A proletarização do professor neoliberalismo na educação - Capitulo 3

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    DASLUZESDARAZO IGNORNCIAUNIVERSALGilberto P.de Souza

    Introduo consenso ou senso comum entre a esquerda socialista, e mes-mo entre os acadmicos minimamente srios, que a educao -

    principalmente a pblica - vive, no Brasil e no mundo, uma crisesem precedentes na sua histria, e que essa crise mais sentida emSo Paulo, o estado mais rico do pas.As escolas pblicas tm obtido resultados pfios nas vrias ava-liaes institucionais feitas no Brasil e no mundo. O Brasil tem ocu-pado sistematicamente os ltimos lugares em portugus, matemti-

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    " no f im das contas a burguesia no tem osmeios,nemvontade,de oferecer aopovo uma verdadeira educao".

    (Karl Marx. Textos Sobre Educao e Ensino)

    em torno ao seu projeto poltico e social, construir uma nova ordemsocialmais humana e racional, levantou abandeira do direito edu-caocomocondiosinequanonpara a cidadaniaea igualdade.Anova ordem social burguesa em construo tinha como partede seusfundamentos a reforma moral da sociedade partindo da for-mao do "homem novo" - -,e a formao deste ltimo seria tarefada educao.O direito educao , portanto, um legado, uma conquista so-cial fundamental, da era das revolues burguesas; principalmenteda revoluodupla, das revolues francesa e industrial.Como disse o historiador Eric Hobsbawm, "a economia do s-culo XIX veio da revoluo industrial, mas a poltica e a ideologiavieram da revoluo francesa" (Hobsbawm, 1982).Ou seja, o capi-talismo, como qualquer formao social, no apenas um conjun-to de relaes econmicas e sociais - indstria, proletariado - mastambm um ordenamento poltico-jurdico e ideolgico - cidadaniauniversal, igualdade jurdica, sufrgio universal-legados da revolu-o francesa; tendo comoum dos seus centros a educao pblica.Mas, a bem da verdade dos fatos, o acesso cultura, arte e cincia no foi apenas uma bandeira da burguesia na sua fase revo-lucionria; foi tambm parte do programa do movimento operrioavanado e da esquerda socialista.

    Para a burguesia a educaoera parte deseu projeto de erigir ummundo mais racional - ou melhor, racional - em oposio ao obscu-rantismo e atraso cultural do antigo regime,estabelecendoa cidada-niauniversal ea igualdadejurdica entre oshomens;sendoa educaoa garantia de que todos, agora cidados e juridicamente iguais, rece-beriam as qualificaesmnimas para se diferenciaremna sociedadede acordocomsuascapacidades,talentos oumritos;a educaoseriaparte essencialdessenovo mundo livre,guiado pela razo e baseadona livre competio entre os homens que se diferenciariam uns dosoutros de acordocomosmritos individuais; a educaoseriaum dospilaresda sociedademeritocrtica, filha das revoluesburguesas.

    No por acaso, foina Frana como produto da grande revoluode 1789que se instituiu o primeiro sistema pblico-estatal de en-

    de uma classemdia desesperada com a decadncia do ensino p-blico e que ainda vna educao um investimento no futuro de seusfilhos, uma forma de ascenso social. O acesso cultura universal,ao saber historicamente acumulado pelas sociedades humanas notempo, est cada vezmais difcil para a maioria da populao.

    Analisaremos a crise da escola pblica, a partir de So Paulo.Primeiramente por ser pblic;, ou seja, atender a maioria da popu-lao, a parcela de menor poder aquisitivo, os que no podem com-prar servios educacionais no mercado, os filhos da classetrabalha-dora. Partindo de SoPaulo por ser no apenas o estado mais ricodo pas, mas tambm por ser a maior rede de ensino do Brasil, e agrande referncianacional.

    SoPaulo tem sido,do governoFernando Henrique Cardoso atnossosdias, uma espcie de laboratrio de antecipao das polticaseducacionais adotadas nos vrios estados do pas, merecendo porisso um exame mais acurado. Como dizia a propaganda de umacerta bebida, "eu - no caso, So Paulo -, sou voc amanh", umaantecipao do futuro para os outros estados.

    Do lIuminismoao Neoliberalismona Educao.

    O projeto iluminista, liberal-burgus radical, de universalizaoda cultura e da educao viveuma crise histrica, e a escolapbli-ca como seu agente agoniza. A burguesia fracassou na tentativa, noprojeto de educar as amplas massas, de coloc-Iasemcontato com aherana cultural e cientfica da humanidade.

    Para usar o linguajar dos advogados ianques, a dvida plausvel:ser que um dia ela,a burguesia enquanto classedominante, quisrealmente universalizar o acesso educao?

    Na sua luta contra a nobreza feudal e o antigo regime a burgue-sia, a fim de acaudilhar e mobilizar as amplas massas da populao

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    104 A proletarizaodosprofessores Dasluzesda razo ignornciauniversal 105sino, inicialmente na ditadura radicale popular dosjacobinosqueestabeleceu, na constituio de 1793,ano I da nova era segundo eles,o acesso universal ao ensino pblico.

    Napoleo Bonaparte, mesmo no sendo um continuador do ja-cobinismo, criou, de fato, um sistema pblico, estatal e laico de en-sino universalizado, da educao bsica universidade. Napoleono era exatamente um homem do Termidor, da contrarrevoluoburguesa que derrubou a ditadura jacobina atravs de um golpe deestado. O seu ultimato - "ou eu ou o caos"- no era apenas contra aesquerda jacobino-revolucionria em revolta,mas tambm sevolta-va contra os setores mais reacionrios, quequeriam, pura e simples-mente, a volta do antigo regime, da sociedade de privilgios nobres.A revoluo deveria continuar, de forma moderada, a obra de cons-truo da nova ordem.

    Na Inglaterra, o segundo pas da revoluo dupla, tambm seestabeleceu um sistema pblico de ensino, no sem oposio de se-tores importantes da burguesia (Marx e Engels, 1983).

    Contada assim, nossa histria seria incompleta, idlica e pue-ril, no pior estilo positivista de grandes heris e grandes aconteci-mentos. Esto faltando personagens fundamentais para o desenvol-vimento do nosso enredo; os movimentos sociais, os herdeiros dojacobinismo francs e o movimento operrio em formao.

    Os movimentos sociais no-burgueses, proletrios e semi-prole-trios, as massas populares urbanas apoiadas na pequena burguesiaradical, no caso francs, ou no movimento operrio, no caso ingls,desempenharam um papel fundamental na luta pela educao uni-versal, pblica-estatal.

    Na Inglaterra tratava-se de combater o trabalho infantil e o em-brutecimento do trabalhador devido s pssimas condies de tra-balho, particularmente as jornadas excessivas.Oacesso escolap-blica seria uma forma de retardar a entrada no mercado de trabalhoe de reduzir a jornada diria; no sepode trabalhar enquanto seestna escola e, alm disso, a escolarizao serviria tambm para me-lhor qualificar o trabalhador. Com o tempo a prpria burguesia seconvence da necessidade de um sistema pblico de ensino para no

    matar "agalinha dos ovosde ouro".Ou seja, era necessrio garantira reproduo da mo-de-obra e a formao do exrcitoindustrial dereserva,evitando a entrada precoce no mercado de trabalho das fu-turas geraes de proletrios; tambm escolarizar significaria "hu-manizar" o trabalhador, impedindo que sua impercia destrusse ocarssimomaquinrio.Na Frana, a criao do ensino pblico, estatal e laico por Napo-leoBonaparte tem relaodireta coma dinmica do processo revo-lucionrio, que teve como inimiga mortal a igreja catlica, a "grandeinfame" segundo Voltaire. A igreja catlica era uma defensora fer-renha do antigo regime e detinha o monoplio do ensino: portanto,o sistema pblico foicriado para enfraquecer a igreja, subordin-Ia,de fato, ao Estado, dentre outras coisas.

    Mas, tambm se tratava de atender as demandas de uma econo-miae uma sociedade em processode industrializao e, consequen-temente, urbanizao, formando uma mo-de-obra minimamentequalificada para o trabalho fabril.

    A presso da luta de classes,por um lado, e as necessidades doprprio desenvolvimento capitalista, por outro, fizeram com quea burguesia tolerasse a expanso do ensino pblico. O desenvolvi-mento e a diversificaoda economia trouxeram novas necessidadesnum mercado de trabalho em expanso e crescente diversificao;novas profisses com melhor qualificao exigiam trabalhadoresmais instrudos; alm de melhorar a qualificao dos trabalhadoresda mquina estatal, j no mais preenchida apenas por critrios deapadrinhamento ou origem. Burocratas, tcnicos, gerentes, profis-sionais especializados e outros profissionais vojustificar a expan-so da educao pblica e estatal. Pelomenos at o incio do sculoXX,durante a etapa "progressista e civilizadora" do capitalismo, napoca do crescimento econmico ilimitado; encerrada com a pri-meira guerra mundial.

    At a dcada de 1970do sculo XX, nos pasescentrais do capi-talismo e mesmo em alguns perifricos, a educao continuou sen-do uma poltica de Estado, sendo a iniciativa privada algo marginal,exceto nos Estados Unidos. No por obra da boa vontade da classe

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    106 A proletarizaodosprofessoresdominante,masdevido lutade classes,maispropriamente guer-ra fria.

    A formao do "bloco socialista" no ps-guerra, que chegou agovernar um tero da populao do planeta, e apesar de todas suasaberraes, como as ditaduras burocrticas, em muitos casos geno-cidas, demonstrou a superior\pade da economia estatal e planifica-da. O acesso a servios pblicos, como educao e sade, foiuniver-salizado, garantiu-se o pleno emprego; tudo isso em pases muitoatrasados em comparao com o centro capitalista.

    A alternativa, a terceira via entre socialismo e capitalismo selva-gem, foia construo do Estadode Bem-EstarSocial,o WelfareState,a juno do "melhor dos doismundos":a democracialiberal e o mer-cado, com o pleno emprego e a universalizaodos serviospblicos,entre elesa educao.O Estadode Bem-Estarsomente existiu devidoao temor dos capitalistas em relao expanso do socialismo, mes-mo na sua forma distorcida e degenerada, autoritria e burocrtica,exemplificada pelas ditaduras stalinistas do Leste Europeu, China eURSS.O fato de o capitalismo mundial viver um perodo de cresci-mento econmico,com alguns pequenos ciclosrecessivos,at o incioda dcadade 1970do sculopassado tambm contribuiu para a "pol-tica social" de universalizar a educaopblica e estatal.

    A dcada de 1970do sculoXXmarca uma inflexo nas polti-cas s9ciais dos detentores do capital motivada por uma conjugaode fatores.Uma forte recesso nos pases centrais da economia capi-talista a partir da crise do petrleo em 1973,os sinais de esgotamen-to do bloco socialista com a estagnao da economia sovitica e oincio das reformas pr-capital na China com a abertura de sua eco-nomia ao capital estrangeiro e a privatizao da agricultura foramclaros indcios de que a guerra fria iria terminar com um resultadofavorvel ao bloco ocidental; a isso tudo soma-se o crescente endi-vidamento dos Estados pelos altos custos dos servios pblicos e darede de proteo social.

    O bloco socialista j no era uma ameaa, o dinheiro pblicotornara-se escasso,os lucros dos capitalistas estavam diminuindo; ocobertor no era mais to grande para todos.

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    A "viradeira" da burguesia na questo da educao pblica con-solidou-sede vez ao longo das dcadas de 1980-1990com a onda ne-oliberal, a derrocada do bloco socialista e o esperado fim da guerrafria com o lado capitalista triunfante.

    O que veio depois de domnio pblico; o circo de horrores deuma ofensivatermidoriana em todos os campos: ideolgico, polti-co, econmico-social e at militar. "Fimdo socialismo e da histriacom o triunfo da democracia liberal, a retomada do mercado comonico regulador da economia e das relaes sociais, privatizaes eretirada de direitos sociais em nome da livre negociao e da har-monia entre capital e trabalho", tornaram-se verdadeiros mantrasdos fundamentalistas do mercado; o obscuro Fukuyama, com a suafanfarronice sobre o fim da histria, tornou-se um cone pop, outalvez culto

    A educao no poderia ficar de fora desse enquadramento: eladeveria ter o mesmo destino dos demais servios pblicos e ser,namedida do possvel,privatizada.

    No Brasil, a expanso da educao pblica e sua transformaoem direito seguiu a dinmica do processo de expanso do capitalis-mo;ou seja,acompanhou, de forma condensada, as etapas de forma-o e desenvolvimento domodo de produo capitalista, mas sedeude forma tardia, com poucas das virtudes e muitos dos vcios queocorreram nos pases centrais do capitalismo.

    Durante o imprio, a legislaoprevia a obrigatoriedade e o di-reito ao ensino primrio para todos os cidados - mas esse era o pro-blema: a esmagadora maioria da populao era composta por no-cidados,escravose ex-escravos.Somentena primeira repblica,apso fim da escravido e da cidadania censitria (baseada na riqueza),foipossvelfalar seriamente sobre a universalizaodo ensino pbli-co como direito; porm,as oligarquias dominantes, que controlavamo poder poltico nos estados, aproveitando-se do regime federalistaque lhes dava total autonomia, jamais permitiram o ensino pblicoobrigatrio.Numa economia essencialmenteagrria, onde nohaviauma demanda muito grande por mo-de-obra qualificada,o acessoeducaoera privilgiodas elitese seus herdeiros.

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    108 A proletarizaodos professoresSomente a p art ir da dcada de 1930 t emos a f ormao de um sis-tema nacional de ensino, com o fim da hegemonia das oligarquias,e com uma poltica consciente da burguesia nacional, via Estado,de desenvolver uma economia urbano-industrial; o que demanda,necessariamente, uma mo-de-obra mais instruda e qualificada. somente a partir das reforma~ da dcada de 1930,sob o governoVargas, que surge o Ministrio da Educao e o nvel corresponden-te ao ciclo I do Ensino Fundamental torna-se gratuito e obrigatrio.O avano da urbanizao e da industrializao nas dcadas se-guintes, dcadas de 1940-1950-1960,consolida o ensino pblico egratuito e faz surgir e se expandir o ensino profissionalizante, a par-tir da fundao do SENAIe do SENAC.Por uma dessasmuitas ironias da histria, somentena dita-duramilitar (1964-1985)uea escolaridadeobrigatriaestendidapara os atuais oito anos, todo o ensino fundamental, com a entoLDB,lei 5692/1971.Nesse perodo houve uma expanso nunca vistado ensino profissionalizante e do ensino superior privado para aten-der um mercado de trabalho urbano-industrial em expanso e umclamor das classes mdias urbanas pelo acesso ao ensino superior.Ao final do ciclo militar, mais de 75%dos matriculados no ensino

    superior estavam na rede privada.Os "milicos" no ampliaram o acesso escola por boas inten-es: ~ra necessrio atender os interesses do capital; o crescimentoecon'micoaceleradodo milagre econmico demandava uma ofertacrescente de mo-de-obra, qualificada e semi-qualificada. Por isso,o ensino mdio, nas escolaspblicas, tornou-se diretamente profis-sionalizante e houve uma expanso recorde, incentivada pelo Esta-do, do sistema S - SESI,SENAI,SENAC.Antes que me questionemsobre a represso poltica; esclareo que no objetivodesse ensaioabord-Ia; mas que existiu e influenciou nessas medidas fato.O princpio dessa expanso do acesso educao era bem sim-ples: uma educao aligeirada para as amplas massas, em algunscasos apenas a alfabetizao rudimentar, via Mobral - Movimen-to Brasileiro de Alfabetizao,cujo critrio para considerar algu~malfabetizado era ser capaz de ler e escrevero prprio nome -, para

    Dasluzesda razo ignorncia universal 109incorpor-Ias ao mercado de trabalho. O que fez com que os pssi-mos indicadores de qualidade de ensino e o grande nmero de anal-fabetosnunca incomodassem os governosmilitares (Horta, 1998).Isso nos autoriza a fazer uma concluso aterradora; os neolibe-rais, e mesmo os reformistas do lulo-petismo, de uma certa forma,continuaram a "obra" dos militares no poder; um ensino aligeiradopara as amplas massas da populao e uma cumplicidade, mistura-da com muitas benesses, com a expanso da rede privada de ensinono Brasil.No Brasil, a expanso do ensino pblico, sua extenso como di-reito de toda a populao, ocorreu paralelamente sua mercantili-zao e privatizao; quem chega no fim da festa fica com o pior, oucom o que sobrar.Agora podemos voltar nossa dvida plausvel.A burguesia foiobrigada pela luta de classes, pela presso dos movimentos sociais

    organizados e, durante algum tempo, pelas necessidades da pr-pria economia capitalista, a universalizar o ensino, a permitir queamplas massas das chamadas "classespopulares" -leia-se filhos detrabalhadores e trabalhadores mesmo - acessassema escolapblica.Seme permitem uma digresso, assinalo aqui a observao de quemesmo negando Marx, os capitalistas so obrigados a confirm-lo:os homens fazem sua histria sob condies herdadas, como po-dem e no como querem - e essa lei tambm vale para as classesdominantes.A burguesia desfraldou a bandeira do direito universal educa-ocontra a decadente nobreza feudal, tolerou suaexpanso duranteum longoperodohistrico;agora,a burguesia aprincipalinimi-ga da escola pblica, o grande agente da ignorncia universal, dadestruio do sistema pblico de ensino e da negao da educaocomo direito, transformando-a em servio ou mercadoria.Isso nos leva a uma concluso de natureza poltica importante:nenhum movimento burgus, mesmo com uma fachada progressis-ta, pode ser considerado aliado dos trabalhadores e da juventude na

    defesada escolapblica e gratuita; a burguesia liberal,ou neoliberal,atravessou o Rubico da histria.

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    110 A proletarizaodos professoresOs movimentos em prol da educaoda "sociedadecivil" que

    so liderados por setores burgueses e incorporam os setores m-dios da sociedade so,na sua essncia,reacionrios e inimigos daeducaopblica. So os porta-vozes no-oficiais das polticas demercantilizao e privatizao do ensino; querem impor a lgica da"eficincia" na escolapblica, ~,oparte da campanha movida pelogoverno e empresrios de criminalizar osprofessorese a escolap-blica. No por acaso,nenhum dessesmovimentos reivindica maisverbas para a educao,melhoria salarial e reduo da jornada detrabalho dos professores- e,tambm no por acaso,apelampara ovoluntariado e asparceriaspblico-privadas.Ahoradomercado:o tsunamitermidorianonaeducao3

    Ao longo dosanos 1980-1990,comeando com a dupla Reagan-Thatcher nos pasescentrais e com figuras como Menem na Argen-tina e Collor e FHC no Brasil, o neoliberalismo passouadar o tomdas polticas pblicas na Amrica Latina, no mundo e, consequen-temente, no Brasil.

    Reinando sozinha no mundo, a burguesia no precisava maissuportar o fardo dos serviospblicos e da redede proteo social;o socialismo morreu, a histria acaboue osserviospblicos deve-riam t.9maro mesmo destino; o WelfareState,e tudo o que possalembr-Io, deveriam serabolidos por inteiro, pedra sobrepedra.

    A OMC4e o Banco Mundial declararam a educao como ser-vio, ou seja, mercadoria; o caminho aberto para sua privatizao."Estudos rigorosssimos" vaticinaram que a soluo para a crise daeducao no tinha relao com os investimentos, com o aumentodas verbas,mas sim com a gesto eficiente dos recursos. Trata-se3 Ostsunamis so ondas gigantescas que seformam emalgumas regies do pla-neta e carregam consigo tudo o que encontram. J termidoriano Qtermo emreferncia ao golpe de estado contrarrcvolucionrio da alta burguesia durante arevoluo francesa que derrubou o governo popular dos jacobinos, ocorrido noms deTermidor do calendrio institufdo na revoluo.N. do ed.4 OMC, Organizao Mundial deComrcio.

    Dasluzesda razo ignornciauniversal 111nosomentedeprivatizar aomximo osservioseducacionais, mastambm de reduzir aomximo os investimentos pblicose admi-nistrar os parcos recursos nos moldes das empresas privadas, com"eficinciae produtividade".

    Mas no o bastante transformar tudo emmercadoria - priva-tizar, no limite, todos os servios pblicos e a educao. O Estadoneoliberal precisa estar diretamente a servio do capital; garantir aretomada das taxas de lucro, que no pararam de cair, literalmentedespencando entre 1947e 1982,segundo dados da OCDE.

    Isso significa criar um ambiente favorvelpara a acumulao decapital, um conjunto de leis que permitam flexibilizar ao mximoo mundo do trabalho - leia-se retirar direitos sociais histricos dostrabalhadores, desonerar ou isentar de impostos, ao mximo poss-vel, os empresrios privados e transferir, por uma srie de mecanis-mos, recursos pblicos para o capital privado.

    A transferncia direta de fundos pblicos para o capital foi favo-recida por uma caracterstica intrnseca ao neoliberalismo: a desre-gulamentao financeira e suaconsequncianatural, ou irm siame-sa,a especulao financeira global, grande vil da crise mundial quecomeou em 2008. Segundo fontes para l de isentas, ou seja, fontespr-mercadocomoa famigeradarevistaVeja,entre 1986e 2006ocapital fictcio ou especulativocresceu praticamente dezvezes - issomesmo,no engano do escriba, dezvezesmais - que o capital pro-dutivo.Especulaofinanceiraquetrouxeconsigoaelevaobrutaldas taxas de juros e, como no poderia deixar de ser, um colossalaumento da dvida pblica e do seu servio, juros e amortizaes;operar no mercado especulativo de compra e venda de ttulos dogoverno tornou-se um grande negcio, rentvele seguro, em muitoscasos substituindo os investimentos na produo.

    Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso,1995a 2002,os governosfederale estaduaisprivatizaramquasetudoo quehaviado setorestatalno nossopas- portos,ferroviaserodovias, operaes de eletricidade e telefonia, a indstria nacionalde siderurgia etc. - passando empresas altamente lucrativas para osetor privado, com um colossal aumento das tarifas desses servios

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    112 A proletarizaodos professorespara o pobre consumidor. O ministro da educao,PauloRenato, foicmplice de uma expanso recorde do ensino superior privado, en-quanto a universidade pblica seviu asfixiada por cortes deverbaseestagnao do nmero de vagasoferecidas.As privatizaes, feitas sob a falcia de que a qualidade melho-raria, que o preo final dos,servios seriam mais baratos e que areceita gerada reduziria drasticamente a dvida pblica, resultaramno seu contrrio. O capital ganhou duas vezes:apropriou-se de umafatia do mercado monopolizada antes pelo Estado, garantindo umanova "galinha dos ovos de ouro" para os lucros, e continuou rece-bendo osservios da dvida pblica que, pelos altosjuros, no s nodiminuram, mas aumentaram de R$ 514,24bilhes em 1995paraR$ 1,03trilhes em 2006, segundo dados do IPEAs, desmentindotodo o discurso ufanista e mentiroso em prol das privatizaes.

    Apenas mais alguns dados para dar uma ideia da sangria doscofres pblicos e do super-Iucro dos capitalistas-rentistas-agiotas:entre 2000 e 2005foram pagos pelo governo federal R$ 1,2trilho attulo de servio das dvidas interna e externa, juros e amortizaes/prestaes; s em 2007,os servios da dvida pblica consumiramR$ 237 bilhes, mais do que educao e previdncia social juntas,que receberam respectivamente R$20 bilhes e R$213bilhes; algoparecido ocorreu em2008:os servios da dvida levaram R$282bi-lhe.sdo oramento, superando mais uma vezeducaoe previdn-ciasocialjuntas, queabocanharam respectivamente R$23,7bilhese R$ 257 bilhes do bolo oramentrio - todos os dados so da Au-ditoria Cidad da Dvida - Jubileu Sul. A vida e o futuro de milhesde jovens, idosos e crianas valem bem menos, na lgicado capitale do Estado burgus, do que os super-lucros de alguns milhares deagiotas-rentistas.O suposto reformismo dos dois mandatos do governo Lula noapenas manteve o centro dessa poltica, mas a aprofundou. A dvidapblica e seus serviosaumentaram, como vimos;da mesma forma,5 IPEA. Instituto de Pesquisas Econmicas Avanadas, um rgo vinculadoao governo federal.

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    o ensinoprivadonoapenascontinuouseexpandindo,mastambmrecebeuuma injeo recorde de dinheiro pblico como Prouni.A privatizao dos servios educativos ocorre por meio de trsprocessos.O primeiro a tentativa de privatizao direta; foi o casoda proposta de municipalizao total, de uma s tacada, feita pelo

    governo Qurcia em 1989no estado de So Paulo, pois tal polticanada mais era do que uma cpia do modelo chileno que levou pri-vatizao do ensino pblico naquele pas feita durante a ditaduraPinochet. Qurcia, embalado pela vitria obtida na privatizao daVasp, companhia area estatal que foi doada ao empresrio VagnerCanhedo, achou que poderia "resolver"de uma vezpor todas o pro-blema educacional a favor dos empresrios, mas uma greve de maisde 90 dias com aes radicalizadas dos professores e com enfrenta-mentos entre grevistas e polcia militar nas principais vias pblicasda cidade de So Paulo impediu a municipalizao do ensino, e oento secretrio da educao perdeu o emprego.Uma segunda tentativa de privatizao direta da educao emSo Paulo foi feita pelo sucessor de Qurcia, Antonio Fleury, coma criao do projeto escola-padro, cpia do modelo ingls de re-forma privatista da educao feita pela ultraneoliberal MargarethThatcher. As escolas setornariam, de fato, fundaes de direito pri-vado,podendo fazer parcerias com empresas para arrecadar fundos;gradativamente o governo estadual retiraria asverbasinvestidas nasescolas, ficando apenas os recursos das parcerias; cada unidade deensino deveria atingir metas e deveria receber recursos de acordocom o percentual das metas atingidas; haveria, portanto, uma com-petio entre as unidades escolares pelas escassas verbas pblicas. Acereja do bolo, a piece de rsistance ou o grand finale desse mirabo-lante projeto, seria o "voucher",o cheque-educao que cada famliareceberia para cada filho em idade escolar com o valor que o go-verno estadual estipulasse para o ano letivo:de possedesse cheque,a famlia poderia matricular o seu pimpolho em qualquer escola,pblica ou privada, e se o valor nominal do "voucher" no cobris-se as despesas escolares do aluno caberia famlia complementaressevalor, mesmo sese tratasse de uma escolapblica.Um nmero

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    114 A proletarizaodos professoressignificativo de escolas aderiu a essemodelo. Mais uma vez ia tudomuito bem at que o "time adversrio", ou seja, os professores, resol-veu jogar; o governo "no combinou com os russos", como afirmouGarrincha ao tcnico Feola em 1958 na famosa preleo antes dojogo entre Brasil e URSS. Vrias mobilizaes dos professores es-taduais, culminando com uQ)agreve de 89 dias em 1993 que tevecomo ponto alto a ocupao da Assembleia Legislativa por quatrodias, mais o desinteresse dos empresrios, levaram o projeto escola-padro a pique. O dio dos governadores e secretrios de educaode So Paulo contra os professores e o seu sindicato, a APEOESP,faz sentido e perfeitamente compreensvel: os professores tm sidoa "pedra no meio do caminho" dos governos paulistas, o principalobstculo s medidas privatistas contra a escola pblica no estado.

    O segundo mtodo para privatizar o ensino bsico so as cha-madas parcerias, que permitem a drenagem de verbas pblicas daeducao para empresas privadas. Por exemplo, com a municipa-lizao implantada pelo Fundef e aprofundada pelo Fundeb, 25%dos municpios tm parcerias com sistemas privados de ensino parafornecimento de apostilas para os alunos, o que significa bilhes dereais para os bolsos do Positivo, COC, Objetivo etc.O governo paulista tem parcerias com vrios grupos privados narea da educao: o grupo Abril participa do programa "Veja na Esco-la" e,vende todo ms secretaria da educao milhes de exemplaresda revista Nova Escola, um encalhe nas bancas que s sobrevive gra-as ao governo estadual; tambm participa, com trs editoras - tica,Scipione e a prpria Editora Abril- que, pasmem, ele mesmo contro-la, da licitao para livros didticos e, como se no bastasse, fornecematerial didticopara asdisciplinasde apoiocurricular da 3"sriedoensino mdio.Comeamos assim a decifrar o "enigma"por trs dodio comque a revistaVejavociferaquasetoda semana contra aesco-la pblica e os professores estaduais: essa revista muito bem paga porseu patro, o governo do estado mais rico do pas, para fazer o serviosujo de caluniar e difamar os professores e seu movimento.

    As parcerias no param por a: a Fundao Roberto Marinho,Rede Globo para os ntimos, tambm recebe a sua parte, milhes de

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    Ip

    reais de dinheiro pblico, para fornecer o material do telecurso para oscursosprofissionalizantes,por issoaemissora,em seusnoticirios,assume a postura de dirio oficialeletrnico do governo estadual.O terceiro mecanismo o manjadssimo sucateamento, a redu-o das verbas e o abandono das escolas, os pssimos salrios pagosaos professores e as jornadas estafantes de trabalho; tudo isso parafazer com que as famlias que ainda tm algum poder aquisitivomi-grem seus filhos para a escolaprivada e osprofessoresmais antigos,experientes, mais resistentes s polticas do governo, com melhorremunerao e estabilidade no emprego, tambm migrem para forada rede estadual de ensino. O sucateamento tem como parte inte-grante a ideologiado "choque de gesto",a "racionalizao",a buscadamxima "eficincia"na gesto dos recursos pblicos, uma justifi-cativapara a reduo das verbas para a educao, colocando a culpana "ineficincia" das escolas e dos professores.

    A mercantilizao e a privatizao do ensino tm reflexo diretona gesto da escola com mtodos privados e, particularmente, nasrelaes capital-trabalho. Os professores passaram a ser tratadoscom os mesmos mtodos dos trabalhadores da iniciativa privada, a proletarizao completa da categoria e a destruio da carreiradocente. Estabilidade no emprego, evoluo funcional por tempo deservio e titulao, hora-atividade, entre outras conquistas funcio-nais, comeam a se tornar relquias de um passado distante, algodesconhecido para as novas geraes de professores que ingressa-ram nomercado detrabalho a partir dos anos 2000.Precarizao do trabalho, remunerao flexvel, fixao de me-tas a serem atingidas pela escola, e outras prolas da reestruturaoprodutiva do capital, passaram a fazer parte do cotidiano do traba-lho dentro da escola.

    liA tecnologia do sculo XXIcom as relaes laboraisdo sculo XIX":a reestruturao produtiva na educaoNo incio da dcada de 1990virou moda na Amrica Latina a

    chamada reestruturao produtiva; na verdade desde o final da d-

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    116 A proletarizaodos professores Dasluzesda razo ignornciauniversal 117cada de 1970se tenta impor esseprocesso, que atingiu seu auge nofinal dos anos 1980- incio dos anos 1990.Trata-se de aumentar aexplorao do trabalhador e aumentar as taxas de lucro do capitalmediante a intensificao do processo de trabalho, com um mesmotrabalhador realizando ao mesmo tempo vrias tarefas diferentes,que no passado pertenciam a ,profissesdistintas: o trabalhadormultifuncional. Aumenta-se o ritmo de trabalho e a produtivida-de do trabalhador, aumentando a produo ao mesmo tempo emque se reduz o nmero de empregos; ou seja, temos o crescimentoda produo de bens e servios enquanto aumenta o desemprego.Segundo dados da Anfavea (associaoda indstria automobilsti-ca), em 1980foram produzidos 1.165.174automveis com 133.683trabalhadores empregados na indstria automobilstica, portantouma mdia de 8,7veculos por trabalhador; em 1996foram produ-zidos 1.813.881automveis com 102.072,portanto uma mdia de17,8carros por trabalhador. Esse um exemplo bem ilustrativo doque estamos falando.

    Algo semelhante ocorreu nos bancos: segundo a Febraban, nadcada de 1990e na primeira metade dos anos 2000, os lucros dosbancos e os servios oferecidosaos clientesno pararam de aumen-tar, ao passoque foram eliminados, aproximadamente, 250.000pos-tos de trabalho.

    O desemprego com aumento da produo vem acompanhadoda reduo ou flexibilizaode direitos; o caso do banco de horasatravs do qual as empresas, alm de no pagar horas extras, podemeliminar o descanso semanal remunerado nos fins de semana, e daintroduo da "remunerao flexvel",quepermite a reduo do po-der de compra dos salrios regulares e a sua substituio por pol-ticas de recompensas pecunirias vinculadas smetas de desempe-nho (bnus, participao nos lucrose resultados etc.).

    Tudo isso se completa com a implantao de formas ditatoriaisde controle do trabalhador, fiscalizao permanente e a4mento dopoder dos chefes ou capatazes, para garantir que as metas sejamatingidas, e por fim uma poltica deliberada para romper os vncu-losde solidariedade entre os trabalhadores, instituindo uma compe-

    tio de todos contra todos, um fiscaliza o outro e o outro fiscalizao um para garantir o cumprimento das metas, e cada um disputauma recompensa maior do que o outro. O que tem levado muitostrabalhadores a trabalhar doentes e ao aumento das doenas profis-sionais e ocupacionais, LERe DORT,que esto sendo consideradas,na Inglaterra, problemas de sade pblica, ou seja, epidemias.

    Termos como toyotismo, mtodo Kanban e outros incorpora-ram-se ao universo do trabalhador comum. Essesprocessos de ges-to do trabalho fabril no surgiram do nada, de forma repentina;so filhos do Japo no ps-guerra, uma economia em crise, com oslucros das grandes corporaes em queda, onde as "zaibatsu", gran-des empresas controladas por famlias, enfrentavam um combativomovimento sindical, protagonista de vrias greves. Tratava-se deaumentar as taxas de lucros e, consequentemente, retomar o pro-cessode acumulao de capital a taxas mais aceitveispelos grandescapitalistas das "zaibatsu". Para isso foram adotados mtodos paraaumentar a produo sem aumentar o nvel de emprego, fazendoum trabalhador realizar vrias tarefas simultaneamente e operar v-rias mquinas aomesmo tempo; tambm seriam evitados aumentosnos salrios e, obviamente, eliminados vrios direitos sociais queencareciam a mo-de-obra e reduziam os lucros; foram introduzi-das a remunerao por produtividade e a bonificao por metas eresultados, levando os trabalhadores a competir entre si no local detrabalho - a base do chamado toyotismo. Essemtodo de gestodotrabalho fabril foi complementado com outra novidade importadados Estados Unidos, da gesto dos supermercados: a formao dequase nenhum estoque para no imobilizar muito capital e atendera um mercado pequeno, muito segmentado ou diferenciado; os es-toques somente seriam repostos medida que os produtos fossemvendidos. Esse o mtodo kanban.

    Para impor tais medidas foinecessrio derrotar os trabalhadorese os seus sindicatos, o que a burguesia japonesa conseguiu. A Toyotaconseguiuderrotar ummovimentogrevistacontra demissesemmas-saem 1950;uma onda degrevesnos anos 1952/1953queatingiuvriasempresas e era contra a implantao dos mtodos de racionalizao

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    116 A proletarizaodosprofessorescada de 1970 se tenta impor esse processo, que atingiu seu augl' 110final dos anos 1980 - incio dos anos 1990.Trata-se de aument.\! .1explorao do trabalhador e aumentar as taxas de lucro do capil.dmediante a intensificao do processo de trabalho, com um meSlII1Itrabalhador realizando ao mesmo tempo vrias tarefas diferente'.,que no passado pertenciam a profisses distintas: o trabalhad.I'multifuncional. Aumenta-se o ritmo de trabalho e a produtivid.Ide do trabalhador, aumentando a produo ao mesmo tempo l'1I1que se reduz o nmero de empregos; ou seja, temos o crescimentoda produo de bens e servios enquanto aumenta o desemprcglISegundo dados da Anfavea (associaoda indstria automobilstlca), em 1980foram produzidos 1.165.174automveis com 133.6IUtrabalhadores empregados na indstria automobilstica, portantouma mdia de 8,7 veculospor trabalhador; em 1996foram produzidos 1.813.881automveis com 102.072,portanto uma mdia dt17,8carros por trabalhador. Esse um exemplo bem ilustrativo doque estamos falando.

    Algo semelhante ocorreu nos bancos: segundo a Febraban, nldcada de 1990e na primeira metade dos anos 2000, os lucrosdOI>bancos e os serviosoferecidosaos clientes no pararam de aumcntar, ao passo que foram eliminados, aproximadamente, 250.000postos de.trabalho.I

    O desemprego com aumento da produo vem acompanhadoda reduo ou flexibilizaode direitos; o caso do banco de horasatravs do qual asempresas, almde no pagar horas extras, podemeliminar o descanso semanal remunerado nos fins de semana, e dnintroduo da "remunerao flexvel",que permite a reduo do po.der de compra dos salrios regulares e a sua substituio por polticasde recompensas pecunirias vinculadas s metas de desempenho (bnus, participao nos lucros e resultados etc.).

    Tudo isso se completa com a implantao de formas ditatoriaisde controle do trabalhador, fiscalizao permanente e aumento dopoder dos chefesou capatazes, para garantir que as metas sejamatingidas, e por fim uma poltica deliberada para romper os vncu-losde solidariedade entre os trabalhadores, instituindo uma compl"

    Dasluzesda razo ignorncia universal 117I iode todos contra todos, um fiscaliza o outro e o outro fiscalizao um para garantir o cumprimento das metas, e cada um disputauma recompensa maior do que o outro. O que tem levado muitostrabalhadores a trabalhar doentes e ao aumento das doenas profis-~ionaise ocupacionais, LERe DORT,que esto sendo consideradas,na Inglaterra, problemas de sade pblica, ou seja, epidemias.

    Termos como toyotismo, mtodo Kanban e outros incorpora-ram-se ao universo do trabalhador comum. Esses processos de ges-to do trabalho fabril no surgiram do nada, de forma repentina;so filhos do Japo no ps-guerra, uma economia em crise, com oslucrosdas grandes corporaes em queda, onde as "zaibatsu", gran-des empresas controladas por famlias, enfrentavam um combativomovimento sindical, protagonista de vrias greves. Tratava-se deaumentar as taxas de lucros e, consequentemente, retomar o pro-cessode acumulao de capital a taxas mais aceitveispelos grandescapitalistas das "zaibatsu". Para isso foram adotados mtodos paraaumentar a produo sem aumentar o nvel de emprego, fazendoum trabalhador realizar vrias tarefas simultaneamente e operar v-riasmquinas aomesmo tempo; tambm seriam evitados aumentosnos salrios e, obviamente, eliminados vrios direitos sociais queencareciam a mo-de-obra e reduziam os lucros; foram introduzi-das a remunerao por produtividade e a bonificao por metas eresultados, levando os trabalhadores a competir entre si no local detrabalho - a base do chamado toyotismo. Essemtodo de gesto dotrabalho fabril foi complementado com outra novidade importadados Estados Unidos, da gesto dos supermercados: a formao dequase nenhum estoque para no imobilizar muito capital e atendera um mercado pequeno, muito segmentado ou diferenciado; os es-toques somente seriam repostos medida que os produtos fossemvendidos. Esse o mtodo kanban.

    Para impor tais medidas foi necessrioderrotar os trabalhadorese os seus sindicatos, o que a burguesia japonesa conseguiu. A Toyotaconseguiuderrotar ummovimentogrevistacontrademissesemmas-saem 1950;uma onda degrevesnosanos 1952/1953queatingiu vriasempresas e era contra a implantao dos mtodos de racionalizao

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    118 A proletarizaodos professores Dasluzesda razo ignorncia universal 119do trabalho foi derrotada - empresascomo aNissanapelaramparaolockout. Foi uma derrota histrica dostrabalhadoresjaponeses.

    A partir da, os capitalistas japoneses desencadearam umaferoz represso ao movimento sindical combativo e impuseramuma estrutura sindical totalmente controlada eatrelada sempre-sas:os sindicatos por local de trabalho, que participam da gestodas empresasnum regime d~ colaborao, partindo do princpiodeque cadaempresa,antesdemais nada, uma famlia (Antunes,1995).

    Esta a sntese da reestruturao produtiva: represso e coop-tao das direes sindicais, flexibilizao de direitos e competioentre os trabalhadores em cada local de trabalho a fim de atingir asmetas e obter a melhor bonificao. Isso produziu no Japo um pro-letariado com os piores salrios e condies de trabalho dos pasescapitalistas avanados.A pergunta que um professor "normal"faria :e eu com isso?Ocorre que tais mtodos de racionalizao do processo de tra-balho e super-explorao do trabalhador no se limitam esferadaproduo e dos servios privados, mas atingem tambm, e com todafora, os servios pblicos, como a educao. exatamente o que est fazendo o governo de So Paulo, setornando um exemplo aos demais governos estaduais e um pre-cedente perigoso para os professores do Brasil. O primeiro passopara imposio desses "novos" mtodos de gesto, tal como no Ja-

    po, destruir as organizaes sindicais do professorado, evitan-do qualquer forma de resistncia organizada racionalizao dotrabalho.Isso explica a cruzada fundamentalista, a guerra santa, a cam-panha de difamao e calnias, contra os professores e suas orga-nizaes sindicais movida pelo governo paulista, principalmente, e

    pela grande imprensa, que sua scia nessa empreitada devido aosnegcios sujos, ou muito mal explicados, de convnios e parcerias,que permitem, como j dissemosanteriormente, a transferncia derecursos pblicos s empresas privadas - muitas delas ligadas, deuma forma oude outra, a essesrgosde imprensa.

    Com o perdo pela contradio em termos, necessrio con-cluir, mais uma vez, queSo Paulo est na vanguarda do retrocessona educao, como vem sendo desde os anos 1990.Na esfera da administrao e dos servios pblicos, a reestru-turao produtiva tem por fim ltimo reduzir os investimentos eo nmero de funcionrios, mantendo ou ampliando a populaoatendida para permitir uma maior transferncia de recursos oficiais iniciativa privada, o que implica, evidentemente, o oferecimentode um servio de qualidade decrescente. exatamenteessaa poltica queestsendo implementadaemSo Paulo pelo governo estadual, tendo frente a secretaria daeducao.Um conjunto de medidas, cuja essncia se resume em reduziros investimentos pblicos na educao, transferir o mximo de re-cursos possvelpara o capital privado e, lgico,aumentar a explo-rao e o controle do governo, atravs da burocracia escolar, sobreos professores para garantir o cumprimento integral de metas pr-estabelecidas pelo prprio governo, fazendo com que seja possvel,atravs de um verdadeiro "milagre da multiplicao" de recursos ou"choque de gesto",atender mais pessoas na escola com a mesmaquantidade de recursos ou mesmo com um investimento menor.Issotudo implicareduzira qualidadedosservioseducacionaisprestados populao,limitandoa formaoescolara um conjun-to de habilidadesrelacionadasa ler e escrevere transformando,devez,a escola num lugar para formar mo-de-obra barata ou exr-cito industrial de reserva a servio do capital. A implementao detal polticapassa,primeiramente,pordisciplinaramo-de-obra,osprofessores, e reduzir ou flexibilizar direitos.A flexibilizao vem, principalmente, com o fim do reajuste li-near de salrios. Asescolase os professores sero avaliadose cobra-dos por metas fixadas pela secretaria da educao;as equipesesco-lares sero recompensadas ou sancionadas monetariamente atravsde um "bnus-resultado", o que significaque cada escolae cada pro-fessor devero "buscar" sua prpria remunerao, todos competin-do entre sipelo maior "bnus". uma tentativa de romper os laos

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    120 A proletarizaodos professoresdesolidariedade entre os quetrabalham naescola,eaumentar o po-der dos chefes.Chefesagora transformados em gestores,que teropoder para avaliar o professor e determinar seu ritmo de trabalho,como gestoresdo currculo e dosprprios professores. a aplicaodavelha esurrada poltica romana de"dividir para reinar" - "divideet impera".

    Apoltica de controle edivIso dosprofessorespelogovernotemseuponto culminante com a criao dobnus-resultado edo IDESP.O governo estadual, seguindo o PDE do governo federal, criou oIDESP, ndice de desenvolvimento da Educao Bsica do Estado deSo Paulo; tambm estabeleceu o IDESP por escola e, no interior decada escola, criou o IDESP por nvel de ensino, ciclo I do ensino fun-damental, ciclo II do ensino fundamental e ensino mdio. Portanto,cada escola e cada nvel de ensino tero seus IDESP calculados anu-almente e tero metas de evoluo de seus respectivos ndices esta-belecidas pela secretaria da educao; o bnus-resultado ser pagosomentequelesque atingirem ou superarem asmetas pr-fixadas.O IDESP um ndice atribudo a cada escola e a cada nvel deensino no interior da escola, que oscila entre zero (quando nenhumadas metas pr-fixadas atingida) e um (quando todas as metas soatingidas), tendo como quesitos fundamentais o desempenho dosalunos no SARESP - prova que avalia os alunos da rede pblica es-tadual, que conta a partir de 2009 com a adeso da rede privada deensino - e o ndice de aprovao em cada srie da escola.6

    A determinao dasmetasde cadaescolapela secretaria da edu-cao refora a centralizao e o autoritarismo, alm de abstrair afalta deverbaspara a educaoe aspssimascondiesde trabalhodos professores;se o ensino vai mal, de agora em diante culpa daescola e dos docentes. O governo e sua poltica educacional anti-social simplesmente no aparecem no final das contas.

    Maria Helena Guimares, secretria da educao entre 2007 einciode 2009,chegoua afirmar queno sonecessriasmaisver-6 LeiComplementar 1078/2008e Resoluo Conjunta Casa Civil,Secretarias daFazenda e Gesto 1/2009.

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    baspara a educao,que a poltica educacional no o problema, oproblema a qualidade do professor e o aproveitamento dos recur-sos.Segundoela,se a repetncia e a evasono ensino fundamentalfossemabolidas, asverbas disponveis, sem nenhum novo investi-mento, aumentariam em 25%, permitindo, inclusive, reajustar ossalrios dos professores.As escolasdisputaro entresi o melhor bnus, osprofessores,in-dividualmente ede cadasegmentono interior decadaescola,tambmsedividiro nabuscado melhor resultado'parater amelhor bonifica-opossvel.As metaspr-fixadas e vinculadoras do salrio flexvelsoum mecanismopara manter e aprofundar a promoo automti-ca,contando agoracom acumplicidade dosprofessores,elegitimadaspor um processodeavaliaoinstitucional feitopeloprprio governo,o j mencionadoSARESP,baseado na leitura e escrita.

    A flexibilizao ou reduo de direitos irm siamesada dita-dura no processode trabalho, a imposio do currculo e das ati-vidades, o fortalecimento da autoridade dos"chefes",e tudo isso secompleta com a perseguio aos "faltosos" atravs da diminuiodo "bnus" para eles e para suas escolas e da represso do governo;o DPME (Departamento de Percias Mdicas do Estado) e o IAMS-PE (Instituto de Assistncia Mdica ao Servidor Pblico Estadual)esto sendo transferidos para a secretaria de gesto, e os peritos m-dicos sero investigados e afastados do cargo caso concedam maislicenas que a "mdia" aceitvel pelo governo. Os professores estosendo obrigados a trabalhar doentes, devido competio social-darwinista pelo melhor "bnus" ou pela represso; com o governoinstituindo, por decreto, a avaliao de desempenho dos ingressan-tes para fins de demisso, na qual o item "faltas" tem bastantepeso.Almdisso, o governo limitou as faltasmdicas a seis por an07,isto, os professores somente podero ficar doentes seis dias no ano -evidentemente, eles precisam apenas combinar com as doenas paraque nada d errado.7 Decreto 52344/2007 e Resoluo Secretaria da Educao 66/2008; Lei Com-plementar 1041/2008.