A Revolução de 30 no Pará e A Interventoria de Magalhães de Barata

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A Revolução de 30 e o fim da revolução oligárquica A Primeira República brasileira, que teve por base a Constituição de 1891 definiu seu padrão político no final da década de 1890. Seu principal mecanismo foi a “política dos governadores”, que teve como base o seguinte acordo: o governo federal garantia ampla autonomia aos grupos oligárquicos dominantes de cada estado, e em troca as bancadas estaduais lhe davam apoio político no Congresso. O resultado desse pacto foi o enfraquecimento das oposições, a fraude eleitoral e a exclusão da maior parte da população de qualquer participação política. O controle político oligárquico também era assegurado pelo voto aberto e pelo reconhecimento dos candidatos eleitos não pelo Poder Judiciário, mas pelo próprio Poder Legislativo. Como o Congresso sofria a influência do presidente e dos governadores, esse mecanismo dava margem à chamada degola dos candidatos indesejáveis. A “política dos governadores”, no entanto, não impedia a luta dos grupos oligárquicos pela presidência da República. Para regular a disputa, chegou-se a um novo acordo informal: o revezamento de São Paulo e Minas Gerais na chefia do Poder Executivo. Esses dois estados elegeram 8 dos 13 presidentes na Primeira República. Os estados de menor força política ficavam praticamente à margem nesse jogo de cartas marcadas. Já estados de importância mediana, como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, buscavam ocupar espaços atuando individualmente ou em conjunto. Nas eleições presidenciais de 1922 esses estados de segunda grandeza se uniram com o intuito de romper com o predomínio de Minas Gerais e São Paulo. Foi criado um movimento político de oposição - a Reação Republicana - que lançou o nome do fluminense Nilo Peçanha contra o candidato oficial, o mineiro Artur Bernardes. O programa oposicionista defendia a maior independência do Poder Legislativo frente ao Executivo, o fortalecimento das Forças Armadas e alguns direitos sociais do proletariado urbano. Todas essas propostas eram apresentadas num discurso liberal de defesa da regeneração da República brasileira.

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A Revolução de 30 e o fim da revolução oligárquica

A Primeira República brasileira, que teve por base a Constituição de 1891 definiu seu padrão político no final da década de 1890. Seu principal mecanismo foi a “política dos governadores”, que teve como base o seguinte acordo: o governo federal garantia ampla autonomia aos grupos oligárquicos dominantes de cada estado, e em troca as bancadas estaduais lhe davam apoio político no Congresso. O resultado desse pacto foi o enfraquecimento das oposições, a fraude eleitoral e a exclusão da maior parte da população de qualquer participação política.

O controle político oligárquico também era assegurado pelo voto aberto e pelo reconhecimento dos candidatos eleitos não pelo Poder Judiciário, mas pelo próprio Poder Legislativo. Como o Congresso sofria a influência do presidente e dos governadores, esse mecanismo dava margem à chamada degola dos candidatos indesejáveis.

A “política dos governadores”, no entanto, não impedia a luta dos grupos oligárquicos pela presidência da República. Para regular a disputa, chegou-se a um novo acordo informal: o revezamento de São Paulo e Minas Gerais na chefia do Poder Executivo. Esses dois estados elegeram 8 dos 13 presidentes na Primeira República.

Os estados de menor força política ficavam praticamente à margem nesse jogo de cartas marcadas. Já estados de importância mediana, como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, buscavam ocupar espaços atuando individualmente ou em conjunto. Nas eleições presidenciais de 1922 esses estados de segunda grandeza se uniram com o intuito de romper com o predomínio de Minas Gerais e São Paulo. Foi criado um movimento político de oposição - a Reação Republicana - que lançou o nome do fluminense Nilo Peçanha contra o candidato oficial, o mineiro Artur Bernardes.

O programa oposicionista defendia a maior independência do Poder Legislativo frente ao Executivo, o fortalecimento das Forças Armadas e alguns direitos sociais do proletariado urbano. Todas essas propostas eram apresentadas num discurso liberal de defesa da regeneração da República brasileira.

Até aí não havia grandes novidades. Parecia que a lei de ferro das sucessões presidenciais na Primeira República iria se manter, isto é, a oposição iria concorrer, perder e reclamar das fraudes sem resultado. A história, no entanto, foi um pouco diferente. Para começar porque pela primeira vez organizava-se uma chapa de oposição forte com o apoio de importantes grupos regionais. Além disso, o movimento contou com a adesão de diversos militares descontentes com o presidente Epitácio Pessoa, que nomeara um civil para a chefi a do Ministério da Guerra. Finalmente, a Reação Republicana conseguiu, em uma estratégia praticamente inédita na história brasileira, desenvolver uma campanha baseada em comícios populares nos maiores centros do país. O mais importante deles foi o comício na capital federal, quando Nilo Peçanha foi ovacionado pelas massas.

No mês de outubro de 1921 a campanha eleitoral esquentou. Foram publicadas na imprensa carioca cartas atribuídas a Artur Bernardes em que este fazia comentários desrespeitosos sobre os militares. Apesar de Bernardes negar a autoria das cartas, o episódio - mais tarde chamado das “cartas falsas” - acirrou os ânimos e abriu caminho para que alguns oficiais iniciassem movimentos no sentido de impedir, a todo custo, a vitória do candidato oficial.

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A conspiração não teve maiores consequências, eas eleições puderam transcorrer normalmente em março de 1922. Como era de se esperar, a vitória foi de Artur Bernardes. O problema foi que nem a Reação Republicana nem os militares aceitaram o resultado. Como o governo se manteve inflexível e não aceitou a proposta da oposição de rever o resultado eleitoral, o confronto se tornou apenas uma questão de tempo.

No mês de julho de 1922, algumas unidades militares no Rio de Janeiro e em Mato Grosso se levantaram contra o governo. Foram derrotadas. A rebelião mostrouse desarticulada e sem base política, mas serviu de detonadora para outros levantes militares nos anos seguintes. Era o início do movimento tenentista. O governo reagiu decretando o estado de sítio.

O clima de tensão política permaneceu durante toda a gestão do presidente Artur Bernardes. A imprensa foi censurada e centenas de oposicionistas civis e militares foram presos e desterrados para campos de internamento no norte do país. Com os grupos dissidentes vigiados e controlados, coube aos militares a vanguarda das ações contra o governo. Dois anos depois eclodiram os levantes de 1924 e pouco mais tarde formou-se a Coluna Prestes.

No governo seguinte, a situação se acalmou um pouco. O presidente Washington Luís levantou o estado de sítio com a promessa de reduzir a repressão política. A crise política apenas ganharia fôlego novamente na sucessão presidencial de 1930. E foi motivada, principalmente, pela cisão causada pela atitude de Washington Luís de indicar para a sua sucessão o paulista Júlio Prestes, e não, como se esperava, o mineiro Antônio Carlos. Interessava a Washington Luís que seu sucessor mantivesse o seu plano de estabilização financeira. Mas com isso rompeuse a aliança que havia dominado por décadas a política brasileira.

Como resultado direto do rompimento do pacto Minas-São Paulo, a oposição reaglutinou-se, agora com apoio da poderosa oligarquia mineira. Foi formada a Aliança Liberal, que lançou as candidaturas do gaúcho Getúlio Vargas para a presidência e do paraibano João Pessoa para a vice-presidência. A chapa foi apoiada também pela dissidência paulista, organizada no Partido Democrático, e por diversos outros setores civis e militares.

O nome de Getúlio Vargas cresceu durante a campanha, mas a candidatura de Júlio Prestes manteve-se como favorita. A grande maioria dos grupos oligárquicos regionais manteve-se fi el à orientação do presidente da República.

Em março de 1930 realizaram-se as eleições, e a história mais uma vez foi a mesma: venceu a candidatura oficial. As denúncias de fraude ganharam a imprensa, e grupos oposicionistas civis e militares começaram a conspirar. Repetia-se o que havia ocorrido no ano de 1922. Mas agora a oposição estava mais forte e articulada. De março a outubro foram sete meses de tensão política que tiveram como desfecho a derrubada de Washington Luís na Revolução de 1930.

A Primeira Guerra Mundial colocou na ordem do dia a questão da defesa nacional. Governo e setores da sociedade começaram então a dar maior atenção às Forças Armadas. Algumas medidas concretas de modernização foram adotadas: o recrutamento universal e a vinda da Missão Francesa para melhor formar os oficiais brasileiros.

Só que no começo dos anos 1920 a situação continuava desalentadora no Exército. Faltava de tudo: armamento, cavalos, medicamentos, instrução para a tropa.

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Os oficiais brasileiros se ressentiam de uma política mais eficaz e mostravam-se descontentes com a nomeação do civil Pandiá Calógeras para o Ministério da Guerra pelo presidente Epitácio Pessoa. Os soldos permaneciam baixos e o governo não fazia menção de aumentá-los.

Esta situação afetava particularmente os tenentes. Havia um grande número deles, e as promoções eram muito lentas. Um segundo-tenente podia demorar dez anos para alcançar a patente de capitão.

Foi nesse quadro de crescente insatisfação, com as condições do Exército e com a política do governo, que eclodiram diversos levantes militares. A presença significativa de tenentes na condução desses movimentos deu origem ao termo “tenentismo”. Os principais movimentos tenentistas da década de 1920 foram os 18 do Forte, os levantes de 1924, e a Coluna Prestes.

O principal objetivo dos tenentes era derrubar o governo. Mas que tipo de governo desejavam implantar no país? Em suas formulações percebe-se que nem eles mesmos sabiam muito bem o que queriam. Eram pródigos na ação e na crítica mas econômicos na proposição. Não havia um programa muito claro, apenas algumas idéias gerais. Eram homens formados na caserna. Suas formulações derivavam principalmente dessa situação. Acreditavam que sua ação era parte de uma missão que salvaria o país.

As propostas políticas dos tenentes de uma maneira geral se vinculavam ao clima do pós-Primeira Guerra Mundial, marcado pelo avanço do nacionalismo e da centralização política. Nesse ponto, eles assumiam bandeiras de luta próximas às das oligarquias regionais que se opunham ao predomínio de Minas Gerais e São Paulo. Entre outras reformas, defendiam o voto secreto, a independência do Poder Judiciário e um Estado mais forte.

Os movimentos tenentistas foram combatidos por outras correntes no interior do Exército que defendiam a legalidade e a profissionalização. Muitos oficiais continuavam descontentes com o governo federal, que não fazia muita coisa para alterar a situação geral da instituição, mas achavam que os métodos de ação dos tenentes dividiam e enfraqueciam o Exército. Entre meados da década de 1920 e o início dos anos 1930, foi tomando corpo uma proposta que concebia a intervenção na vida política do país como algo que deveria ser feito não por um grupo ou facção, mas pela própria instituição militar, representada pelo seu estado-maior. Seus principais formuladores foram Bertoldo Klinger e o tenente-coronel Góes Monteiro. Segundo essa concepção, o Exército e a Marinha, como instituições nacionais, tinham o dever de intervir na vida política brasileira em caso de grave ameaça à organização nacional.

A Revolução de 30 no Pará e A Interventoria de Magalhães de Barata (1930–1935)

O episódio que levaria ao processo de formação e desenvolvimento da “Revolução” seria a questão da sucessão do presidente Washington Luís. Este, de acordo com a lógica da política do “café com leite”, deveria indicar para presidência o mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrade (presidente do Estado de Minas Gerais), mas não o fez. No lugar de Antônio Carlos, Washington Luís indicou para a sua sucessão outro paulista – Júlio Prestes.

A oposição à candidatura de Júlio Prestes, levou os Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba (governado por João Pessoa) a formarem a chamada Aliança

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Liberal, lançando assim uma chapa que apresentava Getúlio Vargas como presidente e João Pessoa como vice.

A máquina eleitoral montada pelo governo – marcada pela fraude e violência – favoreceu a vitória do paulista Júlio Prestes na eleição, que foi realizada no dia 1º de março de 1930. A não aceitação do resultado do resultado eleitoral por parte da Aliança Liberal, levou-a a tramar a reversão da situação não através da via Institucional. Buscaram, a partir daquele momento, mudar à força aquilo que não haviam mudado pelos meios legais.

No dia 3 de novembro de 1930 o poder foi entregue a Getúlio Vargas iniciando-se assim o chamado Governo Provisório.

É essa relação de poder e interesses, encontrada no seio do movimento de 30, que dá inteligibilidade àquilo que se processou no Pará materializado na figura de Joaquim de Magalhães Cardoso Barata, no ano de 1930.

Após assumir a interventoria no Pará, Magalhães Barata desenvolveu uma política visando uma aproximação com as camadas populares além de preconizar o saneamento e a restauração do Estado. Interveio na questão operária ao mesmo tempo em que reformulava o processo da educação através da alteração dos currículos e do policiamento dos professores.

Estes foram investigados com o objetivo de terem sua idoneidade moral apurada. Numa entrevista concedida ao jornal, Correio da Manhã (RJ) que foi transcrita no

Pará em janeiro de 1931, Barata afirmava que iria (...) sanear o ambiente moral do Estado, restaurar os direitos postergados pela prepotência das oligarquias e a fortuna arruinada pela inépcia dos governantes.

Para alcançar o saneamento das finanças do Estado, Barata revogou vários contratos firmados entre fábricas e o poder público que estabeleciam a isenção do pagamento de impostos por parte de tais empresas. Um exemplo foi a revogação da lei Estadual n° 2.840, de 7 de novembro de 1929, que concedia isenção de impostos por 10 anos à Fabrica de Cerveja Paraense. Além disso, o interventor interditou bens de políticos tradicionais do Estado e rastreou várias firmas comerciais acusadas de sonegação de impostos. Em 1933, Magalhães

Barata promoveu uma reforma tributária aumentando e agilizando a cobrança de impostos, além de reduzir o número de funcionários; dívidas do Estado; construção de obras públicas e a redução e congelamento de aluguéis fizeram com que o interventor ganhasse uma grande popularidade no seio das camadas populares.

No que diz respeito à população, uma das marcas de Barata foi a sua condição de líder das massas populares. Objetivando essa aproximação, o interventor concedeu a abertura das portas do palácio do governo para que a população tivesse acesso direto ao governante, além de percorrer o interior do Estado desenvolvendo uma significativa política assistencialista.

Tentando solucionar a relação CAPITAL X TRABALHO. Barata procurou implementar uma política de amparo ao operariado com a criação da Liga Nacionalista do Pará. Segundo Denise Rodrigues, buscava-se melhores salários, principalmente para os operárias, que já haviam grevado por falta de condições dos locais de trabalho e pelos baixos salários pagos, horários adequados, melhores condições de trabalho. Barata defendia a ideia de que o Estado seria o responsável pela regulação das relações de trabalho para evitar o antagonismo entre as classes

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(empregadores e empregados), e assim promover a paz social. Para isso, os sindicatos foram organizados em federações e controlados por elementos ligados ao governo.

Na mesma entrevista concedida ao Correio da Manhã, jornal que citei anteriormente, o interventor dizia que (...) a índole do operário nacional e as suas aspirações de momento não são a de seus pares estrangeiros, penso que a questão se reduz a dois únicos fatores: maior possibilidade de trabalho e assistência social compreendendo saúde, educação e seguro contra acidentes invalidez e morte, como também habitação. Neste sentido, empreenderei todos os esforços, não só tornando efetiva aquela assistência como revendo impostos, que recaem sobre as diversas indústrias para o fim de lhes dar novos impulsos e maior números de braços.

Sobre a questão educacional, Barata criou a Secretaria de Educação e Saúde Pública realizando uma reforma no ensino a partir da alteração de currículos, ale de afastar professores que não tinham idoneidade moral para exercer a profissão. Houve a união do ensino municipal e estadual para permitir um eficaz controle e gerenciamento.

Segundo Iracy Ritzmann e Conceição de Almeida, a construção de uma sociedade educada e saneada deveria ser o objetivo maior do exército de professoras que atuavam nos mais distantes municípios do Estado. No entendimento dos ideólogos de 30, esta sociedade era pré-requisito para a obtenção dos trabalhadores ideais, construtores do Estado brasileiro moderno.

Percebe-se assim que a educação constituía-se como um elemento imprescindível na formação cívica da sociedade.

Para o historiador Alves Jr., as concepções políticas de Magalhães Barata caracterizavam-se por um forte caráter positivista, tônica maior da formação dos militares no Brasil. Defensor do governo ditatorial, pois considerava que o povo brasileiro, sem preparo cívico, não poderia arcar com as liberdades constitucionais, pois estava mergulhando nos vícios cultivados pelo regime anterior, no qual os desmandos e as improbidades eram comuns. Com o processo da

reconstitucionalização do país, deveria ocorrer a sucessão no governo do Pará no ano de 1935.

Magalhães Barata desejava a permanência no poder mas alguns problemas inviabilizaram a sua estada no governo. Contribuíram para isso a grande agitação de trabalhadores; desentendimentos com comerciantes e, principalmente, a dissidência dentro do seu próprio partido: o Partido Liberal.

A disputa pelo poder materializava-se no antagonismo entre BARATISTAS E NÃO-BARATISTAS. A oposição ganhava espaço na Frente Única Paraense, a qual tinha como seu porta-voz o jornal liderado por Paula Maranhão: a “Folha do Norte”. O embate entre baratistas e não baratistas ganhou as ruas de Belém resultando em grande convulsão Social.

A situação na qual havia mergulhado o Pará levou à intervenção do próprio presidente Getúlio Vargas, que nomeou como interventor o major Roberto Carneiro de Mendonça. Este garantiu a reunião da Assembleia Constituinte de 28 de abril de 1935 que elegeu José Carneiro da Gama Malcher como governador do Pará.

O novo chefe de Estado governou até 1943, quando Magalhães Barata retornou à interventoria governando até 1945 e voltando depois no período de 1956 a 1959.