A Tese Central de Habermas Em Faticidade e Validade - Emílio Peluso Neder Meyer

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A Tese Central de Jürgen Habermas em Facticidade e Validade Emílio Peluso Neder Meyer Emílio Peluso Neder Meyer é professor de Direito Constitucional e Teoria da Constituição da Faculdade Estácio de Sá e do Centro Universitário Izabela Hendrix. Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da UFMG. Advogado. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais Edição 2007_08_22_0002.2xt de 02 - Ano www.tce.mg.gov.br/revista Página impressa em 29/04/2014 Doutrina Introdução A tese central da obra Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratische Rechtstaats 1 (Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do Direito e do Estado Democrático de Direito)2 pode ser localizada nos Capítulos III e IV da mesma. Consiste na tensão interna entre democracia e direito que vem sendo, ao longo da história da Ciência Política e da Ciência do Direito, posta de lado em favor de uma ou de outra perspectiva unilateral. Redondo3 salienta que três advertências devem estar subjacentes a qualquer interpretação que se tente fazer desses capítulos. A primeira é que Habermas não se refere a um sistema de direitos como ele deveria ser, mas ao sistema de direitos que está presente na maioria das constituições exemplares do mundo moderno. A segunda é que não se trata de um direito em geral, mas do direito presente na figura histórica dos Estados Democráticos de Direito, um direito que obtém legitimidade por intermédio da própria legalidade. Em terceiro, e por fim, não há que se confundir uma gênese lógica dos direitos com uma gênese histórica. Uma gênese histórica passaria pela descrição do poder soberano que vem pôr fim às guerras religiosas e que, posteriormente, submete-se aos limites impostos pelo movimento liberal e pelos direitos de propriedade; em seguida, são acrescentados os direitos sociais como um compromisso entre capitalismo e democracia: o resultado é um sistema jurídico autopoiético que juridifica suas próprias condições de legitimidade. Numa gênese lógica, trata-se da reconstrução conceitual da idealidade que articula a realidade do direito, reduzindo e descobrindo a unidade das relações conceituais e de princípio presentes nessa complexa estrutura histórica, a partir dos elementos da forma jurídica e do princípio do discurso4. O próprio Habermas (1999) salienta que, em Faktizität und Geltung, ele procurou dar contribuições a seis tópicos: a forma e a função do Direito moderno; a relação entre direito e moralidade; a relação entre direitos humanos e soberania popular; a função epistêmica da democracia; o papel central da opinião pública em democracias de massa; e o debate entre paradigmas concorrentes do Direito. Com isso, o que se busca neste texto é proceder a uma reconstrução pormenorizada da tese esposada pelo alemão numa de suas mais difundidas obras, principalmente no campo da Filosofia do Direito, da Hermenêutica Jurídica e do Direito Constitucional, sem, contudo, incorrer em visões parciais. 1 Legitimidade por meio da legalidade: o sistema do Direito em Habermas

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Artigo de teoria do direito.

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A Tese Central de Jürgen Habermas em Facticidade e Validade

Emílio Peluso Neder Meyer Emílio Peluso Neder Meyer é professor de Direito Constitucional e Teoria da Constituição da Faculdade Estácio de

Sá e do Centro Universitário Izabela Hendrix. Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da

UFMG. Advogado.

Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

Edição 2007_08_22_0002.2xtde 02 - Ano

www.tce.mg.gov.br/revistaPágina impressaem 29/04/2014

Doutrina

Introdução

A tese central da obra Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheoriedes Rechts und des demokratische Rechtstaats1 (Facticidade e validade:contribuições para uma teoria discursiva do Direito e do Estado Democráticode Direito)2 pode ser localizada nos Capítulos III e IV da mesma. Consistena tensão interna entre democracia e direito que vem sendo, ao longo dahistória da Ciência Política e da Ciência do Direito, posta de lado em favorde uma ou de outra perspectiva unilateral.

Redondo3 salienta que três advertências devem estar subjacentes a qualquerinterpretação que se tente fazer desses capítulos. A primeira é queHabermas não se refere a um sistema de direitos como ele deveria ser, masao sistema de direitos que está presente na maioria das constituiçõesexemplares do mundo moderno. A segunda é que não se trata de um direitoem geral, mas do direito presente na figura histórica dos EstadosDemocráticos de Direito, um direito que obtém legitimidade por intermédioda própria legalidade. Em terceiro, e por fim, não há que se confundir umagênese lógica dos direitos com uma gênese histórica. Uma gênese históricapassaria pela descrição do poder soberano que vem pôr fim às guerrasreligiosas e que, posteriormente, submete-se aos limites impostos pelomovimento liberal e pelos direitos de propriedade; em seguida, sãoacrescentados os direitos sociais como um compromisso entre capitalismo edemocracia: o resultado é um sistema jurídico autopoiético que juridificasuas próprias condições de legitimidade. Numa gênese lógica, trata-se dareconstrução conceitual da idealidade que articula a realidade do direito,reduzindo e descobrindo a unidade das relações conceituais e de princípiopresentes nessa complexa estrutura histórica, a partir dos elementos daforma jurídica e do princípio do discurso4.

O próprio Habermas (1999) salienta que, em Faktizität und Geltung, eleprocurou dar contribuições a seis tópicos: a forma e a função do Direitomoderno; a relação entre direito e moralidade; a relação entre direitoshumanos e soberania popular; a função epistêmica da democracia; o papelcentral da opinião pública em democracias de massa; e o debate entreparadigmas concorrentes do Direito. Com isso, o que se busca neste texto éproceder a uma reconstrução pormenorizada da tese esposada pelo alemãonuma de suas mais difundidas obras, principalmente no campo da Filosofiado Direito, da Hermenêutica Jurídica e do Direito Constitucional, sem,contudo, incorrer em visões parciais.

1 Legitimidade por meio da legalidade: o sistema doDireito em Habermas

Habermas (1998) pretende introduzir a categoria do Direito, maispropriamente a do Direito moderno, a partir do ponto de vista da teoria daação comunicativa. Ele o faz, desse modo, com uma reconstrução racionalda autocompreensão das ordens jurídicas modernas. De início, toma osdireitos que os cidadãos devem reconhecer-se reciprocamente – casoqueiram regular sua convivência sob os auspícios do Direito Positivo – umacategoria que é, sobretudo, marcada pela recepção do próprio sistema deDireitos da tensão interna entre facticidade e validade inerente ao modo devalidade ambivalente que é a validade jurídica5.

O conceito de Direito subjetivo desempenha um papel de destaque nacompreensão moderna do Direito. A ele corresponde o conceito de liberdadesubjetiva de ação, segundo o qual, os direitos subjetivos fixam os limitesdentro dos quais um sujeito está legitimado para afirmar sua vontade. Essesdireitos definem iguais liberdades de ação para todos os indivíduos,qualificando-os como portadores de direito ou sujeitos de direito. Kantformula seu princípio geral do Direito neste mesmo diapasão, ou seja, élegítima toda a ação cuja máxima – a liberdade e o arbítrio de cada um –possa ser compatível com a liberdade de todos segundo uma lei geral.

Diante das relações entre sistemas e mundo da vida, pode-se explicarporque o Direito moderno cumpre de maneira especial a função de integraçãosocial em sociedades complexas6. Em tais sociedades, o sistema econômicoexerce uma forte ingerência. Além disto, elas dependem de âmbitos de açãoneutros eticamente, vinculando-se também a decisões de indivíduos guiadospor seus próprios interesses. Ocorre que o Direito não se limita a cumprir osrequisitos funcionais dessa sociedade complexa. Ele deve também satisfazeras precárias condições de integração social, o que se dá quando se utiliza deoperações de entendimento intersubjetivo por meio da ação comunicativa,ou seja, por meio da aceitabilidade de pretensões de validade7. O Direitotransfere para as leis o encargo de cumprimento das exigências demoralidade por meio do asseguramento de liberdades subjetivas, livrando osindivíduos do fardo outrora atribuído aos mesmos.

É o procedimento legislativo que garante legitimidade às leis. Esse paradoxoda derivação da legitimidade pela legalidade se explica porque os direitos departicipação política, enquanto direitos subjetivos, têm a mesma estruturados direitos que dão aos indivíduos liberdade de escolha. Outrossim, esseprocedimento tem que apresentar aos cidadãos as expectativas normativasadvindas da orientação pelo bem comum, uma vez que a força legitimadorado processo democrático surge do próprio entendimento dos sujeitos acercado modo como pretendem regular sua convivência: é dizer, ele deve tentarcumprir sua função de integração social.

Habermas (1998) pretende esclarecer a conexão entre autonomia pública eprivada com a ajuda de um conceito discursivo de direito. Segundo ofilósofo, a coesão entre essas autonomias não foi colocada até agora deuma maneira satisfatória, tanto no interior da dogmática jurídica, quanto natradição do Direito natural racional, em virtude dos obstáculos colocados poruma visão de base de filosofia da consciência e por uma herança metafísicado Direito natural.

2 A filosofia da consciência e os problemas de umasubordinação do Direito à moral

Na teoria do Direito de Kant, a relação entre princípio da moralidade,princípio do direito e princípio democrático permaneceu obscura. Todos elesexpressam a mesma idéia de autolegislação. Redondo8 afirma que Kantintroduz dois conceitos de liberdade. O primeiro é negativo e se refere àliberdade de arbítrio: significa a capacidade de poder atuar de modo que

também poderia não haver atuado, quaisquer que fossem os motivos; osegundo é positivo e diz respeito à faculdade da razão pura de ser, elamesma, prática, algo possível apenas a partir de uma máxima que se sujeiteà condição de ser uma lei geral para todos. Concomitantemente, duasclasses de leis da liberdade são introduzidas. Serão elas jurídicas caso serefiram a relações externas e sua legalidade; mas se as leis são os própriosmotivos da ação, serão elas leis morais. Com isto, Kant pôde concluir que aliberdade é o único direito, o direito original, devido a todo homem emvirtude de sua humanidade. A diferenciação entre agir conforme o devermoral e fazer tudo o que as leis não proíbam (livre-arbítrio) é extremamenteimportante para o próprio Habermas, na medida em permitirá diferenciaruma ação moral de uma ação conforme o direito, com base em Kant. Nodireito em idéia, cuida-se de definir a relação dos arbítrios de cada uma daspartes, livres segundo a primeira concepção de liberdade (negativa). Nosentido da liberdade positiva, o Direito é o conjunto das condições sob asquais o arbítrio de um pode ser compatibilizado com o arbítrio de outrosegundo uma lei geral da liberdade, uma norma geral. Aqui se trata de umaordem que, por ser externa, é coercitiva e deve ser vista como realizandouma conexão entre a mútua coerção geral com a liberdade de todos e decada um.

A definição kantiana do Poder Legislativo funda-se no princípio do direito. OPoder Legislativo deve concordar com a vontade unida do povo. Dele provémtodo o Direito e, por isso, não pode cometer injustiça a ninguém. Se alguémdispõe de algo de outro, ele pode cometer injustiças, mas nunca quandodispõe de algo que é de si mesmo. Só a vontade concordante de todos podeser legisladora. Como assevera Redondo9, se chamamos isto de princípiodemocrático, resulta que ele deriva do princípio do direito, já que é umaespecificação do conteúdo daquela referência a uma lei geral. Não coincidecom o princípio moral, visto que regula apenas relações externas; a açãoexigida deve ser apenas conforme a lei, não precisa ser por respeito à lei, eo âmbito da lei é mais restrito. Com isso, o princípio do direito parecerealizar uma mediação entre o princípio da democracia e o princípio moral.Mais abaixo veremos como Habermas enxerga essa relação.

Kant percebera que os direitos subjetivos não podem ser formados a partirde uma estrutura de direito privado. Se as partes se utilizam de um contratocom determinada finalidade, o contrato social, de seu turno, é um fim em si.A constituição é instauradora de uma ordem de cooperação entre sujeitos,fundando-se no Direito Público e não no Direito Privado.

O único direito natural que esse contrato social funda é o direito a iguaisliberdades subjetivas de ação. Tal direito original do homem Kant embasana vontade autônoma de indivíduos que, como pessoas morais, dispõem deantemão de uma razão examinadora de normas, perspectiva mediante a qualpodem fundamentar sua escolha pelo abandono do estado de liberdades nãoasseguradas. Ao mesmo tempo, Kant vê que esse direito único pode sediferenciar num sistema de direitos no qual se pode positivar tanto liberdadequanto igualdade. Como a legitimidade deve ser interna ao próprio direitopositivo, o contrato social só pode impor e fazer valer o princípio do direito,ligando a formação da vontade política do legislador às condições de umprocedimento democrático. Dessa forma, são ligados o direito a iguaisliberdades subjetivas e a soberania popular. O princípio do direito parece,assim, mediar o princípio da moralidade e o princípio democrático;conceitualmente, eles se explicam mutuamente.

Habermas (1998) acredita que a filosofia do Direito de Kant esconde essacircunstância. Se isto for assim, o direito não é o médio entre moralidade edemocracia, mas apenas um reverso da moeda do princípio democrático.Tanto em Kant quanto em Rousseau, parece que soberania popular e direitos

humanos competem entre si10. Em Kant, prevalece a idéia de que ninguémpode dar seu assentimento, no exercício de sua autonomia cidadã, a leis quevulneram a autonomia privada assegurada pelo direito natural. A formagradual da passagem da moral ao direito impede que Kant dê a devidaimportância ao contrato social, da forma como o faz Rousseau.

Rousseau e Kant conceberam autonomia como a união de razão prática evontade soberana, a fim de que os princípios dos direitos humanos e dasoberania popular pudessem ser interpretados reciprocamente, falhandoambos ao tentar dar a tal relação um caráter mais unívoco11.

Segundo Habermas, Jean-Jacques Rousseau dá à idéia de autolegislaçãouma conotação mais ética do que moral. Como membros de um corpocoletivo, os indivíduos se unem numa espécie de sujeito de grandesdimensões que é portador da produção das normas, rompendo cominteresses privados de pessoas privadas simplesmente submetidas às leis.Rousseau conta com virtudes políticas vinculadas ao ethos de umacomunidade integrada por tradições culturais comuns. A única alternativapara a insubmissão a essa homogeneidade é a coação estatal. Assim, elenão pode explicar como sem repressão cabe estabelecer uma mediação entrea vontade geral e o arbítrio dos indivíduos.

Y esto, a su vez, sólo puede averiguarseintroduciéndose en las condicionespragmáticas de procesos de argumentación enlos que sobre la base de las informacionespertinentes no se imponga otra cosa que lacoércion del mejor argumento (...). La conexióninterna que buscamos entre soberanía popular yderechos del hombre ha de radicar, pues, en elcontenido normativo de un modo de ejerciciode la autonomía política, que no vieneasegurado por la forma de leyes generales sinosólo por la forma de comunicación querepresenta la formación discursiva de la opinióny la voluntad comunes12.

Kant e Rousseau não conseguem vislumbrar devidamente tal conexão emvirtude de estarem ainda presos à filosofia da consciência. Se a vontadegeral só pode se formar no sujeito particular, como quer Kant, então aautonomia moral do sujeito particular tem que penetrar por meio daautonomia política de todos, assegurando de antemão, em termos de direitonatural, a autonomia privada de cada um. De outra parte, se a vontaderacional só pode se formar num sujeito de grandes dimensões, que é umpovo ou uma nação, como quer Rousseau, a autonomia política tem que serentendida como a realização autoconsciente da essência ética dacomunidade concreta; além disso, a autonomia privada só é protegida daforça esmagadora da autonomia política por intermédio da forma não-discriminatória de leis gerais.

Mas, para Habermas, os membros de uma comunidade política, comoparticipantes de discursos racionais, devem poder examinar se a normaencontra o assentimento de todos possíveis afetados. Assim, a almejadaconexão interna entre direitos humanos e soberania popular (e que, porassim dizer, constitui o núcleo da tese esposada em Faktizität und Geltung)consiste num sistema de direitos que apresenta exatamente as condiçõespara a institucionalização jurídica de formas de comunicação necessáriaspara a produção politicamente autônoma de normas. O direito a iguaisliberdades subjetivas de ação não pode ser imposto ao legislador soberanocomo um limite externo nem ser instrumentalizado como requisito para seus

fins. A substância dos direitos humanos está nas condições formais dainstitucionalização jurídica de um tipo de formação discursiva da opinião eda vontade, no qual a soberania popular requer a forma jurídica.

3 A complementaridade entre direito e moral

Em Faktizität und Geltung, Habermas estabelece uma outra relação entredireito e moral. Diferentemente do que havia afirmado em sua TannerLectures, quando postulou uma derivação do direito a partir da moral,formando-se uma relação de subordinação, nesse outro momento elepropugna por uma relação de complementariedade ou co-originariedade13.Vejamos como ele procede a essa reconstrução.

Para Habermas (1998), num nível pós-metafísico de fundamentação, estãoseparadas da eticidade tradicional tanto as normas jurídicas quanto asnormas morais. De seu turno, estas normas, não obstante distintas,complementam-se mutuamente. Assim, o conceito de autonomia deve estararticulado de uma maneira tão abstrata que possa adotar em relação a cadatipo de norma de ação uma forma específica: o princípio moral e o princípiodemocrático.

Com a modernidade e a quebra dos fundamentos sacros do amálgama emque se constituíam direito, moral e ética, ocorrem os processos dediferenciação14. Questões jurídicas se apartam de questões éticas e morais;paralelamente, usos e costumes passam a significar puras convenções.Questões jurídicas e questões morais têm em vista o mesmo problema, qualseja, o de como ordenar legitimamente as relações interpessoais e comocoordenar entre si ações por meio de normas justificadas, solucionandoconflitos sob o pano de fundo de normas compartilhadas. Mas tal referênciase dá de forma distinta. Moral e direito se distinguem prima facie no sentidode que a moral pós-tradicional não representa mais do que uma forma desaber cultural, ao passo que o direito é obrigatório no nível institucional – oDireito é, ao mesmo tempo, sistema de saber e sistema de ação.

As normas gerais de ação se ramificam em normas morais e normasjurídicas. Com isto, autonomia moral e autonomia política são co-originais eexplicadas com a ajuda de um princípio do discurso15, algo que representa asjustificativas pós-tradicionais de fundamentação. Esse princípio tem umconteúdo normativo do sentido da imparcialidade dos juízos práticos. Masestá num nível que é neutro diante da moral e do direito, uma vez que serefere a normas de ação em geral. Habermas (1998:172) o enuncia daseguinte maneira:

D: Válidas son aquellas normas (y sólo aquellasnormas) a las que todos los que puedan verseafectados por ellas pudiesen prestar suasentimiento como participantes en discursosracionales.

Os conceitos envolvidos em tal enunciado são assim explicados pelofilósofo:

- Válido: refere-se a normas de ação e os correspondentes enunciadosnormativos gerais ou universais;

- Normas de ação: expectativas de comportamento generalizadas nadimensão temporal, social e de conteúdo;

- Afetado: qualquer um que tenha seus interesses atingidos pelasconseqüências que presumidamente possam dar lugar a uma prática geral

regulada por normas;

- Discurso racional: toda tentativa de entendimento acerca de pretensões devalidade que se tornaram problemáticas, na medida em que tal tentativatenha lugar sob condições de comunicação que, dentro de um âmbito públicoestruturado e constituído por deveres ilocucionários, possibilitem o livreprocessamento de temas e contribuições. Tal expressão se refere tambémindiretamente a negociações, na medida em que estas se dão segundoprocedimentos discursivamente fundados.

Repolês (2003: 98-99) traça as características do princípio do discurso, cujaredação vale transcrever:

Portanto, o princípio D é neutro, pois refere-sea normas de ação em geral. Ele é abstratoporque apenas explicita o ponto de partida doqual é possível fundamentar imparcialmentenormas de ação. Ele é ainda sem conteúdouma vez que os argumentos que poderão serutilizados para a fundamentação das normas deação não podem ser determinados a não ser,posteriormente, na discussão. Pode-se aindadizer que ele é procedimental, já que exigeque toda forma de vida comunicativamenteestruturada tenha como condição de realizaçãoo reconhecimento mútuo, a simetria entre osparticipantes, e relações de inclusão entre eles.Finalmente, o princípio do discurso tem umsentido normativo na medida em quedetermina como "as questões práticas podemser julgadas imparcialmente e decididasracionalmente", mas ainda assim é neutro emrelação à moral e ao Direito. (destaquesnossos)

Em Habermas, o princípio moral só é uma especificação do princípio dodiscurso para as normas de ação que podem justificar-se do ponto de vistade se levar em conta o igual interesse de todos. Já o princípio democráticoserá uma especialização de D para as normas de ação que apresentam aforma do direito e podem ser justificadas recorrendo-se a razõespragmáticas, razões ético-políticas, e não apenas razões morais. O tipo derazão segue a lógica do tipo de questão a ser tratada. No caso de normasmorais, as razões têm que ser aceitas por todos, num âmbito de referênciaque ultrapassa fronteiras. Em questões ético-políticas, a forma de vida deuma comunidade política constitui o referencial para encontrar regulaçõesque expressem uma autocompreensão coletiva; as razões têm que seraceitas pelos membros que compartilham das tradições e valorações. Taiscompromissos têm que ser aceitos por todas as partes, mesmo que asrazões para tanto possam divergir caso a caso.

O princípio do discurso só explica o ponto de vista do qual se podemfundamentar imparcialmente normas de ação; Habermas parte de que opróprio princípio tem fundamento nas relações simétricas de reconhecimentoinscritas nas formas de vida comunicativamente estruturadas. Uma norma deação só se torna válida caso suas pretensões de validade possam serreconhecidas pelos possíveis atingidos, é dizer, por um reconhecimentomotivado racionalmente e passível de problematizações a qualquermomento. A justificação desse pressuposto se dá por meio de umainvestigação em termos de uma teoria da argumentação. O autor conduz àdistinção entre os diversos tipos de discurso. Para cada um desses tipos, ojulgamento imparcial deverá mostrar que regras permeiam as respostas às

correspondentes questões, sejam elas pragmáticas, éticas ou morais. Taisregras de argumentação operacionalizam o princípio do discurso16. No que serefere às questões morais, o princípio do discurso requer a forma de umprincípio da universalização U. Aqui o princípio moral desempenha uma regrade argumentação. Nos discursos de aplicação, o princípio moral écomplementado por um princípio da adequação ou senso deadequabilidade17.

O princípio moral, compreendido em termos de uma teoria do discurso,transcende os limites entre âmbitos da vida privada e da pública, limiteshistoricamente fortuitos e que discorrem de modo distinto segundo asdiferentes estruturas sociais. O princípio moral leva a sério o sentidouniversalista da validade das regras morais ao exigir que a assunção idealdo papel que efetua cada indivíduo, em particular e de forma privada, seconverta em uma práxis pública a ser exercitada por todos18. Uma divisãodos aspectos morais e jurídicos, segundo âmbito privado e público, perde osentido na medida em que, no exercício da soberania popular, são tambémlevados em conta argumentos morais. Em sociedades complexas, a moral sótem efetividade para além do próximo se traduzida para o código dodireito19.

Já a finalidade do princípio democrático é fixar um procedimento de produçãolegítima de normas jurídicas. Ele enuncia que só podem pretender validadelegítima normas jurídicas que, num processo discursivo de produção,articulado juridicamente, possam encontrar o assentimento de todos osmembros da comunidade jurídica. O princípio democrático explica o sentidorealizador da prática da autodeterminação dos membros de uma comunidadejurídica que se reconhecem uns aos outros como membros livres e iguais deuma associação à qual aderiram voluntariamente20. O princípio democráticosó diz como se pode institucionalizar uma livre formação da opinião e davontade políticas: por intermédio de um sistema de direitos que assegure, acada um, igual participação em tal processo de produção normativa.Enquanto o princípio moral opera no plano da estrutura interna de um jogode argumentação, o princípio democrático se refere ao plano dainstitucionalização externa.

Assim, fica demarcada a diferença entre o princípio moral e o princípiodemocrático segundo os níveis de referência. Há ainda a diferençarespeitante às normas jurídicas e às outras normas de ação. Ao passo que oprincípio moral se estende a todas as normas de ação justificáveis de umponto de vista moral, o princípio democrático está demarcado segundonormas jurídicas. A forma jurídica se desenvolveu no curso da evoluçãosocial. Frente às regras de convivência que só podem ser justificadas doponto de vista da moral, as normas jurídicas têm um caráter artificial, sãonormas de ação aplicáveis a si mesmas21. O sistema de direitos não só temque institucionalizar uma formação racional da vontade política, mastambém garantir o meio mesmo em que esta possa se expressar comovontade comum dos membros de uma comunidade jurídica que possa seentender como resultado de uma associação livre. Essa forma jurídica, valesalientar, inclui a supremacia constitucional.

As características formais do Direito são explicadas por Habermas (1998) porintermédio da relação entre aquele e a moral. Novamente, ele retoma Kantpara dizer que este havia caracterizado a legalidade de formas de ação pelorecurso a três formas de abstração referentes aos destinatários da norma.Em primeiro lugar, o Direito abstrai da capacidade dos destinatários de darcurso à sua iniciativa por sua própria vontade, contando apenas com seuarbítrio. Em segundo lugar, o Direito abstrai da complexidade dos planos deação que afeta, restringindo-se à relação externa que representa a operaçãode atores que, definidos conforme características sociais típicas, possam

exercer uns com os outros. Em terceiro lugar, o Direito abstrai do tipo demotivação que leva a conformação pela regra.

Junto das formas de ação assim definidas, em termos de legalidade ou deforma jurídica está o status restrito que detêm os sujeitos de direito.Normas morais regulam relações interpessoais e conflitos entre pessoasfísicas que se reconhecem como membros de uma comunidade quasenatural, na qual estão também destinatários que possuem sua própriabiografia. Normas jurídicas regulam relações interpessoais e conflitos entreatores que se reconhecem como membros de uma comunidade artificial, ouseja, uma comunidade criada pelas mesmas normas jurídicas. Para alémdesses aspectos, ainda outros podem ser definidos no que concerne àlegalidade. Apenas matérias referentes a relações externas podem serreguladas pelo medium do Direito; o comportamento conforme as normas sóé imposto quando necessário.

Os aspectos da legalidade não são entendidos por Habermas comorestrições da moral. Para ele, devem estes ser compreendidos da perspectivada relação de complementariedade entre direito e moral. A constituição daforma jurídica é necessária para compensar os déficits do desmoronamentode uma eticidade tradicional. No que tange à extensão, moral e Direitotambém podem ser assim diferenciados:

As matérias jurídicas carentes deregulamentação são ao mesmo tempo maisrestritas e mais abrangentes do que osassuntos moralmente relevantes: são maisrestritas porque só o comportamento exteriorda regulamentação jurídica é acessível, ouseja, apenas o seu comportamento coercível; esão mais abrangentes porque o Direito – comomeio de organização do domínio político – nãose refere apenas à regulamentação de conflitosde ação interpessoais, mas também aocumprimento de programas políticos edemarcações políticas de objetivos. Eis porqueas regulamentações jurídicas tangenciam nãoapenas questões morais em sentido estrito,mas também questões pragmáticas e éticas,bem como o estabelecimento de acordos entreinteresses conflitantes.22

A moral racional, enquanto alternativa de ação, junto de sua basenormativa, aparece na mira de uma problematização. A moral racional seespecializa em questões de justiça e considera tudo segundo o foco dauniversalização. Ela preconiza o julgamento imparcial de conflitos de ação,possibilitando um saber apto a orientá-la, mas que, de per si, não diz qual aação correta. A moral racional vem representada no nível da cultura e,assim, pode ser interpretada, transmitida e reelaborada criticamente. Talmoral se refere a ações possíveis, mas não mantém qualquer contato com osmotivos, os quais dão à moral a força motriz para se converter em prática,nem com as instituições que colocam em prática as expectativas moraisdevidamente justificadas. Uma moral desse tipo permaneceria ineficaz senão pudesse alcançar os motivos do agente por uma outra via que não a dainternalização, é dizer, a institucionalização de um sistema jurídico quecomplemente a moral no que concerne à ação.

El derecho es ambas as cosas a la vez: un sistemade saber y un sistema de acción; cabe entenderlocomo un texto de proposiciones e interpretacionesnormativas, y también como institución, es decir,

como un complejo de elementos regulativos de laacción23.

A pessoa que julga e atua moralmente deve se apropriar de forma autônomade tal saber, elaborá-lo e traduzi-lo na prática. Portanto, ela está submetidatanto a exigências cognitivas, quanto motivacionais e, ainda,organizacionais, das quais é livre do fardo quando considerada como sujeitode direito. Vejamos como Habermas vê tais exigências.

No que respeita às exigências cognitivas, Habermas salienta, em primeirolugar, que a moral racional pode proporcionar, unicamente, um procedimentopara o julgamento imparcial de questões. É o caráter extremamente abstratode normas como igual respeito por todos, justiça distributiva, etc., o qualocasiona problemas de aplicação tão logo um conflito transcenda o âmbitopróximo das interações. A decisão nesses casos exige operações complexas.Essa indeterminação cognitiva é absorvida pela facticidade da produção doDireito. O legislador político diz quais normas valem como direito, e ostribunais decidem para as partes, de forma arrazoada, qual a interpretaçãoadequada. O sistema jurídico retira dos sujeitos de direito, considerados emseu papel de destinatários, o poder de definição no que compete aoscritérios de julgamento acerca do que é justo ou injusto.

No que se refere às exigências motivacionais, as expectativas dos indivíduosconcernentes à sua própria força de vontade fazem parte também doproblema posto pela moral racional. Uma moral racional, nãosuficientemente fincada em motivos e atitudes de seus destinatários,depende de um direito que imponha coercitivamente o comportamentoconforme a norma, deixando ao arbítrio do agente os motivos e atitudes. Odireito coercitivo dota as expectativas normativas de ameaças de sanção, demaneira que os destinatários possam se restringir a considerações acerca deprudência sobre as conseqüências que vão afetar seus interesses por meiodas ações. Para além do problema da debilidade da vontade, Habermasainda aponta o problema da exigibilidade. Se for necessário que sejamconsideradas válidas as normas que, no suposto de uma observância geraldas mesmas, merecerem o assentimento racionalmente motivado de todosos afetados, não se pode exigir de ninguém que se atenha a uma norma quenão cumpra referido pressuposto.

Já o problema da atribuição das obrigações, resultante do caráteruniversalista da moral racional, liga-se às exigências organizacionais, quecrescem na medida da complexidade da sociedade. Apenas o Direito éreflexivo no sentido de possuir um escalonamento de normas que éreflexivo: ele contém normas secundárias que servem à geração de normasprimárias de regulação ou controle do comportamento. Ele pode estabelecercompetências e fundar organizações, pode estabelecer um sistema dedotação de obrigações que não só se refira a pessoas físicas, mas também apessoas jurídicas.

Por fim,

Una moral racional que solo cobrase eficacia através de procesos de socialización y de laconciencia de los indivíduos permaneceríarestringida a un estrecho radio de acción. Encambio, a través de un sistema jurídico con elque está internamente vinculada, la moralpuede irradiar sobre todos los ámbitos deacción, incluso sobre esos ámbitossistámicamente autonomizados deinteracciones regidas por medios de regulacióno control sistémico, que descargan a los

actores de todas las exigencias morales aexcepción de la única obediencia al derecho24.

Tanto o direito como a moral devem garantir a autonomia de todos osenvolvidos em suas normas. Ambos buscam legitimidade no próprio fato deproporcionar a liberdade. Ocorre que a autonomia, no caso do Direito, sebifurca; tal divisão não encontra correspondência na moral. A moral pede quecada indivíduo obedeça às normas que estabelece para si próprio, por umjuízo imparcial ao qual ele procede de per si ou coletivamente. Uma vez queas normas jurídicas são estabelecidas por instituições que as aplicamcoercitivamente e, nos discursos de justificação e aplicação jurídicas, levamem conta não apenas a formação da opinião e da vontade, mas, em certoscasos, uma decisão coletiva, há uma partilha de papéis entre firmar eenunciar o Direito e entre obedecer-lhe como destinatário. Tal partilha nãosignifica o nascimento de uma oposição, ou de uma dualidade irreconciliável,mas de uma coesão, justamente para que a legitimidade surja dalegalidade. A coesão interna entre autonomia pública e autonomia privada éo objeto do próximo tópico.

4 A relação eqüiprimordial entre autonomia pública eprivada por meio do sistema de direitos e a coesão internaentre direitos humanos e soberania popular

Dando curso à sua teoria acerca do Direito, Habermas (1998) mostra agoracomo um sistema de direitos pode lidar de maneira correta com a coesãointerna entre autonomia pública e privada. Tal sistema contém os direitosque os cidadãos deverão atribuir-se reciprocamente caso queiram regular suaconvivência de forma legítima por meio do direito positivo. Num primeiropasso, tais direitos devem ser inseridos na perspectiva de alguém que nãoestá implicado no processo de atribuição mútua. Antes de chegar a esteponto, Habermas já percorrera os caminhos necessários para tanto: primeiro,ele aludiu, da história da dogmática do Direito, ao paradoxo do surgimentoda legitimidade a partir da legalidade; em segundo lugar, a autonomia foirelida, ainda que de forma mais breve que a abordada neste tópico, a partirda conexão interna entre autonomia pública e autonomia privada; porúltimo, a relação de complementaridade entre direito e moral permitiumelhor distinção entre normas jurídicas e normas gerais de ação.

Não raro, Estado de Direito e democracia são apresentados como idéiasopostas. O princípio do Estado de Direito25 vez por outra não se faz presentemesmo naquelas ordens em que o poder político se utiliza do direito; opoder político encontra-se ainda não domesticado pelo direito. Em outrassituações, há Estados de Direito em que o poder político ainda não foidemocratizado. Habermas (2002) quer, assim, demonstrar como é comumque vejamos o princípio do direito e o princípio da democracia como opostos,ou seja, como às vezes é difícil vislumbrar, em virtude dos problemasempíricos, a eqüiprimordialidade entre autonomia pública e privada; dissonão decorre que tal reconciliação não seja possível do ponto de vistanormativo.

O medium que representa o direito pressupõe direitos que definem o statusde sujeitos de direito como portadores dos mesmos. Neste passo, doisaspectos podem ser destacados: um primeiro, relativo ao arbítrio regidopelos interesses de sujeitos que atuam orientados pelo seu sucesso, édesvinculado dos contextos de ação orientada ao entendimento nos quais sedão as obrigações; um segundo aspecto é o da coordenação de ações pormeio de normas coercitivas que limitam os espaços de ação desde fora. Taisaspectos do medium do direito são apenas o reverso da mesma moeda. Estefato elucida porque os direitos ocupam a posição fundamental de assegurare compatibilizar as chamadas liberdades comunicativas. Estas, ad instar de

Klaus Günther, Habermas (1998) as conceitua como a possibilidadepressuposta reciprocamente na ação comunicativa de assumir posição diantede uma locução ou manifestação de um próximo e diante das pretensões devalidade que são levantadas junto de tais manifestações, as quais buscamum reconhecimento intersubjetivo26. Tal reconhecimento comportaobrigações exoneradas pelas próprias liberdades subjetivas que o Direitoinstitui. A ação comunicativa importa em intersubjetividade das relaçõesestabelecidas entre os agentes, e tal explica porque esta liberdade estáanexada a obrigações ilocucionárias.

Desse modo, a autonomia privada pode ser entendida como a liberdadenegativa de abandonar a zona pública de obrigações ilocucionárias recíprocase deter-se numa posição de observador mútuo e do também mútuo exercíciode influências recíprocas. A autonomia privada se circunscreve até onde osujeito de direito não precisa prestar contas ou arrazoar o curso de suasações. As liberdades comunicativas desobrigam os sujeitos de entrar naação comunicativa e contrair obrigações ilocucionárias.

O direito legítimo só é compatível com um modo de coerção jurídica que nãodestrua os motivos racionais de obediência ao Direito27. O Direito não pode,coercitivamente, impor a renúncia às liberdades comunicativas e exigir dosmesmos uma atitude objetivante de um ator que age estrategicamente. Istopode ocorrer, no máximo, pela discricionariedade dos mesmos. As normasjurídicas devem deixar um espaço, sempre, para que possam ser seguidaspor respeito.

O princípio democrático une o princípio do discurso à forma jurídica. Talentrelaçamento é concebido como uma gênese lógica do Direito que pode serreconstruída passo a passo. Ela tem início com a aplicação do princípio dodiscurso ao direito a liberdades subjetivas de ação (direito que éconstitutivo da própria forma jurídica) e termina com a institucionalizaçãojurídica de condições para o exercício discursivo da autonomia política queconfigura e concretiza a autonomia privada. Dá de barato que o princípiodemocrático seja o núcleo do sistema de direitos. Tal gênese lógica se dánum processo circular, no qual o código do Direito e o princípio democráticose constituem co-originariamente.

The democratic principle can take institutionalshape only in the system of rights necessary ifcitizens are to be both addressees and authorsof laws that legitimately regulate their livingtogether. More specifically, the application ofthe discourse principle to the medium of law assuch issues in a set of rights guaranteeing theprivate autonomy of the addressees of law,while the requirement that the addressees alsobe authors of law generates rights of politicalparticipation and thus the public autonomy ofcitizens28.

Esta circularidade do processo de autoconstituição do direito e do processodemocrático deu azo para que Frank Michelman levantasse uma objeção.Haveria a persistência de um paradoxo, e não uma tensão constitutiva, entredireitos e democracia que se realiza ab initio no ato do poder constituinteoriginário, é dizer, será que é possível reconhecer realmente comodemocrático o processo de formação da opinião e da vontade levado a cabopelos pais fundadores? Habermas levanta a questão, ventilada adiante, deque os cidadãos que decidem pela criação autônoma de uma associação departicipantes do direito livres e iguais colocam-se diante da aporia de dizerque direitos eles devem se atribuir reciprocamente, caso queiram regular

legitimamente sua convivência por intermédio do Direito Positivo. Duasconstatações se seguem:

Em primeiro lugar, constatamos que só podeser tido como legítimo aquilo em torno do qualos participantes da deliberação livre podemunir-se por si mesmos, sem depender deninguém – portanto, aquilo que encontra oassentimento fundamentado de todos, sob ascondições de um discurso racional. Isso nãoexclui, naturalmente, a possibilidade dofalibilismo, pois a busca da única respostacorreta não é capaz de garantir, por si mesma,um resultado correto. Somente o caráterdiscursivo do processo de deliberação é capazde fundamentar a possibilidade deautocorreções reiteradas e, destarte, aperspectiva de resultados racionalmenteaceitáveis.

Em segundo lugar, constatamos que osparticipantes se comprometem, através de umquestionamento específico, a assumir o direitomoderno como medium para regular suaconvivência. Ora, o modo de legitimação de umassentimento geral obtido sob condições dodiscurso e a idéia de leis obrigatórias queabrem espaço para iguais liberdades subjetivasfazem jus ao conceito kantiano de autonomiapolítica: aqui ninguém é livre, enquanto houverum único cidadão impedido de gozar da igualliberdade sob as leis que todos os cidadãos sederam a si mesmos, seguindo uma deliberaçãoracional29.

Michelman30 sustenta que a prática constituinte não pode ser explicada daótica da teoria do discurso, já que, dentro do processo circular deautoconstituição do direito, poderia haver um regresso ao infinito. Alegitimidade procedimental dos resultados discursivos depende não somenteda observância do procedimento, mas de pontos de vista temporais, sociaise objetivos, segundo a crítica de Michelman. A assembléia constituinte nãopoderia ela mesma garantir a legitimidade das regras segundo as quais elamesma foi constituída. Não se encerrando, neste caso, a série e o processodemocrático, cairia num redemoinho infinito da sua autoconstituição circular.O paradoxo levantado por Michelman, é, em verdade, tão antigo quanto aprópria história do Direito Constitucional, fruto de eternos debates, como ostravados entre Hans Kelsen e Carl Schmitt31.

Habermas responde às críticas de Michelman com algo que ele entende serpróprio do caráter das constituições dos Estados Democráticos de Direito:sua abertura para o futuro. Uma constituição democrática cria um projetocapaz de formar tradições com um início definido na história32. As geraçõesvindouras possuem a tarefa de reinterpretar e reafirmar a constituição,atualizando a substância normativa do sistema de direitos.

É verdade que essa continuação falível doevento fundador só pode escapar do círculo daautoconstituição discursiva de umacomunidade, se esse processo, que não éimune a interrupções e a recaídas históricas,

puder ser interpretado, a longo prazo, comoum processo de aprendizagem que se corrige asi mesmo33.

A amarração entre os princípios do Estado Democrático de Direito seevidencia na prática comum de cidadãos que procuram interpretar e atualizaruma Constituição. O sentido performativo dessa prática, que visa criar umacomunidade política de cidadãos livres e iguais, é enunciado na constituição,e apenas isto, dependendo de uma explicação cotidiana, num processo quese corrige a si mesmo.

Não bastam, porém, os direitos políticos para o processo de autolegislação.O sistema de direitos deve conter a resposta à questão de quais são osdireitos para a convivência legítima dos cidadãos sob a égide do DireitoPositivo. Somando os conceitos de forma jurídica –, que, como em Luhmann,é entendida como conceito relativo à estabilização de expectativas sociaisde comportamento –, e de princípio do discurso, Habermas (1998) introduzem abstrato três categorias de direitos que estabelecem o código do Direitoao criar o status de sujeitos de direito:

(1) Direitos fundamentais resultantes do desenvolvimento e configuraçãopoliticamente autônomos do direito ao maior grau possível de iguaisliberdades subjetivas de ação. Apenas com o princípio do discurso é possívelvislumbrar que qualquer pessoa tem um direito a iguais liberdadessubjetivas de ação. Mas apenas com essa categoria o código do Direito nãopoderá restar institucionalizado. É preciso encontrar a aplicação dentro deuma comunidade jurídica e determinar direitos passíveis de reclamação.

São correlatos desses mesmos direitos:

(2) Direitos fundamentais resultantes do desenvolvimento e configuraçãopoliticamente autônomos do status de membro da associação voluntária queé a comunidade política. Normas jurídicas se referem a contextos deinteração de sociedades concretas. Elas advêm de um legislador histórico,tendo como referência um âmbito jurídico geograficamente delimitado,assim, um espaço restrito de validade. É preciso lembrar que todo monopólioda coerção é finito, provincial com relação ao futuro e ao espaço. Por isso ocódigo do Direito deve incluir direitos referentes ao pertencimento a umadeterminada associação de sujeitos de direito, permitindo a diferenciaçãoentre membros e não membros. São os chamados direitos de nacionalidade.

(3) Direitos fundamentais que resultam diretamente da acionabilidade dosdireitos, ou seja, da possibilidade de reclamar judicialmente seucumprimento, bem como os direitos que resultam do desenvolvimento econfiguração politicamente autônomos da proteção dos direitos individuais.Os sujeitos de direito só poderão mobilizar, na forma de exercer uma açãojurídica, as faculdades de coerção ligadas a seus direitos se eles tiveremlivre acesso a tribunais independentes, que decidam imparcialmente e demaneira impositiva.

As três categorias elencadas são resultado da aplicação do princípio dodiscurso ao medium do Direito, ou seja, são condições da configuração daassociação horizontal dos cidadãos. Tais direitos garantem apenas aautonomia privada dos cidadãos, dando aos mesmos o status dedestinatários das normas, o que possibilita a reclamação de uns em relaçãoaos outros. Não há direito legítimo sem essas três categorias de direitos.Não se está falando aqui dos direitos liberais. Os direitos fundamentaispertencentes ao código do Direito são direitos não saturados. Eles devemser interpretados e desenvolvidos de acordo com as circunstâncias por umlegislador político. Os cidadãos atribuem-se mutuamente direitosdeterminados e não regulam sua convivência apenas em abstrato. Direitos

clássicos de liberdade, direitos políticos e direito ao devido processo sãointerpretações das categorias de direitos acima definidas, sãoconcretizações. Os direitos não saturados das três primeiras categoriasdefinidas por Habermas (1998) são princípios jurídicos que orientam oconstituinte. Sua soberania não está afetada porque ele precisa seguir taiscategorias se quiser utilizar o medium do Direito.

Para que eles sejam considerados como autores é necessária uma outracategoria:

(4) Direitos fundamentais de participação em igualdade de oportunidadesnos processos de formação da opinião e da vontade comuns, nos quais oscidadãos exerçam sua autonomia política e mediante os quais sejaestabelecido o direito legítimo. O teórico do Direito diz aos cidadãos quedireitos atribuir-se mutuamente se quiserem regular sua convivência pormeio do Direito Positivo. Deve haver, contudo, mudança de perspectiva setais cidadãos devem, eles mesmos, fazer uso do princípio do discurso. Comosujeitos de direito, eles só alcançarão sua autonomia caso possam se vercomo autores dos direitos dos quais são destinatários. Para tanto, contudo,não cabe a eles disporem do meio do direito: esse é o único código peloqual podem expressar sua autonomia. São os próprios cidadãos, comolegisladores constituintes, que devem estruturar os direitos que transformamo princípio do discurso em princípio democrático34.

Tal categoria tem aplicação na interpretação que pode ser feita em termosde Direito Constitucional das categorias de 1 a 4, bem como nodesenvolvimento e configuração política de tais direitos. Os direitos políticosfundam o status de cidadãos livres e iguais, o qual é auto-referencial, já quepossibilita aos cidadãos mudarem sua posição jurídica a fim de melhorconfigurar sua autonomia pública e privada. Por fim:

(5) Direitos fundamentais que garantam condições de vida que, social,técnica e ecologicamente asseguradas na medida de sua necessidade emcada caso, proporcionem o usufruto por igual de oportunidades dos direitoselencados de 1 a 4.

Desse modo, nem o âmbito da autonomia política dos cidadãos érestringido, desde fora, por um direito natural ou moral e nem a autonomiaprivada do indivíduo é instrumentalizada por legislação dita soberana. Para aprática de autodeterminação dos indivíduos apenas está previamente dado oprincípio do discurso, inscrito nas próprias condições de associaçãocomunicativa e no medium do Direito. É certo que o código jurídicoestabelecido já representa direitos de liberdade que fixam o status desujeitos de direito e garantem a sua integridade; mas tais direitos sãocondições necessárias que, no máximo, possibilitam o uso da autonomiapolítica. Como condições de possibilidade, eles não restringem a soberaniado legislador, mesmo que não estejam à sua livre disposição. Lascondiciones posibilitantes no imponen restricciones a aquello queconstituyen35.

O princípio do discurso só pode adotar a forma de princípio da democracia seambos se entrelaçarem e desenvolverem um sistema de direitos que leve emconta a reciprocidade da autonomia pública e da autonomia privada. Todoexercício da autonomia política é uma interpretação desse sistema nãosaturado; e isto vale também para os direitos políticos. O princípio de que opoder do Estado emana do povo deve ser especificado em cada caso. Assim,os diferentes capítulos referentes aos direitos fundamentais em cadaconstituição são diferentes leituras, para Habermas, de um mesmo sistemade direitos. A primazia da constituição sobre as leis pertence à sistemáticado Estado de Direito, mas isso só significa uma fixação relativa do conteúdo

das normas constitucionais. Toda constituição é um projeto que só ganhaconsistência por meio da interpretação constitucional.

Assegurando eqüiprimordialmente a autonomia pública e privada, o sistemade direitos operacionaliza a tensão entre facticidade e validade, entrepositividade e legitimidade. De um lado, o sistema desencadeia, porintermédio de leis coercitivas que tornam compatíveis iguais liberdades deação, os arbítrios de sujeitos que agem estrategicamente. Por outro lado,ele mobiliza e une na autonomia pública as liberdades comunicativas decidadãos que almejam o bem comum.

O paradoxo do surgimento da legitimidade a partir da legalidade só aparececaso se conceba o sistema jurídico como um processo circular que retornarecursivamente a si mesmo e se legitima a si mesmo. A tal se opõe,segundo Habermas, o fato de que instituições jurídicas da liberdade caem nodesuso sem as iniciativas de uma população acostumada à liberdade. Aespontaneidade desta população não é algo que possa ser imposto peloDireito. Pelo contrário, tal só é possível em tradições que mantenham vivo osentimento de liberdade e que a promovam, contribuindo para a manutençãode uma cultura política liberal. O Direito pode diminuir o encargo do uso deliberdades comunicativas. A teoria do discurso compreende o direito deambas as perspectivas. De uma parte, o fardo da legitimação da produçãodo Direito se desloca e não recai tanto sobre as virtudes de cidadãos, massobre procedimentos de formação da opinião e da vontade. Por outro, atradução para o código do direito das liberdades comunicativas implica que oDireito mesmo deve se abrir a fontes de legitimação das quais não podedispor a bel prazer.

O Direito moderno possui certas qualidades formais. Em primeiro lugar, ele éestruturado individualisticamente. As ordens jurídicas modernas estruturam-se sobre direitos subjetivos, que dão aos destinatários um âmbito de açãopara que eles possam proceder de acordo com suas preferências. Dentro doque foi limitado pelo Direito, as pessoas agem sem que precisem motivar asatitudes que tomam, ao contrário do que ocorre em relação às normasmorais. Mas ao contrário das normas morais, a cujos motivos as pessoasdevem também ligar sua vontade autônoma, as normas jurídicas aplicam-secogentemente. Daí uma segunda característica do Direito moderno: ele écogente. A legitimidade do Direito moderno consiste no espaço deixado paraque as pessoas possam obedecer-lhe por respeito. O Direito moderno é, aomesmo tempo, a consagração de leis da coerção e leis da liberdade36. E, emterceiro lugar, é preciso salientar que esse Direito é positivo, ou seja, é umdireito escrito e modificável que, para que obtenha legitimidade, deve serconstituído por meio de procedimento democrático que garanta,eqüitativamente, a autonomia pública e privada dos que são atingidos porele37.

Com isso, de um lado, estabelece-se uma relação conceitual entre o caráterde coercibilidade e a modificabilidade do Direito moderno: a facticidade daimposição do Direito tem ligação direta com as normas que, se impostasagora, podem não sê-lo no futuro; e isto por obra de um legislador que podealterá-la a qualquer momento. De outro lado, para que se possa obedecer aum direito que não pode mais apelar para uma moral eterna (direito natural)ante a dessacralização das imagens de mundo, é necessário que eleobedeça a procedimento de institucionalização que assegure a autonomiados destinatários, ou seja, um procedimento democrático.

O princípio democrático garante legitimidade ao Direito ao fundar a idéia deque suas normas possuem como alvo destinatários que podem se ver comoautores das mesmas. Está aí a coesão interna entre direitos humanos esoberania popular38. A forma do Direito define os procedimentos

democráticos de formação da opinião e da vontade que irão dizer quedireitos cabem a quem:

A almejada coesão interna entre direitos humanos esoberania popular consiste, assim, em que aexigência de institucionalização jurídica de umaprática civil do uso público das liberdadecomunicativas seja cumprida justamente por meiodos direitos humanos. Direitos humanos quepossibilitam o exercício da soberania popular não sepodem impingir de fora, como uma restrição39.

Com a autonomia privada, os indivíduos decidem como usufruir dos direitossubjetivos de que dispõem; com a autonomia pública eles definem como oigual será tratado como igual e o desigual como desigual, por intermédio desuas liberdades comunicativas. No entanto, tal diferenciação nãocompromete a coesão interna entre autonomia pública e privada. Emsociedades pós-tradicionais, os indivíduos não têm como dispor do mediumjurídico nos processos de integração social, não podendo mais apelar parajustificações metafísicas. Partindo desse ponto, é imperioso ressaltar que osindivíduos devem fazer uso de sua autonomia pública para definir quedireitos cabem a quem e em que medida; ao mesmo tempo, eles só podemfazer uso adequado das já mencionadas liberdades comunicativas sedispuserem de condições mínimas para tanto. Assim, autonomia pública eprivada são eqüiprimordiais, co-originárias, complementares.

Regulamentações que podem pretender legitimidadesão justamente as que podem contar com aconcordância de possivelmente todos os afetadosenquanto participantes em discursos racionais, nostermos do princípio do discurso. Se os discursos enegociações são o que constitui o espaço deformação da opinião e da vontade política racional,então, segundo Habermas, a suposição deracionalidade que deve embasar o processodemocrático tem que se apoiar num arranjocomunicativo, segundo o qual tudo depende dascondições sob as quais se podem institucionalizarjuridicamente as formas de comunicaçãonecessárias para a criação legítima do Direito40.

Conclusões

Numa drástica redução, pode-se dizer que a tese central de Faktizität undGeltung – a partir da qual Habermas relacionará direito e poder político –constitui-se na relação de eqüiprimordialidade entre autonomia pública eautonomia privada, na complementaridade entre direito e moral e na relaçãorecíproca entre direitos humanos e soberania popular, que partem de ummesmo princípio do discurso. A fim de esposar sua tese da coesão internaentre direitos e democracia, Habermas introduz a categoria do Direitomoderno a partir do ponto de vista da teoria da ação comunicativa. O Direitonão se limita a cumprir os requisitos funcionais de uma sociedade complexa,não, mais do que isso, ele exerce a integração social por meio daaceitabilidade de pretensões de validade, e isto se dá pela superação doparadoxo da derivação da legitimidade pela legalidade, ou seja, oprocedimento legislativo passa a ser visto como garantia da legitimidade àsleis. Mas isso só é possível perceber por meio de um conceito discursivo deDireito que traga à luz a coesão interna entre autonomia pública eautonomia privada, algo de certa forma intuído por Kant e Rousseau, masnão levado devidamente a efeito, justamente por estarem presos à filosofia

da consciência.

Tal conexão interna é apontada por Habermas como recurso a um sistema dedireitos que apresenta as condições de institucionalização jurídica de formasde comunicação para a produção politicamente autônoma de normas.

Em sociedades modernas e complexas, não é possível mais apelar para umamoral que, numa relação de subordinação, ofereça conteúdo e legitimidadeao Direito. Moral, ética e Direito tornam-se distintos. Mas a moral, nãoobstante distinta do Direito, o complementa: eles são co-originados numprincípio do discurso de conteúdo neutro, que pede o assentimento dosafetados para que possa haver validade nas normas de ação implicadas. Talprincípio assume caráter especial quando ligado à forma do Direito e torna-se um princípio democrático aberto a argumentos éticos, morais epragmáticos. Daí que o conceito de autonomia, que na moral é unívoco, sebifurca no Direito: autonomia pública e autonomia privada. Isso levou à idéiade que democracia e Estado de Direito são concepções irreconciliáveis.Habermas tem em mente, justamente, proceder a essa reconciliação. Oconceito de liberdades comunicativas permite verificar que o desuso deobrigações ilocucionárias só pode ser uma discricionariedade dos sujeitos dedireito a partir de sua autonomia privada; por isso, o Direito deve sempredeixar um espaço para que possa ser, à disposição dos cidadãos, obedecidopor respeito.

Com isso, o princípio democrático passa a ser o núcleo de um sistema dedireitos reconstruído numa gênese lógica. Esse sistema de direitos contém(a) direito a iguais liberdades subjetivas de ação; (b) direito à configuraçãocomo membros de uma associação política; (c) direito a acesso à justiçapara proteção daqueles direitos; (d) direito à participação política que revelea autonomia pública para a delimitação das três primeiras categorias; e (e)direito à garantia de condições sociais necessárias para o usufruto dasoutras categorias de direitos. Desse modo, a almejada coesão interna entredireitos humanos e soberania popular é alcançada pela institucionalizaçãojurídico-constitucional de procedimentos de participação na formação daopinião e da vontade, procedimentos estes que estão imbricados nainabdicável forma jurídica moderna.

Notas

1 Na tradução para o português, HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia:entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1997. Utilizar-se-á, ao longo do texto, entretanto, atradução espanhola: HABERMAS, Jürgen. Facticidad y validez: sobre elderecho y el Estado democrático de derecho en términos de teoria deldiscurso. Trad. Manuel Jimenez Redondo. Madri: Trotta, 1998.2 Habermas has entitled his new book Faktizitat und Geltung, but this mightalso serve as an appropriate title for his entire corpus. Throughout hiscareer, Habermas has sought to do justice to the poles of facticity andnormative validity and to the tensions that exist between these poles. In hismore “sociological” mode, he seeks to provide a comprehensiveunderstanding and analysis of the facticity of modern societies in their fullcomplexity. But he has also consistently argued that an adequate account ofthe development of modern societies must do justice to the implicit andexplicit claims to legitimacy and normative validity. He has argued - as hedoes so persuasively in his present book - that no normative theory (whetherof democracy, law, morality, or ethics) is adequate unless it can be related

to, and integrated with, the sheer facticity of everyday social life(BERNSTEIN. The retrieval of the democratic ethos, p. 1.127-1.128).Tradução livre: Habermas intitulou seu novo livro Facticidade e validade,mas isto pode também servir como um título próprio para toda sua obra. Aolongo de sua carreira, Habermas procurou fazer justiça aos pólos defacticidade e validade normativa e às tensões existentes entre tais pólos.Na sua versão mais sociológica, ele procura sustentar uma interpretaçãocompreensiva e uma análise da facticidade das sociedades modernas emtoda sua complexidade. Mas ele também tem pleiteado com consistênciaque uma explicação adequada do desenvolvimento de sociedades modernasdeve fazer justiça às reivindicações implícitas e explícitas de legitimidade evalidade normativa. Ele tem afirmado – como o faz de forma tão persuasivano presente livro – que nenhuma teoria normativa (seja da democracia,Direito, moralidade ou ética) é adequada a menos que possa serrelacionada, e integrada, a facticidade desviante da vida social cotidiana. 3 In HABERMAS, 1998.4 À guisa de um esclarecimento prévio, Habermas, como salienta Redondo(in HABERMAS. Facticidad y validez, p. 9), procede à gênese lógica dosistema de direitos através de dois elementos. O princípio do discurso defineque só são legítimas as normas de ação que possam ser aceitas por todosos possíveis afetados como participantes de discursos racionais. A formajurídica, que Habermas toma de Kant, define para as normas que: cuida-sede normas em que se prescinde da capacidade do destinatário de ligar suavontade por sua própria iniciativa; trata-se de assuntos bem tipificados eque, por isso, incorrem em uma abstração do mundo da vida; e nãodependem da motivação do agente quando ele cumpre ou não a norma.5 Mas esse sentido tautológico da validade do Direito só se explica comreferência à validade social e à validade no sentido de legitimidade. Avalidade social diz respeito à capacidade de imposição das normas entre osdestinatários, isto é, a sua aceitação fáctica e que na teoria do Direito sechama de eficácia. Já a validade, sentido utilizado na teoria do Direito sob onome de legitimidade, se mede pela resgatabilidade discursiva de suapretensão de validade normativa. Isto é, pode-se pressupor que a normaingressou no ordenamento jurídico por meio de um processo legislativoracional e que ela pode ser a qualquer momento justificada, aduzindo razõesmorais, éticas e/ou pragmáticas (REPOLÊS. Habermas e a desobediênciacivil, p. 72).6 (...) Habermas compreende o direito funcionalmente, como que reduzindoas diferenças nas sociedades, cujas capacidades de integração estãoesgotadas. Nas sociedades atuais cada vez mais complexas, as tradiçõesculturais, crenças, práticas e suposições normativas comuns, as quais emergem daquilo que Habermas nomina mundoda vida, de um grupo social situado historicamente, tornam-se incapazes defornecer uma justificação normativa aceitável para todos os modosexistentes de interação social. Ao mesmo tempo, ditas interações sãomediadas cada vez mais predominantemente através de sistemasautônomos, como a economia de mercado e a burocracia administrativaestatal, os quais freqüentemente se furtam ao controle dos atores sociaisdependentes desses sistemas. Assim, malgrado o mundo da vida sejanormativamente complexo, ele se torna sempre mais impotente,normativamente precário, e, com maior freqüência, os sistemas auto-referenciais invadem os espaços sociais em grandes extensões. Sob essascircunstâncias, Habermas assume que o Direito é o único meio legítimo paraa ampla integração normativa da sociedade, uma dobradiça entre sistema e

o mundo da vida (ROSENFELD, 2003, p. 21, destaques do original).7 A integração social não violenta pressupõe a coordenação de planos deação de diferentes atores. É um engate que possibilita um entrelaçamentode intenções e ações, ocasionando padrões de comportamento e ordemsocial. Se a linguagem é utilizada apenas como medium, a coordenação sedá pela influenciação recíproca de atores que agem uns sobre os outros demodo funcional (ação estratégica); mas se as forças ilocucionárias assumemum papel coordenador na ação, a linguagem mesma passa a ser exploradacomo fonte de integração social: esse é o agir comunicativo. É uma buscaincondicional de fins ilocucionários. O falante adota o enfoque performativode quem busca se entender com o outro sobre algo no mundo.8 In HABERMAS, 1998.9 In HABERMAS, 1998.10 Rousseau produz uma revolução no campo da teoria política ao vincular ajustificação da obediência com a autoria da lei por aqueles que devemrespeitá-la. Kant, por sua vez, amplia o tema no plano moral ao desenvolvera questão da autonomia da vontade, situando-a como princípio damoralidade, e transforma a teoria política de Rousseau, combinando-a comelementos liberais e articulando as conquistas da liberdade jurídica em umafilosofia da história (TERRA, 2004, p. 20). 11 Habermas explica que na modernidade se opera uma separação entreDireito e Moral, bem como entre estes e a ética. O produto do processo dediferenciação e de racionalização do mundo da vida assim delimitado é, porum lado, a idéia de auto-realização, tributária do pensamento de Rousseau,ligada à construção de sua idéia de soberania popular e de autonomiapolítica. Por outro lado, temos como produto a autodeterminação, idéiadesenvolvida por Kant junto aos direitos humanos e à autonomia privada(REPOLÊS, 2003, p. 90). 12 HABERMAS, 1998, p. 168, destaques do original.13 OLIVEIRA, 2004.14 O Direito e a organização política pré-modernos encontravam tradução,em última análise, em um amálgama normativo indiferenciado de religião,Direito, moral, tradição, e costumes transcendentalmente justificados e queessencialmente não se discerniam (...). O Direito, portanto, enquanto umúnico ordenamento de normas gerais e abstratas válidas para toda asociedade, não existia, mas tão-somente ordenamentos sucessivos eexcludentes entre si, consagradores dos privilégios de cada casta e facçãode casta, consubstanciados em normas oriundas da barafunda legislativaimemorial, nas tradições, nos usos e costumes locais, aplicadoscasuisticamente como normas concretas e individuais, e não como um únicoordenamento jurídico integrados por normas gerais e abstratas válidas paratodos (CARVALHO NETTO, 2004, p. 30, destaque do original). 15 O sentido da palavra discurso na teoria de Habermas é justamente o deuso reflexivo da razão comunicativa que permite a problematização(REPOLÊS, 2003, p. 50).16 HABERMAS, 1998.17 A distinção de discursos de aplicação e discursos de justificação éperpetrada por Klaus Günther (Der Sinn für Angemessenheit:Anwendungsdiskurse in Moral und Recht. Frankfurt am Main: SuhrkampVerlag, 1988. Em inglês: The Sense of Appropriateness: applicationdiscourses in morality and law. Trad. Jonh Farrell. Albany: State University ofNew York, 1993. Em português: Teoria da argumentação no direito e namoral: justificação e aplicação. Trad. Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004).Os esclarecimentos de Cattoni de Oliveira (Direito Constitucional, p. 85) são

extremamente pertinentes: Os discursos de justificação jurídico-normativase referem à validade das normas e se desenvolvem com o aporte de razõese formas de argumentação de um amplo espectro (morais, éticas epragmáticas), através das condições de institucionalização de um processolegislativo estruturado constitucionalmente, à luz do princípio democrático[...].Já discursos de aplicação se referem à adequabilidade de normas válidas aum caso concreto, nos termos do princípio da adequabilidade, semprepressupondo um pano de fundo de visões paradigmáticas seletivas.18 Repolês (2003) salienta que a posição de Habermas em referência aoprincípio moral U é diferente em Faktizität und Geltung. Habermasincorporou as críticas de Günther e difere, para os discursos morais ejurídicos, discursos de justificação e validade das normas dos discursos deaplicação e adequabilidade das normas.19 Tal expressão foi cunhada originalmente num contexto de teoria dossistemas. Na teoria luhmanniana, um sistema só pode se diferenciar namedida em que o faz em relação ao seu ambiente. O sistema traça, porintermédio de suas operações, seus próprios limites em relação aoselementos que não lhe pertencem e que, justamente por isso, fazem partede seu ambiente. Ele não opera para além de seus limites, o que nãosignifica um total isolamento do sistema. As operações são, realmente,sempre internas, mas, através da observação, os limites podem serpassíveis de serem transcendidos, verificando-se várias formas deinterdependência entre sistema e ambiente. As operações de um sistemafuncionam de acordo com o código do sistema. A codificação é umaduplicação da comunicação a partir de uma afirmação e de uma negação.Con código se entiende una regla de duplicación que permite relacionar todaentidad que caiga en su campo de aplicación con una entidadcorrespondiente. Esto es válido en primer lugar para el código del lenguaje[...] que permite relacionar toda enunciación positiva (Ja-Fassung) con unaenunciación negativa correspondiente (Nein-Fassung): el enunciado negativohoy llueve puede entenderse como la negación del enunciado negativo hoyno llueve. Con base en el lenguaje, esto es válido para los códigos de losdiversos sistemas de funciones [...] basados siempre en un esquema binario(CORSI, ESPOSITO e BARALDI. Glosario sobre la teoría social de NiklasLuhmann, p. 40). O código do Direito é a licitude (Recht) e a ilicitude(Unrecht). A noção de código binário é extremamente importante para essetrabalho porque as chamadas sentenças intermediárias pressupõem umapossível transigência com relação ao mesmo, uma manipulação, como severá adiante. Quando uma decisão no âmbito do controle deconstitucionalidade não viola tal código, é que poderá ser ela legítima. Paratanto, ver CHAMON JÚNIOR, Lúcio Antônio. Filosofia do Direito na altamodernidade: incursões teóricas em Kelsen, Luhmann e Habermas. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2005, p. 266-267.20 HABERMAS, 1998.21 As normas jurídicas têm um caráter artificial, no sentido de que elas sãoproduzidas intencionalmente e de modo reflexivo, aplicando-se a si mesmas.Por esse motivo, não basta que o princípio da democracia fixe osprocedimentos de normatização legítima do Direito, como ele deve tambémdirigir a produção do próprio Direito. Isto é, não basta que o processo deinstauração de normas seja legítimo. Antes há que pressupor a possibilidadede criação de uma comunidade jurídica que institucionalize os direitos departicipação de todos os seus membros no processo de instauração dessasnormas (REPOLÊS, 2003, p. 102).

22 HABERMAS, 2002, p. 289.23 HABERMAS, 1998, p. 180.24 HABERMAS, 1998, p. 183-184.25 Rosenfeld (2004: 17) lembra que a expressão Rechtsstaat cunhada pelosalemães remonta à Kant, ou mesmo antes, e não significa rule of law, mas,no inglês, State rule through law, ou a regra (ou governo) do Estado pormeio do Direito. O kaiser, para governar com a legitimidade que a ordemdinástica logicamente não poderia fornecer a ele, dependia de um outro tipode legitimidade a ser atribuída pelo menos formalmente pelo Reichstag. Okaiser se utiliza estrategicamente da legitimidade política para realizar avontade do Estado que encarnava, sem com isso retirar as vestes do jurídicodo poder que exercia. Já a expressão L’État de droit, tradução literal deRechtsstaat feita por Carré de Malberg, não significou substancialmenteaquilo que foi cunhada pelos germânicos. Rosenfeld traduz a expressãocomo Estado por meio da democracia jurídica, ou Estado por meio da regrademocrática, da lei democrática, já que o povo soberano se faz presentepela aprovação democrática da lei, segundo a Revolução Francesa. Umregime legal, na França, deve ser um regime democrático. A legitimidadeestá aqui intimamente ligada aos ideais de Rousseau: legitimidade queexiste e se representa a vontade geral do povo. No século XX, com o próprioCarré de Malberg, os franceses puderam verificar que a democracia, de persi, não garantia direitos constitucionais; daí a expressão passou a serentendida como a regra do Direito ou a regra do Estado por meio do direitodemocrático. Por fim, nos Estados Unidos, rule of law, ou Estado de Direito,esteve desde sempre ligado à proteção dos direitos fundamentais. Direitosconstitucionais sempre foram considerados direitos.26 Klaus Günther (1996: 1.038) esclarece que o conceito de liberdadecomunicativa refere-se a um dos mais basilares conceitos de liberdade, ouseja, a possibilidade de dizer não. The possibility to say no is constitutivefor the possibility of alternatives, and for the actor’s awareness that he orshe could decide between taking an affirmative position toward a plan ofaction. Taking an affirmative position then means taking a negative positiontoward the counterreasons which could be mobilized against the action plan.Thus, the actor’s will can be interpreted as the result of a double negativity,that is, as the negation of the possibility of a negation of her intention.Then, it seems that this structure of double negativity is the central featureof communicative freedom. Tradução livre: A possibilidade de dizer não éconstitutiva da possibilidade de alternativas e para a consciência do ator deque ele ou ela poderiam decidir por assumir uma posição afirmativa diantede um plano de ação. Assumir uma posição afirmativa então significaassumir uma posição negativa diante das contra-razões que poderiam serlevantadas contra o plano de ação. Assim, a vontade do ator pode serinterpretada como o resultado de uma dupla negação, ou seja, como anegação da possibilidade da negação de suaintenção. Então, parece que esta estrutura de dupla negação é acaracterística central da liberdade comunicativa. Em se tratando de umaliberdade negativa, Günther salienta que tal dupla negação deve serentendida em termos de relações ilocucionárias entre falante e ouvinte:trata-se da recusa do ouvinte em aceitar o pronunciamento do falante, algofundamental para a liberdade comunicativa. A possibilidade de dizer não é aliberdade de tomar uma posição diante das pretensões de validade de umato de linguagem. Isto envolve, por óbvio, a terceira possibilidade de nãoadentrar na comunicação (o que é diferente de abandoná-la após oestabelecimento de obrigações ilocucionárias entre as partes).

27 HABERMAS, 1998.28 REHG, 1996, p. 1.153. Tradução livre: O princípio democrático pode obteruma forma institucional apenas no sistema de direitos necessários se oscidadãos podem ser ao mesmo tempo destinatários e autores das leis que‘legitimamente regulam sua vida em conjunto’. Mais especificamente, a‘aplicação do princípio do discurso ao medium do Direito como tal’ deságuanuma estrutura de direitos garantindo a autonomia privada dos destinatáriosdo Direito, enquanto que a exigência de que os mesmos sejam tambémautores daquele gera direitos de participação política e, assim, a autonomiapública dos cidadãos.29 HABERMAS, 2003, p. 162.30 In HABERMAS, 2003.31 Kelsen tentou ocultar tal paradoxo com sua teoria pura. A normafundamental seria um pressuposto da Ciência do Direito e por isso não seriaele mesmo objeto de questionamento; a Ciência do Direito pertencia aocampo do dever ser. Schmitt expôs o paradoxo, dando prevalência àdemocracia, conceituada por ele como a unidade do político que radicava noPresidente da República (tal como na Igreja Católica, o Presidente, e não oParlamento, melhor exprimia o princípio da representação) (CALDWELL,1997.).32 A idéia da Constituição como um projeto é própria de teoriasreconstrutivas como as de Habermas e Dworkin e põe de lado teoriasoriginalistas que visam alcançar a vontade do constituinte, como se elapudesse prender as próximas gerações de uma vez por todas, como seencerrasse um processo. Daí afirmar Rosenfeld ser a identidadeconstitucional um projeto aberto que se concretiza na construção ereconstrução. O sujeito constitucional, que emerge do encontro do eu com ooutro, fundado na ausência e na alienação, encontra-se em uma posição querequer que ele esqueça a sua identidade utilizando-se do medium de umdiscurso constitucional, enraizado em uma linguagem comum que vincula eune o multifacetado eu constitucional aos seus múltiplos outros. Essediscurso constitucional deve ser construído, sobretudo, a partir de um textoconstitucional que deve ser localizado em seu contexto próprio, levando emconta as restrições normativas e factuais relevantes. Como o texto édependente do contexto e como o contexto é aberto a finalidades (open-ended) e sujeito a transformações ao longo do tempo, o sujeitoconstitucional precisa recorrer ao discurso constitucional para inventar ereinventar a sua identidade. (...) Em resumo, a auto-identidadeconstitucional, no entanto, só pode ser articulada pouco a pouco por umsujeito parcial que deve construí-la a partir de fragmentos díspares queprecisam ser projetados em um passado e um futuro incertos (ROSENFELD,2003: 39-41).33 HABERMAS, 2003, p. 165.34 De igual forma que la liberdad comunicativa, antes de todainstitucionalización, está referida a condiciones de un empleo del lenguajeorientado al entendimiento, y depende de esas condiciones, así también losderechos a hacer uso público de la libertad comunicativa dependen deformas de comunicación y de procedimientos discursivos de deliberación ydecisión, asegurados jurídicamente. Éstos tienen que garantizar que todoslos resultados obtenidos de manera formal y procedimentalmente correctarengan a su favor la presunción de legitimidad (HABERMAS, 1998, p. 193).35 HABERMAS, 1998, p. 194.36 Isso se revela na peculiar ambivalência com que o direito vai de encontroa seus destinatários e deles espera obediência. Pois ele os deixa livres, seja

para considerar as normas apenas como uma restrição efetiva de seu espaçode ação e portar-se estrategicamente em face das conseqüências previsíveisde uma possível violação das regras, seja para querer cumprir as leis emuma atitude performativa – e isso por respeito a resultados de umaformação comum da vontade que demandam legitimidade para si(HABERMAS, 2002, p. 287).37 HABERMAS, 2001.38 Cattoni de Oliveira (2005: 11-12), referindo-se a voto recente do MinistroCelso de Mello no Mandado de Segurança n. 24.831-9/DF, traduz de formaexemplar a questão: Nesse sentido, o Min. Celso de Mello procurourecuperar, de uma perspectiva principiológica, que certamente contribui parauma compreensão constitucionalmente adequada da representação política edo exercício do Poder Legislativo ao Estado Democrático de Direito, aintuição normativa segundo a qual a Constituição da República articula, deforma complexa, questões políticas – éticas, morais e pragmáticas – aquestões jurídicas. Mas tal articulação deve ser compreendida de tal formaque a proteção de direitos não fique prejudicada por razões de Estado. Agarantia dos direitos fundamentais, no duplo sentido de direitos individuaise de direitos de participação política, involve, assim, compreendê-los comogarantias constitutivas do próprio processo democrático.39 HABERMAS, 2002, p. 292.40 OLIVEIRA, 2004, p. 180.