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MARIA JOSÉ GIRÃO LIMA A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE MENTAL: uma análise centrada na cidadania dos usuários MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS UFPI TERESINA /2004

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MARIA JOSÉ GIRÃO LIMA

A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE

MENTAL:

uma análise centrada na cidadania dos usuários

MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

UFPI

TERESINA /2004

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MARIA JOSÉ GIRÃO LIMA

A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE

MENTAL:

uma análise centrada na cidadania dos usuários

MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

UFPI

TERESINA /2004

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MARIA JOSÉ GIRÃO LIMA

A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE MENTAL:

uma análise centrada na cidadania dos usuários

Dissertação apresentada à Banca Examinadora, da

Universidade Federal do Piauí, como exigência parcial

para obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas,

sob orientação da Professora Doutora Simone de Jesus

Guimarães.

UFPI

TERESINA / 2004

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A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE MENTAL:

uma análise centrada na cidadania dos usuários

MARIA JOSÉ GIRÃO LIMA

Dissertação de Mestrado submetida à Coordenação do Curso de Mestrado em Políticas

Públicas do Centro de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Piauí, na

área de Concentração de Cultura e Identidade.

BANCA EXAMINADORA

Professora Doutora Simone de Jesus Guimarães

Universidade Federal do Piauí (UFPI)

(Orientadora e Presidente)

Professora Doutora Lúcia Cristina dos Santos Rosa

Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Professora Doutora Aglair Alencar Setúbal

Instituto Camilo Filho

TERESINA / 2004

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RESUMO

“A prática do assistente social na área da saúde mental: uma análise centrada na cidadania dos

usuários” é uma dissertação de mestrado nascida da preocupação de compreender a inserção

desse profissional nessa área específica, entendendo-se o Serviço Social como uma profissão

inscrita na divisão sóciotécnica do trabalho e o seu exercício uma unidade dialética inscrita na

contraditoriedade, singularidade e totalidade históricas da sociedade. Tem, assim, por objetivo

central, esta investigação, analisar até que ponto a prática profissional do assistente social se

vincula com a defesa da cidadania e dos direitos dos usuários dos serviços de saúde mental,

oferecidos pelo Sanatório Meduna, hospital psiquiátrico da rede privada, em Teresina, no

Piauí, conveniada com o Sistema Único de Saúde (SUS), constituindo-se em sujeitos do

estudo os assistentes sociais, os usuários e seus familiares e demais profissionais da equipe

interdisciplinar do referido hospital. Ademais, busca-se resgatar, nesta pesquisa, a natureza da

prática do assistente social no Sanatório Meduna, examinando seus vínculos com os direitos e

a cidadania dos portadores de transtornos mentais e suas famílias, considerando, para isso, as

múltiplas vivências, falas, discursos, gestos e expressões do cotidiano desses sujeitos. A

pesquisa se fundamenta em aportes da dialética crítica e foi desenvolvida segundo uma

metodologia qualitativa que revela a vinculação do assistente social com a questão da

cidadania e dos direitos dos usuários como uma relação histórica, ampliada e fortalecida no

país a partir das últimas duas décadas do século XX, sendo norteada, no Brasil e no Piauí,

pelo arcabouço legal que ampara o exercício desse profissional nos seus diversos espaços

sócio-ocupacionais. Enfim, a dissertação visa contribuir para o debate reflexivo sobre a

prática do assistente social na sua interlocução com a área da saúde mental, em particular na

direção dos interesses e anseios dos segmentos sociais mais empobrecidos, no caso o dos

portadores de transtornos mentais.

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ABSTRACT

“Social Workers‟ Practice in the Area of Mental Health Care: Na Analysis Centered on

Citizenship of Mental Illness Patients” is a Master‟s thesis born out of concern to understand

these professionals‟ insertion in this specific area. Social Service is understood as a profession

inscribed in the socio-technical division of labor, and is practice as a dialectic unity inscribed

in society‟s historic contradictoriness, singularity and totality. As its central objective, this

investigation analyzes to what extent the professional practice of the social worker links itself

to the defense of citizenship and rights of mental illness patient‟s health care offered by

Meduna Sanatorium, a private psychiatric hospital in Teresina, Piauí, which has an accord

with the “SUS”, i.e., the Federal Government Medicare in Brazil. The subjects of this study

are the social workers, mental illness patients and their families, and all other professionals in

the interdisciplinary team at said hospital. Beyond that, this research recovers the nature of the

social workers‟ practice at Meduna Sanatorium, and, considering the multiple life

experiences, utterances, discourses, gestures and expressions in the everyday life of said

subjects, it examines the links of social workers to the rights end citizenships of mental illness

patients and their families. The research is based on approaches of critical dialectic, and was

developed according to a qualitative methodology that reveals the links of the social workers

to the citizenship and the rights of mental illness patients as a historic relationship. In Brazil,

this historic relationship was amplified and made stronger in the last two decades of 20th

century by the legal framework that provides for the practice of said professionals in their

diverse socio-occupational spaces. Therefore, this thesis contributes for the reflexive debate

on the practice of social workers in their interlocution with the mental hearth area, in

particular toward the interests and longings of the more impoverished social segments,

especially the one of mental illness patients.

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A todos aqueles que algum dia desenvolveram o

transtorno mental, para que consigam vencer todas as

formas de preconceitos e de exclusão social. E que sejam

respeitados simplesmente, pelo que são, com seus desejos,

vontades, delírios, alucinações e comportamentos.

Às famílias e cuidadores, para que continuem a lutar

incansavelmente, em busca da proteção integral, do

tratamento de qualidade, do respeito e da efetivação dos

direitos e da cidadania do PTM.

Aos assistentes sociais que abraçaram essa causa sem

medo e com obstinação, lutando para compreender e

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revitalizar as vivências dos PTM e suas famílias na

esperança de contribuir para o crescimento dessas

pessoas, que tem suas vidas abaladas pela presença do

transtorno mental.

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo direito a vida.

Aos meus pais, Felipe e Zildete (Branca) que mesmo distantes sempre me estimularam

a continuar a lutar, entendendo minha ausência, nos últimos dois anos.

À professora Simone Guimarães, minha orientadora, por seu apoio, paciência,

empenho e dedicação na construção deste trabalho.

À CAPES, que me concedeu bolsa de mestrado, durante o período do curso.

Aos meus irmãos, em especial Geane e Adriano, que souberam compreender minhas

ausências constantes, assumindo meus afazeres de forma incondicional.

Às amigas do Sanatório Meduna especialmente as assistentes sociais Rose, pelas

inúmeras conversas que tivemos sobre a implantação do Serviço Social no Meduna,

Cristina (Cris) e Ana Paula, que incondicionalmente, me apoiaram assumindo as

atividades, durante minhas ausências no desenvolvimento do curso.

Ao Dr. Wilson Freitas, pelo incentivo dado a esta pesquisa, sempre atenciosamente

atendendo e orientando-me.

Aos ex-diretores do Sanatório meduna Dr. Lindomar Freitas e Dr. Alberto Mariano,

por conceder minha liberação para freqüentar as aulas do mestrado.

Ao sr. Raimundo Santos, pelo apoio disponibilizando material, indispensável para a

pesquisa.

Ao Dr. Alexandre Parente e sr. Afonso Lima pelo apoio e compreensão, no

desenvolvimento deste estudo.

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A todos os usuários e familiares que responderam nosso apelo, aceitando participar da

pesquisa.

A todos os profissionais e funcionários do Sanatório Meduna, em especial aqueles que

participaram da pesquisa.

À professora Lúcia Rosa, pelo apoio dado no desenvolvimento deste estudo.

Aos meus tios Girão e Eneide, que contribuíram substancialmente para a

concretização dos meus estudos e para a minha formação.

À dona Francisca Monteiro (primeira funcionaria do Sanatório), que gentilmente

concedeu-me vários depoimentos para a construção da pesquisa.

À coordenação do Mestrado, na pessoa da Prof. Rosário Silva, a quem tive

oportunidade de reencontrar, após dez anos.

Aos companheiros do mestrado, José Carlos, Aurenice (Aure), Marysol, Marcos

Daniel, Zita Vilar, Miguel, Ana Maria Roberto e Marineves, pela oportunidade de

fazer e construir novas amizades.

Aos professores do mestrado Jesuíta, Francisco Júnior, Fabiano, Dione, Alcides e

Wasghiton Bonfim, pela atenção.

Ao amigo João Filho, pelo apoio nas horas difíceis.

Ao prof. Airton Araújo, pela revisão da dissertação.

Enfim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram de alguma forma para a

concretização desta dissertação.

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LISTA DE SIGLAS

ACSM – PI Associação Comunitária de Saúde Mental do Piauí

AFDM – Associação de Familiares de Doentes Mentais

AIS – Ação Integrada de Saúde

AIH – Autorização de Internação Hospitalar

APL – Academia Piauiense de Letras

ALMOPISA – Alkool Motor de Piauí

APM – Associação Piauiense de Medicina

APP – Associação Piauiense de Psiquiatria

CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

CAPs – Caixa de Aposentadoria e Pensões

CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

COI – Centros de Orientação Infantil

COJ – Centros de Orientação Juvenil

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

CNS – Conferência Nacional de Saúde

CNSM – Conferência Nacional de Saúde Mental

DATASUS – Departamento de Informática do SUS

DNS – Departamento Nacional de Saúde

DINSAM – Divisão Nacional de Saúde Mental

EUA – Estados Unidos da América

FMI – Fundo Monetário Internacional

FMS – Fundação Municipal de Saúde

FUNRURAL – Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural

HAA – Hospital Areolino de Abreu

HGV – Hospital Getúlio Vargas

HPAA – Hospital Psiquiátrico Areolino de Abreu

IAH – Instituto de Assistência Hospitalar

IAPAS – Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social

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IAPM – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos

IAPEP – Instituto de Assistência e Previdência do Estado do Piauí

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IAPs – Instituto de Aposentadoria e Pensões

IAPFESP – Instituto de Assistência Previdência dos Ferroviários

IAPB – Instituto de Assistência Previdenciária dos Bancários

IAPC – Instituto de Assistência Previdenciária dos Comerciários

IAPI – Instituto de Assistência do Industriário

IAPETC – Instituto de Assistência dos Trabalhadores dos Transportes e Cargas

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INPS – Instituto Nacional da Previdência Social

IPASE – Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado

IPUB – Instituto de Psiquiatria

LBA – Legião Brasileira de Assistência

LBHM – Liga Brasileira de Higiene Mental

LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social

MPOS – Movimento Popular de Saúde

MRP – Movimento da Reforma Psiquiátrica

MRSS – Movimento de Reconceituação do Serviço Social

MRS – Movimento da Reforma Sanitária

MS – Ministério da Saúde

NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial

OMS – Organização Mundial de Saúde

OPAS – Organização Panamericana de Saúde

SENAC – Serviço Nacional do Comércio

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SESI – Serviço Social da Indústria

SINDESPI – Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do Estado do Piauí

SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

SNDM – Serviço Nacional de Doenças Mentais

SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

PIASS – Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento no Nordeste

PISAM – Programa Integrado de Saúde Mental

PFL – Partido da Frente Liberal

PLAMTA – Plano Médico de Tratamento e Assistência

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

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PPA – Programa de Pronta Ação

PSMC – Programa de Saúde Mental Comunitária

PTM – Portador de Transtorno Mental

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

SESAPI – Secretaria de Saúde do Piauí

UI – Unidade de Internação

UIF – Unidade de Internação Feminina

UIM – Unidade de Internação Masculina

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12

CAPÍTULO I

DOENÇA MENTAL E ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL .................... 24

1.1 As Políticas de Saúde no Brasil ................................................................................ 24

1.2 A Assistência Psiquiátrica no Brasil ......................................................................... 36

1.3 A Assistência Psiquiátrica no Piauí ........................................................................... 57

CAPÍTULO II

SANATÓRIO MEDUNA: FUNDAÇÃO DO HOSPITAL E ESTRUTURA

FUNCIONAL ................................................................................................................. 78

2.1 Avanço da Psiquiatria Piauiense: Clidenor de Freitas Santos e o Sanatório

Meduna .................................................................................................................... 78

2.2 Os Serviços do Sanatório Meduna e o trajeto do Portador de Transtorno Mental

e de sua Família ....................................................................................................... 91

2.3 O Serviço pavilhonar do Sanatório Meduna e sua rotina ............................................ 95

2.4 O Serviço de Hospital-Dia do Sanatório Meduna ....................................................... 99

CAPÍTULO III

O SERVIÇO SOCIAL COMO PRÁTICA PROFISSIONAL....................................... 104

3.1 O Serviço Social no Brasil ........................................................................................ 104

3.2 O Serviço Social na Saúde Mental ............................................................................ 121

3.3 A prática do assistente social no Sanatório Meduna .................................................. 134

3.3.1 O Serviço Social e a preparação da alta Médico-Hospitalar do PTM ........................ 153

CAPÍTULO IV

O SERVIÇO SOCIAL E A CIDADANIA DO PORTADOR DE

TRANSTORNO MENTAL ............................................................................................ 162

4.1 Cidadania e Serviço Social: bases para a compreensão da prática profissional

junto ao portador de transtorno mental ...................................................................... 162

4.2 Representações da prática do assistente social no Sanatório Meduna ........................ 184

4.2.1 A compreensão do Serviço Social pelos assistentes sociais ...................................... 185

4.2.2 Representação dos usuários e de suas famílias para os assistentes sociais ................. 193

4.2.3 Representação da prática do assistente social para os usuários e seus familiares ....... 198

4.2.4 Os assistentes sociais na visão dos outros profissionais ............................................. 207

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 212

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 218

ANEXOS 227

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Lima, Maria José Girão

L 732 p. A prática do assistente social na área da saúde

mental: uma análise centrada na cidadania dos usuários / Maria José Girão

Lima. – Teresina: 2004.

233 p.

Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) UFPI, 2004

1. Serviço Social – Prática. 2. Saúde Mental – Serviço Social. I

Título

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INTRODUÇÃO

O presente estudo aborda a prática do assistente social na aérea da Saúde Mental e

tem por objetivos centrais identificar, analisar e refletir sobre essa prática, numa perspectiva

centrada na cidadania e nos direitos sociais dos usuários. É, assim, uma investigação que

busca imprimir um sentido reflexivo e analítico ao processo de inserção e interlocução do

assistente social na saúde mental, em particular no Sanatório Meduna, instituição psiquiátrica

privada da cidade de Teresina, no Estado do Piauí, estabelecendo vínculos e relações com a

cidadania e os direitos dos usuários desse serviço, a partir das experiências concretas, vividas

e experimentadas por esses sujeitos sociais nos nexos cotidianos com esses profissionais.

Dessa forma, o tema proposto e analisado neste estudo teve como objeto central a

prática do assistente social na área da saúde mental, interligando-a à cidadania e aos direitos

dos usuários. A escolha e o interesse por tal temática se fundamentaram no entendimento de

que o trabalho do assistente social, no âmbito institucional do Sanatório Meduna, vem se

desenvolvendo sob a preocupação de se engendrar novos rumos e significados a uma prática

profissional que no, cotidiano, elabora e responde ao conjunto de questões e problemas postos

pelos indivíduos e grupos sociais. Nesse viés, o profissional é a todo o momento solicitado a

intervir nas mais diversas situações, marcadas pelos movimentos, contradições e dilemas

presentes na sociedade em geral e na vida dos indivíduos e grupos com os quais mantêm

relações profissionais, pelo que dele se exige um posicionamento teórico e metodológico,

resolutivo e capaz de redirecionar os conflitos e tensões inerentes aos seus espaços

ocupacionais, na perspectiva dos direitos e da cidadania dos usuários.

O impulso à pesquisa se deu, então, pelo desejo de compreensão mais clara sobre

a prática do assistente social na instituição psiquiátrica, observando e analisando até que

ponto ela está comprometida com a cidadania e os direitos dos usuários, uma vez que leva em

conta um contexto multidimensional em que estão inseridos a história, a sociedade, a

instituição psiquiátrica e os sujeitos participantes da investigação, na conjuntura da realidade

brasileira e piauiense. Na verdade, refletir acerca da prática do assistente social no espaço da

referida instituição psiquiátrica, observando sua vinculação com a cidadania e os direitos dos

usuários, mostrou-se uma fonte de motivação que desafia e encanta. Desafia porque se

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pretende analisar um processo que envolve os próprios sujeitos sociais dessa prática,

captando, apreendendo e recolhendo as suas falas, discursos, opiniões e vivências objetivas e

subjetivas, em dados momentos e situações. E encanta porque moveu a pesquisadora a trilhar

um caminho que se configura como o próprio campo de sua atuação como assistente social,

há alguns anos como membro da equipe interdisciplinar na área da saúde mental, vivenciando,

no cotidiano, os movimentos que permeiam a prática profissional dentro de um universo

social, em contínua transformação e acomodação.

Assim, a vivência cotidiana na área determinou a escolha da temática, que se vem

constituindo em interesse da pesquisadora desde as primeiras incursões e experiências, na

condição de estagiária do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí, no

Hospital Areolino de Abreu, no início da década de 1990, e depois como assistente social e

como cidadã que, ao longo desses anos, tem experienciado um conjunto de múltiplas

situações, ainda pouco trabalhadas, pelo que algumas indagações se firmaram, a exigir

respostas. Quais têm sido de fato as preocupações centrais da prática do assistente social no

Sanatório Meduna, em termos de demandas e necessidades dos indivíduos e grupos sociais

com os quais mantêm relações e vínculos profissionais? Que direções têm tomado essa prática

na atualidade? Até que ponto a prática do assistente social está mesmo voltada para a

cidadania e os direitos dos usuários desse serviço de saúde? Quais os limites dessa prática no

Meduna? De que modo tem ela contribuído no tratamento e recuperação do portador de

transtorno mental (PTM)? Que representações se constroem entre os sujeitos no Sanatório,

sobretudo sobre os assistentes sociais, os usuários e as famílias dos usuários?

Essas e outras interpretações dão um sentido social à reflexão da prática

profissional do assistente social no Sanatório Meduna, levando em consideração as relações

sociais tanto no que se refere ao contexto imediato, singular e particular dessa prática

profissional, quanto às com o contexto mais global da sociedade, pois é na vida cotidiana que

“se consolidam, se perpetuam ou se transformam, no mundo moderno, as condições de vida

mais amplas [posto que] [...] é nela e sobre ela que realizamos nossa prática” (CARVALHO,

1996, p.51). Desse modo, este estudo leva em conta que a profissão de Serviço Social é “aqui

compreendida como um produto histórico, e, como tal, adquire seu sentido e inteligibilidade

na história da sociedade da qual é expressão” (IAMAMOTO, 1998, p.203). Disso decorre

que, historicamente, no contexto da sociedade brasileira, o Serviço Social insere-se e se

concretiza a partir da divisão social e técnica do trabalho e do conjunto das necessidades dos

indivíduos e grupos que a ela compõem, sendo uma profissão social e contraditoriamente

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determinada por múltiplas relações, afirmando-se como especialidade do trabalho em íntima

vinculação com o processo de formação da questão social, que no Brasil emergiu no final do

século XIX. Para Cerqueira Filho (1982), nesse período, a questão social que era tratada com

todo o rigor pela polícia, era ocultada pelas elites oligárquicas da época, que a viam como

irreal, ilegal e subversiva, em síntese um „caso de polícia‟, cujo tratamento severo ocorria no

interior dos aparelhos estatais. É que a questão social não sensibilizava os dirigentes desse

poder oligárquico, encarada que era como fato pontual e excepcional.

Somente nas três décadas iniciais do século XX, em meio à implantação e o

fortalecimento do capitalismo, a questão social ganhou um novo significado político,

tornando-se premente e requerendo do Estado um outro tipo de enfrentamento, que não

apenas a repressão. Essa época é marcada por intensos processos de urbanização e

complexificação das relações sociais e da intensificação de protestos, por melhorias urgentes,

da classe trabalhadora. Em tal contexto, a realidade social passava por fortes mudanças nos

aspectos econômico, político, social e cultural em razão dos quais o Estado implementava

medidas estratégicas sob um aparato legal.

É assim, nesse contexto de adversidades, que, surgirá, na década de 1930, o

Serviço Social, no seio do bloco católico, como desdobramento da união de setores da Igreja e

de grupos estatais ligados a ela, tendo como objetivo principal propagar os ideários da

Doutrina Social da Igreja e intervir na realidade social para enfrentar a questão social,

humanizando-a. O Serviço Social nasce, então, para atender a um conjunto de exigências e

necessidades do processo de industrialização, devendo intervir na questão social sob o

princípio da visão cristã, embora as medidas levadas a efeitos pela Igreja Católica, baseadas

na caridade e na filantropia, já não mais davam conta de responder à problemática, que se

complexificava, sob a égide do desenvolvimento capitalista. Nesse âmbito, serão criadas

diversas instituições estatais e não estatais onde atuará o assistente social, um profissional

munido de instrumentos e métodos que o auxiliariam no gerenciamento dos conflitos sociais e

na “suavização” da questão social.

Nessa conjuntura de mudança, a profissão de Serviço Social se institucionalizará

no país, no seio da sociedade brasileira e no interior das grandes instituições, como parte

constitutiva e constituinte dessa sociedade. Aliás, a ação social do Serviço Social fica

fortemente atrelada ao Estado, posto que o assistente social atua em face das políticas sociais

implementadas pelas instituições assistenciais estatais e não-estatais, imprimindo à prática

profissional uma racionalidade e uma sistematização dentro da lógica prevista por essas

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entidades, que era a de impor à sociedade, sobretudo à classe trabalhadora, o estímulo e a

cooperação entre as classes, estabelecendo o consenso para a aceitação das relações sociais

em vigor.

Vale ressaltar que em consonância com os objetivos delineados para este estudo,

interessa uma análise o mais profunda possível do Serviço Social, sobretudo a partir do

Movimento de Reconceituação (MRSS), ocorrido na categoria na década de 1960, tanto no

continente latino-americano quanto no Brasil, significando um marco histórico e “decisivo no

desencadeamento do processo de revisão crítica do Serviço Social no continente”

(IAMAMOTO, 1998, p.205). Nesses termos, o Movimento de Reconceituação acontece num

contexto econômico, político, social e histórico das sociedades latino-americana e brasileira,

marcado por amplos questionamentos e críticas às formas tradicionais e conservadoras de

intervenção da profissão, tendo como base, até então, os fundamentos do positivismo e do

funcionalismo. Foi esse um momento fértil, quando se problematizaram a prática profissional

e os princípios teóricos e metodológicos que a embasavam até então, buscando-se um novo

posicionamento e imprimindo a ela rumos, direções e práticas que rompessem e superassem a

postura conservadora que lhe vincava.

Esse processo amadureceu na década de 1980, quando são fomentadas novas

discussões e posturas profissionais. Isso se dá num cenário de efervescência política e social

balizado por uma ampla transformação social e pela redemocratização do país, com a

superação da ditadura militar e a reorganização dos movimentos sociais, o que culmina na

promulgação da Constituição Federal de 1988, que reconhece a todos os brasileiros como

cidadãos e por isso consolida e alarga os direitos sociais dos trabalhadores,

independentemente de contribuição, raça, cor, sexo, religião ou credo. Nesse contexto, sob

uma nova perspectiva e uma atmosfera democrática, nos anos de 1990 o Serviço Social

engendra novos rumos e direções para a sua prática profissional, balizando-se na defesa dos

direitos e da cidadania da população e dos grupos sociais mais empobrecidos e destituídos da

riqueza produzida socialmente. Por isso que a profissão de Serviço Social, como um elemento

constituinte e constituído pelo conjunto dos vínculos, nexos e processos contraditórios que se

estabelecem no interior da sociedade capitalista e das relações humanas e sociais, entra no

novo milênio, postulando novas propostas e assumindo e fortalecendo novos compromissos

ético-políticos, quer como categoria, quer como um dos protagonistas desse elenco de

mudanças, no sentido de garantir os direitos e a cidadania dos usuários dos serviços e das

políticas sociais.

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É, assim, em sintonia com o conjunto dessas transformações, ocorridas na

sociedade brasileira e na profissão, que o tema aqui analisado brotou e se desenvolveu, tendo

como referência a prática do assistente social na área da saúde mental, centrada na cidadania e

nos direitos dos usuários desse serviço especializado. Na verdade, a procura se dá pela

apreensão de que a profissão de Serviço Social é um produto de múltiplas determinações, não

estando determinada aprioristicamente, pois o sentido que os profissionais imprimirão à sua

prática sofre os reflexos das lutas, contradições e dilemas de uma conjuntura mais ampla, num

movimento contínuo, dinâmico e contraditório que envolve a sociedade, os indivíduos e os

grupos sociais. Significa dizer que os processos de inserção do profissional de Serviço Social

no universo das diversas instituições se faz de acordo com a historicidade e dinamicidade da

sociedade e de suas relações sociais, podendo assumir diferentes posições, segundo a maneira

de ver e conceber a realidade social e o agir sobre ela.

Nessa direção, o estudo busca analisar, os diversos processos que envolvem a

dialeticidade e historicidade que marcam a profissão de assistente social, ao inserir-se, em

dadas circunstâncias, nas várias instâncias da sociedade, como o Estado, as instituições, os

grupos e as classes sociais, que se encontram em permanente movimento de luta,

estabelecendo múltiplas relações, significados e rumos. Assim, o objetivo é mesmo

compreender a prática profissional do assistente social na área da saúde mental, dentro de um

movimento dinâmico em que se estabelecem vínculos e relações com os grupos sociais,

sobretudo com os mais empobrecidos, tomando como referência uma perspectiva ampla, que

envolve os nexos, ligações, vínculos e processos que perpassam esse fazer, na concretude de

cada realidade, evidenciando-se na totalidade e na historicidade de uma dada realidade social,

institucional e profissional, sob os aportes da dialética crítica.

A adoção de um percurso metodológico ancorado na dialética crítica se justifica

na medida em que esta aborda o real no contexto das múltiplas relações sociais e na

perspectiva dos movimentos da totalidade histórica e da contraditoriedade dos problemas,

necessidades, lutas e reivindicações sociais, que envolvem práticas e sujeitos concretos. Nessa

ótica, a sociedade é uma estrutura complexa, multidimensional, contraditória e em

permanente movimento, na qual os sujeitos que a compõem vivenciam múltiplas experiências

e sentimentos diversos e dilemáticos, como atores protagonistas da história, de sorte que

através da dialética crítica é possível adquirir o suporte para se compreender de modo mais

amplo a totalidade e as nuances da realidade complexa da prática do assistente social em

dadas instituições e espaços de atuação profissional. Nessa perspectiva, leva-se em

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consideração, de forma articulada, contraditória e dinâmica, elementos de análises como

objetividade, subjetividade, totalidade, particularidade, singularidade, transitoriedade,

historicidade, cultura, ideologia, etc. Aliás, diz Michael Löwy (1985, p.14) que

a hipótese fundamental da dialética é de que não existe nada eterno, nada

fixo, nada absoluto. Não existem idéias, princípios, categorias, entidades absolutas, estabelecidas de uma vez por todas. Tudo o que existe na vida

humana e social está em perpétua transformação, tudo é perecível, tudo está

sujeito ao fluxo da história.

Enfim, a dialética leva a pensar a realidade e o sujeitos sociais em permanente

contradição e dinamicidade, num movimento contínuo de acomodação e transformação.

Como método de investigação da realidade, insere-se no quadro das abordagens qualitativas

de estudo, que tentam analisar os objetos investigados numa dimensão de totalidade e

dinamicidade históricas. Nesse sentido, a escolha por essa abordagem é explicável por

Minayo (2002, p.21-2) quando diz que

a pesquisa qualitativa responde a questões muitas particulares. Ela se

preocupa nas ciências sociais com um nível de realidade que não pode ser

quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais

profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser

reduzidos à operacionalização de variáveis.

É por essa perspectiva que se pretende, neste estudo, conceber que a profissão e a

prática profissional do assistente social, que ao assumir rumos e sentidos variados no seu

processo de inserção na dinâmica societária, enfatiza que isso não está determinado a priori. É

que, mesmo sendo, em última instância, socialmente determinado pelas relações e pelo modo

de produção capitalista, o Serviço Social, ao inserir-se historicamente nas sociedades

brasileira e piauiense, na trama das relações sociais, permeia e é permeado por interesses,

conflitos, dificuldades, contradições e dilemas, inerentes à essas sociedades, em permanente

processo de transformação. Dessa forma, é possível que, em dados momentos e circunstâncias

históricas a direção que os profissionais imprimem a sua prática depende do conjunto das

forças sociais em luta, podendo engendrar ações no rumo de corroborar, de alguma forma,

para a defesa e a garantia dos interesses dos grupos mais empobrecidos e excluídos da

sociedade, ou, ao contrário, assumir, na sua intervenção, os pleitos dos setores mais abastados

e detentores do poder econômico e político. No entanto, nesse estudo parte-se do

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entendimento de que, não existe um Serviço Social que canalize suas ações somente aos

setores mais abastados da sociedade ou que assuma uma posição apenas favorável aos setores

mais empobrecidos, pois, como já se afirmou, a profissão e os profissionais, no seu cotidiano,

influenciam e são influenciados, pelo complexo das múltiplas relações sociais em confronto,

de sorte que, num contexto social mais amplo, os rumos, sentidos e limites que o profissional

de Serviço Social imprime à sua prática estão relacionados a fatores que lhes são internos e

externos e lhes influenciam cotidianamente.

Como exposto anteriormente, a instituição escolhida como lócus é o Sanatório

Meduna, o que se justifica por se constituir ela num dos centros de referência na assistência

em saúde mental no Piauí e mesmo para alguns estados vizinhos, como o Maranhão e por ser

o espaço ocupacional da pesquisadora, onde exerce a prática profissional de assistente social,

despertando-lhe assim, o interesse de melhor conhecer o Serviço Social do hospital, posto que

nele também atuam outros profissionais da área. Ademais, o Sanatório Meduna é uma

instituição ainda pouco explorada por pesquisas acadêmicas, apesar do meio século de

existência prestando serviços de saúde mental à comunidade, sobretudo a piauiense.

No geral, o universo da pesquisa se constitui pelo grupo de profissionais de nível

superior do Sanatório Meduna que compõem a equipe interdisciplinar do setor de Internação

Integral, ou convencional. A escolha desses sujeitos1 está baseada numa amostra intencional,

estabelecida em função dos objetivos a alcançar, de modo que, no que respeita ao quadro de

assistentes sociais, que totaliza quatro profissionais, incluindo a pesquisadora, três delas

foram envolvidas, sem mencionar que dos 16 profissionais que compõem a equipe dos demais

profissionais do Sanatório Meduna, entre psiquiatras, enfermeiros, terapeutas ocupacionais,

educador físico, nutricionista e psicólogos, três destes foram envolvidos na pesquisa.

Participaram também dois diretores (um clínico e um dos fundadores da instituição que atuou,

igualmente, como diretor clínico, por várias décadas). Do universo dos usuários, que

correspondia a 220 na época da realização da pesquisa de campo2, formou-se uma amostra de

pelo menos 5%, o que equivale a onze usuários, com suas respectivas famílias ou

responsáveis, totalizando, assim, 22 pessoas. Essa escolha dos usuários levou em conta

critérios como se achar internado no Sanatório entre os meses de novembro de 2003 a janeiro

de 2004, ter alta médica marcada ou prevista, possuir mais de uma internação no Meduna, o

grau de interesse em participar das atividades efetivadas sob a orientação da assistente social,

1 Neste estudo, os nomes dos sujeitos participantes serão fictícios, como forma de garantir o anonimato das

pessoas entrevistadas. 2 O período da realização da pesquisa de campo compreendeu os meses de novembro de 2003 a janeiro de 2004.

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como Grupo Informativo, Grupo Terapêutico, Recreação e Festas Comemorativas, e a

condição psíquica ao tempo da pesquisa, em termos de diálogo e orientação no tempo e

espaço, etc. São, no caso, trinta o total de sujeitos entrevistados3, sempre sob o devido

consentimento.

Todos esses sujeitos têm importância e significação no processo de luta, reflexão e

construção da prática profissional do Serviço Social no Sanatório Meduna. São, aliás, estes

sujeitos assistentes sociais, usuários, familiares, demais profissionais da equipe

multiprofissional e representantes da direção que convivem e mantêm uma interação no

mesmo espaço de trabalho e compartilham das ações voltadas para o tratamento especializado

do transtorno mental.

Antes da coleta de dados, realizaram-se junto aos sujeitos envolvidos, inúmeros

contatos formais e informais, com reiteradas explicações sobre os objetivos e a importância da

pesquisa, sendo, nessas ocasiões, solicitados o apoio e a cooperação, de acordo com o

interesse e a possibilidade de cada um. Aproveitou-se principalmente os horários de visitas

dos familiares dos usuários ao Sanatório Meduna para o contato com eles, embora outros se

tenham realizado ora por telefone, ora pessoalmente, já que um levantamento prévio dos

usuários de alta nos meses da realização da pesquisa de campo foi efetivado para um

planejamento das entrevistas. Esse foi, sem dúvida, um momento de maior aproximação com

os sujeitos, em particular com as famílias, sondando-se seu desejo e interesse em participar do

processo de construção do estudo.

Com essas informações preliminares, elaborou-se um roteiro de entrevista semi-

estruturada, que considerou alguns eixos centrais a fim de atingir os objetivos pretendidos.

Nesse sentido, toma-se como referência Triviños (1987, p.146) quando diz que “a entrevista

semi-estruturada [...], ao mesmo tempo em que valoriza a presença do investigador, oferece

todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade

necessária, enriquecendo a investigação”. Esse entendimento deu ao roteiro de entrevista três

eixos principais:

a) A experiência concreta do assistente social (o que faz; como faz; por que faz; quais

as dificuldades, possibilidades e limites da prática profissional);

3 O número de trinta sujeitos entrevistados atendeu aos objetivos planejados para este estudo.

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b) A relação profissional x usuários e suas famílias (como se dá; qual a visão que o

profissional tem dos usuários e de sua família e que as famílias e os usuários têm

dos assistentes sociais);

c) A relação profissional do Serviço Social x instituição e equipe interprofissional

(como se dá; como a instituição e a equipe vêem o Serviço Social e quais as

dificuldades, limites e possibilidades dessa relação na perspectiva dos direitos dos

usuários).

Sob esses eixos norteadores, em seguida foi feita a formalização das entrevistas

que, mediante o aval dos sujeitos, foram gravadas em fita K7. Essa gravação possibilitou a

análise das questões centrais à prática do assistente social na relação com os usuários e suas

famílias, a instituição e a equipe interdisciplinar, mostrando com mais evidência as lutas,

contradições e dilemas presentes no cotidiano profissional.

As entrevistas realizadas com as assistentes sociais duraram em média de 1h30 a

2h e foram realizadas em novembro de 2003. Na ocasião, as profissionais se mostraram de

imediato interessadas em apoiar e cooperar com a presente pesquisa, sendo que uma delas não

aceitou a gravação. De modo geral, no desenvolvimento das entrevistas, tentou-se colher e

valorizar as falas, as expressões, os gestos, os olhares, enfim, os dados de natureza mais

qualitativa, por serem carregados de múltiplos significados.

No que tange aos outros profissionais, foram entrevistados um psiquiatra, uma

psicóloga e uma enfermeira, tendo-se a preocupação de se escolher aqueles que, além de

interessados em participar da pesquisa, também se mostraram mais próximos às atividades

desenvolvidas pelas assistentes sociais. O tempo de duração das entrevistas foi, em média, de

40 minutos, e foram realizadas no mês de janeiro de 2004.

Com relação aos membros da direção, foram escolhidos, conforme explicado, o

atual diretor técnico e o ex-diretor, um dos fundadores do Sanatório Meduna. O primeiro

representa a possibilidade de se ter uma nova visão na forma de dirigir e administrar o espaço

institucional, dando um redirecionamento à assistência psiquiátrica e um novo olhar sobre a

atuação do assistente social. Já o segundo, como sócio e fundador, apresenta uma larga

experiência, vivência e convívio com a realidade da instituição psiquiátrica, de sorte que,

como um estimulador da criação do Setor de Serviço Social, enquanto esteve na direção,

sempre motivou e valorizou os seus profissionais no desenvolvimento de suas atividades. As

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entrevistas tiveram o tempo médio de 1 hora de duração e foram realizadas no mês de janeiro

de 2004.

Já os usuários em internação integral e suas respectivas famílias ou responsáveis,

num total de 22 que se mostraram interessados em participar da pesquisa, as entrevistas com

eles duraram em media de 40 minutos a 1 hora e sua realização se deu no período de

novembro de 2003 a janeiro de 2004, sendo que seis famílias foram entrevistadas pela

pesquisadora no próprio Sanatório, pois assim preferiram, enquanto as outras o foram em

casa, após combinados horário e data, de acordo com a disponibilidade de cada uma. No

geral, em todas as entrevistas se tentou enfatizar os aspectos e dados mais qualitativos,

havendo, quando necessário, uma adaptação do roteiro, cujos três eixos foram delineados para

as entrevistas com as assistentes sociais.

Além da entrevista semi-estruturada, realizada com todos os sujeitos, um outro

instrumento foi a observação participante, uma técnica com a qual se pode captar os

fenômenos da realidade social não percebidos através de perguntas. O seu uso requer que o

pesquisador esteja diretamente no campo, no meio das situações em que o objeto de estudo se

manifesta, tendo ocorrido no cotidiano da instituição, onde se observaram as diversas

situações concretas correlatas à prática do assistente social no dia-a-dia de trabalho, bem

como sua importância e riqueza. Ademais, para entender a prática do assistente social no

Sanatório Meduna, mesmo com a escassez de dados documentais, garimparam-se

informações em alguns textos, como os livros de relatórios do Serviço Social, as quais foram

anotadas em diário de campo, sem mencionar que todo o acervo de dados foi subsidiado e

enriquecido, pelo aporte de informações apreendidas sobre Saúde Mental e Serviço Social

constantes nas referências bibliográficas aposta ao final deste estudo.

Os depoimentos contidos nas entrevistas foram trabalhados numa perspectiva da

dialética crítica, por meio da organização de temas, questões e experiências que destacaram os

movimentos, as lutas, as contradições, enfim, a totalidade histórica dessa prática profissional

na saúde mental, sobretudo do ponto de vista da cidadania e dos direitos sociais dos usuários e

familiares. Deve-se, porém, reafirmar que a pesquisa enfatiza o momento atual da prática do

assistente social no Sanatório Meduna, mas entendeu-se necessário e importante, para se

compreender tal momento, percorrer sinteticamente a prática do assistente social no país

desde a década de 1970, sobretudo aquela relacionada à saúde mental, interrelacionando-a

com o contexto mais amplo da realidade brasileira. Por fim, esse longo caminho em que se

tenta sistematizar e analisar as informações e dados apreendidos, procede-se à análise da

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inserção do Serviço Social no Sanatório Meduna, tendo-o como um agente construtor e

propulsor de relações e mediações entre o usuário, a família, a instituição e a sociedade, cujos

movimentos estabelecem significados, rumos e dinâmicas variados e múltiplos, que, em

última instância, objetivam estar, cada vez mais, em sintonia com a garantia da cidadania e

dos direitos do PTM.

Em termos gerais, as principais dificuldades e desafios ao desenvolvimento desta

pesquisa foram os concernentes à falta de arquivos documentais acerca da criação do Serviço

Social na instituição, o que levou a ter como fonte principal de informação as falas, discursos

e expressões dos sujeitos entrevistados, na construção e reconstrução do processo de inserção

do profissional de Serviço Social no Meduna. Houve, também, situações em que os usuários

selecionados, no momento de entrevista, não tiveram condições de participar, por se

encontrarem com quadro de desorientação, inquietação e discurso fragmentado, sendo

necessário adiar ou escolher um outro PTM para substituí-lo, sem dizer da escassez de

literatura que aborde a intervenção do assistente social nessa área, tanto no Brasil quanto no

Piauí.

Almejando atender aos objetivos expostos, o resultado do presente estudo

encontra-se estruturado, neste Relatório, em quatro capítulos. No primeiro, “Doença mental e

assistência psiquiátrica no Brasil”, reconstrói-se a trajetória das manifestações da doença

mental no Brasil, em particular no Estado do Piauí, enfatizando as principais medidas

adotadas pelo poder público na direção do processo de institucionalização da assistência

psiquiátrica no estado, observando os seus desdobramentos nas sociedades brasileira e

piauiense. Para isso, desenvolve-se uma análise geral, de caracterização das Políticas de

Saúde em geral e de Saúde Mental no Brasil, ressaltando-lhes os avanços, dilemas,

contradições e recuos, ao longo de seu processo de constituição na sociedade brasileira.

No segundo capítulo, “O Sanatório Meduna: fundação do Hospital e estrutura

funcional”, examina a trajetória histórica do precursor da psiquiatria piauiense, Clidenor de

Freitas Santos, enfatizando as principais medidas adotadas no redirecionamento da assistência

psiquiátrica no Piauí e o processo de fundação e estruturação do Sanatório como uma

instituição privada que, mantêm convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS) e há meio

século presta assistência psiquiátrica no Estado do Piauí. Além dos avanços e recuos da

psiquiatria piauiense, enfoca-se ainda, os serviços oferecidos pelo Meduna e o percurso do

PTM e família no seu interior, bem como uma análise do funcionamento e estrutura interna da

instituição.

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O terceiro capítulo, “Serviço Social como prática profissional”, dedica-se ao um

estudo mais amplo e profundo do processo de constituição do Serviço Social no Brasil, a

partir, sobretudo, do Movimento de Reconceituação do Serviço Social (MRSS), que emergiu,

em 1965, numa conjuntura de inúmeras transformações econômicas, políticas, sociais,

ideológicas e culturais que floresceram nas sociedades brasileira e latino-americana,

Movimento esse que, questionou os aportes teóricos, metodológicos e políticos que até então

sustentavam a profissão. Nesse sentido, faz-se um balanço dos principais aspectos do

surgimento do Serviço Social e seus desdobramentos como sujeito histórico no processo de

enfrentamento da questão social no Brasil, bem como se examina o processo de inserção e

interlocução do assistente social na área da saúde mental na sociedade brasileira, em

particular no Sanatório Meduna, particularizando-a e articulando-a com a viabilização e a

garantia da cidadania e dos direitos do PTM.

O quarto capítulo, “O Serviço Social e a cidadania do portador de transtorno

mental”, dedica-se à análise, reflexão e ampliação do entendimento do significado do

processo de constituição da cidadania no Brasil e da relação do Serviço Social com a

temática. Em sintonia com os capítulos anteriores, a cidadania se demarca pela superação de

seu conceito clássico por uma nova perspectiva, que a abrange como um processo histórico

em constante movimento, mutação, consolidação e aperfeiçoamento. Com base nessas

considerações, discute-se a apreensão das representações construídas acerca da prática

profissional do assistente social pelo conjunto dos diversos sujeitos protagonistas do estudo,

tomando como ponto de partida suas falas, gestos, sentimentos, expressões, saberes, desejos,

vontades, vivências e experiências, evidenciado-se os usuários, a instituição psiquiátrica, a

família, as assistentes sociais, os demais profissionais, pelo elucidamento das inúmeras

representações ou “imagens sociais”, da prática do assistente social no Sanatório Meduna,

notadamente ao estabelecerem relações profissionais.

Em síntese, esta pesquisa pretende contribuir para o enriquecimento das reflexões

acerca dos processos de inserção do assistente social nos diversos espaços ocupacionais na

sociedade brasileira, em especial na área da saúde mental no Sanatório Meduna e no Estado

do Piauí, fomentando-se novos questionamentos nessa área, protagonizada por assistentes

sociais, mas ainda carente de análises. Por último, busca este estudo o fortalecimento das

ações dos assistentes sociais na perspectiva dos direitos e da cidadania dos usuários dos

serviços sociais, particularmente os de saúde mental.

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CAPÍTULO I

DOENÇA MENTAL E ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL

Este capítulo tem por objetivo contextualizar historicamente as manifestações da doença mental no Brasil, sobretudo no Estado do Piauí, ressaltando as principais medidas tomadas pelo poder público na área e seus desdobramentos nas sociedades brasileira e piauiense. Para isso, será feita, primeiramente, uma caracterização geral da trajetória das Políticas de Saúde no Brasil, com seus avanços e recuos.

1.1 As Políticas de Saúde no Brasil

Diferentemente do que ocorreu nos países centrais, as políticas de proteção social

no Brasil, sobretudo as Políticas de Saúde, tiveram, segundo especialistas como Bravo (2000),

Conh (2001), Faleiros (2000) e Draibe (1990), um desenvolvimento lento, frágil e tardio, além

de historicamente manter íntima relação com o processo de acumulação capitalista, no sentido

de que, por um lado, o seu uso e gestão pelo Estado se dá como mecanismo de intervenção na

sociedade brasileira, objetivando, em última instância, garantir a reprodução das relações

sociais fundamentais dessa sociedade. Por outro, as políticas de proteção social, nos diversos

contextos histórico-políticos de constituição da sociedade brasileira, representam também um

processo de luta e conquista de cidadania do povo, em especial dos setores organizados. Não

obstante, a efetivação e consolidação das Políticas Sociais, em particular das Políticas de

Saúde, como conquista da cidadania, não está acabado, pois vem sendo (re) construído e (re)

efetivado ao longo da história do país, apesar dos avanços, recuos, limites e dificuldades de

ordem e natureza variadas ainda não plenamente superados e que convivem, ao mesmo

tempo, com novos desafios e exigências, impostos por uma sociedade em permanente

mudança.

Nesses termos, os diversos problemas relacionados à área de saúde no Brasil, nos

seus diferentes momentos históricos, vêm, desde a década de 1920, sendo postos, pela

sociedade, como uma questão a ser enfrentada pelo poder público de forma mais

sistematizada. Na verdade, os problemas sociais e os da área da saúde se agravam por conta

de um conjunto de alterações nos modos de organização social, econômica e política, tendo,

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segundo Bravo (2000, p.105), “como indicadores mais visíveis o processo de industrialização,

a redefinição do papel do Estado” e outros requerimentos advindos, principalmente, da classe

trabalhadora, o que fez com que o Estado adotasse medidas mais planejadas para atender aos

reclamos da reestruturação por que passava a sociedade, à época.

Nesse contexto de profundas mudanças na organização econômica, política e

social, as Políticas de Saúde no Brasil se vêem, no decorrer de sua trajetória, transpassada por

dilemas e impasses ainda não superados e, às vezes, agravados, como, por exemplo, a falta de

recursos financeiros próprios para o setor, o incentivo e privilégio aos serviços médicos do

segmento privado em detrimento da valorização do público e a ênfase nas medidas de caráter

mais curativo que preventivo. É que, até então, a saúde era compreendida sob a lógica de

ausência de doenças, deslocada, assim, de uma visão mais ampla, que as vê no interior de um

processo social, histórico e contraditório, em permanente transformação e acomodação.

No Brasil, esse entendimento estreito só veio a ser superado, alcançando-se uma

amplitude mais expressiva, com a Constituição de 1988, porquanto “a proteção social, até

então praticamente restrita aos contribuintes do sistema previdenciário, foi estendida à

população em geral [...], bem como se viu afirmada a universalização dos serviços de saúde e

de assistência social” (COHN, 2001, p.55). É, pois, nessa Carta, que há a tentativa de

superação do velho conceito de saúde, relacionado à ausência de doenças, agora tida como um

direito do cidadão e um dever do Estado, que deve gestá-la para todos, sem nenhuma

distinção de raça, sexo, cor ou classe social. Com efeito, com o Texto de 1988 a saúde passa a

definir-se sob uma ótica mais ampla, compreendida no contexto das condições sócio-

econômicas dos indivíduos, grupos e classes sociais, inserindo-se nelas a moradia, a

educação, a alimentação, o trabalho, o lazer e a cultura vivenciados pela população e agora

um direito universal, independentemente de qualquer contribuição prévia, uma vez que se

trata de elemento da cidadania dos homens e mulheres do país. A saúde, por esse ângulo, é

um processo social sempre em construção e maturação e, assim, nunca acabado, podendo-se,

então, dizer que “o sistema de saúde transitou do sanitarismo campanhista (início do século

XX até 1965) para o modelo médico-assistencial privatista, até chegar, no final dos anos 80,

ao modelo plural, hoje vigente, que inclui, como sistema público, o SUS” (MENDES, 1999,

p.58).

Na verdade, um dos primeiros sistemas de Política de Saúde adotados no Brasil,

como forma de enfrentamento da questão social, deu-se no início do século XX, foi o

“Sanitarista Campanhista”, levado a cabo pelo Estado brasileiro sob dois sub-setores: saúde

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pública e medicina previdenciária. A concepção de saúde do modelo campanhista baseava-se

numa explicação monocausal dos problemas relacionados à área que, segundo Mendes (1999,

p.58), “se explicam por uma relação linear entre agente e hospedeiro”, entendendo-se então

que o combate à doença era possível pelo rompimento dessa relação linear, através de

medidas intervencionistas de cunho repressivo. A adoção do modelo é uma resposta às

adversidades da conjuntura dos anos de 1930, cujos acontecimentos principais se vinculavam

à crise mundial do capital, a chamada “grande depressão”.

Trata-se de uma conjuntura de franca expansão urbano-industrial do país, marcada

por forte crise social, com desemprego, baixos salários e migração do campo, o que agravava

profundamente as condições de vida da população que, nesse momento, organizava-se de

modo crescente e significativamente, reivindicando melhorias e garantias de direitos, como

dentre outros, férias e redução da jornada de trabalho. Tal contexto, se comparado a outros

períodos, conclamava o Estado brasileiro a redirecionar suas ações e a reconhecer os

problemas sociais e seus reflexos na área da saúde como questão política a ser enfrentada e

solucionada sob seu comando e direção. São, por isso, elaborados e implementados pelo

Estado, como resposta, aparatos político-estratégicos de intervenção na saúde, procurando

canalizar as tensões sociais que, à época, se formavam.

Assim, a grande preocupação do governo na área da saúde pública, pelo menos no

início, volta-se para a melhoria das condições sanitárias básicas da população, principalmente

no setor urbano do país, já que, na área rural, as ações foram tímidas e pouco intensas. Por

conseguinte, nas décadas de 1930 e 1940, as medidas centrais se referem ao planejamento de

campanhas sanitárias e à coordenação dos serviços estaduais de saúde, sob o comando do

Departamento Nacional de Saúde (DNS), que leva para as principais cidades e para as áreas

rurais o combate às endemias, como malária, febre amarela, gripe espanhola, varíola, dentre

outras doenças comuns à época. Não obstante, segundo Draibe (1990), Bravo (2000) e

Faleiros (2000), o principal interesse do governo com as campanhas sanitárias era sanear os

portos marítimos e as ruas de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, visando proteger o

comércio e a nascente indústria, de modo a garantir o processo de acumulação do capital.

O governo também agiu, embora com menos ênfase, no campo da medicina

previdenciária, implementando-se em 20 de janeiro de 1923, por lei do deputado paulista Elói

Chaves, as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP‟s), na verdade a primeira forma de

seguro para os trabalhadores. A CAP‟s pioneira foi a dos ferroviários, criada pelo decreto

federal 4.682, de 24 de janeiro de 1923, que estendia os benefícios para outras empresas com

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mais de cinqüenta empregados em seus quadros, sendo esse tipo de previdência fortalecido

pelo poder público nos anos de 1960 (COHN, 2001), valendo porém lembrar que, já em 1919,

tinha sido aprovada, por ações do senador paulista Adolpho Gordo, uma lei de seguros de

acidentes de trabalho operados por seguradoras particulares. O principal caráter das CAP‟s era

promover amparo médico assistencial aos formalmente inseridos no mercado de trabalho que

para elas contribuíam, de modo que o acesso a esses serviços era, assim, restrito, com as

CAP‟s organizadas por empresas e administrado e financiado o sistema pelo empresariado e

os trabalhadores.

Em 1933, foram criados, pelo governo brasileiro, os Institutos de Aposentadorias

e Pensões (IAP‟s), que abrangiam serviços diferenciados, como aposentadorias, auxílios-

doença e auxílios-funeral, também não estendidos a todas as categorias de trabalhadores, já

que, num primeiro momento, destinavam-se apenas às ligadas à infra-estrutura de serviços

públicos e, posteriormente, a outros setores, como os ferroviários e os portuários. Para Bravo

(2000 p.106), a criação desse sistema “pretendeu estender para um número maior de

categorias de assalariados urbanos os seus benefícios como forma de antecipar as

reivindicações destas categorias e não proceder a uma cobertura mais ampla”.

Na verdade, só tinham acesso a esses benefícios os trabalhadores reconhecidos,

pelo governo, como integrantes de categorias importantes ao processo de produção que se

encontrassem em situação ocupacional legitimada pelo vínculo contratual contributivo.

Nesses termos, só eram cidadãos os trabalhadores com profissão reconhecida em lei como

atividade laborativa, de modo que homens e mulheres não enquadrados nesse perfil eram

tidos como pré-cidadãos, condição essa que abrangia larga parcela da população brasileira,

como os trabalhadores do campo. A carteira de trabalho passa então a ser o principal

instrumento de exercício e garantia dos direitos sociais, de tal forma que a esse tipo de

cidadania Santos (W., 1979, p.75) atribui o adjetivo “regulada”, devido ao caráter de

obrigatoriedade de vínculo formal ao mercado de trabalho. Mas, a partir dos anos de 1940 e

1950, tem-se um grande desenvolvimento econômico no país e, conseqüentemente, um

expressivo aumento da massa segurada, fase em que o Estado investiu, sobremaneira, no

campo da saúde pública, com medidas de melhoria das condições sanitárias das cidades

(saneamento básico, cobertura vacinal, etc). Embora importantes, tais inversões não

eliminaram, de forma significativa, o quadro de doenças infectocontagiosas e parasitárias, os

grandes índices de mortalidade infantil e a mortalidade em geral.

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Os anos de 1950, 1956 e 1963 são considerados por alguns estudiosos, como

Draibe (1990) e Bravo (2000), como os de maior aplicação de recursos públicos na área da

saúde. Nesses períodos, os governantes priorizaram os serviços previdenciários e médicos

prestados pelos IAP‟s, deixando em segundo plano a compra dos serviços médicos dos setores

particulares, que por causa disso exerciam uma grande pressão sobre o governo, no sentido de

fortalecer e expandir o seu atendimento hospitalar, não incentivado, naquele momento. Essas

estruturas do setor privado que visavam ao atendimento médico hospitalar, montadas a partir

da década de 1950, foram intensamente valorizadas na década seguinte, já na ditadura militar,

pela ampliação da política assistencial para alcançar, por esse meio, a legitimação do regime

de exceção. Instaurara-se, então, no cenário político brasileiro, um governo militar, que

adotava um discurso desenvolvimentista de integração nacional e propunha a modernização e

o crescimento do país, com investimentos em setores estratégicos, como transportes, estradas

e comunicação, de sorte que esse momento, marcado sobretudo pelo enfoque econômico, não

se refletisse, com a mesma ênfase na esfera social. Mesmo assim, a ditadura, através do golpe

militar, não representou “para a sociedade brasileira a afirmação de uma tendência de

desenvolvimento econômico-social e político que modelou um país novo” (BRAVO, 2000,

p.107), havendo, nessa fase, um profundo agravamento dos conflitos e problemas sociais e

uma desmesurada repressão dos movimentos sociais organizados.

Mas, ainda antes do período ditatorial, havia forte pressão dos trabalhadores, que

cobram do Estado uma maior eficiência do sistema previdenciário. São formuladas, então,

várias normas, entre elas a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) que, editada em 1960,

propôs a uniformização dos benefícios prestados pelos IAP‟s, os quais assumiram a

assistência médica individual a todos os beneficiários, apesar de a ditadura militar de 1964

adotar o modelo do “privilegiamento do produtor privado” (idem, 2000, p.105), de modo que

a Política de Saúde estatal passa, a partir daí, a ser marcada, de um lado, pela valorização

expressiva da medicina e da previdência privadas, em que a prática médica volta-se mais para

os interesses da lucratividade, em detrimento da saúde pública, e, de outro, pela ênfase no

perfil assistencial, com vistas a aumentar o controle do Estado sobre a sociedade, aliviando as

tensões sociais e assegurando a acumulação do capital e a “paz social”. Nesse sentido, Cohn

(2001, p.45) assevera que

esse processo de privatização da saúde promovido pela política

previdenciária é de tal monta, sobretudo a partir da criação do INSS no início do regime militar, que no interior da própria Previdência Social,

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enquanto imagem pública, inverte-se a relação beneficio/prestação de

serviços médicos, apesar de os dados orçamentários mostrarem o contrário.

Essa inversão demonstra a crescente importância que a assistência médica vem assumindo no interior da Previdência Social.

Desse modo, o Estado brasileiro, comandado pelos militares, adotou, segundo

Bravo (2000, p.107), medidas baseadas no “binômio repressão-assistência [...], com a

finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a sociedade [...] e o alijamento dos

trabalhadores do jogo político, com sua exclusão na gestão da previdência, ficando-lhes

reservado o papel de financiadores [da política previdenciária]”, o que ocorreu

concomitantemente ao processo de unificação da Previdência Social, em 1966, como resposta

ao interesse estatal de incrementar o papel regulador e interventor sobre a sociedade. Aliás,

esse modelo médico-assistencial, valorizador do setor privado, enaltece a “medicalização da

vida social” (BRAVO, 2000, p.107), representada por ações de assistência médica curativa

individual em detrimento das de caráter preventivo, dirigidas à coletividade, por isso que,

doravante, a ênfase na assistência médica privada impossibilitará o acesso de muitos

brasileiros aos serviços de saúde, reforçando a exclusão, aumentando as desigualdades sociais

e agravando a condição de pobreza de expressiva parcela da população. Isso se dava porque

para os governos do período, a saúde necessitava de características capitalistas, devendo

incorporar as modificações tecnológicas ocorridas no mundo e, nesse sentido, nada mais

coerente que a prática médica orientar-se para a lucratividade, favorecendo a capitalização da

saúde e a hegemonia do setor privado.

Com tais marcas, as Políticas de Saúde, no plano nacional, apresentam, no período

da ditadura militar, graves contradições e tensões, como a ampliação dos serviços e a não

disponibilização suficiente de recursos financeiros para o setor, sem mencionar o jogo de

interesses provenientes das conexões burocráticas entre o Estado-gestor das políticas, o

empresariado-médico-executor e as idéias do emergente Movimento Sanitário. Este

movimento originou-se no Brasil ainda nos anos de 1960, ligado aos trabalhadores da saúde

que participavam de lutas que a reivindicavam como um direito de todos, exigindo serviços

descentralizados com qualidade e abrangência a todos os brasileiros, sem distinção, não sendo

possível deixar de sublinhar que o embate incluía a superação do regime autoritário, idéias

essas que se fortaleciam e ganhavam força no Brasil de então (TEIXEIRA, 1989).

A correlação de forças entre os interesses do setor privado e os do Movimento

Sanitário, diferentes e contrários, levou, como estratégia de sobrevivência do autoritarismo

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burocrático, à formulação de propostas de reforma da estrutura organizacional do Estado que,

ao ter de fazer concessões, não obteve pleno êxito. Na verdade, o Estado não logrou alterar a

direção da saúde naquele momento, caracterizada fortemente por medidas curativas e pela

contratação de serviços do setor privado para executá-las. Ademais, a tentativa do Ministério

da Saúde de adotar medidas de saúde pública, objetivando ampliar e interiorizar as ações,

através da “implantação de estrutura básica de saúde pública e o aumento de cobertura,

viabilizadas por programas pilotos” (BRAVO, 2000, p.108), também não se efetivou, por

serem limitadas e de pouca abrangência. Como exemplo podem-se mencionar os casos do

Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) e o Programa de Interiorização das

Ações de Saúde e Saneamento no Nordeste (PIASS), ambos pouco exitosos. Nessa fase, a

Política de Saúde apresentava-se, dentro desse arcabouço estatal, como eminentemente

assistencialista-clientelista, embasada na concessão e na troca de favores, políticos e pessoais,

estando ausente, assim, qualquer noção de direito ou cidadania.

Somente no final do período militar o Ministério da Saúde amplia as medidas de

saúde pública para fora do circuito urbano, levando, para o interior do país, a atenção primária

e aumentando a cobertura e a estrutura do sistema de saúde, até então frágil e excludente.

Devido ao fato de o Estado ser o maior financiador do sistema, através da Previdência Social,

e por ser o maior prestador de atenção médica, o setor privado devia ter, mas não teve, em

contrapartida, um processo de fiscalização rigoroso da qualidade dos serviços oferecidos à

sociedade, das prestações das contas apresentadas e dos critérios adotados para as compras de

serviços de saúde, o que lhe favoreceu o crescimento vertiginoso (COHN, 2001). Na década

de 1970, acentuou-se a tendência de organização do sistema de saúde, com a cobertura

previdenciária expandindo-se para a população urbana e parte da rural, sem embargo do

aprofundamento do aspecto privatista, sendo elaborado pelo governo o Plano de Pronta Ação

(PPA), que objetivava não só universalizar a atenção às urgências, mas também apresentar um

novo parâmetro assistencial, denominado de medicina de grupo, viabilizada por convênios

com empresas, além de reorganizar as relações da Previdência Social com os prestadores de

serviços, por diferentes formas de pagamento pelos contratos firmados. Outro aspecto

relevante é que, em 1977, o sistema de saúde se baseará no Sistema Nacional da Previdência e

Assistência Social (SINPAS), instituído pela Lei Federal nº 6.439, composto pelos Instituto

Nacional de Assistência Médica de Previdência Social (INAMPS), Instituto Nacional de

Previdência Social (INPS) e Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social

(IAPAS).

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No final dos anos de 1970, o surgimento de novos atores sociais impulsionam e

revigoraram os movimentos da sociedade civil, que requerem uma maior eficiência e a

ampliação da oferta dos serviços sociais, em particular dos serviços de saúde. É nessa

conjuntura que se fortalece, no Brasil, o Movimento de Reforma Sanitária, que defendia

melhores condições para os serviços de saúde, que encampava a luta contra a ditadura militar,

e se aliou aos movimentos mais amplos da sociedade civil, no sentido não só do

restabelecimento da democracia no país, mas também da articulação de um conjunto de forças

políticas canalizadoras das exigências e dos anseios de alteração da Política de Saúde

brasileira. Segundo Bravo (2000, p.113), o Movimento tinha, como idéia central, “assegurar

que o Estado atue em função da sociedade, pautando-se na concepção de Estado democrático

e de direito responsável pelas políticas sociais e, por conseguinte, pela saúde”. Desse modo,

as lutas e movimentos levados a efeito, nesse momento histórico, contribuem para que a

problemática da saúde alcance expressão significativa nos espaços legislativos e na sociedade

civil organizada, passando a ser considerada, consoante Mendes (1994, p.42), como

um direito universal e suportada por um Sistema Único de Saúde,

constituído sob regulação do Estado, que objetive a eficiência, eficácia e

eqüidade e que se construa através do incremento de sua base social, da

ampliação da consciência sanitária dos cidadãos, da implantação de um outro paradigma assistencial, do desenvolvimento de uma nova ética profissional

e da criação de mecanismos de gestão e controle populares sobre o sistema.

Isto, aliás, é fortalecido nos anos de 1980, com a superação, em meio a uma

profunda e duradoura crise econômica que ainda hoje se reflete na conjuntura do país, do

regime ditatorial. Mas, a fim de reorganizar os serviços de saúde acontece, em março de 1986,

em Brasília, a VIII Conferência Nacional de Saúde, na qual “todo o movimento encetado pelo

projeto contra-hegemônico nos campos político, ideológico e institucional, desde o início dos

anos 70, vai confluir para esse acontecimento” (MENDES, 1994, p.41), daí ter essa

Conferência representado um grande avanço em defesa da ampliação e universalização dos

serviços de saúde, até porque promoveu a mobilização maciça da sociedade civil organizada,

pela reunião de diversos setores e segmentos sociais. Para Mendes (1994), as conclusões

dessa Conferência tiveram desdobramentos consideráveis no âmbito da Comissão Nacional da

Reforma Sanitária, uma vez que os ideais nela defendidos foram reconhecidos e acolhidos,

constituindo-se o Evento num forte instrumento político e ideológico, com influência sobre

dois processos que se iniciam em 1987. O primeiro, no âmbito do Executivo, ocorreu em 20

de julho, com a criação, pelo Decreto 94.657, do Sistema Unificado e Descentralizado de

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Saúde (SUDS), resultado de acordos do Ministério da Saúde com os governos estaduais, em

substituição às Ações Integradas de Saúde (AIS), implantadas na década de 1980 como

medida de contenção de despesas com assistência médica, até então vista como a causa do

déficit orçamentário do governo. O segundo se deu no Congresso Nacional, que elaborava a

nova Carta Magna do país, promulgada no ano seguinte, 1988.

A VIII Conferência difere das demais em dois pontos principais, sendo o primeiro

o seu caráter democrático, já que contou com ampla participação das forças comprometidas

com a temática da saúde. O segundo se expressa na sua dinamicidade processual, pois antes

de sua realização ocorreram encontros preparatórios nos municípios e estados, até alcançar o

plano nacional, tendo sido o relatório final da Conferência aprovado nas comissões técnicas

da Constituinte, em meio a um amplo consenso das forças sociais nela representada. Em

suma, após muitas discussões e embates, a saúde tem o conceito ampliado na Conferência e

reafirmado na Constituição de 1988, passando a definir-se como produto das condições de

habitação, moradia, educação, renda, emprego, lazer e transporte da população, de sorte que

passa a ser vista a partir da realidade histórica e social da sociedade brasileira.

Essa nova concepção de saúde, reorganizada na lógica dos princípios defendidos

pela Reforma Sanitária, foi incorporada na transição do Sistema Unificado Descentralizado de

Saúde (SUDS) para o Sistema Único de Saúde (SUS). É que se visava constituir, de fato, um

sistema de saúde capaz de responder amplamente aos anseios da sociedade brasileira, em sua

histórica luta pela superação de um modelo altamente comprometido com os interesse

privados e imediatos dos grupos dominantes. O SUS, em suas idéias basilares, caracteriza-se

pela descentralização nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e tem como

prioridade a universalização e a eqüidade dos serviços de saúde para todos os brasileiros,

independentemente de qualquer contribuição social, com a participação complementar da

iniciativa privada. Nesse contexto, a saúde é considerada como um direito universal e um

dever do Estado, conforme preceitua o artigo 196 da Constituição Federal de 1988. Aliás,

Mendes (1999, p.62) diz que

a saúde na nova Constituição é definida como resultante de políticas sociais

e econômicas, como direito de cidadania e dever do Estado, como parte da

Seguridade Social e cujas ações e serviços devem ser providos por um Sistema Único de Saúde, organizado segundo as seguintes diretrizes:

descentralização, mando único em cada esfera de governo, atendimento

integral e participação comunitária.

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O SUS, como sistema de saúde organizado sob essas diretrizes, está amparado

pela Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990), pelas

Constituições Estaduais e pelas Leis Orgânicas Municipais (MENDES, 1994), sem mencionar

a Lei Federal nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõem sobre a participação da

comunidade no processo de gestão do SUS e sobre os recursos destinados à área. Para a

sociedade brasileira, essa legislação expressou as conquistas inscritas na Carta Magna de

1988, reafirmando, de forma concreta, os princípios defendidos pela Reforma Sanitária e a

esta incorporados.

As análises anteriores indicam que, a partir dos movimentos da sociedade civil

posteriores à década de 1970 e à promulgação da Constituição de 1988, as noções de direito e

cidadania ganham destaque no debate nacional e no processo de formulação e implementação

das Políticas Públicas, em especial as Políticas de Saúde e, por conseguinte, as de Saúde

Mental. É, aliás, nesse contexto que tais Políticas, a serem viabilizadas nas três esferas de

governo, defendem a saúde como direito do cidadão e dever do Estado, numa definição

eminentemente política, que apregoa a transição para uma cidadania plena4, superando os

aspectos compensatórios, embasadores dos modelos pretéritos.

Nesses anos, o arcabouço teórico-prático do campo da saúde ocorria, conforme

Mendes (1999, p.63), “coetaneamente com o avanço inexorável de uma crise fiscal e política

do Estado, que sinalizava o esgotamento da estratégia nacional-desenvolvimentista e da

coalizão sociopolítica que a sustentou durante os anos de esforço industrializante e de

fracassos sociais”. Assim, o Estado, imerso em crise, adquire novas responsabilidades para

com a sociedade, embora, no final dos anos de 1980, depois da efervescência política da

transição democrática cujo ápice se dá no Governo Sarney, seja notável a retração na

implementação dos ideais da Reforma Sanitária, principalmente na defesa da saúde como

direito, exercido num sistema único e descentralizado que viabilize o atendimento universal.

De forma que se ter, no final de 1980, a saúde como direito de todos e dever do Estado

significa palmilhar um processo não acabado, desafio este a ser enfrentado pela sociedade

brasileira, nos anos de 1990, tendo em vista que essa perspectiva contraria interesses de

grupos privados, que defendem a continuidade do padrão de capitalização desses serviços

que, décadas atrás, tiveram vertiginoso crescimento, estimulado pelo próprio Estado, agora,

4 A cidadania é, nesses termos, concebida como uma construção e reconstrução permanente de conquistas de

direitos, num ambiente democrático, superando as condições de formalidade e legalidade, que assegura a

Constituição Federal de 1988. Assim, será entendida aqui na sua forma mais ampla, como um processo

histórico, político e social em permanente movimento e aperfeiçoamento. Nesse sentido, consultar por

exemplo, Dagnino (1994) e Telles (1994).

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em face da realidade do SUS, não querem correr os riscos impostos pelo mercado, no qual se

dão disputas por melhores preços e maior qualidade. Ademais, os obstáculos à construção do

SUS, são intensificados, nesta década, em razão do modelo econômico-político do país,

norteado, a partir de então, pelas propostas neoliberais, surgidas por volta dos anos de 1970.

Estas idéias, oriundas da Inglaterra e dos Estados Unidos, espraiaram-se pelo mundo,

sobretudo os de regime capitalista, atingindo fortemente as nações periféricas, como o Brasil,

já que a base ideológica do neoliberalismo finca-se na contenção severa dos gastos estatais, o

que afeta preferencialmente a gestão das políticas sociais e, por conseguinte, a Política de

Saúde Pública.

Presencia-se então no Brasil e no mundo, nos anos de 1990, a hegemonia do

discurso e das práticas neoliberais, na verdade um intenso ataque do grande capital, vinculado

aos grupos dirigentes, às garantias constitucionais, resultando no amplo enfraquecimento e

larga diminuição das conquistas sociais, asseguradas no período anterior. Por isso é que o

projeto da Reforma Sanitária apresenta sinais de desfalecimento, não concretizando

plenamente as metas propostas, que visavam, sobretudo, ao fortalecimento do setor público e

a universalização do atendimento, a redução do papel do setor privado na prestação de

serviços de saúde e a descentralização política e administrativa do processo decisório da

Política de Saúde do país. Com efeito, o sistema público de saúde brasileiro tem sofrido, nos

últimos anos, um sucateamento sem precedentes, o que conduz a um baixo poder de

resolutividade dos serviços prestados à população usuária, além do que outro obstáculo à

implementação do SUS relaciona-se à inversão da lógica do sistema, que até o momento

privilegia os serviços oferecidos pelos segmentos privados, em detrimento da valorização do

setor público. É que para se assegurar serviços públicos de saúde com qualidade faz-se

necessário um investimento maciço do Estado, nas três esferas de governo, tornando suas

ações mais efetivas e politicamente mais comprometidas, a fim de superarem as resistências

consolidadas, historicamente, nas instituições públicas brasileiras (COHN, 2001).

Após uma década da aprovação da lei que rege o SUS, os problemas, relativos à

sua efetivação, como projeto amplo de saúde pública, são de ordem complexa e variada, indo

da falta de recursos financeiros à não concretização do processo de descentralização, o que

põe o sistema sob permanente ameaça de colapso, cujas conseqüências se refletem, de

imediato, no cotidiano da população brasileira, sobretudo nos setores mais empobrecidos. Não

é à toa que Bravo (2000, p.112) diz que

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a proposta de Política de Saúde construída na década de 80 tem sido

desconstruída. A saúde fica vinculada ao mercado, enfatizando-se as

parcerias com a sociedade civil, responsabilizando a mesma para assumir os custos da crise. A refilantropização é uma de suas manifestações, com a

utilização de agentes comunitários e cuidadores para realizarem atividades

profissionais com o objetivo de reduzir custos.

Isso se dá porque o Estado, na perspectiva neoliberal, deve-se cingir-se ao

mínimo de ações voltadas para as camadas mais vulneráveis da população, sem recursos

financeiros para arcar com a sobrevivência e as despesas na área dos serviços básicos

essenciais, como saúde e educação. Nessa perspectiva, “o Estado deve deixar de ser o

responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social para se tornar o promotor e

regulador, transferindo para o setor privado as atividades que antes eram suas” (BRAVO,

2000, p.112), de modo que, nesse contexto de profundas alterações na estrutura econômica,

política e social do país, “as políticas de proteção social, articuladas pelo neoliberalismo,

transformam-se, assim, numa „espécie de neobeneficência‟, agora não mais a cargo das damas

de caridade, mas do próprio Estado e da sociedade civil por meio das novas solidariedades,

mediadas pelos interesses do mercado” (SIMIONATTO e NOGUEIRA, 2001, p.151).

Estas ações governamentais passam, paradoxalmente, a focalizar-se nos mais

vulneráveis, em contrapartida à ampliação da privatização dos serviços de saúde e ao estímulo

ao seguro privado, o que inviabiliza o processo de universalização dos serviços de saúde, e em

específico os de saúde mental, na medida em que grande parte da população não pode por eles

pagar, até pela piora de suas condições de vida (há, entre expressivas parcelas de brasileiros,

altos índices de desemprego, fome e falta de moradia). Assim, as medidas tomadas pelo

Estado, num contexto neoliberal, não favorecem a plena efetivação do SUS, mas põem

novamente em confronto dois projetos, o da Reforma Sanitária, pautada na concepção de

Estado como responsável pelas Políticas Sociais e de Saúde como direito de todos, e o da

saúde médico-assistencial privatista, a qual, preponderante, se baseia no ajuste de corte

neoliberal e, por isso, defende a forte contenção de gastos na área e o intenso controle da

oferta de serviços pelo setor público, em nome da otimização da economia, o que

desresponsabiliza o Estado de suas obrigações com o social e as transfere para o setor privado

e para a sociedade (BRAVO, 1996). Esses projetos irão, por toda a década de 1990 e ainda

hoje, conviver em confronto, uma vez que de um lado estarão as políticas neoliberais para a

saúde e, de outro, os caminhos preconizados na Reforma Sanitária, que a sublinha como

direito do cidadão e um dever do Estado, sendo inegável os avanços no que tange à

participação popular, ao controle social das Políticas Públicas e à formação de movimentos

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sociais e conselhos de saúde, apesar dos impasses e barreiras colocados pelos neoliberais e

praticados pelos governantes. Destarte, a luta pela efetivação plena do SUS continua em

discussão, estando em maturação e construção, o que mobiliza os brasileiros que desejam um

serviço público de saúde com qualidade e eficiência.

Nesse quadro, as políticas adotadas até o presente momento atentam contra o

substancial fortalecimento e a valorização do SUS e desrespeitam os direitos constitucionais

de grande parte da população. É que os serviços de saúde básicos, quando existem, são

precários, de baixa qualidade e de pouco poder de resolutividade, expondo-a a situações

vexatórias decorrentes do não asseguramento dos direitos de cidadania principalmente do

descompasso entre oferta e demanda, problema para cujo equacionamento não há empenho

dos governantes, faltando mesmo vontade política para construir uma rede de serviços de

saúde sintonizada com as necessidades e os desejos da sociedade brasileira e que se ponha em

plena sincronia com a Constituição de 1988, que garante o acesso a esses serviços como um

direito de todos, sem distinção.

1.2 A Assistência Psiquiátrica no Brasil

Na Antiguidade e na Idade Média, a loucura, embora sem nenhuma definição científica apropriada, era considerada como manifestação dos deuses, anormalidade manifesta do indivíduo ou algo demoníaco ou decorrente de bruxaria. Para Resende (1987, p. 20), “a loucura tem sido uma companheira inseparável do homem ao longo de seu trajeto conhecido pela história, [uma vez que] desde o Velho Testamento aos estudos etnográficos das sociedades chamadas primitivas as referências a loucos são abundantes”.

Nesses termos, a loucura acompanha histórica e socialmente a trajetória da

humanidade, caracterizada por nuances estigmatizantes e preconceituosas, tendo os loucos um

tratamento marcado, sobretudo, pelo desprezo e o repúdio. Nas sociedades pré-capitalistas,

por exemplo, a loucura era uma questão, acima de tudo, privada, porque o poder público só

interferia em assuntos de direitos civis, validando ou anulando, por exemplo, casamentos,

caso algum dos cônjugues enlouquecesse ou a propriedade dos insanos requeresse proteção.

Nessa época, existia na sociedade uma certa tolerância para com os loucos, só que os mais

pobres, quando calmos, vagavam pelas ruas, campos e mercados das cidades, sobrevivendo da

caridade pública ou de pequenos trabalhos, enquanto os mais abastados eram mantidos em

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casa, sob os cuidados de um assistente, o, “auxiliar psiquiátrico”, e recebiam tratamento

médico, embora restrito e precário.

Assim, ao longo dos séculos e nas diferentes sociedades, a loucura foi tida como

algo demoníaco ou derivado de bruxaria. Essa visão era guiada pela compreensão de que os

indivíduos acometidos por alguma insanidade mental deveriam ser isolados do convívio social

e tratados de forma severa, de modo que, nos primórdios da atenção à loucura, os tratamentos

eram muito rudimentares, com alto grau de brutalidade e inspirados na idéia de que a doença

resultava do desequilíbrio dos humores do corpo. Objetivava-se, então, “livrar os doentes de

seus maus humores, sangrando-os até o ponto de levá-lo à síncope, ou purgando-os, várias

vezes por dia até que de seus intestinos nada mais saísse senão água rala e muco”

(RESENDE, 1987, p.25), quando não, no início dos tempos, se os atirava ao mar, nas

chamadas “Naus dos loucos”, que singravam sem destino, aportando de cidade em cidade, ou

se os amarravam aos troncos de árvores ou os trancavam em celas fortes ou quartos isolados,

a fim de não perturbarem a ordem social estabelecida.

Para Michel Foucault (1972), o mundo da loucura “tornou-se o mundo da

exclusão”, já que ela era usada como pretexto para retirar do meio social os considerados

improdutivos, como mendigos, velhos, criminosos, doentes, indigentes, daí dizer Machado et

al (1978, p.377) que “o louco faz seu aparecimento como um perigoso em potencial e como

atentado à moral pública, à caridade e à segurança, [já que] a loucura é perigo a ser evitado

das ruas da cidade [e] liberdade e loucura são antônimos”. Não obstante, um pouco antes do

final do século XV, o advento da manufatura provoca profundas transformações no mundo,

exigindo-se mão-de-obra com maior grau de qualificação e outras aptidões laborais, mais

condizentes aos novos tempos, em que haverá uma racionalização e um controle das

atividades, algo que a sociedade ainda não havia experimentado e não estava habituada, num

momento de intenso declínio do campesinato como classe e num contexto de emergência do

capitalismo como modo de produção. Assim, as mudanças no campo e as transformações

sociais ganhavam visibilidade, deixando a população sem opção de emprego e sem qualquer

meio de sobrevivência, instalando-se um caos, marcado pelo desespero das pessoas, que

passam a mendigar, furtar e assaltar, ganhando, nessa época, a loucura um status de problema

social, ocorrendo, na Europa, medidas de controle do acelerado crescimento de alijados do

processo produtivo pela criação, nos séculos XVI e XVII, das “Casas de Internamentos”,

chamadas de Hospitais Gerais, que serviam de “moradia” para os segregados da sociedade.

Estes, privados de atenção, ficavam amontoados nos porões, sem tratamento especializado,

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posto que os Hospitais Gerais tinham a função de retirar das ruas das cidades os tidos como

anti-sociais, visando reeducá-los sob a égide da moralidade e da religião, sem nenhum caráter

terapêutico (RESENDE, 1987).

No cenário europeu do século XVIII, a nascente burguesia afirma-se como classe

e é aí que se implanta, se mantém e se consolida o Estado Moderno, o que suscita uma gama

de racionalizações pedagógicas, jurídicas e médicas que impõem uma ordem política e

econômica e um novo estilo de vida social, que se valem de técnicas de normalização com o

fito de buscar soluções para as urgências médicas e sociais. Nesse contexto, a Psiquiatria,

entendida como o conhecimento médico sobre a loucura, se positivará no mundo ocidental,

passando a ter um lugar de destaque no enfrentamento dessas urgências, recorrendo ora a

dispositivos punitivos, ora a normativos, tanto que, no final do século XVIII, sob a égide dos

princípios da moralidade e racionalidade burguesas, a Psiquiatria já é tida como “um saber

medicamente institucionalizado e constituído a partir do momento em que a loucura vira um

objeto para o conhecimento humano e adquire, então, o estatuto de doença mental”

(RESENDE, 1987, p.86), assumindo um papel importante no trato desse distúrbio. Em outros

termos, Rosa (2002, p.140-1) afirma que, nessa época,

o louco e a loucura colocam em xeque o princípio essencial da sociedade

burguesa, a razão. Questionam a credibilidade dos princípios da nova ordem,

seus negócios e instituições (justiça, administração, disciplina, polícia,

governo). [...] A burguesia equacionou o problema político que representava

a loucura delegando mandato à psiquiatria, que deslocou o problema

essencialmente político, que ela representava, para a alçada técnica. Ao

tornar a loucura administrável, medicalizou-a. A medicalização da loucura

arbitrou um novo status jurídico, social e civil para o louco, agora alienado,

doente, um agente incluído em um outro código que [...] tornou o louco uma

pessoa tutelada pela psiquiatria [e em que] a internação em um

estabelecimento especial – o asilo – passa a ser o elemento determinante, o

qual condiciona o status de alienado, „doente mental‟, ao louco.

Ocorre, ao mesmo tempo, na Europa, nos Estados Unidos e em outras partes do

mundo um amplo movimento, contrário às formas brutais e arbitrárias de internamento dos

loucos, encampado por médicos influenciados pelas idéias iluministas da Revolução Francesa

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e da Declaração dos Direitos do Homem. Nomes expressivos desse movimento de reforma

foram, na França, Philippe Pinel, que mandou tirar as correntes dos loucos do Asilo

Salpêtriére, William Tuke, na Inglaterra, Todd, nos Estados Unidos, e Chiaruggi, na Itália,

dentre outros que marcaram a história da primeira revolução psiquiátrica, quando se passou a

exigir para os loucos um tratamento sistematizado, em bases mais humanitárias. Esse

tratamento, que recebe o nome de moral, pregava, principalmente, a eliminação da brutalidade

física e da severidade dos maus-tratos e propunha uma disciplina que submetia o doente aos

olhos vigilantes e onipotentes da instituição asilar, de sorte que, para alguns autores como

Foucault (1975), isso, não apresentou avanços, na medida em que apenas substituiu a

violência expressa pela violência silenciosa, praticada no âmbito de instituições fechadas,

como os asilos, sob um caráter normatizador e disciplinador. Esse modelo de tratamento

inspirou os primeiros alienistas brasileiros na formulação e organização, no Brasil, da

assistência ao louco (RESENDE, 1987).

No início do século XIX, com o aprofundamento do capitalismo no mundo, o

médico ganha mais força na sociedade e a loucura adquire nova dimensão, tanto que a

Psiquiatria, como racionalidade médica, que requer um conhecimento e uma intervenção

específicos, consolida-se com a ascensão burguesa ao poder do Estado moderno e enfrentará

a problemática da loucura pela intensificação dos internamentos. Essa conduta era, aliás,

fundamental para livrar-se dos indivíduos e dos grupos que vagavam pelas ruas, ociosas e sem

emprego e que, por perturbar a paz social, traduzia-se em recolhê-los aos asilos e depois a

hospitais psiquiátricos, deixando-os sob atenção médica, encarregada do diagnóstico,

classificação e tratamento.

No Brasil, em mais de quinhentos anos, a trajetória do enfrentamento da loucura

não foi muito diferente do que acontecia no resto do mundo, já que construído sob a égide do

preconceito e do repúdio social, sem falar que, nos primeiros três séculos, ficou ela quase

silenciada na imensidão continental do país, ignorada socialmente. Com efeito, a loucura só

passa a objeto de intervenção do Estado após a chegada da Família Real, nos primórdios do

século XIX, fase em que as primeiras medidas adotadas, no trato da questão, tomou como

base o modelo europeu, sobretudo o francês, que tinha como explicação principal da alienação

os descontroles das paixões (problemas morais). Nesse período, a população psiquiátrica do

país era formada, basicamente, por homens livres, mestiços, negros, pobres, brancos e

europeus, que sofriam os reflexos e as contradições de um regime econômico consubstanciado

numa sociedade agrícola, apoiado sobre o trabalho escravo e sob forte oligarquia rural, de

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modo que as primeiras medidas para o tratamento da loucura só ocorreram no final do Brasil

Colônia quando, por inexistência de hospitais, o louco era recolhido às Santas Casas de

Misericórdia, locais destinados a todos os alijados sociais. Aliás, diz Resende (1987, p.35)

que

as Santas Casas de Misericórdia incluem-nos entre seus hóspedes, mas dá-

lhes tratamento diferenciado dos demais, amontoandos-os em porões, sem

assistência médica, entregues a guardas e carcereiros, [sendo] seus delírios e

agitações reprimidos por espancamentos ou contenção em troncos,

condenando-os literalmente à morte por maus-tratos físicos, desnutrição e

doenças infecciosas.

As Santas Casas de Misericórdia não recolhiam, assim, apenas os loucos, mas

quaisquer indivíduos em perambulação pelas ruas, perturbando o silêncio e ameaçando a paz

social, como pobres, velhos, órfãos e mendigos, que se apresentavam como inconvenientes e,

às vezes, violentos, não raro somente uma resposta aos insultos que sofriam. Nessas Casas, o

tratamento era rude e precário, com maus-tratos, espancamentos ou amarramentos com

correntes, em troncos de árvores, o que favorecia a desnutrição e as doenças infecciosas,

causas do expressivo índice de mortalidade dos internos. Mas, em face da magnitude do

problema, as prisões também se prestavam para “guardar” os loucos, juntando-os aos

bêbados, criminosos e outros indivíduos indesejáveis à sociedade brasileira que, sob os

postulados do capitalismo nascente, exigia uma maior e mais elaborada repressão aos

elementos perturbadores da ordem e obstaculizadores do crescimento econômico e

populacional, presumido pelo novo contexto.

Os considerados loucos, pertencentes às camadas pobres da população, quando

calmos e tranqüilos, podiam circular livremente pelas ruas, praças e mercados, sendo bem

tolerados pela sociedade, mas, se agitados e agressivos, eram recolhidos às Santas Casas e, na

falta de vagas nessas instituições, levados às cadeias públicas, como criminosos. Mas as

famílias mais abastadas do Império geralmente tratavam seus loucos em casa, num cômodo

separado, ou os enviavam para a Europa, a fim de receberem tratamento mais adequado e, se

agitados, os amarravam em domicílio, porém nunca os conduziam às Santas Casas nem às

prisões. Nessa direção, afirma Amarante (1994, p.74) que

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em 1830, uma comissão da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro realiza

um diagnóstico da situação dos loucos na cidade. É a partir desse momento

que os loucos passam a ser considerados doentes mentais, merecedores,

portanto, de um espaço social próprio, para sua reclusão e tratamento. Antes,

eram encontrados em todas as partes: ora nas ruas, entregues à sorte, ora nas

prisões e casas de correção, ora em asilos de mendigos, ora ainda nos porões

das Santas Casas de Misericórdia. Em enfermarias e hospitais era muito raro

encontrar um louco submetido a tratamento.

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Em atenção aos reclamos da sociedade imperial, que exigia se retirassem das ruas

os indivíduos que por ela perambulavam e ameaçavam a ordem pública e a paz social e

devido aos protestos dos médicos higienistas, que denunciavam as precárias condições dos

loucos nas Santas Casas de Misericórdia e nas prisões, foi inaugurado, em 1852, por D.Pedro

II, o primeiro hospício brasileiro, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Ficava esse hospício

num local distante e recebeu o nome do próprio imperador, tendo capacidade para 350

pacientes e estando ligado à direção da Santa Casa de Misericórdia, medida essa que marca o

início do tratamento ao louco no Brasil e que consolidou o modelo assistencial psiquiátrico

nacional como hospiciocêntrico/hospitalocêntrico, já que tem, como atitude básica, as

internações.

Para Resende (1987), os ideais da nascente psiquiatria brasileira, no período

imperial, materializada, até aquele momento, pela inauguração do Hospício Pedro II, não se

traduziu em um tratamento especializado e digno. Com efeito, nesse hospício, os internos

experimentavam intensos maus-tratos (camisas-de-força, fome e, às vezes, assassinatos), em

decorrência de a instituição ainda não dispor de infra-estrutura e atendimento especializado (a

presença do médico quase não existia), tendo assim o tratamento baixo ou nenhum resultado,

ficando a maioria dos internos à mercê da sorte, embora pensionistas particulares recebessem

cuidados especiais e boas acomodações, de forma que a criação do Hospício representou, para

a sociedade, apenas a “remoção” dos loucos do convívio social, como medida “saneadora”

das cidades, em nome da ordem pública e da paz social. No entanto, excluídos da direção do

hospício e insatisfeitos com a falta de um planejamento para o tratamento (à época

rudimentar, empirista e sem cientificidade), do louco, os médicos teciam sérias críticas ao

sistema e reclamavam para si o trato científico e técnico do alienado.

Com a Proclamação da República, o Hospício Pedro II foi, em janeiro de 1890,

desvinculado das Santas Casas de Misericórdia, recebendo o nome de Hospício Nacional de

Alienados, vinculado à administração pública federal. Diz, então, Amarante (1994, p.74) que

as mudanças sociais e econômicas, no período que se segue, exigem medidas

eficientes de controle social, sem as quais torna-se impossível ordenar o

crescimento das cidades e das populações. Convocada a participar dessa

empresa de reordenamento do espaço urbano, a medicina termina por

desenhar o projeto do qual emerge a psiquiatria brasileira.

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A Proclamação da República trouxe alterações ao processo de desenvolvimento

das atividades comerciais e industriais, intensificando-se, por exemplo, o povoamento urbano,

com modificações nas relações sociais, o que agravou as condições, já precárias, de vida da

população, aumentou os casos de doenças infecciosas, a falta de higiene e a perambulação de

pessoas pobres e maltrapilhas. Em face desse quadro, os médicos, continuavam a criticar o

sistema, reivindicando para si o direito de tratar e intervir na doença mental, entendendo que,

a essa altura, o trabalho das freiras nos asilos e casas de repouso, sem a presença deles, era

ineficiente, dada a magnitude do problema, que tendia a agravar-se com o aprofundamento

das relações sociais capitalistas.

Nessa época, a loucura, se tornará objeto de atenção de especialistas, com a

denominação de doença mental, pelo que se inicia um novo estágio na assistência psiquiatria

brasileira em que a medicina, mais especificamente a psiquiatria, ganha ascensão, devido ao

caráter de cientificidade, e passa a exercer o controle das instituições psiquiátricas e a tutela

na assistência ao louco, cujo tratamento se baseia em conhecimentos técnicos e métodos

científicos já utilizados na Europa, com o objetivo de medicalizá-lo e dominá-lo dentro de um

espaço terapêutico, o hospício, recuperando-o para o convívio social e o mercado de trabalho.

Ou seja, a medicina pretendia, com suas ações terapêuticas, no aspecto social remover das

ruas o louco, para garantir a segurança pública e, no plano clínico, curá-lo, aliviando, assim, o

seu sofrimento, pelo que assumiam, agora, segundo Resende (1987, p. 43), o papel de “porta-

vozes legítimos do Estado, que avocara a si a atribuição da assistência ao doente mental, em

questões de saúde e doença mental, tal como a gravidade da situação exigia”.

Por conta dessa realidade e para intensificar a intervenção na área da assistência

psiquiátrica o Ministério da Justiça e Negócios Interiores da República do Brasil cria, em

1890, a Assistência Médico-Legal aos Alienados, considerada a primeira instituição pública

de saúde da época republicana. É este um momento de fortalecimento e difusão, para todas as

regiões do país, do modelo hospiciocêntrico, pela construção de Colônias Agrícolas,

destinadas ao tratamento da loucura, sendo o Brasil um vigoroso defensor desse sistema,

adotando-o como medida diferenciada do asilamento, daí que o governo intensifica o projeto

das construções de Colônias com o propósito de prestar uma assistência mais humana e

abrangente aos loucos, modernizando o tratamento, com base nas experiências européias. Para

o governo, as Colônias Agrícolas, que depois se tornariam hospitais psiquiátricos,

significavam uma alternativa ao tratamento em asilos fechados.

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Conforme Amarante (1994, p.76), a “idéia fundamental desse modelo de colônias

é a de fazer a comunidade e os loucos conviverem fraternalmente, em casa ou no trabalho”,

em virtude do que o trabalho assume característica terapêutica, no âmbito asilar e seio da

sociedade burguesa. Entretanto, a implementação das Colônias Agrícolas não teve, devido à

sua insuficiência terapêutica e das precárias condições de infra-estrutura e funcionamento,

muito sucesso. Por esses e outros motivos, o projeto recebeu muitas críticas, entre as quais a

de que era desfocado da realidade econômico-política do Brasil da época, coroada pela

industrialização urbana, uma vez que, nesse entendimento, as Colônias reproduziam, através

do trabalho, a formação de uma mão-de-obra rural agrícola não desejada e incompatível com

o urbanismo no qual o Brasil se mergulhava.

A presença do médico, reivindicando para si o tratamento do doente mental e

criticando o tipo de atenção a ele dispensada até então, não representou, no início do século

XX, um avanço significativo na área. Segundo Resende (1987), isso se deu, porque os

médicos brasileiros tomaram como base o modelo da escola alienista francesa, que já se

encontrava, na época, em decadência, dada a sua pouca eficiência terapêutica, com apoio nos

estudos de Benedict Morel, que cuidava das degenerescências que atingiam a sociedade,

postulando como causas da loucura as predisposições hereditárias dos indivíduos, geradoras

de desvios patológicos ao padrão de normalidade. Ademais, a escola francesa explicava que

as doenças da alienação resultavam dos descontroles das paixões (problemas morais), ou seja,

provinham de sentimentos interiores não controlados, o que atribuía o ônus à própria pessoa,

sendo essas doenças diagnosticadas como degenerescências atípicas, de forma que todos os

indivíduos que vagassem pelas ruas, como os loucos e os marginalizados sociais, receberiam

esse rótulo.

Nesse período posterior à República, o governo sanciona a Lei Federal de

Alienados (Lei 1.132, de 22 de dezembro de 1903), de autoria do deputado Teixeira Brandão,

que tinha como objetivo iniciar a organização da assistência psiquiátrica no país, proibindo

por exemplo, no artigo 10, a sua manutenção de alienados em cadeias públicas e dispondo que

os em cumprimento de pena só poderiam ficar nos asilos públicos que tivessem pavilhões

específicos, para o que foi criada, no Hospício Nacional, a Seção Lombroso, enfermaria para

os loucos delinqüentes e os condenados (GUIMARÃES, H.,1994, p.21), quando o presidente

Rodrigues Alves, em meio à expansão da economia do café e preocupado com a

reorganização do cenário social (agora modificado pela migração rural e estrangeira, que

conduzia a sérios problemas de saneamento e de moradia e, conseqüentemente, aumentava o

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número de pessoas perambulando pelas ruas), toma medidas de controle das endemias, tendo

à frente, na Saúde Pública, o médico Osvaldo Cruz. Na psiquiatria, o expoente maior, Juliano

Moreira, que trabalhava com Osvaldo Cruz, esperava sanear e controlar os problemas

endêmicos urbanos (febre amarela, peste bubônica, etc), que atingiam as principais cidades

brasileiras. Ambos aliam-se para dar à psiquiatria brasileira um caráter de cientificidade,

inovando no tratamento e na classificação das doenças mentais, com base em estudos de

referência da área. Juliano Moreira era o responsável pela organização do tratamento mental

no Brasil, dando continuidade ao processo de construção dos asilos em todo o território

nacional, legitimando jurídica e politicamente a psiquiatria no país, mas em vez de apoiar-se

na escola francesa, seguiu a corrente alemã, que teve forte influência principalmente na

discussão da etiologia das doenças da mente.

Em meio às muitas controvérsias do cenário social republicano, marcado pelo

agravamento da questão social, intenso processo de urbanização e imigração estrangeira, a

comunidade médica, na pessoa de Gustavo Riedel, cria, em 1923, um novo segmento da

psiquiatria, a chamada psiquiatria higienista. O ponto de partida dessa psiquiatria, com

enfoque higienista, foi a criação da Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), que defendia

a intervenção do Estado na sociedade com a finalidade de controlar e solucionar os problemas

sociais que, naquele momento, ampliavam-se. Assim, colocando o Estado como o agenciador

do desenvolvimento econômico e social, a LBHM entendia que a sociedade devia ser “um

espaço eugênico, asséptico, de normalidade” (AMARANTE, 1994, p.78), embora,

inicialmente, a preocupação fosse com a melhoria dos serviços psiquiátricos e a capacitação

dos recursos humanos, só depois se dando a mudança de foco para prevenção em saúde

mental, pelo que atua junto às pessoas sadias com um discurso de caráter moralizador e

normatizador, que pregava a necessidade da profilaxia do país, sob rigoroso controle social.

Nesse contexto, propaga campanhas higiênicas, sobretudo em relação aos grupos

ditos patológicos, responsáveis, segundo a Liga, pela desorganização política e social da

sociedade, os quais passa a combater com medidas de controle, como a esterilização sexual ou

até o extermínio, sendo os alcoolistas, por exemplo, responsabilizados pela pobreza de seus

dependentes e a causa da sífilis associada diretamente aos negros e ao processo de

miscigenação racial do povo brasileiro. Com base nessa ideologia, a origem dos conflitos

sociais da época estaria na própria população, tida como promíscua, ociosa e cheia de vícios,

ou seja, a psiquiatria eugênica sinalizava para o melhoramento da raça do povo brasileiro,

prejudicada pelo intenso processo de miscigenação (ROSA, 2000a).

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Na década de 1930, o modelo assistencial baseado nas internações psiquiátricas

continuava hegemônico, apesar de, nessa época, a descoberta de novas técnicas de tratamento,

como os choques insulínico5 e cardiozólico

6, a malarioterapia

7 e a eletroconvulsoterapia

8. Há,

nesse mesmo período, o início da descentralização das atividades do Estado na área da saúde,

no seu aspecto normativo institucional, tanto que é criada, pelo Decreto nº 24.559, de 3 de

julho de 1934, por intermédio da Liga de Higiene Mental, a segunda Lei Federal de

Assistência aos Doentes Mentais, que “„dispõe sobre profilaxia mental, a assistência e a

proteção à pessoa dos psicopatas e a fiscalização dos serviços psiquiátricos‟” (ROSA, 2000a,

p.80). A mesma lei cria o Conselho de Proteção aos Psicopatas, formado por entidades

relacionadas com a psiquiatria e a justiça, o que reforçava o poder dos psiquiatras nos serviços

de saúde, tendo na internação, em instituição psiquiátrica, a forma primordial de tratamento.

Ademais, o art. 26 suspende, de modo “„parcial ou totalmente, a cidadania do doente mental,

[asseverando que] os psicopatas, assim declarados por perícia médica, processada de forma

regular, são absoluta ou relativamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da sua vida

social‟” (idem, 2000a, p. 80).

Como se vê, os anos de 1930, marcados pela Constituição de 1934, representou

um momento de avanço com relação aos direitos sociais e à ordem econômica do país.

Segundo Rosa (2000a), esta Carta, apesar de permeada pelo autoritarismo e pelas idéias

higienistas, em vigor na época, foi a primeira a ter um item dedicado aos direitos sociais e à

ordem econômica, estabelecendo, assim, um arcabouço legal e normativo para o setor da

proteção social, reconhecendo, pioneiramente, esses direitos. Deu-se, então, o início do

processo de institucionalização da proteção social no Brasil, com a criação, em 1933, do

Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM), seguido de diversos outros

institutos, como o IAPC, dos comerciários, em 1934, o IAPB, dos bancários, em 1936, o

IAPI, dos industriários, em 1938, o IAPETC, dos trabalhadores em transportes e cargas, etc.

Nesse contexto, as CAP‟s, que existiam desde 1923, sob a Lei Eloy Chaves, são unificadas e

absorvidas pelos IAP‟s, que passam a ter caráter nacional e tratam os trabalhadores de forma

5 O método da insulinoterapia foi criado por Manfred Sakel, em Viena, em 1932, tendo como base o uso da

insulina, provocando, no paciente, um choque hipoglicêmico. 6 Esse método, conhecido como “choque cardizólico”, tinha como base a injeção de cardiozol na veia do

paciente, provocando um choque ou crise convulsiva. 7 O método da malarioterapia foi introduzido na terapêutica neuropsiquiátrica por Wagner Von Jauregg, em

1917. Também conhecido como impaludização, tinha como objetivo a inoculação do Plasmodium vivax em pacientes com Paralisia Geral Progressiva, produzindo acessos de febre benignos, fatais ao Trepanema palidus,

que se localizava no cérebro. 8 A eletroconvulsoterapia foi introduzida como tratamento psiquiátrico pelo médico italiano Ugo Cerletti, em

1938 (GUIMARÃES, H., 1994) .

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segmentada, conforme o setor de atividade, sendo controlados e regulados pelo Estado

interventor e articulador de sua relação com a sociedade, com base nesse amplo aparato legal,

conjugado à criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Essas leis, se analisadas em conjunto, significam, de um lado, o “atendimento a

demandas históricas dos trabalhadores, e de outro, como [um] instrumento de

reconhecimento, por parte das classes dominantes, de determinados direitos sociais a alguns

setores assalariados urbanos, atendidos sob a forma de concessão (e jamais como conquista)”

(COHN, 2001, p.17). Nessa lógica, a noção de direito é sustentada e reforçada pelo lugar que

o individuo ocupa na cadeia produtiva, pois a classe trabalhadora brasileira teve, de forma

inédita, assegurado alguns direitos sociais, os quais, ao mesmo tempo, eram restritos aos

cidadãos com vínculo formal de trabalho, só sendo na verdade cidadão os que estivessem

formalmente inseridos no mercado formal, com carteira de trabalho assinada, estabelecendo-

se, assim, uma forte associação entre cidadania e ocupação. Os demais, uma expressiva

parcela, eram considerados pré-cidadãos, aqui se enquadrando o louco, desprovido de vontade

própria e dos direitos básicos como sujeito social.

No início dos anos de 1940, o Hospício Nacional de Alienados é transferido da

Praia Vermelha para o Engenho de Dentro, na cidade do Rio de Janeiro, recebendo novas

instalações, criando-se também, através do Decreto nº 3.171, de 2 de abril de 1941, o Serviço

Nacional de Doenças Mentais (SNDM), com a finalidade de gerenciar a assistência

psiquiátrica no país, federalizada, pelo governo, por meio do Decreto nº 7.055, de 18 de

novembro (ROSA, 2000a). Nessa fase, o governo manterá o estimulo à construção, em todo o

país, de hospitais asilares, conhecidos pelo tratamento excludente e de pouca eficiência na

recuperação dos acometidos por doença mental, pela superpopulação de internos e pela

precariedade das instalações. O SNDM não fortaleceu e disseminou as bases da atenção

ambulatorial e do tratamento em hospitais abertos, ficando essas intenções apenas no papel,

com raríssimas exceções bem-sucedidas, como o caso da cidade de Recife. Ali, Ulysses

Pernambucano, médico inovador e humanista, logrou, desde os anos de 1930, organizar e

ampliar a assistência psiquiátrica em ambulatórios e hospitais abertos quando, até então,

predominava no Brasil, o internamento em hospitais fechados.

Essa situação se modificou nos anos de 1950, quando, alguns IAP‟s passam a

cobrir as internações psiquiátricas, sobretudo nas instituições do setor privado, já que, até esse

momento, essa assistência especializada não fora incorporada pela Previdência Social, o que

se explica pela baixa eficiência terapêutica e as péssimas condições estruturais e humanas dos

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hospitais asilares. Mas a ampliação da cobertura dos serviços psiquiátricos pela Previdência

só ocorrerá de fato em 1960, com a unificação dos IAP‟s pela Lei Orgânica da Previdência

Social, momento também de acesso a novas drogas psicotrópicas, que surgem no mercado em

meados de 1955, o que, segundo Rosa (2000a), possibilita a alteração no tratamento aos PTM,

embora, em vez de diminuir as ocorrências de doenças mentais, dá-se, paradoxalmente, o

aumento do índice de internações psiquiátricas no país, tal acontecendo, consoante Amarante

(1994, p.79), porque, na época, o “uso dos medicamentos nem sempre é „tecnicamente

orientada‟, muitas das vezes utilizados apenas em decorrência da pressão da propaganda

industrial, muitas das vezes por ignorância quanto aos seus efeitos ou às limitações”.

No período iniciado pelo golpe militar de 1964, que agrava os conflitos sociais e

as restrições de direitos, a assistência psiquiátrica assumiu um caráter de massificação dos

serviços, sendo estendidos para essa área a cobertura e o tratamento médico de outras doenças

sociais com diagnóstico mais leves, como o alcoolismo, os distúrbios de ansiedade e do sono

e as neuroses, que passam a atingir intensamente a classe trabalhadora, enfraquecida pela

exaustão de intensas jornadas de trabalho, no auge da fase de crescimento econômico dos

anos de 1970. É que, segundo Mendes (1999, p. 59), para o Estado, “o importante já não era

sanear os espaços de circulação das mercadorias mas atuar sobre o corpo do trabalhador,

mantendo e restaurando sua capacidade produtiva”. Ademais, unifica-se, em 1966, os IAP‟s,

criando-se, pelo Decreto nº 72, o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) que,

conforme pontuado no item anterior, intensificou, no Brasil, o processo de privatização da

saúde e o da saúde mental, estimulando e valorizando em favor dos interesses financeiros

deste setor, a compra de serviços de assistências médica e psiquiátrica particulares e

fomentando, a abertura de novos leitos, sob a lógica do lucro e do mercado, com grande

ênfase nas internações em hospitais psiquiátricos. Daí que, para Amarante (1994, p.79), “a

doença mental torna-se definitivamente, um objeto de lucro, uma mercadoria”, constituindo-

se a chamada “indústria da loucura”.

Por essa lógica, há intensa e rápida expansão dos hospitais psiquiátricos, em

particular nos grandes centros urbanos, visando atender, de um lado, aos interesses financeiros

do complexo médico-assistencial do setor privado, que pretendia vender seus serviços ao

Estado e, de outro, contemplar ao segmento farmacêutico, que desejava expandir os negócios,

o que fortaleceu o modelo de mercantilização dos serviços de saúde. Nessa direção, afirma

Amarante (1994, p.80) que

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este modelo privatizante (em todo o setor saúde, e não apenas no subsetor da

saúde mental) é de tal forma tão violento, concentrador, fraudulento e

ganancioso, que contribui com parcela significativa de responsabilidade para

a crise institucional e financeira da Previdência Social, que se deflagra no

início dos anos 80.

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Ainda na década de 1960 é lançada, pelo Ministério da Saúde, a Campanha

Nacional de Saúde Mental, através do Decreto nº 60. 252, de 21 de fevereiro de 1967, tendo

como principal objetivo incrementar e dinamizar o discurso preventista do governo, criando-

se, nesse mesmo ano, um órgão federal de normatização, avaliação e controle dos programas

de saúde mental em marcha no país, a Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), em

substituição ao antigo SNDM. O novo órgão tinha como meta assegurar os ideais de

prevenção às doenças, baseadas na assistência ambulatorial, principalmente com a realização

de consultas que evitassem possíveis internações psiquiátricas, majoradoras das despesas do

governo, embora, de forma contraditória, continuasse o governo financiar o pagamento de

leitos privados, em benefícios dos interesses de grupos particulares dominantes dessa área,

com grande influência no Estado, em diversas esferas, inclusive na saúde (ROSA, 2000a).

Essa postura do governo prejudicou várias experiências inovadoras e alternativas

ao tratamento asilar, como é o caso das Comunidades Terapêuticas e do Programa Integrado

de Saúde Mental (PISAM), que encontraram sérias dificuldades de efetivação. É que não

havia interesse nem estatal nem do empresariado em apoiar essas modalidades não

manicomiais vistas com muita resistência e intolerância. O PISAM, criado em 1977, visava

promover a qualificação de profissionais na área da psiquiatria e levar para o interior do país

os serviços psiquiátricos básicos, baseados no projeto norte-americano de psiquiatria

comunitária, mas, mesmo sendo um programa governamental, não obteve pleno êxito e até

fracassando, entre outras razões, por estar desvinculado da rede mais ampla de assistência à

saúde e em desacordo com os interesses do setor privado, com inegável influência sobre o

aparelho do Estado, não obstante, estudos oficiais, realizados pela Previdência Social, nos

anos de 1970, emitirem parecer desfavorável tanto ao modelo de assistência psiquiátrico

segregador e excludente, quanto à política de privatização da assistência psiquiátrica, e

apontarem, a alternativa da assistência ambulatorial, o que fará persistir a lógica da

contratação de serviços privados (ROSA, 2000a).

Na verdade, o campo da saúde tem sido, nas últimas décadas, sobretudo a partir

dos finais de 1970, espaço de luta e problematização que reivindica mudanças no modelo

assistencial para o setor, já que este, historicamente, concentra questões emblemáticas ainda

não resolvidas, mas apenas aliviadas pelos sucessivos governantes. Com efeito, no final da

década de 1970, em razão do esgotamento do modelo médico-assistencial privatista e em

meio à crise fiscal, financeira e de legitimidade do governo ditatorial, assiste-se ao

ressurgimento dos movimentos sociais no Brasil, engajados na superação da ditadura e por

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mudanças substanciais nos rumos do país, criando assim, maiores possibilidades e melhores

condições de ampliação dos serviços de saúde, na perspectiva da cidadania da maioria da

população, conjuntura esta em que ressurge o Movimento da Reforma Sanitária (MRS), cuja

origem remonta à década de 1960 mas, devido ao clima repressivo da ditadura militar, tem

seus canais de interlocução fechados.

O MRS representou muito para a saúde em geral e para a mental, em particular, na

medida em que questionava os problemas e entraves enfrentados pelo setor, que iam desde o

descaso da falta de recursos específicos que, por não serem assegurados, submetia o serviço

às constantes oscilações econômicas, políticas e financeira do mercado, até à completa

ausência da saúde como prioridade do Estado, historicamente um agente de exclusão de

acesso de grande parcela da população brasileira a esse serviço essencial. Em luta por um

novo modo de conduzir a saúde pública no país, o MRS revitaliza seus ideais, na década de

1970, ao propor um novo projeto de assistência à saúde médica e hospitalar, compromissada

com os interesses dos usuários, considerando-os como sujeitos de direitos, devendo o Estado

assegurar-lhes serviços de qualidade, de modo que os ideais do Movimento, vinculado aos

trabalhadores da saúde, voltam-se para a politização e a problematização da temática,

exigindo um debate em maior profundidade e em todas as esferas da sociedade brasileira, o

que veio ser afirmado na Constituição Federal de 1988. Assim, como processo modernizador

em sintonia com a transformação dos serviços de saúde, o projeto da Reforma Sanitária,

segundo Mendes (1994, p.42), “somente se corporifica num ambiente democrático onde se

encontram a emergência de novos sujeitos políticos, a liberdade do dissenso e o governo dos

cidadãos”, fazendo-se necessário, para sua efetivação, a implantação de um outro paradigma

assistencial, que abrigue novas formas de controle e gestão do sistema pela sociedade.

Como desdobramento do MRS emerge, em 1978, na área da saúde mental, o MRP

(Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira), que tem como norte experiências

estrangeiras na saúde mental, sobretudo da Itália e América do Norte, estando seu surgimento

estreitamente relacionado à crise da DINSAM, órgão federal de gestão, avaliação e controle

das Políticas de Saúde Mental do país, o qual passou, por sérias dificuldades, com um quadro

de pessoal tão precário que levou à contratação de bolsistas. Mas o ponto crucial

desencadeador do MRP ocorreu no Rio de Janeiro, em 1978, quando uma mobilização de

profissionais de uma rede de hospitais dirigido pelo governo federal, denunciou as e precárias

condições de trabalho (a maioria estava em situação irregular, na condição esdrúxula de

bolsistas, pois há anos não se realizava concurso público) e o péssimo tratamento dispensado

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aos internos, pelo que deflagraram, então, uma greve, fizeram abaixo-assinados e escreveram

cartas às autoridades da área da saúde, tornando público o desmazelo e reivindicando medidas

urgentes para, num primeiro instante, melhorar a situação laboral de expressiva parcela de

funcionários, médicos e outros profissionais. A mobilização recebeu apoio de entidades como

o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) sendo a resposta imediata do Estado aos

reclamos a demissão dos integrantes do movimento, o que o levou a uma retração, ganhando,

porém, força quando, no V Congresso de Psiquiatria, realizado entre 27 de outubro e 01 de

novembro de 1978, em Camboriú, Santa Catarina um grupo de profissionais envolvidos no

caso denuncia o fato, sob o respaldo dos participantes. Nesse evento, conhecido como

“Congresso de Abertura”, ficou marcado, para o ano seguinte, o Encontro dos Profissionais de

Saúde Mental, a ocorrer em São Paulo, tendo, como efeito, publicizar as dificuldades e

dilemas vivenciados nas áreas da saúde e da saúde mental, não se podendo olvidar a

realização, em 1979, do III Congresso Mineiro de Psiquiatria, que contribuiu para o

fortalecimento da luta e trouxe ao Brasil profissionais renomados, que vivenciaram as

experiências européias e as socializaram com aqueles que aqui se comprometiam com os

mesmos ideais (AMARANTE, 1995).

No desenrolar dos acontecimentos, o MRP expande-se da esfera de uma simples

denúncia para a forma de um movimento social forte, com identidade própria e reivindicador

da reestruturação do modelo assistencial psiquiátrico brasileiro, com a Reforma Psiquiátrica, a

partir daí, se fortalecendo no Brasil e elegendo como objetivo central a reorientação do

modelo assistencial da saúde mental. Desse modo, ganha o MRP evidência nacional em 1989,

quando formula novas denúncias, oriundas dos trabalhadores da saúde mental, que publicizam

as precárias condições de tratamento dos PTM nos hospitais psiquiátricos de todo o país, em

particular na Casa de Saúde Anchieta, instituição psiquiátrica do setor privado, da cidade de

Santos, em São Paulo, a qual sofre interdição da Prefeitura, ficando claro que o Movimento

revelou o quadro dramático da Política de Saúde Mental no país, ainda marcado, fortemente,

pelo incentivo à construção de novos leitos em hospitais asilares. Estes, quando adotados pelo

governo federal, ofereciam, na maioria das vezes, um tratamento precário, caracterizado por

superlotação, maus-tratos, longos períodos de internamento em instituições fechadas sem a

participação da família e da sociedade no processo, aliás basicamente medicamentoso e

segregador e orientado pelo modelo assistencial privatista e violador dos direitos humanos.

Mas a constituição do MRP não foi homogênea, já que, no seu interior, existiam

várias tendências, em busca de hegemonia, com duas vertentes principais se debatendo, no

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início, uma delas em luta pela extinção progressiva da estrutura dos manicômios-asilos, que

sempre predominaram no país, por entender somente ser possível tratar os PTM assegurando-

lhes os seus direitos de cidadão fora dos muros dessas instituições e mediante a construção de

unidades extra-hospitalares, enquanto a outra defendia a pertinência de, nos próprios espaços

das instituições psiquiátricas, promoverem-se mudanças do modelo assistencial

(AMARANTE, 1994). Essas idéias do MRP, entre as quais a de colocar a saúde como um

direito universal, são levadas a debate na VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em

março de 1986, a qual deu um salto qualitativo na discussão dessas idéias, já que aprofundou

a questão da saúde mental, avançando na defesa da ampliação da universalização dos serviços

de saúde.

Como já se assinalou, a VIII Conferência foi muito importante para a sociedade

brasileira, posto que, além de contar com expressiva presença de diversos segmentos sociais,

tanto da área quanto de fora dela, debateu e reivindicou uma nova proposta de saúde para o

Brasil. Sua relevância histórica decorre, pois, do seu caráter democrático, demonstrado pela

ampla participação das forças interessadas na problemática da saúde e pela sua dinamicidade

processual, revelada pela realização de encontros preparatórios, nas instâncias municipais e

estaduais, até alcançar o plano nacional. O relatório final da Conferência traz, para a

sociedade brasileira, uma forte perspectiva de avanços e conquistas sociais, em particular na

saúde, inéditas até então, principalmente porque os resultados convergiram e culminaram na

elaboração da proposta de criação do Sistema Único de Saúde (SUS), acolhida na

Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã. O SUS, preconiza, com efeito, em seus

princípios, a descentralização, a universalidade e a eqüidade dos serviços de saúde, em

beneficio de todos os brasileiros, independente de qualquer contribuição financeira.

Logo após a VIII Conferência e como parte dos acontecimentos ligados ao

processo de aprofundamento das discussões sobre a saúde mental, realiza-se em 1987, no Rio

de Janeiro, a I Conferência Nacional de Saúde Mental. Esta Conferência deliberou sobre a

organização dos serviços de saúde assistenciais da área, reforçou a idéia da revisão do modelo

hospitalocêntrico/hospíciocêntrico pela proposição de serviços alternativos e reafirmou a

diminuição de leitos psiquiátricos em prol do atendimento em hospitais gerais e serviços de

base comunitária, como Hospital-Dia, Hospital-Noite, Lares Protegidos, Espaços Auto-

Gestacionários e Trabalho Protegido. Ademais, no tocante à política de recursos humanos,

propagou o restabelecimento dos princípios de democratização dos serviços, com a realização

de concursos públicos e formulação de um plano de cargos e salários para os profissionais da

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área (ROSA, 2000a). Quanto à legislação sanitária e psiquiátrica, as diretrizes da Conferência

sugerem que as internações em instituições psiquiátricas sejam regulamentadas em lei,

assegurados e garantidos os direitos básicos dos PTM, redefinindo-se-lhes critérios e

controles, além de estabelecer, ainda, o trabalho em equipes interdisciplinares,

descentralizando assim o poder médico sobre as discussões dos atos terapêuticos e passando a

valorizar a democratização das informações e maior participação da família e do próprio

doente, requerendo, também, que o PTM seja visto como cidadão, cidadania essa até aquele

momento e ainda hoje não devidamente assegurada, quer no plano legal, quer na prática. A

esse respeito, Vasconcelos (1997, p.137) diz que “em última instância, trata-se de uma

cidadania „especial‟, a ser inventada, marcada pela diferença colocada pela experiência da

loucura e da desrazão e que, portanto, não pode ser identificada com a concepção

convencional associada ao indivíduo racional, livre e autônomo”.

Assim, quase três décadas depois do início do MRP, observa-se, no final dos anos

de 1990, a concretização de importantes avanços na direção de desmontar o “parque

manicomial” (FALEIROS, E., 2002), progressos esses relacionados à normatização, pelo

governo federal, de ações voltadas ao tratamento alternativo, as quais têm, por aportes, o

rompimento com o caráter asilar e a defesa da descentralização do atendimento para unidades

de referência, fora dos muros do hospital psiquiátrico. Ademais, outras medidas foram

tomadas pelo governo federal, no quadro de reestruturação da assistência propugnada pela

Política Nacional de Saúde Mental, em especial aquelas que se referem, de um lado, à

proibição de aberturas de novos leitos psiquiátricos em todo o país e, de outro, ao princípio do

processo de fechamento dos macro-hospitais, que recebiam uma enorme população de PTM,

o que reforça as ações destinadas à abertura de leitos alternativos em Hospital-Dia, Hospital-

Noite, Pensões Protegidas, etc, algumas delas concretizadas na década de 1990 e no novo

milênio, sendo esse, porém, um processo ainda em construção no país.

Mas os ideais da Reforma Psiquiátrica se implementam de forma desigual na

sociedade brasileira, sendo mais expressivas na Região Sudeste e, nela, em cidades como São

Paulo, Santos e Rio de Janeiro, onde a sociedade passou a conviver, ao mesmo tempo, com os

serviços alternativos, que rompem com os manicômios, e os tradicionais, que se baseiam nas

internações hospitalares e consultas ambulatoriais. No Piauí e em Teresina, a Reforma tem

sido, por sua vez, discutida e executada a passos lentos, seguindo, até o momento de feitura

desta pesquisa, as diretrizes do Ministério da Saúde no que tange à progressiva redução de

leitos da internação integral sem, no entanto, haver, por parte dos gestores da saúde nas

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esferas de governo estadual e municipal, ações palpáveis no sentido de constituir os serviços

alternativos, propostos e exigidos pelo próprio Ministério. Há, na verdade, nessas esferas de

poder, uma postura pouco comprometida com os rumos da política de saúde mental no

Estado, apesar da existência de um processo que, lentamente e incipientemente, vem sendo

debatido pelos sujeitos sociais mais envolvidos com a causa, como os trabalhadores da saúde

mental e os familiares dos PTM.

No campo jurídico-político, uma das discussões mais polêmicas esteve

relacionada à apresentação, em dezembro de 1989, do Projeto de Lei nº 3.657/89, de autoria

do deputado federal Paulo Delgado, do Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais, que

versava sobre a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos, cabendo ao Estado, em

contrapartida, criar serviços alternativos, extra-hospitalares. Isso, entre outras disposições,

causou um amplo embate na mídia nacional, através da divulgação de propagandas e

experiências que tratam dessa questão, “em prol de mudar a relação da sociedade com a

loucura” (ROSA, 2000a, p.102), estabelecendo-se, na sociedade civil, na comunidade médica

e no setor empresarial da área, posicionamentos opostos. No cenário nacional, em

decorrência da aprovação da Lei federal nº 3.657/89, em 14 de dezembro de 1990,

intensificou-se, ainda nessa década, a discussão sobre a extinção e a substituição progressiva

dos leitos em hospitais psiquiátricos por Serviços Alternativos de Atenção Integral à Saúde

Mental, proposta pelo Ministério da Saúde, os quais devem atuar na perspectiva da reinserção

social, com o fortalecimento da cidadania do PTM, valorizando, assim, o usuário como sujeito

de direitos. Por receio de situações de desassistência e abandono aos PTM, uma reação

especifica à Lei foi a criação, na cidade do Rio de Janeiro, em 1991, por seus familiares e

cuidadores, da Associação de Famílias de Doentes Mentais (AFDM).

A II Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM), que aconteceu em Brasília,

de 1 a 4 de dezembro de 1992, com a temática “A reestruturação da atenção em saúde mental

no Brasil: modelo assistencial/direito à cidadania”, foi, também, de grande importância,

porquanto reafirmou os princípios inscritos na VIII CNS, realizado em 1986, e no SUS, criado

em 1988, que se referem à saúde como direito do cidadão e dever do Estado. No calor das

discussões, reforçou-se a defesa dos ideais da Reforma Psiquiátrica brasileira, na perspectiva

da desinstitucionalização e da antimanicomialidade, sendo o debate norteado pelo

fortalecimento do modelo assistencial de saúde ancorado nos princípios dos direitos de

cidadania do PTM. Mas, mesmo que com avanços nos debates, lutas e regulamentações em

torno da saúde mental, observa-se na prática, até o presente momento, que o modelo

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tradicional persiste, pois, segundo Faleiros (E., 2002, p.33), “o que se verifica é que não foi

ainda implantada no país uma política governamental que substitua a atual, baseada na

concepção apenas biológica e patológica dos transtornos psíquicos [já que] prevalece o

modelo médico-clínico, hospitalocêntrico, medicamentoso”, embora, em conjuntura diferente,

o movimento proposto pela Reforma Psiquiátrica continue, nos dias atuais, a agregar forças

no afã de concretizar seus princípios.

Com efeito, a partir da década de 1990, discutem-se, na sociedade brasileira,

vários projetos de mudanças na normatização dessa área da saúde, sendo certo que, apesar dos

avanços no sentido de a saúde mental ser tratada sob os princípios do SUS, as adversidades

permanecem, de modo que a garantia da lei não é suficiente para criar, por si, caminhos para a

sua efetiva concretização. Assim é que, mercê dos esforços da sociedade e das entidades

sociais comprometidas com a saúde mental, na busca de promover e estabelecer uma nova

diretriz para a condução das ações na área da assistência psiquiátrica que amplie a rede de

serviços alternativos, o modelo hospitalar asilar tradicional resiste, no Brasil, como a principal

forma de tratamento dos PTM. Não bastasse isso, com a introdução e a investida dos modelos

neoliberais, a saúde mental passa a sofrer-lhe os reflexos, com as imposições, para as Políticas

Sociais, da redução dos benefícios e da redefinição da assistência psiquiátrica no país, o que

se intensifica, no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a reforma mesma do Estado,

em adequação ao receituário do neoliberalismo, num período marcado pela adoção de

medidas fortemente recessivas, geradoras de desemprego e precarizadoras de direitos sociais,

lançando expressiva parcela da população brasileira à desproteção desses direitos, embora

garantidos na Constituição Federal de 1988.

Neste contexto, as Políticas de Saúde, em especial as de Saúde Mental, são

atingidas drasticamente, com graves prejuízos para a sociedade brasileira, mais

especificamente para os pobres e os que reivindicam serviços públicos universais de

qualidade, com o governo federal não cumprindo em plenitude a universalização da saúde e,

como parte dessa mesma lógica, tornando muito lento o processo de regulamentação das leis

complementares da área da saúde e da saúde mental. Ademais, pouco se tratou da promoção

das ações básicas de saúde e das Políticas de Saúde, em especial das Políticas de Saúde

Mental, pois as injunções neoliberais atingem a todas as esferas sociais, expostas a profundos

impasses econômicos, financeiros e políticos, derivados das decisões governamentais,

também de corte neoliberal, em desrespeito às diretrizes do SUS asseguradoras da saúde

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como um direito de cidadania e um dever do Estado, que deve promovê-la, de forma

descentralizada e universal, criando as condições estruturais para a sua efetivação.

Apesar de tudo, o governo federal, nos últimos anos, tem efetivado a política de

reestruturação da assistência psiquiátrica no país, incentivando o tratamento dos PTM por

meio de ações comunitárias de atenção psicossocial, numa perspectiva que amplia, de forma

expressiva, os leitos nas unidades de tratamento alternativos, sobretudo nos grandes centros

urbanos, onde as idéias da Reforma Psiquiátrica são mais difundidas, e os diminui nas

internações integrais. As mais recentes portarias nesse sentido, as de n° 52 e 53, de janeiro de

2004, regem a classificação, por categorias, dos hospitais psiquiátricos conveniados com o

SUS, tendo como parâmetro básico a quantidade de leitos, devendo os hospitais se adequar às

exigências do programa que dispõe sobre a sua redução progressiva. Além disso, as medidas

que visam estimular a criação de serviços de tratamentos alternativos têm sido motivadas pela

redução de custos, tanto que dados do governo federal, do ano de 1998, mostram que os

gastos com o tratamento asilar somaram RS$ 432.276.674,27, enquanto que com os serviços

alternativos o valor foi de 21.455.417,00 (ROSA, 2000a), o que se, por um lado, revela que

para o governo é mais barato tratar do PTM nos serviços alternativos, por outro lhe impõe a

criação de uma rede integrada, articulada, diversificada e descentralizada, como preconizam

os princípios do SUS, inclusive para os serviços de saúde mental, montada com equipes

interdisciplinares especializadas e treinadas, que sirva de apoio a esse tratamento, cujos

exemplos são os NAPS, os CAPS, as Pensões Protegidas, os Hospitais-Dia e os Hospitais-

Noite.

Se essa rede integrada não for constituída paralelamente à implantação dos novos

serviços, estes ficam comprometidos, sob o risco de não funcionar de forma eficiente, porque

o fato de o usuário freqüentar os serviços alternativos não implica que não mais usará em

algum momento de sua vida, das internações psiquiátricas, convencionais ou não, pois podem

ter recaída, com crise aguda e, nesses momentos críticos, requerem cuidados psiquiátricos

mais intensivos. É por isso que, diante da complexidade e das incertezas do transtorno mental,

torna-se imprescindível à sustentação e efetivação dos serviços alternativos a criação de um

sistema de referência e contra-referência que assuma as características citadas e lhes sirva de

suporte, caso contrário se tornará a assistência psiquiátrica cada vez mais precarizada, frágil,

fragmentada e com pouca resolutividade, não atendendo aos interesses e necessidades básicas

da população usuária desses serviços especializados de saúde. Além disso, Amarante (1995,

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p.84) sublinha que, nesse processo, é preciso ficar vigilante, já que podem surgir problemas

relacionados aos novos serviços, os quais,

embora tenham apontado para uma nova tendência no que diz respeito ao modelo assistencial, chamou a atenção para o aspecto da qualidade dos

mesmos. Em outras palavras, percebeu-se que o fato de ser um serviço

externo não garante sua natureza não-manicomial, pois pode reproduzir os mesmo mecanismos ou características da psiquiatria tradicional.

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Essa preocupação remete a que, no atual contexto, é preciso avaliar e acompanhar

a implantação dos serviços alternativos, nas suas fases e faces, observando os seus rumos e os

desdobramentos na sociedade brasileira, uma vez que esse processo envolve múltiplos e

antagônicos interesses, como os dos proprietários de hospitais, que historicamente

estimularam as internações psiquiátricas convencionais em instituição fechada, para eles fonte

de receitas, e os da presença e incentivo ao uso indiscriminado de medicamentos

psicotrópicos, que favorece ao empresariado do setor farmacêutico na expansão de seus

negócios com o transtorno mental, na verdade uma certeza de lucro tão garantido que mantêm

um permanente assédio à categoria médica, na divulgação de novos medicamentos.

Infelizmente, situações dessa natureza persistem, no âmbito da Política de Saúde Mental,

apesar dos esforços estatais e das entidades defensoras desta causa em aumentar e melhorar o

nível de fiscalização desses serviços no país, em busca de uma assistência digna, que promova

a efetiva cidadania dos usuários, como sujeitos de direitos. Aliás, não raro ocorrem

aprovações de leis e diretrizes sobre Política de Saúde Mental, em virtude da participação das

várias entidades interessadas e da população usuária, sendo implantado diversos novos

serviços na área, embora prevaleça no Brasil o modelo de atendimento hospitalar tradicional.

Mas, como se trata de um processo, transformador e em construção, é preciso atentar,

conforme Amarante (1995, p. 85), que “a participação, por si só, não é garantia de

democratização ou de opção pelos caminhos mais corretos e melhores para os sujeitos

portadores de sofrimento psíquico” .

Nesse jogo de interesses, ainda se dá que os mais fragilizados e penalizados, os

PTM e suas famílias, podem ser manipulados por segmentos contrários ao processo de

implantação dos novos serviços, num desvio de rota que atende aos diversos grupos

dominantes na sociedade, comprometidos com o sistema de tratamento psiquiátrico

tradicional, que a eles proporcionam inúmeras vantagens econômicas.

1. 3 A Assistência Psiquiátrica no Piauí

Estado do Piauí, uma das unidades da Federação mais pobres da Região Nordeste do

Brasil, tem uma área de 250.000 km2 e uma colonização, que, ao contrário do que ocorreu

com os demais estados nordestinos, não se deu pela costa marítima, mas pelo interior, através

da expansão das fazendas de gado bovino. Em razão disso, ficou isolado do resto do país e,

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por sua posição geográfica, situada no “Polígono das Secas”, sofre, desde os primórdios,

extensos e cíclicos períodos de estiagem, que se refletem, ainda hoje, no seu desenvolvimento.

Sob extrema pobreza, o Piauí teve então, já no princípio, a economia baseada na agricultura

de subsistência (cultivo de produtos básicos como arroz, feijão e milho) e na pecuária, essa

implantada como suporte à indústria açucareira nacional e posteriormente consorciada ao

incremento do extrativismo da borracha, uma atividade importante na área do comércio e da

indústria locais. Dessa forma, desde o período de colonização, no século XIX, o Piauí tem,

historicamente, uma economia frágil e dependente e uma sociedade composta por população

predominantemente rural, que se consolida social e culturalmente a partir de relações

autoritárias, assentadas no coronelismo, no clientelismo e no favor e marcam profundamente a

sociedade piauiense, afetando-lhe o seu desenvolvimento econômico, político, social e

cultural.

Não seria então surpresa dizer que, no Estado do Piauí, como no restante do Brasil e

do mundo, os doentes mentais de condição social mais abastada eram tratados, em seus

domicílios, por cirurgiões ou médicos, enquanto os mais empobrecidos, ficavam entregues

aos cuidados de suas famílias, à própria sorte ou à caridade pública. É que algum suporte

assistencial legal na área da saúde pública, só veio com a aprovação da Lei Provincial nº 9, de

4 de julho de 1835, que criou o Hospital da Caridade, na cidade de Oeiras, primeira Capital do

Piauí, nada porém sendo realizado, vindo o Hospital a funcionar, efetivamente, apenas em 31

de março de 1849, com a prestação de serviços médicos aos militares. Anos depois, ainda em

Oeiras, o Hospital da Caridade é transformado em Santa Casa de Misericórdia, passando a

atender principalmente as camadas mais pobres da população piauiense, embora antes dessas

medidas, em 14 de setembro de 1822, o então padre e deputado estadual Domingos da

Conceição tentasse, junto à Corte, a aprovação de um projeto de um hospital para a Província

do Piauí, iniciativa fracassada devido ao momento conflituoso entre Brasil e Portugal.

(GUIMARÃES, H., 1994).

Com a mudança da capital para Teresina, em 1852, surgiram as primeiras medidas

de saúde pública, a partir da preocupação com a qualidade da água, a qual, em períodos de

intensas chuvas, apresentava-se muito barrenta (OLIVEIRA, 1995), sem olvidar que, na

década seguinte, o governo provincial atentava para as doenças infecto-contagiosas,

principalmente a febre amarela e o cólera, causas da morte de vasta parcela da população,

sobretudo trabalhadores. Nesse mesmo período, em 17 de agosto de 1861, inaugurou-se, na

nova capital, o Hospital da Caridade da Santa Casa de Misericórdia, com a menção de

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cuidados médicos aos loucos, nessa instituição, só sendo feita no ano de 1890, pelo Decreto-

Lei nº 25, de 22 de abril, que em seu artigo 40 os incluem no direito de internação, referindo

que “o serviço médico será classificado segundo a natureza das enfermidades: 1º em Clínica

Médico-Geral, abrangendo os inválidos e loucos de todo gênero” (GUIMARÃES, H., 1994,

p.30). Ainda assim, a ala dos loucos, anexa à Santa Casa, se compunha de “quartos-prisões”, o

que evidenciava uma assistência mais carcerária que médica.

Sob a mesma orientação e modelo, foi fundado em Teresina, pelo Decreto nº.327

de 5 de janeiro de 1907, no governo de Álvaro Mendes (1904-1907), o Asilo de Alienados

(ARAÚJO, 1995), o qual, no início, era uma entidade independente mas em 8 de julho de

1909, no governo de Anísio de Abreu, passou a funcionar, em decorrência da Lei nº 541,

vinculado ao Estado do Piauí, posto que a referida Lei autorizava o executivo a acordar, com

a administração da Santa Casa de Misericórdia, a transferência da direção e da

superintendência do Asilo, de modo que a criação do Asilo de Alienados constituiu-se, sem

dúvidas num marco histórico da assistência psiquiátrica piauiense. A iniciativa de construí-lo,

no governo de Álvaro Mendes partiu do médico e vice-governador, Areolino de Abreu, que

mediante o apoio de colegas de profissão abriu uma subscrição9

nesse sentido, de modo que,

passados poucos meses e já contando com cinco contos de réis, o governador, solidário com a

causa, doou, via erário, outros cinco contos, destinados à compra de uma chácara, no Campo

de Marte (onde hoje está erguida a Unidade Escolar Benjamin Batista, na atual Rua Jônatas

Batista), pelo preço de oito contos. Como o que restou em caixa era insuficiente para iniciar a

execução da obra, a Câmara dos Deputados aprovou, em 2 de julho de 1906, a Lei nº 409,

que concedia outro auxílio de vinte contos de réis, tendo o Senado Federal igualmente votado

uma verba de quinze contos, totalizando assim os recursos necessários para à construção da

obra (GUIMARÃES, H., 1994).

O projeto original do prédio, feito pelo engenheiro e diretor de obras públicas do

governo do Estado, Antonino da Silva Freire, previa quatro pavilhões, dois para o sexo

masculino e dois para o feminino, comportando cada um 16 leitos, além de uma sala para a

administração e um salão para banhos (no início do século XX ainda existia a classificação e

divisão dos enfermos em pensionistas, agitados e furiosos), sendo o Asilo inaugurado em 21

9 Compromisso de contribuir com uma certa quantia de dinheiro para empresa ou obra de beneficência

(FERREIRA, 2000).

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de janeiro de 190710

, sob a denominação de “Asilo de Alienados Areolino de Abreu”, com

discursos e festividades, apesar de a construção estar incompleta. Antonino Freire foi

governador do Piauí de 1910 a 1912 e, diante das condições de extrema precariedade do

Asilo, dirige-se, em Mensagem, à Câmara Legislativa, mencionando que, ao visitá-lo, teve a

sensação de que “„falta tudo: a casa, as enfermarias, o tratamento‟” (ARAÚJO, 1995, p. 110),

conclui seu discurso impressionado com a precariedade do hospício, sendo este, mais uma

casa de doidos, que um local para tratamento, pois o que se percebia era a total ausência de

infra-estrutura mínima para seu funcionamento. Isso retratava que os enfermos ali internos

não recebiam nenhum tipo de cuidados médicos ou higiênicos, pois nem mesmo a

alimentação estava a eles disponível, que ficavam à mercê da própria sorte ou da ausência

dela.

Uma década após a inauguração do Asilo, o governador Eurípedes Clementino de

Aguiar (1916-1920) ainda lamentava, em discurso, o seu inacabamento. Na verdade, em razão

dos parcos recursos, só algum tempo depois da inauguração a obra foi retomada, com a

construção da metade de dois pavilhões para doentes, a sala para os agitados e a casa para a

administração, usando-se verbas federais, no valor de 25 contos de réis, que se destinavam a

socorrer as vítimas da seca (ARAÚJO, 1995). No entanto, mesmo com esses reparos, o

funcionamento do Asilo continuava precário, tanto que Eurípedes de Aguiar dizia que

ao assumir o governo do Estado, conhecedor da situação lamentável em que

se achava o Asylo, um dos meus primeiros cuidados foi lançar as minhas

vistas para os infelizes asylados. Dentro dos estreitos limites de recursos que

a lei me faculta, fiz o que foi possível, e tenho a satisfação de vos comunicar que os loucos do Asylo de Teresina não andam mais nus, não sofrem fome

nem morrem por falta de cuidados médicos. Mas isto não é o bastante. É

preciso que a obra iniciada seja concluída, que o projeto do asylo seja executado. Para que assim aconteça não é necessário que o Estado despenda

um vintém de suas rendas; basta que se dê ao asylo o que é do asylo. Quero

me referir às quotas com que a Companhia das Loterias Nacionais subvenciona o asylo desde o ano de 1911 (apud GUIMARÃES, H., 1994,

p.32-3).

O governador reconhece, assim, a premência de melhorar a infraestrutura do Asilo

de Alienados, relacionando-a diretamente com a conclusão da obra, exigindo, para isso, que

cotas da Companhia de Loterias Nacionais, pertencentes ao Asilo e que deveriam

10 Há divergência, entre os autores consultados sobre a data de inauguração do Asilo de Alienados. Para

Guimarães (H., 1994), isso ocorreu em 24/01/1907, enquanto, para Araújo (1995), o acontecimento é de

21/01/1907.

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subvencioná-lo, desde os anos de 1911, lhes fossem integralmente repassadas não sendo

necessário recorrer aos cofres públicos. Os pavilhões foram concluídos no governo de João

Luiz Ferreira, com os internos ficando, a partir daí, melhor acomodados. Na verdade, a

decisão de construir o Asilo de Alienados decorreu das precárias condições a que estavam

submetidos grandes contingentes de pessoas, como os retirantes, que fugiam da seca e

perambulavam, ou até moravam, nas ruas e, para sobreviver, realizavam pequenos furtos e

mesmo alguns roubos, situação essa que incomodava a elite da sociedade piauiense, que

reclamava medidas garantidoras da tranqüilidade, da moralidade e da ordem social, de modo

que em essência o Asilo responde aos anseios desses grupos, para os quais conviver ou

assistir os miseráveis a perambular pela cidade era uma questão moral a ser resolvida pelo

poder público. Aliás, afirma Araújo (1995, p.112) que

as instituições Colégio dos Educandos Artífices11

e Asilo de Alienados

foram criados como instrumentos de disciplinarização da vida urbana, fruto

do medo e da insegurança provocada pelo imaginário das elites dirigentes de

Teresina. Neste período, a Capital do Piauí, necessitando de ordenação

urbana, retira de suas ruas os meninos órfãos e loucos, isolando-os da

sociedade para que vivessem nela apenas homens sadios, normais e

higiênicos.

A criação do Asilo de Alienados está, portanto, ligada ao interesse do governo e

das elites locais de retirar das ruas os loucos e os marginalizados sociais, que eram

extremamente pobres e migravam para a capital à procura de emprego ou de melhores

condições de vida e, em não conseguindo, ficavam pelas ruas, perambulando. O louco era

apenas mais um a ser levado para o Asilo, a fim de garantir a paz social tão reclamada.

Mas, antes mesmo da criação do Asilo de Alienados, iniciou-se, ainda em 1877,

os primeiros movimentos da sociedade piauiense, sobretudo em Teresina, no sentido de

angariar recursos financeiros em prol da construção de um Asilo de Mendicância e uma Casa

de Detenção, que absorvessem os pobres, os loucos e os indigentes que perambulavam pelas

principais cidades do Estado. É que essas pessoas se constituíam, para as famílias mais

abastadas, uma ameaça cotidiana à ordem social e aos bons costumes, posto que, como

11

O Colégio dos Educandos Artífices, que se destinava a receber meninos órfãos e pobres, foi fundado por

Zacarias de Góis e Vasconcelos, em 24 de setembro de 1847, através da Lei 220 (ARAÚJO, 1995).

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ressalta Araújo (1995, p.102), “pelo imaginário dos teresinses perpassava a ânsia por uma

cidade „progressista‟ e „civilizada‟. Daí a preocupação de limpar as ruas e o locais onde os

homens e mulheres pobres, os órfãos, os mendigos e os loucos viviam.”

Em suma, da mesma forma que no resto do país, no Piauí, antes do Asilo de

Alienados, os loucos e todos os que perambulavam pelas ruas eram também recolhidos às

cadeias públicas, sob a alegação de serem perigosos para o convívio social, devendo ser

mantidos em locais isolados, como as prisões, em sistema de reclusão. No entanto, a criação

posterior do Asilo de Alienados não trouxe melhorias significativas para os mais

empobrecidos lá abrigados, pois a assistência nele prestada, como se mencionou, era precária

e desprovida de uma infra-estrutura capaz de atender às necessidades humanas, de modo que

os doentes, os loucos e os indigentes levados para lá ficavam desprezados, sem alimentação

nem roupas adequadas, sendo abandonados pelas famílias e ficando somente sob a

responsabilidade da administração do hospital. Aliás, Santos (1973, p.39) afirma que

tratava-se de um hospital pobre, desprovido de recursos, tanto material

como humano, não possuindo um só médico psiquiatra, usando os mais

arcaicos dos meios terapêuticos. Apesar dos esforços da sua direção, o referido estabelecimento, pela falta de condições econômicas, representava

mais um sistema presidiário do que hospitalar.

Assim, no Piauí, como no Brasil, os loucos de condição social mais elevada,

quando calmos, ficavam sob a responsabilidade de suas famílias, num quarto separado, sendo

da mesma maneira tolerados os loucos mais pobres, se calmos, embora circulassem pelas

ruas, vivendo da caridade e de pequenos serviços que realizavam. Já os agitados eram

recolhidos às prisões, juntando-se aos demais desviantes e, anos mais tarde, transferidos para

o Asilo de Alienados, onde morriam esquecidos pelos parentes e a sociedade.

A criação do Asilo de Alienados ocorre, em síntese, nos marcos da lógica nacional

dominante à época, pois, além de servir de abrigo para o louco, destinava-se a manter a

disciplina moral dos “desviantes” por meio do trabalho, tido como um elemento fundamental

para o progresso social. Por conta disso, o seu regimento assinalava que a instituição deveria

recuperar e moralizar o louco, como forma de disciplinar e manter a ordem social, reclamada

pelas elites locais, que se sentiam inseguras e desejavam o reordenamento urbano da cidade,

com a retirada dos locais públicos de todos os indesejáveis, como os meninos órfãos e os

próprios loucos, isolando-os do convívio social, que deveria compor-se, segundo Araújo

(1995, p. 112), “apenas por homens sadios, normais e higiênicos”. Um exemplo disso eram as

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funções do enfermeiro, referidas no regimento, o qual deveria promover atividades para

ocupar os alienados, com tendência para o trabalho, mesmo com pequenos serviços.

É então assim, sob a ótica da disciplina e do trabalho, que as questões relativas à

pobreza e à loucura passam a ser vistas pelo Estado e pela sociedade, a primeira tida no

âmbito da caridade e “ser percebida como falha moral inerente ao indivíduo, passando a ser

vigiada e controlada” (ROSA, 2000a, p.124-5), devendo, em decorrência, ser tratada nas

esferas policial e jurídica e no bojo de medidas sócio-assistenciais e médicas. Enfim, a

assistência psiquiátrica piauiense, assim como ocorreu nos outros estados brasileiros, “desde

suas origens está centrada no modelo hospíciocêntrico/hospitalocêntrico” (idem, 2000a,

p.126), baseada nas internações em instituições asilares fechadas, seguindo a lógica da

política nacional dominante.

No momento da criação do Asilo de Alienados Areolino de Abreu, a direção ficou

a cargo de médicos clínicos gerais, sendo o primeiro diretor Marcos Pereira de Araújo, mas, a

partir de 1912, no governo de Antonino Freire (1910-1912), essa responsabilidade é

compartilhada com as irmãs da Ordem das Filhas de Maria, que cuidarão cotidianamente dos

doentes internos, com as ações voltadas para a higiene, a alimentação e os desvelos gerais,

numa situação que perdurou até meados de 1940, década essa marcada por um sensível

crescimento da economia piauiense fomentada pelo extrativismo da borracha, expansão do

comércio e o incremento da indústria de transformação de produtos de exportação e

alimentos. Aliás, uma das conseqüências diretas desse surto desenvolvimentista foi a

formação de uma classe média, constituída por comerciantes, funcionários públicos,

burocratas e profissionais liberais, que discutiam e defendiam novas idéias para o progresso

estadual. Nessa fase, a sociedade piauiense dinamiza-se social e economicamente, embora

permaneça relevante o seu caráter agrário e rural (ROSA, 2000a).

Ora, desde os finais dos anos de 1930 e início da década de 1940, vários

acontecimentos marcaram a área da saúde. Com efeito, surge, em 1938, no governo de

Leônidas Melo (1935-1945), a Sociedade Piauiense de Medicina, que visava promover a

integração social e cultural da classe, divulgando e discutindo temas de interesse da categoria

e em 1940 cria-se o Departamento de Saúde Pública, vinculado à Secretaria de Educação do

Estado, com o objetivo de combater as doenças endêmicas, muito comuns na época, sem

mencionar a inauguração, em decorrência do Decreto-Lei n° 360, de 2 de maio de 1941, do

Hospital Getúlio Vargas (HGV), que passa a ser referência para todo o Estado e ligado,

inicialmente, ao Instituto de Assistência Hospitalar do Estado do Piauí (IAH). Tal período

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torna-se mais relevante ainda porque é nele que aqui chegam os primeiros médicos

psiquiatras, o que permite dizer que no Piauí as instituições psiquiátricas antecedem os

próprios psiquiatras.

O psiquiatra pioneiro do Piauí foi Clidenor de Freitas Santos, seguido por João

Coelho Marques, aquele o primeiro especialista a dirigir o Asilo de Alienados, de 1940 a

1958. Segundo Oliveira (1995), o ato administrativo inaugural de Clidenor de Freitas Santos

foi mandar retirar as correntes que prendiam as pernas dos loucos, como fez Pinel, na França,

sendo que tais, num montante de cem, perfizeram mais de uma tonelada de ferro, doada ao

Estado para o “reforço de guerra”. Outra medida de impacto foi sugerir a substituição

imediata do nome Asilo de Alienados, que ele achava impróprio, para Hospital Psiquiátrico

Areolino de Abreu (HPAA), em homenagem a seu fundador, o que se deu pelo Decreto–Lei

nº 411, de 14 de agosto de 1941, mesmo ano da desvinculação institucional do Asilo da Casa

de Misericórdia e da vinculação ao Instituto de Assistência Hospitalar (IAH), ocorrendo a

estadualização do HPAA.

As transformações realizadas na administração de Clidenor de Freitas Santos

foram significativas tanto em relação à estrutura física (execução de vários reparos,

construção de enfermarias, etc), quanto acerca da ordem funcional, já que melhorou a

qualidade no atendimento aos loucos ali internos, introduzindo-se novas e modernas técnicas

de tratamento, já em uso no país, como malarioterapia (método utilizado, pela última vez, no

Estado do Piauí, em 1952), eletroconvulsoterapias, choques cardiazólicos e a insulinoterapias

(método utilizado por Clidenor a partir de 1947). Ademais, como parte desse conjunto de

medidas na área da saúde mental e seguindo às diretrizes da Política Nacional de Saúde,

dirigida pelo Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), é criado, em 1942, o primeiro

Ambulatório de Higiene Mental do Piauí, em anexo ao Asilo de Alienados, para atender à

população não-interna carente de assistência especializada. Mas, segundo analistas, apesar

dessa opção, serão conservadas, no Asilo, as mesmas práticas de internamento, embora Santos

(1973, p.43) pense diferente, pois diz que

seu quadro de pessoal é constituído de um médico psiquiatra e três

atendentes. Grande tem sido o papel desempenhado pelo mesmo, na assistência ambulatorial, atendendo os pacientes da classe menos favorecida,

principalmente aqueles sem direito à assistência da Previdência Social. Tem

o mesmo como principais finalidades: o tratamento preventivo, a continuidade do tratamento aos egressos, evitar segregação do paciente do

seu meio sócio-familiar sem interromper suas atividades profissionais.

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Um dos nomes expressivos, senão o mais, da psiquiatria piauiense nos anos de

1940, Clidenor de Freitas Santos é nomeado, em 1942, diretor, no Piauí do SNDM. Nesse

período, inicia ele, em Teresina, a construção do próprio hospital psiquiátrico, que chamaria

de Sanatório Meduna, em homenagem ao médico húngaro L. J. Von Meduna. Pelo tamanho e

estrutura, o Sanatório só será inaugurado, com repercussão nacional, dez anos depois, em 21

de abril de 1954, sendo, por mais de uma década, uma das referências em tratamento

psiquiátrico no Nordeste do Brasil.

Emerge, assim, nos anos de 1950, no Piauí, a assistência psiquiátrica particular,

representada pela inauguração do Meduna, que provocará, nessa época, uma expansão

significativa dessa assistência no Estado, embora limitada a Teresina, que concentrava, além

dele, o Hospital Psiquiátrico Areolino de Abreu. É que, nas cidades do interior, não havia

atendimento médico especializado, de modo que os casos graves de loucura eram

encaminhados à capital, muitas vezes por prefeitos, juízes ou polícia, não sendo os loucos

atendidos nem mesmo por clínicos gerais, havendo relatos de que, na impossibilidade de vir

para a capital, as famílias ficavam com os doentes em casa, num local isolado, embora o

desenvolvimento da assistência psiquiátrica no Piauí já estivesse condicionada, sobretudo, à

“ampliação da oferta de serviços no interior das estruturas hospitalares, como também a

melhoria arquitetônica e assistencial destes lugares, principalmente da organização pública”

(ROSA, 2000a, p.130). Registre-se que, em face da precariedade da estrutura física do

hospital público, cujos internos viviam em condições subumanas, sem água tratada, próximo a

animais e sem alimentação adequada, Clidenor de Freitas Santos empreende esforços junto ao

SNDM, na pessoa do diretor, Adauto Botelho, ainda nos anos de 1940, para transformar o

HPAA em Hospital Colônia de Psicopatas, objetivando, com isso, proporcionar aos doentes a

chance do trabalho agrícola (horticultura, pecuária, suinocultura, avicultura, etc). A idéia foi

aprovada e escolhido um vasto terreno, doado pela Prefeitura de Teresina, à margem do rio

Poti, mas não se concretizou devido à falta de recursos, desviados para o setor da educação, o

que sinaliza que não existia, na época, vontade política dos governantes locais em concretizar

o projeto, de sorte que a área ficou abandonada, passando aos poucos a ser ocupado por

grupos de pessoas comuns, das proximidades, com a própria Prefeitura abrindo ruas pelo seu

interior, além de outras obras, como depósitos e sede de delegacias (GUIMARÃES, H.,

1994). A década de 1950 foi marcada, no cenário nacional, pelas discussões de projetos de

reformas para o país, o que se refletia no Piauí, cujo governo, a cargo de Francisco das

Chagas Caldas Rodrigues (1958-1961), que assumiu com o discurso de mudanças e defendia

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amplas reformas, intensificou as ações no campo social, no sentido de ampliar a oferta de

serviços assistenciais para a população urbana da capital (ROSA, 2000a). Em 1958, assume a

direção do HPAA o psiquiatra Carlos Alves Araújo, que fica no cargo até 1962 e realiza no

hospital uma ampla reforma administrativa, física, assistencial e humana, enquadrando os

procedimentos à legislação do serviço público estadual e organizando a estrutura sanitária da

instituição. Dentre as medidas mais importantes adotadas por ele destacam-se, segundo Veras

e Moreira (1997),

a) instalação do sistema de água potável para todos os doentes;

b) canalização dos esgotos, separando os PTM dos animais que viviam nas

proximidades;

c) extinção no tratamento, do sistema de acorrentamento;

d) eliminação, do sistema de isolamento dos epiléticos, superando a falsa idéia da

epilepsia como um mal contagioso;

e) melhoria da qualidade da alimentação e da hotelaria;

f) construção de banheiros e fossas sépticas;

g) reformulação dos pavilhões;

h) implantação do corpo clínico, com as especialidades de médico psiquiatra,

urgentista, ginecologistas e odontólogo;

i) criação do Serviço de Terapia Ocupacional, visando desenvolver trabalhos

manuais para os PTM que com eles tivessem mais afinidade;

j) iniciação do processo de documentação e registro do quadro de evolução dos

pacientes.

É, assim, no âmbito dessas medidas que se dará o processo de reestruturação do

corpo de funcionários do HPAA, visando atender a população dita indigente, mas o diretor

Carlos Alves Araújo, objetivando apurar denúncias de desvios, por políticos locais, dos

recursos públicos federais destinados à obra do Hospital Colônia, planejada por Clidenor de

Freitas desde os anos de 1940, institui uma Comissão sindicante, pedindo, em seguida,

demissão do cargo. A denúncia, feita formalmente ao SNDM, resultou, conforme noticia

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Guimarães (H., 1994, p.63), na vinda de uma Comissão ao Piauí, a qual constatou que “a

referida Colônia não passa então de um engodo político: obra inacabada, suas verbas [foram]

desviadas para construção de grupos escolares” e responsabilizou o governo estadual pelo uso

indevido dos recursos públicos, exigindo, ao mesmo tempo, a conclusão do hospital, tendo o

Estado, na pessoa do governador Helvídio Nunes, que providenciar o imediato recomeço das

obras. Em 1962, cria-se o Setor de Serviço Social do HPAA, sendo esse ano o marco inicial

da contratação, pelo Estado, das primeiras assistentes sociais que atuaram na assistência

psiquiátrica pública piauiense. Esses profissionais atendem aos PTM na montagem de seu

histórico social e realizam entrevistas e visitas domiciliares, a fim de subsidiar o tratamento

prestado. Essas pioneiras foram Marlene Neide de Carvalho, formada pela Universidade

Federal do Ceará e contratada em 1962, Teresinha de Sá, graduada pela Universidade Federal

do Ceará e admitida em 1968, Miriam Soares da Silva, diplomada pela Universidade Federal

do Pará e contratada em 1974 e Cirene Costa Cortez, titulada pela Universidade Federal do

Maranhão e admitida em 1978.

As mudanças efetivadas por Carlos Araújo na direção do HPAA aborreceram às

irmãs religiosas que, até então, cuidavam dos doentes e respondiam administrativamente pela

gerência do hospital. É que, da mesma forma que no Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro,

aqui também os médicos especialistas reclamavam para si a competência de cuidar dos PTM

e, no caso especifico do HPAA, denunciavam que as freiras queriam limitar suas ações.

“Travei uma luta muito grande com as religiosas, o que culminou com sua saída”

(OLIVEIRA, 1995, p.46), diz Carlos Araújo, que ficara no cargo até 1962, sobre a resistência

das irmãs em aceitar a presença do médico no cotidiano do hospital, tendo então que recorrer

até ao governador do Estado, que lhe apoiou.

Mas, no período iniciado em 1964, já se vive a ditadura militar e, como

mencionado no item anterior, essa fase foi marcada por sinais de expressivo crescimento do

setor econômico e fortemente caracterizada pela repressão social, restrição de direitos civis e

políticos e agravamento dos problemas sociais do país. Nesse contexto, o Piauí, como um

estado pobre e periférico, não alavanca seu desenvolvimento econômico, continuando com

elevados índices de pobreza, alta concentração de renda e sob uma desordenada urbanização,

principalmente em Teresina, que, apesar de também experimentar sérias dificuldades,

representava, no imaginário do povo, a possibilidade de conquista de emprego e renda.

Nessa época, ocorre, no país e no Piauí, o aumento da demanda por serviços

psiquiátricos, de modo que o HPAA, até então localizado no Campo de Marte, tem as

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instalações ampliadas. Em 1968, dá-se a transferência para uma nova sede, no bairro

Primavera, na Rua 1º de Maio, na Zona Norte de Teresina, instalada como Sistema de

Colônia, recebendo então o nome de Hospital Colônia de Psicopatas Areolino de Abreu

(HPAA), permanecendo nesse local até os dias de hoje. Nessa nova fase, o Hospital Colônia

tinha em seu quadro seis psiquiatras, dois clínicos, com a administração interna a cargo da

comunidade das irmãs religiosas, sob a direção do médico Francisco das Chagas Pacheco.

Foi, aliás, nesse contexto de mudanças que as irmãs religiosas deixaram de prestar assistência

aos PTM do HPAA, afastando-se, definitivamente, na década de 1970, mesmo tempo em que

o Ambulatório de Higiene Mental, também foi transferido do Campo de Marte para uma área

anexa ao Hospital Colônia, sendo-lhe o dirigente e primeiro médico psiquiatra Wilson Freitas

Santos, auxiliado por dois atendentes de enfermagem. O Ambulatório funcionava pela

manhã, de segunda a sexta-feira, e recebeu, por determinação do então governador Francisco

das Chagas Rodrigues (1958-1961), o nome de Clidenor de Freitas Santos (GUIMARÃES,

H., 1994).

Em 1968, no âmbito da política de expansão dos serviços de saúde mental, deu-se

a fundação, por Wilson Freitas Santos, do Hospital-Dia, que funcionava em anexo ao Hospital

Colônia e era tido como um dos primeiros do país. Essa medida foi adotada como uma forma

de enfrentamento da superlotação do HPAA, impedindo que se instituísse o “leito chão”.

Ademais, os novos conceitos da psiquiatria moderna recomendavam que a internação, como

alternativa de tratamento, tivesse um período mínimo, para o PTM, exigindo-se também a

participação direta da família, a fim de evitar o afastamento do enfermo do convívio social.

Na época, esta modalidade de tratamento era considerada digna de um hospital

psiquiátrico do futuro, representando uma grande inovação por embasar-se na semi-

internação, com caráter diferenciado da internação convencional, atendendo, e esse era um

problema, um pequeno número de pessoas (as vagas eram limitadas), com diagnósticos mais

leves (os casos agudos e mais graves não podiam dela utilizar-se). O funcionamento do novo

serviço se dava nos turnos da manhã e tarde, de segunda a sexta-feira, com consultas médicas,

administração de medicamentos, fornecimento de alimentação, atividades esportivas e

realização de leituras. A praxiterapia era baseada na terapia ocupacional e, para atender a

esses objetivos, foram instalados, salas de cinema e de trabalhos manuais, além de

horticultura e terapias de grupo, sob a orientação do psiquiatra, tudo em cooperação com o

HPAA (OLIVEIRA, 1995).

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A demanda psiquiátrica, no final dos anos de 1960, era expressiva, tendo em vista

que o HPAA e o Sanatório Meduna recebiam pacientes do Piauí e de estados vizinhos, como

o Maranhão e o Ceará, mas, mesmo assim, faltavam vagas. O Hospital Colônia, por exemplo,

passava por sérias dificuldades administrativas e financeiras, com o número de médicos e

paramédicos insuficiente para assistir a clientela, que ocupava os 150 leitos (90 para

indigentes e 60 para os pensionistas). Em face da situação, o diretor, médico Francisco das

Chagas Pacheco, inicia a construção de um pavilhão com mais 100 leitos, além da ampliação

de outras dependências administrativas (GUIMARÃES, H., 1994). Já o Sanatório Meduna,

que assumia, naquele momento, um papel de destaque na assistência psiquiátrica do Piauí,

como hospital particular, atendia aos usuários com convênios privados e os vinculados ao

INPS, órgão que, após o processo de unificação dos IAPS‟s, tornou-se central na cobertura

das doenças mentais. Na época, o Sanatório Meduna atendia, também, a uma cota limitada de

indigentes.

Na década de 1970, sob a orientação da Política de Saúde Mental Nacional,

norteada pelo discurso da ambulatorização do tratamento, com atenção expressiva às

consultas, em detrimento das internações, a psiquiatria do Piauí, que até aquele momento

estava representada pelo Sanatório Meduna e o HPAA, este contando também com o

Hospital-Dia e o Ambulatório Clidenor de Freitas, expandiu-se em outras frentes. É que a

assistência psiquiátrica local passou igualmente a ser implementada por outras agências, como

o Ambulatório do INPS e o Ambulatório de Higiene Mental do Instituto de Previdência e

Assistência dos Servidores do Estado, o IPASE (ROSA, 2000a). Apesar disso, a psiquiatria

piauiense concentrava-se na capital, tendo em vista que o Programa Integrado da Saúde

Mental (PISAM) não prosperou no Estado, da mesma forma que fracassou no resto do país,

ele que tinha por objetivo levar ao interior do Brasil o Programa de Saúde Mental do governo,

difundindo os ideários da saúde mental, mas, com sérias dificuldades de recursos, devido à

crise financeira da Previdência e outros problemas, o PISAM emperra, com a presença do

médico só ocorrendo, ocasionalmente, em municípios de maior desenvolvimento econômico,

como Parnaíba e Picos.

Em 1972, dentro das metas da Política de Saúde Mental do Estado e do Ministério

da Saúde, o Sanatório Meduna, sob a direção de Wilson Freitas Santos, dá seguimento às

diretrizes centrais dessa Política, mediante duas alas: a Clínica de Repouso, destinada aos

pacientes em processo de melhora ou remissão, e a Clínica Psiquiátrica, dedicada aos doentes

em fase aguda e aos tidos como crônicos. A capacidade do hospital era então de 500 leitos,

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contando com cinco psiquiatras e quatro clínicos. A direção do pessoal paramédico, como os

técnicos e atendentes de enfermagem e todos os cuidados com os internos, com relação à

alimentação e à higiene, ficava a cargo das irmãs religiosas da Congregação Filhas do

Coração Imaculado de Maria, acolhidas na instituição desde a fundação e nela permanecendo

até a década de 1990.

Em 1973, assume a direção do HPAA o médico Anfrísio Lobão que, por decreto

estadual, muda o nome do Hospital Psiquiátrico Areolino de Abreu para Hospital Areolino de

Abreu (HAA), expressando a preocupação de melhorar as equipes médicas e paramédicas,

através de treinamento e melhoria salarial. Outro avanço para a psiquiatria local foi a

fundação da Associação Psiquiátrica do Piauí (APP), em 9 de agosto de 1975, que contribuiu

para a divulgação das novas idéias da Saúde Mental, propagadas no restante do país,

realizando, no final da década de 1970, algumas Jornadas de Psiquiatria, a primeira em abril

de 1979, sob o nome de I Jornada Psiquiátrica do Norte e Nordeste Brasileiro, considerado um

evento de suma relevância.

A década de 1980, como já mencionado, é marcada pelo fim do regime militar e

o início do processo de redemocratização do país, quando ocorre o refortalecimento da

sociedade civil, que convergia para um amplo leque de lutas por melhorias em setores como o

da saúde, em especial a saúde mental, o que culmina em amplos movimentos organizados,

que reivindicam mudanças profundas na sua forma procedimental e de gestão. No Piauí,

também houve mudanças nos campos econômico, político e social, sendo que, na área da

saúde mental, sinaliza-se para a alteração no modo de organização desses serviços

especializados, com exigências de melhorias no tratamento e nas instalações sanitárias do

serviço público de saúde. Como parte dessas medidas, o HAA, que atravessava forte crise

financeira, associada à precariedade de suas instalações, planeja e discute, junto ao órgão

gestor da saúde, uma ampla reforma física, administrativa e assistencial. Aliás, registra-se,

nesse período, a criação, em 9 de outubro de 1980, da Associação Comunitária de Saúde

Mental do Piauí (ACSM), que surge sob os efeitos das influências do processo de

revitalização das sociedades civis brasileira e piauiense e dos psiquiatras locais. Composta por

vários profissionais de saúde e por pessoas da comunidade, o objetivo principal era superar a

falta de uma Coordenação de Saúde Mental no Estado, comandando, de modo independente,

os debates sobre as principais questões que diziam respeito à assistência psiquiátrica

piauiense, além de divulgar experiências vitoriosas em outras regiões do país e tentar

implantar, no Piauí, serviços alternativos que, no entanto, não se efetivaram (NOGUEIRA,

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1993). Em 1982, a ACSM, com o apoio e a participação de vários profissionais e técnicos

comprometidos em debater questões da saúde, no que tange ao seu processo histórico de

constituição, planejamento e execução, promoveu a I Jornada de Saúde Mental Comunitária.

Nesse contexto de democratização, o Piauí experimentava uma conjuntura de

amplas lutas e questionamentos acerca da assistência psiquiátrica, plena de protestos contra as

precárias condições da saúde, permeada de conflitos históricos e marcada pela falta de

recursos financeiros fixos, pessoal técnico especializado, sucateamento de estruturas e

equipamentos, etc. Por conta dessa situação, que perdura ao longo de décadas, são deflagradas

no Estado, sobretudo em Teresina, várias greves, que reivindicam melhorias efetivas no

campo da saúde, sendo fruto desses esforços e da atuação dos movimentos sociais a nomeação

de uma comissão para estudar a elaboração de um projeto de saúde mental para o Estado do

Piauí, que deu fundamento ao Programa de Saúde Mental Comunitária (PSMC), cuja

legalização e implementação se deu em abril de 1983, sob duas metas centrais e prioritárias:

descentralizar, com a regionalização da assistência no Estado e na capital, e reformar a parte

administrativa e assistencial, com a recuperação física do HAA.

Sob essas metas centrais, o PSMC, uma ação do governo estadual, tinha como fio

condutor a criação de leitos ou enfermarias psiquiátricas em hospital geral de referência,

sobretudo nas principais cidades, o que foi avaliado pelos psiquiatras do Piauí, como muito

promissor, no sentido de atingir a regionalização da assistência psiquiátrica pela implantação

de atendimento ambulatorial em saúde mental. Uma outra meta alcançada com êxito pelo

PSMC foi ampla reforma do HAA, na gestão de Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco, como

secretário de Saúde, no governo de Hugo Napoleão do Rego Neto (1983-1986), acompanhada

de medidas como a extinção do sistema de “celas fortes” (quartos isolados com grades,

destinado a enfermos em crise aguda de agitação e agressividade), o que veio, de certa forma,

contribuir para a negação do caráter asilar do hospital, dando à instituição características mais

“suaves”, sem a forte alusão ao louco e à loucura, imprimida pelo termo “psiquiátrico”. Tais

decisões, são consideradas um divisor de águas na história do HAA, pois, anteriormente a

elas, o hospital tinha marcas asilares muito fortes (GUIMARÃES, H., 1994).

Mas o PSMC, pensado e planejado para o Estado do Piauí, não se sustentou por

muito tempo, já que em 1987 entra em declínio, fracassando, assim, a tentativa de

descentralizar o atendimento psiquiátrico. Isso ocorreu, em boa medida, porque as

enfermarias psiquiátricas do Serviço de Pronto Socorro do Hospital Getúlio Vargas não

tiveram boa aceitação, entre outras causas porque a presença dos PTM e de psiquiatras nas

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equipes de plantão foram rejeitadas, pela existência, no imaginário da sociedade de um forte

preconceito ao tratamento dos portadores de transtorno mental fora dos muros dos hospitais

psiquiátricos, tidos que eram como pessoas perigosas e ameaçadoras da ordem. Ficou, então,

em funcionamento, apenas o Ambulatório de Saúde Mental, com a realização, somente, de

consultas médicas.

No contexto das lutas por melhorias na área da saúde é criado no Piauí em 1986, o

Movimento Popular de Saúde (MOPS), que no início, tinha um caráter de informalidade, mas

logo assumiu natureza política, com idéias, mais definidas e amplas, de contestação à

precariedade do setor, passando a reivindicar mudanças substantivas na área. Surgindo de

grupos ligados à Igreja e de profissionais que valorizavam uma atuação baseada nas práticas

populares em saúde, embora a questão específica da saúde mental ainda não se lhe estivesse

presente, o MOPS, foi por demais importante para o fortalecimento da luta em torno da

problemática (ROSAa, 2000).

Nos anos de 1990, a política local fica sob o comando do governador Antonio de

Almendra Freitas Neto, eleito pelo Partido da Frente Liberal (PFL), que propõe mudanças nas

áreas administrativa, econômica e política, seguindo as diretrizes do governo federal. Esse

período foi marcado por forte crise nos setores da saúde e da educação, ocorrendo várias

greves e intensos movimentos da sociedade civil organizada, que reivindicavam alteração na

forma de gestão desses setores e almejavam a efetivação de melhoria das condições das

políticas públicas nessas áreas. No panorama de crise na área da saúde, marcada também pelo

ressurgimento de doenças já erradicadas, objetivava-se a descentralização da assistência

psiquiátrica no Estado do Piauí, ampliando a oferta de serviços especializados para além dos

limites da capital e a expansão dos serviços alternativos, como Hospital-Dia, CAPS e NAPS,

sendo nesse sentido, elaborado, pela Secretaria de Saúde do Estado (SESAPI), no I Fórum

Estadual de Saúde Mental, uma proposta de programa assistencial, montada sem levar em

conta os princípios do SUS, que concebia a saúde numa perspectiva de direito garantido na

Carta Magna de 1988, não contemplando assim, os anseios e as necessidades da sociedade

piauiense.

Em 1991, entre 27 a 29 de setembro, realizou-se, em Teresina, a I Conferência

Estadual de Saúde, com o lema “Municipalização é o Caminho”, evento preparatório para a

Conferência Nacional de Saúde, que se daria de 9 a 14 de agosto de 1992, em Brasília. As

decisões tomadas apontavam na direção da independência e liberdade dos atores sociais na

escolha de seus representantes, do fortalecimento do controle social e das experiências

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populares de saúde, da exigência de concurso público como única forma de ingresso no

serviço estadual, da implantação do Plano de Cargos Carreiras e Salários e da efetivação de

um programa de reciclagem dos recursos humanos do setor. E, apesar de a I Conferência

Estadual de Saúde não ter feito grandes referências à saúde mental, uma de suas deliberações

finais foi determinar a implantação, em todo o Estado, de programas de saúde mental nas

ações básicas de saúde (SESAPI, 1991, apud ROSA, 2000a).

Com novos horizontes para a saúde e tendo como base os reflexos dos

movimentos ocorridos na área e na sociedade, em 1993 a Fundação Municipal de Saúde

(FMS) da Prefeitura Municipal de Teresina (PMT), por meio da Coordenadoria do Programa

de Saúde Mental e em conformidade às diretrizes de descentralização do SUS, inicia um

processo de reestruturação da assistência psiquiátrica, objetivando o planejamento, a execução

e a fiscalização ampla dos serviços de saúde mental do município. Propõe, ainda, embora a

maior parte das proposições ficassem somente no plano das intenções, a implantação de leitos

psiquiátricos em hospitais gerais, visando, com isso, à redução deles em hospitais

especializados e à intensificação do controle das prescrições indiscriminadas de psicotrópicos,

estendendo a atenção ambulatorial. Mas, como parte das reformas propugnadas pela PMT, na

área da saúde mental, é implementado, em 1994, um Núcleo de Apoio Psicossocial (NAPS),

para atender aos funcionários municipais, sobretudo os alcoolistas, os usuários de outras

drogas e aqueles com dificuldades de adaptação ao trabalho, funcionando na Policlínica

Municipal, sob orientação de um psiquiatra, numa abordagem grupal, com reuniões semanais,

transferindo-se, no final de 2003, para uma nova sede, na Zona Sul da cidade, anexa ao

Hospital Municipal do Monte Castelo, com o nome de Núcleo de Apoio Psicossocial

Clidenor de Freitas Santos. Nesse momento, o NAPS amplia o atendimento à comunidade,

prestando serviços a usuários de álcool e outras drogas e a equipe se torna interdisciplinar,

composta por um psiquiatra, uma assistente social, uma psicóloga, uma enfermeira. A

finalidade da Prefeitura, como gestora de saúde no município, era construir, com essas ações,

uma rede de serviços psiquiátricos de referência e contra-referência, em obediência às

diretrizes do Ministério da Saúde (MS), referente à descentralização das ações básicas,

sobretudo na esfera municipal, inclusive implementação dos serviços alternativos, como os

CAPS e os NAPS, dentre outros.

Apesar dos esforços para melhorar a assistência psiquiátrica na capital, na verdade

não se avança em relação à ampliação desses serviços, na medida em que não são tomadas

providências para a sua efetiva criação, limitando-se a Prefeitura ao repasse de verbas, e à

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atenção ambulatorial, por meio de consultas médicas, e à distribuição de psicotrópicos nas

Unidades de Saúde, sem uma assistência mais sistematizada de apoio ao PTM e a sua família,

voltada para a reabilitação psicossocial (ROSA, 2000a) e com esse atendimento ambulatorial

nos hospitais municipais funcionando em precárias condições.

Acontece no Piauí, no período de 10 a 12 de junho de 1994, o I Seminário de

Saúde Mental, com o lema “Em busca da transformação”, evento com apoio do MOPS e do

Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do Estado do Piauí (SINDESPI),

que contou com a participação de usuários dos serviços de saúde mental do Conselho de

Saúde. O resultado final foi a elaboração de um conjunto de propostas, sintonizadas com os

princípios do SUS, encaminhado aos secretários municipal e estadual de saúde. Os seus

principais eixos visavam (MOPS, 1994, apud ROSA, 2000a):

a) criar fóruns de caráter permanente para discutir a saúde mental;

b) criar serviços alternativos e trabalho em equipe multiprofissional;

c) tratar, articuladamente, da problemática da saúde mental com a reforma

psiquiátrica;

d) promover trabalhos com famílias e comunidades para superar o caráter

estigmatizante da loucura;

e) criar novos serviços e manutenção dos ambulatórios;

f) implementar leitos psiquiátricos em Unidades de Saúde da rede municipal;

g) criar novos Hospitais–Dia, Lares Abrigados e Pensões Protegidas e Cooperativas de

Trabalho.

Tais propostas, consolidadas no evento, reafirmaram a importância de o

tratamento psiquiátrico ser promovido em estruturas que preservem e respeitem a cidadania e

garantam a permanência do PTM no seu meio social e familiar, fora dos muros das estruturas

asilares.

No ano de 1995, assume o Governo o então candidato do PMDB, Francisco de

Assis Moraes Sousa, o “Mão Santa”, que propõe uma ampla reforma do Estado, adotando,

como medidas prioritárias, a redefinição do papel estatal, dentro dos moldes neoliberais. Isso

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deslocava os eixos que tradicionalmente norteavam as ações do Estado como gestor das

políticas públicas nas áreas econômica, política e social para a função de regulador e promotor

do desenvolvimento, seguindo, assim, em vários níveis, as diretrizes reformistas. Nesse

período, os serviços públicos de saúde mental continuam centralizados na capital e os dois

hospitais da área psiquiátrica, o Sanatório Meduna e o Areolino Abreu, procedem a

mudanças, visando atender às diretrizes e exigências legais do Ministério da Saúde,

instauradas pela Portaria 224/1994, que reclassificava essas instituições em todo o país, pelo

que o HAA passou de 315 para 280 leitos e o Meduna de 500 para 300, enquadrando-se,

assim, na categoria de Hospitais de Psiquiatria, nível IV. Diz, ainda, a citada Portaria que o

número de profissionais deve ser proporcional à quantidade de leitos, de modo que, por conta

disso, são contratados novos profissionais, inclusive assistentes sociais, para recomporem as

equipes interdisciplinares desses hospitais.

Na cidade de Teresina, realizou-se, de 26 a 29 de junho de 1996, a II Conferência

Estadual de Saúde, tendo como lema o “SUS - na construção de um modelo de atenção à

saúde para a qualidade de vida”. A avaliação feita na referida Conferência aponta que, no

geral, houve uma melhoria dos indicadores de saúde dos piauienses, mas o sistema estatal

permanece embasado na medicina curativa e individualizada, sob alto custo financeiro. Nesse

evento, a discussão da saúde mental ganha evidência, constituindo-se em pauta da

programação, com o título “A Política de Saúde Mental e o SUS”, de modo que os debates

ocorridos nas mesas redondas e palestras giraram em torno da criação dos CAPS nos

municípios e do projeto de lei da Reforma Psiquiátrica, com a criação da Comissão Estadual

de Reforma Psiquiátrica. No ano seguinte, como parte da política de descentralização da

assistência psiquiátrica, é criado o Instituto de Psiquiatria Infanto Juvenil Dr. Martinelli

Cavalca, que funciona em um prédio anexo ao HAA, em sistema de semi-internação,

surgindo, também no interior do Estado, outros Hospitais-Dia, como em Picos, que o inaugura

em 29 de junho de 1997, e Parnaíba, que o faz em 1998, ambos com 30 leitos. Com essas

medidas, os serviços de saúde mental começam a descentralizar-se, mas ainda permanecem

centrados nas cidades de maior potencial econômico-financeiro, sobretudo Teresina, cujos

hospitais de referência, o Sanatório Meduna e o Areolino de Abreu, atendem à clientela não

só do Piauí, mas de estados vizinhos, como Ceará e Maranhão (ROSA, 2000a).

Em reforço ao debate sobre o processo de descentralização das Políticas de Saúde

Mental, realiza-se em Teresina, de 3 a 4 de outubro de 1997, a I Jornada de Saúde Mental

Comunitária, tendo como tema “Legislação de saúde mental no Estado do Piauí”, quando é

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constituída uma Comissão de mobilização das famílias dos PTM para a discussão das leis que

regem esse serviço de saúde, tendo em vista o reduzido número de parentes que participaram

da referida Jornada. No ano seguinte é realizado em Teresina, de 10 a 12 de setembro, a II

Jornada de Saúde Mental Comunitária, promovida pela ACSM e pela APP, evento que contou

com ampla participação dos profissionais que atuam na área, sendo discutidos nos trabalhos

de grupo, dentre outros assuntos, os dois projetos de lei de saúde mental propostos por essas

instituições, que versam sobre o processo de reestruturação da saúde mental do Piauí e o

processo de internações em hospitais psiquiátricos. Foram destaques, nesse evento, as

experiências vividas em serviços públicos alternativos de saúde mental no Estado do Piauí,

como o Hospital-Dia e os NAPS. Realce-se que, já perto do novo milênio, é realizada, de 10 a

12 de novembro de 1999, a III Conferência Estadual de Saúde, cujo tema foi “SUS – PIAUÍ,

consolidando municípios saudáveis”, cujos debates voltaram-se para a saúde mental,

enfatizando a descentralização das ações especificas, tanto que o relatório final recomenda,

em atendimento às diretrizes do SUS, o desenvolvimento de ações de saúde mental pelos

municípios.

Sintonizado com esse debate, fez-se, no município de Teresina, a III Jornada

Comunitária de Saúde Mental, de 8 a 10 de agosto de 2002, sob o lema “Saúde Mental em

Hospital Geral”, organizada pela APP, que se tornou espaço de amplas discussões sobre

temáticas diversas, dentre as quais a ética em saúde mental e a abordagem da família, a

assistência psiquiátrica em hospital geral, a Política de Saúde Mental e a Reforma

Psiquiátrica, etc. O evento se constituiu numa oportunidade de socialização das questões mais

emblemáticas dessa área, já que contou com a presença de participantes de todo o Piauí e de

outras regiões do Nordeste e do Sudeste do país, canalizando esforços na direção de promover

esse debate.

Vê-se assim, que, no geral, as idéias da Reforma Psiquiátrica, desde o início

defenderam, no Brasil, a reestruturação da assistência psiquiátrica, o que envolve o

redirecionamento de suas diretrizes básicas e passa pela progressiva substituição dos leitos

asilares por serviços alternativos, numa rede integrada e descentralizada de atendimentos de

saúde apoiada por equipes especializadas, que assistam o usuário numa perspectiva de

integralidade e universalidade. Infelizmente, como já foi pontuado, essas propostas têm

avançado de forma desigual, com efetivação mais expressiva no Sul e Sudeste do país, em

especial nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que detêm a maior rede de

serviços em saúde mental do Brasil.

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No Piauí, esses ideais avançam muito lentamente, com os poderes estaduais e

municipais não se empenhando em adotar as providências para a criação da rede de serviços

alternativos, sob a alegação de falta de recursos financeiros. O certo é que, nessas esferas de

governo, há resistência e desinteresse em descentralizar a assistência psiquiátrica, pois

nenhuma das instâncias assume plenamente a causa da saúde mental, com medidas na direção

de construir os CAPS e os NAPS, ficando o assunto, ainda hoje, no terreno das discussões. O

que tem havido são as expressivas reduções nos números de leitos psiquiátricos do estado, que

em média de 460, em 2003, caiu para aproximadamente 400, no início de 2004, sem que

fossem criados, em contrapartida, outros serviços que os substituíssem, para garantir a

assistência psiquiátrica ao PTM. Nesse sentido, no Piauí, como em alguns outros estados

brasileiros, o ideário da Reforma Psiquiátrica se vêm de algum modo concretizando,

sobretudo através das ações e de normatizações do Estado, porquanto os dirigentes dos

serviços de saúde mental se preocupam em atender às normas ministeriais que versam sobre

as diretrizes de funcionamento das instituições (redução de leitos, contração de pessoal

técnico, melhoria das instalações físicas, etc) sem, no entanto, implementarem ações

consistentes que imprimam a esses serviços um caráter de descentralidade e universalidade,

como preconizam o SUS e a Constituição Federal de 1988.

Levantamentos e análises de dados mais recentes reafirmam essa direção tomada

pelo debate da Reforma Psiquiátrica no Estado, apesar de essas idéias não terem, até o

presente momento, sido discutidas, com profundidade, pela sociedade piauiense, nem pelos

profissionais, os trabalhadores da saúde mental e, os usuários e familiares dos serviços

especializados. Sabe-se, é claro, que a reforma está em andamento no país, mas ainda não se

evidenciaram, num contexto mais amplo, todas as suas nuances, faces e conseqüências,

positivas ou negativas, ficando, às vezes, os seus princípios traduzidos à mera redução dos

leitos psiquiátricos. Isso não significa uma total ausência de seus reflexos no Piauí, posto que,

como já demonstrado, nos últimos anos diversos eventos na área da saúde mental foram

realizados (fóruns, debates, jornadas, etc), promovidos por entidades de saúde, dentre as quais

se destacam o MOPS, a CMS, a ACSM e a APP, visando a uma ampla discussão dos ideários

da Reforma Psiquiátrica e suas propostas de alternativas de tratamento, bem como

viabilizando mobilizações socializadoras dessas idéias.

Assim, em termas gerais, a discussão da saúde mental, na perspectiva da Reforma

Psiquiátrica, ganha expressividade e visibilidade em toda a década de 1990, embora o modelo

baseado nas internações hospitalares prevaleça nas três esferas de governo, sobretudo nos

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estados onde o debate precisa de intensificação. É que, apesar das garantias constitucionais, os

serviços de saúde no Brasil passam, desde a década de 1990, por um processo de

sucateamento, tendo a população que assumir a responsabilidade de promover a própria

saúde, numa realidade marcada pelo desemprego em massa e num quadro de pobreza

estrutural que tornam vulneráveis o tecido social e o grupo familiar. Esse processo reflete e

traz graves conseqüências para o setor da saúde em geral e a saúde mental, em especial, pois

ambos, historicamente, se caracterizam por ações de baixa resolutividade, encetadas por

gestores públicos das três esferas de governo, já que não atendem às necessidades da

população, o que acarreta constrangimentos para o cidadão que busca os serviços públicos de

saúde. Como bem expressou Rosa (2000a, p.149),

apesar de se ter conquistado e consignado todo um arcabouço legal em termos de direitos, a efetivação dos mesmos está sendo postergada e

obstacularizada pela crise fiscal, de um lado, e pelas orientações políticas

neoliberais, de outro, conjugados com a crise econômica e o refluxo dos movimentos sociais.

Dessa forma, a problemática que norteia as políticas de saúde, sobretudo as da

saúde mental, continuam a ser, no século XXI, um tema emblemático, que requer se prossiga

com sua discussão, questionamentos e lutas, na busca de reafirmar e garantir efetivamente a

saúde como um direito de todos e um dever do Estado, segundo dispõe a Carta Magna de

1988.

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CAPÍTULO II

SANATÓRIO MEDUNA:

FUNDAÇÃO DO HOSPITAL E ESTRUTURA FUNCIONAL

2.1 Avanço da Psiquiatria Piauiense: Clidenor de Freitas Santos e o Sanatório Meduna

Como se viu no Capítulo I, a assistência psiquiátrica no Piauí tem dois marcos

iniciais importantes: a inauguração, em Teresina, em 1907, do Asilo de Alienados Areolino de

Abreu, e a fundação, em 1954, também em Teresina, do Sanatório Meduna, hospital privado

pioneiro na área de saúde mental. A criação dessas instituições tem um significado histórico,

terapêutico e social para a assistência psiquiátrica piauiense, posto que até hoje o tratamento

dispensado ao portador de transtorno mental (PTM) nelas se centram, apesar de já existirem

outras unidades especializadas.

Para a sociedade piauiense, a criação do Asilo de Alienados constituiu uma das

primeiras medidas estatais no enfretamento das questões sociais da loucura, com o louco

representando, para as elites da época, uma ameaça à tranqüilidade, à moral e à ordem, pois

vivia a perambular, sem nenhum tipo de assistência. O Asilo de Alienados significou, então,

uma ação governamental que garantia, num primeiro momento, a retirada dos loucos e dos

indigentes das ruas, deixando-as limpas dessas pessoas consideradas indesejáveis e

inoportunas, sem no entanto lhes oferecer nenhuma assistência médico-terapêutico, já que esta

se resumia a meras medidas de isolamento social. Nesses momentos iniciais, também não

havia alimentação, roupas e acomodação adequada para os internos, nem especialista em

psiquiatria, sendo característica do Asilo a precariedade, em todos os aspectos.

No Piauí, os especialistas em psiquiatria começam a chegar, conforme exposto no

capítulo anterior, no início da década de 1940. O primeiro deles foi Clidenor de Freitas

Santos, tendo seu regresso a Teresina representado um momento singular para a psiquiatria

local, já que redirecionou a assistência psiquiátrica no Estado. Clidenor de Freitas Santos foi

criado na cidade de Miguel Alves, no Piauí, mas nasceu em brejo do Anapurus, no Maranhão,

em 16 de fevereiro de 1913, e faleceu em 2 de abril de 2000, em Teresina. Filho de Raimundo

Rodrigues dos Santos e Maria de Freitas Santos, cursou o ginasial no Liceu Piauiense, no final

da década de 1930, prestou vestibular em 1931 e iniciou os estudos superiores na Faculdade

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de Medicina do Pará, da qual foi transferido, em 1934, para a Faculdade de Medicina de

Recife, onde terminou o curso, em 1936, tendo sido essa transferência motivada pelo seu

engajamento político no Movimento Estudantil. Como estudante, sofreu fortes influências de

seus professores, entre eles Ulisses Pernambucano de Melo Sobrinho e Gouveia de Barros,

tendo permissão, como aluno interno, para freqüentar o laboratório de patologia da Faculdade.

Logo depois de formado, foi contratado como médico assistente do Instituto de Patologia do

Norte, em Belém, no Pará.

Inquieto e curioso, Clidenor de Freitas Santos pediu dispensa desse cargo seis

meses depois, regressando para o Piauí, onde montou um consultório, na cidade de Miguel

Alves. Em 1938, viajou para São Paulo, a fim de especializar-se, no Hospital do Juqueri,

exercendo, ao mesmo tempo, a prática psiquiátrica no Hospital da Praia Vermelha, no Rio de

Janeiro. No início da década de 1940 retornou a Teresina, trazendo, na bagagem, novas idéias,

que influenciaram as áreas não só da psiquiatria, mas também da filosofia, da sociologia, da

política e da literatura. É que, segundo Ramos (2003, p.70), Clidenor era “homem de ciência e

de cultura geral singular, falava sobre poesia, passeava pelas artes, adentrava a literatura,

aprofundava-se nos conhecimentos, fundamentados na filosofia erudita”.

Radicado em Teresina, casou-se com Aracy Dutra de Freitas Santos, em 27 de

fevereiro de 1940, tendo oito filhos: Maria Bedaia, Aracy Dutra, José Dutra Neto, Fernanda

Elisa, Clidenor Júnior, Raimundo Santos Neto, Alberto Mariano e Lindomar Dutra. Nessa

época, o primeiro psiquiatra do Estado é nomeado diretor do Asilo de Alienados que, por sua

iniciativa, confirmada pelo Decreto-Lei nº 411, passa a denominar-se Hospital Psiquiátrico

Areolino de Abreu (HPAA), deixando de pertencer à Santa Casa de Misericórdia. A nova

direção, tendo agora à frente um especialista, sugere melhorias para o hospital, na perspectiva

de atender às necessidades mínimas dos doentes ali internos, sem mencionar a ordem de

retirar todas as correntes que prendiam os loucos, no então Asilo de Alienados. Conforme

Soares (2000, p.145), certo dia

enfileirou os seus doentes e foi com eles para a rua, em uma praça, depositar

1.450 quilos de correntes de ferro ao sol, num testemunho de repúdio e de

desafronta. Aquela tonelada de ferro ficou como um monumento marcando a

divisão da era da ciência psiquiátrica no Piauí antes e depois de Clidenor.

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Para Ramos (2003, p.69), essa iniciativa de libertar os loucos das correntes teve

grande repercussão na sociedade local, pois “fez com que as pessoas na praça se

aproximassem e conversassem com os pacientes, rompendo o preconceito e provando que o

doente mental é um ser humano que, por infelicidade, um dia apresentou desvio da

normalidade, mas, apesar de tudo é gente como nós”, constituindo-se essa medida, no

contexto da época, uma atitude revolucionária. Segundo Guimarães (1994), ao assumir o

Asilo de Alienados, Clidenor de Freitas, como médico e diretor, não se conformava com a

precária realidade ali vivida, o que pode ser comprovado num contundente Relatório que

escreveu sobre as péssimas condições de funcionamento da Casa de Saúde, o qual foi lido por

ele na Associação Piauiense de Medicina (APM), durante uma reunião, no dia 21 de junho de

1941. Num trecho, afirma Clidenor (apud GUIMARÃES, H., 1994, p.33) que

com o tempo, as condições higiênicas desses cômodos foram-se agravando

sobretudo em virtude do pequeno esgoto – no qual os doentes deveriam fazer

suas necessidades fisiológicas – sair do centro do próprio quarto e ser

completamente aberto. O que não foi esquecido foi a colocação em todos os

quartos, e até no pátio, nos troncos dos cajueiros, de pesadíssimas correntes

destinadas às pernas dos doentes. É esta, em síntese a história do pobre

Asylo.

O relato mostra a forte impressão que Clidenor teve ao realizar uma visita de

inspeção, logo após assumir a direção do Asilo de Alienados, num momento em que a obra

ainda não se concluíra e tudo era muito precário, desde as acomodações até ao tratamento aos

internos. Mas, após desacorrentar os loucos, Clidenor de Freitas busca das autoridades

recursos urgentes para a realização de melhorias no Asilo, de modo a aliviar-lhe a

precariedade, de sorte que outro trecho do Relatório de inspeção, lido na APM, ressaltava as

ínfimas condições em que se encontravam os enfermos internos, pelo que solicita a adoção, o

mais breve possível, de medidas concretas.

E haverá algum ser humano que, ao ver quase uma centena de infelizes

psicopatas jogados em verdadeiros calabouços, uns com uma perna presa a

uma corrente, outros despidos, noite e dia sobre um aterro de cimento,

porque este é o seu leito de todos os momentos, outros em pleno estado de

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caquexia sub-alimentar [situação de desnutrição], outros acumulados de três

e até de quatro numa só prisão, outros maltrapilhos, todos bebendo de um

tanque sem higiene, numa velha lata de creolina, e outros, enfim, nas mais

variadas condições de miséria, haverá, dizíamos, algum ser humano que, ao

se deparar com tanto infortúnio, não se sinta humilhado, deprimido ou

reduzido na sua própria condição? Referimo-nos assim, Sr. Presidente e Srs.

Assistentes Técnicos do INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR,

porque foi esta exatamente a impressão que nos atingiu no dia 27 de

setembro do ano passado, quando assumimos o cargo de Chefe da Clínica

de doenças mentais da antiga Santa Casa e fizemos a primeira inspeção do

„Asylo de Alienados Areolino de Abreu‟ (SANTOS, C., 1941, apud

GUIMARÃES, H., 1994, p.33).

Este era, nos anos de 1940, o retrato das condições do Asilo de Alienados. Para

alterar essa realidade, Clidenor de Freitas Santos faz, no citado Relatório, várias sugestões de

mudanças nas instalações físicas, sanitárias e administrativas, dentre as quais se podem

destacar, segundo Guimarães (H., 1994), as seguintes:

a) Substituição do nome Asilo de Alienados Areolino de Abreu por Hospital

Psiquiátrico Areolino de Abreu;

b) Reforma do pavilhão grande, reparando a pintura interna e externa, pisos do quarto

dos pensionistas, com equipamento do setor do refeitório (mobília, lavatório, filtro,

louças, etc), além da organização de consultório médico com fichários, estantes,

cadeira e uma máquina de escrever e a confecção de um modelo novo de fichas

para registro de observações;

c) Organização de uma pequena farmácia, com estoque permanente de cardiozol e

insulina;

d) Demolição das paredes centrais do pavilhão feminino, visando construir no local

três enfermarias, com capacidade para vinte leitos cada, sendo uma para

pensionistas de segunda classe e as outras para indigentes (uma para homens e

uma para mulheres), equipadas com camas e não mais com aterro de cimento;

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e) Reforma, mediante pequeno reparos, do pavilhão novo, destinado a doentes

agitados, metade para cada sexo;

f) Construção, ao lado dos já existentes, de um modesto pavilhão, com dois

refeitórios, para os indigentes, duas salas pequenas para balneoterapia e um quarto

para a dormida de empregados;

g) Reforma do muro do Asilo, com aumento de 60cm, possibilitando, assim, a

liberdade dos doentes pelo dia inteiro;

h) Retirada de todos os chapuzes e correntes usados para prender os doentes;

i) Aumento da quantidade de empregados e melhoria dos seus ordenados;

j) Construção de uma caixa-d‟água higiênica de maior capacidade, para utilização da

já existente eletrobomba;

k) Criação de um ambulatório para doentes mentais e um esboço de Higiene Mental,

além de um lugar para a auxiliar visitadora;

l) Autorização de exames de líquor e sangue, entre outros, no ambulatório do

Hospital Getúlio Vargas;

m) Autonomia à direção do Asilo, ficando a irmã superiora restrita à administração,

com poderes ao Chefe de Clínicas de doenças mentais para atuar como diretor,

subordinado ao Instituto;

n) Autorização da redação de regulamento interno, baseado nos novos princípios de

assistência a psicopatas;

o) Melhoria da alimentação dos indigentes e suprimento de roupas;

p) Apoio ao Chefe de Clínica para, acatadas essas sugestões, difundir novos métodos

de tratamento das doenças mentais, demonstrando ao meio social que o antigo

Asilo não é mais um medieval calabouço e que de lá já saíram e sairão pessoas

curadas.

Feito isso, acreditava Clidenor que o Piauí poderia, num futuro próximo, ter uma

assistência psiquiátrica digna. Ademais, nessa fase da psiquiatria piauiense, Clidenor de

Freitas Santos foi também o responsável pela introdução de novos métodos terapêuticos,

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considerados avançados para a época, como a utilização do medicamento cardiozol e a

introdução das eletroconvulsoterapias e da malarioterapia.

Inquieto com o que via, o médico dedica-se profundamente à psiquiatria, sempre

em busca de novas alternativas de tratamento. Nesse sentido, constrói, com um amigo, o

técnico Benedito Barbosa de Almeida, em 1947, o primeiro aparelho de eletrochoque,

(método terapêutico criado pelo médico italiano Ugo Cerlett, em 1938) do Brasil. Em

depoimento a Ramos (2003, p.69), Clidenor declara que “fez seu curso de especialização em

São Paulo, tomou conhecimento do tratamento das psicoses pelo eletrochoque, produzido por

um aparelho importado dos Estados Unidos [e que] desejou comprar o aparelho, porém,

[como era] muito caro, não tinha condições de importá-lo”. Em virtude disso, Clidenor e

Benedito de Almeida estudaram cuidadosamente o funcionamento e a forma de montagem do

referido aparelho, através do livro “The 1940 year book of neurology psychiatry and

endocrinology”, escrito por Reese, Lewis e Servrinhous (GUIMARÃES, H., 1994) realizam

as primeiras experiências em cães e procedem a sucessivos testes, “até conseguir produzir o

choque terapêutico, manifestado por uma crise convulsiva” (RAMOS, 2003, p. 69). Dois anos

depois, finalmente importam um novo aparelho.

Clidenor de Freitas Santos, como médico e cidadão, foi homem de múltiplas

ações. Exerceu a psiquiatria como oficio, mas desempenhou outras funções importantes,

entre elas a de administrador do Serviço Público, deputado federal e empresário. Em 1943, é

nomeado médico psiquiatra do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), depois

Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM). Seguindo seus propósitos e ideais, defendia a

tese de que o Piauí poderia ter uma assistência psiquiátrica digna, daí idealizou a construção,

com recursos próprios, de um hospital privado, apropriado para tratamento dos doentes

mentais, para o que, em 1943, adquire um vasto terreno, nas proximidades do Rio Poti, na

Zona Norte de Teresina. Segundo seu irmão, Wilson Freitas Santos (1973, p. 41), isso era

fruto de um idealismo de seu criador e construtor, o médico psiquiatra

piauiense Clidenor de Freitas, que lutando contra todas as barreiras do

pessimismo e incompreensão do meio, após dez anos de labor, o inaugurou,

em 21 de abril de 1954. Uma obra representativa do esforço, da decisão, da

coragem, realização e tenacidade de um só homem. No ato de sua

inauguração, dizia Clidenor: „O que importa não são os milhões que vale o

Sanatório, mas o objetivo a que ele se destina, a finalidade que ele comporta‟

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A fundação do Sanatório Meduna, nos anos de 1950, representou para o Piauí um

momento de afirmação da assistência psiquiátrica local, na medida em que agregava, na

época, um tratamento especializado tido como referência para a área, no plano nacional.

Conforme o médico Wilson Freitas Santos, em entrevista concedida à pesquisadora em

janeiro de 2004, o terreno do Sanatório tinha 240.000m2, com mais de 10.000m2 de área

construída, sendo que ele, quando inaugurado, possuía dois pavilhões, um para cada sexo, que

se interligavam por galerias e extensos jardins, os quais proporcionavam conforto e bem-estar

aos usuários e funcionários, além de dois refeitórios, um masculino e outro feminino, salas

para aplicação de insulinoterapia e malarioterapia, e um Salão Nobre, para reuniões e

solenidades. Nessa época, a capacidade inicial era de 40 leitos, sendo o corpo clínico

composto pelo próprio Clidenor, que era o psiquiatra responsável pelos atendimentos, por

atendentes de enfermagem e pelas irmãs religiosas.

Consoante Wilson Freitas Santos, logo após a fundação o Sanatório Meduna teve

a direção a cargo de Dr. Clidenor e das irmãs da Congregação Filhas do Coração Imaculado

de Maria, trazidas do Asilo de Alienados. Elas, além da formação religiosa, tinham também o

curso de atendente de enfermagem, de modo que, sob a sua responsabilidade, encontravam-se

a administração e os cuidados gerais com os internos. Nessa missão, cada irmã se

responsabilizava por um pavilhão, administrando-o com o apoio do pessoal de enfermagem,

sob a orientação do diretor do Sanatório, tarefas que conduziram até o final da década de

1990, fase em que começa no país o processo de reestruturação da saúde mental e, as

religiosas afastam-se dos hospitais, para trabalhar nas comunidades, como missionárias ou por

já estarem idosas e aposentadas.

O Sanatório Meduna, mesmo em termos de estrutura física, era moderno para a

época, apresentando-se como uma referência para o Nordeste do Brasil, pois proporcionava

um padrão assistencial diferenciado, não contando com grades de ferro ou celas fortes, como

era comum nos hospitais psiquiátricos do período. Além disso, a arquitetura hospitalar se

compôs, desde a fundação, por uma área arborizada com praças, sendo possível aos internos

circularem por suas dependências físicas, sem mencionar que sua inauguração repercutiu em

âmbito nacional, noticiada, no Piauí, como um grande acontecimento. Na verdade, o

Sanatório e as idéias de Clidenor de Freitas levavam o hospital, em seus primórdios, a gozar

de um alto conceito, no Nordeste e no Brasil, pela utilização de quase todos os métodos

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modernos da terapêutica psiquiátrica, em decorrência do que, da inauguração até os dias

atuais, recebe pacientes inclusive dos estados vizinhos, como Ceará, Maranhão e Pará.

O Sanatório foi administrado pelo próprio fundador de 1954 a 1957, ano em que

Clidenor ingressou no mundo da política, afastando-se da diretoria dos dois hospitais, o

Areolino de Abreu e o Meduna, para candidatar-se, primeiramente, a prefeito de Teresina,

empreitada em que não logrou êxito, e depois, em 1958, para deputado federal pelo PTB,

elegendo-se e passando a morar no Rio de Janeiro, com afastamento definitivo das atividades

na psiquiatria, fazendo, como deputado federal, inúmeros discursos e elaborando diversos

projetos12

. Por essa ocasião, a direção clínica do Sanatório Meduna ficou com o irmão,

Wilson Freitas, psiquiatra recém-formado, e de retorno a Teresina, após estudar na Faculdade

Fluminense do Rio de Janeiro, o qual pelo mesmo motivo, assume, de 1958 a 1959, o

comando do Hospital Psiquiátrico Areolino de Abreu.

No governo de João Goulart, eleito em 1961 e deposto, em 1964, pelo golpe

militar, Clidenor de Freitas Santos, que à época presidia o Instituto de Previdência e

Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), foi, como muitos cidadãos brasileiros,

considerado comunista e subversivo, tendo os direitos políticos cassados, pelo que se asilou

na Embaixada do Peru, viajando, em seguida, no mesmo ano, para Lima, com outros

correligionários, também asilados. Ainda em 1964, foi para Montevidéu, no Uruguai, onde

morou com a família por mais de três anos e realizou vários estudos, na Universidade

Nacional, nas áreas da economia, história e línguas.

Retornou ao Brasil e ao Piauí em 1967, mas, ainda com os direitos políticos

suspensos, não pôde reingressar na atividade política, dedicando-se à área empresarial,

fundando, no Estado do Piauí, empresas agrícolas, como a Cajulândia do Brasil S/A e a

Alkool Motor do Piauí S/A (Almopisa), além de empreender esforços para a execução de

12 Segundo Guimarães (H., 1994, p. 41), entre os projetos do deputado Clidenor de Freitas Santos, podem-se

citar os seguintes:

- Projeto de criação do Museu do Folclore Nordestino – 07/10/59;

- Projeto (nº 1.800, 1960), de criação da Hidrelétrica de Boa Esperança no Rio Parnaíba;

- Projeto (n º 2.582, 1961), de criação do plano de Recuperação da Pecuária Piauiense, com base na

algaroba;

- Projeto (nº 3.107, 1961), de autorização à SUDENE para financiar as Ligas Camponesas;

- Projeto (nº 66, 1959), de criação da Operação Teresina, com crédito de 25 milhões de cruzeiros, através

do Ministério da Viação;

- Projeto (nº 107, 1959), de autorização ao Ministério da Justiça para construir um Manicômio Judiciário e uma Penitenciária em Teresina. Além disso, fez discursos, (entre eles, “As bases psicológicas do

nacionalismo”), Pareceres, apartes e resoluções publicados no Diário do Congresso nos anos de 1961,

1962 e 1963 e catalogados nos arquivos da Câmara dos Deputados, integrou o Grupo Grupacto, uma

associação ideológica de jovens deputados daquela legislação.

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outros projetos, não aprovados, como o Proálcool e o Agrovilas, sendo ainda responsável pela

vinda pioneira dos japoneses ao Estado, a fim de conhecerem o funcionamento do cultivo de

hortas e o óleo de mamona, um produto de valor comercial, sem mencionar a introdução, em

terras piauienses, do búfalo (GUIMARÃES, H., 1994).

Intelectual e estudioso, Clidenor amou as artes e a poesia e foi um grande

admirador de Dom Quixote, de Miguel Cervantes, tendo-o como inspiração para suas idéias e

lutas. Em 1953, tornou-se membro da Academia Piauiense de Letras (APL), ocupando a

cadeira nº 13. Escreveu diversos trabalhos13

e recebeu títulos e homenagens pela atuação

como psiquiatra, responsável por inovações nessa área.

Assim, com esses novos ideais, voltados para a área empresarial e econômica,

Clidenor de Freitas Santos retornou a Teresina, em 1967, não mais aos quadros do serviço

público do Estado, nem à da diretoria do HPAA, nem à do Sanatório Meduna, cuja direção

ficaria, até meados dos anos de 1990, com o irmão e médico Wilson de Freitas Santos. Este,

assim como Clidenor, era um profissional obstinado pelo que fazia e pela psiquiatria e, em

entrevista concedida especialmente para esta pesquisa, relata que sempre administrou, de

maneira centralizada, o Sanatório acompanhando de perto o seu funcionamento geral, desde o

13Entre os trabalhos de Clidenor de Freitas Santos, escritos como intelectual e médico, destacam-se, segundo

Guimarães, H., (1994, p.41) os seguintes:

- História da célula nervosa do Piratinga, (Recife, 1933), premiado no I Congresso de Estudantes de Medicina do Brasil;

- Psicopatologia da Afetividade, (publicada na Revista da APM);

- Shakespeare, criador de símbolos;

- Beethoven, o semideus da música;

- Camões e o Espírito da Poesia;

- Em Louvor de Gonçalo Cavalcante (discurso de posse na APL, 1953);

- Carta a Meus filhos, 1954;

- A Glória de Saraiva (discurso proferido na inauguração da estátua de Conselheiro Saraiva, no centenário

de Teresina, em 1952);

- O Clube Telúrico e seus componentes, 1950;

- Psicologia do Nacionalismo (discurso proferido na Câmara dos Deputados, 1959); - Três Movimentos (discurso);

- Ideologia como Fator Determinante (ensaios);

- Hagiologia do amor amado (discurso de recepção a Lili Castelo Branco, na APL);

- Recepção a O. G. Rego de Carvalho (discurso proferido na APL);

- Discurso à memória do senador Mathias Olimpio;

- As Raízes Históricas do latifúndio (conferência);

- Imunologia e Fatores Ideológicos;

- Autoconquista da América Latina;

- A estátua de D. Quixote (discurso em honra do presidente Sarney);

- A crise, ensaios;

- O Matador de onça (elogio a Heitor Castelo Branco, autor do livro O Sócio da Onça);

- Oração de Natal – Maldito Seja o Senhor, 1984; - Tancredo, o Sábio;

- Com meu amigo, D. Quixote;

- O Universo Grego, Gênio e Caráter ;

- Ideologia e Circunstância.

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corpo de funcionários até às internações, além da parte que envolvia a estrutura técnico-

administrativa, enfatizando que procurava o melhor para o PTM.

Relata ainda que, logo ao assumir a direção do Sanatório, começou a ampliação

das instalações físicas, iniciando a construção da Capela anexa ao hospital, em 1958, que

concluiu em 1962. Nesse mesmo ano, ergueu mais dois pavilhões (a Unidade de Internação

Masculina, UIM, e a Unidade de Internação Feminina, UIF). Em 1970, principiou a

construção da Casa das Irmãs e o Centro das Clínicas, pavilhão este equipado com serviços de

eletroencefalograma, salas para pequenas cirurgias e doenças intercorrentes, fisioterapia,

esterilização, gabinete dentário com raios X, laboratório de análises clínicas, além de três

apartamentos para repouso e recuperação dos usuários que se submetiam a tratamento neste

setor, com o término das obras em 1971. A edificação de um novo refeitório, mais amplo e

misto, onde seriam servidas as refeições de todos os internos, se deu em 1975.

Com relação ao sistema de internação, antes mesmo do surgimento do SUS, em

1988, o Sanatório Meduna já tinha autonomia neste aspecto, mantendo convênio com vários

Institutos de Pensões da época, como o Instituto de Assistência Previdenciária dos

Comerciários (IAPC), o Instituto de Assistência Previdenciária Bancária (IAPB), o Instituto

de Assistência dos Trabalhadores dos Transportes e Cargas (IAPETC), o Instituto de

Assistência Previdenciária dos Ferroviários (IAPFESP), o Instituto de Assistência do

Industriário (IAPI) e o Instituto do Servidor do Estado (IPASE). Após o SUS, o processo de

internação no Meduna foi alterado, sendo o serviço universalizado, conforme as diretrizes

básicas do novo sistema, no qual qualquer cidadão tem direito a este serviço especializado,

pelo que o Sanatório passa a subordinar-se ao gestor estadual da Saúde Mental, o Hospital

Areolino de Abreu (HAA). Desde então, as internações no Meduna só se fazem após a

expedição dos laudos ou Autorização de Internamento Hospitalar do SUS, através do HAA,

de modo que todos os usuários que necessitem de internação integral no Sanatório Meduna

devem antes ser avaliados no HAA e, se for o caso, expedida a AIH.

Wilson Freitas, como diretor do Sanatório Meduna, coordenava o corpo de

funcionários do hospital, composto de uma equipe de médicos psiquiatras, clínicos gerais,

auxiliar de terapia ocupacional, enfermeiros, atendentes e auxiliares de enfermagem, pessoal

do setor administrativo e zeladores. No final de 1970 e início de 1980 a equipe de psiquiatras

é ampliada, sendo também contratados os primeiros profissionais de psicologia, fazendo ainda

parte do quadro um dentista, um farmacêutico e uma enfermeira (um profissional para cada

setor). Aliás, os auxiliares de administração, em número de três, eram uma espécie de “braço

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direito” da direção geral, colaborando com o funcionamento da rotina da instituição de saúde,

com trabalho nos turnos da manhã, tarde e noite e residência em casas construídas dentro da

área do próprio Meduna. Dentre esses funcionários, os mais conhecidos eram Alcides da

Cruz, João Rosa e Antonio Silva, todos aposentados no final dos anos de 1990.

De modo geral, segundo os depoimentos dos sujeitos entrevistados, até o final de

1980 os profissionais de nível superior, responsáveis pela assistência especializada aos PTM,

trabalhavam, predominantemente, de forma individualizada, a partir de sua especialidade

profissional, sem uma maior integração interprofissional. Nesta perspectiva, cada um atendia

aos PTM de maneira isolada, sem uma interação e um diálogo interdisciplinar constante e

permanente sobre os casos mais graves e um planejamento conjunto das ações no que diz

respeito ao acompanhamento dos doentes.

Nessa fase, o número de internos era elevado, ou seja, mais de 300 pessoas,

número desproporcional à quantidade de profissionais existentes, o que tornava inviável uma

atenção mais contínua e permanente a cada um deles. Apesar disso, diariamente os internos

no Sanatório eram atendidos pelos psiquiatras, a quem cabia realizar regularmente as

prescrições nos prontuários dos enfermos, registrando a evolução do quadro psíquico, a

marcação de alta médica e, quando necessário, a autorização da transferência para outro tipo

de tratamento. O atendimento psiquiátrico se dava no próprio pavilhão onde o PTM se

encontrava, com cada psiquiatra se responsabilizando por determinado número de internos,

nos diversos pavilhões.

O Serviço Social iniciou-se, no hospital, em 1963, mas somente nos anos de 1980

começa a atuar de forma mais estruturada14

com a atenção voltada ao PTM e a sua família,

realizava, entre outras atividades, as de recreação e lazer, encaminhava as altas, comunicava

os óbitos e dedicava-se aos casos mais complicados, como os dos usuários crônicos deixados

pelas famílias e que passavam a morar no hospital.

O Serviço de Psicologia ocorria, por sua vez, somente na sala da psicóloga, sem o

deslocamento do profissional para os diversos pavilhões do Sanatório, sendo, pois, individual

e desenvolvido, junto aos internos, por terapias de apoio psicossocial, como forma de ajudá-

los em seu processo de recuperação. Já a enfermeira, no início, dedicava-se à supervisão geral

dos auxiliares de enfermagem nos pavilhões, acompanhando a administração dos

14

Para informações mais detalhadas sobre a criação do Serviço Social no Sanatório Meduna, ver o capítulo

terceiro.

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medicamentos, da higiene, da alimentação e dos cuidados gerais com os usuários internos e

elaborando, ainda, as escalas de serviços do setor.

Desde a fundação, o Sanatório Meduna preocupa-se com o Setor de Terapia

Ocupacional, estimulando os internos a atividades de auto-expressão, criatividade e auto-

estima. Aliás, a primeira funcionária responsável pelo Setor fez, a mando da direção, um

treinamento de seis meses no Rio de Janeiro, para aprender novas técnicas na área, com Nilse

da Silveira, psiquiatra de renome nacional e incentivadora das atividades lúdicas no

tratamento psiquiátrico. Nesse contexto (anos de 1960 e 1970), os usuários realizavam

diversas atividades, como confecção de objetos de decoração, pintura em tela, cerâmicas,

quadros, cadeiras de vime, entre outros produtos de boa qualidade, muitos deles

comercializados entre funcionários e visitantes, sem mencionar que, sob a orientação do

Serviço Social e da Terapia Ocupacional, produziam ainda um jornalzinho, de circulação

interna, chamado O IDEAL, enviado até para algumas instituições psiquiátricas de fora do

Estado, que divulgava o trabalho ludoterápico dos PTM, discutia temas do interesse dos

próprios usuários e editava poesias, recadinhos, cartas, desenhos e anúncios sobre as datas

comemorativas do ano, aniversariantes do mês, etc, estimulando-se a participação deles na

escolha dos temas, para o que escreviam, recortavam figuras de revistas ou desenhavam o que

iria compor o informativo (anexo I). Existia, além disso, atividades musicais, com a Banda

“Pai Herói” (denominação retirada de novela homônima da Rede Globo e forma de

homenagear o dono do grupo, um viúvo que, sozinho, criava os filhos) animando

semanalmente, nos horários de visitas, os internos, os visitantes e os funcionários, tocando

marchinhas e forró.

O início da década de 1990 marca o fim da gestão do Wilson de Freitas, que

transfere o cargo ao médico Lindomar Dutra e ao administrador Alberto Mariano, ambos

filhos de Clidenor de Freitas. Sob essa nova direção, o Sanatório funciona conveniado com o

SUS e a outros serviços de assistência médica estadual, como o Instituto de Assistência e

Previdência do Estado do Piauí (IAPEP) e o Plano Médico de Tratamento e Assistência

(PLAMTA), sendo o eixo administrativo principal o processo de reestruturação das Políticas

de Saúde Mental e da Reforma Psiquiátrica, por conta do que a instituição sofre mudanças e

adequações de ordem organizacional, financeira e assistencial, em atendimento às exigências

das referidas Políticas e Reforma em curso no Brasil e com fortes reflexos no Piauí. Essas

imposições se traduzem em um amplo e contínuo processo de mudança do modelo de atenção

psiquiátrica, que se pauta, principalmente, pela redução de leitos e do tempo de permanência

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em internação integral, o que se dá em todo o país, na década de 1990, quando se inicia a

substituição por leitos alternativos, sob uma perspectiva de tratamento que ultrapassa os

muros do hospital psiquiátrico.

No âmbito do Sanatório Meduna, ocorre a ampliação do quadro de profissionais

de nível médio (na área de enfermagem e administração) e superior, com a contratação de

mais três assistentes sociais, oito enfermeiros, quatro psicólogas, quatro terapeutas

ocupacionais, um educador físico, duas nutricionistas e três médicos plantonistas. Tal

aumento da equipe favoreceu a estruturação de uma intervenção interdisciplinar, que conferiu

um novo sentido ao trabalho com os PTM, qual seja, o de abordá-lo como sujeito social que

pensa e expressa sentimentos, vivências, desejos e vontades e merece ser ouvido e respeitado

em sua dignidade de pessoa portadora de direitos e capacidades, ainda que limitadas. Nesse

sentido, a ação profissional volta-se para o bem-estar geral do PTM, na verdade um ser

humano complexo e resultado de múltiplas determinações, subjetivas e objetivas, que deve ser

considerado não apenas em seus elementos biológicos e patológicos, mas também nos

aspectos econômico, social e familiar, porquanto sujeitos históricos.

Nesse horizonte, os profissionais passam a atuar em conjunto e diretamente nos

pavilhões, mediante atividades terapêuticas diferentes das de antes. Ocorrem, então,

atendimento individual, formação de grupos informativos, recreativos e educativos, discussão

de casos, sessões de auto-expressão, passeios e visitas a outras instituições, caminhadas,

(anexo II), prática de futebol de campo (com realização de torneios), gincanas, reuniões com

familiares, festas comemorativas (Carnaval, São João, Natal, aniversariantes do mês, etc.),

valorizando-se sempre, a participação do PTM (anexo III).

Na atualidade, há, no Sanatório Meduna, um processo de interlocução entre as

equipes interdisciplinares, entre estas e a direção e desta com a sociedade, que participa da

vivência do hospital, além, de receber estudantes dos cursos de enfermagem, medicina,

psicologia e, mais recentemente, desde março de 2004, de Serviço Social. Ademais, conta,

hoje, com um corpo interdisciplinar composto por oito médicos psiquiatras, nove enfermeiros,

duas terapeutas ocupacionais, quatro assistentes sociais, um educador físico, uma

nutricionista, um farmacêutico, dois cardiologistas, dois clínicos gerais, sendo um deles

também ginecologista, e um dentista, totalizando 183 funcionários, contratados em regime de

CLT, incluindo o pessoal de enfermagem, administração, manutenção e zeladoria.

Desde a fundação o Sanatório Meduna se caracteriza como uma instituição

gerenciada por seus proprietários ou pessoas próximas à família. No entanto, essa realidade,

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que vigeu por décadas mudou nos últimos dois anos, pois desde 2002 o hospital sofre os

reflexos do processo de reestruturação que afeta, em âmbito nacional, todas as empresas do

país, independentemente da área de atuação. Daí ter o Sanatório Meduna, passado por uma

profunda reforma administrativa e organizacional, estando a diretoria, na atualidade,

composta não mais por parentes, como sempre ocorreu, mas por um gestor e dois diretores

(um, na área técnica, responsável pela parte médica assistencial, e outro, na área

administrativa), que canalizam esforços para manter e aprimorar os serviços de saúde

especializados, atendendo aos objetivos a que se destina e a finalidade que comporta, como

afirmava o fundador, meio século atrás. Ou seja, a nova direção tenta alcançar o padrão de

qualidade cobrado pelos usuários e familiares desse serviço de saúde, dentro da perspectiva de

atendê-los como cidadãos com direito a uma assistência cujo nível garanta a satisfação de

suas necessidades especiais.

2.2 Os Serviços do Sanatório Meduna e o trajeto do Portador de Transtorno Mental e

de sua Família E

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O Sanatório Meduna, como instituição que presta assistência especializada em

saúde mental, estava, até maio de 2004, classificado no Ministério da Saúde (MS) na

categoria de porte nível IV, devido à sua capacidade de leitos, que era de 220.

Havia, no entanto, exigências do MS para a redução imediata de vinte leitos até

maio de 2004, o que foi feito, passando o Sanatório, assim, para o nível III, segundo Portarias

do MS 52 e 53, de 20 de janeiro. Nessa nova realidade, o Meduna passou a funcionar, desde

maio, com 200 leitos na internação integral, tendo como preocupação central a recuperação do

enfermo no menor tempo possível, mantendo a média atual de permanência, por internação,

de 30 dias.

O tempo máximo que o usuário pode permanecer internado pelo SUS, com a

mesma AIH, é de 45 dias, mas, em casos mais graves, com evolução lenta, a equipe

responsável pelo pavilhão, após avaliação do quadro do enfermo e com consentimento da

família ou responsável e do médico assistente, se considerar a falta de condições para a alta,

pode solicitar ao SUS a prorrogação desse prazo por mais 30 dias. Assim, a direção do

Sanatório Meduna o está enquadrando às novas exigências do MS, na medida em que reduz

leitos e toma outras providências.

Atualmente, a estrutura física do hospital conta com sete pavilhões, destinados a

usuários do SUS. Dois deles, com 37 leitos, destinam-se ao sexo feminino (um dos quais

denominado Dr. Correia), em especial às usuárias com quadro melhorado ou em remissão da

crise aguda, enquanto o outro, o da Unidade de Internação Feminina (UIF), também com 37

leitos, é reservado às em crise aguda, com quadro de agitação e desorientação, perfazendo, no

total, 74 leitos. Três pavilhões atendem, por sua vez, aos PTM do sexo masculino, o Dr.

Noronha, com 66 leitos, para usuários melhorados, em remissão do quadro e fora da crise

aguda, e a Unidade de Internação Masculina (UIM), com 46 leitos, dirigidos,

preferencialmente, aos usuários em crise aguda, com desorientação e agitação psicomotora,

sob necessidade de observação nos primeiros dias. Há, ainda, o Pavilhão Dr. Martinelli, com

14 leitos, que recebe, preferencialmente, alcoolistas e outros drogaditos. Os três pavilhões

somam 126 leitos masculinos, os quais, associado aos femininos, totalizam 200, conveniados

com o SUS. O Sanatório Meduna tem, também, o Pavilhão das Clínicas, com nove

apartamentos, para convênios privados e usos particulares, e o Pavilhão de Unidade de

Internação (UI), para os internos com intercorrências ou complicações clínicas que precisem

ficar sob observação, submetidos a cuidados médicos e de enfermagem mais intensivos.

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Cada pavilhão ou setor é assistido por uma equipe interdisciplinar, composta por

médico psiquiatra, assistente social, psicóloga e enfermeira, que atuam, no cotidiano

hospitalar, junto aos PTM, realizando atendimentos individual e de grupo, com abordagem de

temas variados, como efeitos das drogas, noções de higiene, auto-expressões, informativos

sobre assuntos diversos e de interesse dos usuários, além da promoção de reuniões de equipe

dos profissionais, recreação, futebol e outras atividades lúdicas, como pinturas, música, etc. O

Sanatório Meduna, uma das referências em assistência psiquiátrica do Estado, funciona em

regime de 24 horas, com plantões para os profissionais de medicina e enfermagem, atendendo

diariamente à demanda por serviços de internação psiquiátrica.

Como instituição privada conveniada com o SUS, o Sanatório Meduna não tem

autonomia para expedir AIH, a cargo do HAA, órgão público gestor e responsável por essas

emissões, no município de Teresina. Dessa forma, o processo de internação do PTM no

Sanatório inicia-se no HAA, onde ele, geralmente acompanhado pela família ou responsável,

é avaliado pelo médico plantonista ou a equipe de plantão, que conta também com assistente

social e enfermeiro. Em caso de indicação para internação, esta será efetivada após a emissão,

pelo Setor de Admissão, de AIH ao Sanatório ou ao próprio HAA. Vê-se, assim, que o PTM e

sua família percorrem um longo caminho até chegar ao Meduna com a AIH.

Para isso, as famílias geralmente chegam cedo ao HAA e, após preencherem a

ficha de consulta, aguardam o médico plantonista que, se não indicar internação, apenas

medicará o PTM, retornando este para casa com o acompanhante, orientado a fazer o uso

domiciliar do psicotrópico prescrito. Se, porém, houver indicação para internação, esta, para

ser efetivada, dependerá da existência de vaga em um dos dois hospitais, o que é um dilema

constante para as famílias e os funcionários, já que essas são insuficientes para atender à

demanda, tendo em vista que, nos últimos anos, o governo pratica a política de redução

progressiva de leitos psiquiátricos. Com efeito, o DATASUS (Departamento de Informática

do SUS), mostra que os números de leitos psiquiátricos financiados pelo SUS se reduzem ao

longo dos anos: 72.970, em 1966, 61.393, em 1999, e 54.141, em setembro de 2001, número

esse bem superior à quantidade de serviços alternativos do país, a essa época: 266 em Centros

de Atenção Psicossocial (CAPS) e em Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) (FALEIROS,

E., 2002).

Esses dados indicam que a demanda manifesta por internações psiquiátricas em

hospitais convencionais não tem seguido a lógica de redução de investimentos no setor, pois é

comum os usuários permanecerem por todo o dia e às vezes pela madrugada na enfermaria de

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observação (composta de três leitos) e, na ausência de vagas nesta, ficam no hall do HAA,

aguardando vaga para o dia seguinte no próprio HAA ou no Sanatório Meduna. Muitos vêm

de cidades do interior do Piauí ou de estados vizinhos, como Maranhão e Ceará, geralmente

com crise aguda e quadro de agitação, inclusive, em algumas situações, amarrados pelos pés

ou algemadas as mãos. Nessas urgências psiquiátricas, o PTM é avaliado pelo plantonista e

medicado, enquanto aguarda a resolução do processo de internação.

Diariamente, nos turnos da manhã e tarde, o Sanatório informa ao HAA o

número de vagas existentes. No geral, as famílias e o PTM, ao chegarem na urgência do

HAA, para ser atendidas e buscar a AIH, são impelidos a internar o enfermo onde tiver vaga,

naquele momento. Mas alguns usuários, por afinidade com o corpo de funcionários e as

instalações, só aceitam se internar no Sanatório, o que leva as famílias a aguardar o

surgimento da vaga.

No Sanatório Meduna, a família e o PTM são recebidos pelos auxiliares de

enfermagem e pela funcionária do Setor de Admissão, localizado na Unidade de Internação

(UI). Nesse momento, verifica-se se os seus dados e os da família ou responsável, apostos no

laudo de internação, estão corretos, porque, muitas vezes, a AIH é preenchida, no HAA, de

forma errada ou incompleta, tornando necessário o retorno ao referido hospital para as

correções e, não sendo isso possível, algumas vezes, o funcionário do Sanatório se encarrega

das providências. Trata-se, pois, de um procedimento cansativo e estressante (este que vai da

busca da AIH até à chegada ao Sanatório), não raro um trajeto demorado e lento que deixa a

família aborrecida pela longa espera ou pelo quadro do PTM, que geralmente não aceita a

condição de doente nem a possibilidade da internação, exigindo dela ou do responsável uma

atenção especial e permanente.

Após a verificação dos dados da AIH, o PTM, junto com a família ou o

responsável, é atendido pela equipe de plantão, composta por médico, enfermeiro e assistente

social. Depois, é individualmente avaliado pelo médico plantonista, que faz a anamnese

clínica, averiguando seu estado geral e psiquiátrico, procedimento também realizado pelo

enfermeiro e pelo assistente social. Esta faz a anamnese social, que aborda os dados

socioeconômicos e familiares do enfermo, orientando a família sobre o tratamento e o

funcionamento geral do Sanatório. Também são verificados, no setor de enfermagem, os

sinais vitais do usuário, como pressão arterial, peso, pulso e temperatura, de sorte que todas as

informações colhidas são registradas no prontuário do PTM que, após os primeiros

atendimentos pela equipe de plantão, é encaminhado para o pavilhão onde ficará internado,

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escolhido pelo enfermeiro, em função do seu gênero e o do seu estado psíquico. Algumas

vezes, esse processo de entrevistas também cansa a família e PTM, pois têm que responder

muitas perguntas, feitas por diversos profissionais, deixando-os ansiosos.

No processo de internação, é comum a UI ficar superlotada de familiares e

usuários. Isso se justifica, segundo os funcionários, devido ao atendimento no HAA ocorrer

de forma lenta, realizando-os todos ao mesmo tempo, o que faz com que as famílias cheguem

praticamente juntas ao Sanatório Meduna, para a internação. Normalmente, o atendimento no

Meduna se dá conforme a ordem de chegada, salvo os casos mais graves, solução encontrada

para não desagradar a quem procura o serviço. Ademais, quando o PTM tem indicação de

primeira internação psiquiátrica, a equipe de plantão algumas vezes questiona a família ou o

acompanhante sobre alguma consulta anterior e o uso ou não de medicação específica, no

sentido de evitar uma internação desnecessária, ainda que já tenha passado pela triagem no

HAA, caso em que a AIH é cancelada e a família orientada a tratar o doente em casa.

Em algumas situações, as famílias ficam ansiosas e temerosas em deixar os entes

queridos no hospital, junto com os “loucos”, já que não raro acreditam que estejam apenas

nervosos e por isso solicitam que fiquem num lugar separado dos demais ou no local dos mais

calmos. Esta é uma situação quase sempre traumática para o familiar ou acompanhante do

doente, principalmente se parente próximo, tendo a equipe do plantão e mais intensamente a

assistente social a função de conciliar essas tensões com conversas e orientações à família

sobre a necessidade da internação, informando-lhe a possibilidade de acompanhar de perto o

tratamento, com visitas diárias e liberação nos finais de semana, até que o enfermo melhore,

receba alta e retorne para casa. Mesmo assim, a família fica confusa e apreensiva, pois não

sabe se, ao internar o PTM, o ambiente hospitalar será bom para ele ou se arrepende e o leva

para tratamento em casa, embora, sobretudo nas crises agudas de primeira vez, quando o leva

ao hospital ele já tenha sido tratado em casa ou em ambulatório, o que lhe deixa como única

saída a internação. Depois da conversa com a equipe de plantão, que presta as orientações

sobre o tratamento, a família às vezes é convidada a conhecer as instalações onde o enfermo

vai ficar, o que a tranqüiliza, apesar de o melhor entendimento da situação não afastar, é claro,

a preocupação.

Outro ponto é que, muitas vezes, a família necessita de ajuda para levar o PTM até

ao HAA ou ao Sanatório Meduna. Por não dispor de transporte próprio ou não ser possível

conduzi-lo em coletivo, procura o auxílio de parentes e vizinhos, cooperação essa que, em não

havendo, propicia o recurso extremo à Polícia, ao Corpo de Bombeiros ou ao SOS da

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Prefeitura Municipal, que fazem a remoção dele ao hospital, para ser medicado e, se

necessário, internado.

2.3 O Serviço pavilhonar do Sanatório Meduna e sua rotina

O Sanatório Meduna se constitui por vários setores, entre os quais os sete

pavilhões, já referidos, que acomodam os usuários, e um amplo pátio externo, considerado,

pelos PTM, como o lugar mais agradável do hospital. Esse pátio é arborizado e comporta uma

quadra para futebol, festas e outras atividades, uma praça com bancos e mesas de cimento

espalhadas pelo espaço livre, sombreada por árvores, plantadas desde a fundação do

Sanatório. Nele é permitido fazer novas amizades, conversar com os colegas, ouvir música

ambiente no coreto, local onde se situa o serviço de som e os PTM se reúnem para dialogar e

dançar, nos períodos da manhã e tarde. O pátio é utilizado ainda para receber os familiares

nos horários das visitas, que se dão, diariamente, de 14 às 16 horas, acrescidos em duas horas

(8 às 10h) aos domingos e feriados. É, aliás, no pátio, que todos transitam (funcionários,

usuários e profissionais da equipe interdisciplinar), sendo, assim, um local democrático, onde

ocorre um permanente contato entre os PTM e familiares e entre estes e o conjunto dos

sujeitos que compõem o Sanatório.

Outro setor importante era o Serviço de Ambulatório, inaugurado em 7 de julho

de 2000, cujo pedido de credenciamento junto ao SUS, para funcionamento imediato, foi

encaminhado pela direção. Neste setor, realizavam-se consultas médicas, com os psiquiatras

atendendo a comunidade em geral, inclusive os usuários com alta da internação integral. No

entanto, após um ano de funcionamento, por motivos de ordem administrativa, o referido

convênio não foi formalmente regularizado, sendo o serviço desativado em 2001, até porque

não havia medicamentos a ser distribuídos aos usuários ali atendidos.

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Ressalta-se que, no cotidiano institucional, o momento da visita da família, de um

amigo ou de um conhecido representa, para o interno, a possibilidade de ter a rotina alterada

por alguns instantes já que, para eles, esse é um evento particular de muito significado, pois,

entre outros sentimentos, alimentam o desejo e a vontade de receber alta e sair do ambiente do

hospital, retornando para casa. Essa expectativa da visita de alguém torna comum a cena de o

usuário ficar no corredor, próximo ao pátio, olhando pelos combogós que dão acesso à rua e

observando tudo o que se passa no exterior.

Os setores ou pavilhões receberam nomes de psiquiatras piauienses que foram

amigos dos fundadores do Sanatório Meduna, a exemplo do Pavilhão Dr. Noronha, Pavilhão

Dr. Corrêa e Pavilhão Dr. Martinelli, (na entrevista, Wilson Freitas Santos relatou que este foi

um grande amigo pessoal dele e do irmão Clidenor, sendo quem cuidava da administração

quando o diretor precisava se ausentar). Esses pavilhões funcionam de acordo com os horários

das refeições, de modo que abrem às 7 horas, para o café, servido até às 7h40, e fecham às

11h30, após o almoço, servido das 10h20 às 11h20, sendo reabertos às 14h, para o lanche e as

visitas e fechados às 17h30, depois do jantar, que acontece das 16h30 às 17h20.

O horário de acordar dos internos é variado, mas se dá geralmente muito cedo,

em torno das 5h horas ou até um pouco antes, quando já se encontram alguns andando pelo

setor. Logo que acordam, é feita a estimulação da higiene pessoal, como os atos de banhar e

escovar os dentes e, dependendo da condição de saúde, às vezes necessitam de auxilio no

banho, na alimentação e na hora de tomar a medicação. Mesmos nos horários em que estão

fechados, é comum encontrar, em todos os pavilhões, os PTM circulando, por não conseguir

ou não desejar o repouso, aguardando, assim, o pavilhão abrir novamente, para que se sintam

mais livres e possam passear pelas outras dependências do hospital.

A alimentação dos internos costuma se dar no refeitório, nos horários

preestabelecidos, exceto o lanche da noite, servido, normalmente, no próprio pavilhão do

usuário, por volta das 20h30, pelo funcionário de enfermagem de plantão, antes da medicação

noturna, procedimento adotado porque o serviço de nutrição e dietética do Sanatório não

funciona em regime de 24 horas. Se, porém, o interno, por algum motivo, não puder deslocar-

se ao refeitório, terá todas as refeições no pavilhão, o mesmo valendo para os da ala de

convênios particulares e os do Hospital-Dia, que as recebem no próprio apartamento ou no

setor. No caso do Hospital-Dia, um funcionário encarrega-se de buscar diariamente no

refeitório, nos horários preestabelecidos, a alimentação a ser servida.

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Um dilema para a direção do Sanatório são as filas para a refeição pois, no geral,

o ambiente fica tumultuado, já que todos querem ser atendidos ao mesmo tempo. A direção

tem, nos últimos anos, adotado a norma segundo a qual as mulheres se alimentam primeiro,

não só pelo menor número, mas também por sofrer empurrões dos PTM do sexo masculino.

Em todos os pavilhões, após a primeira refeição do dia começa a rotina dos

atendimentos médicos e de outros profissionais, o que se dá nos turnos da manhã e tarde,

sendo geralmente o psiquiatra o que atende primeiro, entre 6h30 e 10h, enquanto os demais o

fazem nos pavilhões, um pouco mais tarde, das 8h às 10h30. Ainda pela manhã, os usuários

podem participar de atividades de terapia ocupacional, coordenada pelo educador físico e, à

tarde, pela terapeuta, como colagens, auto-expressão, bingos, leituras de revistas. Caso não o

deseje, pode, simplesmente, ir ao Setor de Terapia Ocupacional e conversar um pouco com os

outros internos ou com o profissional que lá se encontra, de modo que algumas vezes ele entra

apenas para olhar-se num espelho que lá existe, vê a sua imagem e pentear o cabelo, já que,

nesse setor, eles têm trânsito livre para utilizar-se das atividades oferecidas nos dois turnos.

Após o lanche das 14 horas, iniciam-se novos atendimentos, como os psiquiatras o fazendo da

14 às 15h30 e os outros profissionais nesse mesmo horário, estendendo-se, porém, até às 17h,

sendo o da tarde seguido, basicamente, das mesmas atividades matutinas.

No conjunto das atividades terapêuticas desenvolvidas no Sanatório Meduna, a

que mais mobiliza os usuários é a esportiva, geralmente o futebol, (anexo IV) praticado,

semanalmente, no turno da manhã, sob o comando do educador físico, num campo

apropriado, localizado na área externa. Essa atividade, que conta com a participação ativa de

funcionários, no apoio e no jogo, propicia, algumas vezes, o interno a evadir-se do hospital,

aproveitando e facilidade de estar fora das suas dependências, dele saindo sem destino certo,

quando não conhece a cidade, ou, em contrário, indo direto para casa. A família é, então,

imediatamente comunicada pelo Serviço Social, pois se trata de um momento de aflição e

tensão tanto para ela quanto para a equipe, que realiza busca nas áreas próximas, na tentativa

de trazer o PTM de volta. Se, no entanto, ele vai diretamente para casa, a família decide se

retornará ou não, a fim de continuar o tratamento.

De modo geral, a alteração da rotina dos pavilhões se dá mesmo no momento de

sua abertura, nos turnos da manhã e tarde, representando isso, para os PTM, um instante de

liberdade e, acima de tudo, a possibilidade de vivenciar experiências diferenciadas, como

contatar com outras pessoas que não só os colegas do pavilhão (profissionais, visitantes,

funcionários, etc). Este é, na verdade, uma oportunidade de interlocução e interação com a

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família ou com quem se encontra no hospital, usar o telefone público, instalado no pátio,

conversar com os profissionais nem que seja só para cumprimentá-los. Nessa direção é o

relato de um dos usuários entrevistados para esta pesquisa, o qual, indagado sobre o que mais

gosta quando internado no Sanatório, responde que “é pela manhã, quando amanhece o dia e

a gente pode ficar solto pelo pátio, conversando com os colegas”. Esse momento imprime,

assim, um forte significado para os usuários, devido à possibilidade de exercerem, como

qualquer cidadão, o direito de ir e vir, ainda que nos limites da área hospitalar, o que, de

alguma forma, altera a rotina e satisfaz vontade e desejos, em virtudes de maior liberdade e

interação com outros sujeitos internos e os profissionais da instituição, num espaço mais

amplo e democrático, embora delimitado fisicamente e norteado por normas restritivas de

funcionamento.

A Unidade de Internação (UI), porta de entrada para o Sanatório, concentra e

mobiliza a equipe de plantão. É que por este setor dão-se todas as admissões e nele também

ficam os usuários que necessitam de cuidados médicos, de enfermagem e do serviço social,

mais intensos e contínuos, por apresentarem alguma complicação clínica ou por serem idosos

ou gestantes, daí a grande movimentação que se registra. Por ele passam, também, todos os

médicos que realizarão o primeiro atendimento ao usuário recém-admitido, o mesmo

ocorrendo com outros profissionais da equipe interdisciplinar, posto que, se o psiquiatra e

outros integrantes da equipe nos demais setores o atendem a cada dois dias, neste a visita

médica é diária, pelo fato de o enfermo encontrar-se em observação. Por isso, enquanto o

PTM permanecer na UI, a família é mobilizada pelo Serviço Social para acompanhar o caso

de perto, visitando-o até fora do horário estabelecido. Segundo os funcionários de

enfermagem do setor, os usuários, com complicações clínicas, quando são transferidos para a

UI, não mais querem voltar ao pavilhão de origem, porquanto “eles adoram ficar aqui na

Unidade de Internação”, talvez porque recebam cuidados mais intensos e, ainda, por ser um

setor pequeno, com apenas duas enfermarias e seis leitos, três femininos e três masculinos, o

que lhes conferem maior privacidade e atenção constante dos que por lá circulam.

Ademais, todos os pavilhões tem a rotina de encaminhar os PTM para outras

especialidades oferecidas pelo Sanatório Meduna, como cardiologia, ginecologia, clínica geral

e odontologia, atendimentos feitos na Ala de Consultórios, com instalações apropriadas para

cada uma. No caso dos serviços odontológicos, o dentista realiza, nos internos, somente

exodontia (extração), enviando as situações de maior complexidade para outros especialistas,

fora do hospital, sendo que as consultas com médicos de outras especialidades se dão

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semanalmente, com duas visitas semanais de cada profissional, que atende, em média, cinco

usuários a cada vez. O repasse a essas especialidades se dá por qualquer membro da equipe

interdisciplinar e se, após a isso, as complicações clínicas do PTM não melhorarem ou não

tiverem solução no Sanatório, a família ou o responsável são comunicados, para que

providenciem uma consulta extrahospitalar. Há, também, no Meduna, um serviço de

barbearia, à disposição dos internos.

As consultas médicas com outras especialidades, realizadas fora do Sanatório,

torna-se um dilema para as famílias, na grande maioria detentoras de baixo poder aquisitivo e

sem condições de custeá-las, tendo, por isso, que recorrer ao SUS, onde normalmente não é

fácil obtê-las, menos ainda um leito vago. Nessas situações, há outra agravante, que é a forte

resistência nos hospitais gerais em aceitar o PTM, mesmo que para consultas médicas, sendo

exigido da família e do Sanatório uma permanente vigilância sobre o usuário, o que se torna

mais difícil quando da necessidade de internações nesses hospitais como, por exemplo, para

intervenções cirúrgicas. Neste caso, a família ou o responsável assume a responsabilidade de

acompanhar por 24 horas o enfermo, até ele recuperar-se, mas sempre que o PTM é atendido

em hospital geral, tem a alta abreviada, sob a alegação de continuar o tratamento em casa ou

num local especializado.

2.4 O Serviço de Hospital-Dia do Sanatório Meduna

Em 1995 foi inaugurado, no Meduna, o Hospital-Dia Clidenor de Freitas Santos, o

qual, desde aquele ano, funciona em anexo ao prédio do Sanatório, no horário das 7 às 16

horas, de segunda a sexta-feira, oferecendo tratamento psiquiátrico para ambos os sexos e

conveniado com o SUS. Com capacidade de trinta leitos, em regime de semi-internação ou

internação parcial, com prazo máximo de 45 dias e média de permanência entre 25 a 30 dias,

propicia um espaço que proporciona, no mais amplo aspecto, um tratamento diferenciado da

internação integral. Na verdade, o tratamento psiquiátrico no Hospital-Dia dá ao PTM uma

certa autonomia, independência e liberdade de ir e vir na sociedade e na comunidade onde

vive, decidindo e resolvendo seus problemas de ordem pessoal e social, uma vez que, mesmo

interno, sempre que necessita dele ausentar-se pode isso solicitar, sendo liberado pela

assistente social, sem mencionar que normalmente esses internos usam de todos os serviços

do Sanatório, incluindo outras especialidades médicas e até a barbearia.

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Na rotina do Hospital-Dia vige um conjunto de normas, diferentes, dos demais

setores, porque mais flexíveis. Com efeito, o usuário tem mais liberdade, devido à

dinamicidade das atividades desenvolvidas, que sempre envolvem e motivam a participação e

a criatividade dos internos, quer na sua elaboração, quer na execução, por isso que às vezes a

simples visita de alguém ou de um profissional não pertencente ao setor pode alterar-lhe a

movimentação. Frise-se que o funcionamento deste anexo estava, até 1999, subordinado ao

HAA, que emitia as guias de AIH, mas desde o início de 2000 adquiriu autonomia para a

emissão dos seus laudos de internamento.

O Hospital-Dia é assistido por uma equipe interdisciplinar, composta por um

médico psiquiatra, uma assistente social, uma enfermeira, uma psicóloga, uma terapeuta

ocupacional, dois técnicos de enfermagem e um zelador. Conta com uma oficina de arte,

(anexo V) uma sala para exposição de trabalhos dos usuários (em tela, cerâmica, bordado,

crochê, tapeçaria, etc) e duas enfermarias com três leitos, uma para cada sexo, além de uma

área externa ampla, arborizada e estruturada, com mesas e cadeiras distribuídas por diversos

pontos, nelas podendo os internos ficar à vontade, em conversas ou em realizando alguma

atividade terapêutica. Existe, ainda, nessa parte do Hospital-Dia, uma horta, onde são

cultivados legumes, ervas medicinais e hortaliças, usados no consumo interno, cuja

manutenção é feita pelos próprios PTM, sob a coordenação dos profissionais de Serviço

Social e da Terapia Ocupacional, tendo tal atividade boa aceitação da clientela.

No projeto original, a atenção básica do Hospital-Dia dirigia-se,

preferencialmente, para os diagnósticos ditos mais leves, como neuroses, depressão e

semelhantes. Todavia, no desenvolvimento das atividades no cotidiano do hospital, nas

conversas e nas entrevistas, os profissionais observavam que, em alguns casos, os motivos

referidos pelos usuários e familiares para justificar a internação relacionavam-se

implicitamente ao desejo ou à necessidade de auferir um beneficio previdenciário ou mesmo a

aposentadoria, o que, nos últimos anos, tem sofrido um redirecionamento, já que o Hospital-

Dia é, na verdade, uma das alternativas cada vez mais presentes ao tratamento em internação

integral, de sorte que se tornou um setor de transição, com seus objetivos finais, hoje mais que

antes, sendo o de preparar o usuário para o retorno progressivo ao convívio social, segundo a

lógica do MS, que orienta tratamento psiquiátrico em internação integral só para casos agudos

e, após a alta, continuação em serviços alternativos, como Hospital-Dia, CAPS, NAPS,

Pensões Protegidas, consultas ambulatoriais, dentre outros.

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Mas, normalmente, nem todos os PTM têm condições de seguir essa lógica,

embora, sempre que têm alta da internação integral, a equipe interdisciplinar e os funcionários

de enfermagem do Sanatório o orientem e à família ou responsável a procurar, no menor

tempo, os serviços alternativos ou de semi-internação, oferecidos pelos hospitais da cidade de

Teresina, como o próprio Sanatório Meduna e o HAA, que também atende com Hospital-Dia

e consultas ambulatoriais, assim como os da rede municipal, que disponibilizam consultas e

de medicação psicotrópica. De modo geral, o uso desses serviços evita uma recaída do quadro

psíquico e uma nova internação integral, com a opção de escolha destas formas de tratamento

se relacionando ao estado mental do usuário e ao apoio e incentivo da família ou responsável.

Diferentemente do início, o Hospital-Dia do Sanatório Meduna recebe a todos com

diagnóstico de doença mental, inclusive os psicóticos, com uma boa resposta do próprio

usuário, da equipe que o acompanha e da família, que colabora para a integração dele nessa

alternativa de tratamento.

Permanece, no entanto, a exigência de que, para dela participar, o usuário esteja

fora de crise aguda, ou seja, não tenha quadro de agitação psicomotora e aceite a internação

de forma espontânea e consciente, sem idéia de fugas. Isso se justifica pelo fato de esse

serviço de saúde ocorrer em um hospital aberto, onde o usuário tem trânsito livre por toda a

área física, com acesso à rua. Por isso é que, em razão das peculiaridades do Hospital-Dia

como um tratamento de semi-internação, normalmente os usuários, familiares ou responsáveis

são orientados pela equipe e funcionários do Sanatório Meduna a procurar esse serviço logo

após a alta da internação integral e antes de uma recaída ou crise aguda. No tratamento em

internação parcial ou semi-internação, se algum usuário, pela condição ou estado psíquico,

não puder ir sozinho de casa até ao Hospital-Dia e vice-versa, a equipe solicita à família ou

responsável que o faça diariamente, deixando-o pela manhã e buscando-o no momento do

retorno ao domicílio, procedimento necessário, em certos casos, durante todo o tratamento e

em outras só no início, até que ele se adapte e consiga deslocar-se a sós e com segurança ao

Hospital-Dia e deste ao domicílio. A participação da família, em qualquer tipo de tratamento,

é elemento de fundamental importância, em particular no Hospital-Dia, pois, sem essa

cooperação, fica ele inviabilizado, na medida em que a família é que interage e mediatiza o

processo, acompanhando diariamente o PTM durante a semi-internação e após a alta médica.

Como um serviço de saúde mental diferenciado, o Hospital-Dia trabalha sob uma

programação prévia, agendada pela equipe do setor, que envolve atividades de grupos

recreativos, sócioterapêuticos, informativos, lúdicos, auto-expressivos, coordenados pela

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assistente social, a psicóloga, a terapeuta ocupacional e o médico psiquiatra. Desse processo

de planejamento, os usuários não participam diretamente mas, na medida do possível, são

incorporadas as suas opiniões e solicitações, sendo as atividades pensadas e voltadas para as

suas necessidades e anseios. No turno da manhã, concentram-se as atividades de limpeza do

setor, para o qual os internos em condições cooperam, realizado-se, também, os atendimentos

médico e psicológico, com o período da tarde se reservando às atividades de Terapia

Ocupacional e o intercâmbio do Serviço Social com as famílias. Aliás, no Hospital-dia é o

Serviço Social quem coordena as reuniões mensais com as famílias e aborda temas de seu

interesse (os efeitos colaterais das medicações, cuidados com a higiene e a saúde, importância

da participação no tratamento, procedimentos para aquisição de benefícios, etc), em muitas

delas contando o profissional com convidados de outros setores, que se responsabilizam por

temáticas especificas a suas áreas, definições essas que as famílias podem sugerir. O Serviço

Social e o Setor de Terapia Ocupacional promovem ainda atividades de lazer aos usuários,

como festas comemorativas (Natal, Carnaval, São João, aniversariantes do mês, Páscoa, Dia

das Mães, Dia dos Pais, etc), (anexo VI), bingos e jogos, sem mencionar uma, que mobiliza

profissionais e internos: a elaboração de painéis, para decorar os murais do hospital, sempre

com temáticas relacionadas às datas comemorativas e a assuntos do interesse dos internos e de

suas famílias. Informe-se, por importante que no final de 2003, por problemas de ordem

administrativa, o credenciamento com o SUS foi suspenso e o Hospital-Dia do Sanatório

Meduna foi fechado por alguns meses, reabrindo no início de 2004, com instalações físicas

reformadas e melhores acomodações e com um número reduzido de usuários (dez vagas, no

momento da realização desta pesquisa), não sendo, até então, restabelecido o referido

convênio, fato que, segundo a direção, deve ser resolvido nos próximos meses15

.

Vale salientar que, como alternativa à internação integral, o Hospital-Dia ou de

semi-internação ainda é, em geral, pouco conhecido pela população que carece de tratamento

especializado, talvez por ausência de divulgação, na cidade de Teresina, pelas duas

instituições que dispõem do serviço, o HAA e o Meduna, sem dizer dos custos com

transporte, um dos entraves para as famílias e usuários, devido aos custos financeiros do

deslocamento diário pesar-lhes no bolso, já que são na grande maioria, de baixa renda. No

Sanatório Meduna, a direção resolveu esse problema através do vale-transporte, concedidos

15 No entanto, lamentavelmente ao término dessa pesquisa, o Hospital-Dia ainda não tinha conseguido

restabelecer o credenciamento junto ao SUS, sendo este Serviço de Saúde, fechado no final de julho de 2004,

por tempo indeterminado, apesar das inúmeras tentativas da direção junto ao Ministério da Saúde, que na

atualidade tem priorizado a abertura de outras formas de tratamento, como CAPS e NAPS.

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aos que residem em regiões mais distantes, medida essa que foi uma verdadeira conquista de

todos os que necessitam desse tipo de tratamento.

Nos últimos cinco anos, o Hospital-Dia do Sanatório Meduna, tem procurado

diversificar e ampliar (sobretudo antes do descredenciamento com o SUS) a clientela, por

meio de estímulos dos próprios funcionários e dos usuários do serviço, que o divulgam na

comunidade onde residem, ressaltando-o como uma alternativa viável àqueles com quadro

melhorado e em alta médica, como uma forma de continuar o tratamento psiquiátrico sem

desvincular-se totalmente da família, o que, não raro, evita nova internação no sistema

integral ou convencional. Assim, no período de internação integral do PTM a equipe

interdisciplinar já o orienta e à família ou responsável sobre a continuação do tratamento após

a alta médica, informando-os dos serviços disponíveis em Teresina, incluindo, neste rol, o

Hospital-Dia, uma opção válida principalmente para os usuários residentes na capital ou em

cidades como Floriano e Parnaíba, no Piauí, e Caxias, no Maranhão.

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CAPÍTULO III

O SERVIÇO SOCIAL COMO PRÁTICA PROFISSIONAL

3.1 O Serviço Social no Brasil

Buscou-se, nos dois primeiros capítulos, mostrar o processo de constituição das Políticas

de Saúde e da Assistência Psiquiátrica no Brasil, analisando-lhes os avanços e recuos no

desenvolvimento da sociedade brasileira. Neste capítulo, o ponto capital será uma análise mais ampla

possível do Serviço Social a partir, sobretudo, dos anos de 1970, momento esse de grande

efervescência política e social para a profissão, tanto no Brasil quanto no continente latino-americano,

em especial pela deflagração do Movimento de Reconceituação do Serviço Social (MRSS) 16, iniciado

em 1965, e a reorganização da sociedade civil, isso num elenco de acontecimentos políticos,

econômicos, sociais e culturais que fomentaram amplos debates. Nesse sentido, o Serviço Social será

enfocado em linhas gerais, ressaltando-se alguns aspectos de seu surgimento, constituição e

desdobramentos, como sujeito ativo da construção do desenvolvimento da sociedade brasileira,

presente nos mais diversos espaços, já que tem atuado e intervido historicamente na questão social17 e

nos seus múltiplos efeitos e expressões. Serão abordados, ainda, alguns pontos cruciais do processo

de inserção do Serviço Social na área da saúde mental no Brasil, em particular no Sanatório Meduna,

articulando e mediatizando essas discussões com a temática da cidadania.

No marco do capitalismo monopolista e considerando a realidade brasileira, o Serviço

Social insere-se e se concretiza a partir da divisão sócio-técnica do trabalho e do conjunto das

16 Este foi um Movimento ocorrido, na década de 1960, na profissão de Serviço Social em todo continente

latino-americano e no Brasil, tendo a participação de professores, profissionais e estudantes. Seu eixo principal

era a contestação ao tradicionalismo profissional e “implicou um questionamento global da profissão: de seus

fundamentos ideoteóricos, de suas raízes sócio-políticas, da direção social da prática profissional e de seus modus operandi” (IAMAMOTO, 1998, p. 205-6)

17 Nos termos de Cerqueira Filho (1982, p. 21) por questão social, no sentido universal do termo, se entende o

conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs ao mundo

capitalista, estando “fundamentalmente vinculada ao conflito entre capital e trabalho.”

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necessidades históricas dos indivíduos e grupos sociais, determinando e expressando significados e

tendências diversas oriundos, sobretudo, da questão social.

A profissão é aqui compreendida como um produto histórico e, como tal, adquire seu

sentido e inteligibilidade na história da sociedade da qual é parte e expressão. O Serviço Social afirma-se como uma especialização do trabalho coletivo, inscrito na divisão sócio-técnica de trabalho, ao se constituir em expressão de necessidades históricas, derivadas da prática das classes sociais no ato de produzir seus meios de vida e de trabalho de forma socialmente determinada. Assim, seu significado social depende da dinâmica das relações entre as classes e dessas com o Estado nas sociedades nacionais em quadros conjunturais específicos, no enfrentamento da „questão social‟ (IAMAMOTO, 1998, p.203).

Na sociedade brasileira, a questão social tem origem ao longo do processo histórico, com

as raízes calcadas no cenário das desigualdades e das injustiças presentes na trajetória do país. Essa

realidade aparece, por exemplo, sob a forma do desemprego, da violência, da concentração de renda e

da falta de moradia, atingindo um amplo contingente de atores sociais, sobretudo os das camadas mais

pobres que, em conseqüência, dependerão, em diferentes conjunturas e estruturas, dos serviços

prestados pelo Estado ou por organizações privadas, para viverem de modo minimamente decente e

digno. O surgimento da questão social tem, assim, raízes históricas profundas, pois, como diz

Arcoverde (1999, p.78),

no fundo, a questão brasileira, em suas variadas formas, tem na desigualdade

e na injustiça social ligada à organização do trabalho e à cidadania seu

núcleo orgânico. Resulta da estrutura social produzida pelo modo de

produção e reprodução vigentes e pelos modelos de desenvolvimento que o

país experimentou: escravista, industrial-desenvolvimentista, fordista-

taylorista e o de reorganização produtiva.

Pode-se, então, dizer que a questão social no Brasil aflora ainda no final do século XIX,

escondida em meio ao emergente processo de industrialização, não sendo reconhecida pelo poder

dominante como legítima e menos ainda real, pois, na verdade, era vista pelo Estado como ilegal e

marginal, enquadrada como “caso de polícia” e tratada no interior dos aparelhos repressivos. Com

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efeito, nesse período, a problemática social se via mascarada e ocultada sob a forma de fatos pontuais

e excepcionais, sendo então a pobreza, para os órgãos públicos, uma disfunção dos próprios

indivíduos, que não se adaptavam ao novo processo de desenvolvimento em andamento no país

(CERQUEIRA FILHO, 1982).

Nas três inaugurais décadas do século XX, a questão social assume um novo formato e

ganha novos contornos, requerendo do Estado outras medidas de enfrentamento que não somente a

repressão. Àquela época, torna-se já premente, sendo reconhecida, pela primeira vez, pelo Estado

brasileiro, sob os postulados dos ideais liberais e como reflexo e expressão das relações capital e

trabalho. Naquele período, o país dava os passos iniciais decisivos rumo ao capitalismo e a nova

conjuntura, marcada pelo processo de industrialização e urbanização, exigia a intervenção do Estado,

de um lado, na criação de infra-estrutura básica (estradas, transportes, ferrovias e preparação de mão-

de-obra especializada, etc) e, de outro, na gerência e administração dos conflitos sociais, que se

agravavam e se tornavam mais complexos e progressivos.

Assim, ao tempo em que o capitalismo se implantava no Brasil, afirmando-se como modo

de produção dominante, os trabalhadores iniciavam as manifestações de protestos, reivindicando

melhorias de vida e trabalho. Em tal contexto, o Estado intervém na questão social, reconhecendo-a

como legítima e legal, pelo que adota medidas de proteção que, em seus conteúdos centrais,

objetivava desmobilizar e despolitizar os movimentos sociais que, naquele momento, se fortaleciam.

Dessa forma, a esta altura do desenvolvimento das relações sociais e de produção, decorrentes da

expansão do capitalismo, as antigas ações voltadas para o tratamento da questão social, advindas da

caridade, da filantropia e da assistência, não davam mais conta da realidade, agora com características

capitalistas, fazendo-se necessário e urgente a adoção de medidas estratégicas dentro de um aparato

estatal que desse suporte ao seu enfrentamento e resolução, até porque ela se agravava sob a égide

do desenvolvimento capitalista industrial em marcha no país.

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É nesse contexto de mudanças que surgirá o Serviço Social, em íntima relação com

o trato da questão social no Brasil. Daí que o nascimento do Serviço Social não se dá, é óbvio, por

acaso, mas como desdobramento da união de interesses estratégicos levados a efeitos por ações da

Igreja, do Estado e dos setores dominantes da sociedade brasileira, nos anos de 1930. Sua emersão

acontece no seio do bloco católico, que objetivava, em última instância, recuperar espaços e privilégios

enfraquecidos, numa conjuntura de acelerada mudança, sendo sua missão principal propagar os

ideários da Doutrina Social da Igreja, bem como “humanizar” a questão social, nos marcos dos

princípios do neotomismo18 e do Cristianismo, os quais, por longas décadas, embasaram a formação

dos assistentes sociais, influenciando-os fortemente.

O Serviço Social é, então, constitutivo do e constituído pelo processo de industrialização

brasileiro, emergindo como uma das especialidades da divisão social e técnica do trabalho. Por isso, é

chamado a atender a um conjunto de exigências e necessidades desse processo em ampla expansão,

intervindo na questão social sob o princípio da visão cristã, com o objetivo de humanizá-la e aliviar, em

decorrência, as tensões e os conflitos existentes. Nesses termos, nos anos de 1940, como

desdobramento da questão social, que tivera suas características aprofundadas e agravadas, caberá

ao Estado a responsabilidade majoritária, frente a tais exigências, de canalizar para si a gestão e a

elaboração de um conjunto de leis, normas e regulamentos voltados para o social. É quando surgem no

país grandes instituições assistenciais, como o Serviço Nacional do Comércio (SENAC), o Serviço

Social da Industria (SESI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), a Legião Brasileira

de Assistência (LBA), dentre outras, que tratavam, de forma legal, racionalizada e institucionalizada, os

conflitos sociais, almejando amplamente, com seus serviços e práticas, a garantia da manutenção e

18 O neotomismo recoloca, sob novas determinações históricas, a corrente filosófica inspirada em Santo Tomás

de Aquino, que tinha como “base teleológica o princípio [de que a] existência de Deus confere uma hierarquia

aos valores morais, tendo em vista a sua subordinação às „leis naturais‟ decorrentes das „leis divinas‟” (BARROCO, 2003, p. 91). A natureza humana é vista como dotada de livre arbítrio, devendo o homem seguir

as leis morais, em busca de sua essência e da aproximação com Deus, tendo como finalidade última fazer o

bem e encontrar a felicidade. Esta doutrina influenciou a formação dos primeiros assistentes sociais no Brasil,

até o início da década de 1960. Para maiores informações, ver Aguiar (1995).

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reprodução da força de trabalho, dentro de uma lógica de enquadramento e ajustamento da classe

trabalhadora (IAMAMOTO, 1991).

Mas, além dessas instituições, foram criados, para o enfrentamento da questão social,

órgãos públicos, como o Ministério do Trabalho, culminando, em 1943, com a edição da Consolidação

das Leis Trabalhistas (CLT), medidas pelas quais o Estado objetivava manter sob controle as

manifestações dela advindas, evitando possíveis crises, pois, na lógica intervencionista do governo

Vargas, não era recomendável deixar o mercado de trabalho entregue à auto-regulação. Com essa

postura, entendia-se possível resolver os conflitos entre capital e trabalho “fora da esfera” e “dos

limites” da luta de classes, tendo as leis de proteção social como suficientes para gerar relações de

plena igualdade e garantir o bem-comum (ARCOVERDE, 1999).

A criação dessas instituições estava, assim, estreitamente relacionada aos interesses do

Estado em agir sobre a questão social e seus desdobramentos, atendendo aos carentes através de

serviços assistenciais em várias áreas e setores. A institucionalização do Serviço Social no país, como

profissão, se dá com o surgimento dessas instituições, pois nelas atuavam os assistentes sociais, que

gerenciavam a questão social, canalizando e equacionando os conflitos soc iais, tendo “a partir de suas

práticas, efeitos tanto econômicos como políticos e ideológicos” (IAMAMOTO, 1991, p.314).

No âmbito dessa lógica de criação de organismos estatais e não estatais, o assistente

social, como profissional que domina um conjunto de conhecimentos, métodos e técnicas, passa a

atuar a partir das necessidades advindas do desenvolvimento da sociedade e de suas instituições.

Estavam, assim, os assistentes sociais vinculados ao Estado e voltados a responder às necessidades

e demandas dos grupos sociais, fomentados pelo impulso dado pela intensificação do processo de

industrialização. Suas ações eram, então, racionais e compatíveis com tal processo, de sorte que a

progressiva intervenção estatal na questão social guarda forte relação com a institucionalização do

Serviço Social no país. A esse respeito, assinala Iamamoto (1991, p.315) que

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o processo de surgimento e desenvolvimento das grandes entidades

assistenciais – estatais, autárquicas ou privadas – é também o processo de

legitimação e institucionalização do Serviço Social. A profissão de Assistente Social apenas pode se consolidar e romper o estreito quadro de

sua origem no bloco católico a partir e no mercado de trabalho que se abre

com aquelas entidades. A partir desse momento só é possível pensar a

profissão e seus agentes concretos – sua ação na reprodução das relações sociais de produção - englobados no âmbito das estruturas institucionais.

A partir de então, o Serviço Social deixa de ser uma forma de intervenção ligada a alguns

segmentos representados por grupos femininos abastados da sociedade, que agiam, através da Igreja,

baseando-se em atividades de assistência traduzidas na caridade e na filantropia. É que assumem um

caráter institucional e atuam profissionalmente junto às políticas sociais implementadas pelas grandes

instituições assistenciais, imprimindo e incorporando à prática profissional uma racionalidade e

sistematização antes ausentes, agora com o fito de impor à sociedade, sobretudo aos trabalhadores,

noções educativas estimuladoras da cooperação entre as classes, estabelecendo o consenso para a

aceitação das relações sociais vigorantes, o que ultrapassava a visão e a ação anteriores “do

apostolado doutrinário, da salvação e recristianização das massas populares, de exorcizar o conteúdo

liberal da sociedade burguesa” (IAMAMOTO, 1991, p.316).

No entanto, o Serviço Social e sua prática não podem ser entendidos nem considerados

como um mero e isolado reflexo das relações sociais capitalistas que marcam a sociedade. Como

profissão, seu sentido é mais amplo e profundo, porquanto constituinte do e constituída pelo contexto

econômico-político-social e cultural das relações vigentes numa dada sociedade e num dado contexto,

conjuntura e processos. Por esse anglo ampliado, observa-se, em última instância, que a prática

profissional do assistente social visa responder historicamente às exigências, necessidades e

demandas dos segmentos sociais, sobretudo dos mais empobrecidos.

O Serviço Social é uma profissão que tem características singulares. Ela não

atua sobre uma única necessidade humana (tal qual o dentista, o médico, o pedagogo...) nem tão pouco se destina a todos os homens de uma sociedade,

sem distinção de renda ou classe. Sua especificidade está no fato de atuar

sobre todas as necessidades humanas de dada classe social, ou seja, aquela formada pelos grupos subalternos, pauperizados ou excluídos dos bens,

serviços e riquezas dessa mesma sociedade. É por isso que os profissionais

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de Serviço Social atuam basicamente na trama das relações de conquista e

apropriação de serviços e poder pela população excluída e dominada

(CARVALHO e NETTO, 1996, p.52).

Em tal configuração, o processo de inserção social do profissional de Serviço Social na

elaboração de respostas a essas exigências e necessidades pode acontecer na perspectiva da

reprodução e do fortalecimento das condições presentes em dadas sociedades, favorecendo-lhes a

ampliação das forças dominantes, bem como, ao contrário, a ação se pode dar na direção das lutas e

movimentos que se canalizam para os interesses, anseios, desejos e direitos das classes populares.

Possui, ademais, esse profissional a chance de atuar no sentido de contribuir para a modificação das

relações dessa sociedade e da própria questão social, que tem, aliás, se metamorfoseado, nas últimas

décadas, com o acentuado avanço das relações capitalistas e do Estado, almejando-se uma sociedade

mais justa na qual todos possam usufruir a riqueza socialmente produzida.

Assim, as inserções da profissão de Serviço Social nos contextos sociais não estão

determinadas aprioristicamente. O sentido e a direção que os profissionais imprimirão à sua prática

sofrerão os reflexos das lutas, dilemas, movimentos e relações estabelecidas com a sociedade e seus

grupos constituintes, as quais não são estáticas e homogêneas, mas dinâmicas e contraditórias,

caminhando em várias direções e assumindo diversas formas. Daí que as inserções do assistente

social nos vários campos ocupacionais, de acordo com a historicidade e a dinamicidade das relações,

podem assumir diferentes posições, posturas e pensamentos no modo de conceber essa realidade

social. No entanto, no Brasil, historicamente, a prática do assistente social tem imprimido,

predominantemente, uma direção mais voltada para reforçar e garantir, direta ou indiretamente, às

exigências, necessidades e interesses dos setores dominantes da sociedade, em seus processos de

reprodução e ampliação do capitalismo no país.

Mas essa não é uma posição unânime e homogênea na categoria dos assistentes sociais,

sobretudo nas últimas três décadas do século XX. É que a profissão no Brasil e no continente latino-

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americano tem encampado movimentos e lutas na direção da promoção de reformas e mudanças nos

rumos predominantes no Estado e na sociedade, empenhando-se na defesa dos interesses dos

segmentos sociais mais empobrecidos, em especial os concernentes à garantia dos seus direitos e da

sua cidadania. No entendimento de Gentilli (1998), trabalhar na perspectiva dos direitos sociais dos

usuários não chega a ser uma novidade no âmbito do Serviço Social como profissão, já que, desde

suas origens, preocupou-se ele em minimizar as mazelas do capitalismo. Contudo, tal prisma tem sido

retomado com muito mais força, amplitude e significação nas três últimas décadas, norteado pelas

discussões da construção de novas bases e rumos para a profissão, levadas a cabo por expressiva

parcela da categoria dos assistentes sociais, que passam a assumir compromisso profissional, ético e

político efetivo na defesa dos direitos e da cidadania dos usuários dos serviços e das políticas sociais,

sob a ótica dos seus interesses e necessidades. Esse rumo de atuação do assistente social marca a

década de 1970, período em que se fortalecia, no Brasil e na América Latina, o Movimento de

Reconceituação, ocorrido no seio da categoria profissional na década anterior, mais precisamente em

1965, nesse continente e nesse país, e que, segundo Iamamoto (1998, p.205), significou um marco

histórico e “decisivo no desencadeamento do processo de revisão crítica do Serviço Social no

continente”.

O Movimento de Reconceituação do Serviço Social (MRSS) questionou profundamente os

princípios teórico-metodológicos que embasavam a profissão. As discussões objetivavam imprimir-lhe

novos rumos, direções e práticas, no sentido de romper e superar a postura conservadora (política,

teórica e metodológica), adotada em seus processos de inserção no social. Esse Movimento provocou

uma reviravolta na profissão de Serviço Social, que passou a seguir novas referências teórico-

metodológicas, entre elas o marxismo, em suas diversas vertentes.

Nas sociedades latino-americana e brasileira, o MRSS acontece em contextos

econômicos, políticos, sociais e históricos, marcados por amplos questionamentos aos modos

tradicionais e conservadores de conceber o Estado, a sociedade e a profissão. No que respeita à

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atuação profissional, as principais bases teóricas de sustentação da prática levada a efeito nos

diferentes campos de atuação do assistente social estavam, até então, fundamentadas no positivismo e

no funcionalismo19. Ademais, tais questionamentos são, de maneira geral, gestados numa conjuntura

latino-americana, perpassada por amplas e profundas mudanças advindas e constituídas da forte

efervescência e agitação dos movimentos e lutas sociais dessa época, decorrentes da expansão do

capitalismo no mundo.

Aliás, naquele contexto histórico, essas inquietações e questionamentos não germinaram

somente no Serviço Social. Também no âmbito da Igreja e nas Universidades prosperaram as lutas dos

estudantes e movimentos culturais e artísticos, que afetaram outras categorias profissionais e o

conjunto das Ciências Sociais. Floresceram, então, indagações e críticas tanto em relação aos seus

fundamentos e alicerces teóricos, quanto ao papel desempenhado na sociedade, em face aos novos

desafios postos por um mundo em transformação. Procuram-se, então, novas teorias, parâmetros e

explicações que embasem o pensamento e a ação no enfrentamento dessa nova e complexa

realidade. Para Iamamoto (1998, p.206-7), nessa efervescência econômica, política, social e cultural

o pensamento social latino-americano busca reconciliar-se com sua própria história, questionando as teorias exógenas e subordinando sua validação à

capacidade que apresentem de explicar e iluminar os caminhos particulares

trilhados pelo desenvolvimento na América Latina em suas relações com os centros avançados do capitalismo.

Nessa perspectiva, o Serviço Social assiste às tentativas de ruptura com as formas

tradicionais, conservadoras e históricas da profissão20 de intervir na sociedade, elaboradas e

19 Correntes teóricas que marcaram profundamente a profissão de Serviço Social, sobretudo até a década de

1970. Em linhas gerais no Positivismo a “sua hipótese fundamental é de que a sociedade humana é regulada

por leis naturais, ou por leis que têm todas as características das leis naturais, invariáveis, independentes da

vontade e da ação humana, [...] portanto o que reina na sociedade é uma harmonia semelhante à da natureza,

uma espécie de harmonia natural” (LÖWY, 1985, p. 35-6). O Funcionalismo por sua vez, prega a defesa do

funcionamento adequado da sociedade em que cada indivíduo exerce uma função indispensável no

funcionamento do todo. “Na sociologia funcionalista, as ideologias são vistas como valores consensuais” (idem, 1985, p.17).

20 “Por Serviço Social „tradicional‟ deve-se entender a prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada

que os agentes realizavam e realizam efetivamente, na América Latina. Evidentemente, há um nexo essencial

entre ambos: parametra-os uma ética liberal-burguesa e sua teleologia consiste na correção - uma ótica

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propagadas por assistentes sociais que buscavam repensar a própria prática tanto em nível teórico,

quanto metodológico e político, revendo a forma de refletir, analisar e agir, sobre a realidade social,

dentro de uma ótica mais dinâmica e contraditória, imprimindo-se novas alianças e novos

compromissos, sobretudo com as classes mais empobrecidas e menos favorecidas da sociedade

brasileira. Em tal contexto, o MRSS, mesmo imerso na textura societária, não conferiu às sociedades

brasileira e latino-americana um debate homogêneo ou unitário. Ao contrário, como diz Iamamoto

(1998, p.207),

tanto em função de suas gêneses sociais diferenciadas – determinadas por

contextos sócio-políticos e econômicos distintos – quanto em razão da

vinculação intelectual e política por parte de seus protagonistas a matrizes teóricas e societárias também diversas, o movimento de reconceituação se

molda como uma unidade repleta de diversidades. Essas se manifestam não

só na forma de construção das críticas e propostas, mas também no

conteúdo atribuído ao „novo‟ Serviço Social latino-americano.

Nesse sentido, o MRSS repercutiu no continente latino americano como um momento de

reflexão, denúncia e cisão com o Serviço Social dito tradicional, que não dava mais conta de responder

aos novos desafios históricos impostos pelo ciclo expansionista do capitalismo. Romper com esse

Serviço Social tradicional era então crucial para os assistentes sociais que buscavam novas metas e

um outro sentido para a profissão, em sua inserção na sociedade, como categoria profissional,

porquanto se desejava a construção de um revigorado Serviço Social, carregado de historicidade e

capaz de empreender uma leitura mais crítica da realidade. Isso fez com que uma vasta parcela de

assistentes sociais fortalecesse o interesse em modernizar o Serviço Social, direcionando o eixo da

atuação profissional para um compromisso real e efetivo com as demandas e necessidades da classe

trabalhadora e dos grupos mais pobres, no intuito de gerir novas formas de sociabilidade, relações

sociais e valorização do protagonismo desses sujeitos.

claramente funcionalista – de resultados psicossociais considerados negativos ou indesejáveis, sobre o

substrato de uma concepção (aberta ou velada) idealista e/ou mecanicista da dinâmica social, sempre

pressuposta a ordenação capitalista da vida como um dado factual inalienável ” ( NETTO, 1981, p. 60).

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No entanto, devido ao cenário ditatorial, a Reconceituação passou a vigorar, tardiamente,

no Brasil, pois somente nos anos de 1970 brotam as primeiras manifestações mais concretas de

ruptura com o Serviço Social tradicional que, naquele momento, mostrava-se, teórica e

metodologicamente, “incapaz” de responder à nova e complexa conjuntura econômica, política e social

do país. Essas primeiras manifestações do Movimento de Reconceituação do Serviço Social no Brasil,

receberam influências da política desenvolvimentista levada a efeito pelos militares, em vista do que

esse Movimento só veio se fortalecer, como proposta ruptorial ao tradicionalismo, nos finais da década

de 1970, quando uma nova conjuntura emerge, no bojo da reorganização da sociedade civil no país e

há uma maior abertura para os influxos do marxismo. Como diz Iamamoto (1998, p.210), “a descoberta

do marxismo pelo Serviço Social latino-americano contribuiu decisivamente para um processo de

ruptura teórica e prática com a tradição profissional”. Mas refere a mesma autora (1998, p. 210) que se,

por um lado, a primeira aproximação do Serviço Social com o marxismo representou um momento

singular (de rompimento com as idéias conservadoras e tradicionais) para a categoria, por outro ela, da

forma como foi estabelecida, significou também a formação de “inúmeros equívocos e impasses de

ordem teórica, política e profissional cujas refrações até hoje se fazem presentes”.

A descoberta das idéias marxistas pelo Serviço Social se dá ainda na década de 1970,

mas é sobretudo no início da década de 1980, que se faz mais presente, marcada por um forte caráter

economicista e determinista, com a utilização do pensamento de Marx de forma utilitarista, acrítica e

pragmática, com ausência de uma reflexão e de uma mediação do referencial teórico e do instrumental

do método dialético como um processo crítico e histórico do conhecimento, havendo uma for te

valorização das relações de produção e da estrutura dominante da sociedade, sendo essas influências

baseadas em manuais que divulgavam as idéias do autor sem uma avaliação e conexão mais

profunda, ampla e crítica da tradição marxista21. Apesar disso, a perspectiva, aos poucos “purificada”,

21 Na verdade, essa aproximação “enviesada” do Serviço Social com o marxismo levou a uma série de

equívocos: desconsideração do trabalho nas instituições, com supervalorização de análises da estrutura social,

com conseqüente desvalorização do trabalho mais no nível micro, que é mais ligado ao cotidiano, atuando

diretamente no processo produtivo do trabalho de organização dos trabalhadores, sem mediações institucionais,

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do ecletismo existente, permitiu a construção de análises mais amplas sobre a profissão e sua prática

na realidade social capitalista (IAMAMOTO, 1998), daí que as influências do marxismo, no âmago do

Serviço Social, foram decisivas no apontar novos rumos, direções e possibilidades de ação profissional.

É, aliás, a partir dessas influências que o Serviço Social vai, de fato, caminhar em direção à defesa dos

interesses das classes populares, sendo esse compromisso, ao longo dos últimos vinte anos,

aprofundado e fortalecido pela categoria, apesar das múltiplas adversidades da conjuntura econômica,

política e social, que permeia e abala a sociedade brasileira no final do século XX e início do novo

milênio.

O período de passagem da ditadura para a democracia no Brasil foi marcado por uma

fase de profundas mudanças para o Serviço Social, para os trabalhadores e para a sociedade,

configurada pelo ressurgimento de lutas que representaram, para o país, o fortalecimento dos

movimentos sociais organizados, entre eles os dos trabalhadores, fomentando vigorosos debates nas

mais diversas esferas e constituindo-se novos espaços de lutas, reivindicações e dilemas sociais e

políticos. Na verdade, esse foi um momento de interlocução e atendimento às exigências de melhores

condições de trabalho e de vida, numa nova correlação de forças, em que se criaram e ampliaram

conquistas sociais para o conjunto dos trabalhadores brasileiros. No cenário desses anos de 1980,

muitos atores sociais foram protagonistas de amplas transformações sociais e políticas, dentre os quais

se destacam os assistentes sociais que, no cotidiano de suas práticas, nos espaços de atuação

profissional e em suas entidades de classe, participaram, de diferentes modos, dos movimentos

internos e externos à profissão que fomentaram um intenso processo de mobilização da sociedade

civil.

Na realidade, nesse novo cenário, o envolvimento e a participação dos assistentes sociais

representaram, para a categoria, uma nova vivência e um outro pensar, agir e interagir, na perspectiva

das lutas e compromissos ético-políticos para com os segmentos sociais mais empobrecidos da

assumindo a posição de um trabalhador mais militante político do que profissional, assistente social, tudo isso,

perpassado por uma visão monolítica, tendo, assim, uma só perspectiva de conceber a sociedade, o mundo e a

profissão.

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sociedade brasileira. É, aliás, no bojo desse quadro de mobilizações e transformações que, nessa

década, o Serviço Social adquire uma nova interlocução com a tradição marxista, que se caracterizou

pela superação daquela primeira e precária aproximação, apoiada num marxismo não consubstanciado

nas obras originais de Marx, mas em maus intérpretes, que vulgarizavam as idéias do pensador. A ida

a fontes fiéis a Marx, como Gramsci, Lukács e Lefèbvre, resgatou-lhe as idéias em termos de

totalidade e historicidade e aprofundaram o seu humanismo, o que contribui para um olhar dialético

sobre a realidade social, em suas múltiplas determinações e movimentos. Assinala Iamamoto (1998,

p.234-5) que essa nova interlocução, a partir dos meados da década de 1980, significou

um encontro com nova qualidade com a tradição marxista: mediado pela

produção de Marx e por pensadores que construíram suas elaborações fiéis ao espírito da análise marxiana, desenvolvendo criativamente suas

sugestões, preenchendo lacunas e enriquecendo aquela tradição com as

novas problemáticas emergentes com a maturação capitalista da época dos

monopólios.

Desse modo, o amadurecimento das discussões fomentadas pelo MRSS, nas décadas de

1960 e 1970, sem dúvida propiciou que a entrada do Serviço Social nos anos de 1980 se traduzisse em

expressivas conquistas, tanto para a categoria quanto para a sociedade. Sobre esse aspecto, diz Netto

(1996b, p.111) que

a década de oitenta consolidou, no plano ídeo-político, a ruptura com o

histórico conservadorismo do Serviço Social. Entendamos-nos: essa ruptura

não significa que o conservadorismo (e com ele, o reacionarismo) foi superado no interior da categoria profissional; significa, apenas, que – graças

a esforços que vinham, pelo menos, de finais dos anos setenta, e no

rebatimento do movimento da sociedade brasileira – posicionamentos ideológicos e políticos de natureza crítica e/ou contestadora em face da

ordem burguesa conquistaram legitimidade para se expressarem

abertamente. É correto afirmar-se que, ao final dos anos oitenta, a categoria

profissional refletia o largo espectro das tendências ídeo-políticas que tensionam e animam a vida social brasileira.

Agora mais que antes a profissão, sob essa nova tônica, compreende o homem como

ente histórico, portador de necessidades concretas e capaz de se expor e expressar-se, individual e

coletivamente, por meio da organização e participação político-social nos acontecimentos,

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transformações e fatos inerentes à sociedade, como sujeito ativo do seu processo de constituição e

desenvolvimento. Tal evolução, segundo Netto (1996b, p. 112), “assinalou a maioridade do Serviço

Social no Brasil no domínio da elaboração teórica [tanto que] nesse decênio desenvolveu-se, no interior

da categoria, uma „divisão de trabalho‟ (uma especialização) que é própria das profissões

amadurecidas”. Assim, o Serviço Social passa a vincular-se à pesquisa, à produção de conhecimentos

e a debates, no contexto interno e externo de efervescência intelectual e profissional da categoria, em

busca de superar o tradicionalismo que o marcava. É que neste momento histórico a sociedade exige

do Serviço Social uma postura mais comprometida no sentido da “criação de um projeto profissional

abrangente e atento às características latino-americanas, em contraposição ao tradicionalismo,

envolvendo critérios teórico-metodológicos e prático-interventivos” (IAMAMOTO, 1998, p.209)

Na verdade, a aproximação com o legado de Marx fomentou um processo de caráter

criativo e crítico do Serviço Social, que reorientou o exercício profissional numa ótica dialética capaz de

compreender a sociedade e suas relações em várias nuances e dimensões (econômica, política, social,

cultural, objetiva, subjetiva, material , espiritual, ideológica, etc). Nessa perspectiva, o assistente social

analisa o Serviço Social por novas mediações e formulações, entendendo a prática profissional como

exercida num campo semeado de forças contraditórias, no qual pode a ela imprimir um outro conteúdo

ídeopolítico, comprometido com os interesses da classe trabalhadora e dos grupos mais empobrecidos,

colocando-se a serviço dos processos de lutas em prol de uma nova sociedade. Nessa direção,

Iamamoto (1998, p.203-4) diz que

a ruptura com o profissionalismo estreito, a implosão do „estritamente

profissional‟, a abertura para mais longe – para o amplo horizonte do

movimento da sociedade – é que torna possível iluminar as próprias particularidades do Serviço Social, apreendendo-o na trama de relações

que explicam sua gênese, seu desenvolvimento, seus limites e possibilidades;

trama essa que condiciona o âmbito de alternativas que se apresentam aos sujeitos profissionais em cada momento conjuntural.

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À luz dessa compreensão, a profissão de Serviço Social, que já mudava desde antes,

fortalece esse processo, com competência para questionar e lutar para alterar as realidades onde se

insere, não se conformando com o estabelecido, mas acompanhando o movimento dinâmico,

contraditório e dialético da sociedade. Trata-se, então, de um Serviço Social que é sujeito constituinte e

constituído da sociedade e que postula a construção de um novo processo de reflexão, quer de sua

formação, quer de sua prática social, esta que “carregada de historicidade [...] sintetiza tanto a

superação do idealismo filosófico como dos determinismos naturais no trato com o social”

(IAMAMOTO, 1998, p.225).

Esse processo de amadurecimento da profissão de Serviço Social, ocorrido na década de

1980, desenvolveu-se numa conjuntura, já citada, de ampla efervescência política, em que se deu a

realização de eleições diretas para governadores, em 1982, a luta pelas eleições diretas para a

Presidência da República, em 1984, que desaguou na escolha, ainda que indireta, do primeiro

presidente civil após mais de vinte anos de repressão e a convocação da Assembléia Constituinte, em

1986, que culminou na promulgação da Carta Magna de1988. Esta resultou, assim, de uma

mobilização social sem paralelo na história do Brasil, tanto que, para Silva (1999, p.65), o Texto

Constitucional “consolidou conquistas, ampliou os direitos sociais, representando um avanço em

direção a uma ampla, moderna e democrática concepção de seguridade social [e] estabeleceu a

cobertura universal na saúde, direito de todos e dever do Estado”. Foi chamada, então, de Constituição

Cidadã, por alargar os direitos sociais dos trabalhadores brasileiros e caracterizar a Saúde, a

Previdência e a Assistência Social, partes integrantes da Seguridade Social, como direitos do cidadão e

dever do Estado. Aliás, ampliada foi a proteção à mulher, à criança, ao adolescente, ao índio, ao idoso,

ao portador de transtornos mentais, reconhecendo-os como sujeitos sociais detentores de direitos. A

Constituição Federal de 1988 reconhece, com efeito, a todos como cidadãos e, como tais, com direitos

aos serviços básicos para viver minimamente de modo decente, assegurado o princípio da eqüidade às

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condições de saúde, alimentação, moradia, educação e cultura, independentemente de cor, raça,

credo, classe ou condição social (FALEIROS, 2000).

Como sujeito ativo da sociedade, na efervescência do processo de transição democrática,

os assistentes sociais participaram das lutas e movimentos do período, tanto nos seus espaços de

ocupação profissional nas instituições públicas e privadas, quanto nas esferas do legislativo e do

judiciário. Nos anos de 1990, o Serviço Social procurará consolidar os novos rumos e direções

imprimidos profissão a partir da década anterior, pelo que passa a ser uma das profissões basilares na

defesa da cidadania e dos direitos sociais da população, particularmente dos pobres e dos destituídos

da riqueza produzida no país.

Evidencia-se, assim, que o Serviço Social tem, nas últimas duas décadas, apresentado

momentos de amadurecimento e de avanços no tocante ao processo de formação e intervenção dos

profissionais, que participam de debates, realizam seminários e congressos, e se envolvem em outros

movimentos que fomentam novas discussões e outras formas de pensar e agir, uma vez que, num

sentido amplo, o Serviço Social é constituinte e constituído pelo conjunto dos vínculos, nexos e

processos contraditórios que se estabelecem no interior da sociedade capitalista e das relações

humanas e sociais. Nessa década de 1990, (re) definem-se novas ocupações e funções ao assistente

social, dentre as quais as de pesquisa, assessoria, consultoria, planejamento e gestão das políticas e

programas sociais nas mais diversas áreas, governamentais e não governamentais, como, por

exemplo, educação e saúde, em especial na saúde mental, tendo esta se constituído num campo

quantitativamente expressivo para a sua atuação, nos últimos tempos.

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O Serviço Social é uma profissão reconhecida por toda a sociedade e seus

serviços são requeridos sempre que há necessidade de se mobilizar pessoas, grupos e segmentos sociais numa ação social, tanto para organização de

ações interativas, quanto para se procederem mudanças sociais e

comportamentais cotidianas [...]. O Serviço Social se estende às políticas

sociais nas áreas de saúde, assistência, previdência, educação, habitação em programas de atendimento a infância e adolescência, saúde mental,

atendimento hospitalar, reabilitação profissional, ações de saúde públicas,

relações de trabalho, etc (GENTILLI, 1998, p.43).

A Lei de Regulamentação da Profissão de Serviço Social (Lei nº 8.662, de 07 de junho de

1993) e o novo Código de Ética, de 1993, passam então a nortear e embasar as ações profissionais no

sentido de assegurar os direitos sociais e a cidadania dos trabalhadores, sobretudo os setores mais

pobres, público-alvo preferencial da atuação do assistente social. Segundo a Lei, compete também ao

assistente social prestar orientação social aos indivíduos, grupos e à população no atendimento e na

defesa de seus direitos; planejar e executar pesquisas visando contribuir para a análise da realidade

social; apoiar os movimentos sociais no exercício e na defesa de seus direitos civis, políticos e sociais,

etc. O Código de Ética, por sua vez, constitui democraticamente os princípios que guiam a profissão: o

reconhecimento da liberdade dos indivíduos como valor ético central; a defesa intransigente dos

direitos humanos e a recusa do autoritarismo e do arbítrio; a ampliação e a consolidação da cidadania,

como tarefa de toda a sociedade para garantir os direitos civis, políticos e sociais; a luta pela equidade

e a justiça social; a busca pela eliminação de todas as formas de preconceito e pelo asseguramento do

pluralismo na profissão e na sociedade.

É nessa perspectiva e sob esse arcabouço legal que os assistentes sociais protagonizam

suas ações nas duas últimas décadas, o que precisa ser fortalecido pela categoria dentro das

condições sóciohistóricas do cenário nacional e mundial. Sua construção e consolidação acontecem no

embate constate com outros projetos que expressam proposições e objetivos diferentes, tensionados

pelas reais condições sociais, marcadas por significativas transformações que impõem limites, desafios

e possibilidades à concretização do rumo abraçado pelos profissionais dessa área no Brasil. Atua,

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assim, o assistente social, em sintonia com o ideário defendido e construído pela categoria, que

reconhece como valor central, a liberdade, “concebida, historicamente, como possibilidade de escolher

entre alternativas concretas, daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena

expansão dos indivíduos sociais” (NETTO, 1999, p. 104). Por outro ângulo, as diretrizes dos

assistentes sociais se vêem perpassadas por uma dimensão teórica, técnica, política e ética que,

segundo Netto (1999, p.105),

vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. A

partir destas escolhas que o fundam, tal projeto afirma a defesa intransigente

dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo – tanto na sociedade como no

exercício profissional. A dimensão política do projeto é claramente

enunciada: ele se posiciona em favor da eqüidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso aos bens e serviços relativos aos

programas e políticas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são

postas explicitamente como condição para a garantia dos direitos civis,

políticos e sociais das classes trabalhadoras.

Nos marcos dessas lutas, no final da década de 1980 surgem e se fortalecem, no Brasil,

as políticas de ajuste neoliberal, fortemente descomprometidas com os direitos sociais e a situação de

pobreza da população e que influencia no redirecionamento do papel do Estado na sociedade. Essas

políticas neoliberais, assumidas por diversos governos, em diferentes países e continentes, como

respostas às crises econômico-financeiras do capital, vêm resultando no enfraquecimento e redução

das conquistas sociais historicamente adquiridas pela classe trabalhadora, instaurando, por meio de

processos de reestruturação produtiva22, profundas mudanças no mundo do trabalho, precarizando as

relações e flexibilizando os direitos sociais.

22 Os processos de reestruturação “determinam novas formas de domínios do capital sobre o trabalho, realizando

uma verdadeira reforma intelectual e moral, visando à construção de outra cultura do trabalho e de uma nova

racionalidade política e ética compatível com a sociabilidade requerida pelo atual projeto do capital” (MOTA,

1998, p.29).

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Por isso, os orçamentos públicos sofrem sucessivos cortes, diminuindo-se

expressivamente os investimentos estatais na área do social. Por essa lógica, o Estado deve ser

mínimo, devendo intervir somente nos setores não-lucrativos da sociedade, apenas regulando o capital,

de modo que se garanta a liberdade de mercado e se priorizem os que vivem da especulação, em

detrimento dos trabalhadores. Tudo isso, é claro, sob o monitoramento do Fundo Monetário

Internacional (FMI) e de outras organizações financeiras, que direcionam suas funções para a

segurança, a fiscalização e a arrecadação de tributos. Desse modo, a esfera social passa a ser

discutida sob a ótica da viabilidade financeira, subordinando-a aos objetivos macroeconômicos

traçados pelos mecanismos de estabilização, que pregam a integração de cada país à ordem

econômica mundial, “cujas prescrições são a redução do déficit público, via corte de gastos sociais, a

capitalização do setor privado prestador de serviços sociais rentáveis e a desregulamentação do

mercado de trabalho” (MOTA, 2000, p.177).

Assim, a receptividade do Estado ao projeto neoliberal contribuirá para o desmonte e o

enfraquecimento das garantias sociais consolidadas na Constituição de 1988, sendo uma das

principais conseqüências dessa proposta a privatização das políticas públicas, nas quais se incluem

saúde, educação, transporte, energia e previdência social, havendo com isso, ao longo dos anos, a

transferência das responsabilidades do Estado, em solucionar ou aliviar os problemas sociais, para a

sociedade civil, o mercado e as empresas. Ao Estado, quando muito, compete estimular medidas de

baixo impacto, ou seja, “ações pontuais e compensatórias daqueles efeitos mais perversos da crise”

(BEHRING, 2003, p.103). Tais ações só amenizam esses efeitos, sem imprimir alterações mais

profundas no sentido de sua problematização e enfretamento, na perspectiva da garantia e da

efetivação dos direitos sociais assegurados na Constituição, num deslocamento de responsabilidade

que acontece através de parceiras entre o Estado e a sociedade e as várias empresas governamentais

e não-governamentais, por meio de estímulos à isenção fiscal.

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Com o Estado brasileiro assumindo tais posturas, é preciso fortalecer a sociedade civil e

suas lutas, ampliando suas formas de participação e organização, na direção da consolidação da

democracia e da seguridade social do país, pautadas na Constituição Federal. Aliás, todo essas

problematizações, movimentos, dilemas, conflitos e novas exigências pelo qual passa as sociedades

brasileira e mundial nas últimas duas décadas ocorrem em sintonia e articulação com as lutas mais

amplas de várias categorias profissionais, dentre eles os assistentes sociais, esta uma das que

assimila compromissos no enfrentamento dessa complexa e contraditória arena de transformação

social, que permeia as nações, em particular as periféricas ao circuito capitalista mundial, como o

Brasil, submetido a uma severa flexibilização e vulnerabilização das relações de trabalho e

enxugamento dos postos de emprego, o que penaliza expressivas parcelas de trabalhadores.

Na verdade, tudo isso afeta o Serviço Social, que nesse contexto de múltiplas

transformações societárias no mundo do trabalho e de cruzada expansionista do grande capital, tem

que responder a um conjunto de demandas dos mais diversos segmentos sociais, sendo-lhe exigido

um posicionamento crítico e propositivo fundamentado numa ética que seja capaz de “socializar

informações na ótica dos direitos dos usuários, instrumentalizando-os a se apropriarem do saber

institucional” (IAMAMOTO, 1999, p.125), articulando-se com os movimentos mais gerais da sociedade

visando ao seu fortalecimento em face aos dilemas imprimidos pelas profundas mudanças em marcha

no país e no mundo.

Ainda que os ventos do neoliberalismo soprem contra é, pois, sob esses posicionamentos

e preocupações que o Serviço Social, como uma profissão complexa e contraditória, inscrita na divisão

sóciotécnica do trabalho e tendo a prática profissional como uma unidade dialética e histórica, adentra

no novo milênio, desafiada a vencer as inúmeras barreiras impostas pelos projetos neoliberais e de

reestruturação do trabalho. É que, apesar do expressivo avanço na conquista dos direitos e da

cidadania, configurados na Constituição, serão montadas, pelo bloco dominante, barreiras e limites,

legais ou não, para a sua não efetivação, tendo a sociedade, principalmente as classes mais

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empobrecidas, que experimentar, mais uma vez, a defasagem entre os direitos prescritos e os

efetivados, sem mencionar os efeitos perversos do privilegiamento do setor econômico, em detrimento

do social, que se traduz em pouco ou nenhuma inserção ou acesso aos benefícios como direito e

cidadania. Nesse embate, a profissão mobiliza-se para o fortalecimento do seu projeto ético-político,

reafirmando e assumindo novos compromissos, na direção de possibilitar o acesso aos direitos e a

cidadania daqueles sujeitos com quem estabelece vínculos ao longo dos anos. É para esse horizonte

que tem caminhado, nos novos tempos, significativa parcela dos profissionais de Serviço Social,

elegendo novos princípios, que ganham relevância no enfrentamento das seqüelas da questão social e

seus desdobramentos, no novo milênio.

3.2 O Serviço Social na Saúde Mental

Feitas as considerações acerca da contextualização (surgimento, constituição e

desdobramentos) do Serviço Social no Brasil, ressaltando seus principais dilemas e os rumos tomados

nas últimas décadas, como sujeito constituinte e constituído da sociedade brasileira, neste item se

analisará historicamente a prática do assistente social na área da saúde mental, apreendendo-a numa

perspectiva crítica e entendendo o Serviço Social como “uma profissão inserida na divisão sócio-

técnica do trabalho, cujo significado só se desvela numa análise que tenha por objeto a sociedade da

qual a profissão faz parte” (IAMAMOTO, 1992 apud RODRIGUES, 2002, p.100). Na verdade, o Serviço

Social, como prática social ativa na sociedade, não pode ser comparado ou nivelado a uma atividade

qualquer ou à caridade e à filantropia. É que o a profissão de Serviço Social, ela, em última instância,

só pode ser constituída historicamente em meio à sociedade, estabelecendo com esta múltiplas

relações, marcadas por movimentos de toda a ordem e adversidades. O assistente social, como

profissional responsável pelo enfrentamento da questão social e seus desdobramentos no cotidiano

dos mais diversos espaços ocupacionais, tem que encarar o constante desafio de atuar sobre as

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múltiplas realidades sociais, defrontando-se com vários e complexos problemas que lhe demandam a

intervenção. Nessa direção, um dos espaços ocupacionais do assistente social tem sido a área da

saúde mental23, a qual vem, através dos tempos, na sociedade brasileira, suscitando, cada vez mais,

sua intervenção.

No que concerne à saúde mental, a intervenção profissional do assistente social se deu,

primeiramente, nos Estados Unidos, no ano de 1905, porém somente se consolidou como

especialidade, em 1918. Os primeiros assistentes sociais da área tiveram como referência exponencial

o trabalho pioneiro de Mary Richmond, divulgado no livro Diagnóstico Social, publicado em 1917.

Entretanto, o surgimento do Serviço Social psiquiátrico na Europa e nos Estados Unidos teve forte

influência, também, do Movimento de Higiene Mental (MHM), que emergiu na França, entre 1910 a

1920.

As origens do MHM estão ligadas à defesa da melhoria das condições de funcionamento

dos hospitais psiquiátricos, ampliando seu enfoque para a prevenção e a higienização mental da

sociedade da época. O processo de formação e constituição desse Movimento teve, como obra

impulsionadora, a publicação, em 1908, em Nova York, do livro autobiográfico do vendedor de seguros

e ex-paciente Clifford Beer, Uma mente que encontra a si mesma. A edição da referida obra contou

com o apoio e colaboração de médicos psiquiatras renomados do Hospital de Nova York, com seu

conteúdo conclamando a nação para empreender uma luta contra a doença mental, para o que foi

criado o MHM, com a implantação de diversas ligas, que se espalhavam pelo país, sob a coordenação

de um Comitê Nacional, que estabelecia diretrizes centrais.

A partir desse momento, o Movimento expandiu-se pelos continentes europeu e

americano, tendo como objetivo principal mobilizar a população para o combate à doença mental. As

23 Nesta investigação, para traçar um panorama acerca da atuação e das manifestações de Serviço Social na área

da Saúde Mental no Brasil, utilizou-se, em particular, como fonte e referência principal de análise, os estudos de

Vasconcelos (2000), um dos autores que se dedicaram, nas últimas décadas, a resgatar os processos de inserção, interlocução e influência do profissional de Serviço Social na área da saúde mental no Brasil. A obra “Saúde

Mental e Serviço Social: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade” traz o resultado de várias

pesquisas realizadas pelo autor na década de 1990, na cidade do Rio de Janeiro, sendo até o presente momento,

um dos poucos que tematiza a atuação do assistente social nessa área no Brasil.

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suas principais bases teóricas se valem dos estudos de Benedict Morel, que focalizou os fatores

hereditários nas doenças mentais, que ele acreditava degenerativas, tanto que no Tratado das

degenerescências, publicado em 1857, era sua preocupação central descobrir as causas e as origens

(etiologia) das doenças, sobretudo as ocultas, de modo que as degenerescências por ele analisadas se

constituíam no que convencionou chamar de “desvios doentios”, em comparação com o

comportamento tido como normal, perpetuado pela transmissão hereditária (CASTEL, 1978 apud

VASCONCELOS, 2000, p.130).

Antes dos estudos de Morel, no final do século XIX, a psiquiatria tinha o foco na

semiologia das doenças. Dito de outra forma, a psiquiatria se voltava para analisar os sintomas e sinais

visíveis das doenças mentais, que eram tratadas nos asilos, como forma de proteção da sociedade,

promovendo, assim, uma “profilaxia defensiva”, ou seja, retirava do convívio social as pessoas tidas

como “desviantes”, tratando-as em locais de clausura, por serem perigosas e uma ameaça à ordem

estabelecida. Entretanto, Morel introduz um outro tipo de profilaxia, a “profilaxia preservadora”,

deslocando o raio de ação do tratamento moral psiquiátrico para fora da esfera do asilo, objetivando

alterar as condições físicas, intelectuais e morais dos doentes mentais da época, medida terapêutica e

higiênico-profilática essa que objetivava, em síntese, “„combater as causas das doenças e prevenir

seus efeitos‟” (VASCONCELOS, 2000, p.130), visando, com isso, estabelecer uma forte ligação da

medicina com a sociedade, sendo esta a vítima e aquela, a salvadora. Nesse sentido, Castel (1978,

p.264), referido por Vasconcelos (2000, p. 131), tomou como base os estudos de Morel para afirmar

que a medicina

pode tornar-se para a sociedade um precioso meio de salvação [uma vez que]

somente ela pode, efetivamente, avaliar a natureza das causas que produzem as degenerescências na espécie humana [e] somente ela pode dar a indicação

positiva dos remédios a serem empregados.

Destarte, a partir das idéias de Morel, a psiquiatria extrapola os espaços dos hospícios

para agir em todas as esferas do ser humano, ampliando a competência da medicina na sociedade, o

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que Cunha (1986, apud VASCONCELOS, 2000, p.133) chama de “„uma visão crescentemente

triunfante da competência médica [no sentido de que] se a loucura funciona como metáfora da

desordem social, a psiquiatria, seu oposto, é a possibilidade da ordem e da estabilidade‟”. Norteando-

se por essa concepção, o Movimento de Higiene Mental se expande e, embora surgido na França, é

nos Estados Unidos, no início do século XX, que se fortalece, sobretudo na década de 1920, vigendo,

entre os psiquiatras americanos, a idéia de que só a classificação das doenças não era suficiente para

tratá-las, levando isso à valorização das influências do meio-ambiente sobre o paciente e do conjunto

de sua personalidade, fundamentos da análise e compreensão da doença mental e bases do melhor

encaminhamento do processo de alta médica.

É no bojo do MHM que os assistentes sociais passam a ser requisitados para realizarem

estudos e coleta de dados econômicos, sociais, físicos, hereditários, mentais, familiares e emocionais,

visando compor a história dos pacientes, originado-se aí o Serviço Social psiquiátrico americano, por

volta de 1905. Na verdade, as discussões acerca do Movimento, amplamente difundido nos EUA e na

Europa, no início do século XX, influenciaram significativamente o processo de formação e inserção do

Serviço Social da época. As obras publicadas nesse período, como o Diagnóstico Social, de Mary

Richmond e, em especial, as posteriores, como Mental conflict and misconduct (1917) e What is social

casework (1922), receberam fortes aportes desse Movimento.

Tais influxos da psiquiatria no Serviço Social intensificaram-se, durante a Primeira Grande

Guerra, com a adesão dos Estados Unidos. É que, em decorrência do conflito, passou-se a valorizar o

tratamento das doenças mentais, como as neuroses, as psicoses e os traumas vividos pelos militares

nos campos de batalha, o que exigirá dos assistentes sociais o uso de uma abordagem psicologizante

no estudo e tratamento dos casos econômico-sociais que envolviam os soldados e suas famílias. Após

a Guerra, esses problemas, de ordem mais social e econômica, deixam de ser o foco da ação do

assistente social, que passa a ser a família e as crianças, utilizando-se então de uma abordagem de

“ajustamento”, já desenvolvida pelos Centros de Orientação Infantil (COI) e os Centros de Orientação

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Juvenil (COJ), nos Estados Unidos, fortalecendo o trabalho conjugado do Serviço Social com a

Psiquiatria, junto ao MHM. Para Vasconcelos (2000), existia na comunidade dos psiquiatras

americanos da época a idéia de que a psiquiatria, com seus princípios higienistas, ajudaria o Serviço

Social a compreender os processos mentais dos indivíduos e, assim, promover um melhor ajustamento

das pessoas alvo da ação desse profissional. Isso representou, segundo o autor, para o assistente

social, uma mudança do status, no sentido de, ao receber ou não as orientações propostas, poderia

deixar de ser visto como um profissional subordinado à figura do psiquiatra, havendo, assim, uma

chance para o crescimento da categoria e do seu prestigio. profissional. Nessa perspectiva, o

assistente social adquiriria maior autonomia, inclinando-se a superar a subalternidade ao psiquiatra,

passando a ter, como profissional, no mundo acadêmico, uma metodologia própria e mais rigorosa.

Em termos de Brasil, desde os anos de 1930 os assistentes sociais vêm, consoante

Vasconcelos (2000), atuando no campo psiquiátrico e psicossocial, mas a historiografia do Serviço

Social brasileiro não tem registrado, até o momento, pelos menos de forma ampla, a sua inserção no

campo da saúde mental24, bem como as várias abordagens psicossociais que lhe dão sustentação.

Conforme já mencionado, em pesquisa recente, que trata da inserção histórica e da interlocução do

assistente social na área da saúde mental, realizada na área metropolitana do Rio de Janeiro na

década de 1990, Vasconcelos defende que o Serviço Social brasileiro foi, nos primórdios da profissão,

fortemente influenciado pela Doutrina Social da Igreja e pelo Movimento Higienista, influxo este

constatado pelo mapeamento feito por esse estudioso e que identificou, no primeiro Curso de Serviço

Social, nos anos de 1930, um número expressivo de disciplinas com conteúdos a eles ligados. Como o

Movimento, na época, iniciava-se no Brasil, havia, entre ele e a Doutrina Católica da Igreja, momentos

de tensão e complementaridade, ganhando adesão e simpatia de diversos figuras políticas do país,

como o presidente Getúlio Vargas.

24 Vale lembrar que, no Brasil apesar de historicamente o assistente social ter sido demandado para intervir na

área da saúde mental, não é reconhecido com um profissional do campo do “Psi”, sendo esta área vista como

apenas dos psiquiatras, psicólogos e psicanalistas.

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Diferentemente do que aconteceu nos Estados Unidos, em que os profissionais eram

adeptos da prática do “casework” (Serviço Social de Caso) e do “aftercare” (cuidado pós-hospitalar) nas

instituições psiquiátricas, no Brasil o Serviço Social iniciou-se, na área da saúde mental, na cidade do

Rio de Janeiro, nos Centros de Orientação Juvenil (COJ) e Centros de Orientação Infantil (COI),

baseando-se nos modelos das “Child Guidance Clinics”25, idealizados pelos médicos higienistas norte-

americanos e brasileiros, estes influenciados por aqueles. Nessa época, as idéias higienistas já

estavam, no Brasil, amplamente divulgadas na comunidade médica, sendo criada, em 1923, a exemplo

do que ocorria na Europa e nos EUA, a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), pelo médico Gustavo

Riedel. Mas a primeira experiência brasileira, com base no modelo higienista, deu-se em 1932, na

cidade do Rio de Janeiro, chamava-se “Clínica de Eufrênia”, era ligada à LBHM e tinha o objetivo de

trabalhar em conjunto com os serviços de psiquiatria, do Hospital do Engenho de Dentro, a fim de

divulgar, entre os professores das escolas municipais, as técnicas de higiene mental, através de uma

“clínica de hábitos”, que garantisse a boa formação do psiquismo das pessoas na sociedade, sem

mencionar que, em termos de coletividade, realizavam-se propagandas dos princípios da higiene

mental por meios de conferências e publicações avulsas ou periódicas (VASCONCELOS, 2000, p.

163).

Na década de 1940, o modelo das “Child Guidance Clinics” esteve ligado aos projetos da

prefeitura do Rio Janeiro, que tinham como principal objetivo diagnosticar e tratar de “crianças-

problema” pela implantação, na família e nas escolas, da educação higiênica. Esses projetos foram

desenvolvidos, principalmente, pelos COI e os COJ, responsáveis diretos pela organização e difusão

do Serviço Social Clínico, cujas primeiras experiências se ancoram no Serviço Social de Caso. Nessa

perspectiva, a preocupação primordial da visão higienista era com o processo de adaptação e

normatização das pessoas, visando, com isso, prevenir possíveis patologias, devendo estas, quando

25 As “Child Guidance Clinics” são clínicas norte-americanas que tratavam de “crianças-problema” e da

implementação da educação higiênica nas escolas e na família, baseando-se nas idéias do MHM, num

modelo, que influenciou a atuação do Serviço Social brasileiro na saúde mental, servindo, inclusive, de

exemplo para a intervenção profissional do assistente social nessa área (VASCONCELOS, 2000, p.185).

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manifestadas, serem logo diagnosticadas e tratadas. Os princípios da higiene mental, defendidos pelo

Movimento, relacionavam-se à promoção do desenvolvimento normal e saudável dos indivíduos, com o

fim de combater as causas das doenças, prevenindo-as tanto na infância quanto na vida adulta, para o

que se amparava no paradigma médico baseado no diagnóstico-tratamento-cura, cuja fundamentação

teórica provinha da psicologia do ego e das doutrinas funcionalistas. É nesse contexto que o Serviço

Social recebe influência do Movimento Higienista, tendo, inclusive, no quadro curricular das primeiras

Escolas de Serviço Social do país várias disciplinas voltadas para a compreensão dos processos

adaptativos e de ajustamento social dos indivíduos, além de noções de higiene e de psiquiatria. Dessa

forma, enfatiza Vasconcelos (2000, p.185) que

a constituição do Serviço Social no Brasil é marcada, tanto pela vertente doutrinaria católica, quanto pela influência do movimento de higiene

mental, por abordagens com forte ênfase nos aspectos individuais e

psicológicos de problemas com dimensões políticas, sociais e econômicas

mais amplas, constituindo uma clara estratégia de hiperpsicologização e individualização normatizadora e moralizadora da força de trabalho e da

população em geral, como estratégia de Estado, das elites empresariais, da

Igreja Católica e da corporação médica.

Segundo o autor, o Serviço Social, além da influência do MHM, recebeu outros aportes da

abordagem psiquiátrica, embora em menor ênfase e sem grande repercussão na cultura e formação

profissional dos assistentes sociais. Entretanto, estes influxos, das abordagens psiquiátrica se

constituíram em “modelos” de orientação da prática profissional do assistente social na área da saúde

mental, a partir dos anos de 1940, na cidade do Rio de Janeiro, não podendo, dessa forma, serem

olvidados no processo de compreensão da interlocução e inserção do Serviço Social nessa área, em

particular no Brasil.

O primeiro modelo de abordagem psiquiátrica que reverberou na prática profissional do

assistente social na área da saúde mental diz respeito às oficinas terapêutico-expressivas de Nise da

Silveira, baseadas no pensamento junguiano, iniciadas na década de 1940, na cidade do Rio de

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Janeiro, onde a assistência psiquiátrica era fortemente caracterizada pelo tratamento fechado em

asilos. Este enfoque apoiava-se na realização de trabalhos terapêuticos, ocupacionais e

profissionalizantes, mas, sobretudo, em atividades artístico-expressivas, em locais abertos, que

objetivavam proporcionar aos pacientes o desenvolvimento pessoal, estimulando a projeção de suas

imagens interiores, numa estratégia de humanização. Na época, a técnica desenvolvida pela equipe de

Nise da Silveira, no Centro Psiquiátrico Nacional (atual Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de

Dentro), obteve reconhecimento e aceitação, no Brasil e no exterior, servindo de campo de estágio,

durante muitos anos, para os assistentes sociais, o que influenciou os profissionais que atuavam na

área da saúde mental.

O segundo modelo é resultante da “influência da prática de mediação, na „porta de

entrada e saída‟ das enfermarias dos asilos psiquiátricos” (VASCONCESLOS, 2000, p.186), que

marcaram as décadas de 40 e, principalmente, nos 50. Nessa época, os assistentes sociais, graduados

das primeiras turmas, eram convocados para os setores respectivos das instituições psiquiátricas

asilares e segregadoras, nas quais a direção e o funcionamento ficavam a cargo do médico e de outras

pessoas, estas sem qualificação técnica. Ademais, as equipes eram uniprofissionais26 e também

subordinas ao médico e diretores dos hospitais, de modo que o assistente social, não tinha notoriedade

e sua ação era, além de subalternizada à do médico, conduzida de modo burocratizado e superficial,

sem nenhuma reflexão sobre a prática profissional, eminentemente assistencialista. Esse modelo, na

verdade, consistia no seguinte: os assistentes sociais, em pequenas equipes, situavam-se

estrategicamente na “porta de entrada e saída” dos hospitais e asilos, atendendo, principalmente, as

demandas relacionadas aos dados sociais, como a identificação, endereço, situação econômica de

pacientes e familiares, contatos com as famílias nos encaminhamento e resoluções das altas,

aquisições de atestados sociais, sem mencionar o que Vasconcelos chama de demandas no “varejo”

26

Nesse sentido, as equipes eram compostas por um só tipo de profissional, no caso especifico, somente por

assistentes sociais.

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dos próprios usuários no tocante à necessidades mais imediatas, como roupas, objetos de uso pessoal,

contato com familiares, etc.

Nessa fase, o número de profissionais de Serviço Social era reduzido, ficando, pois,

sobrecarregados de atividades, sem tempo para planejar e refletir sobre a melhoria da qualidade dos

serviços oferecidos em prol dos interesses e demandas dos usuários. Para Vasconcelos, esse modelo

manteve basicamente os mesmos aspectos do anterior, que já era criticado, não sendo, ainda hoje,

superado nem no Rio de Janeiro nem no Brasil, sobretudo nos hospitais de rede privada que mantêm

convênio com o SUS, embora se tenha modernizado para responder a novas demandas, postas para o

Serviço Social, nessa área.

Nos anos de 1960 e início da década de 1970, em pleno governo militar, o Serviço Social

com atuação na área da saúde mental toma como por parâmetros um novo modelo, marcado pelas

experiências das comunidades terapêuticas, constituídas na cidade de Porto Alegre e, posteriormente,

de forma gradual, no Rio de Janeiro. Nessa fase, “o projeto político do governo militar, instaurado com

o golpe de 1964, buscava a modernização, com vistas ao crescimento capitalista industrial e à

reorganização dos serviços de saúde mental em bases capitalistas” (VASCONCELOS, 2000, p.233).

Sob essa linha, o governo organizava serviços de assistência médica, inclusive psiquiátrica, para os

trabalhadores, visando recuperar a força de trabalho que se encontrava fora do processo produtivo ou

inativa, de sorte que, mesmo num clima de forte repressão e intensa hostilidade à participação política

e social, mas sob influência dos trabalhos realizados fora do Brasil, foi possível a criação das

comunidades terapêuticas no âmbito dos hospitais psiquiátricos, gerando isso expectativas otimistas, já

que tidas, para a psiquiatria brasileira, como bastante avançadas. As primeiras experiências de

comunidades terapêuticas aconteceram na Inglaterra e nos Estados Unidos, durante a Segunda

Guerra, e visavam assistir os soldados com traumas bélicos, iniciando-se no Brasil, em Porto Alegre,

nos anos de 1960, na Clínica Pinel, sendo depois implementada gradativamente em outros estados.

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No Rio de Janeiro, para que o modelo se constituísse, foram realizadas várias

experiências, iniciando-se com os trabalhos de praxiterapia, coordenados por Luis Cerqueira, no

Instituto de Psiquiatria (IPUB). Depois, houve os experimentos de Osvaldo Santos e sua equipe, numa

clínica privada, nominada Bela Vista, consolidando-se como modelo, no período de 1967 a 1974, na

Unidade de Saúde Odilon Gallotti, pertencente ao Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro.

Por último, ocorreram as das enfermarias do Hospital Pinel, nos anos de 1969, realizadas pelos

psiquiatras Eustáchio Portela e Roberto Quilelli, com apoio do IPUB. Esse conjunto de experiências

favoreceu o processo de constituição e efetivação do modelo das comunidades terapêuticas na cidade

do Rio de Janeiro (TEIXEIRA, 1993 apud VASCONCELOS, 2000).

Nacionalmente, as comunidades terapêuticas vigoraram no Brasil da década de 1960 ao

início da década de 1970. Tidas como um avanço, serviram como suporte e referência para os

profissionais do setor da saúde mental comprometidos em democratizar e humanizar o relacionamento

entre eles e os usuários. Dentre esses profissionais estavam alguns assistentes sociais, que se

destacaram nesse processo, como Lêda de Oliveira, integrante da equipe de Osvaldo Santos, ela que

ocupou, em 1970, o cargo de coordenadora do Serviço Social da Divisão Nacional de Saúde Mental

(DINSAM), do Ministério da Saúde, contribuindo para a divulgação do modelo entre assistentes sociais

e estagiários, por meio de treinamentos. Nas comunidades, os assistentes sociais utilizavam-se, em

geral, de técnicas coletivas (grupos terapêuticos, grupos operativos, assembléias, etc), com a

participação dos familiares, visando estabelecer um processo de democratização e humanização das

relações entre os profissionais e os usuários dos serviços de saúde mental.

Em relação ao modelo anterior, as experiências das comunidades terapêuticas trouxeram

algumas inovações, sobretudo no que concerne a um maior fortalecimento do compromisso político

com os trabalhadores da saúde mental, visando mudanças nas instituições e nas práticas profissionais.

Ademais, promoveram o questionamento da divisão de trabalho, com alteração das relações de poder

entre os profissionais pela “eliminação”, por exemplo, da superioridade do médico, dando às práticas

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na área da saúde mental um caráter de interdisciplinaridade, numa ação interventiva mais complexa

junto à família, indo além da preparação da alta para atuar, por mais tempo, no processo de reinserção

do usuário no grupo familiar e na comunidade, atendendo-lhe, ainda, em outras demandas, por meio de

atividades grupais regulares, que acolhiam a problemática dos participantes. Vale lembrar que essas

inovações aconteceram sob a influência da assistente social Lêda de Oliveira que, nessa época,

ocupava um cargo na coordenação da DINSAM, acirrando o debate entre os profissionais de Serviço

Social sobre o modelo anterior de intervenção.

O quarto modelo, que influenciou a ação profissional dos assistentes sociais na área da

saúde mental no Brasil, foi, segundo Vasconcelos (2000), o proveniente das idéias sanitaristas e da

psiquiatria social, produzidas nas décadas de 1970 e 1980. O início da constituição desse modelo se

deu na década de 1970, sob influência da psiquiatria preventiva norte-americana e da intensificação da

interferência de órgãos internacionais, como Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização

Pan-Americana de Saúde (OPAS), nas questões relativas a este setor, que repercutiram fortemente no

campo da saúde pública do país. Naquele momento, o clima político no Brasil era de forte repressão

aos movimentos e organizações da sociedade civil, mas mesmo assim foram possíveis algumas

tentativas dos trabalhadores da área da saúde mental de reorganização do setor psiquiátrico no país,

através da aprovação da portaria do Instituto Nacional de Assistência Médica de Previdência Social

(INAMPS), em 1973, que fazia várias exigências, dentre elas a ampliação do número de profissionais

nos hospitais psiquiátricos, inclusive assistentes sociais. Outro ponto a destacar diz respeito ao

ressurgimento dos movimentos sociais no Brasil, a partir do final da década de 1970, que lutam e se

mobilizam pelo restabelecimento das relações democráticas na sociedade brasileira, contribuindo para

aguçar e fomentar os questionamentos acerca da organização dos serviços públicos de saúde, o que

culminou no MRS, o qual, no quadro nacional de saúde mental, teve um tal desdobramento que ficou

conhecido como Movimento da Reforma Psiquiátrica (MRP) brasileira27.

27

Para mais detalhes sobre a temática da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica, além do que já foi

expresso nos capítulos anteriores, consultar Teixeira (1989) e Amarante (1995), respectivamente.

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A década de 1980, como já visto em capítulo precedente, propiciou debates e lutas em

torno dos problemas da saúde em geral e da saúde mental em particular, nos quais se situam o MRP.

Este, numa fase inicial, assume a publicização, na mídia nacional, de denúncias das precárias

condições de tratamento, nos hospitais psiquiátricos, dos usuários do serviço de saúde conveniado

com o INAMPS. Nessa época, discutiam-se, também, outras correntes teóricas internacionais que

criticavam a psiquiatria, como a antipsiquiatria, o movimento institucionalista, a teoria de Foucault, o

preventismo norte-americano, etc. Num segundo momento, em meados de 1982, a conjuntura política

e social de intensa mobilização das forças populares, que exigiam posturas mais comprometidas e

éticas dos governantes, favoreceu que lideranças do MRP, em particular no Sudeste do país,

assumissem a gestão das instituições e órgãos do governo, responsável pela assistência psiquiátrica.

Simultaneamente, por conta dessa nova realidade, os trabalhadores da saúde mental requeriam

mudanças na área, sobretudo no que respeita à assistência psiquiátrica levada a cabo pelo governo

federal, almejando a adoção de três diretrizes principais: a) controle mais intenso do sistema de saúde,

focalizando a forma como se efetuam os processos de internamentos psiquiátricos, vistos como fonte

fácil de lucros para os hospitais credenciados; b) críticas às internações e defesa da eliminação das

formas precárias de tratamento psiquiátrico; c) criação das equipes multiprofissionais de saúde mental,

composta por psiquiatra, psicólogo e assistente social, a chamada equipe mínima, com atuação nos

ambulatórios e postos de saúde e junto ao processo de regionalização das ações de atenção básicas e

preventivas em saúde mental. Ou seja, a saúde mental devia incluir-se nas Ações Integrais de Saúde

(AIS) que, tempos depois, constituiriam o Sistema Único de Saúde (SUS), com vistas a operar

mudanças na forma do tratamento asilar.

O modelo proveniente das propostas sanitaristas foi fundamentalmente importante para o

Serviço Social, em especial em dois pontos. De um lado, ocorreu o desenvolvimento das práticas

ambulatoriais, que tinham como tônica principal o atendimento grupal dos usuários e suas famílias,

numa perspectiva de reabilitação social, através de oficinas expressivas e atividades laborativas. Por

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outro, houve a consolidação, no país, do Serviço Social Psiquiátrico, combinando a tradição do Serviço

Social Clínico, ou seja, do modelo “porta de entrada e saída” (VASCONCELOS, 2000) com a psiquiatria

social do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, somadas, ainda, às

experiências das comunidades terapêuticas. Tal modelo, na década seguinte, agregou outras

influências, trazidas da antipsiquiatria e das terapias de família, inspiradas na teoria sistêmica, aquelas

criticando severamente o saber da psiquiatria tradicional pela admissão da cura dos transtornos

mentais e a negação do hospital psiquiátrico como espaço terapêutico. Para a antipsiquiatria, a

explicação para os transtornos mentais se encontrava na própria família, deles a causadora e por isso

culpada, por refletir as características de uma sociedade autoritária, que priva a liberdade de expressão

das pessoas.

Já as terapias de famílias, baseadas na teoria sistêmica, surgiram nos EUA, nos anos de

1950, com a intenção de conhecer a fundo as comunicações entre pacientes e seus familiares,

trabalhando-as numa perspectiva investigativa desse grau de comunicação. Essa era uma atividade

voltada em especial para famílias de esquizofrênicos e influenciaram vários profissionais da área,

inclusive os assistentes sociais, no Brasil.

Outro ponto ressaltado e discutido por Vasconcelos (2000) vincula-se às influências do

MRSS, na área da saúde mental, porquanto esse Movimento ocasionou, no seio da categoria, um

recalcamento das temáticas relacionadas, por exemplo, às questões da subjetividade, do indivíduo, do

inconsciente do cotidiano, da afetividade, etc.

As primeiras aproximações do Serviço Social com o marxismo se basearam em manuais

de intérpretes do pensamento de Marx, evidenciando uma leitura economicista e cientificista das obras

do autor, canalizado por uma estreita análise humanista sobre o indivíduo. Com essas influências, a

atuação profissional transforma-se num mero procedimento de intervenção política, muitas das vezes

pelo viés do militantismo partidário, sem conexão mais profunda e ampla com o movimento histórico da

sociedade brasileira. Como diz Vasconcelos (2000, p.199), “o Movimento de Reconceituação adotou

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várias versões do marxismo como matriz teórica, incluindo, inicialmente, a influência de fontes

marxistas simplificadoras”, apesar do inegável aporte de outras. Afirma que MRSS, ao contatar

enviesadamente o pensamento marxista, trouxe vários equívocos e gerou na profissão um

empobrecimento ou, nas palavras do próprio autor, um “recalcamento da subjetividade”.

Apesar de constituir um debate muito complexo e que exige necessariamente

um aprofundamento [...], é possível afirmar de modo provisório que o processo de reconceituação reproduziu dentro da profissão um

recalcamento da temática da subjetividade, sobretudo de seus aspectos

relacionados ao inconsciente, à personalidade e ao campo das emoções

(VASCONCELOS, 2000, p.198).

Para explicar o processo de recalcamento da subjetividade, o autor demonstra que o

mesmo se deu com o marxismo soviético e pós-revolucionário, mais precisamente no período marcado

pela ditadura stalinista, que reprimiu os temas ligados ao inconsciente, à sexualidade e à emoção. É

que o marxismo soviético, na pós-revolução russa, antes de Stalin, ampliou as discussões em torno

das “teorias do inconsciente e de suas implicações no processo de crítica e mudança da cultura”

(VASCONCELOS, 2000, p.200), mas, com o stalinismo, a abordagem de dimensão essencialmente

ligada ao campo psíquico e do inconsciente foram reprimidas, de modo que essas abordagens foram

vistas como burguesas e individualistas, sendo banidas do país, pelo que, a partir de então, houve “um

processo de repressão (recalcamento) dos termos do inconsciente, da sexualidade, da emoção e dos

processos de subjetivação”. Ressalta ainda Vasconcelos (2000, p.200) que “esse recalcamento da

subjetividade não ficou restrito apenas ao marxismo soviético, mas estendeu-se também ao marxismo

ocidental”. No que diz respeito ao Brasil, em termos gerais, houve uma penetração heterogênea desse

debate em áreas como a Psicologia, a Psiquiatria. No Serviço Social,

o movimento de reconceituação, ao criticar com razão a abordagem da

subjetividade temática hegemônica no Serviço Social pré-reconceituado, praticamente a identificou com única opção disponível de abordagem da

temática, acabando por reproduzir um processo de recalcamento dos temas

da subjetividade, do inconsciente, da emoção e dos processos de subjetivação em geral muito semelhante àquele realizado pelo marxismo

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280

soviético, praticamente desconhecendo ou secundarizando todo o debate e a

produção teórica feita por esses movimentos históricos de aproximação da

esquerda com o tema da subjetividade desde a década de 20, produzindo um enorme empobrecimento teórico para a profissão (VASCONCELOS, 2000,

p.201).

Isso levou a um empobrecimento teórico da profissão, no que respeita não só à ausência

de aprofundamento da temática da subjetividade, mas também no sentido dos processos de

intervenção do assistente social na área da saúde mental. Uma dessas conseqüências, ressalta

Vasconcelos (2000, p.208), é a notória ausência de mediações teóricas e de instrumental metodológico

adequado para o desenvolvimento da prática profissional na área da saúde mental, criando-se “um

fosso que impede a interação com a cultura profissional mais contemporânea, incentivando uma

autonomização da formação, no campo da saúde mental, que tende então a ser polarizado apenas

pelo instrumental teórico e metodológico do próprio campo psi”. Neste aspecto há o risco de os

profissionais incorporarem, de forma acrítica, “a cultura profissional dessas áreas, tanto do ponto de

vista teórico, quanto do tipo de prática, reduzindo sobremaneira as formas e o campo de sua atuação

profissional e o contato com os compromissos ético-politicos conquistados pela profissão no processo

de reconceituação” (VASCONCELOS, 2000, p.210).

Somente a partir dos meados da década de 1980 ocorre, no âmbito do Serviço Social

brasileiro, um segundo momento de interlocução com o pensamento marxista, agora por meios de

fontes que promovem uma “reflexão crítica sobre a história da profissão no país” (VASCONCELOS,

2000, p.198). Vigem, então, novas reflexões e análises acerca da profissão no Brasil e na América

Latina, entendendo-se-a agora como sujeito ativo, constituída e constituinte do processo histórico de

construção, acomodação e transformação social, pelo que os assistentes sociais firmam compromisso

com uma postura ético-política voltada para os direitos sociais e a cidadania dos atores com os quais

mantém, historicamente, vínculos profissionais, a qual desaguará no Código de Ética de 1993, cujas

preocupações centrais referem-se à defesa dos princípios da cidadania e da democracia para todos,

em especial para os trabalhadores e os pobres do país. Como ressaltado antes, o Serviço Social

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buscará os fundamentos da dialética crítica, que vê a realidade como uma totalidade histórica e social,

constituída e instituída de movimentos, processos e relações de natureza de múltiplas dimensões

(objetiva, subjetiva, material, espiritual, econômica, política, cultural e social), que se cruzam, se

interpenetram, se conflituam e se opõem, numa incessante transformação e acomodação.

Nesse sentido, os equívocos da Reconceituação têm sido superados, ao longo dos

últimos anos, com o amadurecimento da interlocução do marxismo com o Serviço Social contribuindo

para isso na busca não só de uma compreensão mais ampla do conjunto das obras de Marx, mas em

especial no que diz respeito ao aspecto humanista e de atualização marxista aos novos tempos. Dessa

forma, a partir do final da década de 1980, a par da interlocução com o marxismo, outras influências

teóricas começam a emergir com mais evidência no debate interno e externo à profissão, avultando

temáticas relacionada a gênero, cotidiano, subjetividade, simbólico, indivíduo, representação,

sexualidade, afetividade, etc. É então que a subjetividade ganha destaque nas discussões no meio

acadêmico.

Cabe ainda ressaltar que, desde os anos de 1980, em particular na década de 1990, o

Serviço Social voltado para a saúde mental adotou uma postura mais comprometida, teórica e

politicamente, com o processo de desinstitucionalização, consolidando, a partir de então, os

compromisso em direção aos ideais da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica, reforçando as

idéias ligadas à cidadania dos grupos e segmentos sociais mais empobrecidos e dos trabalhadores, do

PTM em especial e da realidade em seus múltiplos significados, movimentos, tensões e constituições.

Isso levou os profissionais de Serviço Social a buscar outros referenciais, apoiados numa perspectiva

interdisciplinar, que imprimiram à prática cotidiana elementos que valorizam esses aspectos das

relações sociais, num prisma de abrangência do homem como ser social e histórico.

Ademais, a interlocução do Serviço Social com a saúde mental não vem sendo

pesquisada há muito tempo, sendo ainda uma abordagem pouco conhecida e raramente explorada,

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282

pelo que demanda outros estudos e debates para sua maior socialização no seio da categoria dos

assistentes sociais, tanto no Piauí como no Brasil28.

3.3 A prática do assistente social no Sanatório Meduna

Não é por acaso que se faz a escolha por esta profissão:

ninguém a procura para ter mais dinheiro, para ter mais

status, para ter mais prestígio (IAMAMOTO,1998, p.65,

grifo nosso).

Tendo em vista essa assertiva de Iamamoto, que enfatiza o desafio de ser assistente

social, tratar-se-á neste item, dos processos de inserção desse profissional na área da saúde mental no

Piauí, mais especificamente na realidade social da instituição psiquiátrica denominada Sanatório

Meduna, na cidade de Teresina. Tal objetivo é, de fato, uma grande empreitada, que instiga e

impulsiona esta pesquisadora, até porque, no momento não existem dados sistematizados acerca da

estruturação do Serviço Social no referido hospital. Dessa forma, é desafiador tentar construir e

reconstruir, ao longo dos últimos vinte anos, a história da inserção da profissão no Sanatório Meduna,

tendo como fonte principal, na falta de documentos mais profundos e sistematizados, as falas, os

discursos, as ações e os livros de relatórios diários dos profissionais de Serviço Social, além das

observações de campo vivenciadas, experimentadas e percebidas cotidianamente pela pesquisadora e

assistente social, constituinte desse processo de intervenção social junto aos PTM, seus familiares e

demais profissionais inseridos no contexto dessa específica realidade institucional.

Em primeiro lugar, é necessário relembrar que o Serviço Social só se constitui como

profissão, histórica e socialmente determinada, ao inserir-se numa dada realidade, numa conjuntura

mais ampla e em situações variadas, num intenso e contínuo processo de interlocução com os sujeitos

sociais e políticos com e contra os quais enfrenta a questão social e os problemas e demandas da

28

Para um maior aprofundamento do debate acerca do recalcamento da subjetividade, consultar Vasconcelos

(2000).

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prática profissional. Assim, a profissão, como uma das especializações da divisão sóciotécnica do

trabalho, se concretiza no âmago do processo histórico das relações sociais vigentes na sociedade,

marcadas no seu cotidiano e na sua dinamicidade por embates e contradições, mediadas e articuladas

por diversos vínculos, interesses e necessidades sociais dos indivíduos e dos segmentos sociais, que

se expressam e se manifestam das mais variadas maneiras. Nesses termos, a profissão de Serviço

Social é concebida como uma das formas institucionalizadas de agir no cotidiano da vida social,

engendrando a sua prática, no âmbito de instituições públicas ou privadas, uma dimensão interventiva.

Daí que, para atender às exigências da profissão no cotidiano da sociedade brasileira, o

Serviço Social não atua a partir de uma única perspectiva ou um único modo de investigar e refletir o

contexto social, nem sua prática profissional pode ser vista como mero reflexo das relações sociais

capitalistas. Seu sentido, como profissão, é mais amplo e profundo, porquanto não se constitui

isoladamente, mas se concretiza no cerne mesmo da complexidade das forças e relações sociais, nas

suas nuances e processos em permanente contradição e movimento. Destarte, a prática do assistente

social, como ação humana, efetiva e global, deve ser compreendida como determinada pelas

condições históricas e conjunturais da sociedade, ou seja, pela realidade objetiva do espaço sócio-

ocupacional onde se encontra inserido, pelas demandas que chegam e pela forma com que são

respondidas, sem mencionar os modos como o Estado e a sociedade se portam diante dos problemas

e da questão social.

A prática profissional é, assim, resultante da ação de seus agentes sociais e não está

determinada, aprioristicamente, na sociedade. Na verdade, os rumos que o profissional imprimirá à sua

ação e à sua postura serão determinados, em última instância, por um conjunto de fatores objetivos e

subjetivos presentes no cotidiano da realidade social, de modo que, por não ser um modelo, influencia

e é influenciada, sofrendo os múltiplos reflexos das dificuldades, entraves, lutas, recuos, dilemas,

vínculos, limites, possibilidades e contradições das relações estabelecidas com os indivíduos, os

grupos, as classes, a sociedade. E como todas essas relações são sociais, não são estáticas nem

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homogêneas, caracterizando-se pela dinamicidade, contraditoriedade e movimento que as fazem

caminhar em várias direções e sentidos, manifestando-se e articulando-se, no cotidiano, de variadas

formas.

A prática profissional insere-se, enfim, na contraditória sociedade brasileira, reproduzindo-

a ou lutando por sua modificação, atendendo simultaneamente aos interesses dos setores dominantes

e dos populares. Isso exige que a profissão se ampare em fundamentos teóricos, práticos e políticos

capazes de potencializar respostas concretas às exigências postas pela realidade social e que se

renovam e se diversificam num processo permanente de movimento e dinamicidade. Nessa lógica, o

assistente social é, por excelência, um profissional que atua através de uma rede de mediações que

estruturam o tecido social, as quais, segundo Pontes (1997, p.175), “permitem passagens entre as

instâncias constituintes da totalidade e que, portanto, devem ser reconstruídas pela razão”. Desse

modo, não se pode afirmar que o Serviço Social assume uma postura defensiva somente dos

interesses dos setores dominantes da sociedade ou apenas dos mais empobrecidos, uma vez que a

prática profissional não se exaure na imediaticidade social, porquanto é uma unidade complexa e

dialética, permeada por múltiplos processos e forças que, na singularidade histórica da sociedade

brasileira, se posicionam em diversas direções.

Assim, nos processos de inserção profissional do assistente social e no conjunto das

elaborações de respostas às exigências e necessidades da sociedade e dos grupos sociais, é possível

acontecer a reprodução e até o fortalecimento das condições dadas, em favor da ampliação das forças

dominantes do país, mas o profissional pode também intervir na direção das lutas e dos movimentos

sociais que se canalizam para o vigor e o amadurecimento dos interesses e dos direitos dos segmentos

mais empobrecidos, numa perspectiva de modificação das relações sociais estabelecidas,

vislumbrando e almejando uma sociedade mais justa. Aliás, é fato que, ao longo da história brasileira, a

prática do assistente social tem em geral assumido, consciente ou inconscientemente, o sentido da

garantia, direta ou indireta, dos anseios, exigências e necessidades dos grupos dominantes na

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sociedade, embora no Brasil e no continente latino-americano, dentro da categoria, essa seja uma

realidade sem homogeneidade e unanimidade, considerando que dos anos de 1970 para cá a profissão

tem defendido e encampado movimentos e lutas voltados para a promoção de mudanças nos rumos

dos interesses, direitos e cidadania dos segmentos e grupos sociais mais vulnerabilizados, conquanto

sujeitos ativos e protagonistas da história. Essa posição, ao longo dessas décadas e no novo milênio,

ganha corpo, fortalecida e amadurecida no país como uma postura intransigente da categoria dos

assistentes sociais na defesa dos direitos humanos e do cidadão e não só como fundamento da

profissão e de sua prática, nos diversos espaços onde atua, o que está, inclusive, expressa no Código

de Ética Profissional e na Lei 8662/1993, que regulamenta a profissão no Brasil, fomentando um

debate teórico e crítico acerca de si e de seus rumos num contexto social mais amplo, tendo como

respaldo maior a Constituição Federal de 1988.

Assim, a ação do Serviço Social, se considerada, como deve ser, numa perspectiva

dinâmica e histórica, se altera conforme as modificações ocorridas nos movimentos e forças sociais e

nas múltiplas situações, como nos locais de trabalho, no próprio Serviço Social e nas estruturas e

conjunturas políticas, econômicas e sociais do país, já que estas, em última instância, determinam o

modo de inserção profissional nos diversos espaços ocupacionais. Por isso que o assistente social, ao

atender às necessidades concretas da classe trabalhadora e dos segmentos mais empobrecidos da

sociedade,

pode contribuir para o aprimoramento, o aprofundamento e a ampliação das novas práticas sociais que levem as mudanças de rumos e de significados

para a sociedade brasileira. Nesse mesmo sentido, pode contribuir para o

desenvolvimento das potencialidades e capacidades organizativas e políticas dos novos sujeitos sociais. Com isso, muitas possibilidades concretas de

atuação profissional em novos horizontes de prática sociais abrem-se para o

profissional hoje e no amanhã (GUIMARÃES, 1998, p.74).

É que, conforme Pontes (1997, p.155), “historicamente, o Serviço Social constituiu-se

numa profissão de natureza interventiva, cuja ação se coloca em face das demandas sociais que

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substanciam a sua intervenção sócio-histórica na sociedade”, atendendo ainda as demandas internas e

externas às instituições nas quais atua. Dessa forma, o assistente social é considerado, através dos

tempos, como o técnico habilitado, capacitado e responsável pelo enfrentamento das mazelas sociais

advindas do processo de produção capitalista que, nas últimas décadas, assume um caráter cada vez

mais excludente, segregador e perverso em todas as nações e continentes. Ademais, na sociedade

brasileira, historicamente o assistente social é chamado a intervir em vários campos, marcados pela

contraditoriedade e diversidade, em que se manifesta, concreta e intensamente, a questão social nas

suas mais variadas expressões e desdobramentos, seja nas áreas da educação, da criança e

adolescente, da habitação, da previdência, da assistência e da saúde e, em especifico, da saúde

mental, dentre inúmeros outros.

Por esses caminhos da realidade social, marcada por constantes processos de

transformação e acomodação, o cotidiano da prática do assistente social é determinado por múltiplas

forças, que se relacionam e envolvem diferentes interesses, motivações, intencionalidades e desejos.

Trata-se, na verdade, de uma realidade dinâmica, dialética e contraditória sempre em movimento, num

fluxo contínuo de relações sociais, sendo que, para Carvalho (1997, p.58), “o movimento presente à

prática social é expressão do „vir a ser‟ constante desta prática e dos sujeitos que interagem [de sorte ]

que o „dever ser‟ da prática social está em disputa [e] não há um único „dever ser‟”, já que não é um ato

singular e isolado. Dessa forma, a prática do assistente social imprime um sentido amplo na sociedade

em que interage e atua, pois “ela é expressão do sujeito coletivo, transindividual” (CARVALHO, 1997,

p.59). Desse modo, em reforço ao já dito, essa prática é social, ou seja, é ação de uma coletividade e

tem como base uma visão de mundo dinâmica e contraditória, em permanente processo de mudança.

Aliás, Carvalho (1997, p.60) enfatiza que

a prática social exercida pelos profissionais de Serviço Social se articula às

demais práticas, mas, sobretudo, ela deve articular e buscar seu horizonte e

sua direção nas práticas movidas pelos grupos sociais oprimidos, pois são

estes os portadores possíveis do máximo de consciência sobre as direções

alternativas do caminhar histórico revolucionário.

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É, assim, no bojo dessas considerações gerais e tomando por base as idéias principais

suscitadas nos capítulos anteriores que se objetiva analisar a prática do assistente social na saúde

mental, mais especificamente no Piauí e, em Teresina, no Sanatório Meduna. Pretende-se proceder a

essa análise levando em conta o refletir e o agir profissional, sob uma perspectiva da efetivação dos

direitos sociais e da cidadania dos usuários, tidos como sujeitos sociais históricos. Desse modo, e

tendo em vista o significado mais amplo e profundo que norteia e embasa o pensamento da

pesquisadora acerca da atuação do profissional na sociedade, empreender-se-ão esforços para uma

análise crítica do processo da inserção do assistente social no âmbito da assistência psiquiátrica no

Estado do Piauí, no caso particular do Sanatório Meduna, em Teresina.

Conforme assinalado no capítulo anterior, para Veras e Moreira (1997) a atuação das

primeiras profissionais de Serviço Social, no âmbito da assistência psiquiátrica, no Estado do Piauí,

deu-se ainda na década de 1960, no setor público, mais precisamente no Hospital Areolino de Abreu.

As primeiras assistentes sociais contratadas, em 1962, tinham por objetivo prestar atendimento aos

PTM, na montagem de seu histórico social, durante a permanência para tratamento no hospital, para o

que realizavam entrevistas e visitas domiciliares.

Já a assistência psiquiátrica privada, que se inicia também na década de 1960, é esse

ano o marco histórico da contratação das primeiras assistentes sociais do Sanatório Meduna, embora

somente na década de 1980 comece a, de fato, se efetivar. Nessa instituição, antes da implantação do

Serviço Social e do Serviço de Enfermagem, as atividades relacionadas a estes profissionais eram

realizadas pelas freiras religiosas da Congregação Filhas do Coração Imaculado de Maria, que

atuavam diretamente com os PTM, respondendo por todos os cuidados com relação à higiene,

alimentação, medicação, alta médica, etc. Eram, ao todo, seis irmãs, que residiam no Sanatório e se

responsabilizavam pelo trabalho, sendo que cada uma coordenava um setor ou pavilhão, o que fizeram

dos anos de 1950 ao início da década de 1990, já que, com o passar do tempo e a idade avançada, se

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aposentavam ou, às vezes, eram transferidas para outras localidades, sempre substituídas por outras.

As primeiras irmãs que vieram residir no Sanatório Meduna chegaram em 14 de maio de 1954, um mês

após a inauguração do hospital: Bernarda (madre superiora), Lina (responsável pelo setor feminino),

Maria de Jesus e Filomena (responsáveis pelo setor masculino), Amor Divino (auxiliar de secretaria) e

Maria Loreto (secretária)29.

Em entrevista concedida para esta pesquisa pelo ex-diretor, Wilson Freitas Santos, a

primeira pessoa a ser “considerada assistente social do Meduna” foi a atendente de enfermagem Maria

Francisca Monteiro de Sousa, a mais antiga funcionária do hospital, aposentada no início da década de

1970. Ela atuava, junto com as irmãs, nos cuidados com os usuários, realizando atividades

terapêuticas, como dramatizações, festas, recreação e pinturas, sendo que, por ocasião das visitas,

fazia contatos com as famílias dos PTM e encaminhava altas ou a solução de outro tipo de problema.

No seu depoimento, relata Maria Francisca que passou nove anos na função de atendente de

enfermagem, quando, em março de 1963, recebeu o convite para exercer as atividades no Setor de

Serviço Social, para o que fez um minicurso teórico, orientado pela assistente social paulista Fernanda

Pinto Ferraz e em seguida um estágio de 30 dias no Hospital Getúlio Vargas, supervisionado pela

assistente social Bernadete. Terminado o minicurso, começou a trabalhar no Setor, sob orientação da

direção, com dois auxiliares. Ressalta ainda, que a implantação do Serviço Social no Sanatório, em

1963, decorreu de exigências do Ministério da Saúde, embora não existisse na cidade nenhum

profissional graduado disponível, pois os poucos já estavam integrados a outras instituições e não se

dispunham a trabalhar no Meduna porque, entre outros fatores, havia o medo de lidar com o PTM.

De fato, no início da década de 1960 não havia profissionais graduados na área de

Serviço Social no Estado do Piauí, conquanto os assistentes sociais, em número bastante reduzido, se

29 Estas informações foram colhidas em depoimento oral concedido pela primeira funcionária do Sanatório

Meduna, Maria Francisca Monteiro de Sousa, atendente de enfermagem. O depoimento foi realizado em 26 de março de 2004, no Sanatório Meduna, especialmente para esta pesquisa, sendo de valor imprescindível, tendo

em vista a ausência de dados documentais escritos. D. Francisca relata que todos os procedimentos

hospitalares eram documentados em livros de registros, guardados no porão, mas, ao longo dos anos, estes

documentos foram incinerados ou extraviados.

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formaram em outros estados. O Curso de Serviço Social só foi implantado em Piauí, no ano de 1977,

na Universidade Federal, com a primeira turma concluindo-o no início de 1981. Por isso é que, no

período anterior, havia pessoas com atuação na área sem a devida qualificação profissional, sem

mencionar que isso também se dava em virtude da história da formação da própria profissão, com suas

raízes fincadas na doutrina da Igreja, na filantropia, na caridade e na prestação de assistência aos

pobres e despossuídos. Ademais, não existia na época um órgão da categoria, que fiscalizasse a

prática profissional dos assistentes sociais.

Mesmo após a chegada do Serviço Social na instituição, no início da década de 1960, as

irmãs religiosas permaneceram no Sanatório Meduna, desenvolvendo atividades mais ligadas aos

cuidados de enfermagem, centradas na medicação, alimentação e higiene, supervisionando os

trabalhos dos atendentes e auxiliares de enfermagem. Afastaram-se elas da instituição apenas em

meados dos anos de 1990, por motivo de mudanças administrativas e por já se encontrarem com idade

muito avançada ou aposentadas, embora nunca perdessem o vínculo afetivo com o Sanatório,

lembradas que são com muito apreço pela direção e por funcionários mais antigos.

A contratação das primeiras assistentes sociais foi também da iniciativa da própria

direção do hospital, em meio a uma conjuntura interna e externa de mudanças nos planos estadual e

federal que exigia alterações e a sistematização dos procedimentos na assistência ao PTM. No início, o

Serviço Social constituiu-se por um reduzido quadro funcional, considerando o contingente de usuários

internos, formado apenas por uma assistente social e dois auxiliares. Segundo Francisca Monteiro, a

primeira assistente social graduada do Sanatório foi Maria Teresa, contratada em 1965 e nele

permanecendo até 1970, a segunda, Heloísa Helena de Lima, em 1973, e a terceira, Helmirinha

Ferraz, cuja data de admissão e tempo de permanência não sabe precisar. Aliás, é importante ressaltar

que, no decorrer desta pesquisa, não se encontrou nenhum documento sobre a criação do Serviço

Social na instituição, nem sobre o tempo de permanência das três primeiras assistentes sociais, já que

os registros feitos em livros de relatórios sobre a prática dessas profissionais no Meduna não foram

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localizados. Em março de 1981, foi contratada a assistente social Rosemary Santos Feitosa, até hoje

no hospital e atualmente chefe desse Setor, na verdade a responsável pelo processo de organização e

estruturação da profissão no âmbito do Sanatório Meduna.

Os levantamentos desta pesquisa apontam que, numa divisão meramente didática, até o

início da década de 1990 o trabalho do profissional era dirigido, sobretudo, pelos aportes do Serviço

Social de Caso, caracterizando-se pela abordagem individualista e pelo fornecimento de dados

econômico-sociais que compunham o diagnóstico social do enfermo e corroboraravam no tratamento.

A respeito disso, assinala Berezovsky (1977) que este tipo de abordagem intervém nos aspectos

psicossociais da vida dos usuários, objetivando restaurar, melhorar e manter o seu bom funcionamento

na sociedade, sendo, na verdade, um método preocupado em detectar os problemas e dificuldades do

usuário no tocante às necessidades humanas ou sociais que influenciavam o tratamento, a formulação

do diagnóstico e o processo de alta. Por isso, a ação do profissional de Serviço Social visava

estabelecer uma relação interativa com o usuário, para ajudá-lo no processo de restabelecimento

psicossocial.

As análises dos depoimentos dos entrevistados levam à indução de que, nessa época, a

intervenção do assistente social era isolada dos demais profissionais da instituição (psiquiatra,

enfermeira e psicóloga), já que voltada, sobretudo, para os atendimentos individuais ao usuário interno,

não existindo um processo de interlocução entre os quatro, que contribuísse para a recuperação e alta

do PTM. Em decorrência, as decisões centravam-se no psiquiatra em detrimento das outras profissões

vistas como subordinadas ao médico.

Eu mudei bastante. Porque antes eu não me preocupava com a minha

atuação enquanto assistente social, não dizia respeito ao conjunto de pessoas que atendiam ao paciente, eu fazia minha anotação numa folha específica só

para mim, dentro do prontuário, onde a equipe que trabalhava com o doente

mental não tinha nenhum interesse em lê aquelas anotações [...]. No Meduna

de antigamente, meu trabalho era muito bom [...], mas não era pensado num

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conjunto, eu nunca ia procurar um médico, nem eles iam falar comigo, para

estudar algum caso de paciente (Mariana, assistente social)30

.

Como se vê, não havia, entre os profissionais, intercâmbio nem momentos de discussões

de casos. Cada um, dentro da instituição, fazia um trabalho isolado, sem um diálogo mais próximo,

estando alheios, assim, ao que os outros realizavam. Aliás, nesse trecho da fala de Mariana está

expresso o desinteresse do Serviço Social em estabelecer contatos mais próximos e amplos com os

outros profissionais, no que tem a devida reciprocidade.

Na verdade, considerando as observações, os depoimentos e os dados apurados nesta

pesquisa, nota-se que o Serviço Social do Sanatório Meduna teve a sua constituição intrinsecamente

vinculadas às orientações da direção, no que diz respeito ao planejamento de suas ações

interventivas.. Com efeito, quando a assistente social Rosemary Santos Feitosa, contratada em 1981,

chegou ao hospital, não encontrou nenhum documento oficial sobre a criação do Serviço, no âmbito

institucional, não havendo pois registros ou arquivos com dados estruturados que informassem, o que

fora feito até aquele momento, tanto que se começou a implantação da escala zero, de modo que só

aos poucos o Serviço Social se foi estruturando, para intervir no processo de tratamento do usuário.

Esse processo de estruturação (planejamento das ações interventivas junto ao usuário interno e à sua

família, elaboração dos primeiros fichários, etc), contou com a colaboração, estímulo e cooperação da

direção, na pessoa do médico Wilson Freitas Santos, adesão essa relacionada mais diretamente ao

grau de importância atribuído por ele à profissão no contexto institucional, tida como fundamental no

tratamento do usuário interno. Em seu depoimento, Wilson Freitas se refere ao Serviço Social com

veemência, afirmando que o assistente social é muito valioso na instituição, atuando como um parceiro

do médico.

A contratação da primeira assistente social foi muito importante para o

hospital, como ainda é. Nenhum hospital pode funcionar sem Serviço Social, o assistente social é importantíssimo, é o “braço direito” do médico. Naquela

30

Os sujeitos entrevistados nesta pesquisa conforme mencionado no início deste estudo, serão identificados por

nomes fictícios, como forma de preservar-lhes o anonimato.

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época todos os problemas sociais que envolviam a família e o paciente eram

resolvidos pelas irmãs, mas quando a assistente social chegou assumiu toda

essa parte.

Dessa forma, a direção, pela experiência acumulada no gerenciamento desse serviço de

saúde, mostrou-se uma grande estimuladora da implementação e efetivação do Serviço Social na

instituição, procurando adotar, junto com este, as medidas de interesses do PTM, na busca da mais

adequada solução para as inúmeras situações, que requeriam respostas que atendessem às

necessidades especiais dos usuários. O relato abaixo, da assistente social Mariana, expressa bem

esses vínculos com a direção, em especial nos primórdios do Serviço Social na instituição. Diz ela que

quando eu era só, era muito “verde” [recém-formada], eu era o que a direção

passou para mim. Uma direção muito boa, preocupada com o paciente [...] Eu aprendi a trabalhar com orientação do médico diretor, apesar de que ele

sabia respeitar até onde ia o Serviço Social e no dia-a-dia a gente foi

descobrindo outras coisas, agora eu e o diretor do Sanatório Meduna [...] tudo tinha a orientação dele, tudo que acontecia com o paciente ele

participava junto com o Serviço Social, lá foi uma instituição que sempre

respeitou o paciente em primeiro ponto.

A assistente social planejava as ações em sintonia com a direção, que orientava,

intervindo nas situações mais complexas, como as dos PTM tão “esquecidos” pela família no Sanatório

que passavam muitos anos sem receber visitas dos familiares, tornando-se “moradores” da instituição.

Nessa época, a década de 1980, não existia, por parte das instituições governamentais, como o

Ministério da Saúde, um acompanhamento rigoroso do processo de internamento, nem sobre o tempo

de permanência no hospital, ficando essa decisão a critério do médico psiquiatra, que avaliava o

período de internamento necessário para cada usuário, levando em conta o diagnóstico e o quadro das

manifestações do transtorno mental. Mas, com a implantação do Serviço Social no Meduna, deu-se

início à organização e racionalização das ações terapêuticas, de sorte que as atividades, como

resoluções dos processos de altas, contatos com as famílias e recreação, entre outras, passassem a

subordinar-se a um plano de ação pensado e organizado, agora, por profissional habilitado para intervir

no espaço institucional, através de métodos e técnicas que possibilitavam o conhecimento dos dados

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que compõem o diagnóstico médico e social do usuário, contribuindo para a sua recuperação e alta e

seu retorno ao convívio familiar e social.

Nesses termos, o Serviço Social se responsabilizava, no cotidiano institucional, pelas

atividades relacionadas, por exemplo, à comunicação com a família, através de cartas ou telegramas (o

telefone era raramente utilizado) ou de visitas domiciliares, aos encaminhamentos de altas e ao

atendimento individual. Assim, em caso de alguma intercorrência no tratamento do PTM (acidente,

agravamento do estado de saúde, óbito, evasões ou qualquer outro problema) a família era

imediatamente informada pelo Serviço Social, por visita domiciliar, já que tinha à disposição um carro e

um funcionário lotado no Setor.

Outra atividade do diretor clínico até o início da década de 1980, que passou para a esfera

da assistente social, foi a elaboração mensal de um jornalzinho, denominado O IDEAL, com a

participação efetiva dos PTM internos, ajudados pelo auxiliar de terapia ocupacional. Nele, os usuários

discutiam temáticas de seu interesse e se expressavam através de poesias, redigiam cartas e

“recadinhos”, faziam desenhos e escreviam sobre datas comemorativas como Natal, Carnaval, São

João, Dia das Mães, etc, sendo os mais interessantes recolhidos pelo Serviço Social para compor a

capa. Se existisse uma variedade grande de temas a serem abordados no mesmo mês, eram eles

discutidos e a seleção se dava pelos usuários, através de votação, com a ajuda das pessoas que

coordenavam a feitura, a assistente social e a auxiliar de terapia ocupacional. O jornalzinho circulava

dentro da instituição e era lido por funcionários, familiares e usuários, com alguns exemplares enviados

para outros hospitais psiquiátricos fora do Piauí, como forma de divulgar esse trabalho desenvolvido

pelos PTM internos no Sanatório Meduna. Junto, ainda, com o auxiliar de terapia ocupacional, o

Serviço Social coordenava a confecção de enfeites, em formas de símbolos natalinos e flores,

fabricadas com isopor e papel, para serem usadas na decoração do hospital, nas festas

comemorativas.

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O Serviço Social realizava também, nesse período, semanalmente, com os internos,

atividades recreativas, com músicas e danças, de que participava com regularidade uma banda

conhecida como Pai Herói, o que se dava nos dias de visitas (quatro vezes por semana) no pátio

interno do hospital, animando funcionários, usuários e visitantes. Passava, ademais, o Serviço Social a

realizar passeios com os PTM para fora do hospital, em visita, por exemplo, ao Parque Zoobotânico de

Teresina, quando se mobilizava outros Setores, como o de Enfermagem, que acompanhavam os

internos, prestando assistência e os cuidados necessários ao bem-estar e à segurança deles durante a

ausência do âmbito institucional. Vale ressaltar que era a assistente social que mantinha contatos com

outras instituições, no sentido de adquirir patrocínios e recursos para o desenvolvimento das

atividades, como os passeios externos, não raro conseguindo que empresas de transportes cedessem

os ônibus, sem mencionar a interlocução com prefeituras do interior do estado e autoridades locais,

como juizes e prefeitos, visando auferir informações para a localização de parentes de usuários

“moradores” que haviam perdido as referências familiares e sociais, após longos anos “residindo” no

hospital. Nesse caso específico, a assistente social, apoiada pela direção, iniciou um trabalho de

envolvimento e aproximação da família com os “moradores”, (vários na época), mobilizando-a, de

forma lenta e progressiva, a se reaproximarem do ente querido, visitando-o e, depois, levando-o para

um passeio de carro na cidade, um dia na casa dos familiares, com retorno, no final, para o hospital.

Desse modo, paulatinamente se foi restabelecendo a presença e a participação da família no

tratamento no âmbito institucional até o momento da alta e a volta do usuário ao lar31.

A par desse conjunto de atividades, eram realizados atendimentos de abordagem

individual aos PTM, visando conhecer com mais profundidade os problemas psicossociais que

obstruíam ou impediam a melhora, a recuperação e o retorno do usuário à família, enfatizando também

as orientações e esclarecimentos sobre os cuidados com higiene, alimentação, uso da medicação, etc.

Esses atendimentos destinavam-se preferencialmente aos PTM com problemas psicossociais e

31 Essas informações sobre como atuava o Serviço Social a partir da década de 1980, foram fornecidas pela

assistente social Rosemary Santos Feitosa, atual chefe do Setor, em entrevista concedida à pesquisadora em

novembro de 2003 e através de inúmeros contatos informais com esta profissional, no decorrer desse estudo.

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dificuldades de relacionamento familiar, marcado pelo conflito e elevado grau de rejeição, chegando às

vezes ao abandono, bem como àqueles com complicações clínicas, tendo em vista que, à época,

existia apenas um profissional de Serviço Social no hospital e mais de trezentos usuários sendo

impossível o atendimento individual a todos.

É notório, assim, que a atuação do Serviço Social no Sanatório Meduna, nos seus

primórdios, dava-se de forma pulverizada pelos vários setores, sob uma abordagem genérica, incidindo

sobre diversos aspectos do processo de tratamento do PTM, sem entretanto, uma interatividade maior

com o conjunto dos demais técnicos, resultado de um planejamento profundo e articulado que levasse

em conta a totalidade histórica e social das situações do cotidiano profissional. Mas, nesse contexto

inicial, o assistente social já era visto e reconhecido pela direção como responsável pela articulação e

mobilização da família, ou seja, era ele o pontencializador das múltiplas mediações (PONTES, 1997)

entre a instituição, a família do PTM e a sociedade, daí sua fundamentalidade. Os usuários, por sua

vez, viam-no igualmente como um intermediador dele com a família, já que articulava contatos com

esta e juntava esforços, com a direção, para solucionar alguns de seus problemas, como a alta e a

saída do hospital, bem como o reconheciam como o profissional que realizava atividades como

recreação, músicas, etc. A família também via o Serviço Social como mediador, ou seja, o

encarregado de conversar e interagir com ela sobre os assuntos relativos ao usuário, ao tratamento e a

instituição e seu funcionamento. Essas percepções a respeito do Serviço Social vão, ao longo dos

anos, sendo historicamente aprofundadas e fortalecidas dentro da instituição pelos sujeitos sociais,

interlocutores deste Setor.

Com relação aos demais profissionais, estes, já se sabe, não se articulavam com o

Serviço Social, configurando-se, como antes exposto, em ações isoladas, pois cada um realizava as

atividades independentemente da participação do outro. A maior vinculação do Serviço Social foi, no

caso, com a direção, já que os outros profissionais com ele não interagiam, exceto o Setor de Terapia

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Ocupacional, que na época não tinha profissional graduado, mas apenas um auxiliar de terapia

ocupacional. Daí dizer a responsável pelo Setor de Psicologia que

eu antes tinha muito distanciamento dos profissionais de Serviço Social, havia uma certa resistência, eu não sei se era da minha parte, [...].

Antigamente mesmo trabalhando no mesmo turno, mas não havia

entrosamento entre a gente, cada um fazia suas atividades, o seu papel, não existia aquela afinidade, como existe hoje (Teresa, psicóloga).

Os anos de 1990 serão, no entanto, marcados pelo fortalecimento dessas e de outras

características assumidas pelo Serviço Social, iniciando uma “nova fase” para a profissão, sob o ponto

de vista de sua organização, no Sanatório Meduna. Nessa época, em face ao processo de

reestruturação da assistência psiquiátrica no país e no Piauí, o quadro de profissionais é, em 1994,

ampliado para quatro assistentes sociais, sendo também contratados vários de outras áreas, como

enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionista e educador físico, que passam a

trabalhar na perspectiva de equipe interdisciplinar, esta entendida sob o prisma da reciprocidade de

compromissos com uma problemática comum.

Assim, o Serviço Social passará a atuar, cotidianamente, como membro de uma equipe

interdisciplinar, que discute, planeja e participa da condução do tratamento do PTM, agindo, mais

intensivamente, na interlocução com a família, mobilizando-a para participar de forma mais ativa do

referido tratamento. Suas atividades, no âmbito institucional, se ampliam e se diversificam, já que

realiza as já mencionadas e incorpora outras, entre as quais se destacam as de abordagem grupal, de

cunho sócio-educativo, sócio-terapêutico e informativo, abrangendo temáticas de interesse dos

usuários, orientando-os sobre os cuidados gerais com a saúde, higiene, continuação e locais de

tratamento, causas e conseqüências do uso de drogas, palestras sobre aquisição de benefícios e

serviços prestados por outras instituições, etc. Assume ainda as entrevistas com os usuários no

momento da admissão, obtendo dados sobre a sua situação sócio-econômica, o que contribui para

compor o seu diagnóstico social, sem mencionar a realização de reuniões com os familiares dos

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internos, enfocando e ressaltando os aspectos biopsicossociais que se interrelacionam e interferem nos

relacionamentos sociais de qualquer ser humano.

O assistente social engendrará, pois, a sua prática profissional na instituição com base em

uma nova postura, mais crítica, mais planejada e mais abrangente, de modo que centralizando “sua

intervenção ao cotidiano organizacional, a família é também sua usuária direta e permanente” (ROSA,

2000a, p.207). Trata-se de um novo modo de ser, pensar e agir, porque agora, diferente de antes, o

profissional mudou o modo de conduzir sua prática na instituição em relação aos sujeitos sociais,

atuando sob um enfoque que tem os PTM internos como pessoas humanas e sociais e membros de

uma comunidade que vivenciam múltiplas relações e não mais alguém isolado e desligado de um

contexto social, político, econômico e cultural mais amplo. Nessa perspectiva, atualmente o Sanatório

Meduna conta com quatro assistentes sociais (incluindo a autora desta pesquisa), com trabalho em

regime celetista e com carga horária de vinte horas semanais, divididas nos turnos da manhã e tarde,

sendo três na internação integral e uma no Hospital-Dia, no setor de semi-internação.

Um traço peculiar e comum às assistentes sociais da instituição é a experiência anterior

de três delas na área da saúde mental, como acadêmicas, bolsistas ou estagiárias no HAA. O que

ajuda ao profissional do Curso de Graduação em Serviço Social, a exemplo de diversos outros, é a

formação generalista, que não oferece conhecimentos específicos de modo aprofundado em dadas

áreas ou campos em que possa vir a exercer a profissão, mas dá suporte teórico-metodológico e

técnico indispensável à compreensão das singularidades e totalidades de cada campo e área a

trabalhar, seja na saúde mental ou não, competindo ao assistente social, em seus múltiplos espaços de

atuação, aprofundar as especificidades das diversas situações profissionais. O fato de boa parte dos

profissionais do Meduna ter vivenciado experiências de estágio na área foi fundamental para a sua

inserção no Sanatório, embora a capacitação continuada e permanente do assistente social para

compreender os diferentes espaços ocupacionais e situações vivenciadas no cotidiano institucional

esbarre, quase sempre, numa questão central: ainda são poucas as oportunidades que têm de

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aprimoramento, em especial na área da saúde mental, no Piauí e em Teresina. Tanto é verdade que os

profissionais de Serviço Social e de outras áreas que atuam no HAA e no Sanatório Meduna vivem

esse dilema da falta de preparação especializada na área, o que se torna, para a categoria, um desafio

a ser enfrentado e administrado, superando-se essa deficiência no cotidiano, pelo autodidatismo e o

bom-senso (ROSA, 2000a)32. Em algumas falas dos assistentes sociais, é possível perceber essa

questão da qualificação profissional no espaço institucional. Mariana, nesse sentido, diz que

a gente sai da Faculdade, a gente não sabe nada de saúde mental. Então, a gente passa a adquirir conhecimento de saúde mental na medida em que

exercemos nossa prática.

Compreender a prática do assistente social no Sanatório Meduna, na perspectiva dos

direitos e da cidadania dos usuários, tem por base o entendimento de que, no continente latino-

americano e especialmente no Brasil, a partir dos anos de 1960, sobretudo após a Constituição de

1988, o discurso profissional (proferido em livros, revistas, congressos, encontros, simpósios, reuniões,

enfim, nos diversos espaços de manifestação e atuação) está sintonizado com esses direitos e com

essa cidadania. É que, do ponto de vista da retórica, a inclinação do Serviço Social na direção da

defesa dos direitos é uma realidade inconteste, com respaldo legal no Código de Ética e nas Diretrizes

curriculares dos Cursos existentes no país, estando também presente entre os assistentes sociais do

Piauí, de sorte que estudos e pesquisas acadêmicos, como a realizada por Guimarães (1987),

apontam, no geral, para a referida defesa dos direitos e da cidadania dos usuários.

No cotidiano do Sanatório Meduna, a realidade experimentada pelas assistentes sociais

não é muito diferente do contexto mais amplo. Com efeito, nas reuniões com os usuários e familiares,

nas discussões em equipes, nas conversas de corredores, nos livros de relatórios e em outras

atividades há evidências que sinalizam o compromisso com os direitos sociais e a cidadania dos

32 É pertinente registrar que, em meados de março de 2004, por meio de convênio e apoio do Ministério da Saúde

e da Universidade Federal do Piauí, foi implantado o primeiro Curso de Especialização em Saúde Mental do

Estado, destinado, a priori, somente aos profissionais que trabalham na área. Além disso, os assistentes sociais

têm procurado se capacitar, participando de eventos, no Piauí e fora dele, que discutem as questões da saúde

mental.

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usuários. No geral, os profissionais de Serviço Social do Sanatório se envolvem com as diversas

atividades, procurando, por suas práticas, assumir a defesa dos interesses dos usuários, imprimindo à

sua atuação junto aos PTM e à sua família uma qualidade sintonizada com a Constituição de 1988 e as

diretrizes do projeto ético-político, construído pela categoria no Brasil, nas últimas duas décadas.

Associado a isso, o fato de o Meduna ser uma instituição privada confere um diferencial ao padrão e

atendimento do usuário do SUS, clientela preferencial do assistente social, daí que a direção, os

próprios usuários e os familiares exigem o empenho dos profissionais nas atividades cotidianas, no

sentido do cumprimento das normas e diretrizes emanadas pelo Sistema Único de Saúde.

Em respostas a essas e outras exigências, no Sanatório Meduna as assistentes sociais

trabalham, atualmente, numa perspectiva de interdisciplinaridade, em equipes compostas por

psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais e educador físico, estes últimos não

ficando lotados nos pavilhões, como os demais profissionais, mas na sala da terapia, onde atendem

aos usuários e desenvolvem atividades lúdicas, como jogos de dominó e cartas, auto-expressões,

colagens, bordados, crochês, tapeçarias, leituras de revistas, confecção de enfeites para festas

comemorativas, músicas (karaokês), etc. Cada pavilhão é, por sua vez, assistido por uma equipe

interdisciplinar, responsável pela assistência médica e terapêutica aos usuários, divisão essa feita pela

direção, levando em conta a quantidade de paciente (até sessenta) que cada um pode atender,

segundo as orientações do MS, sendo considerado ainda, na formação das equipes, os horários de

trabalho de cada um na instituição, de modo que atuem de forma próxima e coesa.

No tocante à interdisciplinaridade, essa nova postura significou uma conquista para a

categoria dos profissionais da saúde mental, no geral, e para os profissionais do Meduna, em especial,

representando um avanço no tratamento dos usuários dos serviços de saúde e dos PTM,

respectivamente. Aliás, a interdisciplinaridade deve ser entendida como uma relação “estrutural,

havendo reciprocidade, enriquecimento mútuo, com tendência à horizontalização das relações de

poder entre os campos implicados” (VASCONCELOS, 1997, p.141), não significando mera soma de

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poderes, mas um redirecionamento das forças internas já consolidadas, radicalizando as formas de

atendimento anterior, baseadas no individualismo e sem interação entre os profissionais. Segundo

Vasconcelos (1997, p. 141-2), “desta forma, as práticas interdisciplinares autênticas tendem, quando

prolongadas no tempo, para a criação de campos de saber, teóricos ou aplicados”, com a

redemocratização das relações de poder nas equipes de profissionais da saúde mental.

Essas práticas interdisciplinares implicam compromisso e identificação com uma causa

comum e uma proposta de trabalho conjunto que busca traduzir, de forma recíproca, a significação da

mesma problemática, sob diversos ângulos e direções, proporcionando, para o Serviço Social e as

demais categorias do Sanatório Meduna, um questionamento das ações exercidas, anteriormente, de

modo isolado e solitário. Nas equipes, o papel do assistente social é mediar as relações intra e inter

equipes e com as outras instâncias do Serviço Social, da sociedade e dos demais profissionais, sendo

ele, assim, o intermediador desse intercambio com os outros membros da equipe, a família, a

sociedade e a instituição, sob o compromisso da defesa dos interesses e da cidadania dos usuários.

Por essa ótica, no cotidiano do Sanatório a assistente social desenvolve atividades que visam efetivar

a cidadania mais ampliada dos usuários preferenciais dos serviços de saúde mental oferecidos pelo

hospital, destacando-se os acompanhamentos dos processos de admissão, pela realização da

anamnese social, e os atendimentos semanais de abordagem individual com os usuários internos, no

pavilhão pelo qual é responsável. Coordena ainda, atividades grupais, mensais, enfatizando temas

como a aquisição de benefícios, preparação para a alta médica, em que é ressaltada a importância da

continuação do tratamento em casa e em outras unidades de saúde, os cuidados com a higiene do

corpo e do ambiente e os gerais com a saúde, como as causas e conseqüências do uso abusivo de

drogas e álcool, os encaminhamentos de alta, etc, sem mencionar as orientações diárias às famílias

acerca do tratamento, benefícios, atestados, altas e visitas, transferências, óbitos, evasões, dentre

outros. Muitas podem até ser as mesmas historicamente desenvolvidas pela assistente social no

Meduna e em outras instituições, mas o diferencial delas e do conjunto das atividades diz respeito ao

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modo como a profissão se insere hoje na sociedade, na perspectiva, no caso do Sanatório Meduna, da

cidadania do PTM.

Na dinamicidade da prática do assistente social há avanços e recuos, entraves e dilemas

a serem enfrentadas no cotidiano institucional. Uma situação peculiar é o fato de que, corriqueiramente,

os outros setores enviam para o Serviço Social situações as mais diversas e não resolvidas, esperando

que os assistentes sociais, como categoria que faz a mediação com a instituição, os usuários, a família

e a sociedade, as solucione, sendo comum os demais profissionais entenderem que a eles cabe, no

hospital resolver qualquer problema relacionado ao usuário, à sua família e à esfera institucional.

Dentre as situações mais comuns, destaca-se, no dia-a-dia, as de caráter administrativo, como perda,

roubo ou dano, o que normalmente gera conflitos e desavenças e exige mediação, sem dizer do

processo de admissão, já que às vezes este Setor identifica, no ato da internação do usuário,

complicações clínicas, ausência de comprovante de endereço fixo (talão de água, luz ou telefone) ou

de uma pessoa residente em Teresina que lhe figure como responsável ou, ainda, falta de documentos

dele ou da família, necessários ao procedimento, quando a assistente social é então acionada, para

mediá-la e resolvê-la.

Ressalte-se que, nesses dilemas do momento da internação, em geral os outros setores,

como enfermagem e psicologia, opinam mas não decidem nem assumem a responsabilidade de

problemas posteriores, deixando a resolução para o Serviço Social, que procura mobilizar, por telefone

ou outro meio, algum parente, amigo ou vizinho do usuário que se disponha a colaborar para resolver o

impasse, conseguindo um endereço fixo ou alguém que por ele se responsabilize. É certo que esses

entraves não são específicas do Serviço Social, mas do conjunto dos profissionais do Meduna,

devendo a decisão pela internação ser tomada em conjunto, levando em conta, acima de tudo, o

estado de saúde do enfermo, podendo qualquer membro da equipe interdisciplinar resolver a situação.

A despeito dessas e de outras particularidades, Sandra assevera que

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o assistente social no Sanatório Meduna é um profissional muito procurado

pela família, pelos pacientes e também por outros profissionais. Sempre

esperam que a gente resolva todos os problemas dos pacientes, os problemas da família e às vezes coisas que estão completamente fora dos

nossos limites.

Assim, ouvem-se, não raro, pelos corredores e enfermarias, comentários de funcionários

e profissionais do tipo “eu não sei, mas fale com a assistente social, que ela te orientará melhor”. É que

há, no imaginário dos funcionários do Sanatório, que o Serviço Social pode sempre ajudar, orientando

ou prestando alguma informação, tanto que, em uma pesquisa realizada no HAA, Rosa (2000a, p.214)

assinala que identificou situação semelhante, enfatizando que “os possíveis insucessos que seriam

imputados a outra categoria profissional são canalizados para o assistente social, que, os otimiza”.

Ademais, ainda no processo de admissão, o Serviço Social é chamado em internação de primeira vez

ou algum problema a ela relacionada, sobretudo se o PTM for do interior ou de outros estados,

porquanto essas exigências, geralmente de documentação, fazem parte da rotina processualística e se

justificam como medidas imprescindíveis ao atendimento das regras do SUS, sendo necessário,

principalmente, que responsável ou familiar dele resida em Teresina ou em Timon, no Maranhão, o que

possibilita um contato mais próximo e rápido em caso de intercorrências e no momento da alta,

situações em que o assistente social solicita a presença para discutir o problema, junto com a equipe

interdisciplinar do setor em que o doente se encontra, a equipe do plantão ou a direção do hospital.

Para além dessas considerações, deve-se ressaltar que, o trabalho no Meduna é

interdisciplinar. Por isso que, na admissão, se o PTM apresentar alguma complicação clínica grave,

antes de aceitá-lo o caso é discutido pelo médico plantonista, o enfermeiro e o assistente social, no

sentido de avaliá-lo e conhecer-lhe melhor o estado. Após a avaliação, se o parecer da equipe for de

não risco de morte e quadro clínico do paciente informe a possibilidade do tratamento no Meduna, sem

lhe acarretar maiores comprometimentos à saúde, a internação é efetivada, sendo, então, os familiares

ou responsável disso comunicados. Se a situação evoluir para mais grave, o usuário será, o quanto

antes, transferido para um hospital clínico, com o devido consentimento dos familiares ou do

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responsável, e, em caso de a equipe concluir que a sua saúde inspira cuidados especializados, a

internação não será efetivada e indicado à família que o leve para uma avaliação mais detalhada,

inclusive com submissão a exames. Na verdade, os eventos de maior complexidade exigem a

transferência, pois o Sanatório, como hospital psiquiátrico, não está aparelhado para tratá-los, sendo

indicada a ida para um hospital geral, o que se torna um dilema para as famílias na medida em que

essas casa de saúde têm alto índice de resistência em receber o PTM, apesar do seu quadro clínico

agudo.

Isso acontece porque a lógica vigente no pensamento da sociedade é a de que o PTM é

uma pessoa perigosa. Então, conseguir um leito em hospital geral para interná-lo torna-se, para a

equipe do Sanatório e a família uma verdadeira “maratona”, já que os funcionários dessas casa de

Saúde quando sabem que o enfermo vem do Meduna alegam, quase sempre, ausência de vagas.

Nesse momento, a equipe se articula, usando até da amizade com algum colega (enfermeiro, médico

ou assistente social), que neles trabalha, para obtê-las, ou como estratégia, às vezes se faz

necessário, para se auferir a vaga, omitir-se que o usuário carente do tratamento clínico é portador de

transtorno mental, revelando esse fato aos profissionais do outro hospital somente depois de estar ela

assegurada. Assim, se o acesso aos serviços de saúde é difícil para a população em geral, muito mais

se torna para o doente mental que como qualquer ser humano pode, em algum momento, necessitar

de atenção médica que não a psiquiátrica. Essa é, aliás, uma das questões em que a cidadania do

PTM deixa a desejar e pouco tem o profissional contribuído para modificá-la substancialmente, pois, na

verdade, essas mudanças não dependem apenas do esforço do assistente social, mas de alterações

mais profundas nos valores e costumes da sociedade, cuja discriminação contra o portador de

transtorno mental é histórico, embora sempre combatido. Isso evidencia que o SUS garante

formalmente a todos os brasileiros o direito à saúde, mas na prática poucos o têm plenamente

assegurado, sendo essa uma luta constante, a ser encampada por toda a sociedade.

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No Meduna, além da admissão, outro momento que demanda expressiva atenção do

assistente social diz respeito aos horários de visitas, que é fundamental para o bom tratamento do

PTM, por representar, para ele, o reencontro com a família e a possibilidade de alteração da rotina,

sendo em geral para ambos um instante agradável e feliz, embora, às vezes, as famílias se mostrem

angustiadas porque acham que o ente querido não apresenta melhora satisfatória ou ficam chocadas

com alguma situação não comuns ao seu cotidiano, como, por exemplo, presenciar um doente com

crise convulsiva ou impregnação (manifestação colateral do uso de alguns psicotrópicos que causam

contrações involuntárias no corpo, excessos de suores e de produção de saliva, dentre outros). Em

face disso, as famílias, inquietas, procuram o Serviço Social, desejando que a assistente social

explique, solucione ou encaminhe seu problema, sentindo-se geralmente mais aliviada após a

conversa. Se necessário, ou seja, se a família permanecer com as mesmas dúvidas, a assistente social

a orienta a dialogar com o médico do usuário, que lhe explicará como proceder.

Em casos de suspeita de violação dos direitos do PTM, por agressão física ou de outro

tipo, o Serviço Social é acionado pela própria família, que exige do profissional e da instituição um

posicionamento rápido, em razão do que o assistente social faz relatórios para apurar os fatos, ouvindo

os envolvidos e, depois, emite parecer. Essa é uma situação constrangedora para todos os implicados,

mas, constatado o fato e identificado o autor, este sofre punição, podendo até ser dispensado do

emprego, pois o objetivo é que ocorrências dessa natureza não se tornem comum no Sanatório, ainda

que nenhum usuário ou familiar esteja isento de passar por isso.

No cotidiano da instituição, às vezes os funcionários do Sanatório procuram o apoio da

assistente social na resolução de problemas profissionais e pessoais. Há casos em que a chefia do

setor ou mesmo a direção solicitam que ela atenda ao funcionário, mediante aconselhamento,

orientação psicossocial, palestras sócio-educativas, etc. As situações nas quais a assistente social é

chamada a intervir referem-se a problemas de relacionamento entre funcionários e funcionários e

funcionários e usuários, como desavenças, discussões, agressões ou qualquer manifestação de

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violência de ambas as partes, faltas freqüentes ao trabalho (o álcool é, em geral, a causa), quedas de

desempenho e rendimento, dentre outros. Nesses eventos, a assistente social realiza atendimento, às

vezes em conjunto com o Setor de Psicologia, buscando o bem-estar psicossocial dos funcionários e

usuários, embora não exista ainda na instituição um programa específico e estruturado, sobre o

assunto.

Como complemento do elenco das ações interventivas do Serviço Social no Sanatório

Meduna serão pontuados, no próximo item, elementos concernentes a uma dessas ações, a

preparação da alta do PTM, uma das atividades mais relevantes e que mobiliza fortemente esses

profissionais, como membros da equipe interdisciplinar.

3.3.1 O Serviço Social e a preparação da alta Médico-Hospitalar do PTM

No ambiente hospitalar a alta é, notadamente na linguagem técnica, um ato médico. Por

isso, no Sanatório Meduna, ela é uma decisão quase sempre tomada individualmente pelo médico

psiquiatra assistente, que acompanha o tratamento do PTM e leva em consideração a sua evolução

biopsicossocial. Porém, muitas vezes é possível a decisão de alta ser tomada em equipe, quando o

profissional de Enfermagem, o de Serviço Social e o de Psicologia discutem com o médico o seu

melhor momento, sendo então antecipada ou postergada. Isso depende, quase sempre, da postura do

psiquiatra, pois uns são mais flexíveis, enquanto outros mais fechados e resistentes em aceitar

opiniões, nesse aspecto em específico. Às vezes, a família e o usuário também participam da decisão,

expressando para a equipe o desejo da alta do PTM ser antecipada ou adiada. Esta discussão, pela

equipe, sobre a alta do enfermo, reforça a caráter de interdisciplinaridade almejado por seus membros,

numa perspectiva de interesses mútuos, objetivos comuns, efetiva cooperação e relações

democráticas.

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No Sanatório Meduna, existem vários tipos de alta. A “alta a pedido” é aquela em que a

própria família, por algum motivo, a solicita diretamente ao hospital, ocorrendo sobretudo com os

usuários de primeira internação, que a família percebe que melhorou e, preocupada com o que lhe

possa vir a acontecer (agressão de outro enfermo, sentimento de abandono, etc), avalia que em casa

estará mais bem cuidado. No cotidiano do hospital, esse tipo de alta é viabilizado pela assistente social,

que orienta sobre a importância da continuação do tratamento e a realização, o mais breve, de uma

consulta psiquiátrica em outras unidades de saúde especializada, a fim de que o doente continue a

melhorar.

Outro tipo é a “alta por abandono”. Esta ocorre quando o usuário se ausenta do hospital,

às vezes para resolver problemas pessoais ou passar o final de semana em casa e, por algum motivo,

não retorna para continuar o tratamento. Nessas situações, aguarda-se o decurso do prazo de 48

horas, ao fim do qual, se o Serviço Social nem o hospital receber nenhuma informação dos familiares

sobre o possível retorno do PTM, o seu prontuário será recolhido do pavilhão, assinada a alta e, em

seguida, arquivado. Às vezes a família informa que o PTM está bem e não deseja retornar ao

tratamento e o Serviço Social a orienta no sentido de conversar com a equipe para discutir a

possibilidade de antecipação da alta, evitando que o usuário a receba “por abandono”, interrompendo o

tratamento sem orientação médica. Nesses casos, normalmente cabe ao Serviço Social, considerando

o exposto pela família, intervir junto ao médico para a viabilização da alta, mediante receita médica e

com todas as orientações necessárias ao usuário e à família para a continuação do tratamento.

Existe, ainda, a “alta administrativa”. Esta, que é a mais complicada, a direção adota

quando o usuário, de modo lúcido e consciente, comete algum delito ou tem comportamento indevido

no Sanatório, como, por exemplo, usar drogas lícitas ou ilícitas. Normalmente, antes de proceder à “alta

administrativa”, a direção avalia o estado psíquico do usuário e as circunstâncias do fato delituoso para,

depois, tomar alguma medida, sendo solicitado do Serviço Social um relatório sobre o fato, após

conversar com os envolvidos. Com os dados em mão, a assistente social elabora um relatório e nele

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emite um parecer, com a preocupação de avaliar, com a direção, se o usuário estava em condições de

responsabilizar-se ou não por seus atos.

Por fim, há a alta “alta médica”, a mais comum e a que, no cotidiano do Sanatório,

mobiliza mais intensamente o Serviço Social. Este tipo de alta é marcado de acordo com a evolução do

quadro do PTM, geralmente pelo médico assistente ou em conjunto com a equipe interdisciplinar, o que

é feito com antecedência de uma semana ou mais, sendo por isso também chamada “alta médica

prevista”, já que possibilita ao assistente social providenciar os contatos necessários para informar à

família dos procedimentos a serem adotados. Rotineiramente, ao ir aos pavilhões para as atividades de

acompanhamento aos internos, as assistentes sociais anotam as altas marcadas pelos médicos e, para

facilitar-lhes os encaminhamentos, são arroladas em uma lista, obedecendo ao gênero e à data de

admissão do enfermo, o que favorece o controle do processo. Conforme as marcações, as altas são

comunicadas pela assistente social aos familiares ou responsáveis, através de telefone ou aerogramas

ou telegramas fonados, também podendo ser feitas no momento das visitas ao hospital, quando o

próprio usuário ou a assistente social as transmitem às famílias que se encontram no hall de entrada,

antes da visita, ou nos grupos denominados “sala de espera”, atividade desenvolvida pelas

profissionais de Serviço Social com as famílias que aguardam visitar algum interno, nos quais se

discutem temas variados, com a participação dos visitantes, que opinam sobre as escolhas das

temáticas. Outras famílias conversam com o assistente social no pátio interno do hospital, no momento

em que visitam o PTM internado e, mesmo sendo este um contato informal, é importante porque

atende a uma demanda espontânea das famílias e, em particular, do usuário, que desejam perguntar

algo sobre sua alta ou apenas apresentar para ela o familiar ou somente cumprimentá-la. Trata-se,

enfim, de um momento de aproximação com a família, de que se aproveita o profissional para

sensibilizá-la a participar mais ativamente do processo de tratamento do PTM.

Ao contrário do HAA, o Sanatório Meduna não adota, como rotina, a alta com entrega em

domicílio, mas esse procedimento é realizado se acontecer de a família, por algum motivo, deixar de

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comparecer ao hospital para buscar o usuário, com “alta médica prevista”. Dentre as diversas razões

da ausência da família as mais comuns são as de ordem econômico-financeira (falta de recursos para

pagar o transporte, até porque às vezes o usuário reside distante ou no interior) e as de problemas de

saúde ou viagens do cuidador sem que outro membro se responsabilize pelo enfermo, caso em que é

necessário aguardar o seu retorno ou a recuperação de seu estado de saúde para o PTM sair em alta

do hospital. No geral, quando a família não comparece para buscar o enfermo, é realizado, pelo

Serviço Social, um novo contato, para verificar o motivo da ausência e, dependendo da situação, a

assistente social tenta solução junto com a família e o médico assistente, mandando deixar o usuário

em casa ou o mantendo mais dias internado, com uma nova data para a alta, até que os responsáveis

se disponibilizem. Buscam, assim, a assistente social e o médico a medida menos prejudicial ao

usuário e à família, sempre levando em consideração o prazo máximo de internação estabelecido pelo

SUS, atualmente de 45 dias.

Nos encaminhamentos dos processos de “alta médica”, o uso do telefone é uma constante

na rotina do Serviço Social, sendo comum os comentários de funcionários e usuários do tipo “quem

telefona para a família é a assistente social, fale com ela”. Pela rapidez, o telefone é o meio de

comunicação mais utilizado não só para contatar o paciente, a família, o cuidador e a sociedade, mas

também para avisar as altas médicas e informar qualquer intercorrência com o usuário. Até do fato de o

enfermo ser transferido para a Unidade de Internação, ficando em observação mais intensa, a família é

comunicada, sem mencionar que se usa o telefone para solicitar a ela que faça visitas, traga material

básico de higiene pessoal (sabonete, escova de dente, roupas, etc) ou qualquer outra coisa necessária

na instituição.

Na rotina do Sanatório Meduna, o comunicado da alta médica é recebido e percebido

pela família de várias formas. Para a maioria, este representa um momento agradável, por significar a

volta à casa do ente querido, caso em que ela comparece na data combinada para buscá-lo, com

manifestações de afeto, atenção e alegria. Mas, a alta médica é também notícia pouco agradável,

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havendo recusa, medo ou outros sentimentos, por ter que retomar toda a rotina de cuidado intenso com

o PTM, somadas ao temor de uma nova crise ou recaída, em pouco tempo, com os mesmos sintomas

de agressividade, insônia, inquietação, irritabilidade, rejeição à medicação, etc. A família ou o

responsável apresentam, assim, certa resistência em buscar o usuário de alta médica e levá-lo para

casa, expressando-se por frases do tipo “já está de alta? Mas internei faz tão poucos dias”, ou “ele não

passou nem um mês internado”. Com essas e outras inquietações, a família, procura a assistente

social ou o médico assistente para conversar, explicando as dificuldades em ter o PTM em casa e

tentando negociar um prazo maior de permanência dele no Sanatório.

As alegações e justificativas da família para o pedido de permanência do PTM no hospital

podem ser as mais variadas. Entre as mais comuns encontram-se problemas de saúde na família,

geralmente do cuidador do PTM (a mãe, a esposa, o esposo, a irmã, o irmão, etc), ou o pedido de mais

um tempo para terminar a construção de um “quartinho”, anexo à casa, que se está preparando ele, o

conhecido “quarto do doido”, muito comum no início do século passado e ainda hoje existente em

certas residências, no Piauí. Algumas vezes ouvem-se comentários que os quartos estão sendo

equipados com grades de ferro, para uma maior proteção da família e dos PTM, ficando estes isolados

dos contatos pessoais e familiares, medidas adotadas pela família como último recurso, a fim de

mantê-lo em crise aguda ou fora da crise, em casa, sob seus cuidados. Ademais, se o comportamento

do PTM é mais exaltado e hostil, a família não consegue que ele fique em casa, passando, assim,

grande parte do tempo, quando não internado, a perambular, em longos períodos, pelas ruas da

cidade, expostos ao sol, sem destino certo e sob privações de alimentação, medicação, higiene, etc.

Por isso, os familiares atribuem ao “quarto isolado e trancado” o condão de manter o PTM sob seus

cuidados e proteção, sem sair de casa e longe da rua.

Até o ano de 2001, no Sanatório Meduna o prazo máximo de internação conveniada com

o SUS era de 90 dias, reduzindo-se, nesse ano, para 45, no que respeita aos casos mais graves, pois a

alta é marcada de acordo com a melhora do quadro psiquiátrico do PTM, de sorte que o enfermo só

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permaneça internado nesse tempo sob indicação médica. A Portaria nº 111, de 03 de abril de 2001, do

Ministério da Saúde, baliza esse período e impõe ainda um prazo de carência de 15 dias para novas

internações, significando que, após a alta, o usuário só poderá reinternar-se, em hospital psiquiátrico,

após cumprir esse prazo. Por isso é que o PTM que recebe alta médica deve ficar em casa ou em

serviços alternativos, como Hospital-Dia, CAPS ou ambulatórios, a fim de continuar o tratamento,

sendo atendido, se houver alguma emergência psiquiátrica, no serviço de urgência do HAA, que

funciona 24 horas para a capital e cidades adjacentes.

Por conta dessa realidade, observam-se posturas de familiares que exigem que o

enfermo permaneça os três meses internado. É que, no seu imaginário, foi construída e consolidada,

historicamente, a idéia de que o PTM deveria ficar no hospital o tempo mais longo possível, porquanto

“lá é que é seu lugar”. Aliás, por diversas vezes ouvem-se essas expressões das famílias, ao ter que

levar para casa o enfermo, sabedora de que pode reinterná-lo, após a carência de 15 dias. Essas

manifestações de recusa e medo e, às vezes, repúdio à presença do PTM em casa se reproduzem na

vizinhança e se perpetuam através dos tempos, nos indivíduos e na sociedade. É que conviver com o

diferente, aceitando-o em suas particularidades e com seus comportamentos tidos como esquisitos e

estranhos, até mesmo por serem considerados como pessoas “perigosas”, afeta fortemente os

sentimentos de afetividade em relação ao PTM, cujas reações inesperadas e manifestações

decorrentes das medicações psicotrópicas de uso contínuo afetam, abalam e fragilizam a afetividade e

a subjetividade deles e dos familiares, nos seus espaços de convivência.

As manifestações dessa multiplicidade de sentimentos estão inter-relacionados, uma vez

que o aparecimento do transtorno mental no ambiente familiar causa grande impacto em todos os seus

membros, nos aspectos econômico, social e subjetivo, envolvendo emoções e afetividades em relação

a si, a família, ao doente. Nesse contexto, a condição objetiva de vida dessas famílias é marcada

fortemente por uma situação socioeconômica e financeira geralmente muito precária, sem um mínimo

para uma vida digna e decente em que as necessidades básicas (alimentação, educação, saúde, etc)

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do ser humano sejam atendidas. Além disso, o PTM, como ser humano com necessidades especiais,

requer da família um cuidado especializado, contínuo e permanente, exigindo uma atenção

diferenciada porque é preciso, algumas vezes, acompanhá-lo em suas ações cotidianas básicas, até

que as consiga resolver sozinho em casa e em outras esferas do convívio social. Assim, frente às

particularidades do PTM, o período de internação no hospital representa, para algumas famílias, a

possibilidade de descansar um pouco e recompor as forças físicas e mentais, tendo em vista que o

enfermo, por sua natureza, requer um longo e intenso processo de cuidados e atenção de toda a

família, senão de seu cuidador.

Com efeito, algumas vezes o momento da alta médica do PTM torna-se, para as famílias,

uma questão emblemática e difícil de ser enfrentada na medida em que, para elas, essa convivência

tem vários e múltiplos significados, instalando-se em seu seio a sensação de medo de possíveis

reações, como agressões físicas, o que cria um sentimento confuso para com o doente. Ora, no bojo

dessa complexa realidade está a assistente social, que tenta articular e mediatizar essa relação com a

família ou responsável para receber o PTM em alta, posto que a família, como uma âncora no

tratamento do PTM, às vezes também requer cuidados e apoio psicossocial dos profissionais de saúde

mental, para um melhor enfrentamento do transtorno mental.

A assistente social preocupa-se, nessa relação, em apoiar a família para receber o PTM

em alta em casa, dialogando com ela acerca dos transtornos mentais, formas e locais de tratamento,

bem como da importância de conhecer as principais causas, manifestações e maneiras de enfrentá-las.

Com suporte psicossocial da assistente social, e algumas vezes do psicólogo, as famílias têm a

oportunidade de acercar-se de conhecimento e de informação sobre o transtorno mental e, assim,

melhor lidar com a doença. Nesse sentido, a assistente social esclarece também sobre a necessidade

e a importância de o PTM retornar à família, como forma de ajudar na sua recuperação, pelo

fortalecimento do relacionamento familiar e social, porquanto o usuário tem o direito de conviver em

sociedade, na família e nos diferentes grupos sociais.

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O hospital serve de apoio para o PTM em crise aguda e a sua família, mas não lhe pode

ser um local de clausura ou de “morada”, conquanto a brevidade dessa passagem é, hoje, um princípio.

Daí que os profissionais de saúde mental, dentre esses os assistentes sociais, têm a árdua missão de

desconstruir, no pensamento dessas famílias, as idéias, solidificadas e consolidadas, de que o melhor

lugar para o PTM é o hospital psiquiátrico, inclusive como espaço de morada. Mas, lentamente é

possível perceber, no cotidiano familiar e hospitalar, a adesão da família, ao tratamento, de forma mais

intensiva e interativa junto à equipe interdisciplinar, o que amplia a cidadania e humaniza a sociedade.

A despeito do exposto, a prática dos assistentes sociais tem, pelo menos, dois efeitos

diferenciados. De um lado, favorece que os PTM, ao receberem alta médica, retornem mais

rapidamente para suas residências, atendendo aos interesses, necessidades e direitos dos próprios

usuários, e, do outro, contemplam aos anseios da instituição, assegurando a “eficiência e a

rentabilidade dos leitos psiquiátricos, ao implementar a reciclagem rápida destes leitos” (ROSA, 2000a,

p.208), principalmente num quadro de crescente demanda por essas internações, que nos últimos anos

se tem expandido, em face da progressiva redução de leitos psiquiátricos, tendo como agravante a

ausência de serviços alternativos ou de uma rede devidamente aparelhada que suporte atender tal

procura em crescimento no país, motivada por múltiplos fatores de ordem econômica, social, política e

cultural. Destarte, como atualmente a Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde, que se norteia

pela progressiva redução de leitos destinados a internações em hospitais psiquiátricos, está em pleno

andamento no país e no Piauí, em contrapartida inexistem medidas efetivas de implantação de serviços

alternativos, nas esferas estadual e municipal, que supram as necessidades da assistência psiquiátrica

advinda da demanda local e das regiões adjacentes, haja vista que, historicamente, o HAA e o

Sanatório Meduna, atendem a pessoas de diversos estados como Maranhão, Ceará e Pará. A

alegação de falta de recursos para a edificação e aparelhamento dos CAPS de responsabilidade do

município ou deste em parceria com o Estado federado é corriqueira mas inconsistente.

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O âmago da questão é saber como ficarão, enfim, os PTM, pois as últimas portarias do

Ministério da Saúde têm exigido que, nos próximos 365 dias do ano de 2005, deverá haver, em média,

a redução para 160 leitos, nos dois hospitais psiquiátricos de referência no Estado, o HAA, da rede

pública (hoje com 200 leitos) e o Sanatório Meduna, da rede privada (hoje também com 200 leitos).

Essa é, na verdade, uma preocupação a ser discutida e amadurecida entre os profissionais da área da

saúde mental, no sentido de pressionar o poder público a assumir a gestão plena da Política de Saúde

Mental, hoje descentralizada, sendo, dessa forma, responsabilidade dos municípios, dos estados e da

sociedade. Ademais, isso retrata o remanescente descaso histórico com a problemática da questão da

saúde mental, que não se faz prioridade no Brasil nem no Piauí, talvez pela desculpa de sua

complexidade e especificidade. Afinal, lidar com a doença mental e o PTM é contatar um mundo de

vidas humanas fragilizadas em que se agudizam problemas sociais comuns no cotidiano dessas

pessoas.

No sentido de discutir a Política de Saúde Mental no Estado do Piauí foi realizado, em

Teresina, de 17 a 18 de abril de 2004, o II Fórum de Atenção à Saúde Mental, sob o lema

“Integralidade, Responsabilidade e Inclusão”, contando com a presença de autoridades do Ministério da

Saúde, na pessoa de Pedro Gabriel Delgado, e dos gestores da saúde no estado e no município. Em

sua exposição, Pedro Gabriel Delgado enfatizou que a Política de Saúde Mental do governo Luís Inácio

Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, é uma prioridade, dando-se andamento à expansão, em

todo o país, dos serviços alternativos, como os NAPS e os CAPS, sendo que atualmente o Brasil conta,

em média, com 250 CAPS, concentrados nas Regiões Sul e Sudeste, nas cidades de maior potencial

econômico-financeiro. O Piauí, entretanto, é um dos poucos estados com apenas um CAPS,

conveniado com o SUS, sendo este serviço responsável pelo atendimento específico dos dependentes

químicos de múltiplas drogas, como alcoolistas, através de equipe interdisciplinar, serviço esse

localizado na Zona Sul de Teresina.

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No referido Fórum, foi avaliado o atual Programa Estadual de Saúde Mental do Piauí,

frentes às novas exigências impostas pela mesma Política, em nível nacional, tendo como norte a

redução progressiva de leitos e a implementação de um novo serviço, com leitos alternativos e

prestação de assistência psiquiátrica nos municípios. No entanto, as condições das prefeituras, que

são o eixo do processo de municipalização da saúde e da saúde mental, não são a ele favoráveis, em

razão dos sérios problemas de ordem financeira e administrativa que atravessam. Por isso, assinala

Vasconcelos (2000, p.57) que as experiências brasileiras, como a de Santos em São Paulo, têm

mostrado a necessidade, para a efetivação da Reforma Psiquiátrica, do estabelecimento de alianças ou

pactos políticos.

A implantação efetiva da reforma depende primordialmente, do que tenho chamado de „pactos políticos e sociais locais‟, em que governos municipais e

a sociedade civil local devem se posicionar claramente em torno das

bandeiras da prioridade do investimento social e da reforma psiquiátrica e

implantar de forma criativa as condições para implementá-la e motivar seus trabalhadores em torno dela.

Nesses termos, no Piauí se está, de fato, distante de alcançar esse nível de entendimento

e compromisso políticos, tendo em vista que, no Estado, a discussão do processo da Reforma

Psiquiátrica se acha dispersa nos diversos segmentos, com pouco poder de mobilização social dos

setores envolvidos e da sociedade com a causa da saúde mental. Mas, na realidade em que se

encontra o Piauí, o Ministério da Saúde mostrou-se acessível a cooperar na criação dos serviços

alternativos, sendo, para tal, elaborado, no final do evento referido, um plano diagnóstico da situação

dos serviços de saúde especializados estaduais, sob a promessa de implantação, em breve, de CAPS

e NAPS nas principais cidades, sobretudo na capital.

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CAPÍTULO IV

O SERVIÇO SOCIAL E A CIDADANIA DO PORTADOR DE TRANSTORNO

MENTAL

No capítulo anterior, viu-se como se deu o processo de constituição, como sujeito

ativo e histórico, do Serviço Social na sociedade brasileira. No presente, objetiva-se analisar

com mais detalhes as discussões acerca da noção de cidadania, relacionando-a aos novos

requisitos postos ao Serviço Social no Brasil, após a aprovação do Código de Ética

Profissional, em 1993. Para essa compreensão, o ponto de partida serão as falas, vivências e

expressões dos sujeitos pesquisados, considerando-os nas particularidades e singularidades de

seus envolvimentos com a prática do assistente social no Sanatório Meduna. Deseja-se ainda

demarcar o conceito de cidadania, dentro de um novo campo e de uma outra perspectiva, que

supere e ultrapasse o seu entendimento clássico de mera garantia de direitos civis, políticos e

sociais, no âmbito da sociedade e do Estado burguês. Tratar-se-á, assim, o tema da cidadania

articulando-o às práticas do Serviço Social ao estabelecer relações profissionais com o PTM e

seus familiares, no espaço da instituição psiquiátrica. Nessa linha de análise, serão tomadas

como referências as contribuições de estudiosos como Telles (1994), Dagnino (1994) e

Vasconcelos (1997), dentre outros que postulam o mesmo entendimento.

4.1 Cidadania e Serviço Social: bases para a compreensão da prática profissional junto

ao portador de transtorno mental

A discussão do tema da cidadania no mundo ocidental não é recente e deve ser

analisada como um fenômeno histórico de profunda complexidade. Um dos pioneiros a lidar

com a temática da cidadania foi Marshall (1967), que debateu a evolução dos direitos dos

cidadãos dentro das desigualdades que marcaram a sociedade burguesa no mundo europeu.

Em seu estudo clássico sobre a sociedade inglesa, o autor leva em consideração o

desenvolvimento histórico dos direitos do cidadão nela inseridos, a partir do século XVIII,

abordando a cidadania sob três direitos principais: o civil, o político e o social. Segundo

Marshall (1967, p.63), os direitos civis incorporados, na Inglaterra do século XVIII, eram

“composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de

imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à

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justiça”. São, assim, os direitos cuja garantia caberia aos tribunais de justiça, se esta fosse

ampla e concernente a todos, significando a igualdade perante a lei e o direito de não sofrer

segregação e discriminação.

Os direitos políticos são característicos do século XIX e relacionam-se, conforme

Marshall (1967, p.63), ao “direito de participar no exercício de poder político, como um

membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros

de tal organismo [cujas] as instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do

Governo local”. Este tipo de direito está vinculado ao exercício do poder político na esfera do

parlamento, expressando-se no fato de votar e ser votado, enquanto os direitos sociais se

corporificam no século XX e estão vinculados “a tudo o que vai desde o direito a um mínimo

de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social

e levar a vida de um ser civilizado, de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade”

(MASRHALL, 1967, p.63-4). Nesta esfera, o cidadão deve ter acesso à herança social,

usufruindo os serviços nela produzidos, de sorte que, na concepção de Marshall (1967, p.76),

“a cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade

[sendo que] todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e

obrigações pertinentes ao status”. Segundo Fernandes (2000, p. 60), “é a cidadania, apoiada

na igualdade entre os cidadãos e na participação plena do indivíduo em todas as instâncias,

que permitirá que as desigualdades dos sistemas de classes possam ser confrontadas”.

Marshall, um dos estudiosos mais citados sobre a temática, trouxe, assim,

contribuições importantes para o mundo ocidental com relação às suas teses acerca do

desenvolvimento da cidadania na sociedade inglesa, sem embargo das críticas que sofreu por

ser esta considerada, dentre outras restrições, uma análise linear, evolucionista, progressiva e

homogênea, concepção essa que, para Vasconcelos (1988), não permitiu a compreensão das

contradições estruturais entre os três tipos de direitos. É que, em seus estudos, Marshall deu

ao tema um enfoque eminentemente cronológico, que não se reproduziu em outras

sociedades, no mundo moderno.

O Brasil, com suas características estruturais de país em desenvolvimento, não

experimentou, por exemplo, a mesma lógica, pois aqui foram adquiridos em primeiro lugar os

direitos sociais, mais enfatizados em relação aos demais. A história brasileira tem mostrado

que a construção da cidadania percorreu um longo e árduo caminho, influenciada pelos

condicionamentos dos conflitos sociais, decorrentes de um modelo histórico marcado pela

exclusão social e extrema pobreza de seu povo. Nesse sentido, Santos (W., 1979, p.75),

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analisando as relações entre o Estado e a sociedade, assinala que o Brasil primeiramente

vivenciou a “cidadania regulada”, no período posterior ao Estado Novo até à chamada

transição política dos regimes ditatoriais, estando ela ligada às relações contratuais de

trabalho, tuteladas pelo Estado, que controlava os cidadãos na esfera do vínculo e dos

conflitos entre capital e trabalho. Nesse horizonte, “a cidadania está embutida na profissão e

os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que este ocupa no processo

produtivo, tal como reconhecido por lei” (SANTOS, W., 1979, p.75), sendo cidadãos aqueles

formalmente vinculados ao mercado de trabalho, no exercício de atividades reconhecidas pelo

Estado, o agente regulador da sociedade. A cidadania, vista por esse ângulo, limita o homem a

um simples consumidor, adstringindo-o ao campo do trabalho e às relações com o capital, no

seio da sociedade capitalista moderna. Dessa forma, desde a década de 1930 a cidadania, no

Brasil, era uma pertença de apenas uma parcela da população, ficando a imensa maioria à

margem desse processo histórico em permanente transformação.

Somente após a promulgação da Constituição de 1988, a discussão da cidadania

ganha força e ênfase na sociedade brasileira, assumindo uma nova dimensão e amplitude, já

que a Carta estende e garante a todos direitos sociais básicos, como saúde e educação,

abrangendo sobretudo os segmentos sociais mais empobrecidos. Este Texto Constitucional é

produto das lutas e movimentos da sociedade civil brasileira e, pela abrangência de seu

conteúdo, recebe a denominação de “Constituição Cidadã”, vista como um avanço singular e

inédito para a sociedade rumo à efetivação da cidadania a todos os brasileiros. Vê-se, assim,

que a cidadania se constrói num processo histórico em constante movimento de mutação,

consolidação e aperfeiçoamento, o qual concebe o homem em sua multidimensionalidade e

pluralidade, com capacidade de criar e recriar as próprias condições de vida a partir de

situações subjetivas e objetivas promovidas individualmente e socialmente no cotidiano,

como sujeitos sociais protagonistas da história.

É nesse esforço teórico que se pretende compreender a cidadania, considerado-a

para além das condições de formalidade e legalidade garantidas na e pela Constituição do

país, concebida como uma construção e reconstrução histórica e permanente de conquistas de

direitos em que esses, em última instância, “não se vinculam a uma estratégia das classes

dominantes e do Estado para incorporação política progressiva dos setores excluídos, com

vista a uma maior integração social, ou como condição jurídica e política indispensável à

instalação do capitalismo” (DAGNINO, 1994, p.108). Ora, essa “nova cidadania”, exige a

constituição de sujeitos ativos, capazes de definir o que entendem por seus direitos, porque

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lutam pelo seu reconhecimento como tal, tendo como base de constituição a incorporação

tanto do direito à igualdade quanto à diferença. No que respeita à diferença, Dagnino (1994,

p.114), alerta que “a afirmação [...] [dela] está sempre ligada à reivindicação de que ela possa

simplesmente existir como tal, o direito de que ela possa ser vivida sem que isso signifique,

sem que tenha como conseqüência o tratamento desigual, a discriminação”. É claro que, para

que esta nova cidadania se efetive, faz-se necessária a criação e consolidação de uma cultura

democrática que sirva como caminho para a construção e transformação de direitos que

ultrapassem os limites do mercado e da inter-relação entre ela, a cidadania e as formas de

consumo.

Essa nova cidadania transcende a relação formal e legal do Estado com a

sociedade, já que implica o reconhecimento de direitos, além de suscitar alterações nas

relações sociais para envolver uma maior e mais expressiva participação dos atores sociais,

protagonistas ativos que lutam para assegurar as mudanças na ordem social consolidada,

fazendo incluir, nesta, novas reivindicações, outras diversidades e diferentes anseios da

sociedade, particularmente dos setores mais pobres e menos favorecidos. Nessa percepção

ampliada, que ultrapassa a órbita da legalidade e da institucionalidade, é preciso se ter claro

que o fato de haver, por parte do Estado, o reconhecimento formal dos direitos não significa

que a luta pela cidadania se encerra ou se finalize, pois esta é uma constante em todos os

espaço sociais e se dá num campo de embate político por melhorias das condições objetivas

de vida de milhões de brasileiros, que buscam a inclusão e o acesso à riqueza social produzida

(e não partilhada) de forma digna pela sociedade e por seus cidadãos.

Outro ponto fundamental, enfatizado por Dagnino (idem, p. 107-8), nessa nova

noção de cidadania, refere-se à própria noção de direitos. Para ela, “a nova cidadania trabalha

com uma redefinição da idéia de direitos, cujo ponto de partida é a concepção de um direito a

ter direitos”. Nessa perspectiva, a concepção de direitos é alterada e ampliada, superando “as

conquistas legais ou ao acesso a direitos previamente definidos, ou à implementação efetiva

de direitos abstratos e formais, e inclui fortemente a invenção/criação de novos direitos, que

emergem de lutas específicas e da sua prática concreta”, sendo alguns deles “direito à

autonomia sobre seu corpo, o direito à proteção ambiental e o direito à moradia [...], [o que

representa] [...] „tornar-se cidadão‟, na difusão de uma „cultura de direitos‟”.

Telles (1994, p.91) também se dedicou ao tema e analisou a construção da

cidadania na dinâmica da sociedade, enfatizando as “possibilidades de [ela] [...] se enraizar

nas práticas sociais”. Ou seja, essa é uma perspectiva em que a cidadania está inscrita num

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terreno de ambivalências em que deve ser levada em conta a historicidade, a cultura e a

política, no seio da sua complexidade e contraditoriedade, pois, para a autora, os direitos são

práticas, valores e discursos que configuram a forma como as desigualdades e as diferenças

são vistas no contexto social público, como os conflitos acontecem e como os interesses são

expressos, na sociedade. Daí que, considerando a dinamicidade societária, os direitos têm

estreita afinidade com a estruturação das relações sociais.

Na medida em que são reconhecidos, os direitos estabelecem uma forma de sociabilidade regida pelo reconhecimento do outro como sujeito de

interesses válidos, valores pertinentes e demandas legítimas. Para colocar em

termos mais precisos, os direitos operam como princípios reguladores das práticas sociais, definindo as regras das reciprocidades esperadas na vida em

sociedade através da atribuição mutuamente acordada [...] das obrigações e

responsabilidades, garantias e prerrogativas de cada um. Como forma de sociabilidade e regra de reciprocidade, os direitos constroem, portanto,

vínculos propriamente civis entre indivíduos, grupos e classes. Melhor

dizendo, constroem uma gramática civil que baliza práticas e interações

sociais por referência ao que é reconhecido como medida de justiça, medida que é sempre alvo de questionamentos e reformulações nos embates e

litígios de posições e interesses, valores e opiniões, mas que é sempre

solidária com critérios, muitas vezes implícitos, não redutíveis às prescrições legais, que fazem a partilha entre o legítimo e o ilegítimo, entre o permitido

e o interdito, o obrigatório e o facultativo (TELLES, 1994, p. 91-2).

Isso não implica dizer que as garantias formais, constitucional e institucional, não

sejam fundamentais e imprescindíveis à sociedade. Na verdade, a cidadania, assim vista pelas

autoras, o é para além da compreensão de mera previsão legal, como costuma ser na

sociedade brasileira. A compreensão de direitos aqui exposta inclui a defesa dos inseridos em

instrumentos legais e também de outros, ainda não assegurados mas buscados pela sociedade,

sobretudo pelos segmentos dos PTM, que se mobilizam, por exemplo, na reivindicação da não

segregação e da não estigmatização da loucura, bem como pelo reestabelacimento da

capacidade de opinar sobre a própria vida e o próprio corpo, o trabalho, as relações sociais, a

participação na educação, na cultura e no lazer. Aspiram a serem iguais no que respeita aos

valores e direitos humanos, sociais e históricos, e a serem diferentes como humanos, dotados

de capacidades, vontades e desejos, em suas singularidades de seres sociais e especiais. Desse

modo, pelo menos nos moldes deste estudo, a cidadania do PTM não pode restringir-se aos

direitos civis, políticos e sociais, mas deve ser ampliada, já que se postula que ela se inscreve

na esfera do direito das minorias sociais, sendo, assim, uma cidadania voltada para as

singularidades e particularidades desse sujeito e de sua família, pois que segundo Vasconcelos

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(1997, p. 137), “em última instância, trata-se de uma cidadania „especial‟ a ser inventada,

marcada pela diferença colocada pela experiência da loucura e da desrazão, e que portanto

não pode ser identificada com a concepção convencional associada ao indivíduo racional,

livre e autônomo”.

Assim, os direitos do PTM devem ser tidos sob ótica ampla, à luz de uma nova

compreensão, que envolva os tradicionais (civis, políticos e sociais) e o à diferença, enfim, o

direito a ter direitos, livres de situações vexatórias e até para além dos comuns a todos, em

virtude de sua condição especial, própria de seres especiais. Respeitadas as suas limitações,

ele tem direito a, por exemplo, tratamento especializado e de qualidade, promovido pelo

Estado e que lhe garanta a integridade física, mental e moral. Dessa forma, no contexto de

uma sociedade de classes, como a do Brasil, país de intensos contrastes, falar da cidadania do

PTM é algo complexo e ambivalente, porquanto as noções de direitos civis e sociais

representam uma área de tensão constante nas relações sociais em que o seu exercício,

sobretudo o dos sociais, avançam na esfera legal sem, no entanto, se efetivarem na prática.

No Brasil, país com pouca tradição em direitos, estes não têm sido assegurados à

população, principalmente na atual conjuntura econômica, política e social, marcada pelo

aumento do desemprego e da violência social, que deixam à margem milhões de brasileiros,

na condição de pré-cidadãos, em miséria gritante. Se, nesse país, a população tem dificuldade

de acesso aos direitos civis, sociais e políticos, para os PTM isso é ainda mais complexo e

desafiador. Tais reivindicações dos direitos do PTM vêm, no entanto, sendo discutidas e

propagadas, tanto no Brasil, quanto no mundo, por setores da sociedade civil, dos

trabalhadores e por associações de usuários dos serviços de saúde mental, que se organizam e

se fortalecem, tendo como preocupação principal ultrapassar a percepção dos direitos

tradicionais (civis, políticos e sociais) para os pôr sob a perspectiva de, no dizer de

Vasconcelos (1997), uma cidadania especial.

No âmago do debate, tendo-se demarcado os parâmetros da compreensão da

cidadania e de sua complexidade como um processo histórico e político em permanente

construção em que só o arcabouço legal e formal não são suficientes para garantir o seu pleno

reconhecimento e exercício pela população, o esforço se dá no sentido de abordar e

interrelacionar a prática do assistente social gravitando à defesa do exercício da cidadania do

PTM, como usuário dos serviços sociais de saúde mental, dentro da instituição psiquiátrica,

através e para além das conquistas legais. Analisar a prática profissional do assistente social

numa perspectiva centrada nos direitos e na cidadania dos usuários dos serviços de saúde

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mental tem por base, inicialmente, na América Latina e no Brasil, os aportes do Movimento

de Reconceituação dos anos de 1960 e posteriormente a Constituição Brasileira de 1988, que

avança na questão dos direitos sociais, o Projeto Ético-Político da profissão, consubstanciado

no Código de Ética e na Lei de Regulamentação, ambos de 1993 e as atuais Diretrizes

Curriculares, dos Cursos de Serviço Social que norteiam o processo de formação da categoria.

Nesses termos, do ponto de vista retórico-discursivo, a visão do Serviço Social na direção dos

direitos e da cidadania é uma realidade inconteste, tanto que trabalhar nesta perspectiva

confere-lhe, no entendimento de Gentilli (1998, p.178), a ênfase na postulação de que

os assistentes sociais estão entre aquelas categorias de pessoas que devem

proteger os direitos dos usuários dos serviços das organizações em que trabalham. Mais que isso: são também responsáveis pela criação de uma

mentalidade moderna, entre os usuários, referente ao desenvolvimento pleno

de suas vivências enquanto cidadãos autônomos, responsáveis e ativos.

Para Gentilli (idem, p.172), a relação do Serviço Social com a defesa dos direitos

e da cidadania de todos aqueles com os quais mantém relações e vínculos profissionais é

histórica, até porque a cidadania se relaciona numa “interface com o Serviço Social, da qual

este não tem como se dissociar”, no processo de provisão e geração de bens e serviços e no

desempenho de suas atribuições, orientando sobre direitos e prestando informações. Enfatiza

Gentilli que o compromisso do Serviço Social com a cidadania é algo que faz parte da história

do país, existindo no âmbito da categoria uma responsabilidade moral, atribuída à profissão

pela sociedade, e que tal compromisso, nas últimas décadas, se vem fortalecendo à medida

que os assistentes sociais ampliam o raio de atuação para diversos campos ocupacionais,

como a saúde e, nesta, a saúde mental. No entanto, para Netto (1996) Iamamoto (1998), o

discurso do Serviço Social na direção da cidadania se deu, de modo mais amplo e profundo, a

partir do Movimento de Reconceituação, ocorrido em 1965 no Brasil e na América Latina,

quando a profissão explicita de forma clara seus compromissos com a defesa dos

trabalhadores pobres e oprimidos.

Mas até que ponto o discurso da cidadania e dos direitos se efetiva, de fato, na

prática cotidiana do profissional? Infelizmente, apesar dos avanços, há uma defasagem

significativa entre os discursos e a prática profissional, entre o escrito na lei e o real do

cotidiano de milhares de brasileiros, entre as intenções e as ações. Certamente essa assimetria

não se manifesta somente no âmbito do Serviço Social, mas é uma demonstração do que

acontece na sociedade, no Estado e em outras profissões, sendo essas e outras inquietações

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que moveram a pesquisadora ao desenvolvimento desta pesquisa. No cenário do Piauí, esse

discurso, no sentido da cidadania e dos direitos, também está presente entre os assistentes

sociais, embora estudos, como o de Guimarães (1987), dentre outros, apontam, sobretudo, que

o discurso profissional na direção dos direitos e da cidadania dos usuários, está distante de se

efetivar concretamente, pelo menos de modo mais amplo e profundo.

No cotidiano do Sanatório Meduna, instituição onde foi realizada a presente

pesquisa, a realidade experimentada pelas assistentes sociais não é muito diferente do

contexto referido. Com efeito, nas reuniões com os usuários e familiares, nas discussões em

equipes, nas conversas de corredores, nos livros de relatórios e em outras atividades, há

evidências que sinalizam a preocupação com os direitos sociais e a cidadania dos PTM,

embora a prática cotidiana do profissional de Serviço Social, por ser dinâmica, complexa e

contraditória, em dados momentos, situações e circunstâncias deixa a desejar, no que

concerne ao aprofundamento desse compromisso. No estudo realizado, as assistentes sociais

acenam, de um lado, que sua prática mudou, nos últimos anos, para atender melhor à evolução

das sociedades brasileira e piauiense e ao conjunto das exigências e demandas postas ao

cotidiano profissional, mas entendem, por outro, que os usuários dos serviços sociais e em

particular os de saúde mental estão, ativamente, mais conscientes a respeito de seus direitos

civis e sociais, assegurados pela Carta Magna de 1988. Esses dois aspectos têm corroborado

para que as relações profissionais entre o assistente sociais e o PTM e suas famílias adquiram

novos contornos e significados. Aliás, enfatiza Sandra,33

uma assistente social entrevistada,

que

o assistente social atua como se fosse um mediador, encaminha e orienta o

paciente e a família a outros atendimentos, é o assistente social que facilita

as informações. Então, hoje existe uma preocupação maior por parte do assistente social [...] em respeitar o doente mental como um todo, não vê só

o problema dele limitado àquela doença, mas vê toda a estrutura, todo o

contexto em que o paciente se encontra, [o que] foi reforçado da Constituição de 1988 para cá, respeitando os direitos e deveres do paciente e

da família como um ser humano.

Como se vê, um dos papéis exigidos ao profissional de Serviço Social é o de

mediatizar a relação entre a população, a instituição, os direitos e a cidadania dos PTM.

Gentilli (1998, p. 182) reforça essa análise ao assinalar que os assistentes sociais fornecem e

33

Conforme se tem mencionado no capítulo anterior, neste estudo os nomes dos sujeitos entrevistados são

fictícios.

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asseguram ao usuário informações acerca das normas institucionais, dos benefícios ao seu

alcance e dos “trâmites burocráticos [que] no mínimo [podem] possibilitar-lhe as condições

básicas de discernimento sobre aquela realidade social e institucional em que se encontra

vinculado”. É, assim, o assistente social o responsável pela viabilização e mediatização dos

direitos dos usuários e de sua família, os assegurados pela Lei Maior do país e os que não

foram ainda consolidados em leis e mecanismos de proteção social mas são pontos de luta e

movimentos reivindicatórios do PTM como ser social especial. Por essas e outras razões, o

assistente social é o profissional imerso no cotidiano do PTM e do grupo familiar com os

quais mantém relações profissionais, estabelecendo vínculos com os movimentos mais amplos

ou específicos da sociedade para atender às suas diversas demandas e necessidades objetivas,

subjetivas, singulares e coletivas.

Os produtos a serem proporcionados pela ação profissional a estas demandas – pensados da lógica da profissão aqui formulada - são delimitados e

configurados pela natureza social e política da profissão, inscrevendo as

respostas profissionais nos vários planos da cidadania: no do direito de fazer

escolhas, de ter liberdade individual: de locomoção, de ser informado, de emitir opiniões, de fé, de propriedade, de contrato de trabalho etc.; de

participar da vida política da nação: das esferas de poder, de votar, de ser

votado, de exercer cargos públicos; de compartilhar dos bens social e culturalmente produzidos a partir da generalização dos novos padrões

civilizados da sociedade moderna: adquirir bens no mercado e, na

impossibilidade disto, ter acesso, via proteção social, aos mínimos padrões de dignidade humana (GENTILLI, 1998, p.194).

É nessa perspectiva que o profissional de Serviço Social tem tido, nas últimas

décadas, a preocupação em viabilizar o acesso aos serviços sociais e a proteção social dos

PTM que lhe mandam a ação, na ótica da cidadania e dos direitos, de cuja titularidade eles e

suas famílias têm mais consciência e por isso, lutam sob diversas maneiras e alcances. O

depoimento abaixo, retrata a ampliação dessa consciência:

Em primeiro lugar, essa pessoa [PTM] tem o direito de ser atendida com

todo o carinho, respeito e amor, porque só o fato dela já ser uma doente

mental já tá dizendo que ela não tem o equilíbrio próprio como nós que temos a cabeça mentalmente equilibrada, por isso ela precisa ser atendida

com carinho, com respeito e com amor, com paciência. Ela [o PTM] também

tem direito a uma boa formação de brincadeiras, diversão e música adequada

(Cassandra, usuária).

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Com essa percepção e levando em consideração essas e outras questões existentes

no âmbito da instituição pesquisada, a análise dos dados coletados e as falas dos sujeitos, em

especial as das assistentes sociais, infere-se que seus discursos e seu exercício profissional

expressam, no geral, a busca da efetivação dos direitos dos usuários. Ou seja, o profissional de

Serviço Social, no cotidiano de sua prática, entendida como processo dialético inserido na

contraditoriedade, singularidade e totalidade histórica da sociedade e das instituições públicas

ou privadas, é claramente favorável ao usuário, (VASCONCELOS, A., 2002). Isso é revelado,

respectivamente, pela assistente social Sandra e pela psiquiatra Fátima, membros da equipe

interdisciplinar:

Bom, eu acho que o assistente social tem uma preocupação em respeitar os

direitos do paciente como um ser humano, em respeitar a família como parte

de uma sociedade capitalista, em respeitar os direitos do paciente. Eu acho que o assistente social está sempre respeitando o paciente em si, está sempre

orientando os funcionários, mostrando aos funcionários que nós estamos

aqui para servir ao paciente [...]. Então, a gente está sempre respeitando, procurando respeitar o espaço do doente mental, mostrando para ele,

trazendo o paciente algumas vezes para a realidade, elevando assim a auto-

estima do paciente, vendo o paciente não só como um doente mental, mas

vendo-o como uma pessoa, um ser humano que convive, que tem direito de conviver em sociedade, que tem direito de exigir um tratamento adequado,

porque ele não está aqui de graça, ele está aqui porque paga seus impostos,

porque os pais, os irmãos, os vizinhos pagam impostos, porque tem o direito de está aqui dentro, não é porque ele está pelo SUS que vamos achar que ele

está aqui de graça. [...] a gente vê o paciente como um usuário, que precisa

retornar para a sociedade e para sua vida no dia a dia, na convivência

familiar.

Acho que sempre houve a preocupação [com direitos] e esse trabalho em

valorizar o paciente, para que o paciente fosse tratado como ser humano, alguém que está ali fragilizado, mas que é um ser humano que tem deveres e

direitos como todo mundo. Então eu acho que de uns tempos para cá isso

tem sido mais visível, esse trabalho.

À luz dessas falas dos profissionais de Serviço Social e de outros setores e das

observações realizadas e experimentadas no cotidiano institucional, percebe-se que a

preocupação central da prática profissional se volta para a questão da cidadania e dos direitos

dos usuários como pessoas e como portadoras de necessidades especiais, que devem ser

atendidas pelo Estado e pela sociedade. Os depoimentos destacados enfatizam que o

profissional não só pensa, mas age intencionalmente para garantir a cidadania e os direitos do

PTM, sensibilizando os demais envolvidos no processo de tratamento a compartilhar dessas

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idéias e propostas, já que ele é um sujeito de direitos como qualquer outro cidadão e, por isso,

tem legitimidade para participar do processo de desenvolvimento da sociedade e das riquezas

por ela produzidas. Nesse mesmo rumo, a análise da prática profissional, sob o ponto de vista

dos PTM e de seus familiares, mostra a construção de percepções que elucidam a intenção do

assistente social em trabalhar para assegurar os direitos deles no cotidiano de sua intervenção.

Daí que Cassandra, uma usuária, diz que

eu acho que o assistente tem que se preocupar com o tratamento do paciente, tem que se preocupar se ele tá precisando de alguma coisa, como a

alimentação, o tratamento, se o paciente tá passando por momento difícil,

deve ajudar o paciente com amor e carinho, deve se preocupar com os direitos dos pacientes.

Para além dessas considerações, a apreensão da prática do assistente social sob o

compromisso com os direitos e a cidadania dos usuários se dá num contexto

multidimensional, em que estão inseridos a história, a sociedade, a instituição psiquiátrica e os

sujeitos dela participantes, de sorte que compreender essa questão é de suma importância para

o exercício profissional, porquanto essas múltiplas dimensões da prática se apresentam em

movimentos dinâmicos de lutas, com contradições, avanços e recuos. No espaço sócio-

institucional do Sanatório Meduna, o profissional atua, segundo a assistente social Mariana,

para concretizar, efetivamente, os direitos dos usuários.

A gente está fazendo na instituição que esse doente seja respeitado enquanto

pessoa, nós fazemos com que a personalidade dele volte a ser um cidadão com direito, com obrigações na sociedade. Eu acho que os direitos dos

usuários da instituição têm que estar de acordo com as normas que regem

aquela instituição e [...] acho que os direitos dos pacientes estão sendo respeitados e são satisfatórios.

Na rotina do Sanatório Meduna, o profissional de Serviço Social é solicitado em

diversos setores (Unidade de Internação, Pavilhões, portaria, etc) para atender ao PTM e suas

famílias ou a outras instituições na prestação de informações acerca dos serviços prestados à

comunidade. São, assim, muitas as demandas que chegam ao Serviço Social vindas das

equipes interdisciplinares, do PTM e sua família e da sociedade piauiense, que dizem respeito,

em última instância, às problemáticas sociais dos usuários e familiares marcadas por dilemas,

movimentos e contradições, objetivas e subjetivas, individuais ou coletivas. Trata-se,

parafraseando Gentilli (1998, p.193), “de questões impregnadas de conteúdos psicológicos

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referentes a sofrimentos psicossociais [do PTM e familiares] que comparecem nos serviços,

buscando, além de benefícios sociais, escuta e acolhimento”, dentre outras mobilizações ao

profissional. É que, como seres humanos, têm eles necessidades diversas, e almejam serem

ouvidos e recebidos como cidadãos, com potenciais a serem desenvolvidos e valorizados, com

direitos já constituídos ou a serem efetivados na sociedade, porquanto sujeitos sociais capazes

e portadores de direitos e deveres.

É nos espaços institucionais, públicos ou privados, que o assistente social tem sido

o profissional legitimado, historicamente, na divisão sóciotécnica do trabalho, para o

desvendamento e o enfrentamento dessa realidade social complexa e contraditória, com

múltiplas faces e questões inerentes, onde estão inseridos o PTM e sua família. Daí que o

assistente social vem, ao longo dos anos, em particular nas últimas duas décadas, assumindo

posturas mais comprometidas, em busca de responder a essa problemática através de

encaminhamentos, aconselhamentos e orientações, entre outras atitudes, sob a ótica de

propiciar acesso a direitos e à cidadania não como favor ou benesse. O propósito é, pois,

atender às diversidades de demandas que, direta e indiretamente, são canalizadas para o

profissional no cotidiano das instituições, em especial no Sanatório Meduna, no qual as falas

escolhidas e as observações vivenciadas na prática profissional revelam que o usuário o

considera como um local “bom”, onde se sentem, até certo ponto, bem tratados e vêem seus

direitos assegurados e respeitados. É que esse hospital, sobretudo para os que têm várias

internações, é um lugar onde fazem novas amizades, descansam, repousam, recuperam-se e

travam bons relacionamentos com os funcionários. Os depoimentos abaixo revelam o “olhar”

dos usuários sobre suas vivências no Meduna:

Acho que [os direitos] são respeitados, porque todos me respeitam dentro do

hospital, tudo que eu preciso, tudo que eu desejo, tudo que peço aos

funcionários, os enfermeiros, os psicólogo, a assistente social. Eu sempre fui

bem atendido e sempre me trataram bem e não tenho o que dizer, pois todos tentam me ajudar (Sérgio).

Sou tratada bem, eles me dão remédio na hora certa, me convidam para fazer

terapia. São respeitados [os direitos] e quando fazem alguma coisa comigo,

eu reclamo logo. Eu gosto da visita e da alimentação (Francisca).

Apesar dessas percepções positivas, normalmente existem sentimentos negativos

sobre o ambiente hospitalar, que é, para alguns usuários, um lugar hostil e pouco agradável,

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que os isolam e os privam do mundo exterior, deixando-os sem liberdade e com os seus

direitos civis desrespeitados, já que devem cumprir as normas e rotinas que regem a

instituição. Nessa situação, geralmente o usuário sente ansiedade, angústia e desejo de sair do

hospital, sem mencionar a revolta, que algumas vezes há, por não aceitarem e não

concordarem com a internação ou a condição mesma de interno em hospital psiquiátrico. O

usuário, se assim se manifesta, questionando para a equipe indisciplinar a internação e os seus

motivos, esta avalia o caso e, se necessário, convoca a família, a fim de adotar uma posição

acerca do PTM que se acha prejudicado. Com efeito, os usuários internos, nesse universo

institucional de múltiplas experiências, entendem que a garantia de seus direitos passa

necessariamente, pelo conjunto das situações vividas no ambiente hospitalar, principalmente

no que concerne àquelas relacionadas ao tipo de tratamento oferecido. Quando indagados

sobre seus direitos, os usuários apontam desde os vinculados à satisfação das necessidades

básicas, como alimentação e medicação em horários regulares, até ao de terem atividades de

lazer e recreação e ainda o de receberem tratamento carinhoso, afetivo e paciente.

[O usuário] tem direito a um bom tratamento e muita paciência, tem direito à

medicação, pois tem pessoas que precisam e não tem essa medicação, é

preciso ter também muito carinho, por parte da família [...]. É preciso ter

respeito e consideração (Cassandra, usuária).

O paciente tem direito ao almoço, ao remédio, à alimentação, à dormida,

também eu acho importante [...] direito a um tratamento (Manuel, usuário).

Tem direito a um alimento, ao um bom tratamento [...]. Tem direito a ser

respeitado, como você faz, Adriana [...]. Tenho direito a tomar o remédio

(Conceição, usuária).

Eu acho que ela [a usuária] tem direito a ser tratada bem, a andar do jeito dos

outros, ser atendida, ter um bom atendimento, alimentação (Francisca, usuária).

De modo geral, essas falas exprimem os fortes sentimentos dos usuários, que

marcam a vida de quem freqüenta o serviço de internação do Sanatório Meduna e desvelam

como percebem o tratamento a eles dispensado. Como se vê, exigem eles que o tratamento

seja não só medicamentoso e psicossocial, mas também baseado no carinho, na atenção e no

respeito, vendo-os com necessidades múltiplas e variadas, objetivas e subjetivas, que devem

ser satisfeitas no âmbito institucional, na perspectiva dos direitos e da cidadania. Tal

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entendimento do PTM se relaciona, principalmente, ao tipo de vínculo que estabelece com os

profissionais da equipe interdisciplinar, como o médico e o assistente social, constituído,

sobretudo a relação com o assistente social, por laços de confiança, respeito e amizade,

havendo uma empatia carregada de reciprocidade e afetividade quando o profissional se torna

uma pessoa próxima e de confiança, com a qual o PTM pode contar nas horas difíceis,

principalmente enquanto internado. O assistente social, em específico, é geralmente visto

como o profissional que mantém e lhe assegura, entre outros direitos, o contato com o mundo

exterior e a família. É o que afirma o depoimento de Raimunda:

Eu me sinto familiarizada quando alguma assistente social chega perto de

mim, parece uma pessoa da família. Acho que são respeitados sim [seus direitos no hospital], todos, às vezes quando estou com alguma dificuldade e

me dirijo a alguma assistente social, ela com carinho se expande [esforça-se]

para atender o que a gente está necessitando. É muito importante uma

assistente social dentro do hospital.

Quanto aos psiquiatras, os usuários relatam que também se sentem bem,

expressando uma relação de segurança, carinho e amizade. Assim, revela Cassandra, usuária

do serviço de internação integral, que

os médicos me tratam com muito carinho, principalmente o Dr. Carlos Silva,

ele me ajudou muito. Ele me orientou a continuar o tratamento no Hospital-Dia, eu nunca esqueço disso, então devo minha melhora a ele e aos outros

médicos, que já cuidaram de mim.

O usuário também percebe os seus direitos garantidos quando precisam de

internação e a tem assegurada, recebendo um bom tratamento na instituição. É que o acesso à

internação é visto como um direito do paciente, um dever da instituição e do Estado, este o

gestor das Políticas de Saúde Mental. Enfim, a noção de direitos por parte do PTM e suas

famílias é, assim, bastante significativa, sendo representadas em suas falas e visível nas

relações que mantém com a instituição e com os profissionais. Alguns usuários asseveram

então que

meus direitos são respeitados, até hoje graças a Deus, eu acho que sim.

Porque a gente pelo menos tem o direito, a gente vem para cá porque tem direito e aí chega aqui. Direito, assim, porque o SUS paga para a gente,

porque a gente já trabalhou muito e agora tá doente, aí o hospital tem que

cuidar da gente (Manuel, usuário).

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acho é que os direitos do paciente é ser tratado com humanidade e educação,

porque a pessoa já vem para cá procurar um tratamento que lá fora não se

encontra, e se aqui ele encontrar aqui o mesmo tratamento que tem lá fora, de ignorância e de falta de compreensão? (Antônio, usuário)

Nessas falas se revelam fragmentos que retratam que a noção de direitos está na

garantia da oferta e no acesso a esses serviços de saúde, fazendo parte o tratamento acolhedor,

qualitativo e respeitoso ao PTM. Se, pela ótica do usuário, a instituição é um local de

ambigüidades e ambivalências, já que se constitui em um ambiente hostil para uns mas bom

para outros, como promotora dos serviços de saúde aquela procura vê-lo em sua pluralidade e

dinamicidade, considerando-o um sujeito de múltiplas determinações, necessidades e

potencialidades, de sorte que deve ser tido como prioridade, ouvido e atendido. Relata um dos

diretores da instituição que

o que a gente pode fazer é ouvir o paciente. Então, a gente escuta a opinião

sobre como está a comida, sobre os horários do refeitório, se vai fazer alguma mudança, conversa antes, afinal eles são nossos patrões, o hospital

existe para eles e por causa deles. Então, para a gente fazer um bom serviço

aqui não adianta ficar querendo só coisas da nossa cabeça, porque o nosso

serviço é para eles. Então, eles é quem tem que estar satisfeitos e não nós. Assim, não tem nem que dizer que o paciente psiquiátrico tem direitos, como

todo mundo tem. Em algumas situações o paciente não tem condições de

resolver legalmente os seus próprios problemas, mas isso é uma exceção. A grande maioria dos pacientes psiquiátricos tem condições de ter seus direitos

civis garantidos (Carlos Silva, diretor técnico).

No depoimento a seguir, outro diretor, um dos mais antigos, se expressa nessa

mesma direção, assinalando que o Sanatório, desde a fundação, sempre teve os direitos do

paciente como um dos elementos principais. Diz que, quando Clidenor de Freitas Santos

decidiu construir o próprio hospital, tinha em mente um local que assegurasse um tratamento

de qualidade aos PTM.

No tempo em que eu administrava, eu me preocupava muito com os direitos

do paciente, eu não admitia por hipótese alguma que o doente fosse agredido, maltratado, mal acomodado. Eu ia todos os dias, em todos os

setores, olhar, não confiava em mandar ninguém, ia ver como era, como não

era. [...] Em primeiro lugar o doente, em primeiro lugar o paciente. Clidenor,

quando criou o Meduna, queria criar um lugar que fosse moderno para tratar o doente, com dignidade (Luís, diretor clínico).

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Esses depoimentos revelam que, através dos anos, a instituição, reconhecida como

prestadora de serviços de saúde, assumiu o compromisso de promover a efetivação e o zelo

para com os direitos daqueles que lá se internam. Ademais, os usuários, em suas falas,

denotam o direito de serem respeitados pela família, que deve entender suas crises e

comportamentos diferenciados, sem que sejam discriminados ou rejeitados, uma vez que o

fato de terem transtorno mental não é motivo para repúdio familiar nem de restrição de acesso

ao espaço social.

A família, ela tem que entender o doente mental, aceitar, respeitar ele, na forma que ele é, não em tudo, porque às vezes ele fica agressivo, mas a

família também não pode espancar ele, mas tem que tratar com amor,

explicando que precisa tomar o remédio (Cassandra, usuária).

Na minha família há discriminação, sim. Porque minha mãe não tem

formação nenhuma e por qualquer coisa chama logo a gente de “louca”, de

“doida”, está entendendo, Adriana? Não tenho apoio na família, a não ser de minha filha, que agora está aqui [morando juntas] estudando, mas é uma

discriminação horrível, dentro da família a gente se sente pequena, sem

apoio (Raimunda, usuária).

Por outro modo, assinalam os PTM que a sociedade deve entendê-los como

pessoas capazes de ser produtivas e de assumir responsabilidades, em especial quando fora da

crise e em discernimento e lucidez, pois, normalmente, são vistos pela sociedade como

pessoas pouco confiáveis, sem condições de arcar com compromissos no espaço social, o que

os põem em situações de humilhação e lhes ferem a integridade. Por conta do preconceito,

afirmam que algumas vezes até conseguem emprego, mas quando a sua condição é

descoberta, as chances de permanência no trabalho são reduzidas, até ínfimas, casos em que,

em geral, são dispensados, sob alegações as mais diversas.

Fora do hospital, na sociedade, deveria não haver discriminação para o

trabalho. Porque quando a gente sai do hospital, [após a alta] eu mesma, que sou cozinheira e costureira, demoro muito para conseguir trabalho [...] por

que há discriminação, elas pensam que a gente cai na depressão porque a

gente quer [...]. Não é que eu tenha dificuldade para me relacionar, é que quando as pessoas ficam sabendo que eu uso esses remédios controlados

[psicotrópicos], elas não me aceitam no trabalho, elas me rejeitam

(Raimunda, usuária).

Dentro da sociedade ele [PTM] precisa ser tratado como um ser humano,

como todos nós que somos seres humanos e todos nós podemos ter doenças,

todos nós. Uns têm aids, câncer, outros são desequilibrados mentais, outras

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são nervosas, outros são agressivos, então ele tem que ser tratado como um

ser humano de forma geral, não pode ser discriminado de forma nenhuma,

isso é uma injustiça, é um crime (Cassandra, usuária).

Então, essas pessoas têm o direito a ser respeitada, têm direito ao trabalho e

não ser difamado pelos vizinhos. Assim, falar mal, dizer: aquele é um

“louco”, vive internado no Meduna. Então, acredito que é isso aí, a importância de chegar em casa e os vizinhos darem apoio e aquelas pessoas

da comunidade também (Sérgio, usuário).

As falas revelam que, na família e na sociedade, são marcantes e comumente

observadas situações de constrangimentos a que estão submetidos o PTM, em decorrência do

preconceito e do estigma do transtorno mental que, em relação a outras doenças, como câncer

e aids é a que mais limita os seus portadores nas diversas instâncias sociais. Se, no hospital,

são minimamente respeitadas, fora dele sofrem constantes discriminações, exclusão e

humilhações, sendo-lhes negado acesso ao trabalho e rotulados de “loucos”, devido à

passagem por ou as internações em hospital psiquiátrico. A família e a sociedade precisam,

então, avançar no debate acerca da cidadania especial, a ser assegurada aos sujeitos com

necessidades especiais, como os PTM.

Assim, para além das questões aqui expostas e considerando a realidade social

vivenciada pelos PTM, em sua trajetória de vida como usuários contínuos dos serviços de

saúde mental, vê-se que criticam e reivindicam mais atenção e uma assistência especializada

de melhor qualidade, que os tratem com respeito e dignidade. É que eles exigem, como

usuários dos serviços de saúde, que seus direitos e sua cidadania sejam assegurados, lutando

ainda para serem aceitos como diferentes, porém sem discriminação de qualquer ordem ou

natureza. Há, aliás, com relação à problematização dos direitos e da cidadania pela família ou

responsáveis, uma certa semelhança com o exposto nas falas dos usuários. Apesar de se

verificar incompreensões e preconceitos dentro de dadas famílias, o que constata-se, que, no

geral, a família e o responsável pelo PTM os vêem em sua integralidade, expressando que

tem direito a tratamento e internação, quando precisar. Os depoimentos, seguintes são

reveladores do que se quer pontuar.

No meu entendimento, o direito da pessoa [PTM] é ter vaga nos hospitais quando precisar internar, para se tratar, tomar o remédio. [...]. Eles ficam

muito agressivos e quando não tem vaga ficam perambulando pelas ruas,

porque eles só tomam o remédio quando estão internados. Então, eu acho que eles têm o direito ao internamento na hora certa (Maria Antônia,

familiar).

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Eu penso que ele tem o direito de fazer o tratamento médico, ter o

acompanhamento médico (Marcelina, familiar).

A família percebe os direitos do PTM associando-os ao tratamento, mas não a

qualquer tipo de tratamento. Expressa que, quando internos, têm o direito a uma assistência

de qualidade, sendo bem tratados na instituição como pessoa e como PTM, devendo o serviço

de saúde acolher o seu ente querido com respeito, dignidade e acesso às informações

necessárias à sua recuperação.

Ela tem o direito de ter um tratamento adequado, a medicação que desse

certo de ela melhorar, ter um conforto, alimentação (Marcelo, familiar).

Ela tem direito a ser bem atendida, o maior prazer que a gente tem é chegar e

ver que ela está sendo bem tratada [...]. Ela tem direito à alimentação (Mirtes, familiar).

No hospital, não gira em torno da minha cabeça, mas eu acho que, como

aqui, eu vejo que eles têm um bom tratamento, observo que não é como em outras clínicas, onde ela não melhorava. Então, eu acho que eles têm o

direito a um tratamento adequado (Mônica, familiar).

Acho que o paciente deveria ter uma atenção especial, tratamento especial

por ele ser um doente mental ou deficiente mental, isso requer mais atenção

para com ele. Acho que deveria ter alimentação na hora exata, roupas,

higiene, atendimento médico, lazer, enfim, tudo isso (Maria Eduarda, familiar).

Essas expectativas das famílias, que expressam o desejo por um tratamento de

qualidade para o ente querido mentalmente enfermo, fazem parte do universo da maioria, que

encontram no hospital um lugar “adequado” para deixar o PTM em crise, esperando da

instituição que atenda a contento o internado, não apenas lhe oferecendo medicação mas

também alimentação, higiene, carinho e lazer. Na verdade, do mesmo modo como para a

maioria dos usuários, os familiares ou responsáveis sentem-se relativamente respeitados no

que refere ao ambiente hospitalar e entendem que a garantia dos direitos e da cidadania dos

PTM se relacionam a um serviço de qualidade, sobretudo se internos no Sanatório Meduna.

Ademais, a compreensão de efetivação dos direitos, na ótica dos familiares, apresenta-se,

ainda, vinculada à qualidade das relações entre os usuários e os profissionais da equipe

institucional, que se deve caracterizar pelo respeito, afeto, atenção e educação, considerando

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os enfermos nas suas particularidades e singularidades. Diz, então, José Filho, um familiar,

que

os direitos que [os usuários] têm, no meu entendimento [é] primeiro [...] o direito a ser cidadão, de ser bem tratado, [pois] mesmo como doente é um

cidadão ou cidadã e tem que ser bem tratado pelos parentes, pelos médicos,

pelo assistente social e por todos as pessoas que acompanham o tratamento.

Vê-se, nesse caso, a referência aos profissionais da equipe interdisciplinar, em

particular aos assistentes sociais e aos médicos, que procuram viabilizar os direitos do PTM

com informações e orientações acerca dos serviços e benefícios oferecidos pela instituição.

Assim, de acordo com as falas e gestos dos sujeitos entrevistados, fica evidente uma prática

profissional do assistente social voltada para os direitos dos usuários. Por outro lado, nos

depoimentos o hospital psiquiátrico aparece normalmente configurado como um refúgio para

os PTM, já que a outra opção que lhes resta é a própria rua, onde se expõem a inúmeros riscos

e ficam sem um tratamento que lhes assegure o bem-estar, notadamente nas crises agudas.

A “rua” é, com efeito, um espaço da marginalidade, com um sentido simbólico

negativado e associado às “coisas do mundo”, caracterizando-se, por isso, como um lugar de

contrastes, que traz o perigo e o estranho e o oposto da “casa”, o locus familiar e da

intimidade, onde se convive por laços de afetividade (DA MATTA, 1997). No geral, os

sujeitos da pesquisa demonstraram gostar do ambiente do hospital, referindo ser ele um lugar

até “bom”, no qual as necessidades básicas (alimentação, proteção, medicação, etc) são

atendidas e estão “protegidos” das ameaças que a rua oferece, como o abandono, a fome, a

violência, o desprezo, a solidão, os maus-tratos, os preconceitos, tudo isso que põe sua

integridade física e mental em maior risco. Nessas situações, o hospital assume, para o PTM

em crise, um caráter protetor, pelo menos em alguns aspectos:

Aqui [no hospital] é o melhor lugar para ela ficar, eu não me preocupo, acho que ela está bem “guardada” [...]. Ela estando fora do hospital, eu fico

temerosa em que possa acontecer alguma coisa com ela, [pois] na rua ela é

agredida (Maria Antônia, familiar).

A vida fora do hospital é ruim, discriminam muito a gente (Silvano, usuário).

Lá fora tem discriminação, principalmente em Timon, onde eu moro, é um

pessoal “besta”, às vezes até os parentes ficam criticando, mas eu não ligo

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mais para isso, eles vão perder o tempo deles. Às vezes os próprios vizinhos

rejeitam a gente, é melhor ficar no hospital, quando a gente está em crise

(Silvano, usuário).

Apesar de um local historicamente causador de medo e repúdio e visto como um

ambiente abominável pelas suas estruturas de instituição fechada, o hospital psiquiátrico

continua, na maioria das vezes, como umas das únicas opções para as famílias, sobretudo as

de baixa renda, com PTM em crise aguda. Dessa forma, assume ele um papel, de certo modo,

“positivo, [...] que cumpre a função de refúgio nos períodos de sofrimento e [de viabilização]

do direito da família à co-responsabilidade pública com o cuidado e tratamento de seu

membro com problemas mentais” (VASCONCELOS, 1992 apud ROSA, 2000a, p.67). Com

efeito, nas falas, as famílias e usuários raramente mencionaram não gostar do hospital,

embora, quando alguns entrevistados o critiquem, isso se restrinja a algo que lhe desagradou,

como determinada atitude desrespeitosa de funcionários ou de profissionais, a perda de

objetos pessoais, problema de alimentação ou, ainda, a saudade de casa e a ansiedade pela

alta. Não mencionam, porém, que o ambiente hospitalar seja um local ruim ou hostil à sua

pessoa, como usuário de um serviço especializado de saúde.

Acho que sim, [que o hospital é bom] porque até hoje o meu paciente nunca me fez reclamação. Ele gosta do hospital, diz que as pessoas são todas boas

(Mirtes, familiar).

Então, aqui dentro [no hospital] ele tem mais direito a um bom tratamento, é

tratado como pessoa, como um ser humano, coisa que lá fora, dificilmente,

acontece. Não há respeito com o doente mental [na sociedade] (Otávio,

familiar).

Sou sempre bem recebido [no hospital] por onde ando, em todos os

pavilhões, no pátio, no refeitório, sou bem recebido, e por todos os plantonistas, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, eu me

sinto muito bem [quando internado] (Sergio, usuário).

De outro modo, internado o PTM, este período representa, para a família, a

possibilidade de um momento de descanso e de recarga das energias exigidas pela prestação

de cuidados intensos e contínuos. A família visita o PTM no hospital, e, durante a

permanência deste nesse estabelecimento de saúde, aproveita para cuidar um pouco mais de

si mesma, já que o enfermo se acha sob os cuidados de uma instituição médica. Muitas vezes,

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o cuidador também prover o sustento da família e, para isso, trabalha fora de casa, de sorte

que entre deixar o enfermo sem tratamento especializado (pois não existe no Estado outra

forma tratamental que não a internação integral em crises agudas) ou na rua, o hospital se

constitui a alternativa para o período de crise, sabendo-se que ele receberá atenção pessoal e

social dos profissionais, além dos cuidados gerais e especiais.

Ora, conforme pontuado nos capítulos anteriores, no Piauí a criação dos serviços

psiquiátricos alternativos, como NAPS e CAPS, se têm dado muito lentamente, não havendo

por partes dos poderes constituídos estaduais e municipais um efetivo empenho no sentido de

investir recursos no estabelecimento desses serviços. Neste Estado (e na maioria dos outros),

o hospital psiquiátrico ainda assume o papel mais importante no tratamento em saúde mental,

inexistindo, aqui, CAPS que atendam aos PTM adultos, mas apenas um, Infanto-Juvenil,

localizado no HAA, e um NAPS para drogaditos, incluindo os alcoolistas, situado no Hospital

Municipal do Monte Castelo.

É nesse contexto que se diz que as idéias da Reforma Psiquiátrica no Piauí e no

Brasil ainda são muito incipientes, ficando mais na retórica. Nessa realidade, em que o

hospital ainda prepondera, os usuários são minimamente respeitados, como afirmam em suas

falas, expressões e vivências, apesar de a passagem por um hospital psiquiátrico ainda hoje

lhes acarrete e às famílias uma representação e uma significação muito fortes, que refletem-se

na vida pessoal, familiar e social. Esses reflexos impingem o estigma e o preconceito

historicamente vinculados ao PTM, tido como pessoa “perigosa” para a sociedade e a paz

social, exatamente como ocorria há séculos. De sorte que o fato de o enfermo encontrar-se

fora do hospital psiquiátrico, local secularmente constituído no mundo ocidental para seu

enclausuramento, é ainda visto como uma ameaça potencial à ordem.

Porque quando a pessoa está no Sanatório todos pensam que ali todos são loucos, mas nem todos são [há casos de usuários que se internam no

Sanatório por uso de drogas], [...] tem gente com condição de trabalhar lá

fora [...] então, essas pessoas têm o direito de ser respeitada e não ser difamada (Sérgio, usuário).

A partir do momento que é registrada uma internação em clínica

psiquiátrica, daí já se limita o acesso a emprego. A pessoa fica 15 dias e quando descobre que a pessoa usa remédio controlado [psicotrópico] ou

alguma coisa desse tipo perde o emprego, há uma certa rejeição. A mamãe

mesmo todo emprego que ela arranja ela esconde que usa remédio controlado, já começa daí, logo que descobre ela perde o emprego, e entra

novamente em crise. Na família também, acho que dentro da família, eu

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seria muito hipócrita se dissesse que tudo voltaria a ser como antes, porque

não volta, porque a partir do momento em que a pessoa passa a ser internada,

desde o primo mais distante ao primo mais próximo, sempre há aquele comentário “ah, é a louca, é a doida” [...] [que se] vê sempre como uma

pessoa doente e nunca como uma pessoa normal, capaz de fazer alguma

coisa (Mônica, familiar).

Acho que [o PTM] é tratado com certa discriminação pela sociedade, devido

à doença que eles têm. Devido o comportamento que ele tem. Representando

para estes sujeitos [o fato de que] as pessoas já passam a vê-lo com outros olhos, um pouco atravessado [...], com desconfiança, medo [e] isso faz com

que as pessoas se afastem dele, [que] são rejeitados (Otávio, familiar).

Esse imaginário, construído e consolidado no meio social através dos tempos,

toma os PTM, mesmo no mundo moderno, como pessoas ameaçadoras para conviver nos

exteriores da instituição psiquiátrica, como a rua e a comunidade. Daí que os sujeitos

entrevistados (Sérgio, Mônica e Otávio) e outros sentem o peso da discriminação, que a

sociedade alimenta e reproduz, numa realidade que gera, freqüentemente, para eles e seus

familiares, situações discriminatórias que comportam até agressões físicas e estigmatizações

nos diversos espaços sociais, o que se dá pela persistência de um forte medo ao portador de

transtorno mental. Aliás, essas situações se associam à idéia de perigo constante para quem os

cerca, para quem com ele convive e para os que deles estão próximos.

Na verdade, apesar dos avanços da medicina e da psiquiatria, ainda são muitas as

dúvidas em torno dessa doença milenar. Com efeito, falta clareza a respeito de suas múltiplas

causas e manifestações, de modo que, a sociedade também não sabe das potencialidades e

habilidades do PTM como pessoa detentora de capacidades que precisam e devem ser

exploradas, valorizadas e estimuladas, para que assim ganhe o enfermo maior visibilidade

como ser humano e adquira o respeito da sociedade e da família, num contexto social mais

amplo, para além dos muros psiquiátricos, do qual ele é parte constituinte e constituída. Nessa

realidade concreta, o momento atual é o de cada vez mais buscar novas alternativas para o

enfrentamento do transtorno mental que, nas suas diversas manifestações físicas, orgânicas e

psíquicas, afeta homens e mulheres, ao longo de suas vidas, assumindo sempre diferentes

formas de expressão que alteram seriamente suas vidas pessoal, social e, sobretudo, familiar.

Por isso é que os profissionais, em especial o assistente social, mobilizam-se e

articulam-se aos demais, na direção de ultrapassar esses aspectos que estigmatizam,

historicamente, o transtorno mental. Com esse objetivo, as assistentes sociais do Sanatório

Meduna têm planejado e desenvolvido atividades de grupo com as famílias, visando discutir

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as manifestações de transtorno mais comuns e a melhor forma de enfrentá-las, o que mostra a

importância do tratamento e de sua continuidade. Assim, a informação e o esclarecimento,

que preparam a família e o PTM para conhecerem melhor a doença e suas manifestações, têm

sido a estratégia mais usada ao abordar essa doença que, ao longo dos séculos, marca

severamente àqueles que as tem. Ademais, essa estratégia tem sido uma das maneiras de

assegurar e viabilizar o acesso dos PTM aos direitos e à cidadania que detêm. Aliás, nesse

sentido assinala Faleiros, E (2002, p.36) que

nesta proposta profissional os assistentes sociais têm um papel fundamental. Trata-se de romper o „dentro‟ do hospital psiquiátrico, da casa, do quarto, da

doença, inserindo os usuários no „fora‟, na sua casa, na cidade, na sociedade,

na vida cotidiana, nas trocas afetivas e sociais, no trabalho, no lazer, na

saúde, fortalecendo suas redes primárias e secundárias, fragilizadas ou destruídas por internações, medos, preconceitos, incompreensões. Trata-se

de trabalhar pela cidadania dos usuários, facilitando informação e acesso a

seus direitos econômicos, sociais, políticos; trata-se de mudar as relações de poder, aumentando seu poder de organização, para que tenham força para

pressionar e garantir direitos, denunciando os casos de violação.

4.2 Representações da prática do assistente social no Sanatório Meduna

Neste item, a tentativa é a de configurar as representações que o conjunto dos

sujeitos sociais envolvidos nesta pesquisa constroem acerca da prática do assistente social no

Sanatório Meduna. Essa apreensão será mediatizada pelas análises dos discursos dos sujeitos

participantes do estudo, protagonistas detentores de conhecimento e de práticas numa relação

de trocas e reciprocidades. Objetiva-se assim, vislumbrar as representações da prática

profissional do assistente social como “imagens construídas sobre o real” (MINAYO, 1998a,

p.108), considerando os limites do objeto e do material empírico a que se teve acesso e o

elaborado durante a investigação. Interessa, ademais, observar e compreender “imagens

sociais” que permeiam a profissão, corporificadas em vivências experimentadas pelo conjunto

dos sujeitos participantes da pesquisa, mas sempre levando em conta as impressões e saberes

de cada sujeito, na medida em que, segundo Lane 1995 (apud Teixeira, 1998, p.46), “os

significados produzidos historicamente pelo grupo social adquirem no indivíduo um sentido

pessoal, ou seja, a palavra se relaciona com a realidade, com a própria vida e com os motivos

de cada indivíduo”.

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Nesse esforço, as representações aqui mostradas relacionam-se tanto aos aspectos

cultural e social do indivíduo e da sociedade quanto compreendem as atitudes, imagens,

opiniões e tudo que remete ao humano e ao social dos sujeitos concretos e históricos em

dados momentos e situações, quanto envolvem vários saberes, entre eles o popular, o senso

comum e os fragmentos do cotidiano. Aliás, afirma Guareschi (1998, p. 202) que

são diversos os elementos que costumam estar ligados ao conceito de RS: ele

é um conceito dinâmico e explicativo, tanto da realidade social, como física

e cultural. Possui uma dimensão histórica e transformadora. Junta aspectos culturais, cognitivos e valorativos, isto é, ele se constitui numa realidade

presente nos objetos e nos sujeitos. É um conceito sempre relacional e por

isso mesmo social.

As representações, enfim, são imagens que se manifestam de várias formas,

porque, conforme Minayo (1998a, p.108), “palavras, sentimentos e condutas se

institucionalizam [e] portanto podem e devem ser analisadas a partir da compreensão das

estruturas e dos comportamentos sociais, [mas] sua mediação privilegiada [...] é a linguagem,

tomada como forma de conhecimento e de interação social”. Envolvem, assim, várias

instâncias do conhecimento e da vida e não são necessariamente reflexos da consciência,

individual ou coletiva, sobre um objeto ou idéias a ela exteriores, mas devem reconstituir o

que lhe é dado, imerso num contexto de valores, emoções e regras da sociedade da qual faz

parte (TEIXEIRA, 1998). Ressalte-se, porém, que neste estudo não se tem a intenção de

engendrar uma discussão teórica sobre o tema das representações, mas apreender alguns dos

seus elementos mais importantes.

4.2.1 A compreensão do Serviço Social pelos assistentes sociais

Conforme exposto no capítulo precedente, no bojo da sociedade moderna e ao

longo dos anos o Serviço Social tem sido historicamente apreendido como uma profissão

socialmente determinada e inserida na divisão sociotécnica do trabalho, da ordem capitalista,

em face das necessidades sociais dos indivíduos e grupos que compõem essa realidade. O

Serviço Social, como um componente da organicidade, dialeticidade e totalidade da

sociedade, tem-se portado como um trabalho especializado e responsável pela elaboração de

respostas à questão social, nas suas mais variadas formas e manifestações, dentro de um

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contexto social permeado por múltiplas contradições e adversidades próprias do mundo

capitalista, projetando-se na direção de contribuir para a leitura e interpretação dessa realidade

em cuja complexidade se insere. Para isso, no seu processo de transformação, precisa assumir,

nos planos teórico e prático, uma atitude investigativa, crítica e competente.

Pode-se dizer que a inserção do assistente social nos diversos campos de atuação

profissional, de acordo a historicidade e a dinamicidade das relações sociais presentes na

realidade institucional e social, assume diferentes posturas, tem variadas percepções e procede

a divergentes análises dessa realidade. Assim, dependendo de dadas conjunturas e

circunstâncias, objetivas e subjetivas, o assistente social empreende diuturnamente ações para

transformar o cotidiano de suas práticas em possibilidades efetivas de mudanças da sociedade,

nas instituições e nas relações entre indivíduos e grupos sociais. Na verdade, como já se disse

anteriormente, não se pode afirmar que o Serviço Social, como prática, tenha na sociedade

uma postura profissional exclusiva de defesa ou dos interesses dos setores dominantes ou dos

mais empobrecidos. É que o exercício profissional não se exaure na imediaticidade social, já

que é uma unidade complexa e dialética, permeada por múltiplos processos, interesses e

forças que se expressam na singularidade histórica das sociedades brasileira e mundial.

No Sanatório Meduna, o Serviço Social tem assumido, historicamente, o

enfrentamento, no cotidiano hospitalar, das diversas demandas sociais e das várias

manifestações do transtorno mental, mantendo vínculos, produzindo significados e realizando

mediações com o contexto social mais amplo, como categoria que atua imersa no universo

dos usuários, familiares e demais profissionais da equipe técnica interdisciplinar que, no

âmbito institucional, requerem sua intervenção. Por esse ângulo, como sujeitos envolvidos

nesta pesquisa, os assistentes sociais têm, no cotidiano da profissão, posição relevante no

conjunto das práticas sociais desenvolvidas na instituição, até porque atuam na linha de frente

do tratamento e na abordagem direta e indireta aos usuários e familiares, na relação com a

direção e os demais profissionais da equipe interdisciplinar no desvendamento e

enfrentamento da realidade social.

Num movimento contínuo e dialético, o assistente social, nos diversos cotidianos

institucionais, de um modo geral age sobre as necessidades humanas e sociais, sobretudo as

demandadas pelos grupos e segmentos mais pauperizados e excluídos e que não têm

oportunidade de usufruir a riqueza socialmente produzida, para responder a essas

necessidades na perspectiva dos direitos e da cidadania desses segmentos. Essa ação

profissional, por ser interventiva, atua nas diversas dimensões do tecido social, mediando

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relações, processos estruturas e movimentos que envolvem aspectos da particularidade,

singularidade e totalidade histórica dos objetos da prática profissional, em seus conteúdos

objetivos e subjetivos, materiais e espirituais, imediatos e mediatos.

Nessa direção, buscando contribuir para o enfrentamento e a resolução das

demandas interiores e exteriores à profissão de Serviço Social, diariamente postas, o

assistente social desenvolve inúmeras atividades, que o desafiam constantemente a

posicionar-se pela efetivação dos princípios do Código de Ética Profissional. Na realidade

especifica do Meduna, esse profissional assume diversas atividades, voltadas para os PTM e

familiares e os outros profissionais da equipe, entre as quais se destacam os encaminhamentos

de altas, o atendimento individual do usuário e da família, prestando-lhes informações

variadas (situação do quadro clínico, óbitos, acesso a benefícios sociais, remoção hospitalar

para outras unidades de saúde, etc) e ainda formando e orientando grupos sócioeducativos que

discutem temas de interesse desses sujeitos sociais, visando a conscientizá-los dos seus

direitos e de sua cidadania.

Todas essas atividades, que envolvem a prática profissional, têm também o

sentido de promover a reintegração social, entendida esta como processo e resgate da

cidadania do PTM, considerado como ser humano e social capaz de relacionar-se e integrar-se

no ambiente familiar e comunitário e capaz de estabelecer e (re) estabelecer laços com a

instituição psiquiátrica, a família, a sociedade e o mundo, ainda que com singularidades,

limites e potencialidades caracterizadas como especiais. É que são, enfim, sujeitos portadores

de direitos, desejos, vontades e capacidades, a ser consideradas nas suas objetividades e

subjetividades e na integralidade como ser humano e social.

Essas e outras atividades do assistente social no Meduna dizem respeito ao fazer

profissional na instituição e comportam, no todo, diversos ângulos de ação. Essa apreensão do

fazer e do pensar do assistente social, articulado aos interesses e necessidades dos usuários e

seus familiares e dos outros profissionais, estão expressos nos diversos depoimentos, dados

durante as entrevistas e nas observações de campo procedida pela pesquisadora. É, pois,

assim, que a assistente social Sandra vê o Serviço Social e o conjunto das suas atividades no

Meduna:

A gente trabalha muito ligada ao paciente enquanto interno, realizando

orientação, informação, atividades educativas, práticas sócio-educativas, em

grupos e também individual, etc. Então, os objetivos estão mais voltados para prestar assistência ao paciente e também à família. A família,

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341

orientando-a sobre a continuação do tratamento em casa, encaminhamento

para outras instituições, então o objetivo do trabalho do assistente social é a

família.

Como a entrevistada, a maioria das assistentes sociais do Sanatório Meduna

referiu-se à preocupação de orientar os usuários e a família, objetivando fornecer-lhe

informações acerca do tratamento, preparando-os para continuá-lo em casa. Para isso,

dedicam parte de seu tempo, na instituição, em atividades de grupo ou mesmo atendimentos

individuais aos usuários internos e familiares. Esses relatos e as observações feitas durante a

pesquisa mostram que, na instituição, as assistentes sociais são as profissionais que mais

trabalham com a família, porquanto, no cotidiano, interagem com esses sujeitos, mediando-

lhes as múltiplas relações. Assim, auto-representando-se como o profissional que é o “porta-

voz” da família, refere a assistente social Mariana que

eu percebo que a família pede, como que a gente até fosse um “porta voz” dela, que diga até como eles devem ser, às vezes elas se esquecem que eles

[PTM] são doentes, que eles fazem determinadas coisas não porque eles

queiram, ou esquecem, mas porque são eles, portadores de uma deficiência. [...] Eu vejo assim que a família quer que a gente diga para o paciente o que

deve fazer quando sair. “Olhe! diga para ele tomar o remédio”, ela pede,

para a gente ensinar tudo ao paciente. O que eu percebo dos outros

profissionais que atendem ao doente é que eles, quase todos, não falam com a família nenhuma e quando eles vão atender os pacientes eles descobrem

que junto com o paciente, com a doença do paciente, tem alguma coisa a ver

com a família do paciente, e só têm, eles [os outros profissionais], não pedem para falar com a família, eles passam para o Serviço Social. Então,

quase todos os profissionais que trabalham com saúde mental deveria ter um

momento com a família, eles deviam até conhecer melhor e a fundo.

No cotidiano institucional, o Serviço Social é ainda entendido pelas assistentes

sociais como o responsável pelo processo de reinserção social dos usuários. É que a profissão,

na auto-representação dos profissionais, objetiva, como já foi ressaltado, o (re)

estabelecimento dos laços do usuário com o meio e a família, porquanto um ser produtivo,

capaz, hábil e com potencial a ser explorado. Mariana, assistente social, diz que

a preocupação do Serviço Social é que ele [usuário] seja resgatado como pessoa, mostrando que ele tem que fazer parte de sua vida como um todo.É

claro que temos que levar em conta as limitações impostas pela própria

doença mental, cada doença tem uma limitação [...]. Então, eu vejo assim, o objetivo do Serviço Social seria a gente fazer com que ele [usuário] se

encontrasse como cidadão, que pode produzir enquanto pessoa que tem um

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potencial [...]. Fazer com que ele se aceitasse, descobrisse que tem

capacidade para produzir alguma coisa.

De acordo com ela, o profissional de Serviço Social é aquele que procura

valorizar o usuário, na busca de que ele encontre a si como pessoa e cidadão e sinta-se

socialmente útil e capaz, no contexto das manifestações do transtorno mental em suas

variadas formas, concebendo-o como um agente propositor de mudanças. Mariana sabe que

existem e leva em consideração as limitações que o transtorno mental impõe aos seus

portadores, mas defende que estas sejam aceitas pelo PTM e não postas como empecilhos ao

desenvolvimento das suas capacidades e habilidades produtivas. Nas falas e expressões, a

assistente social se auto-representa como o profissional que faz a mediação (esta uma

instância de passagem entre o desvendamento da realidade social do PTM, os

condicionamentos que a determinam e as respostas aos seus problemas, necessidades e

interesses) entre os vínculos estabelecidos pela relação usuários, família, instituição e

sociedade, de sorte que é considerado, por excelência, “um mediador na relação usuário-

instituição, usuário-programa, numa dinâmica contraditória em que, cumprindo objetivos

previstos no âmbito institucional, vem buscando a identificação com os interesses das classes

subalternizadas com que trabalha” (YAZBEK, 1996, p.151). Nesses termos, o assistente

social é responsável pela mediação com a família e as outras instituições, visando facilitar a

vida dos sujeitos com os quais estabelece relações profissionais ao longo do tempo, no espaço

institucional onde atua, fomentando o processo de reflexão e ação desses sujeitos acerca da

realidade em que estão inseridos. Nesse espaço, amplo e contraditório, a assistente social é o

profissional que, por excelência, estabelece, nexos com o universo interno e externo no

Sanatório Meduna, na medida em que permeia e é permeado pelas relações sociais que

estabelece com os sujeitos, no espaço institucional, em toda a sua complexidade. Consoante a

isso, refere a assistente social Sandra que

no processo de tratamento o assistente social é um mediador, encaminha,

orienta a família a outros atendimentos. É o assistente social que facilita as

informações, a socialização de informações para os usuários. Então, hoje existe uma preocupação maior por parte do assistente social, por parte das

políticas sociais, em respeitar o doente mental como um todo, não vê só o

problema dele de forma limitada e isolada àquela doença, mas vê toda a

estrutura e todo o contexto em que o paciente se encontra. E isso veio com a Constituição de 1988 para cá, em respeitar os direitos [...] do paciente e da

família, como um ser humano.

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Para Sandra, o profissional de Serviço Social é um mediador que articula,

encaminha, intervém e estabelece múltiplas relações e movimentos com a realidade social,

transgredindo-a, dentro da instituição, na sua imediaticidade, em busca de apreender-lhe as

particularidades e historicidades com uma postura crítica, reflexiva e ética. Essa mediação

representa para a profissão a possibilidade de compreender e analisar a realidade social para

além das aparências e do imediato, engendrando à prática um caráter de criticidade, que

revela as suas nuances e nexos. Essa fala expressa ainda que, no dia-a dia, é o assistente social

quem viabiliza aos sujeitos a democratização das informações e o acesso aos serviços sociais

internos e externos à instituição, promovendo seu trabalho na perspectiva do direito e da

cidadania desses sujeitos sociais, conforme lhes assegura a Constituição Federal. Na mesma

direção se capturam os seguintes depoimentos:

Entendo que hoje existe uma preocupação da equipe em alcançar os objetivos planejados, em prol do bem-estar dos usuários, no cotidiano,

visando respeitar os seus direitos e a sua cidadania (Josefina, assistente

social).

Tudo que acontecia com o paciente o assistente social estava lá, atuando,

agindo, fazendo melhorar a assistência ao paciente. Se o paciente fugisse, ou

passasse mal, existe sempre a preocupação em informar aos familiares do fato. Existe hoje a preocupação em se trabalhar em conjunto, visando o bem-

estar do paciente, pois antes esse trabalho em conjunto não havia. Mas hoje

os profissionais se juntam, atuam juntos, visando o melhor para o paciente, respeitando-o como pessoa [...]. Aqui é uma instituição que sempre respeitou

o paciente em primeiro ponto. Antigamente, eu era sozinha no Serviço

Social, hoje tem outras colegas com a mesma preocupação, em melhorar o

bem-estar do paciente (Mariana, assistente social).

Esses depoimentos das assistentes sociais Mariana e Josefina, assim como os

precedentes, dão conta de que, na instituição, existe a preocupação com o bem-estar,

entendido até como a busca dos direitos e da cidadania dos usuários e da qualidade dos

serviços de saúde oferecidos pelo Sanatório, reforçada com a ampliação do número desses

profissionais no hospital. Percebe-se ainda, ao longo dos anos, um empenho em desenvolver

um trabalho interdisciplinar em prol de melhorar a atenção ao PTM, valorizando-o como um

ser social e um cidadão. Aliás, ficou claro que antes da Constituição de 1988 e das mudanças

e exigências ocorridas com a Reforma Psiquiátrica no Brasil e no Piauí, as atividades, na

instituição, eram realizadas individual e isoladamente, sem comunicação e interação entre os

profissionais das diversas categorias, o que se vem alterando pois a postura profissional

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individualizada se tem modificado com o tempo, adotando-se uma perspectiva de

interdisciplinaridade que objetiva melhorar a qualidade dos serviços oferecidos aos usuários e

familiares.

O fortalecimento dessas preocupações faz do assistente social um dos

profissionais presentes e que acompanham mais de perto o tratamento do usuário interno.

Embora algumas vezes não seja ainda possível a participação em todo o processo de

admissão, normalmente é este profissional que monitora o tratamento até a alta, havendo,

nesse período, uma aproximação do usuário com a assistente social responsável pelas

atividades de rotina do Setor de Serviço Social no seu pavilhão. Durante o tempo da

internação, a assistente social torna-se-lhe uma referência, com a qual cria vínculos e

contatos, sendo com ela que conta para ouvi-lo e atendê-lo, demandas essas que acontecem a

todo o momento, exigindo-se uma atenção individual e social no sentido de encaminhar as

necessidades desses sujeitos de modo que esta passa a maior parte do trabalho em contato

com eles e suas necessidades.

Com efeito, o conjunto dos outros técnicos da equipe, por entender que a

assistente social conhece mais a realidade e o problema do usuário e da sua família,

cotidianamente encaminha demandas para o Setor de Serviço Social. As situações são

variadas e vão desde uma informação sobre como proceder para adquirir um benefício

previdenciário até a um encaminhamento de maior complexidade, que envolve a mobilização

de toda a equipe e de outros recursos. Aliás, há relatos que dizem que

eles [os outros profissionais] solicitam que a gente do Serviço Social

esclareça à família quanto à continuação do tratamento lá fora e as outras formas de tratamento, como CAPS, NAPS, Hospital-Dia, orientando a

família junto a outras instituições, como o INSS, ou com relação a beneficio,

dentre outras coisas mais (Sandra, assistente social).

Isso retrata que, no cotidiano institucional, a assistente social é considerada como

aquela que conhece e tem acesso às instituições que prestam outros serviços sociais à

comunidade, nas mais variadas áreas, inclusive os trâmites legais. Por isso, entendem que

saberá encaminhar a família e o usuário para o serviço mais adequado, além de orientá-los

sobre a aquisição de benefícios junto aos órgãos oficiais.

Ademais, a assistente social, atuando na teia das relações sociais numa realidade

diversificada, dinâmica e contraditória, algumas vezes precisa atender de pronto a essas

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demandas, que chegam heterogêneas e a exigir soluções rápidas por parte do profissional da

área, sobretudo na saúde mental. Nessas circunstâncias, enfrentam no dia-dia conflitos,

dilemas e adversidades (materiais e espirituais) relacionados a elementos internos e externos à

instituição, como as condições estruturais de trabalho, a precariedade financeira das famílias,

o que os fragilizam, tornando-os mais vulneráveis ao transtorno mental, a ausência de um

sistema de serviços de saúde mental integrado que dê suporte ao PTM e sua família, carência

de recursos financeiros que, existentes, viabilizariam a promoção de ações básicas como

transporte e outras, sobretudo para os mais empobrecidos.

Enfim, no conjunto das dificuldades que permeiam a prática profissional do

assistente social, muitas escapam ao seu alcance, já que a solução depende da rede de serviços

sociais locais em que se encontra imerso, devendo então ele socializar os problemas com os

outros profissionais, sejam da área ou não, estabelecendo parceiras na resolução dessas

demandas. Não raro, muitas situações nem dizem respeito às responsabilidades do Serviço

Social na instituição, mas aos outros profissionais ou ao conjunto da equipe interdisciplinar,

sendo demandas que, na verdade, são uma responsabilidade coletiva dos trabalhadores da

instituição.

Mas é possível vislumbrar nos profissionais do Serviço Social, através de seus

discursos, ações e intenções, bem como nas observações cotidianas, um esforço para tentar

superar as limitações, melhorando a sistematização da sua prática e procurando entendê-la

como uma atividade humana, social, dinâmica e contraditória que busca relacionar-se com os

sujeitos com ela envolvidos nessa prática como sendo portadores de vontade, capacidade e

criatividade históricas. Assim, há, com certa freqüência, a avaliação de suas ações, em

reuniões, discussões e debates no interior do próprio Setor de Serviço Social e nas relações

com a equipe, a direção, os PTM e seus familiares.

Já se viu, nesta pesquisa, que “os profissionais inseridos no mercado de trabalho –

a partir da formação profissional ou do próprio contato contínuo com a realidade social - têm

demonstrado portar um potencial a ser resgatado, desenvolvido e aperfeiçoado”

(VASCONCELOS, A., 2000, p. 95). Isso sinaliza que, no cotidiano da prática profissional e

na totalidade das relações sociais no interior e exterior do Meduna, as assistentes sociais estão

cada vez mais dispostas a mudar, rompendo com posições mais conservadoras e imediatistas

do fazer, valorizando o pensar, o planejar e o avaliar as atividades, embora ainda se trate de

atitudes isoladas, com pouca visibilidade no contexto institucional. O importante é que tais

posturas devem ser potencializadas pelas assistentes sociais, reafirmando seus compromissos

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com os sujeitos sociais que demandam por seus serviços e exercendo uma prática mais

reflexiva, crítica e propositiva, na direção das reais necessidades dos usuários.

Por fim, é salutar mencionar que normalmente as atividades da assistente social

são registradas no prontuário do usuário, na folha biopsicossocial, documentação que pode

oportunizar à prática um caráter de maior profissionalização, controle e racionalidade próprios

de um saber qualificado, que almeja sair do imediato para compreender o conjunto das

determinações e singularidades das demandas postas e repostas. Esse é um desafio constante,

pelo que os registros assumem, uma dimensão singular, por servir de subsídio ao médico e a

outros profissionais, já que relatam a história de vida e da doença do usuário. A esse respeito,

refere a assistente social Sandra que

os registros desses atendimentos e atividades vão servir para o parecer do médico, vai ajudar ao médico tirar algumas conclusões, é como se fosse um

parecer social que o assistente social dá sobre a paciente, com levantamento

sócio-econômico, e a situação como o paciente se encontra na família.

4.2.2 Representação dos usuários e de suas famílias para os assistentes sociais

Historicamente, o assistente social é o profissional que trabalha com os problemas

e as necessidades humanas e sociais advindas das relações entre os indivíduos e os grupos

sociais de uma dada sociedade em dados contexto e situações, mas, ao longo dos anos, a

parcela da população com a qual o Serviço Social majoritariamente trabalha é “aquela

formada pelos grupos subalternos, pauperizados ou excluídos dos bens, serviços e riquezas

dessa mesma sociedade” (CARVALHO, 1996, p. 52). Com efeito, na pesquisa realizada com

as assistentes sociais e na observação e análise dos seus discursos, falas e expressões, é visível

a construção objetiva a respeito de quem são os usuários do Serviço Social no âmbito do

Sanatório Meduna.

Os usuários do Sanatório Meduna são pessoas provenientes dos setores mais

pobres. Geralmente não têm renda nenhuma, passam por muitas necessidades econômicas e financeiras, faltando um pouco de tudo. É assim

a maior parte das pessoas, é pobre, apesar de também ter pessoas mais

abastadas, que se internam pelos planos de saúde particulares, mas que também demandam atenção do assistente social no hospital (Josefina,

assistente social).

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Os usuários do Sanatório Meduna são doentes mentais crônicos, usuários de

drogas, são depressivos, alcoolistas, psicóticos e na grande maioria são

pessoas carentes, né? Com uma faixa salarial abaixo de 1 a 2 salários mínimos e às vezes até sem renda. São pessoas que vêm do interior, de

várias partes do Piauí e do Maranhão também. São pessoas muitos carentes,

não só financeiramente, mas carente de atenção, de informação e de tudo que

se possa imaginar (Sandra, assistente social).

A fala da assistente social Josefina expressa a representação de que, na maioria

das vezes, os usuários são pessoas de poucas posses e carentes de recursos financeiros para

custear o próprio sustento e o da família, passando até privações, embora afirme que nem

todos são marcados por esse traço34

, uma vez que há pessoas com melhores condições

econômicas e financeiras que se internam no Sanatório e necessitam da atenção e da

intervenção do Serviço Social. Já Sandra ressalta que, além da baixa renda e das carências do

usuário, uma parcela significativa vem de outros estados, como o Maranhão, e do interior do

Piauí, com diagnósticos variados (uso de drogas, como o álcool, depressão, esquizofrenias,

neuroses, distúrbios do humor e do sono, etc). Evidencia também Sandra que, além da

carência financeira, existe uma total ausência de informações acerca dos serviços sociais e

completa falta de atenção dos órgãos públicos no sentido de melhorar as condições de vidas

dessas pessoas. Para Gentilli (1998, p.193-4), em geral quem busca o assistente social são

usuários que se apresentam nas organizações onde o serviço social atende

estressado, angustiado, doente, inabilitado, sem dinheiro, sem habitação, sem

emprego, e de todas as formas possíveis que expressam o pauperismo, e merecem, senão atendimento, pelos menos respeito humano do assistente

social. Estas demandas reúnem, simultaneamente, questões objetivas e

subjetivas que são, ao mesmo tempo, singulares e coletivas.

Na verdade, o perfil do usuário do Meduna apresenta uma certa heterogeneidade,

sendo marcante a nota econômico-social da baixa renda e de muita pobreza, com carências

múltiplas e variadas. Trata-se de pessoas com fome não só de pão, moradia, educação, saúde,

lazer, informação, etc, mas também de amor, afeto e atenção, porquanto detentores de matéria

e espírito, de necessidades objetivas e subjetivas. Assim, o que caracteriza o grupo social e o

usuário com o qual trabalha a assistente social no Sanatório é, geralmente, uma vida de

34 O entendimento de pobreza nesse estudo é fundamentado numa compreensão que a tem para além do

significado de ausência das condições materiais, explicada a partir de uma pluralidade de aspectos que

envolvem o social, o econômico, o político, o cultural, enfim, aspectos materiais , objetivos e subjetivos. “Tal

proposição conduz, inevitavelmente, a pensar a pobreza como uma relação social de caráter multifacetado”

(LIMA, 2003, p.29).

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privações de toda a ordem, situações com características singulares a cada PTM e respectiva

família e/ou ao conjunto desses sujeitos que experienciam no cotidiano do hospital Meduna e

guardam relações de aproximação ou diferenciação com a grande maioria dos indivíduos e

grupos que se configuram como clientela do profissional de Serviço Social, nos seus diversos

espaços de atuação, inclusive o da saúde mental, no ambiente do hospital psiquiátrico. Tal

universo de usuários e familiares incorpora, aliás, múltiplas nuances, entre elas a pouca

escolaridade, como revela a assistente social Mariana ao dizer que

no Sanatório Meduna acho que 90% dos usuários são, não sei ao certo, são pessoa pobres [...], mas a gente percebe que são compostos por pessoas da

classe média baixa, pobre. Pois muitos deles, 40% ou 50%, não recebem

benefício nenhum, ou seja, não têm renda nenhuma. É um usuário que é

pobre, é o usuário que não tem instrução nenhuma, são poucos os que sabem ler, se eles são alfabetizados, lêem algumas coisas, mas não fazem leituras

longas.

Pela baixa ou inexistente escolaridade, decorrente da falta de oportunidade de

freqüentar a escola e se alfabetizarem, é comum que esses sujeitos sejam duramente

penalizados com as parcas chances de ingresso no mercado de trabalho, agravadas pelo

estigma do transtorno mental, que o faz visto como incapaz de executar tarefas ou atividades

produtivas, sem condições de presença no mundo laboral, formal ou informal. São vidas

assim, timbradas pela pobreza e a doença, a quem o assistente social deve assegurar, no

cotidiano institucional, um mínimo de dignidade, necessária a qualquer ser humano. No

conjunto, os usuários do Meduna são, na maioria, do sexo masculino, em virtude do que se

lhe direciona um maior número de vagas, pois dos 200 leitos, capacidade atual do hospital,

126 o são para os homens. Diz a assistente social Josefina, ao tratar do perfil dos usuários, que

se trata de

pessoas carentes provenientes das classes sociais mais pobres, que busca

tratamento. São homens de baixa instrução, desempregados, que vive do

auxílio da Previdência, ou depende economicamente de outra pessoa da família.

Corroborando as análises anteriores, a assistente social descreve que, no geral, os

usuários, além de homens, têm pouca instrução, nenhuma renda fixa, pois não são

empregados mas dependentes do beneficio da Previdência Social. Este é, na maioria das

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vezes, a única fonte de renda do PTM e, por conseguinte, da família, de modo que, se não o

tem, ficam, economicamente, sob o sustento de outro membro familiar. Ademais, nas falas

das profissionais de Serviço Social, os PTM aparecem como homens que desenvolvem o

transtorno mental ainda jovens sendo freqüente, na rotina do Sanatório, a internação dessas

pessoas. Há, é claro, mulheres na mesma situação, porém a expressiva parcela dos enfermos

se compõe de homens, com essas características.

São mais homens que mulheres, são homens de idade jovem, muitos de primeira vez, provenientes de todos os municípios do Piauí, desde ao mais

próximo até o mais longínquo. São pessoas que vêm também de grande parte

do Maranhão, ocorrem casos de usuários vindos ainda do Estado do Pará, dentre outros (Sandra, assistente social).

Em face dessa realidade, é normal que as vagas se destinem mais aos homens, nos

dois hospitais psiquiátricos da cidade de Teresina, o Sanatório Meduna e o HAA, sendo

preenchidas rapidamente e raramente ficando ociosas por muito pouco tempo, havendo, com

freqüência, escassez de vagas, de que modo o PTM entra numa lista de espera, “oficiosa”35

e

elaborada pelo Serviço de Admissão do HAA, como forma de controle, porque a demanda

sempre supera a oferta de leitos. Aliás, esse fato de a maioria dos usuários serem do sexo

masculino é uma constatação empírica, pois até o momento não existem sobre isso dados mais

consistentes e catalogados, embora a hipótese explicativa dessa masculinização dos

transtornos mentais deva-se aos altos índices de incidência de dependência química entre os

homens, o que aumenta, nesse segmento, a busca por internação psiquiátrica no Estado do

Piauí. No Meduna, é expressiva a procura por internações de homens com problemas

relacionados ao álcool e a outras drogas, o que ocorre bem menos entre as mulheres,

requerendo-se um estudo mais detalhado sobre a temática, que foge ao âmbito desta

investigação. Fica porém evidenciado, no dia-a-dia, que familiares dos usuários e os usuários

do serviço de saúde mental, independentemente do sexo, carecem não só de bens materiais,

mas também de atenção, carinho e afeto, além de informações básicas sobre como lidar, no

convívio doméstico, com o PTM, entendendo seu jeito especial de ser e suas crises, com todas

as manifestações que lhe são ou não peculiares.

35 Esse tipo de lista é feito, algumas vezes, como forma de controle, pelo Serviço de Admissão do HAA, porque

a demanda é sempre superior à oferta de leitos, ficando as famílias aguardando o surgimento de vaga para

internar o seu ente querido.

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De modo geral, no universo das entrevistas realizadas com os usuários do

hospital, num total de 11 pessoas, 6 são do sexo feminino e 5 do masculino36

, estando 8 na

faixa etária de 28 a 40 anos e 3 entre 57 a 60 anos, sendo que 6 deles não concluíram o

primeiro grau, 2 o dizem ter e 3 o segundo, hoje denominados ensino básico. A média de

internações psiquiátricas varia entre 5 a 15 vezes somente no Sanatório Meduna, com

possibilidade de outras passagens pelo HAA, segundo dados referentes ao período de 1985 a

2003.

Das famílias entrevistadas na pesquisa, que assumem a responsabilidade pelo

PTM e exercem o papel de cuidador, do total de 11 pessoas 7 são mulheres, com idade de 20 a

40 anos e 4 são homens, entre 43 e 48 anos, em média. Tais dados indicam, no geral, que a

maioria dos cuidadores é do sexo feminino, geralmente parentes em primeiro grau, como mãe,

filha e esposa, sendo, assim, a mulher a responsável pela casa e pelo PTM, que não raro exige

cuidados intensivos e contínuos. Inclusive Rosa (2002, p.156) analisando Balbo (1987), já

refere que alguns estudos assinalam que o provimento de cuidados é qualificado “como um

trabalho invisível, pessoalizado, gratuito, leigo, solitário, requerendo qualidades relacionais,

psicológicas e emocionais, historicamente atribuídas ao sexo feminino”, figurando assim, na

maioria das vezes, a mulher como a principal cuidadora.

Pode-se, então, inferir que o universo dos usuários e familiares que utilizam os

serviços do Sanatório Meduna se constitui de sujeitos sociais, com particularidades no modo

de ser, expressar-se e significar o mundo, sem embargo das características comuns ao grupo.

Aliás, sobre o que pensam as assistentes sociais acerca dos usuários dos serviços de saúde

mental do Sanatório Meduna é inegável constatar mudanças significativas, com impactos na

maneira de agir e mediar a realidade pela ultrapassagem da superficialidade da aparência, na

busca de desvendá-la para além da imediaticidade. Nesse sentido, as profissionais, em suas

falas, expressam que esse conjunto de alterações se reflete na maneira de “olhar” os usuários,

vendo-o, hoje, sob uma perspectiva diferente e mais respeitosa, porquanto o têm como sujeito

de direitos e seres capazes de produzir. Nesse sentido, afirma a assistente social Sandra que

o doente mental hoje não é mais visto como antes, que era uma pessoa que se isolava, que era apedrejado, se escondia e se aprisionava. Hoje em dia, o

doente mental é visto como uma pessoa que precisa de tratamento, ele é mais

respeitado e por isso ele é mais valorizado e o tratamento é mais voltado

36

Embora a maioria empiricamente constatável seja de homens, buscou-se equilibrar o percentual entre os

gêneros, na escolha dos sujeitos participantes da pesquisa.

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também para a família e não só para o paciente e todos que estão por perto, e

o assistente social participa desse processo.

Nesse trecho, a profissional faz referência às mudanças na maneira de a

sociedade olhar e tratar o PTM ao longo dos tempos, valorizando e enfatizando a participação

da família no processo de tratamento, no qual, principalmente na área da saúde mental, o

Serviço Social tem o importante papel de buscar a ampliação do horizonte de análise,

rompendo com as formas mais estreitas de percepção desses sujeitos sociais com os quais

historicamente mantém vínculos. Nessa direção, acentuar e reforçar o compromisso com os

direitos e a cidadania daqueles que, ao longo de décadas, foram e são sujeitos e foco de sua

intervenção profissional, como os PTM, é tarefa difícil, porém inarredável.

4.2.3 Representação da prática do assistente social para os usuários e seus familiares

No que concerne às análises e reflexões acerca da prática do assistente social,

expressa nas falas dos usuários e suas famílias, pode-se afirmar que muitas são as

representações sobre o significado do Serviço Social e o agir profissional do assistente social

no Sanatório Meduna. Nesse hospital, o assistente social é um profissional que atua

diretamente junto aos usuários e suas famílias, sendo por eles requisitado a todo o instante,

bem como pelos demais profissionais da equipe interdisciplinar, a fim de intervir e interagir

nas situações as mais diversificadas, o que leva à composição de uma imagem de que age em

amplos espaços da instituição e que se articula com os demais atores que o constituem.

Eu só sei que ela [assistente social] anda de setor em setor, procurando saber

daquelas pessoas [os usuários], falando com aquelas pessoas, para saber se ela está melhorando, se está piorando, em que ela pode ajudar a pessoa. Eu

imagino assim que a assistente social está trabalhando a fim de procurar

saber sobre o comportamento da gente dentro do hospital (Antonio, usuário).

Antônio, como se vê, tem uma percepção difusa do papel do assistente social,

representado por ele como o profissional que dialoga com os usuários internos e se preocupa

com seu estado, voltando sua ação para a melhora do quadro de saúde do interno, mantendo,

para isso, contato com os diversos pavilhões do hospital, os quais visita rotineiramente para

acompanhar o tratamento. Já pelo “olhar” dos familiares pode-se referir que

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o assistente social faz muita coisa [...]. É [quem] liga para a família, fala com

a gente. Bom, eu acho que uma assistente social, o serviço dela seria se

preocupar com o paciente, em termos da medicação, de tudo, do acompanhamento diário do tratamento, da aparência física, corte de cabelo,

higiene em geral (Maria Eduarda, familiar).

sei que é importante o assistente social, [que] acompanha o tratamento do paciente desde a admissão até a alta, eu sei que ela faz algumas outras

coisas, só não está bem claro, não (Maria Antonia, familiar).

Assim como os usuários, as famílias expressam, que a assistente social é o

profissional que com ele se preocupa e lhe acompanha o tratamento. Nas falas de Maria

Eduarda e Maria Antonia fica enunciado que a assistente social é responsável pelo cuidado

com o usuário interno, chegando a mencionar a atenção com a higiene pessoal e a aparência,

embora tais tarefas sejam do Serviço de Enfermagem, falha de percepção esta que talvez

ocorra em razão de a assistente social estar sempre muito próxima ao usuário, orientando-o

também acerca desses e outros cuidados essenciais com a saúde. Esse fragmento revela ainda

que a assistente social tem um amplo leque de atividades, sendo uma delas a de contatar a

família, estabelecendo com ela vínculos constantes, até porque é o profissional que

“acompanha o tratamento do enfermo da admissão até a alta”. No entanto, uma das

representações mais freqüentes sobre as assistentes sociais é associar-lhe a prática profissional

ao ato da ajuda, entendendo-a pelo ângulo mais amplo possível, como pontencializadora de

ações, que reivindica e agiliza, na defesa dos direitos dos usuários e das famílias.

Para poder entender o que se passa na minha cabeça, no meu íntimo e saber

por que eu fiquei com trauma, alguma coisa pode ter retorno, né? Então, com

a força e com a ajuda da assistente social, tudo pode voltar ao normal. Ela ajuda esclarecendo se tenho dúvidas, se faço perguntas ela me responde, fica

mais fácil me familiarizar. Quando a assistente social chega perto de mim,

parece uma pessoa da família [...]. Todas as vezes que estamos com dificuldade, ela com muito carinho expande para a gente o que estamos

necessitando (Raimunda, usuária).

O assistente social reivindica direitos do paciente, ela ajuda no que a gente pedir, no caso da medicação, tratamento dos funcionários, ela pode ajudar

indicando um psicólogo para a gente, conversando com a gente, dando

atenção (Francisco, usuário).

Na representação de Raimunda, usuária com freqüentes internações no Meduna, a

assistente social é vista como um profissional que auxilia, orienta, ouve e aconselha o PTM e

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a família, de modo que lhe canaliza e potencializa as reivindicações, nas relações

estabelecidas com os diversos sujeitos, tornando-as mais humanitárias. Já Francisco constrói a

imagem da assistente social como a que facilita o acesso aos direitos e o viabiliza através do

encaminhamento aos outros membros da equipe interdisciplinar. Aliás, a convivência diária

na instituição psiquiátrica permitiu observar que existe uma relação amistosa do usuário com

o hospital, particularmente com as assistentes sociais, à medida do desenvolvimento do

tratamento, tornando-se o profissional uma referência, ou seja, uma pessoa a quem tem acesso

fácil e com quem pode contar no dia-a-dia e que, segundo Yazbek (1996, p.152), “oferece o

suporte, o apoio para o enfrentamento das situações adversas que vivenciam, individual e

coletivamente”, tanto no Sanatório quanto fora dele. Esse apoio da assistente social do

Meduna ao PTM e à família têm natureza informativa, educativa, psicológica e psicossocial, o

que significa, para eles, uma dimensão profundamente objetiva e subjetiva. Daí que, para

alguns familiares de usuários ou responsáveis entrevistados, é a assistente social o profissional

da ajuda, já que se preocupa com a família, orientando-a em diversos aspectos.

O que eu quero é que o assistente social me ajude e me oriente bastante

sobre isso, é tentar me ajudar a fazer com que ele vá se tratar nos Alcoólicos

Anônimos. Acho que ajuda a fortalecer mais e a encorajar mais o paciente,

dá assistência para eles nos aspectos moral e outros, dá assistência em tudo que for necessário (Augusta, familiar).

Acho que é assim, eles dão orientação ao paciente, né? Por exemplo, como deve comportar no hospital, como deve ser em casa [...] Então, eu acho que a

função do assistente social é isso, é tentar ajudar ao paciente e também a

família, orientando sobre o tratamento, sobre a participação da família,

[tanto] que às vezes ela chama, dá conselhos (Rosemary, familiar).

As expressões desses sujeitos, familiares de usuários do Sanatório Meduna,

reafirmam a representação dos próprios PTM, que percebem a assistente social como a pessoa

que ajuda à família, dispensando-lhe atenção e orientando-a a si e ao usuário, quando interno,

com informações e encaminhamentos para outras opções de tratamento. Revela ainda que a

assistente social, ao orientar a família e ao usuário, reforça a importância de ela participar do

tratamento, com continuação após a alta, para que não fiquem vulneráveis a uma recaída e a

uma reinternação.

A experiência do assistente social no Sanatório Meduna é ainda representada pelo

viés da mediação. Essa visão dele como mediador ocorre na dinamicidade da realidade na

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qual o profissional lê, reflete e interpreta o contexto social mais amplo, sendo instigado a

avançar para além da sua imediaticidade e aparência, intermediando as múltiplas relações,

constituídas no cotidiano da prática profissional. Por isso, o usuário Sérgio afirma que

a assistente social é uma pessoa que dentro do hospital auxilia ao paciente

em qualquer aspecto. Quando tem alta, o assistente social é quem resolve o problema do paciente, para avisar a família, para quando também há um

problema com o paciente, este fala com o assistente social, e ela resolve

falando com a diretoria, se for o caso. Ela procura solucionar os problemas das pessoas dentro do hospital, a pessoa procura ela quando sente alguma

coisa, e ela fala com o psiquiatra, com a psicóloga, para procurar ajudar

aquele paciente.

Essa fala expressa que a assistente social intermedeia as relações sociais entre o

usuário, a família, a instituição e a sociedade, com base no compromisso com os interesses, os

direitos e a cidadania daquele. É por isso que esse profissional é considerado um elo, na

verdade um mediador, que facilita a passagem necessária ao acesso e à garantia dos direitos e

à cidadania dos usuários dos serviços sociais. É que, como diz Yazbek (1996, p.150), “o

assistente social é o intermediador direto tanto no atendimento concreto às necessidades

apresentadas, como no responder pelo componente sócioeducativo que permeia a produção

dos serviços assistenciais”. Assim, a busca de ajuda através do assistente social não se

restringe somente ao plano da “escuta”, da “orientação” e do “cuidado”, como revelam as

falas e narrativas dos sujeitos. Os usuários Sérgio e Silvano, por exemplo, declaram que

ela faz essa intermediação com todos os setores do hospital, e isso é ótimo porque o hospital sem assistente social fica “neutro”, porque o psicólogo não

vai procurar resolver esse tipo de problema do pavilhão e no hospital é o

assistente social que faz.

eu confio perfeitamente nas assistentes sociais, quando preciso de alguma

coisa; então, uma instituição psiquiátrica sem assistente social ou qualquer

outro hospital sem uma assistente social, então neste hospital está faltando uma peça principal, porque ela é uma intermediária entre ela [a instituição] e

a direção e entre os setores do hospital.

Para Sérgio e Silvano, a mediação da assistente social com os outros setores e os

outros profissionais do hospital representa, em última instância, a possibilidade de efetivar

nexos não só com as “esferas” da instituição, mas também com a sociedade, estabelecendo

contatos diversos e buscando novas formas de sociabilidade. Por essa razão, com base nas

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situações narradas e representadas e talvez pelo fato de os usuários se encontrarem em uma

instituição fechada, o assistente social torna-se o principal responsável pelo intercâmbio dele

com o mundo exterior, sendo assim um profissional com reconhecido acesso ao sistema de

comunicação institucional, via telefone ou carta, através do qual contata os familiares ou

responsáveis, em qualquer momento, sempre na defesa dos seus interesses. Com efeito, no

universo institucional, a assistente social é o “canal de escoamento” dos anseios e

necessidades dos PTM, nas múltiplas mediações que estabelece ao elaborar e viabilizar as

respostas pretendidas. Nessa direção, as famílias têm a mesma avaliação, a respeito do papel

mediador do assistente social na instituição:

Eu acho que ela busca junto com o hospital, com os diretores, busca uma

solução para o melhorar para aquele paciente. Às vezes a família não vem, e

o paciente pede para ela ligar para a família acompanhar, né? Avisa quando o paciente está de alta, ela está ali para isso, né? para fazer aquele

intercâmbio com a família e entre a família, né? Ela contribui muito, porque

sempre a assistente social ela procura sempre colocar o paciente numa situação melhor, pelo menos ela tenta, ela tenta fazer a união do paciente

com a família, né? [...] Geralmente a assistente social é que está mais ligada

à família e a sociedade (Severino, familiar).

Como se vê, a assistente social assume uma postura que, no ambiente hospitalar,

se confunde com o processo de interlocução com o usuário, a instituição, a família e a

sociedade, numa relação dinâmica cujo objetivo é colaborar com o tratamento do interno,

restabelecendo, quando possível e necessário, laços de sociabilidade e de aproximação da

família com o ente querido e deste com a sociedade. Além disso, a assistente social também

aconselha, educa e ouve o usuário, orientando-o acerca de seus direitos, tendo em

consideração a realidade de sua cidadania, sendo comumente representado como aquele que

vivencia, junto com o PTM e sua família, situações reais de suas vidas em meio às

singularidades e potencialidades desses sujeitos.

Ela educa o paciente, mais ou menos com poucas palavras, orientando o

paciente. Acho que ela se encarrega de transmitir a notícia nossa para a

família da gente. Quando preciso de alguma coisa, pergunto a ela, e ouve meu problema, oh!, mas aquilo me dá uma alegria grande porque a assistente

social me recebeu e me deu atenção (José Filho, usuário).

Porque está sempre presente nas horas mais difíceis, dando atenção ao

paciente [...], sempre me aconselhando a tomar a medicação em casa, e me

ajudam a nunca mais voltar pra cá [...]. Ela ajuda em tudo, no lado material e

espiritual, dando conselhos (Joaquina, usuária).

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Nos discurso de José Filho e Joaquina, ambos conferem ao assistente social o

conhecimento e a compreensão das necessidades e particularidades dos usuários, como

sujeitos de direito. É que a profissional, com as atividades que desenvolve, presta apoio,

material ou não, ao usuário, por isso o aconselha a auto-ajudar-se, a participar do tratamento,

atenção que o deixa feliz, por sentir-se bem ao ser ouvido.

Deixe-me pensar [...]. O assistente social dá conselhos e orienta sobre como

tomar o medicamento, ela ter uma melhor convivência em casa, fazer alguma coisa, trabalhar e não pensar coisas ruins (Marcelo, familiar).

A família assimila tal qual o usuário que o profissional de Serviço Social, no dia-

a-dia de sua prática e na relação com o PTM, age orientando-o a aderir ao tratamento, bem

como a uma melhor convivência em casa. Na verdade, a assistente social não tem como

resolver todos os problemas dos sujeitos que lhes demandam a intervenção, mas, sem dúvida,

a sua prática é um instrumento a serviço dos interesses e necessidades dos usuários e famílias,

na perspectiva da sua cidadania, dentro ou fora da instituição. É, assim, o assistente social,

para usuários e familiares, a pessoa que desenvolve atividades para solucionar os seus

problemas, sendo um defensor deles como seres humanos e cidadãos, uma vez que se

preocupa com seu bem-estar, quer quando internados, quer no contexto social, inclusive na

dimensão sócio-educativa

No contexto das representações comuns aos entrevistados destaca-se, no

cotidiano institucional, a visão do assistente social como o profissional em que o usuário e a

família depositam confiança, porquanto é um facilitador e um intermediador da sua relação

com o mundo exterior. É, pois, o profissional que ajuda o usuário no tratamento, facilita-lhe a

alta, intermedeia o contato com a família e a sociedade, sendo tida como a pessoa, educada e

compreensiva, que trata os demais com atenção e carinho, sobretudo os usuários e familiares,

transmitindo a segurança de que tudo será resolvido o mais rápido possível, como deseja o

PTM. Nesse sentido, o assistente social, na expectativa do usuário e da família, esclarece

qualquer tipo de dúvida, inclusive o que os outros profissionais não sabem responder,

encaminhando-o ao setor certo.

Ela se encarrega de cuidar de cada paciente em termos de quando está de alta

se encarrega de avisar para a família. Quando ninguém lhe dá atenção, quando você procura a todos, o médico, a família, um amigo e todos lhe dão

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as costas, então você tem que recorrer ao assistente social de imediato e

contar o problema que você está passando (Cassandra, usuária).

Esse depoimento revela uma certa angústia, pois refere que algumas vezes a

necessidade da escuta não é atendida. Ante essa ausência de reciprocidade e sentindo não ter

os direitos assegurados plenamente, tanto no hospital quanto fora dele, Cassandra projeta, na

figura do assistente social, a imagem da pessoa em que pode confiar e que transmite apoio e

afeto, quer na sociedade, quer na família, direitos que são seus e dos usuários. Outros

compartilham da mesma opinião, assinalando que

mesmo dentro do hospital, ela [a assistente social] é uma pessoa amigável, quando está trabalhando faz amizade com a gente (Silvano, usuário).

o assistente social conversa com todas as pessoas internadas, trata bem as pessoas (Conceição, usuária).

Cassandra, Silvano e Conceição, os três com várias internações, afirmam que a

assistente social é alguém confiável e que está do lado deles, sendo valorizada como uma

defensora dos seus direitos e do seu bem-estar. Significa dizer que eles encontram nelas, as

assistentes sociais, sinais de uma relação amigável, respaldada na confiança e cumplicidade,

construída ao longo dos anos. Aliás, no conjunto dessas representações, a família também

elabora relações sociais estáveis com a assistente social, no cotidiano do hospital, evocando

igualmente laços de amizade e confiança, que se fortalecem com o tempo.

Você não os trata mal, Adriana, é sempre como se fosse uma amiga, quer

dizer, a assistente social tem que ser como se fosse uma amiga para o

paciente, poder confiar em você. É, você não mente para ele, então ele sente firmeza no que você fala e diz (Rosemary, familiar).

Nas representações formuladas pelos usuários e familiares e captadas em suas

falas e expressões sobre vários aspectos da vida, fora ou dentro da instituição, a assistente

social aparece como a profissional a quem se dirigem, na esperança de uma informação ou

orientação. É como se ela fosse um “porto seguro” ao qual pudessem atracar, a qualquer

momento, com segurança, ou mesmo um “guardião” de seus interesses, uma vez que, aos seus

olhos, trata-se de um profissional sempre disposto a norteá-los sobre o tratamento em geral

(causas, modalidades, continuidade, alternativas, etc), articulando e mediatizando a relação

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usuário, família, instituição e sociedade, posto que defende, preferencialmente, os seus

direitos e a sua cidadania.

Esse imaginário de usuários e familiares confere ao profissional de Serviço Social,

em alguns momentos e circunstâncias, um significado de “super herói”, capaz de conhecer e

intervir sobre a realidade social, na sua complexidade, contribuindo para solucionar os

impasses que norteiam a relação usuário, instituição e sociedade, num contexto de múltiplas

adversidades, como as ausências de direitos e políticas públicas que assegurem o bem-estar

dos cidadãos, em particular daqueles mais empobrecidos e expostos às mazelas sociais.

Assim, chega a ser imaginado com “superpoderes”, equiparando-se à figura da mãe, que

incansavelmente enfrenta os desafios da vida em prol daqueles com que historicamente se

relacionam. Com efeito, a usuária Raimunda diz que

dentro do hospital, ela é como se fosse uma “mãe”, um herói, ela associa a pessoa [usuário] à família, então é importante isso aí, porque às vezes

estamos nos sentindo tão sozinho e ela chega com uma boa notícia.

Mas essa visão da assistente social como portadora de “superpoderes”, no

enfrentamento, em sua prática, da dureza da realidade social, na mediação com as diversas

categorias e com um universo social marcado por adversidades, não é elaborada apenas pelos

usuários e familiares. Isso decorre do fato de que o seu espaço ultrapassa o âmbito da

instituição, sendo peculiar, na sua vivência cotidiana, a busca de respostas a demandas e

necessidades dos diversos grupos sociais e o estabelecimento de contatos, com outras

instituições, para o bom desenvolvimento do exercício profissional. Então, na falta de uma

rede de serviços sociais com qualidade e amplitude, que dê maior suporte ao trabalho,

sobretudo após a alta do usuário, o assistente social é desafiado, diuturnamente, a vencer essas

barreiras, conclamando outros profissionais e instituições que possam, de algum modo,

responder aos anseios e dificuldades do PTM. Isso contribui para, em dados momentos e

situações, afirmar a imagem de “super herói”, ao assistente social, pelo menos no Meduna.

Outro aspecto que chama a atenção, no cotidiano do Sanatório, é que a assistente

social, no exercício da profissão como membro da equipe interdisciplinar, é, algumas vezes,

identificada, pelos sujeitos da pesquisa, com outras categorias da instituição, principalmente

com o psicólogo. Os depoimentos, a seguir reforçam a afirmativa:

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Ela trabalha se preocupando com a educação, dando conselho, orientando.

Então, quando a família não vem, eu procuro a assistente social e ela tem

outras ocupações mais. Ela tenta tranqüilizar a gente, transmite paz pra gente por causa do jeito dela, do comportamento calmo dela, porque ela é uma

psicóloga, né?, né verdade? O assistente social é meio psicólogo, parece

também, não só parece como transmite pra gente um pouco de paz e fé

(Silvano, usuário).

Eu acho que o assistente social faz uma pesquisa psicológica para entender o

que se passa pela cabeça do paciente, para entender qual é o problema do paciente, saber a vida da pessoa na rua, em casa, se trabalha [...]. Você para

mim é uma excelente “psicóloga”. Dá atenção, sorri, é dinâmica, não tem

medo deles, não teme que eles te batam (Raimunda, usuária).

No imaginário das famílias, a assistente social é também associada ao psicólogo

porque, além das suas diversas atividades e atribuições privativas, pratica, no ambiente

institucional, outras ações que também são próprias a outras categorias, como a dos

psicólogos, podendo-se destacar, entre as que se dão no atendimento de rotina, o hábito de

ouvir atentamente o usuário e a família, e o aconselhamento, em abordagens individuais ou

em grupos. Significa dizer que a assistente social é o profissional que atua no campo das

múltiplas facetas e aspectos, porquanto trabalha com a dimensão social, econômica, política e

cultural, sem mencionar os elementos da subjetividade dos sujeitos sociais. Assim, sua prática

objetiva, entre outros aspectos, oferecer suporte psicossocial aos usuários do serviço de saúde

mental, que tem as relações abaladas pelo transtorno de que são vítimas. Por isso, para as

famílias, a assistente social é vista como a profissional que conversa e dialoga intensamente

com o usuário. Essas imagens estão expressas nas entrevistas de Mônica e Rosemary,

representantes de familiares:

Então, o assistente social é com se fosse um psicólogo, que está ali abrindo a

mente, orientando, conversando, para ele já sair daqui pronto para se engajar na sociedade. Eu não sei se o assistente social é como eu estou colocando,

porque eu vejo o assistente social como uma espécie de psicólogo, então está

ali para ajudar, creio eu que contribua com o tratamento porque, quando o

paciente está só medicado ele [usuário] vai sair ainda aéreo, sem noção de nada, se tem uma pessoa [assistente social] orientando ela vai sair daqui

ciente de fazer alguma coisa, de melhorar em alguma coisa a sua vida, sai

mais consciente (Mônica, familiar).

Mas eu acho que o serviço de uma assistente social para mim é quase como

se fosse uma psicóloga. Porque eu entendo que ela está ali para ver e assistir

o paciente em qualquer situação desde que ele entrou até ele sair [...] Então, deve acompanhar com aquele acompanhamento psicológico do paciente

(Rosemary, familiar).

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Para esses familiares, a ação do profissional de Serviço Social se respalda no

compromisso com o tratamento do usuário e com as suas necessidades, visando promover-lhe

a sociabilidade e a recuperação, respeitando os seus direitos específicos e de cidadão. Na

verdade, essas representações sobre o fazer da assistente social se dão, na prática, por conta

não só de uma certa aproximação entre as duas profissões, mas também pelo trabalho

interdisciplinar presente no Sanatório Meduna, daí que às vezes, no ambiente institucional,

sejam comparadas e até confundidas. Mas, embora isso de fato ocorra, no dia-a-dia as

assistentes sociais têm clareza do seu papel e o exercem com autonomia, norteadas pelas

diretrizes da profissão, daí que buscam contribuir com os usuários no seu tratamento,

potencializando-lhes desejos e anseios, a fim de assegurar os seus direitos e a sua cidadania,

raio próprio de atuação do Serviço Social.

4.2.4 Os assistentes sociais na visão dos outros profissionais

Dentro do universo institucional foi visto que a prática do assistente social aparece

representada em diversas posturas. Não obstante, pode-se observar também que esta é

percebida e reiterada pelos outros técnicos e na visão da direção como o profissional da

família, aquele que, no cotidiano, é protagonista nas intervenções junto ao grupo familiar. É

que é ele o responsável pelo intercâmbio entre a família, a instituição e a sociedade, tal qual

expressam uma psiquiatra e um dos diretores do Sanatório:

Acho que de uns tempos para cá a família tem participado mais, o Serviço

Social tem conseguido trazer a família, né? para assistência psiquiátrica ao portador de transtorno mental, em um trabalho conjunto com o profissional

psiquiatra. Acho que é um intercâmbio muito interessante, que de uns

tempos para cá vem funcionando e a gente percebe claramente no dia-a-dia uma resposta, né? Vê-se concretamente que na evolução do paciente, a alta é

mais precoce, na resolução dessa alta a gente vê que o paciente não fica

muito tempo após a alta, geralmente ele sai dentro do prazo previsto da alta

marcada, então eu acho que diminui aquela expectativa do paciente que já está bem e vai sair ou não. E durante a internação eu acho que o paciente é

melhor assistido pela família, e isso é fundamental (Fátima, psiquiatra).

Existe um resultado positivo quando a família participa. É diferente quando

o paciente recebe assistência da família durante a internação, no sentido de

que a gente discutir alguns casos mais difíceis de resolução, com isso, o paciente só tem a ganhar com isso. Acho que isso tem sido feito pela

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assistente social, que desde antigamente passou a atuar junto à família (Luis,

ex-diretor).

Esses depoimentos revelam que, no Sanatório Meduna, o assistente social é

reconhecidamente o profissional responsável pela assistência e atendimento à família, no que

diz respeito ao processo de tratamento e funcionamento da instituição. A fala de Fátima

expressa que a assistente social vem, ao longo dos anos, mobilizando a família para participar

mais ativamente do processo de tratamento, com reflexos positivos para o PTM, que têm hoje

uma sua alta mais precoce, passando, por sua vez, menos tempo internado. Assim, a assistente

social tem atuado junto à família, no sentido de esta participar mais, sentido-se mais

responsável no tratamento, passando o PTM interno a ser mais bem assistido, o que tem uma

grande importância. É que, como se sabe, antes da implantação do Serviço Social na

instituição, a família era uma figura praticamente ausente no processo de tratamento

psiquiátrico, que na época assumia um caráter mais asilar baseado e voltado para as

abordagens, sobretudo, medicamentosas. Nas últimas duas décadas, tem havido uma maior

aproximação da família com o Sanatório Meduna, por mérito, sobretudo, do assistente social,

que a envolve no tratamento do PTM, levando-o a recuperar-se mais rapidamente, sem

mencionar que houve ainda, como exposto no capítulo anterior, um redirecionamento na

intervenção do grupo de profissionais, mais postura pautada pela interdisciplinaridade.

Nesse mesmo sentido, a fala da direção da instituição aponta que a presença da

família no tratamento é positiva, na medida em que o caso de cada usuário pode ser melhor

discutido, contexto em que os familiares recebem um maior suporte informativo sobre as

manifestações do transtorno mental, sendo a presença da assistente social fundamental no

processo de interlocução com essa entidade. Como bem expressou Rosa (2000a), essa postura,

do papel positivo da família, no tratamento do transtorno mental, objetiva superar a mais

tradicional da família, tida como mero informante e visitante, com pouca ou nenhuma

participação no tratamento do ente querido com transtorno mental.

Verifica-se que, no universo institucional, por estar engajado em várias atividades,

a assistente social, para encaminhar as questões que lhe são demandadas cotidianamente pelos

usuários, a família, os outros profissionais e a sociedade, vê-se premida a uma abordagem

mais coletiva e orientada para uma interdisciplinaridade na qual possa, como já foi pontuado,

socializar os problemas, as dificuldades e implementar os caminhos para a sua solução. Ao

mesmo tempo se verifica, na prática, o direcionamento, para o Setor de Serviço Social, de

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tudo o que não é dos outros setores, pois, muitas demandas a ele chegam, ainda que não sejam

de sua competência. Assim se expressa um dos diretores, que diz que

hoje principalmente o foco [do Serviço Social] [...] é o atendimento à família, o contato com a família e faz até o intercâmbio que não deveria

fazer, porque os outros profissionais não fazem. Por exemplo, o médico não

conversa com a família, até coisas que seria para o médico conversar com a família o Serviço Social termina assumindo, porque o médico não tem

tempo, ou não se dispõe. Principalmente em relação à família, termina

assumindo [o Serviço Social] o papel de outros profissionais. Tem coisas como explicar patologias, medicação, duração do tratamento, essas coisas

são estritamente técnicas, o médico é que deveria explicar para a família,

mas isso nem sempre acontece (Carlos Silva, diretor técnico).

Esse depoimento evidencia que o assistente social, além de assumir a

representação do profissional da família, é ainda associado, sobretudo na visão da direção,

como aquele que recebe demandas as mais variadas, tendo, no seu processo de intervenção,

que encaminhá-las e, para isso, desdobram-se para superar as adversidades que permeiam a

instituição e a realidade social mais ampla, marcada pela complexidade e a contraditoriedade.

Nesse contexto de múltiplas faces e contradições, que norteiam e permeiam a prática

profissional do assistente social, este é representado, em muitas situações e momentos, como

um “descascador de abacaxi”, ou seja, aquele que resolve qualquer tipo de problema não

encaminhado devidamente pelos demais setores. Por conseguinte, para não entrar no “jogo do

empurra-empurra” do usuário de um lado para outro, termina absorvendo atribuições de

outros setores, sob a lógica de que precisam otimizar suas atividades especificas na

instituição. Assim, refere um dos representantes da direção do Sanatório Meduna

acho que termina acontecendo que o Serviço Social termina virando um

“descascador de abacaxi”, na verdade, no sentido de que os problemas que

não são resolvidos são colocados para o Serviço Social (Carlos Silva, diretor

técnico)

Esse é um aspecto que necessita ser melhor trabalhado nas relações profissionais

que o assistente social estabelece na instituição, no sentido de aperfeiçoar os objetivos de um

trabalho interdisciplinar que potencialize as competências do saber específico a cada área do

saber e ao mesmo tempo caminhe coletivamente.

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Existe ainda o entendimento, da direção de que o assistente social sabe resolver os

conflitos que tangenciam a prática, no dia-a-dia. Este profissional, é, na verdade, visto e

reconhecido, pelos demais e pela direção, com capacidade de negociação e de articulador de

conflitos, cuja intervenção busca compreender as intercorrências, pelo que suas

resolutividades se dão na maioria dos casos, após ouvir as partes interessadas. Intermedeia

assim a melhor solução, procurando não causar maiores constrangimentos para os envolvidos

e tentando vencer as barreiras objetivas e subjetivas, sendo o profissional que persiste no

sentido de resolver os problemas no âmbito institucional e no intuito de superar os variados

empecilhos. Assim, diz um dos diretores do Meduna que

um outro aspecto [que] é notado no trabalho do Serviço Social, pelo menos

no que eu observo aqui, é a tentativa de resolução de problemas concretos

dos pacientes, os mais variados, ou para conseguir atendimento na cidade dele, ou conseguir um modo do paciente ser transferido para a cidade de

origem, ou conseguir que a família venha, esse tipo de coisa que o Serviço

Social sempre está lutando e buscando, mas que é difícil pela falta de suporte social do Estado e do Município, porque a gente carece muito de atividade

social pública [refere-se aos serviços psiquiátricos], então o trabalho do

assistente social no hospital fica triplicado, porque ele tem que “remar contra

a maré” (Carlos Silva, diretor técnico).

“Remar contra a maré” significa que esses profissionais, no exercício de sua

prática institucional, têm que enfrentar e ultrapassar os diversos entraves, dilemas e conflitos

de ordem econômica, política, social e cultural, de ordem objetiva e subjetiva, almejando criar

possibilidades e alternativas para imprimir uma leitura na direção de compreender essa

realidade complexa, que vulnerabiliza os sujeitos sociais com os quais mantêm relações e

possa desencadear ações propositivas que fortaleçam-lhes os direitos e a cidadania.

Ademais, todas essas representações transformam-se, no cotidiano institucional,

em necessidades, requisições e demandas reais e concretas dos usuários, familiares e demais

profissionais, que exigem do assistente social um posicionamento teórico-técnico que as

encaminhe da forma mais exitosa possível. Aliás, nesse processo de enfrentamento das

demandas, o profissional de Serviço Social se vê desafiado, em sua prática, a encarar

situações as mais variadas, cercadas das múltiplas adversidades inerentes ao contexto social,

hospitalar, profissional e interdisciplinar. É que tais óbices, como se vem pontuando, se

relacionam, de um lado, à quase completa ausência de uma rede de serviços em que o usuário

possa continuar o tratamento e, de outro, à precária condição econômica, financeira e social

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das famílias, despreparadas para lidar com o transtorno mental e suas manifestações

peculiares.

Nota-se, portanto, por parte das assistentes sociais, um esforço em elaborar

respostas às solicitações do cotidiano da prática profissional, encaminhando-as dentro das

possibilidades objetivas, subjetivas e técnicas da realidade institucional e social, no sentido de

assegurar o acesso dos PTM aos direitos e à cidadania, em sintonia com o projeto construído

pela própria categoria, nas últimas três décadas. Esse esforço não tem sido fácil, mas um

desafio constante não só para as assistentes sociais do Meduna, mas a todos os profissionais

de Serviço Social que lutam por novas atitudes sociais em direção a mudanças imediatas ou

históricas na sociedade, nas instituições e nas relações com os sujeitos da prática profissional,

em especial os PTM e suas famílias.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo objetivou identificar, compreender e analisar, a prática do assistente

social na área da saúde mental na cidade de Teresina, no Estado do Piauí, interrelacionando-a

com a cidadania e os direitos dos usuários e seus familiares. Buscou, assim, a partir das

múltiplas vivências concretas, falas, gestos e expressões experimentadas por esses sujeitos,

resgatar e (re) construir o processo da prática profissional do assistente social, ressaltando a

sua interlocução, seus nexos, vínculos, relações e afinidades, com a viabilização da cidadania

e dos direitos dos portadores de transtornos mentais (PTM) que usam os serviços

especializados nessa área.

Na trajetória percorrida por esse estudo, foi possível perceber e identificar que o

Serviço Social, como uma profissão historicamente determinada e inscrita na divisão

sóciotécnica do trabalho, surgiu e institucionalizou-se no Brasil, como uma especialidade do

trabalho, na década de 1930, no seio do bloco católico e vinculado ao Estado, objetivando

principalmente propagar os ideários da Doutrina Social da Igreja e atuar, “suavizando”, os

efeitos da questão social, que desde os primeiros anos do século XX vem requerendo um

enfrentamento do Estado. Na verdade, o Serviço Social emergiu num contexto de múltiplas

conturbações econômicas, políticas e sociais, marcado por grandes transformações, com o

capitalismo se afirmando como modo de produção, sendo necessária e urgente a intervenção

estatal no reordenamento da sociedade, regulando-a, para, em última instância, assegurar a

implantação do processo de industrialização, a acumulação capitalista e a “suavização” das

tensões sociais.

Nesses termos, historicamente a profissão de assistente social, concebida como

uma das formas institucionalizadas de agir no cotidiano da vida social, se vê responsável pela

elaboração de resposta à questão social, que se metamorfoseia ao longo das décadas,

assumindo novos contornos e tornando-se mais complexa, exigindo outras intervenções, mais

elaboradas e planejadas, fora dos limites da caridade e da filantropia. Assim, nas diversas

sociedades, como a brasileira, nos meandros do sistema de produção capitalista,

historicamente marcado por múltiplos conflitos, complexidades e contraditoriedades, o

assistente social participa como elemento constituinte e constituído desse processo,

influenciando e sendo influenciado por esses conflitos, contradições, relações, dilemas,

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entraves e vínculos, atuando, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, do

conjunto do jogo de forças políticas que norteiam e embasam as relações e práticas sociais, na

qual está inserido.

Foi possível analisar que os profissionais de Serviço Social inserem-se no

contexto mais amplo das relações sociais de produção e por isso, mesmo socialmente

determinados, não assumem, no desvendamento da sociedade e no enfrentamento da questão

social, uma só postura e atuação sob um único modo de pensar e agir, nem intervém a partir

de uma única perspectiva e horizonte. Os rumos e sentidos imprimidos à sua prática

profissional são permeados e influenciados pelos reflexos, lutas e contradições da sociedade,

dos indivíduos e dos grupos sociais. Ou seja, a inserção do profissional nos diversos contextos

acontece dentro e de acordo com a historicidade e a dinamicidade da sociedade e de suas

relações mais amplas, podendo, assim, como profissional, a assumir diversas posturas e

pensamentos no modo de conceber a sociedade, a profissão e a realidade social, ao interagir

com e atuar sobre ela.

Dessa forma, nesta pesquisa, pôde-se verificar que a profissão de Serviço Social

vem, ao longo dos anos, atuando em vários campos ocupacionais, tendo diversas posturas,

rumos e relações profissionais com os grupos e segmentos sociais, sobretudo com aqueles

mais empobrecidos, empenhando-se na defesa dos seus interesses, em especial os

concernentes à garantia dos seus direitos e da sua cidadania. Esse entendimento, não chega a

ser uma novidade no âmbito do Serviço Social, pois a postura profissional por esse prisma

vem, no Brasil e no Piauí, sendo retomada com muito mais força, amplitude e significação

sobretudo nas últimas três décadas, alimentados pelas discussões da construção de novas

bases e rumos para a profissão, levadas a efeito por expressiva parcela de assistentes sociais

em todo o continente latino-americano e no Brasil. Estes adotam compromissos sociais, éticos

e políticos na direção de efetivar e defender a cidadania e os direitos dos usuários dos serviços

e das políticas públicas, na perspectiva dos seus interesses e necessidades, numa postura que

marcou os anos de 1970, fase em que se fortalecia, no Brasil e na América Latina, o

Movimento de Reconceituação do Serviço Social (MRSS), que sacudiu a profissão, levando-a

a repensar suas bases teórica, metodológica, política e ideológica.

Nesses termos, o assistente social, dentre os diversos campos em que atua, tem

entre um deles a área da saúde mental. As incursões do Serviço Social nessa área deram-se

pioneiramente no Estados Unidos da América, no início do século XX, fato que vem se dando

no Brasil desde a década de 1930 e no Piauí desde o início da década de 1960. Nessa atuação

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junto aos PTM, estabelecem vínculos com esses sujeitos e intervém no processo de tratamento

no âmbito da instituição psiquiátrica, auxiliando a sua composição e viabilização.

Neste estudo, a análise da prática profissional do assistente social permitiu

apontá-la de modo geral, como uma unidade dialética inserida na contraditoridade,

singularidade e totalidade históricas de uma dada sociedade, a qual vem, nas últimas décadas,

estreitando laços na direção da garantia da cidadania e dos direitos, como uma bandeira de

luta da categoria. Dessa maneira, no que concerne às questões que nortearam essa pesquisa,

pode-se afirmar que, assim como no Brasil, no Piauí os assistentes sociais, com sua prática

canalizem, de alguma forma, conscientemente ou não, para favorecer os anseios e

necessidades dos usuários dos serviços sociais. Pelo menos no plano das intenções, foi

possível identificar e analisar que o profissional age sintonizado com a noção de direito e de

cidadania, sendo essa relação defendida também pelas assistentes sociais do Sanatório

Meduna e fortalecida sobretudo após o advento do processo de redemocratização do país, da

promulgação da Constituição Federal de 1988 e da elaboração do conjunto de leis que regem

e regulamentam a profissão no Brasil, norteando o processo de formação e de sua intervenção

nas várias áreas onde atua. É certo que se, de um lado, as análises revelaram uma defasagem

entre o direito real e o legal, entre a intenção e a ação, entre o pensar e o fazer profissional,

por outro existe cada vez mais, entre os assistentes sociais, em particular os do Sanatório

Meduna, um compromisso real e efetivo em direcionar suas práticas profissionais para a

cidadania e os direitos dos usuários dos serviços sociais oferecidos, pelo Estado e pela

sociedade à população brasileira e piauiense, em especial à população pobre e destituída de

condições dignas de vida.

Foi visto que, no cotidiano institucional, marcado por relações contraditórias, a

prática profissional é perpassada por inúmeros limites, dificuldades e barreiras (materiais e

espirituais), de modo que, a assistente social tem que responder às demandas que chegam e

são heterogêneas, porquanto vindas de diversos setores (dos usuários, famílias, instituição,

outros profissionais, sociedade), requerendo-lhe a intervenção no desvendamento e

enfrentamento da realidade social. Vivencia, então, o profissional, situações as mais variadas

e estabelece vínculos com o universo interno e externo do Sanatório Meduna, na medida em

que permeia e é permeado pelo conjunto das relações sociais, articulando com os sujeitos

sociais mencionados múltiplos nexos ao longo dos tempos. Ademais, viu-se que, em face da

complexidade do contexto institucional, a assistente social atua na teia das relações, como

integrante da equipe interdisciplinar, para superar as demandas cotidianamente impostas, para

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o que firma parcerias com os demais profissionais de Serviço Social e os das outras áreas, até

porque não raro muitas das demandas que chegam ao assistente social dizem respeito à equipe

interdisciplinar, por serem uma responsabilidade de cunho coletivo (portanto, não individual,

nem de uma só categoria profissional). Nesse movimento dinâmico e contraditório do

cotidiano do exercício profissional, as assistentes sociais exercem, no Meduna, um papel

fundamental, tentando socializar e resolver os problemas e dificuldades com os demais

técnicos e a direção, visando, em última instância, atender às necessidades e os interesses do

PTM na sua relação com a instituição e a sociedade.

Viu-se também que, no cotidiano da prática profissional, o assistente social

contribui, no Sanatório Meduna, para o processo de tratamento e recuperação do PTM como

sujeito de direito e cidadão, desenvolvendo atividades voltadas para eles e suas famílias, a fim

de conscientizá-los dos seus direitos e de sua cidadania e almejando sua reintegração social,

esta um resgate do ser humano complexo, com capacidade de relacionar-se e interagir no

âmbito familiar e social mais amplo, como protagonista e sujeito histórico. No conjunto das

atividades e do fazer profissional no âmbito institucional, as que mais mobilizam as

assistentes sociais são os encaminhamentos de alta, os atendimentos de abordagem individual

e grupal com os usuários e as suas famílias (que têm, entre outros objetivos, socializar,

democratizar e prestar informações sobre temas diversos do interesse desses sujeitos, como os

relacionados ao quadro de saúde geral do PTM, óbitos, acesso a benefícios sociais,

transferências para outras Unidades de Saúde, outros serviços de saúde), os esclarecimentos

acerca da continuação do tratamento dentro ou fora da instituição (após alta), o oferecimento

de capacitação e oportunidades de lazer, recreação, vivências afetivas, a preparação da família

para o convívio com o PTM, fortalecendo os seus laços afetivos e a educação para a

cidadania. No desenvolvimento dessas atividades, o profissional busca articular-se com os

demais técnicos e leva em conta as particularidades, limites e potencialidades desses sujeitos,

detentores de vontades, desejos e capacidades que podem ser potencializadas para alcançar

sua afirmação como um ser histórico e humano.

Ao traçar um perfil sintético dessa população, o estudo demonstrou que esses

sujeitos, oriundos das diversas classes e segmentos sociais, sobretudo os mais empobrecidos,

são pessoas com carências múltiplas, não só de bens materiais, mas de moradia, saúde,

educação e alimentação dignas, além de informação, carinho e amor. Não raro, têm um perfil

heterogêneo, com baixa ou nenhuma escolaridade, marcadas pelo traço da pobreza e do

estigma do transtorno mental, que buscam e exigem da instituição e das assistentes sociais e

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dos outros profissionais, de modo mais consciente, a garantia do tratamento e do acolhimento

sempre que dele precisar, baseados na atenção e no respeito. Enfim, que lhes sejam, no âmbito

institucional, assegurados um mínimo de dignidade, extrapolando o tratamento meramente

medicamentoso, excludente e segregador, que historicamente vinca as sociedades brasileira e

piauiense.

Destarte, na direção de compreender os significados do transtorno mental e das

demandas e necessidades que lhe chegam, em suas singularidades e totalidades históricas, a

assistente social ao longo das últimas duas décadas, em consonância e sintonia com o

contexto mais amplo da profissão, vêm assumindo, no Sanatório Meduna, uma postura mais

comprometida com a cidadania e os direitos dos usuários do serviço de saúde mental,

buscando para isso atuar numa perspectiva da interdisciplinaridade, a fim de superar um ação

mais individualizada, que caracterizou os primórdios da profissão na instituição, o que vem

sendo aprimorado e fortalecido.

Nas análises dos discursos, expressões e vivências dos sujeitos entrevistados,

verificou-se que constroem no cotidiano institucional diversas representações (imagens) sobre

o assistente social e o seu fazer profissional no Meduna. Dentre essas representações, destaca-

se a de que o assistente social é um “mediador e articulador” das relações entre a instituição, o

PTM, a sua família, a equipe interdisciplinar e a sociedade, considerado como o profissional

que busca compreender os contextos institucional e psicossocial da população usuária dos

seus serviços e que intervém nas mais variadas situações, a fim de garantir a satisfação dos

interesses e necessidades dos PTM como cidadania e como direito, levando em conta as

condições objetivas e subjetivas da realidade social, institucional e profissional.

O assistente social foi tido como “o profissional da família” por ser o mais

próximo a ela e do usuário, fornecendo-lhes as informações sobre os aspectos gerais do

tratamento, encaminhando as altas, etc. É, assim, como se um “porta voz” da família, que a

orienta e apóia, porquanto conhecedor dos trâmites burocráticos das outras instituições, com

acesso ao sistema de comunicação via telefone, pelo que assegura o contato do PTM com ela

e o mundo exterior à instituição e desta com outras instâncias da sociedade. Analisou-se que,

na visão dos usuários e seus familiares, o assistente social é o profissional com quem se pode

contar a qualquer momento e que sabe escutar atentamente suas queixas e anseios,

preocupando-se com seu bem-estar e acompanhando de perto o tratamento. O assistente social

apareceu como aquele que aconselha e orienta o usuário e sua família, fortalecendo suas

reivindicações e oferecendo-lhes suporte informativo, educativo e psicossocial, ajudando-os

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nos aspectos objetivos e subjetivos por compreender suas necessidades e particularidades

como sujeitos de direitos.

Enfim, o assistente social é a pessoa na qual o usuário e a família depositam

confiança, que transmite carinho e afeto. É, para eles, uma espécie de “guardião” dos seus

direitos e de sua cidadania, sendo visto como um “porto seguro”, a que podem a qualquer

momento atracar, já que sempre se dirigem a ela na esperança de receber informação,

orientação e ter realizados seus desejos, vontades, anseios e necessidades, como usuários e

cidadão.

Levando em consideração o conjunto dos depoimentos dos sujeitos envolvidos na

pesquisa, as observações e análises levantadas ao longo deste estudo e, por fim, a vivência da

pesquisadora no cotidiano do Sanatório Meduna, pode-se aferir que a prática profissional do

assistente social no referido hospital vêm contribuindo, de algum modo, para a garantia e

ampliação dos direitos e da cidadania do PTM, como sujeito social especial dotado, portanto,

de necessidades e capacidades objetivas e subjetivas que devem ser desveladas,

compreendidas, respeitadas, valorizadas, pontencializadas e atendidas. Destarte o assistente

social, no Meduna, encontra-se, geralmente, em sintonia aos reclamos da sociedade, da

profissão e dos movimentos da área da saúde mental que lutam por novos rumos nas relações

entre Estado, organismos privados, sociedade, ainda que numa conjuntura desfavorável,

marcada por crises e dilemas de toda ordem e natureza.

Essa sintonia conduz a categoria dos assistentes sociais, no novo milênio, a

ampliar a responsabilidade profissional e continuar a fortalecer a perspectiva de atuação em

prol dos interesses e da defesa dos usuários dos serviços e das políticas públicas, agregando

forças para superar os entraves e dificuldades impostos à profissão na atual conjuntura

econômica, política e social que atravessa o país e o Piauí. Esta conjuntura, norteada pelos

ideários neoliberais, que se hegemonizam em quase todas as nações, intervém na forma de

gerenciar os recursos e investimentos públicos e sociais, em regra no sentido de sua

eliminação ou redução, o que se torna um desafio a ser enfrentado pelo Serviço Social e pelas

outras profissões no mundo, no Brasil e no Piauí.

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383

ANEXOS

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384

ANEXO I – JORNALZINHO “O IDEAL” PROZUZIDO PELOS USUÁRIOS DO

MEDUNA

O I D E A L

“A OCUPAÇÃO É O MÉDICO DA NATUREZA”

(GALENO)

JORNAL MENSAL DO SERVIÇO SOCIAL E DO SERVIÇO

TERAUPÊUTICO OCUPACIONAL DO SANATÓRIO MEDUNA.

ANO 82 Nº 04 MARÇO TERESINA -

PIAUÍ

LEITOR!

Lançamos mais uma edição no nosso

JORNAL, que trás vários assuntos. O nosso

jornal é elaborado pelo Serviço Social e Serviço

Terapêutico Ocupacional, contando com a

participação de todos os pacientes. Nesta edição,

mudamos um pouco a estrutura do jornal,

seguindo a opinião dos nossos pacientes que

continuam participando ativamente do nosso

trabalho. E como eles, esperamos contar sempre

com a sua participação caro leitor.

(S.

SOCIAL )

I V I N H A Ç Õ E S

A D I V I N H A Ç Õ E S

- Por que o boi baba?

- O que é, o que é, que tem barriga pra

trás?

- O que é, o que é, que para ver os dentes

tem que tirar a roupa para ver o corpo

tem que tirar os dentes?

SUA MAJESTAD – O ÁLCOOL

SUA MAJESTADE – O ÁLCOOL

? ?

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RESP: ADIVINHAÇÃO

01- Por que não pode cuspir.

02- É a perna.

03- A espiga de milho.

Conheceis-me?

Eu sou o príncipe que aparece nas alegrias o companheiro de todos os gozos modernos

o mensageiro da MORTE, o príncipe que governa o mundo.

Estou presente em todas as reuniões e nenhuma

delas se efetua sem minha presença - meu nome é

DOM ÁLCOOL.

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