A Sala de Aula no Contexto da Educação do Século 21

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MEC Ministério da Educação INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira A Sala de Aula no Contexto da Educação do Século 21 Márcia Marques de Morais* * Professora do curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) – Coração Eucarístico. E-mail:[email protected] Brasília-DF 2005

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MECMinistério da Educação

INEPInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

A Sala de Aula no Contexto da Educação do Século 21

Márcia Marques de Morais*

* Professora do curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG)– Coração Eucarístico. E-mail:[email protected]

Brasília-DF2005

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NORMALIZAÇÃORegina Helena Azevedo de Mello

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TIRAGEM1.000 exemplares

EDITORIAInep/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo 1, 4º Andar, Sala 418CEP 70047-900 - Brasília-DF - BrasilFones: (61) 2104-8438 e (61) 2104-8042Fax: (61) [email protected]

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

Morais, Márcia Marques de.

A Sala de Aula no Contexto da Educação do Século 21 / Márcia Marques de Morais. –Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2005.

14 p. – (Série Documental. Textos para Discussão, ISSN 1414-0640; 18)

1. Sala de aula. 2. Formação de Professoes. 3. Linguagem. I. Instituto Nacional de Estudose Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. II. Título. Ill. Série.

CDU 372.42

SUMÁRIO

A Sala de Aula no Contexto da Educação do Século 21

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................ 5

EDUCAÇÃO EM TEMPOS E ESPAÇOS OUTROS ......................................................................... 7

ENSINAR E APRENDER – UM PERMANENTE DIÁLOGO ............................................................ 8

APRENDER A APRENDER – ALICERCE DO PROCESSO EDUCATIVO ...................................... 11

LINGUAGEM E APRENDIZAGEM – RIMA QUE PODE SER SOLUÇÃO ....................................... 12

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 14

APRESENTAÇÃO

Em que medida a linguagem poderia ter um papel estratégico diante dos desafios que devemser enfrentados pela educação, personificada na figura do professor, na sala de aula? Para a autora,sua função é significativa, considerando, no mínimo, duas vertentes em que a linguagem, em sentidolato, e a linguagem verbal, em sentido estrito, conformam os saberes, no sentido não só de referenciá-los, expressá-los, representá-los ou comunicá-los.

A primeira vertente é que, como código verbal, a linguagem é instrumento de produção desentidos, concretizados tanto em textos escritos quanto no registro oral. A segunda vertente, a darecepção de sentido, menos tecnicamente chamada leitura, é também ela, estratégica, diante dosdesafios do aprender.

Ler é multiplicar pontos de vista; ler é distinguir no texto, como dispersão de sujeitos eorquestração de vozes, a diversidade que caracteriza a realidade; ler é potencializar habilidades diversase, sobretudo, aquela de transferir e associar, indispensáveis ao próprio aprender.

Isso tudo dito de modo teórico, muito técnico.

A autora aponta, ainda, como intensa e profunda marca da educação do século 21, a formaçãohumanista,

[...] a grande responsável pelo cidadão comprometido com o outro e empenhado em atuar socialmente. São ashumanidades saberes fundadores de toda e qualquer transformação; proporcionam as humanidades pressupostosa quaisquer outras ciências, de tal modo que, só tocados pelas ciências humanas é que nos é possível omovimento de verticalização mais justo e seguro, na busca de outros saberes e no intérmino e contínuo processode aprender.

Oroslinda Taranto GoulartDiretora de Tratamento e Disseminação de Informações Educacionais

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A sala de aula no contextoda educação do século 21

Márcia Marques de Morais

Quando se pensa na Educação desteséculo, é mister nos reportarmos a algumasquestões fundadoras que “conformam” o sujeito,seja ele professor ou aprendiz, e o objeto, sejaele conhecimento, ciência ou técnica.

Isso porque devemos partir da reflexãoclássica de que o ato de aprender é pensadocomo movimento que levaria o sujeito a um objetoque, apreendido, seria incorporado ao sujeito,transformando-o de tal forma que ninguém seriamais o mesmo depois de qualquer experiênciade conhecer.

Isso parece muito óbvio se nós nossurpreendemos refletindo como é queaprendemos, como é que conhecemos; o quequase sempre nos escapa é que o testemunhodessa aprendizagem, a prova de seu aconte-cimento é, num primeiro momento, uma atividadede linguagem. Se eu, sujeito, fui capaz deincorporar, apreender o objeto do conhecimento,ipso facto eu sou capaz de traduzi-lo emlinguagem, verbalizá-lo.

Por que a tônica nesta questão dalinguagem? Claro que, sem qualquer despiste,porque a autoria desta fala é a de uma professorade Letras; é óbvio, e manda a transparência, queisso seja assumido. (Manda a transparência,também que aqui se sublinhe a questão dalinguagem como um ponto importantíssimo daeducação, em geral, da aprendizagem, emparticular e da sala de aula, em nível bemdoméstico, bem próximo, bem pragmático...Chamo a atenção sobre esse ponto que seráretomado mais adiante).

EDUCAÇÃO EM TEMPOS E ESPAÇOSOUTROS

Mas a tônica sobre o conhecimentomediado pela linguagem quer, aqui e agora,

sublinhar a figura do professor, a nossa figura,como atores do processo do conhecimento, doato de aprender. Não tenhamos qualquer dúvidade que, se, hoje, desempenhamos essa funçãoe podemos explicitar o magistério como profissão,é porque, de uma maneira ou de outra, temosuma habilidade marcante em traduzir conhe-cimento e experiência em linguagem; esta é, semsombra de dúvida, um diferencial do docente –aquele que saberia transmitir um saber,segmentando-o, para melhor explicitá-lo;organizando-o, numa lógica, de moldecartesiano, lógico; explanando-o através da voz,da escrita, de ambos, enriquecidos com o auxílioaudiovisual – em outras palavras, tornando oobjeto apresentável didaticamente.

Se isso é verdadeiro e ponto agregador dealgumas certezas, tendo marcado, inclusive, umtempo na história da Educação, que foicaracterizado como o tempo do magister dixi, ouseja, de “o mestre disse”, de a palavra do docenteencerrar uma verdade inquestionável diante deum aluno, ouvinte passivo desta palavra, tambémé verdade que esse tempo ficou para trás,tragado já pela Modernidade e, mais ainda, pelacontemporaneidade, rotulada por alguns de Pós-modernidade.

Muitos fatores contribuíram e contribuempara a mudança de paradigma no processo daEducação. Alguns apontados pela falência doprocesso que, parece, insiste em ser o mesmo,moroso, diante de novos tempos, marcados,basicamente, pela velocidade. Velocidade: naprodução de inovações, sejam cognitivas,científicas ou técnicas; na circulação dasinformações e no acesso a elas; no descarte, noprazo de validade vencido, não apenas deprodutos, como os conhecemos, mas de pessoas(incluindo-nos, a nós, os professores), instituições(ensino, aprendizagem, para só citar o nosso

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objeto) e entidades (a escola, a universidade,etc.), transformadas todas em produtos.

O nosso aluno é, pois, também um sujeitoproduzido pela velocidade. Para dar um toquede arte que tente nos consolar (e este é o papelda arte) quanto a este “tempo-rolo compressor”,vale a pena, nostalgicamente, lembrarmo-nosdos versos de Chico Buarque, que falam de um“tempo da delicadeza” que, definitivamente, nãoé o dos nossos dias e que diz, mais ou menos,assim:

Depois de te perderTe encontro, com certezaTalvez num tempo da delicadezaOnde não diremos nadaNada aconteceuApenas seguirei, como encantadoAo lado teu.

Mas voltemos ao nosso sujeito, ao nossoaluno, para pensá-lo como alguém aflito, ansioso,pouco paciente, hedonista, já que a dor sedescarta na mesma medida em que seus afetostambém são descartáveis, e que, mesmo dianteda transformação, do up grade (usando,ironicamente, o termo do mercado!) que oconhecimento possa lhe propiciar, recusa-se asofrer a dor da passagem, de um outro nascimentomesmo, do processo de aprender; recusa-se aesforçar-se para se aproximar do objeto e,assujeitando-se a ele, incorporá-lo comoconhecido. É que aprender dói, embora oconhecimento seja, em si, fonte de prazer ediferencial importantíssimo no mundo do trabalho...No entanto, ainda essa motivação, a do trabalho,considerado pragmaticamente como emprego,paradoxalmente, não lhe aponta no horizonte, coma presteza e velocidade ansiosa de seu mundo.Portanto, reflitamos sobre essa triste ausência demotivação, sobre essa meta tão postergada, tãomorosa, cada vez mais distante.

Esse, de modo bastante simplificado, é ocenário em que devemos atuar comoprofessores, atropelados pelo tempo, diante dealunos, bastante impacientes e desmotivados,tendo como objetivo o conhecimento que, setomado como informação, se inclui entre osprodutos descartáveis, submetidos constante-mente à reciclagem, e, portanto, vendidos embancas de alta rotatividade.

Diante desse contexto, ser ia fácildesanimar; mas, também, extremamentefrustrante. Ser professor, de coração e vocação,e não apenas instrutor de alunos, nas horasvagas, é tomar o contexto como desafio; refletirsobre um novo paradigma de educação érepensar nossa função docente e nosso papelde educador. Lembremo-nos sempre de que apalavra “crise”, em chinês, contém doisideogramas: risco e oportunidade.

Consola-nos, então, a oportunidade de jáser possível, no emaranhado do mal-estar dacivilização, nomeado e antecipado por Freud, nosanos 30 do século passado, encarar o tempo e oespaço de nossa atuação, como sujeitos. Nessesentido, vale a pena encharcarmo-nos da certezada relatividade do tempo de aprender e doespaço da aprendizagem, tão bem metaforizadospelos meios eletrônicos que lidam com tempo eespaço virtuais.

Saber que o tempo que passamos diantedo aluno é veloz e que nele não caberia otamanho do conhecimento necessário à ciênciaou técnica que estamos ensinando; saber que oespaço que ocupamos na sala de aula é restritoe artificial, e ele não comportaria o espaço darealidade cotidiana e mundial; saber, pois, quese diluem as fronteiras entre tempo e espaço e,por isso mesmo, entre os saberes, antes tãoaninhados num lugarzinho e num tempinhodiminutos e demarcados, é apostar em uma outrapostura diante de nossa tarefa de ensinar eeducar.

Em primeiro lugar, é preciso estender essarelativização de tempo e espaço também paranosso papel de sujeitos que ensinam nessarestrita sala de aula, num horário de, mais oumenos, 200 minutos por semana, em cada vezmenos dias por semestre letivo.

ENSINAR E APRENDER – UMPERMANENTE DIÁLOGO

Relativizar esse sujeito-professor éassumirmo-nos, agora, muito mais comoorientadores, num sentido lato, do que comoaquele velho professor, professando doutrinas edogmas, prenhe da certeza de que o pensamento

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positivista do século 19, mal lido, insistia em fazervaler. Essa relativização, inclui, certamente, areversibilidade de papéis – a experiência domagistério como um lugar de trocas. O professordo século 21 é alguém que, ensinando, estáabsolutamente aberto a aprender. Aqui souobrigada a fazer uma breve paráfrase em relaçãoaos dois, talvez, maiores personagens da obra-prima da literatura brasileira, Grande sertão:veredas – o narrador Riobaldo que, diante doaluno Zé Bebelo, afirma: “Mestre não é quemsempre ensina, mas quem, de repente, aprende”.Como sói acontecer, segundo a psicanálise e,especificamente, segundo Lacan, os poetas seantecipam a seu tempo: é por isso que, já nofinal dos anos 50, em plena alvorada damodernidade brasileira, anunciada por JuscelinoKubitschek, Guimarães Rosa já ficcionalizavasobre um mundo misturado, em que tudo era enão era, sublinhando a reversibilidade comomarcas de um novo porvir.

Nessa pauta, pois, é que devemosrepensar nossa função de ensinar; na pautamesma do aprender.

Que implicações diretas esse novoparadigma traria para nossa prática pedagógicae educativa?

Inúmeras, a começar pela mudança depostura, de atitude diante da nossa escolhaprofissional.

Vejamos:

• Assumir um lugar de reflexãocompartilhada com o aluno, muito maisque o lugar da preleção que nos é tãocaro, já que púlpito, cátedra e altar sãolugares de muita evidência e de egosmuito massageados.

• Descer desse pedestal, em que se édono da palavra (lembram-se daquelemeu início?) e, portanto, donos daverdade, contida por inteiro, imaginem,numa aula bem preparada.

• Desvestir-se da vaidade, deixar paratrás a palavra autoritária (etimologica-mente relacionada com a autoria, autor,visto, nesse caso, como o dono do texto,da obra) e buscar a atitude dialógica em

que a palavra do outro, no caso, doaluno, passa a ser constituinte tambémde um discurso sobre matéria de ciênciaou técnica ou arte; de conhecimento,enfim.

Isso pode, ilusoriamente, fazer crer que otrabalho árduo e paciente do preparo das aulas,na maioria dos casos, realizado no temposagrado do descanso do sétimo dia, seriatambém relativizado e, de certo modo, facilitado.

Frise-se, no entanto, o engano dessadedução.

• Planejar uma aula dialógica, interativa, emque os saberes se vão construindo aquatro mãos, as do professor e as dosalunos, significa fazer um levantamentoabrangente de muitas das possíveisintervenções, até porque tais intervençõesdevem ser dirigidas, orientadas.

• Projetar um trabalho desse teor significanão ficar, jamais, à deriva do que possaacontecer, privilegiando o espontaneís-mo, o “achismo”, o palpite, a dispersão.

No entanto, um Projeto que preveja umlugar ativo para o sujeito-aprendiz deve acolhera espontaneidade, a opinião, modos de pensarnão necessariamente previstos pelo cânone daciência, até porque não só é aí que surge o novo,como ainda porque o desvio e o erro fazem parteda aprendizagem do caminho, que se faz aocaminhar.

É justamente o caminho que se faz aocaminhar, nas palavras do poeta, metáforaapropriada para figurar o processo da apren-dizagem; o caminho dado aprioristicamente, éapenas matéria de memória, nunca construçãoda experiência.

Assim, ele só vale para o breve instante dopercurso que vai de sua explanação peloprofessor ao momento de sua cobrança na provado semestre ou em outra situação similar decobrança, quando, necessariamente, deve serrecordado, ou melhor, relembrado/rememorado.Essa correção semântica, recordar, de um lado,e relembrar ou rememorar, de outro, não é meraretórica; na verdade, o que se recorda se faz com

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o coração, já que se o experimentou; o que serelembra ou se rememora se faz com o esforçoda memória, da lembrança, descolada davivência.

Em outras palavras, a distinção entre essesdois sentidos similares pretende frisar a idéia deque a incorporação do conhecimento ao sujeito,aquela apreensão do objeto, a que me referi aoiniciar esta fala, acontece pela experiência, pelomovimento do desejo de se dirigir ao objeto e,logo, é imprescindível a participação efetiva doaprendiz no processo de aprender.

Se em relação a essa postura daconstrução conjunta dos saberes, professor ealuno mereceram, ambos, essa reflexão, há umponto desse processo que dirá respeito,exclusivamente, à figura do professor sobre oqual já fiz algumas insinuações.

Trata-se de desvestirmo-nos da vaidade dasegurança que supomos ter, quando, mais quelecionamos, prelecionamos; fazemos preleçõesque nos dão exclusividade ao direito da palavra,a certeza de sermos detentores da verdade,conferindo ao aprendiz o papel de ouvintepassivo e um lugar subalterno na relaçãoprofessor-aluno, no processo de aprendizagem.Essa postura é a postura das fórmulas, dasregras fixas, dos macetes, do pulo do gato; enfim,é, na gíria, a postura de “quem tem a manha”,que relega ao outro o lugar do ignaro, do quenão conhece, do insciente.

Assim, voltemos à questão dessa outra enova condução de aula.

A aula dialógica, participativa, interativa, aaposta no trabalho compartilhado entre professore aluno exigirão uma outra ética do mestre e umpapel mais efetivo do aprendiz.

E aí, professor, de que estratégias lançarmão para viver um outro tempo na sala de aula?

Tornar o conhecimento instigante de talforma que, por si só, ele seja motivador e atenueo pragmatismo que caracteriza os nossos tempose a ausência de perspectivas de emprego, pelomenos a curto e médio prazos, é tarefa bastantedesafiadora.

Deixar de apresentar respostas aperguntas que sequer foram ainda formuladas,em vista do ceticismo generalizado ou que, se oforam, continuam a ser respondidas com velhasfórmulas, é um ponto que merece toda a atençãodo professor.

Nesse sentido, apresentar os conteúdosatravés da problematização de questões e desituações que tenham seu aporte na realidade,no mundo do trabalho ou no cotidiano daspessoas, surge como uma sugestão inicial.

A partir da situação-problema, de umatroca de opiniões, mesmo que intuitivas (e aintuição, o empirismo é o primeiro contato paradesvelar o desconhecido), orientar-se-á o alunona busca de respostas.

Tais respostas podem ser pesquisadas emfontes bibliográficas, incluindo-se a bibliografiaindicada, a freqüência a bibliotecas, a busca naInternet, etc., etc., etc.; podem ser buscadas nomundo do trabalho pelo cotejo de situaçõesanálogas ou decorrentes da questão proposta;podem ser procuradas entre especialistas, numcontato pessoal através de entrevistas ou,indireto, por correio eletrônico; podem servasculhadas na mídia, nos meios decomunicação; com outros sujeitos de outroscampos do saber, numa relação tão mais extensaquanto maior for a criatividade dos sujeitos-aprendizes – os alunos em si mesmos e até oprofessor que se está inteirando de uma novaforma de abordagem de determinado conteúdo.

Perceba-se, ainda, que, nesse caso, odomínio de um certo conhecimento/conteúdoserá concomitante à aquisição de habilidades eà formação de atitudes. Esse processo estarádando ênfase à formação do sujeito, usando ainformação como caminho crítico em prol dareflexão. Tal estratégia, para além de buscar amotivação perdida, mal do nosso século, já quetentará envolver o sujeito na situação deaprendizagem, será, ainda, um antídoto contrao veneno da informação descartável, que serecicla continuamente. É que buscar essainformação recuperada historicamente pelotratamento bibliográfico e tentar acompanhar seupercurso, através de discussões de diferentespontos de vista e de perspectivas, através de

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comparações e cotejos, é dar-lhe uma atualidadenecessária à sua contextualização diante darealidade na qual o sujeito vive e sobre a qualdeve intervir.

Esse processo seria, num nível micro enem por isso menos importante, um momentode cruzamento dos três segmentoscaracterizadores do ensino universitário, ou seja,o ensino, a pesquisa e a extensão. Aí tambémseria possível vivenciar a chamada “tessitura dossaberes”, expressão cunhada por Edgar Morin ea transdisciplinaridade, uma vez que umconteúdo, suscitado por um dado campo dosaber, poderá ser buscado em outro campo noqual também é refletido. Por esse viés, ainda éque se pensam os projetos interdisciplinarescomo lugares dialógicos dos muitos saberes queinformam um dado campo do conhecimento. Poresse prisma é que se desenham, também, osprojetos político-pedagógicos dos cursos, sempreem função do perfil do profissional que sepretende formar.

No entanto, é preciso frisar que o preparodesse profissional deve transcender o tempo desua formação; esta não poderá estar circunscritaa certo momento histórico; ela deve contemplara formação contínua e continuada, em virtudedaquela velocidade, do descarte e da reciclagemsobre as quais vimos insistindo.

APRENDER A APRENDER – ALICERCE DOPROCESSO EDUCATIVO

É, pois, com os olhos nesse horizontedesdobrável, que devemos apostar todas asnossas fichas em direção à formação quecontemple, sobretudo, o aprender a aprender,pilar inicial da educação do futuro. Aprender aaprender, na sociedade da informação, é metaque desafia a educação, tendo em vista asprofundas transformações vividas pelasociedade. Há, pois, que se estarpermanentemente em estado de aprendizageme de busca de caminhos, não fazendo maissentido repetir o caminho já traçado – avelocidade o deixou para trás.

Esse aprender a aprender se irmanará aosegundo pilar da educação para o século 21.

É que a educação deve sustentar-se também noaprender a ser, na busca incessante de umasubjetividade que faça diferença no já estatuídoe garanta ao sujeito uma identidade forte osuficiente para conviver com a diversidade – essesaudável confronto entre o eu e o outro deve sercultivado pela escola, pela universidade, a partirjá da sala de aula. É por isso que hoje tanto sepreza o trabalho em equipe, o trabalho em grupo,a partilha de tarefas, no sentido de mimetizarmesmo o papel a ser desempenhado pelo sujeitona sociedade, cuidando, é óbvio, para que nãose instituam o parasitismo, os sanguessugas, oencosto, a exploração. (Há algumas estratégiasinteressantes para neutralizar isso...).

Assim é que o outro pilar da educação parao século 21, o terceiro, advindo do convívio como outro, com o diferente, com a alteridade, é oaprender a conviver, a viver juntos, tendo emmente formar-se, continuadamente, para atuarnuma sociedade cada vez mais desigual.

Essa atuação, essa intervenção socialimplica, já em si, o quarto e último pilar para aeducação do futuro, como apregoa a Unesco.Trata-se do aprender a fazer, que, formalmente,institui o cruzamento entre teoria e prática, que,para além de se complementarem, devem serconsideradas como simultâneas, pois que senutrem reciprocamente.

A sala de aula seria, pois, o lócus maispróximo e mais particular para o exercício doaprender – aprender a aprender; aprender a ser;aprender a conviver e aprender a fazer, os quatropilares da educação que já devíamos estarvivenciando, pois a velocidade trouxe o futuropara o agora.

Diante desse contexto, nota-se, comclareza, a mudança do foco daquele discursoprofessoral superado e anacrônico; odeslocamento mesmo do foco sobre o verboensinar para o verbo aprender e que, portanto,privilegia a questão do sujeito. Seja ele professor,seja ele aluno, será sempre sujeito responsávelpor aprender, por ser, por conviver e por fazer;sujeitos, pois, ativos e par ticipantes daconstrução dos saberes e da contínuareconstrução social. Nesse sentido, já há quempense na necessidade de um quinto pilar para a

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educação, que seria o do aprender a empreender.No entanto, no meu modo de pensar, este últimopilar seria implícito aos quatro primeiros, poisempreender decorre de um fazer criativo em queser e conviver se conjugam – esse seria, de fato,o verdadeiro empreendedorismo.

LINGUAGEM E APRENDIZAGEM – RIMAQUE PODE SER SOLUÇÃO

Agora, é tempo de voltarmos ao princípioda nossa exposição, para sublinharmos aquelaquestão que ficou pendente: a questão dalinguagem. Em que medida ela poderia tambémter um papel estratégico, diante desses desafiosque devem ser enfrentados pela educação,personificada na figura do professor, na sala deaula? Considero, de minha parte, que sua funçãoé significativa, considerando, no mínimo, duasvertentes em que a linguagem, em sentido lato,e a linguagem verbal, em sentido estrito,conformam os saberes, no sentido não só dereferenciá-los, expressá-los, representá-los oucomunicá-los.

A primeira vertente é que, como códigoverbal, a linguagem é instrumento de produçãode sentidos, concretizados tanto em textosescritos quanto no registro oral. Ora, se nos textosvocê pode produzir sentidos, por eles mesmos,textos, você comprova um produto do processode aprendizagem; ora, se nas manifestações daoralidade, você realiza, além da produção desentido, inerente a qualquer linguagem, assituações da interação verbal, na sala de aula,essa seria, se não a primeira, pelo menos umadas primeiras atividades na construção dossaberes. Assim, a vertente da produção desentido, via escrita ou via oralidade, éimprescindível às situações de aprendizagem.

A segunda vertente, a da recepção desentido, menos tecnicamente chamada leitura,é, também ela, estratégica, diante dos desafiosdo aprender.

Ler é multiplicar pontos de vista; ler édistinguir no texto, como dispersão de sujeitos eorquestração de vozes, a diversidade quecaracteriza a realidade; ler é potencializarhabilidades diversas e, sobretudo, aquela de

transferir e associar, indispensáveis ao próprioaprender.

Isso tudo dito de modo teórico, muitotécnico.

No entanto, trocada em miúdos, aimportância da linguagem na sala de aula podeser exercitada na criação de ocasiões deseminários, debates, manifestações depensamento, defesas de monografia e de bancasde exame oral, em que o poder, a força e a formados argumentos vão não apenas construindo oconhecimento, mas também assegurando aosujeito sua identidade e auto-estima e dando-lhemais condições de vivenciar a diversidade e deconviver com a diferença.

Os textos escritos, quanto possível,ensejam a organização do conhecimentotrabalhado e treinam a habilidade de linearizar,através do código lingüístico, toda asimultaneidade advinda da apreensão do saber.Se essa linearidade faz que se recorte o excessodo pensamento, para conformá-lo ao códigonatural, sabendo-se, a priori, que, na leitura, sefará justo o contrário, quando se desconstruirá oenunciado para a extração dos muitossignificados deslocados e condensados, e se, porisso, ela é fonte de angústia (escrever é mesmoum parto!), de qualquer modo, a escrita, além deorganização, é registro da fatura dos saberes.

Acresça-se a isso que o diálogo entre osdiversos campos do conhecimento e áreas decompetência, em termos bem práticos, poderácomeçar exatamente por uma troca de leiturasentre textos previstos por disciplina: issopropiciará a interdisciplinaridade e apontará parao cruzamento dos diversos discursos,enfatizando-se a formação generalista epreocupada com a habilidade da transferência ede estabelecimento de relações, solicitada,enfaticamente, hoje, no mundo do trabalho.

No entanto, a ênfase à linguagem devearrolar, ainda, a preocupação com atividadesrelacionadas com as situações de uso dalinguagem virtual e dos meios eletrônicos,marcas inconfundíveis do nosso século e quevieram para mudar os parâmetros do homem emrelação à realidade, como um dia aconteceu com

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a invenção da escrita e, depois, com a daimprensa.

No entanto, levar em conta as novastecnologias como instrumentalizadoras daeducação do futuro não pode restringir-se ao usode um ou outro meio eletrônico apenas para ailustração de uma aula expositiva, por exemplo.Temos visto, em salas de aula, o uso dedatashow, por exemplo, possibilitando avisualização de textos, até com animação; noentanto, eles apenas projetam, em tela, aquiloque o professor está lendo, como o que se fazcom o retroprojetor ou com a canetinha a laser...Claro que isso é melhor que só “cuspe e giz”,mas não é suficiente. Lidar com os meioseletrônicos é submetê-los também à leituracrítica, levando o aluno, por exemplo, a fazer umatr iagem nas informações a respeito dedeterminado assunto, buscadas na Internet, parafazê-lo experimentar o quanto de lixo e de entulhoinformativo existe na rede. Consultar a Internetrequer, antes de tudo, a habilidade dodiscernimento, a atitude de pôr em xeque a

informação, a necessidade de se fazer maisperguntas que de encontrar respostas.

Para terminar, gostaria de deixar registrado,agora, como intensa e profunda marca daeducação do século 21, a formação humanista,a grande responsável pelo cidadãocomprometido com o outro e empenhado ematuar socialmente. São as humanidades saberesfundadores de toda e qualquer transformação;proporcionam as humanidades pressupostos aquaisquer outras ciências, de tal modo que, sótocados pelas ciências humanas é que nos épossível o movimento de verticalização mais justoe seguro, na busca de outros saberes e nointérmino e contínuo processo de aprender.

Por isso mesmo, ainda me referindo aoGrande sertão: veredas, quero deixar, ecoandoentre nós, a última fala do narrador Riobaldo, aofechar seu diálogo com um interlocutor virtual:

Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for...Existe é homem humano. Travessia.

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