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DIREITO CONSTITUCIONAL I PROFESSOR ANDERSON ROSA RIBEIROS APOSTILA 05 1. Teoria dos direitos fundamentais Considerado metafísico e anticientífico, o direito natural foi empurrado para a margem da história pela ascensão do positivismo jurídico, no final do século XIX. Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2.ª Guerra, a ética e os valores começam a retornar ao Direito. Nesse contexto surge a noção do pós-positivismo como marco filosófico do neoconstitucionalismo. "O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto. Procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça , mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional: e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e é “filosofia". 1. Localização A CF/88, em seu título li, classifica o gênero direitos e garantias fundamentais em importantes grupos, a saber: 1

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DIREITO CONSTITUCIONAL IPROFESSOR ANDERSON ROSA RIBEIROS

APOSTILA 051. Teoria dos direitos fundamentais

Considerado metafísico e anticientífico, o direito natural foi empurrado para a margem da história pela ascensão do positivismo jurídico, no final do século XIX. Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2.ª Guerra, a ética e os valores começam a retornar ao Direito.

Nesse contexto surge a noção do pós-positivismo como marco filosófico do neoconstitucionalismo. "O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto. Procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça , mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional: e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e é “filosofia".

1. Localização

A CF/88, em seu título li, classifica o gênero direitos e garantias fundamentais em importantes grupos, a saber:

• direitos e deveres individuais e coletivos;

• direitos sociais;

• direitos de nacionalidade;

• direitos políticos;

• partidos políticos.

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Os direitos e deveres individuais e coletivos , como manifestou o STF, corroborando a doutrina mais atualizada, que os direitos e deveres individuais e coletivos não se restringem ao art. 5º da CF/88, podendo ser encontrados ao longo do texto constitucional, expressos ou decorrentes do regime e dos princípios adotados pela

Constituição, ou, ainda, decorrentes dos tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja parte.

2. Evolução dos direitos fundamentais ("gerações" ou "dimensões" de direitos)

Dentre vários critérios, costuma-se classificar os direitos fundamentais em gerações de direitos, ou, como prefere a doutrina mais atual, "dimensões " dos direitos fundamentais, por entender que uma nova "dimensão" não abandonaria as conquistas da "dimensão" anterior e, assim, esta expressão se mostraria mais adequada no sentido de proibição de evolução reacionária.

1.1. Direitos fundamentais da 1.ª dimensão

Os direitos humanos da 1ª dimensão marcam a passagem de um Estado autoritário para um Estado de Direito e, nesse contexto, o respeito às liberdades individuais, em uma verdadeira perspectiva de absenteísmo estatal.

Seu reconhecimento surge com maior evidência nas primeiras Constituições escritas, e podem ser caracterizados como frutos do pensamento liberalburguês do século XVIII.

Tais direitos dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos a traduzir o valor liberdade.

Conforme anota Bonavides, "os direitos de primeira geração ou direitos de liberdades têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado".

1.2. Direitos fundamentais da 2.ª dimensão

O fato histórico que inspira e impulsiona os direitos humanos de 2ª dimensão é a Revolução Industrial europeia, a partir do século XIX. Em decorrência das péssimas situações e condições de trabalho, eclodem movimentos como o cartista, na

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Inglaterra, e a Comuna de Paris (1848), na busca de reivindicações trabalhistas e normas de assistência social.

O início do século XX é marcado pela Primeira Grande Guerra e pela fixação de direitos sociais. Essa perspectiva de evidenciação dos direitos sociais, culturais e econômicos, bem como dos direitos coletivos, ou de coletividade, correspondendo aos direitos de igualdade (substancial, real e material, e não meramente formal), Eficácia dos direitos fundamentais.

1.3. Direitos fundamentais da 3.ª dimensão

Os direitos fundamentais da 3.ª dimensão são marcados pela alteração da sociedade por profundas mudanças na comunidade internacional (sociedade de massa, crescente desenvolvimento tecnológico e científico), identificando-se profundas alterações nas relações econômico-sociais.

Novos problemas e preocupações mundiais surgem, tais como a necessária noção de preservacionismo ambiental e as dificuldades para proteção dos consumidores, só para lembrar aqui dois candentes temas. O ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade ou fraternidade.

Os direitos da 3.ª dimensão são direitos transindividuais, isto é, direitos que vão além dos interesses do indivíduo; pois são concernentes à proteção do gênero humano, com altíssimo teor de humanismo e universalidade.

1.4. Direitos fundamentais da 4.ª dimensão

Na orientação de Norberto Bobbio, essa dimensão de direitos decorreria dos avanços no campo da engenharia genética, ao colocarem em risco a própria existência humana, em razão da manipulação do patrimônio genético. Para o mestre italiano: "... já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo".

Por outro lado, Bonavides afirma que "a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta dimensão, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social", destacando-se os direitos a:

• democracia (direta);

• informação;

• pluralismo.

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Assim, para Bonavides, os direitos da 4.ª dimensão decorrem da globalização dos direitos fundamentais, o que significa universalizá-los no campo institucional.

1.5. Direitos fundamentais da 5.ª dimensão

Conforme já dissemos, o direito à paz foi classificado por Karel Vasak como de 3.ª dimensão. Bonavides, contudo, entende que o direito à paz deva ser tratado em dimensão autônoma, chegando a afirmar que a paz é axioma da democracia participativa. ou, ainda, supremo direito da humanidade.

2. Direitos e garantias fundamentais

2.1. Diferenciação entre direitos e garantias fundamentais

O art. 5.º, como vimos, trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, espécie do gênero direitos e garantias fundamentais (Título II). Assim, apesar de referir-se, de modo expresso, apenas a direitos e deveres, também consagrou as garantias fundamentais. Resta diferenciá-los.

Assim, os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.

Já a diferença entre garantias fundamentais e remédios constitucionais é que estes últimos são espécie do gênero garantia. Isso porque, uma vez consagrado o direito, a sua garantia nem sempre estará nas regras definidas constitucionalmente como remédios constitucionais (ex.: habeas corpus, habeas data etc.). Em determinadas situações a garantia poderá estar na própria norma que assegura o direito.

Vejamos dois exemplos:

■ é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos — art. 5.º, VI (direito), garantindo-se na forma da lei a proteção aos locais de culto e suas liturgias (garantia);

■ direito ao juízo natural (direito) — o art. 5.º, XXXVII, veda a instituição de juízo ou tribunal de exceção (garantia).

2.2. Características dos direitos e garantias fundamentais

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Os direitos fundamentais têm as seguintes características:

■ historicidade: possuem caráter histórico, nascendo com o cristianismo, passando pelas diversas revoluções e chegando aos dias atuais;

■ universalidade: destinam-se, de modo indiscriminado, a todos os seres humanos. Como aponta Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “... a ideia de se estabelecer por escrito um rol de direitos em favor de indivíduos, de direitos que seriam superiores ao próprio poder que os concedeu ou reconheceu, não é nova.

■ limitabilidade: os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria Constituição (ex.: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição;

■ concorrência: podem ser exercidos cumulativamente, quando, por exemplo, o jornalista transmite uma notícia (direito de informação) e, ao mesmo tempo, emite uma opinião (direito de opinião);

■ irrenunciabilidade: o que pode ocorrer é o seu não exercício, mas nunca a sua renunciabilidade. José Afonso da Silva ainda aponta as seguintes características;

■ inalienabilidade: como são conferidos a todos, são indisponíveis; não se pode aliená-los por não terem conteúdo econômicopatrimonial;

■ imprescritibilidade: “... prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade dos direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição”.

2.3. Abrangência dos direitos e garantias fundamentais

O art. 5.º, caput, da CF/88 estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos dos seus 78 incisos e parágrafos. Trata-se de um rol meramente exemplificativo, na medida em que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (§ 2.º).

O caput do art. 5.º faz referência expressa somente a brasileiros (natos ou naturalizados, já que não os diferencia) e a estrangeiros residentes no País. Contudo, a esses destinatários expressos, a doutrina e o STF vêm acrescentando, mediante interpretação sistemática, os estrangeiros não residentes (por exemplo, turistas), os apátridas e as pessoas jurídicas.

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Nada impediria, portanto, que um estrangeiro, de passagem pelo território nacional, ilegalmente preso, impetrasse habeas corpus (art. 5.º, LXVIII) para proteger o seu direito de ir e vir. Deve-se observar, é claro, se o direito garantido não possui alguma especificidade, como ação popular, que só pode ser proposta pelo cidadão.

2.4. Aplicabilidade das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais

Nos termos do art. 5.º, § 1.º, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Já estudamos que o termo “aplicação” não se confunde com “aplicabilidade” (eficácia), na teoria de José Afonso da Silva, que classifica as normas de eficácia plena e contida como tendo “aplicabilidade” direta e imediata, e as de eficácia limitada como possuidoras de aplicabilidade mediata ou indireta.

Na lição de José Afonso da Silva, ter aplicação imediata significa que as normas constitucionais são “dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua pronta incidência aos fatos, situações, condutas ou comportamentos que elas regulam”.

Como exemplo de norma definidora de direito e garantia fundamental que depende de lei, podemos citar o direito de greve dos servidores públicos, previsto no art. 37, VII, ou o da aposentadoria especial, garantido nos termos do art. 40, § 4.º.

Então, qual seria o sentido dessa regra inscrita no art. 5.º, § 1.º?

José Afonso da Silva explica: “em primeiro lugar, significa que elas são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes”.

2.5. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais

A aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre o particular e o Poder Público não se discute. Mas atualmente muitos direitos fundamentais devem ser observados entre os particulares.

Algumas situações são fáceis de ser resolvidas. Sem dúvida, por exemplo, se um empresário demitir um funcionário em razão de sua “cor”, o Judiciário poderá (ou até “deverá”) reintegrar o funcionário, já que o ato motivador da demissão, além do triste e inaceitável crime praticado, fere, frontalmente, o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil e princípiomatriz de todos os direitos fundamentais (art. 1.º, III, da CF/88).

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Abaixo, resumidamente, trazemos alguns precedentes nos quais o Judiciário entendeu razoável a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas.

■ RE 160.222-8 (1.ª Turma, j. 11.04.1995): referido recurso foi julgado prejudicado em razão do reconhecimento da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, não se podendo analisar o suposto crime de “constrangimento ilegal” em razão de revista íntima em mulheres em fábrica de lingerie. Nas palavras do Relator, Min. Sepúlveda Pertence, “lamento que a irreversibilidade do tempo corrido faça impossível enfrentar a relevante questão de direitos fundamentais da pessoa humana, que o caso suscita, e que a radical contraposição de perspectivas entre a sentença e o recurso, de um lado, e o exacerbado privalismo do acórdão, de outro, tornaria fascinante” (fls. 11 do acórdão). Sobre o tema da “revista íntima”, cf. informações sobre a Lei n. 13.271/2016, no item 14.10.8.2 deste estudo;

■ RE 158.215-4 (2.ª Turma, j. 30.04.1996): entenderam-se violados o princípio do devido processo legal e o da ampla defesa na hipótese de exclusão de associado de cooperativa sem direito a defesa;

■ RE 161.243-6 (2.ª Turma, j. 29.10.1996): discriminação de empregado brasileiro em relação ao francês na empresa “Air France”, mesmo realizando atividades idênticas. Determinação de observância do princípio da isonomia;

Diante do exposto, sem dúvida, cresce a teoria da aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas (“eficácia horizontal”), especialmente diante de atividades privadas que tenham certo “caráter público”, por exemplo, em escolas (matrículas), clubes associativos, relações de trabalho etc.

Nessa linha, poderá o magistrado deparar-se com inevitável colisão de direitos fundamentais: o princípio da autonomia da vontade privada e o da livre-iniciativa de um lado (arts. 1.º, IV, e 170, caput); o da dignidade da pessoa humana e o da máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 1.º, III) de outro.

Diante dessa “colisão”, indispensável será a “ponderação de interesses” à luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível a harmonização, o Judiciário terá de avaliar qual dos interesses deverá prevalecer.

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2.6. Direitos individuais e coletivos

Serão feitos breves comentários sobre os direitos individuais e coletivos.

2.6.1. Direito à vida (art. 5.º, caput)

O direito à vida, previsto de forma genérica no art. 5.º, caput, abrange tanto o direito de não ser morto, de não ser privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna.

Em decorrência do seu primeiro desdobramento (direito de não se ver privado da vida de modo artificial), encontramos a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX. Assim, mesmo por emenda constitucional é vedada a instituição da pena de morte no Brasil, sob pena de se ferir a cláusula pétrea do art. 60, § 4.º, IV.

Também, entendemos que o poder constituinte originário não poderia ampliar as hipóteses de pena de morte (nem mesmo uma nova Constituição) tendo em vista o princípio da continuidade e proibição ao retrocesso. Isso quer dizer que os direitos fundamentais conquistados não podem retroceder.

Afastamo-nos, portanto, da ideia de onipotência do poder constituinte.

Quanto ao segundo desdobramento, ou seja, o direito a uma vida digna, a Constituição garante as necessidades vitais básicas do ser humano e proíbe qualquer tratamento indigno, como a tortura, penas de caráter perpétuo, trabalhos forçados, cruéis etc.

Avançando, temos de definir quando começa a “vida” segundo a interpretação do STF, sem exprimir, nesse momento, juízo de valor pessoal, ético, filosófico ou religioso, até porque, nesse último caso, o Brasil é um país laico (art. 19, I, da CF/88).

2.6.1.1. Células-tronco embrionárias

O STF definiu o conceito de vida no julgamento da ADI 3.510 que tratava da análise do art. 5.º da Lei n. 11.105/2005 (Lei de Biossegurança).

Desde o ajuizamento da ADI (03.05.2005) até a solução final (29.05.2008) foram mais de 3 anos e o STF concluiu, por votação bastante apertada, 6 x 5, que as pesquisas com célula-tronco embrionária, nos termos da lei, não violam o direito à vida.

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Segundo o Relator, o zigoto seria o embrião em estágio inicial, pois ainda destituí do de cérebro. A vida humana começaria com o surgimento do cérebro, que, por sua vez, só apareceria depois de introduzido o embrião no útero da mulher. Assim, antes da introdução no útero não se teria cérebro e, portanto, sem cérebro, não haveria vida.

A constatação de que a vida começa com a existência do cérebro (segundo o STF e sem apresentar qualquer análise axiológica ou filosófica) estaria estabelecida, também, no art. 3.º da Lei de Transplantes, que prevê a possibilidade de transplante depois da morte desde que se constate a morte encefálica. Logo, para a lei, o fim da vida dar-se-ia com a morte cerebral e, novamente, sem cérebro, não haveria vida e, portanto, nessa linha, o conceito de vida estaria ligado (segundo o STF) ao surgimento do cérebro.

Outro argumento utilizado foi a ideia de dignidade da pessoa humana e paternidade responsável, lembrando o art. 226, § 7.º.

2.6.1.2. Interrupção de gravidez de feto anencefálico

Desconsiderando os aspectos moral, ético ou religioso, tecnicamente, em relação à interrupção da gravidez de feto anencefálico, 28 desde que se comprove, por laudos médicos, com 100% de certeza, que o feto não tem cérebro e não há perspectiva de sobrevida (situação não imaginada na década de 1940 — quando o Código Penal foi elaborado — e, atualmente, totalmente viável em razão da evolução tecnológica), nessa linha de desenvolvimento, o STF, para seguir a lógica do julgamento anterior (célulatronco), teria de autorizar a possibilidade de antecipação terapêutica do parto.

Esse tema, como todos sabem, foi enfrentado pelo STF no julgamento da ADPF 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde — CNTS.

Conforme anotou o Min. Marco Aurélio em seu voto, “não se coaduna com o princípio da proporcionalidade proteger apenas um dos seres da relação, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não tem sequer expectativa de vida extrauterina, aniquilando, em contrapartida, os direitos da mulher, impingindo-lhe sacrifício desarrazoado. A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares do sistema constitucional, mais precisamente à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à autodeterminação, à saúde, ao direito de privacidade, ao reconhecimento pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de milhares de mulheres. O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido”.

2.6.1.3. Eutanásia

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Dentro da ideia de vida digna, a eutanásia ganha destaque, pois o direito à vida quer significar, também, o direito de viver com dignidade (tema, inclusive, que está sendo discutido no Projeto de Novo Código Penal — pendente).

A eutanásia passiva vem adquirindo vários defensores (o desligamento de aparelhos que apenas prolongam a vida de doentes em estágio terminal, sem diagnóstico de recuperação), assim como o suicídio assistido. Alguns falam que a eutanásia ativa (o Estado — médico — provocando a morte) seria homicídio.

2.6.2. Princípio da igualdade (art. 5.º, caput, I)

O art. 5.º, caput, consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material.

Essa busca por uma igualdade substancial, muitas vezes idealista, reconheça-se, eterniza-se na sempre lembrada, com emoção, Oração aos Moços, de Rui Barbosa, inspirada na lição secular de Aristóteles, devendo-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.

Em outras, é o próprio constituinte quem estabelece as desigualdades, por exemplo, em relação à igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, nos termos da Constituição, destacando-se as seguintes diferenciações: a) art. 5.º, L (condições às presidiárias para que possam permanecer com os seus filhos durante o período de amamentação); b) art. 7.º, XVIII e XIX (licença-maternidade e licença-paternidade); c) art. 143, §§ 1.º e 2.º (serviço militar obrigatório).

Celso Antônio Bandeira de Mello parece ter encontrado parâmetros sólidos e coe rentes em sua clássica monografia sobre o tema do princípio da igualdade, na qual fala em três questões a serem observadas, a fim de se verificar o respeito ou desrespeito ao aludido princípio. O desrespeito a qualquer delas leva à inexorável ofensa à isonomia. Resta, então, enumerá-las: “a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados”.

2.6.2.1. Igualdade material entre brancos e negros nos Estados Unidos da América

Antes das ações afirmativas, a teoria dos Separate but equal, que vigorou durante muito tempo nos Estados Unidos e consistia na separação (separate) de brancos e negros, porém, assegurando uma prestação de serviços idênticos (equal). Assim, por exemplo, existiam escolas para negros e escolas para brancos, mas, embora

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separados, a qualidade de ensino deveria ser igual. O mesmo acontecia em relação ao transporte, ou seja, vagões para brancos e vagões para negros.

Essa teoria, que veio a ser superada pela do Treatment as an equal, precisou, em vários casos, das ações afirmativas para afastar o sentimento de discriminação que vigorou por muitos anos. Atualmente, as próprias ações afirmativas estão sendo revistas, no sentido de que a igualdade já está assegurada de modo substancial, não havendo mais necessidade de interferência do Estado.

2.6.2.2. Igualdade material entre brancos e negros no Brasil

2.6.2.2.1. Constitucionalidade da reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos no âmbito da Administração direta e indireta

É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração Pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.

2.6.2.2.2. ProUni e concretização do valor constitucional da igualdade

Programa Universidade para Todos (PROUNI). Ações afirmativas do Estado. Cumprimento do princípio constitucional da isonomia. (...) A educação, notadamente a escolar ou formal, é direito social que a todos deve alcançar. Por isso mesmo, dever do Estado e uma de suas políticas públicas de primeiríssima prioridade.

A imperiosa luta contra as relações desigualitárias muito raro se dá pela via do descenso ou do rebaixamento puro e simples dos sujeitos favorecidos. Geralmente se verifica é pela ascensão das pessoas até então sob a hegemonia de outras. Que para tal viagem de verticalidade são compensadas com esse ou aquele fator de supremacia formal. Não é toda superioridade juridicamente conferida que implica negação ao princípio da igualdade. O típico da lei é fazer distinções. Diferenciações. Desigualações. E fazer desigualações para contrabater renitentes desigualações. A lei existe para, diante dessa ou daquela desigualação que se revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor uma outra desigualação compensatória. A lei como instrumento de reequilíbrio social. Toda a axiologia constitucional é tutelar de segmentos sociais brasileiros historicamente desfavorecidos, culturalmente sacrificados e até perseguidos, como, verbi gratia, o segmento dos negros e dos índios. Não por coincidência os que mais se alocam nos patamares patrimonialmente inferiores da pirâmide social. A desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que hajam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria,

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porquanto se trata de um discrímen que acompanha a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade (“ciclos cumulativos de desvantagens competitivas”).

2.6.3. Princípio da legalidade (art. 5.º, II)

O princípio da legalidade surgiu com o Estado de Direito, opondo-se a toda e qualquer forma de poder autoritário, antidemocrático.

Esse princípio já estava previsto no art. 4.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. No direito brasileiro vem contemplado nos arts. 5.º, II; 37; e 84, IV, da CF/88. O inciso II do art. 5.º estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Mencionado princípio deve ser lido de forma diferente para o particular e para a administração.

No âmbito das relações particulares, pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe, vigorando o princípio da autonomia da vontade, lembrando a possibilidade de ponderação desse valor com o da dignidade da pessoa humana e, assim, a aplicação horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, conforme estudado.

Já no que tange à administração, esta só poderá fazer o que a lei permitir. Deve andar nos “trilhos da lei”, corroborando a máxima do direito inglês: rule of law, not of men. Trata-se do princípio da legalidade estrita, que, por seu turno, não é absoluto! Existem algumas restrições, como as medidas provisórias, o estado de defesa e o estado de sítio, já analisados por nós neste trabalho.

2.6.4. Proibição da tortura (art. 5.º, III)

Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, sendo que a lei considerará crime inafiançável a prática da tortura (art. 5.º, XLIII, CF/88).

Conforme jurisprudência do STF, “o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (HC 89.429, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.08.2006, DJ de 02.02.2007).

2.6.5. Liberdade da manifestação de pensamento (art. 5.º, IV e V)

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A Constituição assegurou a liberdade de manifestação do pensamento, vedando o anonimato. Caso durante a manifestação do pensamento se cause dano material, moral ou à imagem, assegura-se o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização.

Tem razão Ingo Sarlet ao afirmar que a regra contida no referido art. 5.º, IV, CF/88, estabelece uma espécie de “cláusula geral” que, em conjunto com outros dispositivos, asseguram a liberdade de expressão nas suas diversas manifestações:

■ liberdade de manifestação do pensamento (incluindo a liberdade de opinião);

■ liberdade de expressão artística;

■ liberdade de ensino e pesquisa;

■ liberdade de comunicação e de informação (liberdade de “imprensa”);

■ liberdade de expressão religiosa.

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2.6.6. Liberdade de consciência, crença e culto (art. 5.º, VI a VIII)

Assegura-se a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos

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imposta (como o serviço militar obrigatório, nos termos do art. 143, §§ 1.º e 2.º) e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

A prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva é assegurada nos termos da lei.

Na jurisprudência do STF, o tema passou a ser analisado quando se questionou sobre a obrigatoriedade ou não da expressão “sob a proteção de Deus” no preâmbulo das Constituições estaduais.

Como se sabe, desde o advento da República (Decreto n. 119-A, de 07.01.1890), há separação entre Estado e Igreja, sendo o Brasil um país leigo, laico ou não confessional, não existindo, portanto, nenhuma religião oficial da República Federativa do Brasil. Apesar dessa realidade, a CF/88 foi promulgada “sob a proteção de Deus”, conforme se observa no preâmbulo do texto de 1988.

Todas as Constituições pátrias, exceto as de 1891 e 1937, invocaram a “proteção de Deus” quando promulgadas. Em âmbito estadual essa realidade se repetiu, com exceção do Estado do Acre. Referida omissão foi objeto de questionamento no STF pelo Partido Social Liberal. O STF, definindo a questão, além de estabelecer e declarar a irrelevância jurídica do preâmbulo, assinalou que a invocação da “proteção de Deus” não é norma de reprodução obrigatória na Constituição Estadual (ADI 2.076-AC, Rel. Min. Carlos Velloso).

Não há dúvida de que o direito fundamental da liberdade de crença, da liberdade de culto e suas manifestações e prática de ritos não é absoluto. Um direito fundamental vai até onde começa outro e, diante de eventual colisão, ponderando interesses, um deverá prevalecer em face do outro, se não for possível harmonizá-los.

É claro, por exemplo, que a liberdade de culto não pode justificar o consumo de droga ilícita, assim como, no segundo exemplo, o homicídio, com todas as suas qualificadoras, está configurado.

O tema é extremamente palpitante e vários outros desdobramentos podem ser estudados.

2.6.7. Inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5.º, X)

De acordo com o art. 5.º, X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

2.6.8. Inviolabilidade domiciliar (art. 5.º, XI)

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“A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

2.6.9. Sigilo de correspondência e comunicações (art. 5.º, XII)

“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”

2.6.10. Liberdade de profissão (art. 5.º, XIII)

A Constituição assegura a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Trata-se, portanto, de norma constitucional de eficácia contida, podendo lei infraconstitucional limitar o seu alcance, fixando condições ou requisitos para o pleno exercício da profissão.

3. Dos Direitos Sociais Fundamentais

Nos termos do art. 6.º, na redação dada pelas ECs ns. 26/2000, 64/2010 e 90/2015, são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Trata-se de desdobramento da perspectiva de um Estado Social de Direito, tendo como documentos marcantes a Constituição mexicana de 1917, a de Weimar, na Alemanha, de 1919, e, no Brasil, a de 1934.

Sem dúvida, os direitos sociais previstos no art. 6.º caracterizam-se como o conteúdo da ordem social, que aparece bem delimitada em um título próprio da Constituição.

Segundo José Afonso da Silva, os direitos sociais “disciplinam situações subjetivas pessoais ou grupais de caráter concreto”, sendo que “os direitos econômicos constituirão pressupostos da existência dos direitos sociais, pois sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia não se comporão as premissas necessárias ao surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e dos mais numerosos”.

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Assim, os direitos sociais, direitos de segunda dimensão, apresentam-se como prestações positivas a serem implementadas pelo Estado (Social de Direito) e tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida, estando, ainda, consagrados como fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1.º, IV, da CF/88).

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