A ROTINA DA PRÉ-ESCOLA NA VISÃO DAS PROFESSORAS, … · Rosimeire Costa de Andrade A ROTINA DA...

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Universidade Federal do Ceará Faculdade de Educação – FACED – Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira Rosimeire Costa de Andrade A ROTINA DA PRÉ-ESCOLA NA VISÃO DAS PROFESSORAS, DAS CRIANÇAS E DE SUAS FAMÍLIAS Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação. Linha de Pesquisa: Desenvolvimento, Linguagem e Educação da Criança. Orientadora: Profa. Dra. Silvia Helena Vieira Cruz Fortaleza – CE 2007 Created with novaPDF Printer (www.novaPDF.com). Please register to remove this message.

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  • Universidade Federal do Cear Faculdade de Educao FACED

    Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira

    Rosimeire Costa de Andrade

    A ROTINA DA PR-ESCOLA NA VISO DAS PROFESSORAS, DAS CRIANAS E DE SUAS

    FAMLIAS

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutor em Educao. Linha de Pesquisa: Desenvolvimento, Linguagem e Educao da Criana. Orientadora: Profa. Dra. Silvia Helena Vieira Cruz

    Fortaleza CE 2007

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    Rosimeire Costa de Andrade

    A ROTINA DA PR-ESCOLA NA VISO DAS PROFESSORAS, DAS CRIANAS E DE SUAS

    FAMLIAS

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutor em Educao.

    Aprovada em 16 de abril de 2007

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________ Profa. Dra. Silvia Helena Vieira Cruz

    ORIENTADORA

    __________________________________________ Profa. Dra. Bernadete de Souza Porto

    Faculdade 7 de Setembro - FA7

    __________________________________________ Profa. Dra. Ftima Sampaio Silva

    Universidade Federal do Cear - UFC

    __________________________________________ Profa. Dra. Ins Cristina de Melo Mamede

    Universidade Federal do Cear - UFC

    __________________________________________ Profa. Dra. Lenira Haddad

    Universidade Federal de Alagoas - UFAL

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    A voc, Lusimar Andrade, minha me, in memoriam, por quem eu daria a

    minha vida pra voc voltar; eu daria a minha vida pra voc viver; eu daria

    a minha vida pra voc no ter partido.

    (Texto inspirado na composio de Martinha Eu daria a minha vida)

    A voc, Francisco de Assis Andrade, meu irmo, in memoriam, com quem

    gostaria de voltar a viver o passado e comear o nosso amor fraternal outra

    vez, pra poder fazer as coisas que a gente no fez e, desta vez, te amar

    como deveria.

    (Texto inspirado na composio de Educardo Lages e Paulo Srgio Valle

    s vezes penso)

    A voc, Maria dos Anjos Andrade, minha av, in memoriam, razo pela

    qual tenho s vezes vontade de ser novamente uma menina e na hora do

    meu desespero gritar por voc, te pedir que me abrace e me leve de volta

    pra casa, me conte uma histria bonita e me faa dormir.

    (Texto inspirado na composio de Roberto Carlos e Erasmo Carlos Lady

    Laura)

    Vocs viram o incio, mas no o fim deste trabalho. Saudades!...

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    AGRADECIMENTOS

    Esta pesquisa foi desenvolvida graas a Deus, por ter permitido, nos momentos de

    desnimo, dores de cabea e muita tristeza, retomar o caminho; e colaborao, sabedoria e

    ao empenho de muitas pessoas. Sou extremamente grata a todos. Entre todas as pessoas, quero

    destacar:

    A professora Silvia Helena Vieira Cruz, pela pacincia, solidariedade constante,

    especialmente nos momentos de luto, amizade e orientao sensvel, luminosa e competente;

    Os professores e funcionrios do Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira

    da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Cear, que possibilitaram e facilitaram

    minha participao neste curso de doutorado;

    As companheiras do PARQUE, pela oportunidade que me deram de aprender com elas

    e pela disponibilidade para ouvir e explorar com inteligncia, clareza e corao, assuntos

    pertinentes ao trabalho e vida;

    As professoras, a diretora, a vice-diretora, a supervisora, os profissionais de apoio, as

    crianas e as famlias da escola que sediou o trabalho de coleta de dados, pela boa acolhida,

    disponibilidade e apoio;

    As professoras Ftima Sampaio Silva e Bernadete Porto, por suas crticas muito

    valiosas aos primeiros esboos do trabalho;

    A Maria de Jesus Arajo, a Mnica Petralanda e a Sinara Almeida Sales, amigas

    certas das horas incertas, pela pacincia, cumplicidade, companheirismo e encorajamento

    constantes, notadamente nos momentos de dor e profunda tristeza;

    O professor William Craveiro, pela correo do texto;

    A Maria das Graas Andrade, minha irm, a Silvana Andrade, minha prima, A Luana

    Oliveira, minha sobrinha e o Luan Oliveira, meu sobrinho, pela pacincia, amor e

    compreenso;

    O Tlio Cruz, por sua feliz chegada em minha vida e pela presena carinhosa e

    constante nas etapas finais de elaborao desta tese.

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    O pato ganhou o sapato

    foi logo tirar retrato.

    O macaco retratista

    era mesmo um grande retratista,

    disse ao pato:

    - Fique quieto e no se mexa

    que pra depois no ter queixa.

    (Mrio Quitanda)

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    RESUMO

    Esta pesquisa est vinculada a uma proposta maior de trabalho que envolve investigao e desenvolvimento profissional em contextos de Educao Infantil, visando promover a qualidade dessa primeira etapa da educao bsica em parceria com os profissionais que nela atuam. Seu interesse especfico diz respeito ao uso do tempo e do espao na organizao das experincias educativas, ou seja, a rotina da instituio. Nesse sentido, seu objetivo geral analisar as percepes das professoras, das crianas e de suas famlias acerca da rotina na pr-escola e dos fatores que presidem a sua organizao. Trata-se duma pesquisa qualitativa estudo de caso do tipo etnogrfico realizada em 2004, numa instituio pblica de Ensino Fundamental da rede municipal de Fortaleza que atende, tambm, crianas em idade de 4 a 6 anos. O trabalho de campo combinou diferentes instrumentos de coleta de dados: observao participante, entrevista, questionrio e anlise de documentos. A anlise das informaes coletadas foi subsidiada por contribuies das teorias scio-interacionistas (PIAGET, 1975, 1978a, 1978b, 1986; WALLON, 1981, 1989, 1995; VYGOTSY 1989a, 1989b, 1996) para a concretizao da intencionalidade educativa de creches e de pr-escolas e para a efetivao de uma Pedagogia para a Infncia (ROCHA, 1997, 2002; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007, 2001; ZABALZA, 1998). A escuta das professoras constatou que: dos componentes que constituem a rotina, apenas a tarefa compreendida como pedaggica; a sala de aula o espao fsico concebido como privilegiado para o desenvolvimento das atividades e para as aprendizagens das crianas; com exceo da ampliao do tempo destinado tarefa, a rotina no precisa de alteraes, pois todos, notadamente as crianas, esto satisfeitos com ela. Na perspectiva das famlias, o item preferido da rotina a tarefa, principalmente aquela que envolve escrita e leitura; a sala de aula o local mais apropriado para as crianas aprenderem; a reduo do tempo destinado brincadeira em benefcio da tarefa tornaria a rotina ainda melhor. Para as crianas, a rotina marcada pela repetio da mesma atividade (tarefa) da qual no gostam; realiza-se na sala da professora; para ficar legal precisa incluir a brincadeira. A comparao das falas destes sujeitos aponta muita semelhana entre o que pensam pais e professoras acerca das crianas, da Educao Infantil, do papel de seus trs principais atores e da rotina. No entanto, grande a diferena entre as opinies dos adultos e das crianas sobre a escola e as atividades a desenvolvidas. Considerando que as concepes partilhadas pelos adultos tm funo produtiva no trabalho pedaggico desenvolvido na instituio, identific-las, compreend-las e torn-las objeto de reflexo por todos os envolvidos na educao e no cuidado das crianas constituem passos importantes e necessrios renovao da rotina posta em prtica. A valorizao dos conhecimentos, dos sentimentos e das aspiraes de seus diferentes sujeitos - professoras, famlias e crianas - outro aspecto imprescindvel construo de uma Educao Infantil de qualidade a fim de que creches e pr-escolas possam realmente se constituir em cenrio de aprendizagem, desenvolvimento e bem-estar para todos que nelas convivem. Palavras-chave: Pr-escola, Rotina, Professoras, Famlias, Crianas.

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    ABSTRACT

    This research is linked to a larger proposal of work than it involves investigation and professional development in contexts of Infantile Education, seeking to promote the quality of that first stage of the basic education in partnership with the professionals that act in her. Your specific interest concerns the use of the time and of the space in the organization of the educational experiences, in other words, the routine of the institution. In that sense, your general objective is to analyze the teachers' perceptions, of the children and of your families concerning the routine in the maternal school and of the factors that preside your organization. It is a qualitative research - I study of case of the type ethnographic - accomplished in 2004, in a public institution of Fundamental Teaching of the municipal net of Fortaleza that assists, also, children in age from 4 to 6 years. The field work combined different instruments of collection of data: participant observation, glimpses, questionnaire and analysis of documents. The analysis of the collected information was subsidized by contributions of the theories Socio-Interacionists (PIAGET, 1975, 1978a, 1978b, 1986; WALLON, 1981, 1989, 1995; VYGOTSY 1989a, 1989b, 1996) for the materialization of the educational intention of day cares and of maternal school and for the to execute of a Pedagogy for the Childhood (ROCHA, 1997, 2002; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007, 2001; ZABALZA, 1998). Listens to of the teachers it verified that: of the components that constitute the routine, the task " is just understood as pedagogic; the class room is the physical space become pregnant as privileged for the development of the activities and for the children's learning; except for the amplification of the time destined to the " task ", the routine doesn't need alterations, because all, especially the children, are satisfied with her. In the perspective of the families, the favorite item of the routine is the task ", mainly that that involves writing and reading; the class room is the most appropriate place for the children to learn; the reduction of the time destined to the game in benefit of the task " it would still turn better the routine. For the children, the routine is marked by the repetition of the same activity (task ") of the which they don't like; she takes place in the teacher's " room; to be " good " she needs to include the game. The comparison of the speeches of these subjects points a lot of likeness among what parents and teachers they think concerning the children, of the Infantile Education, of your three main actors' paper and of the routine. However, it is big the difference among the adults' opinions and of the children about the school and the activities there developed. Considering that the conceptions shared by the adults has productive function in the pedagogic work developed in the institution, to identify them, to understand them and to turn them objects of reflection for all involved them in the education and in the children's care they constitute important and necessary steps to the renewal of the routine puts into practice. The valorization of the knowledge, of the feelings and of the aspirations of your different subjects - teachers, families and children - it is other indispensable aspect to the construction of an Infantile Education of quality so that day cares and maternal school can really constitute her in learning scenery, development and well-being for all that live together in them. Key-words: Maternal school, Routine, Teachers, Families, Children.

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    RSUM

    Cette recherche est lie une plus grande proposition de travail qu'il implique enqute et dveloppement professionnel dans contextes d'ducation D'enfant, en cherchant pour encourager la qualit de cela tape de l'ducation de base dans association avec les professionnels qui agissent dans elle en premier. Vos inquitudes de l'intrt spcifiques l'usage du temps et de l'espace dans l'organisation des expriences pdagogiques, en d'autres termes, la routine de l'institution. Dans ce sens, votre objectif gnral est analyser les perceptions des professeurs, des enfants et de vos familles propos de la routine dans l'cole maternelle et des facteurs qui prsident votre organisation. C'est une recherche qualitative - j'tudie de cas de l'ethnographic du type - accompli en 2004, dans une institution publique d'Enseignement Fondamental du filet municipal de Fortaleza qui aide, aussi, enfants dans ge de 4 6 annes. Le travail de champ a combin des instruments diffrents de collection de donnes: observation du participant, visions momentanes, questionnaire et analyse de documents. L'analyse des renseignements rassembls a t subventionne par contributions des thories Socio-Interacionists (PIAGET, 1975, 1978a, 1978b, 1986,; WALLON, 1981, 1989, 1995,; VYGOTSY 1989a, 1989b, 1996) pour la matrialisation de l'intention pdagogique de garderies et d'cole maternelle et pour l'excuter d'une Pdagogie pour l'Enfance (ROCHA, 1997, 2002; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007, 2001; ZABALZA, 1998). coute des professeurs il a vrifi cela: des composants qui constituent la routine, la tche " est comprise comme pdagogique juste; la pice de la classe est l'espace physique devenu enceinte comme privilgi pour le dveloppement des activits et pour les enfants apprend; l'exception de l'amplification du temps destine la " tche ", la routine n'a pas besoin de modifications, parce que tout, surtout les enfants, sont satisfaits avec elle. Dans la perspective des familles, l'article favori de la routine est la tche ", principalement que qui implique l'criture et lire; la pice de la classe est la place la plus approprie pour les enfants pour apprendre; la rduction du temps a destin au jeu dans avantage de la tche " il tournerait encore mieux la routine. Pour les enfants, la routine est marque par la rptition de la mme activit (tche ") du lequel ils n'aiment pas; elle a lieu dans la pice du professeur; tre " bon " elle a besoin d'inclure le jeu. La comparaison des paroles de ces sujets pointe beaucoup de ressemblance parmi quels parents et professeurs ils pensent propos des enfants, de l'ducation D'enfant, du papier de vos trois acteurs principaux et de la routine. Cependant, c'est grand la diffrence parmi les opinions des adultes et des enfants au sujet de l'cole et les activits ont dvelopp l. Vu que les conceptions ont partag par les adultes a la fonction productive dans le travail pdagogique dvelopp dans l'institution, les identifier, les comprendre et les tourner objets de rflexion pour tout les ont impliqus dans l'ducation et dans le soin des enfants ils constituent des pas importants et ncessaires au renouvellement de la routine met dans entranement. La valorisation de la connaissance, des sensations et des aspirations de vos sujets diffrents - professeurs, familles et enfants - c'est autre aspect indispensable la construction d'une ducation D'enfant de qualit afin que les garderies et cole maternelle peuvent la constituer dans apprendre dcor, dveloppement et bien-tre pour tout vraiment qui vivant ensemble dans eux. Mots-clef: cole maternelle, Routine, Professeurs, Familles, Enfants.

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    LISTA DE FOTOS

    Foto 1: Pintura feita no alto da parede externa da escola, no bloco em que ficam as salas de aula Foto 2: Cartazes com as regras de convivncia de uma sala de Jardim II: o que pode e o que no pode ser feito a

    Foto 3: Criana da turma de Jardim II que pediram para ser fotografadas antes da aula comear

    Foto 4: Criana da turma de Jardim II fazendo D-E (atividade da pesquisa) Foto 5: Crianas da turma de Jardim I em atividade com massa de modelar

    Foto 6: Atividade de acolhida com a turma do Jardim II no corredor que d acesso s salas Foto 7: Crianas da turma de Bsico Fundamental em fila para receber o lanche no refeitrio Foto 8: Crianas da turma do Jardim II esperando que o porto que d acesso ao ptio externo seja aberto Foto 9: Crianas da turma do Jardim I esperando o trmino da aula

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 01 - Mdia de crianas de quatro a seis anos de idade matricula na escola no ano de

    2004 ...............................................................................................................................................

    Quadro 02 - Funo, nmero e escolaridade dos profissionais da Escola Construindo o Saber....

    Quadro 03 - Componentes da rotina escolar citados pelas crianas e quantidade de histrias em

    que so referidos.............................................................................................................................

    Quadro 04 - Nmero de produes (D-E) das crianas que mostram a escola como espao de

    ensino, aprendizagem e castigo......................................................................................................

    Quadro 05 - Nmero de histrias criadas pelas crianas que mostram a escola como espao de

    ensino e aprendizagem com seus respectivos objetos de trabalho................................................. Quadro 06 - Variao da presena da figura da professora nas produes (D-E) das crianas.....

    Quadro 07 - Comparao entre as concepes das professoras e das famlias das crianas sobre

    os temas criana e funo da Educao Infantil......................................................................

    Quadro 08 - Comparao entre as concepes das professoras e das famlias das crianas sobre

    as competncias/ papis dos trs principais sujeitos da Educao Infantil....................................

    Quadro 09 - Comparao entre as opinies das professoras, das crianas e de suas famlias

    sobre a escola que tm e a sua rotina..............................................................................................

    Quadro 10 - Comparao entre as concepes das professoras, das crianas e de suas famlias

    sobre temas especficos relacionados rotina escolar....................................................................

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico N. 1: O uso do tempo na escola 2004...........................................................................

    Grfico 02: Total geral de D-E que aponta a escola como espao de ensino, aprendizagem e

    disciplinamento...............................................................................................................................

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    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    ANPEd - Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao

    Art. Artigo

    BF Bsico Fundamental

    C Criana

    CNE Conselho Nacional de Educao

    COEDUC Coordenadoria de Polticas Pblicas de Educao

    CP Curso de Pedagogia

    D-E Desenho com Estria

    E Entrevistadora

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    FACED Faculdade de Educao

    GT Grupo de Trabalho

    H-C Histria para Completar

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDH-M ndice de Desenvolvimento Humano do Municpio

    INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Brasileira

    LISYC Escala Leuven para Crianas Pequenas

    MEC Ministrio da Educao

    MIEIB Movimento Interfruns de Educao Infantil do Brasil

    PARQUE Parceria pela Qualidade na Educao Infantil

    PIB Produto Interno Bruto

    PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

    PNE Plano Nacional de Educao

    RE Reunio na Escola

    RP Reunio do PARQUE

    SAS Secretaria de Ao Social

    SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia

    SEDAS Secretaria Municipal de Educao e Assistncia Social

    SER Secretaria Executiva Regional

    SUS Sistema nico de Sade

    UECE Universidade Estadual do Cear

    UFC Universidade Federal do Cear

    UNDP - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    UNIFOR Universidade de Fortaleza

    UVA Universidade Vale do Acara

    ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal

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    SUMRIO

    INTRODUO .............................................................................................................................................14 1 OS PROCESSOS DE CONSTRUO DO OBJETO DA PESQUISA.....................................................21

    1.1 PRIMEIRAS APROXIMAES COM O TEMA: AS CRECHES COMUNITRIAS DE NOSSA CIDADE ......................22 1.2 A ESPERA E A OCIOSIDADE NA ROTINA DA CRECHE .................................................................................24 1.3 O CONTATO COM A PR-ESCOLA: UMA EXPERINCIA DE FORMAO EM CONTEXTO .................................32 1.4 POR QUE MAIS UMA PESQUISA SOBRE A ROTINA NA PR-ESCOLA? ...........................................................41 1.5 OS OBJETIVOS DESTA PESQUISA.............................................................................................................44

    2 AS OPES TERICAS DA PESQUISA ................................................................................................46 2.1 ALGUMAS CONTRIBUIES DAS TEORIAS SCIO-INTERACIONISTAS PARA A REALIZAO DO TRABALHO EDUCATIVO COM CRIANAS DE ZERO A SEIS ANOS DE IDADE ........................................................................47 2.2 O PAPEL DO OUTRO NA CONSTRUO DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM HUMANA..................52 2.3 O PAPEL DA INTERVENO PEDAGGICA E AS POSSIBILIDADES DE UMA PEDAGOGIA DA INFNCIA ...........59

    3 O PERCURSO METODOLGICO..........................................................................................................65 3.1 A NATUREZA DA PESQUISA....................................................................................................................66

    3.2.1 As observaes ...........................................................................................................................69 3.2.2 As entrevistas..............................................................................................................................77 3.2.3 Outras estratgias para o levantamento de informaes ..............................................................85

    4 A ESCOLA CONSTRUINDO O SABER ..................................................................................................87 4.1 ALGUMAS INFORMAES SOBRE A LOCALIZAO, A ESTRUTURA E O FUNCIONAMENTO DA ESCOLA .........88 4. 2 CARACTERSTICAS DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL S CRIANAS DE QUATRO A SEIS ANOS PELA ESCOLA CONSTRUINDO O SABER ...........................................................................................................................100

    4. 2. 1 O corpo docente......................................................................................................................100 4. 2. 2 A proposta pedaggica e o planejamento das atividades..........................................................104

    4. 3 A ORGANIZAO E O DESENVOLVIMENTO DAS EXPERINCIAS EDUCATIVAS ..........................................109 4. 3. 2 A roda ....................................................................................................................................111 4. 3. 3 A tarefa ..............................................................................................................................113 4. 3. 4 O lanche .................................................................................................................................115 4. 3. 5 O repouso...............................................................................................................................115 4. 3. 6 Os encaminhamentos para a sada ..........................................................................................116

    5 COM A PALAVRA, AS PROFESSORAS... ............................................................................................119 5. 1 AS CRIANAS E SUAS FAMLIAS: QUEM SO E O QUE ESPERAM DA ESCOLA ............................................120 5. 2 A EDUCAO INFANTIL: A QUE SE DESTINA E O QUE COMPETE AO PROFESSOR PARA QUE ISSO SE CONCRETIZE ............................................................................................................................................130 5. 3 A ROTINA: QUAL O SEU FOCO E A QUE SE DESTINA ...............................................................................139

    6 COM A PALAVRA, AS FAMLIAS DAS CRIANAS... .......................................................................147 6.1 AS FAMLIAS ENTREVISTADAS .............................................................................................................148 6. 2. AS CRIANAS, NAS VOZES DE SUAS FAMLIAS: QUEM SO E QUE EXPECTATIVAS ELAS DEPOSITAM NA ESCOLA ...................................................................................................................................................150 6.3 A EDUCAO INFANTIL: A QUE SE DESTINA E O QUE COMPETE AOS SEUS SUJEITOS ................................158 6.4 A ROTINA ESCOLAR: QUAL O SEU FOCO E A QUE VISA ...........................................................................169

    7 COM A PALAVRA, AS CRIANAS.......................................................................................................177 7.1 AS CRIANAS ENTREVISTADAS ............................................................................................................179 7. 2 ALGUMAS CONSIDERAES INICIAIS SOBRE AS PRODUES INDIVIDUAIS DAS CRIANAS ......................181 7. 3 O QUE FALAM AS CRIANAS SOBRE A ESCOLA QUE TM? .....................................................................186 6. 4 A ESCOLA DESEJADA..........................................................................................................................211

    8 CONSIDERAES FINAIS....................................................................................................................217

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................................................239 ANEXOS......................................................................................................................................................257

    ANEXO 1: QUALIDADE EM PARCERIA: UMA PROPOSTA DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL EM EDUCAO INFANTIL ...............................................................................................................................258 ANEXO 2: ROTEIRO DE OBSERVAO ......................................................................................................282 ANEXO 3: ROTEIROS DE ENTREVISTAS COM OS ADULTOS ........................................................................283 ANEXO 4: ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS CRIANAS ...........................................................................289 ANEXO 5: QUESTIONRIO DO PESSOAL DA ESCOLA .................................................................................291 ANEXO 6: QUESTIONRIO DAS FAMLIAS DAS CRIANAS..........................................................................295 ANEXO 7: DIVISO GEOGRFICA DA CIDADE DE FORTALEZA ..................................................................296 ANEXO 8: PRODUES DE MARIANA ......................................................................................................297 ANEXO 9: PRODUES DE MATEUS ........................................................................................................299 ANEXO 10: FICHA DE ORGANIZAO DOS DADOS DAS OBSERVAES .......................................................301

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  • 14

    INTRODUO

    O atendimento criana pequena em creches ou pr-escolas pode ser algo muito

    benfico para o seu desenvolvimento. Isso se torna possvel na medida em que esses

    ambientes criam as condies que favorecem o crescimento, o desenvolvimento, a

    aprendizagem e o bem-estar da criana. Essas condies incluem tanto o respeito aos direitos

    e s necessidades infantis (como brincar; receber ateno individual; ter um ambiente

    aconchegante, seguro e estimulante; ter higiene, sade, alimentao e espaos amplos para se

    movimentar; desenvolver sua curiosidade e sua imaginao; expressar-se etc1) quanto a

    organizao de uma programao diria capaz de tornar esse lugar um espao agradvel de

    convivncia e de educao para todos os que ali permanecem, muitas vezes, em tempo

    integral.

    Partindo da compreenso de que os processos de desenvolvimento e de

    aprendizagem so construdos de forma dinmica e interativa por sujeitos ativos em diversos

    ambientes, conforme as teorias psicogenticas e interacionistas de Piaget (1975, 1978a, 1978b

    e 1986), Wallon (1981, 1989 e 1995) e Vygotsky (1989a, 1989b e 1996), apenas assegurar

    1 Esses direitos encontram-se expressos no documento Critrios para um Atendimento em Creches que Respeitem os Direitos Fundamentais das Crianas (BRASIL, 1995a).

    Foto 1: Pintura feita no alto da parede externa da escola, no bloco em que ficam as salas de aula

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  • 15

    criana o acesso creche e pr-escola no suficiente, se os servios oferecidos no tiverem

    a qualidade especfica a essa etapa da educao bsica, necessria para garantir o bem-estar e

    o desenvolvimento das crianas2. Sobre os benefcios que a Educao Infantil pode

    representar para a criana, Zabalza (1998, p.20) destaca que ao deixar a Educao Infantil [a criana] deve possuir um repertrio de experincias e destrezas mais amplo, rico e eficaz, que expresse o trabalho educativo realizado durante os primeiros anos de escolaridade. No se trata apenas de que a criana seja feliz e esteja sendo cuidada durante esses anos. Trata-se de fazer justia ao seu potencial de desenvolvimento durante anos que so cruciais.

    Nesse sentido, o ambiente3 da instituio de Educao Infantil deve, dentre outras

    atribuies, contribuir para o desenvolvimento da criana, acolhendo-a, possibilitando-lhe

    brincar, movimentar-se, expressar-se e ampliar suas interaes com o mundo fsico, social e

    cultural. Tudo isso, tendo em vista, como j referido, o respeito a alguns dos direitos

    fundamentais das crianas, como, por exemplo, viver experincias nas quais se sintam fsica e

    psicologicamente vontade, em um ambiente acolhedor, onde possam expressar todas as suas

    potencialidades, aprender, construir e adquirir conhecimentos e habilidades por meio da

    interao com outras crianas e com adultos que no pertencem ao seu ncleo familiar (FONI,

    1998).

    Ao contrrio, quando a criana freqenta creches e pr-escolas cuja proposta de

    trabalho prima pela conteno de seus movimentos, submetendo-a a inadequadas exigncias

    posturais, como permanecer sentada, calada, quieta, na mesma posio, seu desenvolvimento

    poder ficar prejudicado, j que esses ambientes no apiam nem estimulam a autonomia, a

    relao entre pares, a explorao dos objetos e o exerccio da linguagem. Dessa forma,

    trabalha contra a criana e no em seu favor, como lembra Machado (2001), ao afirmar que

    a criana de 0 a 6 anos tem caractersticas e necessidades diferenciadas das outras faixas etrias, que requerem cuidado e ateno por parte do adulto e que, quando negligenciadas, colocam em risco a sobrevivncia da prpria criana, ou comprometem gravemente seu desenvolvimento posterior (p.26).

    2 Desde os anos 90, o conceito de qualidade vem sendo questionado por diversos autores (DAHLBERG, MOSS e PENCE, 2003; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2001, dentre outros). Em decorrncia disso, aspectos antes no considerados passaram a ser incorporados em sua definio. Dessa forma, qualidade passa a ser entendida como um conceito valorativo, subjetivo e dinmico que varia com o tempo, a perspectiva e o lugar (PASCAL e BERTRAM, 1999, p.24). Por outro lado, cada vez mais consensual entre tericos e pesquisadores, a idia de que aspectos da prtica e do contedo educativo fornecem um conjunto nuclear de condies que favorecem experincias de aprendizagem de alta qualidade (Idem, ibidem). Tambm ponto comum a associao entre qualidade e formao profissional. 3 O termo ambiente tomado aqui na mesma acepo utilizada por Forneiro (1998). Compreende, portanto, o espao fsico (local onde se realizam as atividades, caracterizado pelos objetos, pelos materiais didticos, pelo mobilirio e pela decorao) e as relaes que nele so estabelecidas (incluindo os afetos, os conflitos e as ambigidades existentes nas trocas entre as crianas, entre essas e os adultos e entre estes).

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  • 16

    Pesquisas realizadas, por exemplo, na rede conveniada ou no mbito dos sistemas

    pblicos do Estado do Cear e de sua capital, tm revelado indcios fortes do quanto uma

    experincia educacional ruim pode ser danosa para a criana (ANDRADE, 2002; ANDRADE

    e PEREIRA,1999; COSTA, 2002; CRUZ, 1999, 2001, 2002; CRUZ et alli. 1998; LEITO,

    2002; LOIOLA, 2004a; MAMEDE, 1999; PORTO, 2001).

    No interior de creches e de diversos ambientes escolares tem sido muito comum

    encontrar crianas com: pequena autonomia moral e intelectual; dificuldades de expresso

    oral, plstica e motora; baixa auto-estima; pouco instinto solidrio e de cooperao; restritos

    conhecimentos de si e do mundo ao seu redor (CRUZ, 2004a) etc. Certamente, a instituio

    que essas crianas freqentam tem uma parcela de responsabilidade por esse quadro, que no

    se deve exclusivamente s caractersticas das relaes mantidas pelas crianas em outros

    contextos.

    Vale destacar, aqui, que embora a prtica pedaggica da professora4 de Educao

    Infantil seja um dos elementos decisivos para a qualidade das experincias educacionais

    oferecidas s crianas, tambm o so as caractersticas do contexto em que essas prticas

    desenvolvem-se; no caso, a escola em que trabalham. Da ser necessrio, tambm, considerar

    na anlise que se faz, por exemplo, da rotina a que so submetidas as crianas no interior de

    creches e de pr-escolas, as condies ambientais e situacionais presentes nessas instituies.

    Apesar das conquistas obtidas, seja por meio da definio de um rol de

    regulamentaes, documentos oficiais e leis5, seja pela produo de conhecimentos

    assentados em um novo paradigma sobre desenvolvimento infantil, o contato com realidades

    concretas revela que ainda abissal a distncia que separa o cotidiano das instituies de

    Educao Infantil, mormente aquelas que atendem crianas pobres, dos avanos obtidos nos

    planos do discurso e da legislao. Alis, Machado (2004) considera que, no Brasil, a maioria

    dos estabelecimentos de Educao Infantil carece de patamar mnimo de qualidade e que

    condies adversas, presentes nas creches ou pr-escolas, afetam os direitos bsicos da

    criana pequena, chegando a significar riscos a seu desenvolvimento fsico, psicolgico e

    como ser social (p.4).

    4 A opo pelo emprego do feminino professoras, quando referido Educao Infantil, deve-se ao fato de ser, predominantemente, formado por mulheres o quadro de docentes dessa etapa da educao bsica. 5 O reconhecimento da importncia da Educao Infantil feito, custa de muitas lutas, pela legislao brasileira, especialmente pela Constituio Federal (1988), pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (1990) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB (1996), um dos avanos mais significativos da atualidade na rea.

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  • 17

    Tudo isso confirma o que Kuhlmann Jr (1998) destaca sobre a histria da Educao

    Infantil, quando o alvo so as crianas pobres. Para ele, trata-se da histria do predomnio da

    concepo educacional assistencialista, preconceituosa em relao pobreza,

    descomprometida quanto qualidade do atendimento (p.202).

    A identificao de direitos e a elaborao de leis, decretos, pareceres, resolues,

    entre outros, que os expressem, no tm sido, via de regra, seguidas pela viabilizao de

    propostas concretas no cotidiano das instituies de educao da criana pequena,

    desencadeando reflexes e aes correspondentes s necessidades concretas das crianas e de

    suas famlias. Dessa forma, diversos avanos, conquistados s custas de muitas lutas, acabam

    ficando restritos apenas ao papel. Nesse sentido, Bobbio (1992) chama a ateno para o fato

    de que o grande desafio da sociedade contempornea, no que diz respeito aos direitos, no so

    declaraes cada vez mais especficas e detalhadas, mas a sua proteo.

    No desconsiderando a importncia das conquistas no mbito legal6, bom lembrar

    que elas, por si s, no so garantia de mudanas significativas no cotidiano de creches e de

    pr-escolas. Alis, algumas das principais determinaes da LDB em vigor continuam ainda

    distantes de serem concretizadas na prtica e no interior de muitas creches e pr-escolas,

    como, por exemplo, a formao inicial das professoras que, sobretudo nas creches, continua

    inferior ao mnimo exigido pela lei (VILA e XAVIER, 1997)7. De acordo com o Censo

    Escolar de 2002, realizado pelo Ministrio da Educao (MEC), 5,3% das professoras que

    trabalham em creches, no Brasil, sequer concluram o Ensino Fundamental. O percentual

    daquelas que possuem titulao em nvel superior no chega a 15%.

    O direito de acesso das crianas de 0 a 3 anos primeira etapa de escolarizao

    bsica igualmente descumprido pelo poder pblico. A meta do Plano Nacional de Educao

    (PNE) - lei federal N 10.172 de nove de janeiro de 2001 de ampliar, em cinco anos, para

    30% a cobertura na educao oferecida em creches, est longe de ser cumprida. Atualmente,

    esse atendimento no ultrapassa a taxa de 11,7%. Em 2001, esse ndice era de 10,6% (Centro

    de Defesa dos Direitos da Criana e do Adolescente do Cear - CEDECA CE, 2001).

    6 Uma das marcas importantes atribudas histria do sculo XX a produo de significativa legislao internacional referente aos direitos das pessoas, que se transformou tanto em instrumento de influncia como de presso para muitos governos nacionais. assim que, mesmo com reconhecidas dificuldades, muitos desses direitos puderam ser defendidos em bases de instrumentos jurdicos nacionais e internacionais, fortalecendo o relacionamento dos cidados com o Estado (BODIO e MAMEDE, 2004). 7 Sobre a ausncia de polticas educacionais que concretizem as novas ordenaes legais conquistadas pela Educao Infantil, Fullgraf (2002, p.41) afirma que a infncia no papel tambm de papel [grifos da autora].

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  • 18

    Tambm as possibilidades de atendimento continuam variando conforme classe

    social a qual pertence a criana. O caso da cidade de Fortaleza exemplar. De acordo com

    dados publicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio

    Teixeira INEP, a populao de 0 a 6 anos residente na capital cearense, no ano de 2005, era

    de aproximadamente 322.000 crianas. Desse total, apenas um pouco mais de 99.000

    freqentava alguma creche ou pr-escola, sendo que 63% desse universo encontrava-se

    matriculada na rede privada (BRASIL, 2006).

    Os ndices de atendimento faixa de 0 a 3 anos, no Brasil, ao mesmo tempo em que

    denunciam o quanto ainda so refletidas, na creche, as desigualdades sociais e de renda,

    constituem-se em outro exemplo de desrespeito ao direito da criana. De acordo com os

    estudos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio (PNAD/2006), apenas 7,3% das

    crianas de baixa renda, na faixa etria de 0 a 3 anos de idade, freqentavam, poca, um

    estabelecimento de educao8.

    H diversos trabalhos que mostram o quanto os avanos na conquista dos direitos

    no chegam a modificar o cotidiano das instituies que atendem a criana pequena9. Na

    verdade, em muitos casos, esses avanos representam discursos com poucos avanos na

    prtica. Concretamente, o trabalho desenvolvido em muitas instituies de Educao Infantil

    ainda tem como maior preocupao vigiar a criana para que cresa, guardada, alimentada,

    protegida... Uma vigilncia, entretanto, que no lhe permite crescer de fato, porque a limita

    nas suas possibilidades. Limita o seu presente, modela o seu futuro... (BUJES e

    HOFFMANN, 1991, p. 61).

    E sobre um dos componentes deste fazer educativo - a rotina que trata esta tese.

    Seu intuito analisar como os trs principais sujeitos dessa primeira etapa da Educao

    Bsica professoras, crianas e famlias percebem esse instrumento estruturador das

    interaes, dos tempos e dos espaos na instituio pr-escolar, a fim de identificar e de

    compreender os fatores que concorrem para a sua organizao, execuo e manuteno. Os

    8 Rosemberg (1989) chama a ateno para o fato de que, especialmente na Educao Infantil, a qualidade das estatsticas questionvel, haja vista a duplicidade das formas de atendimento (creche e pr-escola), a conceituao imprecisa dos diferentes tipos de atendimento e a diversidade de unidades de coleta de dados que os diferentes organismos utilizam. Na prtica, apesar do critrio diferenciador apresentado pela LDB (creche para as crianas de 0 a 3 anos de idade e pr-escola para as de 4 a 6), o que tem distinguido as instituies o pblico e o perodo do dia que funcionam (se em tempo integral ou no). Dessa forma, ainda constitui um grande desafio para a rea a divulgao de dados reais que expressem a expanso do atendimento e a forma como ele vem se dando. 9 Especialmente sobre o Estado do Cear, podem ser citados os estudos realizados pelo Ncleo Desenvolvimento, Linguagem e Educao da Criana, do Programa de Ps-Graduao da FACED/UFC, nas redes pblicas estadual e municipais (especialmente em Fortaleza) e nas escolas privadas (conveniadas e filantrpicas) (CRUZ e HOLLANDA, 2004).

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  • 19

    conhecimentos resultantes da escuta sensvel desses atores so importantes para a

    especificao de que tipo de qualidade est-se falando, quando a referncia a Educao

    Infantil.

    Por compreender que a escolha de um tema de pesquisa e a construo do seu objeto

    no se do no vcuo, o primeiro dos sete captulos que compem este trabalho visa fornecer

    ao leitor uma breve caracterizao de experincias acadmicas e profissionais que

    concorreram para que tempo e espao configurassem-se como categorias mobilizadoras de

    ateno, de interesse e de empenho. Enfoca, especialmente, trs experincias de pesquisa

    vivenciadas por mim no mbito da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Cear

    (FACED/UFC), destacando, sobretudo, os sentimentos vividos, as impresses que foram

    sendo sedimentadas, as hipteses elaboradas e as constataes realizadas neste nterim. Nessa

    parte inicial tambm so detalhadas as intenes da pesquisa.

    No segundo captulo, so anunciadas, justificadas e discutidas as opes tericas que

    fundamentaram todo o trabalho investigativo: contribuies das teorias scio-interacionistas

    para a concretizao da intencionalidade educativa de creches e de pr-escolas seguidas de

    reflexes sobre as possibilidades de efetivao de uma pedagogia para a Educao Infantil.

    A descrio, a justificativa e a anlise das opes metodolgicas feitas no decurso da

    investigao so apresentadas no captulo trs (3), no qual tambm partilho, com o leitor,

    algumas de minhas fortalezas e fragilidades experimentadas com mais intensidade durante o

    trabalho de coleta de dados. Certamente, elas dizem muito de mim, mas, pela natureza da

    pesquisa, representam valiosas fontes de informao sobre a instituio que se constituiu

    como contexto de investigao e, principalmente, sobre o fenmeno enfocado: a rotina.

    Por compreender que a rotina da instituio e aquilo que se diz sobre ela so

    influenciados pelas caractersticas do contexto em que ela desenvolvida, so apresentadas,

    no captulo quatro (4), informaes gerais sobre a localizao, a estrutura e o funcionamento

    da escola que sediou a coleta de dados da pesquisa. Em seguida, caracterizado o

    atendimento a prestado s crianas de quatro a seis anos, destacando o corpo docente que

    atua com essa faixa de idade, a proposta pedaggica e o planejamento das atividades que so

    desenvolvidas com elas. Finalmente, so descritos a organizao e o desenvolvimento das

    experincias educativas nas trs turmas escolhidas para ser alvo de maior ateno.

    As concepes das professoras e das famlias acerca da rotina e de temas que norteiam

    a sua organizao so analisadas nos captulos cinco (5) e seis (6), respectivamente. Nesses,

    os adultos falam, em separado, sobre as imagens de criana e de educao que construram ao

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  • 20

    longo de suas histrias de vida e de trabalho. Tambm so explicadas, nesses captulos, a

    finalidade da rotina e as competncias de cada sujeito nela envolvido.

    E as crianas, o que elas tm a dizer sobre a rotina que lhes imposta? Que

    coincidncias, semelhanas e diferenas h entre o que pensam elas, suas professoras e suas

    famlias? As respostas a essas indagaes so apresentadas no captulo sete (7).

    Encerrando a tese, nas Consideraes Finais, so reunidos e complementados os

    conhecimentos resultantes da escuta desses sujeitos, tendo como eixo organizador os

    objetivos que orientaram o estudo. Alm disso, luz das reflexes elaboradas ao longo de

    todo o texto, so apontados alguns caminhos para a alterao do quadro analisado, a fim de

    que a instituio possa realmente se constituir em cenrio de aprendizagem, de

    desenvolvimento e de bem-estar para todos que nela convivem.

    Na abertura de todos os captulos so apresentadas algumas fotografias que ilustram

    parte dos cenrios observados e que podem ajudar ao leitor a compreender melhor os dados

    analisados.

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  • 21

    1 OS PROCESSOS DE CONSTRUO DO OBJETO DA

    PESQUISA

    Nunca deixe que lhe digam

    que no vale a pena acreditar no sonho que se tem, ou que seus planos nunca vo dar certo

    (...) Quem acredita sempre alcana.

    (Flvio Venturini e Renato Russo)

    Foto 2: Cartazes com as regras de convivncia de uma sala de Jardim II: o que pode e o que no pode ser feito a

    Neste captulo so ressaltadas as razes que antecedem e que justificam a realizao

    de mais um estudo sobre a rotina da pr-escola. Assim, ao enfocar outras experincias de

    pesquisa com as quais tive a oportunidade de lidar, desde a graduao em Pedagogia, o texto

    assume um tom narrativo, sem, contudo, perder o carter acadmico que lhe esperado.

    Alm disso, ao finalizar com os objetivos da pesquisa, esta seo da Tese procura cumprir a

    funo de destacar a contribuio que este estudo poder trazer rea.

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  • 22

    1.1 Primeiras aproximaes com o tema: as creches comunitrias de nossa Cidade

    No perodo de 1996 a 1999, participei, na condio de bolsista de iniciao

    cientfica, quando aluna do curso de Pedagogia, da pesquisa coordenada pela professora Dra.

    Silvia Helena Vieira Cruz, O atendimento em creches comunitrias na cidade de Fortaleza:

    diagnstico da situao atual (CRUZ et alii, 1998), que objetivou colher dados mais

    completos e atuais que os disponveis, em 1996, acerca do atendimento em creches

    comunitrias na cidade de Fortaleza, privilegiando, sobretudo, informaes relativas s

    crianas atendidas, ao pessoal envolvido diretamente no atendimento e histria e s

    caractersticas desse atendimento, bem como s principais dificuldades enfrentadas. Tendo

    como referncia bsica o respeito s necessidades das crianas, ao seu desenvolvimento e ao

    seu bem-estar, assim como ao seu grau de satisfao e ao de suas famlias, tambm foi uma

    das pretenses desse diagnstico fazer uma anlise qualitativa de como vem ocorrendo esse

    tipo de atendimento em nossa Cidade10.

    Essa primeira experincia possibilitou-me um contato prolongado com essa

    modalidade de instituio educativa. Trata-se, no Cear, de um equipamento de atendimento

    em Educao Infantil administrado por uma associao comunitria. Essa associao mantm

    convnio com rgos governamentais e/ou no governamentais. No caso de Fortaleza,

    contrariando o prescrito na atual LDB, o termo creche no est restrito faixa etria de 0 a 3

    anos11. As creches comunitrias de nossa cidade recebem crianas de 0 a 6 anos e, algumas

    vezes, at com mais idade.

    Os dados coletados por ocasio do trabalho de campo apontaram que as creches

    comunitrias so mais um exemplo da desigualdade que sempre marcou a Educao Infantil

    brasileira. A melhoria da qualidade do trabalho por elas oferecido tem sido alvo de pouco

    investimento. Na verdade, o investimento que se faz tem sido quase que exclusivamente no

    sentido de expandir o atendimento, sem a devida preocupao com a formao dos

    profissionais que nelas atuam e com a melhoria do atendimento prestado s crianas

    pequenas. Em decorrncia disso, essas creches enfrentam srios problemas em todos os

    10 A importncia da realizao de diagnsticos dessa natureza explicitada por documentos publicados pelo MEC que preconizam a criao de um sistema de informaes sobre a Educao Infantil em curso no nosso pas, uma vez que os dados disponveis so extremamente precrios tanto no que diz respeito qualidade quanto quantidade (BRASIL, 1993). Esse sistema considerado essencial para a elaborao, acompanhamento e avaliao de polticas pblicas para a rea. 11 Como j referido, com a promulgao da LDB/96, a faixa de idade das crianas passou a ser o critrio diferenciador da modalidade de atendimento. Assim, a creche destina-se s crianas de zero a trs anos de idade e a pr-escola, s crianas de quatro a seis.

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  • 23

    aspectos de seu funcionamento: instalaes, organizao e ocupao do tempo, formao das

    professoras, dentre outros.

    A aproximao com a sua prtica efetiva mostrou, tambm, a presena ainda muito

    forte de caractersticas que marcaram o incio da histria do atendimento infncia pobre no

    Brasil (ANDRADE, 2002; ANDRADE e PEREIRA, 1999; CRUZ, 2000, 2001, 2002; CRUZ

    et alli, 1998). Tal como se deu desde a construo da primeira creche no Pas, tambm hoje

    ela assume papel importante no processo de socializao para a subalternidade das classes

    pobres (KRAMER, 1994a; ROSEMBERG, 1999).

    Essa pesquisa revelou a existncia de uma pobre e restritiva organizao e ocupao

    do tempo das crianas, quando de sua permanncia na creche12. Em geral, a rotina para as

    cerca de dez horas que a criana l permanece limita-se chegada, lanche, atividade

    pedaggica, banho, almoo, sono, lanche, banho, jantar e sada. O desenvolvimento dessa

    rotina quase sempre marcado por rigidez na realizao das atividades, por esperas e por

    pouco prazer para todos aqueles que ali passam o dia. Alis, as crianas so tomadas como

    ainda menores do que so e com menos capacidade do que dispem de fato, uma vez que no

    so estimuladas nem convidadas a tomar decises, tampouco a expressar sua opinio e a

    fazer, sozinhas, aquilo que j so capazes (SERRO, 2003). De acordo com Freire (1993),

    essa rotina rotineira. Como ela explica, assim o porque alienada aos ritmos, aos

    desejos, ao pulsar do pensamento do educador e do educando. Porque os dois, nessa rotina,

    no tm a histria e a geografia nem a construo do conhecimento na mo. Por isso, um

    tdio (p.163).

    A predominncia de rotinas essencialmente centralizadas no adulto, pouco ou quase

    nada atentas e receptivas s especificidades da criana pequena, denunciada por vrios

    estudos (dentre eles, ANDRADE, 1995; BUJES e HOFFMANN, 1991; ESTEBAN, 1993;

    GOMES, 1993; GONALVES, 1994 e SOUSA, 1989), um dos indicativos da inadequao

    das propostas educacionais voltadas para a faixa de 0 a 6 anos de idade. Na verdade, esse tipo

    de rotina acaba por traduzir a funo de uma instituio cuja preocupao, segundo Dahlberg,

    Moss e Pence (2003), parece, muitas vezes, ser menor com a infncia e com o qu as crianas pequenas esto vivendo e maior com as crianas em idade escolar e com os adultos que elas vo tornar-se, encarando as instituies como fbricas que produzem resultados

    12 Nunca demais lembrar que a criao de um cotidiano rico de possibilidades de desenvolvimento, de aprendizagem e de bem-estar para as crianas exige, principalmente, a presena de parceiros (adultos e outras crianas) disponveis e envolvidos afetivamente com elas e suportes ambientais propiciadores de interaes diversas.

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  • 24

    especficos ou tecnologias de interveno que previnem ou tratam males sociais (p.113).

    Das idias que foram sendo gestadas com e nessa experincia de pesquisa com

    creches comunitrias, duas pareciam se impor com maior propriedade. A primeira delas era a

    de que a rigidez da rotina dessa instituio educativa, que uniforme e, geralmente, pouco

    prazerosa, parecia no estar propiciando a vivncia dos direitos fundamentais das crianas13.

    Sem a vivncia desses direitos, a cidadania da criana que passa a maior parte do seu tempo

    na creche parece ficar bastante comprometida.

    A segunda idia, no menos forte que a sua precedente, era a de que a espera e a

    ociosidade14, fenmeno correspondente a mais de 41% das horas de permanncia da criana

    nessa instituio, ao mesmo tempo em que denunciavam a prtica de uma educao pobre de

    possibilidades de aprendizagens que contribusse, favoravelmente, para o desenvolvimento e

    para a aprendizagem infantil, poderiam ser o reflexo de algo ainda mais grave, possvel de ser

    apreendido somente atravs de um olhar investigativo mais cuidadoso e crtico.

    Assim, motivada pela compreenso de que a identificao e a apreenso desse algo

    mais grave exigiam um olhar mais aprofundado sobre os elementos que marcam a rotina da

    creche, que foi realizada a pesquisa A espera e a ociosidade na rotina da creche

    comunitria de Fortaleza (ANDRADE, 2002), visando investigar, por meio de um estudo de

    caso do tipo etnogrfico, um aspecto especfico desse atendimento, a rotina diria, tendo

    como foco principal o problema da espera e da ociosidade, a fim de identificar e de

    compreender os elementos que concorrem para a sua estruturao e para a sua execuo.

    1.2 A espera e a ociosidade na rotina da creche

    O propsito deste trabalho, que resultou na dissertao de mestrado supracitada,

    realizado tambm na FACED/UFC, foi o de ir alm daquilo que se mostrava mais aparente;

    mais acessvel na primeira pesquisa, buscando compreender a essncia ofuscada pelo vu do

    13 Em seu texto final, o Relatrio Nacional para o Direito Humano Educao, apresentado em junho de 2003, em Braslia, por ocasio da Conferncia Nacional de Direitos Humanos, apresenta denncias relativas ao descumprimento do direito educao, na cidade de Fortaleza, tanto em escolas de Educao Infantil, quanto nas de Ensino Fundamental e Mdio (BODIO e MAMEDE, 2004). 14 preciso considerar que a espera, expectativa gerada por algo que se sabe que ir acontecer (o banho, o almoo, o lanche, por exemplo) pode ser ociosa ou no. Ser ociosa nos momentos em que no h nenhuma atividade para as crianas fazerem e elas tm que permanecer sentadas, caladas e quietas. Dessa forma, quando acontecem as esperas sem que sejam propostas alguma atividade (brincadeira, msica, histria etc) para as crianas fazerem, tampouco lhes so dadas oportunidades para optar entre fazer ou no alguma coisa nesse intervalo de tempo e elas tm que permanecer paradas, aguardando, tem-se, ento, a ociosidade.

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  • 25

    cotidiano naturalizado (BATISTA, 1998, p.11). Para tanto, foi realizado em uma nica

    instituio e, em parte, foi facilitado pelo conhecimento j disponvel sobre ela, sistematizado

    na investigao anterior.

    Os seus resultados possibilitaram uma maior compreenso acerca de vrios aspectos

    do funcionamento dessa instituio. Como acontece com os demais servios sociais, tambm

    a Educao Infantil, sobretudo aquela que oferecida na creche comunitria, apresentada,

    como favor, s famlias de baixa renda. Alis, alguns estudos tm indicado que as

    possibilidades de acesso a qualquer das formas de atendimento creche e pr-escola - tm

    sido definida pela classe social das crianas. Kuhlmann Jr (1999), por exemplo, chama a

    ateno para o fato de que para a infncia pobre, o que se observa, ao longo da histria dessa

    etapa da educao, uma pedagogia da submisso, uma educao assistencialista marcada

    pela arrogncia que humilha para depois oferecer o atendimento como ddiva, como favor aos

    poucos selecionados para o receber (p.54). Sem ter conscincia disso, as pessoas que

    trabalham nas instituies que atendem essa populao assimilam essa ideologia e, em suas

    prticas, tratam de sediment-la. Sendo vista como favor, a baixa qualidade do servio

    oferecido pela Educao Infantil passa a ser tida como aceitvel, natural e necessria, de

    modo a cristalizar, cada vez mais, a compreenso expressa no provrbio popular que afirma

    que melhor isto do que nada. Assim, a educao perde o seu carter emancipatrio.

    A compreenso que as professoras e que as demais profissionais tm sobre a criana

    usuria, sua famlia e suas expectativas, seu desenvolvimento e sobre o papel que a instituio

    de Educao Infantil desempenha nesse processo impregnada por uma viso negativa e

    preconceituosa15, o que imprime marcas tanto na organizao dos espaos quanto na

    estruturao, no planejamento e na execuo da rotina. Como destacam Barbosa e Horn

    (2001), a organizao do cotidiano da criana, seja na creche ou na pr-escola, , em primeiro

    lugar, resultante da leitura que o professor faz do grupo que ele tem sob sua responsabilidade

    e de suas necessidades. Nesse sentido, no h incoerncia, por exemplo, entre a forma como

    so vistas as crianas, a rotina da creche e o papel assumido pelas professoras.

    H um grande descrdito dos adultos com relao s possibilidades das crianas que

    freqentam a creche aprenderem e potencialidade do brinquedo, do movimento e das

    interaes sociais para o desenvolvimento infantil. Isso tambm mais uma das ilustraes do

    15 O que aqui est sendo qualificado como "preconceituoso (a)" diz respeito aos conceitos e aos julgamentos aferidos sem que o objeto em questo seja conhecido pelo sujeito; conhecimento de carter conclusivo, fechado reflexo; resultados da atribuio de rtulos e esteritipos ao sujeito ou objeto enfocado, ignorando, assim, as suas reais caractersticas (LAROUSSE, 1992).

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  • 26

    quadro diagnosticado pelo MEC (BRASIL, 1996) em instituies de Educao Infantil: a

    predominncia de restries s atividades ldicas e expressivas das crianas.

    A compreenso que as professoras tm acerca das crianas (seres a-histricos; sem

    expectativas, sentimentos, desejos e capacidades; carentes; levadas; suscetveis

    influncia negativa e determinante da famlia; algum que precisa ser domado para ser

    educado e tornar-se gente, adulto) e do objetivo maior da creche (proteger as crianas e

    disciplin-las, retirando delas os hbitos e os costumes de seu meio, submetendo-as regra de

    uma vida decente, alimentando-as, cuidando de sua higiene e de sua segurana fsica),

    acaba por tornar natural a rotina da creche, que, caracterizada pela aprendizagem e pelo

    exerccio da obedincia, vista como condio para a socializao da criana, especialmente

    fora da creche: na escola, na vida adulta, no trabalho. Socializao, essa, que no visa

    formao de qualquer pessoa, mas, principalmente, daquela que obedece, que disciplinada,

    trabalhadora, conformada...

    Via de regra, a forma como a rotina da creche est estabelecida e executada

    constitui-se em palco de desencontro freqente de interesses entre adultos e crianas; entre as

    necessidades destas e as exigncias daqueles16. O que mais agrada s professoras, por

    exemplo, , na compreenso delas, o que menos agrada s crianas e vice-versa. Todos os

    adultos entrevistados na creche acreditam que se fosse dado criana o direito de modificar

    alguma coisa na rotina, tal modificao seria traduzida em brincadeira. Os pilares da rotina

    seriam brincadeira, liberdade e movimento. A preferncia dos adultos contrria a esse

    desejo/necessidade das crianas. Para eles, so os momentos de calmaria e de quietude,

    sobretudo o perodo do repouso, que so considerados o segundo melhor momento da rotina,

    perdendo somente para a hora de ir embora. Nesse sentido, Mayall (1996), citado por

    Dahlberg, Moss e Pence (2003, p.92), chama a ateno para o fato de que as instituies de

    Educao Infantil so produzidas principalmente para servir os interesses dos adultos.

    A dificuldade de perceber a especificidade do trabalho realizado com a criana na

    creche faz com que suas profissionais pautem-se de maneira muito forte no modelo escolar,

    especialmente naquilo que ele tem de mais tradicional: na repetio, na imitao, na

    fragmentao do saber, na atribuio de grande importncia ao silncio e disciplina e na

    centralizao do saber e do poder na figura da professora. O estabelecimento de horrios fixos

    16 Tambm Galvo (2004), em seu estudo sobre o cotidiano de uma pr-escola paulista, observou freqente desencontro entre as atitudes da professora, sempre na inteno de conter qualquer gesto ou movimento distinto da posio sentada, e as condutas das crianas, na tentativa permanente de fugir ao controle, sujeitos impulsividade motora.

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  • 27

    para higiene, alimentao e sono, a despeito das diferentes necessidades e ritmos das crianas,

    indicativo da onipresena das relaes de poder autoritrias no cotidiano da creche,

    semelhante ao que ocorre noutras etapas da educao.

    Para as professoras, parecem quase inexistentes as possibilidades de se insurgir

    contra a rotina estabelecida17, mesmo que ela no lhes cause encanto algum, o que leva a crer

    que o tempo no pertence a elas, tampouco s crianas que ficam quase sempre espera de

    um tempo que nunca chega a ser de fato delas. Tempo de ser ouvida e de ser afagada, de ser

    desafiada descoberta, de se mostrar capaz e criativa (BUJES e HOFFMANN, 1991, p.123).

    Assumindo uma atitude de impotncia frente rotina, as professoras vem-se sem alternativas

    para lidar com ela, a no ser segui-la, uma vez que a sua modificao s seria possvel por

    intermdio de uma instncia superior.

    O papel da professora na creche acaba se restringindo ao cumprimento daquilo que

    est determinado pela rotina. Nada daquilo que fuja ao previsto objeto de sua ateno. Como

    as atividades indicadas por essa rotina no ocupam o tempo de permanncia dela e nem o das

    crianas na creche, j que menos de 4% alvo de algum tipo de planejamento18 e para mais de

    40% no h nenhuma atividade prescrita no roteiro de rotina, esse tempo acaba sendo

    ocupado exclusivamente por esperas. Esperas ociosas e disciplinadas! O objetivo das

    professoras, nesses momentos, parece ser o de impedir que as crianas faam outra coisa que

    no seja esperar19.

    Contrariando a viso de criana ativa, motivada, competente, capaz de opinar, fazer

    escolhas e que busca agir com o outro, as professoras agem como as nicas protagonistas da

    rotina. A elas cabe a definio e a execuo de todas as atividades. Mesmo quando no esto

    realizando uma atividade, no esto desocupadas, pois esto sempre vigilantes, intervindo

    continuamente no comportamento das crianas, de forma a control-lo; mold-lo. Para as

    crianas resta apenas o que ningum pode fazer em seu lugar: correr, cair, dormir, acordar,

    comer, chorar e, principalmente, esperar20. A criana que ainda no sabe esperar tem que

    17 Com exceo das atividades pedaggicas. Essas, por sua vez, limitam-se a tarefinhas mimeografadas ou feitas mo, semelhantes a atividades escolares de cobrir, pintar, desenhar, recortar, colar figuras etc. Vale destacar que somente a esse segmento da rotina atribudo o qualificativo pedaggico. 18 Planejar atividades no se restringe proposio de uma seqncia de atos que sero cumpridos impreterivelmente, tendo o adulto a responsabilidade de zelar para que as crianas participem obedientemente dela. Tal idia contraria a perspectiva scio-interacionista de desenvolvimento e de aprendizagem, que pressupe sempre papel ativo para crianas e para os adultos no interior da instituio de Educao Infantil. 19 Tambm Mello (1987), no estudo que fez em uma creche municipal de So Paulo, contabilizou mais de quatro horas em que a criana ficava ociosa, esperando o que era imposto pela rotina. 20 vila et alii. (1997), em pesquisa realizada sobre instituies assistenciais de atendimento em tempo integral a crianas de 0 a 6 anos de idade, no Estado do Rio Grande do Sul, encontraram tambm uma rotina cuja

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  • 28

    aprender isso! Essa aprendizagem (objetivo imediato) instrumento para outras, como a do

    disciplinamento, a da obedincia e a da submisso (objetivo maior a ser alcanado). Para que

    o ensino da espera logre xito, valem os castigos fsicos e morais, as repreenses, a castrao

    das vontades, o desrespeito s suas necessidades, a indiferena ao seu choro e a sujeio de

    seu corpo parado, sentado, imobilizado pelas mos, pelos gritos e pelas ameaas das

    professoras. Assim, a rotina, nela incluindo a espera e a ociosidade, atende necessidade das

    professoras de disciplinamento das crianas e cumpre bem essa funo (ANDRADE, 2002).

    Sem desconsiderar as condies materiais e estruturais em que o trabalho na creche

    comunitria realizado (como, por exemplo, a longa jornada das professoras, os baixos

    salrios, as poucas opes de materiais, a falta de orientao para planejar e para avaliar as

    atividades realizadas etc)21 e tambm sem a pretenso de transferir para as profissionais da

    creche a responsabilidade pela qualidade do atendimento prestado, esta anlise sobre a rotina

    da creche comunitria corrobora a idia consensual entre os pesquisadores da rea de que a

    qualidade dos servios educacionais oferecidos s crianas em creches e em pr-escolas est

    diretamente relacionada formao profissional. Essa formao reconhecidamente um dos

    fatores mais importantes para a promoo de padres de qualidade adequados educao,

    qualquer que seja o nvel ou modalidade (BARRETO, 1994). Nesse sentido, tambm Foni

    (1998) destaca, como condicionante de grande importncia para a garantia de experincias

    gratificantes e adequadas para as crianas pequenas, a proposta pedaggica da instituio e, de

    modo especial, o estilo de interveno do adulto.

    Antes mesmo da promulgao da LDB/96, o MEC, ainda no incio da dcada de 90,

    publicou o documento Por uma poltica de formao do profissional de Educao Infantil

    (BRASIL, 1994a), que preconizava a existncia de pessoas qualificadas como condio para a

    efetivao de uma concepo de atendimento que integrasse as funes de cuidar e educar.

    Quatro anos depois, outro importante documento, Subsdios para credenciamento e

    funcionamento de instituies de Educao Infantil (BRASIL, 1998c), foi publicado por esse

    mesmo Ministrio. Neste, o quadro de formao dos profissionais que atuam mais

    diretamente com as crianas foi assim apresentado: No Brasil, a formao dos profissionais que atuam na Educao Infantil, principalmente em creches, praticamente inexiste como habilitao especfica. Assinala-se que algumas pesquisas registram um expressivo nmero de profissionais

    caracterstica marcante era o cumprimento de ordens, a espera, o silncio, a submisso e a docilidade. Nessas instituies, as crianas permaneciam mais de oito horas dirias, sendo atendidas por profissionais no qualificadas para a funo, com sobrecarga de trabalho e com salrios inadequados. 21 Sobre isso, Zabalza (1998) argumenta que improvvel a projetos educativos planejados com baixos nveis, sobretudo no que se refere a investimentos, recursos, condies de trabalho, alcanar bom padro de qualidade.

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  • 29

    que lidam diretamente com crianas, cuja formao no atinge o Ensino Fundamental. Outros concluram o Ensino Mdio, mas sem habilitao de magistrio e, mesmo quem a concluiu, no est adequadamente formado, pois esta habilitao no contempla as especificidades da Educao Infantil (Brasil, 1998c, v. I, p. 18).

    Assim como uma caracterstica comum maioria das profissionais que atuam em

    creches, como mostram diversos estudos (dentre eles, BRASIL, 1994a, 1994b e 1998a;

    CAMPOS, GROSBAUM, PAHIN e ROSEMBERG, 1984; CAMPOS, ROSEMBERG e

    FERREIRA, 1993), tambm nenhuma das profissionais que trabalha na instituio enfocada

    teve uma formao adequada para trabalhar com crianas pequenas em tempo integral,

    mesmo uma tendo feito o Ensino Mdio na modalidade normal e outra estar cursando, poca

    da pesquisa, Pedagogia em nvel superior. Como denuncia Rosemberg (1997), os currculos

    desses cursos, via de regra, no contemplam o atendimento em tempo integral a crianas na

    faixa de idade de zero a seis anos.

    Sem a oportunidade de receber informaes sobre como uma creche pode contribuir

    para a aprendizagem, o desenvolvimento e o bem-estar das crianas, essas profissionais, como

    tantas outras, acabam tendo que contar to somente com as suas experincias pessoais,

    associadas a fragmentos de discursos assimilados em rpidos cursos ou em orientaes

    pedaggicas e a algumas idias preconceituosas difundidas pela ideologia dominante sobre as

    pessoas pobres (CRUZ, 2001). Tudo isso contribui muito para que o trabalho realizado por

    elas seja pouco enriquecedor para a criana.

    Por outro lado, foram presenciadas, na creche, vrias situaes cuja justificativa no

    est inscrita apenas na falta de conhecimentos especficos, mas tambm em concepes22

    negativas e preconceituosas acerca da criana usuria da creche, de sua famlia e de suas

    expectativas, de seu desenvolvimento e do papel que a instituio de Educao Infantil

    desempenha nesse processo. Essas concepes, bastante sedimentadas, provenientes,

    provavelmente, das vivncias pessoais e profissionais das professoras, imprimem suas marcas

    na organizao dos espaos, bem como na estruturao, no planejamento e na execuo da

    rotina da creche23. Isso tudo confirma o que muitos estudiosos vm afirmando e

    comprovando, em suas pesquisas, sobre a titulao exigida legalmente. Ela, por si s, no

    22 O termo "concepes" tomado aqui como sendo formas de apreenso e de interpretao da realidade. Ao longo de toda a Tese so utilizados outros termos para a elas se referir, como, viso, compreenso, pensamento e percepo. Essa diversificao, tal como destaca Emiliani e Molinari (1998), sugere uma variedade de dimenses possveis para descrever o que pensam os sujeitos. 23 Diversos estudos (CHARLOT, 1986; CRUZ, 1987; DIGENES, 1998; PLAISANCE, 2001; SPINK e FREZZA, 1999 etc.) tm mostrado que as concepes que os professores tm sobre o seu papel, sobre educao e sobre escola e alunos, no s influenciam, como criam prticas.

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  • 30

    garantia de preparao para o trabalho com crianas em creches e em pr-escolas (CRUZ,

    1996; DEMO, 1998; MACHADO, 2004; OLIVEIRA, 1995).

    Para que venha a desempenhar bem o papel de professora de Educao Infantil, no

    sentido de que possa, no exerccio de sua funo, concretizar, de forma integrada e

    consciente, a tarefa de cuidar e educar a criana de zero a seis anos de idade, complementando

    a ao da famlia, essa profissional necessita de muito mais que o domnio de informaes e

    de habilidades. insuficiente a essa professora saber o que tem de ser feito com as crianas

    se, quando de posse de novos conhecimentos, ela no sentir o desejo de realizar o que j faz

    de outra maneira. Como destaca Cruz (1996), necessrio tambm Trabalhar (no sentido de incrementar ou modificar), [nos cursos de formao de professores de Educao Infantil], atitudes e valores implicados no trabalho solidrio do pessoal da creche ou pr-escola junto s crianas e suas famlias. S assim o objetivo maior que promover a educao de maior qualidade poder se efetivar (p.84).

    Mesmo que a distncia entre a realidade desses profissionais e as novas exigncias a

    eles impostas seja bastante grande, pesquisas (VILA e XAVIER, 1997, dentre outras)

    apontam que a formao profissional mais aprimorada, pelo menos no que diz respeito

    titulao, encontra-se entre os trabalhadores da rede pblica, especialmente nas pr-escolas,

    haja vista a funo preparatria para o ingresso no Ensino Fundamental que essa modalidade

    de atendimento tem assumido historicamente tanto no Brasil (ANGOTTI, 2001; ARAJO,

    2002; BORGES, 1994; BRANDO, ABRAMOVAY e KRAMER, 1981; BUJES, 2000;

    CAMPOS, PATTO e MUCCI, 1981; CARVALHO, 1995; KRAMER, 1985, 1994b, 1995,

    1988a, 1988b; KRAMER e ABRAMOVAY, 1985, 1991; KUHLMANN JR, 1999; REDIM,

    1988a, 1988b, 1988c, 1998; TIRIBA, 1992; WEISZ, 1988 etc.) quanto no cenrio

    internacional, como indicam Dahlberg, Moss e Pence (2003, p. 89): Alguns dos resultados mais especficos que se espera que a instituio dedicada primeira infncia [que compreende os primeiros seis anos de vida] produza esto, hoje em dia, amplamente reconhecidos na poltica e na literatura dedicadas primeira infncia, particularmente melhorando o desenvolvimento e a preparao das crianas para o ensino obrigatrio, o que inclui iniciar a escola pronto para aprender.

    Nessa perspectiva, bastante sintomtico o fato de que as taxas de matrculas em

    Educao Infantil aumentem proporo que a idade da criana aproxima-se da idade escolar

    fundamental, qual seja, sete anos. Em Fortaleza, por exemplo, de acordo com dados do Censo

    Escolar 2006, 13.229 crianas so atendidas em creches24. No que se refere ao nmero de

    24 Desse total, 7.244 encontram-se na rede privada; ou seja, o poder pblico responde diretamente apenas por 45% da populao atendida pelas creches.

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  • 31

    crianas matriculadas em pr-escolas, o referido Censo indica um total de 85.049, o que

    corresponde a um nmero maior pelo menos seis vezes quele referente ao atendimento

    realizado em creches25.

    Vale destacar que quando a pr-escola restringe a sua funo preparao da criana

    para a etapa subseqente da educao bsica, a criana est tambm sendo reduzida, porque a

    instituio deixa de consider-la integralmente para consider-la um aluno em potencial

    (ARAJO, 2002). Assim, diversas experincias infantis passam a ser compreendidas como

    pouco importantes e/ou reveladoras de imaturidade, uma vez que no fazem parte do

    repertrio de habilidades, de atitudes, de conhecimentos e de rituais vistos como necessrios

    adaptao da criana rotina da escola de Ensino Fundamental.

    Nesse sentido, um dos grandes desafios que se apresenta hoje para a Educao

    Infantil, particularmente para a creche, o delineamento de suas especificidades; daquilo que

    de fato lhe compete, sem perder de vista seu carter intencional e sistemtico e sem cair na

    reproduo de prticas escolarizantes (CERIZARA, 1999).

    Escola, creche e pr-escola so instituies distintas; portanto, a funo social que

    lhes atribuda tambm diferenciada. A prpria associao que se estabelece entre ensino e

    escola, educao e creche e pr-escola remete a essa diferenciao. Rocha (2002) destaca

    alguns aspectos, os quais denomina marco diferenciador, entre essas instituies, que

    considero importantes serem lembrados, por exemplo, quando se pensa na definio e no

    planejamento da programao diria das crianas pequenas em creches e em pr-escolas: Enquanto a escola se coloca como o espao privilegiado para o domnio dos conhecimentos bsicos, as instituies de Educao Infantil se pe sobretudo com fins de complementaridade educao da famlia. Portanto, enquanto a escola tem como sujeito o aluno, e como o objeto fundamental o ensino nas diferentes reas, atravs da aula; a creche e a pr-escola tm como objeto as relaes educativas travadas num espao de convvio coletivo que tem como sujeito a criana de 0 a 6 anos de idade (ou at o momento em que entra na escola) (p.8).

    Na verdade, essa mesma autora admite que se h um relativo consenso entre alguns

    professores e pesquisadores e determinados polticos e administradores sobre o carter

    educativo da Educao Infantil, o mesmo no acontece em relao definio do que isso

    significa e de como deve ser viabilizada essa possibilidade junto s crianas pequenas

    (ROCHA, 1995, p.1). Na prtica, o que se constata ainda um grande hiato entre o que se

    25 O atendimento nas instituies pblicas corresponde a apenas 35% e grande parte desse atendimento d-se em anexos, instituies escolares que, em sua maioria, funcionam em prdios alugados ou cedidos e que no possuem corpo administrativo prprio, pois so vinculados a escolas patrimoniais (instituies mantidas e gerenciadas exclusivamente pelo poder pblico municipal), chamadas, cotidianamente, de escolas-me.

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  • 32

    pretende e o que se realiza; o que se quer fazer e o que se pode fazer no interior das

    instituies de Educao Infantil. As pesquisas constatam que predomina, de fato, entre

    aqueles que trabalham diretamente com as crianas, a ausncia de entendimento comum sobre

    que capacidades, competncias, comportamentos e aprendizagens especficas deseja-se para

    as crianas e quais os meios e recursos para a realizao de tais metas (CRUZ, 2004a).

    Em se tratando da pr-escola, todo esse quadro parece ser agravado ainda mais por

    indefinies decorrentes, inclusive, da sua prpria denominao, como argumenta Nunes

    (1995): Pr, segundo o Aurlio, significa anterioridade. Aquilo que anterior pode ser considerado como pr-requisito, neste caso, a pr-escola pode ser vista como perodo de preparao para a escolaridade, aqui entendida como a fundamental e obrigatria, passando a ser mais propriamente a preparao para a 1 srie do 1 grau. Anterior tambm o que ainda no , assim a pr-escola pode ser considerada como aquilo que ainda no uma escola e nela se pode adotar qualquer carter diferente do educativo ou do regulamentado enquanto escolarizao (p.1).

    No caso especfico da cidade de Fortaleza, parece ser muito forte, entre essas trs

    instituies - creche, pr-escola e escola -, uma relao de dependncia no sentido ascendente,

    em que se espera que a creche prepare para o ingresso na pr-escola e esta, por sua vez,

    prepare para o Ensino Fundamental. Em nome disso, o trabalho pedaggico que

    desenvolvido acaba ignorando a criana concreta, real e competente que ali est, pautando-se

    em um modelo de aluno em potencial. Assim, a infncia, sobretudo das crianas pobres, vai-

    se perdendo em mos adultas e, das cem linguagens que elas possuem, 99 lhes so tiradas

    (MALAGUZZI, 1999, citado por EDWAARDS, GANDINI e FORMAN, 1999).

    1.3 O contato com a pr-escola: uma experincia de formao em contexto

    Em 2003, j como aluna do curso de doutorado, passei a fazer parte de um grupo de

    pesquisadoras do Programa de Ps-Graduao em Educao da FACED/UFC26, tambm sob

    a coordenao da professora Dr. Silvia Helena Vieira Cruz. Naquela ocasio, o grupo

    encontrava-se em meio a um intenso processo de leitura e de discusso dos referenciais

    terico-metodolgicos em que se baseava o seu projeto e j se preparava para a escolha do 26 Tal grupo, formado desde 2001, denomina-se PARQUE e integrante da Rede Contextos Integrados de Educao Infantil. Composto atualmente por seis integrantes, objetiva promover a qualidade da Educao Infantil, em parceria com os profissionais que atuam nos diferentes contextos em que ela oferecida. A designao PARQUE advm do fato dessa palavra conter as iniciais de parceria, qualidade e educao, conceitos-chave para o trabalho que a equipe desenvolve. Para maiores esclarecimentos acerca do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo grupo, cf. Anexo 1: Qualidade em parceria: uma proposta de pesquisa e desenvolvimento profissional em Educao Infantil.

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  • 33

    contexto em que iria desenvolver o seu trabalho, que envolvia pesquisa, interveno e

    formao de professores em uma instituio de Educao Infantil.

    Definidos os critrios27 para esse feito e de posse da relao nominal das instituies

    pblicas municipais que atendiam crianas na faixa de quatro a seis anos de idade, doze (12)

    pr-escolas, que pareciam reunir mais condies e interesses de abrigar a proposta de trabalho

    da equipe, foram visitadas, at que se chegasse definio de uma nica. Desde ento, em

    dupla ou sozinha, comecei a ter contatos freqentes tambm com essas instituies.

    Eu j possua conhecimento, atravs do relato de comentrios de professoras de

    Educao Infantil da rede municipal, por ocasio da realizao de cursos de formao

    continuada oferecidos pela Secretaria Municipal de Educao e Assistncia e Social

    (SEDAS), em que fui instrutora, e por contatos pessoais mantidos com tcnicas dessa

    Secretaria, de que a Educao Infantil oferecida nessas instituies ainda se encontrava

    distante da qualidade a que as crianas tm direito. No entanto, j nas primeiras visitas

    escola, chamou-me muita ateno a presena de tanta semelhana entre o seu cotidiano e o da

    creche comunitria em que realizei a pesquisa de mestrado. No demorou muito para que logo

    fosse sendo fortalecida em mim, cada vez mais, a impresso de que assim como na creche

    comunitria, tambm na pr-escola, no encontramos um jardim prometido para a infncia

    (ARAJO, 2002, p.15).

    Em seu interior, encontrei muitas prticas similares s da creche, como, por exemplo,

    a ausncia quase que total de planejamento das atividades a serem desenvolvidas com as

    crianas, longos momentos de esperas ociosas, desvalorizao do potencial da brincadeira e

    do movimento para o desenvolvimento e a aprendizagem infantis, preocupao com o

    disciplinamento das crianas, dissociao das funes de cuidar e educar e o predomnio da

    sala de aula como o espao de maior permanncia das crianas, a despeito da existncia de

    outras dependncias nas instituies. Tambm l, as profissionais que lidam diretamente com

    as crianas trabalham isoladas em suas salas de aula, (...) sozinhas, dependendo somente de suas intuies e dos conhecimentos j acumulados ao longo de sua prtica, das suas concepes, nunca postas em dvida, orientando suas tomadas de deciso. So, portanto,

    27 Seis foram os critrios definidos para a escolha do contexto, quais sejam: sensibilidade da instituio para a importncia de desenvolver uma maior integrao com a comunidade escolar; a presena, no quadro de profissionais da escola, de algum membro da gesto escolar interessado em apoiar e em participar do trabalho proposto; a existncia de um nmero igual ou superior de professores de Educao Infantil em relao ao nmero de componentes do PARQUE; condies fsicas minimamente adequadas, como, por exemplo, salas de aula e banheiros adequados s necessidades das crianas pequenas; que se tratasse de uma escola patrimonial; manifestao explcita e consciente dos professores quanto ao desejo de se envolver no trabalho proposto de melhoria da qualidade da educao.

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  • 34

    trabalhos solitrios em meio ao coletivo. (...) Sem uma orientao estabelecida, a escola de