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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO A TRAJETÓRIA DO ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL NO CONTEXTO DO CAPITALISMO DEPENDENTE Por: André Elias Fidelis Feitosa Sob a orientação da Profª Drª Eunice Schilling Trein Niterói Julho de 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A TRAJETÓRIA DO ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL NO CONTEXTO DO CAPITALISMO DEPENDENTE

Por: André Elias Fidelis Feitosa

Sob a orientação da Profª Drª Eunice Schilling Trein

Niterói Julho de 2006

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ANDRÉ ELIAS FIDELIS FEITOSA

A TRAJETÓRIA DO ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL NO CONTEXTO DO CAPITALISMO DEPENDENTE

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação, Campo de Confluência: Trabalho e Educação.

Orientadora: Profª Drª Eunice Schilling Trein

Niterói 2006

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À memória de Paulo Alves Feitosa, meu pai.

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AGRADECIMENTOS

Talvez essa seja a parte mais difícil na construção de um trabalho como este. Muitas

pessoas foram e são importantes na minha vida. Todas, de alguma forma participaram de minha formação. Portanto, este trabalho reflete essa complexidade de contribuições, ao mesmo tempo em que reflete minhas próprias construções a partir dessas relações dialéticas.

Ao tentar relacionar meus agradecimentos serei forçado a apresentar alguns primeiros que outros, o que não significa que essa maneira de expressar represente algum tipo de preferência. Será simplesmente uma ordem morta, livre de uma suposta importância dada pela seqüência.

Assim sendo, dividirei meus agradecimentos em três ramos: Familiar, Acadêmico, Profissional e Político.

AGRADECIMENTOS DE ORDEM FAMILIAR: À minha mãe e ao meu pai (em memória) pela criação que me foi dada, pelo

cuidado e pelo esforço em garantir a conclusão de meus estudos no nível chamado “superior”. Minha mãe, Lêda, em especial, pois recentemente encontro em mim alguns de seus traços no enfrentamento de questões vinculadas a luta de classes.

À Ana Lúcia, minha companheira e esposa, meu porto seguro, que habilmente

soube compreender meus momentos de inquietação e nervosismo. Eu te amo! Aos meus irmãos biológicos, Paulo Henrique, juntamente com Sissy, e Ruth, pela

amizade e o amor que a todo o momento disfarçamos, mas que, tenho certeza, é forte e duradouro.

À outra família em que fui inserido após casar-me com Ana. João, Maria Lêda,

Leila, Cláudio, Márcio, Maria Olímpia, Enéas, Maria Claudia, Amandinha e Ana Laura. Vocês também fazem parte da minha vida.

Aos meus vinte tios(as) e mais de noventa primos(as), os quais não teria condições

de nominar, mas que estão guardados em meu coração. Aos amigos que ao longo da vida fui encontrando e que foram me aceitando. Muito

obrigado a todos.

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AGRADECIMENTOS DE ORDEM ACADÊMICA:

À Eunice, que aceitou o desafio de me orientar neste trabalho. Sem a tua ajuda não

sei como conseguiria. Antes mesmo de me candidatar a uma vaga no mestrado, já tinha por ti uma grande admiração, tanto pelas tuas posições políticas, quanto pela coerência apresentada nos espaços de debate sindical. Obrigado!

Ao Professor José Rodrigues, de quem aos poucos fui me tornando amigo. Muito

obrigado Zé por tuas contribuições e pela firmeza com que apresenta tuas convicções. Enxergo em ti um verdadeiro intelectual orgânico da classe trabalhadora.

À Ana Dantas, que tão gentilmente aceitou participar de minha banca de defesa.

Mais que isso, de quem tive o prazer de ser aluno em outros momentos de minha formação. O teu conhecimento e tua trajetória na área do ensino agrícola servem de estímulo àqueles que, como eu, pretendem trilhar nos caminhos deste ramo da pesquisa. Estendo, portanto, estes agradecimentos a Lia e Tarci, docentes que, juntamente com Ana, trabalham na formação de novos professores de ciências agrícolas, através da faculdade de educação da UFRRJ.

A Gaudêncio Frigotto, pela generosidade intelectual que demonstrou na apreciação

deste trabalho. Gaudêncio, por tudo o que representas no campo Trabalho e Educação, obrigado.

Aos grandes amigos e amigas que comigo trilharam boa parte desse caminho, e

cujas contribuições foram fundamentais para construção deste trabalho. Adriana, Lorene, Jorge, Marcelo, Graziani, Ozias, Marisa Brandão, Luciana Requião, Maria Inês, Lobo, Laura, Jaqueline, Jane, Mônica, Sandra, Pina, Zuleide, Antônio, a “panelinha de 2003” (Kênia, Marcelo, Sérgio,...), e outros que não consigo lembrar os nomes, mas que guardo na memória suas contribuições. Muito obrigado a todos vocês.

Aos Professores do campo Trabalho Educação: Ronaldo Rosas, Lia, Sônia, Maria

Ciavatta e Ângela Siqueira, esta última pelo seu trabalho de mestrado, que serviu como fonte para esta dissertação. Nos espaços de construção do conhecimento abertos por cada um de vocês tive a oportunidade de ampliar minha bagagem teórica e de, portanto, realizar este trabalho.

Às funcionárias da secretaria do Programa de Pós-Graduação em Educação, que

gentilmente atendiam nossas solicitações. À Fátima, pela manutenção e limpeza das salas de aula e pelo cafezinho, sempre na

hora certa.

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AGRADECIMENTOS DE ORDEM PROFISSIONAL E POLÍTICA

Aos colegas do Colégio Agrícola Nilo Peçanha/UFF, que coletivamente

concederam-me a licença para capacitação e cujo convívio estimularam em mim as inquietações necessárias para o desenvolvimento deste trabalho.

À Universidade Federal Fluminense, que através de seu programa interno de

capacitação docente, concedeu-me seu auxílio. Aos companheiros e companheiras de luta sindical, que militam na ADUFF-SSind.

Em especial aos que comigo compõem a atual diretoria. Obrigado pela generosidade ao reconhecerem a necessidade de meu afastamento, para dedicar-me exclusivamente a conclusão desta dissertação. A convivência com cada um de vocês e com o movimento docente organizado posicionaram-me na luta de classes. A luta, portanto, se configurou na necessidade de ampliação teórica, que tentei buscar através deste mestrado. Muito obrigado!

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A grande propriedade fundiária reduz a população agrícola a um mínimo sempre declinante e a confronta com uma sempre crescente população industrial amontoada nas grandes cidades; deste modo, ela produz condições que provocam uma falha irreparável no processo interdependente do metabolismo social, um metabolismo prescrito pelas leis naturais da própria vida. Isso resulta num esbulho da vitalidade do solo, que o comércio transporta muitíssimo além das fronteiras de um único país. A indústria de larga escala e a agricultura de larga escala feita industrialmente têm o mesmo efeito. Se originalmente elas se distinguem pelo fato de que a primeira deixa resíduos e arruína o poder do trabalho e portanto o poder natural do homem, ao passo que a última faz o mesmo com o poder natural do solo, elas se unem mais adiante no seu desenvolvimento, já que o sistema industrial aplicado à agricultura também debilita ali os trabalhadores, ao passo que, por seu lado, a indústria e o comércio oferecem à agricultura os meios para exaurir o solo. (MARX)

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RESUMO

Este estudo teve por objetivo central, compreender o desenvolvimento do ensino agrícola no Brasil, e suas vinculações/relações com o sistema capitalista aqui desenvolvido. Nessa perspectiva, o trabalho, ora apresentado, ficou dividido em três capítulos, que se apresentam da seguinte forma:

No capítulo 1, faço uma abordagem do processo histórico do ensino agrícola no Brasil, tomando como base para essa análise o conceito de capitalismo dependente de Florestan Fernandes. Tal tentativa usa como instrumentos: a caracterização das diferentes formas de organização da produção agrícola no Brasil, suas demandas e subordinações, desde a ocupação de nosso solo por forças lusitanas.

No capítulo 2, procuro demonstrar que, a partir das recentes reestruturações do capitalismo, há uma aproximação entre a lógica de produção rural e urbana, ou seja, fica mais difícil identificar com clareza quais são os setores primário, secundário e terciário, dada a unidade dos processos produtivos, em conseqüência do capital financeiro. Com base nesse entendimento, procuro explicitar a última mudança ocorrida na estrutura do ensino agrícola no Brasil, que foi a extinção da Coordenação do Ensino Agropecuário (COAGRI) do âmbito do MEC, passando esta modalidade de ensino a ser tratada juntamente com todas as outras de formação profissional.

Por fim, no capítulo 3, apresento, como conseqüência dessa reestruturação, as reformas vividas pela educação, prioritariamente de formação profissional, a partir da década de 1990, até as contradições expressas no Decreto 5.154/04. Palavras-chave: ensino agrícola, organização da produção agrícola, reforma do ensino profissional.

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ABSTRACT

This study has for central objective, to understand the development of agricultural education in Brazil, and its entailings/relations with the capitalist system developed here. In this perspective, the work, as presented, was divided in three chapters, presenting of the following form:

In chapter 1, I make a boarding of the historical process of agricultural education in Brazil, taking as base for this analysis the concept of dependent capitalism of Florestan Fernandes. Such attempt, uses as instruments: the characterization in the ways of agricultural production in Brazil, its demands and subordinations, since the occupation of our ground for portuguese forces.

In chapter 2, I intend demonstrate that, from the recent reorganizations of the capitalism, it has an approach enters the logic of agricultural and urban production, or either, it is more difficult to identify with clarity which are the sectors primary, secondary and tertiary, given the unit of the productive processes, in consequence of the financial capital. With base in this agreement, I intend to show the last occured change in the structure of agricultural education in Brazil, that was the extinguishing of the Coordenação do Ensino Agropecuário (COAGRI) of the scope of the MEC (Brazilian Ministry of the Education), passing this category of education to be dealt with all the others professional formation.

Finally, in chapter 3, I present, as consequence of this reorganization, the reforms lived for the education, mainly of professional formation, from the decade of 1990, until the express contradictions in Decree 5.154/04.

Word-key: agricultural education, organizations of agricultural production, reform of professional education.

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APRESENTAÇÃO DA DISSERTAÇÃO.

A Trajetória do Ensino Agrícola no Brasil no contexto do Capitalismo Dependente.

Caro Leitor, Começo a apresentação de minha dissertação fazendo alguns destaques

a uma questão que, embora esteja presente neste trabalho, não se tornou

aparente. Assim, entendo ser importante tal apreciação, para que todos tenham

uma pequena noção da dimensão das transformações que se fizeram necessárias

nesse curto e intenso percurso trilhado neste programa de pós-graduação. Falo,

portanto, de minha própria trajetória; dos motivos que me levaram a me candidatar

a um curso em nível de mestrado, o projeto inicial e o amadurecimento do objeto

durante o processo de pesquisa.

O fato de ser um professor e ex-aluno do ensino técnico agropecuário é,

com certeza, um dos principais motivos que me conduziram até o tema desta

dissertação. Porém, com que olhar eu trataria o meu objeto? O lado que eu já

havia escolhido ficar na luta de classes, antes mesmo da entrada neste programa,

me indicava e estimulava a conhecer um pouco mais a respeito do marxismo e de

seu referencial teórico e metodológico.

Foi assim, portanto, que ingressei no campo Trabalho e Educação: com

muitas inquietações e pouca bagagem teórica para enfrentar o todo caótico que se

apresentava no cotidiano de minhas atividades docentes.

Dessa forma, meu primeiro projeto pretendia analisar as transformações

vividas pelas escolas agrícolas a partir da aplicação do Decreto 2.208/97,

provavelmente por ser esta a questão que me incomodava de maneira mais

imediata, e que de certa forma eu não a tinha resolvido, visto que suas

conseqüências se apresentavam a mim de maneira muito desastrosa.

Porém, no decorrer do curso, os debates, as aulas, as leituras, a

orientação de Eunice e até os espaços informais de discussão, foram me

apresentando uma forma - até então - nova de investigar a realidade. As

categorias mais simples do pensamento marxista foram tomando forma –

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TRABALHO; CONTRADIÇÃO; MAIS-VALIA; MODOS DE PRODUÇÃO;

CAPITALISMO; FORÇAS PRODUTIVAS; ESTRUTURA; SUPERESTRUTURA – e

tantas outras passaram a fazer parte do meu vocabulário, mais que isso,

passaram a fazer parte de minhas análises. O materialismo histórico e dialético

vem, portanto, se tornando – usando as palavras de Mario Duayer - uma

“plataforma” para a observação da realidade.

Dessa forma entendi que o Decreto 2.208 se mostrava como uma das

expressões das disputas geradas no seio do próprio sistema capitalista - diga-se

de passagem, expressão efêmera, visto que logo foi substituída por outra. Era

necessário, portanto, entender o ensino agrícola brasileiro no seu processo

histórico, e não somente na aparência mais recente. Era necessário investigar as

relações dessa modalidade de ensino com o modo de produção que se

desenvolveu no Brasil. Só assim eu poderia observar o objeto de pesquisa na sua

totalidade histórica, e isso se tornou inevitável. Fazia-se necessário entender em

que condições foram fincadas as raízes do problema.

Assim, o primeiro passo dado foi no sentido de entender o modo de

produção que se desenvolveu no Brasil. Esse, portanto, não foi um passo simples,

visto que esta ainda é uma questão em aberto no interior da intelectualidade

brasileira. Diversas são as formas de ver e de qualificar esse processo. Porém as

analises de Florestan Fernandes me ajudaram, ou melhor, balizaram minha forma

de enxergar sobre tal assunto. O processo histórico vivido pelo Brasil permite-nos

enxergar aspectos de diferentes modelos de desenvolvimento. É, portanto, nessas

diferentes formas de apropriação dos modelos onde, para mim residem às

disputas infindáveis. Nesse ponto entendo que o trabalho de Florestan traz muitos

avanços, principalmente por tentar descrever um processo de desenvolvimento

próprio, centrado na teoria da dependência, e que leva em consideração nossas

especificidades.

Citando o próprio Florestan:

“É preciso colocar em seu lugar o modelo concreto de capitalismo que

irrompeu e vingou na América Latina, o qual lança suas raízes na crise do antigo sistema colonial e extrai seus dinamismos organizatórios e

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evolutivos, simultaneamente, da incorporação econômica, tecnológica e

institucional a sucessivas nações capitalistas hegemônicas e do crescimento

interno de uma economia de mercado capitalista”.

Foi com esse espírito, portanto, e com a ajuda de outros autores que

tentei (re)descobrir o processo de produção agrícola no Brasil, para compreender

as diferentes necessidades de formação de mão-de-obra especializada para o

campo, em diferentes momentos da história.

Dois eventos da história do ensino agrícola no Brasil, no entanto,

aguçavam mais minha curiosidade, provavelmente por terem sido tratados

somente como eventos. Um deles era o considerado marco do ensino agrícola no

Brasil, a Carta Régia de D.João VI, ao Conde dos Arcos, de 1812. O outro era a

inauguração do primeiro estabelecimento de ensino agrícola público, em 1859, na

Bahia. Assim, a perspectiva de compreensão do cenário político e econômico

dessa época se deu como forma de entender sobre que aspectos fundou-se tal

modalidade de ensino. Para tanto, as descrições feitas por Celso Furtado e Caio

Prado Júnior sobre a formação econômica do Brasil foram fundamentais para esse

entendimento.

A maior ênfase a estes dois eventos não nos impossibilitou de

continuarmos, ainda no primeiro capítulo, nossa investigação acerca da trajetória

de nosso objeto de pesquisa. Nesse sentido procuramos compreender as

diferentes fases desse processo e suas relações com a estrutura econômica

brasileira nos diferentes momentos de nossa história. Para tanto, o trabalho de

Boris Fausto, sobre a história do Brasil nos permitiu (re)aprender acerca de tantos

outros eventos históricos necessários para conseguirmos entender outras etapas

complexas de nosso desenvolvimento.

Ainda nesse processo de investigação, foi de fundamental importância o

trabalho de Ângela Siqueira, intitulado: Propostas, Conteúdos e Metodologias do

Ensino Agrotécnico: Que Interesses Articulam e Reforçam?, orientado por Frigotto,

em 1987. Foi o trabalho de Ângela que nos deu diversos suportes para nossa

dissertação, não só com seus apontamentos históricos, mas também com as

análises apresentadas.

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Portanto, o processo de produção no Brasil e sua relação dialética de

dependência de uma estrutura que extrapolava suas fronteiras, tiveram

necessariamente que ser alvo de nossas investigações. Assim, por tratarmos de

questões históricas complexas, provavelmente, existem lacunas neste trabalho

que só se completarão com uma pesquisa mais ampla que trate dos assuntos de

forma verticalizada, ou seja, com o aprofundamento investigativo, de caráter

historiográfico, para cada evento citado. Porém, a perspectiva de totalidade para

este momento, requeria uma pesquisa que tratasse das diversas questões ligadas

à trajetória do ensino agrícola no Brasil de forma ampla; foi com essa intenção que

se deu a escolha de fontes que balizaram o entendimento da formação econômica

do Brasil.

Quando iniciei minhas atividades como docente do ensino técnico

agrícola, em 1996, dez anos após a extinção da Coordenação do Ensino

Agropecuário (COAGRI), órgão autônomo do Ministério da Educação, responsável

pelas políticas dessa modalidade de ensino, observava em grande parte dos

colegas mais velhos um sentimento de nostalgia em relação àquela época. Um

lugar específico na administração do Estado parecia conferir ao ensino agrícola

um lugar de destaque, e a extinção desse lugar parecia demonstrar – isso de

maneira mais aparente – um a falta de compromisso do Estado brasileiro com a

agricultura e com os profissionais que nela atuavam. Fato é, que para muitos

colegas a história do ensino agrícola se divide em antes e depois da COAGRI.

Não poderíamos, porém, tratar dessa questão nesse nível de superficialidade, e

foi justamente por descobrirmos a representatividade desse órgão na história mais

recente do ensino agrícola que nos empenhamos em descortinarmos o cenário de

sua extinção. Afinal, nos propusemos a compreender a trajetória do ensino

agrícola, e a extinção da COAGRI era um marco que não poderia ser desprezado.

Assim o segundo capítulo pretendeu demonstrar como a estrutura

econômica interfere diretamente nas questões superestruturais, e essa fase do

ensino agrícola expressa claramente uma determinação dessa interferência.

A partir de meados da década de 1960, a agricultura no Brasil passa por

uma transformação, principalmente naquilo que diz respeito a sua organização

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produtiva, que segundo Delgado, surge do aprofundamento das relações do setor

agrícola com a economia urbano-industrial.

Nesse sentido, afirma Mazzali:

Tratava-se da reformulação da inserção da agricultura no

padrão de acumulação, por meio de um processo de

modernização, com ênfase:

• na diversificação e aumento da produção, visando

enfrentar os desafios da industrialização e da

urbanização aceleradas e a necessária elevação das

exportações primárias e agroindustriais;

• na transformação da base técnica da agricultura

brasileira, com a consolidação do complexo

agroindustrial

Dessa forma, o processo de industrialização da agricultura, também

apelidado de revolução verde, guardou algumas características específicas, ou

seja, o desenvolvimento das forças produtivas no campo, ocorrido a partir da

década de 1960, inseriram no processo de produção agropecuária novas

exigências de aumento da produtividade, calcada na incorporação de insumos

industrializados.

O forte papel do Estado, característica mais geral de todo sistema

capitalista desse período, se fez presente nas relações de produção agrícola, no

Brasil, tanto nas políticas de crédito agrícola, como também em toda uma

correlação de atividades voltadas à assistência e extensão rural, “elemento

fundamental na estratégia de transferência para o setor agrícola de tecnologia

gerada na indústria situada a montante da agricultura”.

De acordo com Delgado:

A partir desse conjunto de políticas, o Estado executou planejamento indicativo, engendrando novas formas de desenvolvimento capitalista na agricultura. De um lado, moldou e aprofundou as relações de integração técnica entre agricultura e indústria, a montante e a jusante. De outro, estimulou a integração de capitais ‘mediante a fusão de capitais multisetoriais operando conglomeradamente, processo que é decididamente apoiado pelas políticas de

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corte multisetorial (comércio exterior, tabelamento de preços, incentivos fiscais etc) e de fomento direto...(crédito rural, política fundiária, tecnologia e desenvolvimento rural integrado).

E completa Mazzali,

Em outras palavras, foi o Estado enquanto financiador e articulador dos diferentes interesses que garantia e gerenciava um padrão no direcionamento das relações entre os agentes, conferindo, dessa forma, um dado ‘estilo’ ao processo de modernização.

Essa presença/utilização do Estado no processo de construção dos

Complexos Agro Industriais pôde também ser identificada nas políticas voltadas à

formação de técnicos agrícolas de novo tipo. Por isso, tanto “empreendimento” do

Estado, requereria, simultaneamente, profissionais capacitados para as demandas

advindas do setor que rapidamente se reestruturava. É nesse cenário que surge

então a COAGRI.

Sua extinção, portanto, ocorre como resultado de um novo processo de

reestruturação. Reestruturação de cunho neoliberal, que acontece na forma de

organização da produção, em todos os níveis, e que também atingem a área da

educação, e no caso do objetivo do trabalho apresentado, especificamente o

ensino agrícola de 2º grau.

No bojo de uma série de extinções de instituições vinculadas ao Estado,

é que em 21 de novembro de 1986, o governo de José Sarney, emite o Decreto

93.613, eliminando de uma só vez quatro órgãos que integravam a estrutura do

Ministério da Educação:

I- o Conselho Nacional de Serviço Social;

II- a Comissão Nacional de Moral e Cívica;

III- a Coordenação de Ensino Agropecuário – COAGRI; e

IV- a Delegacia Regional do Distrito Federal.

Na seqüência são editadas as Portarias 821 e 833, do Gabinete do

Ministro da Educação, Jorge Bornhausen, atribuindo a Secretaria de 2º Grau

(SESG) o exercício das funções da extinta COAGRI e vinculando as escolas

agrotécnicas federais a nova estrutura.

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Notamos, portanto, que a extinção da COAGRI vem certificar que não há

um descolamento entre as reestruturações de ordem econômica e as políticas de

formação profissional. No caso do ensino agrícola, o que tento reforçar é que as

mudanças na organização da produção, que em um momento não prescindiam

das funções mais diretas do Estado, e que reforçaram uma maior unidade entre a

lógica capitalista no campo e na cidade, ao se reestruturar não precisariam mais

de um órgão específico para a elaboração de políticas voltadas à formação de

técnicos agrícolas, já que depois dessa “unidade estrutural” o mais “adequado”

seria tratar tal modalidade de ensino na totalidade dos cursos de formação

profissional, sejam eles ligados à indústria, ao comércio ou a agricultura.

Entendemos, através deste trabalho, que esta reestruturação vem

acontecendo de maneira contínua, ou seja, ela ainda se encontra em processo, e

que sua expressão mais atual seja a recente transformação de Escolas

Agrotécnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs).

A chamada Cefetização.

A inquietação inicial que me motivou aos estudos em nível de mestrado

ainda se mantinha, só que de forma diferenciada. O incômodo gerado pelas

reformas educacionais da década de 1990, embora não pudesse ser resolvido

com este trabalho, precisaria ser entendido de forma mais aprofundada. Por isso

dediquei o terceiro capítulo de minha dissertação a este assunto.

Estimulado pela provocação de José Rodrigues, ao perguntar: “As idéias

neoliberais estão vivas na política educacional brasileira? Mas, o que são essas

idéias neoliberais?” Direcionei meus esforços a entender o neoliberalismo a partir

de seus principais intelectuais.

Tomando como base os clássicos dessa teoria: “O Caminho da Servidão”,

de Friedrich Hayek, e “Capitalismo & Liberdade”, de Milton Friedman, tentei

demonstrar, minimamente, a influência/intervenção de tais ideais nas políticas

educacionais brasileiras, com um enfoque nas políticas de formação profissional

de nível médio no Brasil a partir da década de 1990.

Impossível agora seria não tratar do Decreto 2.208, inserido, porém, em

conjunto mais amplo, ou seja, tratado na totalidade das recentes reformas

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educacionais. Impossível também seria não tratar da mais recente transformação

vivida pelo ensino profissionalizante, através do Decreto 5.154, de 2004, editado

pelo atual governo.

Embora este último represente uma mudança ainda difícil de perceber

seus efeitos, dada a proximidade histórica, fui instigado, pela própria condição de

pesquisador em que me encontrava, a expor minhas análises e, por que não,

previsões dos seus desdobramentos. Só que agora, pautado por uma condição de

totalidade construída durante a elaboração deste trabalho.

Toda esta dissertação, e principalmente este último capítulo, trouxe-me

uma grande inquietação acerca dos limites impostos pelo capital a luta da classe

trabalhadora No processo de desenvolvimento do capitalismo (isto visto de uma

forma mais ampla, ou seja, nas suas transformações globais), a classe

trabalhadora, em uma relação dialética com a burguesia, conseguiu conquistar

vários avanços, na forma de garantias e direitos, em um período denominado de

welfare state (ou, estado de bem-estar social). Porém, não devemos nos

esquecer, que mesmo no Estado de Bem-estar, a hegemonia era do capital. Pois

bem, no decorrer do processo histórico esses direitos e garantias vêm sendo

sumariamente retirados dos trabalhadores, que nas suas posições de resistência

lutam para não perdê-los. Eis, portanto, a minha inquietação: São esses os limites

da luta? Ou, não serão estes os limites do capital, dados para nossa luta?

Contudo, ainda se mostra bastante atual o debate acerca de uma

superação desses limites que são impostos pela democracia burguesa. Ficaremos

nos desgastando nas disputas, em um quadro de “democracia restrita”? Ou

buscaremos as (im)possibilidades de uma verdadeira superação da dualidade

estrutural, que é na verdade a superação dessa sociedade de classes?

André Elias Fidelis Feitosa.

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SUMÁRIO Introdução-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------01 Capítulo 1- CAPITALISMO DEPENDENTE E A HISTÓRIA DO ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL--------------------------------------------------------09 1.1- O conceito ampliado de capitalismo dependente----------------------------------------------------11 1.2 – A história do ensino agrícola no Brasil e sua relação com os padrões de dominação externa-----------------------------------------------------16 1.2.1 – A crise do padrão de dominação colônia e a intenção da fundação do ensino agrícola no Brasil-----------------------------------16 1.2.1.1 – Início da Produção Agrícola no Brasil--------------------------------------17 1.2.1.2 - A produção de cana nas Antilhas--------------------------------------------20 1.2.1.3 - Produção de cana: decadência e breve ascensão--------------------------23 1.2.1.4 - A intenção de criação de uma escola agrícola no Brasil-----------------26 1.2.2 - O neocolonialismo e a primeira escola agrícola no Brasil----------------------------31 1.2.2.1 - A predominância da cultura do café contribuindo para o adiamento do projeto---------------------------------33 1.2.2.2 – A crise no modelo de produção escravista---------------------------------37 1.2.2.3 – O cenário do interstício entre a intenção da instalação de uma escola agrícola no Brasil e sua efetivação----------39 1.2.2.4 – A estabilidade no Segundo Império e a Lei de Terras-------------------44 1.2.2.5 - Finalmente, a criação da primeira escola agrícola no Brasil-----------47 1.2.3 - Imperialismo restrito e o ensino agrícola no Brasil-----------------------------------49 1.2.3.1 - O processo histórico do ensino agrícola em tempos de imperialismo restrito-----------------------------------------51 1.2.3.1.1 - As mudanças ocorridas no ensino agrícola brasileiro nas primeiras décadas do séc. XX-------------------53 1.2.3.1.2 - A configuração do ensino agrícola a partir do Estado Getulista------------------------------------56 1.2.3.1.3 - A tendência à conciliação de classes no campo---------------62 1.2.3.1.4 - A escola agrícola como instrumento de contenção de conflitos-------------------------------------65 1.2.4 - Imperialismo total e o ensino agrícola brasileiro--------------------------------------68

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1.2.4.1 - As transformações do ensino agrícola em tempos de imperialismo total--------------------------------------------74 Capítulo 2 - AS MUDANÇAS ESTRUTURAIS NO PLANO DO CAPITALISMO RURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO DE TÉCNICOS EM AGROPECUÁRIA-------------------------------------79 2.1 - Conceitos usados para qualificação das mudanças dos processos de produção da agricultura brasileira------------------------------------------------80 2.2 - Revolução Verde e os Complexos Agroindustriais (CAIs)----------------------------------------82 2.2.1 - O cenário de criação da COAGRI--------------------------------------------------------88 2.3 - A recente mudança na organização agroindustrial no contexto da extinção da COAGRI-------------------------------------------------------------92 Capítulo 3 - NEOLIBERALISMO: UM PROJETO AINDA EM CONSTRUÇÃO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO--------------------------------------------100 3.1 - A base teórica do neoliberalismo---------------------------------------------------------------------100 3.1.2 - Características principais das obras de Hayek e Friedman------------------------101 3.1.2.1 - Alguns aspectos da obra de Hayek-----------------------------------------103 3.1.2.2 - Alguns aspectos da obra de Friedman-------------------------------------108 3.1.2.2.1 - O papel do Estado na educação, segundo Friedman-------111 3.1.3 - O Neoliberalismo: principais aspectos-------------------------------------------------113 3.1.3.1 - A função do Estado no projeto neoliberal--------------------------------115 3.1.3.2 - O consenso de Washington---------------------------------------------------116 3.2 - A educação brasileira de formação profissional de nível médio a partir da década de 1990---------------------------------------------------------117 3.2.1 - A construção das recomendações dos organismos internacionais----------------119 3.2.2 - Os aspectos neoliberais na educação profissional e algumas de suas contradições------------------------------------------122 3.2.3 – O Decreto 5.154/04 em questão----------------------------------------------------------127 3.2.3.1 Um decreto flexível--------------------------------------------------------------131 3.2.3.2 O avanço paralisante------------------------------------------------------------134 Considerações finais-----------------------------------------------------------------------------------------------------137 Referências Bibliográficas----------------------------------------------------------------------------------------------140 Anexo – Textos legais que marcam a história do ensino agrícola no Brasil----------------------------------147

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INTRODUÇÃO

I.1 - Apresentação:

O estudo, ora apresentado na forma de dissertação, representa um

esforço para melhor compreensão do ensino agrícola no Brasil. Em minha

trajetória de vida como docente e ex-aluno dessa modalidade de ensino, muitas

foram as indagações construídas a respeito dos problemas que se apresentavam

no cotidiano das relações de um colégio de formação de técnicos em

agropecuária; indagações essas, que por várias vezes, não encontravam

respostas nesse mesmo cotidiano. Era necessário ir mais fundo, entender em que

bases vem sendo construída essa modalidade de ensino, quais suas relações

com a materialidade histórica da produção agrícola no Brasil, e a percepção disto

através da legislação, não só naquela dedicada exclusivamente ao ensino

agrícola, mas também nas de caráter mais amplo, ou seja, aquelas dedicadas à

educação de maneira geral.

Nessa perspectiva, o aprofundamento nos estudos de diversas questões

conceituais e históricas, vinculadas a um referencial metodológico - que, no

passado, em função das condições objetivas não fui capaz de realizar - se tornou

necessário.

Já os primeiros estudos levaram-me a elencar o materialismo histórico

como o referencial metodológico que balizaria esta dissertação. Assim, é que

apresento este trabalho, que representa a tentativa de apreensão, conjunta e

dialética, do objeto de estudo e de seu referencial.

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I.2 - Justificativa:

Esta dissertação se justifica na medida em que, tanto na área Trabalho e

Educação, quanto em outras áreas de pesquisa em educação, poucas são as

obras dedicadas ao estudo do ensino técnico em agropecuária. Porém, esta

justificativa não se limita à superação da escassez de trabalhos, mas apresenta-se

na perspectiva de uma nítida necessidade de se analisar tal objeto à luz de um

referencial teórico, que busque maior e melhor apreensão possível da realidade

(historicamente construída e delimitada), e que não se estabeleça por uma ótica

coorporativa, ou celebratória, do ensino técnico agrícola no Brasil.

Assim, a preocupação expressa neste trabalho, de analisar as

transformações ocorridas nas formas de organização da produção no Brasil, como

mediações para entender as mudanças ocorridas nas políticas públicas para o

ensino agrícola, apresenta-se na perspectiva de contribuir para o debate mais

amplo do papel da formação do técnico em agropecuária.

I.3 – O Problema:

Para entender o ensino agrícola no Brasil, é necessário também entender

como se organiza - e se organizou - a produção na agricultura, para analisar quais

foram - e são - os interesses envolvidos na formação dos técnicos em

agropecuária.

Assim, notou-se que há um movimento da economia para as políticas

educacionais. Movimento este que, não se caracteriza somente nesse novo

padrão de acumulação, mas que se adequa de forma regressiva e contraditória,

mediatamente, a cada mudança do capitalismo.

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Como prova mais visível desse movimento recente temos a LDB 9394/96,

o Decreto 2208/97 (agora revogado), e o Decreto 5154/04.

Assim é que, regidas pela racionalidade financeira, as políticas educacionais vigentes repousam, não mais no reconhecimento da universalidade do direito à educação em todos os níveis, gratuita nos estabelecimentos oficiais, mas no princípio da equidade, cujo significado é o tratamento diferenciado segundo as demandas da economia.

Em consonância com a progressiva redução do emprego formal e com a crescente exclusão, o investimento em educação passa a ser definido a partir da compreensão de que o Estado só pode arcar com as despesas que resultem em retorno econômico.(KUENZER, 1998; p.133).

Por isso, para este trabalho, procurei descobrir quais foram - e são - as

mediações necessárias, para entender as interferências do capital na formação

dos profissionais técnicos que atuaram - e atuarão - nessa área.

I.4 - Metodologia de pesquisa:

A iniciação ao mestrado, no campo de confluência Trabalho e Educação,

apresentou-me diversas leituras, até então desconhecidas por mim, entre elas a

“Introdução [à Crítica da Economia Política]”, de Karl Marx, escrita em 1857, que

traz apontamentos iniciais aos seus estudos sobre a economia. Nesse texto

deparei-me com uma nova forma de enxergar a realidade, a partir daquilo que não

se explica de forma positivista, que não se resolve através de respostas simples e

imediatas, como simples conseqüências de outros eventos. Deparei-me então

com a dialética marxista.

“A dialética é o pensamento crítico que se propõe a compreender a ‘coisa em si’ e sistematicamente se pergunta

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como é possível chegar à compreensão da realidade” (KOSIK, 1976, p.15)

Marx, ao discorrer sobre as relações entre produção, consumo,

distribuição e troca traz, não só apontamentos para uma nova forma de análise

econômica, mas, também, estabelece novos parâmetros para analisar o mundo.

Estabelece, portanto, um novo método de pesquisa.

À forma aparente, (...), em contraste com a relação essencial que ela dissimula, (...), podemos aplicar o que é válido para todas as formas aparentes e seu fundo oculto. As primeiras aparecem direta e espontaneamente como formas correntes de pensamento; o segundo só é descoberto pela ciência. A economia política clássica avizinhou-se da essência do fenômeno, sem, entretanto, formulá-la conscientemente. (MARX, 2003, p.622)

No método da economia política, ao enxergar o empírico, observa-se um

todo, mesmo que com alguma abstração, mas um todo ainda caótico, onde

descobrir suas múltiplas determinações é fundamental, porém não é o suficiente.

Por isso, para compreender um todo é necessário, depois de dissecá-lo e situá-lo

(análise), estabelecer a articulação entre as partes através de mediações que nos

conduzam a uma síntese, uma totalidade. Isto, no entanto, não extingue o

processo, dessa forma uma totalidade pode constituir-se em mais um passo em

direção a outras análises e investigações. Parte-se, então, de uma unidade para

as especificidades, investigando rigorosamente aquilo que se construiu

historicamente.

Marx, também destaca que para entender aquilo que se coloca como

simples é necessário conhecer o complexo, senão, como saber que o simples é

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simples sem que se tenha como comparação o complexo? Ou seja, o simples só

se revela simples frente ao complexo e vice-versa.

A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. O que nas espécies animais inferiores indica uma forma superior não pode, ao contrário, ser compreendido senão quando se conhece a forma superior. A Economia burguesa fornece a chave da Economia da Antiguidade etc. Porém, não conforme o método dos economistas que fazem desaparecer todas as diferenças históricas e vêem a forma burguesa em todas as formas de sociedade. (s/d, p.17)

Fugir da aparência, daquilo que se mostra na “pseudoconcreticidade”,

lembra-nos Kosik (1976), faz-se à medida que se investiga a essência dos

eventos, que não se limita à explicação fenomênica, ou seja, de uma aparência

superficial da realidade, mas faz suas mediações com o todo estruturado.

O Pensamento que quer conhecer adequadamente a realidade, que não se contenta com os esquemas abstratos da própria realidade, nem com suas simples e também abstratas representações, tem de destruir a aparente independência do mundo dos contactos imediatos de cada dia. O pensamento que destrói a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade é ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás da aparência externa do fenômeno se desvenda a lei do fenômeno; por trás do movimento visível, o movimento real interno; por trás do fenômeno, a essência. O que confere a estes fenômenos o caráter de pseudoconcreticidade – que o pensamento dialético tem de efetuar – não nega a existência ou a objetividade daqueles fenômenos, mas destrói a sua pretensa independência, demonstrando o seu caráter mediato e apresentando, contra a sua pretensa independência, prova de seu caráter derivado. (p.16)

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Uma categoria fundamental do materialismo histórico é a contradição; que

permite-nos enxergar com mais clareza a dimensão de um fenômeno. Cada

fenômeno traz consigo um aspecto contrário, que ao mesmo tempo o enfrenta e

lhe confere identidade. Sem a perseguição da contradição dos fenômenos, nossas

análises permanecerão no campo da especulação e da aparência. Pois o contrário

é que consegue dar vida ao seu oposto.

Na guerra, a ofensiva e a defensiva, o avanço e a retirada, a vitória e a derrota, são (...) pares de contrários em que o um não pode existir sem o outro. Os dois aspectos estão simultaneamente em luta e em interdependência, o que constitui o todo que é a guerra, dá lugar ao desenvolvimento desta e resolve os respectivos problemas.(MAO TSE TUNG, 1979, p.37).

Segundo o ponto de vista da dialética materialista, as

modificações da Natureza são devidas fundamentalmente ao desenvolvimento das contradições internas desta. Na sociedade, as mudanças são devidas principalmente ao desenvolvimento das contradições que existem no seu seio, (...); é o desenvolvimento destas contradições que faz avançar a sociedade e determina a substituição da velha sociedade por uma nova. Mas será que a dialética materialista exclui as causas externas? De maneira nenhuma. Ela considera que as causas externas constituem a condição das modificações, que as causas internas são a base dessas modificações e que as causas externas operam por intermédio das causas internas. O ovo que recebe uma quantidade adequada de calor transforma-se em pinto, enquanto que o calor não pode transformar uma pedra em pinto, já que as respectivas bases são diferentes. (...) A dialética marxista reflete cientificamente a identidade nas transformações reais. Por que razão o ovo pode transformar-se em pinto e a pedra não? Por que razão existe uma identidade entre a guerra e a paz,(...)? Por que razão o homem pode engendrar o homem e não qualquer outra coisa? A única razão consiste no fato de a identidade dos contrários existir apenas em condições determinadas, indispensáveis. Sem essas condições

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determinadas, indispensáveis, não pode haver qualquer identidade. (Ibid, p.33 e 34, negrito nosso).

Outra categoria, também fundamental, do materialismo histórico é a

mediação. As determinações de um fenômeno mediadas por outras

determinações, expressam com mais clareza sua essência (realidade). Se

entendemos que os fatos ou eventos não ocorrem de forma isolada, ou seja, há

sempre uma ligação entre eles, então é necessário descobrir que ligações são

essas, para termos a verdadeira, ou, a mais completa noção possível da

realidade.

Marx indicou o trabalho (ou ‘diligência’) como mediador entre o homem e a natureza, identificando assim na atividade produtiva do ‘ser natural auto-mediado’ a condição vital da autoconstituição humana.(...) ‘o segredo do fetichismo da mercadoria’ era explicado pelo fato de que a produção de valor de uso tinha de ser mediada pela produção do valor de troca, e a ela estava subordinada de acordo com as exigências de um determinado conjunto de relações sociais.

Lênin ressaltou especificamente a função transicional dinâmica da mediação: Tudo é vermittelt (= mediado), fundido em um, ligado pelas transições (...) Não só a unidade dos contrários, mas a transição de cada determinação, qualidade, aspecto, lado, propriedade, em cada uma das outras’. (Dicionário do Pensamento Marxista, 2001, p.264).

Negar o caráter de uma verdade absoluta, também é fundamental, pois

este restringe a possibilidade de investigação mais profunda. E era assim que os

economistas entendiam a economia burguesa; perene, dada como que por

destino, e que lhes cabiam somente sua interpretação. Dessa forma como atuar,

na mudança da realidade? Mudar o que é imutável? Marx enxergava que era

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necessário fugir dessa continuidade, ou melhor, dessa naturalização, para que

qualquer atuação de transformação pudesse acontecer.

Dessa forma, compreendo que o método é dialético e aquilo que parece

uma etapa definida pode ser o concreto real de uma nova etapa, ou parte da

abstração de outra, enfim, essa processualidade é fruto da dialética da própria

realidade.

Dar um passo à frente, na procura de um referencial para interpretar

melhor o mundo, os seus acontecimentos e a intervenção do homem nele, levou-

me, conseqüentemente, ao materialismo histórico.

O todo caótico que se apresentava a mim, e que me conduziu aos

estudos em nível de mestrado, foi o complicado processo de implementação do

Decreto 2.208/97, que interveio diretamente no cotidiano da instituição onde

trabalho (Colégio Agrícola Nilo Peçanha, instituição vinculada à Universidade

Federal Fluminense). Dessa forma, ao iniciar os meus estudos, percebi1 que era

necessário ir além desse fenômeno - que, inclusive, sofreria modificações com a

publicação do Decreto 5.154/04. Portanto, para compreender o processo de

desenvolvimento do ensino agrícola era necessário compreender a totalidade em

que ele esta(va) inserido, ou seja, era necessário entender o desenvolvimento do

próprio sistema capitalista no Brasil. Assim, o trabalho que agora apresento é a

materialização desse esforço de apreensão do objeto nas suas múltiplas

determinações, e também, como determinação de uma totalidade ainda maior.

1 Essa percepção se deveu às contribuições obtidas durante as diversas aulas, nos debates entre nós, alunos e professores do campo Trabalho e Educação, na interação com outros campos e nas leituras que nos foram propostas.

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CAPÍTULO I.

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. (MARX, 1997)

1- CAPITALISMO DEPENDENTE E A HISTÓRIA DO ENSINO AGRÍCOLA NO

BRASIL.

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XXIX

Ao ler algum trabalho de análise a respeito da caracterização do modo de

produção no Brasil, em sua fase colonial, tendo a ser convencido pelos seus

autores, pois, na maioria das vezes, tais obras trazem dados e investigações

bastante esclarecedores, embora cada um deles apresente em si discordâncias

quanto à qualificação de tal modo de produção. As disputas, que inclusive se

deram no seio do Partido Comunista no Brasil, podem ser resumidas na

discordância central em qualificar tal modo de produção em Capitalista ou Feudal,

embora também houvesse, e haja, outras formas de ver tais modos de produção

(cito aqui o modo de ver de Jacob Gorender que qualifica o Brasil dessa época em

Escravista)2. Em tais disputas intelectuais estavam inseridas, também, disputas de

cunho político. Por exemplo: a perspectiva de negar o feudalismo no Brasil, por

parte de comunistas, ao meu ver, tinha o objetivo de demonstrar que no processo

histórico o capitalismo, desde o início da ocupação portuguesa, era o responsável

pela situação em que se encontrava nosso país; provavelmente uma estratégia

para o convencimento da classe trabalhadora brasileira, demonstrando que as

conseqüências da ação capitalista são longamente datadas.

Entender o modo de produção no Brasil colonial, portanto, foi minha

primeira inquietação, pois necessário era compreender em que condições

inaugurou-se o ensino agrícola aqui; quais eram as demandas produtivas e quais

eram os interesses na formação de trabalhadores especializados na produção

agrícola brasileira. Por isso, iniciei minha trajetória de pesquisa nesses debates.

2 Ver FIGUEIREDO (2004). Esse é um debate longo e que se mantém até hoje, o que torna impossível demonstrá-lo aqui com toda sua riqueza e detalhes. Por não ser este o tema do trabalho ora apresentado, e caso haja maior interesse no assunto, fica a sugestão desta obra que tem o objetivo de apresentar os diferentes Modos de Ver a Produção do Brasil.

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XXX

Um posicionamento não é fácil der ser tomado, pois em todos os trabalhos que

tive acesso, seja através da leitura da obra do próprio autor ou através de fontes

secundárias, há sempre questões a serem consideradas e que não podem ser

desprezadas em tais caracterizações3. Dessa forma identifiquei na obra de

Florestan Fernandes (1973) a posição que mais se aproximava daquilo que eu já

vinha avaliando a respeito do assunto.

Antes, entendo que é necessário expor a visão que construí a respeito:

Acredito que, do ponto de vista das relações de trabalho, o Brasil colonial

não foi, de forma alguma, capitalista. A produção a base de trabalho escravo, de

nativos e africanos, remete-nos a uma condição de retrocesso histórico anterior ao

feudalismo na Europa. Tal forma de se apoderar do trabalho alheio retoma

claramente um processo de produção escravista. Porém, essa situação produtiva,

que na América Latina encontra condições favoráveis, estava inserida e dependia

(da mesma forma que era necessária) de um sistema econômico mais amplo de

capitalismo comercial, já em desenvolvimento na Europa. Por isso, entendo que a

qualificação de tal modo de produção deve levar em consideração, tanto as

relações sociais de produção quanto as formas de troca e distribuição dessa

produção, e tais características aqui no Brasil e na América Latina, são

encaixáveis em diferentes modelos, ou seja, nosso modelo é próprio, mas não é

independente, e por isso mesmo deve ser entendido através de sua totalidade.

3 Cabe lembrar que, do meu ponto de vista, este é um debate que ainda permanece com validade acadêmica, pois no que concerne às atuais lutas da classe trabalhadora importa que o Brasil é capitalista e é este sistema atual, com suas contradições e relações, que se deve enfrentar.

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XXXI

Assim é que acolho, como base para minha análise, o conceito de

capitalismo dependente de Fernandes, que me ajudará no processo de

investigação do percurso histórico do ensino agrícola brasileiro.

1.1 - O conceito ampliado de capitalismo dependente.

Sobre a obra de Florestan, reporto-me a análise feita por Mirian Limoeiro

Cardoso (2005):

... encontro em Florestan o formulador de uma problemática nova para pensar a sociedade em que vivemos, na especificidade que a caracteriza como parte do mundo capitalista, ou seja, nos termos da sua teorização e do seu conceito de capitalismo dependente. Penso que essa problemática, tal como elaborada por ele, constitui uma contribuição original e importante à teoria do capitalismo e do desenvolvimento capitalista.(p.08). “A importante descoberta que Florestan faz é a de que a particularidade Brasil pertence à generalidade capitalismo por meio da especificidade capitalismo dependente.” (Ibid., p.11).

Dessa forma, entendo que o autor ora citado apresenta-nos uma análise

de desenvolvimento do capitalismo na América Latina bastante criteriosa, que

condiz com as especificidades do padrão de produção desenvolvido e estimulado

em nosso território. Contrapondo-se aos modelos de análises estruturais,

aplicáveis ao desenvolvimento das sociedades européia e norte-americana, o

trabalho de Fernandes mostra-nos com clareza o processo de dependência do

capitalismo desenvolvido na América Latina a uma economia central, detentora

não só do poder de financiamento (que do ponto de vista do capital é necessário

ao desenvolvimento das forças de produção), mas também das condições para o

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desenvolvimento de novos conhecimentos e tecnologias, aplicáveis diretamente à

produção.

Por isso, entendo que “É preciso colocar em seu lugar o modelo concreto

de capitalismo que irrompeu e vingou na América Latina, o qual lança suas

raízes na crise do antigo sistema colonial e extrai seus dinamismos

organizatórios e evolutivos, simultaneamente, da incorporação econômica,

tecnológica e institucional a sucessivas nações capitalistas hegemônicas e do

crescimento interno de uma economia de mercado capitalista.” (FERNANDES,

1973, p.45; negrito nosso).

Há, no entanto, uma questão a ser esclarecida: mesmo que para Cardoso

(2005), o conceito de capitalismo dependente defina-se “(...); como parte desse

sistema (capitalista) num determinado momento de seu desenvolvimento na

história (capitalismo monopolista)” 4. (p.15; grifo nosso), eu tento tratar tal conceito

4 Periodização do capitalismo. Como teoria da história, o marxismo é mais do que uma aplicação da dialética à transição de um modo de produção para o outro: abrange igualmente as transformações históricas que ocorrem dentro do período de vigência de cada um desses modos de produção. O capitalismo, como outros modos de produção, atravessa fases distintas; em vez de avançar ao longo de uma curva contínua à medida que amadurecem suas contradições internas, ele segue um caminho descontínuo, marcado por segmentos distintos. Assim, a etapa que o capitalismo havia alcançado no terceiro quartel deste século (XX) é considerada como significativamente diferente do capitalismo concorrencial do paradigma de O Capital e diversamente designada como CAPITALISMO MONOPOLISTA (Baran e Sweezy, 1966), CAPITALISMO MONOPOLISTA DE ESTADO (Boccara, 1969), ou capitalismo tardio (Mandel, 1975). (...), embora a construção interna dos modos de produção seja, em princípio, uma necessidade teórica, na prática a análise das etapas, fases ou estágios do capitalismo tem sido orientada pela pressão da realidade, pela observação empírica e pela descrição das modificações históricas ocorridas. Lênin desenvolveu sua teoria do imperialismo e Paul Baran e Paul Sweezy produziram seu conceito do capitalismo monopolista como conseqüência da necessidade política de compreender as transformações ocorridas no sistema, que precisam ser enfrentadas na prática pelo movimento socialista, e de reexaminar os prognósticos sobre o fim do capitalismo. Alguns autores periodizam o capitalismo em três etapas sucessivas, o capitalismo concorrencial, o capitalismo monopolista e o capitalismo monopolista de Estado, (...). No capitalismo concorrencial , a mais-valia é apropriada principalmente sob a forma de lucro, e a divisão do trabalho é coordenada ou orientada pelos mercados nos quais as mercadorias são vendidas. Em nível internacional, o capital se expande por meio de exportações e importações de mercadorias. No capitalismo monopolista , o sistema de crédito passa a dominar e a operar com os mercados de mercadorias de modo a orientar a divisão social do trabalho na medida em que aloca o crédito, transferindo-o dos setores não-lucrativos para os lucrativos. O juro torna-se a forma predominante sob a qual a mais-valia é apropriada,

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de Florestan de forma mais ampla5, com a intenção de usá-lo como base para o

entendimento do processo de desenvolvimento capitalista no Brasil agrário.

Porém, o que importa para este momento não é criar um debate acerca

da temporalidade do uso do conceito de capitalismo dependente, mas transportar

a análise histórica feita por Fernandes para designar essa fase do capitalismo

mundial para a América Latina, ou seja, mesmo que analisado na fase do

capitalismo monopolista, o conceito de capitalismo dependente só pode ser

tratado a partir da trajetória histórica de desenvolvimento da produção na América

Latina, por isso mesmo tal conceito só se materializa como parte de um processo,

que é, essencialmente, o que nos interessa.

forçando uma divisão de lucro em juro e lucro empresarial e, como Marx observa, todo lucro adquire a aparência de juro. (...) Quando o capital, nessa etapa, asume a forma de domínio específica e característica do CAPITAL FINANCEIRO, uma nova e adicional forma de apropriação, o lucro do financista, torna-se significativa. E em nível internacional, a divisão social do trabalho se faz, nessa etapa, pela exportação do capital enquanto capital finaceiro, identificada por Hilferding, Bukhain e Lênin como a característica do imperialismo. De fato o imperialismo foi identificado como uma etapa do capitalismo coetânea ao capital monopolista. (DICIONÁRIO DO PENSAMENTO MARXISTA, 2001, p. 284-286) Capitalismo monopolista. A idéia de que os monopólios são característicos de uma nova fase do capitalismo que se teria iniciado no final do séc. XIX foi introduzida no marxismo por Lênin e pelos teóricos do CAPITALISMO FINANCEIRO. Mas a expressão ‘capitalismo monopolista’ adquiriu um sentido diferente e novo destaque com o livro de Paul Baran e Paul Sweezy (1966), que teve um significativo papel na renovação do interesse pela teoria econômica marxista em meados da década de 1960. (...). Diante do que parecia ser um capitalismo estável e afluente de pós-guerra, Baran e Sweezy argumentaram que as contradições descobertas por Marx haviam sido substituídas por outras e que o capitalismo havia desenvolvido novos métodos para submetê-las ao seu controle. A principal transformação no caráter do capitalismo, segundo Baran e Sweezy, teria sido a substituição da concorrência entre capitais industriais pelos monopólios; em outras palavras, o peso de cada empresa nos mercados em que eram vendidas as suas mercadorias aumentara e havia sofrido uma transformação qualitativa. (Ibidem, p.54) 5 Essa ampliação se dá na perspectiva da temporalidade, por entender que o Brasil, a partir de sua condição de Colônia de Portugal, já se inaugurava como dependente. Porém, entendo que esta condição deva ser analisada de forma dialética: essa dependência não se estabelecia em um formato unilateral, ou seja, a produção agrícola no Brasil além de depender do mercado europeu foi também necessária para o desenvolvimento do capitalismo na Europa, o qual não se estabeleceria se não fossem as formas de produção e de expropriação implementadas em toda a América Latina.

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XXXIV

Os motivos pelos quais entendo ser possível tal ampliação temporal do

conceito de capitalismo dependente de Fernandes, se devem, entre outras coisas,

aos aspectos que seguem:

Citando o próprio Fernandes (1973):

À semelhança de outras nações das Américas, as nações latino-americanas são produtos da ‘expansão da civilização ocidental’, isto é, de um tipo moderno de colonialismo organizado e sistemático. Esse colonialismo teve seu início com a ‘conquista’ – espanhola e portuguesa – e adquiriu uma forma mais complexa após a emancipação nacional daqueles países. A razão dessa persistência é a evolução do capitalismo e a incapacidade dos países latino-americanos de impedir sua incorporação dependente ao espaço econômico, cultural e político das sucessivas nações capitalistas hegemônicas. (p.11; negrito nosso).

Como forma de exemplificar tal dependência estrutural, entre a maneira

de produzir no Brasil colônia e a formatação de um imaturo capitalismo comercial,

desenvolvido a partir de meados do séc. XVI, é que cito a seguir, trechos da

descrição feita por Celso Furtado (1968):

A partir da metade do século XVI a produção portuguêsa de açúcar passa a ser mais e mais uma emprêsa em comum com os flamengos, (...). Os flamengos recolhiam o produto bruto em Lisboa, refinavam-no e faziam a distribuição por tôda a Europa, particularmente o Báltico, a França e a Inglaterra.(p.11; negrito nosso)

A contribuição dos flamengos – particularmente dos holandeses – para a grande expansão do mercado do açúcar, na segunda metade do século XVI, constitui um fator fundamental do êxito da colonização do Brasil. Especializados no comércio intra-europeu, grande parte do qual financiavam, os holandeses eram nessa época o único povo que dispunha de suficiente organização comercial para criar um mercado de grandes dimensões para um produto pràticamente novo, como era o açúcar.(...).

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E não sòmente com sua experiência comercial contribuíram os holandeses. Parte substancial dos capitais requeridos pela êmpresa açucareira viera dos Países Baixos. Existem indícios abundantes de que os capitalistas holandeses não se limitaram a financiar a refinação e comercialização do produto. Tudo indica que capitais flamengos participaram no financiamento das instalações produtivas no Brasil bem como no da importação de mão-de-obra escrava. O menos que se pode admitir é que, uma vez demonstrada a viabilidade da êmpresa e comprovada sua alta rentabilidade, a tarefa de financiar-lhe a expansão não haja apresentado maiores dificuldades.(p.12; negrito nosso).

Se se tem em conta que os holandeses controlavam o transporte (inclusive parte do transporte entre o Brasil e Portugal), a refinação e a comercialização do produto depreende-se que o negócio do açúcar era na realidade mais dêles do que dos portuguêses. Sòmente os lucros da refinação alcançavam aproximadamente a têrça parte do valor do açúcar bruto.(p.12 – nota de roda pé 8)

A descrição apresentada retrata a condição dependente em que o

processo de produção agrícola no Brasil foi constituído. Por vezes uma

dependência sobreposta, dado que por ser colônia, por simples condição, já era

dependente de sua Corte. Especificamente na colônia Brasil essa sobre-

dependência se realizava no pagamento de tributos a corte e na dependência do

comércio europeu para escoamento da produção agrícola - o que, mesmo assim,

não impediu o enriquecimento estrondoso de grande parte dos proprietários

locais6.

As intervenções da Coroa portuguesa não se aplicavam às formas de se

produzir e nem na comercialização dos produtos (para estas atividades havia uma 6 Segundo Furtado (1968), o montante de renda gerado pela economia açucareira era excepcional para os proprietários de engenho, a renda per capita da população de origem européia era superior a qualquer outro período da história, maior até que no auge da produção de ouro. Para melhores esclarecimentos, recomendo a leitura do capítulo VIII da obra desse autor: “Formação Econômica do Brasil”.

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grande autonomia por parte dos proprietários), mas sim na arrecadação de

tributos, o que na fase inicial foi inclusive desprezado, pois segundo Fausto

(2004), “A sesmaria foi conceituada no Brasil como uma extensão de terra virgem

cuja propriedade era doada a um sesmeiro, com a obrigação – raramente

cumprida – de cultivá-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à

Coroa”.(p.45; negrito nosso).

Embora, o objetivo inicial da produção agrícola no Brasil, apresentado por

Furtado (1968), fosse o de ocupação das terras e de sua conseqüente defesa, a

“empresa agrícola” se constituiu em uma fonte altamente rentável. Assim a

dependência mútua aqui desenvolvida, ainda na fase de um capitalismo comercial

7, era favorável ao acúmulo de riquezas, tanto dos proprietários de terras quanto

dos comerciantes internacionais, e da Coroa, que além da intenção precursora

(ocupação para defesa do território) obteve uma nova fonte de alimentação de

seus cofres. Portanto, entre estes três tipos de agentes estabeleceu-se uma forte

relação de dependência, que, mesmo com suas contradições8, marcou todo

período do padrão de dominação colonial.

1.2 – A história do ensino agrícola no Brasil e sua relação com os padrões de dominação externa.

Em seu trabalho, Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América

Latina, Florestan Fernandes, expõe em seu primeiro capítulo, os padrões de

7 Essa é a forma usada por Furtado para denominar esta fase do capitalismo. 8 Uma dessas contradições, destacada por alguns trabalhos (Furtado, Prado Jr., Fausto), é que no processo de distribuição da produção, se faziam intensas as formas ilícitas de comercialização (um mercado informal, livre das taxações da Coroa – ao meu ver, uma contradição constante do capitalismo), que, mesmo assim, não impediam o grande acúmulo de riquezas por parte de Portugal.

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dominação externa que ocorreram na América Latina. E é com base nesses

padrões, que procurarei demonstrar a trajetória histórica do ensino agrícola no

Brasil, usando como mediação as demandas do setor de produção agrícola.

1.2.1 – A crise do padrão de dominação colonial e a intenção da fundação do ensino agrícola no Brasil.

O padrão de dominação colonial que, segundo Fernandes (1973), se

estende por mais de três séculos (XVI, XVII e XVIII) na América Latina, tem como

característica uma forma complexa de relações entre as diferentes dependências

que se estabeleceram nas colônias, tanto do ponto de vista social quanto

econômico.

Havia, especificamente no Brasil, a vontade de uma “independência”, por

parte dos que, enviados d’além mar, ocupavam essas terras, principalmente em

relação às interferências econômicas exercidas por agentes externos (Coroa e

paises que comercializavam os produtos agrícolas). Porém, essa vontade de

independência convivia, contraditoriamente, com a necessidade de manutenção

das relações sociais que se estabeleceram a partir desse padrão de dominação

colonial.

Assim, segundo Fernandes (1973), essa contradição marcou e configurou-

se na crise do padrão de dominação colonial, e é justamente na configuração da

crise desse padrão que surge a intenção, por parte da Coroa portuguesa, da

criação de uma escola de formação de profissionais para atuarem na produção

agrícola, materializada na Carta Régia de D. João VI, ao Conde dos Arcos, de

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1812 9. Dessa forma, no texto que segue, tentarei descortinar o cenário dessa

crise, na perspectiva de elucidar quais elementos dariam sentido a essa intenção.

1.2.1.1 – Início da Produção Agrícola no Brasil Segundo a análise de Celso Furtado (1968), a colônia portuguesa (Brasil)

era, do ponto de vista da defesa das terras, muito onerosa à coroa. A América

passava por um período de invasões européias, na tentativa de cada nação,

ampliar seus limites de exploração de metais, por isso “prevalecia o princípio de

que espanhóis e portugueses não tinham direito senão àquelas terras que

houvessem efetivamente ocupado” (p.6). Somente o ouro extraído do solo

brasileiro não seria suficiente para cobrir os gastos com a defesa, dado que o

resultado da exploração de metais destinado à coroa, se mantinha na própria

aristocracia portuguesa.

Contudo, tornava-se cada dia mais claro que se perderiam as terras americanas a menos que fôsse realizado um esfôrço de monta para ocupá-las permanentemente. (...). Êsse esfôrço significava desviar recursos de emprêsas muito mais produtivas no oriente. A miragem do ouro que existia no interior das terras Brasil – à qual não era estranha a pressão crescente dos franceses – pesou seguramente na decisão tomada de realizar um esforço relativamente grande para conservar as terras americanas. Sem embargo, os recursos de que dispunha Portugal para colocar improdutivamente no Brasil eram limitados e dificilmente teriam sido suficientes para defender as novas terras por muito tempo.(Ibid., p.7).

Coube a Portugal a tarefa de encontrar uma forma

de utilização econômica das terras americanas que não fôsse a fácil extração de metais preciosos. Sòmente assim seria possível cobrir os gastos de defesa dessas terras. Êste

9 Publicada na íntegra em Moacyr (1936). (ANEXO).

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problema foi discutido amplamente e a alto nível, com a interferência de gente – como Damião de Góis – que via o desenvolvimento da Europa contemporânea com uma ampla perspectiva. Das medidas políticas que então foram tomadas resultou o início da exploração agrícola das terras brasileiras, acontecimento de enorme importância na história americana. De simples êmpresa espoliativa e extrativa – idêntica à que na mesma época estava sendo empreendida na costa da África e nas Índias Orientais - a América passa a constituir parte integrante da economia reprodutiva européia, cuja técnica e capitais nela se aplicam para criar de forma permanente um fluxo de bens destinados ao mercado europeu. (Ibidem, p. 8).

A experiência da produção de açúcar, por Portugal, nas ilhas do Atlântico,

estimulou o desenvolvimento das forças produtivas (equipamentos e máquinas de

engenho) na corte. Dessa forma estabeleceu-se entre Portugal e sua colônia

(Brasil) a perspectiva de uma divisão “internacional”10 do trabalho: Portugal, como

centro de desenvolvimento técnico, e o Brasil, como local de operacionalização,

ou seja, de produção, propriamente dita.

Porém o próprio processo de ocupação das terras brasileiras, como nos

lembra Caio Prado Júnior (1997), não foi de fácil aceitação. Poucos eram aqueles

portugueses que se dispunham transferir-se para a nova colônia, com o intuito de

produção agrícola – já que o grande interesse se concentrava no tráfico de

madeira -, apenas doze “indivíduos de pequena expressão social e econômica”

(p.31) aceitaram o “desafio”. Sendo que não foi esse “desafio” que os motivou, em

contrapartida receberam do Rei de Portugal “vantagens consideráveis: nada

menos que poderes soberanos” (p.31), dos quais o próprio Rei abria mão.

10 Entre aspas, pois do ponto de vista jurídico, a internacionalização ainda não existia pelo simples fato de o Brasil ser colônia de Portugal, ou seja, uma mesma nação.

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Somas relativamente grandes foram despendidas nestas primeiras empresas colonizadoras do Brasil. Os donatários, que em regra não dispunham de grandes recursos próprios, levantaram fundos tanto de Portugal como na Holanda, tendo contribuído em boa parte banqueiros e negociantes judeus. A perspectiva principal do negócio está na cana-de-açúcar. Tratava-se de um produto de grande valor comercial na Europa. Forneciam-no, mas em pequena quantidade, a Sicília, as ilhas do Atlântico ocupadas e exploradas pelos portugueses desde o século anterior (Madeira, Cabo Verde), e o Oriente de onde chegava por intermédio dos árabes e dos traficantes italianos do Mediterrâneo. O volume deste fornecimento era contudo tão reduzido que o açúcar se vendia em boticas, pesado aos gramas.(Ibid., p.32).

Sabedores de que o Brasil assemelhava-se as ilhas do Atlântico, no

tocante a suas características climáticas e solo aparentemente fértil, os

portugueses investem seus esforços na produção daquele que era um dos mais

escassos, e por isso mais caro, produto de origem agrícola vendido no comércio

europeu. O Brasil é então colonizado, principalmente seu litoral, através da

atividade agrícola de caráter exportador, extensivo e monoculturista.

Durante muito tempo essa atividade foi extremamente rentável, já que a

produção era realizada através do uso de mão-de-obra escrava e em grandes

extensões de terra, por isso mesmo não existia, de modo geral, grandes

preocupações em aplicação de técnicas que visassem o aumento de

produtividade e melhores condições de trabalho, serão essas características que

posteriormente contribuirão para o declínio econômico da produção de cana-de-

açúcar no Brasil.

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Se, por acaso, o pequeno reino de Portugal não utilizasse o artifício da

produção agrícola para ocupação de sua parte na América, provavelmente não

manteria tal extensão territorial.

O êxito da grande emprêsa agrícola do século XVI – única na época – constituiu portanto a razão de ser da continuidade da presença dos portuguêses em uma grande extensão das terras americanas. No século seguinte, quando se modifica a relação de forças na Europa com o predomínio das nações excluídas da América pelo Tratado de Tordesilhas, Portugal, já havia avançado enormemente na ocupação efetiva da parte que lhe coubera.(FURTADO, 1968, p.14).

1.2.1.2 - A produção de cana nas Antilhas. Dada a extraordinária produção de cana no Brasil, e a consolidada

comercialização do açúcar na Europa, desenvolveu-se, praticamente, um

monopólio brasileiro na produção canavieira; mesmo havendo outras áreas de

colonização nas Américas, com características bem parecidas com as nossas

(solo, clima, fotoperíodo, etc.). Essas mesmas áreas de colonização espanhola,

inglesa e francesa, dedicavam-se a outros cultivares, como, por exemplo, o fumo.

Havia também, uma outra diferenciação quanto à forma de ocupação: as Antilhas

viveram um processo diferente, e foram ocupadas com o objetivo de reunir “fortes

núcleos de população européia” (FURTADO, 1968, p.28). Assim as propriedades

rurais antilhanas eram menores e a mão-de-obra oriunda da própria colonização

européia (na maioria das vezes).

Porém os altos lucros conseguidos pela produção e comercialização do

açúcar, até então, de origem brasileira, estimulou a concorrência. Mas como

competir com o formato de produção brasileiro?

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Foi um fator externo que estimulou o avanço da produção de cana nas

Antilhas: no final da primeira metade do séc. XVII, ocorreu a expulsão definitiva

dos holandeses do nordeste brasileiro (Ibid., p.28). Ao invés de tentarem

conquistar outras terras, eles se deslocaram para as Antilhas, e com o

conhecimento adquirido com a experiência na produção brasileira, alavacaram a

produção de açúcar naquela região.

Êstes não sòmente deram a necessária ajuda

técnica, como também propiciaram crédito fácil para comprar equipamentos, escravos e terra. Em pouco tempo se constituíram nas ilhas poderosos grupos financeiros que controlavam grandes quantidades de terras e possuíam engenhos açucareiros de grandes proporções. Dessa forma, menos de um decênio depois da expulsão dos holandeses do Brasil, operava nas Antilhas uma economia açucareira de consideráveis proporções, cujos equipamentos eram totalmente novos, e que se beneficiava de mais favorável posição geográfica. (Ibidem, p.29).

Essas rápidas transformações acarretaram, para a região das Antilhas,

uma diminuição considerável do número de brancos – que se transferiram para

outras colônias, do norte - e um grande aumento de população de origem africana

(escravos), tão necessários àquela forma de produção.

Tais mudanças foram fundamentais para o estabelecimento de um novo

centro produtor de açúcar, que concorria diretamente com os preços brasileiros.

Cabe destacar que no processo histórico, os produtores antilhanos,

também se preocuparam com o aperfeiçoamento das técnicas de produção, pois

esse seria o fator capaz de superar as grandes extensões de terra que o Brasil

possuía.

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XLIII

Essa preocupação cunhou a necessidade da criação de escolas que se

preocupassem com a formação agrícola da população antilhana. De acordo com

Manoel A. dos Santos Dias Filho, em 1908, em seu discurso 11, no Segundo

Congresso da Associação Nacional de Agricultura:

Em Barbados, em Cuba, em Porto Rico, nos Estados Unidos, onde influe no Governo o gênio Inglês, admirei o interesse que desperta o ensino primário e o ensino agrícola.

Em todas as numerosas escolas publicas em Barbados há carreiras puramente de agricultura que acompanham o alumno desde as primeiras lettras ate o fim do curso. Os alumnos que mais se distiguem têm jus a continuar seus estudos na Inglaterra ás expensas do Governo Inglês.

Quando os americanos tomaram posse de Porto Rico o seu primeiro cuidado foi reformar e desenvolver a instrucção primária, seguida do ensino agrícola, já tendo cerca de 1.000 escolas com uma frequencia de mais de 45.000 alumnos.

Nas ruas a cada passo se deparava (era em fevereiro) com a seguinte advertencia escripta em Inglês:

- ‘É tempo de mandar os vossos filhos á escola’ Criem-se, pois, Escolas de Agricultura destinadas

ao preparo agrícola-industrial theorico e pratico, que não póde ser supprido pelas nossas academias de direito, de engenharia, de medicina e de pharmacia. (DIAS FILHO, 1908, p.54).

Embora esta visita, que resultou em um relatório, tenha sido feita somente

no início do séc. XX, ela nos mostra a grande preocupação de parte dos

produtores brasileiros em investigarem as causas do sucesso da produção

canavieira nas Antilhas. Ao lê-lo observei que a tal comissão se preocupou, não só

11 Discurso de apresentação do relatório de visita de uma comissão as Antilhas, liderada por Manoel A. dos Santos Filho, inicialmente designada pela Associação dos Produtores de Cana, e respaldada pela Associação Nacional da Agricultura.

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em conhecer as técnicas aplicadas a produção, mas também em entender como

se deu o desenvolvimento desse setor produtivo nas Antilhas, e como essa região,

a época, se colocava como centro de referência na produção de “canna e de

assucar”. D’onde observamos que essa “referência” na produção, resultava do

processo histórico vivido pelos antilhanos, culminando no início do séc. XX, em

uma superação na aplicação técnico/cientifica na produção agrícola, em relação

às propriedades brasileiras.

1.2.1.3 - Produção de cana: decadência e breve ascensão.

A gradual e lenta inanição do trabalho pela deficiencia de braços productores aggravou-se ultimamente por effeito das circunstancias anormaes em que se encontra o paiz: e a quem, lance olhar prescrutador para estado geral da propriedade agrícola, entre nós, não póde deixar de impressionar a sua precaria condição.

Eu não sei se seria exagerado considerando a lavoura do Brasil em estado de liquidação forçada, salvas algumas poucas excepções. Esse estado de liquidação bem póde chegar a transformar-se em estado de dissolução, se por ventura á intelligencia e á sollicitude patriotica dos poderes publicos nacionaes e adequadas que provoquem uma reacção salutar. (BOCAYUVA, 1868, p.6)

A citação acima, embora trace um quadro caótico da agricultura brasileira,

na segunda metade do séc. XIX, é reflexo, em parte, do processo de

enfraquecimento vivido pela agricultura brasileira no final do séc. XVIII e início do

séc. XIX.

Um dos fatores, destacado por Celso Furtado (1968) para esse

enfraquecimento, foi a diminuição gradual da mão-de-obra escrava (fator

fundamental que mantinha os baixos preços do açúcar no mercado, possibilitando

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uma certa concorrência ao produzido nas Antilhas). Essa diminuição não se deveu

somente a repressão implementada pela Inglaterra ao tráfico negreiro. No Brasil,

diferentemente dos Estados Unidos, a população de escravos não crescia, muito

pelo contrário; houve uma diminuição nesse segmento da população, dada

exploração extrema a que eram submetidos.

O fato de que a população escrava brasileira haja tido uma taxa de mortalidade bem superior à de natalidade indica que as condições de vida da mesma deveriam ser extremamente precárias. O regime alimentar da massa escrava ocupada nas plantações açucareiras era particularmente deficiente. Ao crescer a procura de escravos no sul para as plantações de café intensifica-se o tráfico interno em prejuízo das regiões que já estavam operando com rentabilidade reduzida. (...). Demais, é provável que a redução do abastecimento de africanos e a elevação do preço dêstes hajam provocado uma intensificação na utilização da mão-de-obra e portanto um desgaste ainda maior da população escrava.(p.127)

No caso brasileiro, o crescimento era puramente em extensão. Consistia em ampliar a utilização do fator disponível – a terra – mediante a incorporação de mais mão-de-obra. A chave de todo problema econômico estava, portanto, na oferta de mão-de-obra. (p.128).

A produção de cana, no Brasil, que dependia exclusivamente da mão-de-

obra escrava, vive seus dias de declínio. Houve, obviamente, outros fatores que

concorreram para tal situação. Destaco entre eles, a condição política por qual

passava Portugal , primeiro de dominado pelo reinado espanhol, e depois de

preso a acordos de proteção, basicamente militar com a Inglaterra. O que forçou-

no a transferir grande parte dos seus esforços ao minério de metais preciosos

(ouro), com os quais manteve uma situação de certo equilíbrio político na Europa.

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Sendo assim, “A contrapartida da fulgurante ascensão das minas foi a decadência

da agricultura” (PRADO JÚNIOR, 1997, p.79).

Desta forma o foco para a produção agrícola foi secundarizado, embora,

devido as grandes extensões territoriais, e ao acúmulo gerado pelos tempos

áureos da produção, este setor foi se mantendo, mesmo que deficiente.

Em especial, a produção de cana de açúcar foi vítima dos mesmos

fatores que lhe deram destaque durante os séculos XVI e XVII: grandes faixas de

terras e utilização de mão-de-obra escrava. Sendo então estabelecida por esses

moldes, que se configuraram em padrão de produção, a produção de cana no

Brasil não se preocupou em desenvolver técnicas para o aumento da

produtividade, pois o crescimento da produção se dava, basicamente, com a

ampliação da extensão de terras (e, realmente, havia muita disponibilidade) e

aumento da mão-de-obra escrava. Quando pelo menos um desses fatores se

tornou deficiente, originou-se o declínio de tal atividade, somado ao fato, que aqui

já foi mencionado, da forte concorrência antilhana.

Já no final do séc. XVIII, com a agora decadente mineração, a produção

de cana ganha novo fôlego, junto com a produção de algodão, e outras culturas

(arroz e anil), todas de caráter exportador, serão o centro da economia brasileira,

nessa época, havendo um deslocamento progressivo da produção do norte para o

sul.

Em especial, a produção de algodão tem, nessa época, um crescimento

espetacular por conta da demanda originária da industria têxtil européia.

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A cultura do algodão disseminar-se-á largamente pelo território brasileiro. Sua área de difusão estende-se desde o Extremo- Norte (até o Pará tem sua pequena exportação), até o planalto dos Campos-Gerais (atual estado do Paraná); e avança na base da Serra, mais para o sul, (...), nas proximidades de Porto Alegre. Para o interior, até Goiás produzia e exportava algodão. O país inteiro será atingido pelo boom, e alinhar-se-á entre os grandes produtores mundiais de fibra. Mas não será mais que um momentâneo acesso. Com o declínio dos preços, que se verificará ininterruptamente desde o começo do séc.XIX, conseqüência sobretudo do considerável aumento da produção norte-americana e do aperfeiçoamento da técnica que o Brasil não acompanhou, a nossa área algodoeira vai-se restringindo; e estabilizar-se-á com índices muito baixos, em dois ou três pontos apenas. (Ibid., p.82, negrito nosso)

A breve ascensão da cana encontra nova barreira com a concorrência do

açúcar oriundo da beterraba. “Os paises europeus, e também os Estados Unidos,

que são os grandes consumidores de açúcar e principais mercados para a

produção dos trópicos americanos, tornam-se, com a utilização da beterraba, de

consumidores em produtores; e não somente para suas necessidades próprias,

mas ainda com excessos exportáveis”. (Ibid., p.158).

A crise dos países produtores de cana é geral. As colônias ainda gozarão de certas regalias nos mercados de suas metrópoles respectivas. Mas os produtores independentes não contarão com outra coisa que suas próprias forças. O Brasil, entre eles, será particularmente atingido. Desvantajava-o uma posição geográfica excêntrica; mas sobre tudo o nível rudimentar de sua técnica de produção, (...). A sua contribuição ao mercado irá assim, em termos relativos, em declínio: já em meados do século estará colocado em quinto lugar entre os produtores mundiais de cana-de-açúcar, com menos de 8% da produção total. O declínio em termos absolutos virá pelos fins do século. (Ibidem, p. 158, negrito nosso).

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O café, que alguns podem estranhar por não fazer parte desse elenco de

culturas, ainda no início do século XIX tem uma participação muito modesta na

economia brasileira e não se configura como atividade principal, o que acontecerá

tempos depois, a partir da década de 1830.

1.2.1.4 - A intenção de criação de uma escola agrícola no Brasil. Primeiramente, vejamos os aspectos apontados nas considerações

iniciais feitas por D. João VI na carta de 1812:

Conde de Arcos. Sendo o principal objéto dos meus vigilantes cuidados o elevar ao maior gráu da opulencia e prosperidade, de que forem suscetiveis pela sua extensão, fertilidade e vantajosa posição, os meus vastos Estados do Brasil; atendendo que a agricultura, quando bem entendida e praticada, é sem duvida a primeira e a amis inexhaurivel fonte de abundancia, e da riqueza nacional; constando na minha real presença que por falta de conhecimentos proprios deste importante ramo das ciencias naturais não tem prosperado no Brasil algumas culturas já tentadas, são desconhecidas ou desprezadas outras, de que se poderia colher consideravel proveito, e se não tira toda a possivel vantagem ainda mesmo daquelas que se reputam estabelecidas, e por serem muitas delas inferiores na qualidade, e superiores em preço ás homogeneas dos paises estrangeiros, já por falta dos bons principios agronômicos, já por ignorancia dos processos e maquinas rurais, que tanto servem para brevidade e facilidade de mão de obra, e para a toda multiplicação de variedades das produções da natureza, não podendo por taes motivos sustentar a concurrencia nos mercados da Europa; tendo resolvido franquear e facilitar a todos os meus vassalos os meios de adquirirem os bons princípios de agricultura, que sendo uma das artes que exige maior numero de conhecimentos diversos, não tem sido até agora ensinada publica e geralmente; mas antes aprendida por simples rotina, do que provem o seu tão vagaroso progresso e melhoramento. Portanto, principiando a por em pratica estas

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minhas paternais disposições: hei por bem que debaixo de vossas inspeção, e segundo as disposições provisorias que com esta baixam assinadas pelo Conde de Arcos se estabeleça imediatamente um Curso de Agricultura na Cidade da Bahia para instrução publica dos habitantes dessa Capitania, e que servirá de norma aos que me proponho estabelecer em todas as outras Capitanias dos meus Estados. (MOACYR, 1936, p.52 e 53, negrito nosso)

Mesmo com tantas recomendações, considerações e a ordem de um

cumprimento imediato, a primeira escola agrícola do país só irá surgir em 1859.

(trataremos desta questão mais a frente).

Assim, com o breve cenário econômico e político apresentado até aqui

tentaremos entender quais seriam as razões para a criação de uma escola, no

Brasil, que tratasse de técnicas agrícolas.

Nota-se que a colônia brasileira se estabelece e se mantém,

principalmente, através das atividades agrícolas destinadas ao mercado externo, o

que demonstra uma dependência fundamental às exigências e demandas desse

mercado.

Inicialmente a grande extensão de terras e a necessidade de ocupá-las,

por parte de Portugal, aliado a dificuldade em encontrar possíveis colonizadores

que apostassem na produção agrícola, estimulou a distribuição de enormes faixas

de terras e concentrou-as nas mãos de poucos proprietários. Terra era o que não

faltava. Assim todo o aumento de produção se pautava no aumento da extensão

territorial, e por conseguinte, no aumento da mão-de-obra escrava.

Enquanto Portugal mantinha o monopólio da produção de cana, parecia

que tudo ia bem. Crescia a demanda, aumentavam-se então as extensões de

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terras produtoras, que aliás se concentravam na região litorânea, ficando os

interiores por conta de produções de subsistência, como no caso a pecuária

(grande responsável pela ampliação do território brasileiro)12 .

Esse modelo de produção tem seu limite na concorrência pelo mercado

internacional. Como, durante um tempo, a colônia desviara seu foco para o

minério, o adormecimento da produção agrícola foi compensado pelo ouro

extraído de nosso solo, e assim, a preocupação da corte com a inovação da

produção agrícola também adormeceu.

Assim, o modelo de produção agrícola no Brasil se mantinha nos mesmos

moldes que o originou, enquanto que outras colônias, movidas pela vontade de

inserção no mercado, tomaram um outro rumo, na perspectiva de se

estabelecerem na competição.

Segundo Ellen Wood (2001), as relações capitalistas nasceram das

relações que se estabeleceram no campo inglês, ainda no século XVI, e essas

relações foram as propulsoras da preocupação pelo aumento da produtividade

(mais produção por área plantada), e vice-versa13. Mesmo que hoje aquelas

técnicas pareçam rudimentares, essas novas formas de produzir, requeriam

menos pessoas nos campos, dispensando um contingente de trabalhadores que

se deslocavam para as cidades (no caso, Londres), ou iam para as colônias

Inglesas. Assim, aqueles que se deslocavam para as colônias, por serem de

origem inglesa, já traziam na sua formação uma noção diferente de trabalho com a

12 Para entender melhor esse processo, recomendo a leitura de Celso Furtado (1968) e Caio Prado Júnior (1997). Nos dois trabalhos há análises da interiorização vinculada a pecuária. 13 Para melhor compreensão da gênese destas relações capitalistas, recomendo o trabalho de Wood; “A origem do capitalismo”.

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terra , de otimização dos espaços e de extração dos recursos naturais, ou seja,

eles eram a expressão do resultado das mudanças historicamente construídas no

campo inglês, por isso mesmo originários de novas relações, tanto com a terra,

quanto sociais 14.

Como as colônias Inglesas, inicialmente se estabeleceram com

ocupação majoritariamente européia, onde a mão-de-obra era basicamente

familiar e as terras mais limitadas, e mesmo com uma cultura de otimização do

espaço plantado, não era possível competir com os preços auferidos pela colônia

Brasil aos produtos agrícolas, justamente por conta dos fatores mencionados

anteriormente neste trabalho.

Quando essas colônias adotaram o trabalho escravo em larga escala na

produção, aliado a preocupação do uso mais intenso do solo; e mais, o

posicionamento geográfico privilegiado (mais próximo da Europa, ou seja,

menores gastos com transporte), conseguiram superar o Brasil, no fornecimento

de açúcar para o mercado europeu, havendo uma conseqüente diminuição na

produção desse produto aqui. E esta não é uma questão menor, mesmo que no

14 Como forma de perceber o resultado dessa maneira de utilização da terra, vejamos o que relata Foster (2005): “Durante o século XIX, a principal preocupação ambiental da sociedade capitalista em toda a Europa e América do Norte era o esgotamento da fertilidade do solo, só comparável às preocupações com a crescente poluição das cidades, o desflorestamento de continentes inteiros e os temores malthusianos de superpopulação. A natureza crítica deste problema da relação com o solo pode ser vista com bastante clareza nas décadas de 1820 e 1830, durante o período de franca crise que engendrou a segunda revolução agrícola. Mas o problema não acabou simplesmente com a ciência da química de solo. Em vez disso, houve um reconhecimento cada vez maior de até onde os novos métodos haviam servido apenas para racionalizar um processo de destruição ecológica. Nas décadas de 1820 e 1830, na Grã-Bretanha, e logo depois nas outras economias capitalistas em desenvolvimento da Europa e da América do Norte, preocupações difusas com a ‘exaustão do solo’ levaram a um pânico virtual e a um aumento fenomenal da demanda por fertilizante. Os agricultores europeus da época invadiram os campos de batalha napoleônicos de Waterloo e Austerlitz e cavavam catacumbas, de tão desesperados que estavam por ossos para espalhar sobre seus campos. O valor das importações de osso da Grã-Bretanha subiu vertiginosamente de 14.400 libras em 1823 para 254.600 libras em 1837. O primeiro barco carregado de guano peruano (esterco de aves marinhas) chegou a Liverpool em 1835; em 1841, haviam sido importadas 1.700 toneladas e, em 1847, 222.000 toneladas.” (p.212)

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Brasil já não se produzisse somente cana, foi esta a cultura utilizada para o início

da ocupação do território e que, através das relações de produção, configurou

uma classe dominante, com seus hábitos e costumes, que viu seus prestígios e

privilégios (ou melhor, sua condição de acumulação) decaírem junto com ela15.

Sendo assim, junto com as inovações criadas em virtude da vinda da

família real portuguesa ao Brasil há a intenção da criação de uma escola de

ensino agrícola, onde a preocupação explicitada é o incentivo ao aprimoramento

das técnicas de produção. Tal intenção tem o nítido objetivo de demonstrar uma

“suposta”16preocupação da Coroa, na superação da defasagem17 produtiva do

setor agrícola brasileiro. Efetivamente essa condição, resultado do processo de

produção aqui desenvolvido, e que ficou evidenciado historicamente, precisava no

mínimo de uma demonstração de preocupação por parte Del Rei. O que se

materializava através da Carta de 1812. Nesse caso um aspecto do

comportamento político brasileiro ficou evidenciado: nem sempre o que é

propalado por uma via legal se concretiza em ações, ou seja, as vezes a

divulgação de determinadas intenções não passam de uma farsa: é a letra morta

15 Ou seja, a forma de se produzir estabelece a estrutura da sociedade e vice-versa. 16 “Suposta”, pois, a intenção só foi efetivada durante o segundo Império. Embora a primeira escola tivesse sido fundada nos moldes da carta de 1812, por que somente em 1859 ela se concretiza? É esse questionamento que tento responder adiante. 17 Segundo Fausto (2004): “Quanto à tecnologia, a posição de Cuba também era melhor: em torno de 1860, 70% dos engenhos cubanos usavam máquinas a vapor, em comparação com apenas 2% dos engenhos pernambucanos.” (p.238). Embora o dado apresentado esteja relacionado a um período posterior ao investigado, entendo que ele demonstra o resultado de um processo histórico que tem sua origem no final da primeira metade do séc. XVII.

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para enganar os vivos. Fato é, que a primeira escola agrícola a ser fundada sob

influencia da carta só se materializou em 1859, durante o segundo reinado18.

1.2.2 - O neocolonialismo e a primeira escola agrícola no Brasil.

De acordo com Fernandes (1973), o neocolonialismo, como padrão de

dominação externa, tem um curto período na história da América Latina,

permanecendo durante quase cem anos (entre as metades dos séc. XVIII e XIX)19,

surgindo “como produto de desagregação do antigo sistema colonial” (p.14) e

onde “a dominação externa tornou-se largamente indireta” (p.15).

A expansão das agências comerciais e bancárias na região envolvia um número pequeno de pessoal qualificado, a difusão em escala reduzida de novas instituições econômicas e de novas técnicas sociais, e várias modalidades de associação com agentes e interesses locais e nacionais. A monopolização dos mercados latino-americanos foi mais um produto do acaso que de imposição, pois a s ex-colônias não possuíam os recursos necessários para produzir os bens importados e seus setores sociais dominantes tinham grande interesse na continuidade da exportação. De fato, os ‘produtores’ de bens primários podiam absorver pelo menos parte do quantum que antes lhes era tirado através do antigo padrão de exploração colonial, e suas ‘economias coloniais’ recebiam o primeiro impulso para a internalização de um mercado capitalista moderno. Entretanto, a dominação externa era uma realidade concreta e permanente, a

18 Como hipótese, e somente como hipótese, sou levado a crer que a carta que expõe a vontade da criação da escola agrícola na Bahia traz consigo a intenção imediata de conter o descontentamento dos produtores de cana do Nordeste, devido a visível defasagem na produção que se materializava na perda de uma grande fatia do mercado internacional, ou seja, ela aparece como uma resposta rápida para mascarar uma crise. 19Como Fernandes trata dessa análise levando em consideração a América Latina, ou seja, uma análise de caráter mais amplo, entendo que, especificamente no Brasil a periodização deste padrão tenha pequenas alterações, já que o evento da vinda da família Real para o Brasil, e suas conseqüências mais imediatas, servem como marco identificador do início desse período (embora saiba que a história não deva ser entendida de forma mecânica e eventual, mas como processo, cuja tentativa de identificação de marcos pode nos induzir a erros), ou melhor, onde suas características se configuram mais aparentes. Estendendo-se até o segundo império, mais precisamente no período das ações mais contundentes em relação à abolição da escravatura.

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despeito do seu caráter como processo puramente econômico. Os efeitos estruturais e históricos dessa dominação foram agravados pelo fato de que novos controles desempenhavam uma função reconhecida: a manutenção do status quo ante da economia, com o apoio e a cumplicidade das ‘classes exportadoras’ (os produtores rurais) e os seus agentes ou os comerciantes urbanos. O esforço necessário para alterar toda a infra-estrutura da economia parecia tão difícil e caro que esses setores sociais e suas elites no poder preferiram escolher um papel econômico secundário e dependente, aceitando como vantajosa a perpetuação das estruturas econômicas construídas sob o antigo sistema colonial. (Ibidem, p.16, negrito nosso)

Nesse período a Inglaterra inicia uma política de dominação dos comércios

dos centros urbanos que surgiam nas colônias e ex-colônias, pois nelas se

estabelecia um mercado consumidor “relativamente amplo”, tornando “mais

atraente o controle de posições estratégicas” (Ibid. p. 15).

Por isso, um dos principais atos de D. João VI, que consolidou tal

dominação foi à abertura dos portos brasileiros às “Nações Amigas” (Inglaterra),

em 28 de janeiro de 1808, mesmo que a dependência de Portugal em relação à

Inglaterra já houvesse se materializado em acordos de comércio e “proteção” do

território luso20.

Dessa forma:

A abertura dos portos foi um ato historicamente previsível, mas ao mesmo tempo impulsionado pelas circunstâncias do momento. Portugal estava ocupado por tropas francesas, e o comércio não podia ser feito através dele. Para a Coroa, era preferível legalizar o extenso

20 Sobre tal questão Lenine (1975) afirma: “Portugal é um Estado independente, soberano, mas na realidade há mais de duzentos anos, desde a Guerra da Sucessão da Espanha (1701-1714), que está sob o protectorado da Inglaterra. A Inglaterra defendeu-o, e defendeu as possessões coloniais portuguesas, para reforçar as suas próprias posições na luta contra seus adversários : a Espanha e a França. A Inglaterra obteve em troca vantagens comerciais, melhores condições para exportação de mercadorias e, sobretudo, condições para a exportação de capitais para Portugal e suas colônias, pôde utilizar os portos e as ilhas de Portugal, os seus cabos telegráficos, etc.”(p.104 e 105).

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contrabando existente entre a Colônia e a Inglaterra e receber os tributos devidos. (Fausto, 2004, p.122)

Mesmo com essa visível dominação que se estabeleceu no campo

comercial, a maneira de se produzir na agricultura manteve-se nos mesmos

moldes (trabalho escravo). Modelo que, contraditoriamente, levou à decadência a

produção de açúcar e que contribuiu para o impulso da cultura do café. E este é

um dos fatores que considero fundamental para entender o adiamento do projeto

de criação de uma escola agrícola na Brasil.

1.2.2.1 - A predominância da cultura do café contribuindo para o

adiamento do projeto.

Conforme afirmei anteriormente, a cultura do café passou a ter

predominância no cenário econômico brasileiro a partir da segunda metade do

séc. XIX, mas já na década de 1830 ele tornou-se o produto mais exportado. Isso

fica mais claro quando observamos a tabela a seguir.

Brasil – Exportações de Mercadorias

(% do valor dos oito produtos principais sobre o valor total da exportação)

Decênio Total Café Açúcar

Cacau

Erva-Mate Fumo

Algodão

Borracha

Couros e Peles

1821-1830 85,8 18,4 30,1 0,5 - 2,5 20,6 0,1 13,6 1831-1840 89,8 43,8 24,0 0,6 0,5 1,9 10,8 0,3 7,9 1841-1850 88,2 41,4 26,7 1,0 0,9 1,8 7,5 0,4 8,5 1851-1860 90,9 48,8 21,2 1,0 1,6 2,6 6,2 2,3 7,2 1861-1870 90,3 45,5 12,3 0,9 1,2 3,0 18,3 3,1 6,0 1871-1880 95,1 56,6 11,8 1,2 1,5 3,4 9,5 5,5 5,6 1881-1890 92,3 61,5 9,9 1,6 1,2 2,7 4,2 8,0 3,2 1891-1900 95,6 64,5 6,6 1,5 1,3 2,2 2,7 15,0 2,4

Fonte: Comércio Exterior do Brasil, nº 1, C. E., e nº 12-A, do Serviço de Estatística Econômica e Financeira do Ministério da Fazenda, em Hélio Schlittler Silva, “Tendências e Características Gerais do Comércio Exterior no Século XIX”, Revista da História da Economia Brasileira, ano 1, jun. 1953; apud Fausto, 2004, p.200, negrito nosso.

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O modelo de implantação da cultura do café diferenciou-se muito pouco

daquele que já era desenvolvido em outras lavouras na Colônia, tais diferenças

eram basicamente: a) a localização dessa nova monocultura; b) a origem desses

novos proprietários; c) e os tratos exigidos pela cultura.

a) O posicionamento na região do Vale do Paraíba tinha em conta duas

características importantes, como demonstra Fausto (2004): uma delas é que a

região era cortada por caminhos e trilhas que ligavam o Rio de Janeiro a Minas

Gerais (o que facilitava o escoamento de qualquer produção), e nesses percursos

havia muita terra disponível que apresentavam, então, a segunda característica,

que era a das condições climáticas e de solo “favoráveis” à produção21.

b) Quanto à origem, lembra-nos o mesmo autor, que essa nova classe de

proprietários de terras “não tinham ascendentes muito privilegiados”(p.186).

Em seu estudo sobre Vassouras, o historiador Stanley Stein observa que muitas das famílias dominantes no município provinham de antepassados comerciantes, pequenos proprietários e, em alguns casos, militares de alta patente. De qualquer forma, famílias importantes, como os Werneck e os Ribeiro de Avelar, já no início do século XIX estavam estrategicamente situadas, pois já eram proprietárias de extensas sesmarias. (p.187 e 187)

21 Foi favorável ao grande proprietário enquanto a produção era mantida a base de mão-de-obra escrava. Um dos aspectos – entendo assim - que contribuiu para a decadência dessa atividade no Vale do Paraíba foi justamente a conformação da topografia local. Essa região se caracteriza por suas difíceis condições de trabalho, dada grande declividade dos terrenos: é o que os geógrafos chamam de “mar de morros”. Regiões como a do Oeste Paulista, apresentam características topográficas bem mais favoráveis. Enquanto a produção era tocada por mãos escravas, o vale do Paraíba mantinha-se na predominância da produção de café, porém trabalhadores “livres” dificilmente se sujeitariam às condições que eram exigidas pela topografia local. Há outros fatores históricos que efetivamente não podem ser deixados de lado ao fazermos esta análise, e nem é intenção minha desprezá-los, porém este é um dado pouco abordado, e que merece também consideração a respeito.

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Entendo, portanto, que a origem dessa nova parcela da classe dominante já

era reflexo desse novo padrão dominação externa (neocolonialismo) descrito por

Fernandes. Parte desses novos proprietários se originaram daqueles que

acumularam capital, com o comércio, com o contrabando e com o tráfico de

escravos, do antigo sistema, e tinham como objetivo galgar uma posição de

prestígio no quadro da aristocracia.

O deslocamento da hegemonia para esta nova fração da classe dominante,

gerou alguns conflitos. Não é por acaso que os grandes focos de resistência e

revoltas, no período do vice-reinado, passando pelo primeiro império, regência e

segundo império, se deram no Nordeste (Provavelmente com a existência dessa

nova fração surgiram, também, disputas intraclasse, que nesse trabalho não terei

condições de investigar).

c) Simplesmente por ser o café uma espécie perene, por si só já exigia

tratos diferenciados da cana.

Sendo assim, importa destacar as características semelhantes no processo

de produção da cana e do café (pois elas apontam para o entendimento do

adiamento do projeto de instalação de uma escola de técnicas agrícolas na Brasil).

Tais características dizem respeito principalmente à forma de exploração do

trabalho e a não preocupação do uso de técnicas aplicáveis ao aumento e/ou

manutenção da produtividade.

As citações a seguir tentarão demonstrar essa semelhança a que me refiro.

Durante quase todo período monárquico, o cultivo do café foi feito com o emprego de técnicas bastante simples. Algumas dessas técnicas de uso do solo, ou, em certos aspectos de depredação do solo existem até hoje. A produção era extensiva, isto é, não havia interesse ou preocupação com

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a produtividade da terra. Esgotado o solo, pela ausência de adubos e outros cuidados, estendia-se o cultivo a novas áreas, ficando a antiga em abandono, ou destinada a roças de alimentos.

O trato dos cafezais consistia essencialmente apenas em carpir a terra à sua volta para extirpá-la de ervas daninhas. Quando o arbusto começava a produzir, os escravos faziam manualmente a colheita anual. Calcula-se que, em média, nas lavouras fluminenses um escravo tratava de 4 mil até 7 mil pés de café, uma proporção indicativa de poucos cuidados. (Fausto, 2004, p.187 e 188).

Para Prado Jr. (1994), a baixa produtividade brasileira era uma

conseqüência da forma aqui desenvolvida de utilização do solo, porém, conclui:

...que o baixo nível técnico das nossas atividades agrárias e as conseqüências que teria, não se devem atribuir unicamente à incapacidade do colono. Em muitos casos, nos mais importantes mesmo, ele não podia fazer melhor. Poderia, é certo, acompanhar os seus concorrentes de outras colônias, atingir o seu padrão bastante superior. Mas seria pouco ainda. O mal era mais profundo. Estava no próprio sistema, um sistema de agricultura extensiva que desbaratava com mãos pródigas uma riqueza que não podia repor.(p.92, negrito nosso).

Manteve-se no espírito dos novos produtores de café do Vale do Paraíba a

falta de preocupação com as técnicas de produção. Com isso, boa parte dos

trabalhadores escravos das grandes propriedades de cana do Nordeste foram

comercializados para a região, embora ainda estivesse ativo o tráfico negreiro

(pois aqui no Brasil a exploração desse trabalho se da(va)22 até a exaustão do ser

humano, por isso mesmo, como já citamos, o número de escravos diminuía),

22 Coloco desta forma, pois ainda hoje (2006), aqui no Brasil, trabalhadores rurais trabalham até a exaustão total (morte). Recentemente noticiou-se a morte de dois trabalhadores rurais que trabalhavam no corte da cana, no interior de São Paulo. Um deles morreu depois de cortar 19 toneladas de cana, em apenas um dia de trabalho, havendo registro de outras mortes, onde um trabalhador chegou a cortar 23 toneladas. Há, portanto, aqui no Brasil, resquícios desse padrão de produção que se originou da produção agrícola colonial.

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necessário, do ponto de vista dos proprietários, para ampliação e reposição de

mão-de-obra.

Assim, a decadência da produção do café no Vale do Paraíba, que

simbolizava a decadência do processo de produção escravista, pode ser vista

como um fator que estimulou a retomada do projeto de 1812, por parte de D.

Pedro II. (afinal ela também representou a decadência de grande parte da

aristocracia brasileira, já que era nessa região que se concentrava o maior número

de títulos de nobrezas emitidos pela corte).

1.2.2.2 – A crise no modelo de produção escravista.

A condenação do tráfico negreiro, estabelecida pelo avanço capitalista no mundo, é assinalada nas áreas coloniais americanas desde o processo da independência. Continuaria de pé e tenderia a efetivar-se pela força, qualquer que fosse a resistência oposta pela classe senhorial ligada ao trabalho servil. (SODRÉ, 2005, p.115)

A partir da Independência do Brasil, a Inglaterra pressionou o governo local

a abolir o trabalho escravo em suas terras, sendo essa, uma condição para o seu

reconhecimento formal. Embora, informalmente, a própria Inglaterra já admitisse o

fato, pois foi ela que mediou o reconhecimento dos Estados Unidos e Portugal,

inclusive, concedendo empréstimo ao Brasil para um acordo indenizatório com o

segundo.

Porém o modelo de produção agrícola, conforme já descrito, não prescindia

do trabalho escravo. E durante alguns decênios o número de novos africanos que

entravam no Brasil aumentava, por conta da demanda das novas lavouras de

café.

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A pressão inglesa continuava, e o Brasil, por depender tanto das

intervenções britânicas, aos poucos foi dando a impressão de que estava

cedendo. Tanto que em 1826, “a Inglaterra arrancou do Brasil um tratado pelo

qual, três anos após sua ratificação, seria declarado ilegal o tráfico de escravos

para o Brasil, de qualquer proveniência. A Inglaterra se reservou ainda o direito de

inspecionar, em alto-mar, navios suspeitos de comércio ilegal.”(FAUSTO, 2004,

p.192)

Já, em 1831 foi criada uma lei pelo poder Regencial, que declarava crime o

tráfico de escravos, prevendo punições severas aos que a transgredisse. Mesmo

assim,

Os traficantes ainda não eram malvistos nas camadas dominantes e se beneficiavam também das reformas descentralizadoras, realizadas pela Regência. Os júris locais, controlados pelos grandes proprietários, absolviam os poucos acusados que iam a julgamento. A lei de 1831 foi considerada uma lei “para inglês ver”. Daí em diante, essa expressão, hoje fora de moda, se tornou comum para indicar alguma atitude que só tem aparência e não é para valer. (Ibid, p.194).

A Inglaterra foi fechando o cerco e continuou a perseguição aos navios

negreiros, chegando a inspecionar as embarcações, inclusive em águas

brasileiras, julgando e condenando os acusados em tribunais ingleses. O Brasil foi

forçado a ceder as pressões, até que em 1850, promulga uma nova lei, não mais

severa que a de 1831, mas que passou a ser cumprida.

“Em 1850, com a Lei Eusébio de Queirós, o Brasil sanciona o fato

consumado da suspensão. No ano anterior haviam entrado 54.000 escravos em

nosso país. Em 1850, esse número caiu a menos da metade. Em 1851, para

3.000. Em 1852, para 700. O tráfico estava liquidado.”(SODRÉ, 2005, p.116)

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Tal extinção do tráfico não eliminou de imediato as bases da produção

agrícola no Brasil, porém seria inevitável que ocorresse uma mudança mediata, já

que a partir desse momento havia se iniciado um processo de reestruturação na

base da produção agrícola brasileira, mesmo que ainda restasse a

comercialização interna de escravos (o que, inclusive, já era uma prática que

vinha sendo adotada).

Assim, antes do início do processo gradual de abolição que se deu no

Brasil, a crise de mão-de-obra já estava instalada, e a partir do momento que se

eliminou a principal fonte de abastecimento de mão-de-obra – o tráfico negreiro –

o problema se agravara.

Por aí se percebe como a extinção do tráfico africano

veio bruscamente acentuar e aprofundar as contradições do regime escravista. A escassez de braços e o desequilíbrio demográfico entre as diferentes regiões do país acrescentavam-se aos problemas que antes já derivavam dele. Aliás, a transferência de escravos do nordeste para o sul, se prejudicava grandemente aquele, não resolvia senão muito precariamente as dificuldades do último. Era preciso uma solução mais ampla.(PRADO JR.,1994, p.174 e 175).

Tenho consciência que esta solução mais ampla, a qual se refere Caio

Prado Júnior, não adviria com a criação de uma escola profissional de formação

agrícola, tanto, que a opção que logo vigorou foi a da imigração de europeus,

principalmente para os campos de plantação de café no Oeste Paulista. Mas, a

necessidade de aperfeiçoamento do processo de produção, com a aplicação de

técnicas voltadas para o aumento da produtividade e manutenção dos solos, era

premente.

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1.2.2.3 – O cenário do interstício entre a intenção da instalação de uma escola agrícola no Brasil e sua efetivação.

Durante 1812 e 1859, o Brasil sofreu vários momentos de tensão, tanto de

origem interna quanto externa, que culminaram em mudanças na estrutura política

e econômica. Como resultado dessas tensões, destaco, o retorno de D. João VI a

Portugal, a proclamação da Independência do Brasil, o retorno de D. Pedro I a

Europa, o período de Regência, e a efetivação do segundo Império, com D. Pedro

II.

Esse período, de complexos desdobramentos, reflete o processo de

reestruturação de um sistema mais amplo, ou seja, são reflexos da própria

reestruturação do capitalismo em nível mundial, que teve seus desdobramentos

locais, e que exigiram, também, uma modificação na base da produção agrícola

brasileira.

No Brasil, vivia-se o reflexo das transformações que já tinham se iniciado

na Europa e na América do Norte, influenciadas principalmente pelo Pensamento

Ilustrado e pelo Liberalismo23. Entre elas podemos citar: a independência dos

23 “Os pensadores ilustrados, homens como Montesquieu, Voltaire, Diderot, Rosseau, apesar de divergirem muito entre si, tinham como ponto comum o princípio da razão. Segundo eles, pela razão atingem-se os conhecimentos úteis ao homem e através dela podemos chegar às leis naturais que regem a sociedade. A missão dos governantes consiste em procurar a realização do bem-estar dos povos, pelo respeito às leis naturais e aos direitos naturais de que os homens são portadores. O não cumprimento desses deveres básicos dá aos governados o direito à insurreição.

As concepções ilustradas deram origem no campo sociológico ao pensamento liberal, em seus diferentes matizes. Um fundo comum às várias correntes do liberalismo se encontra na noção de que a história humana tende ao progresso, ao aperfeiçoamento do indivíduo e da sociedade, a partir de critérios propostos pela razão. A felicidade – uma idéia nova no século XVIII – constitui o objetivo supremo de cada indivíduo, e a maior felicidade do maior número de pessoas é o verdadeiro desígnio da sociedade. Esse ideal deve ser alcançado através da liberdade individual, criando-se condições para o amplo desenvolvimento das aptidões do indivíduo e para sua participação na vida política.

No plano econômico, em sua versão extremada, o liberalismo sustenta o ponto de vista de que o Estado não deve interferir na iniciativa individual, limitando-se a garantir a segurança e a educação dos cidadãos. A concorrência e as aptidões pessoais se encarregariam de harmonizar, como uma mão invisível, a vida em sociedade.

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Estados Unidos em 1776, a Revolução Francesa de 1789 e a Revolução

Industrial, que teve início na Inglaterra.

A utilização de novas fontes de energia, a invenção

de máquinas, principalmente para a indústria têxtil, o desenvolvimento agrícola, o controle do comércio internacional são fatores que iriam transformar a Inglaterra na maior potência mundial da época. Na busca pela ampliação dos mercados, os ingleses impõem ao mundo o livre comércio e o abandono dos princípios mercantilistas, ao mesmo tempo que tratam de proteger seu próprio mercado e o de suas colônias com tarifas protecionistas. Em suas relações com a América espanhola e portuguesa, abrem brechas cada vez maior no sistema colonial, por meio de acordos comerciais, contrabando e aliança com os comerciantes locais. (FAUSTO, 2004, p.108).

Portanto, apoiado em Boris Fausto (2004), cito tais eventos, sem a

preocupação de aprofundamento em cada um deles, pois, neste caso, a intenção

é a de apresentar a dimensão desse complexo cenário.

Mesmo que alguns dos eventos, que iremos apresentar, aparentemente

tenham motivações religiosas e regionais (que ao meu ver não devem ser

desprezadas), na essência representam, com todas as suas contradições, uma

No plano político, a doutrina liberal defende o direito de representação dos indivíduos, sustentando que

neles, e não no poder dos reis, se encontra a soberania. Esta é entendida como o direito de organizar a nação a partir de uma lei básica – a Constituição. O alcance da representação traçou uma linha divisória entre liberalismo e democracia ao longo do século XIX. As correntes democráticas defendiam o sufrágio universal, ou seja, o direito de representação conferido a todos os cidadãos de um país, independentemente de condição social, sexo, cor ou religião, ou mesmo a democracia direta, isto é, o direito de participar da vida política sem conferir mandato a alguém. Os liberais trataram em regra de restringir a representação, segundo critérios, sobretudo econômicos: para eles só mos proprietários, com um certo nível de renda, poderiam votar ou ser votados, pois às demais pessoas faltava independência para o exercício desses direitos.

Na Europa ocidental, o liberalismo deu base ideológica aos movimentos pela queda do Antigo Regime, caracterizado por privilégios corporativos e pela monarquia absoluta. Nas colônias americanas, justificou as tentativas de reforma e o ‘direito dos povos à insurreição’. É importante observar que na obra que se tornou a bíblia do liberalismo econômico –A Riqueza das Nações, escrita por Adam Smith em 1776 – há uma crítica ao sistema colonial, acusado de distorcer os fatores de produção e o desenvolvimento do comércio como promotor da riqueza. A escravidão parece a Adam Smith uma instituição anacrônica, incapaz de competir com a mão-de-obra livre”. (FAUSTO, 2004, p. 107 e 108).

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ruptura do modelo de econômico e de produção que se formatou no Brasil,

juntamente com suas relações sociais:

- No período de permanência de D. João VI no Brasil ocorreram:

a) As intervenções militares a partir de 1816, pela incorporação da Banda

Oriental do Prata ao Brasil. O que ocorreu em 1821, com a criação da

Província Cisplatina;

b) A Revolução Pernambucana de 1817, conhecida como “revolução dos

padres”, que declarou a independência de Pernambuco e estabeleceu

um governo provisório. Porém neste mesmo ano as tropas portuguesas

ocuparam Recife e restabeleceram o poder da Corte.

c) A Revolução liberal de 1820, em Portugal, que exigia o retorno do Rei a

metrópole, já que a derrota de Napoleão tinha se dado em 1814 e D.

João decidira permanecer no Brasil. Os revolucionários estabeleceram

uma junta provisória para governar em nome do rei e convocaram as

Cortes, que seriam eleitas em todo mundo português, para redigirem e

aprovarem uma nova constituição, cabendo ao Brasil a participação de

70 a 75 deputados.

d) O retorno do Rei a Portugal, em abril de 1821. Temendo perder o trono

D.João retorna a metrópole, acompanhado de 4mil portugueses.

- Durante o período de D. Pedro I, no poder:

a) Em 1822, da decisão de permanência de D. Pedro I e a proclamação da

Independência.

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b) A lutas internas pelo reconhecimento da independência, que ocorreram

em 1823, na Bahia e na Província de Cisplatina.

c) O processo de reconhecimento externo da independência, que começou

em 1824 pelos Estados Unidos, culminando em agosto de 1825 com o

reconhecimento de Portugal, mediado pela Inglaterra.

d) A constituinte de 1823, dissolvida pelo imperador em 1824, que neste

mesmo ano, em 25 de março, promulgou sua Constituição.

e) A Confederação do Equador, em julho de 1824, movimento de rebelião

que previa reunir sob forma federativa e republicana, Pernambuco, Rio

Grande do Norte, Paraíba, Ceará, Piauí e Pará.

f) A morte de D. João VI, em 1826, que abriu a possibilidade de D. Pedro I

assumir o reinado, como filho mais velho, despertando a suspeita de

uma nova reunificação entre Brasil, Portugal e Algarves.

g) Em 7 de abril de 1831, D. Pedro é forçado a abdicar, em favor de D.

Pedro II, que tinha apenas cinco anos de idade.

- Durante a regência:

a) As reformas institucionais: em 1832 entra em vigor o Código de

Processo Criminal; em agosto de 1834, o Ato Adicional, que determinou

que o poder Moderador não poderia ser exercido durante a Regência;

agosto de 1831, criação da Guarda Nacional.

b) As revoltas provinciais: entre 1831 e 1832, houve cinco levantes no Rio

de Janeiro; entre 1832 e 1835 a guerra dos Cabanos, em Pernambuco;

Cabanagem, no Pará (1835-1840); Sabinada, na Bahia (1837-1838);

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Balaiada, no Maranhão (1838-1840); e a Farroupilha, no Rio Grande do

Sul (1836-1845).

c) A renúncia de Padre Feijó, em setembro de 1837, ao cargo de Regente,

e a eleição de Araújo Lima, que dá início ao “regresso”. “A palavra indica

a atuação da corrente conservadora desejosa de ‘regressar’ à

centralização política e ao reforço da autoridade.”(FAUSTO, 2004,

p.171)

- Durante o segundo Império:

a) Em 1840, o jovem D. Pedro II, aos quatorze anos, após ter sua

maioridade antecipada, assumiu o trono do Brasil.

b) Revoltas liberais, em maio e junho de 1842, nas províncias de São Paulo

e Minas Gerais, com ramificações no Rio de Janeiro.

c) Em 1848, Revolução Praieira, em Pernambuco, porém a luta em forma

de guerrilha prosseguiu até 1850. Tal luta “sustentava um programa favorável ao

federalismo, à abolição do poder Moderador, à expulsão dos portugueses e à

nacionalização do comércio a varejo, (...). Como novidade, aparece a defesa do

sufrágio universal, ou seja, o direito de voto para todos os brasileiros, admitidas

algumas restrições, como idade mínima para votar e ser votado, mas sem a

exigência de um mínimo de renda.” (Fausto, 2004, p.179)

Embora os eventos apresentados não impedissem, qualquer que fosse o

governo, a implantação de uma escola agrícola no Brasil, eles apresentam um

complexo processo de reestruturação que sofreu a sociedade brasileira, e que

teve seus efeitos tanto nos processos produção, quanto político, econômico e

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social, ou seja, uma modificação ampla no sistema de organização da produção e

conseqüentemente da sociedade (e vice-versa).

1.2.2.4 – A estabilidade no Segundo Império e a Lei de Terras.

Nem tudo se decidiu na época regencial. Podemos prolongar a periodização por dez anos e dizer que só por volta de 1850 a Monarquia centralizada se consolidou, quando as últimas rebeliões provinciais cessaram.(FAUSTO, 2004, p.161).

É neste momento, de aparente estabilidade, que a Lei de Terras é

promulgada por D. Pedro II, semanas após a decretação da Lei Eusébio de

Queiroz.

Todo este quadro retrata o estabelecimento das bases, que permitirá a

infiltração das relações de produção capitalista no campo brasileiro (digo “início”,

pois este é um processo que levará décadas, e só se fortalecerá com a efetiva

abolição do trabalho escravo)24.

Antes, vejamos como Wood (2001), percebe a penetração das relações

capitalistas nas sociedades, para então entendermos melhor o significado da Lei

de Terras de 1850, juntamente com o início do processo que culminaria com a

abolição da escravatura no Brasil :

Durante milênios, os seres humanos proveram suas necessidades materiais trabalhando a terra. E, provavelmente por quase tanto tempo quanto se dedicaram à agricultura, dividiram-se em classes, entre os que trabalhavam a terra e os que se apropriavam do trabalho alheio. Essa divisão entre

24 Mesmo com o fortalecimento do processo de infiltração das relações capitalistas no campo brasileiro a partir da abolição do trabalho escravo, em 1888, ainda hoje, no Brasil, encontram-se regiões onde o trabalho escravo é a base da produção rural. Por isso entendo que as relações capitalistas, já estabelecidas, não descartam a possibilidade da superexploração do trabalho através da forma de escravidão, ou seja, apropriam-se de estruturas que seriam características de outros modelos, na perspectiva da maior extração da mais-valia.

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apropriadores e produtores assumiu muitas formas, porém uma característica comum foi que, tipicamente, os produtores diretos eram camponeses. Esses camponeses produtores permaneciam de posse dos meios de produção, particularmente da terra. Como em todas as sociedades pré-capitalistas, esses produtores tinham acesso direto aos meios de sua reprodução. Significa que, quando seu trabalho excedente era apropriado por exploradores, isto era feito através do que Marx chamou de meios ‘extra-econômicos’ – ou seja, através da coerção direta, exercida por grandes proprietários ou Estados que empregavam sua força superior, seu acesso privilegiado ao poder militar, jurídico e político.

Essa é, portanto, a diferença básica entre todas as sociedades pré-capitalistas e o capitalismo. Ela nada tem a ver com o fato de a produção ser urbana ou rural, e tem tudo a ver com as relações particulares de propriedade entre produtores e apropriadores, seja na indústria ou na agricultura. Somente no capitalismo é que o modo de apropriação dominante baseia-se na desapropriação dos produtores diretos legalmente livres, cujo trabalho excedente é apropriado por meios puramente ‘econômicos’. Como os produtores diretos no capitalismo plenamente desenvolvido, são desprovidos de propriedade, e como seu único acesso aos meios de produção, aos requisitos de sua própria reprodução e até aos meios de seu próprio trabalho é a venda de sua capacidade de trabalho excedente dos trabalhadores sem uma coação direta.

Essa relação singular entre produtores e apropriadores é mediada, obviamente, pelo ‘mercado’. Houve vários tipos de mercado ao longo de toda a história escrita da humanidade, e sem dúvida antes dela, já que as pessoas trocam e vendem seus excedentes de muitas maneiras diferentes e para vários fins diferentes. No capitalismo, entretanto, o mercado tem uma função distintiva e sem precedentes. Praticamente tudo, numa sociedade capitalista, é mercadoria produzida para o mercado. E, o que á ainda mais fundamental, o capital e o trabalho são profundamente dependentes do mercado para obter as condições mais elementares de sua reprodução. Assim como os trabalhadores dependem do mercado para vender sua mão-de-obra como mercadoria, os capitalistas dependem dele para comprar a força de trabalho e os meios de produção, bem como para realizar seus lucros, vendendo os produtos ou serviços produzidos pelos trabalhadores. Essa dependência do mercado confere a este um papel sem precedentes nas sociedades capitalistas, não apenas como um simples mecanismo de troca ou distribuição, mas como o determinante e regulador principal da reprodução social. A

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emergência do mercado como determinante da reprodução social pressupôs sua penetração na produção da necessidade mais básica da vida: o alimento. (p.77 e 78, negrito nosso)

Assim, farei uma breve apreciação da Lei de Terras (Lei 601, de 1850),

tentando destacar suas principais características, entendendo que esse marco é a

base de uma mudança estrutural na produção agrícola brasileira.

Esta lei “ao mesmo tempo que normatizava o domínio do capital sobre o

bem da natureza, impedia os pobres, futuros ex-trabalhadores escravizados, de se

transformarem em camponeses, ou seja, pequenos proprietários de terra. A lei é

claríssima. As terras públicas poderiam ser privatizadas desde que o comprador

tivesse dinheiro, que pagasse à coroa” (STEDILE, 2005, p.284).

Como o fim da escravidão dava sinais mais próximos, a classe dominante

tratou de estabelecer a proteção de seu bem maior na forma de mercadoria: a

terra. A limitação do acesso a terra então se deu por condições econômicas.

Importa também lembrar que a propriedade no Brasil já era privada e de grandes

extensões, mas não podia ser comercializada. E este, para mim, é mais um

elemento de percepção da fixação da lógica capitalista no processo de produção

agrícola brasileira.

Assim, como aos ex-escravos, a Lei também impedia o acesso a terra por

parte de recém imigrantes que tivessem sua vinda financiada, ou seja, aqueles

que eram trazidos com o objetivo de substituir o trabalho escravo nas

propriedades rurais.

Embora a lógica do capital tivesse penetrado o sistema de produção

agrícola no Brasil, resquícios do sistema em crise permaneciam, e um deles foi a

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manutenção da grande propriedade, o que não era a característica dominante nos

países centrais do capitalismo. Tal característica perdura até hoje em muitas

regiões do país, cujas atividades de produção são monoculturistas e de

exportação25.

1.2.2.5 - Finalmente, a criação da primeira escola agrícola no Brasil.

Conforme já afirmei anteriormente, entendo que o Brasil, desde o seu

período colonial esteve inserido, de forma dependente, em um sistema mais

amplo de um capitalismo que começava a dar seus primeiros passos na Europa.

Porém as relações de produção no campo tinham uma estrutura escravista. Com

a pressão externa de internacionalização das relações de produção capitalista, o

Brasil foi aos poucos se adequando a elas, ou melhor, necessário era se adequar,

dada a dependência construída. Por isso a extinção do tráfico e a Lei de Terras

foram a confirmação concreta dessas mudanças estruturais.

Mudanças de uma modernização capitalista exigiam também, mudanças

nos métodos e técnicas de produção local. E tais mudanças foram ocorrendo: com

a substituição gradual da mão-de-obra escrava pelo trabalhador “livre”, e com a

legitimação da propriedade privada nas mãos de poucos. Seria, portanto,

necessário uma readequação nas técnicas de produção agrícola, até então, muito

rudimentares.

25 Em 1995/1996, 86% das propriedades agrícolas, no Brasil, foram classificadas pelo IBGE como sendo propriedades familiares, ocupando 30% da área de produção agrícola e contribuindo com 38% da produção bruta do setor. Enquanto que, 11% das propriedades foram classificadas como sendo de tipo patronal, ocupando 68% da área de produção agrícola e contribuindo com 61% da produção bruta do setor. (LEITE, 2004).

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O modelo de produção agrícola que já se desenvolvia na Inglaterra (país

que se tornou o centro do capitalismo até o séc. XIX), desde o séc. XVI tinha como

preocupação o melhor aproveitamento das áreas, resultando em um aumento da

produtividade, tendo como conseqüência a diminuição de trabalhadores no

campo26. E para o processo de desenvolvimento das forças produtivas no Brasil,

de caráter geral eminentemente agrícola, se fazia necessário a preparação, tanto

de trabalhadores quanto da burguesia rural, ou de seus agentes, para as novas

demandas produtivas do modelo capitalista, que começava a tomar forma no

processo interno de produção. Enquanto a primeira crise, que originou a Carta de

1812, não foi capaz de mudar a base de produção agrícola no Brasil, a segunda

crise surge da mudança desse processo, que internaliza, pelas questões históricas

apresentadas, a lógica da produção capitalista no campo brasileiro, ou seja, o

Brasil vai se tornando capitalista, também do ponto de vista de sua base produtiva.

Por isso, no início dessas transformações, surge, como exigência tácita, a

primeira escola agrícola no país, e em 1859, inaugura-se o Instituto Baiano de

26“Apesar da diminuição de seus cultivadores, o solo proporcionava a mesma quantidade de produção ou maior, porque a revolução no regime de propriedade territorial corria paralela com a melhoria dos métodos de cultura, com maior cooperação, concentração dos meios de produção, etc., e porque os assalariados tinham de trabalhar mais intensivamente, dispondo de uma área cada vez menor em que podiam trabalhar para si mesmos. Parte dos habitantes rurais se torna disponível e se desvincula dos meios de subsistência com que se abastecia”. (MARX, 2003, p.859). “No fim do volume 1 do Capital, a parte 8 do livro, foi dedicada por Marx à descrição da ‘Assim Chamada Acumulação Primitiva’, em que ele descreveu o demorado processo histórico, iniciado já no século XIV, no qual a grande massa da população era retirada, freqüentemente à força, do solo e ‘atirada no mercado de trabalho como proletários livres, desprotegidos e desprovidos de direitos’. Ademais, este processo histórico da ‘expropriação do produtor agrícola, o camponês’, caminhava de mãos dadas com a gênese do agricultor capitalista e do capitalista industrial.

Na Inglaterra, onde este processo havia alcançado o seu maior desenvolvimento na época em que Marx estava em atividade, e que ele, portanto, tomou como forma clássica de acumulação primitiva, a nobreza, que logo se havia metamorfoseado numa nobreza endinheirada, fez da ‘transformação da terra arável em pasto para carneiros...o seu slogan’. O processo de destituição do campesinato tomou a forma do cercamento (enclosures) das terras comuns, separando assim os trabalhadores agrícolas livres dos seus meios de produção, transformando-os em miseráveis e proletários que só podiam sobreviver vendendo sua força de trabalho nas cidades.” (FOSTER, 2005, p.238 e 239)

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Agricultura, seguido do Instituto Pernambucano de Agricultura (1861) e da Imperial

Escola Agrícola da Bahia (1877). (VELEDA, 1970; apud SIQUEIRA, 1987, p.23).

Resta mencionar que, além dos Institutos citados, foram criados outros no Rio Grande do Sul (em Pelotas) e em São Paulo (em Campinas e no Vale do Piracicaba, sendo este último mantido pelo governo de Minas), tendo havido ainda aqueles que fracassaram, como o de Pernambuco, o de Sergipe e o do Rio Grande do Sul.(Ibid., p.24).

As próximas mudanças na estrutura do ensino agrícola no Brasil irão surgir

nos governos republicanos, onde o padrão de dominação externa na América

Latina será de caráter imperialista.27

1.2.3 - Imperialismo restrito e o ensino agrícola no Brasil.

Este gênero de relações entre grandes e pequenos Estados sempre existiu, mas na época do imperialismo capitalista tornam-se sistema geral, entram como um elemento entre tantos outros, na formação do conjunto de relações que regem a ‘partilha do mundo’, passam a ser elos da cadeia de operações do capital financeiro mundial. (LÉNINE, 1975, p.105)

27 Este trabalho, de maneira geral pretendeu tratar do desenvolvimento do ensino agrícola no Brasil, levando em consideração, principalmente, as mudanças estruturais no processo de produção agrícola. Porém,cabe ressaltar como indicação, os apontamentos feitos por Soares (2003) em sua tese de doutorado, os quais apresento de forma resumida a seguir: Em seu trabalho, Soares, apresenta o caráter corretivo e assistencialista que caracterizou o surgimento das primeiras escolas agrícolas, desde a Fazenda Normal de Agricultura, em 1836, em São Paulo, destinada a órfãos e rapazes pobres; o Asilo Agrícola, fundado pelo Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, em 1864, passando pelo Congresso Agrícola, de 1878, que tratou de se ocupar com o debate sobre o aproveitamento dos filhos dos ex-escravos, dos ‘ingênuos’, para os quais o Estado deveria oferecer um ensino agrícola. De acordo com a autora, essa visão persistiu em toda a primeira república, onde o trabalho manual seria capaz de conter a ‘malandragem’ e a ‘vagabundagem’. Ainda em 1918, os Patronatos Agrícolas tinham também essa destinação corretiva e assistencialista. E essa é uma visão que persiste e marca profundamente a formação de técnicos em agropecuária. Nota-se, portanto, que no processo histórico, o ensino técnico no Brasil, em geral, e em particular o ensino agrícola, foram utilizados como forma de ‘domesticação’ para os chamados ‘excluídos’ ou ‘desfavorecidos da sorte’.

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O terceiro tipo de dominação externa, descrita por Fernandes (1973), é a do

Imperialismo Restrito (os outros foram: padrão de dominação colonial e padrão de

dominação neocolonial), que nasce da reorganização da economia mundial, em

função da revolução industrial na Europa. Lembra-nos também, que tal revolução

se dinamizou como resultado dos capitais acumulados nos países europeus,

através do comércio triangular desenvolvido nos períodos do colonialismo e

neocolonialismo.

As influencias externas atingiram todas as esferas da economia, da sociedade e da cultura, não apenas através de mecanismos indiretos do mercado mundial, mas também através de incorporação maciça e direta de algumas fases dos processos básicos de crescimento econômico e de desenvolvimento sociocultural. Assim a dominação externa tornou-se imperialista, e o capitalismo dependente surgiu como uma realidade histórica na América Latina.(p.16)

O controle financeiro das emergentes economias

satélites tornou-se tão complexo e profundo que o esquema exportação-importação foi refundido para incluir a ‘integração’ do comércio interno, a ‘proteção’ dos interesses rurais ou da modernização da produção rural, a ‘introdução’ das industrias de bens de consumo, a ‘intensificação’ das operações bancárias, etc. Em síntese, as economias dependentes foram transformadas em mercadoria, negociáveis à distância, sob condições seguras e ultralucrativas. (p.17)

Assim, a condição, já existente, de dependência, no Brasil e na América

Latina, adquire uma nova forma, extrapolando o campo comercial e atingindo as

relações de produção interna, que não se modificam inteiramente, operando com

resquícios do velho sistema, amalgamados à nova condição produtiva.

No Brasil, mesmo com essas mudanças e a introdução de novas escolas

agrícolas, o processo de produção agrícola não vivenciou um significativo avanço

na maneira de se produzir, embora as relações sociais de produção tenham se

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alterado bastante. Será somente a partir das décadas de 1960 e 1970, que,

também, por influencia externa, o processo de produção se reestrutura

completamente, com a chamada “Revolução Verde”.(retomarei esta questão no

ponto em que tratarei do imperialismo total e o ensino agrícola no Brasil).

1.2.3.1 - O processo histórico do ensino agrícola em tempos de imperialismo restrito.

Conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram as terras ao capital e proporcionaram à indústria das cidades a oferta necessária de proletários sem direitos. (MARX, 2003, p.847)

A produção agrícola no Brasil, já na Primeira República, diferencia-se do

modelo anterior, basicamente por conta da utilização de mão-de-obra de

trabalhadores “livres”, majoritariamente imigrantes europeus, que se deslocam em

grande parte para as lavouras de café do Estado de São Paulo. Essas vindas

foram, na maioria das vezes, subsidiadas pelos próprios fazendeiros, que

dependiam de tais braços para manterem suas plantações.

Como já demonstramos anteriormente, tais imigrações de europeus não se

deram de forma repentina após a abolição do trabalho escravo em 1888, elas já

vinham sendo realizadas, já que o modelo escravista dava seus sinais de crise.

Porém, há que se admitir, que tal fluxo de imigrantes ampliou-se

consideravelmente nas primeiras décadas do século passado, não só pelos

fatores das crises internacionais, que impulsionavam o deslocamento de europeus

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para os trópicos, mas também pela incapacidade de incorporação pelo novo

sistema de seus antigos escravos e descendentes.

Embora o café tenha sido, desde meados do séc. XIX, o produto agrícola

mais exportado, as novas demandas do sistema capitalista que se inseriam no

cotidiano brasileiro, requeriam uma ampliação das atividades agrícolas aqui

desenvolvidas, principalmente no que se referia a subsistência (alimentação da

população que crescia nos centros urbanos – arroz , feijão, milho, carne, charque,

etc.) e ao fornecimento de matérias primas, tanto para o conhecido mercado

europeu e norte-americano, como também para a incipiente indústria nacional

(neste caso o algodão era o principal elemento, visto que tais indústrias eram

majoritariamente do setor têxtil).

Tais demandas originaram o “aparecimento” de pequenas e médias

propriedades, em sua grande maioria mantidas pelos imigrantes, que trouxeram

para o Brasil novos costumes e hábitos alimentares, o que reforçava ainda mais

as demandas para uma produção de subsistência.

Um dos fatores que possibilitou esse “aparecimento” foi o processo de

descentralização do poder iniciado após a proclamação da Republica, que gerou

dois efeitos contraditórios. Primeiro: as terras devolutas passam a ser de

responsabilidade dos estados, o que poderia favorecer a compra de pequenas e

médias propriedades. Segundo: tal descentralização fortaleceu a figura do chefe

político local – o coronel – grande proprietário de terras, que para expandir seu

poder necessitava, também, expandir suas terras, expulsando assim posseiros e

pequenos proprietários, através da força.

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A tentativa de solução dessa contradição, ocorreu principalmente nas

regiões de produção de café, com a existência dos colonatos: onde os grandes

proprietários cediam suas terras para implantação da cultura (café), e durante o

período de desenvolvimento da planta (quatro a cinco anos), os colonos utilizavam

os espaços entre linhas de plantio e mais alguma pequena área para a produção

de outros cultivares de subsistência.

Mas, tais tentativas não foram suficientes para impedir o surgimento dos

movimentos de resistência camponesa. Entre eles, apoiado em Fausto (2004),

destaco:

- A Guerra dos Canudos, em 1896;

- O Movimento do Contestado, de 1911 a 1915;

- A Greve por melhores salários e condições de trabalho, que ocorreu em

Ribeirão Preto, em 1913, que reuniu milhares de colonos.

Esses processos de resistências denotam a instabilidade que se instalou

nas relações sociais de produção no campo, devido à mudança no processo de

produção agrícola iniciado ao final do séc. XIX. Não como mera conseqüência,

mas como parte dessas mudanças históricas o ensino agrícola no Brasil passa

também por transformações, seja como resposta as novas demandas produtivas,

como formador dos filhos de uma classe dirigente, ou como conformador de novos

braços para as lavouras.

1.2.3.1.1 - As mudanças ocorridas no ensino agrícola brasileiro nas

primeiras décadas do séc. XX.

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Em 1906, surge como fruto da descentralização e modernização do Estado,

por parte da recém criada República, o Ministério da Agricultura, Indústria e

Comércio, vinculando-se a ele o ensino agrícola. (SIQUEIRA, 1987, p.26).

Já, em 1910, surge a primeira modificação na estrutura do ensino agrícola,

pelo Decreto 8319, de 20 de outubro, no governo Nilo Peçanha - elaborador de um

amplo planejamento para este ramo do ensino - criando novos cursos, graus de

ensino, e trazendo a proposta de vinculação de uma fazenda experimental às

escolas médias e às escolas superiores.

Os cursos e graus propostos por este Decreto foram:

ensino superior; ensino médio ou teórico-prático; ensino prático; aprendizados agrícolas; ensino primário agrícola; escolas especiais de agricultura; escolas domésticas agrícolas; cursos ambulantes; cursos conexos com o ensino agrícola; consultas agrícolas e conferências agrícolas.(Decreto 8319/1910)

Mesmo que, o Decreto acima mencionado, não tenha sido implantado na

íntegra; surge, a época, como iniciativa para a formação de uma classe dirigente

para o campo brasileiro, duas escolas: a Escola Superior de Agricultura Luiz de

Queiroz (ESALQ) em Piracicaba-SP e a Escola Superior de Agricultura e Medicina

Veterinária (ESAMV), no Rio de Janeiro, na época, Distrito Federal.

Embora, cada uma com projetos diferentes, como demonstra Mendonça

(1993), serão elas as referências na formação de uma classe dominante para o

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campo brasileiro, originando a base para as disputas de projetos que se darão no

âmbito das políticas de Estado para a agricultura28.

A preocupação para a formação de sujeitos que iriam atuar na agricultura

brasileira, não se deu apenas no âmbito de uma elite agrária. Para as novas

demandas produtivas haveria, também, a necessidade de formação de

trabalhadores rurais e de agentes intermediários (técnicos que supervisionariam e

controlariam a produção).

Dessa forma, são criados, em 1918, os patronatos agrícolas

que tinham por objetivo principal o aproveitamento de menores abandonados ou sem meio de subsistência, aos quais seriam dados o curso primário e o profissional. Porém, a criação destes patronatos encontra-se intimamente ligada ao regime de colonato, já que no decreto de sua criação, Dec. 12.893 de 20/02/1918, estava prevista ‘a posse de um lote de terras, em determinado núcleo colonial, livre de despesas e mais a quantia de duzentos mil réis’ para os alunos que concluíssem o curso profissional com aproveitamento. Assim sendo, o ensino agrícola cumpria algumas funções importantes, como a de fornecer mão-de-obra especializada e barata para os grandes fazendeiros; a de aumentar a oferta de gêneros de alimentação básica; a de evitar a migração do campo para a cidade; e a de servir como um meio correcional para seus alunos internos, que executavam serviços no campo, como castigo, dentro de uma linha rígida de conduta. (SIQUEIRA, 1987, p.29)

Pois, necessário era para a classe dominante do setor de produção agrário,

Agir sobre a população ignorante, ministrando-lhe conhecimentos práticos a respeito do trato com a agricultura, capazes de produzirem um trabalhador tido por adequado aos padrões de eficiência definida na conjuntura pós-abolicionista, eis o sentido mais amplo da chamada instrução elementar

28 Sobre estas escolas recomendo o trabalho realizado por MENDONÇA (1993), intitulado “Agronomia e Poder no Brasil” que trava uma comparação entre os projetos de civilização do campo, defendidos por cada uma dessas escolas, e os reflexos disso nas políticas para o setor.

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agrícola no período. Voltada para a construção de uma ‘ética do trabalho’ regeneradora e disciplinadora de homens inferiores, elas distanciavam-se em muito do movimento engrossado por inúmeras organizações da época, que pregavam a promoção do ensino primário junto à massa analfabeta como elemento promotor da democracia, culminando no ‘otimismo pedagógico’ da década de 1920. (MENDONÇA, 1993, p. 41, utilizando-se em grande medida de NAGLE, 1976).

Neste ponto entendo necessário retomar um fato relatado anteriormente

(item 1.2.1.2), que foi a apresentação do relatório de Manoel Dias Filho, no

segundo Congresso da Associação Nacional de Agricultura, em 1908. Nele se

expressa a necessidade de criação de escolas de agricultura, haja vista o avanço

obtido na produção agrícola, detectado nas Antilhas, vinculado ao sistema de

ensino. “Criem-se, pois, Escolas de Agricultura destinadas ao preparo agrícola-

industrial theorico e pratico, que não póde ser supprido pelas nossas academias

de direito, de engenharia, de medicina e de pharmacia”, com estas palavras

fechou-se o discurso, que não se configurou como mera retórica, pois expressava

a real necessidade do setor produtivo agrícola brasileiro no início do século

passado.

Assim, entendo que as transformações vividas pelo ensino agrícola

brasileiro nesse período de Primeira República são frutos de demandas que se

originaram do processo produtivo, na perspectiva de garantir o desenvolvimento e,

ao mesmo tempo, a manutenção de uma classe dominante no setor agrário.

O avanço vivido pela agricultura brasileira após tais transformações

configurou-se em uma posterior contradição característica do sistema capitalista

(embora o evento que irei citar não tenha somente um aspecto determinante). A

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crise de 1929, de dimensões mundiais, afetou o Brasil principalmente em sua

produção agrícola, pois

Ela apanhou a cafeicultura em uma situação complicada. A defesa permanente do café gerara a expectativa de lucros certos, garantidos pelo Estado. Em conseqüência, as plantações se estenderam no Estado de São Paulo. Muita gente tomou empréstimo a juros mensais de 2% - uma taxa na época muito alta – para plantar café. A safra de 1927-1928 chegou a quase 30 milhões de sacas, sendo quase duas vezes superior à média das últimas três. Esperava-se que 1929 fosse um ano de produção reduzida, dada a alternância de boas e más safras. Mas provavelmente as boas condições climáticas e a melhora do trato dos cafezais fizeram com que isso não acontecesse. Com a crise, os preços internacionais caíram bruscamente. Como houve retração do consumo, tornou-se impossível compensar a queda de preços com a ampliação do volume de vendas. Os fazendeiros que tinham se endividado, contando com a realização de lucros futuros, ficaram sem saída. (FAUSTO, 2004, p.320, negrito nosso).

A crise de superprodução também afetara a agricultura brasileira, e tal

aumento na produção também se deu – e essa não é uma hipótese a ser

desprezada - como resultado da formação de trabalhadores de novo tipo, através

de escolas agrícolas.

1.2.3.1.2 - A configuração do ensino agrícola a partir do Estado

Getulista.

Podemos sintetizar o Estado Novo sob o aspecto socioeconômico, dizendo que representou uma aliança da burocracia civil e militar e da burguesia industrial, cujo objetivo comum imediato era o de promover a industrialização do país sem grandes abalos sociais. A burocracia civil defendia o programa de industrialização por considerar que era o caminho para a verdadeira independência do país; os militares porque acreditam que a instalação de uma indústria de base fortaleceria a economia – um componente importante

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de segurança nacional; os industriais porque acabaram se convencendo de que o incentivo à industrialização dependia de uma ativa intervenção do Estado. (FAUSTO, 2004, p.367).

Efetivamente o governo Vargas não abandonou de imediato o interesse

pelo setor rural, e o autor acima citado também não faz esta síntese em seu

trabalho. Porém no decorrer dos quinze anos em que governou ininterruptamente,

primeiro como chefe de um governo provisório (1930-1934), depois como

presidente eleito constitucionalmente (1934-1937), depois como ditador (1937-

1945), Getúlio e seu governo, foram deixando claro qual seria a prioridade nas

suas ações; qual seja, a de incentivar e fortalecer um programa de industrialização

para o país29.

Essa percepção, usando como mediação para análise o ensino agrícola, se

dá claramente em dois momentos:

Primeiro, na criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930, onde o

ensino agrícola não foi vinculado, permanecendo sob a tutela do Ministério da

Agricultura, Indústria e Comércio.

Segundo, ao instituir o Decreto da Lei Orgânica do Ensino Industrial, em

1942, excluindo o ensino agrícola dessa reforma, que só ocorreu em 1946,

durante o governo Dutra, com a instituição da Lei Orgânica do Ensino Agrícola.

Um outro aspecto que clareia ainda mais a hegemonia industrial neste

governo, e que não estava diretamente ligado ao ensino agrícola, foi a

promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, que excluía

de seu conteúdo os trabalhadores rurais.

29 Para entender melhor estas mudanças; recomendo outro trabalho de Celso Furtado (1972): Análise do ‘modelo’ brasileiro.

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Contudo seria leviandade afirmar que os governos de Getúlio Vargas

tenham abandonado por completo as questões rurais, pois a base da economia

brasileira ainda era de agro-exportação. Getúlio equilibrava-se entre as frações da

classe dominante, principalmente entre 1930 e 1945, dos diferentes setores

(agrícola e industrial). Basta lembrar as ações de centralização efetuadas no

controle de mercado do café30, para ressaltar os cuidados que se tinha para

acalmar os ânimos desta parcela da classe.

Como marca aparente da centralização getulista, inclusive no ensino

agrícola, surgiu no âmbito do Ministério da Agricultura, Industria e Comércio, em

1940, a Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (SEAV)31, “órgão

diretamente ligado ao Ministro da Agricultura e visava exercer maior controle sobre

os estabelecimentos que ministravam o ensino agrícola.”(SIQUEIRA, 1987, p.34).

Há, portanto, alguns fatos a serem destacados ainda para este período;

durante a segunda guerra mundial o preço do açúcar elevou-se muito no mercado

internacional, e este aumento- cerca de 140%(FURTADO, 1968, p.199)- estimulou

a retomada dos engenhos no nordeste, por parte de seus donos, que em função

das crises anteriores haviam abandonado tais terras, enquanto que o preço do

30 Cito aqui, apoiado em Fausto(2004), primeiramente a criação do Conselho Nacional do Café, em 1931, depois transformado em Departamento Nacional do Café, em 1933, que tinham como principal ênfase a centralização da política para o setor. Depois, pela própria pressão dos grandes proprietários do café, em resposta a crise de 1929, “o governo compraria o café com a receita derivada do imposto de exportação, e do confisco cambial, ou seja, de uma parte da receita das exportações, e destruiria fisicamente uma parcela do produto. Tratava assim de reduzir a oferta e sustentar os preços. Essa opção era semelhante às opções que levaram à eliminação da uva, na Argentina, ou à morte de rebanhos de carneiros, na Austrália. O esquema brasileiro teve longa duração, embora alguns de seus aspectos tenham sido alterados no correr dos anos. A destruição de café só terminou em julho de 1944. Em treze anos, foram eliminados 78,2 milhões de sacas, ou seja, uma quantidade equivalente ao consumo mundial de três anos. (p. 334, negrito nosso). 31 Antes da SEAV, existiram a Diretoria do Ensino Agronômico (1933); a Diretoria do Ensino Agrícola (1934), esta criada por influência da Constituição de 1934, mas que mantinha as mesmas atribuições da anterior; e a Superintendência de Ensino Agrícola (1938). Todas vinculadas ao Ministério da Agricultura.

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café se estabilizou depois da crise de 1929, ou seja, manteve-se muito baixo,

levando muitos produtores a abandonarem a atividade.

No primeiro caso o abandono que se havia concretizado estimulou o

processo de ocupação dessas terras por posseiros e pequenos produtores,

forçados a abandonarem suas pequenas lavouras pelo uso da força da velha e

revigorada oligarquia.

O segundo caso, originava, também, uma instabilidade por parte dos

trabalhadores rurais dessas áreas, mesmo que durante esta mesma época

houvesse um crescimento produtivo em outras atividades, como foi o caso do

algodão32, porém insuficiente para absorver os trabalhadores

dispensados.(absorção que também não ocorria por parte da incipiente indústria

nacional)

Esta instabilidade, de origem do modo de produção capitalista gerou, como

conseqüência, muitos conflitos no campo, e um dos instrumentos encontrados

para conter a luta de classes foi a tentativa de conciliação. (como tentarei

demonstrar no próximo ponto).

Seguiu-se como característica do período getulista a utilização da educação

como instrumento de lapidação humana, no sentido de preparar homens e

mulheres para as novas demandas do processo produtivo, seja ele industrial ou

agrícola, embora o primeiro com maior ênfase. Nesse sentido, para a classe

trabalhadora, ficavam as exigências de uma formação moral e higienista, que

32 Entre 1929 e 1940, a participação do Brasil na área plantada, em todo mundo, aumentou de 2% para 8,7%. (FAUSTO, 2004, p.392)

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marcou as políticas educacionais da época33, na perspectiva de moldar um

espírito nacionalista de desenvolvimento capitalista.

Trazendo conseqüências para a conformação do campo brasileiro uma

questão ainda deve ser considerada: as restrições à imigração a partir da

constituição de 1934, ocasionaram um aumento visível na migração interna34.

Segundo Azevedo (2005),

33 Embora esta formação moral e higienista tenha marcado profundamente este período da história brasileira, cabe ressaltar o movimento contra-hegemônico que surge no âmbito das disputas acerca das políticas públicas para a educação da época. Sendo assim, utilizarei os apontamentos feitos por Soares (2003), apoiada em Romanelli, que de forma resumida demonstra tal movimento: “É fundamental destacar que o período de 1930 a 1937 é configurado, no campo educacional, por lutas ideológicas entre os chamados ‘pioneiros’ da educação e os conservadores. A criação, em 1924, da Associação Brasileira de Educação - ABE, por um grupo de educadores que possuíam idéias renovadoras sobre o ensino, oriundas do Movimento da Escola Nova, vigente nos Estados Unidos e na Europa, e que aqui ganha corpo a partir da divulgação de um livro de Emanuel Carneiro Leão, denominado A Educação, inaugura um movimento que reivindica medidas urgentes para resolver os principais problemas do ensino brasileiro. De outro lado destaque-se também que, a partir de 1922, foram empreendidas várias reformas estaduais de ensino, capitaneadas por grandes educadores da época, dentre os quais, Lourenço Filho, Carneiro Leão, Francisco Campos, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. As reformas e as publicações divulgadas pela ABE vão culminar com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nacional, em 1932, que tem seu texto embasado nos debates ocorridos nas Conferências Nacionais de Educação, realizadas a partir de 1927. As temáticas que mais acirravam os debates eram as do ensino laico, a da gratuidade e obrigatoriedade do ensino, a da co-educação e do Plano Nacional de Educação. Pregava o Manifesto a necessidade de se extinguir o sistema dual de ensino, considerando a educação um direito individual e que, portanto, deve ser assegurado a todos, sem distinções, como dever do Estado. Demonstra, por outro lado, a defasagem existente entre a educação e o desenvolvimento da época e a necessidade de superação dessa defasagem. A educação é tratada como um problema social, o que é um avanço para a época, representando, uma tomada de consciência, por parte dos educadores, até então inexistente, da necessidade de se adequar a educação ao tipo de sociedade e à forma assumida pelo desenvolvimento brasileiro da época, além de traçar novas diretrizes para o estudo da educação no Brasil. No entanto não se questionava a ordem social, política e econômica instalada. A Constituição de 1934 é em muito inspirada pelo ideário explicitado pelo Manifesto”(p.40 e 41). 34 “A crise mundial (1929) e o dispositivo da Constituição de 1934, em que estabeleciam quotas para o ingresso de imigrantes, concorreram para a redução do fluxo externo, com a exceção dos japoneses. Os deslocamentos internos da população tiveram um sentido diferente conforme a região. O Norte apresentou uma elevada taxa negativa de migração interna (-13,72%), como resultado da crise da borracha. Foi, em grande medida, um movimento de retorno de nordestinos para sua região de origem. O Sul e o Centro-Sul como um todo apresentou, ao contrário, altas taxas positivas (11,73%). É significativo lembrar que até 1940 os migrantes para o Sul provinham principalmente de Minas e não do Nordeste. Considerando-se as unidades da federação, o núcleo de maior atração era o Distrito Federal. A migração para São Paulo só se tornou relevante a partir de 1933, contribuindo para ela a retomada do surto industrial e as restrições impostas à imigração estrangeira”.( FAUSTO, 2004, p. 390)

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Diante desse novo cenário político, (também) permaneceu a preocupação do poder público em conter e reverter o processo de êxodo rural, com o intuito de atenuar a questão social, que se tornava cada vez mais complexa, com o crescimento progressivo e desordenado dos maiores centros urbanos do país. Para modificar essa situação, ao menos em termos discursivos, a educação continuará tendo um papel de destaque durante praticamente toda a chamada Era Vargas (1930-1945), como um meio de incutir valores cívicos, patrióticos, desportivos e higienistas, servindo ao intento de (re)povoar e sanear o interior, utilizando-se do lema ‘instruir para sanear’ pregado por muitos sanitaristas e educadores ao longo do período em tela.(p. 45, entre parênteses nosso).

Assim, a escola, independente do nível e ramo a que se propunha ensinar,

é apropriada pelo Estado como instrumento de conformação de sujeitos de novo

tipo, tanto trabalhadores quanto dos agentes de uma classe dominante, que

também se renovava.

Os objetivos pedagógicos que vão sendo delineados ao longo do governo Vargas, fundamentados na instrução moral e cívica, na disciplina física e mental, no patriotismo e higienismo, atingem todos os ramos e graus do ensino, independente do órgão ou da esfera administrativa ao qual estava vinculado cada estabelecimento, de modo compulsório, com uma obrigatoriedade inflexível e com rígida hierarquização de propósitos e inspeção do seu cumprimento. Esta centralização administrativa e de fiscalização que vai sendo edificada nas diversas instituições da sociedade é justificada, sobretudo, em virtude da ameaça representada pelo perigo do comunismo, cujo conteúdo doutrinário vinha sendo sub-repticiamente pregado nas escolas.

(...) Assim, as escolas em seus diversos ramos e níveis

de ensino constituir-se-ão num importante aparelho ideológico e instrumento de ação a serviço do Estado, inculcando e preparando as novas gerações para o ‘bom caminho’ do patriotismo, dos conceitos cívicos e morais, do treinamento físico. Definidos e determinados pelas autoridades constituídas no poder para construir e servir à Nação, nos seus aspectos materiais e espirituais, deveriam

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estar em consonância com as diretrizes ideológicas traçadas pelo Estado Novo para forjar o homem completo, ou seja, para que o indivíduo se realizasse plenamente como pessoa no plano moral, político e econômico, contribuindo, conseqüentemente, para o progresso da vida nacional. (Ibidem, p. 47 e 48)

Esses aspectos, levantados por Azevedo, fortalecem a percepção de um

projeto de desenvolvimento nacional, cujo Estado centralizador era o grande

regente. Embora esse tenha sido um período bastante complexo, do ponto de

vista político, social e econômico, fica aparentemente claro que o ensino agrícola

tinha a desempenhar o papel que o conjunto da educação brasileira

desempenhava na conformação desse homem de novo tipo. Um novo homem

também era necessário ao campo; um campo que precisava atender as

demandas, tanto de subsistência quanto de fornecimento de matéria-prima e mão-

de-obra para industria nacional. Equacionar essas demandas a favor do capital,

era então a grande tarefa desempenhada pelo Estado getulista, somada as

demandas de interesses internacionais35 que complexificavam ainda mais o

cenário.

35 Como forma de exemplificar tais demandas cito os acordos comerciais feitos, primeiramente com os Estados Unidos, em 1935, e em 1936, com a Alemanha, que consistia na exportação de algodão, café, cítricos, couros, tabaco e carnes. “O período 1934-1940 caracterizou-se pela crescente participação da Alemanha no comércio exterior do Brasil. Ela se tornou a principal compradora de algodão brasileiro e o segundo mercado para o café. Foi, sobretudo no setor de importações que a influência alemã cresceu. Em 1929, 12,7% das importações brasileiras vinham da Alemanha e 30,1% dos Estados Unidos; em 1938, os alemãs chegaram a superar ligeiramente os americanos, com 25% das importações contra 24,2%. Naquele mesmo ano de 1938, iam para os Estados Unidos 34,3% e para a Alemanha 19,1% das exportações brasileiras. As transações com a Alemanha eram atraentes não só para certos grupos exportadores como também para aqueles que defendiam a necessidade de modernizar e industrializar o país. Os alemãs acenaram sempre com a possibilidade de romper a linha tradicional do comércio exterior das grandes nações, oferecendo material ferroviário, bens de capital, etc.” (FAUSTO, 2004, p.380) Acrescentando o fato de que a Alemanha, que disputava este espaço aqui no Brasil, com os Estados Unidos, era a Alemanha nazista; fato que complicou ainda mais as relações externas brasileiras devido a grande

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1.2.3.1.3 - A tendência à conciliação de classes no campo.

Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições econômicas que as separam uma das outras, e opõem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, estes milhões constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local e que a similitude de seus interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização política, nessa exata medida não constituem uma classe.(MARX, 1997, p.127 e 128)

Em sua tese de doutorado, Leonilde Medeiros (1995), demonstra como

se deu o processo histórico de constituição das classes no campo brasileiro e

quais foram seus atores.

Observamos então, que o processo de substituição da mão-de-obra no

meio rural, principalmente no setor de cafeicultura, no final do séc. XIX e início do

séc. XX, apresentou uma situação inusitada: trabalhadores “livres”, prestando

serviços a produtores que foram construídos em um momento histórico cuja

produção era a base de mão-de-obra escrava. A relação conturbada entre

latifundiários e trabalhadores, em sua grande maioria, imigrantes, é forçosamente

levada a uma mudança, seja por pressão direta dos trabalhadores (submetidos a

regimes de trabalho quase escravo36) seja por intervenção dos consulados que os

pressão norte-americana, culminando na participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na segunda guerra mundial. 36 Segundo Dean, citado por Medeiros (1995), no final do séc. XIX “é provável que o simples abandono fosse mais comum que greves. Quando os trabalhadores se viam muito endividados, surgia a tentação de desaparecer na noite e firmar um contrato em outro município. O paralelo com a escravidão, pelo menos nos últimos anos, é claro. Os capangas continuavam, portanto, úteis para dificultar as fugas, pela força se necessário, e os fazendeiros eram obrigados a enviar cartas ameaçadoras aos seus competidores, pedindo pagamento de dividas de antigos empregados”(p.51 e 52, negrito nosso).

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representavam (no caso da produção cafeeira, grande parte da massa de

trabalhadores eram italianos, o que forçavam a intervenção de representantes

desse consulado)37.

Como pude observar, foram várias as tentativas de regulação, na forma

de lei, das atividades no campo nesse período, porém todas eram muito mais

favoráveis aos grandes proprietários, fosse pela aplicação direta da lei ou pela via

de sua interpretação (Quando chegavam às vias de um tribunal!). Até mesmo as

tentativas de regulação dos contratos de trabalho, pelo poder público, através de

uma “Agência de Colocação”, no início do séc. XX, não surtiram muito efeito, pois

“não havia, nem por parte dos trabalhadores, nem por parte dos fazendeiros

qualquer organização coletiva no sentido de estabelecer uma certa unidade com

respeito a aspectos fundamentais e principalmente com relação ao preço do

trabalho. Deste modo devia haver grande variação nos termos dos contratos, e

principalmente do preço do trabalho, de fazenda para fazenda, e mesmo no

interior de uma mesma fazenda. A própria Agência de Colocação indica uma

grande variação nos salários oferecidos através desta, com relação ao mesmo tipo

de trabalho”.(ROCHA, 1982, p. 313 e 314, apud MEDEIROS, p.55)

37 De acordo com Medeiros (1995), apoiada em Dean (1977), na fazenda se estabelecia um poder paralelo ao do estado, onde o próprio fazendeiro se tornava juiz, por isso “na medida em que havia regras explicitadas, a possibilidade de recurso estava colocada. Se isso era pouco viável através do judiciário, não por acaso os consulados (em especial o italiano) tornaram-se o eixo das disputas: os imigrantes, em diversas situações, dirigiram-se a eles para dar queixas contra os maus tratos, por vezes transformando a questão do trabalho em uma questão diplomática”(p.52). Infelizmente, para esse trabalho não terei como investigar a influência desses trabalhadores europeus na organização da classe no meio rural brasileiro, mas há que se considerar que tal fato não tem pouco peso nesse processo, visto que, a realidade européia com suas lutas de classes, de alguma forma, marcaram a construção desses trabalhadores.

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A continuidade desse processo histórico, apresentado por Medeiros (Ibid),

retrata a grande tentativa de apaziguar as lutas entre classes no campo brasileiro

através da conciliação, embora esse não tenha sido um processo tranqüilo.

Observemos essa tentativa nos argumentos apresentados por Péricles Madureira

Pinho, teórico da organização rural, na apresentação do DL 1402, de 1939 :

Enquanto nos centros urbanos as profissões constituem unidades distintas, na agricultura a uniformidade do trabalho não permite tal diferenciação. As mesmas pessoas se encontram diariamente nas horas de serviço, confundindo a ‘atividade profissional’ com a ‘familial’ e religiosa...A natural harmonização nas tarefas agrícolas, em que o proprietário se identifica com o trabalhador e, em muitos casos é seu companheiro de trabalho, não poderia assim favorecer nem incentivar a formação de grupos profissionais. Apesar das diversidades no tempo e no espaço, a agricultura é de todos os labores humanos o conservador por excelência, aquele que se não desfigurou com os modernos milagres da técnica e da mecanização... Não estamos entre os que repelem o sindicato de classe como perturbador da harmonia social. Quer nos parecer que a associação mista, em certos meios vai de encontro à realidade social. Onde a atividade agrícola seja exercida sob regime de economia patriarcal, só o empregador poderá centralizar um tipo de associação espontânea, em que os interesses de todos se confundem. A própria assistência ao trabalhador é uma responsabilidade que o empresário agrícola assume tacitamente. Em meios assim – como o nosso, por exemplo – não há antagonismos que justifiquem a bipartição em sindicatos de categorias. Outro fator de real importância para preferência do sindicato misto é a pequena propriedade. Seus lucros insignificantes não distanciam o proprietário do trabalhador, senão moralmente. Eles são de fato companheiros das tarefas, vão para o campo com os mesmos instrumentos e nem pelas roupas, nem pelos costumes se distinguem. (PINHO, 1939, p.58 e 59, apud MEDEIROS, 1995, p.68 e 69, negrito nosso).

Essa posição de sindicato misto, à época, é a mesma assumida pelo

Ministério da Agricultura e pela Sociedade Nacional de Agricultura, por isso

“institucionalizava-se, em forma de lei, uma concepção ampla de ‘classe rural’,

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ligada por interesses comuns” onde, previa-se “a unidade dos interesses agrários

e não o reconhecimento do trabalhador como portador de interesses diferenciados

e próprios.” (MEDEIROS, 1995, p. 73).38

Estes instrumentos de associação, aqui apresentados, demonstram que

no processo histórico de organização de homens e mulheres do campo brasileiro,

a utilização do instrumento de conciliação de classes se dá na perspectiva de

dominação pelo capital. Entendo, portanto, que tais tentativas de unidade entre

classes preconizam que, na disputa interna dessas organizações, a dominação do

capital se dará pela hegemonia conquistada, não só pela repressão direta, mas

prioritariamente pela construção de convencimento e de consenso.

1.2.3.1.4 - A escola agrícola como instrumento de contenção de

conflitos.

Conforme afirma Siqueira (1987):

A fim de minorar a insatisfação das classes dominadas, tanto no campo como na cidade, decorrente da adoção de uma política econômica que só beneficiava as classes dominantes, o governo continuou a intervir na área da educação, principalmente no ensino de nível médio. No período anterior (1943) já havia sido criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, tendo sido também promulgadas as Leis Orgânicas do Ensino Industrial e Comercial. Dando continuidade a esse projeto, o Governo criou outros órgãos, como o SENAC, além de promulgar a Lei Orgânica do Ensino Agrícola, (...). (p.38, entre parênteses nosso).

38 A leitura, principalmente do capitulo 2, da tese de Medeiros explicitará melhor a dimensão desse processo.

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O intervalo de período entre um governo getulista centralizador e um

outro, também com Getúlio como chefe do Executivo, dito democrático (1945-

1950), foi ocupado pelo governo de Dutra. Juntamente com Dutra há um

redirecionamento da hegemonia governamental para a parcela da classe

dominante que teve seu prestígio relativamente diminuído no período anterior.

Nesse primeiro período do governo Dutra, o ministro da Fazenda Correia e Castro chegou a fazer uma afirmação que parecia um eco da época anterior a 1930, ao descrever o Brasil como um país essencialmente agrícola. (FAUSTO, 2004, p.403)

As políticas públicas para o ensino agrícola são retomadas, inclusive,

como conseqüência dessa mudança na composição do novo governo.

Uma das questões que afligia essa fração, novamente hegemônica, da

classe dominante era a instabilidade no campo, que precisava ser refreada.

Os setores esquecidos do campo – verdadeiros órfãos da política populista – começaram a se mobilizar.(FAUSTO, 2004, p.444).

Surge então a Lei Orgânica do Ensino Agrícola, Decreto-Lei nº 9613, em

20 de agosto de 1946, também como resposta a outras questões que aqui serão

apresentadas por Soares (2001):

Seu texto, em que pese a preocupação com os valores humanos e o reconhecimento da importância da cultura geral e da informação científica, bem como o esforço para estabelecer a equivalência do ensino agrícola com as demais modalidades, traduzia as restrições impostas aos que optavam por cursos profissionais destinados aos mais pobres.

Isto é particularmente presente no capítulo que trata das possibilidades de acesso aos estabelecimentos de ensino superior, admitidas para os concluintes do curso técnico-agrícola.

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Art. 14. A articulação do ensino agrícola e dêste com outras modalidades de ensino far-se-á nos termos seguintes:

III - É assegurado ao portador de diploma conferido em

virtude da conclusão de um curso agrícola técnico, a possibilidade de ingressar em estabelecimentos de ensino superior para a matrícula em curso diretamente relacionado com o curso agrícola técnico concluído, uma vez verificada a satisfação das condições de admissão determinadas pela legislação Competente.

Além disso, o Decreto reafirmava a educação sexista,

mascarada pela declaração de que o direito de ingressar nos cursos de ensino agrícola era igual para homens e mulheres.

Art. 51. O direito de ingressar nos cursos de ensino

agrícola é igual para homens e mulheres. Art. 52. No ensino agrícola feminino serão observadas as

seguintes prescrições especiais: 1. É recomendável que os cursos de ensino agrícola para

mulheres sejam dados em estabelecimentos de ensino de exclusiva freqüência feminina.

2. Às mulheres não se permitirá, nos estabelecimentos de ensino agrícola, trabalho que, sob o ponto de vista da saúde, não lhes seja adequado.

3. Na execução de programas, em todos os cursos, ter-se-á em mira a natureza da personalidade feminina e o papel da mulher na vida do lar.

4. Nos dois cursos de formação do primeiro ciclo, incluir-se-á o ensino de economia rural doméstica.

Com isso, o mencionado Decreto incorporou na legislação

específica, o papel da escola na constituição de identidades hierarquizadas a partir do gênero. (p.08 e 09)

Especificamente, no que se refere à característica mencionada no título

desse item, a função da escola agrícola como instrumento para conter os conflitos

no campo, ao meu ver fica explícita nos artigos que ora seguem:

Art. 40. § 2º Os estabelecimentos de ensino agrícola velarão pelo desenvolvimento, entre os alunos, de instituições sociais delas, com um regime de autonomia, de caráter educativo, criando na vida as condições favoráveis à formação do gênio desportivo, dos bons

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sentimentos de camaradagem e sociabilidade, dos hábitos econômicos, do espírito de iniciativa, e de amor à profissão. Merecem especial atenção, entre essas instituições, as cooperativas, as quais deverão ser constituídas em todos os estabelecimentos de ensino agrícola.

Art. 44. Os estabelecimentos de ensino agrícola tomarão cuidado especial e constante com a educação moral e cívica de seus alunos. Essa educação não será dada em tempo limitado, mediante a execução de um programa específico, mas resultará da execução de todos os programas que dêem ensejo a êsse objetivo, e, de um modo geral, do próprio processo da vida escolar, que em tôdas as atividades e circunstâncias, deverá transcorrer em têrmos de elevada dignidade e fervor patriótico.

Art. 71. Os estabelecimentos de ensino agrícola

buscarão estender a sua influência educativa sôbre as propriedades agrícolas circunvizinhas, quer levando-lhes ensinamentos relativos aos seus trabalhos agrícolas habituais ou de matéria de economia rural doméstica, quer despertando entre a população rural interêsse pelo ensino agrícola e compreensão de seus objetivos e feitos. (negrito nosso)

A instabilidade no campo já era uma conseqüência da introdução da

lógica capitalista no processo de produção agrícola brasileiro, e que vinha

tomando força à medida que as condições objetivas forçavam um processo de

consciência de classe39.

As demandas do setor de produção agrícola, portanto, não tratavam

simplesmente do desenvolvimento das forças produtivas no campo - importante

para a maior acumulação capitalista - mas também das relações sociais de

produção, visto que uma é produto da outra e vice-versa.

39 As Ligas Camponesas, por exemplo, já tinham aparecido no cenário histórico nos fins

de 1955.

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1.2.4 - Imperialismo total e o ensino agrícola brasileiro.

O quarto padrão de dominação externa surgiu recentemente, em conjunção com a expansão das grandes empresas corporativas nos países latino-americanos – (...). Essas empresas trouxeram à região um novo estilo de organização, de produção e de marketing, com novos padrões de planejamento, propaganda de massa, concorrência e controle interno das economias dependentes pelos interesses externos. Elas representam o capitalismo corporativo ou monopolista, e se apoderaram das posições de liderança – através de mecanismos financeiros, por associação com sócios locais, por corrupção, pressão ou outros meios – ocupadas anteriormente pelas empresas nativas e por seus ‘policy-makers’. (FERNANDES, 1973, p. 18).

Essa fase de dominação externa descrita acima por Fernandes tem seu

marco na agricultura brasileira, ao meu ver, com a chamada Revolução Verde,

que ocorreu aqui no Brasil durante as décadas de 1960 e 1970, havendo dessa

forma, um processo de reestruturação produtiva em boa parte das propriedades

rurais brasileiras, principalmente aquelas com acesso à créditos bancários. O que

significa dizer que tal revolução não ocorreu com os pequenos proprietários,

camponeses, trabalhadores rurais e posseiros; ao contrário, a eles couberam as

conseqüências desastrosas de um mercado mais competidor, dado o aumento na

produtividade40.

40 “Com dinheiro fácil e altamente subsidiado, o agricultor passou a adotar novas tecnologias, para que as variedades de alta produtividade atingissem os objetivos da “Revolução Verde”. Essas variedades, além da necessidade dos fertilizantes químicos e agrotóxicos, são extremamente dependentes da irrigação. Na verdade, esta tecnologia torna-se muito caro para os pequenos agricultores, vindo a beneficiar somente o grande proprietário de terras que, dispondo de capital e conseguindo subsídios governamentais, investem em sistemas de irrigação. E o resultado hoje, é que se vê um quadro desolador. Frustrados com os crescentes custos de produção, cada vez mais descapitalizados e sem uma política agrícola planejada em longo prazo, os pequenos agricultores vêem-se levados a abandonar suas atividades para tentar a sorte junto às cidades e grandes centros. (FAUTH, 1990, p.10)

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Porém antes da Revolução Verde, trataremos do processo de penetração

da influência externa, que se deu de forma direta e que contribuiu para a

modificação do processo de produção agrícola no Brasil.

Citando Siqueira (1987), destacaremos algumas dessas penetrações para

esse período:

Ainda, em 1945, chegou ao Brasil uma comitiva americana, denominada ‘Missão Rockfeller’, que apresentando um discurso extremamente assistencialista, propunha-se beneficiar as populações pobres das favelas, na sua maioria migrantes do meio rural. Segundo os integrantes dessa Missão, o problema do país estava situado na área rural e, por isso, seria preciso criar organizações voltadas para o desenvolvimento social e cientifico da comunidade agrícola brasileira.

Na realidade, contudo, a preocupação da missão americana com o desenvolvimento do campo restringia-se à necessidade de haver um aumento na produção de alimentos a custos reduzidos, e de esvaziar os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores dói campo, que poderiam desestabilizar o governo e dificultar a instalação de indústrias dependentes do capital norte-americano. (p.38 e 39)

Sob influência da Missão Rockfeller, surge no Brasil, em 1948, a

Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR), que, segundo Siqueira (1987),

atuava tanto na área de pesquisas agropecuárias, com o intuito de aplicação de

técnicas de ampliação da produtividade, quanto na área de crédito rural,

amarrados a utilização de determinados padrões técnicos, ou seja, emprestava os

recursos desde que os proprietários rurais cumprissem com as exigências que

modificariam enormemente o processo de produção.

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Fortalecidas, as ACARs, que eram de atuação nos estados, dão origem a

Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR)41, em 1956.

A Associação Brasileira de crédito e Assistência Rural foi extremamente centralizadora, mantendo uma administração bastente hierarquizada e dependente das decisões de poder central. As ACARs regionais e os escritórios locais ficaram reduzidas à execução dos pacotes elaborados pela direção geral, vinculados aos interesses norte-americanos, perdendo toda sua autonomia administrativa. Com o surgimento da ABCAR, a atuação dos extensionistas foi modificada, deixando de atuar diretamente com os produtores rurais e objetivando o treinamento de líderes rurais – geralmente os médios proprietários – que deveriam retransmitir os ensinamentos recebidos nos escritórios e campos de pesquisa desses órgãos extensionistas à comunidade rural, servindo assim de ponte.(Ibidem, p.45)

Ainda nesse ano, o Brasil firma um acordo com os Estados Unidos para o

desenvolvimento de um Programa de Agricultura e Recursos Naturais, que previa

41 Segundo Soares (2003), apoiada em Lima et al e Mayhew et al: “No campo da educação não formal, um dado interessante é o que diz respeito ao reforço dado pelo Ministério da Agricultura, através do Serviço de Informação Agrícola - SIA, à instalação de Clubes Agrícolas nas escolas públicas e particulares, especialmente nas escolas rurais. Desde 1940, o SIA desenvolveu campanha para a instalação desses clubes e em 1949 divulgou folheto informativo, no qual apresenta os objetivos, a organização, as experiências já desenvolvidas e, sobretudo, explicita a forte inspiração americana, advinda dos chamados Clubes 4-H, desenvolvidos pelo Serviço de Extensão Agrícola do Departamento de Agricultura dos EUA. Numa linha que enaltece a ‘profissão de fé patriótica’ dos professores e a importância do amor à terra e ao seu cultivo e à preocupação com as culturas e as criações, o documento propugna uma atuação integrada dos clubes com os programas oficiais das escolas. Enfatiza a importância de um ensino prático, objetivo, eliminando as ‘abstrações vazias de sentido’. Há um forte apelo patriótico e uma preocupação com a formação dos jovens do interior numa perspectiva de racionalização das atividades agrícolas. Os 4-H significavam: head (cabeça), heart (coração), hands (mãos) e health (saúde). Foram criados em 1937, com os seguintes princípios: ‘Minha cabeça para pensamentos claros. Meu coração para a lealdade. Minhas mãos para grandes obras. Minha saúde para uma vida melhor em prol do meu clube e minha pátria’. Em 1959, seguindo esse modelo, são implantados os Clubes 4-S (Saber, sentir, servir e saúde), ligados à Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural - ABCAR e contando com o apoio financeiro dos Serviços Estaduais de Extensão Rural e do Rotary e Lions Club, instituições privadas. O apoio internacional era proveniente da Fundação Ford, da Associação Americana Internacional, do Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas - IICA e do International Farm Youth Exchange. Interessante é notar que o mote utilizado à época: aprendemos fazendo, é quase o mesmo que vai ser incorporado pelo Sistema Escola-Fazenda, implementado pelo MEC, nas Escolas Agrotécnicas, a partir de 1967”.(p.54 e 55, negrito nosso)

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a expansão e melhoria do ensino agrícola.(essas modificações serão tratadas no

próximo ponto).

Em 1961, surge no cenário da América Latina a Aliança para o Progresso,

que tinha como objetivo a promoção de atividades dos ideais liberais, na

perspectiva da ampliação das atividades privadas em uma América Latina, ainda

marcada pelo peso da centralização estatal nos meios produtivos.

A Aliança para o Progresso estabeleceu programas em todos os setores – administrativo, educacional, econômico, social e militar – o que significaria uma grande intervenção no modo de desenvolvimento dos países aliados, beneficiando a expansão do capitalismo monopolista. Dentre seus objetivos, podemos destacar o aumento da produtividade e da produção agrícola, bem como a melhoria dos serviços de armazenamento, transporte e distribuição, através de empresas multinacionais.

No setor educacional, a Aliança para o Progresso destacou a necessidade de ‘prover pessoal habilitado requerido pelas sociedades em rápido desenvolvimento’, no que tange ao desenvolvimento econômico e social, a Carta de Punta Del Este estabeleceu que os países latino-americanos deveriam formular programas de desenvolvimento a longo prazo, bem como promover condições que estimulassem a entrada de capital estrangeiro. Também para que estes países pudessem acelerar seu desenvolvimento, algumas medidas foram propostas, (...): a) a execução de projetos que visassem concentrar esforços nas zonas menos desenvolvidas ou de maior depressão, onde existissem problemas sociais particularmente graves no país; b) o treinamento de mestres, técnicos e especialistas, assim como de operários e camponeses, para que se facilitasse a preparação ou execução dos programas de longo prazo. (Ibidem, p.50 e 51).

Já no período do governo militar, como forma de demonstração dessa

inserção norte-americana, que garantia a condição de dependência brasileira junto

ao sistema capitalista mundial, destaco as resoluções oriundas dos acordos MEC-

USAID. Especificamente cito dois, diretamente ligados ao ensino agrícola:

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a) O Acordo do Ministério da Agricultura-Contap-USAID, para

treinamento de técnicos rurais, em 5 de maio de 1966;

b) O Acordo MEC-Contap-USAID, de cooperação para a

continuidade do primeiro acordo relativo à orientação

vocacional e treinamento de técnicos rurais. (ROMANELLI

apud GÓES, 2002, p. 32 e 33).

Essas intervenções internacionais não só abriram caminho, mas foram

fundamentais para o processo da chamada Revolução Verde no Brasil. Esse

processo de transformação que ocorreu na agricultura brasileira tinha como base

de convencimento um discurso de aumento da produtividade para saciar a fome

no mundo. Caracterizou-se, principalmente pelo crescente uso de fertilizantes

químicos na lavoura; recomposição de nutrientes nos solos empobrecidos pela

exploração; calagem; uso de herbicidas e agrotóxicos para a eliminação de pragas

e doenças; uso de máquinas e implementos agrícolas necessários a essa nova

forma de produzir; uso de sementes “melhoradas” e selecionadas42; sistemas de

irrigação; e créditos rurais, que tornavam possível a aquisição de pacotes para a

42 “Durante as últimas décadas diminuiu a implicação governamental na produção de variedades de plantas, e gigantescas companhias petroquímicas e farmacêuticas preocupam-se em adquirir em todo mundo, centenas de empresas familiares de sementes. Uma das principais companhias mundiais atualmente é a Shell. Outros produtores de variedades de plantas são hoje a Ciba-Geigy e a Sandoz, da Suíça; a Atlantic Richfield, a Upjohn, a Ocidental Petroleum, a Pfizer e a ITT, dos EUA; a Lafarge Coppe, a Elf Aquitaine e a Rhôde Poulenc, da França; a Volvo e a Kema Nobel, da Suécia; e, a Dalgetty e a British Petroleum, da Grã-Bretanha. Essas corporações imiscuem-se no negócio das sementes por várias razões. O negócio é muito rentável. Os canais de distribuição são os mesmos que de produtos agro-químicos (agrotóxicos, fertilizantes, etc.). E, segundo o atual diretor da Pioneer Hi-Bred, existe a possibilidade de vincular o desenvolvimento e a comercialização dos produtos químicos, com os das sementes. A Ciba-Geigy, por exemplo, comercializa sua própria marca de semente de sorgo, empacotada junto com três produtos químicos, um dos quais serve para proteger a semente de sorgo da Ciba-Geigy contra os efeitos do principal herbicida da mesma Ciba-Geigy. A integração destas tecnologias em um só conjunto de comercialização permite à companhia vender mais sementes e mais produtos químicos. Graças ao seu tamanho e ao seu poder econômico, as transnacionais lograram dominar o mercado comercial de sementes”. (HOBBELINK, 1990, p.31, negrito nosso).

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implantação de tais inovações. Tudo isso aumentou consideravelmente a

dependência entre agricultura brasileira e setores de fornecimento dessa nova

biotecnologia, de origem amplamente americana. O que implicou na instalação de

indústrias multinacionais vinculadas a esse setor (montadoras de tratores,

indústrias químicas e farmacêuticas, de biofertilizantes, de distribuição de

sementes e animais geneticamente “melhorados”, etc.)43.

A então chamada Revolução Verde, apresentou um outro nível de

dependência, não tão amplo e nem observado do ponto de vista da

macroeconomia. No processo de produção rural brasileiro, tal desenvolvimento

das forças produtivas descarnou um outro tipo dependência: a dependência direta

dos produtores rurais ao fornecimento das condições de produção por parte da

agroindústria, com requinte de crueldade aos pequenos produtores quando

amarrados à necessidade de empréstimos bancários, aplicados em uma incerta

produção e comercialização, vítimas, portanto, de uma certa obrigação de

restituição, acrescida de correção e juros.

1.2.4.1 - As transformações do ensino agrícola em tempos de

imperialismo total.

Ainda como resultado do acordo firmado entre os Estados Unidos e o

Brasil, em 1956 (citado acima), surge, como conseqüência, novas Diretrizes para

43 Essas transformações deram os subsídios para o crescimento de uma cultura que a partir do sul do país foi avançando para a região central, sudeste e invadiu a região norte. A soja começou a ter um grande avanço nas exportações brasileiras a partir da década de 1970, e hoje é uma das principais culturas no quadro de exportação brasileiro.

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o ensino agrícola, afim de torná-lo mais adequado às novas demandas que se

inseriam no processo de produção brasileiro.

Por essas novas diretrizes a SEAV se propunha a incentivar:

a) os programas de extensão educativa, visando atingir a ‘população rural que ultrapassou a idade escolar e necessita de assistência educativa apropriada’; b) os cursos de economia rural e doméstica, pois a mulher ‘é o núcleo das atividades (...) e sem o seu concurso não será possível obter-se a transformação rápida e eficiente do meio rural para uma vida melhor’; c) a adoção de ‘processo científico para a seleção dos candidatos, isto é, a aplicação de testes de inteligência e vocacional, além das provas de conhecimento geral; d) a implantação de cursos ‘vocacionais’, baseados na modalidade de educação profissional adotada nos EUA, que ‘consiste numa educação complementar às escolas secundárias’, onde não haveria despesas extras com a parte de cultura geral, com o sistema de internato e nem mesmo com as práticas, que deveriam ser realizadas em ‘regime de cooperação com os proprietários agrícolas da circunvizinhança, pelo método de projetos’. Estes cursos vocacionais deveriam ser implantados no nível ginasial e também no primário e, para isto, haveria a ‘colaboração de educadores norte-americanos’, que já havia sido solicitada ao Escritório Técnico de Agricultura (ETA)44. e) além de introduzir a idéia de ser indispensável haver produção agrícola nos estabelecimentos de ensino agrícola, como instrumento de formação profissional (BELLEZA, 1956 apud SIQUEIRA, 1987, p.46).

Embora tais transformações no ensino agrícola aconteçam um pouco

antes do período da Revolução Verde, entendo que elas vieram com a intenção de

preparar o terreno para as novas demandas da classe dominante do setor agrícola

brasileiro.

44 Este escritório foi um órgão criado em 1953 “vinculado a Americam International Association (AIA), responsável pela presença dos técnicos americanos que forneceriam treinamento aos brasileiros e desenvolveriam trabalhos destinados a aumentar o volume da produção”(SIQUEIRA, 1987, p.44)

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Em 1961, entra em vigor a primeira Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (Lei 4.024/61), que estabelece o ensino em três fases:

primário, médio e superior. Sendo que o ensino médio era composto de dois

ciclos: ginasial e colegial, como anteriormente. As escolas de iniciação agrícola e

mestria agrícola se agruparam sendo chamadas de Ginásio Agrícola mantendo a

emissão do certificado de Mestria Agrícola, e as escolas agrícolas do segundo

ciclo passaram a ser chamadas de Colégios Agrícolas, emitindo, somente, o título

de Técnico em Agricultura.

Com um novo modelo “modernizador”45, do regime militar, a “Revolução

Verde” e os acordos de “cooperação” Brasil-Estados Unidos da América, nas

décadas de 60 e 70, essas escolas passaram a se preocupar com a formação de

um profissional técnico que atendesse as demandas das inovações trazidas por

essa nova forma de se produzir.

No plano educacional, o governo militar, seguindo o lema ‘Segurança e Desenvolvimento’, norteou os planejamentos tendo como meta alcançar o desenvolvimento através da educação. A base teórica foi dada pela Teoria do Capital Humano, que trouxe todo discurso da educação como investimento, incentivando a qualificação profissional e vinculando a educação à formação de mão-de-obra. Neste sentido, o saber técnico foi-se desvinculando do político e do social, esvaziando-se e diluindo-se os conteúdos educacionais. (SIQUEIRA, 1987, p.61).

Há nesse momento uma necessidade, por parte desse modelo de

produção, de crescimento na oferta de profissionais para atuarem como

45 “Sem condições políticas para se transformar no popular, o populismo, em 1964, deixou a cena para o novo Estado tecnocrático-civil-militar. Os novos tempos serão comandados pela internacionalização do capital, que se aprofundará, e dirigidos pela tradicional classe dominante, agora com mais uma proposta de modernização.”(CUNHA e GÓES, 2002, p. 10; negrito nosso)

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extensionistas rurais, ou melhor dizendo, “vendedores” dessa nova tecnologia

(adubação química, mecanização agrícola motorizada, implementos e máquinas

agrícolas, inseminação artificial, entre outras). Dessa forma, os técnicos de nível

médio, por terem uma formação rápida, em relação aos de nível superior, e

direcionada à aplicação e execução de novas tecnologias advindas da

modernidade agrícola, eram os imediatamente necessários para o projeto de

desenvolvimento agrícola no Brasil, a época. Dessa maneira, ao crescer a

necessidade de técnicos, cresce também a demanda, por parte do setor

agroindustrial e de financiamento agrícola, por novas instituições que tratem dessa

modalidade de ensino e, conseqüentemente, de docentes para os mesmos.

Como conseqüência dessa demanda, é criado o curso de formação de

professores da educação agrícola na Escola de Educação Técnica, junto às

Escolas Nacionais de Agronomia e Veterinária (onde hoje funciona a Universidade

Federal Rural do Rio de Janeiro), impulsionado pelo art 59 da LDB de 1961, que

previa a criação de cursos especiais de Educação Técnica, visando a formação de

docentes para o quadro das escolas técnicas.

Com as reformas do ensino em 1968 (Lei 5540) e em 1971 (Lei 5692) a

Escola Técnica passa a se chamar Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas,

e segundo OLIVEIRA (1998):

A institucionalização do Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas na década de 70, está articulado ao processo associado de expansão e revitalização do ensino técnico agrícola e de profissionalização do magistério em todos os níveis e ramos do ensino, pelos Cursos de Licenciatura. No processo de revitalização do ensino técnico agrícola, esse curso da UFRRJ, baliza seu processo formativo aos

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proclames do modelo pedagógico do Sistema Escola-Fazenda, cuja concepção de educação técnica firma-se na relação produtivista e unidirecional do mercado e da produção agropecuária de finalidades empresariais.(p. 2)

Em 1967, em atendimento à LDB de 1961, que só considerava o ensino

militar como sendo de regime especial, a SEAV é transferida para o MEC46 e

recebe o nome de Diretoria de Ensino Agrícola (DEA). Em 1970, é extinta após a

criação do Departamento de Ensino Médio (DEM), que reuniu as diretorias do

ensino agrícola, comercial, industrial e secundário.

Durante esse período, o MEC implantou a metodologia da Escola-

Fazenda, baseada no princípio “aprender a fazer fazendo” (MEC-COAGRI, 1980,

p.9), principalmente naquelas administradas pelo governo federal.

A partir da Lei 5692/71, que transformou o ensino de segundo grau em

ensino profissionalizante, definiu-se, em 1973, no Plano de Desenvolvimento do

Ensino Agrícola de Segundo Grau, duas funções principais para o técnico

agrícola: “agente de produção”, destinado a trabalhar como autônomo na

administração da propriedade de terceiros, e “agente de serviços”, prestando

serviços para um profissional de nível superior ou trabalhando como extensionista,

servindo como ponte de apoio entre pesquisadores e produtor rural.(SIQUEIRA,

1987, p. 71 e 72).

Em 1975, é criada a Coordenadoria Nacional do Ensino Agropecuário

(COAGRI), órgão autônomo do Ministério da Educação e Cultura, com a finalidade

46 Essa mudança do ensino agrícola do Ministério da Agricultura para o Ministério da Educação pode ser, ao meu ver, explicada, em parte, pela predominância da base teórica da Teoria do Capital Humano, já que a partir dela o conhecimento técnico passa a ser fruto do conhecimento escolar, capaz de qualificar profissionalmente o homem, inserindo-o como força de trabalho no setor produtivo.

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de coordenar a educação agropecuária, em nível de segundo grau, no Sistema

Federal de Ensino, mantendo como princípio de funcionamento o sistema Escola-

Fazenda.

O sistema escola-fazenda, tal como vem sendo desenvolvido, é concebido como metodologia de ensino que busca a formação integral do jovem, à medida que se desenvolve o conhecimento técnico e humanístico, familiarizando-o, ao mesmo tempo, com as atividades que encontrará no exercício profissional. Desta forma, a escola-fazenda deverá funcionar como um laboratório de prática e produção, com a finalidade didática de auto-manutenção do estabelecimento, cujo processo de ensino-aprendizagem baseia-se no princípio do ‘aprender a fazer e fazer para aprender’. (MEC-COAGRI, 1980, p.10).

A COAGRI é extinta no ano de 1986, ficando o ensino técnico agrícola

subordinado a Secretaria de Ensino de 2o grau (SESG) - sua equivalente atual é a

Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec). Desde então o ensino

agrícola de nível médio é tratado no conjunto dos demais cursos técnicos, sem

que haja algum espaço específico e formal de coordenação dessa modalidade de

ensino, na estrutura de Estado.

Este, portanto, será o ponto de partida para o próximo capítulo, que

tratará como hipótese explicativa da extinção da COAGRI, a modificação no

padrão de acumulação capitalista, que uniformiza os processos de produção, seja

no campo ou na cidade, utilizando uma mesma lógica. Por isso, no campo

educacional, essa hipótese se materializa no tratamento dado a todas as

modalidades de formação profissional, centralizadas agora em um único órgão do

Ministério da Educação.

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CAPÍTULO II.

2- AS MUDANÇAS ESTRUTURAIS NO PLANO DO CAPITALISMO RURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO DE TÉCNICOS EM AGROPECUÁRIA.

“As transformações atuais que ocorrem na agricultura brasileira podem ser entendidas a partir da subordinação crescente das atividades agrícolas às exigências da reprodução e acumulação de capital na Economia” (BESKOW, 1980).

Este capítulo da dissertação se preocupará em explicitar que com a

denominada “Revolução Verde”, que ocorreu no Brasil por volta da década de

1960, a lógica de produção capitalista industrial invadiu também o campo. O

grande processo de “modernização” da agricultura brasileira retrata de forma

inequívoca a ampliação da lógica do processo de produção capitalista, tanto para

o campo quanto para a cidade, ficando, a partir dessa transformação, difícil

verificar especificidades de um capitalismo urbano e um rural, principalmente do

ponto de vista dos processos de produção.

O resultado, portanto, dessa modernização foi o modelo de complexos

agroindustriais, que tinha como característica mais aparente uma forte intervenção

do Estado, fosse diretamente nas políticas para o setor, fosse nos programas de

financiamento da produção. Assim, na área da Educação, tal intervenção também

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se expressou na política de formação profissional de nível médio, comandada pela

Coordenação do Ensino Agropecuário (COAGRI), órgão inserido na estrutura de

Estado, mais especificamente vinculado ao MEC.

Com a superação desse modelo pelo próprio capitalismo, naquilo que

Mazzali (2000) denominou de “o processo recente de reorganização

agroindustrial”, o papel do Estado também se modifica e a necessidade de uma

política específica para a formação de técnicos em agropecuária passa a inexistir.

Portanto, a extinção da COAGRI, assim tentarei demonstrar, é a expressão de um

processo de transformação na própria estrutura do capital; expressão esta que se

fortalece na recente transformação de Escolas Agrotécnicas Federais em Centros

Federais de Ensino (CEFETs).

2.1 - Conceitos usados para qualificação das mudanças dos

processos de produção da agricultura brasileira.

Para esta parte, usarei como base para a descrição do processo de

modernização47 vivido pela agricultura brasileira a partir da segunda metade do

séc. passado, o trabalho de Ângela Kageyama et. alii.(1990).

É interessante, portanto, que se façam as mesmas advertências

levantadas por esses autores, logo no início do trabalho:

47 Nunca é demais lembrar que o processo de modernização não alcançou grande parte da agricultura brasileira, portanto, ainda hoje há um abismo muito grande entre as diversas formas de se produzir; convivem em um mesmo período histórico o “atrasado” e o “moderno”, afinal as diferenças de classe também se materializam no campo. Mas por que neste trabalho trato somente de uma parte deste processo excludente de “modernização”? Por entender que ele é quem estabelece as demandas por profissionais para a agricultura, materializando-as nas políticas de Estado.

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Segundo eles, conceitos como “modernização da agricultura,

industrialização da agricultura48 e formação de complexos agroindustriais”, são

tratados equivocadamente como sinônimos. No que pese a extensa citação,

entendo que ela, nesse momento, se torna necessária na perspectiva de expor

com maior clareza tais diferenças.

Por modernização da agricultura se entende basicamente a mudança na base técnica da produção agrícola. É um processo que ganha dimensão nacional no pós-guerra com a introdução de máquinas na agricultura (tratores importados), de elementos químicos (fertilizantes, defensivos, etc.), mudanças de ferramentas e mudanças de culturas ou novas variedades. É uma mudança na base técnica da produção que transforma a produção artesanal do camponês, à base da enxada, numa agricultura moderna, intensiva, mecanizada, enfim numa nova maneira de produzir. A modernização da agricultura no Brasil é, pois, um processo ‘antigo’. (...).

A ‘industrialização da agricultura’ envolve a idéia de que a agricultura acaba se transformando num ramo de produção semelhante a uma indústria, como uma ‘fábrica’ que compra determinados insumos e produz matérias-primas para outros ramos da produção.O camponês produzia em ‘interação coma natureza’ como se esta fosse seu ‘laboratório natural’. Trabalhava com a terra com os insumos e ferramentas que tinha a seu alcance, quase sempre produzidos na própria propriedade. A agricultura industrializada, ao contrário, está conectada com outros ramos da produção; para produzir ela depende dos insumos que recebe de determinadas indústrias; e não produz mais apenas bens de consumo final, mas basicamente bens intermediários ou matérias-primas para outras indústrias de transformação. A industrialização da agricultura brasileira é um processo (...), pós-65. (...). A partir do momento em que a agricultura se industrializa, a base técnica não pode regredir mais: se regredir a base técnica, também regride a produção agrícola.

48 Embora os trabalhos de José Eli da Veiga (1990, 2004, 2006a e 2006b), contestem o conceito de industrialização da agricultura, usarei tal conceito neste trabalho por entender que o referido autor trata basicamente de questões ligadas ao ambiente rural. Como nesta dissertação a perspectiva de análise está centrada nos processos de produção, entendo que, assim como os autores que serão citados, este conceito se aplica como forma de demonstrar a penetração da lógica capitalista industrial na produção agrícola brasileira, principalmente do ponto de vista da organização da produção.

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O longo processo de transformação da base técnica – chamado de modernização – culmina na própria industrialização da agricultura. Esse processo representa a subordinação da Natureza ao capital que, gradativamente, liberta o processo de produção agropecuária das condições naturais dadas, passando a fabricá-las sempre que se fizerem necessárias.

(...). (...), no período pós-75 temos a constituição do que vem

se chamando de complexos agroindustriais. São vários complexos que se constituem, ao mesmo tempo em que a atividade agrícola se especializa continuamente.(...).

(...). Esse processo envolve a substituição da economia

natural por atividades agrícolas integradas à indústria, a intensificação da divisão do trabalho e das trocas intersetoriais, a especialização das exportações pelo mercado interno como elemento central da alocação dos recursos produtivos no setor agropecuário.(p.113-116; negrito nosso).

Enfatizadas as diferenças, cabe aqui explicitar que o próprio modelo do

complexo agroindustrial, no processo histórico, viveu seu momento de

estrangulamento, devido às reestruturações últimas vividas pelo capitalismo em

nível mundial. A flexibilização também chegou ao campo, o papel do Estado,

portanto, se modificou; conseqüentemente as demandas pela formação de

profissionais de nível médio para a agricultura tornaram-se outras. Assim estes

serão os aspectos levantados nesse capítulo, na perspectiva de descortinar o

cenário do processo que culmina na extinção da COAGRI e seus recentes

desdobramentos.

2.2 - Revolução Verde e os Complexos Agroindustriais (CAIs).

Alicerçada no que foi genericamente intitulado de ‘revolução verde’, materializou-se de fato sob um padrão

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tecnológico o qual, onde foi implantado de forma significativa, rompeu radicalmente com o passado por integrar fortemente as famílias rurais a novas formas de racionalidade produtiva, mercantilizando gradualmente a vida social e, em lento processo histórico, quebrando a relativa autonomia setorial que em outros tempos a agricultura teria experimentado. Com a disseminação de tal padrão na agricultura, desde então chamado de ‘moderno’, o mundo rural passou a subordinar-se, como mera peça dependente, a novos interesses, classes e formas de vida e de consumo, majoritariamente urbanas, que a expansão econômica do período ensejou, em graus variados, nos diferentes países. Esse período, que coincide com a impressionante expansão capitalista dos ‘anos dourados’ (1950-1975), é assim um divisor de águas também para as atividades agrícolas, e o mundo rural (re)nasceria fortemente transformado, tão logo os efeitos desta época de transformações tornaram-se completos.(NAVARRO, 2001, p.84).

A partir de meados da década de 1960, a agricultura no Brasil passa por

uma transformação, principalmente naquilo que diz respeito a sua organização

produtiva, que segundo Delgado(1985) apud Mazzali (2000), surge do

aprofundamento das relações do setor agrícola com a economia urbano-industrial.

Tratava-se da reformulação da inserção da agricultura no padrão de acumulação, por meio de um processo de modernização, com ênfase:

• na diversificação e aumento da produção, visando enfrentar os desafios da industrialização e da urbanização aceleradas e a necessária elevação das exportações primárias e agroindustriais; • na transformação da base técnica da agricultura brasileira, com a consolidação do complexo agroindustrial.(MAZZALI, 2000, p.19).

Dessa forma, o processo de industrialização da agricultura, também

apelidado de revolução verde49, guardou algumas características específicas. O

49 A mudança da base técnica da agricultura assentou-se em um conjunto de inovações mecânicas, físico-químicas e biológicas, que tinham por referência os princípios técnicos da chamada ‘Revolução Verde’, ‘que

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primeiro ponto a ser destacado é que o desenvolvimento das forças produtivas no

campo, ocorrido a partir da década de 1960, inseriram no processo de produção

agropecuária novas exigências de aumento da produtividade, calcada na

incorporação de insumos industrializados, como por exemplo:

• Da indústria química: adubos, fertilizantes, corretivos, inseticidas,

germicidas, fungicidas, herbicidas, etc;

• Da indústria Mecânica: máquinas e implementos agrícolas, tratores,

peças de reposição e de manutenção;

• Da indústria de ração: suplementos alimentares, rações

especializadas e componentes para formulação de novas rações;

• Da indústria farmacêutica: vermicidas, vacinas, soros, anestésicos e

medicamentos em geral para tratamentos veterinários;

• Da indústria de limpeza: material para desinfecção de ambientes

coletivos.

Todas ligadas ao ramo das indústrias “a montante” do processo de

produção agrícola. Porém, o processo de industrialização da agricultura não se

caracterizava pela incorporação dessa industria a montante, o processo de

escoamento e de processamento da produção também resultou no crescimento,

mesmo que pequeno, de uma indústria já instalada e especializada, chamada de

indústria “a jusante” (DELGADO, 1985, p. 39 e 40):

• Indústria de produtos alimentares: beneficiamento, moagem,

torrefação, conservas, abate de animais frigoríficos, preparação de

combina inovações físico-químicas e mecânicas com a criação de variedades vegetais altamente exigentes em adubação química e irrigação...’(Delgado, 1985, apud. Mazzali, 2000, p.20)

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pescado, resfriamento e preparação de leite e derivados (laticínios),

fabricação e refino de açúcar, doces em geral, produtos de padaria,

massas alimentares, etc;

• Indústria química: destilação de álcool, óleos vegetais e essências;

• Indústria do fumo;

• Indústria madeireira;

• Indústria de beneficiamento de couros e peles;

• Indústria de bebidas;

• Indústria têxtil: nas etapas de beneficiamento de fibras vegetais e

fiação de fibras de origem animal;

• Indústria de celulose.

Assim, “a definição de um perfil industrial do CAI, compondo os seus

principais ramos a jusante e a montante da agricultura, é um indicador relevante

para que se possa, senão medir, pelo menos estimar uma ordem de magnitude

desse complexo industrial”. (Ibidem, p.38).

No levantamento apresentado por Delgado (1985), o crescimento da

indústria a montante, avaliada no conjunto das indústrias de transformações, tem

suas participações elevadas de 2,4% para 4,0%, no período de 1970 a 1975. O

que demonstrava uma forte elevação na demanda por esses produtos resultantes

dessa indústria por parte do processo de produção agrícola brasileiro, ou seja,

essa é uma expressão da modificação que ocorreu na base técnica da produção

agrícola durante este período.

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Cabe ressaltar, que o crescimento das atividades da indústria a jusante não

foi muito expressivo50, já que as mesmas não se constituíram em novos ramos

durante e após o processo de modernização, porém, como lembra Mazzali (2000)

“embora estas não se constituíssem em ramos novos, passaram a ter um novo

perfil e ficaram sujeitas a uma nova dinâmica, a partir da transformação da

tecnologia industrial, somada à conversão de mercados regionais em mercado

nacional, com especial referência à ampliação da concorrência oligopolista”.

Em essência, tratava-se, no momento, de tornar a agricultura menos dependente da dotação de recursos naturais, atrelando as suas condições de reprodução à incorporação de insumos e bens de capital gerados em um setor específico da indústria, implicando o estabelecimento de ligações estreitas, concomitantemente à edificação e reorganização das relações com a indústria processadora de produtos agrícolas. (Ibidem, p.20).

A constituição do CAI resultaram, portanto, na

conformação de uma nova categoria de agregação, que incorporou interesses situados no âmbito da agricultura propriamente dita, dos setores industriais produtores de insumos e equipamentos para a agricultura e da indústria processadora de produtos agrícolas. (Ibidem, p.21).

Outro fator importante na conformação do modelo de organização agrícola

denominado de Complexo Agroindustrial (CAI), foi o forte aparato do Estado na

área do financiamento e das políticas de crédito.

Uma das características que marcou esse processo de modernização da

agricultura foi o oferecimento pela rede bancária de créditos para o financiamento

da compra de pacotes tecnológicos, na perspectiva da ampliação, principalmente

50 Como expõe Delgado (1985), em tabela demonstrativa. (p.40)

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da indústria a montante, que a partir desse processo começou a fixar suas

atividades no território brasileiro51.

Assim, em 1965, é criado o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), no

bojo da Reforma do Sistema Financeiro, que estabelecia que parte dos recursos

captados pelos bancos fossem destinadas ao setor agrícola52. (KAGEYAMA et.

alii., 1990)

Duas resoluções do Banco Central estabeleciam que 10% dos depósitos à vista dos bancos comerciais deveriam ser emprestados à agricultura. Os bancos que não conseguissem efetuar esta aplicação deveriam repassar estes recursos, a uma remuneração menor, ao Banco Central, na conta da FUNAGRI. A expansão do montante de recursos dependeria, fundamentalmente, do crescimento da economia como um todo e da capacidade do Sistema Financeiro de aumentar seu poder de captação sobre a massa monetária em circulação, transformando-a em depósito à vista. Além da aplicação dos bancos as autoridades monetárias completavam os recursos segundo as necessidades da demanda por crédito. Essa forma de captação permitiu não só a rápida expansão do volume de crédito até meados da década de 70, mas também uma flexibilidade na determinação das condições de remuneração por parte do setor agrícola, uma vez que até mesmo para os bancos comerciais, os depósitos à vista têm custo baixo, determinado pelo custo operacional diluído pelo conjunto das operações dos bancos. (Ibidem, p.159).

51 Para melhor compreensão desse processo, recomendo Delgado (1985 e 2001) e Kageyama et. alii (1990). Plínio Sampaio (1980), apresenta um outro aspecto importante desse processo de reestruturação da agricultura brasileira, que é o deslocamento de capital estrangeiro já nas décadas de 1960 e 1970, para a aquisição de grandes propriedades rurais por empresas que aparentemente não eram especializadas no setor, como por exemplo: grandes bancos, montadoras de automóveis, seguradoras, etc. “A produção de mercadorias agrícolas sempre foi uma das principais bases da economia internacional, mas a nova internacionalização do capital, na segunda metade do século XX, moveu-se sobre a economia rural a partir de alterações da produção industrial, que procurou controlar o mercado de insumos e de equipamentos agrícolas, bem como o mercado de consumo da população rural. A nova internacionalização do capital moveu-se de determinados modos específicos na economia rural, ampliando a participação do capital mercantil internacional, ...” (PEDRÃO, 2004, p.820) 52 Segundo Kageyama et. alii (1990), entre 1970 e 1979, a disponibilidade de crédito cresceu 329% em termos reais (p.161).

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O forte papel do Estado, característica mais geral de todo sistema

capitalista desse período (Fordismo-Keynesianismo), se fez presente nas relações

de produção agrícola, no Brasil, não somente nas políticas de crédito agrícola,

mas também em toda uma correlação de atividades voltadas à assistência e

extensão rural, “elemento fundamental na estratégia de transferência para o setor

agrícola de tecnologia gerada na indústria situada a montante da

agricultura”.(MAZZALI, 2000, p.24).

A partir desse conjunto de políticas, o Estado executou planejamento indicativo, engendrando novas formas de desenvolvimento capitalista na agricultura. De um lado, moldou e aprofundou as relações de integração técnica entre agricultura e indústria, a montante e a jusante. De outro, estimulou a integração de capitais ‘mediante a fusão de capitais multisetoriais operando conglomeradamente, processo que é decididamente apoiado pelas políticas de corte multisetorial (comércio exterior, tabelamento de preços, incentivos fiscais etc) e de fomento direto...(crédito rural, política fundiária, tecnologia e desenvolvimento rural integrado)’. (DELGADO, 1985 apud MAZZALI, 2000, p.24).

Em outras palavras, foi o Estado enquanto financiador e

articulador dos diferentes interesses que garantia e gerenciava um padrão no direcionamento das relações entre os agentes, conferindo, dessa forma, um dado ‘estilo’ ao processo de modernização.(MAZZALI, 2000, p.24).

Essa presença/utilização do Estado no processo de construção dos CAIs,

pôde também ser identificada nas políticas voltadas à formação de técnicos

agrícolas de novo tipo. Por isso, tanto “empreendimento” do Estado, requereria,

simultaneamente, profissionais capacitados para as demandas advindas do setor

que rapidamente se reestruturava.

2.2.1 - O cenário de criação da COAGRI.

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A criação da COAGRI ocorreu definitivamente em 1975, ano que segundo

Kageyama et. alii.(1990, p.188) “marca o início da consolidação dos CAIs”. Para

que não se tenha a idéia de que tais datas possam apenas representar uma

grande coincidência; nesta parte do trabalho tentaremos demonstrar como a

interação entre as políticas agrícolas e as educacionais de formação profissional

se complementam, num objetivo maior, ou seja, que estão inseridas no amplo

projeto de industrialização da agricultura.

Depois de delineado o cenário de modernização da agricultura pelo qual

passou o Brasil, a partir da década de 1960, resta para este momento, esclarecer

como as políticas para a formação de “novos” técnicos em Agropecuária

articulavam com esta nova demanda.

Com o intuito de compatibilizar o ensino agrícola de 2º grau com a Lei

5692/71 e com as propostas de modernização da agricultura brasileira, diz

Siqueira (1987), “técnicos do Departamento do Ensino Médio (DEM) e

especialistas do Departamento de Ensino Agrícola da Secretaria de Educação do

Estado de São Paulo elaboraram o Plano de Desenvolvimento do Ensino Agrícola

de 2º grau” (p.91), segundo o qual

(...) a prioridade de formação de mão-de-obra para atender à conjuntura atual do País recai na formação de um técnico que possa colaborar na solução dos problemas de abastecimento, produzindo gêneros de primeira necessidade e matéria-prima de melhor qualidade e de maneira mais econômica para a indústria, procedendo assim como agente de produção. Simultaneamente o mesmo profissional poderá atuar como agente de serviço para atender ao mercado de trabalho junto às empresas que prestam serviços aos agricultores. (Plano Nacional de Desenvolvimento do Ensino Agrícola de 2º grau, 1973, apud SIQUEIRA, 1987, p.92, negrito nosso).

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Ainda no mesmo documento:

Através de cursos profissionalizantes, as escolas de 2º grau deverão preparar pessoal qualificado a fim de contribuir para:

- melhorar os níveis de produtividade; - promover especialistas para melhorar a distribuição de

renda no meio rural; - propiciar o eficiente suprimento de produtos agrícolas

para um crescente mercado interno; - garantir o aumento de capital e mão-de-obra para o

desenvolvimento econômico geral; - promover a integração econômica e social pela

ampliação da capacidade de absorção de produtos não-agrícolas. (Ibidem)

Este Plano de Desenvolvimento do Ensino Agrícola de 2º grau, foi o que

também estabeleceu a proposta do sistema Escola-Fazenda em nível nacional, e,

entre seus objetivos destacarei apenas dois, na perspectiva de demonstrar como a

ação do Estado cumpria os objetivos de um projeto maior do capital para a

agricultura:

3º) dar ao estudante recursos para compreender que a agropecuária é uma indústria de produção. 7º) integrar o técnico agrícola ao processo de desenvolvimento do País, levando-o a perceber a importância de seu trabalho.(Ibidem, p.94, negrito nosso).

Mantendo o mesmo foco, agora no trabalho de Frigotto (1986), podemos

perceber a amplitude das ações do Estado nesta fase histórica do

desenvolvimento capitalista, “onde a oligopolização do mercado se radicaliza e

imprime uma nova forma às relações capitalistas de produção e impele o Estado a

tornar-se , forçosamente, um Estado intervencionista, um proprietário particular,

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como mecanismo de sustentação dos interesses intercapitalistas, dos interesses

do capital no seu conjunto”. (p.107).

O Estado intervencionista, em suma, vai-se caracterizar como o patamar por onde passam os interesses intercapitalistas, e cumpre a um tempo e de modo inter-relacionado: uma função econômica enquanto cada vez mais se torna ele mesmo produtor de mais-valia, ou garantindo por diferentes mecanismos (subsídios, absorção de perdas), ao grande capital privado esta produção; uma função política, enquanto intervém politicamente para gerar as condições favoráveis ao lucro; e uma função ideológica enquanto se apresenta como um mediador do bem comum, uma força acima de qualquer suspeita e acima do antagonismo de classes. (Ibidem, p.118)

É nesse cenário de grande reestruturação, com o Estado desempenhando

o seu papel de interventor, tanto dos processos de produção na agricultura

brasileira, quanto nas políticas de formação profissional para a área53, que é

criada na sua estrutura a COAGRI.

Considerando a magnitude da proposta Escola-Fazenda – que coaduna com os projetos governamentais deste período para outras áreas (...), todos embasados no pressuposto do ‘Brasil Grande Potência’ – o Departamento de Ensino Médio (órgão até então responsável pelo ensino agrícola no país) não possuía uma estrutura administrativa capacitada para implementar o Plano de Desenvolvimento do Ensino Agrícola de 2º grau, com base nesta proposta ‘pedagógica’ intitulada de Escola-Fazenda. Assim sendo, em 1974, foi criada a Coordenação Nacional do Ensino Agrícola, que no ano seguinte tornou-se um órgão autônomo do MEC,

53 Eficácia, eficiência e efetividade eram as noções predominantes à época, muito próximas dos princípios da Teoria do Capital Humano, quais sejam, racionalidade, eficiência e produtividade, sendo o pressuposto básico da tendência tecnicista o da neutralidade científica. Falava-se em instrumentalizar os alunos para a realização de operações e buscava-se uniformizar as experiências pedagógicas, com modelos curriculares produzidos por especialistas a partir de seus laboratórios. A lógica do mercado passa a fundamentar o direcionamento escolar, o que exige uma articulação do sistema educativo com o sistema produtivo, onde o primeiro deve responder às demandas do segundo. Esse enfoque tecnicista vai influenciar profundamente a Reforma educacional implementada com a Lei 5.692/71, que propugnava a profissionalização compulsória em nível de 2º grau, voltada para atender às necessidades do desenvolvimento econômico daquele período histórico.(SOARES, p.2, 2004).

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passando a denominar-se Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário (COAGRI).(SIQUEIRA, 1987, p.98).

Portanto, o caráter intervencionista do Estado se irradiava para ações que

garantissem a base de sustentação do projeto de “modernização” para agricultura

brasileira (modernização capitalista); no caso: na formação de profissionais

habilitados a desempenharem as funções necessárias a este projeto. “Naquele

momento, (...), o capital atribuía ao poder público o papel de protagonista das

ações educacionais formais” (SANTOS, 2004, p.1). Novas bases técnicas de

produção, novos agentes dessa produção.

Na continuação do trabalho de Siqueira, veremos que as intenções

expostas no Plano de Desenvolvimento para o Ensino Agrícola de 2º grau, na

prática, deparou-se com uma série de contradições. O mesmo Estado (que é

resultado das disputas de classes, por isso representante da fração hegemônica

da burguesia) que propunha tais transformações, também foi o que não proveu

financeiramente as escolas, impedindo que as mesmas adquirissem as condições

necessárias para alcançarem os objetivos propostos. Porém o que consideramos

para este momento do trabalho, é que a criação da COAGRI se deu em meio a um

cenário de mudança na estrutura da produção agrícola brasileira, e por isso tal

criação representa um reflexo dessas transformações mais amplas de um projeto

de “desenvolvimentismo”.

No entanto, o modelo de desenvolvimento agrícola através dos CAIs, no

processo histórico sofre seu estrangulamento. Como havia dito no início deste

capítulo: a flexibilização chega ao campo, e o reflexo desta mudança se

materializa no campo educacional com a extinção da COAGRI, eliminando, a partir

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desse fenômeno, na estrutura de Estado, um órgão que tratava das

especificidades do ensino agrícola. Até porque tais especificidades no processo

produtivo também tendem a desaparecer, ficando mais difíceis de serem

identificadas.

2.3 - A recente mudança na organização agroindustrial no contexto da

extinção da COAGRI.

Porque o mais interessante na atual situação é a maneira como o capitalismo está se tornando cada vez mais organizado através da dispersão, da mobilidade geográfica e das respostas flexíveis nos mercados de trabalho, nos processos de trabalho e nos mercados de consumo, tudo isso acompanhado por pesadas doses de inovação tecnológica, de produto e institucional. (HARVEY, 2004, p.150 e 151)

Segundo Mazzali (2000), é a partir da segunda metade da década de 1980,

que se é capaz de notar um redirecionamento no comportamento dos agentes

envolvidos nas atividades agroindustriais; redirecionamento que também será

dado, não só na política de formação de técnicos agrícolas, mas que se notará

em todos os setores da economia e social, visto que tal movimento é tão somente

uma exigência da reestruturação mais ampla do próprio capitalismo em nível

mundial.

Porém, interessa-nos entender quais foram esses movimentos no interior

das atividades agrícolas e comprovar que o compasso de espera para as

mudanças no setor rural de grande porte não se dão de forma atrasada.

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A flexibilidade também chega ao setor que foi denominado por vários

autores de complexo agroindustrial, e esta mudança ainda vem ocorrendo de

maneira quase que imediata às mudanças ocorridas no sistema industrial, afinal,

as transformações já citadas dão conta de comprovar a unificação da lógica

capitalista, tanto para o campo quanto para cidade. A penetração de capitais de

grandes corporações aproximou os setores, antes muito bem definidos por suas

atividades fins.

Afinal, como identificar o setor-fim de grandes capitalistas, já que seus

capitais estão investidos/distribuídos nos diversos setores da economia? Grandes

corporações financeiras e de produção de bens industrializados também estão

ligadas aos setores da agroindústria, e o que se tem observado é que na verdade

todos estes setores, no recente processo histórico, vão ficando cada vez mais

subsumidos a um grande setor: o financeiro54.

Assim,

A partir dos anos 80, a noção de complexo agroindustrial foi colocada em xeque enquanto aparato conceitual para a apreensão da dinâmica do setor, uma vez que os elementos básicos que lhe deram sustentação – um padrão de desenvolvimento tecnológico, que tem por referência os princípios da ‘Revolução Verde’; um estilo de inserção da agricultura no mercado internacional e um determinado perfil de intervenção do Estado – sofreram profundas alterações. (MAZZALI, 200, p.35)

54 Se tomarmos como base o trabalho de Lénine (1975), veremos que a perspectiva do domínio de um mercado financeiro não é nada recente, mas dadas às condições construídas historicamente, ou, se avaliarmos o próprio processo do capitalismo, tendo como uma de suas fases o modo de acumulação fordista aliado ao Welfare State, poderemos então reforçar a análise de que o setor financeiro nunca foi tão hegemônico como tem sido nas duas últimas décadas.

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Dessa forma, apoiado em Mazzali (2000), destacarei três aspectos que

dialeticamente se complementam na perspectiva de descortinar tais mudanças.

Usando as mesmas expressões do autor, são eles:

a) As transformações de ordem econômica internacional;

b) As transformações no âmbito tecnológico;

c) Crise fiscal e a desarticulação do aparato de regulação estatal.

Tentarei, portanto, desenvolver minimamente cada um desses aspectos

que se articulam entre si.

a) A crise de acumulação do capitalismo mundial na década de 1970,

requereu dele próprio, ou seja, de seus agentes uma forma de superação.

Superação do horizonte de estagnação, visando sua ampliação, através da

transferência de atividades desempenhadas pelo Estado diretamente para as

mãos da iniciativa privada. Estado que, mesmo dominado pela burguesia, ao

mesmo tempo, dada a sua própria conformação de classes em disputa,

apresentava obstáculos/contradições que impediam ou atrasavam os projetos de

ampliação de acumulação. Setores conquistados, via luta dos trabalhadores, no

período de Estado de Bem Estar Social, como saúde, educação, previdência, e no

próprio setor produtivo, detentor de vários monopólios, foram tomados como

grandes atrasos ao desenvolvimento das forças produtivas.

Nesse processo ganham forças as políticas de cunho neoliberal, na

perspectiva de um falso, mas aparente “Estado mínimo”. Assim,

Estiveram apoiadas em dois pilares que trouxeram

importantes conseqüências para a evolução do sistema econômico mundial: o tratamento de choque monetário para reduzir a inflação e a desregulamentação dos mercados,

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compreendendo medidas destinadas à redução/eliminação de barreiras comerciais e de capitais, flexibilização do mercado e das relações de trabalho e a defesa do ‘Estado mínimo’. (Ibidem, p.28)

Destaca ainda o autor:

A competição econômica tomou o lugar do conflito militar no centro da nova ordem internacional; mais especificamente, a concorrência passou a se constituir em uma questão crescentemente politizada. A competição ideológica entre capitalismo e socialismo passou a ser substituída pela competição entre várias formas de capitalismo, especialmente as formas de capitalismo americana e japonesa. Segundo Gilpin (1992), a primeira enfatiza a importância do livre mercado, a segunda apóia-se na forte parceria Estado e o setor privado.(Ibidem, p.29).

b) Inovações biotecnológicas, microeletrônicas e nas áreas de informação

e organização de sistemas , originaram mudanças profundas nos processos de

produção agropecuária.

Na área de produção de alimentos vegetais, o cruzamento genético e o

desenvolvimento de novas espécies (transgênicos) produzem impactos diretos no

processo produtivo, principalmente na relação de interdependência dos setores a

montante e a jusante da agricultura, haja vista que a produção de tais alimentos

requer, e se dá, sobre novas bases tecnológicas.

No campo da produção pecuária, mais precisamente da bovinocultura, os

avanços como a transferência de embriões e a fertilização in vitro (FIV), superam

as possibilidades já dadas anteriormente pela inseminação artificial na perspectiva

de “melhoria genética” do rebanho brasileiro55.

55 No campo da produção de Zebuínos, por exemplo, o Brasil se coloca como expoente mundial e referência nas técnicas de melhoramento genético dessa área específica da bovinocultura. Tendo como resultado animais

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Especificamente em áreas que já lecionei: a topografia realizada através

de geoprocessamento, utilizando tecnologia via satélite (GPS), aliada a

mecanização agrícola motorizada, dá origem a uma nova forma de produção

denominada de “plantio de precisão”, cada vez mais difundido e utilizado por

latifundiários, para produção de monoculturas de exportação, contribuindo,

portanto, para um aumento na produtividade, destacado como diferencial

tecnológico para superação concorrencial.

Por isso,

À maior flexibilidade da oferta – capacidade relativa de produzir uma gama muito mais ampla de produtos em uma única planta, obtida por técnicas que põem em xeque os padrões fordistas – associou-se uma maior capacidade de inovação. Ao possibilitar e incentivar a estreita integração das atividades de projeto e desenvolvimento entre uma gama de empresas da cadeia produtiva e ao quebrar a rígida separação entre a concepção e a execução, por meio da descentralização e da ênfase no conhecimento e na polivalência, implantou-se novo padrão de organização.(Ibidem, p.33, negrito nosso)

c) O discurso neoliberal que se apresentou no sentido de dar solução a

crise fiscal que se tornou mais aparente, aqui no Brasil, a partir da década de

1980, se calçava em dois aspectos materiais da economia: “dívida pública (interna

e externa) elevada e uma poupança pública (diferença entre receita e despesa

corrente) persistentemente negativa”. (BRESSER PEREIRA, 1992, apud

MAZZOLI, 2000, p.33).

Assim, o discurso do “Estado mínimo” se mostrava como solução de uma

crise gerada pelo próprio capitalismo. Nesse discurso: o engessamento causado

que superam, em muito, nos aspectos de conversão alimentar e conformação de carcaça, os próprios indianos, de onde originam-se essas raças.

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pela estrutura de Estado impedia a ampliação de novos mercados, de novas

iniciativas de investimento, em suma, impediam o crescimento da iniciativa

privada. Desta forma o Estado, armazém de inúmeras contradições, deveria, para

se tornar mais “eficiente”, desobrigar-se de inúmeras responsabilidades e se

desfazer de instituições que “atrapalhavam o funcionamento da máquina, devido

ao grande peso que causavam”.

Considerando que o Estado situava-se no centro do padrão de desenvolvimento agroindustrial, inaugurado em meados dos anos 60, como patrocinador, legitimador e financiador das articulações entre os diferentes agentes econômicos, a desarticulação do seu aparato de regulação, sem que se defina um novo papel, representou uma desorganização dos interesses rurais e, mais significativamente, uma quebra na orientação e sentido do comportamento desses agentes.56 (MAZZALI, 2000, p.34)

É nesse contexto que se inicia uma ampla e continua reforma de Estado,

como na imagem de um balão que perde altitude ou de uma embarcação prestes

a afundar, o Estado vai descartando aquilo que a ideologia (neo)liberal

considerava que o tornava “pesado”. Ao final da década de 1980, instituições

como o Instituto de Álcool e Açúcar (IAA), Instituto Brasileiro do Café (IBC), “foram

extintas e seus sistemas de regulação comercial e produtiva foram transferidos a

outros organismos ou simplesmente extintas” (Ibidem, p.34)

Assim, a coincidência do arrefecimento da atuação do Estado com a emergência de um processo de ‘reestruturação’, que atinge a indústria como um todo, conduziram forçosamente a um quadro de maior

56 No decorrer de seu trabalho, Mazzali irá demonstrar como ocorreu, portanto, uma reorientação na organização e no sentido do comportamento dos agentes ligados a agroindústria, por isso, defende que o conceito de complexo agroindustrial não é mais capaz de explicar essa reorganização que ele denomina de “organização em rede”, reflexo, portanto, do processo de flexibilização na agroindústria. Assim, para demonstrar sua tese, ele usa como objeto empírico a organização na cadeia soja/óleos/carnes e na agroindústria citrícola.

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flexibilidade, elevando o grau de autonomia dos agentes econômicos.

O aspecto central do novo cenário é a ampliação considerável do campo de ações por parte dos diferentes capitais com interesses na atividade agroindustrial. A redução considerável da intervenção do Estado potencializou a possibilidade de formulação de estratégias alternativas e autônomas, assentadas na diversidade de oportunidades advindas da implementação das novas tecnologias.

Com a redução do grau de indução, pelo Estado, e no contexto de profundas transformações nos mercados e na concorrência, enfraqueceram-se as bases que sustentavam as articulações entre os agentes, deixando ‘em aberto’ o campo de opções estratégicas e propiciando assim, o ambiente para a reestruturação das relações. A partir daí, as articulações intra e intersetores ficaram por conta das estratégias do setor privado.(Ibidem, p.36)

Essa reestruturação que acontece na forma de organização da produção,

em todos os níveis, também atingem a área da educação, e no caso do objetivo

deste trabalho, especificamente o ensino agrícola de 2º grau. Não quero, portanto,

analisar que a extinção da COAGRI advenha dessa transformação como simples

resultado, mas sim como uma determinação, que ajuda a compreender a extensão

da própria reestruturação do capitalismo.

No bojo de uma série de extinções de instituições vinculadas ao Estado,

é que em 21 de novembro de 1986, o governo de José Sarney, emite o Decreto

93.613, eliminando de uma só vez quatro órgãos que integravam a estrutura do

Ministério da Educação:

V- o Conselho Nacional de Serviço Social;

VI- a Comissão Nacional de Moral e Cívica;

VII- a Coordenação de Ensino Agropecuário – COAGRI; e

VIII- a Delegacia Regional do Distrito Federal.

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CXXVI

Na seqüência, são editadas as Portarias 821 e 833, do Gabinete do

Ministro da Educação, Jorge Bornhausen, atribuindo a Secretaria de 2º Grau

(SESG) o exercício das funções da extinta COAGRI e vinculando as escolas

agrotécnicas federais a nova estrutura, respectivamente.

É interessante notar ainda, que essa extinção da COAGRI, em conjunto

com a Comissão Nacional de Moral e Cívica, demonstra nitidamente a intenção de

respaldar a ação, vinculando tais órgãos ao “atraso” da “máquina” que era movida

pelos governos militares. Não quero, contudo resgatar neste trabalho o papel da

COAGRI no desenvolvimento do ensino agrícola no país, mas certificar que não

há um descolamento entre as reestruturações de ordem econômica e as políticas

de formação profissional. No caso do ensino agrícola, o que tento reforçar é que

as mudanças na organização da produção, que em um momento não prescindiam

das funções mais diretas do Estado, e que reforçaram uma maior unidade entre a

lógica capitalista no campo e na cidade, ao se reestruturar não precisariam mais

de um órgão específico para a elaboração de políticas voltadas à formação de

técnicos agrícolas, já que depois dessa “unidade estrutural” o mais “adequado”

seria tratar tal modalidade de ensino na totalidade dos cursos de formação

profissional, fossem eles ligados à indústria, ao comércio ou a agricultura.

Entendo, portanto, que esta reestruturação venha se dando de forma

contínua, ou seja, ela ainda se encontra em processo, e que sua expressão mais

atual seja a recente transformação de Escolas Agrotécnicas Federais em Centros

Federais de Educação Tecnológica (CEFETs). A chamada “Cefetização”.57

57 Maneira como se denominou nos ambientes escolares a transformação de escolas técnicas federais em CEFETs. Nos levantamentos que fiz, observei que, pelo menos, dez escolas agrotécnicas federais foram

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CXXVII

CAPÍTULO III.

3 - NEOLIBERALISMO: UM PROJETO AINDA EM CONSTRUÇÃO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO.

transformadas em CEFETs, entre 1999 e 2002. Foram elas: Escola Agrotécnica Federal de Rio Verde-GO, Escola Agrotécnica Federal de Urutaí-GO, Escola Agrotécnica Federal de Morrinhos-GO, Escola Agrotécnica Federal de Bambuí-MG, Escola Agrotécnica Federal de Januária-MG, Escola Agrotécnica Federal de Rio Pomba-MG, Escola Agrotécnica Federal de Uberaba-MG, Escola Agrotécnica Federal de Cuiabá-MT, Escola Agrotécnica Federal de Petrolina-PE e Escola Agrotécnica Federal J.K. (Bento Gonçalves-RS)

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CXXVIII

Para este terceiro capítulo cabe uma ressalva, para que o leitor não

tenha a sensação de uma aparente desconexão entre os capítulos que compõem

a totalidade deste trabalho: o ensino agrícola, aqui, não será tratado em suas

especificidades, dada as questões já expostas no final do primeiro capítulo e

desenvolvidas no segundo. Entendendo que neste recente processo histórico o

ensino agrícola de nível médio compõe uma totalidade ainda maior, qual seja: a do

conjunto da educação profissional de nível médio; trataremos assim, das reformas

educacionais que ocorreram a partir da década de 1990, de forma mais ampla e

geral. Neste caso o ensino agrícola estará presente nas análises que faço, mesmo

que de forma não aparente, pois grande parte dessa construção se deu a partir de

minha atuação como docente dessa modalidade de ensino, na convivência

cotidiana de uma escola agrícola.

3.1 - A base teórica do neoliberalismo.

O capítulo que ora apresento, tem como objetivo principal responder as

seguintes questões:

“As idéias neoliberais estão vivas, hoje, na política educacional brasileira? Mas,

o que são idéias neoliberais?”58

Tomando como base os clássicos da teoria neoliberal: “O Caminho da

Servidão”, de Friedrich Hayek, e “Capitalismo & Liberdade”, de Milton Friedman,

tentarei demonstrar, minimamente, a influência/intervenção de tais ideais nas

58 Estas perguntas foram originadas do Professor José Rodrigues, por ocasião de uma de suas aulas de Economia Política da Educação, do PPG em Educação da UFF, durante o segundo semestre de 2004.

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políticas educacionais brasileiras, com um enfoque nas políticas de formação

profissional de nível médio no Brasil a partir da década de 1990.

Desta forma iniciarei destacando, o que para mim se apresentou como

os principais aspectos do neoliberalismo, vislumbrados nos trabalhos de Haeyk e

Friedman; o que entendo ser fundamental para a elaboração de uma base para

sua desconstrução.

Posteriormente apontarei tais características neoliberais na educação

brasileira, tomando como mote as políticas de formação profissional de nível

médio, dos últimos anos.

3.1.2 - Características principais das obras de Hayek e Friedman.

Premiados com os NOBELs de Economia de 1974 e 1976,

respectivamente, Hayek e Friedman, apresentam críticas aos regimes socialistas

- que tratam como sinônimo de totalitarismo - e apontam como solução a liberdade

de mercado e o individualismo, como forma de controle e manutenção das

relações sociais.

Essencialmente, a teoria apresentada por Hayek, tenta demonstrar que

o desenvolvimento é freado por uma intervenção forte do Estado, que regula não

só a economia como também impõem o comportamento da sociedade.

Antes mesmo de destacar alguns pontos apresentados por esses

intelectuais, entendo que seja importante descrever minha impressão geral acerca

do que se apresenta para além da aparência da exposição desses autores:

Embora os ataques estejam diretamente apontados para os regimes

“socialistas” (ou, de acordo com suas análises, aos que têm essa origem), ou para

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o comunismo, noto que a disputa não tem caráter tão polarizado. Mesmo

apontando os canhões para a “grande ameaça mundial” o alvo estava dentro do

próprio campo capitalista. O neoliberalismo surge como uma forma de superação

capitalista do formato Fordismo-keynesianismo. Surge da disputa interna de

dominação e expansão do próprio capital. O objetivo principal estava em

demonstrar a ineficiência de um capitalismo regulado pelo Estado, dominado pelas

relações que se estabeleceram com o Welfare State (Estado de Bem-Estar

Social), que impediam a expansão da iniciativa privada e o surgimento de novas

frações da burguesia.

Como o comunismo/socialismo sempre se apresentou como projeto de

ameaça direta ao capitalismo, nada mais estratégico que comparar, mesmo que

linearmente, os inimigos internos com os potencialmente capazes de superá-lo.

Haverá maior tragédia imaginável do que, no esforço de modelar conscientemente o nosso futuro de acordo com elevados ideais, estarmos de fato e involuntariamente produzindo oposto daquilo por que vimos lutando?(HAYEK, 1977, p.7)

Essa visão se reforça a medida em que nas leituras observa-se uma

crítica a democracia vigente, a estrutura do Estado, as empresas estatais, aos

sindicatos, ao cerceamento da “liberdade”, etc. Embora isto esteja mais visível na

obra de Friedman, o trabalho de Hayek, mesmo tendo sido escrito em um período

conturbado da história mundial (1944), é posteriormente apropriado,

principalmente pelos intelectuais orgânicos ao capitalismo dos países centrais,

para ser usado como aquele que apontava, previamente, a crise de acumulação

que o capitalismo mundial enfrentaria na década de 1970; fato é que sua obra

ficou adormecida e oportunamente foi “(re)descoberta” a época.

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3.1.2.1 - Alguns aspectos da obra de Hayek:

Em “O Caminho da Servidão”, um dos primeiros aspectos que me

chamou a atenção foi o fato de Hayek tratar de forma quase que idêntica

socialismo59 e totalitarismo. Durante o percurso do trabalho ele trata os dois

conceitos como sinônimos, querendo provar que a origem dos regimes totalitários

está na regulação do Estado, característica principal, do que ele chama de

socialismo.

Poucos estão prontos a admitir que a ascensão do nazismo e do fascismo não tenha sido uma reação contra as tendências socialistas do período precedente, mas um resultado necessário destas mesmas tendências. Esta é uma verdade que muitos se recusam a aceitar, mesmo quando reconhecem amplamente as semelhanças de muitos aspectos detestáveis dos regimes internos da Rússia comunista e da Alemanha nacional-socialista. Em conseqüência muitos dos que se julgam infinitamente superiores às aberrações do nazismo, e detestam sinceramente todas as suas manifestações, trabalham ao mesmo tempo em prol de ideais cuja realização levaria diretamente à tirania que odeiam. (HAYEK, 1977 p.5, 6) Mas seria um erro acreditar que foi o elemento especificamente alemão, e não o elemento socialista,

59 Para melhor compreensão prefiro aqui citar o que o próprio Hayek (1977) entende por socialismo: “Cumpre esclarecer uma confusão, à qual se deve em grande parte a maneira por que estamos sendo levados a coisas que ninguém deseja. Esta confusão diz respeito a nada menos que o próprio conceito de socialismo. Este pode significar (e é muitas vezes usado nesse sentido) simplesmente ideais de justiça social, maior igualdade e segurança, que são os fins últimos do socialismo. Mas significa também o método particular pelo qual a maior parte dos socialistas espera alcançar esses fins, e que muitas pessoas competentes consideram como os únicos métodos pelos quais esses fins podem ser plena e rapidamente alcançados. Nesse sentido o socialismo significa a extinção da iniciativa particular, da propriedade particular dos meios de produção, e a criação de um sistema de ‘economia planejada’ no qual o empreendedor que trabalha visando o lucro é substituído por um órgão central de planejamento”.(p.31, grifo nosso)

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que produziu o totalitarismo. Era, com efeito, a preponderância das idéias socialistas, e não o prussianismo, o que a Alemanha tinha em comum com a Itália e a Rússia – e foi das massas e não das classes imbuídas da tradição prussiana, e auxiliado pelas massas, que surgiu o nacional-socialismo. (ibidem, p. 10)

Os apontamentos desse autor têm uma característica de análise

bastante linear da realidade. Se o socialismo alemão originou o nazismo, segundo

o que ele aponta, logo, este será o destino de todas as sociedades erigidas sob a

égide do socialismo. Mesmo que ele estivesse correto a respeito da origem do

nazismo ou do fascismo, transpor tal lógica ao futuro, seria o mesmo que

considerar que a história se dá por mera repetição dos fatos, seria não saber

trabalhar com a materialidade dos diferentes momentos da história. E é com esta

lógica cartesiana que Hayek conduz, praticamente, toda a sua análise, em alguns

momentos de forma sutil, em outros, completamente irônico.

Para defender sua tese contra o intervencionismo estatal - uma das

principais características do modo de acumulação fordisda, que ele insiste em

afirmar que levará ao destino do totalitarismo - Hayek apresenta suas análises, ao

meu ver, equivocadas a respeito do que seria o socialismo, planejamento e

comunismo.

A citação que segue, considero que retrata claramente a tentativa de

convencimento apresentada por Hayek, pautada por uma lógica linear, de causas

e efeitos que se repetem.

Quando a marcha da civilização toma um rumo inesperado – quando, ao invés do progresso contínuo que nos habituamos a esperar, vemo-nos ameaçados por males que nos parecem próprios das passadas épocas de barbarismo – naturalmente pomos a culpa

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em tudo exceto em nós mesmos. Acaso não nos temos todos esforçado tanto quanto permitem as nossas luzes, e muitos dos nossos espíritos mais esclarecidos não têm trabalhado incansavelmente para tornar este mundo melhor? Porventura todos os nossos esforços e esperanças não estiveram voltados para a maior liberdade, justiça e prosperidade? Se o resultado é tão diverso dos nossos objetivos – se ao invés da liberdade e prosperidade, é miséria e servidão o que temos pela frente – não se torna claro que forças funestas devem ter frustrado as nossas intenções, e que somos vítimas de algum poder maligno que deve ser dominado antes de retomarmos o caminho para uma melhor ordem de coisas? Por muito que possamos divergir na indicação do culpado – seja o capitalista perverso ou o espírito desviado desta ou daquela nação, seja a estupidez de nossos pais ou um sistema social ainda não completamente derrubado, embora tenhamos lutado contra ele durante meio século – todos estamos, ou pelo menos até recentemente estávamos, certos de uma coisa: as idéias mestras que durante a última geração se tornaram comuns à maioria das pessoas de boa vontade e determinaram grandes mudanças em nossa vida social não podiam estar erradas. Estamos dispostos a aceitar quase todas as explicações para a presente crise de nossa civilização, exceto uma: que a presente situação do mundo possa ser o resultado de um verdadeiro erro de nossa parte (liberais) e que a tentativa para realizar alguns de nossos mais caros ideais tenha produzido, ao que parece, resultados inteiramente diversos daquele que esperávamos. (Ibidem, p. 11, 12; grifos nossos)

Já que Hayek aponta como fator principal da crise mundial, que culmina

com a guerra, a aplicação das teorias de origem socialista, o mesmo indica como

saída um retorno ao individualismo, que foi sendo progressivamente abandonado,

segundo ele, a partir da evolução da civilização oriental, “e a extensão deste

rompimento se torna clara se o considerarmos não só em face do século XIX, mas

numa perspectiva histórica mais longa” (p.14). Essa “perspectiva histórica mais

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longa”, segundo Hayek, tem seu ponto áureo na Renascença “e desde então

evoluiu e penetrou o que chamamos de civilização ocidental” (p.15).

..., são o respeito pelo homem individual na sua qualidade de homem, isto é, a aceitação de seus gostos e opiniões como sendo supremos dentro de sua esfera, por mais estreitamente que isso possa circunscrever, e a convicção de que é desejável o desenvolvimento dos dotes e inclinações individuais por parte de cada um. ‘Liberdade’ e ‘Independência’ são agora palavras tão gastas pelo uso do e abuso, que devemos hesitar em empregá-las para expressar os ideais por elas representados durante aquele período. ‘Tolerância ‘ é talvez a única palavra que ainda mantém a plena significação do princípio que, em ascensão durante todo esse período, apenas em tempos recentes entrou em declínio, para desaparecer de todo com o advento do Estado totalitário. (Ibidem, p 15)

Usando as palavras de Marx e Engels, em “O Manifesto Comunista”,

sou tentado, neste momento, a contrapor tais idéias.

A burguesia, em todas as vezes que chegou ao poder, pôs termo a todas as relações feudais, patriarcais e idílicas. Desapiedadamente, rompeu os laços feudais heterogêneos que ligavam o homem aos seus ‘superiores naturais’ e não deixou restar vínculo algum entre um homem e outro além do interesse pessoal estéril, além do ‘pagamento em dinheiro’ desprovido de qualquer sentimento. Afogou os êxtases mais celestiais do fervor religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo filisteu, nas águas geladas do calculismo egoísta. Converteu mérito pessoal em valor de troca. E no lugar das incontáveis liberdades reconhecidas e adquiridas, implantou a liberdade única e sem caráter do mercado. Em uma palavra, substituiu a exploração velada por ilusões religiosas e políticas, pela exploração aberta, impudente direta e brutal. (2002, p.12, 13; grifo nosso)

Parece-me fácil falar em liberdade quando se faz parte do lado

dominante. Para a burguesia tal individualismo e liberdade são fundamentais para

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a manutenção do status quo, da dominação e da opressão da classe

trabalhadora.

Um outro aspecto notado em “O Caminho da Servidão” é a

conceituação de Hayek sobre planejamento. Durante o seu trabalho ele trata tal

conceito como sendo específico dos regimes onde o Estado é o controlador, ou

melhor, todo regime totalitário tem como característica principal o controle

“planejado” do Estado. O que para ele é um grande entrave para a livre

concorrência, uma barreira ao desenvolvimento, pois impede que homens “bem

intencionados” prossigam através de suas ambições.

Daí concluem os individualistas que se deve permitir ao indivíduo, dentro de certos limites (??), seguir os seus próprios valores e preferências em vez dos alheios; e , dentro destas esferas, o conjunto de finalidades individuais deve ser soberano e não estar sujeito aos ditames alheios. São esses reconhecimentos do indivíduo como juiz supremo dos seus próprios objetivos, e a crença de que suas idéias deveriam governar-lhe tanto quanto possível à conduta, que forma a essência da atitude individualista. (HAYEK, 1977, p.56; interrogações nossas). Com efeito, um dos principais argumentos em favor da concorrência é que ela dispensa a necessidade de um ‘controle social consciente’ e dá aos indivíduos oportunidade para decidir se as perspectivas de determinada atividade são suficientes para compensar as desvantagens e riscos que dela podem resultar. (ibidem, p.35)

Mantendo-me ainda na posição de confronto, novamente cito Marx e

Engels, entendendo que:

Em resumo, você condena nossa intenção de acabar com a sua propriedade. Precisamente isso. É essa, exatamente a nossa intenção. A partir do momento em que o trabalho não pode mais ser transformado em capital, dinheiro, ou aluguel;

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em um poder social capaz de ser monopolizado, ou seja, a partir do momento em que a propriedade individual não pode mais ser transformada em propriedade burguesa, em capital, a partir deste momento, afirmam vocês, a individualidade desaparece. Vocês devem, portanto, confessar que por ‘indivíduo’ refere-se simplesmente ao burguês, ao proprietário de classe média. Esta pessoa deve, sem dúvida, ser afastada do caminho e inviabilizada. O comunismo não priva homem algum do poder de se apropriar de produtos da sociedade. Tudo o que ele faz é privá-lo do poder de subjugar o trabalho de outros através de tal apropriação.(2002, p.34 e 35)

Assim, na perspectiva de tentar resumir o pensamento de Hayek, e por

conseqüência os princípios neoliberias, é que apresento a análise de Melo:

(Para Hayek),O valor se realiza na mercadoria, em relação com a utilidade final que esta apresenta para o indivíduo. Vale o quanto o indivíduo estiver disposto a pagar por ela. Segundo Hayek, a mercadoria não expressa um valor que nela se realiza. Ela mesma é valor, mas especificamente em sua relação com o indivíduo. Esta é uma das razões centrais da importância do indivíduo, de seus desejos, vontades e escolhas, para a realização do próprio capitalismo.(MELO, 2004, p.43 e 44)

O seu argumento principal contra o coletivismo e que o distinguiria do individualismo e do liberalismo, seria o de que os gêneros de coletivismo pretenderiam ‘(...) organizar a sociedade inteira e todos os seus recursos visando a essa finalidade única e por se negarem a reconhecer esferas autônomas em que os objetivos individuais são soberanos’ (HAYEK, 1990: 74). Assim, ‘a autoridade que dirigisse todo o sistema econômico seria o mais poderoso monopolista que se possa conceber’ (HAYEK, 1990:101) e, para conseguir este convencimento das massas, a autoridade centralizadora buscaria convencer o povo de que seus valores são comuns, uma vez que já existiriam como aceitos pelo próprio povo. Seria uma forma de consenso totalitário, já que tenderia a impor aos indivíduos valores que não seriam os seus e, para exemplificar esta tendência, Hayek formula um capítulo

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sobre ‘as raízes do nazismo’, mostrando o quão perversos e corruptos podem ser os coletivismos.

Este argumento de ‘uma direção única para a sociedade’, no entanto, não coloca o novo liberalismo contra o planejamento, nem contra o Estado, mas contra o planejamento e o Estado que não estejam voltados para a concorrência.(MELO, 2004, p.45 e 46)

3.1.2.2 - Alguns aspectos da obra de Friedman:

O Trabalho de Friedman diferencia-se do de Hayek, não só pelo

momento em que foi escrito, mas sua obra tem um caráter mais propositivo, um

pouco mais inescrupuloso. Ele traça com objetividade os passos para se chegar a

uma sociedade individualista, onde a livre concorrência e a propriedade privada

serão à base das relações, tanto econômicas quanto sociais.

Nesta perspectiva Friedman já começa o seu trabalho dando a

indicação de como deve se comportar um governo para que se alcance os fins

acima citados. Para ele o primeiro grande objetivo de um governo é ser “limitado”

(1977, p.15), um governo que garanta a “liberdade” de iniciativas, reduzindo-se a

principal função de segurança (neste caso, segurança militar), contra inimigos

externos e contra os próprios compatriotas que se oponham a esse modelo. O

segundo grande objetivo exposto é o de que este mesmo governo seja

“distribuído” (1977, p.15), ou seja, que a descentralização aconteça no nível de

condado, o que para nós seria o equivalente a município, e assim argumenta: “Se

não gostar do que a minha comunidade faz em termos de organização escolar ou

habitacional, possa mudar para outra e, embora muito poucos possam tomar esta

iniciativa, a possibilidade como tal já constitui um controle. Se não gostar do que

faz meu estado, posso mudar-me para outro. Se não gostar do que Washington

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faz, tenho muito poucas alternativas neste mundo de nações ciumentas.” (1977,

p.16).

Só que em sua análise, Friedman omite que esta “liberdade” é limitada

pelo próprio capital. Será que a burguesia vai querer abandonar o seu campo de

exploração só porque não concorda com a política educacional do lugar? Ou

tentará transformá-la, no campo de disputa da sociedade civil e política, de acordo

com suas demandas?

Já na relação entre política e economia Friedman (1977) destaca:

Vista como um meio para obtenção da liberdade política, a organização econômica é importante devido ao seu efeito na concentração ou dispersão do poder. O tipo de organização econômica que promove diretamente a liberdade econômica, isto é, o capitalismo competitivo, também promove a liberdade política porque separa o poder econômico do poder político e desse modo, permite que um controle o outro. (p.19)

O que até aqui aponto como absurdo é que tais teóricos, (Hayek e

Friedman) consideram, ou pelo menos tentam nos convencer, que, como forma de

organização societária, é possível uma “cooperação voluntária dos indivíduos”

tendo como base a “técnica de mercado” (FRIEDMAN, 1977, p.22). E argumenta:

A possibilidade da coordenação, por meio da cooperação voluntária está baseada na proposição elementar – no entanto freqüentemente negada – de que ambas as partes de uma transação econômica se beneficiam dela, desde que a transação seja bilateralmente organizada e voluntária (??).

A troca pode, portanto, tornar possível a coordenação sem a coerção. Um modelo funcional de uma sociedade organizada sobre uma base de troca voluntária é a economia livre da empresa privada – que denominamos, até aqui, de capitalismo competitivo. (p.22; interrogações nossas)

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Como concretizar esta tal “transação bilateral voluntária”, em uma

sociedade onde uma classe existe em função da expropriação do valor do trabalho

embutido nos bens produzidos por uma outra classe? Somente com a ampliação

dessa expropriação.

A contraposição a um Estado “paternalista e normativo” é, portanto, o

centro da crítica apresentada por Friedman. Mas que Estado paternalista é este?

O Estado ao qual Friedman se refere, é o Estado capitalista construído no pós-

guerra, dotado de uma série de mecanismos de controle da produção, produto

também, das disputas, lutas e conquistas da classe trabalhadora (o que se tornou

muito mais evidente nos países que se constituíram como centro do capitalismo

mundial).

3.1.2.2.1 - O papel do Estado na educação, segundo Friedman.

Embora existam outras considerações a serem abordadas na obra de

Friedman, me deterei, em apenas uma de suas intervenções, por entender que

este trabalho tem como principal objetivo provar a influência/intervenção das

idéias neoliberais na educação brasileira. Nessa obra, Friedman, reserva um

capítulo específico para, o que ele entende que deva ser, papel do governo na

educação.

Inicialmente Friedman destaca que, “Uma sociedade democrática e

estável é impossível sem um grau mínimo de alfabetização e conhecimento por

parte da maioria dos cidadãos e sem a ampla aceitação de um conjunto comum

de valores.” Porém o mesmo faz duras críticas ao oferecimento desta educação

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por instituições mantidas pelo Estado, o que fere os princípios de livre escolha do

cidadão. Friedman defende que o papel do Estado, neste campo, deve se limitar

às exigências destes conhecimentos mínimos nos estabelecimentos de ensino, e

que as instituições por livre concorrência, ligadas, ou não, a determinados grupos

sociais, se estabeleçam e se mantenham através do julgamento de seus clientes.

Ele defende abertamente a aplicação da lei da oferta e da demanda na área da

educação.

O governo poderia exigir um nível mínimo de instrução financiada dando aos pais uma determinada soma máxima anual por filho, a ser utilizada em serviços educacionais ‘aprovados’. Os pais poderiam usar esta soma e qualquer outra adicional acrescentada por eles próprios na compra de serviços educacionais numa instituição ‘aprovada’ de sua própria escolha. Os serviços educacionais poderiam ser fornecidos por empresas privadas operando com fins lucrativos ou por instituições sem finalidade lucrativa. O papel do governo estaria limitado a garantir que as escolas mantivessem padrões mínimos tais como a inclusão de um conteúdo mínimo comum em seus programas, da mesma forma que inspeciona presentemente os restaurantes para garantir a obediência a padrões sanitários mínimos. (1977, p.82)

Para Friedman, tal concorrência refletir-se-ia inclusive nos salários dos

professores, que ao invés de terem seus honorários acrescidos através do tempo

de serviço e titulação, seriam recompensados por “mérito”. Destaca ainda que tal

sistema encontraria resistência inclusive por parte da maioria dos professores,

pois os mesmos sabem que os “especialmente talentosos” (p. 87) são poucos,

porém, para ele, se a competição regulasse a questão do mérito atrairiam “bons

profissionais” para o magistério, eliminando assim os profissionais medíocres.

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Embora estes conceitos de “bons” e “medíocres” apresentados por

Friedman, sejam muito vagos (e isto ele faz durante toda obra), entende-se que

bons são aqueles que na competição são capazes de satisfazer as demandas de

sua clientela inserindo-os no mundo competitivo de forma que sejam capazes de

vencerem as competições impostas pelo mercado, que por sua vez é auto-

regulável.

A preparação vocacional e profissional é tratada por Fridman como um

investimento em capital humano. “Sua função é aumentar a produtividade

econômica do ser humano. Se ele se tornar produtivo, será recompensado, numa

sociedade de empresa livre, recebendo pagamento por seus serviços – mais alto,

do que receberia em outras circunstâncias” (p.91). Então, pergunto eu: se ele não

se tornar produtivo? Será jogado na arena para ser devorado por leões famintos?

É quase isto, um pouco mais sutil, mas com efeitos bem parecidos.

Para esse modelo de ensino, Friedman, também propõe uma espécie

de financiamento, seja público ou privado (prioritariamente privado) – “Por

diversas razões seria preferível que instituições financeiras privadas com ou sem

finalidade lucrativa, como fundações e universidades desenvolvessem este plano”

(p.95) - chamado por ele de “investimento em capital humano” (p. 90), para que os

indivíduos ao entrarem no mercado de trabalho possam restituir tal investimento,

obviamente acrescido de taxas de juros. O que para ele complica é que este seria

um investimento de alto risco devido ao alto custo de operacionalização e

dificuldades em projetar os vencimentos de cada profissional, além daqueles não

tão talentosos, que não conseguiriam se inserir no mercado.

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Também para esta modalidade de ensino, Friedman, considera que

atuação do Estado deve se limitar a exigências e fiscalização dos

estabelecimentos de ensino, todos, no caso, privados.

Ao observarmos tais “princípios”, veremos que cada um deles já tem, de

certa forma ocupado lugar na própria legislação educacional brasileira. Não quero

aqui abstrair todas as formas de disputas que vêm sendo travadas no âmbito da

sociedade civil e política, através das representações dos movimentos sociais em

defesa das escolas públicas e seus educadores. É justamente pela existência de

tais movimentos de resistência que este ainda é um projeto em construção, ou

seja, ainda incompleto, mas que vem se fortalecendo durante as duas últimas

décadas, dada a hegemonia dos representantes das diferentes frações da

burguesia nesses espaços de disputa.

3.1.3 - O Neoliberalismo: principais aspectos

Conforme Boito Jr. (1999):

A ideologia neoliberal contemporânea é, essencialmente, um liberalismo econômico, que exalta o mercado, a concorrência e a liberdade de iniciativa empresarial, rejeitando de modo agressivo, porém genérico e vago, a intervenção do Estado na economia. Esse liberalismo econômico é distinto do liberalismo político, interessados nos direitos individuais do cidadão e num regime político representativo e adequado ao exercício daqueles direitos. A ideologia neoliberal retoma o antigo discurso econômico burguês, gestado na aurora do capitalismo, e opera com esse discurso em condições históricas novas. Esse deslocamento histórico introduz uma cisão na ideologia neoliberal, instaurando uma contradição entre os princípios doutrinários gerais, que dominam a superfície do seu discurso e que estão concentrados na apologia do mercado, e suas propostas de ação

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prática, que não dispensam a intervenção do Estado e preservam os monopólios. No discurso neoliberal, articulam-se de modo contraditório uma ideologia teórica, transplantada da época do capitalismo concorrencial, e uma ideologia prática que corresponde à fase do capitalismo dos monopólios, da especulação financeira e do imperialismo. (p.23).

Aceitando a exposição acima, destacarei nos subitens abaixo aquilo que

entendo, serem os principais aspectos do neoliberalismo, aplicados na América

Latina.

3.1.3.1 - A função do Estado no projeto neoliberal.

Para o projeto neoliberal o Estado é de fundamental importância.

Embora os seus teóricos trabalhem na perspectiva de uma sociedade cada vez

mais desregulamentada pelo Estado e cada vez mais regulamentada pelo

mercado, a ação do Estado não pode ser abandonada, ao invés, ela a todo tempo

é solicitada. E é ai que reside a grande contradição, já colocada por Boito Jr.

No prefácio da edição brasileira do trabalho de Hayek (1977), Adolpho

Lindenberg expõe sua visão a respeito da ação do Estado em um regime

neoliberal :

Isso (iniciativa individual e mercado livre) não exclui, mas até supõe a ação do Estado: tanto para proteger o regime de livre concorrência, quanto para administrar a justiça, e para realizar, subsidiariamente, tudo aquilo que a iniciativa particular não possa fazer. É portanto muito ampla a missão do Estado numa economia neoliberal. Só não é permitido a este, em matéria econômica, desvirtuar o regime de livre concorrência, substituir-se aos particulares em nome de uma deificação dos poderes

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públicos, intervir no mercado a fim de impor um plano arbitrário concebido aprioristicamente por pretensos “engenheiros” do bem-estar social. (p. XIV, negrito e entre parênteses nosso)

Hayek, expressa, que ação do Estado deve estar restrita ao controle e

manutenção do princípio da livre concorrência.

O uso conveniente da concorrência como princípio da organização social exclui certos tipos de intervenção coercitiva na vida econômica, mas admite outros que às vezes podem auxiliar muito consideravelmente no seu funcionamento, e até exige determinadas formas de ação governamental.(Ibid, p.35).

São essas determinadas formas de ação governamental que se

apresentam de forma muito vaga no trabalho de Hayek, porém que tem mais

concretude na obra de Fridman. A questão principal é que os dois autores

admitem, e não prescindem das ações do Estado em um regime liberal.

A existência de um mercado livre não elimina, evidentemente, a necessidade de um governo. Ao contrário, um governo é essencial para a determinação das ‘regras do jogo’ e um árbitro para interpretar e pôr em vigor as regras estabelecidas. (FRIEDMAN, 1977, p. 23)

Essa posição aparentemente turva é que dá margem para que o

sistema neoliberal promova ações de Estado como as vistas na América Latina,

em especial no Chile, na década de 1970. O próprio Estado neoliberal se apropria

de instrumentos, como o de um regime totalitário, contraditoriamente criticado

pelos seus intelectuais, para alcançar seus objetivos.

3.1.3.2 - O consenso de Washington

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O consenso de Washington foi à forma como se denominou o resultado

de uma reunião realizada na capital dos Estados Unidos, em 1989, que contava

com a presença de personalidades acadêmicas, economistas e representantes de

paises da América Latina e de organismos internacionais (FMI e BID), que visava

avaliar e estabelecer novos rumos para as reformas econômicas implantadas nos

paises desta região.

Nessa avaliação, a primeira feita em conjunto por funcionários das diversas entidades norte-americanas ou internacionais envolvidos com a América Latina, registrou-se amplo consenso sobre a excelência das reforma iniciadas ou realizadas na região, exceção feita, até aquele momento, ao Brasil e Peru. Ratificou-se, portanto, a proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha insistentemente recomendando, por meio das referidas entidades, como condição para conceder cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral. (BATISTA, 2001, p.11) 60

Os principais aspectos do consenso de Washington, apontados por

Crocetti (2004), em seu trabalho “Geografia do Neoliberalismo”, são:

- um plano de ordem macroeconômica, havia um acordo completo entre todas as agências econômicas, que todos os países periféricos deveriam, no momento, serem convencidos a aplicar um programa em que lhes é requerido um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal, austeridade fiscal ao máximo, o que passa inevitavelmente por um programa de reformas administrativas, providenciarias e fiscais, e um corte violento no gasto público, principalmente na área social. - segunda coisa que ele percebia: todos pensavam que esses países devem fazer políticas monetárias

60 O trabalho de Batista, intitulado “O Consenso de Washington: A visão neoliberal dos problemas latino-americanos” retrata muito bem, o que inicialmente destaquei no início deste trabalho: a disputa de projetos capitalistas. A visão exposta por Batista é de caráter nacionalista. Ex-diplomata brasileiro, ex-membro e coordenador da Aliança para o Progresso, no ministério do planejamento na década de 1960, ele ataca o projeto neoliberal e defende um projeto de capitalismo nacional e de desenvolvimento interno.

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rigidíssimas, porque a prioridade número 1 é a estabilização e a política fiscal tem que ser submetida à política monetária. - terceira coisa que o consenso propunha: nada disso será possível se não desmontar radicalmente, o modelo anterior que havia nesses países, um modelo perverso, que funcionou mau, só fez porcarias, que é o modelo de industrialização por substituição de importações.(p. 14)

Ainda, segundo Crocetti, as direções tomadas para objetivar tal

consenso foram:

-Primeiro, desregulamentação dos mercados, sobretudo o financeiro e o do trabalho; -Segundo, privatização, de preferência selvagem; -Terceiro, abertura total do mercado, liberdade total de comércio; -Quarto, garantia do direito de propriedade, sobretudo na zona de fronteira, isto é nos serviços, propriedade intelectual, etc.(p.15)

No Brasil começou-se a notar, mais fortemente, a influência das

recomendações do consenso de Washington, a partir das reformas atropelantes e

atabalhoadas do governo Collor, que pretendeu estabelecer os princípios

neoliberais de forma radical, em um curto espaço de tempo. Entre algumas dessas

ações, lembramos de: abertura, quase que indiscriminada, para entrada de

produtos importados, extinção de instituições de pesquisa e órgãos

governamentais de promoção e desenvolvimento de tecnologias nacionais,

tentativa de equiparação cambial entre dólar e cruzado, início de algumas

privatizações, retirada de alguns direitos trabalhistas dos servidores públicos,

entre outras.

Porém é ao final do governo Itamar, com Fernando Henrique como

ministro da fazenda, e início do governo FHC, que efetivamente se dá seqüência

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ao projeto neoliberal no Brasil, agora mais cuidadoso, progressivo e contínuo.

Embora encontrando resistência por parte de movimentos organizados da

sociedade e de setores da própria burguesia, este é o período em que há o maior

avanço desse projeto em nosso país, com resultados em todas áreas. Processo

esse que, ao final de oito anos é mantido no governo Lula, e que continua em

construção e em disputa; por isso incompleto. 61

3.2 - A educação brasileira de formação profissional de nível médio

a partir da década de 1990.

Embora existisse um projeto em tramitação no congresso nacional, que

se arrastava por mais de sete anos, construído a partir de disputas entre

representantes de movimentos sociais ligados a educação, entidades

representativas, frente parlamentar, etc, em 1996 é aprovada uma nova Lei de

Diretrizes e Bases da educação brasileira, que, contraditoriamente, não foi fruto

direto de todo esse processo. O processo original, depois de aprovado na câmara

dos deputados, foi substituído por um outro, no Senado, elaborado teoricamente,

por Darcy Ribeiro e Marco Maciel, sendo assim aprovado. A Lei 9394/96,

estabeleceu então, as bases para a educação brasileira em todos os níveis e

modalidades, algumas delas criadas a partir da própria lei, como é o caso da

educação profissional e da educação de jovens e adultos, o que abriu novos e

61 Este trabalho não se propõe a uma análise aprofundada do processo de fortalecimento do movimento neoliberal no Brasil, por isso por vezes alguns apontamentos feitos aqui só se completam com outras leituras e análises, detidas em tal assunto. Por isso entendo que o trabalho de Boito Jr. (1999) demonstra bem este processo, colocando expostas as contradições e disputas, que aqui não estão visíveis. E, especificamente, para análise desse projeto na educação da América Latina, recomendo o trabalho de Melo (2004).

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grandes espaços de possibilidades de aplicação dos preceitos neoliberais na

educação de nosso país.

Não é com a LDB de 1996 que iniciaram-se as disputas que objetivavam

a aplicação de preceitos neoliberais na educação brasileira62, mas ela é com

certeza um marco que estabelece, legalmente, as possibilidades para tais

aplicações, visto que, de tão enxuta apresentava a necessidade de

regulamentações para vários de seus pontos, que poderiam ser feitos através de

Decretos, Portarias e etc., onde a intervenção popular é mínima, ou quase nula,

ou seja, onde o campo de disputa seja reduzido às frações hegemônicas da

burguesia.

E é a partir desta nova LDB, que posteriormente é publicado o Decreto

Presidencial, 2208/97, que regulamentava a educação profissional brasileira. 63

Porém, antes do Decreto 2208/97, o governo tentou implementar a

regulamentação da Educação Profissional através de um Projeto de Lei (1603/96),

que, nos curtos espaços de disputa dentro do Congresso Nacional, encontrou

resistência do movimento organizado dos trabalhadores da educação pública.

Com a possibilidade de uma eventual derrota, ou até mesmo, pelo prolongamento

temporal em que este projeto poderia se arrastar, o governo FHC elimina a

62 O trabalho de Cunha (2002) demonstra que intelectuais da educação, ainda na década de 1970, apresentavam uma nova forma de estruturação para a educação brasileira, de cunho neoliberal. 63 Esta forma reduzidíssima de expor, se justifica pelo fato de já existirem diversas obras (dissertações, teses, relatórios de entidades representativas, livros e etc) publicadas na época e que retratam muito bem todo processo de elaboração e disputas a cerca de uma nova LDB para educação brasileira e de uma nova legislação para o ensino profissional. Entre elas, destaco: dissertação de mestrado de Ramos (1995), a dissertação de mestrado de Ignácio (2000), a tese de doutorado de Del Pino (2000) e Kuenzer (1997 e 1999). Sendo assim optamos por apresentar uma pequena introdução para melhor nos determos nos aspectos que interessam a este trabalho, qual seja: as características neoliberais da educação brasileira de formação profissional de nível médio.

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mínima possibilidade de disputa com a publicação de um Decreto Presidencial,

nos mesmos moldes do PL 1603/96. Tal ação, fosse no seu conteúdo ou na sua

forma, foi alvo de duras críticas de intelectuais de esquerda vinculados ao campo

da educação e de dirigentes de entidades representativas dos profissionais desta

área.

3.2.1 - A construção das recomendações dos organismos

internacionais.

No início da década de 1990 foi publicado um relatório, do Banco

Mundial, a respeito da situação da educação brasileira, em especial aquela

destinada à formação profissional de jovens para indústria e comércio, os cursos

técnicos.

Esse relatório chama a atenção para os altos custos de implantação e

manutenção dos estabelecimentos de ensino dessa modalidade, principalmente

os da rede federal, que segundo eles, serviam a uma parcela privilegiada (a classe

média), que posteriormente formados, ingressavam em cursos de nível superior,

não servindo nos setores para qual as qualificações a que se submeteram no

período do segundo grau técnico eram endereçadas.

Concluíam, então, que para que houvesse uma melhor distribuição dos

gastos seria importante que o ensino de formação propedêutica (médio) fosse

separado da formação de qualificação profissional, e que os estabelecimentos de

ensino técnico fossem destinados exclusivamente à formação profissional, para

aqueles que efetivamente iriam atender a demanda do setor produtivo, naquele

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CL

nível profissional, ou seja, os filhos de trabalhadores que deveriam ingressar mais

rapidamente no mercado de trabalho – como se houvesse espaço para todos eles

(o que também é funcional ao sistema).

O cumprimento desta conclusão, embora não dita explicitamente, era

condição para futuros financiamentos nessa área, o que aconteceu posteriormente

com a implementação do PROEP.64

Ao analisarmos o conteúdo da LDB/96 e do Decreto 2.208/97, somos

levados a considerar que tais instrumentos legais atendiam ao que foi apontado

pelo relatório do Banco Mundial, e logo concluímos: são eles (os organismos

internacionais, conduzidos pelos E.U.A.) que estão interferindo na direção das

políticas educacionais brasileiras, para atender as exigências de uma política

neoliberal, colocando o Brasil no seu devido lugar no processo de globalização

delineado para a América Latina. Até que ponto tal análise está correta?

O artigo de Luiz Antônio Cunha, intitulado “As agências financeiras

internacionais e a reforma brasileira do ensino técnico: a crítica da crítica” (2002),

alerta-nos a fazermos uma análise mais detida da realidade, tentando observar

64 O Programa de Expansão da Educação Profissional (Proep) é uma iniciativa do

Ministério da Educação em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego. Visa desenvolver

ações integradas de educação com o trabalho, a ciência e a tecnologia, em articulação com a

sociedade.

Seus recursos são originários de dotações orçamentárias do Governo Federal, sendo 25% do

Ministério da Educação, 25% de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e 50% de empréstimos da União com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), assinado em

27 de novembro de 1997, com vigência até 2006. (www.mec.gov.br/semtec/proep, em 19 de junho

de 2004, negrito nosso)

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com mais precisão a complexidade de todo esse processo, as disputas e os

interesses que estão em jogo.

As análises correntes contêm como axioma implícito uma forte atitude de autopiedade diante do que se supõe ser a imposição das agências financeiras internacionais à educação brasileira. O axioma consiste em considerar o Brasil (e a educação brasileira, em conseqüência) como uma pobre vítima das maldosas agências financeiras internacionais, particularmente o Banco Mundial – BIRD, o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e o Fundo Monetário Internacional – FMI. No que diz respeito à educação, essas agências mandam e o governo brasileiro, subserviente, obedece – simples assim. Não há resistência, não há contradições, nem vias de mão dupla. (CUNHA, 2002, p.1 e 2)

Cunha (2002) demonstra que intelectuais brasileiros já defendiam, na

década de 1970, posições parecidas com as que foram apresentadas pelo Banco

Mundial, aliás, eles próprios participaram da elaboração de tal relatório. Houve

assim, uma articulação entre intelectuais orgânicos de uma parcela da burguesia e

os organismos financeiros internacionais, que, aliás, tem em seus quadros,

formuladores intelectuais brasileiros, que atendem seus interesses e vice-versa. O

próprio ministro da educação do governo FHC, é originário desses quadros (e não

é por acaso que, o próprio Fernando Henrique Cardoso, tenha sido um dos nomes

cogitados para assumir a presidência do Banco Mundial, logo após sua saída da

Presidência da República).

Não se deve deixar de levar em conta a possibilidade de que, ao lado do fluxo de idéias que partem de suas sedes para os governos dos diversos países, existe outro fluxo, destes para as sedes. As recomendações finais representam o resultado de uma correlação complexa de forças e de uma composição de idéias. Reconhecer isso, exige estar atento para os mecanismos de hegemonia, tanto quanto para os de dominação. (Ibid, p. 19)

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CUNHA (2002) também alerta que as políticas propostas para a

América Latina, na área da educação, não são idênticas, devido, principalmente, a

dinâmica de elaboração, embora os fins sejam os mesmos, e que “O relatório de

uma agência internacional, ainda mais quando contém alguma recomendação,

expressa uma complexa rede de interesses por vezes contraditórios. É preciso

estar atento para o empenho de certos grupos em incluir suas posições no

relatório, mediante contatos diretos e indiretos, abertos ou encobertos com os

quadros das agências internacionais. Esse empenho resulta de um intento mais

interno do que externo: a inclusão de determinada posição de grupo específico faz

com que ela seja valorizada dentre os rivais.” (p. 20).

Com essas ressalvas, importantes na construção de uma análise do

processo de introdução dos preceitos neoliberais na política educacional brasileira,

interessa identificar que tais princípios, mesmo que fruto de processos de

disputas, se apresentam como balizadores; já que, mesmo com suas

contradições, o capital se faz hegemônico.

3.2.2 Os aspectos neoliberais na educação profissional e algumas

de suas contradições.

Não necessariamente os aspectos neoliberais estão explícitos através

da letra fria de uma legislação, embora a garantia legal abra grandes

possibilidades de aplicação de tais preceitos. Vejamos no caso concreto da

legislação que regeu, o ensino profissional no Brasil até o ano de 2004:

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A dualidade entre ensino médio e técnico, a principal característica

implementada pela REP65, por si só não constitui uma característica neoliberal. A

questão que ao meu ver se destaca é a forma como essa dualidade é apropriada.

Não quero aqui fazer qualquer tipo de defesa a esta separação, ela está longe de

ser apropriada por um projeto mais consistente, como o de politecnia, que no

Brasil encontra em Saviani66 o seu maior representante. O que quero destacar é

que a ação do Estado é de fundamental importância para o sucesso de qualquer

projeto nessa sociedade e, efetivamente, os governos passados (e me arrisco a

dizer: o atual) tiveram um compromisso, mesmo que velado, com os rumos do

projeto neoliberal “traçado” para o mundo, e ainda em construção no Brasil.

Por isso, tal dualidade se configura como uma facilitadora da

manutenção/construção de uma sociedade dividida em classes e, ao mesmo

tempo é um reflexo desta, cuja dominação se coloca nas mãos da burguesia.

Com a aplicação da reforma para o ensino profissional, concretizada a

partir do Decreto 2.208/97, e seus complementares, o comportamento do

ministério da Educação foi digno de elogios por parte dos teóricos neoliberais. A

“liberdade” dada aos estabelecimentos de ensino foi de uma generosidade até

então não vista; estabeleceu-se parâmetros e diretrizes muito vagos que

65 REP – Reforma do Ensino Profissional, que tinha como principais aspectos:

a) Dualidade entre ensino regular e profissional; b) “Encurtamento” do tempo de formação profissional; c) Caráter de terminalidade; d) Substituição do docente pelo instrutor; e) Redução drástica do oferecimento de vagas no ensino médio nas Instituições

Federais de Ensino Profissionalizante; f) Organização Curricular em módulos; g) Avaliação por competências.

66 Ver artigo “O choque teórico da politecnia”, editado na revista Trabalho, Educação e Saúde, EPSJV/Fiocruz, 2003

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permitiam várias interpretações, sem que houvesse um rigor na aplicabilidade. O

governo trabalhava principalmente na fiscalização (o que não fugia a cartilha de

Friedman) para o cumprimento de aspectos mais burocráticos, como carga horária

mínima, etc; e nem na aplicação das disciplinas houve muito rigor para o

cumprimento de tais diretrizes, inclusive a criação de novos cursos ampliou-se, e

qualquer questionamento a esta expansão poderia ser respondido na perspectiva

de atendimento de uma demanda regional. O que, aliás, era preconizado por Lei.

Então, poderão me perguntar: Atender as demandas locais é uma característica

especificamente neoliberal? O que interessa é saber de onde surgem essas

demandas; e no mundo dominado pelo capital, sabemos que é daqueles que

detém a propriedade privada dos meios de produção, muitas vezes, e

contraditoriamente, defendidas (essas demandas) pela própria classe trabalhadora

na perspectiva de manutenção das suas condições de sobrevivência.

Contraditoriamente essa perspectiva de “liberdade neoliberal” é travada

pelo próprio Decreto 2.208/97, que cristalizava a dualidade (dualidade formal), o

que impedia uma maior flexibilidade de ação por parte dos estabelecimentos

escolares, importante, ao meu ver, para a tão desejada acomodação das disputas

travadas em torno desta questão. Acomodação essa que é conquistada a partir da

publicação de um novo Decreto, agora no governo Lula (5.154/2004), que

estabelece a possibilidade de um ensino profissionalizante de forma integral,

mas que mantém todas as outras formas já existentes no 2.208/97.(trataremos

melhor esta questão no próximo ponto).

Tal reforma, voltando ao 2.208/97, atendia de forma mediata os

interesses de uma parcela da burguesia, principalmente a nova burguesia dos

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serviços, que atua(va)m na área da educação. Com a redução dos alunos no

ensino médio nas instituições federais de ensino, como previa a recomendação do

Banco Mundial (redução essa, que deveria ser em 100%, embora a legislação

estabelecesse 50% 67, o que comprova um não alinhamento completo),

objetivamente cresceria a procura por cursos de ensino médio nas instituições

privadas, por parte dos filhos da classe média preocupados em passarem para

uma nova etapa de formação em uma instituição de ensino superior,

reconhecidamente de qualidade, e preferencialmente gratuita.

Mas existe disputa intraclasse. A burguesia não é homogênea.

Existia, portanto, uma outra parcela da burguesia68 descontente com os

rumos dessa reforma; uma outra parcela que se utiliza(va) do trabalho do

profissional formado nesse nível de ensino. Embora com a REP o número de

profissionais habilitados tendencialmente aumentasse, o que era previsto,

ampliando o exército de reserva (o que é, em parte, importante para a dominação

do capital), a qualificação desse profissional para o desempenho das tarefas,

oriundas do desenvolvimento das forças produtivas, não era satisfatório. Isso

obrigaria aos empresários darem essa formação dentro da própria empresa; no

caso do técnico agrícola, na própria agroindústria ou nas grandes propriedades e

empresas rurais. Para quem sempre necessitou da ação do Estado para subsidiar

67 Nesse caso específico, a legislação permitia que as escolas agrícolas mantivessem todas as vagas do ensino médio, por considerar suas localizações em relação a outras escolas de ensino médio, já que, na sua maioria estas instituições funcionam em fazendas. Eis portanto, uma especificidade considerada, no âmbito do ensino agrícola, pela REP. 68 Ver SALM e FOGAÇA, (1999).

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seus custos de produção, na forma de qualificação profissional, este resultado era,

com certeza, insatisfatório.

Porém essa disputa tendeu a se acomodar:

Já que o ônus da formação do profissional não deveria ficar a cargo da

empresa e nem do Estado, responsabilizar o próprio trabalhador pela sua

formação/qualificação, seria uma grande jogada, retirando dele próprio (da classe

trabalhadora) os recursos necessários para o financiamento, destinando grande

parte do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para tal finalidade. A disputa,

neste caso, se direcionou para ver quem iria abocanhar a maior parte destes

recursos; no caso, nenhuma das grandes centrais de trabalhadores se furtou a

disputar parte desse bolo. Esse novo cenário propicia o surgimento de uma

novíssima burguesia, mascarada pela representação dos trabalhadores, a

“burguesia sindical”,69 que se apropria desses recursos para transformá-lo, em

parte em cursos de qualificação de qualidade questionável, e em parte, em

ganhos diretos e indiretos, seja para o próprio sindicato, seja para alguns de seus

membros isolados. Somando-se a este rol, de uma nova burguesia de serviços,

temos inúmeras ONG’s e Fundações70, usadas como instrumentos facilitadores de

todo esse processo, ligadas, em grande escala, a vários setores da burguesia.

69 Esta expressão surge, para mim, durante a elaboração deste texto. Embora não me lembro de tê-la visto em outros trabalhos, e por considerar que não deva ser original , não vou amarrá-la como sendo minha, mas também não tenho a quem endereçá-la, neste momento. Porém, Francisco de Oliveira (2003), em O Ornitorrinco, demonstra com bastante clareza o surgimento dessa nova burguesia, travestida pela representação de trabalhadores, que se especializaram na administração de Fundos de Pensão e de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que, contraditoriamente são alocados no BNDES, para financiamento de iniciativas privadas. 70 Ver NEVES (org.) (2005).

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Para um mercado formal de trabalho, cada vez mais inacessível à

classe trabalhadora e a seus filhos, a necessidade de controle do exército de

reserva, em um padrão de acumulação flexível, se dá na perspectiva de uma

curta, porém contínua formação/capacitação, como forma de frear a ansiedade

dessa classe em vender sua força de trabalho, ou seja, antecipando formalmente

a introdução de novos trabalhadores no mercado de trabalho.

Assim, entendo que o discurso da capacitação, oriunda das, cada vez mais,

recentes demandas advindas do desenvolvimento das forças produtivas, se apresenta muito

mais como uma estratégia de controle de uma possível revolta da classe trabalhadora, que

uma efetiva necessidade dos meios de produção.

3.2.3 – O Decreto 5.154/04 em questão.

Recusar as atuais formas de fazer política é construir a possibilidade da construção de uma nova civiltá. Permanecer nos seus horizontes é aceitar a subalternidade das classes trabalhadoras como ‘destino manifesto’. (DIAS, 2006, p.22 e 23)

A publicação do Decreto 2.208/97, trouxe um grande número de dúvidas

a serem esclarecidas, tanto pelos profissionais que atuavam nessa modalidade de

ensino, quanto aos estabelecimentos escolares, a respeito de sua aplicação.

Promovido sem a participação popular, através de suas representações sociais, o

Decreto da educação profissional de 1997, que tinha como objetivo expresso

regulamentar a lacuna deixada pela Lei 9394, de 1996, naquilo que também

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expressavam ser as intenções dessa LDB, inaugurou um período de grande

tumulto nos espaços escolares, fosse pela tentativa de adequação as novas

exigências, fosse pela crítica aos novos parâmetros estabelecidos, ou, muitas

vezes, pela própria falta de clareza a respeito dessas adequações. Por isso, a

cada nova dúvida sem solução imediata pela letra da lei, estabeleciam-se

Pareceres e Portarias do Ministério da Educação71, traçando assim novas

exigências a serem cumpridas. Esse “novo” modelo estabelecido por Decreto

Presidencial, também estabeleceu como horizonte para o cumprimento dessas

novas e turvas exigências, a vantajosa promessa dos financiamentos

(internacionais) para reestruturação e modernização dos estabelecimentos de

ensino que de forma rápida e “eficiente” se adequassem aos novos parâmetros.

Contudo, o Decreto 2208/97, estabelecia claramente a separação entre o

ensino médio e o profissional72: a chamada dualidade, que a partir de então se

expressava de maneira formal; ou seja, a dualidade já existente na educação

brasileira se configurou explicitamente através da legislação da década de 1990.

71 Na minha experiência como docente de um Colégio Agrícola, vinculado a uma Universidade Federal, vivenciei vários desses momentos de dúvidas e incertezas a cerca do que deveríamos realizar por exigência de uma nova legislação (2208), e quais seriam, também, os nossos limites para resistir a sua lógica neoliberal, as vezes não aparente nos discursos e nas justificativas expressas pelo MEC. Entre essas dúvidas lembro: a) a avaliação por competência, que em um primeiro momento apareceu como uma sugestão, e depois se estabeleceu como regra; b) o currículo estabelecido em módulos, também, inicialmente como sugestão; c) as cargas horárias mínimas, que mais tarde ficaram estabelecidas pelos parâmetros curriculares para o ensino técnico; d) e outras mais ligadas ao cotidiano escolar, por exemplo: Como lidar com a repetência, no caso do aluno que concomitantemente realizava o ensino médio e o profissional, em somente um dos cursos? Como lidar com perspectiva de uma possível transferência entre instituições, já que os currículos, mesmo sendo de uma mesma área, eram tão diversos? Perguntas, que várias vezes não encontravam respostas nos próprios técnicos do MEC, que, inclusive, divergiam entre si. 72 Essa forma de nomenclatura é por si só contraditória: como se o ensino médio, mesmo aquele mais formal destinado aos filhos da burguesia, não fosse de maneira mediata também profissional; já que o conhecimento adquirido nesse nível de ensino também é direcionado para o processo produtivo, mesmo que na forma de gerenciamento e de ordenação. Ou seja, todo ensino, no mundo do capital é profissional, mediata ou imediatamente.

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CLIX

Portanto, essa dualidade aparente, reflexo da própria sociedade de classes, cuja

hegemonia é exercida pelo capital, tornou-se a principal, ou pelo menos a mais

comentada, característica da reforma educacional brasileira ao final do séc. XX.

Educadores do campo da esquerda73 foram os principais críticos dessa

nova formulação para educação brasileira, já que, de maneira informal ela

restringia aos filhos da classe trabalhadora a continuidade nos estudos em nível

superior, assim, verificava-se uma outra característica da Reforma da Educação

Profissional (REP): o caráter de terminalidade, que apresentava como destino

imediato, na melhor das hipóteses, o rápido atendimento às demandas do setor

produtivo.

Mesmo com a obrigação legal de implementação da REP, em parte das

instituições federais dessa modalidade de ensino levantou-se um movimento de

resistência à lógica implementada pelo governo neoliberal de FHC74, mesmo

havendo a sedução financeira75, as direções de tais instituições. Porém, tal

resistência se estabelecia; fosse pelo movimento organizado de profissionais da

educação, fosse pelos diversos movimentos organizados de trabalhadores de

esquerda.

73 Para mim é difícil estabelecer com exatidão quem pertencia a esse grupo de intelectuais, porém entre os mais conhecidos, no campo Trabalho e Educação cito, por ora: Saviani, Gaudêncio Frigotto, Acácia Kuenzer e Maria Ciavatta; no campo das políticas públicas destacaria: Lucia Neves, Pablo Gentile, entre outros. Além de intelectuais coletivos representados em entidades de classe como o ANDES-SN e suas seções sindicais, o SEPE-RJ, entre outras; entidades acadêmicas como a ANPEd, principalmente nos debates desenvolvidos no GT Trabalho e Educação; e dos movimentos em torno da defesa da escola pública (Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública). 74 Como forma de exemplificar tal resistência cito um documento produzido por uma dessas instituições: A verdade sobre a reforma da educação profissional, produzido pelo SINDOCEFET-PR/ANDES. 75 Falo especificamente do financiamento via PROEP.

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CLX

Nesse setor, da esquerda, concordávamos que a separação formal entre

o ensino médio e o de formação imediatamente profissional, representava mais

que um retrocesso nas lutas dos trabalhadores por uma educação libertadora.

Assim, mesmo que tímida, ou subsumida a confusão da implementação

da reforma, manteve-se um processo de resistência, o que ainda mantinha viva a

disputa em torno da REP, na perspectiva de modificá-la. Essa resistência

encontrou ressonância, também nos espaços de debates abertos em alguns

partidos políticos de esquerda, fosse por parlamentares ou por seus militantes

alinhados as questões da educação brasileira, tendo como representante principal

o Partido dos Trabalhadores, até então oposição formal ao governo, e,

conseqüentemente, as políticas de FHC.

Dessa forma, durante os anos que se seguiram ao governo FHC, as

possibilidades de mudanças, ou até mesmo de revisão na política para o ensino

profissional foram diminuindo. Na verdade, se deu seqüência ao processo de

formalização e de cristalização da lógica neoliberal, mesmo que suas contradições

não fossem completamente dissipadas. Nesse processo de disputa deu-se então

a hegemonia do pensamento neoliberal na educação brasileira.

Embora, as sinalizações de campanha (2002) do então candidato a

Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, já indicassem a perspectiva de

um governo de manutenção de acordos estabelecidos em favor da classe

dominante76, restava ainda a esperança em um possível governo que se

reivindicava da classe trabalhadora. Um desses compromissos era justamente o

76 A Carta ao povo brasileiro, divulgada pelo PT, ainda no processo de campanha eleitoral, talvez seja o maior exemplo desse amplo compromisso.

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CLXI

de revogar o Decreto 2208, dada a construção histórica vivenciada pelo partido

junto às reivindicações de movimentos sociais e de educadores de esquerda, que

inclusive compunham os seus quadros.

Eleito Presidente da República, e nomeando para o cargo de Ministro da

Educação o Senador Cristóvão Buarque, Lula dá início, no âmbito da educação, a

um tímido processo de reelaboração da política de educação profissional.

No início de 2003, a aposta em mudanças substantivas nos rumos do país, com a eleição do presidente Lula e com a perspectiva de um governo democrático e popular, levou-nos a sugerir alguns nomes para as Diretorias do Ensino Médio e da Educação Profissional da Secretaria de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação (SEMTEC/MEC), bem como assessorar a realização dos Seminários Nacionais ‘Ensino Médio: Construção Política’ e ‘Educação Profissional: Concepções, Experiências, Problemas e Propostas’, realizados, respectivamente, em maio e junho de 2003. Esse processo manteve-se polêmico, em todos os encontros, debates e audiências realizados com representantes de entidades da sociedade civil e de órgãos governamentais.

Todas as contribuições recolhidas nesses momentos levaram a progressivo amadurecimento do tema que não tomou forma em uma via de mão única, ao contrário, manteve as contradições e disputas teóricas e políticas sinalizadas desde o início do processo, culminando no Decreto n. 5154, de 23 de julho de 2004. (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p.22 e 23; negrito nosso)

Nas palavras de Rodrigues (2005), com as quais tenho acordo:

Logo à primeira vista , o decreto do governo Lula mostra-se bastante adequado à característica mais importante do atual padrão de acumulação, a flexibilidade, já que agrega às possibilidades anteriores - formação subseqüente, formação concomitante, interna e externa - a formação ‘integrada’. (p.261)

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CLXII

Assim, com o novo Decreto (5.154/04), o ensino de formação

profissional mantém as possibilidades de formatação de cursos, como previa o

revogado 2.208/97, com uma diferença básica: a possibilidade de um ensino

integrado entre formação média e profissional, como aquele que era executado

antes da reforma da segunda metade da década de 1990, o antigo 2º grau

profissionalizante. “Nesse sentido, o decreto parece apenas vir para acomodar

interesses em conflito, como, aliás, fizera, em outro contexto, a lei nº 7044/82, em

vez de enfrentar, via política educacional, a velha dualidade estrutural da

educação brasileira”. (Ibidem, p. 261).

3.2.3.1 Um decreto flexível.

Para este momento do trabalho, não avalio a intencionalidade de

determinados atores no processo de correlação de forças que se estabeleceu

durante a gênese do Decreto 5.154/04. No entanto, o resultado dessa disputa,

concretizado na letra da lei, deve nos conduzir a reflexões e a (auto)avaliações

acerca dos limites impostos pelo capital para a luta da classe trabalhadora.

Lembrando a análise de Rodrigues (2005), o Decreto Presidencial,

destacado em tela, mostra-se bastante adequado ao novo padrão de acumulação

capitalista, flexível. Concordando com tal análise é que recorro ao trabalho de

David Harvey (2004), para confirmar essa “primeira impressão”.

Embora em sua análise, Harvey tenha como foco as transformações

vividas, ao final do século passado, nos países centrais do capitalismo, entendo

que os seus reflexos sejam observados também na América Latina, porém, de

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CLXIII

maneira característica ao projeto capitalista para os países periféricos, ou seja, um

modo de acumulação flexível para um capitalismo dependente.

Vejamos portanto essas características:

A acumulação flexível, (...), é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de serviços’, bem como conjuntos industriais completamente novos, em regiões até então subdesenvolvidas (...). Ela também envolve um novo movimento (...), de ‘compressão espaço-tempo’ no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitam, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado. (HARVEY, 2004, p. 140).

A acumulação flexível parece implicar níveis

relativamente altos de desemprego ‘estrutural’ (...), rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando há) de salários reais (...) e o retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista. (Ibidem, p, 141, negrito nosso).

... o propósito dessa flexibilidade é satisfazer as

necessidades com freqüência muito específicas de cada empresa. (Ibidem, p.143, negrito nosso).

Entendo que o Decreto 5.154/04 se estabelece nos marcos do que

Harvey chama de compressão espaço-tempo, o próprio formato jurídico (Decreto)

já dá bons sinais do encurtamento das possibilidades de debate em torno do

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CLXIV

assunto. Ainda nesta questão, lembro que o encerramento, mais rápido possível,

em torno das disputas que se estabeleceram a partir do 2.208/97, culminando no

Decreto 5.154/04, também estabeleceriam maior certeza de imutabilidade dos

parâmetros essenciais que naquele decreto já estavam definidos.

Não tenho dúvidas de que o revogado Decreto 2208/97, trazia em sua

essência a perspectiva de uma política neoliberal, porém inflexível quanto ao

aspecto da dualidade estrutural, ou seja, a separação entre ensino médio e

profissional era rigorosa. Dessa forma o novo Decreto, por manter as outras

possibilidades expressas anteriormente, se encaixa, de maneira mais sutil,

também, na perspectiva neoliberal para educação brasileira, agora com uma

aparência mais flexível, já que prevê a possibilidade de um ensino reintegrado.

Cumpre então o papel de demonstrar aos descontentes com o 2.208/97 a

possibilidade de uma educação integral, porém, mantendo as condições

necessárias para que a classe dominante, nos ambientes de disputa, exerçam sua

hegemonia. Contribui, portanto, para uma paralisia no âmbito das perspectivas de

mudanças estruturais na legislação brasileira da educação profissional.

Assim, calar a voz e a ação dos que denunciam tais contradições se

mostra necessário para a burguesia. Aquietar a disputa, “resolvendo-a” na arena

da democracia burguesa, é, portanto, limitar as possibilidades de luta, e

conseqüentemente de vitórias da classe trabalhadora, ou seja, as disputas

geradas e resolvidas nos limites dados pelo capital, levarão, no geral, a vitórias

capitalistas, mesmo que aparentemente haja algum avanço para a classe

trabalhadora.

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CLXV

3.2.3.2 O avanço paralisante.

O Decreto 5.154/04, mostrou-se para mim, de imediato, um avanço

incontestável, se comparado ao revogado 2.208/97. A possibilidade de um

ensino médio integrado com o de formação profissional, agora é fato, antes não

existia. Porém este avanço, assim entendo, tende a uma acomodação das

disputas em nível nacional em torno do assunto; usando as palavras populares,

ele parece que vem para “agradar a gregos e troianos”, na medida em que

possibilita uma multiplicidade de relações entre o ensino médio e a formação

profissional; e o ensino integrado, passa a ser, nada mais, nada menos, que uma

possibilidade. Na verdade, ele não elimina por completo as possibilidades de

disputas, só que agora elas se transferem para “o pátio da escola”, ou seja, se

transferem para o nível das relações escolares. Mas, mesmo nesse micro

ambiente, essas relações também tenderão a uma acomodação, e digo isto com

base em minha própria experiência docente em uma dessas instituições, por isso

é que denomino este avanço de paralisante.

Ainda é cedo para que tenhamos dados empíricos acerca de como vem

sendo feita a aplicação do novo Decreto (as resistências e acomodações), mas

temo que a tendência de acomodação se confirme, pois a base legal para que isto

aconteça já esta dada.

Cabe, no entanto, explicitar o que aqui entendo como acomodação das

disputas: como a dualidade estrutural se colocava de forma explícita e inflexível a

partir do Decreto 2208/97, a resistência em torno desta questão se mostrou clara,

tanto por parte de intelectuais de esquerda, quanto por parte de inúmeros

profissionais da educação. Prova dessa parcela insatisfeita é que a ascensão ao

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governo federal, de parte desta parcela, procurou de imediato promover a

mudança. Parece-me claro, que se o conflito principal residia na separação entre o

ensino médio e o técnico, a acomodação se dará no sentido de transformar a

integração em uma simples possibilidade, que, se nas disputas mais locais não

fosse contemplada (integralidade), seria então um simples resultado da

democracia vigente. Ou, que para dirimir as disputas, comtemplar-se-ia diferentes

cursos, para os diferentes modelos. Ou, já que não é imperiosa a mudança, que

se mantenha aquilo que foi construído nos últimos anos, para que não se tenha o

árduo trabalho, exigido por qualquer nova modificação, evitando assim as temidas

e indesejáveis transições.

Essa característica de acomodação ou “conciliação”, mediada pela

figura do intelectual, no mundo do capital é descrita por Gramsci (2001) de tal

forma:

a conciliação foi encontrada na concepção de “revolução-restauração”, ou seja, num conservadorismo reformista temperado. Pode-se observar que um tal modo de conceber a dialética é próprio dos intelectuais, os quais concebem a si mesmos como os árbitros e os mediadores das lutas políticas reais, os que personificam a “catarse” do momento econômico ao momento ético-político, isto é, a síntese do próprio processo dialético, síntese que eles “manipulam” especulativamente em seus cérebros, dosando seus elementos “arbitrariamente” (isto é, passionalmente). Esta posição justifica o seu não-“engajamento” completo no ato histórico real e é indubitavelmente cômoda.(p.293 v.1, negrito nosso).

Uma questão, de base material, a ser considerada na previsão de uma

possível inércia a partir do Decreto 5.154/04 é a do financiamento das instituições

públicas que atuam nessa área do ensino. Um dos aspectos observados na

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CLXVII

distribuição orçamentária das Instituições Públicas de ensino médio e profissional

é o do número de alunos, expresso pela quantidade de matrículas, assim, com a

dissociação entre ensino médio e profissionalizante, levando em consideração os

alunos que realizam os dois cursos na mesma instituição, o número de matrículas

dobra. Desta maneira, a formalização de um ensino reintegrado, poderá significar

mediatamente uma redução nos recursos dessas instituições, o que como

argumento a favor da manutenção do modelo expresso no Decreto 2208/97, para

persuasão da comunidade escolar, no bojo de disputas internas, será bastante

forte.

Contudo, ainda se mostra bastante atual o debate acerca de uma

superação desses limites que são impostos pela democracia burguesa. Ficaremos

nos desgastando nas disputas, em um quadro de “democracia restrita”? Ou

buscaremos as (im)possibilidades de uma verdadeira superação da dualidade

estrutural, que é na verdade a superação dessa sociedade de classes?

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CLXVIII

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todo este trabalho foi guiado por um questionamento inicial sobre o

processo de desenvolvimento do ensino técnico agrícola, como enunciamos na

introdução desta dissertação. Após o percurso deste estudo compreendemos o

ensino agrícola no Brasil inserido na totalidade do sistema capitalista,

historicamente construído. O estudo desta modalidade de ensino nos auxilia,

dialeticamente, na compreensão da face dependente que o capitalismo assume

em nosso país.

Longe de ter descoberto todas as respostas para os questionamentos

iniciais, e os que ocorreram durante a pesquisa, este trabalho se colocou na

perspectiva de revelar algumas das demandas originárias do sistema econômico e

da produção agrícola, em diferentes fases da história do Brasil, e suas interações

com o ensino agrícola de nível médio.

Nesse sentido, investigar a origem histórica do ensino agrícola foi o

primeiro desafio. Saber da existência de uma carta de D. João VI ao Conde dos

Arcos, marco inaugural dessa modalidade de ensino no Brasil, não nos bastava.

Qual era, portanto, a base material e política para que tal evento ocorresse? Esse

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CLXIX

questionamento incômodo foi que nos moveu à procura das respostas que abriram

esta dissertação. Portanto, o processo de produção no Brasil e sua relação

dialética de dependência de uma estrutura que extrapolava suas fronteiras,

tiveram necessariamente que ser alvo de nossas investigações. Assim, por

tratarmos de questões históricas complexas, provavelmente existirão lacunas

neste trabalho que só se completarão com uma pesquisa mais ampla que trate

dos assuntos de forma verticalizada, ou seja, com o aprofundamento investigativo

para cada evento citado. Porém, a perspectiva de totalidade para este momento,

requeria uma pesquisa que tratasse das diversas questões ligadas à trajetória do

ensino agrícola no Brasil de forma ampla; foi nessa perspectiva que se deu a

escolha de fontes que balizaram o entendimento da formação econômica do

Brasil.

A questão que se seguia, era entender porque a intenção do Rei,

expressa na forma de ordem, demorara tanto tempo para concretizar-se. Evento

que só ocorreu quarenta e sete anos depois, através da ação de um imperador

representante da segunda geração do rei ordenante, em um território

juridicamente independente, mas que mantinha as relações de dependência,

fossem elas econômicas ou sociais, com os agentes externos. Assim, entendemos

que os elementos mais gerais, para dar conta desta inquietação, foram

apresentados neste trabalho.

Esses dois eventos foram, portanto os que tiveram maior dimensão no

primeiro capítulo, por verificarmos, ainda no processo de pesquisa para

elaboração dessa dissertação, que muito pouco, ou quase nada, se tratou a

respeito em trabalhos dedicados ao tema.

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CLXX

As transformações no processo de produção, que culminaram no regime

republicano, foram também tomadas como objeto de análise para o entendimento

do processo de desenvolvimento da agricultura brasileira e de suas conseqüentes

exigências para a formação de trabalhadores de novo tipo. Processo que adquiriu

diferentes formatos nas diversas etapas da história brasileira. Porém, desde a

República, o ensino agrícola tinha o seu espaço reservado nas políticas de Estado

para a educação, fortalecendo-se enormemente na fase de grande reestruturação

da agricultura brasileira, a partir da década de 1970, quando é criada a

Coordenação do Ensino Agropecuário (COAGRI), extinta em 1986.

Assim, o segundo capítulo se propôs a investigar quais foram os

elementos estruturais que exigiram essa transformação/extinção. Decerto, uma

pesquisa que aprofunde os estudos sobre a extinção da COAGRI, revelará outros

aspectos além dos estruturais, para uma compreensão mais rica do ensino

agrícola no Brasil.

O trabalho de pesquisa nos permitiu observar que no processo histórico

sempre houve uma articulação entre as questões estruturais e as superestruturais.

Tratamos no terceiro capítulo dessas recentes articulações, no caso, mais

especificamente para a formação de trabalhadores para o processo produtivo, e

observamos que o projeto neoliberal, em curso, para a educação brasileira

fundamenta as recentes transformações, mesmo com todas as contradições

presentes nesses processos.

Espero, portanto, que esta dissertação sirva como contribuição para a

ampliação das discussões acerca do entendimento, não só das especificidades do

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CLXXI

desenvolvimento do ensino agrícola no Brasil, mas da totalidade capitalismo no

Brasil e suas demandas por formação de trabalhadores.

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