A Psicologia Da Apostasia

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A Psicologia da Apostasia Dom Lourenço Fleichman OSB Foi incansável na tentativa de levar às almas a verdade, tanto natural quanto sobrenatural, o Pe. Leonel Franca, que ilustra o pensamento brasileiro com livros dignos de um mestre. Entre seus escritos, encontra-se um pequeno livro, A Psicologia da Fé, onde o grande jesuíta analisa os detalhes do ato de fé, aquilo que leva o homem a agir pela Fé, o que falta na atitude daqueles que não têm Fé. Inspirado neste trabalho, e assistindo já há alguns anos a tantas almas, perguntei-me o que levava os homens ao abandono da fé. Qual a mola interior que conduz a alma humana a passar de uma atitude de docilidade diante da verdade revelada à oposição total e perda dos atos relativos à fé: oração, confissão freqüente, comunhão, e vida cristã. Não analiso aqui a atitude dos que não têm Fé, mas sim a atitude e a dinâmica da perda da Fé. A alma que vive da fé Consideremos, então, uma alma posta no sossego da fé: ela crê em Deus e em sua Igreja, ela obedece aos mandamentos, ela reza todos os dias e no domingo prepara a si e aos seus para assistir a Santa Missa. No dia a dia, esbarrando em tantas ocasiões de pecado, em tantas tentações, ela usa os critérios que a Igreja nos propõe para não se deixar levar, para não cair no pecado: fuga das ocasiões, atos de fé, aconselhamento com o sacerdote, e oração freqüente. Assim combate a alma cristã, assim busca a perfeição quem vive da graça. É claro que em diversas ocasiões virão lhe propor atitudes que são contrárias à sua fé. Ela, porém, saberá esquivar-se com prudência de todos os ataques. Aqui com gentilezas, ali com a força do combate, mas sempre protegendo o maior tesouro que recebeu. Saberá ter compaixão para com tantas amizades, tantos parentes que não vivem da Fé e se deixam levar pelas facilidades da vida. Saberá calar e rezar no silêncio do seu quarto, sem no entanto dar a entender que apóia os erros dos seus mais

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Trata a respeito da psicologia da apostasia, os passos para a perca da fé.

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A Psicologia da ApostasiaDom Loureno Fleichman OSBFoi incansvel na tentativa de levar s almas a verdade, tanto natural quanto sobrenatural, o Pe. Leonel Franca, que ilustra o pensamento brasileiro com livros dignos de um mestre. Entre seus escritos, encontra-se um pequeno livro,A Psicologia da F, onde o grande jesuta analisa os detalhes do ato de f, aquilo que leva o homem a agir pela F, o quefalta na atitude daqueles que no tm F.Inspirado neste trabalho, e assistindo j h alguns anos a tantas almas, perguntei-me o que levava os homens ao abandono da f. Qual a mola interior que conduz a alma humana a passar de uma atitude de docilidade diante da verdade revelada oposio total e perda dos atos relativos f: orao, confisso freqente, comunho, e vida crist.No analiso aqui a atitude dos que no tm F, mas sim a atitude e a dinmica da perda da F.A alma que vive da fConsideremos, ento, uma alma posta no sossego da f: ela cr em Deus e em sua Igreja, ela obedece aos mandamentos, ela reza todos os dias e no domingo prepara a si e aos seus para assistir a Santa Missa. No dia a dia, esbarrando em tantas ocasies de pecado, em tantas tentaes, ela usa os critrios que a Igreja nos prope para no se deixar levar, para no cair no pecado: fuga das ocasies, atos de f, aconselhamento com o sacerdote, e orao freqente. Assim combate a alma crist, assim busca a perfeio quem vive da graa. claro que em diversas ocasies viro lhe propor atitudes que so contrrias sua f. Ela, porm, saber esquivar-se com prudncia de todos os ataques. Aqui com gentilezas, ali com a fora do combate, mas sempre protegendo o maior tesouro que recebeu. Saber ter compaixo para com tantas amizades, tantos parentes que no vivem da F e se deixam levar pelas facilidades da vida. Saber calar e rezar no silncio do seu quarto, sem no entanto dar a entender que apia os erros dos seus mais prximos amigos e parentes. As coisas relativas vida da Igreja sero sempre, para tal alma, motivo de alegria, de estudos, de orao. E se acontecer que uma atitude lhe seja pesada, rapidamente se inclinar confiana em Deus, no auxlio divino para resistir ao erro. Viver na Esperana teologal. E como uma vida assim no existe sem que a alma esteja unida Deus, sem que a alma ame a Deus e ao prximo, a Caridade ser a coroa de sua existncia. Vivendo, ento, da F, da Esperana e da Caridade, a alma verdadeiramente catlica busca a perfeio na prtica de todas as virtudes.Um olhar que se esquiva da luzO meio corrompe, gostava de repetir um companheiro meu de faculdade. De tanto conviver com o erro, a alma vai se sentindo s. Afinal de contas, hoje em dia, cada vez mais raro encontrar quem assim viva. E o convvio com o mal vai trazendo para dentro dela as razes de um monstro terrvel. Algo, ento, acontece, que leva a alma a abaixar a guarda. No que ela recuse a sua f. De jeito algum. Ela continua firmemente catlica, ela defende com unhas e dentes sua Igreja, ela reza, ela quer a perfeio. Continua freqentando os sacramentos e sente-se mal se um domingo passa sem missa. Mas desviou o seu olhar da luz da f. Interessou-se pelas coisas l de fora. Pode ser qualquer coisa. Para uns, o que atrai a curiosidade e faz ccegas a Igreja oficial, para outros, as leituras de filsofos e pensadores no catlicos. Outros ainda j no se incomodam com o ambiente de imoralidades de filmes, novelas, de roupas e praias.Em cada tipo de tentao, em cada espcie de caminho, haver sempre um ponto em comum: a inclinao do olhar para o mundo sem exigncias, para o mundo da maioria, para o mundo fcil. Esta a caracterstica principal deste estgio da psicologia da perda da F, a facilidade do lado de l. Isso soprado nos nossos ouvidos pelo demnio. Esse o ponto que atrai a tantos e os levam perdio. Esta a hora dramtica onde tudo se decide: to fcil, to mais fcil...Se no houver, da parte da alma catlica, nesta hora terrvel, um grito de combate, uma espada puxada para atingir mortalmente o inimigo, ela estar correndo um perigo enorme de cair para sempre. assim que, tendo sido seduzida pela lngua dbia, a lngua da serpente, de que fala So Paulo Timteo, a alma catlica, pretendendo manter sua F, achando que nunca renunciar ao essencial da vida catlica, se encanta com pequenos detalhes que lhe parecem menores, achando-se bastante madura para se aproximar do veneno do mundo, como se os espinhos no espetassem adultos e crianas, olha com simpatia para aquilo que alegra a vida dos homens, ou que os insere dentro da tranqila vida oficial, ou que faz com que eles se amem segundo o que dizem ser a natureza das coisas, a natureza do organismo humano.TempestadesComea, ento, para a alma, um perodo de grandes confuses, de angstias, de medos, de contradies. Afirmando para si mesma que quer agradar a Deus, que as coisas novas que a atraem so coisas boas, que todos fazem, que todos usam, ou que impossvel que tantas almas estejam no erro, a alma vai se embrenhando no caminho da perdio. Este perodo talvez o mais longo, pode durar muitos anos. As confuses que esta atitude gera levam muitas almas a fugir dos padres, pois eles j no lhe servem mais. Os padres modernistas lhe diro o que ela no quer ouvir; j os padres tradicionais lhe diro o que ela no quer fazer. Os primeiros lhe diro que ela faz muito bem em mudar seus hbitos, sua freqentao; ou que ela faz muito bem em aceitar a missa nova, ou em querer obedecer a um bispo progressista; que tudo muito lindo, que tudo amor; mas ela no cr nisso, ela acha que eles exageram. Os ltimos lhe mostraro que ela corre perigo, que deve se afastar de certas pessoas, que deve ler bons livros, que deve ter atitudes mais coerentes com sua f: ela sabe que ele tem razo, mas no quer fazer isso. Vivendo este combate interior, a alma entra em depresso, foge do seu ambiente catlico, vive tensa e agressiva.Asfixia e inanioMuitas vezes acontece que, fugindo do seu ambiente, ela receba a influncia de pessoas estranhas ao seu mundo catlico, que vo incentivar suas atitudes de aceitao da vida fcil, da obedincia servil s imposies do mundo, e a alma no consegue se desvencilhar desse novelo de l. O peso comea a ser insuportvel e causa um processo de diminuio das fontes da graa. A orao comea a incomodar, pois ela j no suporta mais com tanta facilidade a presena de Deus. A missa do domingo mantida por causa da obrigao, mas um peso, um momento de grandes confuses. Ela j no se confessa mais, e a comunho desaparece de sua vida. A F entra em processo de inanio, pois perde todo o alimento espiritual. Isso no acontece sempre de estalo, vem aos poucos, com altos e baixos. Muitas vezes uma confisso levanta a alma. Isso significa que Deus no quer perde-la. Ela ouve um sermo, ela l alguma coisa que a comove, que bate no fundo do seu corao, e a F ressurge das cinzas, ganha fora, ateia mesmo o fogo da Caridade, e ela busca o confessionrio. Quisera eu que isso fosse sempre determinante na volta normalidade. Mas o que acontece em geral que as situaes que causaram a queda continuaro existindo. Ela sair do confessionrio ou da missa sabendo o que precisa ser feito. Mas seu liberalismo j arraigado, imediatamente voltar a gritar, a forar, a tentar. Se ela toma resolues fortes em sua vida, movida pela graa, ela pode escapar da rede; mas se ela no tiver foras, docilidade graa, e fizer as coisas pela metade, no poder durar muito tempo. E, em geral, o que acontece.O fato que, com retomadas da graa ou sem elas, a alma entrou dentro de um processo de confuso interior tal, que no conseguir guardar para si esta confuso. Manifestar, ento, aquilo que a confunde. Vivendo ainda num ambiente catlico, ouvir muitas vezes um conselho, uma comentrio, que dar origem a uma resposta rspida, a uma revolta interior. De modo geral as pessoas catlicas que emitem juzos sobre a vida da F, sobre o combate pela Igreja, sobre a busca de perfeio, comearo a ser vistas como um obstculo ao seu caminho. E sero rechaadas. A F, que j sofria de inanio, ser asfixiada por estrangulamento. o liberalismo instalado na alma. Este liberalismo se manifesta, como j disse, sob formas diversas que, muitas vezes, acabam se encontrando, nesta fase de asfixia da alma catlica. assim que, passo a passo, a alma adotar os costumes do mundo, a alegria que os homens sentem de no serem constrangidos por regras, por mandamentos, por Igreja Catlica, buscaro a missa da parquia mais prxima, pois ali o padre no faz questo de muita coisa, ou assistiro missa tradicional, mas sem ouvir o que o padre tem a lhes falar, para a salvao de suas almas; faro questo de se acostumarem com qualquer ambiente, e diro para si que so todos pessoas normais. E assim vivero, j com uma casca morta de F, com certos costumes sociais de missa dominical, alguma orao, aqui ou ali, mas sem que o amor de Deus seja a razo de ser de tudo isso. "Fabricaro mestres segundo suas paixes", e formaro uma conscincia nova sobre bases j no mais catlicas, que lhes deixaro felizes, enganando-se a si mesmos, achando que, de modo algum, esto ofendendo a Deus.Rompeu o fiozinhoAlguns ficaro presos por algum lao tnue, algum fiozinho quase invisvel que os prender ainda um pouco, que no deixar que se afastem muito. Mas o fiozinho, um dia, se romper, e a ltima barreira estar aberta.A F, assim morta, j sem nada que a possa fazer ressurgir, acabar cedendo lugar s especulaes da razo naturalista e liberal. A Caridade, que o amor de Deus, pelas coisas de Deus, acima de tudo, deixar lugar ao amor-prprio, que o amor desordenado de si mesmo. Os interesses pessoais, as fraquezas da alma, a miragem da busca da facilidade que inicia todo este processo, termina assim na perda total da f, na terrvel apostasia, que a chama que anima o inferno.Quantas almas se perdem por caminhos como estes, num processo de envenenamento progressivo que, por seguir etapas distintas, vo como que destilando gota gota a destruio do edifcio espiritual da alma. Um drama assistido de fora, sem que muita coisa possa ser feita, pois a pessoa que segue este caminho no aceita conselhos ou no tem fora para p-los em prtica. S a nossa orao pode conter este processo de destruio. Se vssemos uma pessoa amiga sofrendo uma destruio gradativa de sua vida corporal, agiramos de alguma forma, mesmo que s pela orao diria, se no tivssemos como conter o mal, como o caso dos alcolatras. Quanto mais devemos trabalhar todos os dias quando vemos o orgulho e a cegueira levarem as almas catlicas, almas que no tm desculpas, a seguir o caminho do inferno.O Catolicismo uma religio exigente, pois s ela pretende restaurar o homem no seu todo. Mas, diferente de todas as outras, s o Catolicismo nos d a fonte da graa, neste trabalho de restaurao. Ns sabemos que assim, pois essa nossa F: Deus nos leva pela mo, Deus nos transforma interiormente. De modo que preciso ter foras, agir com as graas de batizados e de crismados, que somos, para vencer esta avalanche que vai levando, cada dia mais almas para as trevas do inferno. Ao abraar a graa, desaparece de nossa frente os obstculos, as vergonhas, o orgulho. Passamos a nos deixar conduzir pela mo de Deus, e da vem toda a nossa fora. preciso que as almas compreendam isso, que vivam desta graa, que a nica fonte de verdadeira liberdade, de verdadeira alegria, de paz duradoura e total.