A questão do pensamento é encontrar afetos (Claudio Ulpiano)

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7/30/2019 A questão do pensamento é encontrar afetos (Claudio Ulpiano) http://slidepdf.com/reader/full/a-questao-do-pensamento-e-encontrar-afetos-claudio-ulpiano 1/22 A questão do pensamento é encontrar afetos Claudio Ulpiano "Quando os afetos aparecem, quem não está presente? O eu. Então, o domínio dos afetos chama-se DESUMANIZAÇÃO. A desumanização é a busca infinita do pensamento.  Toda a questão do pensamento é encontrar os afetos, encontrar a desumanização - para não ser preso pelos sentimentos e pelas emoções ou pelo comportamento  – que é manifestação da história pessoal de cada um. Ou seja, toda a questão do pensamento é se libertar exatamente da história pessoal. " (Aula em 27/01/1995) Parte I [. . . ] E é simultaneamente o momento que eu chamei de TORÇÃO: quando a filosofia abandona a OBJETIVIDADE e se volta para a SUBJETIVIDADE. E o filósofo que vai se destacar [na efetuação desse acontecimento] chama-se Descartes. A filosofia começa então a apontar para a subjetividade. O que quer dizer isso? Quer dizer que os filósofos estão procurando a ORIGEM  – a origem de tudo. (É o melhor termo que se pode usar pra vocês nesse momento. ) Se eles estivessem associados com Deus, o problema da origem seria simplório  – a origem seria Deus. Mas eles abandonaram Deus; e ao iniciarem a busca da origem, é o CORPO, a origem  – o que eu chamei de OBJETIVIDADE. A origem é o corpo. Então, o filósofo tem o seu olhar  –  pode-se dizer ‗o olhar do espírito‘   – voltado para fora. Ele se volta pra fora: se volta para o corpo, se volta para a objetividade. No século XVII, quando se dá a torção, o olhar do filósofo vai se voltar  para dentro - para a própria subjetividade… Ou seja, no século XVII a subjetividade torna-se o que estou chamando de PONTO DE ORIGEM. A filosofia começa, então, não mais a investigar o corpo  – mas a investigar a subjetividade. E nessa ‗investigação da subjetividade‘ (quando vocês tiverem qualquer crise de compreensão, vocês coloquem, viu?), quando a filosofia começa a investigar a subjetividade, é que ela abandonou a objetividade, abandonou o corpo. Quando a filosofia estava na objetividade, no corpo, o objeto dela era o mundo. Quando a filosofia se volta para dentro, quando ela se volta pra a subjetividade, o objeto dela passa a ser o EU. O eu torna-se o objeto da filosofia. Isso é exatamente o momento do nascimento de Descartes. Descartes vai cuidar apenas de uma questão  – uma questão que, para quem não estuda filosofia, parece surpreendente. (Eu não posso me demorar muito nela…) A questão de Descartes vai ser provar que o eu existe. O que aparece assim como uma coisa louca: então, esse filósofo vai querer provar que

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A questão do pensamento é encontrar afetosClaudio Ulpiano

"Quando os afetos aparecem, quem não está presente? O eu.Então, o domínio dos afetos chama-se DESUMANIZAÇÃO. A

desumanização é a busca infinita do pensamento. Toda a questão do pensamento é encontrar os afetos, encontrar adesumanização - para não ser preso pelos sentimentos e pelasemoções ou pelo comportamento  – que é manifestação da históriapessoal de cada um. Ou seja, toda a questão do pensamento é selibertar exatamente da história pessoal. "(Aula em 27/01/1995)

Parte I

[. . . ]E é simultaneamente o momento que eu chamei de TORÇÃO: quando afilosofia abandona a OBJETIVIDADE e se volta para aSUBJETIVIDADE. E o filósofo que vai se destacar [na efetuação desseacontecimento] chama-se Descartes. A filosofia começa então a apontarpara a subjetividade. O que quer dizer isso?Quer dizer que os filósofos estão procurando a ORIGEM  – a origem de tudo. (É o melhor termo que se pode usar pra vocês nesse momento. )Se eles estivessem associados com Deus, o problema da origem seriasimplório  – a origem seria Deus. Mas eles abandonaram Deus; e ao

iniciarem a busca da origem, é o CORPO, a origem  – o que eu chamei deOBJETIVIDADE. A origem é o corpo. Então, o filósofo tem o seu olhar  –  pode-se dizer ‗o olhar do espírito‘   – voltado para fora. Ele se volta prafora: se volta para o corpo, se volta para a objetividade.No século XVII, quando se dá a torção, o olhar do filósofo vai se voltar para dentro - para a própria subjetividade… Ou seja, no século XVII asubjetividade torna-se o que estou chamando de PONTO DE ORIGEM. Afilosofia começa, então, não mais a investigar o corpo  – mas a investigara subjetividade. E nessa ‗investigação da subjetividade‘ (quando vocês

tiverem qualquer crise de compreensão, vocês coloquem, viu?), quandoa filosofia começa a investigar a subjetividade, é que ela abandonou aobjetividade, abandonou o corpo. Quando a filosofia estava naobjetividade, no corpo, o objeto dela era o mundo. Quando a filosofia sevolta para dentro, quando ela se volta pra a subjetividade, o objeto delapassa a ser o EU. O eu torna-se o objeto da filosofia. Isso é exatamenteo momento do nascimento de Descartes.Descartes vai cuidar apenas de uma questão  – uma questão que, paraquem não estuda filosofia, parece surpreendente. (Eu não posso medemorar muito nela…) 

A questão de Descartes vai ser provar que o eu existe. O que apareceassim como uma coisa louca: então, esse filósofo vai querer provar que

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o eu existe, quando todos nós  já sabemos que o eu existe?! Não, nóstemos o saber do senso comum! Ele vai querer provar  – através da filosofia - que o eu existe (como os santos e os teólogos não pararam dequerer provar que Deus existia…). A questão do Descartes, então, é

provar que o eu existe. (Entenderam aqui?)- Qual é a questão que Descartes quer provar? Que o eu existe. Essacategoria de existência abrange duas noções.(aqui é muito simples, vocês não precisam vagar em nada: o que eudisser é definitivo).Essa categoria de existência abrange duas noções  – SUBSTÂNCIA eACIDENTE. O que é isso que eu estou dizendo? Só existe aquilo que ésubstância ou aquilo que é acidente. Pronto! É isso. (Entenderam,então?)- O que o Descartes quer saber? Se o eu existe. A existência abrange

duas categorias: substância e acidente. Então, diz Descartes – o EUexiste.- Qual é a segunda questão dele? Saber se o eu é uma substância ouum acidente. (Certo?) Então, a questão dele, agora, vai ser mostrar queo eu existe  – e que o eu é uma substância. E nós vamos ver o que é umasubstância. (Vocês conseguiram entender? Acho que não teve nenhumadificuldade aqui. )Cl: Se nós formos falar de existência em filosofia, em que nós iremosfalar? Als: Substância e acidente.Então, o eu existe  – e para Descartes o eu é uma substância.- Mas o que é  –  exatamente - uma substância? Uma substância éalguma coisa que existe, e que só se relaciona com ela própria.Repetindo: Descartes diz que o eu existe; se existe, logo, é umasubstância ou um acidente  – uma coisa ou outra. E Descartes vai dizerque o eu é uma substância. Então, se o eu é uma substância, ele vaichegar à seguinte conclusão: (acho que não vai ser difícil pra vocêsentenderem…) o eu é uma substância, logo, existe; mas é umasubstância INCORPORAL. Descartes, então, está afirmando a existênciade uma substância incorporal chamada EU. Agora, ao lado dessa

substância incorporal chamada eu existiria outra substância – a outrasubstância seria o CORPO.- Então, quantas substâncias até aqui já existiriam para o Descartes?Duas: o eu e o corpo. A substância eu e a substância corpo: que éexatamente a nossa constituição  – cada um de nós seria constituído porum corpo e por um eu. (Vocês entenderam?)Cl: Então, quantas substâncias nos constituiriam? Al: Duas.Cada um de nós seria constituído por duas substâncias: a substânciaeu - que seria uma substância incorporal; e a substância corpo. Asubstância corpo tem músculos, ossos, nervos… Então, cada um de nós

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seria constituído por essas duas metades absolutas  – a substância eu ea substância corpo.- Qual é a questão seguinte de Descartes? A questão seguinte dele émuito problemática: porque, para ele, a substância eu é um absoluto:

ela se realiza inteiramente nela mesma  – ela não precisa de nada paraexistir! É e ssa é a maneira que o Descartes tem para provar aeternidade da alma; a imortalidade da alma? a substância eu não precisa de nada para existir!E, de outro lado, a substância corpo - também não precisa de nada paraexistir; quer dizer: ela existe independentemente de qualquer coisa.Então, essas duas substâncias são absolutas nelas mesmas  – elas nãotêm nenhuma necessidade de outra coisa para que elas existam. Mas,se vocês notarem… (eu vou mostrar pra vocês:)

Eu vou levantar o meu braço e vou pegar este copo d‘água e vou beberum pouquinho… É evidente que esse gesto de levantar o braço e tomarum copo d‘água foi executado pelos meus músculos, pelos meusnervos… e pelos meus ossos. Mas quem deu a ordem para o meu braçolevantar não foi o corpo; foi a substância eu - que é a ALMA.Aparece, então, para o Descartes, a questão fundamental:- Qual é a relação que existe entre a substância corpo e a substância eu ou alma? (Vocês entenderam?)Como resolver o problema da relação entre uma e outra substância  –  considerando que cada uma delas tem autonomia e independência emrelação à outra? Então, fica quase que impossível para Descartes provar que a substância eu - que é a mesma coisa que alma - pode mover aminha mão. Como é que a substância alma ou a substância eu podemover uma mão se a mão e o eu são de naturezas completamentediferentes? Uma é corpo e a outra é alma. Uma é corpo e a outra,incorporal.Essa tese do Descartes, construída no século XVII, mostra que a alma eo corpo são duas substâncias: que o eu é uma substância; e o corpo éoutra substancia; e que essas duas substâncias não se conectam. Por

que elas não se conectam? Porque a essência de cada substânciadessas se realiza em si mesma - independe da outra substância.- Por que o Descartes está fazendo isso? Porque se ele colocar asubstância eu (ou alma) dependente da substância corpo, ele estaránegando a imortalidade da alma. Ou seja: o que ele está dizendo, é queo corpo pode desaparecer  – que a substância alma continuará. (Então,não sei se vocês perceberam…) Nota-se nitidamente que há uma marcade teologia muito poderosa em Descartes  – uma marca teológica nassoluções que ele dá para os seus problemas.- Por que marca teológica? Porque a necessidade que ele tem de tornarcada substância dessas um absoluto, autônoma, uma substância

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independente da outra substância, é que ele quer mostrar que a ALMAé… ETERNA. (Entenderam?) Que a alma é eterna! Por isso eleconstrói… - De quantas substâncias cada um de nós é constituído?

Al. : De duas.Duas substâncias! Agora, me explica como é que a minha substânciaalma (ou eu) - que é incorporal  – vai se comunicar com a minhasubstância corpo? Com essa tese (queiram anotar!), Descartes gera omais poderoso dos SOLIPSISMOS.O que quer dizer solipsismo? Solipsismo é quando a nossa alma nãotem nenhuma janela aberta pra fora, a fim de se comunicar seja lá como que for; é você estar fechado dentro de você. E essa tese do Descartesé uma tese altamente solipsista. (Vocês entenderam?) Por quesolipsista? Porque a substância alma e a substância corpo não se

contatam. (Tá?)A palavra EU… eu usei a palavra eu como sinônimo de alma, porque apalavra eu seria a origem do funcionamento da alma; ou seja  – o eu seria aquilo que faria a alma funcionar. Mas a função da minha alma… (Olhem só:) Eu estou falando pra vocês e vocês estão ouvindo o que euestou falando. O que eu estou falando se originaria no meu eu, é o meu eu, aminha alma que produziria os pensamentos; mas, para seremexpostos, esses pensamentos necessitariam de uma matéria sonora queestá no meu corpo. (Entenderam?). Então, para se expor, a alma teriasempre que fazer uma combinação com o corpo. Mas como Descartesfaz uma teoria de duas substâncias que não se comunicam  – ele não dásolução para as relações entre a alma e o corpo.(Entendido? Acho que ficou claro, não preciso nem prosseguir nessatese…).No século XVIII (vamos dizer, uns cem anos depois da tese deDescartes), um filósofo, muito pouco conhecido, chamado Maine deBiran  – que nasce no XVIII (1766) e morre no XIX (1824)  – vai manteressa posição do Descartes de dar início à sua filosofia pensando a alma em vez de começar a filosofia pensando o corpo.

- Qual é o sinônimo que estou dando para a alma? Eu. Então, Maine deBiran vai começar a filosofia pensando o eu.Esse filósofo… (Atenção, que nós estamos penetrando na história da filosofia e da arte,hein? Então, qualquer deslize, vocês segurem o tema e me perguntem:parem… porque vai fazer falta na frente!).Então, esse filósofo vai manter o ponto de vista do Descartes: ao invésde começar a filosofia pelo corpo - ou, pior que tudo, começar a filosofia por Deus (o próprio Descartes fez isso!)  – ele começa a filosofia pelo eu: afilosofia dele é o eu. Mas agora vai passar alguma coisa de muito 

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surpreendente: porque, ao invés de o Maine de Biran dizer que o eu éuma substância… - Quem disse que o eu era uma substância? Descartes… não foi? Napreocupação que ele tinha de provar que o eu existia… ele teve que

afirmar a existência do eu e decidir se o eu era uma substância ou umacidente.A preocupação do Maine de Biran não é a mesma  – a preocupação dele émostrar que o eu é uma CAUSA. (coloquem aí:) O Maine de Biran vaiquerer mostrar que o eu é uma causa.Agora, vamos dar uma analisada na noção de causa. Essa noção decausa… (isso é muito bonito, muito forte… e vai ter repercussão nafrente, viu?). A noção de causa (prestem atenção!)… Olhem este copoque está aqui à minha esquerda. Eu pego este copo e coloco este copo àminha direita. A causa da mudança desse copo foi o quê? Foi a minha

mão. Foi aminha mão  – que pegou esse copo e o colocou do lado de cá.Então, a minha mão é… CAUSAL.- Posso falar isso, a minha mão é causal?Mas em seguida vocês podem perguntar  – e qual foi a causa domovimento da minha mão? Vamos dizer, a causa do movimento daminha mão foi X; e qual é a causa do movimento de X? Aí nós vamosfazer uma pesquisa da causa  – que se chama ―constituição de umacadeia infinita causal‖. A natureza é como se fosse assim  – por exemplo:as folhas das árvores se movimentam, a causa do movimento das folhassão os ventos. Agora, qual a causa do vento? A causa dos ventos… eunão sei… são ―as cavernas‖! E quais são as causas das cavernas? Ascausas das cavernas são… ―os gritos‖! Você vai numa cadeia causalinfinita: para cada causa  – haveria sempre uma causa anterior.(Entenderam… ou não?)Agora, quando o Maine de Biran vai dizer que o eu é uma causa  – ele vaidizer que o eu é uma CAUSA INCAUSADA.- O que quer dizer uma causa incausada? É uma causa que começanela mesma - e que não tem uma causa por trás. Essa teoria da causaincausada é de um brilhantismo excepcional, porque ela sempre foi

aplicada em Deus  – e aqui o Maine de Biran está dizendo que o EU éuma causa… incausada.- O que quer dizer uma causa incausada? Quer dizer que é uma causaque não tem uma causa por trás: uma causa que começou nela mesma.(Entenderam?)Então, o eu, para o Maine de Biran, é uma causa incausada. Masacontece que sempre que você encontrar uma causa,necessariamentevocê tem que encontrar o complemento da causa. E no caso do Maine deBiran o complemento da causa é o efeito. Então, sempre que o EU age,aparece um EFEITO. Então, para o Maine de Biran, o eu é uma causaincausada, (está muito claro!) e a causa produz  – necessariamente – um

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complemento. Ou seja, não há causa sem que haja outro elemento quese chama efeito. E o efeito da causa incausada eu é o corpo, ou seja  – omeu eu é uma causa incausada, que determina que o meu braço selevante. Logo, o eu é a causa; e o braço levantando é o… efeito.

Numa linguagem mais precisa e mais brilhante - o Maine de Biran vaidizer que o eu é um ESFORÇO. O eu é o esforço mais poderoso queexiste na natureza  – e esse esforço do eu não pressupõe algo por trásque o faça esforçar-se. O eu se esforça por si próprio  – e esse esforço doeu encontra uma RESISTÊNCIA: o corpo. A resistência é o corpo. Porisso, (atenção, marquem isso:) para o Maine de Biran, sempre que umhomem se movimenta, ele está fazendo um esforço e encontrando umaresistência - e esse par esforço-resistência chama-seCOMPORTAMENTO.- O que é o comportamento? O comportamento é o esforço do eu e a

resistência do corpo.(Vocês entenderam?)Então, o que Maine de Biran acabou de mostrar para nós é que, emtodos os momentos em que o eu age  – o eu para ele é uma causaincausada, é um esforço  – em todo o momento em que o eu age  – e afunção do eu é exatamente agir, porque ele é causal - sempre que o eu age, ele produz um efeito; e esse efeito - é a resistência do corpo.Então, o movimento do vivo não é um movimento sobre um universosem atrito  – nós não estamos num universo sem atrito. O nosso mundoé sempre esforço e resistência, o que implica em dizer (é lindo, mas eunão vou conseguir passar aqui nesse momento, só na frente), o queimplica em dizer que nós estamos inseridos no centro da FADIGA  – nóssomos os seres fatigados! A fadiga faz parte da vida  – porque nós somosesforço e… resistência. (Certo?)Prestem atenção a essa questão da fadiga porque ela vai voltar comuma força e uma beleza excepcional, por exemplo, quando eu falar pravocês do cinema do Cassavetes. Ou quando eu começar a mostrar pravocês a filosofia do corpo.Quando nós falamos em ‘ser vivo‘, o ser vivo é um eu, que é um esforço,

que é uma causa; ele é uma matéria, que é uma resistência. Então,quando eu falo no homem, eu tenho sempre que falar em BINÔMIOS.Eu nunca posso definir o homem - como queria o paranóico doDescartes – por um só termo; são sempre necessários dois termos:esforço e resistência; comportamento e meio; ou causa e efeito… Então,isso se chama binômio.- O que é o binômio? O binômio é a marca do comportamento dequalquer ser vivo. Todo ser vivo tem um comportamento – e ocomportamento dele é em função do esforço e da resistência  – e ésempre um comportamento num meio determinado. Ele sempre se

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comporta num meio determinado - que eu vou chamar de meiogeográfico ou meio histórico.(Vocês entenderam até aqui?)Isso se chama teoria da ação ou imagem-ação. Em cinema, é o western,

é o filme histórico, é o filme noir - que são constituídos com esse modeloque está aqui.- Que modelo? O modelo do binômio. É esse o momento principal - é obinômio. Ou seja, no mundo da ação são sempre dois: esforço e resistência, causa e efeito, comportamento e meio… Ou (para fechar para vocês), o eu que nós somos  – aqui é a definição definitiva e exata! -o eu que nós somos não é uma substância - o eu é RELAÇÃO. Vejambem, o eu não entra em relação  – ele é relação; é bem diferente, ouviu?Porque você pode ter uma substância que entra em relação com outra substância. O eu não é isso: o ser do eu é se relacionar. Então, se o ser

do eu é se relacionar, ele nunca estará solitário: ele estará sempre ao lado de alguma coisa? e é por isso que o mundo da ação, o mundo davida, chama-se binômio. O grande modelo desse binômio, o grande modelo dessa causa-efeito, desse esforço-resistência vai ser dado pelocinema americano, pela prática do DUELO.O duelo é exatamente o modelo do mundo ativo. O modelo do mundoativo? o duelo, o dueto ou os contrapontos melódicos. Nós estamossempre envolvidos nessa dualidade, nesse duo, nesse binômio: esforço e resistência, causa e efeito, açãoe reação… Agora, uma definição de uma beleza extraordinária, dada pelo Espinoza:o corpo vivo é – essencialmente - ação e paixão. Ele é ação e paixão.Então, vocês estão vendo que eu estou partindo do eu  – tornei o eu causal, fiz do eu uma relação, desfiz as tolices cartesianas, coloquei oeu como um esforço que tem sempre frente a ele uma resistência. . . e aíemerge esse mundo da ação. Esse mundo da ação é… (de uma maneiramuito fácil de vocês entenderem, entenderem as nossas vidas…) As nossas vidas se dão nas práticas do mundo pelo que se chamacomportamento. E o comportamento está sempre em relação com o meioou  – numa linguagem mais precisa  – nós estamos sempre em situação.

Nós estamos sempre dentro de uma situação qualquer - por exemplo,essa aula é uma situação qualquer. Então, nós estamos sempre dentrode uma situação - e nós agimos dentro dessa situação ou para manter asituação ou para transformar a situação. Manter ou transformar asituação. Por isso, a gente pode colocar: situação, ação, minha situação.Seria o nosso procedimento nesse universo que está aqui.O mocinho do cinema… o mocinho chega numa cidade, os bandidosestão roubando o pai da mocinha  – é essa a situação. Ele chega e quermodificar essa situação. Então, o mocinho  – que quer modificar asituação  – torna-se explosivo… porque a ação é modificadora de umasituação  – é sempre uma ação explosiva.

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Eu aqui estou usando uma linguagem bergsoniana, mas é muito fácilde compreender: sempre que você vai modificar uma situação  – vocêentra com uma ação explosiva. Por isso, o mocinho do cinema ação  –  Gary Cooper (não é?)  – é sempre explosivo: a qualquer momento ele… 

saca, ele pode sacar.Então, nós vamos marcar esse mundo que eu acabei de explicar (depoiseu vou ter que voltar a ele), como sendo o mundo da ação e da situação. Todos os nossos corpos chamam-se corpos individuados. Ou seja, nomundo da ação e da situação estão os INDIVÍDUOS. Os corposindividuados… os sistemas individuados… Ao falar em sistemas individuados… eu posso ser forçado a entrar emcampos físicos, que nesse momento não importa; pode ser que em outraaula importe… Eu aí vou falar pra vocês em termodinâmica, vou falarem física.

O que importa aqui é que os nossos corpos estão sempre dentro de umsistema individuado. E esse sistema individuado se constitui por ação esituação. Nós estamos sempre assim, sempre assim! E nesse universoda ação e da situação aparece o nosso comportamento.(Atenção, para o que eu vou dizer:)E o nosso comportamento é regulado e desregulado –  regulado edesregulado - pelos sentimentos e pelas emoções. (Certo?).Então, você está dentro de uma situação qualquer… - a situação destasala de aula… Então, nessa situação aqui, todos nós temos os nossoscomportamentos regulados. Se, de repente, alguém começar a gritar,ficar nu e a dançar aqui dentro da sala, é porque as emoções e ossentimentos desregularam o comportamento dele. E o poder dessasituação, provavelmente, vai botar esse cara pra fora. Mas se ele for oGary Cooper, a situação muda. Aí nós concordamos imediatamente emmudar a situação porque o negócio está complicado.Então, eu queria que vocês entendessem essa figura chamadacomportamento. O comportamento… o nosso comportamento estásempre em situação.Parte II

Na aula passada, eu citei uma prática que às vezes ocorre conosco  – evou citar outra vez. É possível que alguém aquinunca a tenha vivido,mas é difícil. É uma prática que se dá entre o sono e a vigília; ou entre oestar dormindo e o estar acordado  – quando se faz uma refeição maispesada, por exemplo, e dá uma lombeira… e aí, então, fica-se naquelevai ou não vai. . . mas, no fundo, você ainda está acordado. Ali, entre avigília e o sono (não é o sonho…) passa uma linha… uma linha que éuma cadeia de imagens inteiramente autônomas: você não tem nenhum controle sobre ela… É como se você estivesse vendo um filme: aquelasimagens passam por você, você observa aquela cadeia de imagenspassar  – chama-se HIPNAGOGIA.

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A hipnagogia é um conjunto encadeado de imagens  – e é aí que está abeleza!  – que às vezes forma até uma história… Mas geralmente não é uma história; é um encadeamento de atitudes. Aquele encadeamentopassa; aquelas imagens, porém, não são originárias no ‗ meu eu‘: elas

independem do ‗meu eu‘, elas não têm o ‗meu eu‘ como causa.(Eu não sei se vocês entenderam…) Até agora, toda aula eu tenho falado que o EU seria a causa de tudo.Nessa hipnagogia… o meu eu não é causal. Ou de outra forma: quandonós desfalecemos… Atualmente só as mulheres podem desmaiar… porque essa prática nãofica bem para os homens… No entanto, houve séculos em que desmaiarera possível apenas para os homens. Os Cavaleiros da Távola Redonda,por exemplo, podiam desmaiar  – as mulheres, não. (Certo?) [Porque] oscampos sociais determinam até as nossas práticas mais poderosas.

O desmaio é uma perda do eu, é uma perda do ego. Logo, é uma perdadas forças do eu. O desmaio seria alguma coisa que quando se desse,não teria sido causado pelo eu. Nestas aulas, eu venho falando dascausas que o EU produz: essência / existência, ação / paixão, causa e efeito  – e agora eu já mostrei a hipnagogia e o desmaio como duaspráticas que não viriam do eu. Há uma terceira prática que também nãose origina no eu: uma dor excessiva.Há uma narrativa do Montaigne em que ele diz que um determinadobarão teria sido feito prisioneiro por um inimigo; e que esse inimigoentão matou todas as pessoas queridas do barão  – matou e mostrou aele o que tinha feito; e o barão começou a dar gritos de sofrimentoinsuportáveis. . . Quer dizer, o eu dele reagia violentamente àquelesofrimento intolerável. E, em seguida, o inimigo dele teria matado omaior amigo que o barão tinha  – e aí o barão não moveu sequer ummúsculo: porque o sofrimento do barão nesse momento abandonou adependência do eu. O sofrimento se tornou autônomo.(Vocês entenderam?)Então, vai acontecer dentro de nós  – eu dei três exemplos (eu poderiadar cinqüenta mil): hipnagogia, desfalecimento e… (qual foi o terceiro?)

dor excessiva - três forças que apareceriam em nós, sem que a causadelas fosse o eu. Tudo aquilo que for causado pelo eu  – segundo Peirce(o teórico que eu citei na aula passada)  – eu chamarei deSEGUNDIDADE. Tudo aquilo que for causado dentro de nós, mas acausa não for o eu  – eu chamarei de PRIMEIRIDADE.Então, o desfalecimento, por exemplo, seria uma primeiridade? Seria!… A hipnagogia seria uma primeiridade; o desfalecimento seria umaprimeiridade; a dor excessiva seria uma primeiridade. A primeiridadesão eventos que se dão dentro de nós  – mas a causa desses eventos não é o eu.

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 Todos os eventos causados pelo eu chamam-se COMPORTAMENTOS; eesses comportamentos são regulados pelos SENTIMENTOS e pelasEMOÇÕES. Agora, tudo aquilo que acontece dentro de nós, mas quenão é causado pelo eu  – chama-se AFETO.

- O que é um afeto? O afeto são as forças do próprio tempo agindodentro de nós  –   forças que não podem ser explicadas por nenhuma estrutura psicológica. Então, esses afetos chamam-se IMAGEM-AFECÇÃO. E Deleuze diz que o cinema se tornou o grande mestre daapresentação desses afetos. O cinema apresenta esses afetos  – que sãoa primeiridade do Peirce… Não é isso? Não é a primeiridade do Peirce… que são as forças que se desenvolvem dentro da gente, sem adeterminação do eu? O cinema se tornou mestre da apresentaçãodesses afetos por três processos: o primeiro plano, as sombras expressionistas e os espaços desconectados. . . (E nós vamos conhecer

tudo isso!)Então, aqui apareceram dois tipos de cinema ou duas maneiras deviver: os modos chamados ação  – que [são] esforço e resistência; ação e  paixão; comportamento regulado por sentimentos e emoções - e os afetos.- Quando os afetos aparecem, quem não está presente? O eu. Então, odomínio dos afetos chama-se DESUMANIZAÇÃO. A desumanização é abusca infinita do pensamento.Toda a questão do pensamento é encontrar os afetos, encontrar adesumanização - para não ser preso pelos sentimentos e pelas emoçõesou pelo comportamento  – que é manifestação da história pessoal decada um. Ou seja, toda a questão do pensamento é se libertar exatamente da história pessoal. (Vocês conseguiram entender?) É isso aprática da desumanização!Para a arte se efetuar (e foi isso que eu expliquei do Proust), ela tem quese libertar exatamente da história pessoal  – porque a história pessoal éum conjunto de fantasmas, tristezas, pequenas alegrias, grandessofrimentos, enormes emoções; e nela, na história pessoal, há sempre um HERÓI. Quem? Nós mesmos! Por isso a literatura moderna ébrutalmente invadida pelo que se chama best seller. O best seller é

sempre a história pessoal de um autor que se diz maravilhoso. Porquequalquer narrativa de história pessoal tem que ser elogiosa pra ele.Eu gostaria de marcar pra vocês uma questão muito bonita que foi apresença de um escritor chamado Henry Miller na literatura do séculoXX  – creio que a partir da década de trinta. Para os mal avisados, oHenry Miller, em sua obra, está falando de sua história pessoal: não está! O Henri Miller é um literato dos afetos; não um contador dehistória pessoal.Então, é essa questão dos afetos e dos comportamentos; dos afetos e dahistória pessoal… A questão da arte, da filosofia e da ciência é

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conquistar os afetos  – porque não se pode pensar por biografia pessoal.Pensa-se  – exatamente –  a partir dos afetos.(Eu acho que ficou clara essa primeira passagem, não é? Evidentementeeu vou ter que melhorar isso. )

Se por acaso eu, agora, me remetesse pra música, eu fizesse umamexida na música… (Vamos me ajudar agora, usando a primeira aula,tá?). Se eu remetesse isso tudo pra música, eu diria que o canto dos  pássaros primaveris seria o comportamento regulado por sentimentos eemoções. (Conseguiram se lembrar aqui ou se esqueceram?) Os ‗cantos primaveris‘ seriam os cantos inteiramente orgânicos; inteiramente individuais; inteiramente a serviço do comportamento – docomportamento específico.Agora, aqueles cantos que são feitos para o crepúsculo e para a aurora seriam cantos afetivos. (Vocês entenderam?) Aí estaria, então, a

diferença que um músico sente, quando ouve esses dois cantos: abeleza  –  quase que insuportável  – dosmotivos e dos temas, e do ritmo edos comportamentos melódicos que os cantos feitos para o crepúsculo epara a aurora têm  – porque são cantos afetivos, cujo único objetivo é a produção da beleza  – mais nada! Enquanto que o outro, o canto  primaveril, pretende servir ao organismo. Então, o que eu estoucolocando pela primeira vez pra vocês (as dificuldades são enormes, eusei disso)  – é a distinção do que se chama AÇÃO e AFECÇÃO.A ação é o projeto do esforço e resistência; ação e paixão;comportamento regulado por emoção e por sentimento; e a dominaçãode um eu  – um eu que age, um eu que está sempre em relação. E, deoutro lado, o mundo dos afetos  – onde o eu desaparece e, com ele,também a história pessoal. Então, quando eu expliquei pra vocês toda aquestão em torno do que Proust chama de SUJEITO ARTISTA… Para Proust, o sujeito artista não é um autor; mas aquele que luta parafazer as forças da amizade e do amor desaparecerem – para que as forças do afeto então se liberem. (Nós vamos ver mais na frente, masagora já podemos deixar marcado…) À diferença das forças da emoção edo sentimento, que se originam no eu - essas forças do afeto se

originam no TEMPO PURO. Ou seja, quando nós entramos em contato com os afetos significa que estamos mergulhando no próprio tempo  – éum mergulho no tempo!Então, a vida começa a alcançar os seus mais altos estágios, ao pontode Proust chegar ao extremo de dizer: a religião, durante séculos, foi oinstrumento do qual os homens se serviram pra buscar sua salvação,buscar a salvação. O homemtem que abandonar a religião como uminstrumento de salvação. O único instrumento de salvação  –  essa é atese do Proust  – é a estética, é a beleza! E ele não diz isso em termos debrincadeira, porque ele vai chegar ao extremo de dizer que,provavelmente –   pela estética e pela beleza - ele vai provar que a alma é

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imortal. Então, em estética, esse momento é o que se chama oMOMENTO SUBLIME  – que é exatamente esse que eu coloquei pravocês.Nós vamos chamar, de um lado, esforço e resistência, ação e paixão; e,

de outro lado, o afeto. De um lado o domínio do eu; e, de outro lado, adissolução do eu. Vamos usar… dissolução do eu. Ou seja, é possívelque, em determinados momentos da nossa vida, nós possamos dissolvero eu; e, ao dissolver o eu, todos esses fantasmas que costuram o nossocorpo a sofrimentos insuportáveis venham a desaparecer e o nossocorpo se liberte.(Intervalo para o café)(Eu não posso me demorar em muitas coisas… por causa da rapidez docurso, certo?)Esse mundo-ação, esse mundo do esforço e da resistência, da ação e da

situação, esse mundo do comportamento, da ação retardada e da açãoexplosiva (eu volto a isso em outra aula…) chama-se MUNDOORGÂNICO. É isso o mundo orgânico.Só para vocês tomarem uma noção, a arte clássica, a definição da arteclássica  – vamos colocar em termos plásticos, em termos pictóricos  – éter como modelo o mundo orgânico. Então, por exemplo, quando vocêencontra uma história da arte poderosa como essa do Worringer, que eucitei pra vocês, ela vai apontar o mundo clássico  – aí a Grécia e aRenascenca, por exemplo  – como o mundo da ARTE ORGÂNICA: que é,portanto, a arte do comportamento; do esforço e resistência; da ação esituação - onde está o que eu chamo de mundo orgânico, de corpoorgânico. Agora, a afecção - pode ser que seja uma forçação muitogrande, mas não é  – eu vou passar a chamar de CORPO HISTÉRICO.Há o mundo do comportamento, da ação e situação, regulado pelossentimentos e pelas emoções e o corpo orgânico. E, do lado de cá, dolado da afecção, eu coloco o corpo histérico. Um exemplo para vocês… (His-té-ri-co, de histeria. Eu, daqui a pouco volto e melhoro, até paraassumir uma pergunta que o L  – me fez no intervalo da aula).Imagem-pulsão 

Comportamento Esforço eResistência Ação e Situação Emoção Sentimento Imagem-ação Realismo Segundidade Corpo Orgânico 

Afecção Afeto Imagem-afecção (Expressionismo) Primeiridade Corpo Histérico 

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Esse grande historiador da arte  – o Worringer  – que eu já indiquei pravocês, tem um livro traduzido para o português chamado A Arte Gótica,onde ele faz uma distinção entre a arte grega  – que ele chama de arteclássica; e a arte gótica  – que ele chama de POTÊNCIA NÃO- ORGÂNICA

DA VIDA. Essa potência não -orgânica da vida é exatamente essemundo afetivo, que independe do eu, e que eu estou chamando de corpo histérico.A arte gótica é muito mais poderosa do que propriamente uma arterepresentativa; ela não é como a arte orgânica, que faz somente umaprática de representação  – ela inventa novas figuras: uma nova matemática, uma nova ciência, uma teoria dos animais… Ou seja, omundo da afecção e o mundo do comportamento são dois mundoscompletamente diferentes. No mundo da ação e situação; no mundo docomportamento - é onde se encontra a história, a intriga, a história 

 pessoal, anarrativa. . . No mundo que estou chamando de mundohistérico (aqui é só exemplo, ainda não é aula, é só para fortalecer; aaula virá na frente!), cá, no mundo da afecção, não há história pessoal,não há intriga, não há narrativa. (Isso tudo aqui são apenas exemplospra vocês…) Vocês podem pegar um literato francês do século XX,fundador de uma escola chamada Nouveau Roman, chamado AlainRobbe-Grillet. A literatura do Robbe-Grillet é uma literatura sem história  – ela consiste apenas na descrição de afetos. Ou seja, quandose abandona o mundo do comportamento, da ação-situação, do esforço-resistência –  o mundo orgânico; e se passa para o mundo da afecção  –  o mundo histérico; dois elementos fundamentais (que nós temos queentender) vão ser abandonados: a narrativa e a história. Ou seja, nomundo da afecção desaparece a narrativa e desaparece a história. (Eusó estou dando isso como exemplo, para vocês entenderem…) Quando vocês virem um filme do Cassavetes, por exemplo, vamos dizer,Love Streams - em português Amantes (já se encontra em vídeo)  – essefilme é um filme sem história, o encadeamento dele não é o enredo. Oumelhor, quando há um filme, o ator recebe um papel e a função do atoré efetuar bem ou mal esse papel. Num filme da imagem-afecção não há

papel, não há papel… e  – mais grave ainda  – toda a posição do ator setransforma. Porque o processo do ator no filme de ação é a convivênciacom um mundo falso, um mundo imaginário. Então, o personagem predomina sobre o ator. No mundo da afecção, ator e personagem setornam indiscerníveis: você não sabe se aquilo dali é o próprioCassavetes ou a personagem. Na verdade, são os dois, os dois! Então,uma bebedeira no cinema-ação… Existe aquela famosa bebedeira doRay Milland no Farrapo Humano. . . (não sei se vocês conhecem…) (Asduas de cinema já fizeram que sim, para mim). As grandes bebedeirasdo cinema-ação, a do Ray Milland é famosa… Mas quando você pegauma bebedeira do Cassavetes… Cassavetes não fez outra coisa na vida

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senão beber… São bebedeiras histéricas, são bebedeiras afetivas,bebedeiras em que o eu está dissolvido  – por isso, vai aparecer ali umencadeamento totalmente diferente. (Aqui foi só exemplo daquilo que eutenho como objetivo para falar pra vocês).

Então, de um lado tem a afecção e do outro lado tem a ação. (Certo?) Aafecção, no cinema originário da linguagem bergsoniana, chama-seimagem-afecção; e a ação, chama-se imagem-ação. Agora… (Isso tudotem que crescer muito nas próximas aulas… Não é? Isso tem quecrescer com rapidez. ) Entre a afecção e a ação vai aparecer uma coisamuito surpreendente, chamada imagem-pulsão. Ou seja, pulsão não énem ação nem afecção. Agora, onde está o comportamento? Ocomportamento está na ação. (Certo?) Agora, do lado direito você temafecção, do lado esquerdo você tem sentimento  – o sentimento está nomundo da ação. Do lado da afecção você não tem sentimento nenhum -

no mundo dos afetos não há sentimento!Não adianta dizer ―eu estou tão triste…‖ ―eu sou inteligente…‖, nãoadianta: ninguém vai entender, você vai ficar ali morto!… E, aliás… ainda bem, não é? Ainda bem! Quer dizer… é muito difícil a psicanálisedar certo no mundo da afecção. Não dá! Não dá porque não há questãode história pessoal… Ali você pode fazer o que Guattari pregava  – umaesquizo análise; tornar-se um explorador, um cartógrafo. . . e pegar os pontos afetivos, as linhas de afeto… É completamente diferente!Então, entre esses dois mundos vai aparecer o que se chama imagem-pulsão. Isso é muito nítido no cinema e vai se tornar nítido na pintura.Eu também vou tornar essa questão nítida pra vocês na pintura. Nocinema, eu vou indicar um autor, que trabalha com essa questão daimagem-pulsão – o Joseph Losey, que é único que o nosso tempo vaipermitir. O Losey, como um exemplo da imagem-pulsão. E eu vou pedirque vocês vejam dois filmes (que vocês vão encontrar em locadora), é… O Mensageiro (The Go-Between) e… O Criado. Bastariam esses doisfilmes… Se vocês vissem esses dois filmes, neste fim de semana… eu jáconstituiria meios para a próxima aula.Então, agora, o que nós temos que fazer? Eu fiz nessa aula toda uma

boa explicação do que viria a ser o comportamento. O que é ocomportamento? O comportamento é uma ação dentro de uma situação(S). Numa situação (S) que se mantém; ou numa situação que setransforma em (S‘). Que se transforma… quando o comportamento éexplodido ou é retardado, mas quer modificar a situação; e ocomportamento é regulado pelos sentimentos e pelas emoções.(Acho que é muito fácil… todo mundo entendeu isso…) O comportamento regulado por sentimentos e emoções. A gente dizassim: ―puxa você está tão diferente hoje, minha querida… Está comum comportamento tão diferente…‖ É porque aqueles sentimentosidiotas já baixaram na cabeça dela, não é? Aí ela começa a falar uma

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série de as… Ou ele, (não é?) geralmente ele, geralmente ele… Oshomens são mais preocupantes nisso daí. Não… As mulheres têmcoisas muito bonitas. As mulheres têm linhas muito bonitas! Eu nãoestou fazendo nenhum puxassaquismo das mulheres  – embora eu

tenha passado a minha vida puxando o saco das mulheres!… (Risos…) E de outro lado, nós temos a imagem-afecção. Afecção não é comportamento. Não é comportamento e não está numa situação.Então, eu vou usar que a afecção  – aceitem esse sintagma por enquantoe na próxima aula eu explico  – que a afecção vai se ligar a um espaço- qualquer. Vamos aceitar… Comportamento/situação, ação/situação. Eafecção/espaço-qualquer. Agora, a pulsão… (Eu agora vou ter que dar uma aula de filosofia pra vocês… (tá?) Eu nãoposso deixar de dar, pra vocês poderem entender).

Um filósofo chamado Aristóteles fez o que se chama (Vocês me perdoemse eu agora cansar vocês… Mas eu acho que não, porque eu sou umhomem da imagem-afecção. E o homem da imagem-afecção vai jogandotintas e cores em tudo que ele toca. (Tá?).Então, o Aristóteles fez o que se chama uma TEORIA DO SER. Podematé marcar: teoria do ser. Ser quer dizer o quê? Ser é tudo aquilo queexiste; aquilo que é. Ser é tudo aquilo que existe. E quais são os doistipos de existência? (Eu acabei de dizer!…) SUBSTÂNCIA e ACIDENTE.Então, quando o Aristóteles faz a teoria do ser - faz uma teoria dasubstância, uma teoria do acidente, mas acrescenta dois outros tipos deexistência: uma se chama ATO e a outra, POTÊNCIA. Isso se chama: ASQUATRO DOBRAS DO SER.- Quais são as quatro dobras do ser? A substância, o acidente, ato epotência  – de que Heidegger é o grande teórico: o grande teórico dasquatro dobras do ser.Então, quando o Aristóteles fez a teoria do ser, ele distinguiu ato epotência. Olhem o que é ato e potência: eu pego este objeto  – esteisqueiro aqui  – e quando eu seguro este isqueiro, este isqueiro estáseguro em ato; eu o estou segurando em ato; mas  –  em potência - ele

pode cair. (Vejam se entederam…) Ele está seguro em ato; mas, em  potência, ele pode cair. Então, potência é sinônimo de possibilidade. Todo ser é o que ele é em ato, mais as possibilidades que ele tem.(Entenderam?) Então, há uma diferença - estar em ato e estar em  potência: é completamente diferente!O mundo do comportamento – o mundo da ação e da situação - é omundo do ato. É quando os afetos entram nos corpos,se atualizam eviram sentimentos e emoções. Então, o mundo da ação é o mundoatualizado - o que se chama MUNDO ATUAL: onde tudo está em ato! E omundo das afecções… [é o mundo da potência.] (acho que está umsendo pouco difícil…) 

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Potência e ato - duas dobras do ser aristotélico: a potência e o ato. A pulsão é um ato embrionário. O que é um ato embrionário?… (fim defita)Imagem-pulsão Comportamento Esforço eResistência Ação e Situação Emoção Sentimento Imagem-ação Realismo Segundidade Corpo Orgânico Ato 

Afecção Afeto Imagem-afecção (Expressionismo) Primeiridade Corpo Histérico Potência 

Ato embrionário Afeto degenerado Predação e presa Parte III[. . . ] não se efetuou como ato e não se expressou como potência.(Certo?). A potência seria o afeto; o ato seria o comportamento; e, entre os dois, estaria a pulsão.- Quem regula e desregula o comportamento? Os sentimentos e asemoções.Os afetos são forças puras do tempo. (Certo?) Agora, a pulsão, que não é nem afeto nem sentimento. . .(Aqui, vai ficar muito claro pra vocês:)O afeto não é uma entidade que pertence ao homem, ao vivo. Não: oafeto pertence a tudo! Tudo o que existe tem afeto: as facas, os ventos,as chuvas, os poemas, os olhares, os gestos, as luzes, a morte… O afetoemerge, emana, se expressa. . . de tudo que existe. Já os sentimentossão propriamente humanos. Como as pulsões não são afetos, porque sãoafetos degenerados; e não são sentimentos, porque são ações embrionárias  – são fetos de sentimentos. A pulsão é predação e presa. A

pulsão é quando o homem pulsional torna-se um bicho-homem. Ele éum bicho-homem.Vocês vão ter a alegria de conhecer um cinema admirável - fiquemos de joelhos para ele! – o cinema do Losey, que é exatamente o afeto do predador e da presa. A pulsão é sempre uma pulsão elementar, o serpulsional quer exaurir aquilo a que ele se dirige. É por isso que em O Cria do, o Dirk Bogard, o genial Dirk Bogard, entra numa casa e lança[sua] pulsão para o dono da casa e para a casa. Ele quer exaurir, chupar tudo, comer tudo, destruir tudo! Então, esse cinema  – que se chama pulsional - é o cinema do predador e da presa.

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No cinema ação, o comportamento está em situação. (As coisas vãocomeçar a ficar um pouquinho mais difíceis, viu?) O comportamento está em situação.No cinema afecção (eu pedi a vocês um espaço…) e disse que o afeto

está relacionado com o espaço qualquer.No cinema pulsional as pulsões estão ligadas com o que se chama meio derivado.(Eu vou explicar pra vocês o que é o meio derivado:)Existiu no Brasil um escritor chamado Aluísio de Azevedo  – acho quetodos nós aqui lemos, porque ele foi prova nos colégios, todo mundoteve que ler! O Aluísio de Azevedo é um literato naturalista. Onaturalismo é a mesma coisa que a pulsão. O cinema-ação é o chamadocinema realista. E o cinema-pulsional é o cinema naturalista. Onaturalismo não se opõe ao realismo  – apenas tinge com cores fortes o

realismo.Vocês se lembram de O Cortiço, do Aluísio Azevedo? O Cortiço. . . vocêschegaram a ver… algum de vocês chegou a ver, como é que se chamavaaquilo, cabeça de porco? Essas casas chamadas cabeça de porco! Eu vi,eu cheguei a ver. E cabeça de porco é nada perto do cortiço. O cortiçoera tudo destruído, em pedaços, é como se fosse o território da loucura:tudo em pedaços? cadeiras em pedaços, penicos em pedaços, quartosem pedaços. O quarto não tinha porta, era um pedaço de pano. Essecortiço, no caso, chama-se mundo originário. Ou seja, no cinemapulsional sempre há um mundo originário; e a cidade do Rio de Janeiro,no caso de O Cortiço, é o meio derivado.Então, no cinema pulsional, você tem a PULSÃO ELEMENTAR  – que[corresponde ao que] é o comportamento no cinema ação, e ao afeto nocinema afecção. No cinema naturalista chama-se pulsão elementar.Essa pulsão elementar é dirigida para o meio derivado, mas busca assuas forças no mundo originário.(Vamos tentar entender isso pra, na próxima aula, eu poder explicar ateoria do tempo. )No caso do Aluísio de Azevedo, o que estou chamando de mundo

originário? É o cortiço.(Vocês estão entendendo? Vocês leram Aluísio de Azevedo? Não?).O mundo originário é o cortiço. Por exemplo, se vocês virem O Criado -quem viu O Criado? Em O Criado tem uma praça de cascalho branco,com umas estátuas assustadoras –  aquilo é o mundo originário.Então, nós temos três elementos no cinema naturalista: mundooriginário… O melhor exemplo para nós brasileiros entendermos omundo originário no naturalismo é O Cortiço. É como se no centro deum meio geográfico e cultural estivesse aparecendo o Cronosdevorador… o fundo do tempo. . . é como a pulsão de morte. . . os pedaços. . . a entropia. . . o fim do mundo… o começo do mundo… o que

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de mais terrível estivesse emergindo dali! Esse mundo originário estápresente em todo cinema naturalista.(Vocês conseguiram entender aqui? Ou não?)Agora, esse mundo originário vai-se ligar ao que se chama pulsão

elementar. Essa pulsão elementar é quando o personagem se tornapresa ou predador – pouco importa! O melhor exemplo de predador nósencontramos em O Criado,do Losey  – a perseguição que o Dirk Bogardmove ao dono da casa, na escada. A perseguição chega a um extremotão grande que há uma cena em que o dono da casa vai se trancardentro de um quarto no andar de cima, enquanto, em primeiro plano,vemos o Dirk Bogard subindo a escada, pé ante pé, em direção a ele,dizendo: ―Estou sentindo cheiro de rato‖. Você sente toda a força dopredador. Então, o homem se transforma no bicho-homem  –  não é maiscomportamento e não é mais afecção.

Esse é o cinema naturalista. (Estão conseguindo?) A obra prima doLosey. O Losey é fantástico: uma coisa extraordinária! Então, todo ocinema do Losey se constitui por esses três elementos: mundooriginário, pulsão elementar e meio derivado.Imagem-pulsão Comportamento Esforço eResistência Ação e Situação Emoção 

Sentimento Imagem-ação Realismo Segundidade Corpo Orgânico Ato 

Imagem-pulsãoAtoembrionário Afetodegenerado 

Predação epresa Mundooriginário Meioderivado

Afecção Afeto Imagem-afecção (Expressionismo) Primeiridade 

Corpo Histérico Potência 

Ato embrionário Afeto degenerado Predação e presa Mundo originário 

Meio derivado No cinema de Losey há também uma coisa muito marcante  – que são ascasas vitorianas.(Alguém pergunta…) As casas vitorianas. Casas lindíssimas  – e o predador está semprequerendo consumir aquela casa. Vocês podem reconhecer isso tambémno Buñuel, em O Anjo Exterminador, que é a mesma coisa: o mesmoprocedimento. Então, nós temos aqui as três grandes linhas que euconsegui juntar nesta aula: o mundo ação, o mundo pulsão e o mundoafecção.(Está certo?)

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Agora, eu vou pedir um auxílio a vocês: quem já viu um filme chamadoAmigos para sempre, do Arthur Penn? É um filme lindíssimo! (Essefilme tem no vídeo. ) Four friends, do Arthur Penn. Se vocês pudessemver… eu daria esse filme como exemplo da imagem-ação. Vocês

poderiam ver é… aí é uma escolha de vocês, acho que é atéindiferente… O Losey, eu preferiria o Losey, viu  –  O Mensageiro tem novídeo. O Criado tem. (Não tem? Ela está dizendo aqui que não tem. )Então, teria… Casa de Bonecas?  Tem Casa de Bonecas.Al: É o quê?Cl: É imagem pulsão. E teria também aquele… A Inglesa Romântica.Parece que tem também, não tem?Al: Bem, lá no Polyteama, no Júlio, ele tem muitos, mas não tem O Criado. Têm vários… Então, se vocês quiserem fazer isso, vocês me darão assim um agrado, é

um agrado pra mim, não é? Agora, para a imagem-afecção umBergman, um filme do Bergman. Eu acho que o Bergman se arranja,não arranja? Ou não, eu não sei, realmente eu não sei, pode ser aíum… Qualquer coisa que vocês puderem pegar… Eu estou buscando oBergman só por causa do primeiro plano, para eu poder dar uma aulade primeiro plano, pra vocês pelo menos terem observado o primeiroplano, vocês terem tomado contato com ele.(Tá? Se vocês acharem outra idéia de imagem afecção, vocês deem,porque…) Al. : Aquele filme do Resnais, O Ano Passado em Marienbad?  O Ano Passado em Marienbad, eu levaria mais pra frente, que é aquestão do tempo puro, (tá?) É melhor não. (Não sei se eu poderei falarde o Ano Passado em Marienbad ainda neste curso. Eu espero aindapoder fazer!) Mas não, não: eu jogaria o Marienbad  já como a conquista do tempo - é um momento excepcional da história do pensamento, ficaum pouco pra frente. Então, o que estou querendo na imagem afecção,se vocês tiverem uma idéia melhor do que a minha, équalquer coisa quedê o primeiro plano.Alª: Poderia ser o Persona… 

Cl. : É… seria o Persona. (Mas tem em vídeo? Entende?) É… Mas euestou de acordo, Persona é magnífico. Persona é excepcional! Ou entãovocês teriam… o Faces do Cassavetes. Mas vocês não vão encontrar… não vão encontrar, é quase impossível… (Bem, então, parei aqui).Eu agora abandono o cinema e dou uma apontada pras artes plásticas,pra pintura, por exemplo. Então eu vou fazer uma marca (porque napróxima aula vou fazer uma projeção de pinturas aqui). Eu vou fazer aseguinte marca pra vocês… (Eu acho que não estou exagerando. )O século XX, a partir de 1910,  – e isso daí tem uma associação, que euvou tentar mostrar, com as questões do capitalismo  – , vai começar adesfazer o figurativo nas artes plásticas. (Vocês sabem o que é

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figurativo, não? São figuras que aparecem nos quadros). É o nascimentoda arte abstrata. A arte abstrata vai ter seu nascimento mais ou menosem 1910. Kandinsky, Mondrian, (quem mais?), Malevitch… São osgrandes nomes… Então, vamos marcar que o século XX, nas artes

plásticas, (vamos fazer essa força!) traria o objetivo de desfazer a artefigurativa. E a arte figurativa seria a imagem-ação, a arte propriamente orgânica. (Certo? Vamos fazer dessa forma). Mas, nós vamos conhecergrandes pintores chamados figurativos, no século XX. Por exemplo:Lucien Freud (todos devem conhecer o Lucien Freud), o FrancisBacon… Não são figurativos? O Egon Schiele, não é um figurativo? Sãotodos figurativos. Por isso, um pensador de estética francês chamadoLyotard criou uma categoria (que depois eu vou explicar o que é) paradistinguir uma figura que não fosse figurativa de uma figura figurativa.(Que é incrível, parece uma coisa incrível, não é?) Ele vai passar a

chamar de FIGURAL à figura não-figurativa. (Eu vou explicar isso).Então, nós vamos fazer uma distinção entre figurativo e figural. E euvou colocar o Lucien Freud, o Francis Bacon e o Egon Schiele comofigurais.Al. :  —–  Cl. : Chama-se Lyotard (com y). Jean Lyotard. Ele tem um livrochamado Discurso e Figura em que ele dedica cem páginas para fazer amarca dessa noção de figural  – que eu vou explicar pra vocês. Então, o figural não é figurativo, é figura, masnão é figurativo. (Tá?) Agora, essemovimento abstracionista… nasceu em 1910 (não é?) com Mondrian,por exemplo. Esse movimento vai tomar sua posição mais elevada como chamado EXPRESSIONISMO ABSTRATO. O exemplo deexpressionismo abstrato é: Newman, Pollock, Kooning, quepraticamente liberam da tela qualquer figura. (Vocês conhecem?) Amatéria fica livre na tela  – fica inteiramente livre. Inclusive, há oabandono do cavalete no processo de pintar (eu vou mostrar isso) mas oimportante é que a matéria se liberta de qualquer forma  – que não é ocaso do Mondrian, do Malevitch… em que a matéria ainda está todapresa. Quando essa matéria se liberar da forma vai passar a se chamar

material-força. Então, nas telas do Pollock você já não tem maismatéria, você tem material-força. E esse material-força está totalmenteliberado nas telas dele. Junto a esse movimento do expressionismo abstrato, que é ummovimento inclusive muito surpreendente, pois é um movimentoamericano  – em vez de se dar na Europa, dá-se nos Estados Unidos,provavelmente por causa da guerra (não é?). Os grandes problemas daguerra se refletem até na obra cinematográfica  – no Ozu, por exemplo.Esse movimento vai ser acrescentado quando começam a aparecer ospintores figurais. Esses dois figurais que eu vou colocar… o LucienFreud e o Bacon. E eu vou fazer então o seguinte: eu vou colocar o

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figurativo de um lado, que seria propriamente a imagem orgânica. Vocêsvão ver coisas surpreendentes no problema do figurativo… Vamos verum El Greco, um Giotto, que já estão tentando o tempo todo desfazer ocomportamento orgânico e introduzir o corpo histérico ali dentro  – é

uma coisa impressionante! E isso tudo porque o cristianismo  – que éuma religião altamente ateia  – permite esses acontecimentos.Eu vou colocar o Egon Schiele como imagem-pulsão. Aí eu vou precisarque vocês vejam Casa de Bonecas? seria sensacional, porque tem umator, Edward Fox, que é especificamente um ator da imagem  – pulsão.Ele tem o que se chama violência estática. Você olha para ele, você ficacom vontade de ficar debaixo do cobertor, de tanto medo que vocêsente. É de uma violência assustadora, mas não é a violência do JohnFord, não é a violência da ação, não é a violência do Lee Marvin, não é aviolência do James Stewart, é a violência da imagem-pulsão. Nós vamos

rever essa violência da imagem  – pulsão nos auto-retratos do EgonSchiele. E quando nós passarmos para os chamados figurais, aí, porexemplo, eu tenho pessoas brilhantes aqui dentro dessa sala quetrabalham nessa questão. Não vou citar porque elas morrem devergonha… Então, eu passo para o Francis Bacon, e vou apontar oFrancis Bacon  – esse é que vai me interessar mais  – como imagem  –  afecção.(Vocês entenderam?)Então, nós vamos fazer esse processo… A imagem-ação, a imagem-pulsão e a imagem-afecção, no cinema, vocês que vão fazer pra mim. Euvou fazer aqui na projeção e vou tentar mostrar pra vocês; e após isso, opensamento afetivo, ativo e pulsional (certo?). Que é exatamente agrandeza do pensamento, a beleza do pensamento. O pensamento, comseu destino insuperável de se confrontar constantemente com o caos,porque o pensamento é obsessivo, é artista, é criador - e só se pode criarno CAOS. Fora do caos você não cria - você representa.Então, essas conquistas do caos só são feitas  – exatamente – pelaimagem-afecção. Porque a imagem-pulsão – se aproximou, mas não vaiconseguir fazer isso… E é a grande diferença que existe entre o cinema

do Losey e o cinema do Visconti.(Eu acho que a aula foi bem, que as coisas correram bem e eu possodar os parabéns pra vocês. Risos… (Se vocês quiserem fazer alguma pergunta?)Al. : E o Tarkovsky?Ah! O Tarkovsky! Eu falei numa das aulas que pulsão, ação, percepçãoe afecção são quatro elementos do movimento. Por que eu não citei o Tarkovsky? Porque o Tarkovsky não é um elemento do movimento, Tarkovsky é um elemento do tempo. Então, o cinema do Tarkovsky jánão está mais ligado ao movimento, está ligado ao tempo.  ——  

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Mas aí vocês têm o livro, o livro do Tarkovsky, que é um livro para seficar de joelhos. Chama-se Esculpir o Tempo. ( – ? – ) esse nome ( – ? – ) do Tarkovsky… Então, tchau… 

Fim