua grandeza pessoal, Sebna estava erguendo um monumen­to à sua miserável vaidade.

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Os versos 17 e 18 descrevem em têrmos fortes o des­tino de Sebna. Eis o Senhor te arrojará violentamente. Alguns pensam que as palavras em terra larga, do verso 18, seguiram a palavra violentamente no texto original. Agarrar-te-á com firmeza traduz melhor o sen­tido das palavras HI3J? e "p , do que de todo te envol-

T T *

verá. A terra larga é evidentemente a Assíria. Ali, na As­síria, morrerás na tua desonra. Ali se acharão os carros da tua glória, ó vergonha ou opróbrio da casa do teu senhor.

O verso 19 serve apenas como transição, declaran­do que Sebna será demitido do seu ofício, e derribado da sua alta posição. É o próprio Senhor quem lançará Sebna da sua alta posição.

20. Naquele dia cham arei a meu servo Elia quim , filho de Hilquias,

21. e ve sti-lo -e i da tua túnica, cin g i-lo -e i com a tua faixa, e lhe entregarei nas mãos o teu poder, e êle será como pai para os moradores de Jerusalém , e para a casa de Judá.

22. E porei sôbre o seu om bro a chave da casa de D a v i; êle abrirá, « ninguém fechará, fechará e ninguém abrirá.

23. F in c á -lo -e i como prego em lugar firm e, e êle será como um trono de honra para a casa de seu pai.

24. Nêle pendurarão tôda responsabilidade da casa de seu pai, a prole e os descendentes, todos os vasos menores, desde as tagas até às garrafas.

25. Naquele dia, diz o Senhor dos Exércitos, o prego que fôra fincado em lugar firm e será tirado, será arrancado, e cairá; e a carga que nêle estava se desprenderá; porque o Senhor o disse.

Os versos 20 a 23 falam de Eliaquim, filho de Hil­quias, como o sucessor de Sebna, na posição de mordomo ou administrador. A confiança em Eliaquim, como ofi­cial do rei, indica-se pela designação dêle com o meu ser­vo, um têrmo honroso, usado também a respeito do pro­feta Isaías em 20:3. Os versos 21 a 24 descrevem em têr-

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mos de louvor a pessoa, o poder e a administração pater­na de Eliaquim. Êle será como pai para os moradores de Jerusalém, e para a casa de Judá.

É distinguido pelo vestuário do seu alto ofício, uma túnica especial, 'P3 , e uma faixa, , que procla­ma simbolicamente, ao público, a dignidade da sua pes­soa e a insígnia da sua administração benéfica.

A chave da casa de Davi era o símbolo da autoridade de Eliaquim, como o anel de Faraó era o símbolo da au­toridade de José, Gên. 41:40-44. Esta autoridade se es­tendia não somente ao pessoal da casa dd rei, com o tam­bém aos negócios do Estado. Somente no trono era o rei Ezequias maior do que Eliaquim. O fato de que a chave foi posta sôbre o ombro de Eliaquim não significa que ela tenha sido grande e pesada, como dizem alguns. A linguagem é a figura de obrigação e responsabilidade. A túnica, o jugo, e a chave posta sôbre o ombro do homem público significavam a incumbência do seu ofício. As­sim, Eliaquim recebe a plena autoridade do primeiro mi­nistro do rei. Êle abrirá, e ninguém fechará.

Como prego em lugar firme, êle será firmemente es­tabelecido na sua posição de autoridade administrativa. É tão seguro na sua autoridade como o prego ou a estaca da tenda firmada no seu lugar. Será como trono ou as­sento de honra não significa que Eliaquim seria rei do seu povo (Cp. II Reis 4 :10).

Nêle pendurarão tôda responsabilidade da casa de seu pai. Esta afirmativa é a continuação da figura no verso anterior. Explica a fôrça excessiva que o prego tinha de sustentar. Presumivelmente, Eliaquim serviu eficiente­mente, por algum tempo, como o primeiro ministro do rei, antes de ficar sobrecarregado com o sustento dos pa­rentes e amigos que se penduravam cada vez mais nêle.

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Evidentemente, a prole e os descendentes significa não somente os parentes mais dignos, mas também um nú­mero cada vez maior de parasitas entre a gentalha. Tôdas as qualidades de artigos baratos, todos os vasos menores, desde as taças até às garrafas, pendurados no prego for­te, ficaram tão pesados que finalmente arrancaram o ministro do seu lugar.

Naquele dia, quando o prego fincado em lugar fir­me, ficar sobrecarregado, êle será arrancado, e cairá. A carga que nêle estava se desprenderá; porque o Senhor o disse. i

Surgem várias dificuldades na explicação dêstes ver­sículos 20 a 25. Estas dificuldades se complicam em re­lação com as seguintes passagens: Is. 36:3, 22; 37:2; II Reis 18:18, 37; 19:2. Segundo êstes versículos, que se datam no tempo da segunda ameaça do exército de Se- naqueribe contra Jerusalém em 701, Eliaquim era o pri­meiro ministro do rei Ezequias, e Sebna era o seu se­cretário. Não se pode determinar com certeza se o fra­casso moral e a deposição de Sebna aconteceram algum tempo antes de 701, no período da prosperidade de Je­rusalém, ou algum tempo depois do segundo sítio de Jerusalém. Surge também o problema da restauração de Sebna, e a escolha dêle como secretário de Elia­quim.

E quando aconteceu o declínio e a queda de Elia­quim? É possível, como dizem alguns, que os versos 24 e 25 se refiram à administração de Sebna, pois o nome de Eliaquim não é mencionado nestes versos. Estas difi­culdades poderiam ser esclarecidas somente à luz de todos os fatos históricos com elas relacionados. Se os versos 24 e 25 descrevem o declínio do nobre Eliaquim na sua posição de responsabilidade, a experiência dêle é característica de muitos homens honrados que sucumbi­ram ao pêso das tentações da prosperidade material.

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N. A Profecia Contra Tiro, 23:1-18

1. Oráculo Concernente a Tiro e Sidom, 23:1-14

1. Oráculo concernente a T iro.Uivai, 6 navios de Társis,

porque T iro está assolada, sem casa ou ancoradouro!Da terra de Chipre

lhes fo i isto revelado.

2. C alai-vos, ó m oradores do litoral,ó m ercadores de Sidom,

os teus m ensageiros navegaram pelo mar, v ia jando por muitas águas.

3. A tua renda era o cereal de Sior,e a. ce ifa do Nilo;tu vieste a ser a feira das nações.

4. Envergonha-te, ó Sidom , porque o mar fala,a fortaleza do mar diz:

Não tive dores de parto, não dei à luz, não criei mancebos, nem eduquei donzelas.

O texto dos primeiros versos desta passagem é obs­curo, e o sentido de algumas das palavras e frases é in­certo, mas não há dúvida a respeito do significado geral do oráculo. A passagem trata do povo fenício, habitante da costa de Canaã, cujas cidades principais eram Tiro e Sidom. Os comerciantes destas cidades negociavam, com proveito material, com Társis, Chipre e o Egito.

Os israelitas associavam-se livremente aos fenícios desde o tempo de Davi. Hirão, rei de Tiro, fo i sempre amigo de Davi, I Reis 5:1. Os fenícios forneceram pe­ritos mecânicos, bem com o materiais, para ajudar ná construção do Templo de Jerusalém (I Reis 5 ). Mais tarde, Jezabel, espôsa de Acabe, e filha de um dos reis de Sidom, tentou impor a cultura e os costumes dos fe­nícios no govêrno e na vida social dos israelitas (I Reis

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16:31-33). Os profetas de Israel, especialmente Amós, reconheceram os vícios do materialismo dos fenícios nas suas enérgicas atividades comerciais entre as nações vi­zinhas, no esforço de ganhar riquezas e poder. A queda deste povo, tão próspero nos seus negócios, impressio­nou a imaginação do povo de Israel, e reforçou os en­sinos dos profetas sôbre a natureza passageira de pros­peridade material.

A profecia pode estar relacionada com uma das duas ocasiões históricas do tempo de Isaías. A primei­ra é a campanha de Salmaneser Y em 722. Segundo Jo- sefo, a parte insular de Tiro foi bloqueada nessa ocasião por cinco anos (Ant. IX:14, 2 ). Evidentemente, Sar- gão, o sucessor de Salmaneser, e conquistador de Sa- maria, pôs fim a êste sítio. Tiro foi assolada outra vez por Senaqueribe em 701, pouco antes da invasão da Fi- listia e Judá. Nessa ocasião, o rei de Sidom fugiu para Chipre. É fato que Tiro não sofreu a ruina completa nesta ocasião, mas a falta do cumprimento literal da pro­fecia não oferece, ou justifica, a presunção contra a sua autenticidade.

Uivai, navios de Társis. Esta declaração repete-se no verso 14. Êstes maiores navios que viajavam entre Tiro e Társis representavam a vida comercial, e a rique­za dos fenícios. É por isso que os navios em vez dos ha­bitantes são chamados figuradamente para fazer lamen­tação. A nossa tradução da frase hebraica, JTStt

ETFD VlNtt KÍ3X5 por sem casa ou ancoradouro!da terra de Chipre, não é completamente satisfatória. Outra tradução, O seu pôrto de entrada, desde a terra de Quitim lhes foi isto revelado. Outra versão, Na sua vinda da terra de Quitim, isto se lhes torna claro. Pare­ce claro que a notícia do desastre tinha chegado a Qui­tim, no sul de Chipre, e foi transmitida aos navios.

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Também os versos 2 e 3 são obscuros. Alguns su­gerem o seguinte com o o sentido das duas declarações: Os fenícios viviam tão preocupados com os seus negó­cios comerciais que não tinham tempo para tratar da lavoura. 0 seu cereal, ou a sua ceifa, vinha do Egito, enquanto êles se tornavam a feira das nações. A palavra Sidom geralmente era usada no sentido de terra da Fe­nícia, com o Quitim era usada para significar tôda a ilha de Chipre.

Alguns pensam que a frase a fortaleza do mar seja uma interpolação no versículo 4, visto que introduz uma contradição, porque é apenas o mar que fala, negando que seja a mãe dos fenícios: Não tive dores de parto, não dei à luz, não criei rapazes, nem eduquei donzelas. A palavra Sidom aqui significa fenicios. Pode-se falar dos fenícios com o filhos do mar? O têrmo a terra-mãe no hebraico é usado no sentido da terra que nutre os seus filhos. Pode-se assim traduzir a última parte do ver­sículo 4: Não terei mais dores de parto, nunca mais da­rei à luz, não criarei mancebos, não educarei donzelas.

5. Quando chegar a notícia ao Egito,êles se angustiarão com a notícia sôbre Tiro.

6. Passai a Társis,uivai, ó m oradores do litoral !

7. É esta a vossa cidade exultante,cu ja origem é de rem otos dias,

cu jos pés a levarampara estabelecer-se até longe ?

8. Quem form ou êste desígnio contra Tiro,a cidade distribuidora de coroas,

cu jos negociantes eram príncipes,cu jos m ercadores eram os honrados da terra ?

9. O Senhor dos E xércitos form ou êste desígnio,para denegrir a soberba de tôda glâria, e envilecer os honrados da terra.

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Segundo o verso 5, a notícia da queda de Tiro cau­sou profunda angúslia no Egito, o seu aliado comercial e político, contra o poderoso inimigo, a Assíria.

Quando um país é cruelmente devastado pelo ini­migo, muitos dos seus habitantes fogem para outras terras onde possam achar abrigo. Assim, os habitantes de Tiro e do litoral são chamados a fugir para uma ter­ra distante, para Társis, onde são conhecidos como ami- g ° s -

Tiro é a cidade cuja origem é de remotos dias. De­pois de Sidom, Tiro foi reconhecida como a mais anti­ga cidade da Fenícia. A cidade é tão antiga que é im­possível determinar a data da sua fundação. Numa ilha, pouco distante da costa, Tiro era um dos grandes portos comerciais do mundo por muitos anos. A cidade é men­cionada numerosas vêzes na Bíblia: Jos. 19:29; Gên. 10:15; I Reis 9:10-14; II Crôn. 2:3-16; Am . 1:9; Joel 3:4-6; Mar. 7:24-31; At. 21:3-7. A frase cujos pés a le­varam refere-se às viagens comerciais dos tírios.

Os versos 8 e 0 declaram que fo i Javé, o Senhor dos Exércitos, quem humilhou a soberba de Tiro de acôrdo com o seu próprio desígnio. Tiro era distribuidora de coroas, no sentido de que os reis de algumas das suas colônias, como Társis e Cartago, eram sujeitos à cidade- mãe. Cujos mercadores eram os honrados da terra (Cp. Jó 41:6; Prov. 31:24; Zac. 14:21). O Senhor mancha­rá a soberba da glória de Tiro (Ez. 28:7), e fará des­prezíveis os honrados da terra. Esta é freqüentemente a história dos honrados do mundo.

10. Percorre com o o Nilo a tua terra, ó filha, de T ársis; não Há quem te restrinja.

11. Êle estendeu a sua mão sôbre o mar, e abalou os reinos.

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O Senhor deu ordens contra Canaã,para que ss destruíssem as suas fortalezas.

12. E disse êle :Nunca m ais exultarás,

ó oprim ida filha virgem de Sidom : levanta-te, passa a Chipre,

ainda ali não terás descanso.13. Eis a terra dos caldeus! Êste era o p ov o ; não era a Assíria.

Êles destinaram a T iro para as feras. Êles levantaram as suas tôrres e arrasaram os palácios de T iro, e os converteram em ruínas.

14. Uivai, ó navios de Társis,porque é destruída a tua fortaleza.

Esta terceira estrofe trata principalmente da eman­cipação das colônias da Fenícia. Com a queda de Tiro, terminou o domínio rigoroso dos fenícios sôbre as suas colônias. A palavra cinto, Hítt , aqui significa a cadeiaque restringia os movimentos independentes dos povos sob o poder de Tiro. Na sua liberdade os habitantes dessas colônias podiam andar livremente, como o Nilo, e percorrer as suas terras.

O sentido dos versos 11 e 12 é que o Senhor que es­tende a mão sôbre o mar e abala reinos, deu ordens que as fortalezas de Canaã fôssem destruídas. Os fenícios usaram o têrmo Canaã para significar a si mesmos, mas a palavra não é usada neste sentido em mais nenhum outro lugar do Velho Testamento. Os dias de triunfo e glória de Sidom já terminaram. Sidom, no sentido do país inteiro, é agora a cidade oprimida. Os seus habi­tantes não encontrarão nenhum lugar de refúgio, nem mesmo na Ilha de Chipre. A oprimida filha virgem de Sidom aparentemente significa que ela nunca tinha sido violada até então.

Parece impossível explicar satisfatoriamente o he­braico do verso 13. Alguns pensam que foi interpolado

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muito tempo depois de Isaías, tratando de outro assal­to contra Tiro. É prosa entre versos poéticos, e inter­rompe a conexão entre os versos 12 e 14. A RSV e SBB dizem que os caldeus, e não os assírios, destinaram Tiro às feras.

0 verso 14 é a repetição do primeiro, Uivai, ó na­vios de Társis.

2. A Restauração de Tiro Depois de Setenta Anos, 23:15-18

15. Naquele dia, T iro será posta em esquecim ento por setenta, anos, segundo os anos dum rei. No fim dos setenta anos sucederá a T iro o que se diz na canção da m eretriz :

16. Tom a uma harpa,rodeia a cidade,

6 meretriz esquecida !T oca com destreza,

canta muitos cânticos, para que haja m em ória de ti.

17. No fim de setenta anos, o Senhor visitará a T iro, e ela tornará à sua ganância, e se prostituirá com todos os reinos do mundo sôbre a face da terra.

18. O seu g a n h o e a sua recom pensa serão dedicados ao Senhor, não serão entesourados nem guardados, mas o seu ganho suprirá com ida abundante e vestido fino para os que habitam perante o Senhor.

O profeta Jeremias declara que os judeus hão de passar setenta anos no cativeiro babilónico, 25:11-14; 29:10. O salmista diz que os dias da nossa vida sobem a setenta anos, 90:10. Nestes versículos o profeta procla­ma que Tiro será esquecida por setenta anos. Depois ela voltará às atividades comerciais, e os lucros de seus negócios serão dedicados ao povo do Senhor.

A palavra setenta se encontra em Zac. 1:12; 7:5; Dan. 9:2; II Crôn. 36:21 com referência ao cativeiro dos judeus. A palavra é usada numerosas vêzes na Bíblia,

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com várias referências, como também no sentido sim­bólico. Mas a frase segundo os anos dum rei é ambígua. Alguns pensam que significa durante o período de uma dinastia, ou o período da vida de um rei. Sucederá a Tiro o que aconteceu com a meretriz na canção é o sen­tido da última parte do verso 15.

Parece que o verso 16 é uma parte de um cântico antigo que a meretriz está usando para ganhar de nôvo' a sua influência. Deve-se notar que esta linguagem des­critiva das novas atividades de Tiro é puramente figu­rada. 0 cântico consta de seis linhas, e cada linha tem apenas duas palavras hebraicas. Tem o ritmo musical da dança. Toca com destreza, e canta as melodias que despertarão saudades.

No verso 17 o cântico se aplica a Tiro neste sentido figurado. Oséias fala de alianças e tráfico, ou comér­cio, entre as nações com o infidelidade para com o Se­nhor. Apocalipse 18:3 e Naum 3:4 reconhecem certas formas de comércio como infidelidade ou prostituição.

O verso 17 declara que o Senhor visitará a Tiro, e que ela tornará à sua ganância, e se prostituirá com to­dos os reinos do mundo. Assim, os fenicios terão outro período de grande prosperidade comercial. A palavra ga­nância, é o preço que se pagava à prostituta. Visto que Tiro é semelhante à prostituta no aumento dos seus ne­gócios com todos os reinos do mundo, é difícil para al­guns intérpretes entenderem com o poderia o Senhor apoiar e prosperar esta nação tão agressiva nos seus ne­gócios gananciosos. Mas não obstante a livre vontade que Deus permite aos homens e às nações, a providência divina opera para o bem na orientação da história hu­mana (Cp. R om . 8:28).

O verso 18 declara que quando o Senhor voltar a Tiro, no dia da sua restauração, os frutos da sua prosperidade não serão mais entesourados e guarda­

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dos no espírito ganancioso e orgulhoso, mas serão de­dicados ao Senhor, de modo semelhante ao tributo das nações mencionado em Is. 61:6. Isto se dará em algum tempo no futuro, depois da restauração de Tiro. Depois da destruição de Tiro por Nabucodonosor (585-573), ela ficou desolada até o fim da monarquia babilónica. Depois foi construída na ilha uma nova ci­dade que prosperou rapidamente. São interessantes as vicissitudes da história subseqüente de Tiro. Digna de menção é a visita de Eusébio à cidade, c. 309, onde viu cristãos sendo lançados às feras no anfiteatro. Êle diz: “ Quando a igreja de Deus foi fundada em Tiro, e em outros lugares, muito da sua riqueza foi consagrada a Deus, e foi trazida como oferta à igreja, e apresentada para o sustento do ministério agradável aos mandamen­tos do Senhor” (Hist. X :4 ) .

Parece evidente, para muitos comentaristas, que os versos 1 a 14 foram escritos por Isaías, em relação ao ataque, ou de Salmaneser Y ou de Senaqueribe. Mas levantam-se dúvidas sôbre a data e a situação histórica dos versos 15 a 18, que falam da restauração de Tiro depois de setenta anos. Êstes versos refletem uma oca­sião histórica no sexto século, e talvez fossem acrescen­tados à mensagem de Isaias no tempo de Nabucodonosor por um redator que conhecia Is. 10:12-19; 17:3; 18:7. O verso 18 corre paralelo ao pensamento de Is. 45:14; 60:11; 61:6, e assim, para alguns, favorece esta última data.

VI. “ Despertai e Cantai, os Que Habitais no Pó” , 24:1-27:13

Êstes capítulos tratam do julgamento mundial pelo Senhor Javé, e o estabelecimento da Nova Ordem. Se­guem apropriadamente os capítulos 13 a 23, que apre­

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sentam profecias e oráculos sôbre várias nações. Agora é geralmente reconhecido que êstes capítulos 24 a 27 apresentam profecias escatológicas, salmos e hinos, es­peranças e orações. Não obstante a variação do estilo literário dentro dos quatro capítulos, a profecia é geral­mente reconhecida como unidade.

Há muita discussão infrutífera sôbre a data e as cir­cunstâncias históricas da profecia, mas todos os estu­dantes sabem que a própria mensagem oferece pouca informação sôbre o autor e a data da mensagem. Apre­sentaremos, mais tarde, à luz do estudo da profecia, al­gumas observações sôbre êstes assuntos.

Alguns comentaristas falam da form a apocalíptica desta profecia, mas não é propriamente dito um apoca­lipse, porque não tem os característicos básicos da lite­ratura apocalíptica. A profecia, em geral, trata freqüen­temente do futuro que surge normalmente das circuns­tâncias históricas do próprio profeta. Por outro lado, na literatura apocalíptica, o escritor fica desesperado com o lento progresso da operação normal da justiça divina na sociedade. Êle então declara com fé que o próprio Senhor tomará a iniciativa, entrando forçosamente na ordem social para salvar os fiéis da aflição e da injus­tiça. Esta form a de literatura tornou-se popular espe­cialmente no período do cativeiro babilónico. 0 Apo­calipse do Nôvo Testamento foi escrito no período da perseguição feroz dos discípulos de Cristo. Na literatu­ra apocalíptica o autor geralmente esconde a sua identi­dade sob o nome de um grande herói da história. Êle também apresenta os pormenores da história por meio de figuras e símbolos que os perseguidores não podem entender, mas que ficam perfeitamente claros para os perseguidos.

Na literatura escatológica, o escritor trata das cou­sas vindouras do ponto de vista da operação dos princí­

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pios da justiça divina na História. Assim, a profecia dêstes capítulos é principalmente escatológica, mas tem alguns característicos que se apresentam, mais tarde, na literatura apocalíptica, como, por exemplo, o julgamen­to universal, os sinais nos céus e a figura mitológica do Leviatã. Mas êstes característicos encontram-se na pro­fecia em geral desde o tempo de Amós — Am. 8:9 e Miq. 3:6. Convém manter a distinção clara entre a pro­fecia escatológica e a apocalíptica, em vez de acentuar as suas semelhanças.

As profecias escatológicas dêstes quatro capítulos misturam-se com poesias e salmos, introduzidos pelo autor para reforçar e esclarecer a sua mensagem profé­tica. Convém notar que não há outra passagem no Velho Testamento que apresente com tanta ênfase e clareza a doutrina da salvação pela graça de Deus, e a vida futura além da morte.

As profecias escatológicas desta seção acentuam o período da desolação da terra e a vinda do Dia do Se­nhor, com referência a uma cidade não especificada, e à destruição de Moabe, 24:1-12; 16b-18b; 25:10-12; 27: 7-11. As predições sôbre os eventos associados com a vinda do Dia do Senhor, 24:18c-23; 25:6-8; 26:20-27:1, concordam com as profecias de Amós e Miquéias sôbre êste assunto. Também as promessas sôbre a restauração futura de Israel, 24:13-16a; «27:2-6 e 12-13, concordam, em geral, com as profecias messiânicas de Isaías e de outros profetas.

Em 25:1-5, 9; 26:1-6 encontram-se salmos de grati­dão e louvor aó Senhor pelo livramento da opressão e do sofrimento. O escritor também apresenta em 26: 7-19 uma súplica fervorosa, e de firme confiança, na inabalável justiça do Senhor.

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A. 0 Bom Efeito do Castigo de Israel, 24:1-23

A Terra Ficará Desolada por causa do Pecado dos Seus Habitantes, 24:1-1.2

1 Eis que o Senhor esvaziará a terra, e a desolará;transtornará a sua superfície, e dispersará os seus habitantes

2. O que suceder ao povo sucederá ao sacerdote;ao servo, com o ao seu senhor; à serva, com o à sua dona;

ao com prador, com o ao vendedor;ao que empresta, com o ao que tom a em prestado; ao credor, com o ao devedor.

3. A terra será de todo devastada, e totalm ente saqueada,porque o Senhor falou esta palavra.

4. A terra pranteia e se m urcha;o mundo enfraquece e se m urcha; enfraquecem os mais altos do povo da terra.

5. A terra fica contam inadapor causa dos seus m oradores;

porquanto transgrediram as leis, violaram os estatutos, e quebraram o concerto eterno.

6. Portanto, a m aldição devora a terra,e os que nela habitam sofrem por causa da cu lpa;

por isso, serão queim ados os moradores da terra, e poucos hom ens restarão.

O capitulo 24 trata principalmente do último julga­mento. Na primeira parte do capítulo o profeta fala da desolação do mundo do seu tempo. Aparentemente, êle pensa que está nos últimos dias, e que o Dia do Senhor virá sem muita demora. Descreve, em linguagem for­te e positiva, a confusão e a miséria do povo de sua épo­ca, e a vinda de desastres ainda piores. É só no ver­sículo 21 que o profeta começa a reconhecer e explicar que o Dia do Senhor não será simplesmente um dia de

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desolação, mas também um dia em que será revelada a operação da justiça de Deus na vida do povo.

Em versos 1 a 3 o profeta anuncia uma grande ca­tástrofe que, dentro em breve, há de alcançar o mundo inteiro, incluindo tôdas as ordens e tôdas as classes da sociedade. Será o grande dia do julgamento universal do mundo.

Eis que o Senhor esvaziará a terra. A palavra pp Í3

particípio de p p 3 , com a palavra introdutória rnPí— T

é corretamente traduzida na form a do futuro. Mas, se­gundo o contexto, o Senhor vai logo esvaziar a terra. Êste verbo é raro, mas geralmente é usado neste senti­do de esvaziar, Jer. 19:7; 51:2 e Naum 2:8. Êle tam­bém fará da terra uma desolação, contorcendo a sua su­perfície, destruindo lugares e plantações, e dispersando os seus habitantes (Cp. Gên. 11:8).

O que suceder ao povo sucederá ao sacerdote. As­sim a organização da sociedade humana será completa­mente modificada, de acôrdo com as declarações dêste segundo versículo. A estrutura da sociedade humana será completamente lançada em confusão. Não haverá mais distinções sociais. O sacerdote que representa a mais alta classe social será como o povo. O servo e a serva ficarão na classe de seus donos, e os negociantes ricos na classe de seus devedores.

A terra será devastada e totalmente saqueada, assim se tornando sêca e murcha (Cp. 16:8; Am . 1:2; Os. 4 :3 ). O grande julgamento alcançará tôdas as classes sociais, sem distinção, porque esta é a palavra do Se­nhor.

Nos versículos 4 a 6 o autor descreve a profanação da terra ou do mundo, como o resultado da iniqüidade de seus habitantes.

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A terra pranteia e se murcha: o mundo enfraquece e desfalece. As palavras hebraicas, e

T : T T S T T X t \

e constituem uma paromásia que se encontra freqüen­temente no hebraico do Velho Testamento, e especialmen­te nesta seção do livro de Isaías (Cp. 38:9; Os. 4:3; Joel 1 :1 0 ). A iniqüidade dos habitantes do mundo profana,

a terra, e ela tem que sofrer as conseqüências dos- r

pecados de seus habitantes.

É difícil a tradução da frase enfraquecem os mais al­tos do povo da terra. A palavra povo não se encontra na versão grega. Por isso, alguns traduzem as alturas da terra murcham. A terra, portanto, não fica simplesmen­te sêca e queimada. É profanada e corrompida (Cp. Núm. 35:33; ,Ter. 3 :9 ). Assim, a pena dos pecados dos homens cai no mundo que êles habitam (Cp. Jer. 4: 23-26).

Encontram-se várias declarações no Velho Testamen­to sôbre a profanação da terra pelos pecados de adulté­rio, idolatria e derramamento de sangue (Sal. 106:38; Deut. 28:1-9; Jó 16:18). O derramamento de sangue foi proibido não somente aos judeus, mas também a todos os homens do mundo pelo concerto eterno entre Deus e tôda a carne sôbre a terra (Gên. 9:1-17). O pecado dos ho­mens do mundo é a violação dos princípios básicos da justiça moral apresentados nas Escrituras e apoiados pela consciência humana.

A maldição devora a terra (Cp. Zac. 5 :3 ). Os m o­radores da terra são queimados pela maldição que mani­festa ou expressa a ira divina (Cp. Apoc. 16:8). O verbo m n significa arder de ira (Ez. 24:11); queimar, abrasar

T T

(Jó 30:30). Levantam-se, portanto, dúvidas sôbre a

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palavra m i l . A Septuaginta diz: “ Portanto, os habi-T T

tantes da terra ficarão pobres.” A Siríaca: “ Os habi­tantes da terra serão m ortos.” Poucos homens resta­rão. As guerras e tôdas as outras formas de pecado re­duzem a população do mundo. Todos que habitam no mundo têm que sofrer a punição da sua iniqüidade. Os pecados que êles praticam continuam a matá-los nas lu­tas de injustiça, ódio e guerra.

7. Pranteia o vinho,enlanguesce a vide,suspiram todos os alegres de coração.

S. Cessou o folguedo dos tam boris, acabou o ruído dos jubilantes, cessou a alegria da harpa.

9. Já não bebem vinho entre canções;a bebida forte é am arga para os que a bebem.

10. Demolida está a cidade caótica,tôdas as casas estão fechadas, para que ninguém entre.

11. Há um clam or nas ruas por falta de vinho,fêz -se noite para tôda alegria, é banido o prazer da terra.

12. A desolação reina na cidade,e a porta está reduzida a ruínas.

Os versos 7 a 9 declaram que a alegria vai desva­necendo da terra. O vinho nôvo, ou o mosto, pranteia, ou talvez seca-se, porquanto não alegra mais o coração. Suspiram de tristeza todos aquêles que em outros tem­pos èram alegres de coração. Cessou a alegria e o jú ­bilo produzidos pela música dos tamboris e das harpas. Tão terrível é a calamidade, que deixaram de beber vi­nho nas suas festividades. Até o vinho fica entristecido por causa da calamidade e a tristeza do povo; e a vide enlanguesce ou enfraquece, porque não é mais cultiva­da, Não se ouve mais o ruído dos jubilantes. Em vez

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de alegrar-se nas grandes festividades, êles olham para a desolação da terra e choram. Tão grandes eram as calamidades que tinham caído sôbre a terra que os ha­bitantes não podiam achar conforto ou alegria em qual­quer prazer costumeiro.

Há várias opiniões sôbre a cidade caótica, ou a ci­dade de confusão. Alguns pensam que se refere à cida­de de Jerusalém. Mas parece necessário reconhecer que o têrmo é usado no sentido geral, para significar qual­quer cidade, ou tôdas as cidades da terra, em harmo­nia com a desolação geral. O têrmo *]!"!, H (Gên. 1:2) significa o estado primitivo de caos, ou a desordem do mundo, antes de o Senhor estabelecer a ordem na cria­ção. Não se ouve nada nas ruas da cidade, senão as la­mentações sôbre a perda das cousas que alegram o co­ração. Tôda a alegria chegou ao crepúsculo, ou fêz-se noite. Com a demolição das cidades, tôdas as casas ea- tão fechadas, para que ninguém entre. Não se sabe se os sobreviventes fecharam as portas das casas por mêdo de intrusos, ou se as entradas ficaram fechadas pelo obstáculo das ruínas.

Há um clamor nas ruas por falta de vinho. Com a destruição dos muros e das casas, a cidade fica em de­solação. O prazer fo i exilado.

2. Um Clamor de Confiança, 24:13-16a

13. Pois assim será no meio da terra, entre os povos,com o o varejar da oliveira,com o o rebuscar, quando está acabada a vindim a.

14. Êles levantam a voz, e cantam com alegria;por causa da glária do Senhor clam arão desde o mar.

15. Por isso, g lorifica i ao Senhor no oriente;e nas terras do mar, ao nome do Senhor Deus de Israel.

16a. Dos fins da terra ouvim os cânticos de louvor;G lória ao Justo.

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Na descrição da calamidade da terra e do povo, o escritor apresenta nesta seção uma promessa em per­feita harmonia com a doutrina isaiânica do Restante. Temos neste verso 13 o começo da profecia. O profeta declara que serão poucos os sobreviventes do grande jul­gamento do Senhor, assim como no varejar da oliveira, e como no rebuscar a vindima. Ver. 17:6.

Nos versos 14 a 16a o profeta está ouvindo cânticos de louvor ao Senhor, do oeste, do leste, e até das terras do mar. Os cantores estão saudando o princípio do nôvo dia. O texto destes versos é difícil, mas alguns in­térpretes exageram a obscuridade e a incerteza da sua significação. O sentido geral do texto hebraico é mais ou menos claro. Os judeus espalhados em diversos paí­ses da terra estão esperando uma grande libertação pelo Senhor, e, portanto, estão cantando hinos de louvor e gratidão ao Deus de Israel. A sua tristeza está se con­vertendo em grande alegria.

Êles levantam a voz e cantam com alegria. O le­vantar a voz, nas Escrituras, pode significar profunda tristeza, com o em Gên. 21:6; I Sam. 24:16; ou pode significar grande alegria e exulta ção, Ez. 21:22; Sal. 93:3. As palavras do mar ou do oeste aparentemente indicam o lugar donde procedem os cânticos de triunfo, mas alguns entendem que o clamor dêles se ouve acima do som do mar.

Por isso, glorificai ao Senhor. Parece que estas pa­lavras fazem parte do hino de louvor que se canta nas terras do mar, ao nome do Senhor Deus de Israel. A frase por isso refere-se evidentemente à causa do gran­de regozijo que o profeta não especifica. A frase no oriente, ffHNâ , significa mais nitidamente nas luzes,

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ou na região das luzes. Cantam ao Senhor Deus de Is­

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rael, mas isto não significa necessariamente que todos os cantores sejam judeus.

A segunda parte do verso 16 explica com o o profeta ainda não pode concordar com a esperança e o regozijo do povo em geral. Pois nas suas próprias circunstâncias, ele pensa que a alegria do povo é prematura, e sobe do coração dele um grito de agonia. Êle pensa que o jul­gamento ainda não tinha conseguido o seu propósito, porque os pérfidos ainda tratavam pèrfidamente.

3. A Grande Catástrofe, 24:16b-20

16b. Mas eu d igo: Minha magreza, minha m agreza, ai de m im l

Os pérfidos tratam pèrfidam ente;sim, os pérfidos tratam mui pèrfidam ente.

f7. Terror, cova e laço sôbre ti, ó m orador da terral

18. Aquêle que fugir do som do terrorcairá na cov a ;

e aquêle que subir da cova o laço o prenderá.

Pois as janelas do alto se abrem, e trem em os fundam entos da terra.

19. A terra está de todo quebrantada,a terra está de todo despedaçada, a terra se m ove violentam ente.

20. A terra cam baleia com o um bêbado,e balanceia com o ch oça :

a sua transgressão pesa sôbre ela, e ela cai >e nunca mais se levanta.

Parece que esta descrição do julgamento da terra e dos seus moradores liga-se diretamente ao verso 13. Os versos 17 e 18a encontram-se quase que verbalmen­te em Am . 5:19 e Jer. 48:43, 44.

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Terror, cova e laço, 1J1S, m S 1), HS1 • Êste“ T " ~ T T T

verso 17 explica a causa da miséria mencionada no ver­so anterior. Ninguém se acha seguro em qualquer lu­gar. Se fugir de um perigo, cairá logo em outro. As­sim, na linguagem figurada, o escritor descreve os hor­rores do julgamento divino. Nesta descrição pitoresca do julgamento, o profeta apresenta duas imagens notá­veis, o dilúvio e o terremoto. Pois as janelas do alto se abrem, e tremem os fundamentos da terra (Cp. Gên. 7:11; 8:2 e Is. 29:6).

Os fundamentos da terra estão abalados (Cp. Sal. 11:3). A terra cambaleia com o um bêbado, e balanceia com o choça (Cp. 1 :8 ). A terra, na sua forma presente, cairá e jamais se levantará. Mas a terra se levantará outra vez, melhor preparada para cumprir a sua nobre missão, quando o Senhor dos Exércitos reinará no Mon­te Sião e em Jerusalém. Assim, nestes capítulos 24 a 27, o mensageiro do Senhor está pensando no mundo condenado pelo pecado, e no mundo redimido pela graça de Deus.

4. O Julgamento e a Nova Era, 24:21-23

21. Naquele dia o Senhor castigaráas hostes dos altos nas alturas, e os reis da terra na terra.

22. E êles serão ajuntadoscom o presos em m asm orra;

serão encarcerados num cárcere,e serão castigados depois de m uitos dias.

23 A lua se confundirá,e o sol se envergonhará;

porque o Senhor dos Exércitos reinará no Monte Sião e em Jerusalém ;

e perante os seus anciãos haverá glória.

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O profeta declara, no v . 21, que o Senhor Deus cas­tigará não somente os reis da terra, mas também as hos­tes dos altos nas alturas. Há muita discussão nos co­mentários sôbre o significado destas palavras. Alguns insistem em que o profeta está declarando que o castigo cairá sôbre as hostes dos céus, ou os podêres angélicos que habitam os céus. Dizem êles que a frase as hostes dos altos nas alturas, W lfâ â ÍG X , é o equi-

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valente de o exército dos céus, &OX , Jer. 33:. — t - r •22; I Reis 22:19; Neem. 9:6. Mas o profeta não está falando dos podêres angélicos ou dos sêres celestiais. Está se referindo à adoração dos símbolos dos corpos celestiais. Assim, quer dizer que o povo se desviava do verdadeiro culto do Senhor Javé, o Criador dos corpos celestiais.

Serão castigados depois de muitos dias. Assim, os reis da terra e as hostes que ocupavam posições de in­fluência na orientação do povo no culto dos corpos ce­lestiais serão encarcerados e castigados. A palavra vi­sitados, que traduzimos por castigados, é usada às vê- zes no sentido favorável, mas claramente significa cas­tigados neste contexto.

A lua se confundirá, e o sol se envergonhará. Oprofeta não declara nestas palavras que a lua e o sol perdem significação na presença de Javé, mas figurada­mente ficam envergonhados como objetos de culto (Cp. Is. 60:19; Apoc. 21:23; I Reis 22:19). O sentido é que na Nova Era da verdadeira religião espiritual, êstes cor­pos celestiais que haviam recebido a adoração do povo se tornarão relativamente insignificantes à luz do esplen­dor e da glória de Javé, o Criador e o Senhor de tôda a criação.

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Perante os seus anciãos haverá glória. Parece que esta declaração é uma vaga referência à experiência de Moisés e os setenta anciãos que viram o Senhor no Mon­te Sinai, Êx. 24:9, 10. Na Nova Era o Senhor reinará gloriosamente na presença dos anciãos, os representan­tes religiosos do povo.

B. Maravilhas das Atividades do Senhor, 25:1-12

1. Salmo de Gratidão ao Senhor pelo Livramento do Seu Povo, 25:1-5

1. Ó Senhor, tu és o meu Deus;exa ltar-te-e i, louvarei o teu nom e;

porque tens feito maravilhas,os cons«lhos antigos, fiéis e verdadeiros.

2. Pois tu fizeste da cidade um montão,da cidade fortificada uma ruína;

a fortaleza dos estranhos não é m ais uma cidade, nunca mais será edificada.

3. Pelo que, povos fortes te g lorificarão;cidades das nações violentas te tem erão.

4. Porque tens sido a fortaleza d o s pobres,a fortaleza dos necessitados na sua angústia ; refúgio contra a tem pestade, som bra contra o ca lor;

porque o sôpro dos opressores é com o a tem pestade contra o muro,

5. com o o ca lor em lugar sêco.Tu abates o ím peto dos estranhos;

com o o ca lor se abranda na som bra da nuvem, assim é silenciado o cântico dos tiranos.

O profeta, como o representante dos judeus liber­tos do poder do inimigo, invoca e louva ao Senhor. Êle reconhece que essa gloriosa libertação representa um passo no desenvolvimento do eterno propósito do Se­nhor. Na sua visão profética o mensageiro do Senhor

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entende a operação da providência divina nas várias épocas da história do seu povo. Não obstante a depra­vação dos habitantes do mundo, que tanto perturbou o profeta no capítulo anterior, êle reconhece o glorioso propósito do Senhor no aperfeiçoamento do seu reino na direção da história humana.

Èste salmo de gratidão celebra a queda de uma ci­dade inimiga que resultou na libertação de Israel. No espírito de louvor e gratidão, o salmo concorda perfei­tamente com os versos 14 e 15 do capítulo anterior.

ó Senhor, tu és o meu Deus. Esta é a linguagem de muitos Salmos, 63:1; 145:1; 138:2; 54:6; 118:28. Porque fizeste ou tens feito maravilhas, Êx. 15:11; Sal. 77:14. Conselhos antigos referem-se ao propósito divino no li­vramento de Israel da escravidão, e aos atos providen­ciais do Senhor na direção da história e da vida do povo escolhido. Assim, o Senhor ia se revelando com o o Fiel e o Verdadeiro, no cumprimento das pro-

V T VI

messas do Concêrto do seu eterno amor com Israel. Tu tens feito maravilhas, no cumprimento dos teus planos, fiéis e verdadeiros, desde os tempos antigos.

Porque tu fizeste da cidade um montão. Embora o hebraico dos versos 2 e 3 não esteja muito claro, é evi­dente que o autor está falando das conseqüências gerais da queda da cidade hostil ao povo do Senhor. Não se pode identificar a cidade mencionada nesta declaração. É provável que o têrmo se use no sentido coletivo, e as­sim significa tôdas as cidades que eram hostis ao povo do Senhor, o Deus de Israel. Pode-se dizer que a palavra cidade simboliza a hostilidade do mundo para com o reino de Deus. Como a cidade forte e hostil é reduzida a ruínas, assim serão vencidos todos os inimigos do rei­no do Senhor.

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Pelo que, povos fortes te glorificarão. Êste é o re­sultado da operação da justiça divina. A nação podero­sa e cruel que tinha oprimido os judeus pobres experi­mentará o julgamento do Senhor, ou o castigo divino. Esta manifestação da justiça divina resultou na glori­ficação do Senhor por povos fortes, e até no temor das nações violentas e opressoras.

Há também muitas dificuldades no hebraico dos versos 4 e 5. É claro, porém, que descrevem em geral a fortaleza do Senhor no cuidado e na proteção do seu povo. 0 profeta declara a sua gratidão e alegria pelo cumprimento fiel das promessas divinas. O Senhor ti­nha sido a fortaleza dos necessitados, e o seu refúgio contra a tempestade. Há muitas referências no Velho Testamento ao Senhor como o poder protetor do seu povo, Is. 26:4; Sal. 27:1; 28:8; 29:11.

Não obstante a obscuridade do hebraico do verso 5, o pensamento é o seguinte. Como a nuvem se interpõe para abrandar o calor do sol, assim a misericórdia do Senhor abate o furor do inimigo, e torna impotente o opressor do povo de Deus. Assim, o cântico dos tiranos é silenciado.

2. Uma Profecia da Idade Messiânica, 25:6-8

6. O Senhor dos Exércitos fará neste monte para todos ospovosum banquete de cousas gordurosas, uma festa de vinhos velhos,de cousas gordurosas com tutanos, de vinhos velhos bem clarificados.

7. E êle destruirá neste montea coberta que envolve todos os povos, e o véu que está pôsto sôbre tôdas as nações.

8. Aniquilará a morte para sem pre;e o Senhor Javé enxugará as lágrim as de todos os rostos, e rem overá de tôda a terra o opróbrio do seu povo;

porque o Senhor tem falado.

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Esta passagem liga-se diretamente com o pensamen­to do reino do Senhor, apresentado no último versículo do cap. 24. O banquete do Senhor, segundo o verso 6, celebra a inauguração do reino eterno e universal do Deus de Israel. Apresentada no contexto sombrio do julgamento e terror, esta passagem é uma das mais im­portantes e mais encantadoras que se encontra no Velho Testamento. Descreve a entronização do Senhor Javé nos corações de todos os povos da terra, e não meramen­te na vida do povo escolhido de Israel.

O Senhor dos Exércitos fará um banquete neste monte para todos os povos. Apresenta-se aqui em lin­guagem figurada as ricas bênçãos espirituais do reino aperfeiçoado do Senhor na Idade Messiânica. O Senhor Javé será entronizado nos corações, não somente do seu próprio povo de Israel, mas de todos os povos. Esta ver­dade é freqüentemente acentuada pelo profeta, 2:1-4; 4:2-6; 9:2-7; 28:16; 32:1-3. 0 banquete era emblema, não sòmente de grande alegria para as nações, mas tam­bém da abundância das suas provisões espirituais.

No sacrifício de animais era costume reservar para o Senhor as cousas gordurosas com tutanos, as partes mais avaliadas do animal. 0 banquete era o símbolo do mais alto regozijo espiritual com o Senhor, e o emblema das provisões abundantes da misericórdia divina, Is. 55:2; Sal. ‘63:5; 36:8. Uma festa de vinhos velhos, ou de vinhos com fezes. A palavra se refere ao sedimento dos vinhos que aumenta a potência e a côr, o aroma e o sabor da bebida. Os vinhos bem clarificados são os vi­nhos velhos que ficaram por muito tempo com o sedi­mento, Jer. 48:11; Sof. 1:12. Para ser clarificado, o vinho velho foi passado pelo coador antes de ser usado. A festa de vinhos velhos apresenta-se freqüentemente como o emblema das bênçãos do reino de Deus, Sal. 23:5; Luc. 14:15-24.

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E êle destruirá, ou removerá a coberta que envolve todos os povos e o véu sôbre tôdas as nações. O véu era usado, às vêzes, como m odo de expressar a tristeza, mas parece que o véu sôbre as nações significa a ignorância, a superstição, o ci'ime, a miséria que cobriram a terra "(Cp. II Sam. 15:30; 19:4; Jer. 14:3, 4 ).

Aniquilará ou tragará a morte para sempre. Ter­minarão os dias de tristeza e lamentação, os dias de dor e aflição. Esta é a mais clara e a mais perfeita expres­são da vida além da morte, ou da imortalidade, que se encontra em tôda a profecia. Esta certeza da abolição da morte liga-se diretamente com a doutrina messiâni­ca de Isaias. Os profetas entenderam cada vez mais cla­ramente, desde o tempo de Isaias, que a morte tem que ser abolida como o impedimento, ou como obstáculo no desenvolvimento da beni-aventurança perfeita na Idade Messiânica. É verdade que a doutrina da vida além da jnorte se desenvolve gradativamente no Velho Testa­mento, desde o tempo de Isaias, mas isto não significa, de maneira alguma, que era impossível para qualquer profeta entender esta verdade no tempo de Isaias. No entendimento das bênçãos da comunhão com Deus, os salmistas reconheceram que a morte não podia inter­romper essa preciosa relação espiritual com Deus, Sal. 16; 17; 49; 73. Ver a Teologia Bíblica do Velho Testa­mento do autor, pgs. 270-277.

O Senhor Javé enxugará as lágrimas de todos os rostos. Assim, o profeta entende que a morte será com ­pleta e permanentemente abolida no reino do Messias. Será absolutamente completa a vitória do povo de Deus sôbre a morte. Estas preciosas palavras tocam pro­fundamente no coração do homem sofredor. O poeta Robert Burns disse que não podia ler estas palavras sem ficar profundamente com ovido. E removerá de tôda a terra o opróbrio do seu povo. Através da sua história

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o povo de Deus tem sofrido de escárnio e perseguição da parte dos inimigos. Desde o principio do exilio dos ju ­deus, êles sentiram profundamente a vergonha dos seus infortúnios nacionais, a zombaria da sua religião, e da impotência do seu Deus na proteção dêles contra o po­der dos inimigos (Cp. Joel 2:17; Sal. 44:14-17; 79:10). Mas o profeta vê o tempo quando a sentença pronun­ciada em Deut. 28:37 será completamente cancelada, quando a perseguição há de cessar, e quando a verda­deira religião prevalecerá entre todos os povos e tôdas as nações da terra.

3. Outro Hino de Louvor Relacionado com a Humilha­ção de Moabe, 25:,9-12

9. E naquele dia se dirá :Eis que Sste é o nosso Deus,

por êle tem os esperado que êle nos salve:Êste é o Senhor; por êle tem os esperados

na sua salvação exultarem os e regozijarem os.10. Pois neste monte repousará a mão do Senhor;

•e M oabe será trilhada no seu lugar,com o se pisa a palha na lama do m onturo.

11. E estenderá as suas mãos no meio disto,com o as estende o nadador para nadar;

mas o Senhor lhe abaterá a sua altivez, juntam ente com a perícia das suas mãos.

12. E abaixará as altas fortificações dos seus m uros;abatê-las-á e derribá-las-á por terra até ao p6.

E naquele dia se dirá: Eis que êste é o nosso Deus.Esta é a linguagem de exultação e regozijo daqueles que haviam experimentado a misericórdia do Senhor Javé na sua maravilhosa libertação de opróbrio e vergo­nha. Através da sua história de provações, calamidades e perseguições, êles haviam esperado a vinda do Senhor Javé para os libertar, e assim demonstrar, perante todos os povos, a sua misericórdia e o seu supremo poder.

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/Pois neste monte repousará a jríião do Senhor. A

mão se usa freqüentemente nas Escri turas com o símbo­lo de poder, de defesa e de proteção, Êx. 3:8; 13:14; Is. 38:6; Esd. 7:6, 28; 8:18, 22; Neem. 2:8. O reino uni­versal do Senhor será inicialmente estabelecido no Mon­te Sião, Sal. 14:7; Is. 2:3; Is. 24:23.

E Moabe será trilhada no seu lugar. É difícil a muitos estudantes desta profecia acreditar que o autor dos versos 6-8 tenha escrito também esta violenta con­denação de Moabe. Perguntam: Como se pode acre­ditar que o autor desta nobre visão do reino de Deus pudesse falar ao mesmo tempo sôbre o fim miserável de Moabe? Alguns pensam que esta descrição de Moa­be, que representa o pensamento histórico de Israel, é claramente uma composição separada, introduzida aqui algum tempo depois da obra do autor da visão do Rei­no Messiânico do Senhor.

Mas outros intérpretes apresentam a seguinte in­terpretação: O profeta, havendo falado do triunfo final dos crentes fiéis, descreve, a seguir, a sorte dos incrédu­los. Êle menciona Moabe simplesmente como repre­sentante ou tipo da classe dos incrédulos. A declaração de que Moabe será trilhada significa que todos os inimi­gos de Deus e do povo de Deus serão humilhados e des­truídos. Mas por que o autor menciona Moabe como a representante dos inimigos de Deus, e do reino de Deus? A arrogância dos moabitas é um fato histórico sobejamente conhecido. E há várias outras descrições dos desastres que caíram sôbre Moabe, Is. 15:1-16:14; Jer. 48:1-47; Sof. 2:8-10; Ez. 25:8-11. Mas tudo isto não nega que moabitas se achavam entre os povos e as nações representadas no Reino Messiânico que o pro­feta descreve nos versos 6-8 dês te capítulo.

Como se pisa a palha na lama do monturo, ou tal­vez melhor na água ou na lama da cavidade de estêrco.

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Lançava-se palha na cavidade de água e refugo para pro­duzir f ertilizador.

O verso 11 é muito difícil de se traduzir. Alguns pensam que o escritor representa Moabe com o homem lançado na cavidade cheia de água e refugo, onde está se esforçando para se salvar, estendendo as mãos como nadador. A palavra traduzida por perícia em

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muitas versões, tem a significação básica de emboscada ou traição. Portanto, alguns pensam que a declaração deve ser traduzida por “ O Senhor lhe abaterá a altivez, e todos os seus artifícios traiçoeiros.” Não se refere, neste caso, à perícia das mãos do nadador.

E abaixará as altas fortificações dos seus muros. Tôdas as defesas militares dos orgulhosos moabitas se­rão completamente destruídas, abatidas e derribadas por terra até ao pó.

C. Um Pedido de Salvação Mais Perfeita, 26:1-19

Êstes dezenove versículos, entrelaçados no movimen­to das suas idéias e dos seus pensamentos, constituem uma unidade. Parece evidente que estas meditações pro­féticas se relacionam com o período de opressão e sofri­mento do povo do Senhor. Mas é impossível determinar as eircunstâncias históricas associadas com a mensagem do escritor. O povo expressa a sua profunda gratidão pe­las manifestações da misericórdia do Senhor nas suas experiências, mas deseja ardentemente experimentar mais ricamente as bênçãos preciosas do seu Deus. As emoções e os pensamentos religiosos variam na experiên­cia do autor da poesia, mas no verso 19 a sua fé triunfa sôbre as experiências do passado, e êle proclama a certeza inabalável de que os mortos fiéis viverão com Deus. Não obstante a variação do pensamento nas partes diferentes

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da poesia, a conexão direta entre os versículos indica cla­ramente a unidade da passagem.

Nos primeiros dois versículos o povo enaltece ao Se­nhor pelo poder e segurança de Jerusalém que há de ser a habitação dos justos e fiéis. Os versos 3 e 4 declaram que o Senhor conserva em perfeita paz aquêles que nêle confiam. Declara também nos versos 5 e 6 que a cidade orgulhosa e hostil será humilhada e derribada até ao pó.

1. Hino de Gratidão pela Vitória, 26:1-6

1. Naquele dia se cantará êste hino na terra de Ju d á ;Tem os uma cidade forte ;

Deus lhe põe a salvação por muros e baluartes.

2. A b ri as portas,para que entre a nação justa, que guarda a fidelidade.

3. T u conservas em perfeita pazaquêle cujo propósito é firm e, porque êle confia em ti.

4. Confiai no Senhor perpetuamente,porque o Senhor Deus é uma rocha eterna.

5. Porque êle tem abatidoos habitantes do alto, a cidade exaltada.

Êle a hum ilha até ao chão, a derriba até ao pó.

6. O pé a pisará:os pés dos pobres, os passos dos necessitados.

Naquele dia quando o Senhor libertar o seu povo e iniciar o seu glorioso reino em Jerusalém, cantar-se-á êste hino de gratidão e louvor ao Senhor por esta grande vitória. Os que cantam na terra de Judá, em contraste com Moabe, incluem também os fiéis de Jerusalém. Te-

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mos uma cidade forte (Sal. 25:2). A topografia de Jeru­salém facilitava a sua defesa militar. Mas o escritor não está falando aqui da fortificação militar da cidade. A cidade, naquele dia, será forte e invencível porque o pró­prio Senhor é o seu Defensor. A segurança de Jerusalém não depende de muros e baluartes, porque o Senhor lhe põe a salvação com o muros e baluartes, de acôrdo com os seus planos eternos.

Abri as portas. As portas estão sempre abertas para a nação justa e fiel, que na nova Jerusalém gozará a se­gurança perfeita (Cp. Sal. 118:19, 20; Apoc. 22:14). O povo do Senhor exultará porque Jerusalém será impug­nável, e será habitada exclusivamente pelos justos, ver­sos 1, 2 e 10. Os servos do Senhor permanecerão na presença do Senhor, e o adorarão continuamente (Cp. 60:11 e Apoc. 21:25).

Conservas em paz, cujo propósito é firm e. A palavra “lir pode ser traduzida mente, mentalidade, disposição,

mas propósito é claramente o sentido da palavra neste contexto. Esta é uma verdade gloriosa da revelação di­vina, experimentada por multidões de crentes fiéis em tôdas as épocas da história cristã. A pessoa que deposita a sua firme confiança no Senhor levanta-se, pelo socor­ro divino, acima das perturbações mundanas. Sujeitos à perseguição, à pobreza, à doença e à tristeza, os homens de Deus mantêm a sua fé inabalável, e assim demonstram a operação do poder de Deus nas suas experiências. A psicologia moderna testifica poderosamente a verdade apresentada nesta maravilhosa afirmação do profeta.

Confiai no Senhor perpètuamente, e assim recebei constantemente as bênçãos do seu eterno amor e prote­ção. Por que Jav, Javé é Rocha Eterna. Jav, H1 > é a form a abreviada de Javé, nilT’ • A união destas duas formas aqui acentua o poder, a majestade, a glória e a

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santidade do Senhor que é a Rocha Eterna. Porque Deus é justo, firme e imutável, o seu povo sempre encontra nêle a salvação perfeita (Deut. 32:4; I Sam. 2:2; Sal. 18:31; 19:14; 28:1).

No verso 4 o profeta explica as bênçãos da plena con­fiança no Senhor. Nos versos 5 e 6 êle declara que Deus tinha abatido os habitantes que se julgavam seguros no seu lugar alto, e os perversos orgulhosos que tinham der­ribado até ao pó a cidade exaltada. Em linguagem poéti­ca, o verso 6 declara que os pés dos judeus, oprimidos, pobres e necessitados, pisarão os seus opressores.

2. O Povo Espera Ansiosamente os Juízos Retos do Senhor, 26:7-10

1. A vereda do justo é plana;tu, que és justo, aplanas a vereda do justo.

8. Na vereda dos teus juízos,ó Senhor, te esperamos;

no teu nome e na tua memóriaestá o desejo ardente da nossa alma.

9. A m inha alma suspira na noite por ti,O meu espírito dentro de mim te procura diligentem ente;

pois quando os teus juízos reinam na terra, os moradores do mundo aprendem justiça.

10. A inda que se mostre favor ao perverso, nem por isso aprende a justiça;

até na terra de retidão êle comete a iniqüidade, e não atenta para a majestade do Senhor.

O verso 7 declara que o Senhor justo aplana a vereda do justo (Prov. 3:6; 15:19). A vereda plana é o cami­nho de retidão do homem justo. Deus dirige o homem justd no caminho livre de tropeços, e êle tem uma vida feliz, e livre de desastres espirituais, Sal. 1:6; Prov. 3:6; 4:26; 5:6, 21; 11:5. Os obstáculos no caminho dos per­versos sempre os fazem tropeçar e fracassar.

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No caminho dos juízos do Senhor o seu povo espera. Os juízos ou os julgamentos do Senhor significam, às vê- zes, os estatutos ou a Lei do Senhor que é perfeita, Sal. 19:7, Is. 2:3. No teu nome e na tua memória está o de­sejo ardente da alma, da nossa alma, ou do nosso espírito. O Nome do Senhor freqüentemente significa a sua Pes­soa. É, portanto, na própria Pessoa e nas recordações das bênçãos providenciais do Senhor que a alma do seu povo espera ardentemente. Na experiência religiosa o es­pírito humano deseja profundamente a manifestação dos julgamentos e do poder do Senhor. Quando os juízos do Senhor não se manifestam, os perversos pensam que po­dem pecar com impunidade. Pela manifestação dos juí­zos do Senhor na história de homens e nações, os ha­bitantes do mundo aprendem a justiça. Mas há perver­sos que fecham os olhos para a majestade do Senhor, e recusam andar nas veredas da justiça.

A minha alma suspira por ti na noite. Nota-se que o profeta passa do plural para o singular. Eu desejo. Identificando-se com o . povo fiel, o profeta expressa o seu desejo pessoal de que o Senhor se manifeste de tal maneira que os moradores do mundo aprendam justiça. Assim, êle dá ênfase especial à sua própria aspiração. (Cp. Sal. 44:4, 6 ). O profeta reconhece que quando os juízos do Senhor chegarem a reinar na terra, os morado­res do mundo aprenderão a verdadeira natureza da jus­tiça divina. Deus revela constantemente as conseqüên­cias terríveis das várias formas do pecado na vida dos homens, bem como no transcurso da história humana. O julgamento do Senhor sôbre os ódios internacionais, e as guerras, falam bem alto no sofrimento das vítimas, mas é mui difícil para o egoísmo humano reconhecer a verdade, e orientar-se pelas leis da justiça divina. Mas o mundo está acordando e reconhecendo que a injustiça hu­

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mana, aproveitando-se dos podêres da ciência moderna, é capaz de destruir o mundo.

Ainda que se mostre favor ao perverso, êle ainda as­sim despreza a justiça e pratica a iniqüidade (Prov. 21: 10). Vive vida pecaminosa, mesmo quando está cerca­do pela justiça (30:10). Não é impossível, mas é muito difícil para o homem firmado na vida e prática da injus­tiça atentar para a majestade do Senhor nas suas ativida­des providenciais.

3. As Bênçãos da Disciplina e da Orientação Divina,26:11-15

11. ó Senhor, a tua mão está levantada,mas nem por isso a vêem.

Porâm verão o teu zêlo pelo povo, e se envergonharão; o fogo dos teus adversários os consum irá.

12. ó Senhor, tu nos darás a paz;porque tôdas as nossas obras tu as fizeste por nós.

13. ô Senhor, nosso Deus,outros senhores têm tido domínio sôbre nós; mas, por ti só, nos lembramos do teu nome.

14. São mortos, não vive rão;são sombras, não se levantarão;

por isso, os visitaste e destruíste, e lhes apagaste tôda memória.

15. Mas T u , Senhor, aumentaste a nação;aumentaste a nação, T u âs glorificado; estendeste todos os confins da terra.

6 Senhor, a tua mão está levantada. A mão levanta­da do Senhor representa as suas atividades providenciais na direção da História, e especialmente do seu povo fiel. Os homens de fé reconhecem o poder da mão levantada do Senhor. Há, porém, alguns que não compreendem as manifestações da obra do Senhor, pois não querem enten­

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der as evidências da justiça divina na direção do mundo. Mas quando vêm desastres, e os iníqüos têm que enfren­tar a pobreza e o sofrimento, alguns acordam e experi­mentam as bênçãos da fé no Senhor da justiça. O hebrai­co da segunda e terceira declarações do versículo 11 é di­fícil de se traduzir. Alguns traduzem: Êles verão e se envergonharão, o fogo consumirá os teus adversários, as­sim deixando fora algumas palavras que são interpola­ções . Mas traduzindo a frase o zêlo do povo, DJ? íl íO p ,

T — ! *

o teu zêlo pelo povo, que nos parece justificável na lin­guagem poética, as declarações ficam mais claras.

Tu nos darás, ou nos ordenarás a paz. Temos cer­teza disto, porque até tôdas as obras que temos realizado, tu as fizeste por nós (Cp. Sal. 90:16, 17). Na base das experiências do passado, o profeta expressa a confiança e a esperança na paz que vencerá todos os males que pos­sam surgir contra o povo do Senhor.

Outros senhores têm tido domínio sôbre nós. Fala- se evidentemente do domínio político de pagãos sôbre o povo do Senhor. Amós, Oséias e Isaias nos explicam como a idolatria destas nações dominadoras de Israel corrom­peu a fé de muitos israelitas, e assim impediu a realiza­ção perfeita da vontade do Senhor na vida nacional do seu povo escolhido. Mas tinha aprendido, por experiên­cias amargas, a futilidade de adorar os deuses falsos das outras nações. Mas, por ti só, nos lembramos do teu nome. O povo fiel tinha aprendido uma verdade muito difícil de o homem entender. Sem o socorro divino não se pode celebrar o nome do Senhor Javé.

São mortos, não viverão; são sombras, não se le­vantarão. O profeta está falando dos senhores do verso 13. Êles nunca mais colocarão o jugo sôbre o povo do Senhor, porque estão mortos, e apagada está tôda a me­mória dêles.

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Mas Tu, Senhor, aumentaste a nação. Havendo destruído os dominadores de Israel, o Senhor também estendeu os limites da sua terra (Cp. 9 :3 ). Alguns pen­sam que o verbo aumentaste seja um perfeito profético, e assim se refira ao futuro. Outros pensam que seja uma promessa que será cumprida na Idade Messiânica. Mas parece claro que o escritor está simplesmente declaran­do o que já se realizou no aumento da nação. Esta é as­sim uma das bênçãos que o povo tinha recebido do Se­nhor. Tu és glorificado. O Senhor glorificou-se a si mesmo na exaltação do seu povo.

4. Experiências Tristes Que o Povo Sofreu antes da Sua Redenção, 26:16-18

16. 6 Senhor, na angústia te buscaram ;quando lhes sobreveio a tua correção, derram aram orações.

17. Como a m ulher grávida,que se contorce e dá gritos nas suas dores, quando se lhe aproxim a a hora de dar à luz,

assim fomos nós, na tua presença, ó Senhor;

18. concebemos nós e nos contorcemo9 em dores de parto,foi como se tivéssemos dado à luz vento.

Não trouxem os à terra livram ento algum , nem caíram moradores do mundo.

ó Senhor, na angústia te buscaram. O hebraico do verso 16 é difícil de se traduzir. Traduzimos o texto massorético, mas nos parece que a margem de Kittel, e a tradução da Septuaginta representam o texto origi­nal que concorda melhor com os versos 17 e 18. “ ó Se­nhor, na angústia te buscamos; quando nos sobreveio a tua correção, oramos em voz baixa” (Cp. II Sam. 12:19; Sal. 41:7). 0 profeta declara nos versos 16-18, que não obstante a disciplina e a misericórdia do Senhor,

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o povo tinha aprendido pouco a respeito da sua incum­bência espiritual.

O profeta usa a figura da agonia da mulher na hora de dar à luz para descrever a crise na vida religiosa do povo (Cp. Os. 13:13; Miq. 4:10; II Reis 19:3; Is. 37:3). Concebemos nós e nos contorcemos em dores de parto, e não trouxemos à terra livramento algum. O povo es­colhido tinha recebido a incumbência de produzir filhos de fé, mas tinha fracassado. Nem caíram moradoresdo mundo. A palavra aparentemente tem o sentido

t

neste contexto de nasceram. O verbo se usa neste sen­tido no árabe, mas não em qualquer outro lugar, senão no verso seguinte, na frase a terra lançará de si os seus mortos. A nação escolhida não tinha produzido filhos para povoar a terra. A declaração não contradiz o ver­so 15. O conflito aparente desaparece quando reconhe­cemos que a nação havia atingido um certo grau de prosperidade com o aumento da população, mas ainda não tinha conseguido plenamente a sua missão divina.

5. Os Teus Mortos Viverão, os Seus Corpos Ressuscita­rão, 26:19

19. Os teus mortos viverão, os seus corpos ressuscitarão, Despertai e cantai, vós que habitais no pó;

pois o teu orvalho é o orvalho de luz, e a terra lançará de si os seus mortos.

Encontram-se algumas irregularidades no hebraico dêste verso, como “ vossos mortos” e “ meu cadáver” do Texto Massorético. O orvalho de luz, luzes, e não o orvalho das ervas, é a tradução correta de fl ’ T)'N neste contexto. O versículo é profundamente interessante. A Septuaginta e o Rôlo do Mar Morto contêm: “ O teu or­valho é com o o orvalho da alvorada.”

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Parece que esta maravilhosa promessa se apresenta abruptamente, mas é a resposta ao clamor das aspira­ções, esperanças e orações da comunidade nos versos 16 a 17. O povo de Israel tinha recebido a incumbência de transmitir a mensagem da revelação divina a tôdas as nações do mundo. A sua religião era também a pri­meira na histói’ia do mundo que ligava a ética, ou a vida de retidão, justiça e pureza moral, à prática da sua fé. Mas a nação, por muito tempo, tinha idéias vagas a res­peito da vida futura, e especialmente quanto à recom­pensa final do fiéis do Senhor. Èste príncipe dos profe­tas, meditando sôbre as gerações dos fiéis que iam se levantando e passando sem experimentar a esperança da salvação perfeita da graça de Deus, recebeu esta pro­messa divina da ressurreição dos justos do Senhor.

Os teus mortos viverão. Os seus corpos, ou os meus corpos ressuscitarão. Os mortos que viveram e morre­ram na fé e no temor do Senhor ressuscitarão e vive­rão. Os fiéis do Senhor que habitam no pó verão a gló­ria do seu julgamento, e se regozijarão no triunfo sôbre a morte. Pois o seu orvalho é o orvalho da luz de Deus, Tiago 1:17. Quando êste orvalho sobrenatural cair sô­bre os mortos, êles acordarão e cantarão. A luz, nas Es­crituras, freqüentemente significa a vida, Sal. 36:,9; Jó 3:20; 33:30; João 1:4.

A terra lançará de si os seus mortos. A declaração pode ser traduzida, “ a terra dará à luz as suas sombras” . Sombras, refere-se aos mortos em Sheol. A dou-

* T »

trina da ressurreição dos mortos, apresentada neste ver­sículo pelo profeta, é um lindo exemplo da operação do Espírito do Senhor no espírito do profeta submisso à oiúentação divina. Assim, o profeta inspirado chegou a entender que a redenção de Israel não podia ser reali­zada pelo seu próprio esforço. O homem de Deus per­

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cebeu que as aspirações e as esperanças, acordadas no seu coração pelo Espírito do Senhor, podiam ser realiza­das somente pela ressurreição dos fiéis dentre os m or­tos. Maravilhoso que seja o significado da revelação desta doutrina no Velho Testamento, devemos reconhe­cer que é imatura à luz dos ensinos do Nôvo Testamen­to. Nesta declaração a esperança limita-se aos israeli­tas que viveram e morreram na fé e no serviço do Se­nhor (Cp. v . 14).

Esta doutrina profética da ressurreição dentre os mortos é diferente do conceito da imortalidade da alma. Para os hebreus, a plenitude da vida era impossível para o espírito separado do corpo.

Convém notar que a doutrina da ressurreição neste verso é bastante diferente do sentido das declarações de Os. 6:2 e Ez. 37:1-14. Nestas passagens a ressurreição dos mortos é apenas uma figura da regeneração dos mortos espirituais, “ ossos secos” que eram “ a casa de Israel” . Mas o profeta Isaías fala da ressurreição lite­ral dos servos fiéis ao Senhor.

D. Conclusão desta Mensagem de Aspirações e Espe­ranças, 26:20-27:13

O profeta discute, nesta divisão, vários tópicos, in- ti’oduzindo passagens líricas em 27:2-6 e 7-11.

1. O Povo Deve Esconder-se até Que Passe o Julgamento Divino, 26:20-21

20. Vem , povo meu, entra nas tuas câmaras, e fecha as tuas portas sôbre t i ;

esconde-te só por um momento, até que passe a ira.

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21. Pois eis que o Senhor sai do seu lugar,para castigar a iniqüidade dos moradores da terra,

a terra descobrirá o sangue que embebeu, e não encobrirá mais os seus mortos.

No verso 20 o profeta volta ao discurso que inter­rompeu em 25:8, declarando que ainda não se comple­tou o julgamento divino. O povo deve entrar nos seus quartos, e ali ficar por pouco tempo até que passe a tem­pestade do juízo' divino (Cp. Jó 14:13; Dan. 11:36). Esta manifestação da ira de Deus não visa ao povo do Senhor, povo meu, os israelitas. Êles ficarão seguros até que passe o juízo do Senhor.

O Senhor sai do seu lugar. Quando o Senhor vier do seu lugar no céu para castigar a iniqüidade dos habi­tantes do mundo, a terra descobrirá, ou mostrará, o san­gue inocente dos mortos do qual se tinha embebido. O sangue das vítimas se mostrará como testemunha con­tra os assassinos (Cp. Gên. 4:11; Jó 16:8; Ez. 24:7, 8 ). Não se declara que os próprios mártires se levantarão para testemunhar juntamente com o seu sangue. De­vemos sempre ter cuidado na interpretação da lingua­gem simbólica ou figurada.

2. A Punição dos Poderes Cruéis do Mundo, 27:11. Naquele dia o Senhor castigará com a sua dura espada,

grande e forte, Leviatã, a serpente veloz, Leviatã, a ser­pente tortuosa, e m atará o dragão que está no mar.

A linguagem dêste verso é simbólica e obscura. Apresentam-se várias interpretações do significado da declaração. Fala o profeta de um só poder mundial, ou de três impérios diferentes? Parece que está visan­do a três grandes podêres na linguagem simbólica (Cp. 24: 21). O escritor menciona três monstros da mitologia an­tiga, segundo a nossa interpretação, como símbolos de po-

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dêres que haviam oprimido o povo do Senhor. O têrmo Leviatã deriva-se do verbo que significa torcer. Era o monstro terrível do mar. O Leviatã veloz é o mesmo que o Leviatã tortuoso? E o dragão que está no mar é o Le­viatã? É fato que êstes três têrmos são usados para de­signar um monstro da mitologia. Mas parece que são usados aqui para simbolizar três nações poderosas e cruéis que tinham oprimido o povo de Israel.

É quase certo que o dragão que está no mar simbo­liza o Egito, 30:7; 51:9; Ez. 29:3; 32:3; Sal. 74:13. Os dois Leviatãs simbolizam podêres da Mesopotamia, talvez a Assíria e a Babilônia. Israel ficava entre o Egi­to e a Mesopotâmia, e êstes dois podêres eram os mais responsáveis pelos sofrimentos de Israel e Judá. Estas duas maldições do povo do Senhor receberão o maior castigo no dia do julgamento.

A espada dura, grande e forte do Senhor simboliza o seu poder supremo sôbre as nações arrogantes do mundo, 34:5, 6; Deut. 32:41; Ez. 21:4, 5, 9.

3. Cântico do Senhor Concernente à Sua Vinha, 27:2-6

2. Naquele dia :U m a vinha deliciosa, cantai dela!

3. Eu, o Senhor, a guardo,e cada momento a rego.

Para que ninguém lhe faça dano, de noite e de dia eu cuido dela.

4. Não há ira em m im .Quem me dera espinhos e abrolhos na batalhai

Eu iria contra êles,e juntam ente os queim aria.

5. Ou que se apodere da m inha proteção,que fa ;a paz comigo, que faça paz comigo.

6. Nos dias vindouros Jacó lançará raízes;Israel florescerá e brotará, e encherão de fruto o mundo.

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Nestes versículos, como na maior parte dêste capítu­lo, o texto é poético, e o escritor apresenta o seu pensa­mento num estilo brilhante, mas freqüentemente obs­curo. Temos nesta poesia um contraste com o cântico de 5:1-7. No primeiro caso o Senhor plantou e cuidou carinhosamente da vinha que lhe produziu uvas bra­vas. Na sua ira, êle entregou a vinha para ser destruí­da e pisada. Neste cântico, o Senhor cuida constante­mente da vinha deliciosa, e mostra a hostilidade aos es­pinhos e abrolhos que simbolizam os inimigos de Israel. A mensagem do cântico relaciona-se com o tema geral dos capítulos 24 a 27. Nas suas atividades providen­ciais, o Senhor está desenvolvendo o seu povo, “ meu povo” , para cumprir a sua missão mundial.

Uma vinha deliciosa. Êste é o texto da Septuagin- ta. O massorético diz, Uma vinha de vinho, D*13

Uma confusão das letras 1 e “1. As palavras podem ser traduzidas, cantai dela, cantai-lhe ou cantai para

T “

ela.No versículo 3, o presente dos verbos guardar, re­

gar e cuidar traduz melhor o sentido das palavras. No seu carinho, e no seu amor imutável, o Senhor cuida constantemente, de dia e de noite, do seu povo, para que ninguém lhe faça dano. Não há ira em m im . Mas no seu amor da vinha, o Senhor destruirá os espinhos e abrolhos, os inimigos do seu povo.

Ou que se apodere da minha proteção, ou da minha fôrça (Cp. I Reis 1:50; 2 :28). Parece que o Senhor, na sua misericórdia, e sem ira, está dizendo: Se qualquer um dos ofensores, entre os espinhos e abrolhos, desejar escapar ao castigo dos seus companheiros, êle poderá apoderar-se da minha fôrça. Qualquer pecador pode

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salvar-se da morte, entregando-se incondicionalmente ao Senhor da vida.

O verso 6 termina o cântico, identificando a Jacó, Israel, como a vinha ou o povo do Senhor. Com a m o­dificação ligeira da figura, Israel se apresenta com o vide gigantesca e florescente que enche de fruto o mundo inteiro (Cp. Sal. 8 0 :l l ;0 s . 14:6.)

4. A Significação da Disciplina Divina de Israel, 27:7-11

7. Fe riu -o êl>e como feriu aos que o feriram ?Ou foi êle morto como foram mortos os que o m ataram ?

3. Com medida contendeste com êle, quando o rejeitaste;

êle o removeu com o seu vento forte, no tempo do vento leste.

9. Portanto, com isto será expiada a culpa de Jaeó,e êste será todo o fruto do perdão do seu pecado:

quando êle fizer a tôdas as pedras do altar como pedras de cal feitas em pedagos, não ficarão em pé os aserins e os altares de incenso.

10. Pois a cidade fortificada está solitária,habitagão desamparada e abandonada, como o deserto;

ali pasta o bezerro,ali se deita e devora os seus ramos.

11. Quando os seus ramos se secam, são quebrados;então vêm as mulheres, e lhes atearão fogo.

Pois êste é um povo sem discernim ento;por isso, não se compadecerá dêle aquêle que o fêz,

e aquêle que o form ou não lhe m ostrará favor.

Esta passagem tem pouca conexão com o cântico da vinha que precede, e com os versos que seguem. Mas a disciplina divina de Israel é um dos assuntos que ca­racteriza esta divisão do livro de Isaias.

Não obstante a dificuldade do hebraico dos versos 7 e 8, o sentido da passagem é mais ou menos claro. Is­rael não tinha sofrido tão severamente como aquêles que

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pela opressão tinham causado o sofrimento de Israel. As calamidades e os sofrimentos que os israelitas tinham experimentado, visavam, na previdência divina, à sua disciplina espiritual, ou ao seu arrependimento e fé ina­balável no Senhor, o Deus de Israel.

Feriu-o êle como feriu aos que o feriram? A per­gunta fica mais clara nas seguintes palavras: Feriu o Senhor a Israel como feriu os seus inimigos que lhe cau­saram tanto sofrimento? (Cp. Jer. 10:24, 25). A per­gunta pede claramente a resposta negativa. Certamen­te, o Senhor não havia ferido o seu povo como tinha feri­do as mais poderosas nações inimigas de Israel. Ou foi êle morto com o foram mortos os que o mataram? Esta tradução segue a versão da Septuaginta. O texto hebrai­co diz, foram êles mortos? isto é, israelitas em vez de Israel. O tratamento de Israel pelo Senhor é moderado em comparação com o castigo que infligiu aos seus ini­migos e opressores. Enquanto outras nações poderosas e arrogantes iam perecendo, a pequena nação de Judá, com tôdas as suas falhas, permanecia, porque tinha a incumbência de servir ao seu Deus com o nação de sa­cerdotes, Êx. 19:6.

O hebraico do verso 8 é tão difícil que alguns estu­dantes eruditos dizem que não se pode determinar o seu sentido. A versão SSB é geralmente rejeitada. Almeida segue mais de perto o sentido das palavras hebraicas. O uso do pronome feminino de Almeida significa Jerusa­lém, enquanto o nosso uso do masculino significa Israel. Os sufixos do verso 8 são femininos, enquanto que os do 7, bem com o os particípios, são masculinos. Por isso, pensam alguns que o verso 8 deve seguir o verso 10.

Será expiada a iniqüidade de Jacó. Segundo êste verso 9, a culpa de Israel, com tôdas as conseqüências dos seus pecados, será removida. Mas a iniqüidade de Israel será expiada sob a condição do seu abandono completo

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da idolatria e dos seus objetos de culto. Não pode haver lugar na comunidade ideal, visada nesta profecia, para os aserins e os altares de incenso. Asera era uma das deusas de Canaã, e aserins eram postes ou árvores sa­gradas, imagens de Asera. Jezabel tinha 400 profetas de Asera, I Reis 18:19. Os altares de incenso, nos luga­res altos, não ficarão em pé (Cp. II Reis 17:11; Jer. 44:18; Os. 11:2). Judá aprendeu finalmente com o ca­tiveiro, o propósito divino no castigo que sofreu, e aban- dònou completamente tôdas as formas de idolatria.

A cidade fortificada está solitária. Os versos 10 e 11 descrevem a desolação de Jerusalém, e não de uma cidade dos inimigos de Judá, segundo a opinião de al­guns comentaristas. Outros pensam que o escritor está falando na cidade de Samaria ou na Babilônia. É im­possível determinar com certeza a cidade que o escritor descreve. Mas era uma cidade que tinha sido fortifica­da e poderosa, e agora estava desamparada e abando­nada, com o deserto. O bezerro se deitava no lugar, e devorava os ramos dos pequenos arbustos que ali cres­ciam. As mulheres buscavam pedaços de ramos secos e quebrados para lenha. A destruição daquela cidade foi o resultado da sua falta de entendimento.

5. Uma Profecia da Restauração dos Desterrados de Israel, 27:12, 13

12. Naquele dia o Senhor debulhará o cereal desde o Rio até ao ribeiro do E g ito ; e vós, 6 filhos de Israel, sereis colhidos um ■ u m .

13. E naquele dia se tocará uma grande trom beta, e os que anda­vam perdidos pela terra da A ssíria , e os que foram desterra* dos para a te rra do Egito, virão e adorarão ao Senhor na monte santo de Jerusalém .

Esta profecia é do mesmo caráter que a promessa de 11:11-16. Êstes dois versículos apresentam a con­

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clusão apropriada dos últimos quatro capítulos. 0 pro­feta anuncia que os israelitas desterrados na Assíria e no Egito serão restaurados e reunidos na sua própria terra.

O Senhor debulhará o cereal desde o Rio Eufrates até ao ribeiro do Egito. Nesta imagem do lavrador que ceifa e recolhe o seu fruto e cereal, o profeta representa o Senhor que recolhe e restaura o seu povo desterrado, desde a Mesopotâmia até ao Egito. Assim, os filhos de Israel sereis colhidos um a um (Ver. 27:1; 25:8; 26:20; 24:23). Desde longe todos os fiéis serão reunidos em Jerusalém, e ali adorarão o seu Deus, o Senhor dos Exér­citos de Israel, o único e o verdadeiro Deus.

Tocar-se-á uma grande trombeta, e os que anda­vam perecendo no estrangeiro acordarão, e voltarão das terras longínquas para sua pátria amada, e para a glo­riosa comunhão com o seu Deus (Ver. 18:3; Zac. 9:14; Mat. 24:31).

A Data e a Unidade dos Capítulos 24-27

Segundo a nossa interpretação, não há argumentos suficientes para negar ao profeta Isaias êstes quatro ca­pítulos, incluindo as quatro poesias líricas. Há, porém, indicações de que alguns versículos e frases foram acres­centados à obra original por redatores, algum tempo depois de Isaías. Quanto à data, não há indicações cer­tas do tempo ou da época da profecia, mas esta reflete mais as circunstâncias históricas de Ezequias e Sena- queribe.

VII. Não Escarneçais para Fazer Mais Fortes os Vossos Grilhões, 28:1-32:20

Êstes capítulos tratam principalmente das condi­ções políticas e religiosas que prevaleceram nos reinos

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de Israel e Judá nos últimos anos do século oitavo, pou­co antes da invasão cte Senaqueribe. Contra o conselho sábio do profeta Isaias, o povo confiava nas alianças po­líticas, em vez de reconhecer e ouvir a chamada divi­na, e obedecer ao apêlo da fé em Deus. O resultado da pregação do homem de Deus era semelhante ao de mui­tos pregadores do evangelho em nossos dias. O profeta se revela como verdadeiro estadista, no entendimento dos problemas políticos da época, e nos conselhos que apre­senta ao povo e às autoridades. Também expõe clara­mente, às vêzes com escárnio, a inépcia dos nobres e dos politiqueiros que procuravam fazer alianças com nações poderosas e agressivas que não se interessavam no bem- estar de Israel, antes, desejavam dominar a sua terra como base de conquistas maiores.

Êstes capítulos não apresentam problemas sérios a respeito do autor, da data e da unidade da mensagem. Alguns comentaristas argumentam que partes da profe­cia foram escritas algum tempo depois de Isaias, mas reconhecem que tais passagens descrevem o fundo his­tórico e os problemas da época de Ezequias, Isaias e Se­naqueribe .

Na beleza do estilo literário, na análise do caráter humano, no contraste entre o pecado e a justiça divina, e na fôrça de argumento, êstes capítulos apresentam um exemplo brilhante da literatura dos escritores sacros. As verdades apresentadas aqui são relevantes para os nos­sos dias. Alguns cientistas e autoridades políticas escar­necem de preceitos religiosos, esquecendo-se de que as ver­dades éticas da verdadeira religião preservam os melho­res elementos da civilização humana.

O profeta troveja contra a política engenhosa, e de­clara que a aliança com a Assíria e com o Egito não pode salvar a pequena nação de Israel. Não se salva da mor­te e do inferno fazendo alianças com êles. Aquêle que

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crê não se apresse. Confiai no Senhor de Sião, porque êle tem um plano para o seu povo fiel que nunca pode ser derrotado.

A . O Castigo Certo dos Impenitentes de Efraim e Judá,28:1-29

Há quatro pequenos discursos distintos neste capí­tulo sobre os pecadores impenitentes de Efraim, ou Is­rael, e Judá.

1. A Queda de Samaria, a Capital de Israel, 28:1-6

1. A í da soberba coroa dos bêbados de E fra im ,e da flor caduca da sua gloriosa beleza>

q u « está sôbre a cabeça do vale fértil dos que são vencidos pelo vinho !

2. Eis, o Senhor tem um que é valente e poderoso;como uma tempestade de saraiva, um a torm enta de des­truição,

como tempestade de impetuosas águas transbordantes, com mão poderosa a derribará por terra.

3. A soberba coroa dos bêbados de Efraimserá pisada aos pés;

4. e a flor caduca da sua gloriosa beleza,que está sôbre á cabeça do vale fértil,

será como figo prem aturo antes do verão; quando alguém põe nêle os olhos, mal o apanha já o devora.

5. Naquele dia o Senhor dos Exércitos será a coroa de glória,e o diadema d « beleza para o restante do seu povo;

6. • será o espírito de justiça para o que se assenta a ju lga r,e a fortaleza para os que fazem recuar a peleja na porta.

Nos primeiros quatro versículos, o profeta denuncia os bêbados de Efraim, e proclama a queda iminente da sua linda cidade. É claro, portanto, que êste oráculo foi proferido antes de 721, quando Samaria caiu no poder

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da Assíria. O profeta descreve a capital do Reino de Is­rael como a soberba coroa dos bêbados de Efraim. A figura é de difícil interpretação e característica do he­braico. Parece que a frase soberba coroa faz uma du­pla referência. Refere-se, sem dúvida, à cidade de Sa­maria no cume do outeiro, ficando quase 100 metros mais alta do que a terra em redor. Alguns pensam que se refira também à grinalda de flôres na cabeça do bê­bado que se entregava à bacanal. As flôres estão mur­chando, pois o tempo da orgia dos bêbados está chegando ao fim , e a linda cidade de Samaria está nos últimos dias da sua gloriosa formosura. O rei Onri comprou de Se- mer o monte, I Reis 16:24, e, naquele lugar estratégico, êle construiu a capital que floresceu no período da pros­peridade de Efraim, e especialmente no reino de Jero- boão II. Dos que são vencidos pelo vinho, J’'"' ,

• T • • “ «

batidos ou golpeados pelo vinho, completamente intoxi­cados. No combate entre o beberrão e o vinho, é êste que sai vencedor.

Eis, o Senhor tem um que é valente e poderoso. Oinstrumento poderoso do Senhor, neste caso, é o assírio, 10:5. O poder da Assíria, no plano do Senhor, será usa­do para castigar o povo infiel, os israelitas que tinham rejeitado a orientação do seu Deus (II Reis 17:3-6). Como se explica que o Senhor pudesse usar êste povo tão cruel para conseguir o seu propósito na extermina­ção do Reino de Israel? Yer a explicação nas notas sôbre 10:5, 6. Como a tempestade de saraiva e o dilúvio de águas impetuosas o violento exército da Assíria der­ribará por terra o Reino de Israel.

A soberba coroa dos bêbados de Efraim será pisa­da aos pés. O verbo dêste versículo é plural no hebrai­co, indicando que os bêbados, bem como a cidade de Sa­maria, serão pisados aos pés do conquistador.

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No verso 4 é Samaria que será com o figo prematu­ro. Os primeiros figos são apanhados e devorados por­que são os mais deliciosos (Ver Os. 9:10; Miq. 7:1; Naum 3:12; Jer. 24:2). O profeta pensava que a linda cidade de Samaria seria tomada e saqueada facilmente pelo conquistador. Mas, poderoso e invencível como era o exército assírio, teve que sitiar a cidade por três anos antes que pudesse capturá-la. Mas logo que foi tom ida, a cidade foi saqueada e completamente destruída. Mui­tos dos habitantes foram mortos, e os cativos foram es­palhados nas terras estranhas, sob o domínio da Assí­ria, e o Reino de Israel, com o nação, foi completamente destruído.

Por muitos anos os reis e os nobres de Efraim ti­nham demonstrado a sua decadência moral e religiosa, bem como a sua incapacidade de entender a santidade, a justiça e o amor do seu Deus. Como nos explica o pro­feta Amós, os israelitas eram muito zelosos na prática da religião formal, enquanto que, ao mesmo tempo, êles estavam completamente separados do Senhor pela cor­rução moral, a avareza, a hipocrisia e a injustiça. Jul­gando que pudessem comprar as bênçãos do Senhor com o sacrifício de animais, e continuar no pecado como quisessem, êles não tinham mais o conhecimento e a fôrça necessários para voltar ao Senhor Deus, a quem tinham rejeitado.

Nos versos 5 e 6 o profeta usa os mesmos têrmos, coroa de glória e diadema de beleza, que se encontram em 1-4, mas em sentido notavelmente diferente. Na Idade Messiânica, quando o reino da justiça fôr estabe­lecido, v . 17, o Senhor Javé dos Exércitos será a coroa de glória e o diadema de beleza para o restante fiel do seu povo. Naquele dia é a frase que geralmente se refe­re ao reino futuro do Messias, e não ao dia do julgamen­

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to do Reino de Israel, nem à preservação do Reino de Judá.

0 restante fiel do seu povo significa os regenera­dos do Senhor que amam o seu reino de justiça. Não há certeza de que a frase aqui signifique apenas os so­breviventes das tribos do Reino de Israel, ou se inclui também os regenerados de Judá. A linguagem não abrange os infiéis de Judá. Certamente, havia um nú­mero limitado dos fiéis entre os israelitas. 0 escritor está visando à história do povo escolhido, com os vários julgamentos de disciplina. Há, portanto, um profundo contraste entre a glória falsa que desvanece, e a glória verdadeira que permanece.

O poder do Espírito do Senhor é a beleza na vida do povo redimido, e a fonte de tôdas as suas virtudes cívicas e religiosas. O espírito do julgamento no verso 6 tem o mesmo sentido como em 11:2 para aquêle que se assenta para julgar. “ Repousará sôbre êle (o Mes­sias) o Espírito do Senhor” , isto é, “ julgará com justi­ça” (Cp. 11:1-10). Na Idade Messiânica, o rei ou o juiz que se assenta no tribunal da justiça representará o Es­pírito do Senhor. É notável a promessa de força para os que fazem recuar o inimigo na porta da cidade ou da terra. . _ • «jj {!

2. Jerusalém, Bem como Samaria, Tem os Seus Bêba­dos, Incluindo Sacerdotes e Profetas, 28:7-13

A corrução social, na cidade de Samaria, que des­truiu o Reino de Israel está se manifestando também entre os habitantes de Jerusalém, a capital do Reino de Judá. Os dirigentes religiosos, sacerdotes e profetas, en­contram-se entre os bêbados e dissolutos da sociedade. O plano de rebelião contra a Assíria foi feito por um grupo de politiqueiros em uma das suas festas orgíacas.

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7. Êstes tam bém cambaleiam por causa do vinho,e não podem ter-se em pé por causa da bebida forte ;

o sacerdote e o profeta cambaleiam por causa da bebida forte, são vencidos pelo vinho,não podem ter-se em pé por causa da bebida forte ; èles erram na visão, tropeçam no ato de ju lg a r.

8. Pois tôdas as mesas estão cheias de vôm itos,não há lugar sem im undícía.

9. A quem ensinará conhecimento,e a quem explicará a mensagem?

acaso aos desmamados,e aos que foram afastados dos seios maternos?

10. Pois é preceito sôbre preceito, preceito sôbre preceito,regra sôbre regra, regra sôbre regra; um pouco aqui, um pouco ali.

11. Pelo que por lábios estranhose por outra língua

falará o Senhor a êste povo,

12. ao qual disse:Êste é o descanso,

dai descanso ao cansado; e êste é o refrigério;

mas não quiseram o uvir .

13. Assim , pois, a palavra do Senhor lhes será preceito sôbre preceito, preceito sôbre preceito,

regra sôbre regra, regra sôbre regra; um pouco aqui, um pouco ali;

para que vão, e caiam para trás,e se quebrantem, e se enlacem, e sejam presos.

Nos versículos 7-13, o profeta descreve os dirigentes embrutecidos de Judá em têrmos semelhantes aos que usou na descrição dos bêbados de Efraim. Êstes sacer­dotes e profetas eram escrupulosamente religiosos, mas não permitiam que a religião determinasse o seu proce­dimento na vida moral, ou nas suas atividades cívicas. A religião era um meio de ganhar o favor e o apoio di­vino na vida pessoal, e em tôdas as relações políticas do

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povo nas atividades nacionais e internacionais. Assim, os chefes ilustres de Jerusalém estavam seguindo a mes­ma política das autoridades de Samaria, nos seus hábi­tos dissolutos, e na insensatez de confiar na aliança com o Egito.

0 verso 7 explica como os sacerdotes e profetas, os guias espirituais do povo, iam errando na visão e trope­çando no julgamento. Estas autoridades sôbre o povo não podem andar sem cambalear, nem manter-se de pé, porque estão embriagadas de vinho ou de bebida forte. Neste estado de embriaguez, os profetas perdem a visão, n m , e os sacerdotes perdem a capacidade de julgar,

V

r r W B (Cp. v . 15; Deut. 17:8-13; 19:17; Ez. 44:24).T • • t

Tôdas as mesas estão cheias de vômitos. Todos os lugares nas casas dêstes bêbados estavam sujos, nojen­tos e repugnantes.

No verso 9, estas autoridades que se entregavam à folia respondem sarcasticamente ao profeta Isaias. A quem ensinará conhecimento? Quem somos nós para que tenhamos de ouvir esta mensagem insultuosa? Não somos nós os homens de conhecimento, os conselheiros oficiais do povo? Somos nós os desmamados, mal afas­tados dos seios maternos?

0 v. 10 cita a linguagem dos beberrões na zomba­ria do profeta. Êles se aborreciam com os preceitos, os mandamentos e a condenação da sua tolice na infideli­dade de depender de alianças políticas. Então fazem um esfôrço para ridicularizar as palavras do mensageiro do Senhor. Na embriaguez êles tentam através de mímica indecorosa ridicularizar as admoestações repetidas do profeta. As suas palavras no hebraico são monossí­labos, característicos da linguagem dos embriagados: *av, lazav, zav, lazav, kav, lakav, kav, lakav; zer sham.

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zer sham. Não é certo o sentido exato destas palavras abreviadas que os beberrotes não podiam pronunciar claramente.

No v. 11 o profeta responde fortemente à lingua­gem abusiva dos políticos. Não querendo ouvir a pa­lavra do Senhor em bom hebraico, êle lhes falará na linguagem dura de lábios estranhos, e pela língua terrí­vel dos assírios.

Ao qual disse: Êste é o descanso. Esta declaração representa o teor do ensino do profeta a respeito da po­lítica do seu povo (Cp. 30:15). O profeta tinha pro­curado mostrar ao seu povo que o verdadeiro caminho de descanso exigia que a nação se abstivesse de alianças po­líticas, mas não quiseram ouvir.

Portanto, o julgamento do Senhor lhes será justa­mente de acôrdo com as palavras que gaguejam em zombaria do profeta. A mímica incoerente que faziam no esfôrço de intimidar o profeta (v. 10) será para os zombadores o oráculo do Senhor, o julgamento divino dos iníqüos revoltosos contra a mensagem da revelação divina.

3. A Aliança com a Morte e com Sheol, 28:14-22

14. O u vi, pois, a palavra do Senhor, homens escarnecedortt,que dominais êste povo que está em Jerusalém !

15. Porquanto tendes dito: Fizemos aliança com a m ort»,e com Sheol fizemos acôrdo;

quando passar o flagelo transbordante, não chegará a nós;

porque temos feito m entiras o nosso refúgio, e debaixo da falsidade nos temos escondido.

16. Portanto assim diz o Senhor Ja vé :Eis que estou assentando em Sião um a pedra,

um a pedra já provada, pedra preciosa de esquina, de firm e fundam ento :

aquêle que crer, não se apressará.

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17. Farei ju ízo a regra,e justiça o prum o;

e a saraiva varrerá o refúgio da m entira,« as águas inundarão o esconderijo.

A mensagem nesta seção é dirigida aos homens es- carnecedores, os políticos que desprezaram com altivez os conselhos do profeta. Ouvi, escarnecedores, que do­minais êste povo de Jerusalém. Êstes zombadores fa­zem os seus planos políticos em desafio da vontade re­velada do Senhor (Cp. v . 22; 29:20). A frase que do­minais êste povo indica que os antagonistas do profeta dominavam as autoridades públicas na capital de Judá.

Porquanto tendes dito: Fizemos aliança com a m or­te, e com Sheol um pacto. O profeta está se referindo não somente à corrução moral destes escarnecedores, pois o contexto indica que está condenando também a sua superstição e idolatria, e especialmente a sua rebe­lião contra o Senhor. Não há certeza de que o profeta esteja citando aqui as palavras exatas dos seus antago­nistas. No uso da frase pacto com a morte é provável que se esteja referindo à aliança política com o Egito, cujos deuses Osíris e Isis eram deuses da morte. Com Sheol fizemos acordo, visão. A palavra Hí ’ Pi > visão, nãosignifica acôrdo em qualquer outro lugar, mas é tradu­zida por acôrdo na Septuaginta e na Yulgata. No verso 18 usa-se a palavra rWH no mesmo sentido (Cp. 21:2;

T

29:11). Êstes antagonistas do profeta tinham a certeza de que o seu acôrdo com o Egito os salvaria da morte nacional! Temos feito mentiras o nosso refúgio. É muito difícil crer que êles usaram exatamente estas palavras. É mais provável que o profeta assim declara, nas suas próprias palavras, o significado da aliança com o Egito. Debaixo da falsidade nos temos escondido. É interes­

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sante notar que estas palavras às vêzes representam o ponto de vista moderno dos comunistas.

O profeta apresenta, em contraste com a falsa espe­rança no Egito, o verdadeiro fundamento para o povo de Judá, a pedra que o Senhor está assentando em Sião. Esta é a pedra já provada pela história do amor imutá­vel do Senhor para com o seu povo. É a pedra preciosa da esquina, de firme fundamento; a verdade eterna da revelação divina, confirmada pela experiência dos fiéis, através da história humana. O único e o verdadeiro fundamento para a vida do homem é a fé firme e ina­balável no Senhor Deus. É nesta relação de fé e co­munhão com o verdadeiro Senhor dos céus e da terra que o povo pode construir a sua vida pessoal, bem como a sua vida nacional. A relação espiritual de Javé com Israel é o fundamento eterno da obra de Deus no mun­do inteiro, embora seja uma relação invisível entre o es­pírito divino e o espírito humano. Todos os profetas, bem como os escritores do Nôvo Testamento, reconhe­cem que o fundamento do reino de Deus no mundo é o propósito do Senhor revelado na escolha de Israel. É verdade que êste propósito fo i realizado, não por Israel como nação, mas pelo Restante que entendeu a palavra de Deus, e se entregou ao Senhor pelo arrependimento e a fé . A pedra de esquina, portanto, não é Israel como nação, nem a cidade de Jerusalém que tanta importân­cia tinha nas crises da história de Judá, mas é o grupo dos fiéis, denominado o Restante.

Aquêle que crer, não se apressará. A Septuaginta e I Ped. 2:6 dizem não se envergonhará. O profeta de­clara aqui o que tinha dito em 7:0, que a fé é a condi­ção fundamental da salvação (Cp. Sal. 118:22; Rom . 9:33; 10:11; I Ped. 2:6-8).

Farei juízo a regra, e justiça o prumo. Esta é uma declaração das leis morais do Criador (Cp. 34:11).

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Tudo que seja construído no fundamento tem que con­cordar com os princípios eternos da justiça divina. Tudo mais será varrido pela tempestade vindoura (Cp. Am. 7:7-8).

18. Então a vossa aliança com a morte será anulada,e o vosso acôrdo com Sheol não subsistirá;

quando passar o açoite transbordante, sereis esmagados por êle.

19. Tôdas as vêzes q u « passar vos arrebatará;porque de manhã em m anhã passará, de dia e de noite;

e será puro terror o entender a mensagem.20. Porque a cama é tão curta que nela ninguém se pode estender;

e o cobertor tão estreito que com Sle não se poda cobrir.

21. Porque o Senhor se levantará como no monte Perazim ,e se irará, como no v a i« de Gibeão;

para fazer a sua obra, a sua obra estranha,e para executar o seu ato, o seu ato estranho!

22. Agora, pois, não escarneçais,para que os vossos grilhões não se façam mais fortes;

porque do Senhor Javé dos Exércitos ouvi fa la r do decreto da destruição,e essa já está determ inada sfibre tôda a terra.

A vossa aliança com a morte será anulada. A pala- ejA.*l£j3 significa cancelado, apagado ou coberto (Gên.

6 :14). É a palavra que se usa no sentido de expiar e perdoar o pecado. Mas não se usa em qualquer outro lugar exatamente neste sentido de anular.

Tôdas as vêzes que passar vos arrebatará (Cp. I Sam. 18:30). O castigo dos conspiradores será conti­nuado, com a repetição dos açoites esmagadores, até que todos êles sejam arrebatados. E será puro terror o en­tender, ou o esclarecimento da mensagem profética. Os oráculos do Senhor encherão o pensamento e o espírito do ouvinte com horror (Cp. I Sam. 3:11; II Reis 21:12; Jer. 19:3).

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O verso 20 declara que os planos dêstes politicos in­solentes, em vez de lhes trazer a segurança nacional e pessoal que esperavam, resultarão em miséria extrema. A declaração proverbial sôbre a cama e o cobertor ex­pressa figuradamente a condição miserável que os poli­ticos estão preparando para a sua nação e para si mes­mos.

Porque o Senhor se levantará com o no monte Pera- zim, e se irará, como no vale de Gibeão. Para o signi­ficado histórico de Perazim e Gibeão, comparar II Sam. 5:20 e 5:25. A segunda parte do verso 21 declara que o Senhor se levantará na sua ira para fazer a sua obra, ou o seu ato estranho de castigar o seu próprio povo (Cp. Am . 3 :2 ).

Apresenta-se no verso 22 o apêlo final aos escarne- cedores. Êste apêlo baseia-se no propósito eterno e na decisão irrevogável do Senhor. Não escarneçais, assim trazendo sôbre vós a destruição que já está determinada pela lei eterna da justiça divina (Cp. 10:23).

B. A Justificação das Atividades Providenciais doSenhor em Relação com o Seu Povo, 28:23-29

23. Inclinai os ouvidos, e ouvi a m inha v o z;atendei bem, e ouvi o meu discurso.

24. P orventura, lavra todo dia o lavrador, para semear?está sempre abrindo e esterroando a sua terra?

25. Depois de ter nivelado a superfície,não lhe espalha endro, não semeia cominho,

não lança nela trigo em leiras, e cevada no lugar determinado, e a espelta na m argem ?

26. Pois êle é devidamente instruído;o seu Deus o ensina.

Muitas pessoas lutam com dificuldade no esforço de entender as atividades providenciais do Senhor na

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vida do homem e na vida das nações. Esta parábola das operações lógicas e inteligentes do lavrador ensina que o plano do Senhor para o seu povo é progressivo, e que êle adapta a disciplina à natureza e às necessidades do seu povo. Os versos 24-26 explicam como o lavrador sulca, esterroa e semeia a sua terra. Êle não cultiva para sempre a terra sem qualquer propósito ou plano. Prepara o solo para receber nas melhores condições a semente. Assim, a disciplina divina do homem prepara o seu coração para receber a semente da Palavra de Deus (Cp. Mat. 13:1-23). Assim, o castigo de Judá resulta­rá finalmente no entendimento e no preparo do Restante fiel para realizar o propósito eterno do Senhor.

Na introdução da parábola, o profeta adota a for­ma do cântico de amor, e assim segue o costume de ga­nhar atenção (Cp. Jer. 18:18). O profeta evidente­mente tinha observado as atividades do lavrador, e tinha conhecimento da agricultura. Sabia dos métodos dife­rentes de plantar as várias sementes, e notou o cuida­do especial na plantação de trigo. As palavras em leiras e o lugar determinado não se encontram na Septuaginta, e o versículo é claro sem estas frases.

0 verso 26 acentua a destreza e o conhecimento do lavrador que lhe foi transmitido pelo socorro e a provi­dência divina.

27. Porque o endro não se trilh a com instrum ento de trilh a r,nem sôbre o cam inho passa roda de carro;

mas o endro é debulhado com a vara,

e o cominho com pau.

28. Acaso o trigo é esmiuçado?NSo, o lavrador nSo o debulha para sempre,

quando passa por cim a dêl-e a roda do seu carro, com os seus cavalos, não o esmiuça.

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29. Ta m b é m isso procede do Senhor dos Exércitos; êle é m aravilhoso em conselho, e grande em sabedoria.

Os versos 27-29 falam da debulha de cereais. Não se debulham todos os cereais com os mesmos instrumen­tos. Seria desastroso a debulha de endro e do cominho com instrumentos de trilhar, ou com a roda do carro. Há várias passagens no Velho Testamento que falam de métodos diferentes de debulhar, Rute 2:17; Deut. 25:4; Miq. 4:13.

O trigo, embora debulhado pela roda do carro, não fica esmiuçado, porque o lavrador não o trilha para sem­pre, mas apenas suficientemente para separar os grãos da palha. Levantam-se dúvidas sôbre o uso de cavalos na agricultura no tempo de Isaias, e alguns pensam que a frase com os seus cavalos seja uma interpolação.

Também isso procede do Senhor. O profeta ficou impressionado pelo conhecimento e a destreza do lavra­dor. Na revelação bíblica o Senhor é o Deus Vivo, e as suas relações com o seu povo são pessoais, e não mecâni­cas. O seu modo de tratar com os homens varia de acôrdo com os seus característicos pessoais. A disci­plina rigorosa é necessária para o desenvolvimento espi­ritual de algumas pessoas. Outros são mais fàcilmente levados a entregar-se ao Senhor pelo apêlo do amor de Deus ao seu espírito, e pela persuasão e o encorajamen­to da sua inteligência. Em todos os casos a disciplina divina visa ao preparo do homem para amar e servir ao seu Deus, e para produzir uma boa safra, não somente para a sua própria felicidade, mas também para o bem- estar do seu próximo.

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C. A Obra Maravilhosa do Senhor, 29:1-14

1. A Humilhação Iminente e a Libertação de Jerusalém,29:1-8

1 A h ! A rie l, A rie l,cidade onde D avi acam pou!

Acrescentai ano a ano;completem as festas o seu ciclo.

2. A inda porei A rie l em apêrto,e haverá pranto e lamentação; e ela será para m im como A rie l.

3. C e rc a r-te -e i e acamparei contra ti,e te sitiarei com baluartes, e levantarei tranqueiras contra ti.

4. Então abaixada, da te rra falarás,e desde o pé sairá fraca a tua fa la ;

subirá da te rra a tua voz como a de feiticeiro, e a tua fala resm ungará desde o pé.

Esta mensagem foi proferida ao povo de Jerusalém pouco antes da invasão de Judá pelos assírios sob o co­mando de Senaqueribe. Não há dúvida de que a palavra Ariel é nome poético de Jerusalém, mas que significa o têrmo? Alguns sugerem que significa Leão de Deus, mas êste significado não cabe nos versos 2 e 7. É claro que neste contexto Ariel significa Lareira de Deus. Em Ez. 43:15 a palavra se refere à superfície do altar do holocausto em o Nôvo Templo (C p. 31:9 ) . É usada também neste sentido de Lareira de Deus na inscrição da Pedra Moabita. Jerusalém, com o Ariel, é o altar do holocausto, não para o sacrifício de animais, mas para o sofrimento e o sacrifício do próprio povo no ato do grande julgamento divino.

Acrescentai ano a ano, completem as festas o seu ciclo. Estas palavras do profeta talvez sejam uma ex­pressão de sarcasmo. Êstes versos sôbre a humilhação

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de Jerusalém são paralelos com os de 28:1-4 que falam da queda de Samaria. Não obstante a lição do desastre de Samaria, Jerusalém se sente alegre e segura, sem qualquer preocupação com o dia do julgamento divino. No julgamento pendente, no sítio de Jerusalém pelo exér­cito de Senaqueribe, a cidade será a Lareira de Deus, não obstante a confiança do povo na sua segurança.

Ainda porei Ariel em apêrto, e haverá pranto e la­mentação. A invasão de Judá e o sítio de Jerusalém pelo cruel exército dos assírios será um período de humi­lhação e sofrimento terrível para os judeus. Esmagados e prostrados no pó, a voz baixa dos habitantes de Jeru­salém é semelhante ao resmungo do feiticeiro. Na ago­nia quase de morte, a fala do povo aparentemente vem de Sheol.

5. Mas a m ultidão dos teus inim igos será como o pó miúdo,■e a m ultidão dos tiranos como a palha que voa n u m momento, repentinamente.

6. Do Senhor dos Exércitos serás visitadacom trovões, com terremotos e grande ruído,

com tufão de vento, tempestade, e labareda de fogo devorante.

7. Será como sonho e uma visão da noite,a m ultidão de tôdas as nações que pel«jam contra Arief,

também todos os que pelejam contra ela,e contra os seus m uros, e a põem em apêrto.

8. Será também como o fam into que sonha que está comendo, e, quando acorda, tem o estômago vazio,-ou como o sequioso que sonha que está bebendo,

e, quando acorda, sente-se fatigado e com sêde; assim será a. m ultidão de tôdas as nações

que pelejarem contra o Monte Sião.

Os versos 5-8 tratam do desastre e da dispersão dos inimigos de Sião quando se julgavam completamente vi­toriosos na subjugação de Jerusalém. Com o verso 5 muda-se o assunto da mensagem do profeta. Não obs­

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tante a fraqueza e a agonia da cidade no esforço de re­sistir ao poderoso exército de Senaqueribe, o profeta ti­nha certeza de que o Monte Sião não cairia no poder do inimigo (10:24-26). Com plena confiança de que a ci­dade capital seria salva pelo poder de Deus, Isaías es­perava que a salvação miraculosa do Monte Sião pudes­se despertar o povo ao arrependimento.

Os versos 5, 7 e 8 apresentam uma patética descri­ção da calamidade do terrível exército dos assírios, que se julgava invencível. Com o sítio da cidade pelo inimi­go irresistível, a fraqueza, a confusão e o mêdo dos seus habitantes, aparentemente não havia mais esperança de libertação do poder do terrível adversário. Mas, de re­pente, foi levantado o sítio, e as hostes dos assírios se retiraram humilhadas pela intervenção de um poder su­perior .

Na figura do sonho, nos versos 7 e 8, o profeta acen­tua dois eventos importantes na vida do seu povo. O primeiro é o desaparecimento do inimigo que ameaçava destruir o povo escolhido do Senhor. Será como sonho e uma visão da noite. Tôdas as nações que pelejam con­tra o eterno propósito de Deus, na direção do povo do seu reino, perecerão. Os que sonham com triunfos sôbre as atividades da providência divina acordam para descobrir que tais vitórias são apenas fadigas e o au­mento da sêde insaciável.

2. A Cegueira e a Hipocrisia do Povo, 29:9-12

9. Estupeficai-vos e ficai estupefatos, cegai-vos, e ficai cegos;

em briagai-vos, mas não de vin ho ; cambaleai, mas não d « embriaguez.

10. Porque o Senhor derram ou sôbre vós o espírito de profundo sono,

• fechou os vossos olhos, os profetas;e vendou as vossas cabeças, os videntes.

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A . R. C R A Ê T R Ê É

11. E a visão de tudo isto já se vos tornou com o as palavras de um livro selado. Quando se dá ao que sabe ler, dizendo:Lê isto, êle responde: Não posso, porque está selado.

12. E quando se dá o livro ao que não sabe ler, dizendo: Lê isto, êle responde: Não sei ler.

Por que os homens não podem perceber ou enten­der a obra do Senhor? O povo de Jerusalém não sabe entender os sinais das atividades do Senhor, nem reco­nhece a revelação divina que tinha recebido por inter­médio de Isaías. Êstes versículos declaram que o povo entorpecido de Jerusalém, que não reconhece a obra do Senhor, e que despreza as admoestações do profeta, tem que confrontar a sentença da justiça divina.

Tardai-vos é a tradução de ínfcÜlftfin do texto: t — J •

massorético, mas estupeficai-vos, de , a palavrada margem, cabe melhor no contexto. A pequena mu­dança das vogais dos verbos embriagar e cambalear dá a forma imperativa, e expressa mais claramente o sen­tido do hebraico. O texto original foi escrito sem vo­gais.

O Senhor derramou sôbre vós o espírito de profun­do sono, e fechou os vossos olhos. Esta é uma declara­ção característica da psicologia dos escritores bíblicos. As leis éticas do Senhor são tão reais com o as leis do mundo físico. Isaias não pensava que o Senhor tivesse fechado os olhos dêsse povo. O homem pode prejudicar a sua saúde, ou matar-se pela desobediência das leis fí­sicas que o Criador estabeleceu. As leis espirituais dêste mundo criado por Deus são tão reais com o as leis físi­cas. A pessoa que recusa reconhecer a lei espiritual de que o salário do pecado é a morte, cega-se a si mesma, e finalmente paga a pena da sua cegueira. Mas final­mente temos que reconhecer que a cegueira espiritual

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é num sentido verdadeiro a vontade do Senhor, porque êle permite a operação das suas leis eternas. A cousa importante para o homem é o espírito humilde que de­seja saber a vontade do Senhor, e de aprender a fazer o que Deus lhe pode ensinar.

Os versos 11-1.2 declaram que o' povo, estupidificado pelos próprios pecados, não pode ser acordado. Até o profeta não tem visão, e o vidente não tem discernimen­to. Não há quem possa interpretar a visão. Para o ho­mem de cultura, a visão ou o livro, fica selado. Êle, bem com o o homem que não sabe ler, fica entorpecido pelo pecado. A nação, o povo ou o homem imerso nas cousas materiais torna-se inevitàvelmente cada vez mais insen­sível à vontade do Senhor, e finalmente se torna com ­pletamente cego a qualquer admoestação ou apêlo espi­ritual.

3. A Religião Meramente Convencional Perecerá, 29:13-14

13 E o Senhor disse :Porque êste povo se aproxim a com a sua bôca,

e com os seus lábios me honra, enquanto o seu coração está longe de mim,

e o seu tem or para com igo é o mandam ento que aprendeu maquinalm ente do hom em ;

14. portanto, eis que continuareia fazer cousas m aravilhosas no meio dêste pov o ; m aravilhas e m ilagres;

a sabedoria dos seus sábios perecerá,e o discernim ento dos seus prudentes tsconderá.

Êste povo se aproxima de mim com a sua bôca, e com os seus lábios me honra. Mas o culto do povo é formal, tradicional e hipócrita. O seu temor para co­migo é o mandamento que aprendeu maquinalmente do homem. Não tinha uma experiência da presença do

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Senhor no seu coração. 0 coração, juntamente com to­dos os seus interêsses na vida, está longe de mim. Para os profetas, e para os cristãos, a religião é a entrega, ou a rendição completa da vida ao Senhor. É a comunhão pessoal e espiritual com o amor e a justiça do Senhor. Alguns escritores modernos dão muita ênfase ao culto ritualista, sem reconhecer que todos os profetas con­denaram severamente a observação escrupulosa do ri- tualismo e do sacrificio de animais, que exclui o desejo de estabelecer comunhão com o Senhor (ver 1:10-15). Se alguns profetas consideravam favoravelmente o cul­to ritualista, êles reconheciam, contudo, que a religião meramente formal não tinha valor algum, se o oferece- dor não tivesse o desejo de adorar e honrar a Deus. A observação mecânica das formas e cerimônias da reli­gião não tem mais valor hoje do que tinha nos dias de Isaías.

O seu temor para comigo é o mandamento do ho­mem, uma tradição que aprendeu mecânicamente (Cp. Mat. 15:1-9). A comunhão espiritual com Deus é pes­soal, vem da revelação, e não da sabedoria humana. Esta é a diferença fundamental entre a religião biblica e o paganismo.

A sabedoria dos seus sábios perecerá. Nestas cir­cunstâncias, o Senhor se revelará de nôvo por maravi­lhas e milagres que os sábios não podem entender nem explicar. A sabedoria e o entendimento dos sábios fica­rão completamente escondidos.

D. A Rejeição da Segurança da Fé no Senhor, 29:15-30:17

1. A Repreensão dos Conspiradores, 29:15-1615. A i dos que escondem profundam ente o seu propósito do Senhor,

e as suas próprias obras fazem às escuras,• que dizem : Quem nos v è ? Quem nos con hece?

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16. V ó» tudo perverteis!O oleiro será reputado com o o barro:

que a obra diga de quem o fêz :Êle não me fêz ;

ou a cousa form ada diga de quem a form ou :Êle não tem entendim ento?

Êstes versos 15-16 apresentam a repreensão aos po­líticos de Judá por seu propósito de formar uma alian­ça com o Egito na revolta contra a Assíria. Esperam que êste plano, 28:7-22; 30:1-5; 31:1-3, fique escondido do Senhor, mas o profeta conhece e expõe os movimen­tos dêste grupo de conspiradores. Ai dos políticos que procuram manipular os eventos da História, e assim usurpar a autoridade do Senhor, que é o Dominador supremo da história humana.

Ai dos que escondem profundamente o seu propó­sito do Senhor. Êsse partido egípcio procurava ocultar do profeta o seu plano de pedir socorro do Egito na re­volta contra a Assíria. O profeta lhes declara que êste esforço de esconder do mensageiro do Senhor o seu pro­jeto é um ato de rebelião contra Deus. Quem nos vê? Quem nos conhece? É característico do hipócrita, que faz as suas obras às escuras, a pensar que pode ocultar as suas atividades não somente do conhecimento dos ho­mens, mas também da observação do próprio Deus.

Vós tudo perverteis, transtornais! Que perversida­de a vossa! O Rôlo do Mar Morto diz: de cabeça para bai­xo por causa de vós. Vós vos considerais os mestres do mundo, tão sábios, de acôrdo com o vosso modo de pen­sar, que julgais poder enganar o vosso próprio Criador! Vós sois tão insensatos que pensais que o barro pode di­zer ao oleiro: Tu não tens entendimento.

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17. Não há mui pouco tem po aindaaté que o Líbano se converta em cam po frutífero, e o cam po frutífero será tido por bosque?

18. Naquele dia os surdos ouvirão as palavras de um livro, e da escuridão e das trevas os olhos dos cegos verão.

19. Os m ansos terão muito m ais alegria no Senhor,e os pobres entre os homens exultarão no Santo de Israel

20. Pois o tirano será reduzido a nada,e o escarnecedor deixará de existir, e serão elim inados todos os que cogitam da iniqüidade;

21. os quais por uma palavra condenam um homem,os que armam lagos ao que repreende na porta, e os que sem m otivo negam ao justo o seu direito.

22. Portanto, acêrca da casa de Jacó, assim diz o Senhor, que remiu a A braão;

Jacó não será mais envergonhado, nem mais se em palidecerá o seu rosto.

23. Pois quando vir os seus filhos,a obra das minhas mãos, no meio dêle, santificarão o meu nom e;

santificarão o Santo de Jacó, e tem erão o Deus de Israel.

24. E os que erram de espírito virão a ter entendim ento,e os murmuradones receberão instrução.

Alguns argumentam que estas passagens foram es­critas algum tempo depois de Isaias, mas reconhecem que o estilo literário e a mensagem messiânica concor­dam notàvelmente com outras profecias messiânicas, re­conhecidas com o obras de Isaías. O profeta proclama que vem o tempo quando haverá uma grande transfor­mação do mundo físico e da natureza da sociedade hu­mana (Cp. 32:15-20). Aumentar-se-á a produtividade da terra. O Líbano, que era apenas uma floresta, será convertido em campo frutífero, e nas novas circuns­tâncias êste campo frutífero será considerado apenas como bosque.

2. A Redenção de Israel, 29:17-24

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Naquele dia os surdos ouvirão as palavras do livro, e das trevas os olhos dos cegos verão. A nação perversa e surda que não entende a lei que tinha recebido, ouvi­rá e entenderá a mensagem da graça de Deus. E serão abertos os olhos dos cegos para ver e compreender a mensagem de Deus.

Os mansos e pobres que temem a Deus, em contras­te com a classe dos ricos e os escarnecedores (v. 20) terão mais alegria, e exultarão no Senhor de Israel, en­quanto que os tiranos, os escarnecedores e os iníquos se­rão eliminados. O tirano talvez se refira a um opressor de fora, enquanto que o escarnecedor é membro do gru­po dos revoltosos contra o plano do Senhor apresentado pelo profeta.

No verso 21 o profeta se refere aos que pervertem a justiça, e armam laços ao juiz que repreende o culpa­do na porta. Por qualquer pretexto, os juizes falsos, nos seus próprios interêsses, procuravam dominar o homem justo e privá-lo dos seus direitos (10:2; Am . 5:10, 12).

Portanto, acerca da casa de Jacó, assim diz o Se­nhor que remiu a Abraão. Há muita discussão sôbre a frase que remiu a Abraão. Aparentemente, a frase se refere apenas à chamada de Abraão de Ur. Assim, é simplesmente uma referência casual, sem qualquer ên­fase sôbre a significação da palavra aqui. O Senhor

r r

que fala sôbre a casa de Jacó é o mesmo que trouxe o seu pai de Ur.

A tradução do v. 23 é difícil, porque não está claro o sentido do hebraico. São os filhos de Jacó que santi­ficarão o Santo de Jacó, e temerão o Deus de Israel. Mas deve-se traduzir, quando êle vir os seus filhos, ou quando virem os filhos a obra das minhas mãos, no meio dêles?

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No verso 24, os que erram de espírito são aquêles que foram desviados pelo espírito de falsidade, segundo versos 13 e 21. Os murmuradores são os revoltosos ou os escarnecedores mencionados nos versos 15, 20-21.

3. A Infidelidade na Aliança Política com o Egito,30:1-7

1. Ai dos fiihos rebeldes, diz o Senhor,que tom am conselho, mas não de mim;

que fazem aliança, mas não do meu espírito, para acrescentarem pecado sôbre pecado;

2. que se põem a cam inho para descer ao Egito,sem pedirem o meu conselho,

buscando refúgio na proteção de Faraó, e abrigo à som bra do Egito !

3. Portanto, a proteção de Faraó se vos tornará em vergonha,e o abrigo na som bra do Egito em confusão.

4. Pois os »eus príncipes já estão em Zoã,e os seus em baixadores já chegaram a Hanes.

5. T odos serão envergonhadosdum povo que de nada lhes valerá,

nem de ajuda nem de proveito,porém de vergonha e de opróbrio.

6. Oráculo concernente às bêstas do Sul.Através duma terra de a flição e angústia,

de onde vem a leoa e o leão, a víbora e a serpente voadora,

êles levam a lom bos de jum ento as suas riquezas, e sôbre as corcovas de cam elos os seus tesouros, a um povo que nada 1hes aproveitará.

7. Pois é vão e inútil o auxílio do Egito;por isso, lhe chamei Raabe que não se move.

Por algum tempo, os políticos de Judá planejavam a aliança com o Egito contra a poderosa nação agressi­va da Assíria (28:14-22; 29:15-16). Na ocasião da mor­te de Sargão II em 705, os judeus mandaram a sua em­

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baixada ao Egito para pedir auxilio militar contra a As­síria. O profeta Isaias sabia da rivalidade entre a Assíria e o Egito, e a futilidade de qualquer aliança política para a pequena nação de Judá. Entendeu também que o Egito queria aproveitar-se dessa aliança somente no seu próprio interêsse, sem qualquer consideração do bem-estar, ou da sobrevivência do seu aliado. O pro­feta condenou a aliança também porque foi um ato de desconfiança acêrca de Javé e do seu poder de proteger o seu próprio povo. A aliança não tem o apoio do Se­nhor porque não concorda com o propósito divino na história do seu povo. Finalmente, êsse ato de descon­fiança e infidelidade trará sôbre Judá a vergonha e a desgraça.

Ai dos filhos rebeldes! filhos corruptores; abando­naram o Senhor, blasfemaram do Santo de Israel, volta­ram para trás (1 :4 ). Êlstes filhos rebeldes tomam con­selho, mas não do Senhor. Desprezam o mensageiro do Senhor, no esfôrço de fazer os seus planos políticos se­cretamente. Fazem aliança, mas não do meu espírito. Esta é a tradução do sentido do hebraico que diz: co­brir com uma cobertura, ou derramar uma libação ao deus invocado em fazer a aliança. Para acrescentarem (não para que possam acrescentar) pecado sôbre peca­do. Ao pecado de rebelião contra Javé, praticado por muito tempo por êstes revoltosos, os políticos acrescen­tam o pecado da aliança política com o Egito.

E minha bôca não pediram, isto é: Não consulta­ram o meu mensageiro. Buscando refúgio e abrigo à sombra do Egito. Êste é o ponto de vista dos políticos insensatos.

O profeta declara no verso 3 que a proteção e abri­go que os políticos de Judá pedem do Egito, tornar-se- lhes-ão, no curso de eventos, em vergonha e confusão. Esta predição foi cumprida mais de uma vez na história

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de Judá: na invasão de Judá e Jerusalém por Senaqueri- be, e, mais tarde, na destruição de Jerusalém e o cativei­ro por Nabucodonosor.

Pois os seus príncipes já estão em Zoã, e os seus embaixadores já chegaram a Hanes. Zoã ficava ao nor­deste do delta, e era uma cidade importante do Egito. Hanes, identificada como Heracleópolis, ficava ao sul de Mênfis, no centro do Egito, e ao oeste do Nilo. Alguns pensam que o profeta está falando do reinado de Saba- ca da Etiópia, mas os reis da Etiópia não se denomina­vam Faraós. É difícil determinar com certeza se os príncipes e os embaixadores do verso 4 são de Judá ou do Egito. Baseando-se na frase os seus príncipes, alguns insistem em que os embaixadores e os príncipes são os egípcios, representantes do govêrno do Egito. Dizem que a frase os seus príncipes não pode se referir aos ju­deus neste contexto. Mas foram justamente os príncipes e os nobres de Judá que fizeram o plano de mandar em­baixadores ao Egito para pedir o auxílio daquele país. São justamente os príncipes e embaixadores do verso 4, judeus e não egípcios, que serão envergonhados, segun­do a declaração do versículo 5.

Todos serão envergonhados. Os embaixadores de Judá ficaram profundamente envergonhados quando chegaram ao Egito e fracassaram na sua missão. Não se sabe se os egípcios recusaram fazer aliança com os judeus, mas é certo que Judá não recebeu auxílio algum do Egito na luta com a Assíria. É verdade que a alian­ça com Judá não tinha valor para o Egito, pois o Egito não ofereceu ajuda, nem proveito algum aos embaixa­dores de Judá, antes serviu de vergonha e de opróbrio.

A palavra oráculo não significa aqui uma nova re­velação, mas acentua a solenidade da mensagem que se­gue. Mas é claro também que o profeta está continuan­do a mensagem dos versos 1-5. Êle descreve primeiro

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a dificuldade da viagem dos embaixadores, e dos ricos presentes que êles levam aos egípcios. Logo em seguida fala da impotência do Egito como aliado de Judá.

Os animais do Negebe, uma terra de aflição e an­gústia. A parte meridional da Palestina, conhecida como o Negebe, era uma terra árida e perigosa para os via­jantes, por causa dos animais ferozes e as serpentes ve­nenosas (Cp. 14:29). No caminho para o Egito, os em­baixadores de Judá tinham que atravessar esta terra pe­rigosa, com os seus animais carregados de ricos presen­tes e tesouros valiosos do seu povo para os egípcios, a fim de ganhar o favor e o auxílio do Egito (v . 6 ).

Os emissários de Judá enfrentaram os terrores e os perigos da viagem, e levaram o seu pesado tributo aos egípcios na esperança de ganhar o seu auxílio com o alia­do contra a Assíria. E o Egito, o seu auxílio é vão e inú­til. Por isso, lhe chamei Raabe que não se move ou que se assenta silencioso. Raabe é o nome de um mons­tro mitológico, dragão do mar (Cp. 51:9; Jó 9:13; 26: 12). Escritores bíblicos falam dêsse monstro como símbolo do Egito (Sal. 87:4; 89:10). Assim, o profeta insiste em que êste esfôrço, da parte dos judeus, de ga­nhar o Egito com o aliado de Judá é insensato e desas­troso tanto do ponto de vista político com o religioso. Pior de tudo, é o desprêzo da vontade do Senhor Javé, e do seu plano na direção da história de Judá.

4. No Sossego e na Confiança Estará a Vossa Fôrça,30:8-17

8. Vai, agora, escreve isso numa tabuinha perante t!es , e screve -o num livro,

para que fique registado para os dias vindouros, com o testem unha para sempre.

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9. Porque povo rebelde é êste, filhos mentirosos»

filhos que não querem ouvir a instrução do Senhor.

10. Êles dizem aos videntes: Não ve ja is ;e aos profetas: Não profetizeis para nós o que é reto;

d izei-nos cousas aprazíveis, profetiza i-nos ilusões.

11. D esvia i-vos do caminho,aparta i-vos da vereda ;

fazei v irar da nossa presença o Santo de Israel.

No verso 8 o profeta recebe a ordem para escrever a sua mensagem numa tabuinha e gravá-la num livro como testemunho perpétuo (Cp. 8:16-18). A mensagem deve ser escrita perante êles. A palavra p p íl é usada,

- T

às vêzes, no sentido de gravar numa pedra. Qual é a mensagem que deve ser registada pelo profeta para os dias vindouros, com o testemunho perpétuo? É provà- velmente o conselho contra a aliança com o Egito, e a condenação da revolta do povo contra o Senhor, e a sua desobediência para com a revelação divina por intermé­dio do profeta.

Nos versículos 9-17 o profeta declara mais uma vez que a segurança de Judá não pode ser conseguida pelas atividades militares e as alianças políticas (Cp. 7:4, 9 ). Isaias declara que .Tudá pode ser salva do poder militar das poderosas nações, e assim manter a sua fé calma e firme no Senhor Deus de Israel. O profeta nunca se es­quece das atividades do Senhor na História, e sempre mantém a certeza de que o Senhor há de realizar os seus planos e os seus propósitos. Assim, êle interpreta a insensatez de Judá nas suas atividades com o sendo con­tra os propósitos do Senhor e contra o seu próprio bem- estar. O povo não quer saber dos conselhos do profeta

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contra os seus planos políticos, mas a sua iniqüidade será plenamente revelada no fracasso completo dos seus projetos. Pois são filhos mentirosos que não querem ouvir a instrução, o ensino, a revelação divina, a m iF l (1:10; 2 :3 ).

É provável que o profeta não esteja citando as pa­lavras exatas do povo nos versos 10 e 11, mas que esteja interpretando o sentido exato da sua rebelião contra o seu Deus, e das suas atividades pecaminosas. É claro que o povo denunciava os profetas, porque desejava ou­vir mentiras agradáveis em vez da verdade dura e real.

As palavras HÍTi e nK ' 1 , traduzidas aqui videntesV

e profetas, são sinônimas, mas a palavra profeta é mais rica no seu sentido do que vidente. A palavra é o

• T

palavra que geralmente designa os profetas canônicos. Ver A Esperança Messiânica do autor, vs. 7-15, sôbre o profeta. Mas êste povo rebelde, v . 9, desprezava tôdas as classes de profetas (Am . 2:12; Os. 9:7, 8; Miq. 2:6, 11; Jer. 6:14; Ez. 13:10-16).

Desviai-vos do caminho, apartai-vos da vereda. O povo não quer ouvir mais nada dos preceitos duros e exigentes do profeta. Há multidões de pessoas de hoje que falam com entusiasmo e eloqüência sôbre as alegrias da vida, mas ficam indignadas com aquêles que pregam o evangelho do pecado e julgamento, e a nova qualidade de alegria na verdadeira religião de Cristo Jesus.

12. Pelo que assim diz o Santo de Israel:V isto que desprezais esta palavraf

e con fia is na opressão e na perversidade, e sôbre isso vos estribais;

13. portanto, esta iniqüidade vos serácom o brecha num alto muro, prestes a cair, e form ando uma barriga, a queda é de repente, num instante.

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14. A sua quebra é com o a do vaso do oleiro,despedaçando-o por com pleto;

de sorte que não se achará entre os fragm entos um caco que sirva para tirar fo g o da lareira, ou tirar água da cisterna.

Nos versículos 12 a 14 o profeta responde aos rebel­des, com uma ilustração que explica as conseqüências desastrosas da rebelião contra o Santo de Israel. Os re­beldes rejeitaram o conselho divino, e criaram a sua pró­pria interpretação. O desastre que cairá sôbre o projeto dêsses revoltosos é semelhante ao que acontece ao muro estragado. Primeiro, aparece a pequena brecha no muro que se abre cada vez mais sob a pressão do pêso, de acôr- do com a lei da gravidade. Enfraquecido, o muro vai se inclinando e formando uma barriga, finalmente cai num instante, e fica completamente despedaçado. Quebra-se como vaso do oleiro, em fragmentos tão pequenos que não resta um caco de tamanho suficiente para levar nêle uma brasa de lareira, ou para tirar água da cisterna.

15. Pois assim diz o Senhor Deus, o Santo de Israel:Em vos converterdes e em repousardes sereis sa lvos;

na tranqüilidade e na con fian ça estará a vossa fôrga» e vós não quisestes.

16. A ntes vós dissestes :Nãol sôbre cavalos apressarem os;

portanto, assim fug ire is ; e : Sôbre cavalos ligeiros cavalgarem os;

sim , ligeiros serão os vossos perseguidores.

17. Mil fugirão pela am eaça de um,pela am eaça de cin co vós fugireis,

até que se ja is deixadoscom o mastro no cum e do monte,• com o sinal no outeiro.

Em palavras memoráveis, o profeta apresenta nes­tes versículos um contraste entre a salvação que resulta

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da confiança no Senhor, e aquela que os homens plane­jam nas suas atividades e estratagemas políticos. No verso 15 Isaías repete o seu profundo ensino sôbre a re­lação da fé no Senhor Javé, e o bem-estar político do seu povo (7:4, 9; 28:16).

Em vos converterdes e em repousardes . . . na tran­qüilidade e na confiança. Notai as quatro ricas palavras que descrevem o espírito e as bênçãos da verdadeira re­ligião: converter, repousar, tranqüilidade, confiança. As primeiras duas são verbos que descrevem a responsabili­dade do povo perante o seu Deus; as outras duas expli­cam as bênçãos e a felicidade dos homens de fé no seu Criador e Dominador.

Não podendo entender o ensino do profeta sôbre o significado da fé no Deus invisível, Judá, na tolice da sua sabedoria humana, escolheu correr ao Egito, e con­tar com o seu auxílio militar. 0 verso 16 fala das con­seqüências para aqueles que procuram conseguir a sua própria salvação. O hebraico do verso não está muito claro, mas a segunda parte declara que aquêles que ten­tam fugir sôbre cavalos ligeiros serão perseguidos pelos inimigos montados em cavalos ainda mais ligeiros. A primeira parte do verso 16 talvez represente as palavras dos homens de Judá: Sôbre cavalos apressaremos (con­tra o in im igo).

Mil fugirão pela ameaça de um. Êste verso 17 des­creve o desastre terrível da política dos judeus que ten­taram estabelecer aliança com o Egito. Pela ameaça de cinco vós fugireis, até que reste de vós o que parece apenas um mastro como sinal no cume do monte. As­sim, há muitos séculos, êste mensageiro do Senhor ofe­receu ao seu povo o caminho, a verdade e a vida. No correr dos séculos, desde então, milhares e milhões de pessoas fiéis ao Senhor vêm verificando a felicidade su­prema de descansar na graça de Deus.

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E. 0 Poder do Deus Invisível, 30:18-31:9

1. Promessa para o Povo Sofredor de Sião, 30:18-26

18. Por isso, o Senhor espera, para ter m isericórdia de vós,portanto, se exalta para m ostrar com paixão de vós,

pois o Senhor é Deus de ju stiça ;bem -aventurados todos os que por êle esperam.

19. Sim , ó povo em Sião, que habitas em Jerusalém , tu não chorarás m ais.Êle certam ente se com padecerá de ti, à voz do teu clam or; e quando a ouve, te responderá.

20. Em bora o Senhor vos dê o pão de angústia, e a água de aflição, contudo, não se esconderá mais o teu Mestre, mas os teus olhos verão o teu Mestre.

21. Quando te desviares para a direita e quando te desviares para a esquerda, os teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra, dizendo: Êste é o cam inho, andai por êle.

22. Então contam inareis a cobertura de prata das tuas im agens esculpidas e o ouro que reveste as tuas imagens fundidas. L an çá-las-ás fora com o cousa imunda, ,s lhes dirás: Fora daqui.

23 Então, o Senhor te dará chuva sôbre a tua semente, com que sem eares a terra, e pão com o produto da terra, o qual será abundante e excelente. Naquele dia o teu gado pastará em lugares espaçosos.

24. Os bois e os jum entos que lavram a terra com erão forragem com sal, alim pada com pá e forquilha.

25. Em todo monte alto, e em todo outeiro elevado haverá ribeiros e correntes de águas, no dia da grande matança, quando saírem as tôrres.

26. E será a luz da lua com o a luz do sol, e a luz do sol sete vêzes maior, com o a luz de sete dias, no dia em que o Senhor atar a ferida do seu povo, e curar a chaga do golpe que êle deu.

Alguns julgam que esta seção foi escrita no período do cativeiro, mas parece a nós que é a continuação da mensagem de Isaías, e que está falando dos fiéis, que na sua fidelidade, estavam sofrendo conseqüências da revolta do grupo infiel que buscava o auxílio do Egito.

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Por isso o Senhor espera, para ter misericórdia devós. Parece que Isaías, nestes versículos, está dirigindo o apêlo da misericórdia divina ao povo de Jerusalém que tinha mantido a sua fé vacilante, no período de so­frimento terrível, durante o sítio da sua cidade pelo exér­cito poderoso da Assíria. A graça de Deus já fica dis­ponível, aproveitável, em qualquer momento, para to­dos aqueles que tenham o desejo, e a fé de recebê-la. Mais uma vez o profeta declara a firme certeza de que o propósito eterno do Senhor será realizado na fidelidade do Restante do seu povo. O amor do Senhor para com o seu povo, por mais instável e obstinado que êste seja, nunca muda. O Senhor se exalta para mostrar com ­paixão de vós. O Senhor deseja mostrar compaixão de vós é o sentido da declaração, em harmonia com o pen­samento do profeta no versículo. O Senhor tinha espe­rado com paciência o momento oportuno de libertar a cidade de Jerusalém do poder do inimigo. Assim, espe­ra a hora determinada, pela sua providência, para o li­vramento de nações e de homens. Deus governa a his­tória humana pelas leis eternas que êle mesmo estabele­ceu. A onisciência, a justiça e a compaixão do Senhor se manifestam em tôdas as suas relações e atividades com o seu povo.

O verso 19 dá ênfase ao ensino do profeta Isaías sôbre a inviolabilidade de Sião (2:1-5) . Tu não chorarás mais. Êle certamente se compadecerá de ti, à voz do teu clamor. O povo do Senhor sofreu muito através da História por causa da infidelidade nacional, e por causa dos seus próprios pecados, mas Deus sempre ouviu e respondeu ao seu clamor. Finalmente, pelo socorro di­vino, e pelas bênçãos da graça de Deus, o seu povo fiel cumpriu a sua gloriosa missão (Gên. 12:3; Êx. 19:4, 5, 6; II Sam. 7:11-16; Joel 2:28, 29; Os. 2:19, 20; Miq. 4:1-5; Jer. 33:16; Luc. 24:27; At. 26:6, 7; Gál. 3 :9 ).

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Nos versos 20 e 21, o profeta explica o modo e o propósito do Senhor na disciplina do seu povo. Embora o Senhor vos dê o pão de angústia, e a água de aflição, não se esconderá mais o teu Mestre. Alguns manuscri­tos contêm mestres em vez de mestre. Segundo a for­ma plural, os mestres são os profetas e instrutores do povo. Se o singular é o texto original, assim indicado pela forma singular do verbo, então a palavra Mestre se refere ao Senhor como o Mestre do seu povo. Alguns intérpretes entendem que o profeta está falando do Mes­sias da Idade Messiânica.

Quando te desviares . . . os teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra, dizendo: Êste é o caminho, an­dai por êle. A verdade desta declaração verifica-se na vida do crente que ouve a voz do Espirito Santo falando à sua consciência cristã. Assim, o Senhor fala ao seu povo, como o pai, no seu carinho e amor, fala aos seus filhos.

Nesta nova Idade Messiânica, v. 22, o povo fiel do Senhor lançará fora tôdas as suas imagens de prata e de ouro, como cousas imundas, e assim renunciará tô­das as formas de idolatria.

Nos versos 23 e 24, o profeta fala das bênçãos ma­teriais que o Senhor dará ao seu povo na nova época. O Senhor dará chuva sôbre a tua semente plantada na terra, e assim fará o solo produzir uma ceifa farta de qualidade excelente. Neste nôvo tempo de paz e pros­peridade, o gado pastará em lugares espaçosos, em per­feita segurança.

Os bois e os jumentos que lavram a terra comerão forragem especialmente preparada para êles. As pala­vras r » n e talvez signifiquem a forragem

• T * t

cortada juntamente com ervas de que os animais gosta- yani. Á palavra hebraica significa fermentado ou sal­

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gado. Êstes animais comerão os cereais alimpados e pre­parados para êles, com o se prepararam para os homens.

Nos montes altos e áridos, e nos outeiros secos, a água correrá abundantemente, uma bênção preciosa para o povo que sofreu freqüentemente por falta de água su­ficiente .

Além de tôdas estas bênçãos de prosperidade ma­terial, a luz da lua será como a luz do sol, e a luz do sol será sete vêzes maior. Nas Escrituras a luz é emblema de inteligência, pureza e felicidade, e as trevas simbo­lizam a ignorância, o pecado e a calamidade. No cres­cendo desta linguagem poética, o Senhor curará a ferida do seu povo, e estabelecerá plena comunhão com êle.

2. Será Destruído o Inimigo do Povo de Deus, 30:27-33

No julgamento do Senhor, a nação arrogante e cruel, a Assíria, o inimigo terrível do povo de Deus, será com­pletamente destruído. Enquanto alguns dos intérpretes reconhecem que esta profecia foi proferida ao povo de Judá no tempo de Isaías, outros pensam que a lingua­gem de exultação sôbre a destruição da Assíria não re­presenta o espírito de sobriedade de Isaias; que a exulta­ção do escritor sôbre os horrores do julgamento da As­síria não concorda com o conceito ético do profeta. Mas deve-se lembrar que a linguagem da passagem é poética e altamente figurada no estilo de Isaías, e que êste intérprete da história humana havia testemunha­do a prática terrível do genocídio da parte da Assíria na destruição de Israel, e tinha se esforçado para ani­quilar o restante do povo do Senhor na destruição de Jerusalém, a cidade inviolável do Senhor. Assim, o jul­gamento divino da Assíria foi um evento histórico na­quela hora, e para o futuro do reino de Deus.

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27. Eis que o Nom e do Senhor vem de longe,ardendo na sua ira, no meio de espêssas nuvens;

os seus lábios estão cheios de indignação, e a sua língua é como fogo devorador.

28. A sua respiração é como torrente que transbordae chega até ao pescoço;

para peneirar as nações com a peneira de destruição;com um freio nos queixos dos povos, fazendo-òs errar.

29. Um cântico haverá entre vós, como na noitequando se celebra festa santa;

e alegria de coração, como a daquele que sai ao som da flauta para ir ao monte do Senhor, à Rocha de Israel.

Os versos 27 e 28 descrevem a vinda do Senhor para destruir a Assiria, o inimigo do seu povo (Cp. Juí. 5:4,5; Sal. 18:7-15; Hab. 3:3-13). O Nome do Se­nhor é usado aqui no sentido da sua personalidade, com o em tôda parte da Biblia. A glória do Senhor é usado também neste sentido em 59:19; Sal. 102:15. O Senhor vem de longe, talvez do Sinai, associado com a escolha de Israel (Cp. Juí. 5:4: Deut. 33:2). Há várias frases nestes dois versos que descrevem a natureza do pecado no seu poder de despertar o ódio da justiça santa do Senhor. Êle vem ardendo na ira, com lábios cheios de indignação, e língua com o fogo devorador. Podemos reconhecer que estas frases que descrevem a ira do Se­nhor contra o pecado nos demonstram, ao mesmo tem­po, o eterno amor do Senhor para com a justiça e a santidade. A frase fazendo-os errar entende-se clara­mente à luz da psicologia hebraica. O Senhor não obriga, ou faz errar qualquer pessoa ou nação. O profeta refe­re-se aqui ao freio nos queixos da Assíria. O Senhor Javé é o Juiz eterno das nacões, e ai daquelas que se esque­cem de Deus (Sal. 9 :17).

No dia do grande livramento do poder da Assíria, haverá entre vós um cântico de alegria, como na noite da celebração da saída do Egito, com a festa santa da

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Páscoa (Êx. 12:11). A vossa profunda alegria será como a daquele que marcha com a flauta no caminho para o monte do Senhor, à Rocha de Israel (II Sam. 23:3).

30. O Senhor fará o u vir a sua voz majestosa,e fará ver o golpe do seu braço, com ira furiosa,

no meio de chamas devoradoras,carga dágua, tempestade e pedra de saraiva.

31. Pois com a voz do Senhor será apavorada a Assíria,quando êle a fere com a vara.

32. Cada pancada castigadora, com a vara,que o Senhor lhe der,

será ao som de tam boris e harpas;e combaterá vibrando golpes contra êles.

33. Porque há m uito está preparada a fogueira;sim, preparada para o rei;

a pira é profunda e larga, com fogo e lenha em abundância;o assâpro do Senhor como torrente de enxofre a acenderá.

Os versos 30-33 continuam a descrição gráfica da Assíria. A voz majestosa talvez signifique aqui o trovão (Sal. 29). A palavra , carga de água, é o resulta­do da explosão de uma nuvem carregada. Assim, por um fenômeno natural, o Senhor mostra o poder do golpe do seu braço. O Senhor tinha usado a Assíria com o a vara da sua ira (10:5), mas nos versos 31 e 32 a Assíria será castigada com a vara do Senhor.

O sentido do verso 32 é obscuro, mas o escritor de­clara que os assírios serão destruídos ao som de música de tamboris e harpas e o regozijo dos israelitas. Duvido que esta linguagem poética seja forte demais para o sentido ético de Isaías, com o dizem alguns, visto que o profeta entendeu o significado do evento.

A palavra í i n S f i , Topheth, traduzida fogueira, éV « T

o nome de um lugar no vale de Hinom, ao sul de Jeru­salém, onde sacrifícios humanos foram oferecidos ao

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deus Moloque (Lev. 20:3, 4; II Reis 23:10; Jer. 7:31, 32). Sim, é preparada para o rei, o rei da Assíria. A pira é profunda e larga, com abundância de lenha, e será acesa pelo assôpro do Senhor, com o torrente de en­xofre .

3. A Fôrça de Cavalos ou o Poder do Espírito do Se­nhor, 31:1-3

1. A í dos que descem ao Egito em busca de socorro, e se estribam em cavalos;

que confiam em carros, porque são muitos, e em cavaleiros, porque são mui fortes,

mas não atentam para o Santo de Israel, nem buscam ao Senhor.

2. To davia , êle é sábio, e faz v ir o mal, e não retira as suas palavras;

mas êle se levantará contra a casa dos malfeitores, e contra os auxiliadores que praticam a iniqüidade.

3. Pois os egipcios são homens, e não Deus;os seus cavalos são carne, e não espírito.

Quando o Senhor estender a sua mão,tanto tropeçará o auxiliador, como cairá o ajudado, e todos juntam ente serão consumidos.

Nos versos 1-3 o profeta apresenta o oráculo recebi­do do Senhor a respeito da embaixada dos políticos que desceu ao Egito em busca de socorro. O primeiro verso fala do conflito muito antigo entre a dependência de ar­mas militares e a fé no poder do Deus vivo (Cp. 36: 8-9). Os judeus confiavam no poder dos cavalos e car­ros do Egito, em parte, por causa da mesma qualidade do poder do seu inimigo, a Assíria. Hoje as nações po­derosas confiam no terrível poder das bombas atômi­cas. Aparentemente, os profetas consideravam os cava­los e os carros da sua própria terra como inimigos da religião (Cp. 2 :7 ). Mas a condenação mais severa do povo pelo profeta é que êles não atentavam para o San­to de Israel, e nem buscavam ao Senhor.

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Os versos 2 e 3 explicam a tolice de depender do Egito em vez de confiar em Javé. 0 profeta dá ênfase à sabedoria do Senhor, e ao valor eterno da verdade da sua revelação. Em conseqüência da sua sabedoria, o Senhor faz vir o mal sôbre aquêles que praticam a in­justiça, levanta-se contra os malfeitores e contra todos aquêles que ajudam na prática da iniqüidade. Me não retira as suas palavras transmitidas por intermédio dos seus mensageiros (28:16-18; 29:14; 30:13, 14, 16, 17).

Pois os egípcios são homens, e não Deus. O profeta apresenta mais uma vez, neste versículo 3, o seu enten­dimento da História. É o “ Espírito” , não cousas mate­riais, que é o elemento indestrutível do universo que o Senhor Javé criou.

Os judeus se julgavam sábios no seu plano de fa­zer aliança com o Egito na defesa da pátria. Não ti­nham que defender a sua terra e a sua independência do domínio cruel da Assíria? O plano dêles, segundo o seu ponto de vista limitado pela falta de entendimento das circunstâncias históricas, parecia-lhes o melhor pos­sível. Assim, julgavam que o profeta era visionário e sem o entendimento do perigo terrível do poder militar da Assíria. Êles não se lembravam do conselho sábio que Isaias dirigiu ao rei Acaz, pedindo-lhe que não fi­zesse aliança com a Assíria contra Rezim e Peca (7 : l -9 ) . Na sua íntima comunhão com o Espírito do Senhor o profeta entendeu o propósito divino na História. O po­der eterno e invencível que é sempre ativo no espírito dos homens e das nações é o Espírito do Senhor que opera de acôrdo com o seu eterno propósito. Em con­traste com os contemporâneos, que atentavam nas cou­sas que se vêem, o profeta mantinha a visão do mundo supremo, o mundo espiritual sob a direção do Espírito do Senhor (II Cor. 4:18).

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4. O Senhor dos Exércitos É o Defensor de Jerusalém,31:4-9

4. Pois assim me disse o Senhor:Como o leão ou o cachorro do leão rosna sôbre a sua prêsa,

contra o qual se convoca uma banda de pastôres, êle não se espanta da vozearia dêles

nem se abate pelo seu barulho; assim, descerá o Senhor dos Exércitos

para pelejar sôbre o Monte Sião, e sôbre o seu outeiro.5. Como adejam as aves, assim o Senhor dos Exércitos

protegerá a Jerusalém ; pro tegê-la -á e a salvará,

p o u p á -la -á e a livrará.

6. V o lta i-vo s, ó filhos de Israel, para aquêle contra quem vostendes profundamente rebelado.

7. Pois naquele dia cada um lançará fora os seus ídolos de prata, e os seus tdolos de ouro, que as vossas mãos fabricaram para pecardes.

O verso 4, segundo o nosso ponto de vista, declara o firme propósito do Senhor de defender a cidade de Jerusalém do poder dos assirios. Os assirios, julgavam que Jerusalém estava no seu poder, assim como o leão, ou o cachorro do leão achava que a prêsa estava em seu poder, e não tinham qualquer dúvida da fraqueza dos defensores da cidade e da impossibilidade da parte dêles de tirar a prêsa, Jerusalém, das suas garras. Visto que os judeus não tinham o poder de defender a sua ci­dade contra os arrogantes, barulhentos e poderosos as­sírios, o próprio Senhor Javé dos Exércitos descerá para pelejar contra o inimigo que ameaçava aniquilar a úl­tima fortaleza de Judá como tinha destruído a cidade de Samaria, e aniquilado a nação de Israel., Pois assim me disse o Senhor. Embora não seja claro o sentido exato do hebraico dos versos 4 e “5, é perfeitamente evi­dente que o profeta está declarando aos judeus a certeza da proteção divina de Jerusalém contra o assalto dos as­sírios. Portanto, os habitantes devem confiar no poder

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do Senhor dos Exércitos, em vez de depender do socor­ro do Egito . O Senhor segurará a cidade impotente no seu poder como o leão segura a sua prêsa.

Assim, descerá o Senhor dos Exércitos para pelejarsôbre o Monte Sião. A frase significa clara-

— : •

mente pelejar sôbre, e não pelejar contra, como afirma dogmaticamente R .B .Y . Scott na The Interpreter’s Bi­ble. O sentido primário de é acima ou sôbre queconcorda com o sentido correto da declaração do pro­feta. O escritor assim declara que o propósito determi­nado do Senhor é que Jerusalém não cairá no poder dos assírios.

Como adejam as aves é outra figura que reforça o sentido do versículo anterior de que o Senhor prote­gerá e salvará a cidade de Jerusalém (Cp. Mat. 23:37).

Voltai-vos, filhos de Israel, para aquêle contra quem vos tendes profundamente rebelado. Os versos 6 e 7 estão em prosa, talvez para expressar mais diretamente o apêlo do profeta. A libertação de Jerusalém é um dos grandes eventos da história do reino de Deus, uma re­velação clara do Senhor Javé como o Deus Supremo, um exemplo do amor eterno do Senhor para com o seu povo.

Mas esta manifestação maravilhosa da graça de Deus na salvação de Jerusalém liga-se não somente com a condição do arrependimento dos filhos de Israel, mas também com o futuro do reino de Deus. Pois naquele dia cada um lançará fora os seus ídolos. Naquele dia refere-se, em primeiro lugar, ao dia da libertação mira­culosa de Jerusalém do poder da Assíria pelo Senhor. Ao mesmo tempo, a frase indica que o profeta está olhando para aquêle tempo do futuro glorioso do reino de Deus, mencionado freqüentemente na sua profecia.

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A fidelidade ao Senhor sempre resulta no abandono de lôdas as formas de idolatria.

8 E a Assíria cairá pela espada, não de homem; e a espada, não de homem, a devorará;

fugirá diante da espada,

e os seus jovens serão sujeitos a trabalhos forçados.

9. No terror passará a sua rocha,

e os seus príncipes, apavorados, desertarão a bandeira, diz o Senhor, cujo fogo está em Sião,

e cuja fornalha está em Jerusalém .

Êstes versos 8 e 9 descrevem a queda da Assíria. A derrota do poderoso exército da Assíria não foi conse­guida pelo exército pequeno e fraco de Judá; nem foi obra dos defensores de Jerusalém. Abandonando o sí­tio de Jerusalém, depois de zombai' da fraqueza dos seus defensores, e depois de gabar-se do seu exército in­vencível (36:1-22), os assírios fugiram ignominiosamen­te diante do terror que sofreram repentinamente às mãos do Senhor. E a Assíria cairá pela espada, não de homem; e a espada de Não-homem a devorará. A As­síria, com o seu exército famoso que tinha conquistado as nações vizinhas, mais poderosas do que Judá, fugiu apavorada diante da espada invisível do Senhor. O sin­gular do verbo fugir é característico do estilo hebraico, dando ênfase à fuga de cada um dos soldados do exér­cito. Portanto, não é incoerente do ponto de vista do hebraico, com o verbo plural que segue, segundo o pon­to de vista de alguns intérpretes. Isaías sabia perfeita­mente que Judá não tinha o poder militar para defen­der a cidade contra o exército de Senaqueribe, mas ti­nha recebido a promessa divina de que os assírios não poderiam desfazer o propósito do Senhor de salvar Je­rusalém .

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De mêdo passará a sua rocha. Esta declaração é difícil de se interpretar, mas provàvelmente tenha o sig­nificado usual de segurança. Por causa do grande mêdo do poder misterioso que tinha destruído a fôrça militar do seu exército, é provável que Senaqueribe julgasse que não houvesse qualquer lugar seguro para os seus solda­dos na terra de Judá. Ficou tão apavorado pelo fracas­so dos seus planos militares, que não quis parar em qual­quer lugar até que chegasse à sua própria terra; e nun­ca mais voltou à Judá. Fugindo de terror, os soldados abandonaram, ou deixaram de levar o seu estandarte.

O fogo do Senhor pode significar a presença divina no meio do seu povo (Zac. 2:5), ou o fogo do Senhor no seu Templo em Jerusalém (Is. 6:6, 7 ).

F . A Comunidade Ideal na Idade Messiânica, 32:1-8

Esta profecia trata principalmente do Reino Mes­siânico do futuro. No capítulo 9:1-6 e 11:1-4, o profeta fala da Pessoa do Messias vindouro, enquanto que esta passagem trata dos característicos do Reino Messiânico, em harmonia com a salvação de Jerusalém do poder dos assírios, no capítulo anterior. Isaias entendeu claramente a profunda significação histórica da der­rota providencial do exército de Senaqueribe, e a saJvação de Jerusalém, a última fortaleza de Judá, do poder da Assíria. Essa maravilhosa vitória do povo do Senhor representava para o profeta o eterno propósito do Senhor dos Exércitos na direção da História, um tema que havia ocupado o seu pensamento por algum tempo. Não percebendo o significado da vitória de Judá nesta crise histórica que ameaçava a sua destrui­ção nacional, alguns comentaristas não entendem esta passagem como profecia messiânica.

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1. O Estabelecimento do Governo Messiânico, 32:1-2

1 Eis que ern justiça reinará um rei,e em retidão governarão príncipes.

2. Cada um servirá de esconderijo contra o vento, de refúgio contra a tempestade,

como correntes de água em lugares secos,como sombra de grande rocha em terra s«denta.

À luz da derrota do grande inimigo do seu povo, o profeta contemplava, no seu espírito calmo, o tema do Restante fiel que havia de constituir o núcleo da futura nação do Senhor. Reconhecendo que a infidelidade e a apostasia dos seus contemporâneos tinham trazido os males e os sofrimentos sobre o povo, o profeta espera­va que esta profunda experiência da misericórdia do Se­nhor pudesse acordar no coração dos salvos o espírito de gratidão e serviço ao seu Deus. É nestas circunstân­cias que o profeta tem a visão da sociedade transfor­mada no reino da justiça.

Eis que em justiça reinará um rei, e em retidão governarão príncipes. Assim, a fundação básica da nova época será um govêrno justo e honesto. O profeta tinha falado, nos capítulos 30-31, sôbre a infelicidade da política dos governadores e príncipes que desviavam o povo e o persuadiam a confiar nos cavalos do Egito em vez de manter a sua fé no cuidado e na proteção do Se­nhor Javé, o seu Deus.

Nas suas mensagens messiânicas os profetas visa­vam não' somente ao Ungido do Senhor, o Rei ideal, mas tratavam também do govêrno messiânico, a orientação da sociedade livre de opressão e injustiça geral. Nesta passagem, o profeta trata das bênçãos sociais da nova idade messiânica. O govêrno do rei justo será para o povo do futuro como esconderijo contra o vento, com o

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refúgio contra a tempestade, e como a sombra de uma grande rocha no deserto. O govêrno de grandes homens da História, como o de Lincoln e muitos outros, tem rea­lizado, em parte, êsse nobre ideal do profeta, mas Jesus Cristo é o único que vem cumprindo perfeitamente êste govêrno como refúgio de homens contra as tempesta­des da vida, com a água dà vida para os sedentos de es­pírito, e como a Rocha de salvação dos desviados no de­serto do pecado.

2. A Transformação Espiritual do Povo na Nova Era,32:3-5

3. Então, os olhos dos que vêem não se ofuscarão,e os ouvidos dos que ouvem estarão atentos.

4. O coração dos tem erários entenderá o conhecimento,e a língua dos gagos falará pronta e distintamente.

5. Ao louco nunca mais se cham ará nobre,nem o fraudulento será mais intitulado honroso.

Esta passagem concorda perfeitamente com a filo­sofia da história dêste grande mensageiro do Senhor (Cp. 5:25-30; 10:5-19; 10:20-21; 10:24-27; 17:12-14; 30:25- 26; 30:29). Estas várias passagens mostram a largura e a profundeza dos ensinos do profeta sôbre o propósito do Senhor, que se manifesta na experiência e na história do seu povo. Aqui êle dá ênfase, mais uma vez, ao ser­viço voluntário e alegre dos salvos pela graça de Deus. Na nova era do reino messiânico o serviço espiritual ao Senhor não se limitará aos que são reconhecidos como nobres e poderosos. Pessoas humildes, puras e dedica­das ajudarão os homens a confiar na graça poderosa do Senhor e a entregar-se ao serviço do reino messiânico.

Os olhos dos que vêem não se ofuscarão. O efeito do reino do Ungido do Senhor na sociedade em geral será imediato e positivo. Haverá uma nova fôrça es­

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piritual, e um nôvo entendimento entre os homens, que saberão distinguir as contradições que existem entre a nobreza de caráter e a falsa nobreza da sociedade. Os olhos e os ouvidos dos homens serão abertos para en­tenderem e para ministrarem às necessidades espirituais dos seus vizinhos. Até os temerosos chegarão a ter co­nhecimento. Os gagos não são aqueles que tenham de­feitos na pronúncia de palavras, mas os que se quei­xam, murmuram e zumbem, sem expressar claramente os seus pensamentos. Também nesta nova idade, o povo terá um nôvo entendimento dos valores importantes. O louco não passará mais por homem de profundo conhe­cimento, ou de caráter nobre. Nem o fraudulento será apontado como homem honroso (Cp. 5 :20). O poder de discernir, ra. entender, compreender, será evidenteentre os servos fiéis do Senhor. Assim, o profeta reco­nhece que, até no Reino Messiânico, ainda haverá lou­cos e nobres, fraudulentos e honestos, mas cada um será reconhecido de acôrdo com o seu verdadeiro caráter.

3. O Contraste entre os Característicos do Fraudulento e os do Nobre, 32:6-8

6. Pois o louco fala loucamente,e o seu coração obra a iniqüidade;

para praticar a impiedade,e para proferir êrro contra o Senhor,

para deixar o fam into m orrer de fome, e o sedento perecer de sêde.

7. Os instrum entos do fraudulento são m aus;êle m aquina intrigas malignas,

para destruir os mansos com palavras falsas, mesmo quando a causa do necessitado é justa.

8. Mas o nobre projeta planos nobres,e nas cousas nobres êle permanece firm e.

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Nestes versículos, o profeta discute o contraste en­tre a vida dos fraudulentos e a dos nobres na nova so­ciedade estabelecida nos princípios da justiça divina (Cp. Prov. 13-15; Ecl. 7:4-9; 9:17-18). Segundo o ponto de vista do profeta Isaias, a renovação da sociedade come­ça com a operação da gíaça de Deus na vida dos reis e dos nobres (Cp. 1:26; 3 :Í -7 ). Assim, o profeta apre­senta em 9:6, 7; 11:1-7, bem como nos versos 1-5 dêste capítulo, o Rei ideal, dotado de virtudes sobrenaturais como o fundador e diretor da nova sociedade.

Pois o louco fala loucamente, e o seu coração pra­tica a iniqüidade. No hebraico o coração é o eqüivalen- te de mente, intelecto, alma, espírito e a vontade. 0 ho­mem pusilânime, o patife, não somente fala loucamente, mas pratica a impiedade tão naturalmente como a árvo­re má produz frutos maus. Sendo pernicioso e corruto, sem qualquer sentimento de justiça, êle faz tudo para realizar os seus próprios interesses, sem considerar o bem-estar de outros. Não teme a Deus nem respeita ao seu semelhante. Não se incomoda se uma pessoa sofrer de fom e ou perecer de sede por causa da opressão da parte dêle.

Os instrumentos, as armas e os métodos do frau­dulento são maus, pois êle maquina intrigas malignas para destruir os mansos, mesmo quando a sua causa é justa (Cp. 29:21). Os opressores dirigiam as suas men­tiras e os seus esforços para roubar contra os mansos porque era mais fácil privar êstes indefesos dos seus di­reitos e dos seus bens.

Mas o nobre projeta planos nobres. O homem nobre é generoso e benevolente. Êle odeia a injustiça, a avare­za e a opressão dos indefesos. Tem prazer no serviço à sua pátria e aos seus vizinhos. Os homens assim in- corrutíveis serão os governadores do povo na idade áu­rea que o profeta visava.

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9. Levantai-vos, mulheres que estais em repouso, ouvi a m inha vo z;

vós, filhas, que estais confiantes,inclinai os ouvidos às minhas palavras.

10. Pois daqui a um ano e diasvireis a trem er, vós mulheres que estais confiantes;

porque a vindim a se acabará, e não haverá colheita.

11. Trem ei, mulheres que estais em repouso,tu rb a i-vo s , vós que estais confiantes;

despi-vos e ponde-vos desnudas, e cingi com panos de saco os vossos lombos.

12. Batei em vossos peitos por causa dos campos aprazíveis,por causa das vinhas frutíferas.

13. Sôbre o solo do meu povofizestes crescer espinheiros e abrolhos,

sôbre tôdas as casas de alegria na cidade jubilosa.

14. Pois o palácio será abandonado,a cidade populosa ficará deserta;

Ofel e a tôrre da guardaservirão de cavernas para sempre,

folga para os jum entos selvagens, e pastos para os rebanhos.

Em 3:16-4:1 Isaías denunciou as mulheres ricas, ar­rogantes, fastidiosas e frívolas (Cp. Am. 4:1-3). As mulheres se mostravam indiferentes à pregação do pro­feta, e êle procura despertá-las para reconhecer e aban­donar a insensatez dos seus caminhos de confiança e in- diferentismo, porque dentro em breve a sua alegria se tornaria em tremor por causa das calamidades terríveis que cairiam sôbre elas.

Levantai-vos, mulheres que estais em repouso. Es­tas mulheres, tão satisfeitas na sua vida de luxo, repre­sentam, sem dúvida, o espírito dos habitantes em geral, de Jerusalém. É provável que estivessem celebrando a festa da vindima, e assim demonstrando a alegria da

4. Advertência contra as Mulheres de Jerusalém, 32:9-14

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ocasião quando o profeta proclamou êste oráculo. Apa­rentemente, essa mensagem foi proferida no reino de Ezequias, pouco tempo antes da invasão de Senaqueribe.

Pois daqui a um ano e dias vireis a tremer. A de­claração significa pouco^nais do que um ano. O profe­ta dá ênfase ao julgamento pela falta da vindima e do fruto da colheita. A vindima era o produto principal da terra, mas o povo poderia ficar privado da colheita de todos os produtos do solo pela invasão do inimigo.

Tremei, mulheres que estais em repouso. O profe­ta anuncia com fôrça e certeza a vinda da calamidade. Em vez de ficar tão sossegadas em repouso, as m ulheres devem despir-se dos vestidos de luxo e cingir-se de pa­nos de saco, porque já está terminando o período da sua grande prosperidade, e vêm os dias de lamentação.

0 hebraico do verso 12 é dificil de ser interpretado.O verbo é um particípio masculino' no plural, e significa

lamentar. Parece que a palavra lamentar significava originalmente bater no peito, e assim é usado aqui neste sentido. 0 uso masculino do verbo em vez do feminino é uma irregularidade que se encontra de quando em vez, como acontece com o verbo tremer no verso 11 (Cp. Am . 4:1; Miq. 1 :3 ). No Rôlo do Mar Morto, 1 Q Isaa, a form a verbal é imperativo feminino.

Sôbre o solo do meu povo. Será terrível a destrui­ção da terra pelo inimigo (Cp. 7:20-25). O povo lamen­tará por causa dos espinheiros e abrolhos, os campos in­frutíferos, as casas abandonadas e a cidade em ruínas.

Até o palácio será abandonado, e a cidade populosa ficará deserta. Ofel, o sul do outeiro, onde ficava o Tem­plo de Jerusalém, e a tôrre da guarda, qualquer lugar dentro da cidade, servirão com o cavernas ou refúgios do povo no período da invasão. Ver a passagem paralela em 5:14, 17. Não convém insistir na interpretação li­teral de tais passagens.

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5. O Poder Transformador do Espírito na Idade Vin­doura, 32:15-20

15. Até que se derrame sôbre nós o Espírito lá do alto,e o deserto se torne em campo fértil,e o campo fértil seja reputado por um bosque.

16. Então, o julgam ento habitará no deserto,e a justiça morará no campo fértil.

17. E a obra da justiça será paz,e o efeito da justiça repouso e segurança, para sempre.

13. O meu povo habitará em moradas de paz,em moradas bem seguras, e em lugares quietos de descanso.

19. Mas haverá saraiva quando cair o bosque,e a cidade será inteiramente abatida.

20. Bem -aventurados vós os que semeais junto a tôdas as águas,e dais liberdade ao pé do boi e do jum ento.

0 pensamento dêstes versículos corre paralelo, em parte, com 29:18-24. Alguns pensam que esta profecia sôbre o derramamento do Espírito de Javé fôsse escrita na última parte do ministério de Isaias. A palavra Es­pírito está na forma de “ construto” , e definitivo sem o artigo, um fato que alguns comentaristas não reconhe­cem. É o Espírito lá do alto, o Espírito de Javé, que na nova época transformará tôdas as cousas. É o der­ramamento do Espírito do Senhor que produz as novas condições na Idade Messiânica (Cp. 44:3; 61:1; Ez. 39:29; Joel 2:28; Zac. 12:10; At. 2:1-4). O Espírito pro­duz fôrça e vida, não somente no espírito dos homens, como também na natureza física que contribuirá para a felicidade e a segurança da sociedade humana. Tôda a terra será gloriosa como a habitação do homem. Os pas­tos bem como os campos cultivados se tornarão a habi­tação de juízo e justiça, e Plp*lX • Em tôda

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parte da profecia de Isaías, são êstes os característicos da Idade de perfeição.

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A P R O F E C IA D E ISAfAS 40?

No hebraico rVH > e no grego irvevfia significam ven­to ou espírito. Reconhecemos a realidade do vento, não porque podemos vê-lo, mas porque observamos os seus efeitos. É assim também com o Espírito do Senhor, que é invisível, mas real. Podemos observar o seu poder em o nôvo nascimento do homem (João 3:8), como tam­bém no desenvolvimento do caráter do crente que é o fruto do Espírito (Gál. 5 :22). É misteriosa a operação do Espírito do Senhor na vida do cristão, mas é uma prova infalível da sua atividade. A retidão e a justiça constituem o fundamento da ordem social (1:21; 28:17).

A obra da justiça será paz. O profeta, bem como o Nôvo Testamento, ensinam claramente que a paz no co­ração do homem e a paz na sociedade humana são o fru­to do Espírito do Senhor. A justiça divina é oferecida livremente, mas não imposta no espírito de pessoa al­guma. É recebida voluntàriamente, mas sempre com alegria.

O meu povo habitará em moradas de paz. Na erafutura de paz, o povo do Senhor habitará em moradas quietas e seguras, em lugares que não serão mais ata­cados ou perturbados pelos invasores. As referências ao período futuro pelos profetas têm que ser interpretadas com cuidado. Isaias, sem dúvida, esperava que um pe­ríodo de paz e prosperidade pudesse seguir à salvação de Jerusalém do poder da Assíria, mas a Idade Messiâni­ca é o cumprimento final desta profecia dos versículos 18 e 20.

Alguns pensam que o verso 19 seja uma interpo­lação que interrompe a conexão entre os versos 18 e 20, mas a destruição da Assíria, o bosque, iniciou o pe­ríodo de paz para o povo do Senhor. Levantam dúvi­das também sôbre o texto do verso, dizendo que a pa­lavra saraiva não cabe no contexto. Mas Delitzsch e

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outros, explicando as cousas que deviam acontecer an­tes do princípio da nova era, reconhecem o bosque como o emblema da Assíria, 10:18, 19, 33, 34, e a saraiva como um dos podêres da natureza que destruirá a Assíria, 30: 30-33. O sentido da declaração é que o julgamento di­vino cairá sôbre a Assíria tão severamente como a sa­raiva cai sôbre o bosque, cortando as fôlhas das árvores e destruindo a beleza do bosque. Para alguns intérpretes esta figura é fraca, e êles preferem seguir o lexto, “ cai­rá completamente a floresta” .

A cidade será inteiramente abatida. Que cidade? Aquêles que datam a profecia como sendo do período do cativeiro, muito tempo depois de Isaías, dizem que a cidade é Babilônia. Para aquêles que reconhecem Isaías como o autor dêste oráculo, a cidade pode ser Nínive ou Jerusalém. 0 versículo é muito obscuro.

Felizes sois vós os que semeais junto a tôdas as águas. Neste verso 20 o profeta está pensando na Ida­de Messiânica, quando os inimigos de Israel serão des­truídos ou impotentes, e o povo do Senhor pode cultivar a sua terra em paz e perfeita segurança. Haverá águas abundantes, e até os animais serão felizes com os pro­dutos tão abundantes da agricultura.

VIII. “ A Recompensa de Deus” , 33:1-35:10

Há várias opiniões a respeito do autor e da data desta seção do livro de Isaías. Alguns dizem que foi proferida no tempo dos Macabeus em 162 a. C. (Cp. I. Mac. 6:51-63; 7:5-20; 9:1-18). De vários pontos de vista os argumentos em favor dessa data são forçados, sendo principalmente negativos em relação ao fundo his­tórico da mensagem. O argumento baseado no estilo é fraco, porque se baseia nas passagens que limitam o es­tilo do profeta de acôrdo com os critérios e o escopo que

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êles, os críticos, escolhem. Mesmo assim, alguns destes reconhecem que a passagem reflete as circunstâncias his­tóricas da invasão de Judá por Senaqueribe no reino de Ezequias.

É claramente um nôvo oráculo, com a sua mensa­gem distinta e especial, mas ao mesmo tempo relaciona- se com o assunto geral que o precede, especialmente com o último versículo do capítulo anterior. O desígnio da profecia é assegurar aos judeus que a sua cidade fraca, a última fortaleza da pequena nação, está segura, não obstante a terrível ameaça do poderoso exército da As­síria. É uma mensagem de confôrto, pedindo que o povo confie na proteção do seu Deus nesse período mais crí­tico de tôda a sua história. Assim, nestas circunstânciasa profecia tem um profundo significado., ;

A. A Aflição e o Livramento de Jerusalém, 33:1-24

Êste assunto, juntamente com o ensino sôbre a in­violabilidade de Sião, preocupou o profeta Isaías através de todo o seu ministério profético.

1. O Apêlo do Profeta ao Senhor Contra os Opressores dos Judeus, 33:1-13

1. A i de ti, destruidor,que não fôste destruído,

que procedes perfidamente,e não fôste tratado com perfídia!

Acabando tu de destruir, serás destruído;

e quando acabares de tratar perfidamente, serás tratado com perfídia.

2. Senhor, "tem misericórdia de nós;pois em ti temos esperado.

Sê tu o nosso braço cada manhã,a nossa salvação no tempo da angústia.

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3. Ao ruído do tumulto,fogem os povos;

quando tu te ergues,as nações são dispersas.

4. Então se ajunta o despojo,como se ajunta a lagarta;

como saltam os gafanhotos, saltarão homens sôbre êle.

Ai de ti, destruidor, que não fôste destruído. Assim, o profeta fala do inimigo pérfido e traidor que, depois de terminar o seu período de opressão cruel de nações fra­cas, êle mesmo será destruído. A primeira parte dêste versículo descreve perfeitamente o poder, a crueldade e o propósito do exército de Senaqueribe que tinha des­truído as cidades e a terra de Judá, que invadira. Ao êle sitiar Jerusalém e exigir arrogantemente a entrega da cidade, o pregador Isaías animou o seu rei Ezequias e o seu povo a confiar no poder do Senhor e na sua pro­messa de salvar a cidade de Sião. O rei Ezequias havia entregado ao general Senaqueribe um tributo de trinta talentos de ouro e trezentos talentos de prata, no enten­dimento de que êle pouparia a cidade e deixaria o povo em paz. Mas Senaqueribe violou pèrfidamente a con­fiança de Ezequias (II Reis 18:14, 15). Quando a Assí­ria terminar as campanhas de conquista e destruição, ela mesma será destruída; quando não puder mais tra­tar pèrfidamente outras nações, ela, por sua vez, será tratada com perfídia.

A oração dos judeus no verso 2 representa o receio da invasão dos assírios. Com o pedido de socorro êles confessam a esperança no Senhor (Cp. 26:8). Sê tu o nosso braço. O braço é o símbolo de poder. É usado freqüentemente nas Escrituras como o emblema da pro­teção divina no tempo de calamidade, ou na hora de pe­rigo, Êx. 15:16; Jó 40:9; Sal. 44:3; 77:15; 98:1. Cada

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manhã . . . no tempo de angústia, na hora decisiva da história de Judá (Cp. 28:14-19).

Os versos 3 e 4 descrevem a certeza da vitória do Senhor Javé. O ruído do tumulto vem de Javé que se exalta no julgamento da Assíria. Ver I Reis 18:41; Is. 13:4. Quando tu te ergues, as na,ções são dispersas. A declaração refere-se à fuga do exército de Senaqueribe — soldados da Assíria e seus vassalos. Como saltam os gafanhotos, ou as locustas. Joel 2:9 descreve a inva­são terrível dêsses insetos.

5 O Senhor ê sublime,pois habita nas alturas;

êle encherá a Siãode retidão e justiça.

6. Haverá estabilidade nos teus tempos,abundância de salvação, sabedoria e conhecimento; . o temor do Senhor será o seu tesouro.

Nos versos 5 e 6, o profeta, depois da oração, con­templa o resultado da exaltação do Senhor Javé, e des­creve o seu amor por Sião. Os tronos dos tiranos pere­cem, e os conquistadores cruéis ficam humilhados, mas Javé é eternamente exaltado. Êle encherá a Sião de re­tidão e justiça. Tão significativa é a libertação de Jeru­salém, e tão grande a manifestação da misericórdia do Senhor, que o povo, na sua profunda gratidão, voltará ao seu Deus (Ver 30:22-26, 29; 31:16; 32:15-18). Há uma falta de clareza no verso 6, mas é mais ou menos claro o seu sentido. Aparentemente, é dirigido ao rei Ezequias, com a promessa de que o seu reino será ca­racterizado por estabilidade e firmeza. O seu tesouro será o temor do Senhor.

7. Eis que os valentes clamam de fora,e os mensageiros de paz choram amargamente.

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S. A s estradas estão desoladas, osssa o viandante;

rompeu-se a aliança,testemunhas são desprezadas, não se faz caso do homem.

9. A terra geme e desfalece;O Líbano se envergonha e murcha;

Sarom se torna como um deserto,Basã e Carmelo são despidos de suas fôlhas.

Os versos 7-9 descrevem a desolação da terra de Judá causada pelas atividades dos desumanos invasores, apre­sentando, não obstante, algumas obscuridades. Levan­tam-se dúvidas sôbre o significado da palavra tradu­zida por valentes, mas parece que significa os mensa­geiros enviados a Senaqueribe para obter dêle as con­dições de paz. O têrmo é paralelo com mensageiros de paz que choraram amargamente, talvez por causa da violação por Senaqueribe da promessa que lhes fizera de abandonar o sítio de Sião (Ver II Reis 18:14-17).

As estradas estão desoladas. A invasão da terra pe­los assírios deixou Judá em ruínas. O inimigo despre­zava promessas e alianças, zombava do homem, e os ju ­deus não podiam viajar. Testemunhas, em vez de ci­dades, são desprezadas, segundo o texto correto.

A terra geme e desfalece em simpatia com o povo (Cp. 24:4, 7 ). Os distritos mais ricos e produtivos da terra, o Líbano, Sarom, Basã e Carmelo, tipos da bele­za natural, foram devastados e deixados em ruínas pe­los invasores desumanos.

10. Agora me levantarei, diz o Senhor;agora me levantarei a mim mesmo, agora serei exaltado.

11. Conoebes palha, dás à luz restolho:o vosso fô lego é fogo que vos devorará.

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A P R O F E C IA D E ISA tAS 411

12. Os povos serão queimados co m o se queima a cal,como espinhos arderão no fogo.

13. Ouvi, vós que estais longe, o que tenho feito;e vós, que estais perto, reconhecei o meu poder.

O verso 10 introduz uma nova transição. Os ver­sículos anteriores descrevem a desolação da terra, e a impossibilidade de ser aliviada de qualquer modo do opressor. Nestas circunstâncias, quando Judá está no terrível poder do inimigo, o próprio Javé se levanta para libertar o seu povo, e para salvar a sua cidade inviolá­vel, Sião, do poder do inimigo do reino de Deus na terra. Os versos 10-13 apresentam a resposta do Senhor à ora­ção do seu povo. Esta palavra agora, H fiy , usada três

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vêzes no verso 10, é de muita significação entre os pro­fetas, especialmente para Isaias e Oséias. O Senhor mes­mo se levantará do seu trono, e se apresentará aos ini­migos de Israel no seu pleno poder.

Os versos 11-13 são dirigidos aos assírios. É curio­sa a expressão do verso 11. Conceber palha e dar à luz restolho significa que qualquer cousa, ou tudo, que o inimigo pode produzir é apenas combustível para o fogo de Javé, o Deus de Israel (Cp. 49:4; .Tó 15:35; Sal. 7:14). O propósito arrogante e furioso de destruir a Jerusalém resultará, no propósito do Senhor, na destruição de Se- naqueribe e seu poderoso exército. O vosso fôlego é o fogo que vos devorará (Cp. 9:18; 25:4). De um ponto de vista, a Assíria operou a sua própria destruição.

Os povos serão queimados, como se fôsse queima­da a cal, com o espinhos arderão no fogo . Esta lingua­gem poética e figurada indica que a destruição do exér­cito dos assírios será súbita e completa.

A derrota dos assírios no seu esforço de destruir a última fortaleza do povo do Senhor, juntamente com a cidade de Jerusalém, representa uma das maiores crises em tôda a história do reino de Deus no mundo. A sal­

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vação maravilhosa do povo escolhido, e da cidade de Sião, será conhecida de perto e de longe, no mundo in­teiro que se interessa nas atividades poderosas de Deus na vida humana.

2. Efeitos da Manifestação da Presença do Senhor,33:14-24

14. Os pecadores em Sião se assombram,o tremor se apodera dos ímpios:

Quem dentre nós habitará com o fogo devorador?Quem dentre nós habitará com labaredas eternas?

15. Aquêle que anda em justiça, e fala com retidão;aquêle que despreza o ganho de opressões,

que sacode as mãos para não receber peitas;que tapa os ouvidos para não ouvir falar de sangue, e fecha os olhos para não ver o mal.

16. Êste habitará nas alturas;as fortalezas das rochas serão o seu refúgio;

o seu pão lhe será dado,as suas águas serão certas.

Nos versos 14-16, o profeta descreve, em linguagem de fôrça e beleza, o efeito moral nos judeus desta inter­venção miraculosa do Senhor na sua história. Foi uma experiência comovente e eletrizante para aquêles que ti­nham vacilado na fé e na fidelidade ao Senhor ,Tavé, o seu Deus.

Os pecadores e os infiéis que ainda existiam fica­ram amedrontados com esta revelação tão impressionan­te do poder de Javé. Se êste poder da ira de Deus era tão enérgico na sua operação, na destruição do grande inimigo, Quem dentre nós habitará com o fogo devora­dor, e com as labaredas eternas? Estas últimas palavras não se referem ao castigo eterno de pecadores na vida futura. O fogo é a santidade do Senhor, que na sua

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manifestação devora como o fogo do ourives e como a potassa dos lavandeiros, os elementos desprezíveis da sociedade (Ver Mal. 3 :2 ).

No verso 15 o profeta menciona os característicos do homem justo, e nos versos que seguem êle explica a confiança dêste no Senhor, e as bênçãos de segurança e felicidade desta confiança. 0 homem justo anda em justiça. A justiça é o característico do cidadão do reino de Deus. Êle ama e fala a verdade. Odeia o ganho ob­tido pela opressão do fraco e indefeso. Sacode as mãos no gesto de desprêzo daqueles que lhe oferecem peitas. Tapa os ouvidos para não ouvir sugestões de violência, de roubo ou de derramar sangue. Fecha os olhos para não testemunhar os pecados dos malvados. Não' se de­têm no caminho dos pecadores.

Êle habitará nas alturas (Cp. 26:5, 7 ). Êle perma­nece em harmonia com a vontade divina, e vive em co­munhão com Deus. Fica seguro da ira do Senhor e dos sofrimentos dos pecadores e hipócritas, segundo o verso 14. No tempo de sítio ou de perigo, o justo está perfeita­mente seguro, e recebe do Senhor o sustento da vida.

17. Os teus olhos verão o rei na sua formosura;verão a terra que se estende amplamente.

18. O teu coração meditará no terror:Onde está aquêle que registou,

onde está o que pesou o tributo, onde está o que numerou as tôrres?

19. Não verás mais o povo insolente,povo de fala obscura, que não se podo entender, de língua gaguejadora que não se pode compreender.

20. Olha para Sião, a cidade das nossas solenidades!Os teus olhos verão a Jerusalém,

habitação tranqüila, tenda que não será removida, cujas estacas nunca serão arrancadas,

nem será quebrada nenhuma das suas cordas.

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21. Mas o Senhor ali nos será glorioso,lugar de rios e correntes largos;

barco nenhum de remo passará por êles, nem navio grande navegará por êles.

22. Porque o Senhor é o nosso Ju iz ;O Senhor é o nosso Soberano;

O Senhor é o nosso Rei; êle nos salvará.

23 A s tuas enxárcias estão frouxas;não podem ter firme o seu mastro, nem desfraldar a vela.

Então, se repartirá a prêsa de abundantes despojos; até os coxos participarão dela.

24. Nenhum morador dirá: Estou doente;pois será perdoada a iniqüidade do povo que nela habita

Nos versos 17-24, o profeta fala das bênçãos divinas do povo do Senhor na idade messiânica. Os teus olhos verão o rei na sua formosura. Não obstante as espe­culações infrutíferas sôbre a identificação do rei na sua formosura, é perfeitamente claro para muitos intérpre­tes que o profeta está falando do Messias, o rei que rei­nará em justiça (32:1). A esperança messiânica foi um conceito profundo e precioso da religião dos judeus, um fato importante que um grupo de intérpretes nem sem­pre quer reconhecer. Sôbre a beleza do rei, ver Sal. 45:2. Sôbre a terra que se estende até longe, o domínio do rei messiânico, ver Miq. 5:4; Zac. 9:10; Sal. 72:8.

Naqueles dias quando o rei messiânico ficar estabe­lecido no seu trono, e governar a seu povo com amor e justiça, será difícil imaginar o terror que o povo sofreu neste período de opressão cruel. O profeta medita sôbre a tirania brutal dos oficiais inimigos que calculavam os impostos e pesavam o dinheiro que cada homem tinha que pagar. No reino messiânico do futuro, perguntará o es­pírito livre do homem: Onde está aquêle que registou,

contou e determinou a soma do imposto e do tri­

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buto que cada homem tinha que pagar naquele período tirânico, e de opressão cruel. A frase o que numerou as tôrres, , é difícil. Refere-se provàvelmente ao

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comandante que contou as tôrres da cidade, os pontos mais fortes na resistência de assaltos militares.

Não verás mais o povo insolente, o inimigo feroz, o estrangeiro de língua gaguejadora que ninguém pode entender. Não obstante o poder, a soberba e a confian­ça do inimigo, êle não entrará na cidade de Sião. O povo atrevido ou insolente, , acentua a impu-

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dência do invasor à luz da vergonha que sofreu.Os versos 20 e 21 falam do tempo quando o domí­

nio poderoso e desumano do inimigo já tinha passado. O nôvo Rei, o Ungido do Senhor, reinava em Sião. A cidade inviolável de Jerusalém é o centro da verdadeira religião, e com a plena autoridade do Senhor, o Messias estabelece a paz permanente entre o seu povo (Cp. v. 16).

Olha para Sião! cidade próspera, calma, feliz, o cen­tro do reino de Deus no mundo, o centro do reino do Espírito do Senhor no espírito humano. Agora é a ci­dade onde o povo celebra as suas solenidades com lou­vor e gratidão ao Senhor. É a cidade tranqüila, e livre dos horrores da guerra. O tabernáculo — a habitação do povo — está firmemente estabelecido, e nunca será removido. Desde então as portas do inferno nunca pre­valecerão contra o reino do Senhor.

A primeira parte do verso 21 não está muito clara. Parece que o profeta está declarando que a presença de Javé será a defesa de Sião em vez de rios e correntes largos. O próprio Senhor é a gloriosa habitação do seu povo. Em contraste com as cidades cercadas pelo Nilo e o Eufrates (Cp. Naum 3:8) que as protegem da apro­

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ximação de inimigos, o Senhor Javé é o Protetor de Je­rusalém. O Senhor é lugar de rios e correntes largos na proteção do seu povo. Embora a figura nos pareça estranha, é característica da língua hebraica. Há várias referências bíblicas ao Rio místico do Senhor, 8:6; Ez. 47:5; Zac. 14:8; Sal. 46:4.

No verso 22 o Senhor se apresenta ao seu povo como Juiz, Soberano e Rei. Como Juiz, o Senhor opera provi- dencialmente na vida de Israel para o desenvolvimento da sua fidelidade e honra. Como Soberano, o Senhor Javé é o único Legislador e Comandante do seu povo. Como Rei, Êle governa o seu povo com autoridade e jus­tiça. Em todos os perigos e em tôdas as lutas, o povo recebe o socorro do amor imutável do seu Deus. O Se­nhor é o nosso Salvador.

O verso 23 é de difícil tradução neste contexto. É reconhecido por alguns com o interpolação fora do seu lugar aqui. Há também opiniões diferentes sôbre a in­terpretação do versículo. Alguns dizem que a primeira parte do verso descreve o desastre da Assíria, e a segun­da fala da distribuição do despojo entre os judeus. De- litzsch atribui a primeira parte do verso à cidade de Je­rusalém, pouco antes da vitória sôbre os assírios. Mas com a queda do exército dos assírios, Jerusalém se enri­quece dos despojos do acampamento de Senaqueribe.

É provável que o verso 23b se ligue ao verso 24 na descrição da felicidade de Jerusalém nos dias vindouros. A doença será eliminada entre o povo de Jerusalém, e os moradores da cidade receberão o perdão da sua iniqüi­dade (Cp. Sal. 103:3; Mat. 9:2-8). Prevalecia entre os piedosos do Velho Testamento a opinião de que doenças e desastres constituíam provas de que o castigo divino representava o desprazer do Senhor para com os ho­mens sob o domínio do pecado. Na nova idade messiâ­

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A PROFECIA DE ISAÍAS 417

nica a doença será desconhecida, e o povo receberá livre perdão da sua iniqüidade.

B. A Indignação do Senhor Contra Tôdas as Nações,34:1-17

1. Chegai-vos, nações, para ouvir, e vós, povos, escutai;

ouça a terra, e a sua plenitude; o m u n d o e tudo quanto produz.

2. Pois o Senhor tem indignação contra tôdas as nações,e furor contra todo o exército delas;

èle as destinou para a destruição, e as entregou à matança.

3. Os seus mortos serão lançados fora,e subirá o mau cheiro dos seus cadáveres;■e do sangue dêles os montes se fluirão.

4. Todo o exército dos céus se dissolverá,e os céus se enrolarão como pergaminho;

todo o seu exército cairá, como cai a fôlha da vide, e como fôlhas caindo da figueira.

O oráculo dos capítulos 34 e 35 apresenta um con­traste entre o retrato escatológico do julgamento e o da redenção. Nos primeiros quatro versículos do capítulo sòbre o julgamento, o profeta chama todos os povos do mundo para ouvir o anúncio sòbre a indignação e o fu­ror do Senhor contra tôdas as nações, e contra o exérci­to delas. Segue-se nos versos 5-17 a descrição do tre­mendo castigo de Edom por causa dos seus pecados con­tra Sião, v. 8. Alguns pensam que o autor menciona Edom como exemplo das nações (1-4) que hão de so­frer o castigo divino por causa dos pecados, cada uma de acôrdo com a gravidade dos seus pecados particula­res.

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No poderoso estilo literário, de bela linguagem poé­tica, o profeta descreve as conseqüências terriveis da in­tervenção divina contra os inimigos do reino de Deus. Mais uma vez o profeta dá ênfase especial ao fato de que a vontade e o propósito de Javé no estabelecimento do seu reino prevalecerão com o castigo e a destruição dos inimigos da justiça eterna.

Nos versos 5-6 Edom se apresenta com o o objeto imediato da ira do Senhor. Por causa da sua implacá­vel hostilidade contra Israel, desde os tempos antigos, e através da História, Edom sofrerá terrível castigo. A sua terra será perpètuamente desolada, e habitada por feras do deserto e criaturas demoníacas (9-17) .

Alguns pensam que os capítulos 34 e 35 apresentam um resumo dos ensinos do profeta Isaías; que o tema geral do livro é que o povo de Israel será liberto de to­dos os seus inimigos, e dos seus sofrimentos, e que fi­nalmente o povo do Senhor será supremamente feliz sob o triunfo e o governo do seu Messias.

Chegai-vos, nações, para ouvir. Para ouvir o anún­cio do julgamento que Deus vai executar, e o eterno propósito que Êle vai conseguir. 0 Senhor Javé convoca a assembléia das nações para ouvirem a proclamação do seu destino. Enquanto a declaração aparentemente inclui tôdas as nações, o contexto indica que o profeta está falando das nações que são inimigas do seu povo. São as nações e os povos que fazem todo o possível para impedir as atividades e o progresso do reino de Deus no mundo. Deus, por intermédio do seu mensageiro, chama a terra, o mundo e tudo quanto produz, para tes­temunhar o resultado da operação do furor do Senhor contra os inimigos do seu reino de justiça no mundo.

Arde a ira de Javé, o Deus do seu povo, contra os inimigos, e vem o dia quando êles serão completamente destruídos (Cp. Miq. 1 :2 ). O profeta está falando, em

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A PROFECIA DE ISAíAS 419

harmonia com os ensinos da Bíblia em geral, sôbre a vi­tória final do reino de Deus contra todos os inimigos da justiça divina.

Os seus mortos serão lançados fora, e subirá o mau cheiro dos seus cadáveres. Esta linguagem é muito dura, mas é poética, e descreve em tèrmos poéticos as conse­qüências terríveis do pecado. Esta profecia foi cumpri­da em grande parte na destruição de Jerusalém por Na- bucodonosor. Os críticos que ficam horrorizados com esta linguagem devem-se lembrar do fato de que os ho­mens e as nações, em geral, sofrem as conseqüências naturais dos seus pecados, em perfeito acôrdo com a doutrina da justiça divina. Na sua vergonha, os mortos jazem na terra, apodrecendo sem a honra do sepulta- mento. Nesta linguagem figurada a hoste dos céus cai­rá no mesmo ato de destruição. A hoste dos céus cai 110 sentido de que os idólatras finalmente chegam a re­conhecer a tolice de adorá-la, em vez de adorar o seu Criador. Os céus, estendidos como cortina (40:22), se­rão enrolados com o pergaminho (Cp. 51:6; Mat. 2í:29; Apoc. 6:13, 14). Todo o exército dos céus cairá como cai a fôlha da vide, e como fôlhas caindo da figueira. Esta linguagem descreve figuradamente o fim do mun­do. Mas, de acôrdo com a opinião de alguns cientistas modernos, a descrição pode ser mais ou menos exata.

5. Pois a minha espada se embriagou nos céus;eis que desce para exercer julgamento sôbre Edom, e sôbre o povo que destinei para a destruição.

6. O Senhor tem uma espada cheia de sangue,é engrossada de gordura,

do sangue de cordeiros e de bodes, da gordura dos rins de carneiros.

P o rq u e o Senhor tem Sacrifício em Bozra,

e grande matança na terra de Edom.

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7. Os bois selvagens cairão com êles,e novilhos com touros;

a sua terra será ensopada de sangue,e o seu solo se tornará fértil com a gordura.

8. Pois vem o dia da vingança do Senhor,o ano da recompensa pela causa de Sião.

Os versos 5-8 descrevem, em linguagem poderosa e pitoresca, a matança dos habitantes de Edom. É ge­ralmente reconhecido que Edom se apresenta neste oráculo como representante das nações inimigas do reino de Javé. É pavorosa a descrição em alguns dos seus pormenores. A linguagem figurada e poética reflete a história da ini­mizade que existia através da História entre Israel e Edom, desde o nascimento de Jacó e Esaú.

A espada do Senhor se embriagou, não de sangue, mas de furor, no preparo para o seu trabalho na terra. Mesmo assim, a linguagem figurada nos parece feroz. Mas desce dos céus para exercer a justiça sôbre Edom. A frase o povo que destinei para a destruição traduz bem o povo de anátema (D T i) .

A espada do Senhor é engrossada de gordura, e do sangue de cordeiros, bodes e carneiros. Êstes são têr- mos de sacrifício. Porque o Senhor tem sacrifício em Bozra (Cp. 63:1; Gên. 36:33; Am. 1:12; Jer. 49:13, 22). Bozra era uma das cidades importantes de E dom . Além dos seus rebanhos, a cidade foi conhecida pela in­dústria de tinturaria (Is. 63:1-3) e pelos seus ricos ves­tuários . Parece que ficava ao norte de Edom, e foi a ci­dade do rei Jobabe (Gên. 36:33).

O verso 7 descreve o grande sacrifício de animais juntamente com os habitantes de Edom (Ver Sof. 1:7; Jer. 46:10; 51:40; Ez. 39:17-19).

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Vem o dia de vingança do Senhor contra os seus inimigos, juntamente com o dia de recompensa de to­dos os seus fiéis no serviço do seu reino (C p . 61:2 ) .

9 Os ribeiros de Edom se transformarão em piche, e o seu solo em enxofre; a sua terra se tornará em piche ardente*

10. Nem de noite nem de dia se apagará;subirá para sempre a sua fumaça;

de geração em geração será assolada,e para todo o sempre ninguém passará por ela.

Nos versos 9-10 o poeta descreve, na figura de hi­pérbole, os rios de Edom correndo de piche, e o solo transformado em enxofre. A tempestade já passou, dei­xando a terra numa vasta desolação, A linguagem suge­re a destruição semelhante à de Sodoma e Gomorra (Cp. Gên. 19; Jer. 49:18). A terra se tornara em piche ar­dente cuja fumaça subirá para sempre, uma assolação sem habitante.

11. Mas o pelicano e o ouriço a possuirão,o bufo e o corvo habitarão nela.

Êle estenderá sôbre ela o cordel de confusão, e o prumo de caos.

12. Cham arão os seus nobres ao reino,porém não haverá nenhum, e todos os seus príncipes serão como nada.

13. Crescerão espinhos nos seus palácios,urtigas e cardos nas suas fortalezas;

e será a habitação de chacais, e a morada de avestruzes.

O pelicano e o ouriço possuirão a terra. Levantam- se dúvidas, porém, sôbre o significado da palavra fifcíp

“ T

geralmente traduzida por pelicano aqui e em Sof. 2:14. As palavras traduzidas por confusão e caos são as mes­

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mas usadas em Gênesis 1:2 para designar a matéria da criação antes que o Criador a ordenou. 0 cordel de con­fusão e o prumo de caos estendidos sôbre a terra de Edom, aparentemente significa que a terra nunca pode ser renovada.

O texto hebraico do verso 12 é obscuro. Chamarão os seus n o b r e s ,m Tl, ao reino. Alguns traduzem: “ Os

T

lugares secos da desolação serão como montões caóticos de pedras” (Cp. Jer. 17:6). Mas esta versão também não traduz o sentido exato do hebraico. Alguns suge­rem que as palavras os seus nobres sejam o sujeito de uma declaração perdida. Não há em Edom um reino que os nobres possam proclamar.

0 verso 13 declara que espinhos, urtigas e cardos crescerão nos palácios, e êstes serão habitados por cha­cais e avestruzes em vez de nobres e príncipes.

14. E as feras se encontrarão com as hienas,o sátiro clamará para o s«u companheiro;

sim, ali pousará a bruxa,e achará para si lugar de descanso.

15. Ali se aninhará a coruja,porá os seus ovos e os chocará,

e na sombra abrigará os seus filhotes;sim, ali se ajuntarão os abutres um com o outro.

16. Buscai no livro do Senhor e lêde:Nenhuma destas criaturas falhará,

nenhuma será privada do seu companheiro.Pois a bôca do Senhor o ordenou,

e o seu Espírito as ajuntou.

17. Êle mesmo lançou as sortes por elas,a sua mão lhes repartiu a terra com o cordel;

para sempre a possuirão;de geração em geração habitarão nela.

Não se podem identificar com certeza tôdas as cria­turas mencionadas nos versos 14 e 15, mas são aves e

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animais que habitam lugares desabitados, ou desertos. A bruxa, , tem lugar especial na demonografiadas tradições judaicas. Assim, a terra de Edom ficou especialmente adaptada para tais criaturas.

Buscai no livro do Senhor e lêde. Há muita dis­cussão sôbre êste livro do Senhor. Alguns críticos di­zem que a palavra buscai do v. 16 pertence ao v . 15, “ cada criatura buscará o seu companheiro” . Outros pensam que o livro do Senhor é aquêle no qual se en­contram os nomes e os números das estréias (40:26), bem como todas as criaturas (Mal. 3:16; Sal. 147:4). Ver também Sal. 139:16; Dan. 7:10; Apoc. 20:12.

Assim, a sorte inevitável da terra de Edom é decre­tada pelo Senhor. Repartiu a terra entre as feras como sua possessão eterna.

Êste capítulo oferece certas dificuldades para o es­tudante cuidadoso da Bíblia. A severidade do autor na condenação de Edom pão concorda em geral com os en­sinos dos profetas. Mas certamente não têm razão aquê- les como J. Yeoman Muckle que declara no Epworth Preacher’s Commentary, p. 118, que o capítulo é uma expressão de “ ódio puro” parà os idumeus. Deve-se lembrar que a profecia é escatológica e representa poéti­ca e figuradamente o julgamento do pecado cruel não somente dos idumeus, mas das outras nações também (Cp. Deut. 23:7).

C. A Felicidade de Sião no Futuro, 35:1-10

1. O deserto e os lugares secos se alegrarão, o êrmo exultará e florescerá;

2. como o narciso florescerá abundantemente,exultará de júbilo e romperá em cânticos.

D ar-se -lh e -á a glória do Líbano,o esplendor do Carmelo e de Sarom.

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Êles verão a glória do Senhor, a majestade do nosso Deus.

3. Fortalecei as mãos frouxas,e firmai os joelhos vacilantes.

4. Dizei aos turbados de coração:Sêde fortes, n ã o tem ais!

Eis que o vosso Deus virá com vingança,

com a recompensa de Deus.Êle v irá e vos salvará.

Êste capítulo, em contraste com o anterior, descre­ve a alegria e a paz de Judá depois da sua grande trans­form ação. É claro, porém, que os dois capítulos são partes do mesmo oráculo. A linguagem desta parte da profecia é também muito linda, mas o sentido da men­sagem é bem claro.

O deserto e os lugares secos se alegrarão. Assim, na visão do profeta, o período de escuridão e tristeza já passou. Amanheceu um nôvo dia. Chegou o tempo da fertilidade da terra, e o êrmo está exultando e flo­rescendo. O regozijo do êrmo é linguagem figurada que descreve o júbilo do povo que, por causa da nova pro­dutividade da terra, rompe em cânticos de alegria.

Da palavra traduzida rosa, narciso ou lírio, se diz que florescerá abundantemente no deserto. O hebraico diz, florescendo florescerá. É o m odo de expressar ên­fase, como morrendo morrerás, ou certamente morre­rás. A glória do Líbano, o esplendor do Carmelo e de Sarom, são emblemas das bênçãos da nova era. Carme­lo era o emblema da beleza, Líbano da majestade e Sa­rom da fertilidade. Êstes lugares, nas suas vestes fes­tivas, testemunharão a majestade e o esplendor da gló­ria do Senhor, na direção do seu povo neste nôvo dia.

Fortalecei as mãos frouxas, e firmai os joelhos va­cilantes. 0 povo que tinha sofrido miséria e aflição ago­

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ra será renovado na sua coragem e no seu vigor, pela promessa das bênçãos do seu grande Salvador e Prote­tor. Aparentemente, esta exortação fo i dirigida aos pro­fetas. Os mais fortes devem animar e fortalecer os fra­cos na fé.

Dizei aos turbados de coração: Sêde fortes. A or­dem que os mensageiros recebem do Senhor é clara e definitiva. 0 povo desanimado deve acordar-se e des­pertar o seu espirito para receber a experiência da pre­sença e do poder do seu Deus, pois Êle vem para trazer a vingança da justiça sôbre os seus opressores, e para lhes trazer o grandioso livramento.

5. Então se abrirão os olhos dos cegos,e se desimpedirão os ouvidos dos surdos;

6. então os coxos saltarão como cervos,e a língua do mudo cantará.

Pois águas arrebentarão no deserto, e ribeiros no êrmo.

7. A areia esbraseada se transformará em lagos,e a> terra sedenta em mananciais de águas;

onde se deitavam os chacais,crescerá a erva com canas e juncos.

Nos versos 5-7 o profeta descreve a natureza e os efeitos da compaixão do Senhor na salvação do seu povo. Os cegos verão e os surdos ouvirão; o coxo saltará como cervo, e a língua do mudo sôlta cantará louvores a Deus.. Pois águas arrebentarão no deserto, e ribeiros no êrm o. Estas lindas e preciosas promessas se cumpriram figura­damente com a volta dos judeus do cativeiro babilónico (Is. 55:12-13), mas se cumpriram literalmente no mi­nistério do Senhor Jesus, o Salvador (Mat. 9:27; 20:30; Mar. 8:23; 10:46; Luc. 7 :21).

A areia esbraseada é melhor tradução de doT T

que miragem. Mas a areia abrasadora do deserto fre­

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qüentemente tinha a aparência de um lago de água, ou miragem, para o viajante. 0 profeta está declarando que esta ilusão óptica não será mais possível porque o deserto será transformado numa terra fértil bem rega­da por mananciais de água. Não será mais um covil de chacais, mas um grande pasto para o gado, onde cres­cerão a erva e outras plantas que agradam à vista, e sa­tisfazem às necessidades do viajante.

8. E ali Haverá um alto cam inho,e êle se cham ará o Cam inho Santo;

o imundo não passará por êle,dos que andâm por êle, até os loucos não errarão.

9. Ali não haverá leão,nem animal feroz subirá por êle,

nem se achará nêle;mas os rem idos andarão por êle.

10. E os resgatados do Senhor voltarão,e virão a Sião com clam or de jú b ilo ;

com alegria eterna sôbre as cabeças; gôzo e alegria alcançarão, e dêles fug irá a tristeza e o gem ido.

No verso 8, Almeida tem alto caminho, caminho, a tradução correta do texto massorético, mas a segunda palavra caminho é supérflua, e evidentemente não fazia parte do texto original. A Septuaginta contém caminho puro. IIá também dificuldades no texto hebraico que traduzimos, dos que andam por êle, até os loucos não errarão.

Mas é claro que êste Caminho Santo é para o povo de Deus, os redimidos do Senhor (Cp. 42:16; 43:19). Que significa a frase até os loucos não errarão neste caminho? Alguns dizem que os loucos significa os m o­ralmente perversos, com o em Jó 5:3 e Prov. 1:7. Mas o texto aparentemente indica que os loucos estão andan­do no Caminho Santo, e assim fazem parte dos resga­

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tados do Senhor. Neste caso o termo significa os humil­des que não tenham o conhecimento e a sabedoria dos eruditos do mundo.

0 verso 9 descreve do ponto de vista negativo êste Santo Caminho do povo de Deus. É profundamente significativa a declaração de que os viajantes neste ca­minho do Senhor não encontrarão qualquer animal fe­roz como o leão. Havia muitos animais ferozes e perigosos para o viajante em tôdas as terras adjacentes à Pales­tina. O verso indica que êste Caminho Santo refere-se não somente à estrada dos que voltam para Sião do cativeiro (43:19-21), mas é o Alto Caminho permanente do povo de Deus (19:23).

Os resgatados do Senhor voltarão e virão a Siãó. Esta linda promessa se estendia primeiramente às pes­soas que Deus libertou do cativeiro babilónico, mas num sentido mais profundo a profecia se cumpre na experiên­cia dos que são redimidos da escravidão do pecado pelo sangue de Cristo. A palavra resgatar, H IS , do versó

T T

10 é diferente do têrmo redimir, , do verso 9,mas as palavras são sinônimas. A primeira tem o sen­tido de uma responsabilidade pessoal de redimir, en­quanto que resgatar dá ênfase ao eterno amor do Se­nhor no livramento de rebeldes e pecadores que voltam para Êle com arrependimento e fé .

IX. A Influência de Isaías em Três Situações no Reinode Ezequias, 36:1-39:8

Apresenta-se nestes capítulos um apêndice aos ca­pítulos 1-35 do Livro de Isaías. Encontra-se nesta seção do livro o mesmo assunto discutido em II Reis 18:13-20: 19; II Crôn. 32:1-23 (Cp. Heródoto II, 141 e O Cilindro

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de Taylor, Arqueologia do autor, p. 269). Todas estas referências tratam da invasão de Jerusalém por Sena- queribe em 701.

Êstes capítulos de Isaias descrevem a atividade do profeta, e a influência dêle, em três situações históricas no reino de Ezequias: 1) A invasão de Judá e Jerusa­lém pelos assírios em 701 (36-37); 2) a doença e a cura de Ezequias (38); 3) e a embaixada de Merodaque-Baladã da Babilônia (39).

Há algumas diferenças entre estas duas narrativas. Omite-se no Livro de Isaias a história da submissão de Ezequias (II Reis 18:14-16), enquanto que a narrativa de II Reis omite o Salmo de gratidão de Ezequias (Is. 38:9-20).

Na comparação cuidadosa das duas narrativas é inevitável a conclusão de que um dos escritores usou a história do outro. Alguns acreditam que o autor de II Reis aproveitou-se da narrativa de Isaias, mas quase to­dos os estudantes modernos apresentam argumentos for­tes para provar que a história em II Reis é a original, e que nesta obra canônica contam-se fielmente os fatos com o aconteceram, citando corretamente a mensagem do profeta, com a explicação da influência de Isaias com o rei Ezequias. Segundo êste ponto de vista, era importante que os leitores da Profecia de Isaias tivessem a informação histórica do profeta, quanto à sua influ­ência junto ao rei Ezequias nessa grande crise enfrenta­da pelo povo do Senhor, e na salvação da última forta­leza de Judá do poder de Senaqueribe que, nas suas pró­prias palavras, ameaçava a exterminação de Jerusalém, e a da religião do povo de Deus (36:16,17).

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A. Senaqueribe Exige a Capitulação de Jerusalém, 36:1-37:4

1. No ano décim o quarto do rei Ezequias subiu Senaqueribe, rei da Assíria, contra tôdas as cidades fortificadas de Judá, e as tom ou.

2. E o rei da Assíria enviou Rabsaqué, de Laquis a Jerusalém, ao nei Ezequias com grande exército. E êle parou na extre­midade do aqueduto do açude superior, junto ao cam inho do cam po do lavadeiro.

3. Então saíram a encontrar-se com êle Eliaquim, filho de Hilquias, o m ordom o, Sebna, o escrivão, e Joá, filho de Asafe, o cronista.

O primeiro versículo declara que Senaqueribe capturou tôdas as cidades fortificadas de Jerusalém. O Ci­lindro de Taylor menciona quarenta e seis cidades fortifi­cadas, e numerosos lugares menores, bem com o uma gran­de quantidade de materiais de valor. Considerando o fato de que Senaqueribe invadiu a Judá em 701, e que o rei Ezequias assumiu atí trono em 724, o sítio de Jerusalém aconteceu no ano vigésimo quarto do reino de Ezequias, em vez de no ano décimo quarto desta declaração. Esta discrepância de datas pode ser explicada de várias manei­ras. Portanto, é problema secundário na interpretação da mensagem.

O rei da Assíria enviou Rabsaqué, de Laquis a Je­rusalém. Rabsaqué não é nome próprio, mas um título de um oficial do exército da Assíria, com o Tartã, em 20:1, e Rabe-Saris, em 18:17. Laquis era uma das cida­des mais importantes de Judá. Era uma cidade antiga (Jos. 10:3) e bem fortificada no tempo de Ezequias. Ficava 36 quilômetros ao sul de Jerusalém, e 20 quilô­metros ao oeste do Mar Morto. Tel-Duweir foi identi­ficado por Albright como as ruínas de Laquis. Yer a discussão de Laquis na Arqueologia Bíblica do autor,

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p. 170. É fato irônico que o Rabsaqué parou no mesmo lugar onde o profeta e o seu filho Sear-Jasube pararam quando Isaías aconselhou o rei Acaz a não fazer aliança com a Assíria.

0 autor de II Reis declara, 18:14, que o rei Ezequias pagou ao rei da Assíria o tributo de trezentos talentos de prata e trinta talentos de ouro, sob condição evidente de que êle retirasse o seu exército e deixasse Ezequias continuar com o o governador apenas de Jerusalém. Mas depois de receber êste pesado tributo, Senaqueribe vio­lou a sua promessa, e mandou o Rabsaqué para sitiar e tomar a cidade de Jerusalém. Senaqueribe declara, segundo o Cilindro Taylor, que recebeu 800 talentos de prata, mas é provável que êle tenha incluído o valor do enorme despojo que levou.

As palavras “ e chamaram o rei” em II Reis 18:18, omitem-se no princípio dêste verso 3. Eliaquim, filho de Hilquias, o mordomo (Çp. 22:15,20). Assim, Eliaquim ocupa neste tempo a posição ocupada por Sebna no reino de Acaz. No reino de Ezequias, nesta ocasião, Sebna é apenas o escrivão.

4. E o Rabsaqué lhes disse: Dizei a Ezequias: Assim diz oo grande rei, o rei da A ssíria : Que con fiança é esta em que te estribas?

5. P en sas tu que apenas palavras são estratégia e poder para guerra? Em quem , pois, agora confias, visto que te tens rebelado contra m im?

6. Eis que con fias no Egito, êsse bordão de cana quebrada, o o qual entrará e traspassará a mão de qualquer homem que se apoiar nêle. Assim é Faraó, rei do Egito, para com todos os que nêle con fiam .

Assim o Rabsaqué pergunta sarcàsticamente, aos representantes do rei Ezequias, a base da sua confiança na rebelião contra o poder da Assíria. Assim diz o

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grande rei. Assim o Rabsaqué começa o seu argumento, de que o único recurso para o rei Ezequias é a submis­são incondicional ao grande rei.

O texto da primeira parte do verso 5 não está mui­to claro, e as versões em português variam na tradução. A Brasileira segue mais de perto o hebraico, mas não o reconhece como pergunta. Certamente, não pensas que meras palavras constituem o poder na guerra. Qual é a base, então, da tua confiança, em quem estás con­fiando, visto que te tens rebelado contra mim? Certa­mente, palavras não servem com o estratégia na guerra, e a gabolice não tem poder militar. O Rabsaqué se refere não somente à rebelião de Judá contra a Assíria (II Reis 18:7), mas também à recusa de entregar a cida­de (II Reis 18:14 e seg .), depois de haver entregado a Senaqueribe o pesado tributo. A Assíria evidentemente tinha resolvido esmagar o espírito dos judeus.

Eis que confias no Egito, êsse bordão de cana que­brada. Esta declaração derrogatória a respeito do Egi­to como aliado dos judeus era bem fundada. Isaías ti­nha declarado repetidamente que o auxílio do Egito não tinha valor algum (30:3, 5, 7 ). O Egito é traidor, bor­dão de cana quebrada, e traspassará a mão de qualquer homem que se apoiar nêle. O Rabsaqué sabia tocar efetivamente na fraqueza da posição dos judeus. Estas palavras de escárnio feriram profundamente os morado­res de Jerusalém. Os judeus não podiam deixar de re­conhecer a verdade de tudo que o assírio disse sôbre a infidelidade do Egito. Ao mesmo tempo podiam se lem­brar de que a Assíria era tão infiel, e muito mais crucl do que o Egito.

7. Mas se me disseres: Confiam os no Senhor, o nosso Deus, não é êsse aquêle ou jos altos e altares Ezequias rem oveu, dizendo

a Judá e Jerusalém : Perante êste altar adorareis?

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8. Ora, pois, em penha-te com meu senhor, rei da Assíria, e dar- te-ei dois mil cavalos, se da tua parte puderes achar ca v a ­leiros para os montar.

9. Como então poderás afugentar um só capitão entre os me­nores dos servos do meu senhor, quando confias no Egito para obteres carros e cavaleiros?

10. A caso subi eu agora sem o Senhor contra esta terra, para a destruir? Pois o Senhor mesm o me disse: Sobe contra a terra, e destrói-a.

No verso 7 o Rabsaqué prossegue com o seu argu­mento, declarando que o próprio Javé, o Deus de Israel, era incapaz de ajudar o seu povo nesta crise.

Se me disseres: Confiamos no Senhor, o nosso Deus. Ao mesmo tempo que o Rabsaqué se mostra incapaz de entender a profunda significação desta fé dos judeus no Senhor, ele demonstra astúcia e entendimento na expli­cação da fraqueza dessa confiança religiosa, especial­mente nas circunstâncias da ocasião. Na sua reforma religiosa, o rei Ezequias mandou destruir os altos e os santuários estabelecidos em vários lugares de Judá, por­que eram dedicados mais aos deuses dos cananeus, do que ao Senhor Deus de Israel. Muitos judeus ficaram insatisfeitos pela destruição dos seus altares dedicados aos deuses mais tolerantes dos seus pecados do que o Senhor Javé. Os assírios, nada sabiam da religião es­piritual dos judeus que proibia tais altares (II Crôn. 32:12); mas, informado da insatisfação do grupo que lamentava a perda dos seus altares, o Rabsaqué apro­veitou-se dêste fato para dizer, ou indicar, que os judeus seriam mais felizes sob o governo da Assíria do que no domínio de Ezequias.

Empenha-te, ou faze uma aposta com meu senhor. Assim, o mensageiro dos assírios escarnece da fraqueza militar de Judá perante o poderoso exército da Assíria. Dar-te-ei dois mil cavalos, se puderes achar cavaleiros

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para os montar. Esta proposta irrisória foi especial­mente humilhante para a partida militar de Judá, tão fraca em tôdas as forças de guerra (30:16; 31:1, 3 ).

O poder de Ezequias era tão fraco que não podia afugentar um só capitão entre os mais fracos do exér­cito da Assíria, nem mesmo se pudesse obter carros e cavaleiros do Egito. Como então se explica que êle te­nha a ousadia de desafiar o grande e poderoso rei Se- naqueribe ?

Acaso subi eu agora sem o Senhor contra esta ter­ra? Esta pretensão de ter recebido diretamente do Se­nhor a comissão de subir contra Judá e destruí-la não parecia inacreditável aos judeus nas circunstâncias his­tóricas. É ptíssível que o assírio tivesse ouvido alguma cousa a respeito das profecias de Isaías sobre a sujei­ção de Judá ao poder da Assíria (Cp. 7:17; 10:5-11). Mas está falando sem conhecimento do propósito e do poder do Criador de tôda sas nações (Ver 37:6, 7, 21-35).

11. Então, disseram Eliaquim, Sebna e Joá ao Rabsaqué: R oga­m os que fales aos teus servos em aram aico, pois nós o e n ­tendem os, e não nos fales em judaico, aos ouvidos do povo que está sôbre os muros.

12. Mas o Rabsaqué lhes respondeu: Porventura, o meu senhor m andou-m e para d izer-te estas palavras a ti som ente e ao teu senhor, e não antes aos que estão assentados sôbre os muros, que estão destinados a com er convosco o seu próprio excrem ento e bsber a sua própria urina?

13. Então o Rabsaqué se pôs em pé, e clam ou em alta voz em judaico, e disse: Ouvi as palavras do grande rei, o rei da A ssíria !

14. Assim diz o rei: Não vos engane Ezequias; porque êle não vos poderá livrar.

Apavorados pelas palavras horrendas do assírio, os ministros do rei Ezequias rogaram-lhe que falasse na lín­gua aramaica, e não em judaico para que os homens

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nos muros não o entendessem. Mas o diplomata astuto e sem escrúpulos, percebe logo o mêdo terrível do povo da cidade, e declara que o seu senhor o mandou para ex­plicar ao público a vantagem de entregar-se voluntaria­mente ao grande rei, e assim evitar os horrores do sí­tio de Jerusalém, comendo o seu próprio estêrco e beben­do a sua própria urina.

A língua siríaca, ou aramaica, era o meio de co­municação internacional 110 oeste da Ásia, especialmen­te entre os comerciantes. Mas para os judeus a língua da Assíria era abominável (Cp. 28:11; 33:19). Mas o povo de Jerusalém em geral, como os homens assenta­dos nos muros, evidentemente não conheciam o siríaco. O Rabsaqué sabia falar fluentemente o judaico. Passa­ram mais de 25 anos desde o tempo quando Acaz fêz a fatal aliança com a Assíria, mencionada no cap. 7. Du­rante êste período as autoi'idades da Assíria mantinham relações constantes com Judá, interessando-se nos ne­gócios comerciais e políticos do povo. Havia, sem dúvi­da, numerosos assírios, como o Rabsaqué, que conhe­ciam a língua judaica. Assim, o pedido de Eliaquim mostrou ao assírio o espírito apavorado dos habitantes de Jerusalém. Começa, então, a falar como se fôsse enviado p a r a dirigir a sua mensagem ao povo, e não a Ezequias. Não vos engane Ezequias; porque êle não vos poderá livrar.

15. Nem tam pouco Ezequias vos faça con fiar no Senhor, d izen ­do: O Senhor certam ente nos livrará; esta cidade não será entregue nas mãos do rei da Assíria.

16. Não deis ouvidos a Ezequias; pois assim diz o rei da A ssí­ria : Fazei as pazes com igo, e vinde a m im ; então cada um de vós com erá da sua própria vide, e da sua própria figueira, e cada um de vós beberá da água da sua própria cisterna;

17. até que eu venha, e vos leve para uma terra com o a vossa ; terra de cereal e de vinho, terra de pão e de vinhas.

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Assim, o Rabsaqué procede no seu esfôrço de pei- suadir os mensageiros de Ezequias que seria um gran­de êrro a recusa de entregar voluntàriamente Jerusalém ao grande e “ benévolo” rei da Assíria. Nem tampou­co Ezequias vos faça confiar no Senhor. Ainda em linguagem diplomática, o mensageiro de Senaqueribe assim despreza a fraqueza de Ezequias e a vaidade de confiar no Deus dos judeus. À luz dos fatos, como é que o povo pode manter confiança no poder de Eze­quias, ou no auxílio do seu Deus? Que base têm êstes que dizem: O Senhor certamente nos livrará; esta cidade não será entregue nas mãos do rei da Assíria? Estas pala­vras, proferidas com orgulho e arrogância, tornaram-se mais tarde as mais irônicas na história da queda do po­deroso império da Assíria. Nem sempre se verifica tão claramente a recompensa daqueles que zombam do povo de Deus. Mas o Senhor, na sua benévola providência, sempre cuida do seu reino entre o seu povo, ainda nas vicissitudes mais ameaçadoras da História.

Em vez de dar ouvidos a Ezequias, fazei as pazes com igo. A palavra (’DH.S , traduzida por paz ou paZés,

T T :

significa bênção. Mas, segundo o ponto de vista do as­sírio, a aliança, vinde a mim, seria uma fonte de bên­ção (Cp. I Sam. 25:27).

Vinde a mim, e cada um de vós comerá da sua pró­pria vide. Assim, êle indica claramente que o povo será deportado, de acôrdo com a política da Assíria, mas co­merá bem e será feliz na sua nova terra. Mas esta des­crição das bênçãos que o povo experimentará no cati­veiro não concorda com os fatos que o povo conhecia a respeito dos outros povos deportados pela Assíria. 0 orador astuto afirma que a Assíria trata muito bem as nações que se entregam voluntàriamente ao poder da Assíria. Os judeus bem sabiam do tratamento das na­

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ções como Israel, que resistiam ao domínio da Assíria. Mas à luz da História, a Assíria já era bem conhecida como a exterminadora das nações que conquistava.

18. A cautela i-vos para que não vos engane Ezequias, dizendo: O Senhor nos livrará. Acaso os deuses das nações livraram cada um a sua terra das mãos do rei da A ssíria?

19. Onde estão os deuses de Hamate e de A rpade? Onde estão os deuses de Sefarvaim ? Acaso livraram êles a Sam aria da minha mão ?

20. Quais são, dentre todos os deuses dêstes países, os que livra­ram a sua terra das minhas mãos, para qu« o Sanhor livrasse

a Jerusalém das minhas m ãos?21. Êles, porém, se calaram , e não lhe responderam palavra;

porque assim lhes havia ordenado o rei, dizendo: Não lhe respondereis.

22. Então Eliaquim, filho de Hilquias, o m ordom o, e Sebna, o escrivão, e Joá, filho de Asafe, o cronista, rasgaram suas v e s ­tes, vieram ter com Ezequias, e lhe referiram as palavras do Rabsaqué.

Com o fingimento de generosidade da Assíria no acolhimento dos povos subordinados, o tigre mostra os dentes em versos 18 a 19. Não vos engane Ezequias, di­zendo: O Senhor nos livrará. Se o deus de Judá não apoiar a invasão da sua terra pelos assírios, que é que êle pode fazer? Que fêz para salvar a nação de Israel do meu poder?

Onde estão os deuses de Hamate e de Arpade? Ver10:0, sôbre Hamate. Arpade é sempre mencionada com Hamate, e provavelmente ficava entre Hamate e Damas­co. Sefarvaim é geralmente identificada com Sibraim, destruída por Salmanaser V, (Ver Ez. 47:16), entre Da­masco e Hamate. A Septuaginta, II Reis 18:34, diz: ©ade estão os deuses da terra de Samaria? À luz das experiências das terras conquistadas pelo poder inven­cível da Assíria, o Rabsaqué repete a admoestação con­

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tra as esperanças vãs de Judá. Não nega a existência dos deuses destes países, simplesmente explica a sua im­potência perante o poder superior do deus da Assíria, Isaías tinha profetizado a conquista das nações mencio­nadas nos versos 18 e 19 (10:7-11).

Êles, porém, se calaram, . . . vieram ter com Eze- quias, e lhe referiram as palavras do Rabsaqué. Eze- quias mostrou-se sábio, proibindo que os seus mensagei­ros respondessem ao Rabsaqué. Nestes momentos tão sérios e tão significativos na história do povo de Deus, somente aquêle que podia falar com autoridade deve responder à mensagem arrogante do poderoso rei da As­síria .

1. Tendo ouvido isto, o rei Ezequias rasgou os seus vestidos, cobriu -se de saco e entrou na casa do Senhor.

2. Então, enviou Eliaquim, o m ordom o; e Sebna, o escrivão, e os anciãos dos sacerdotes, vestidos de saco, ao profeta isaías, filho de Amoz.

3. E êstes lhe disseram : Assim diz Ezequias: Êste dia é dia de angústia, de reprovação e de opróbrio ; porque chegados são os filhos ao parto, e não há fôrça para os dar à luz.

4. Porventura, o Senhor teu Deus terá ouvido as palavras do Rabsaqué, a quem enviou o rei da Assíria, seu senhor, para afrontar o Deus vivo, e repreenderá as palavras que o Se­nhor teu Deus tem ouvido; levanta, pois, a tua oração a favor do re‘stante que ficou.

Depois da entrevista dos ministros judaicos com o oficial do rei Senaqueribe, êles vieram ao rei Ezequias, e lhe apresentaram o seu relatório. Ezequias, com seu ponto de vista político, havia chegado a reconhecer o perigo terrível da situação para êle e para a sua cidade de Jerusalém. Rasgou os vestidos, cobriu-se de saco e entrou na casa do Senhor. Assim pesaroso e abalado pelo fracasso da sua política, como rei do seu povo, e achan­do-se no templo, finalmente se lembrou da promessa que

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o Senhor tinha feito a Salomão, de ouvir as orações do seu povo, oferecidas naquele lugar (I Reis 8:29) .

Ezequias também enviou ao profeta Isaías, filho de Amoz, mensageiros que tiveram a entrevista com o ofi­cial de Senaqueribe, Eliaquim e Sebna, juntamente com os anciãos dos sacerdotes. O fato de que Sebna faz par­te desta comissão enviada a Isaías indica a vitória m o­ral do profeta (Cp. 22:15-20). A referência aos sacer­dotes como membros da comissão é interessante. A frase os anciãos dos sacerdotes se encontra também em Jer. 19:1. Aparentemente, significa os mais respeitados dos sacerdotes por causa da idade e experiência. Com o fracasso dos seus planos políticos, o rei Ezequias, bem intencionado, mas sem profundo entendimento da polí­tica, finalmente reconheceu o conselho do profeta Isaías como a última esperança de salvar-se a si mesmo, bem como o seu pequeno reino do poder do grande Império da Assíria.

Assim diz Ezequias: Êste dia é dia de angústia, de reprovação e do opróbrio. Dia de angústia, m X refere-se

apenas nos judeus. A reprovação,nrD ifl, vem do SenhorT ♦'

por intermédio dos assírios. O opróbrio representa o sen­timento dos assírios a respeito de Judá e do seu Deus. Mas êste mesmo opróbrio, ITSfcW caiu sôbre o arrogante

t t :

rei Senaqueribe e o' seu povo. Chegados são os filhos do parto, e não há força para os dar à luz. Esta é uma de­claração proverbial para descrever uma crise perigosa, quando não há fôrça aparente para vencê-la (66:fi; Os. 13:13).

No verso 4 os mensageiros do rei apresentam timida­mente o seu pedido ao profeta. O pedido refere-se a duas cousas importantes. Porventura. Êles queriam saber

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com certeza se o Senhor ouviu as palavras de blasfêmia do Rabsaqué. O Senhor está tomando em consideração esta afronta à sua autoridade com o o Deus vivo, o Cria­dor supremo de tôdas as nações? O teu Deus não repre­enderá estas palavras de blasfêmia que ouviu? E o nosso rei, ó Isaías, mensageiro do Senhor, pede que tu levantes a tua oração a favor do restante que ficou . A palavra restante, ÍTHNttf, não , como em 7:3; 10:20-23, nãose refere aqui ao restante dos fiéis do povo do Senhor.

B. O Rei Ezequias Recebe o Conselho de Isaías, 37:5-7

5. E vieram os servos do rei Ezequias a ter com Isaías.6. E Isaías lhes disse: Dizei isto ao vosso senhor: Assim diz o

Senhor: Não tem as por causa das palavras que ouviste, com as quais os servos do rei da Assíria de mim blasfem aram .

7. Eis que meterei nêle um espírito, e êle ouvirá um rumor e voltará para a sua terra ; e eu fá -lo -e i cair m orto à espada na sua própria terra.

Aparentemente, o verso 5 está subordinado ao v. 6: “ E quando vieram os servos do rei . . . Isaías lhes disse.”

Nos versos 6 e 7 o profeta inspirado promete mais do que o rei havia pedido. Na comunhão constante com o Senhor, Isaías já conhecia o propósito de Deus a res­peito de Jerusalém nessa crise terrível, não somente para Jerusalém, mas também para o futuro do reino de Deus. Vós, mensageiros do rei Ezequias, podeis transmitir esta promessa do Senhor: Não temas por causa das palavras dêstes servos (meninos, )do rei da Assíria. Sião

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é inviolável! Êstes rapazes arrogantes vão ficar pasma­dos pela fraqueza militar do rei da Assíria perante o po­der do Senhor de quem êles blasfemaram.

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Meterei nêle um espírito, um espírito de mèdo e de humilhação em lugar do seu espírito de orgulho e arro­gância . Êlle ouvirá um rumor e voltará para a sua terra. Ouvindo da perturbação política na Babilônia, Senaque- ribe partiu apressadamente da Palestina, mas a maior parte do seu poderoso exército pereceu na Palestina (Ver o verso 36).

C. A Carta do Rei da Assíria, 37:8-13

8. Voitou, pcis, o Fiabsaqué, e achou o rei da Assíria pelejando contra Libna; porque ouvira que o rei já se havia retirado de Laquis.

9. Então ouviu o rei dizer a respeito de T íraca, rei da Etiópia: Saiu para pelejar contra t i . Quando ouviu isto, enviou m en ’ sageiros a Ezequias, dizendo:

10. Assim fa 'arei a Ezequiel, rei de Judá: Não te enqane o teu Deus, no qual tu estás con fiando, d izendo: Jerusalém não será entregue nas mãos do rei da Assíria.

11. Eis que tu tens ouvido o que fizeram os reis da A ssíria a tôdas as terras, destruindo-as totalm ente. E tu te livrarás?

12. Porventura as livraram os deuses das nações que meus pais destruíram , Gozã, Harã e R ezefe; e os filhos de Éden, que estavam em Telassar?

13- Onde está o rei de Hamate, e o rei de Arpade, e o rei da cidade de Sefarvaim, de Hena ou de ]va?

Èste versículo 8 varia muito pouco de II Reis 19:9. Enquanto os mensageiros do rei Ezequias tinham a sua entrevista com o profeta Isaias, o Rabsaqué voltou ao seu rei Senaqueribe que estava pelejando contra Libna, mais uma das cidades fortificadas de Judá. Libna ao norte de Laquis, era uma cidade bem fortificada, capturada por Josué (Jos. 10:29). Na divisão da terra foi entre­gue à tribo de Judá, e mais tarde aos descendentes de Arão, como uma das cidades de refúgio (Jos. 21:13; I Crôn. 6:57) .

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Quando Senaqueribe recebeu o relatório do seu men­sageiro, que tinha procurado persuadir os mensageiros de Ezequias a entregar-lhe voluntàriainente a cidade de Jerusalém, êle não podia atacar imediatamente a cida­de, porque tinha ouvido que Tiraca, rei da Etiópia, ha­via saído para pelejar contra êle. Neste tempo Tiraca era príncipe da Etiópia, mas ocupou o trono c. 670 como o terceiro rei da vigésima-quinta dinastia egípcia. Se­naqueribe pensava que já era rei da Etiópia.

Não podendo executar imediatamente a sua arro­gante ameaça contra Jerusalém, o rei Senaqueribe es­creveu uma carta ao rei Ezequias. Considerando as cir­cunstâncias, não há razão de duvidar de que o rei da Assíria apresentou êste segundo apêlo para que Ezequias rendesse voluntariamente a cidade. É evidente que o exército de Senaqueribe tinha exercido grande esfôrço na ocupação da terra de Judá, pois Libna ainda estava lutando contra êle. Tinha resolvido não deixar a forta­leza de Jerusalém, mas quis tomá-la com o mínimo es­fôrço possível. Uma inscrição de Senaqueribe indica que estava sitiando a Jerusalém quando escreveu esta carta. Êle repete, na sua carta, substancialmente os ar­gumentos e as ameaças do Rabsaqué. Mas impressio­nado com a confiança de Ezequias no auxilio do seu Deus, Senaqueribe acrescenta a admoestação de que êle não deve ficar enganado, confiando no seu Deus, e di­zendo: Jerusalém não será entregue nas mãos do rei da Assíria. O Rabsaqué tinha representado Ezequias como enganador do seu povo. Pergunta Senaqueribe, no verso11, se é possível que Ezequias, sabendo do poder e da história da Assíria na destruição total de nações, ainda pensa que pode livrar-se de tal poder.

Além das nações destruídas totalmente pelo poder da Assíria, mencionadas pelo Rabsaqué, Senaqueribe adiciona também Gozã, Harã, Rezefe, Éden. Hena ou

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Iva. Gozã era cidade à margem do rio Habor, tributá­rio do Eufrates. Ficava ao noroeste de Ninive (II Reis 17:6; 19:12; I Crôn. 5 :26). Harã era a cidade de Tera e Abrão. ao norte da Mesopotâmia, na região de Padã- Arã. É lugar importante na história do povo hebraico (Gên. 11:31; 12:5; cps. 28 e 29; II Reis 19:12). Rezefe era uma cidade comercial de importância na Assíria, ainda não identificada (II Reis 19:12). Éden foi uma seção da Mesopotâmia. Ezequiel fala de mercadores de Éden que negociavam com Tiro (27:23). Nada se sabe de Hena ou Iva.

D. A Oração de Ezequias, 37:14-20

14. Ezequias recebeu a carta da mão dos m ensageiros, e a leu. Então, Ezequias subiu à casa do Senhor, e estendeu a carta perante o Senhor.

15. E Ezequias orou ao Senhor, dizendo:

16. Ó Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, que estás entronizado acim a dos querubins, tu és o Deus, tu som ente, de todos os reinos da terra ; tu fizeste os céus e a terra.

17. Inclina, ó Senhor, o teu ouvido, e ou ve; abre, Senhor, os teus olhos, e vê ; ouve tôdas as palavras de Senaqueribe, as quais mandou para afrontar o Deus vivo.

18. Verdade é, Senhor, que os reis da Assíria têm assolado todos os países e suas terras,

19. e lançaram no fog o os deuses dêles, pois deuses não eram, senão obra de mãos de homens, madeira e pedra; por isso, foram destruídos.

20. A gora, pois, ó Senhor, nosso Deus, livra-n os das mãos dêle, para que todos os reinos da terra saibam que só tu és o Senhor.

Os versos 14-20 descrevem as circunstâncias e o pe­dido da oração do rei Ezéquias, que ofereceu ao Deus vivo no Templo, logo depois de receber a carta blasfema do rei Senaqueribe. Depois de ler o documento, o rei

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entrou na casa do Senhor, e estendeu a carta perante o Senhor. Desenrolou a carta, um ato simbólico, chaman­do a atenção do Senhor à arrogância e a blasfêmia do rei da Assíria. Na insurreição dos macabeus, os judeus, nas suas orações, estenderam uma cópia da lei, desfigu­rada pelos inimigos com desenhos idólatras, como tes­temunho das blasfêmias contra a sua religião, I Mac. 3:48.

Alguns críticos modernos levantam dúvidas sôbre se o rei Ezequias podia ter oferecido ao Senhor uma oração tão maravilhosa como esta. É verdade que não tinha a fé tão profundamente fundada com o a de Isaías quando fêz a aliança política com o Egito. Ao mesmo tempo, era homem sinceramente religioso, e tinha esta­belecido uma grande reforma religiosa na sua terra. Ti­nha recebido muita influência religiosa dos ensinos do seu profeta Isaías. Com a carta blasfema de Sena- queribe nas mãos, surgiu no seu espírito o mais profun­do sentimento de dependência e de fé no Senhor Javé, o Deus vivo de Israel, em contraste com a impotência dos ídolos feitos pelas mãos do homem.

O Deus de Israel, o Senhor dos Exércitos, é o Deus de tôdas as cousas nos céus e na terra. Tu que estás entronizado acima dos querubins, tu és Deus, tu somen­te (Cp. I Sam. 4:4; II Sam. 6:2; Sal. 80:1). Refere-se aos dois querubins nas duas extremidades do propiciató­rio (Êx. 25:18:23) . Ezequias estava pensando, sem dú­vida, na promessa divina de Êx. 25:21-22: “ Ali virei a ti, e de cima do propiciatório, do meio dos dois queru­bins que estão sôbre a arca do testemunho, falarei con­tigo acêrca de tudo o que eu te ordenar para os filhos de Israel.” Tu és o Deus, tu somente. Ezequias cita estas palavras das ações de graças de Davi (II Sam . 7 :28), nas quais êste declarou a fé no cumprimento da gloriosa pro­messa que acabara de receber do Senhor nos versos

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12-17. 0 Rabsaqué e Senaqueribe tinham falado dos deuses dos vários países que os assírios tinham assolado. Ezequias afirma que o Senhor Javé não é meramente Deus, mas o Deus de tôdas as nações. Tu fizeste os céus e a terra. A doutrina da criação é básica e fundamental na religião dos judeus; doutrina que logicamente exòlui a existência de quaisquer outros deuses.

No verso 17 Ezequias pede fervorosamente que o Senhor ouça tôda sas palavras de blasfêmia que Sena­queribe lhe mandou para afrontar o Deus vivo. Tôdas as atividades do Senhor na história do seu povo, e tôdas as manifestações do seu cuidado e do seu amor imutá­vel, na orientação do seu povo no cumprimento da sua missão mundial, testificam que o Senhor Javé é o Deus vivo. 0 Deus v ivo,’’n é o Deus eterno, o Deus

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imutável, a fonte de tôdas as formas de vida.Os reis da Assíria têm assolado, !Q 'v"irin, todos os

países, ou nações (Cp. II Reis 19:17; Is. 42:15; 49:17; Juí. 16:24). Êste poder destruidor da parte da Assíria e de outros inimigos foi uma admoestação terrível para o rei Ezequias, mas êle teve a galhardia e a coragem de crer no poder supremo do Deus vivo, o Salvador de Sião, e do seu povo escolhido para servir o seu eterno propó­sito .

Senaqueribe falava arrogantemente dos deuses que tinha lançado no fogo, indicando que faria a mesma cousa com o deus de Israel. Ezequias reconheceu que Senaqueribe podia pegar nas mãos êstes deuses de ma­deira e pedra e lançá-los no fogo, porque não eram deu­ses, mas simplesmente pedaços de madeira e pedra. Fei­tos pelo homem, foram destruídos pelas mãos do ho­mem. Mas a esperança de Israel se firmava no Senhor Javé, o Deus vivo.

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ó Senhor, nosso Deus, livra-nos das mãos dêle, por­que tu és a nossa única esperança. Não queremos cair no poder dêste destruidor de nações. Mas, além disto, queremos que todos os reinos da terra saibam que só tu és Deus. Assim, o rei termina esta oração transordiná- ria .

2 1 . E n t ã o , I s a i a s , f i l h o d e A m o z , m a n d o u d i z e r a E z e q u i a s : A s s i m

d i z o S e n h o r , o D e u s d e I s r a e l : P o r q u a n t o m e p e d i s t « a c ê r c a

d e S e n a q u e r i b e , r e i d a A s s í r i a ,

2 2 . e s t a é a p a l a v r a q u e o S e n h o r f a l o u a r e s p e i t o d ê l e :

A v i r g e m , f i l h a d e S i ã o ,

t e d e s p r e z a , e z o m b a d e t i :

a f i l h a d e J e r u s a l é mm e n e i a a c a b e ç a p o r d e t r á s d e t i .

2 3 . A q u e m a f r o n t a s t e e d e q u e m b l a s f e m a s t e ?

C o n t r a q u e m a l ç a s t e a v o z , , .

e a r r o g a n t e m e n t e e r g u e s t e o s o l h o s ?

C o n t r a o S a n t o d e I s r a e l !

2 4 . P o r m e i o d o s t e u s s e r v o s a f r o n t a s t e o S e n h o r ,

e d i s s e s t e : C o m a m u l t i d ã o d o s m e u s c a r r o s

s u b i a o c u m e d o s m o n t e s ,

a o s ú l t i m o s r e c e s s o s d o L í b a n o ;

d e i t e i a b a i x o o s s e u s a l t o s c e d r o s ,

o s s e u s c i p r e s t e s e s c o l h i d o s ;

c h e g u e i a o s e u c u m e m a i s e l e v a d o ,

à s u a m a i s d e n s a f l o r e s t a .

Nos versos 21-35, o Senhor responde à oração de Ezequias pelo profeta Isaias. Êste oráculo é semelhante à predição da ruína da Assíria em 10:5-16. A primeira divisão da mensagem, 22-29, na linguagem poética, es­carnece do orgulho e da humilhação pendente de Sena­queribe. Segue-se nos versos 30-32 uma breve mensa­gem dirigida a Ezequias, uma predição definida do li­vramento de Jerusalém. O assírio não entrará na cida­de de Jerusalém, mas voltará para a sua terra pelo ca­minho por que veio.

O verso 21 varia pouco da mesma declaração emII Reis li9:20, mas o sentido é o mesmo, e bem claro.

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A poesia sôbre Senaqueribe nos versos 21-29, escri­ta na linguagem poética de elegia, é realmente um cân­tico escarnecedor sôbre o assírio, o blasfemador do San­to de Israel. Jerusalém vai testemunhar a retirada do traidor que tinha recebido um grande tributo de Eze­quias para abandonar o sítio de Jerusalém, e depois quis exigir a entrega incondicional da cidade. 0 profeta está antecipando o que vai acontecer dentro em breve. A virgem filha de Sião te despreza, e meneia a cabeça por detrás de ti em zombaria (Cp. Sal. 22:7; Jer. 18:16).

No verso 23 o profeta dirige três perguntas ao rei Senaqueribe: Contra quem blasfemaste? Contra quem alçaste a voz? Contra quem ergueste os olhos? Estas perguntas indicam a ignorância e a tolice de Senaqueri­be no seu modo arrogante e hipócrita de tratar com o povo de Israel. O poderoso guerreiro tinha que sofrer a frustração, o fracasso e a humilhação das mãos do Deus de Israel, de quem blasfemara.

No verso 24 o profeta representa corretamente o es­pírito vaidoso de Senaqueribe. Encontram-se nas inscri­ções do próprio Senaqueribe estas declarações citadas pelo profeta. Assim se ufanou do seu poder de conquis­tar tão fàcilmente os lugares fortificados das várias na­ções que tinha subjugado.

2 5 . E u t e n h o c a v a d o

e b e b i d o a g u a s ,

e c o m a s p l a n t a s d e m e u s p é s

s e q u e i t ô d a s a s c o r r e n t e s d o E g i t o .

2 6 . A c a s o n ã o t e n s o u v i d o

q u e h á m u i t o d e t e r m i n « i i s t o ,

e o p l a n e j e i d e s d e o s d i a s a n t i g o s ?

A g o r a , p o r é m , o f a ç o e x e c u t a r ,

q u e t u r e d u z i s s e s c i d a d e s f o r t i f i c a d a s

a m o n t õ e s d e r u í n a s .

E- 0 Profeta Conforta a Ezequias, 37:21-29

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A PROFECIA DE ISAÍAS 447

2 7 . P o r i s s o , o s s e u s m o r a d o r e s , d e b i l i t a d o s ,

f i c a m p a s m a d o s e c o n f u n d i d o s ,

t o r n a m - s e c o m o a e r v a d o c a m p o ,c o m o a e r v a v e r d e , ' ' '

e c o m o o c a p i m d o s t e l h a d o s ,

q u e i m a d o a n t e s d e a m a d u r e c e r .

2 8 . M a s e u c o n h e ç o o t e u a s s e n t a r ,

o t e u s a i r e o t e u e n t r a r ,

e o t e u f u r o r c o n t r a m i m .

2 9 . P o r q u e t e n s f i c a d o f u r i o s o c o n t r a m i m ,

e a t u a a r r o g â n c i a s u b i u a t é a o s m e u s o u v i d o s ,

e i s q u e p o r e i o m e u a n z o l n o t e u n a r i z

e o m e u f r e i o n a t u a b ô c a ,

e t e f a r e i v o l t a r n o c a m i n h o

p e l o q u a l v i e s t e .

Se as declarações do verso 25 representam o plano de Senaqueribe de invadir e conquistar o Egito, êsíe so­nho nunca foi realizado.

Nos versos 26-29 o profeta explica que Senaqueri­be pensava que havia conquistado estas várias nações pelo seu próprio poder, ao passo que tinha sido apenas um instrumento nas mãos de Deus (Cp. 10:5-15). A tua consciência nunca reconheceu que o Senhor Todo-pode- roso dirige os movimentos da História? Desde os tem­pos remotos o Senhor Javc determinou e planejou tôdas estas cousas que agora vão sendo executadas. A organi­zação dos planos de Senaqueribe, a sua invasão e devas­tação de terras, e até o seu furor contra o povo de Deus, com tôdas as conseqüências destas atividades, foram previstas e incluídas no plano eterno do Criador e Go­vernador de tôdas as nações.

Mas eu conheço o teu assentar, o teu sair e o teu entrar. Assim, Deus conhecia todos os planos e tôdas às atividades de Senaqueribe, até nos seus pormenores. Mas Senaqueribe, na sua ignorância da providência do Senhor que lhe permitiu as suas conquistas, enfureceu-se contra

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Deus. Portanto, o tempo já chegou para o Senhor pôr fim às conquistas cruéis pelos assirios. Na linguagem figurada, o profeta declara que Senaqueribe receberá o castigo que merece. O Senhor porá um anzol no seu iiariz e um freio na sua bôea, e o conduzirá para a sua terra pelo mesmo caminho pelo qual êle veio na cam­panha destrutiva de nações.

F. Sinal para os Sobreviventes, 37:30-32

3 0 . E i s t o t e s e r á p o r s i n a l : ê s t e a n o c o m e i o q u e n a s c e r p o r s i

m e s m o , e n o s e g u n d o a n o o q u e d a í p r o c e d e r ; e n t ã o n o t e r ­

c e i r o a n o s e m e a i e c o l h e i , p l a n t a i v i n h a s , e c o m e i o s s e u s

f r u t o s .

3 1 . E o r e s t a n t e s o b r e v i v e n t e d a c a s a d e J u d á t o r n a r á a l a n ç a r

r a í z e s p a r a b a i x o , e d a r á f r u t o p o r c i m a ;

3 2 . p o r q u e d e J e r u s a l é m s a i r á u m r e s t a n t e , e d o m o n t e S i ã o o

q u e e s c a p o u . O z ê l o d o S e n h o r d o s E x é r c i t o s f a r á i s t o .

Nos versos 30-32 o profeta declara a Ezequias, num oráculo de prosa, que o resultado da invasão dos assí­rios será a desorganização da agricultura de Judá por mais de um ano, mas depois dêste período o restante de Judá se restabelecerá na terra, semeando e colhendo com o nos tempos normais. O cumprimento desta pro­messa será mais uma prova de que o Senhor Javé pla­nejou e executou o livramento do seu povo do poder do inimigo, de acordo com o seu eterno propósito na esco­lha de Israel (Ver Gên. 12:3 e Èx. 19:6). Não se sabe com certeza quanto tempo durou o período da escassez de alimentos na terra devastada, mas certamente foi du­rante o ano da ocupação pelos assírios, e mais o perío­do entre a estação de plantar e colher os frutos da plan­tação .

A frase o que nascer por si mesmo significa a co­lheita escassa produzida pelos grãos ou sementes que

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A P R O F E C IA D E IS A ÍA S 449

caíram na última ceifa (Cp. Lev. 25:5, 11). Não está claro o significado da frase, e no segundo o que daí pro­ceder, mas alguns pensam que se refere às plantas sil­vestres que o povo comia habitualmente.

O restante sobrevivente da casa de Judá era de pro­funda e de eterna importância para o reino de Deus na terra, porque era o único grupo, e a última esperança para o reino futuro do Senhor entre tôdas as nações da terra. Mas êste restante sobrevivente lançará raízes para baixo e dará fruto por cim a.

Como não fo i o poder humano que libertou os fi­lhos de Israel do poder de Faraó, assim não foi qualquer poder humano que libertou a cidade de Jerusalém do poder de Senaqueribe. Foi o poder do Senhor dos Exér­citos, o Deus de Israel, que visava ao cumprimento do seu plano na escolha de Israel. No seu zêlo e no seu amor imutável, o Senhor Javé dos Exércitos libertou o último restante do povo da sua escolha.

G. Mensagem sôbre a Retirada de Senaqueribe, 37:33-35

3 3 . P o r t a n t o , a s s i m d i z o S e n h o r a c ê r c a d o r e i d a A s s i r i a :

Ê l e n ã o e n t r a r á n e s t a c i d a d e ,

n e m a t i r a r á a l i u m a f l e c h a ,

n ã o v i r á p e r a n t e e l a c o m e s c u d o ,

n e m l e v a n t a r á b a l u a r t e c o n t r a e l a .

3 4 . P e l o c a m i n h o p o r o n d e v e i o ,

p e l o m e s m o v o l t a r á ;

m a s n e s t a c i d a d e n ã o e n t r a r á , d i z o S e n h o r .

3 5 . P o i s e u d e f e n d e r e i e s t a c i d a d e , p a r a a l i v r a r ,

p o r a m o r d e m i m e p o r a m o r d o m e u s e r v o D a v i .

Os versos 33-35, na linguagem poética, repetem a promessa em têrmos mais definitivos, de que o Senhor salvará a cidade de Jerusalém em resposta à oração do

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450 A . R. C R A B T R E E

rei Ezequias. O portanto do verso 33 relaciona-se com a frase porquanto me pediste acêrca de Senaqueribe doverso 21.

Alguns dizem que a declaração, não virá perante ela com escudo, nem levantará trincheira contra ela, con­tradiz o fato inegável, e já declarado, de que Jerusa­lém não foi sitiada, mas esta é uma interpretação for­çada da linguagem poética que simplesmente dá ênfase à salvação maravilhosa da cidade.

Sôbre os versos 34 e 35, ver a discussão do versículo 32. A primeira parte do versículo 35 declara que o pro­pósito do Senhor na expulsão do assírio foi a proteção de Jerusalém, a sua cidade inviolável. Mas esta proteção baseia-se também no amor eterno do Senhor, e no pro­pósito revelado na sua promessa ao rei Davi (II Sam. 7:12-16 e I Reis 15:4).

H. O Desastre dos Assírios e a Morte de Senaqueribe,37:36-38

3 6 . E n t ã o , s a i u o a n j o d o S e n h o r , e f e r i u n o a r r a i a l d o s a s s i r i o s

a c e n t o e o i t e n t a « c i n c o m i l ; e q u a n d o s e l e v a n t a r a m p e l a

m a n h ã c e d o , e i s q u e t o d o s ê s t e s e r a m c a d á v e r e s .

3 7 . R e t i r o u - s e , p o i s , S e n a q u e r i b e , r e i d a A s s í r i a , e s e f o i ; v o l ­

t o u e f i c o u e m N í n i v e .

3 8 . S u c e d e u q u e , « s t a n d o ê l e a a d o r a r n a c a s a d e N i s r o q u e , s e u

d s u s , A d r a m e l e q u e e S a r e z e r , s e u s f i l h o s , o f e r i r a m à e s p a ­

d a , e f u g i r a m p a r a a t e r r a d e A r a r a t e ; e E s a r - H a d o m , s e u

f i l h o , r e i n o u e m s e u l u g a r .

O verso 36 descreve a destruição miraculosa do grande exército de Senaqueribe. Heródoto também des­creve o desastre que destruiu o exército de Senaqueribe. Êle declara que o desastre, talvez a peste bubônica, foi causado por ratinhos que roeram as cordas dos arcos dos soldados (Heródoto 2:241).

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A PROFECIA DE ISAÍAS 451

Há muita discussão, de vários pontos de vista, sôbre a destruição do exército de Senaqueribe e a salvação mi­raculosa da cidade de Jerusalém. Mas não obstante as dúvidas que se levantam sôbre os pormenores das nar­rativas, não podem ser negados êstes fatos tão importan­tes da História. Senaqueribe exigiu e recebeu um grande tributo do rei Ezequias, e êle indica que abandonou o sí­tio de Jerusalém por causa dêsse tributo. Alguns críti­cos interpretam II Reis 18:15-16 em favor da narrativa de Senaqueribe, ignorando o verso 17 que indica, à luz de tôdas as referências bíblicas, que Senaqueribe exigiu a entrega da cidade depois de haver recebido o tributo do rei Ezequias. Não há razão de duvidar da história bíblica em favor da narrativa do arrogante e jactancioso assírio.

Por que Senaqueribe abandonou a sua campanha militar e voltou tão apressadamente para a sua terra? E por que não diz nada sôbre a destruição da grande parte do seu exército? 0 vanglorioso Senaqueribe não podia contar quaisquer fatos que refletissem sôbre a sua pessoa ou os seus fracassos. O anjo do Senhor de l i Sam. 24:15 identifica-se com a peste, *0 ^ .

Retirou-se Senaqueribe, e se fo i; voltou e ficou em Nínive. É interessante êste acúmulo de verbos. Alguns pensam que é devido à fusão das duas narrativas neste ponto. É mais provável que os vários termos são usados para dar ênfase ao fracasso de Senaqueribe.

Sucedeu que, estando êle a adorar . . . seus filhos o feriram à espada. Na Crônica Babilónica, 111:34-38, con­ta-se a história da morte de Senaqueribe nas seguintes palavras: No 20 de Tebet, Senaqueribe, rei da Assíria, foi morto pelo filho na revolta. Me reinou 23 anos na Assíria. No dia 18 de Sivã Esar-Hadom subiu ao trono na Assíria. Adrameleque e Sarezer são nomes assírios.

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Segundo a tradição, Adrameleque matou o pai porque tinha estabelecido o filho Esar-Hadom no trono. Esav- Hadom reinou de 681-668.

I. A Doença de Ezequias e a Sua Cura Maravilhosa,38:1-22

1 . N a q u e l e s d i a s E z e q u i a s a d o e c e u d u m a e n f e r m i d a d e m o r t a l .

E v e i o t e r c o m ê l e o p r o f e t a I s a í a s , f i l h o d e A m o z , e l h e

d i s s e : A s s i m d i z o S e n h o r : P õ e e m o r d e m a t u a c a s a ; p o r ­

q u e m o r r e r á s , e n ã o v i v e r á s .

2 . E n t ã o , v i r o u E z e q u i a s o r o s t o p a r a a p a r e d e , e o r o u a o

S e n h o r ,

3 . e d i s s e : L e m b r a - t e , S e n h o r , p e ç o - t e , d e q u e a n d e i d i a n t e d e

t i c o m f i d e l i d a d e , c o m i n t e i r e z a d e c o r a ç ã o , e f i z o q u e e r a

r e t o a o s t e u s o l h o s . E E z e q u i a s c h o r o u c o p i o s a m e n t e .

Naqueles dias. Ê vago o sentido desta frase, quan­to à data da doença de Ezequias, e pode significar ape­nas no tempo do profeta Isaías. Cronologicamente, os fatos contados nos capítulos 38 e 39 aconteceram anles dtís eventos mencionados em 36 e 37. É certo que o rei Ezequias caiu doente, e foi curado, algum tempo antes da invasão de Judá pelo rei Senaqueribe, e antes da vin­da dos mensageiros de Merodaque-Baladã da Babilônia para felicitar o rei por sua cura miraculosa da doença mortal. Merodaque-Baladã governou a província da Babilônia doze anos (721-709), e depois por nove meses (cêrca de 705), no período do reino de Senaqueribe. Al­guns pensam que êstes mensageiros de Merodaque-Ba­ladã vieram a Jerusalém em 711, e assim depois da cura de Ezequias, enquanto outros dizem que o ano 705 é a data mais provável da chegada destes enviados da Ba­bilônia. Portanto, é certo que Ezequias caiu doente cin­co, se não catorze anos, antes da invasão da Fenícia, Judá e Egito, por Senaqueribe em 700.

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A PROFECIA DE ISAÍAS 453

Põe em ordem a tua casa, ou Dá ordem concernen­te à tua casa (Cp. II Sain. 17:23). Assim não se justi­fica a opinião de que a doença de Ezequias foi a praga que matou os soldados de Senaqueribe. Êle sofreu de carbúnculo ou de úlcera, (v. 21).

Virou Ezequias o rosto para a parede, e orou ao Se­nhor. Esta grande experiência de Ezequias com o Se­nhor preparou-o para fazer mais tarde aquela mara­vilhosa oração de 37:14-20. Ficou só com Deus e fa­lou diretamente com êle.

A oração de Ezequias é semelhante às petições que se encontram nos Salmos. O motivo da oração expressa- se claramente nos versos 11, 18 e 19 do Cântico de Gra­ças, 9-20. Enquanto as frases com fidelidade, com in­teireza de coração, e fiz o que era reto aos teus olhos, se usam talvez no sentido relativo; elas descrevem o ho­mem dedicado ao Senhor. Mas Ezequias não reconhe­ceu, como o reconhece o santo do Nôvo Testamento, que nenhum homem é digno do amor e da graça salva­dora de Deus por intermédio de Cristo Jesus.

4 . E n t ã o v e i o a p a l a v r a d o S e n h o r a I s a í a s , d i z e n d o :

5 . V a i e d i z e a E z e q u i a s : A s s i m d i z o S e n h o r , o D e u s d e D a v i ,

t e u p a i : O u v i a t u a o r a ç ã o , e v i a s t u a s l á g r i m a s ; a c r e s c e n ­

t a r e i , p o i s , a o s t e u s d i a s q u i n z e a n o s .

6 . L i v r a r - t e - e i d a s m ã o s d o r e i d a A s s í r i a , a t i e a e s t a c i d a d e , e

d e f e n d e r e i e s t a c i d a d e .

Os versos 4-5 aprestam um exemplo da predição condicional da Bíblia. A primeira palavra que Isaías transmitiu do Senhor a respeito da doença de Ezequias diz positivamente: morrerás e não viverás, mas logo de­pois da súplica de Ezequias, e antes que Isaías tivesse saído da parte central da cidade (II !Reis 20:4), êle re­cebeu uma nova mensagem do Senhor: Volta e dize a

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454 A. R. CRABTREE

Ezequias: Assim diz o Senhor: Ouvi a tua oração, e vi as tuas lágrimas; acrescentarei aos teus dias quinze anos.Descreve-se em II Sam. 7:3-13 a revocação da mensa­gem de Natã a respeito da edificação do Templo do Se­nhor.

O verso 5 é claramente uma abreviação da mensa­gem em II Reis 20:5. A declaração no livro histórico evidentemente preserva o texto original. O Senhor ou­viu a oração e viu as lágrimas de Ezequias, e, por amor do Deus de Davi, concedeu ao rei esta misericórdia es­pecial (Cp. 37:35; II Reis 20:6). Ezequias tinha 25 anos de idade quando começou a reinar (II Reis 18:2), e no décimo quarto ano do seu reino (II Reis 18:13; Is. 36:1) subiu Senaqueribe contra Judá. Com o aumento de mais quinze anos, êle reinou 29 anos em Jerusalém (II Reis 18:2).

O versículo 6 é o único que sugere que a cura de Ezequias aconteceu logo antes da invasão de Senaque­ribe. É claro que interrompe a conexão entre os ver­sos 5 e 7, e a última parte do verso é uma reprodução deII Reis 20:6 e Is. 37:35. A interpolação do verso aqui é mais uma prova de que os capítulos 38 e 39 precederam originalmente os capítulos 36 e 37.

É interessante comparar a passagem paralela e mais elaborada em II Reis 20:9-11: “ Êste te será como sinal da parte do Senhor de que êle cumprirá a palavra que disse: Adiantar-se-á a sombra dez graus, ou os retroce­derá? Então disse Ezequias: É fácil que a sombra adian­te dez graus; tal, porém, não aconteça, antes retroceda dez graus. Então o profeta Isaias clamou ao Senhor; e fêz retroceder dez graus a sombra lançada pelo sol declinante no relógio de A caz.”

Na narrativa de II Reis, a declaração do verso 21 dêste capítulo segue logo depois da declaração do verso 6 onde evidentemente pertence. Foi concedido o sinal

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A PROFECIA DE tSAÍAS 455

que Ezequias pediu (v. 22). Permitido ao rei o privi­légio de escolher entre o milagre de fazer adiantar, ou fazer retroceder a sombra no relógio de Acaz, êle quis ver a sombra retroceder com o sinal mais significativo.

O relógio de Acaz foi evidentemente um relógio- sol marcado na escada, ou nos passos de Acaz. Tenho conhecimento de uma casa com uma marca no soalho na entrada da porta que indicava 12 horas do dia quando a sombra correspondia exatamente com esta linha mar­cada. Evidentemente o relógio de Acaz marcou as horas do dia quando o sol brilhava. Não se sabe quanto tempo um grau no relógio representava. Mas o retrocesso da sombra no relógio certamente representava um milagre. Êste é o único milagre apresentado no livro de Isaías, mas em 7:11 êle convidou o rei Acaz a pedir qualquer sinal que quisesse. Apresenta-se em Josué 10:12-14 um milagre semelhante.

Não obstante as dúvidas levantadas sôbre o senti­do exato da palavra , é certo que o têrmo signi­fica relógio do sol ou sun dial. Assim, o retrocesso da sombra no relógio significava o movimento do sol para trás, o que resultou no aumento da duração do dia. Evidentemente, a sombra no relógio de Acaz podia ser vista claramente do dormitório do rei Ezequias.

7 . Ê s t e t e s e r á o s i n a l d a p a r t e d o S e n h o r , d e q u e o S e n h o r

c u m p r i r á e s t a p a l a v r a q u e f a l o u .

8 . E i s q u e f a r e i r e t r o c e d e r d e z g r a u s a s o m b r a l a n ç a d a p e l o

s o l d e c l i n a n t e n o p e l ô g i o d e A c a z . A s s i m , r e t r o c e d e u o s o l

n o r e l ó g i o o s d e z g r a u s q u e j á h a v i a d e c l i n a d o .

9 . O e s c r i t o d e E z e q u i a s , r e i d e J u d á , d e p o i s d<e t e r e s t a d o

d o e n t e e d e s e t e r r e s t a b e l e c i d o .

1 0 . E u d i s s e : N o p l e n o v i g o r d e m e u s d i a s

t e n h o q u e p a r t i r

e e n t r a r n a s p o r t a s d e S h e o l

p a r a o r e s t o d o s m e u s a n o s .

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456 A . R. C R A B T R E E

1 1 . E u d i s s e : N ã o v e r e i o S e n h o r

n a t e r r a d o s v i v e n t e s ;

j a m a i s v e r e i h o m e m a l g u m

e n t r e o s m o r a d o r e s d o m u n d o .

1 2 . A m i n h a c a s a é a r r a n c a d a e r e m o v i d a d e m i m ,

c o m o a t e n d a d u m p a s t o r ;

e n r o l e i c o m o t e c e l ã o a m i n h a v i d a ;

ê l e m e c o r t a d o t e a r ;

d o d i a p a r a a n o i t e d a r á s c a b o d e m i m .

1 3 . E u c l a m o p e l o s o c o r r o a t é à m a d r u g a d a ;

c o m o l e ã o , ê l e m e q u e b r a t o d o s o s o s s o s ;

d o d i a p a r a a n o i t e d a r á s c a b o d e m i m .

1 4 . C o m o a a n d o r i n h a o u o g r o u , a s s i m e u c h i l r e i o ,

g e m o c o m o p o m b a ;

m e u s o l h o s s e c a n s a m d e o l h a r p a r a c i m a .Õ S e n h o r , a n d o o p r i m i d o , s ê t u o m e u f i a d o r !

Èste poema, geralmente denominado o Cântico de Ezequias, não consta na narrativa paralela de II Reis. É da classe dos salmos conhecidos pelo têrmoDFOÍÍ, mas

t : ■

aqui é denominado o Escrito de Ezequias. É ge-T I '

ralmente reconhecido que Ezequias escreveu o salmo para celebrar o seu livramento das garras da morte. O sentimento do cântico certamente concorda com o espí­rito e o caráter do rei Ezequias.

A poesia divide-se em duas partes: os versos 10-14 descrevem a angústia e o desespêro do autor na presen­ça da morte; os versos 15-20 expressam a profunda gra­tidão do escritor quando recebeu do profeta a promessa divina de mais quinze anos de vida.

O hebraico de alguns versículos da poesia é obscuro, como se pode notar pela diferença nas versões em por­tuguês. No pleno vigor de meus dias traduz bem osentido do hebraico, mas a palavra significa na

• : •

metade, na tranqüilidade, no repouso, no meio-dia. Sheol

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A P R O F E C IA D E IS A ÍA S 457

geralmente significa a sepultura ou o mundo subterrâ­neo, o lugar dos mortos. A morte para Ezequias seria uma grande tragédia, porque não lhe ofereceria qual­quer privilégio de comunicação com os homens na ter­ra, ou de comunhão com Deus. Sheol era o lugar de es­quecimento, onde os seus moradores ficavam entorpe­cidos e silenciosos.

A tragédia da morte, para os hebreus daquele tem­po, v . 11, era a separação da comunidade humana, e a impossibilidade de comunhão com Deus.

É difícil determinar o sentido exato do hebraico dos versos 12 e 13, mas falam do sofrimento e do desespêro do autor. O sentido da frase do dia para a noite é incer­to no seu contexto, mas aparentemente significa que a morte lhe veio muito inesperadamente. Esperando, nas horas longas da noite, a vinda da madrugada, o sofredor chilreia com o pomba, e pede que o Senhor seja o seu fiador. A última parte do verso, a petição, aparentemen­te indica o despertamento de alguma esperança.

1 5 . Q u e p o s s o d i z e r ? P o i s ê l e m e f a l o u ,

e ê l e m e s m o o f ê z .A n d a r e i m a n s a m e n t e p o r t o d o s o s m e u s a n o s ,

p o r c a u s a d a a m a r g u r a d a m i n h a a l m a ,

1 6 . Õ S e n h o r , p o r e s t a s c o u s a s v i v e m o s h o m e n s ,

e e m t ô d a s e s t a s e s t á a v i d a d o m e u e s p i r i t o .

O h ! c u r a - m e e f a z e - m e v i v e r !

1 7 . E i s q u e f o i p a r a m i n h a p a zq u e e u t i v e g r a n d e a m a r g u r a ;

t u , p o r é m , a m a s t e a m i n h a a l m a

e a l i v r a s t e d a c o v a d a d e s t r u i ç ã o ;

p o i s l a n ç a s t e p a r a t r á s d a s t u a s c o s t a s

t o d o s o s m e u s p e c a d o s .

Os versos 15 e 16 são muito difíceis. Os comenta­ristas em geral pensam que o verso 15 introduz a segun­da parte da poesia, mas não concordam na tradução do

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hebraico. A frase êle me falou e êíe mesmo o fêz refe­re-se aparentemente à promessa que tinha recebido do Se­nhor por intermédio do profeta. Andarei mansamente por todos os meus anos expressa uma resolução de agra­decimento. No Sal. 43:4 esta frase significa andar na procissão festiva à casa do Senhor.

O hebraico do verso 16 é certamente quase uma m o­dificação ou variação do texto original. Pelos atos divi­nos a vida dos homens é preservada, e na base dêste pensamento, o sofredor pede o socorro divino, a cura da sua doença e o prolongamento, ou a continuação da sua vida.

Eis que foi para a minha paz, para o meu próprio bem-estar os meus sofrimentos. Assim, o sofredor che­gou a entender uma verdade que é digna de consideração da parte de tôdas as pessoas. Deus às vêzes permite grandes aflições, para que no seu livramento os homens possam compreender melhor o amor imutável do Se­nhor, e assim prestar-lhe mais gratidão, amor e fideli­dade. Restaurado, Ezequias declara que o Senhor tinha perdoado a sua transgressão, pois lançaste para trás das tuas costas todos os meus pecados.

1 8 . P o i s o S h e o l n ã o p o d e l o u v a r - t e ,

n e m a m o r t e t e g l o r i f i c a r ;

a q u é l e s q u e d e s c e m à c o v a

n ã o p o d e m e s p e r a r e m t u a f i d e l i d a d e .

1 3 . O v i v o « o v i v o , ê s s e t e l o u v a r á

c o m o h o j e e u o f a ç o ;

o p a i f a z n o t ó r i o a o s f i l h o s

a t u a f i d e l i d a d e .

2 0 . O S e n h o r m e s a l v a r á ,

e c a n t a r e m o s a o s m e u s i n s t r u m e n t o s d e c o r d a s ,

t o d o s o s d i a s d a n o s s a v i d a ,

n a c a s a d o S e n h o r .

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A PROFECIA DE 1SAÍAS 469

O profeta declara, 18-20, que cânticos de louvor ao Senhor nâo sobem do Sheol, e aquêles que se acham fora da terra dos vivos não podem cantar os hinos de gratidão e louvor ao Deus vivo (Cp. Sal. 6:5; 30:9; 88: 10-12; 115:17). É motivo de profunda gratidão que o servo do Senhor possa experimentar o pleno gôzo de comunhão com Deus aqui na terra. O vivo, o vivo, êsse te louvará. O pai fiel proclama aos seus filhos a mara­vilhosa fidelidade, o amor imutável do Senhor aos seus filhos. Arrastado do poder da morte pelo Senhor, o rei promete louvar a Deus com instrumentos de cordas to­dos os dias da sua vida, na casa do Senhor.

2 1 . O r a , I s a í a s h a v i a d i t o : T o m e m u m a p a s t a d e f i g o s , e a

p o n h a m c o m o e m p l a s t r o s ô b r e a ú l c e r a ; e ê l e r e c u p e r a r á a

s a ú d e .

2 2 . T a m b é m d i s s e r a E z e q u i a s : Q u a l é o s i n a l d e q u e h e i d e s u b i r

à c a s a d o S e n h o r ?

Os versos 21 e 22 aparecem na sua conexão natural em II Reis 20:7,8. Aqui estão claramente fora do seu lugar. É interessante observar que era bem conhecido o valor curativo de um emplastro de figos no tempo de Isaias.

Havendo acreditado na predição da sua morte, e ten­do-a lamentado, era natural que Ezequias pedisse ao pro­feta um sinal de que êle havia de ficar curado, com o grande privilégio de entrar de nôvo na casa do Senhor.

J. A Embaixada de Merodaque-Baladã, 39:1-81 . N a q u e l e t e m p o M e r o d a q u e - B a l a d ã , f i l h o d e B a l a d ã , r e i d a

B a b i l ô n i a , e n v i o u c a r t a e u m p r e s e n t e a E z e q u i a s , p o i s t i n h a

o u v i d o q u e e s t i v e r a d o e n t © e j á t i n h a c o n v a l e s c i d o .

2 . E E z e q u i a s s e a g r a d o u d ê l e s , e l h e s m o s t r o u a c a s a d o s e u t e s o u r o , a p r a t a , o o u r o , a s e s p e c i a r i a s , o a z e i t e p r e c i o s o ,

t o d o o s e u a r s e n a l e t u d o q u a n t o s e a c h a v a n o s s e u s t e s o u ­

r o s . N e n h u m a c o u s a h o u v e , n e m e m s u a c a s a , n e m e m t o d o

o s e u d o m i n i o , q u e E z e q u i a s n ã o l h e s m o s t r a s s e .

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3 . E n t ã o i s a i a s , o p r o f e t a , v e i o a o r e i E z e q u i a s , e l h e d i s s e :

Q u e d i s s e r a m a q u e l e s h o m e n s ? E d o n d e v i e r a m a t i ? R e s ­

p o n d e u E z e q u i a s : D u m a t e r r a l o n g í n q u a v i e r a m a m i m , d e

B a b i l ô n i a .

4 . P e r g u n t o u ê l e : Q u e v i r a m e m t u a c a s a ? R e s p o n d e u E z e ­

q u i a s : V i r a m t u d o q u a n t o h á e m m i n h a c a s a ; c o u s a n e n h u ­

m a h á n o s m e u s t e s o u r o s q u e e u n ã o l h e s m o s t r a s s e .

A vinda da embaixada de Merodaque-Baladã à ci­dade de Jerusalém liga-se à história da doença e da re­cuperação do rei Ezequias. Como já observamos, Mero- daque-Balâdã (Marduk-abal-iddin) era rei sôbre a Babi­lônia, província da Assíria, de 721 a 709, no período do reinado de Sargão, e outra vez, por pouco tempo, em 705, quando Senaqueribe era rei da Assíria, As datas nos tempos antigos do Velho Testamento são complicadas e difíceis. Sabemos que Ezequias viveu quinze anos de­pois da sua convalescença, mas há opiniões diferentes a respeito da sua morte. Alguns fixam a data da sua mor- le como tendo ocorrido em 687, e outros no ano de 696. Se Ezequias faleceu em 696, a data da recuperação da doença seria 711. Ora, Merodaque-Baladã governou a província da Babilônia no período de 721-709. Nesta cronologia, alguns pensam que a embaixada babilónica veio a Jerusalém no ano 711.

Mas seja qual fôr a data, o evento é muito significa­tivo, como o profeta Isaías o reconheceu. Os mensagei­ros de Merodaque-Baladã vieram para congratular-se com o rei Ezequias pela maravilhosa cura da sua doen­ça . Mas não resta dúvida de que Merodaque-Baladã, no seu desejo de ficar livre do poder da Assíria e de forta­lecer e estender o poder do seu governo, estava pro­curando estabelecer aliança política com Judá. A cura de Ezequias e as intrigas da Babilônia aparentemente aconteceram enquanto Sargão estava reinando sôbre a

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Assíria, e antes do seu castigo da Filístia. Sargão de­clara que Judá, juntamente com os estados vizinhos, trouxe presentes ao seu senhor Assur. Judá foi poupado nesta ocasião evidentemente por causa da submissão da parte do rei Ezequias (Cp. cap. 20). Ezequias aparen­temente ficou interessado em fazer aliança política com os mensageiros babilónicos, e lhes mostrou as riquezas do Templo, mas não tomou compromisso com êles. É claro, segundo êste ponto de vista, que os eventos men­cionados no cap. 38 não se ligam com aquêles mencio­nados no cap. 36. A mudança da ordem cronológica di­ficulta, de certa maneira, a interpretação do significa­do dos eventos.

Ouvindo que o rei Ezequias estivera doente e já ti­nha convalescido, Merodaque-Baiadã enviou-lhe uma car­ta e um presente (Cp. II Reis 20:12). Sabemos das Car­tas de Tel-el-Amarna que era costume entre os monar­cas da época enviar cartas e presentes ao contemporâ­neo que estivera doente e se restabelecera. Mas além do motivo especificado neste caso, o ambicioso Merodaque- Raladã quis formar uma aliança política com Judá con­tra a Assíria. Ver II Crôn. 32:31, que declara que os mensageiros foram enviados para se informarem do pro­dígio que se dera naquela terra.

E Ezequias se agradou dêles. Até à sua experiên­cia com o livramento maravilhoso de Jerusalém do po­deroso Senaqueribe, Ezequias pensava que as alianças políticas com as nações vizinhas eram necessárias para a segurança de Judá. Bajulado pela visita e o apêlo dos mensageiros babilónicos, Ezequias mostrou-lhes tôdas as riquezas do templo (II Reis 20:13). É claro que o te­souro de Ezequias estava cheio nesta ocasião, alguns anos antes que Senaqueribe exigisse o seu pesado tribu­to (II Reis 18:14-16). As especiarias e o azeite precioso eram produtos naturais da terra, e guardados no templo

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como artigos de comércio. O seu arsenal aparentemen­te significa a mesma cousa com o as armas da Casa do Bosque, II Reis 20:13.

Então Isaías, o profeta, veio ao rei Ezequias. Evi­dentemente, o profeta suspeitava do motivo político da embaixada babilónica, e, conhecendo a confiança do seu rei no valor de alianças políticas, êle apareceu logo para conversar com Ezequias, e assim evitar que êle fizesse qualquer compromisso com a Babilônia. O rei sabia que o profeta estava sempre contra alianças políticas de Judá com outras nações. A sua resposta mostra o tom de ti­midez, e talvez o desejo de evitar a discussão do motivo especial da vinda dos enviados da Babilônia. É notável que Ezequias não respondeu à pergunta: Que disseram aqueles homens? Nas palavras: Duma terra longínqua vieram a mim, de Babilônia, o rei está acentuando a sua responsabilidade de tratar com hospitalidade a embai­xada que viera de tão longe para felicitá-lo pelo restabe­lecimento da sua saúde.

Que viram em tua casa? Foi a resposta do rei a esta pergunta que despertou o profundo desagrado do pro­feta.

Ouve a palavra do Senhor dos Exércitos. A procla­mação severa do profeta que segue não visa simples­mente à rejeição do seu conselho. Está condenando o que êle reconhece como pecado contra Deus. O profeta está plenamente certo de que quaisquer intrigas ou alian­ças políticas de Judá com outras nações são positiva­mente contra a vontade do Senhor. O rei e o profeta sabiam que a aceitação favorável dessa embaixada da província babilónica podia ser reconhecida como ato de hostilidade contra a Assíria. Com o seu entendimento de estadista, Isaías reconheceu que a aceitação desta embai­xada, que visava à aliança política contra a Assíria, podè- ria resultar no conflito perigoso com o destruidor de pe­

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A PROFECIA DE ISAIAS 463

quenas nações. A vaidade de Ézequias se manifestava no orgulho dos seus recursos, e na tendência de con­fiar nas alianças políticas em vez de crer nas promes­sas de Deus. Qualquer nação pequena e fraca fica mais segura na sua independência enquanto ficar livre de in­trigas políticas.

5< E n t ã o , d i s s e l s a í a s a É z e q u i a s : O u v e a p a l a v r a d o S e n h o r

d o s E x é r c i t o s :

6 . E i s q u e v i r ã o d i a s e m q u e t u d o q u a n t o h o u v e r e m t u a c a s a ,

c o m o q u e e n t e s o u r a r a m t e u s p a i s a t é a o d i a d e h o j e , s e r á

l e v a d o p a r a a B a b i l ô n i a , n ã o f i c a r á c o u s a a l g u m a , d i z o S e ­

n h o r .

7 . D e t e u s f i l h o s q u e t u g e r a r e s , e q u e d e t i p r o c e d e r e m , t o ­

m a r ã o , p a r a q u e s e j a m e u n u c o s n o p a l á c i o d o r e i d a B a b i ­

l ô n i a .

S . E n t ã o d i s s e É z e q u i a s a l s a í a s : B o a é a p a l a v r a d o S e n h o r

q u e d i s s e s t e . P o i s ê l e p e n s a v a : H a v e r á p a z e s e g u r a n ç a

e m m e u s d i a s .

Tudo quanto houver em tua casa, . . . será levado para a Babilônia. Muitos intérpretes pensam que os ver­sos 5-8 se referem ao cativeiro babilónico, que aconte­ceu mais de cem anos depois do tempo de lsaías e Eze- quias, e dizem que êstes versículos não podiam ter sido escritos pelo profeta lsaías. Mas fora da referência à Babilônia a mensagem cabe perfeitamente no contexto, além de ser muito característica do profeta lsaías. E muitos estudantes criteriosos dizem que não podemos concluir logo que tenha sido escrita depois do cativeiro babilónico. Há duas explicações razoáveis da referência à Babilônia da parte de Isaias nesta ocasião, e, segundo estas explicações, a profecia não se refere ao cativeiro babilónico de 597 e 586.

A predição inclui alguma cousa que não aconteceu no tempo do exílio. A frase tudo quanto houver em tua casa muito provàvelmente inclui os filhos de Ézequias.E, certamente, os próprios filhos de Ézequias não foram

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íevados para a Babilônia em 597 ou 586. Qualquer cousa escrita depois do evento seria mais exata na descrição dos fatos.

Também é provável que a Babilônia, sob o governo de Merodaque-Baladã, parecia ao profeta, nesta ocasião, uin poder bastante forte para dominar, dentro de pou­co tempo, o Império da Assiria.

Houve um periodo quando a Babilônia antiga ocupa­va a posição do Império da Assíria desta época (Arqueo­logia Bíblica do autor, ps. 113-116). E Merodaque- Baladã estava se esforçando para ganhar de nôvo aque­le prestígio histórico. É provável que a cidade da Ba­bilônia, até no período do domínio da Assíria, fôsse con­siderada a metrópole espiritual da Assíria em vez de Nínive. Manassés foi levado prêso à Babilônia por As- surbanipal, monarca da Assíria (II Crôn. 33:11). Quan­do, pouco mais tarde, Sargão conquistou Merodaque- Baladã, êle cuidava de fazer-se coroado como rei da Ba­bilônia .

Boa é a palavra do Senhor, v . 8. Parece que estas palavras expressam humildemente o sentimento piedo­so de arrependimento e resignação de Ezequias. Haverá paz e segurança em meus dias. Alguns pensam que Eze­quias não falou estas palavras. Mas são perfeitamente características de Ezequias, e apropriadas nesta ocasião. Os pensamentos são característicos do homem humilde e profundamente religioso (Cp. II Reis 18:2; Is. 37:16- 20). Não obstante as suas faltas e os seus erros, Ezequias se acha entre os bons homens que reinaram sôbre Israel e Judá. Êle sabia reconhecer e honrar as mensagens do profeta Isaias como as palavras de Deus, mesmo quan­do lhe eram desagradáveis e quando condenavam os seus próprios pensamentos e planos. Sob a orientação do profeta Isaias, êle cresceu maravilhosamente no co­nhecimento e na graça de Deus.

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