A TRANSFORMAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS EUROPEIAS … · 3 a transformaÇÃo das forÇas armadas...
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IX ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DE DEFESA
Florianópolis, 06 - 08 de Julho de 2016
AT7 - Segurança Internacional e Defesa
A TRANSFORMAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS EUROPEIAS NO PERÍODO PÓS-
GUERRA FRIA: REFLEXOS NA COOPERAÇÃO EM DEFESA
Bruna Rohr Reisdoerfer
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME)
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Resumo: Desde o fim da Guerra Fria e da dissolução da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) vêm ocorrendo um movimento de transformação estratégica, operacional
e tática das Forças Armadas dos principais países europeus. As forças numerosas,
estáticas e posicionadas para a defesa do território nacional vêm dando espaço a forças
multinacionais de reação rápida com capacidade de projeção. Este movimento se relaciona
com a emergência das chamadas novas ameaças securitárias (terrorismo, instabilidades
sociais, insurgência, armas de destruição em massa, entre outros) e como consequência, na
doutrina militar americana e na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Assim,
uma espécie de novo regime militar vem sendo desenvolvido na Europa. Como as Forças
Armadas possuem papel importante na relação entre a sociedade e o governo em assuntos
de defesa e estão diretamente ligadas à grande estratégia nacional, estudar essa mudança
torna-se imperativo para entender as dinâmicas securitárias e de defesa europeias. Dessa
forma, o trabalho visa analisar o reflexo dessa transformação na cooperação em defesa do
bloco. Partiu-se do seguinte problema de pesquisa: qual é o impacto da transformação das
Forças Armadas europeias no pós Guerra Fria para a cooperação em defesa na Europa?
Têm – se como hipótese que a transformação nos níveis estratégico, operacional e tático
das Forças Armadas europeias no pós Guerra Fria impactou positivamente a cooperação
em defesa do bloco europeu. Isso se deve porque a nova doutrina militar de engajamento
além-teatro juntamente com os cortes nos orçamentos de defesa (intensificados pela crise
econômica de 2008), pressionam os países europeus a fazerem “mais com menos”. Assim,
os governantes perceberam a necessidade de utilizar a cooperação em defesa como forma
de aperfeiçoar e dar maior eficiência aos recursos destinados ao setor de defesa. O trabalho
tem como metodologia a análise de conteúdo de fontes primárias e secundárias, bem como
a revisão bibliográfica.
Palavras-Chave: Forças Armadas Europeias, Transformação, Pós-Guerra Fria, Cooperação
em Defesa.
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A TRANSFORMAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS EUROPEIAS NO PERÍODO PÓS-
GUERRA FRIA: REFLEXOS NA COOPERAÇÃO EM DEFESA
Bruna Rohr Reisdoerfer
1 INTRODUÇÃO
O fim da estrutura bipolar e a redução da polarização mundial com a diminuição do
engajamento americano como provedor de defesa europeu - efeitos do fim da Guerra Fria e
da dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) - pressiona o
continente europeu a reestruturar a arquitetura de segurança e defesa herdada do período
anterior (JONES, 2007). Percebe-se, assim, um movimento de transformação estratégica,
operacional e tática das Forças Armadas dos principais países europeus. As forças
numerosas, estáticas, pesadas e posicionadas para a defesa do território nacional vêm
dando espaço a forças multinacionais de reação rápida com capacidade de projeção (KING,
2011). Este movimento se relaciona com a emergência das chamadas novas ameaças
securitárias (terrorismo, instabilidades sociais, insurgência, armas de destruição em massa,
entre outros) e como consequência, mudanças na doutrina militar americana e na
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) (DAALDER, 2000). Assim, uma espécie
de novo regime militar vem sendo desenvolvido na Europa.
Como as Forças Armadas possuem papel importante na relação entre a sociedade e
o governo em assuntos de defesa e estão diretamente ligadas à grande estratégia nacional,
estudar essa mudança torna-se imperativo para entender as dinâmicas securitárias e de
defesa europeias. Cabe ressaltar que a Europa é território estratégico para as Grandes
Potências e o seu futuro na integração regional em segurança e defesa levanta hipóteses
quanto ao bloco se tornar um polo do Sistema Internacional (BRZEZINSKI, 2000, p. 18;
WALTZ, 2000, p. 28). Ademais, França e Reino Unido tem grande presença no Atlântico Sul
e América do Sul (entorno estratégico brasileiro (BRASIL, 2012a)) e apresentam doutrinas
fortemente engajadas em intervenções além-teatro, especialmente no continente africano
(área de projeção brasileira (BRASIL, 2012b)) e no Oriente Médio (UNITED KINGDOM,
2010; FRANCE, 2013). Alemanha também intensifica as suas ações nesse sentido
(ALEMANHA, 2016). Dessa forma, entender as dinâmicas europeias no pilar de defesa
auxilia o Brasil a desenvolver a sua Estratégia Nacional de Defesa, bem como a sua Política
Externa para a Europa.
O presente trabalho se foca na análise de Alemanha, França e Reino Unido por se
entender que o peso político, militar e econômico destes países os torna centrais nas
dinâmicas do continente (WALTZ, 1993). Além disso, as mudanças nas Forças Armadas
destes países influenciam transformações em países menores (KING, 2011, p.8). Cabe
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ressaltar que o estudo das transformações militares e das dinâmicas de defesa do
continente está diretamente ligado ao estudo da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN), uma vez que ela é uma das principais alianças militares do mundo e determina um
padrão de comportamento para os seus membros. Portanto, o trabalho demonstrará
também a relação da mudança nos assuntos militares europeus com mudanças ocorridas
na OTAN. O foco do estudo recai sobre as forças terrestres, pois é nelas que se observa a
maior transformação ocorrida e segundo King (2011, p. 8), elas são essenciais para
determinar se a Europa será vitoriosa nas operações militares. Por nível estratégico
entende-se o nível dos objetivos estatais (CLAUSEWITZ, 2007, p. 133). O nível operacional
se refere ao planejamento, à transformação dos objetivos estatais em ações militares. Por
fim, o nível tático diz respeito às ações das forças no teatro de operações, é o confronto na
linha de frente com o inimigo (KING, 2011, p. 6).
A pesquisa visa analisar o reflexo da transformação militar na cooperação em defesa
do bloco. Partiu-se do seguinte problema de pesquisa: qual é o impacto da transformação
das Forças Armadas europeias no pós Guerra Fria para a cooperação em defesa na
Europa? Têm – se como hipótese que a transformação nos níveis estratégico, operacional e
tático das Forças Armadas europeias no pós Guerra Fria impactou positivamente a
cooperação em defesa do bloco europeu. Isso se deve porque a nova doutrina militar de
engajamento além-teatro juntamente com os cortes nos orçamentos de defesa
(intensificados pela crise econômica de 2008 (IISS, 2008)), pressionam os países europeus
a fazerem “mais com menos”. Assim, os governantes perceberam a necessidade de utilizar
a cooperação em defesa como forma de aperfeiçoar e dar maior eficiência aos recursos
destinados ao setor de defesa. O trabalho tem como metodologia a análise de conteúdo
implícito e explícito (BARDIN, 2002) de fontes primárias (tratados, documentos, legislação) e
secundárias, bem como a revisão bibliográfica. Dessa forma, é possível detectar de forma
mais completa as intenções declaradas e não declaradas (MORAES, 1999, p. 15) dos
Estados e do bloco. O trabalho se divide em duas seções, além da introdução e da
conclusão. Na primeira seção serão abordados os principais elementos da transformação
militar em curso na Europa separados no nível estratégico, operacional e tático. Na segunda
parte serão explicitados os reflexos da mudança militar na cooperação em defesa da União
Europeia através da cronologia do pilar de defesa do bloco. Por fim, segue uma breve
conclusão.
2 A TRANSFORMAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS EUROPEIAS
2.1 A Transformação no Nível Estratégico
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O fim da Guerra Fria e da ordem bipolar alterou o ambiente securitário mundial. A
ameaça de invasão territorial soviética e de ataques em grande escala desaparece (KING,
2011, p.23). Agora as ameaças são difusas e se relacionam com as consequências da
instabilidade civil (rivalidades territoriais, étnicas, pobreza), terrorismo, armas de destruição
em massa e desastres climáticos (KISTERSKY, 1996). Nessa nova configuração securitária,
as grandes potências não estão mais dispostas a arcarem com os custos de uma ordem
regional. Assim, há pressão por maior autonomia dos países a fim de proverem a sua
própria segurança (FAWCETT, 2008, p. 10). Especificamente no que tange ao continente
europeu, houve a retirada em massa de militares americanos do comando europeu da
OTAN (desde 1989 até 2015 houve uma queda de cerca de 80% dos efetivos americanos
(IISS, 2002 – 2015, p. 52-54; JONES, 2007, p. 88)).
Essa conjuntura levou o bloco europeu e os Estado Unidos a parearem as suas
estratégias nacionais através das diretivas da OTAN. Em 1999 a Aliança lança o Conceito
Estratégico que identifica a proliferação de armas nucleares, químicas e biológicas e a
emergência de atores não estatais como as principais ameaças à segurança e defesa.
Ademais alega que os interesses da OTAN podem ser afetados pelo terrorismo, sabotagem,
crime organizado e pela interrupção dos fluxos de recursos (NATO, 1999). Exatamente os
mesmos preceitos podem ser encontrados ainda hoje nos documentos de defesa alemães,
franceses e britânicos (LEYEN, 2015; FRANCE, 2013, UNITED KINGDOM, 2010). A
característica das novas ameaças as faz precisarem de ajuda transnacional para serem
combatidas. A OTAN teve que se reinventar e o lado europeu da Aliança teve que se
adequar à nova realidade de menor engajamento americano com o bloco. Percebe-se
então, a emergência de doutrinas mais intervencionistas a partir do fim da Guerra Fria.
Aliado a essa mudança na polaridade do Sistema Internacional, houve também a
progressiva diminuição dos orçamentos de defesa de Alemanha, França e Reino Unido –
especialmente afetados após a crise econômica de 2008. Esse corte, somado ao aumento
da inflação, leva à redução da capacidade de manutenção, desenvolvimento e aquisição de
capacidades. Todavia, através da OTAN, os Estados Unidos pressionam os países
europeus a manterem um mínimo de investimento em defesa a fim de manterem a
interoperabilidade das forças (IISS, 2008, p. 31). A OTAN redesenhou, em 2003, o seu
comando baseado em Nortfolk, Virginia para um Comando Aliado de Transformação (CAT).
O papel do CAT é alinhar a transformação militar europeia com a americana, através da
estrutura, das forças, das capacidades e da doutrina (KING, 2011, p 57). O capital e a
infraestrutura necessária para desenvolver os equipamentos militares excedem a base
industrial de defesa nacional e a demanda estatal não é suficiente para manter a
sustentação de um grande projeto. Por isso, os países europeus têm buscado programas de
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desenvolvimento e aquisição conjuntos (KING, 2011, p. 32), como por exemplo, a aliança
militar franco-britânica conhecida como Entente Frugale.
Assim, após a Guerra Fria nota-se uma mudança dos objetivos estatais europeus e
americanos: agora a segurança e defesa do Estado estão além das fronteiras nacionais. Os
exércitos de cidadãos que se identificavam uns com os outros através do sentimento
nacional e do dever de defender o território e a soberania estatal dá lugar a forças
profissionais especializadas que executam missões longe das fronteiras de seus Estados e
que veem a sua coesão com o outro através da performance (KING, 2011, p. 236). Como
King (2011, p. 4) afirma: “Em 15 anos do fim da Guerra Fria, o foco militar europeu se
deslocou do Reno para Hindu Kush. Essa reorientação não é somente geográfica, ela
também representa uma transformação da cultura estratégica” (KING, 2011, p. 4, tradução
livre).1 Essa reorientação, além de demonstrar um novo eixo geográfico para o engajamento
militar europeu, também representa uma mudança na forma de conduzir a guerra. O conflito
convencional da ameaça estatal nuclear que busca território e soberania cedeu lugar ao
conflito irregular, com forças insurgentes (KING, 2011, p. 4). Por isso, as enormes divisões
da OTAN durante a Guerra Fria estão dando espaço a pequenas tropas que cooperam
umas com as outras utilizando comunicações, munição guiada de precisão, capacidade de
vigilância, veículos aéreos não tripulados a fim de pacificar grupos hostis e estabilizar o país.
O foco nas forças de reação rápida vem levando ao subinvestimento em tropas regulares
(KING, 2011, p. 6-7).
A mudança no nível estratégico dos países europeus no pós Guerra – Fria está
levando a um movimento de concentração e transnacionalisação (KING, 2011, p. 11). O
orçamento de defesa reduzido e a natureza das novas ameaças levam os países a se
focarem no desenvolvimento de forças de reação rápida a fim de aperfeiçoarem os recursos
disponíveis e torná-las mais capazes do que os exércitos de massa que existiam durante a
Guerra Fria (KING, 2011, p. 10). As fronteiras transnacionais continuam existindo e os
Estados Nação ainda tem autoridade sob as suas tropas, todavia essa configuração de
forças de reação rápida vem pressionando para o aumento da cooperação a fim de criar
uma rede transnacional. O Estado atua ,então, coordenando essas ligações transnacionais
e no planejamento operacional das missões (KING, 2011, p. 45). Portanto, a transformação
militar envolve a revisão coletiva de práticas pelos comandantes, oficiais e soldados.
2.2 A Transformação no Nível Operacional
1 Do Original em inglês: Within fifteen years of the end of the Cold War, Europe’s military focus has
switched from the Rhine to the Hindu Kush. Yet this re-orientation is not merely geographical, it also represents a transformation of strategic culture” (KING, 2011, p. 4)
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A mudança estratégica das Forças Armadas americanas e europeias levou à
reestruturação da estrutura de comando da OTAN. Os quartéis generais da Aliança tiveram
papel decisivo nas operações na Bósnia, Kosovo e continuam nas do Afeganistão, por isso
tem grande influência na transformação das Forças Armadas europeias também no nível
operacional (KING, 2011, p. 66). Torna-se importante demonstrar as mudanças ocorridas.
Durante a Guerra Fria, o comando da OTAN traçava as diretivas que os países
aliados deveriam seguir e organizava o nível operacional. Todavia, no nível tático, cada país
tinha liberdade de atuação. Sob o Comando Aliado Europeu (pilar europeu da Aliança),
havia três áreas de subordinação: Forças Armadas do Norte, Forças Armadas Centrais e
Forças Armadas do Sul da Europa. Cada comando tinha a sua área geográfica delimitada e
havia pouca coordenação horizontal entre eles. No nível tático cada força tinha as suas
obrigações geográficas e não havia cooperação multinacional (KING, 2011, p. 66). Em
suma, a OTAN se configurava por ser uma aliança unificada pelos seus objetivos
estratégicos, mas dividia as responsabilidades militares entre os países com base em
demarcações territoriais do continente europeu. Após os ataques terroristas de 11 de
setembro de 2011 nos Estado Unidos e a consequente declaração de Guerra ao Terror por
aquele país, houve a intensificação da reestruturação que já vinha ocorrendo nos quartéis
generais da OTAN desde a Guerra do Kosovo em 1999. Iniciou-se a diminuição no número
de quartéis generais, bem como a digitalização e a maior cooperação transnacional no nível
tático (KING, 2011, p. 68). A estrutura da OTAN passou a ser mais verticalizada.
Atualmente há menos de um sexto dos quartéis generais que havia durante a Guerra
Fria. Todavia, efetivamente há comando conjunto das operações, pois eles coordenam
todas as forças aéreas, marítimas e terrestres da Aliança. Os quartéis generais com
responsabilidades geográficas delimitadas comandam agora operações conjuntas no
Afeganistão. Isso representa um movimento ao mesmo tempo de contração e de expansão
a fim de aperfeiçoar a capacidade de comando da Aliança. Quanto maior a globalização e a
área de atuação das Forças Armadas europeias, mais centralizados estão os comandos a
fim de que se possa realizar eficientemente a coordenação das missões. Essa coordenação
centrada em núcleos só é possível com redes eficientes de comunicação para que seja
possível o comando e controle a longas distâncias (KING, 2011, p. 70-71). Em suma, a nova
estrutura da OTAN conta com uma rede hierárquica de comando, quartéis generais
operacionais e táticos.
Entretanto, segundo King (2011, p. 73-74) os atuais comandos operacionais da
OTAN (Quartel General do Comando da Força Conjunta Brunssum; Quartel General do
Comando da Força Conjunta Nápoles e Quartel General do Comando da Força Conjunta
Lisboa) exercem papel político de influência e controle da doutrina europeia aos preceitos da
Aliança, mas não exercem papel efetivo no planejamento operacional. Dessa forma, o que
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há na prática é a interposição de função entre as forças táticas da OTAN: elas exercem ao
mesmo tempo função operacional e tática. Os Corpos Aliados de Reação Rápida (ARRC –
sigla em inglês) traçam os seus próprios planos operacionais para atuação no Afeganistão,
os quais são somente reportados para o Quartel General do Comando da Força Conjunta
Brunssum para conferência. Percebe-se assim, a superfluidade do nível operacional
europeu. Essa estrutura tem tido impacto na transformação militar europeia. Ela fomenta o
contato de funcionários europeus entre os três níveis da guerra (estratégico, operacional e
tático) com as forças nacionais. Isso constrói um rede transnacional de profissionais (KING,
2011, p. 76). Os quartéis generais operacionais que ficam a cargo dos países exercem
papel importante ao interagir e influenciar as forças de resposta rápidas a serem
desenvolvidas de acordo com objetivos nacionais (KING, 2011, p. 99).
Na transformação em curso das Forças Armadas europeias, os países concentram
os seus recursos em forças de reação rápida e desenvolvem corpos nacionais ou
multinacionais para que sejam utilizados pela estrutura da OTAN e da União Europeia (UE)
em operações militares (KING, 2011, p. 85). Devido às dificuldades de interoperabilidade
entre as forças multinacionais, forças majoritariamente nacionais são mais eficientes no
plano operacional quando adotam uma única cultura nacional. Assim, as organizações
militares europeias retém uma cultura nacional (KING, 2011, p. 81-82).
Os corpos de reação rápida provêm à Europa o comando real a nível operacional e eles demonstram características organizacionais importantes. Enquanto que o Eurocorps e o Corpo Alemão-Holandês foram organizados como formações multinacionais, os outros seis comandos tem estrutura nacional no quartel general. Esse núcleo nacional parece tanto vital para a competência operacional quanto é crescentemente reforçada; esses quartéis generais são em contraste com os fracos quartéis generais operacionais da OTAN, centros de excelência operacional nacional (KING,
2011, p. 86, tradução livre) 2.
Em suma, na Europa há a transposição entre o nível operacional e o tático. As
brigadas estão engajadas em um amplo espectro de atividades, nas quais elas coordenam
simultaneamente o nível operacional com o estratégico, indo muito além de suas funções
táticas. Estão conectadas com seus países e engajadas com os corpos de reação rápida de
outros países europeus. Na prática essa estrutura representa uma rede horizontal
operacional na Europa em contraste com a hierarquia pregada pela estrutura da OTAN
(KING, 2011, p. 95-97).
2 Do original em inglês: The rapid reaction corps provide Europe’s real operational level command and
they demonstrate some important organisational characteristics. While Eurocorps and the German – Netherlands Corps have been organised as multinational formations, the six other commands are framework nation headquarters. This national core seems both vital to operational competence and is increasingly being reinforced; these headquarters are, in contrast to the weak NATO operational headquarters, centres of national operational excellence (KING, 2011, p. 86).
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2.3 A Transformação no Nível Tático
Desde o fim da Guerra Fria vem ocorrendo a diminuição e a profissionalização das
Forças Armadas dos principais países europeus. Em 1999, a União Europeia contava com
quase 2,5 milhões de pessoas (destas, mais de 1,1 milhão eram conscritos) nas suas
Forças Armadas. Em 2008, o bloco já contava com dois milhões de pessoas e somente
200.000 eram conscritos (GREVI; KEOHANE, 2009, p 77). Isso vem aliado ao crescente
investimento em capacidade de projeção e em forças conjuntas de reação rápida capazes
de serem mobilizadas e transportadas rapidamente de um teatro de operações a outro. Esse
movimento tem como justificativa a mudança estratégica já discutida a cima. Os países
europeus vêm concentrando os seus recursos e expertises nacionais nas brigadas
conjuntas (ar, mar e terra) e na sua capacidade de projeção (KING, 2011, p. 86). Elas se
concentram em locais estratégicos, dos quais estendem as suas relações institucionais para
outros corpos de brigadas e com os escalões mais altos do comando da OTAN e da UE.
Produzem, dessa forma, nós e redes interdependentes, estabelecendo uma nova ordem
militar na Europa (KING, 2011, p 17).
As missões das forças militares mudaram, acompanhando a mudança estratégica
ocorrida no pós Guerra Fria. A principal missão da força aérea europeia é o suporte tático
para as missões terrestres, em detrimento da antiga missão que era a interdição e ataque
nuclear. As frotas europeias também alteraram a sua localização: o foco agora é em águas
marrons3, com ênfase em capacidades anfíbias, navios patrulha, aviões de transporte e
porta-aviões para projeção. Os governos europeus têm diminuído também o seu número de
destróiers, fragatas e navios antimina. Também ocorre a digitalização da guerra, com
investimento em capacidades cibernéticas, satélites de produção conjunta, sistema de
comunicações digital e sistemas de inteligência (GREVI; KEOHANE, 2009, p 79). A
logística, as comunicações, o auxílio médico e as forças reservas também foram
transformadas devido à pressão estratégica e de orçamento. As maiores transformações
foram nos batalhões de infantaria e elas forçam as demais forças e armas a se adaptarem a
essas mudanças (KING, 2011, p. 149-151).
As Forças Armadas europeias estão diminuindo como um todo, mas está havendo a
concentração de recursos em elites profissionais: forças especiais, fuzileiros navais,
paraquedistas. Essas elites crescem em tamanho absoluto e relativo dentro das Forças
Armadas Europeias, representando uma concentração também no nível tático. Forças mais
3 Como explicita Vidigal (2010, p. 8): “a Marinha dos Estados Unidos, após a Guerra Fria, passou a
utilizar a expressão “Marinha de águas marrons” para definir a fração de sua Marinha adequada para operar próxima ao litoral inimigo, constituída por embarcações de pequeno porte e de custo baixo, mais próprias para o ambiente litorâneo que os grandes navios, dotados de complexos e sofisticados sistemas de armas, e de alto custo”.
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leves são mais fáceis de serem mantidas e sustentadas nos teatros de operação, se
conformando assim com os orçamentos de defesa reduzidos e mantendo a capacidade de
presença em regiões de crise (KING, 2011, p. 176- 178). Esse movimento de concentração
tático em forças especiais visa estabelecer um núcleo eficiente e de capacidade de
inovação, reunindo as expertises nacionais entorno da condução das operações. Esses
núcleos visam melhorar o desempenho militar ao sincronizar demandas e treinamento
conjunto e substituir o soldado passivo do período anterior (KING, 2011, p. 235).
Como explicado na seção 2.1 deste trabalho, há uma mudança na identidade do
soldado no teatro de operação. Isso se deve porque as novas brigadas compostas de forças
especiais demandam alta capacidade de performance para que elas sejam flexíveis e
robustas, a fim de manterem a sua capacidade de adaptação e ação. Assim, elas vestão se
configurando como brigadas hibridas com forças leves e pesadas e vem desenvolvendo
uma rede de relações horizontais com os componentes marítimo e aéreo e com outras
brigadas. A estrutura piramidal e vertical de interação da Guerra Fria deu espaço para uma
rede na qual do nodo central se ramificam uma série de raízes para o exterior (KING, 2011,
p. 268 - 269). Em suma, a transformação no nível estratégico e operacional das Forças
Armadas europeias pós Guerra Fria desenvolveu a nível tático corpos de resposta rápida
que podem ser considerados como um espaço de inovação militar. A tabela a baixo
apresenta um retrato dessa mudança tática.
11
Tabela 1 - Inventário Europeu Selecionado (1999 - 2009)
Fonte: GREVI;KEOHANE, 2009, p. 81.
3 REFLEXOS DA TRANSFORMAÇÃO MILITAR PARA A COOPERAÇÃO EM DEFESA
A mudança nos níveis estratégico, operacional e tático nas Forças Armadas
europeias impacta positivamente a cooperação em defesa do bloco europeu. Especialmente
no nível tático (esfera em que as transformações das outras duas esferas são colocadas em
prática no terreno), as forças de reação rápida da Europa e da OTAN têm desempenhado
papel crucial na cooperação e desenvolvimento de tecnologia e de novas ações a nível
operacional.
Os corpos de reação rápida representam o desenvolvimento orgânico de uma nova estrutura de comando militar com a aparência de uma hierarquia formal operacional revisada. A rede militar transnacional emergente consiste na concentração do comando estratégico no nível do ACO
4 e no dos corpos
4 Sigla em ingles de Comando Aliado Operacional.
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de reação rápida, que no teatro de operações comanda como um genuíno comando operacional (KING, 2011, p. 102. Tradução livre)
5.
Isso se deve porque a nova doutrina militar de engajamento além-teatro juntamente
com os cortes nos orçamentos de defesa (intensificados pela crise econômica de 2008)
(IISS, 2008), pressionam os países europeus a fazerem “mais com menos”. Assim, os
governantes perceberam a necessidade de utilizar a cooperação em defesa como forma de
aperfeiçoar e dar maior eficiência aos recursos destinados ao setor de defesa. A
convergência dos funcionários europeus em uma forma comum da arte operacional e o
compartilhamento de uma definição de centro de gravidade é um importante elemento de
unificação (KING, 2011, p. 125). Há uma relação proporcional entre a diminuição das forças
europeias e o aumento na dependência entre elas. Como consequência, a Europa tem
convergido em padrões organizacionais comuns para facilitar a cooperação.
Portanto, no pós-Guerra Fria emerge uma série de iniciativas de cooperação
autônomas da OTAN na UE, facilitadas e pressionadas pela mudança estratégica, pelo
desengajamento americano em prestar auxílio militar, pelos cortes no orçamento de defesa
e pela mudança tática, sob a qual os Estados Unidos pressionam as forças europeias a
manterem a interoperabilidade (IISS, 2008). Cabe ressaltar que a maioria das ações dos
anos 1990 foram direcionadas para a integração política e foi somente nos anos 2000 que
as iniciativas deram resultado no campo prático. Em 1990 o governante francês Mitterrand e
o da Alemanha Ocidental Helmut Kohl desenvolveram uma carta conjunta para os outros
países europeus. Na carta eles incentivam a construção de corpos militares pela União da
Europa Ocidental (UEO) e pela Comunidade Econômica Europeia, com o objetivo de ser o
primeiro passo para a elaboração de um exército da Europa Ocidental (KOHL;
MITTERRAND, 1990). Com a intenção de padronizar os países de acordo com os
parâmetros da OTAN para a sua entrada na Aliança e posterior integração à Comunidade
Econômica Europeia, há em 1991 a formação do Grupo de Visegrado entre
Tchecoslováquia, Polônia e Hungria (VISEGRAD GROUP, [2015]).
A Comunidade Europeia assina, em sete de fevereiro de 1992, o Tratado de
Constituição da União Europeia, mais conhecido como Tratado de Maastricht. Ele
institucionalizou pela primeira vez em um Tratado a cooperação em segurança e defesa na
Europa. A Cooperação Política Europeia (EPC) é substituída pela Política Externa e de
Segurança Comum da União Europeia (PESC), visando criar um esboço de uma política de
defesa comum. Ele foi originalmente assinado entre Bélgica, Dinamarca, Alemanha,
5 Do original em inglês: “The rapid reaction corps represent the organic development of a new military
command structure within the shell of a formally revised operational hierarchy.The emergent transnational military network consists of a concentration of command at the strategic level of ACO and among the rapid reaction corps and the in-theatre commands as the genuine operational commands” (KING, 2011, p 102).
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Espanha, Grécia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Portugal e Reino Unido
(COUNCIL OF THE EUROPEAN COMMUNITIES, 1992). O Tratado de Maastricht
determinou um fórum de diálogo para decisões conjuntas (COUNCIL OF THE EUROPEAN
COMMUNITIES, 1992, p. 123-129). A PESC permaneceu compatível com a política de
segurança e defesa da OTAN. Pelo Tratado, a UEO foi integrada à União Europeia para se
configurar como principal fórum para as questões de defesa (EUROPEAN FOREIGN
POLICY UNIT, [2012], p. 2).
Em 19 de junho de 1992 foi feita a Declaração de Petersburgo. Nela, foi definido o
papel operacional da UEO: a oraganização poderia ser utilizada em missões humanitárias
de salvamento, missões de manutenção da paz, gestão de crises e pacificação
(denominadas de Tarefas de Petersburgo) (EUROPEAN FOREIGN POLICY UNIT, [2012], p.
2). Para tanto, os ministros da defesa declararam também que iriam disponibilizar unidades
militares sob o comando da UEO para as Tarefas de Petersburgo (WEU, 2000, p. 10). Em
11 de janeiro de 1994 a OTAN faz a Declaração da Conferência de Bruxelas. Ela cria o
conceito de Forças Conjuntas de Tarefas Combinadas. Elas são um corpo conjunto de
reação rápida disponível para que a UEO as utilizasse, interligando assim, os esforços
autônomos europeus à OTAN (NATO, 1994). Além disso, a declaração cria a iniciativa de
cooperação da OTAN com os países do leste europeu, conhecida como Parceria para a
Paz. Ela auxilia os países da região que ainda não fazem parte da OTAN a alcançar os
padrões necessários para a sua entrada na Aliança (NATO, 1994). Serve assim, como um
mecanismo para aumentar a cooperação em questões militares.
Em 1997, ocorre a assinatura do Tratado de Amsterdã. Ele institui reformas à PESC,
criando o posto de Alto Representante da PESC. A definição mais importante do Tratado é a
introdução do pilar de defesa para dentro da União Europeia: foi decidido que a União
Europeia poderia lançar as missões de Petersburgo, que seriam somente implementadas
pela UEO (EUROPEAN FOREIGN POLICY UNIT, [2012], p. 2). A Guerra do Kosovo em
1998, demonstrou a falta de capacidade europeia em desempenhar ações autônomas e o
menor comprometimento americano com questões de segurança e defesa do continente
europeu: os Estados Unidos demoraram a participar das operações e quando participaram
pediram o comando de forma independente da OTAN, além bloquearem o sinal do satélite
de posicionamento GPS (JONES, 2007, p. 210; 164). Cabe ressaltar que a indústria
armamentista americana estava alcançando quase o monopólio mundial. Isso demonstrou o
quanto o mercado europeu fragmentando não apresentava demanda suficiente para que as
indústrias de armamento europeias permanecessem nacionais (JONES, 2007). Assim,
Alemanha, França, Reino Unido, Suécia, Espanha e Itália, assinam em julho de 1998 a
Carta de Intenção (LoI) buscando harmonizar a operabilidade de seus armamentos (JONES,
14
2007, p. 166). Essa intenção se configurou como o primeiro passo para o início de uma base
de defesa europeia e para a capacidade de desenvolvimento de forças militares do bloco.
No mesmo ano, há o estabelecimento da Organização para Cooperação Conjunta
em Matéria de Defesa (OCCAR – sigla em francês). Ela foi criada por França, Alemanha,
Itália e Reino Unido a fim de gerir os programas conjuntos europeus de armamentos,
aumentar a eficiência e diminuir os custos da produção de armamentos (JONES, 2007, p.
166). Outro marco essencial para o desenvolvimento de forças militares europeias foi a
Declaração franco britânica de St. Malo de quatro de dezembro de 1998. Em clara resposta
à incapacidade europeia de agir sozinha nas crises da Bósnia e do Kosovo, os dois países
se declararam a favor da criação de uma força militar europeia autônoma, capaz de ser
desenvolvida rapidamente (ou seja, forças compatíveis com a mudança em nível
estratégico). Ademais, reforçaram a busca por autonomia de decisão quando a OTAN não
estiver engajada, bem como defenderam o fortalecimento da base industrial de defesa, o
desenvolvimento de tecnologia, de capacidades de inteligência e de comunicações, entre
outras (FRANCE; UNITED KINGDOM, 1998).
A Alemanha defendia também a criação do posto de Ministro das Relações
Exteriores da União Europeia. Tais iniciativas tiveram resultado no Conselho Europeu em
Colônia de 1999 que substituiu a UEO pela União Europeia no desenvolvimento das
Missões de Petersburgo (EUROPEAN FOREIGN POLICY UNIT, [2012], p. 2). Ademais,
lançaram um plano para o desenvolvimento da Política de Segurança e Defesa Autônoma
da Europa dentro das instituições da União Europeia e não mais da UEO (JONES, 2007, p.
210). Antes do Conselho Europeu em Colônia, houve em maio a Conferência Franco-
Germânica em Toulouse. Após a Conferência de Colônia e antes da conferência de Helsinki
houve em novembro, a Conferência Anglo-Francesa em Londres e a Conferência Franco-
Alemã em Paris. Todas versaram sobre o desenvolvimento de forças militares da União
Europeia (JONES, 2007, p. 212).
Em 10 de dezembro de 1999, há o ponto central da cooperação em defesa na
Europa: O Conselho Europeu de Helsinki (EUROPEAN UNION, 1999). Nele houve a
institucionalização da Política de Segurança e Defesa Comum da União Europeia (PSDC) e
elaborou-se um plano de criação de uma Força Conjunta Europeia de Reação Rápida de
Alemanha, França e Reino Unido. Essa força seria desenvolvida pelo posto de Alto
Representante para a PESC (BRZEZINSKI, 2000, p. 21). O plano previa que até 2003, o
bloco fosse capaz de recrutar no prazo de 60 dias e manter durante pelo menos um ano,
forças militares de até 50.000-60.000 pessoas capazes de desenvolver as missões de
Petersburgo. O Tratado cria também pela primeira vez estruturas de comando para executar
as missões: o Comitê Político e de Segurança, o Comitê Militar e o Estado-Maior Militar. O
Conselho Europeu de Nice em dezembro de 2000 formalizou essa estrutura (EUROPEAN
15
FOREIGN POLICY UNIT, [2012], p. 2). O plano não foi totalmente efetivado, mas
representou o início de uma nova estrutura militar transnacional na Europa. Em Nice, essa
estrutura intergovernamental de comando civil-militar tornou-se permanente (JONES, 2007,
p. 201). Ela é uma espécie de conselho com papel de ditar diretrizes para as ações militares
dos países europeus sob mandato do bloco. O alto comando das operações seria exercido
pelo Comitê Militar que é composto pelos ministros de defesa dos países europeus.
Em 1999 há a construção do satélite europeu de posicionamento GALILEO, bem
como a criação da indústria de mísseis MBDA entre França, Reino Unido e Itália. Em 2000
ocorre a criação da empresa EADS entre empresas francesas, alemãs e espanholas
(JONES, 2007, p. 164; 169; 175). Em 2001, é assinado pelos diretores de armamentos
europeus um memorando para a construção do avião de transporte europeu A400M. Eles
visavam romper com a dependência do avião americano Hércules (JONES, 2007, p. 164).
Estas iniciativas são elementos essenciais para a construção de capacidade de projeção
autônoma. Em 2002 na Convenção sobre o Futuro da Europa os países europeus
elaboraram um tratado constitucional criando o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros
Europeu; o Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE); a Agência Europeia de Armamento,
Investigação e Capacidades Militares (EUROPEAN FOREIGN POLICY UNIT, [2012], p. 2).
Em novembro de 2002 há a Declaração da Conferência de Praga da OTAN. Por ela
ocorreu a aproximação da OTAN com a Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia,
Eslováquia e Eslovênia, dando início ao segundo movimento de expansão da Aliança.
Ademais, ela cria a Força de Resposta da Aliança (brigadas com alta capacidade de
mobilidade), visando aumentar a sua capacidade de ação contra o terrorismo e as armas de
destruição em massa. Ela é uma força que inclui terra, água e mar em alta
interoperabilidade. Por essa declaração a estrutura de comando da OTAN é alterada
(NATO, 2002). Em fevereiro de 2003 ocorre a conferência bilateral franco-britânica em Le
Touquet. Nela foi desenvolvida uma Declaração para o Fortalecimento da Cooperação
Europeia em Segurança e Defesa, que previa entre outras coisas a construção conjunta de
um porta aviões e o desenvolvimento de capacidades europeias de combate. Os dois países
defenderam também a criação de uma cláusula de solidariedade no Tratado da União
Europeia para todos lidarem de forma efetiva com as ameaças comuns. Defendiam a
determinação de metas efetivas para gastos em defesa, interoperabilidade das forças e
efetividade. (MISSIROLI, 2003, p. 36-38).
Em 27 de janeiro de 2003 ocorre o Conselho de Ação Conjunta da União Europeia.
Ele desenvolveu a primeira força militar supranacional do bloco (MISSIROLI, 2003, p. 29).
Ela foi mandada para a Macedônia e contava com força pesada e leve, bem como
elementos de suporte aéreo e equipe de evacuação médica. A cadeia de comando da
operação era da União Europeia, mas com aproximação da OTAN (JONES, 2007, p. 202-
16
203). Em 23 de Outubro de 2003 houve a definição de uma Estratégia Europeia de
Segurança na Resolução do Parlamento Europeu de 2003. Ela demonstra o alinhamento da
União Europeia à estratégia ocidental do pós Guerra Fria. Em novembro de 2003 os
chanceleres europeus lançaram a Cooperação Estruturada Permanente em Defesa (grupos
de batalha), uma cláusula de assistência mútua e a criação de uma célula de planejamento
civil e militar (EUROPEAN FOREIGN POLICY UNIT, [2012], p. 2).
Em maio de 2004 a União Europeia desenvolve o Objetivo Global 2010. Nele os
ministros de defesa estabeleceram grupos de batalha para intervenção internacional,
compostos por 1.500 combatentes (JONES, 2007, p. 235). Em julho do mesmo ano há a
Criação da Agência Europeia de Defesa (JONES, 2007, p. 166-167). Em 2004 há a
operação da União Europeia na Bósnia-Herzegovina, em 2005 na Palestina e na República
Democrática do Congo, em 2007 no Afeganistão (EUROPEAN UNION, 2015). Em 2007 se
iniciam as tratativas do Tratado de Lisboa. Ele constitucionalizou a atuação da Agência de
Defesa Europeia e introduziu mais três operações (além das Tarefas de Petersburgo) em
que a União Europeia pode mandar as suas forças: operações de desarmamento conjunto,
conselho militar e assistência operacional e estabilização pós-conflitos (EUROPEAN
UNION, 2015). Ademais, o Tratado de Lisboa trouxe uma cláusula de defesa mútua.
Visando cooperarem de forma mais rápida se comparada às iniciativas multilaterais, França
e Reino Unido assinam em 2010 uma série de acordos de cooperação em defesa chamados
de Entente Frugale. Eles determinam o desenvolvimento conjunto de capacidades nucleares
e de projeção (porta-aviões), bem como de sistemas de comando, controle, comunicações,
vigilância e reconhecimento. A aliança militar é composta por dois tratados fundadores e
uma declaração conjunta (os Acordos de Lancaster de 2010 e Declaração de Cooperação
em Defesa e Segurança 2010) e intensificada por outra declaração e acordo (Encontro de
RAF Brize Norton 2014 e Acordos em Farnborough Air Show) (UNITED KINGDOM OF
GREAT BRITAIN AND NORTHERN IRELAND, 2010, p. 4-5; 7-8).
No mesmo ano, há a criação da Estrutura Ghent para compartilhamento e
desenvolvimento conjunto de capacidades militares. A iniciativa visava desenvolver uma
abordagem coordenada entre os países do bloco para os cortes nos orçamentos de defesa.
A OTAN lançou uma iniciativa similar: a Defesa Inteligente (NAGLIS, 2013, p. 15). Em maio
de 2011, durante as operações na Líbia, ocorreu a Conferência para Desenvolvimento
Conjunto e Compartilhamento Militar (P&S – sigla em inglês) entre os ministros da defesa da
União Europeia em uma tentativa de aprofundar a Estrutura Ghent criada em dezembro de
2010. Em 2012 França e Reino Unido aprofundaram a Entente Frugale. Nesta data ocorre a
intensificação dos Acordos de Lancaster por uma Declaração Franco-Britânica em
Segurança e Defesa e pelo Exercício Militar Franco-Britânico Corsican Lion no Mediterrâneo
(UNITED KINGDOM, 2012). Em março de 2012 o Conselho Europeu de Relações
17
Exteriores ativa o Centro de Operações Europeu para coordenar as três missões em curso
da PSDC no Chifre Africano (EUROPEAN FOREIGN POLICY UNIT, [2012], p. 3).
Em outubro de 2012 ocorre a tentativa de fusão da empresa inglesa BAE Systems e
da franco-germânica-hispânica EADS - as duas maiores empresas europeias de
armamentos. Isso se deu na onda dos esforços europeus em desenvolver uma política de
compartilhamento e uso conjunto de armamentos militares, em coordenar os cortes nos
gastos de defesa e após a declaração franco-britânica de 2012 (IISS, 2013, p. 39). Em 2013
o Conselho Europeu de Dezembro concluí que a Europa deve manter certo nível de
investimento militar a fim de preservar os meios necessários para exercer as suas missões.
Para isso defende o aumento da cooperação em defesa, especialmente na criação de uma
Base Industrial e Tecnológica de Defesa (EUROPEAN COUNCIL, 2013, p. 3). Em fevereiro
de 2014 há o Conselho Franco-Germânico de Ministros. A Alemanha declara a possibilidade
do uso da brigada franco-germânica na missão militar europeia EUTM no Mali (PERTUSOT,
2013). Especialmente em 2014 França e Reino Unido assina acordos complementares ao
da Entente Frugale (UNITED KINGDOM, 2014a). Acordaram na quantia de 120 milhões de
libras para parceria com seis indústrias para o desenvolvimento do veículo aéreo
combatente não tripulado. Assinaram também um memorando de entendimento sobre o
programa SCALP/Storm Shadow com a empresa europeia MBDA.
Em março de 2015 ocorre o Conselho Franco-Alemão de Ministros no qual declaram
fortalecer a cooperação na área espacial com o desenvolvimento de uma nova geração de
satélites de observação (GERMANY, 2015). Em julho de 2015 o Conselho europeu, como
resposta a onde de refugiados, declarou a necessidade de ações a fim de aprimorar a
PSDC: os países membros devem aumentar os seus gastos em defesa; alocar orçamento
da União Europeia para desenvolver um programa de pesquisa e tecnologia para dar mais
efetividade às missões do bloco; mobilizar instrumentos europeus para a contensão de
ameaças híbridas; intensificar parcerias com OTAN, ONU, OSCE e União Africana e
empoderar os parceiros a fim de que gerenciem crises (EUROPEAN COUNCIL, 2015, p. 6).
4 CONCLUSÃO
A nova visão estratégica dos objetivos estatais em segurança e defesa leva a uma
transformação no nível, estratégico, operacional e tático das Forças Armadas europeias e
da OTAN. A natureza híbrida das novas ameaças e a sua dispersão geográfica leva à
necessidade de substituir as capacidades estáticas e pesadas por capacidades mais leves e
de alta mobilidade. Isso aliado aos cortes nos orçamentos de defesa e à pressão americana
por divisão de custos no Sistema Internacional pressionam os países a intensificarem a
cooperação. De notável influência são os novos corpos de ação rápida, que desempenham
18
papel tanto tático quanto operacional (eles criam planos para as operações, determinando
quando, onde e como desenvolver forças com objetivos estratégicos (KING, 2011, p.104)),
criando uma rede de conexão entre as forças dos outros países e delas com os altos
comandos. Portanto, como resultado destas mudanças, os países europeus devem
estabelecer novas definições, práticas e procedimentos coletivos a fim de regular e agilizar
essas mudanças, criando assim um novo regime militar europeu.
Isso se reflete na prática. Houve a intensificação das iniciativas regionais para
aprofundamento da cooperação em defesa. Estas iniciativas se interligam – uma
complementando a outra - com todas as esferas atuantes na Europa: OTAN, UE e esfera
nacional. Elas se direcionam no sentido de buscar autonomia quanto aos Estados Unidos e
de manter as suas capacidades combativas no novo ambiente estratégico. Sabe-se que
muitas delas não encontram a efetividade prática que tem na teoria, ou demoram muito para
serem efetivadas (caso dos corpos de batalha da UE, dos aviões de transporte A400M, dos
projetos de caças de 4º geração concorrentes...). Todavia isto não deixa de ser natural
quando falamos da área mais sensível do Estado Nação: a sua soberania.
Há muito ainda o que se estudar sobre a transformação pela qual passa as Forças
Armadas europeias atualmente. Este trabalho pretendeu somente fazer um link entre estas
mudanças e o pilar de defesa europeu. A partir deste trabalho pode-se aumentar a agenda
de pesquisa para verificar o impacto dessas transformações na capacidade combativa da
Europa. Pode-se levantar a hipótese de que na verdade o que vem ocorrendo no continente
é somente uma transformação e não uma modernização das Forças Armadas. Exemplo
disso é a atual situação dos armamentos de Alemanha, França e Reino Unido que os
tornam dependentes de tecnologia americana para desempenhar as suas operações (foi o
caso na Guerra Bósnia, do Kosovo, da Líbia). Das 89 aeronaves que a Alemanha tem
somente 38 estão em funcionamento e somente 25 dos 57 aviões de transporte alemães
estão utilizáveis (ALEMANHA, 2016). Pode ser que seja necessário uma efetiva integração
em defesa (especialmente das bases industrias de defesa) para que a Europa finalize a
transformação de suas Forças Armadas com modernização.
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