A saúde do trabalhador como fator de discriminação no trabalho

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A saúde do trabalhador como fator de discriminação no trabalho (Publicado na Revista Justíça do Trabalho 245, p. 43) Maria Luiza Pinheiro Coutinho Advogada - CE Auditora Fiscal do Trabalho Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário SUMÁRIO 1. O Fator Saúde e a Discriminação no Trabalho 2. Aspectos Jurídicos 1. O FATOR SAÚDE E A DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO As doenças, principalmente as incuráveis, sempre alimentaram o preconceito social contra seus portadores, servindo, em diversos momentos históricos, de motivo para práticas segregacionistas, por meio das quais a sociedade excluía seus doentes do convívio social, fato esse observado até pouco tempo com os hansenianos e as vítimas da tuberculose. Tal exclusão radical não se verifica nos tempos atuais, até pelos avanços da medicina, porém, somou-se ao preconceito originário o fenômeno da discriminação que alija as pessoas doentes, sobretudo àquelas vitimadas por doenças estigmatizadas, da convivência social. Semelhante evolução se deu também no âmbito do trabalho. Aqui, nos tempos em que as relações de trabalho eram regidas pelo direito civil, as doenças que vitimavam o trabalhador eram tomadas como causas dissolutivas ou suspensivas do contrato de locação de serviço. Mais tarde, com o surgimento do Direito do Trabalho as enfermidades deixaram de se constituir em forma de descumprimento de obrigação, procurando-se com o novo regramento garantir o emprego e o salário, mesmo sem a efetiva prestação de serviços (salário previdenciário). Todavia, a nova ordem jurídica, protetiva do emprego e salário do empregado doente, não foi capaz de impedir que este sofra com o preconceito e a discriminação no ambiente de trabalho, mesmo que seu quadro clínico não comprometa sua capacidade laboral nem, tampouco, coloque em risco a integridade física de seus

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Saúde do trabalhador e discriminação

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A sade do trabalhador como fator de discriminao no trabalho(Publicado na Revista Justa do Trabalho 245, p. 43)Maria Luiza Pinheiro CoutinhoAdvogada - CE Auditora Fiscal do Trabalho Ps-graduanda em Direito do Trabalho e PrevidencirioSUMRIO1. O Fator Sade e a Discriminao no Trabalho2. Aspectos Jurdicos1. O FATOR SADE E A DISCRIMINAO NO TRABALHOAs doenas, principalmente as incurveis, sempre alimentaram o preconceito social contra seus portadores, servindo, em diversos momentos histricos, de motivo para prticas segregacionistas, por meio das quais a sociedade exclua seus doentes do convvio social, fato esse observado at pouco tempo com os hansenianos e as vtimas da tuberculose. Tal excluso radical no se verifica nos tempos atuais, at pelos avanos da medicina, porm, somou-se ao preconceito originrio o fenmeno da discriminao que alija as pessoas doentes, sobretudo quelas vitimadas por doenas estigmatizadas, da convivncia social. Semelhante evoluo se deu tambm no mbito do trabalho. Aqui, nos tempos em que as relaes de trabalho eram regidas pelo direito civil, as doenas que vitimavam o trabalhador eram tomadas como causas dissolutivas ou suspensivas do contrato de locao de servio. Mais tarde, com o surgimento do Direito do Trabalho as enfermidades deixaram de se constituir em forma de descumprimento de obrigao, procurando-se com o novo regramento garantir o emprego e o salrio, mesmo sem a efetiva prestao de servios (salrio previdencirio).Todavia, a nova ordem jurdica, protetiva do emprego e salrio do empregado doente, no foi capaz de impedir que este sofra com o preconceito e a discriminao no ambiente de trabalho, mesmo que seu quadro clnico no comprometa sua capacidade laboral nem, tampouco, coloque em risco a integridade fsica de seus colegas de trabalho, como o caso dos hansenianos, dos portadores do vrus HIV/Aids e dos acometidos de LER/DORT.Nesse contexto, o empregado soropositivo parece ser o mais afetado, devido o estigma social que o acompanha.1 Mesmo sabendo-se que, nem sempre, a qualidade de soropositivo acarreta a impossibilidade da prestao de servios, permitindo a esse trabalhador, sem risco para o ambiente de trabalho, o desempenho de atividade laboral, a despeito dos cuidados que se fazem necessrios quando de ocupao que oferece maior risco de contaminao, como caso de enfermeiros, dentistas ou cirurgies que se encontram em contato permanente com sangue e fluidos corpreos, aquele , sem dvida, o mais discriminado, seja por ocasio do acesso relao de emprego, da fase contratual ou da resciso do contrato de trabalho.A discriminao contra o portador do vrus HIV/AIDS levada ao extremo, no s pelo estigma que acompanha a doena quanto pela desinformao sobre sua transmisso e contgio, alm de impedir ou limitar o acesso relao de emprego, ou sua manuteno, um obstculo adoo de polticas de preveno e assistncia, no local de trabalho, que visam, por meio do apoio ao empregado infectado, eliminao de prticas discriminatrias e a adoo de medidas de proteo contra incidentes ocupacionais, que vm garantir um ambiente de trabalho seguro e saudvel. preciso evitar que o fato da discriminao seja mais um fator a excluir o trabalhador do mundo do trabalho. Hodiernamente, esse j se encontra marginalizado pelo fenmeno do desemprego;2 no se deve admitir que tenha que enfrentar, ainda, a discriminao em face de seu estado de sade, sobretudo porque, no caso do HIV/AIDS, os riscos de contgio so perfeitamente controlveis, e tambm so inmeras as atividades que podem ser exercidas pelo trabalhador infectado.Se esse est apto para o trabalho, no deve sofrer qualquer vedao ao acesso ou continuidade da relao de emprego. O empregador que age contrariamente a tal preceito, a obstaculizar o acesso ou a continuidade do vnculo de emprego com o empregado soropositivo, movido pelo preconceito ou desinformao, pratica conduta discriminatria, o que tambm ocorre quando da resilio do contrato de trabalho, mesmo usando do poder potestativo da despedida imotivada, como tem decidido os Tribunais.3 O recente Repertrio de Recomendaes Prticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho - ano 2001 - expe como dever dos empregadores implementar medidas de proteo discriminao em relao o HIV/AIDS no permitindo qualquer poltica de pessoal, ou prtica que discrimine os empregados infectados ou afetados pelo HIV/AIDS. Segundo tais Recomendaes os empregadores no devem "exigir estudos ou testagem de HIV/AIDS (...), cabendo-lhes "assegurar que o trabalho seja desempenhado livre de discriminao ou estigmatizao por situaes reais ou supostas de HIV, (...) e estimular as pessoas com doenas relacionadas ao HIV e AIDS a trabalhar enquanto forem clinicamente aptas para o trabalho".O Repertrio de Recomendaes traz, ainda, um elenco de "princpios-chave" que devem ser observados no trabalho em relao aos portadores do vrus HIV/AIDS, a saber: princpio da no-discriminao, da igualdade de gnero, do ambiente de trabalho saudvel, da confidencialidade, da preveno, assistncia e apoio e da continuidade da relao de trabalho,4 dentre outros. Quanto as LER/DORT,5 ao contrrio da AIDS e da Hansenase, so doenas ocupacionais, precisamente doenas do trabalho, adquiridas em face das condies especiais em que o trabalho realizado,6 que trazem ao empregado acometido grande sofrimento pela dificuldade em fazer ouvir suas queixas que, se atendidas, poderiam resultar em diagnstico inicial, ou em condutas preventivas e curativas, sob a recomendao e orientao de um tratamento adequado.7 Entretanto, em regra, a empresa prefere negar a situao insinuando que o empregado est simulando os sintomas ou que estes no tm relao com o trabalho realizado.Assim, o empregado acometido de LER/DORT8 v-se vtima de discriminao ao ser submetido a tratamento desigual no ambiente de trabalho em virtude de ser visto, de incio, como dissimulador, mais tarde, como improdutivo e, muitas vezes, como culpado em desenvolver a doena. A empresa procurando desviar a questo de suas verdadeiras causas nega, dessa maneira, que a gnese das doenas configuradas como LER/DORT encontra-se no modo como se organiza o trabalho, ou seja, decorre das condies especiais em que o trabalho realizado as quais contm riscos elevados de provocar o seu surgimento.9 Uma vez afastado para tratamento o portador da LER/DORT sofre na busca de seus benefcios previdencirios, vinculados confirmao do nexo causal - doena relacionada com as condies do trabalho - do nexo tcnico10 - se a doena foi adquirida na empresa - e, ainda, a verificao do dano sade. Esse empregado incapacitado para o trabalho se tiver reconhecida sua doena e passar por processo de reabilitao, excludo quando do retorno a empresa, sob o argumento de que no existe na organizao atividade compatvel com sua capacidade residual, a despeito de sua estabilidade.Esse quadro segrega o trabalhador vitimado pelas LER/DORT sob o estigma de ser um incapacitado para o trabalho, e para as mais comezinhas atividades da vida cotidiana.11 Excludo do trabalho e da sociedade comum no contar com qualquer benefcio, visto as dificuldades colocadas na obteno do diagnstico,12 que necessita estar associado ao anexo causal da doena, relacionada s condies ocupacionais. As tentativas de esvaziamento da relao existente entre essas patologias e as condies sob as quais se realiza o trabalho atribuindo-as a manifestaes notadamente psicossomticas (histeria), ou at mesmo a mera simulao, fazem com que a doena assuma dimenses pessoais perdendo, assim, sua vinculao com o mundo do trabalho.13 Tais condutas so facilitadas pelo fato das LER no acometerem de maneira igual empregado submetido s mesmas atividades e sob as mesmas condies de trabalho. Desse modo facilitada tarefa de atribuir fatores psicolgicos as manifestaes das LER, desconsiderando-se que essas advm das condies patognicas sob as quais so exercidas determinadas atividades laborais. O empregado, responsabilizado por sua prpria doena ou pela simulao dessa, constitui-se em objeto de discriminao no ambiente de trabalho onde se v isolado e sem foras para enfrentar os mecanismos estabelecidos para intimid-lo e faz-lo renunciar defesa de seus direitos.14 Com a surdez ocupacional a situao semelhante; a perda auditiva verificada em muitos trabalhadores decorrente do rudo ambiental no trabalho. Embora reconhecendo esse fato, por ocasio da resciso do contrato de trabalho, o atestado de sade ocupacional, em regra, indicar que o empregado com perda auditiva encontra-se apto para funo que exerceu. Considera-se o nexo causal, mas atesta-se que o trabalhador tem condies de realizar sua tarefa, estando apto ao trabalho. Acontece que na busca de novo emprego esse trabalhador que no considerado doente, para efeito de benefcios previdencirios, por lhe restar capacidade laborativa, v-se alijado do mercado de trabalho sob alegativa de inapto em razo da perda auditiva adquirida comeando, da, a ser vtima de prticas discriminatrias por ocasio do seu reingresso ao mercado de trabalho, o que limita seu acesso relao de emprego.2. ASPECTOS JURDICOS Como no existe na esfera trabalhista norma que assegure estabilidade ao trabalhador acometido de doena, dispensa imotivada sofrida por esse, quando levada a juzo, tem sido submetida a decises que indicam posies doutrinrias contrrias quanto ao direito reintegrao. Esse fato observado fartamente nas decises dos Tribunais relativas s demisses sem justa causa do trabalhador portador do vrus HIV/AIDS em que, algumas dessas, firmam o entendimento de que:Nem a Constituio Federal, nem a Lei Ordinria (Lei n 9.029/95) contemplam o empregado, portador do vrus HIV, com qualquer garantia de emprego ou estabilidade. Assim, a constatao de eventual prtica discriminatria no despedimento autoriza a compensao com indenizao em razo de dano moral, mas jamais a reintegrao (TRT2 R. , Ac. 10 T, n 7.185/96, 15.01.96, Rel. Juza Maria Ins Santos Alves da Cunha). Carece de ao reclamante que pretende sua reintegrao no emprego alegando ser portador do vrus da AIDS, por impossibilidade jurdica do pedido (TRT2 R. , no RO n 02950400757, Ac. 1 T, n 02970090370, Rel. Braz Jos Mollica). Fundam-se, essas decises, na inexistncia de legislao especfica que garanta estabilidade ao empregado acometido de doena.15 Nesses casos, entendem os doutos julgadores que concedendo estabilidade ao portador do vrus HIV/AIDS, teriam de reconhecer a todos os outros portadores de doenas infecto-contagiosas a mesma condio.Nesse sentido:(...) Entendo que, ao conceder estabilidade ao portador do vrus HIV/AIDS, teremos que reconhecer, por questo de pura justia, idntica estabilidade a todos os portadores de outras doenas infecto-contagiosas que ainda hoje so consideradas infamantes, isto , enfermidades cujos portadores dos vrus so segregados e discriminados pela humanidade. (...) (TST, no RR n 287010/1996, Ac. 5 T, Rel. Min. Nelson Antnio Daiha)Outras posies, por vezes mais numerosas, tm considerado, ainda referentes a trabalhadores portadores de HIV/AIDS, presumida a discriminao, quando da dispensa imotivada do empregado infectado o empregador conhecia da contaminao. Havendo prova, portanto, de que o empregador tinha cincia da doena, o empregado no deve ser dispensado imotivadamente, sob pena de se ter por confirmada conduta discriminatria.16 O fundamento legal que vai proibir essa prtica discriminatria e limitativa a manuteno da relao de trabalho, encontrado na Lei n 9.029/95, embora essa no faa referncia explcita ao estado de sade do trabalhador como critrio discriminativo. Tambm nessa norma busca-se a sano imposta ao empregador em razo do rompimento da relao de trabalho por ato discriminatrio: a readmisso com ressarcimento integral de todo o perodo de afastamento, mediante pagamento das remuneraes devidas, ou a percepo, em dobro, da remunerao do perodo de afastamento (art. 4, I e II). Nesse sentido:AIDS - PORTADOR DE HIV TEM DIREITO ESTABILIDADE NO EMPREGO - DISPENSA IMOTIVADA PRESUMIDA DISCRIMINATRIA - REINTEGRAO DETERMINADA - Os direitos vida, dignidade humana e ao trabalho, levam presuno de que qualquer dispensa imotivada de trabalhadora contaminada com vrus HIV discriminatria e atenta contra os princpios constitucionais, insculpidos nos arts. 1, incs. III e IV, 3, inc. IV, 5 caput e inc. XLI, 170, e 193. A obreira faz jus a estabilidade no emprego enquanto apta para trabalhar, eis que vedada despedida arbitrria (art. 7, inc. I, da Constituio Federal). Reintegrao determinada enquanto apta para trabalhar. Aplicao dos arts. 1 e 4, inc. I, da Lei n 9.029/95 (...) ( TRT 15 R, RO n 4.205/1999-9, Acrdo n 29.060/2000 da 3 T, Rel. Juiz Mauro Cesar Martins de Sousa). So vrias as decises com esse entendimento envolvendo questes sobre portador de HIV/AIDS:DISCRIMINAO - Toda discriminao sempre odiosa, tanto que o art. 5 da Constituio Federal de 1988 a probe. A sade, tambm por fora constitucional, direito de todos. Assim, a dispensa imotivada do aidtico (...) constitui triste exemplo de discriminao (TRT3 R. /MS n 76/93).Ainda, nesse sentido, na jurisprudncia do Tribunal Superior do Trabalho, encontram-se acrdos que, muito embora considerem a inexistncia de preceito legal que garanta a estabilidade do empregado portador da Sndrome da AIDS, admitem que a despedida arbitrria e discriminatria do empregado ofendem o princpio da igualdade. REINTEGRAO - EMPREGADO PORTADOR DO VRUS DA AIDS - No obstante inexista no ordenamento jurdico lei que garanta a permanncia no emprego do portador da Sndrome da Imunodeficincia Adquirida-AIDS, no se pode conceber que o empregador, munido do poder potestativo que lhe conferido, possa despedir de forma arbitrria e discriminatria o empregado aps tomar cincia de que este portador do vrus HIV - Tal procedimento afronta o princpio fundamental da isonomia insculpido no caput do art. 5 da Constituio Federal (TST, nos ERR n 205359/1995, Ac. da SBDI-1, Rel. Min. Leonardo Silva). REINTEGRAO - EMPREGADO PORTADOR DO VRUS DA AIDS - CARACTERIZAO DE DESPEDIDA ARBITRRIA - Muito embora no haja preceito legal que garanta a estabilidade ao empregado portador da sndrome de imunodeficincia adquirida, ao Magistrado incumbe a tarefa de valer-se dos princpios gerais do direito, da analogia e dos costumes para solucionar os conflitos ou lides a ele submetido. A simples e mera alegao de que o ordenamento jurdico nacional no assegura ao aidtico o direito de permanecer no emprego no suficiente a amparar uma atitude altamente discriminatria e arbitrria que, sem sombra de dvida, lesiona de maneira frontal o princpio da isonomia insculpido na Constituio da Repblica Federativa do Brasil. (TST/RR 21.7791/95, Ac. n 3.473/97, 2 T, Min. Rel. Valdir Righetto).Com tais decises, tomadas pelos Tribunais, a presuno de que o empregador ao dispensar o empregado portador do vrus HIV/AIDS estaria pura e simplesmente exercendo seu direito potestativo de resilio do contrato de trabalho, passa a ser vista sob outra tica. Nessas circunstncias, cria-se a presuno de que a dispensa se deu por ato discriminatrio. Ademais, entende-se que a dispensa imotivada do trabalhador acometido de AIDS constitui-se em impedimento ao gozo dos direitos previdencirios - aposentadoria por invalidez e o auxlio-doena, dispostos na Lei n 7.670/88. Dessa maneira o empregado, enquanto apto para o trabalho, tem a garantia do emprego, vez que vedada despedida arbitrria e discriminatria, devendo ser mantida a relao empregatcia at que, impossibilitado de realizar suas tarefas, seja considerado inapto para funes laborais, e a partir de esse momento possa contar com os benefcios previdencirios. Sob esse argumento o Tribunal Superior do Trabalho j decidiu, em dissdio coletivo, ser jurdica a clusula que garante a estabilidade provisria no emprego ao empregado portador do vrus HIV/AIDS.DISSDIO COLETIVO (...) Jurdica a clusula de estabilidade provisria no emprego ao empregado portador do vrus da AIDS at seu afastamento pelo INSS, salvo na hiptese de falta grave ou mtuo acordo entre empregado e empregador, com assistncia do sindicato da categoria profissional. (TST, RODC n 113850/1994, Ac. da SDC, Rel. Min. Almir Pazzianotto Pinto). Argumentos anlogos, fundados no princpio da igualdade, devem ser usados para combater a discriminao em razo da sade do trabalhador,17 qualquer que seja a doena que o tenha acometido. Desde que esse esteja apto para o desempenho de suas funes laborais no poder sofrer discriminao que tenha como efeito impedir ou limitar o acesso relao de emprego ou sua manuteno.18 "Salvo justo motivo, o emprego ficar assegurado enquanto o trabalhador estiver habilitado para tanto".19 A reintegrao do trabalhador doente tem sido admitida, em muitos casos, via liminar em reclamatrias, com antecipao de tutela, que objetiva "conjurar o perigo de dano irreparvel advindo do retardamento da soluo definitiva da reclamatria" (TST, no ROMS n 458240, Ac. da SBDI-2, Rel. Min. Joo Oreste Dalazen).Eminente julgador considera que (...) Entre o constrangimento de uma reintegrao forada liminar e sua possvel reverso posterior, deve-se prestigiar a primeira, seja porque atende finalidade de sobrevivncia do trabalhador, de sua famlia e de sua dignidade, seja porque moralmente mais justo trabalhar e ganhar do que s auferir a indenizao compensatria, exclusivamente monetarista (...) (TRT 15 R, no MS n 356/1999, Ac. 113/2000-A da Seo Especializada, Rel. Juiz Jos Pedro de Camargo Rodrigues de Sousa).Com relao ao empregado acometido de LER/DORT a situao toma outra configurao j que esse goza de estabilidade provisria garantida pelo art. 118, da Lei n 8.213/1991, em face das doenas do trabalho serem consideradas acidentes de trabalho (art. 20, in. II, da Lei n 8.213/1991).ESTABILIDADE PROVISRIA - TENDINITE OU TENOSSINOVITE - A tendinite ou tenossinovite, causada pela LER (Leses por Esforos Repetitivos), foi considerada como doena do trabalho pela Portaria n 4.062/87, do MPAS/GM, por ser decorrente do exerccio de funo que provoque a LER e cause reduo provisria da capacidade laborativa, que d direito estabilidade provisria no emprego. (Ac. 02970485774, RO 02960198314/1996, TRT 2 R, 9 T, Rel. Juiz Ildeu Lara de Albuquerque).O empregado portador das LER tem garantida a estabilidade provisria do emprego inclusive nos casos em que o auxlio-doena concedido no curso do aviso prvio, mesmo indenizado, vez que esse integra o contrato de trabalho para todos os efeitos.Nesse sentido:AVISO PRVIO INDENIZADO - SUPERVENINCIA DE AUXLIO-DOENA - De acordo com o entendimento mais atual do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciado na Orientao Jurisprudencial n 135 de sua Seo de Dissdios Individuais-1, os efeitos da dispensa s se concretizam depois de expirado o benefcio previdencirio, sendo irrelevante que tenha sido concedido no perodo do aviso prvio, como in casu, que, inobstante indenizado, integra o contrato de trabalho para todos os efeitos. (Ac. n 02026/2002, RO n 985/2002, Rel. Juza Lais Maria Rossas Freire).No caso em que haja transcorrido o perodo de estabilidade provisria sem que o empregado o tenha aproveitado, converte-se o direito reintegrao em indenizao pecuniria, equivalente ao pagamento dos salrios desde a data da despedida at o final do perodo de estabilidade. Esse o entendimento da Seo de Dissdios Individuais-1, do Tribunal Superior do Trabalho, inserido na Orientao n 116.Aqui tambm, tm-se decises que admitem a antecipao da tutela em casos de reintegrao de portadores de doenas profissionais, como segue:MANDADO DE SEGURANA - TUTELA ANTECIPADA - REINTEGRAO - ESTABILIDADE - DOENA PROFISSIONAL - Tutela antecipativa de mrito concedida liminarmente, determinando a reintegrao imediata de empregada, portadora da estabilidade decorrente de doena profissional (art. 118, da Lei n 8.213/91). (...). (TST, no ROMS n 458240, Ac. da SBDI-2, Rel. Min. Joo Oreste Dalazen).Outra questo relevante, quanto aos seus aspectos jurdicos, diz respeito proteo intimidade do empregado doente. O empregador no deve, por ocasio do exame admissional e peridico, pretender seja investigada a qualidade de enfermo do trabalhador. Esse tem em vista apenas a avaliao da "capacidade ou aptido fsica e mental do empregado para funo que deva exercer" - 2, do art. 168, da CLT - no podendo servir de instrumento para prticas discriminatrias e limitativas do acesso ao emprego, ou sua manuteno.Ao empregado reservado o direito de no revelar seu estado de sade, e o mdico que presta servio empresa est proibido, por norma tica, de fazer conhecer o diagnstico de empregado, ou trabalhador em processo seletivo, inclusive ao empregador, cabendo-lhe, to somente, informar sobre a capacidade laborativa do mesmo.20 Faz-se claro que o empregado encontra-se protegido pelo direito intimidade garantida pela Constituio Federal, que tambm vai servir para a vedao de teste anti-HIV exigido pelas empresas, em flagrante descumprimento das normas legais.21 O Repertrio de Recomendaes Prticas da OIT sobre HIV/AIDS tambm se refere a testagem sorolgica como conduta que lesa os "direitos humanos e a dignidade dos empregados" insistindo que a confidencialidade da informao "deve ser mantida" s podendo ser revelada "se legalmente solicitada ou com o consentimento da pessoa em questo". No h dvida que a discriminao em razo do estado de sade do trabalhador faz com que este experimente desvantagens sociais e ocupacionais relevantes. Nos casos especficos dos trabalhadores soropositivo e hanseniano o estigma, a falta de informao e o preconceito reforam as prticas discriminatrias.22 J quanto queles acometidos de LER, a discriminao decorre da recusa de se considerar a importncia das condies especiais em que se realiza o trabalho, para a sade do empregado. A conduta discriminatria assumida em face da condio de sade do empregado, que causar prejuzo material ou moral ao seu patrimnio, enseja reparao do dano, visto ser a discriminao um ato ilcito. O empregador que impede o acesso ou a continuidade da relao de emprego, procedendo dispensa arbitrria do empregado em razo de sua sade, em regra, age movido por discriminao, e no no exerccio do direito potestativo de resciso do contrato de trabalho. Cabe-lhe, comprovando-se a discriminao, indenizar o dano advindo do ato ilcito.23 Nesse sentido, em litgio envolvendo trabalhador portador do vrus HIV, tem-se a deciso:Comprovada a discriminao ao trabalhador portador do vrus da imunodeficincia humana (HIV), aplicam-se os preceitos da Lei n 9.029/95, com a readmisso e o reconhecimento do dano moral. (TRT 12 R, 10.159/1999, Ac. 00428/2001 da 11 T, Rel. Juiz C. A. Godoy Ilha).Considerando-se, portanto, as circunstncias do fato, ficando configurado o tratamento discriminatrio dispensado ao trabalhador doente, o prejuzo da advindo passvel de reparao em decorrncia do dever jurdico que diz da obrigao de ressarcir o dano.