A Teoria Da Linguagem Em Platão

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Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/publicações/ Metav noia > Metav noia, São João del-Rei, n. 2, p. 37-44, jul. 2000 A TEORIA DA LINGUAGEM EM PLATÃO Ac. Tânia Marília Resende. PIBIC/CNPq-COFIL-FUNREI Orientadora: Profª Mariluze Ferreira de Andrade e Silva - FUNREI Resumo: A linguagem foi tratada na Grécia, desde Homero, apesar de não haver ainda nenhu- ma reflexão teórica acerca dela. Tomando Neves (1987) 1 como fonte, percebemos que os gregos entendiam a linguagem como uma realidade sonora e que, para Homero, a ação seria praticada a partir daquilo que se fala e daquilo que se faz. Em Hesíodo isso não acontece, ele não narra acontecimentos, como Homero. Hesíodo passa, através da fala, aquilo que lhe é revelado pelas musas. São a elas que se confere a verdade ou falsidade do que é dito e, assim se instaura uma ordem através das palavras. A poesia é uma fala ditada pelas musas, mas ao lado dessa, se des- envolve também a retórica, através da qual cada homem pode se expressar. São duas formas de linguagem e é delas que surge o discurso filosófico preocupado com o princípio das coisas. Na segunda metade do século V a.C. se desenvolve a sofística que tinha como preocupação principal a formação política. Os sofistas não tinham como objetivo ensinar a verdade, mas uma arte da fala, a persuasão, com um caráter englobante que será posteriormente criticado por Platão. Este trabalho tem como objetivo pesquisar a linguagem a partir de um ponto de vista de Platão a fim de se compreender o problema colocado sobre a questão da verdade das proposições. Palavras-chave: Linguagem. Proposição. Discurso. Abstract: The language was treated in Greece, from Homero, in spite of there not being still any theoretical reflection concerning her. Taking Neves (1987) as source, we noticed that the Greeks understood the language as a sound reality and that, for Homero, the action would be practiced starting from that that is spoken and of that that is done. In Hesíodo that doesn't happen, he doesn't narrate events, like Homero. Hesíodo passes, through the speech, that that is revealed him by the muses. They are them that it is checked the truth or falsehood of what it is said and, an order is established like this through the words. The poetry is a speech dictated by the muses, but beside that, she also grows the rhetoric, through which each man can be expressed. They are two lan- guage forms and it belongs to them that the concerned philosophical speech appears with the be- ginning of the things. In the second half of the century V B.C. grows the sophistic that had as main concern the political formation. The quibblers didn't have as objective teaches the truth, but an art of the speech, the persuasion, with a global character that will be criticized later by Plato. This work has as objective researches the language starting from a point of view of Plato in order to under- stand the problem placed on the subject of the truth of the propositions. Key word: Language. Proposition. Speech. 1 Neves, Maria H. de Moura. A vertente grega da gramática tradicional, 1987. O Estudo da Linguagem Platão foi o primeiro pensador a dar pistas para o estudo das proposi- ções, colocando a linguagem como objeto de estudo. A partir dele come- ça haver uma especulação acerca da própria língua, que ele faz uma distinção entre onoma e rhema, entre o nome e o verbo. Em Heráclito, a palavra onoma já havia aparecido, mas não como parte do discurso, mas como algo que é interno à ima- gem que se tem da coisa. A coisa e

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A TEORIA DA LINGUAGEM EM PLATÃO

Ac. Tânia Marília Resende. PIBIC/CNPq-COFIL-FUNREIOrientadora: Profª Mariluze Ferreira de Andrade e Silva - FUNREI

Resumo: A linguagem foi tratada na Grécia, desde Homero, apesar de não haver ainda nenhu-ma reflexão teórica acerca dela. Tomando Neves (1987)1 como fonte, percebemos que os gregosentendiam a linguagem como uma realidade sonora e que, para Homero, a ação seria praticada apartir daquilo que se fala e daquilo que se faz. Em Hesíodo isso não acontece, ele não narraacontecimentos, como Homero. Hesíodo passa, através da fala, aquilo que lhe é revelado pelasmusas. São a elas que se confere a verdade ou falsidade do que é dito e, assim se instaura umaordem através das palavras. A poesia é uma fala ditada pelas musas, mas ao lado dessa, se des-envolve também a retórica, através da qual cada homem pode se expressar. São duas formas delinguagem e é delas que surge o discurso filosófico preocupado com o princípio das coisas. Nasegunda metade do século V a.C. se desenvolve a sofística que tinha como preocupação principala formação política. Os sofistas não tinham como objetivo ensinar a verdade, mas uma arte dafala, a persuasão, com um caráter englobante que será posteriormente criticado por Platão. Estetrabalho tem como objetivo pesquisar a linguagem a partir de um ponto de vista de Platão a fim dese compreender o problema colocado sobre a questão da verdade das proposições.

Palavras-chave: Linguagem. Proposição. Discurso.

Abstract: The language was treated in Greece, from Homero, in spite of there not being still anytheoretical reflection concerning her. Taking Neves (1987) as source, we noticed that the Greeksunderstood the language as a sound reality and that, for Homero, the action would be practicedstarting from that that is spoken and of that that is done. In Hesíodo that doesn't happen, he doesn'tnarrate events, like Homero. Hesíodo passes, through the speech, that that is revealed him by themuses. They are them that it is checked the truth or falsehood of what it is said and, an order isestablished like this through the words. The poetry is a speech dictated by the muses, but besidethat, she also grows the rhetoric, through which each man can be expressed. They are two lan-guage forms and it belongs to them that the concerned philosophical speech appears with the be-ginning of the things. In the second half of the century V B.C. grows the sophistic that had as mainconcern the political formation. The quibblers didn't have as objective teaches the truth, but an artof the speech, the persuasion, with a global character that will be criticized later by Plato. This workhas as objective researches the language starting from a point of view of Plato in order to under-stand the problem placed on the subject of the truth of the propositions.

Key word: Language. Proposition. Speech.

1 Neves, Maria H. de Moura. A vertente grega da gramática tradicional, 1987.

O Estudo da Linguagem

Platão foi o primeiro pensador a darpistas para o estudo das proposi-ções, colocando a linguagem comoobjeto de estudo. A partir dele come-ça haver uma especulação acerca daprópria língua, já que ele faz uma

distinção entre onoma e rhema, entreo nome e o verbo. Em Heráclito, apalavra onoma já havia aparecido,mas não como parte do discurso,mas como algo que é interno à ima-gem que se tem da coisa. A coisa e

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o nome aparecem como elementosque constituem a linguagem.

Antes de Platão, as duas palavras,onoma e rhema, queriam dizer quasea mesma coisa, ambas designavam“nome”. Essa distinção onde a línguaexplica a própria língua, vai ser abase sobre a qual os estóicos vãoconstruir a gramática.

O logos, ou pensamento, só pode seconstituir a partir das combinaçõesentre o nome e o verbo, e o pensa-mento por sua vez, vai gerar a ex-pressão vocal. Somente poderá ha-ver acordo ou desacordo unindo osnomes aos verbos. Segundo Nu-chelmans2,

há um critério pelo qual todas as pos-síveis combinações de onomata erhemata podem ser divididas em doisgrupos. Há um grupo de combinaçõesque produz um logos e outro, tal como‘Caminha corre dorme’ ou ‘Leão vea-do cavalo’, não produz. Se algumasdas combinações produzem um logossignifica que ele ocorre essencial-mente em um ato de fala de legein di-zendo que algo é o caso3

Havendo o acordo entre onomata erhemata haverá o discurso. O discur- 2 Nuchelmans, Gabriel. Theories of the proposi-tion: ancient and medieval. Conceptions of thebeares of truth and falsity .London: North-Holand,1973.3 there is a criterion by which all possible combi-nations of onomata and rhemata can be dividedinto tow groups. Some of them yield a logos andsome of them, such as ‘Walks runs sleeps’ or ‘Lionstage horse’ do not. That some of the combinationsyield a logos means that they essentially occur in aspeech act of legein of saying is the case. Nuchel-mans, Gabriel. Theories of the proposition: ancientand medieval conceptions of the bearers of truthand falsity. London: North-Holand, 1973, p. 14 (atradução do texto, para este trabalho, foi feita pelaprofessora Mariluze Ferreira de Andrade e Silva,orientadora do projeto).

so é aquele que discorre sobre algoe não apenas nomeia, ele nos dáindicação que se refere a coisas, ex-prime a relação que existe entre ascoisas.

Platão coloca que se o logos é ver-dadeiro ou falso as suas partes tam-bém serão verdadeiras ou falsas.Para Nuchelmans

De modo geral, pensava-se que emcertas passagens do Cratylus de Pla-tão (notavelmente 425 a) a palavra lo-gos já continha, mais ou menos, omesmo significado elucidado na pas-sagem famosa do Sophist 261-264: osignificado de uma declaração ou de-claração caracterizando uma elocuçãoconstruída por um nome e um verboque é ou verdadeira ou falsa em umsentido estrito. Esses que defendemesta interpretação, são confrontadoscom a dificuldade que Platão concluido fato que se um logos é verdadeiroou falso suas partes também são ver-dadeiras ou falsas, uma conclusãoque parece difícil justificar. 4

Nuchelmans concorda com Prauss,para quem o logos tem diferentesrepresentações e é “um conjuntoconsistindo de palavras (onomata)como partes menores e de rhematacomo combinação de onomata pelaqual unir algo é caracterizado comoum nome complexo e não como uma 4 It has usually been thought that in certain pas-sages of Plato´s Cratylus (notably 425 a) the wordlogos already has more or less the same meaningas is elucidated in the famous passage Sophist 261-264: the meaning namely of a statement or state-ment-making utterance which is constructed out ofa noun and is either true or false in a straight forsense. Those who hold this interpretation are con-fronted with the difficulty that Plato concludesfrom the fact that such a logos is true or false thatis parts too are true or false, a conclusion thatseems hard to justify. Nuchelmans, Gabriel. Theo-ries of the proposition: ancient and medieval con-ceptions of the bearers of truth and falsity. Lon-don: North-Holand, 1973, p. 13.

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declaração que seriam os nomes eos verbos”5.

Esta colocação, para Nuchelmans, édifícil de justificar. Uni-los caracteri-zaria um nome complexo, e não umadeclaração, como queria Platão. As-sim, se o nome complexo fosse ver-dadeiro ou falso, as suas partes nãoseriam necessariamente verdadeirasou falsas, já que são partes meno-res, podendo ser analisadas separa-damente, e não na declaração, que éo caso de Platão.

O logos para Platão teria, então, trêselementos: é uma declaração, possuium sintagma verbal e outro nominale pode receber um valor de verdade.Isto fica explícito no seguinte diálogode Teeteto com o Estrangeiro:

Teeteto: - Que questão me vás colocar apropósito dos nomes?Estrangeiro: - Se todos eles estão de acordoentre si, ou se não o estão; ou se se prestama este acordo alguns deles e outros não.Teeteto:- A última Hipótese é evidente; unsse prestam e outros não.Estrangeiro: - Possivelmente o que tu que-res dizer com isto é o seguinte; aqueles que,enunciados em série uns após outros, têmalgum sentido, admitem este acordo; os ou-tros, cuja série carece de todo sentido, nãotêm acordo possível entre si.Teeteto:- Que queres dizer com isso?Estrangeiro:- O que creio eu tenhas tu emtua mente ao dar-me tu adesão a essa hipó-tese. Com efeito, para expressar vocalmenteo ser, temos algo assim como duas espéciesde signo.Teeteto:- Quais? 5 Prauss (1966:especially 43-60) has argued for aquite different rendering of logos, namely as naaggregate consisting of single words (onomata) assmallest parts and of rhemata as combinations ofonomata,by which aggregate something is charac-terized in the way of a complex name and not inthe way of a statement Theories of the proposition:ancient and medieval conceptions of the bearers oftruth and falsity. London: North-Holand, 1973, p.13.

Estrangeiro:- Se os denominas nomes ouverbos.Teeteto: - Explique uns e outros.Estrangeiro:- Aos que expressam as açõeschamamos de verbo.Teeteto: - CertoEstrangeiro:- Enquanto aos sujeitos querealizam estas ações, o signo vocal que apli-camos a eles é um nome.Teeteto:- Perfeitamente.

Estrangeiro: Os nomes enunciados com-pletamente sendo um a continuação de outronão constituem nunca um raciocínio, comotampouco uma série de verbos enunciadossem a companhia de um nome.6

Para Nuchelmans7, tomando comoreferência a exposição feita no So-fista, percebe-se que é impossíveldeclarar ou pensar algo que não é ocaso, e que nem todas as palavraspodem ser combinadas; elas combi-nam com umas e não combinamcom outras. Esta combinação se dálevando em consideração um orde-namento. A combinação de palavrasque se faz desordenadamente nãoproduz um logos. Os sofistas atravésdas falsas declarações, criam umdiscurso irreal, eles não pronunciama verdade que está para Platão, naidéia. Os sofistas não chegavam acontemplar a idéia, ficando no nívelda opinião (doxa). O sofista na ver-dade fala ou imita o mundo sensívelque, apesar de participar na idéia,não é a idéia e, portanto, não é averdade em si. Só o filósofo contem-pla o mundo das idéias, e conse-qüentemente a verdade que nele seencontra.

Pode-se, então, estabelecer umaestreita relação entre o não-ser,apresentado nesta obra, e o falso. Onão-ser seria a imitação do sensível, 6 PLATÃO. Obra completa., Madrid : Aguilar,1972, p.1039.7 Op.cit., p.13-14.

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que embora se relacionando com oser, não é o ser. Dizer o não-ser, so-bre o ser, é dizer algo que na verda-de ele não é, atribuindo ao ser umapropriedade que ele não possui. Anoção de não-ser, que encontramosanteriormente em Parmênides (Ne-ves, 1987), é a de que o discurso sóé possível, porque existe duas pos-sibilidades: a que é, e a que não é.Aquilo que não é, para Parmênides,não pode ser dito, isso porque ser epensar em sua concepção é o mes-mo. Se não posso pensar o não ser,também não posso dizê-lo. Empédo-cles e Anaxágoras vão dizer que oser pode ser dito de diferentes ma-neiras pelo homem, separando o serdo pensamento e consequentementeda linguagem.

Por exemplo, a sentença: “João éracional”, é uma declaração, tem umnome e um verbo e pode receber umvalor de verdade, uma vez que setrata de uma afirmação. Se João éhomem, ele é, necessariamente, ra-cional. Esta sentença seria um logosverdadeiro, porque ser racional éuma propriedade atribuída ao ho-mem. Agora, se dissermos: “Joãolate”, esta sentença também possuios elementos da anterior, mas rece-be um valor de verdade falso, umavez que latir não é uma propriedadeatribuível ao homem. Pelo fato deque se pode, ou não, dizer a verda-de, é que Platão vai usar a dialéticacomo modo de se chegar à verdade.Por isso Platão critica os sofistas,para quem tudo que é dito é verda-deiro, já que se utilizam da retóricapara ensinar.Segundo Nuchelmans8, no Sophista(261c 6-262e2) Platão fala sobre apossibilidade da falsidade no discur- 8 Op. cit. p. 14.

so e coloca duas teses fundamen-tais: 1. há dois níveis de atividade nodiscurso: o nível onomazein e o nívellegein e 2. devem ser combinadascertas unidades do nível onomazeinde tal modo definido, para adquiriruma unidade do nível legein, um lo-gos. As duas unidades que Platãointroduz no nível onomazein sãoonomata e rhemata. Ambos sãomeios de nomear ou designar algo.Rhemata indica ações ou estados(práxis) e onomata especifica osassuntos dessas ações e estados.

Através dos nomes e dos verbos, dacombinação entre eles surge umpensamento completo (logos), que éexpresso pela fala, dizendo que algoé o caso. As combinações que nãoproduzem um logos, é porque não seuniram para dizer que algo é o caso,elas não afirmam nada e não podemportanto receber um valor de verda-de. Só há logos quando a expressãodo pensamento dá informações eafirma algo (ações ou estados) sobrealguma coisa, uma pessoa ou umapalavra ( aquele que pratica ou sofrea ação).

Para Platão, segundo Nuchelmans,se antes de falar, primeiro se racioci-na, nomeia-se e forma-se um juízo,aquilo que é expresso vocalmente éalgo independente, é um pensa-mento completo. “Platão quer dizer,aparentemente, que alguém queafirma que algo é o caso, no nívellegein, acarreta algo que é um todocompleto e independente, em con-traste com alguém que só chamaatenção para algo por meio de umonoma ou rhema, no nível onoma-zein”9. Nomear apenas, não constitui 9 Plato apparently wants to say that someone whoasserts that somethings is the case, on the legein-level, brings about something that is a complete

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um pensamento completo, porquenão combina nomes e verbos. Aquiloque é dito de algo através das decla-rações, possui independência, por-que dá informação sobre algo, ousobre um estado de coisas. A falapassa então, uma informação com-pleta, que não deixa lacunas.

Assim, por exemplo, a proposição:“João é racional”, passa uma infor-mação completa sobre algo. Quem alê entende que todo homem é racio-nal, entende a informação que estásendo passada pela declaração.Uma declaração deste tipo está nonível legein, no nível da fala e possuiindependência, enquanto que as queestão no nível onomazein, no níveldo nomear, não possuem esta inde-pendência. As palavras que estão nonível onomazein, não passam umainformação que leve a uma conclu-são, por isso seriam “defeituosas’ enão seriam um logos.

Nuchelmans parte da compreensãoque Platão tem de independência nonível legein para argumentar que háum espaço aberto entre o nome(onoma) e o verbo (rhemata).

Assim, por exemplo, baseada naidéia de Platão, a proposição “João éracional” só é um logos completoporque o nome e os verbos estãocombinados. “João é__________” e“__________é racional”, tornam-seum logos que passa uma informaçãoquando os espaços são devidamentepreenchidos. O que é dito sobre onome condiz com ele, e o nomecombina com o que é dito. O nome eo verbo sem combinação são pala- and independent whole, in contrast with somebodywho only calls attention to something by means ofan onoma or rhema, on the onomazein-level(Nuchlemans, op. cit. p. 15).

vras que não passam uma informa-ção completa e que são utilizadas einseridas pelo pensamento em umtodo maior que passa uma informa-ção, elas são partes que constituemeste todo.

No “Crátilo”, encontramos a questãoque Platão coloca, se seria os nomesfruto de uma convenção ou se desi-gnam aquilo que a coisa é, nessecaso eles seriam atribuídos à s coisaspor um legislador que conhece anatureza das coisas. Sobre estaquestão, encontramos as seguintespassagens, no “Crátilo”:

Hermógenes - Sócrates, o nosso Crátilosustenta que cada coisa tem por natureza umnome apropriado e que não se trata da de-nominação que alguns homens convenciona-ram dar-lhes, com designá-las por determi-nadas vozes de sua língua, mas que, pornatureza, têm sentido certo, sempre o mes-mo, tanto entre os Helenos como entre osbárbaros em geral.10

Hermógenes - Por minha parte, Sócrates, jáconversei várias vezes a esse respeito tantocom ele como com outras pessoas, sem quechegasse a convencer-me de que a justezados nomes se baseia em outra coisa que nãoseja convenção e acordo. Para mim, sejaqual for o nome que se dê a uma determina-da coisa, esse é o seu nome certo; e mais:se substituirmos esse nome por outro, vindoa cair em desuso o primitivo, o novo nomenão é menos certo que o primeiro. (...) Ne-nhum nome é dado por natureza a qualquercoisa, mas pela lei e o costume dos que sehabituaram a chamá-la dessa maneira.11

Platão argumenta, que os nomestêm como característica especificar aessência das coisas, aquilo que elaé. Só que para isso, aquele que no-meia teria que possuir a arte de no-mear, e no caso este seria o legisla- 10 Platão. Diálogos – Teeteto e Crátilo, 1988,p.102.11 Platão. Diálogos – Teeteto e Crátilo, 1988,p.103.

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dor, que nomeia segundo a naturezadas coisas. A formação da lingua-gem, seria uma arte, que se utilizado nome para constituir a linguagem.

Aquele que vai fazer uso da lingua-gem, em Platão, é o dialético, e,portanto, é ele que vai sentenciar,observando o trabalho do legislador.O dialético vai comprovar se o nomerealmente expressa aquilo que a coi-sa é.

Como a arte para Platão é imitaçãoe, portanto, não expressa a verdadeem si, ele argumenta que quando senomeia, aparece uma distância entreo nome (imagem) e aquilo que a coi-sa é. A partir dessa distância é quePlatão discute o problema da falsi-dade; segundo ele algum nome podenão ser aplicado com a devida exati-dão. Assim, seria possível declararalgo falso, já que o mesmo podeacontecer com os verbos e com aunião de verbos e nomes, ou seja,com a proposição.

O mais provável é que os nomes ex-primem o que as coisas são e que ouso dos nomes, faz com que porconvenção, aceitemos alguns no-mes. Quando vamos usá-los já sa-bemos previamente o que queremexprimir, então mesmo quando onome não tem a devida exatidão, eleacaba por definir a coisa.

No “Crátilo”, percebe-se que essadificuldade de nomear com exatidãoimplica no problema do conheci-mento. Por nomear partindo da ima-gem, Platão coloca que o nome podenão ser uma forma confiável de sechegar ao conhecimento da essênciadas coisas. Atribuir falsidade ou ve-racidade a cada palavra ou nomeisoladamente se torna difícil, o que

ocorre é um discurso falso ou verda-deiro.

Dizer um nome é dizer aquilo que acoisa é, mas podemos dizer váriosnomes de uma mesma coisa, apesarde cada coisa ser uma, ela pode termuitas qualidades, e o mesmo se dáno discurso. Podemos dizer váriascoisas de um mesmo nome, assimcomo uma mesma coisa pode serdita de diferentes nomes. O espaçoque há depois do nome João, podeser preenchido por diversas coisasque podemos atribuir a João, como:“João é estudioso”, “João é inteli-gente” e “João é racional”. Da mes-ma forma o espaço que há antes doque é dito sobre o nome, no caso“racional”, pode ser preenchido pordiversos nomes, como: “Maria é ra-cional”, “Pedro é racional” e “João éracional”.

Para Platão, o logos, seria um todoarticulado, um pensamento comple-to, por isso receberia um valor deverdade no todo, porque não éconstruído por partes. Se o logos éverdadeiro, é porque ele declara eafirma algo que é o caso, e se ele forfalso é porque declara e afirma algoque não é o caso. Se um logos forfalso, suas partes não são necessa-riamente falsas. Assim, por exemplo,o logos: “João late”, é falso. Existeum homem que se chama João, eexiste um ato que é chamado “latir”.A combinação do nome com o verbonão forma uma proposição verdadei-ra porque o verbo latir não se ade-qua a João, se João é homem. Ologos citado é um logos que declarae afirma algo que não é o caso.

Percebe-se que encontramos algoque não é o caso naquilo que foiafirmado. O problema da falsidade

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está na fala, naquilo que é exteriori-zado; só podemos atribuir verdadeou falsidade ao que é dito, e não aoque se afirma em pensamento. Oconteúdo do pensamento só é co-nhecido através da fala. A linguagemnão coincide com o pensamento, elaé uma manifestação deste.Platão, segundo Nuchelmans12, in-vestiga os atos mentais, ou seja, opensamento, utilizando-se de trêstermos: dianoia, doxa e phantasia.Phantasia, seria a imaginação, umaespécie de doxa, e por isso Nuchel-mans só discute a questão da dia-noia e da doxa.

Segundo Nuchelmans13, há o discur-so (dianoia) e o processo de pensar(dialegesthai). Este processo depensar é também um diálogo, masum diálogo da mente consigo mes-ma. Para afirmar alguma coisa amente primeiro conversa com elamesma; ela pergunta e dá respostas.Depois disso é que ela vai formar umjuízo e decidir se algo é ou não ocaso.

Antes de Platão o pensamento e adeclaração se confundiam por teruma estreita ligação, mas Platão faza distinção entre as atitudes mentaise o ato de exteriorizar estas atitudes,ou seja, a fala. O diálogo da mentecom ela mesma é que define entreser ou não o caso. Desta forma,quando se diz; “João late”, a própriamente tem em si o valor de verdade,ele é o resultado do ato de pensar. Opensamento elabora a doxa que éexteriorizada pela fala. A doxa em sinão é exteriorizada, ela é elaboradapara a própria mente.

12 op. cit. p. 18.13 Idem ibd.

Podemos perceber estas distinçõesna seguinte fala do Estrangeiro:

Posto que, como temos visto, há raciocínioverdadeiro e raciocínio falso, e posto que, noraciocínio, distinguimos o pensamento, diálo-go que tem a alma consigo mesma, a opini-ão fim e término do pensamento, e este es-tado que designamos com a expressão “ima-gino” combinação de sensação e de opinião,resulta, pois, necessário que ao estar empa-rentadas com o raciocínio, estas coisas al-gumas vezes sejam falsas.14

Considerações finais

Assim, concluímos que se um pen-samento tem nele duas proposições,como por exemplo, “João é racional”e “João late”, a mente vai dialogarcom ela mesma, fazer perguntassobre uma e outra proposição paradepois optar por uma, aquela que opensamento julgar como sendo ver-dadeira. Assim, se “João é homem”,“João é racional”, já que ser racionalé uma propriedade atribuída ao ho-mem. Mas se “João é homem”, “Joãonão late” porque latir é uma proprie-dade, mas não é atribuída ao homeme, portanto, não é o caso.

A fala, segundo Nuchelmans15, seriaa expressão do pensamento que étambém comparada a exteriorizar “uma imagem da doxa da pessoa so-bre a corrente que flui pela boca “uma forma de fazer a sua doxa serconhecida pelos outros, essa ima-gem não é ela mesma, porque elaestá no pensamento. O logos, é aimagem da doxa, que flui do pensa-mento através da fala.

Como o pensamento precede a fala,a fala nada mais é que a exterioriza- 14 PLATÃO. El Sofista. Obra completa. Madrid:Aguilar, 1972, p.1041.15 op. cit. p. 19-20.

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ção do conteúdo do pensamento, dealgo que o pensamento constrói.Tudo que é dito, recebe seu signifi-

cado pelo pensamento, e é ele quepode atribuir valor de verdade à sproposições.

Referências Bibliográficas

NEVES, Maria H. de Moura. A vertente grega da gramática tradicional. São Paulo:Editora HUCITEC, 1987.

NUCHELMANS, Gabriel. Theories of the proposition: ancient and medieval. Conceptionsof the beares of truth and falsity .London: North-Holand, 1973.

PLATÃO. Diálogos – Teeteto e Crátilo. Tradução: Carlos Alberto Nunes. Belém : UFPA,1988.

____________. EL Sofista. In: Obras Completas. Madrid: Aguilar.